O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 681

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 168

ANO DE 1960 21 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 168, EM 20 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Cota Morais referiu-se ao falecimento do Sr. Almirante Botelho de Sousa, cuja figura evocou, propondo um voto de pesar.
No mesmo sentido falou o Sr. Deputado Sá Linhares.
O Sr. Presidente mandou exarar na acta o voto proposto.
O Sr. Deputado Calheiros Lopes solicitou do Governo a abertura ao trânsito de um troço da auto-estrada Lisboa-Vila Franca de Xira.
O Sr. Deputada José Sarmento enalteceu a acção do Sr. Secretário de Estado do Comércio em favor do sector do vinho do Porto.
O Sr. Deputado Nunes Fernandes insistiu pelos elementos que há meses pedira sobre a vida e actividade da Comissão Reguladora, das Moagens de Ramas.

Ordem do dia. - Continou o debate sobre o projecto de lei do Sr. Deputado Camilo de Mendonça relativamente às remunerações dos administradores de empresas.
Falaram os Srs. Deputados Homen Ferreira, Agostinho Gomes, Rocha Peixoto e Neves Clara.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horta e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.

Página 682

682 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 168

Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Gosta Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Feres Claro.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 85 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte

Expediente
Telegramas

Do Sr. Cardeal-Patriarca do Lisboa a agradecer as palavras do Sr. Presidente proferidas na Assembleia a propósito da deslocação de Sua Eminência em representação do Santo Padre para efeito da inauguração da nova capital do Brasil.
De agentes técnicos de engenham de Angola a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Saraiva de Aguilar acerca da situação da sua classe.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Cota Morais.

O Sr. Cota Morais: - Sr. Presidente: no passado dia 7 faleceu o vice-almirante Alfredo Botelho de Sousa.
Oficial da nossa marinha de guerra dos mais distintos, foi técnico naval consagrado, conhecedor profundo dos assuntos da defesa nacional e sabedor, como poucos, dos problemas de guerra internacionais.
Pela sua vasta cultura, pelo seu extraordinário bom senso e pela sua inteligente objectividade, foi numerosas vezes consultado pelas mais altas individualidades do Estado e tomou parte em diversas conferências e reuniões internacionais, prestigiando a Nação e contribuindo sempre para o bom nome de Portugal.
E bastariam estas razões, se mais não houvesse, para julgar que era dever evocar nesta Assembleia Nacional, com consideração e saudade, o vice-almirante Botelho de Sousa e em nome da população do distrito de Ponta Delgada - donde era natural e onde todos o estimavam e respeitavam -, prestar a mais sentida homenagem à sua memória.
Apesar dos numerosos e exaustivos trabalhos de que estava encarregado - ou de que ele próprio se encarregava -, independentemente dos elevados cargos que desempenhava e das honras que lhe competiam ou lhe dispensavam, Alfredo Botelho de Sousa, sempre modesto e sempre grato, jamais esqueceu a terra longínqua, bem portuguesa, onde nasceu e que com frequência visitava. Era sempre com carinho e interesse que se referia aos Açores e especialmente a S. Miguel, sua terra natal.
Como micaelense - e, portanto, como açoriano - que muito me orgulho e honro de ser, não podia, na realidade, também deixar de lhe prestar a minha modesta homenagem.
Sr. Presidente: o vice-almirante Botelho de Sousa consagrou a sua vida ao estudo e ao cumprimento do dever e fê-lo com o mais perfeito rumo, conquistando as mais elevadas classificações nos seus cursos e atingindo os mais altos e distintos cargos na sua vida profissional.
Dedicando a sua intensa actividade e a sua extraordinário capacidade de trabalho principalmente aos assuntos do mar, e em especial aos da marinha de guerra, tudo fez para a desenvolver, prestigiar e engrandecer.
Já como Deputado às Constituintes de 1911, e seguidamente como senador, na qualidade de relator do orçamento da Marinha, fez ampla e douta exposição sobre a situação relativa a armamentos navais de então, pondo em evidência a necessidade de procurarmos, por todos os meios ao nosso alcance, dotar o País com os indispensáveis elementos de defesa.
Por mais de uma vez e por diversas maneiras destacou que «uma marinha não se improvisa» e que «se o material leva anos a construir, muito mais demorada é ainda a preparação do pessoal».
Neste sentido foi eficientíssima a sua actuação como professor da Escola Naval, educando e instruindo gerações sucessivas de distintos marinheiros. E mais talvez do que os merecidos louvores oficiais que pelo desempenho deste cargo lhe foram conferidos, o respeito, a estima e a admiração que por ele tinham os oficiais da nossa Marinha evidenciam a utilidade real e a importância deste seu trabalho.
E trabalhou sempre e sempre, especialmente para a Marinha. Ainda depois de passar à reserva, e até mesmo após atingir a situação de reforma, continuou os seus estudos e publicou a História Militar Marítima da Índia, aumentando assim valiosamente a sua importante bibliografia, da qual já faziam parte, entre outras obras, as Lições de Arte Militar Marítima, Novas For-

Página 683

21 DE ABRIL DE 1960 683

mas de Guerra Naval, Marinha e Defesa Nacional, História da Guerra com Holandeses no Brasil e Ormuz-Serrate.
Mas não foi apenas como professor e escritor que exerceu a sua actividade; foi também como comandante de navio e de esquadrilha que se evidenciou, conquistando as insígnias da Torre e Espada no comando do Almirante de Paço de Arcos, na primeira grande guerra.
Ao deixar o serviço activo, em 1945, por ter atingido o respectivo limite de idade, com uma brilhante folha de serviços, da qual constavam numerosos louvores e medalhas, diversas homenagens lhe foram prestadas por entidades nacionais e estrangeiras.
De entre elas - todas bem significativas e prestigiantes - menciono a, que lhe foi prestada pelo Ministro da Guerra, com a assistência dos Ministros da Marinha e do Interior e dos oficiais portugueses que intervieram em negociações estabelecidas com os estados-maiores das Nações Unidas durante a segunda guerra mundial.
Foi então lida uma carta do Sr. Presidente do Conselho, em que este destacava o vice-almirante Botelho de Sousa, presidente da comissão militar, como a pessoa que mais directa e assiduamente com ele tratou de todos os assuntos de natureza político-militar, sendo com a maior mágoa que o via afastar do lugar que lauto honrou e em que tão dedicadamente serviu.
Nessa ocasião, como em muitas outras, o vice-almirante Botelho de Sousa afirmou que tudo quanto fizera como presidente da comissão militar não traduzia mais do que o cumprimento de uma política superiormente traçada pelo Governo, definida e dirigida por Salazar, que, por felicidade nossa, tão sabiamente tem orientado a política internacional, de forma a dignificar Portugal perante todo o Mundo e, acrescentarei também, a fazer com que respeitem os nossos sagrados direitos, como a recente decisão do Tribunal da Haia relativa à nossa Índia bem o evidencia.
E foi sempre assim, Sr. Presidente, o vice-almirante Botelho de Sousa: modesto, estudioso, cumpridor, paladino da verdade e da justiça!
Foi um notável oficial da nossa marinha de guerra!
Foi um grande português!
E eis também a razão por que proponho seja exarado na acta de hoje um voto de profundo pesar pelo falecimento do vice-almirante Alfredo Botelho de Sousa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente : - O Sr. Deputado Cota Morais, no final do seu discurso, sugeriu um voto de pesar pelo falecimento do Sr. Almirante Botelho de Sousa.
Creio interpretar o sentimento da Assembleia mandando exarar na acta da sessão de hoje esse voto de pesar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Sá Linhares: - Sr. Presidente: desapareceu há dias do tablado da vida uma das mais prestigiosas figuras da Armada portuguesa. Acabou de recordá-la o nosso ilustre colega general Cota Morais.
Como marinheiro e como açoriano não posso deixar de me associar as suas palavras do sentimento.
Antes de evocar a memória fio almirante Botelho de Sousa como oficial da nossa Armada desejo recordar um período da sua vida que procedeu a sua promoção a segundo-tenente.
Nascido em 1880, na ilha de S. Miguel, Açores, era filho de uma família honrada, mas pobre e modesta.
um ilustre e abastado titular daquela ilha, tendo conhecimento das suas excepcionais qualidades de inteligência e aplicação aos estudos, resolveu educá-lo à sua custa.
Cursando o liceu com distinção e em seguida os preparatórios universitários, assenta praça, como aspirante, nu Escola Naval, onde continua a revelar as suas qualidades de distinto estudante.
Em 1904, seis anos depois do seu ingresso na Escola Naval, é promovido a segundo-tenente e, logo que consegue amealhar algumas economias, pretende restituir àquele titular o dinheiro gasto com a sua educação, pedindo-lhe que o aceitasse para que fosse educado outro rapaz nas suas condições.
Implantada a República em 1910 e sendo ele ainda segundo-tenente é convidado para aceitar a sua candidatura como Deputado as Constituintes.
Grato àquele titular, e sabendo da sua fidelidade à monarquia, só aceita candidatar-se depois de lhe pedir a sua opinião e esta foi favorável aos desejos do jovem tenente.
Ambos se dignificaram com a sua atitude.
A sua vida política teve, porém, pouca duração, pois, dissolvidas as Constituintes, o almirante Botelho de Sousa passa a dedicar toda a sua actividade ao serviço da Marinha.
Na vida do mar foi um dos mais distintos e destacados oficiais, tanto na paz como na guerra.
Pela sua valorosa acção como comandante de um navio, no primeiro conflito mundial, foi agraciado com o grau de cavaleiro da Ordem da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito.
Dotado de invulgares qualidades do inteligência e amor ao estudo, passa grande parte da sua vida como professor da Escola Naval, Escola do Guerra e dos cursos navais de guerra.
As suas lições são magistrais e assinalam uma nova era nos conhecimentos dos oficiais da Armada.
Não lhe bastando o trabalho incansável das suas aulas, dedica-se com o maior entusiasmo à história militar.
Torna-se assim um escritor militar e historiador dos mais altos méritos.
Ocupou-se, além dos temas estratégicos da actualidade, das investigações relacionadas com as lutas navais do período da Restauração, nomeadamente nos mares do Oriente.
As acções havidas com os Holandeses na Índia e no Brasil também lhe merecem a sua atenção e o seu estudo.
Mas, Sr. Presidente, foi sobretudo na chefia suprema da Armada, como major-general, no período difícil da última conflagrarão, que o almirante Botelho de Sousa pôs à prova as suas brilhantes e excepcionais qualidades de organizador, de chefe e de técnico consumado de estratégia e de política internacional.
Durante todo o conflito teve a Marinha a sorte de o ver ocupar o mais alto posto de comando. Perante as situações mais diversas e intrincadas derivadas da nossa posição em presença da evolução do conflito, com as bases dos Açores permanentemente ameaçadas, com os nossos navios em constante vigilância, com os problemas de soberania a preservar no Extremo Orienta, em suma com a mais rica variedade de problemas suscitados das situações de beligerância e neutralidade em que nos debatíamos, o vice-almirante Botelho de Sousa soube ser não só um grande colaborador do Governo, como ainda um grande chefe da nossa Armada.

Página 684

684 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 168

O seu nome ficará gravado na história da nossa Marinha e os oficiais que num ele serviram nunca o poderão esquecer.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador fui muito cumprimentado.

O Sr. Calheiros Lopes : - Sr. Presidente : entre as consideráveis obras de fomento com que o Governo está dotando o País inscreve-se, como uma das mais vantajosas, a auto-estrada entre Vila Franca de Xira e Lisboa. Na verdade, essa realização virá melhorar de forma muito importante as condições do tráfego rodoviário, tanto no que respeita às ligações com o Norte, como no movimento, dia a dia mais intenso, dessa nascente zona industrial, de tão promissor futuro, que se estendo já hoje por ambas as margens do Tejo.
Que o relevante melhoramento se impunha avaliam-no todas as pessoas que, com frequência ou mesmo acidentalmente, tiverem de fazer por estrada o percurso de Vila Franca de Xira a Lisboa, sujeito a demoras, riscos e dificuldades que tornam essa viagem de 30 km um verdadeiro suplício. Um trânsito intensíssimo por uma estrada apertada, cheia de curvas e desníveis, põe á prova os nervos, a paciência - e até a coragem - do automobilistas e camionistas que utilizam essa estrada, construída pelos nossos avos no tempo repousado o lento da mala-posta, obedecendo a noções de trânsito e a necessidades de deslocação das pessoas e das mercadorias muitíssimo inferiores às actuais.
Todavia, as realidades presentes obrigam-nos a encarar com outro espírito, o espírito da velocidade quase a tocar o domínio da vertigem, os complicados problemas do tráfego rodoviário. Um dos aspectos desses problemas é originado pelo enorme aumento da camionagem (cerca de 30 por cento nos dois últimos anos) e simultaneamente pelo do número de unidades automobilísticas existentes no País.
Ao mesmo tempo, o desenvolvimento do turismo é outra realidade, aliás a registar com regozigo para a economia nacional, que veio reflectir-se igualmente no congestionamento do trânsito em certas das nossas mais importantes estradas, visto fazer-se em grande parte em transporte automóvel a deslocação da já relevante massa de estrangeiros que visitam Portugal e cujo movimento, nos três derradeiros anos, é dado pelos seguintes números: em 1957 - 251 385 entradas; em 1958 - 263 890 em 1959 - 295 942.

Vozes : - Muito bem!

O Orador: - Evidentemente, não podemos afirmar que todos os turistas passam pelo troço da estrada a que me refiro e sofrem esse calvário dos pouco mais de 30 km percorridos em cortejo, a velocidades horárias reduzidas, entre riscos de ultra passagens de pesados camiões e do cruzamentos inesperados com os loucos da estrada que por ai circulam.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas não parece arriscado supor-se que a grande maioria do turismo utiliza esse percurso, saindo de Lisboa para demandar toda a zona do Centro e do Norte do País, onde tantos centros de interesse turístico se concentram.
Ora tudo isto procurei recordar em síntese reforça, ao que penso, a ideia da crucial urgência da abertura ao trânsito da auto-estrada Vila Franca-Lisboa. Que essa noção de urgência é partilhada por todos, a começar pelas entidades oficiais de quem o assunto depende, não me resta a menor dúvida. Todavia, devemos admitir que, apesar do infatigável interesse dedicado pelos serviços e, em especial, pelo Sr. Ministro das Obras Públicas a esta, como, aliás, a todas as realizações em curso no seu Ministério, são inevitáveis as demoras derivadas pela dificuldade e importância de algumas das obras de arte, sobretudo no que respeita aos viadutos de Vila Franca e Alhandra.
Nestas circunstâncias, penso que seria da maior conveniência encarar desde já a utilização da auto-estrada nos percursos possíveis, independentemente da sua entrada em serviço, no todo, quando as referidas obras de arte o permitirem - o que me parece demorará ainda bastante tempo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Com este pensamento, peço licença, Sr. Presidente, para em nome de muitos milhares de portugueses interessados neste caso, solicitar a S. Exa. o Ministro. das Obras Públicas que, pondo em acção, mais uma vez, aquele espírito de serviço público, aquela competência realizadora, aquele dinamismo esclarecido que o caracterizam, se digne estudar a solução da abertura ao trânsito, mesmo a título provisório e experimental, do trecho da auto-estrada entre Alhandra e a capital.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Julgo que esta solução representaria um importante benefício imediato para o tráfego. O trecho referido é, decerto, o mais concorrido e o mais perigoso de todo o percurso de Vila Franca a Lisboa, e se se desviasse desde já para a auto-estrada uma parte do tráfego - o propriamente automobilístico de carros ligeiros-, certamente melhorariam extraordinariamente as condições do todo o tráfego, evitando-se acidentes e poupando-se vidas nesse troço de estrada justificadamente conhecido pela «estrada da morte».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sem de forma alguma pretender invadir o campo da técnica, penso que não seria impossível, mediante o aceleramento imediato da obra no trecho em referência, abri-lo no trânsito dentro de dois ou três meses, beneficiando já o movimento turístico e mesmo a natural intensificação do tráfego na quadra estival.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Além das vantagens apontadas, resumidamente embora, não deixarei de lembrar a melhoria das condições de entrada na capital para quem vem do Norte, visto que, desembocando a auto-estrada já na rotunda da Encarnação, em plena cidade, pode dizer-se, evitar-se-iam as actuais dificuldades do trajecto entre Sacavém e a Encarnação, que tão mal impressionam os viajantes na sua chegada à capital do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Repare-se no que se faz no estrangeiro quanto a este importantíssimo problema dos acessos às grandes cidades, Bruxelas, quando da grande exposição internacional do ano passado, deu um exemplo notável de melhoria das condições de trânsito, procurando, como aliás, se está fazendo em toda a parte, descongestionar, evitar cruzamentos, dispensar complicadas sinalizações e policiamento excessivo do tráfego. Em Paris,

Página 685

21 DE ABRIL DE 1960 685

foi há dias aberto ao serviço o primeiro troço de auto-estrada que liga a cidade ao Sul da França, importantíssima obra que teve em vista evitar os formidáveis engarrafamentos até aqui frequentes nessa saída da grande metrópole parisiense. Não houve qualquer preocupação de aguardar a execução total da auto-estrada e abriu-se ao trânsito a parte já imediatamente utilizável.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Na Áustria, a auto-estrada que vai desde a fronteira com a Baviera até à fronteira italiana tem troços que não estão ainda a ser utilizados. O mesmo sucede em Itália, na auto-estrada de Génova a Milão, visto não estar ainda completa.
Permito-me apontar estes exemplos, solicitando a S. Exa. o Ministro das Obras Públicas o estudo da adopção de critério semelhante na auto-estrada de que nos estamos ocupando. Procurando abreviar a utilização do troço Alhandra-Lisboa, o Governo granjearia, certamente, o aplauso e reconhecimento gerais. Beneficiar-se-ia o trânsito dos milhares de carros ligeiros de portugueses e estrangeiros que diariamente demandam ou saem da capital. E, de forma indirecta, embora não menos importante, lucrariam as actividades económicas da região do Ribatejo, cujo movimento de mercadorias em camionagem continuaria a fazer-se pela velha estrada, mas aliviado da concorrência de grande parte do tráfego automobilístico, desviado para a auto-estrada.
E com esta providência imediata o Governo prestaria ao País mais um relevante serviço.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador fui muito cumprimentado.

O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: na sessão do 8 do corrente, à qual, por motivos imperiosos, não pude assistir, o nosso ilustre colega nesta Assembleia, o Sr. Deputado Virgílio Cruz, numa oportuna intervenção, referiu-se à recente baixa de direitos aduaneiros que no Reino Unido incidiam sobre o vinho do Porto.
Não podia nem queria deixar de me referir também a tal facto, pois muitas vezes apontei nesta Assembleia a necessidade imperiosa da redução dos direitos aduaneiros que no Reino Unido sufocavam a exportação do vinho do Porto. Além disso, tendo tantas vezes apontado o abandono a que parecia votado este tão importante sector das nossas exportações, agora - que só palavras de reconhecimento teria, de proferir pela actuação fecunda e eficientíssima do Sr. Secretário de Estado do Comércio - mal ficaria perante a Nação se não levantasse a minha voz para testemunhar ao Governo o alto reconhecimento de todos os que ao vinho do Porto se encontram ligados
Para se avaliarem as consequências da redução dos referidos direitos e para se ajuizar do tratamento de desfavor com que no Reino Unido, antes da referida baixa, era tratado o vinho do Porto farei um pouco de história.
Antes da última grande guerra os vinhos chamados pesados (mais de 16.º de álcool) pagavam de direitos aduaneiros o dobro do que pagavam os chamados vinhos leves (menos de 16.º). Em particular, em 1938, sobre os pesados incidiam 8 xelins por galão, enquanto que sobre os leves só incidiam 4. Durante a guerra os direitos subiram progressivamente até que em 1948-1949 atingiam respectivamente 50 e 25 xelins por galão. Em suma, os direitos subiram extraordinariamente, cerca de seis vezes mais; no entanto os direitos pagos pelos vinhos pesados continuaram a ser o dobro dos que incidiam sobre os vinhos leves.
Em Abril de 1949 o então chanceler do Tesouro, Sir. Staford Cripps, ao apresentar o orçamento para 1949-1950, reduziu os direitos aduaneiros sobre os vinhos leves, ficando estes a pagar 13 xelins por galão, cerca de metade do que pagavam anteriormente, enquanto que os direitos aduaneiros sobre os vinhos pesados não sofriam redução alguma. Esta baixa de direitos aduaneiros sobre os vinhos leves e a conservação dos direitos elevadíssimos que incidiam sobre os vinhos pesados dificultaram extraordinariamente a expansão do consumo do Porto. Senão, vejamos: a importarão dos vinhos leves, devido a esta redução de direitos, passou de cerca de 7 milhões de litros, antes da baixa, para cerca de 32 milhões, em 1958-1959.
Contudo, o consumo de vinho do Porto, cujos direitos não sofreram redução, manteve-se em cerca de 7 milhões de litros, desde 1949 volume muito inferior aos 18 milhões de litros de antes da guerra.
Esta desigualdade de direitos aduaneiros entre os vinhos pesados e leves incentivou a mistura dos referidos vinhos, pois, enquanto que um vinho leve de 13.º paga 1 xelim por galão e grau, um Porto de 20.º pagava cerca de duas vezes e meia mais. Favorecia-se assim, indirectamente uma fraude, da qual resultavam duplos prejuízos para o vinho do Porto, pois não só o quantitativo exportado tirava reduzido na proporção dos vinhos leves misturados, mas também a qualidade baixava, devido à adulterarão, retraindo-se assim o consumidor.
Contra esta desigualdade de tratamento entre vinhos pesados e leves se queixava o nosso comércio de exportação. O Governo, sempre atento aos anseios daqueles que, defendendo o interesse de um sector, automaticamente defendem os interesses nacionais, procedeu às negociações que entendeu convenientes para se conseguir atenuar a posição de desfavor do vinho do Porto no Reino Unido.
Em Abril de 1958 o chanceler do Tesouro, ao apresentar nos Comuns o orçamento para 1958-1959, anunciou uma baixa dos direitos aduaneiros que incidiam sobre os vinhos pesados. Os referidos direitos passaram de 50 para 38 xelins por galão. De toda a justiça é recordar neste momento o muito que para tal contribuiu o nosso antigo embaixador em Londres, o actual. Ministro da Presidência, a quem o sector do vinho do Porto tanto ficou a dever.
No entanto, esta baixa de 12 xelins por galão foi logo considerada pelos entendidos como insuficiente, pois, não restaurando a primitiva relação entre os direitos de importação dos vinhos pesados e os dos vinhos leves, não iria permitir que o consumo do vinho do Porto no Reino Unido atingisse o quantitativo desejado.
Apesar disso, se compararmos as importações de vinho do Porto no Reino Unido de Janeiro a Agosto de 1959 com a do mesmo período em 1958, nota-se um aumento de cerca de 12,5 por cento. Outra consequência favorável da referida baixa foi ter aumentado a procura dos vinhos do Porto de preço mais elevado.

Vozes: - Muito bom, muito bem!

O Orador: - No entretanto esboça-se a Associação Europeia do Comércio Livre, da qual Portugal veio a fazer parte. Como por todos é sabido, os sete da Associação do Comércio Livre comprometeram-se a uma redução progressiva dos direitos aduaneiros dos produtos industriais. Infelizmente o vinho do Porto foi considerado produto agrícola e, consequentemente, os seus di-

Página 686

686 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 168

reitos de importação não sofrerão automaticamente redução.
Era este, mais ou menos, o panorama antes da recentíssima baixa de direitos alfandegários do vinho do Porto no Reino Unido.
Quase logo a partir da anterior baixa de direitos alfandegários (50 xelins para 38 xelins por galão), pelas razões há pouco referidas, os exportadores movimentaram-se no sentido do se conseguir uma baixa mais acentuada de direitos, de maneira a se estabelecer a anterior relação entre os direitos de importação dos vinhos pesados e os dos vinhos leves.
O nosso Governo, através dos seus respectivos órgãos, secundou vivamente essa pretensão. Finalmente, em 4 do corrente o chanceler do Tesouro, Armory, ao apresentar nos Comuns o orçamento do Reino Unido para 1960-1961, anunciou a redução de direitos de importação dos vinhos pesados. O vinho do Porto ficou a pagar menos 12 xelins por galão. Isto é, os direitos passaram de 38 xelins para 26 xelins por galão. Em suma: o Governo do Reino Unido acedeu às solicitações que lhe eram feitas, restabelecendo novamente a antiga relação entre os direitos de importação dos vinhos pesados e os dos vinhos leves. Recapitulando: anteriormente a l1958-1959 a taxa aduaneira sobre o vinho do Porto era de 50 xelins por galão, nesse mesmo ano baixou para 38 xelins e agora, a partir de 1 de Abril de 1960, passou a 26 xelins.
Os vinhos leves, que pagavam, anteriormente a Abril de 1949, 26 xelins por galão, passaram depois dessa data a pagar somente 13 xelins.
Ao anunciar a referida redução o chanceler do Tesouro acrescentou que o fizera a pedido de Portugal. Esta afirmação prova que a actuação do nosso Governo, e muito particularmente a do Sr. Secretário de Estado do Comércio, foi de uma eficiência notável, o que muito me apraz destacar.
Mas a fecunda actividade do Sr. Secretário de Estado do Comércio no sector do vinho do Porto não se limita ao que acabei de apontar. Para ajuizar da sua actuação neste sector das nossas exportações limitar-me-ei a apontar alguns factos que atestam a sua vontade firme e a fé que deposita no ressurgimento da exportação do vinho do Porto. Assim, em 21 de Outubro de 1959, publicou o Decreto-Lei n.º 42604, destinado a assegurar a defesa da qualidade do vinho do Porto e à obtenção de um justo equilibro de preços. Em 5 de Março de 1960 desloca-se propositadamente ao Porto para conferir a posse aos novos directores do Instituto do Vinho do Porto. Em 6 de Março visita a Casa do Douro para tomar um primeiro contacto com a produção. Aponto, à margem, que todos os lavradores do Douro rejubilariam se S. Exa. pudesse despender uns momentos da sua fecunda actividade numa visita ao Douro. Em 26 de Março o Grémio dos Exportadores de Vinho do Porto, cheio de fé e entusiasmo pela obra começada a desenvolver a favor do incremento das exportações, homenageou o Sr. Secretário de Estado, que novamente se desloca à cidade do Porto, demonstrando assim o grande interesse que dedica a este ramo das exportações.
Em 18 de Março inaugura em Paris, na Casa de Portugal, uma exposição de vinho do Porto, subordinada ao título «Porto Noblesse du Vin». Finalmente, em 4 de Abril, tivemos a grata notícia de saber que o chanceler do Tesouro declarara nos Comuns que, a pedido de Portugal, se iriam reduzir os direitos de importação sobre o vinho do Porto.
Sr. Presidente: vou terminar declarando que todo o sector do vinho do Porto, do qual fazem parte cerca de 22 000 produtores, está confiante na actuação do Sr. Secretário de Estado do Comércio e que estes lhe agradecem tudo o que tem feito para a salvaguarda deste tão importante sector da nossa economia.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Nunes Fernandes: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento
«Na sessão de 17 de Junho do passado ano apresentámos um requerimento solicitando vários elementos referentes à vida e actividade da Comissão Reguladora das Moagens de Ramas.
São decorridos dez meses e tais elementos ainda não foram entregues.
Tal demora já não tem justificação plausível, a menos que os serviços daquele organismo não estejam estabelecidos de forma a poder fornecê-los.
Ora os signatários não desistem de tomar contacto mais directo com a organização, como não desistem de fazer os devidos comentários às afirmações produzidas nos discursos laudatórios proferidos por ocasião do aniversário da criação da já referida Comissão.
Vimos, pois, insistir pelo fornecimento dos solicitados elementos, lamentando, desde já, a demora verificada para a sua entrega».
(este requerimento foi também assinado pelo Sr. Deputado Augusto Simões).

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade o projecto de lei sobre a limitação de remunerações dos corpos gerentes de certas empresas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Homem Ferreira.

O Sr. Homem Ferreira: - Sr. Presidente: estou habituado a não ter medo das circunstâncias difíceis da vida. Mas desta vez subo a esta tribuna verdadeiramente angustiado. É que este debate abrange ideias, conceitos e posições que se prendem com a minha própria concepção da vida e com a tábua de valores a que sou, e quero continuar a ser, fiel.
Por outro lado, dada a ressonância pública das questões em estudo, não é difícil reconhecer que está em jogo o prestígio desta Assembleia como órgão político, que tem de auscultar e reflectir os anseios e aspirações dos povos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As soluções agora preconizadas pretendem defender e resguardar as coordenadas éticas do Regime, dentro do preceito salutar de que a aceitação e consolidação dos regimes autoritários dependem mais da força moral que os anima do que da força física de que dispõem.
Ao intervir na discussão do projecto de lei n.º 27, avalio assim em toda a extensão a lealdade que devo à função pública que desempenho e as responsabilidades contraídas com o meu país e, sobretudo, com a minha consciência.
Neste capítulo está bem demarcada a minha linha de actuação: não ofendo, mas também não recuo: discuto, mas não posso ser vencido; respeito as opiniões divergentes, mas não transijo.

Página 687

21 DE ABRIL DE 1960 687

Quando estão em causa verdades que trazemos no peito e à sombra das quais se formou o espírito e disciplinou o coração, não há lugar a hesitações, nem é possível naufragar em qualquer torrente de sofismas.
Há, portanto, que falar claro, arredando a trama da dialéctica que parece querer envolver e desfigurar uma questão que, sendo um caso de higiene político-social, há muito nos ocupa e preocupa.
A magnífica e exaustiva exposição do engenheiro Camilo de Mendonça, iluminando todos os ângulos do problema, e a clareza dos depoimentos dos ilustres Deputados que se lhe seguiram reduzem as minhas considerações a uma mera declaração de voto, a cuja obrigação moral não desejo furtar-me. Quero que seja breve, mas nítida, porque em matéria de tal acuidade não se pode ser neutro nem vacilante.
O Regime não pode ser infectado pela dureza dos grandes interesses, nem pelo egoísmo inconsciente de alguns.
Sou, por conseguinte, solidário com as intenções que inspiram o projecto, e estou convencido de que ele representa um passo em frente no caminho das nossas esperanças.
Certo que não será um elixir mágico capaz de dissolver todas as sombras, evitar os desmandos e corrigir a argila humana, até porque «as leis, verdadeiramente, fazem-nas os homens que as executam».
Mas é um contributo de grande utilidade, pois, além do mais, impõe uma direcção moral, fixa princípios e, sobretudo, cria o clima legal propício a defrontar os desvios.
Seria utópico esperarmos remédios de outra, fonte, mormente de uma espontânea morigeração de costumes. As leis constituem a aparelhagem, precisa e própria para regular e conter os impulsos sociais da vida. Não valem apenas pelo que são e pela sua eficácia, mas também polo que representam como cristalização e padrão de valores. Claro que todas as normas podem ser violadas ou iludidos. Mas a simples existência de um comando legal já constrange e desalenta as tentações, na medida em que coloca tora da lei todos aqueles que, porventura, tenham tendência pura esquecer e desrespeitar as suas próprias responsabilidades. A desvalorização moral e social que a infracção acarreta é, de facto, um factor de inibição.
Não tenhamos, porém, ilusões. Se não se introduzir no projecto - como, aliás, preconiza o engenheiro Cancella de Abreu no seu notável voto de vencido - uma sanção que contemple as respectivas infracções, a lei a elaborar esvazia-se do seu conteúdo útil e não terá qualquer alcance prático.
Como já foi aqui lembrado, castiga-se o juro excessivo, considera-se delito antieconómico o lucro exagerado, e seria bem estranho que agora não se editassem as medidas coercivas necessárias para impedir as remunerações anómalas dos corpos gerentes das empresas ligadas ao Estado, ou pura as conter dentro dos limites legais.
Uma lei sem sanção não é uma lei: é uma regra de conduta. A sanção é a inseparável epiderme de uma lei proibitiva. Sem ela a norma, por mais belos que sejam os intuitos que a inspiram, fica, pura usar a expressão de um jurista moderno, como uma artística, ânfora vazia: agrada, mas não mata a sede.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nós não estamos aqui a fazer regras de catecismo, a elaborar preceitos facultativos, mas a criar diplomas que têm de ser observados e cumpridos. Se o projecto não for corrigido desta omissão, transformar-se-á num esforço descarnado e não passará de um ramo de boas intenções, que o tempo e a indiferença dos homens se encarregarão de murchar e ressequir.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: vale a pena recordar as fronteiras exactas do problema em debate.
Todos nós conhecemos o esforço de recuperação que foi indispensável realizar para que o País, após a revolução de 28 de Maio, reencontrasse a linha recta do seu destino. O facto e um pedaço, ainda fumegante, da história contemporânea, mus já permite ilações.
Creio que o triunfo do Prof. Salazar não derivou apenas de ter sabido criar o condicionalismo necessário à acção a desenvolver, nem da revisão das estruturas políticas ou dos métodos utilizados, nem até do fulgor da sua inteligência.
Tudo isso, que é imenso, não seria suficiente, pois não é possível governar em pleno estertor das grandes crises desacompanhado da colaboração e da confiança de um povo. Era preciso ganhar a crença do Pais, e foi isso exactamente o que aconteceu.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O Português, que duvida por sistema dos seus governantes, rendeu-se, inteiramente, ao conjunto das excepcionais qualidades que convergiam na personalidade do Prof. Salazar, principalmente à grandeza moral que ressaltava de tudo quanto dizia e fazia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E foi, precisamente, a austeridade moral do Presidente do Conselho que, irradiando sobro a vida desmoralizada do País, abriu novos horizontes e tonificou o espírito da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As reformas de Salazar não são apenas expressões de um pensamento e de uma cultura; são, sobretudo, manifestações da sua personalidade moral: têm carácter.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, ao ler o relatório da reforma de vencimentos do funcionalismo civil de 1935, considerei o Decreto-Lei n.º 26 115, que a articula, não somente uma arrumação técnica, mas uma verdadeira arrumação moral de princípios e questões.
Ora, Srs. Deputados, o projecto de lei em discussão filia-se nus directrizes de moralização pública do Decreto-Lei n.º 26 115, designadamente do seu artigo 27.º Resume-se, mesmo, a vivificar e actualizar este preceito, de acordo com as novas circunstâncias e evolução da vida. O projecto de lei está, assim, dentro da orientação moral que o Presidente do Conselho propôs ao País, e mercê da qual, tijolo a tijolo, se pôde efectuar a reconstrução nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Iludir ou frustrar os objectivos e as medidas que o projecto visa é, portanto, na lógica das coisas, negar e sofismar a linha directriz de Salazar. Quando a equação chega a estes termos, já não são lícitas confusões, nem há possibilidades de transigências. Há, sòmente, que salvaguardar o exemplo moral

Página 688

688 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 168

do Presidente do Conselho, que é uma parte do património do Regime e que não pode ser atingido e enlameado pelos desvarios dos ambiciosos, sob pena de se diminuir a força central do próprio Regime.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: as questões compreendidas no projecto de lei representam, para mim, um problema de defesa do Regime e um problema de legítima defesa própria. Há alguns anos tive a oportunidade de dizer mais ou menos o seguinte, que me parece perfeitamente actual:
«Quem anda na política a sério tem sentido a dificuldade de apagar no espírito público a influência de certos rebordos e de certas rugas, que criam em redor do Estado Novo uma onda de antipatia.
Há venenos sociais que, explorados em todos os tons e com todas as tintas, constituem o primeiro traço de uma «erosão» política.
Gerou-se, em alguns círculos, um clima de materialismo desenfreado em que se acantonam, como já foi denunciado nesta Assembleia, «certos grupos de interesses constituídos em empresas que mais parecem exploradores do público do que servidores dos interesses comuns».
Toda esta fila de ambições precisa de ser combatida e derrotada. De nada podem valer a esses feudalismos económicos as benemerência teatrais em que se refugiam e com que se cobrem, na ânsia de justificarem, absolverem e redimirem os seus lucros fabulosos e o seu egoísmo dourado.
Por outro lado, a opinião pública construiu em torno dos corpos gerentes das empresas privadas de interesse colectivo uma «lenda negra», que deixa a atmosfera social opaca e arrefece as tentativas de persuasão política.
Os grandes proventos de uns, em contraste com as misérias, o desemprego, a fome, as condições de vida infra-humanas do outros, provocam um mal-estar social e político que não há esponjas que o possam diluir.
Os abismos sociais que separam os homens têm de ser desafiados e vencidos, ainda que para tanto tenham de se corrigir as curvas dos grandes rochedos económicos.
Há, realmente, nos corações uma angústia e uma sede de justiça social. O problema da desarmonia na distribuição dos bens e da riqueza, mais do que um problema de técnica económica, mais do que um problema social, tem hoje para todos nós o vinco de um problema moral».
Não, Srs. Deputados, estas palavras não são violentas nem demagógicas; os factos e as necessidades relatadas é que são violentos e demagógicos.
É exactamente isto que, com frequência, nos é arremessado à cara e tem servido de tema central das campanhas desencadeadas contra o Regime. Todos vimos como em 1956, no decorrer de uma troca de correspondência pública, se procurou vexar uma alta figura da situação com insinuações sobre os abusos de alguns correligionários. E o próprio engenheiro Camilo de Mendonça durante a campanha eleitoral de 1957, e na impossibilidade manifesta de lhe dirigirem qualquer acusação pessoal, teve de suportar o enunciado público de certos desvarios alheios e, até, a oferta de uma certidão comprovativa da veracidade das imputações.
E não são somente os adversários que se fazem eco destes protestos. De todas as zonas do pensamento e de todos os sectores do País se levantam ásperos comentários aos factos e situações abusivas, todos os dias apontadas, escarnecidas e condenadas. Ainda agora, numa publicação retintamente nacionalista, o tema é retomado e combatido em termos verdadeiramente sangrentos. Há, de facto, uma impressionante unanimidade, sendo urgente corresponder aos anseios do País.
A onda de reprovação pública tem uma aspereza, um exagero e uma tal tendência para se alargar que começa a arrastar consigo os inocentes. É desagradável estarmos todos a ser vexados por causa da avidez e da incompreensão de alguns. E é extremamente doloroso para as pessoas desinteressadas e as convicções sinceras serem medidas pelo mesmo metro que mede os abusos sociais daqueles que servem o Governo para se governarem e que, glosando uma frase conhecida e viva, «são capazes de queimar o Regime para assarem a sua sardinha». (Risos).
E, porque o caso começa a ter uma cor de cumplicidade, assume o aspecto de protecção da, nossa dignidade e constitui um verdadeiro problema de legítima defesa própria.
Claro que não é a limitação das remunerações dos corpos gerentes das empresas semi públicas e a proibição de acumulações que vão provocar uma repartição justa do rendimento. As medidas do projecto não são soluções económicas, mas abrem um caminho e uma direcção nesse sentido.
A economia não funciona sobre impaciências ou dados emocionais, mas também não pode esquecer que se os ricos fossem capazes de «pensar melhor», talvez os pobres pudessem «viver melhor».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: o parecer da Câmara Corporativa afigurou-se-me, desde a primeira leitura, um documento estranho e «excessivamente douto».
Sem prejuízo do respeito devido à majestosa erudição que o enfeita, julgo que se extraviou em divagações que enevoaram o cerne dos problemas a considerar e que, em alguns pontos, se substituiu a razão pelo raciocínio.
Não falo já do problema da inconstitucionalidade do projecto de lei, pois não é mais do que uma espécie de narcótico legislativo, oferecido a esta Assembleia com inegável boa vontade. Refiro-me a outras facetas.
Com efeito, não se percebe como a tese da fixação de um limite uniforme das remunerações dos corpos gerentes das empresas privadas de interesse colectivo pode ser acusada de atraiçoar o princípio da hierarquia social e destruir o nexo ordenativo que lhe é implícito!
O raciocínio parece derivar de uma mistura de conceitos distintos, isto é, de se confundir «limite de remuneração» com «remuneração fixa».
Porque, estabelecida uma barreira legal, nada impede a ordenação de uma escala diferenciada de vencimentos até essa baliza. Fixar um máximo não é a mesma coisa que fixar um vencimento uniforme. E, se atendermos a que o limite proposto é o da remuneração atribuída aos Ministros de Estado, cuja categoria se situa no topo da escala social, é bem de ver que, ao contrário de ferir, se procurou respeitar o quadro natural e social do princípio da hierarquia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As funções ministeriais são também extremamente absorventes e seria profundamente contraditório que os administradores das empresas privadas de interesse colectivo auferissem maior venci-

Página 689

21 DE ABRIL DE 1960 689

mento do que os Ministros, a quem podem, porventura, estar subordinados e a quem compete a responsabilidade, de coordenar e dirigir todo o sector de que a empresa é uma mera unidade! Seria consaagrar uma autêntica subversão
De resto, quando as remunerações ultrapassam determinado escalão, estilo em desproporção com o rendimento do agregado nacional e com o teor de vida do povo português.
Ofendem os quadros de uma justa sobriedade, acentuam os desníveis sociais, desencadeiam antagonismos de classe, sobressaltam a consciência cristã do País, numa palavra: criam problemas morais, sociais e políticos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas, diz-se, há um escol cuja competência e forçoso remunerar em termos especiais, sob pena de se assistir a uma deserção prejudicial.
A observação assenta em dados discutíveis e, em relação ao projecto, é puramente marginal.
Chega a ser pitoresco concluir pela existência de um escol que nasce com a vocação irresistível para administrar empresas (risos). E o mais singular é que esta vocação parece ter tendência para só despertar e irromper depois que foi do Governo ou alcançou projecção política. É essa estranha coincidência que alarma a opinião pública e avoluma a suspeita de se estar a gerar uma subordinação do poder político ao puder económico.
Com inteiro realismo, anota o Prof. Afonso Queiró que «a designação dos membros dos corpos gerentes não é sempre, notoriamente, fruto de opções de carácter económico-administrativo, quer quando se trata do assembleias gerais a elegê-los, quer quando se trata da administração pública a indicar os seus representantes».
Há, de facto, quem seja escolhido pelos seus méritos. Mas é inegável que muitos são atraídos para as empresas por meras considerações e conveniências de ordem política.
Não se fale, pois, em competência excepcional; quando uma grande parte dessa competência se traduz em obter facilidades, aquietar obstáculos, lograr privilégios ou, mais rasamente, conseguir que as repartições públicas se abram à sua frente como o Mar Vermelho se abriu diante de Moisés. (Risos).
É este o conceito de tráfico de influências, abordado e verberado pelos oradores que me precederam, que gera a desconfiança política e um primeiro traço de descrença nus homens, nas ideias e nas convicções.
Avisadamente se criou no projecto um regime de incompatibilidades, com o intuito de proteger os nossos valores da acusação, ou da suspeita, de fazerem da política uma indústria.
Quanto ao perigo de deserção do referido escol de competências, provocado pela limitação dos proventos, é a própria Câmara Corporativa, um tanto contraditoriamente, que nos garante não ser de esperar, visto que «os assalariados superiores, ou de circunstância, não são movidos exclusivamente pelo proveito material»!
Haveria, assim, neste ângulo, segundo ensina a Câmara Corporativa, factores subjectivos, designadamente de orgulho social, perfeitamente suficientes para travar a evasão. Pelo que, ao fim e ao cabo, o projecto não tem os inconvenientes, derivados do limite das remunerações, que a Câmara Corporativa parecia inculcar.
Sr. Presidente: pelo artigo 40.º da Constituição são consideradas contrárias à economia e moral públicas as acumulações de lugares em empresas privadas.
É tradicional a repugnância da nossa legislação pela acumulação de funções. E compreende-se. O sector do trabalho deve estar organizado de molde a que cada indivíduo exerça, exclusivamente, uma profissão, devotando-lhe todo o seu esforço e capacidade, procurando aperfeiçoar-se e contribuindo, assim, com o seu grão de areia para a elevação da própria comunidade.
A melhoria do rendimento profissional interessa ao bem comum e exige que se criem os pressupostos necessários para a incentivar.
Ora as acumulações são factores de crise de trabalho, na medida em que impedem o escoamento de novos valores, desanimam as aspirações legítimas, fecham possibilidades aos que pretendem iniciar a, vida. Para além de uma sombra social, desabrocha, assim, um novo tipo de desmoralização profissional, que convém desalojar.
Mas premissas estabelecidas no parecer da Câmara Corporativa não cabe a justificação das acumulações.
Com efeito, se os cargos de gerência absorvem totalmente a capacidade de trabalho dos que os desempenham, a acumulação torna-se impossível.
Se, pelo contrário, exigem uma fracção, por vezes mínima, da capacidade de trabalho, a acumulação seria revoltante, por se traduzir, afinal, numa mera acumulação de vencimentos. Qualquer das hipóteses repele, portanto, a tese das acumulações.
É certo que no Decreto-Lei n.º 26 115 foram admitidas certas acumulações, mas «a título excepcional», e mesmo assim cercadas de restrições. Basta ver que numas o cargo acumulado era exercido gratuitamente e noutras não lhe era atribuído vencimento, mas apenas uma gratificação.
Ainda neste capítulo, o projecto de lei em debate é largamente tributário da orientação fixada pelo legislador de 1935.
As acumulações representam, na realidade, um desregramento, uma quebra da ordem natural das coisas. Podem defender-se teoricamente, mas não à luz das realidades de um País em que tantos pretendem somente viver e pedem apenas possibilidades de trabalho.
Não se deve esquecer que a harmonia, da sociedade resulta também de um saudável equilíbrio profissional. E não é de mais recordar aqui, outra vez, a síntese lapidar do Mostre, já tão repetida no decorrer deste debate: «É doloroso que alguns se vejam constrangidos a perder o supérfluo; mais doloroso é, porém, que muitos não tenham o necessário».
Impõe-se, pois, acordar aqueles cujo espírito de justiça e compreensão a hipnose do dinheiro pareço ter adormecido ...
Resta, finalmente, fazer referência a um aspecto que não pode passar sem um reparo, visto atingir os signatários do projecto e todos os que, como eu, se solidarizam com ele.
A ninguém é lícito afirmar que as reclamações da opinião pública sobre as questões em debate se inspiram em sentimentos menos elevados do que aqueles que se proclamam. Porque de duas uma: ou os signatários do projecto não mediram este significado do rumor público e é uma deficiência mental; ou viram-no e então aderiram conscientemente a sentimentos menos elevados. Sublinhar publicamente uma deficiência mental é uma incorrecção; mas imputar a adesão a sentimentos menos elevados é pior porque é uma injúria.
Achei estranha a voz desta pedagogia. Mas, ao analisá-la melhor, reconheci que vinha dos confins do tempo, era uma resistência ultrapassada e apenas se impunha como símbolo vivo de uma época morta. Não tinha, com certeza, outro tom a voz que outrora se ergueu no Restelo a desanimar as naus que se aprestavam para partir, carregadas de fé e de esperança.

Página 690

690 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 168

Há minutos que comprometem uma vida e há incompreensões onde já não cabe um raio de luz.
Em compensação, Sr. Presidente, não quero deixar de confessar o orgulho que senti ao ler os votos de vencidos dos Prófs. Afonso Queiró e Braga da Cruz, meus mestres de Coimbra, e que mais uma vez deram uma lição de desassombrada nobreza moral.
Essa é bem a linguagem da minha escola. Tem o mesmo timbre daquela que na chefia do Governo há três dezenas de anos constitui um exemplo de austeridade moral, de modéstia de viver e de isenção.
É ainda dessa voz a glosa com que termino as minhas considerações e que nos marca e define o caminho a seguir: «Impõe-se à Assembleia Nacional a ingratíssima tarefa de endireitar uma árvore que se deixou crescer e engrossar de mais».
Havemos de a cumprir.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Agostinho Gonçalves Gomes: - Sr. Presidente: já foi afirmado, e por vozes autorizadas, que a questão social é mais um problema de moralidade de costumes do que uma exigência absoluta de regras ou normas jurídicas tendentes a coordenar interesses, limitar actividades, estruturar bases de orientação.
Podem ser óptimas as leis, mas se falta naqueles a quem se destinam a consciência do dever moral, em que as mesmas se fundamentam, nunca se alcançará o clima de tranquilidade e de bem-estar comum em vista.
Se o anti-social liberalismo do século passado está morto dentro da esfera do político, mantém-se activo ainda no espírito de muitos, nesta nossa época, em que não faltam regulamentações de carácter social, em que se vive o social.
Não obstante as limitações, maiores ou menores, impostas do exterior ao indivíduo, os potentados económicos não cessam de aparecer com fortes cadeias a entravar a marcha do bem da comunidade.
É que às reformas sociais nem sempre correspondeu uma intensa reforma dos costumes, como convinha, para que pudessem resultar uma melhoria crescente para a sociedade; pelo contrário, diminuiu em muitos o amor da justiça e caridade para campear a ambição do lucro e da riqueza, do luxo e da sumptuosidade.
A maldita fome do dinheiro continua e não conheci; responsabilidades sociais; vai criando «tais fauces que não se fecham para a elas afluir o oiro, dilatando-se cada vez mais; não se saciam, inflamam-se; rejeitam o copo porque têm sede do rio», podemos dizer com Santo Agostinho.
«A questão social - afirmou Pio XII - é, sem dúvida, também uma questão económica, mas é muito mais uma questão relacionada com a ordenada regulamentação do consórcio humano e, em sentido mais profundo, uma questão moral, e por isso mesmo religiosa».
Eis porque formula o Papa as seguintes perguntas:

Possuem os homens, desde o indivíduo, através do povo, até à, comunidade dos povos, a força moral de criar tais condições públicas que na vida social nenhum indivíduo nem povo seja somente objecto, mas em que todos somos também sujeito, quer dizer, legitimamente participantes na formação da ordem social, e em que todos, em proporção com o seu ofício ou profissão, podem viver tranquilos e felizes com suficientes meios de sustentação, eficazmente protegidos contra as violências de uma economia egoísta, numa liberdade circunscrita pelo bem geral e numa dignidade humana que cada qual respeita nos demais como em si mesmo? Será a humanidade capaz de gerar e possuir a força moral para a realização de uma ordem social assim?

«De todos os modos, há uma coisa certa - continua o grande Pontífice -: esta força não pode obter-se senão de uma fonte, da fé católica vivida até às suas últimas consequências e alimentada pelas sobre-humanas torrentes de graça que o divino Redentor dá com a mesma fé à humanidade. Só uma geração que tenha uma tal fé pode dar à família humana a suspirada paz».
O Sr. Presidente do Conselho, na recente entrevista concedida ao director do jornal mexicano Excelsior, referindo-se ao comunismo ateu, de doutrinação totalmente materialista, que procura adeptos em todos os sectores da vida social, independentemente dos meios de viver de cada um, disse:

O pior é que, a parte o catolicismo, que pode parcialmente contrariá-lo, o mundo ocidental perdeu muitos dos sãos princípios que adoptara no passado e não fui ainda capaz de formular um sistema que validamente, se oponha ao comunismo.

Nem se conseguirá deter a sua onda satânica - permita-se-me que acrescente - se não forem de novo adoptados os princípios cristãos na vida dos povos e neles informadas as consciências e as leis.
Na verdade, hoje só parcialmente o catolicismo contraria a ideia comunista pela falta de vivência da sua doutrina naqueles que o professam; porque, uma vez integrados os homens no verdadeiro espírito da Igreja - o mesmo é dizer: do próprio Cristo -, não há que temer qualquer sistema, por mais ricos e sedutores que sejam os ouropéis que venha a vestir.
É preciso, portanto, viver em profundidade o Evangelho e não fazer dele retalhos para encobrir pústulas purulentas da alma. Já os Fariseus usavam as phlacteria em redor da cabeça, mas por dentro eram ... sepulcros!
Feita esta fundamental observação à guisa de preâmbulo, procurarei fixar alguns princípios de ordem ética, nem sempre respeitados na prática e, por vezes, consciente e lamentavelmente desprezados; julgo sejam de valor para o debate em curso.
Muito embora não venha a entrar, de um modo directo, na análise interna da economia do simpático e oportuno projecto do ilustre Deputado Sr. Eng.º Camilo de Mendonça, a quem rendo desta tribuna a minha modesta homenagem pelo brilhante e fundamentado discurso que proferiu, convirá referir a opinião do notável sociólogo belga Jacques Leclercq, citado por Mariano Sanchez Gil num artigo intitulado «Los honorários ante la moral».
Segundo ele, em sua pátria «a maior parte do clero tem a impressão de que não é oportuno recordar demasiado explicitamente a doutrina social da Igreja. Mais vale contentar-se com uma solução geral - caso muito frequente -, evitando precisões embaraçosas». Anatematiza Leclercq semelhante estratégia, dizendo que é necessário chegar em determinadas ocasiões à abordagem moral das realidades.
E Mariano Sanchez, anotando uma frase do discurso de Mons. Dell´Acqua dirigido em nome de Pio XII à Semana Social Espanhola, em Maio de 1955 - «Pode-se faltar à justiça de muitas maneiras ... quando se exigem honorários excessivos que não estejam legitimados por especiais circunstâncias» -, conclui:
«Ao Santo Padre incumbe enunciar os princípios, quer dizer: ditar a premissa maior do silogismo. A nós

Página 691

21 DE ABRIL DE 1960 691

toca aclarar a menor, estudando sua existência ou sua ausência em nosso ambiente, a fim de que possa fluir a consequência, isto é, a emenda acaso necessária».
Não será, pois, de estranhar que intervenha num assunto de interesse para a sanidade política, de vantagem para o bem comum e de valor para a paz social. Estou, portanto, de acordo com o projecto e dou-lhe. na generalidade a minha aprovação.
Coordenaram-no os princípios que dimanam da justiça distributiva, pela qual os bens e os encargos gerais devem ser distribuídos entre os membros do corpo social conforme os méritos e faculdades de cada um, numa equidade sã e benéfica; e da justiça social, que exige dos governantes a manutenção, defesa e desenvolvimento do bem comum, e dos súbditos a cooperação na mesma finalidade, pelo cumprimento do dever social, que a todos, dentro da esfera da sua actividade, obriga.
Sr. Presidente: sendo a verdadeira política a arte de bem governar os povos, não pode isentar-se dela a vida económica e social da Nação.
O Estado que se mantivesse como espectador passivo nos jogos e lutas de interesses entre produtores e consumidores, empresários e trabalhadores, cedo veria a ordem e a paz, que lhe pertence defender e promover, perturbadas e quiçá destruídas.
«A economia nacional - diz Pio XII - tende a assegurar sem interrupção as condições materiais em que se pode desenvolver plenamente a vida individual dos cidadãos. Onde isto se realiza, e realiza de modo durável, o povo será, propriamente falando, rico, porque o bem-estar geral e, por conseguinte, o direito pessoal de todos ao uso dos bens terrestres se encontram assim realizados consoante o plano querido pelo Criador», mas «não é possível obter qualquer resultado sem uma ordem exterior, sem normas sociais que visem à obtenção durável daquele fim; e o recurso a um automatismo mágico è uma quimera, não menos vã para a vida económica do que para outro qualquer domínio da vida em geral».
Compete ao Poder Público estabelecer normas juriricas para uma justa, prudente e salutar ordenação de todas as actividades económicas, que, em harmonia diferenciada, mas coordenada, serão garantia de paz operante e frutuosa.
No plano de fundo de toda a complexa quentão sucial está o grave e delicadíssimo problema da repartição das riquezas.
Fixação de salários, assistência e subvenções sociais ao trabalhador, participação dos operários na gestão dos negócios e nos lucros, combate ao desemprego, parcelamento da propriedade, intervencionismo do Estado nas empresas, etc., são artigos de um mesmo capítulo: distribuição dos valores económicos realizados.
Mas haverá algum fundamento para se exigir que as riquezas particulares sejam repartidas com a sociedade?
Não será o proprietário dono absoluto dos seus tesouros?
O homem, limitado por natureza, recebeu do Criador, de uma maneira indivisível e universal, os bens terrenos para que pudesse realizar no tempo o seu próprio fim. Por direito natural primário todas as coisas eram comuns: omnia communia omnibus, destinadas à humanidade sem limites ou quantidades.
Diz-nos a razão e confirma a experiência que esta finalidade comunitária de nenhum modo se pode alcançar em si mesma, por insuficientemente protegida contra a natureza viciada dos homens.
Institui-se então a propriedade privada, pela qual cada um, com exclusão dos demais, liga à sua pessoa pelo vínculo do direito alguma coisa a que chama sua; se não corresponde de modo directo ao destino comum dos bens determinados por Deus, indirectamente vai satisfaze-lo pela participação de todos no seu uso, com primeira vantagem para o possuidor.
Nem por isso a apropriação dos bens deixa de ser uma instituição de direito natural, pois dele dimana como conclusão de raciocínio, filiando-se naquele direito das gentes - ias gentiam - que, no dizer de Cícero, é comum a todos os povos.
«O ter dado Deus a terra a todo o género humano para que use dela e a desfrute não se opõe de maneira nenhuma à existência de propriedades particulares, porquanto dizer que Deus deu a terra em comum a todos os homens não equivale dizer que todos os homens indistintamente são senhores de toda ela, mas tão-sòmente que não assimilou a nenhum em particular a parte que havia de possuir, deixando à actividade dos homens e às instituições dos povos a delimitação da posse privada», lê-se na Rerum Novarum.
Nunca, porém, o fim primário dos bens - utilidade comum - deverá ser esquecido; e de tal modo limita a propriedade que em caso de extrema carência os bens tornam-se comuns.
Na Quadragésimo Ano Pio XI esclarece que «o direito de propriedade privada foi outorgado pela natureza, ou seja pelo próprio Criador, aos homens, já para que cada um possa atender às necessidades individuais e familiares, já para que por meio desta instituição, o> bens que o Criador destinou a todo o género humano sirvam na realidade para tal fim».
Não é esta doutrina nova na Igreja; vive na sua alma. desde os seus primórdios, desde que Cristo inseriu o sobrenatural no humano, para que as virtudes do homem brotassem mais belas e mais fortes.
Não se chegou a experimentar entre os primeiros cristãos uma comunidade relativa de bens?
Não foi sempre tradição na Igreja haver um património destinado aos pobres?
No século IV Lactâncio escreve:

Deus deu-nos a terra em comum (entenda-se: no uso), não para que uma avareza irritante e despiedosa se levantasse com tudo, mas para que os homens vivessem em comunidade e a ninguém faltasse o que a nossa mãe comum havia produzido com tanta liberalidade e magnificência.

E. S. Basílio:
Como aos grandes rios se lhes dá vazão por diversos canais para que a sua água chegue a todas as partes da terra e as faça frutificar, assim os que têm bens de fortuna devem fazer que cheguem por diversas vias às últimas camadas sociais. A água estancada corrompe-se; posta em movimento, torna-se clara e limpíssima. As riquezas amontoadas são inteiramente inúteis; mas quando se põem em circulação e passam de uns para outros são em grande modo frutíferas e reportam grandes vantagens à sociedade.

E à pergunta do rico: «Faço injúria a alguém conservando para mim aquilo que é meu?», responde incisivamente: «O pão que tu deténs é do faminto; os vestidos que reservas para ti pertencem ao desnudado; o calçado que te embolorece é do descalço; o dinheiro que enterras é do pobre».
Repare-se que toda esta violência de S. Basílio vai para as riquezas não utilizadas polo próprio detentor: Pão que deténs ... vestidos que reservas ... calçado embolorece ... dinheiro que enterras ...
É a verdadeira interpretação do direito natural.

Página 692

692 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 168

Na parábola de Jesus, não foi o rico avarento lançado no Inferno só porque nem as migalhas que sobejavam da sua lauta mesa as dava ao pobre Lázaro?
Quão longe está deste conceito a definição vincoladamente individualista dada pelos Romanos ao direito de propriedade: Ius utendi, fruendi et abutendi de re sua, definição aceite pelos civilistas até no sentido pejorativo de «abusar», que para o clássico jurista romano significava «consumir»!
A propriedade privada, se não é uma função social em si mesma, tem na sua essência uma função social a desempenhar tão forte que não realizá-la chega a ser um crime contra a sociedade.
Por esta razão, o Poder Público tem o direito e o dever de intervir na distribuição do supérfluo das riquezas em favor do bem comum, quando o proprietário o não faz voluntariamente.
O cardeal Caetano, no século XVi, tempo em que o problema social se punha quase só em relação aos pobres através da esmola, escrevia:
Não será difícil afirmar que quem tem o supérfluo e não o quer distribuir espontaneamente nos indigentes possa ser constrangido pela autoridade a socorrer os pobres. Por isso pode o príncipe, por dever, para que a justiça seja observada quanto às riquezas, distribuir ele próprio aos pobres aquele supérfluo que o rico não quer dispensar, subtraindo no rico indigno aquela distribuição das riquezas que lhe estaria confiada ...
Faz injúria aos pobres quem não distribui o supérfluo, uma injúria que o príncipe, guarda do justo, pode e deve eliminar por dever, quando seja evidente a falta.
Assim a intervenção da autoridade transformaria a obrigação de justiça social, confiada ao critério e iniciativa do possuidor, em obrigação de estrita justiça legal.
«É necessário - determina a Quadragésima Ano - que esta justiça (social) seja verdadeiramente eficaz, constitua uma ordem jurídica e social a que toda a economia se conforme ... A autoridade pública pode com maior cuidado especificar, considerada a verdadeira necessidade do bem comum e tendo sempre diante da vista a lei natural e divina, que coisa é ou não licita aos possuidores no uso dos seus bens ...».
Mas logo adverte Pio XI que a autoridade «não pode usar arbitrariamente de tal seu direito; porque é necessário permanecer intacto e inviolado o direito natural da propriedade privada ou da transmissão hereditária dos próprios bens».
Pio XII, chamando à atenção para «a indestrutível exigência» pela qual «os bens criados por Deus para todos os homens cheguem com equidade a todos segundo os princípios da justiça e da caridade ...», diz que fica «à vontade humana e às formas jurídicas dos povos a regular mais particularmente a actuação prática».
na 29.ª Semana Social Italiana, Enrico di Rovasenda esquematizava a intervenção do Estado, quanto ao supérfluo, do seguinte modo:

1) O Estado deve estimular a operosidade dos bens económicos, impor-lhes taxas quando sejam capazes de rendimento, para que também esses contribuam para o bem nacional, e até expropriá-los se for necessário, com uma proporcionada indemnização;
2) O Estado deve impedir a utilização dos bons para fins socialmente nocivos e deve proibir a produção de bens imorais;
3) O Estado deve prosseguir uma política geral que impeça a acumularão de riquezas nas mãos de poucos, que, no dizer de Pio XI, gera três espécies de lutas: para o predomínio económico, político e nacional. A acumulação excessiva de bens ... gera novas baronias nocivas à independência do Poder Público e ao bem de todos;
4) O Estado deve promover a distribuição dos bens a favor de todos os indivíduos e das classes, e, quanto possível, o acesso de todos à propriedade, tendo especial cuidado dos mais humildes;
5) O Estado não tem, por si função de procurar e organizar o trabalho com o supérfluo dos cidadãos; isto pertence à iniciativa privada. Só quando esta não cumpra a sua obrigação é missão do Estado intervir. É aliás normal dever do Estado ordenar a sociedade de um modo favorável ao trabalho, atento o valor económico, moral e social do mesmo trabalho;
6) O Estado tem o dever de tirar do supérfluo quanto seja necessário para a assistência social conforme à dignidade e liberdade da pessoa humana;
7) Antes de promover um elevado teor de vida acessível a poucos e negado ao maior número, o Estado deve favorecer uma distribuição de bens, especialmente a favor dos humildes, mais equitativa e universal.

O supérfluo de muitos seria a riqueza de todos; se cada um de nós cumprisse com o dever que lhe impõe a consciência na administração do que possui, deixaria de haver na sociedade compartimentos estanques, para existir uma grande família ligada pelos laços fortes da caridade cristã.
As limitações, justas e prudentes, que o Estado venha a fazer ao uso das riquezas servem até de garantia das mesmas e de segurança para os seus possuidores.
«Quando a autoridade pública concilia o direito de propriedade com as exigências do bem comum, longe e mostrar-se inimiga dos proprietários, presta-lhes benévolo apoio; de facto, fazendo isto, impede eficazmente que a posse particular dos bens, estatuída com tanta sabedoria pelo Criador em vantagem da vida humana, gere desvantagens intoleráveis e venha assim a arruinar-se; não oprime a propriedade, mas defende-a; não a enfraquece, mas reforça-a» Quadragésimo Ano).
Aplica-se aqui o prolóquio latino: serva ordineu et ordo serrabit te.
E qual será a obrigação do proprietário quando não existam ou não sejam suficientes as normas jurídicas que determinem o emprego do supérfluo? A que lhe impõe a lei natural e que o torna mais ou menos, conforme as necessidades da comunidade e o quantitativo do próprio supérfluo, responsável perante Deus pela miséria que teria podido minorar.
Um dia ser-nos-á pedida couta da nossa administração, como ao servo do Evangelho, sem que possamos fugir à suprema fiscalização das páginas da nossa alma. Em frente das autoridades terrenas ainda se pode ocultar muita coisa, viciando números, escondendo ganhos; no tribunal divino toda a escrita estará patente, e não há sequer possibilidades de enganos involuntários ...
Pode parecer a alguém que a doutrina exposta tira todo o incentivo ao investimento de capitais e paralisa a vida económica dos povos, por isso que uma boa parte dos lucros - objectivo de todo o negócio - deve ser distribuída.
Os princípios que regulam a justa repartição das riquezas não pretendem limitar os lucros lícitos, mas torná-los produtivos em favor do bem comum. Não é um crime, ser rico e mais rico, contanto que as leis divinas e humanas não sejam violadas e se use do supérfluo em movimentação socialmente útil.

Página 693

21 DE ABRIL DE 1960 693

Fechar-se egoísta e hedonìsticamente dentro de castelos de ouro o não ver, para alem do fosso - talvez sepultura!- que os circunda, a miséria e as lágrimas dos pobres, não sentir a revolta ou resignarão cristã dos que labutam e têm fome, não ouvir os rogos e clamores dos que pedem trabalho para os braços válidos, é que é um crime, e grande crime.
Entre nós, graças a Deus e aos homens que nos governam, tem-se procurado melhorar a situação dos operários por meio de contratos colectivos de trabalho e fixarão de salários mínimos pela previdência e assistência social, com toda a sua gama de benefícios, etc.
Contudo, é de lembrar que em alguns casos se impõe rever orgânicas e coordenar actividades dispersas para que se não frustrem as intenções com multiplicidade de obras.
Pode suceder também que, atentas as circunstâncias de tempo, lugar e até de situação económica das empresas, precisem de ser actualizados contratos de trabalho e respectivos salários mínimos. E não devem esquecer os patrões que não pagar aquele salário, fixado por acordo ou pela competente autoridade, é um roubo cometido ao trabalhador, mesmo quando pareça haver da parte deste uma certa, mas forçada condescendência, com obrigação em consciência de restituição.
Assim como uma política nacional e a justiça exigem que se determinem salários mínimos, do mesmo modo o Estado poderá determinar, em certos casos, um máximo de vencimentos, quando e enquanto o pedir o bem comum.
Permita-me V. Exa., Sr. Presidente, e u Câmara, que faça uma citação um pouco longa, do economista espanhol Aspiazu:

Como nos salários inferiores há, que discutir o limite mínimo, assim nos casos de indústrias enormes há que discutir o limite máximo, que em grandes empresas se pode elevar a quantidades que parecem excessivas.
Como no regime capitalista actual as empresas vão crescendo por concentração de capitais e ao mesmo tempo acrescentando a responsabilidade e o rendimento dos chefes, surge este problema: a estes chefes há-de ir-se subindo o soldo mais ou menos proporcionalmente à abundância do capital e dos operários da empresa, sem limites que o detenham?
É verdade inquestionável que a bons directores de empresas se lhes há-de retribuir bem, e aos muito bons muito bem. É perfeitamente lógico e atendível. Porém, convém notar, em primeiro lugar, que o conceito e a prática mesma da responsabilidades se vão esfumando dentro de certos limites de altura de capitais e de empresas e, segundo, que o trabalho do chefe se vai suavizando e preparando por toda uma legião de engenheiros, assessores e subchefes, que não poucas vezes são os verdadeiros aurores dos êxitos da empresa ou dos frutos do rendimento.
O pecado do conselho (de administração) que desse vencimentos ou honorários arquicrescidíssimos redundaria em dano dos accionistas por cujos interesses tem o conselho de velar e haveria de traduzir-se num pecado de infidelidade e ainda de injustiça contra os accionistas ou de iniquidade contra os operários de inferior categoria, a quem se lhes poderia subir algo mais com o excesso concedido aos mais altos chefes.

São gritantes algumas situações de administradores de empresas e causam mal-estar social? Intervenha então o Estado com a prudência e cautela que merece o
melindre do problema, mas firmemente, para dar aos espíritos tranquilidade e satisfação.
Espero não ver rejeitada pela. Assembleia a base IV do contraprojecto da, Câmara Corporativa, por conter uma orientação que a Igreja acarinha e aconselha e de que podem resultar benéficos frutos para o capital e para o trabalho e, portanto, para a própria economia nacional.
Sentindo-se o empregado e o operário solidários com os dirigentes nus lucros da empresa, considerá-la-ão como sua e darão o melhor do seu esforço para, o seu maior desenvolvimento.
O Governo entrou a dar o exemplo - merecendo por isso todo nosso louvor - ao prescrever nos estatutos do Banco de Fomento Nacional, recentemente criado, que os seus empregados participariam em 3 por cento dos lucros, com preferência sobre os dividendos.
Oxalá todas as empresas viessem a seguir este exemplo!
Sr. Presidente: não desejava terminar sem dizer duas palavras sobre um problema que reputo grave, pelos seus reflexos na vida da Nação.
Há espalhada uma falsa ideia de que as leis civis, pelos menos algumas, não têm valor ético, não obrigam em consciência.
É o fruto, sem dúvida, daquelas doutrinas político-religiosas do século XVI pelas quais se pretendia negar, até à Igreja, o poder de impor normas às consciências, com o fundamento numa liberdade deturpada, insistente e tenazmente defendida.
Definiu S. Tomás a lei como sendo uma ordenação racional, dada para o bem comum por aquele que detém o poder legislativo.
Corresponde, portanto, à lei um vínculo que liga a liberdade de um indivíduo aos altos interesses da sociedade, uma obrigação pela qual o homem é impelido a fazer ou a omitir alguma coisa.
Ora tal vínculo, porque se trata de entes racionais, só pode ser de ordem moral, a exigir um comportamento de responsabilidade perante a própria consciência, primeiro juiz das nossas acções. Se assim não fosse, não teríamos lei, mas violência.
A lei, uma vez reconhecida a sua racionalidade, tanto na matéria que envolve como pela compreensão do sujeito que a recebe, vincula a liberdade, orientando-a para determinado fim. Desde então, se a norma que a minha razão reconhece como boa e justa é infringida pela minha acção, o meu ser racional sente-se violentado por um acto que repele e lhe causa angustia, remorço de consciência.
O verso de Ovídio - video meliora proboque deterioa sequor (vejo as coisas melhores e aprovo-as, entretanto escolho as piores) - reflecte o dia a dia da nossa vida, a exigência mural da lei perante a razão e o desacordo da vontade pela acção.
Só quando existe harmonia entre a inteligência esclarecida pela verdade, a vontade ordenada pelo bem e as faculdades executivas subordinadas a uma e outra é que se afirma a mais perfeita liberdade da pessoa humana.
De nenhum modo se pode compreender a lei sem vínculo.
«As leis humana», escreve o Aquinatense, «são justas ou injustas.
Se são justas, obrigam no foro da consciência pela lei eterna».
Suaréz, que tanto ilustrou a nossa nobre e gloriosa Universidade de Coimbra, confirma: «A lei humana civil tem força o eficácia de obrigar em consciência». E Belarmino: «A lei civil não obriga menos em consciência que a lei divina».

Página 694

694 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 168

uma especiosa distinção, que, temos de confessar, chegou a entrar nos compêndios de moralistas (mais moralistas que canonistas, como tantas vezes ouvi dizer na Universidade gregoriana ao meu ilustre professor Félix Capelo), veio ferir em muito a doutrina tradicional.
Porque a pareceram muitas leis em que se proibiam actos sob pena de multa, as mais das vezes desproporcionada ao delito, concluíram alguns que, nestes casos, o legislador não queria obrigar em consciência os súbditos, mas visava sòmente a multa. Classificaram estas leis de meramente penais.
Quem não vê o perigo que tal distinção pode acarretar e de facto acarreta à sociedade?
Se não ha obrigação em consciência, todo o cuidado do cidadão estará em fugir à pena, sem que lhe possa ser pedida qualquer responsabilidade moral, por mais vultosa que tenha sido a infracção.
Assim, por exemplo, o contrabando, de funestas consequências para a economia da Nação.
Este arbitrário conceito de lei meramente penal, além da injúria que faz ao legislador, arranca por completo à lei o seu fundamento, que é ser regra de razão, para a tornar pura ameaça de pena, autêntica tirania.
Como a, maldade dos homens é grande e grande também a sua faculdade de sofismar, não será difícil, a coberto de tão falaciosa teoria, encontrar justificação para a violação de leis de verdadeiro conteúdo ético.
A lei ou obriga em consciência e vincula por si própria o cidadão, antes de qualquer interveniência externa, ou não obriga em consciência, e já não é lei.
Para melhor concretizar estas ideias citarei Abílio Martins, num artigo publicado na Brotéria:
«Pagar os impostos justos, equitativos, criteriosos, não é uma exigência externa apenas; é um dever moral, um acto de justiça. De justiça distributiva; de justiça comutativa, em boa parte; quase sempre, sobretudo tratando-se de ricos, de justiça social». (...) «Fugir sistematicamente ao cumprimento das leis fiscais, supostas, justas e equitativas, (...) é cometer um roubo, um crime social. É roubar às escolas, aos hospitais, aos empregados, aos pobres».
Julgo, Sr. Presidente, não me ter desviado muito do fulcro do pensamento um que se firmam as bases do projecto em causa.
Apresentei doutrina que não é minha - pobre do mim! -, mas da igreja católica, inspiradora e defensora da civilização de que justamente nos orgulhamos e cujos benefícios tão amplamente usufruímos.
Ao materialismo brutal que ameaça destruir toda essa conquista do espírito, alcançada à custa, de tanto sacrifício e abnegação, oponhamos os ensinamentos- pontifícios, gravados profundamente nas nossas obras, e venceremos a batalha.
Muitos não os têm compreendido ou nào os querem compreender, por seu mal e para seu mal, voltam-lhes as costas como outrora o fizeram os Judeus a Cristo, dizendo: Durus est hic sermo!
Lembremo-nos de que a vida é muitas as vezes dura só porque a não sabemos viver. Ela é tão cheia, de encantos e alegria para os que a vêem de cima para baixo, com os olhos do mesmo Deus, que as dores e angústias, a própria morte, são palpitações de beleza em visão sobrenatural!
Deixem os homens os seus egoísmos ferozes e sintam-se mais homens pelo amor aos seus irmãos.
O avarento de riquezas vive em contínua inquietação; com os cofres cheios de ouro, traz o coração insatisfeito, porque quer mais e sempre mais.
Verdadeiro Tântalo junto à fonte sem poder dessedentar-se! ...
Nós, Portugueses, temos ainda a correr, qual rio benéfico, um cortejo de benemerências que nos legaram os nossos maiores, fruto da virtude sublime da caridade que tão bem sabiam praticar.
É dever nosso engrossar esse caudal, tornando-o mais vivo e mais actuante, na convicção segura de que contribuímos para o engrandecimento da Pátria.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Rocha Peixoto: - Sr. Presidente: o assunto que há dias se debate nesta Câmara parece-me já estar devidamente dilucidado.
A justificação do projecto de lei que pretende, se não resolvê-lo, pelo menos saneá-lo, foi feita com superior critério e em nível não vulgar: serena, honesta, justa e inteligentemente. As opiniões após despendidas vieram apenas confirmá-la e robustecê-la. A essência do seu conteúdo e ao esclarecimento do objectivo a que visa nada mais se pode acrescentar que não sejam redundâncias, ainda que alguns aspectos e vários pormenores possam ser encarados de outros pontos de vista, aliás sem modificação sensível da perspectiva até agora focada.
Não venho, pois, trazer mais luz ao projecto de lei em causa, demais que alheio por tendência e preparação a determinados aspectos dele, apenas considero o assunto debatido nos seus efeitos políticos e fatais implicações de natureza social.
Nem, mesmo sob este ângulo de visão sujeitarei a Câmara a penoso sacrifício: limitarei a minha modesta e despretensiosa intervenção a breves palavras.
Entendi, porém, que em assunto de tal monta, ditai repercussão na consciência moral e política do País, nào deveria definir o meu modo de ver com um simples gesto mecânico de posição, isto é, levantando-me ou ficando sentado.
Acresce ainda a circunstância, especialmente relevante, de estar em causa o prestígio desta Assembleia. O referido projecto de lei inicia, se bem que já tentada. uma salutar reacção a certos e condenáveis desvios da moral administrativa, e não se vá supor que esta Câmara alija responsabilidades, se nega, ou sequer tergiversa a reprimir desmandos que, por serem, felizmente, muito poucos, não deixam de conspurcar o Regime, proclamado de sã e austera moralidade.

Vozes : - Muito bem!

O Orador: - É necessário que dos adversários para com todos nós se possa dizer o que ainda há pouco um jornalista italiano dizia ao eminente Chefe do Governo: «Os opositores não lhe perdoam o não terem nada que perdoar-lhe».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: frequentemente me perguntam amigos e simples conhecidos como se tem manifestado esta Câmara, fora da tribuna que agora ocupo, relativamente ao projecto de lei que está em discussão. Compreende-se que se referem às conversas do grupo, às confidências de amigos, às trocas de impressões, às críticas dos discursos pronunciados, àquilo, enfim, que não consta do Diário das Sessões. Percebe-se que lhes interessa conhecer o pendor da opinião mais generalizada. E seja qual for o teor da resposta, que em vão esperam, adivinha-se em todos um especialís-

Página 695

21 DE ABRIL DE 1960 695

simo e desusado empenho na questão que está a ser debatida.
Porque lhes toca directamente? Decerto que não; mas porque constituem parcelas do mais volumoso e afinado naipe de um clamoroso coro nacional, que exige, aos de menos ouvido, mais atenção à partitura e à regência.
Como disse, em vão esperam a resposta, porquanto, não sou porta-voz, nem me julgo conhecedor do pensamento da maioria, ainda que o pressinta, nem me permitiria, sem reservas, alvoroçar as pessoas do meu convívio, e, talvez, tantos outros, antecipando-me, a um juízo que essa maioria há-de formular e expender.
Mas não devo ficar calado em assunto de tal importância, e então respondo-lhes assim:
Começa o projecto de lei de que se trata por estabelecer um limite às remunerações dos corpos gerentes de empresas com qualquer vínculo estadual. Naturalmente, se há conhecimento de que são exageradas um certo número delas, porque não correspondem ao esforço pedido ou despendido, nem ao mínimo de moralidade que é fundamento da política vigente; se ferem a justiça social, estabelecendo pronunciados desníveis que urge corrigir e que tantas vezes não correspondem a exigências de preparação ou de trabalho - há então que estabelecer um limite, limite para além do qual a remuneração é favor e não justa retribuição.
E porque deve ser ela superior à que percebem aqueles a quem se exige esforço inteligente, atento e contínuo, lúcida previsão e iniciativa, e sobre os quais impendem as mais latas e graves responsabilidades, porque lhes é cometida a salvaguarda dos interesses o da dignidade da Nação?
E, no que diz respeito ao sector privado, é discutível se o Estado, a par de ingerências de vária ordem, já observadas, exageraria a sua intromissão com mais esta de limitar remunerações aos chamados assalariados de circunstância.
Se elas servem a recompensar méritos especiais ou trabalho esforçado, não acautelam, na generalidade, riscos de capital, compensados de outro modo, nem se justificam pelo grau da responsabilidade dos que delas beneficiam. Muitos servidores do Estado exercendo funções da maior incidência na vida nacional -como disse, e muito bem, o nosso ilustre colega Sá Alves - não chegam a perceber metade do limite n gora preconizado para os administradores das empresas a que se refere o projecto em questão, e, muito menos se aproximam daquelas que magnanimamente se distribuem em algumas do sector privado, sabidas e ocultas.
E se se pretende que, como se vem dizendo, o supérfluo de alguns não contenda com o necessário de muitos mais, não vejo bem que, sob o ponto de vista moral e social, se extremem de tal modo os campos oficial e privado.
Sei que este ponto de vista tem opositoras, com mais ou menos razão. Há, porém, um argumento que, a meu ver, sobreleva quaisquer considerações: ao Estado incumbe a imposição da mais rígida moralidade nos seus servidos, e só assim tem a autoridade para a exigir em todos os sectores, pelo que se não compreende que aquilo que é imperativo como conceito e norma de viria pública seja lema e apanágio de uns e letra morta para os restantes, como se todos nós não fôssemos igualmente obrigados a dignificar a vida nacional e a nossa própria.
Não descortino ainda o a-propósito das referências á legitimidade de lucros avultados de certas empresas, quando eles são produto de porfiado, honesto e inteligente trabalho e vão, por sua vez, reforçar posições de interesse para o desenvolvimento económico do País.
A questão das remunerações em nada afecta a situação delas, a não ser quando são exageradas, creio eu. Que tem, pois, uma coisa com a outra?
O projecto do lei que se discute refere-se ainda à acumulação de lugares e a incompatibilidades. Este aspecto do assunto que se debate assume para mim muito maior importância, que a remuneração dada a qualquer servidor, quando mais não seja porque representa uma soma de remunerações, e, principalmente, porque, em regra, dela decorrem um acréscimo de poder e prementes compromissos.

O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!

O Orador: - Compreendo que determinadas funções exijam, para o bom exercício delas, muita e especial competência, muita experiência e garantias de vária ordem. É necessário, pois, procurar quem as sirva com eficiência e segurança, e há, por vexes, que ir buscar the right man a posições já ocupadas. Não são estes casos os que merecem comentários menos lisonjeiros.
O que há que combater é a acumulação na mesma pessoa de vários cargos, onde se traficam influências, já que não é possível estadear outro merecimento, por carência própria ou por falta de tempo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os reflexos na opinião pública - quantas vezes menos justa, e malsinada, convenho - destas irregulares e imorais situações criam um ambiente de irritação política, de injustiça social, de desconfiança, que, não correspondendo, graças a Deus, à vida e saúde do Regime, o desacreditam naquilo em que se alicerça: moralidade, austeridade, justiça e trabalho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De um homem que tem desempenhado altas funções sei eu ter dito a um amigo meu que não podia viver com o que ganhava no lugar que tinha: precisava de procurar noutro o que faltava à suficiência desejada.
Aceito, mas isto, é uma questão de revisão de vencimentos.
Quanto ao imposto como factor de correcção de fundos de níveis de interesses, lembro aos prezados colegas o que sobre o assunto disse o ilustre Deputado Nunes Fernandes.
Sr. Presidente: não me movem invejas nem qualquer propósito inconfessável. Não procuro dinheiro, reverências ou popularidade. Trago do 28 de Maio, e conservo ainda, o calor do seu entusiasmo e o fervor das suas intenções.
Apraz-me dizer que não foram frustradas as expectativas dos que nele participaram, graças ao talento e às virtude de um homem de excepcional merecimento e à. colaboração séria e inteligente de tantos dos seus colaboradores.
Os desmandos ou desvios que aqui e ali se observam e a intransigência no acidental, apontada pelo novel e ilustre colega Homem de Melo, não chegam para negar as excelências do Regime, mas mancham-no e servem de arma para o desvirtuar e combater.
Sem rebuço, e, por vezes, com ostentação, estadeiam-se privilegiadas situações, de surto aparecidas perante a indignação de muitos e a tristeza de outros tantos, não sendo raro que elas se atribuam a protecções desmedidas, a cumplicidades condenáveis, a influências mercadejadas.

Página 696

696 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 168

Ora a política e os políticos não podem estar à mercê deste comentários: têm de ser prestigiados, mas a obra há-de começar por si próprios.

O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!

O Orador: - É necessário que à consciência da Nação se não apresente qualquer pretexto para dizer como o grande Camilo Castelo Branco: «Por via de regra, os imprevistos prósperos são infâmias felizes».
Não creio, Sr. Presidente, que o projecto em questão previna a todas as anomalias, irregularidades, inconveniências que aqui vêm sendo focadas. Mas soubesse eu que não remediaria uma só e votá-lo-ia, pelo que ele significa, pelo que ele traduz.
Voto-o, pois, na generalidade com os mais sinceros louvores aos ilustres colegas que o subscreveram, em especial ao seu esforçado paladino, Deputado Camilo de Mendonça.
Sr. Presidente: entendo não dever acabar esta modestíssima intervenção sem um comentário. Diz um digno Procurador, no final da sua declaração de voto expressa no parecer da Câmara Corporativa, e relativamente ao critério desta, sobre acumulações e remunerações:
«Não julgo razoável o critério e penso que as chamadas reclamações da opinião pública, em que se pretende apoiar a necessidade política das providências contidas no projecto em discussão, se inspiram em sentimentos menos elevados do que aqueles que se proclamam. Não creio, por isso, que se deva dar ouvidos a tais reclamações, além de tudo, porque com isso se não alcança qualquer vantagem política. Temos que ver antes com que sectores do opinião deve o Estado contar e quais são as esferas sociais que mais concorrem para o progresso e riqueza da Nação».
Não aprecio a primeira parte desta transcrição, porque já nesta Câmara foi o teor dela devidamente invalidado. Mas repugna-me deixar sem reparo a última, porque me atinge a mim e a tantíssimos outros que têm posto acima de tudo a vivência e dignidade do Regime.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Com quem o Estado e a Nação podem contar, e têm contado sempre, é principalmente com aqueles que nada usufruem além dos seus limitados vencimentos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Merecem consideração os que concorrem para o progresso e a riqueza do País, mas não se menospreze os que até a vida têm arriscado pelo regime a que ele deve o seu engrandecimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para contar comigo, ou com a minha opinião, não preciso o Estado do permitir que se me pague além daquilo que mereço ou que me basta.
Pertenço a um dos falados sectores de opinião com que o Estado conta e que muito mal vê os desvios referenciados, mas nada espera como prémio da sua disciplina e dedicação, porque não as vende: devota-as à honra, ao prestígio, à dignidade, à sobrevivência de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Neves Clara: - Sr. Presidente: ao subirmos a esta tribuna para nos ocuparmos da matéria do presente projecto de lei, temos plena consciência do melindre que si discussão suscita e das falsas interpretações que podem ser dadas às boas intenções que nos animam. Entendemos, no entanto, que o mandato que recebemos e com a maior seriedade e isenção temos procurado honrar obrigava a que nos não calássemos perante problema da maior oportunidade, e não enjeitássemos responsabilidades em matéria de tão grande interesse nacional. Estamos certo de que a nossa intervenção não ajuda muito a esclarecer a Câmara, mas o nosso depoimento dá-nos a tranquilidade da consciência, o que para nós é bem de maior valia. Além disso, a Nação está neste caso de olhos postos nos seus representantes, e estes, por sua vez deverão estar com os olhos na Pátria, nos seus interesses e suas conveniências, no seu futuro de Estado livre, coeso e eterno. Muito se tem falado sobre a presente proposta de lei, e alguns aspectos já foram focados com muito brilho por todos que nos antecederam.
Sr. Presidente: temos para nós que o presente projecto pouco traz de novo ao modo de apreciar o problema de que se ocupa, pois que, tendo como objectivo evitar abusos de alguns, identifica-se com os princípios moralizadores da Revolução Portuguesa, sobre os quais tem assentado o prestígio do Regime. Não podemos deixar de aplaudir e votar medidas que defendam a honestidade do Governo, colocando os homens que nos dirigem ao obrigo de suspeitas que todos desejamos não existam.
Queremos que a Nação saiba ler nos seus dirigentes pessoas que a servem sem outro objectivo que não seja o serviço do bem comum.
No momento em que se esboça a grande revolução industrial portuguesa e em que se verifica, como mal necessário, a presença do Estado em grande número de empresas cuja criação fomentou ou desenvolveu, entendemos de urgente necessidade manter o mesmo Estado ao abrigo da corrupção plutocrática pela forma indicada em 1934 pelo Sr. Presidente do Conselho: «Não ter de ser corrompido». Se, também, S. Exa. afirmou que «a suspeição dos particulares envenena a Administração», não vejo modo de evitar a suspeição, cuja existência ninguém nega, se não aprovarmos e pedirmos cumprimento para os medidas sugeridas ou para outras de igual intenção. Por isso, a legislação é oportuna e mais justifica a razão que nos obriga a intervir sobre tão delicada matéria.
Discutiremos unicamente o âmbito do presente projecto de lei e sob alguns aspectos que consideramos da maior relevância. O primeiro prende-se com a presença em empresas, nas condições expressas no projecto, de administradores por estas designados, para as quais a inexistência de limite para as suas remunerações pode fazer suspeitar que a influência política do nomeado é alavanca poderosa para favores que, promovendo bons saldos de gerência, possibilitam altas remunerações.
Para a legitimidade da suspeita enunciada basta que de Salazar citemos a afirmação: «Mal vai quando um grande negócio, lucros avultados, especulações, preços, importações, encomendas, licenças, direitos, dependem, por sistema, do parecer de uma repartição pública ou de uma assinatura do Ministro».
É preciso afastarmos do nosso pensamento a possibilidade de entendimentos semelhantes, geradores de um possível novo tipo de plutocrata: o do indivíduo que se aproveita da confiança com que o Estado o honrou para conseguir um parecer de determinada repartição pública, que até pôde ter estado sob a sua dependência e conducente à obtenção de elevados lucros. Queremos que um representante do Estado

Página 697

21 DE ABRIL DE 1960 697

nunca veja a sua dignidade posta em causa e reflicta sempre a dignidade de quem o nomeou.
Na ética mais elementar mio se encontra justificação para o facto de os representantes auferirem maiores proventos que os mais altos funcionários da entidade representada.
O segundo aspecto que o projecto contempla reside na possibilidade da presença em grandes empresas do administradores em representação do capital privado e que desempenharam altas funções em departamento estadual ligado à actividade industrial ou comercial dessa empresa. Estamos perante uma variante do primeiro tema anunciado e somos conduzidos, em pura suspeição, tão legitimada como a primeira, a um novo híbrido de plutocrata, talvez ainda mais pernicioso do que o anterior.
Sobre este assunto o objectivo da proposta é profundamente humano e estimulante da nossa economia. Humano, por afastar a amargura dos que subordinados a um alto e louvável conceito de rectidão venham a ser feridos pela ostentação e nível de vida dos que em situações idênticas usem de menos escrúpulos. Estimulante da nossa economia, porque nos parece que, exceptuando pequeno número de empresas, a presença do Estado como capitalista, depois de lançado e acreditado o empreendimento, não é desejável nem conveniente; nestas circunstâncias, a administração da emprega, para auferir, livre de peias, remunerações mais elevadas dos que as fixadas, é estimulada a bastar-se financeiramente e sem privilégios a si própria, procurando reduzir a presença do Estado. Este, promovendo a venda gradual e criteriosa da sua posição de capital, regressaria à situação de árbitro superior de todos os interesses e poderia voltar a investir em novos empreendimentos, para fomento de novas indústrias ou exploração de novas riquezas.
Integrar-se-á a missão do Estado dentro dos nossos princípios políticos, isto é, «superior ao mundo da produção, igualmente longe da absorção monopolista e da intervenção pela concorrência», e desse modo se servirá a economia nacional.
O terceiro ponto relaciona-se com a acumulação de lugares, e, para nós, dá origem a duas espécies do preocupações: as de natureza social, visto que amplia os inconvenientes atrás tratados, e que nos dispensamos por isso de estudar, e os de natureza económica, que resumidamente focaremos. Neste último aspecto, julgo que, se a nossa orientação política aponta perigo a um aumento de potencial financeiro e económico colocado nas mãos do Estado, não è para menosprezar o que significa a sua existência na mão de empresas privadas em que os administradores se situam nas condições atrás referidas. Chegaremos a um monopólio de actividades de maior gravidade, porquanto, não sendo do Estado, pode dispensar a sua dignidade e beneficiar dos seus favores.
Sr. Presidente: por tudo que afirmamos podemos voltar a repetir a oportunidade da presente proposta de lei. Não nos interessa saber se existem ou não situações criadas, visto que o nosso objectivo é o de defender princípios, e não o de atacar pessoas. Se da aprovação da lei resultarem alguns sacrifícios, não encontramos causa, muito embora pessoalmente nos custe, para que não sejam impostas, visto que em questões de justiça não há razões de coração que as possam vencer.
A nossa política deve ser resultante da idelogia séria que possuímos e, se não procurarmos que o seja, negamos a sua validade, pela impossibilidade constataria da sua aplicação. Interessa-nos muito corrigir abusos, mas interessa-nos muito mais que os usos da verdade sejam, como sempre foram, normas do futuro, e dentro desse objectivo nos colocamos.
Por isso fazemos votos que algo da nova orientação apareça, para que até os cépticos se convençam de que não há manobra política a ditar intervenções, mas unicamente o desejo de que a política geral do Governo não só seja honesta, mas também o pareça. Suponho que ninguém considera a proposta como meio totalmente eficaz para prevenir todos os inconvenientes de natureza social que as remunerações dos corpos gerentes de certas empresas originam. Muitas empresas de carácter privado podem admitir para gerentes aquelas pessoas que tenham a possibilidade de lhes oferecer favores do Estado e a quem, por semelhança à classificação de Michel Debré, chamamos «príncipes». A proposta não tinha de contemplar semelhante aspecto, por isso que o respeito pela iniciativa privada e o reconhecimento do seu interesse para a Nação são qualidades indiscutíveis dentro da nossa situação política. Seria, no entanto, desejável que o seu espírito viesse a constituir alarme para o Governo tapar os canais por onde possam correr ou vir a correr as influências que comprometem e criam desiguais condições de concorrência às actividades económicas de um país.
Seria apetecido que o Governo não esquecesse as palavras de S. S. Pio XI na Quadragésimo Ano: «Torna-se evidente que a tão desejável restauração social deve ser precedida por uma completa renovação desse espírito cristão que infelizmente perderam os que se ocupam dos problemas económicos ...».
Seria necessário que o Governo usasse da autoridade que deve possuir, e se não regateia, para impor aos outros a isenção de que faz bandeira e a honestidade de que sempre fez fé.
No parecer da Câmara Corporativa, ao relator da qual presto a minha homenagem, comete-se às corporações «um largo papel na criação de um sólido ambiente de paz social e de um são clima de moralidade que impossibilite abusos e desvios em matéria de remunerações que ofendam a desejada hierarquia de funções e dos interesses sociais».
Comungo de iguais esperanças na contribuição das corporações para a criação de um ambiento de paz social, muito embora considero que no caso presente é ao Estado que incumbe velar pela purificação do ambiente, se disso houver necessidade. Julgo ainda pertinente pôr a dúvida se tão cedo chegaremos a ver nas corporações essa e outras funções. Exceptuando as vozes corajosas de alguns, que parece clamarem no deserto, não encontro muita disposição na Administração para tomar em conta as considerações do relatório que precede o Decreto n.º 41 875, regulamentador das primeiras corporações instituídas.
Quando por casualidade quase coincide o início do II Plano de Fomento com a instituição das corporações, não se vê que estas tenham sido chamadas à discussão dos problemas ligados ao progresso económico do País.
Ora se eles se integram e por si definem uma doutrina social, e se, como Sedas Nunes aponta, e nós perfilhamos, «a política económica, se carece de base positiva e científica, não supõe menos a prévia elaboração ou adopção de uma doutrina sucial», segue-se que a nossa política económica, mostrando ignorar a função das corporações, ou faz substituir a doutrina por outra que desconhecemos ou apresenta-se vazia de conteúdo ideológico, sem contemplação pelos sentimentos humanos.
A meditação destes problemas leva-nos a uma mensagem do Papa Pio XII dirigida a todo o Mundo no Natal de 1953, em que voltou a afirmar que: «Onde a técnica dominasse autónoma, a sociedade humana transformar-se-ia em multidão incolor, em qualquer

Página 698

698 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 168

coisa de impessoal e esquemático, contrário, portanto, ao que a natureza e o seu Criador mostraram querer».
Parece-nos, feitas estas ligeiras divagações, que talvez pudéssemos reduzir o caudal das influências políticas, ou a pressão dos príncipes dominadores no campo económico e financeiro, se o diálogo com o Governo fosse em circunstâncias a regulamentar, efectuado em presença de um organismo paritário, a quem a Nação deu possibilidade de intervir na discussão de problemas ligados ao seu progresso económico e paz social.
Poderíamos caminhar com um bocadinho mais de lentidão, mas o fim legitimava a demora, porque «à avidez do lucro seguiu-se a desmedida ambição do predomínio», como se diz na encíclica atrás citada.
A necessidade do momento, porém, manda que esta ou outra solução tenha de ser encarada, porque, a admitir-se a passividade do Governo perante os problemas que a proposta levanta, o futuro do País não é servido.
A melhor homenagem que se pode prestar ao engenheiro Camilo de Mendonça, à sua coragem em encarar do frente os problemas, ao patriotismo de que deu provas, é afirmar-lhe a nossa convicção de que o seu trabalho demonstra a alta preocupação em fazer desaparecer os factos que dividem os Portugueses e comprometem o seu futuro. Nesta hora grave que atravessamos, em que a nossa unidade nacional é ameaçada não só por inimigos declarados, como pela complacência dos que, dizendo-se amigos, não nos perdoam a vitória no mesmo campo onde sofreram derrotas, há realmente uma política que nos pode unir, e essa será a política da verdade. A unidade de que necessitamos para que o Governo represente a Nação não se conseguirá se não houver coragem para reconhecer os erros o força para os combater. No reconhecimento da falta o homem não se rebaixa nem é vencido, antes se eleva o triunfa, no acto de consciência que o reconhecimento implica.
È possível que com outras formas de governo, ou noutros países de sistemas políticos diversos, os abusos se verifiquem em maior escala e se comparados, nos levassem a considerar a pouca importância dos nossos, à luz do critério de relação. A verdade, porém, é que isso nada justifica, porquanto a falta de higiene em casa vizinha não justifica a pouca limpeza da nossa, ou, em expressão que o povo consagrou: com o mal dos outros podemos nós bem.
De resto a comparação não é legítima, porquanto são tantos os factores de natureza moral, social, política e até de tradição que deveriam ser considerados que as conclusões seriam naturalmente falseadas. O que importa é que o espírito cristão que iluminou a doutrina base do nosso Estado se realize na realidade política e não seja obscurecido ou eliminado por possíveis actos, que uns classificarão de uso, outros de abuso e todos, no fundo das suas consciências, de imorais e ilegítimos.
Sr. Presidente: o caso sobre o qual nos debruçamos é, ao fim e ao cabo, um caso de dignidade, e com tal um caso de consciência. Desde que se deixe de atender ao respeito por uma e outra, com pouco ficaremos para alicerçarmos estruturas de vida e, naturalmente, para encararmos com segurança o futuro político do País. É lamentável que tenhamos do legislar sobre tal matéria e que o campo de aplicação esteja em classes que deveriam constituir élites; é desolador que tenhamos de voltar atrás a recordar verdades que foram ditas com o fim de atingirmos os mesmos efeitos. Devemos ainda estar prevenidos para defender a doutrina dos falsos profetas, que quando se referem à Pátria pensam só na sua própria casa, quando discutem problemas sociais fazem demagogia em defesa da fazenda e quando falam a Deus repelem a oração do fariseu. É preciso não esquecer que gerações já desabrocharam dentro de uma doutrinação que sempre se afirmou justa e que não podemos consentir que quaisquer factos, por mais insignificantes que pareçam, possam significar traição aos princípios tão magistralmente proclamados. Não faltarão os que acusam de ingénuos os autores do projecto e os que o defendem: esses não serão os piores, porque ainda acreditam na ingenuidade. O mal está nos bem intencionados mas cépticos, que encolhem os ombros sorriem daquilo que julgam esforço inútil, como as prevenções para evitar ao País a à sua economia o aparecimento dos perturbadores da paz social.
Sr. Presidente: vou acabar o meu depoimento, não sem afirmar a minha esperança de que a aprovação do presente projecto de lei se transforme num verdadeiro encontro entre a ansiedade do País e o desejo, sempre provado, do Governo em servir a Nação.
Tenho dito.

Vozes : - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente : - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Esta encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Armando Cândido de Medeiros.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João de Brito e Cunha.
João Maria Porto.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Manuel Cerqueira Gomes.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Sebastião Garcia Ramires.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×