Página 699
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 169
ANO DE 1960 22 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 169, EM 21 DE ABRIL.
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente informou estarem na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Corporações em satisfação de um requerimento do Sr. Deputado Santos Bessa. Foram entregues a este Sr. Deputado.
Remetidos pela Presidência do Conselho, e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 100." da Constituição, receberam-se na Mesa os n.º 85, 86 e 87 do Diário do Governo, 1.ª série, inserindo diversos decretos-leis.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Mário de Figueiredo, que se referiu à inauguração da nova capital do Brasil; Henriques Jorge, acerca do mesmo assunto; Sá Linhares, sobre problemas de pesca de interesse para os Açores; Duarte do Amaral, que chamou a atenção do Governo para a situação em que se encontra o museu da Sé de Braga; Carlos Moreira, que interrogou a Mesa acerca de um projecto de lei que apresentara em sessão anterior; Urgel Horta, para se referir à crise económica que domina a classe dos médicos veterinários, e Paulo Cancella de Abreu, para um requerimento.
Ordem do dia. - Continuou o debate na generalidade da proposta de lei sobre remuneração dos corpos gerentes de certas empresas.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Águedo de Oliveira, Carlos Lima e Amaral Neto.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Página 700
700 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 169
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Finto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Ângelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: -Estão presentes 83 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado José Saraiva sobre a comparticipação dos trabalhadores nos lucros das empresas.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa, fornecida pelo Ministério das Corporações, uma informação de resposta ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Santos
Bessa na sessão desta Assembleia de 10 de Março findo. Vai ser entregue a este Sr. Deputado.
Enviados pela Presidência do Conselho, e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estilo na Mesa os n.º 85, 86 e 87 do Diário do Governo, 1.º série, respectivamente de 12, 13 e 14 do corrente, que inserem os seguintes decretos-leis: n.º 42 919, que autoriza a Direcção-Geral da Fazenda Pública a ceder, a título definitivo, à Câmara Municipal de Lisboa vários imóveis situados na Rua da Graça, em Lisboa, para prolongamento da Avenida do General Roçadas até ao Largo da Graça e urbanização do local; n.º 42 920, que reorganiza os serviços da Escola Militar de Electromecânica, criada pelo Decreto-Lei n.º 38 940; n.º 42 922, que concede à Guarda Fiscal os meios indispensáveis à sua eficiente actuação na repressão da prática de contrabando; n.º 42 923, que introduz alterações em várias disposições do Contencioso Aduaneiro, da Reforma Aduaneira e do Regulamento das Alfândegas, aprovados, respectivamente, pelos Decretos-Leis n.º 31 664 e 31 665 e pelo Decreto n.º 31 730, proíbe ainda a importação e a exportação de mercadorias de circulação condicionada, com excepção do pescado, em embarcações de arqueação não superior a 200 t e regula a validade das guias de pagamento a que se refere o artigo 664.º do Regulamento das Alfândegas passadas anteriormente à vigência do presente decreto-lei.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Antes da ordem do dia vou dar a palavra ao Sr. Deputado Mário de Figueiredo sobre a inauguração da nova capital do Brasil. Convido o Sr. Deputado Mário de Figueiredo a subir à tribuna.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: inaugura-se hoje Brasília - a nova capital do Brasil. E um acontecimento de significado pleno de conteúdo e de projecção incalculável nos domínios da civilização que desperta e da cultura, que, ao acervo dos valores históricos que recebe, acrescenta novos valores ou encontra formas novas de os exteriorizar.
Não podia Portugal ficar indiferente diante de tão grande acontecimento. Tudo o que é brasileiro nos faz estremecer a alma de afecto e a gente nem atina, ao olhar para os movimentos da vida do Brasil, se está a assistir à realização dos imperativos da nossa história, se está a assistir à construção de uma história nova que se identifica com a vocação da nossa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não podíamos ficar indiferentes à inauguração de Brasília. Temos que vivê-la com ardor e com entusiasmo.
Está lá o Papa, representado pelo nosso cardeal Cerejeira.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não foi por acaso que se escolheu o nosso cardeal para cumprir tão alta missão; foi decerto para significar que os dois povos são, afinal, um só povo, que a vocação de ambos é una: humanismo universalista; catolicidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -Eu já estive em Brasília. Havia lá então pouco mais do que o risco da futura cidade. No ponto mais alto uma cruz nua; o risco era
Página 701
22 DE ABRIL DE 1960 701
uma cruz. Estavam abertas avenidas ainda em sangue e já se aterrava ou levantara voo com segurança. O horizonte era infinito; os olhos só paravam onde poisava o céu. A paisagem parecia seca, como um terreiro interminável que esperava o palácio a urbe que havia de engrandecer. Já lá viviam como em acampamento que de longe se diria desmantelado cinco mil trabalhadores e a todo o momento chegavam caravanas.
Havia também a casa de madeira, muito confortável, do Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Aí pude ver maquetas da futura cidade e projecções em que apareciam delineados os seus contornos.
Nada mais havia?
Havia o sonho do Presidente Kubitschek.
O sonho?
Nunca vi ninguém que tratasse um sonho com tanta naturalidade. Dir-se-ia que estava a descrever, apontando para as coisas, a obra já feita. E fazia-o com tal simplicidade que a gente via mesmo a obra feita e guardava a nota das intenções por que havia sido feita assim. Via a realidade futura no sonho, porque, para o Presidente, o sonho era já realidade presente.
Nunca vi um tal poder de comunicabilidade do mundo interior de um homem!
O sonho vinha de longe, porque Brasília é a realização do sonho de uma geração romântica a que o Presidente Kubitschek deu corpo e forma.
Essa geração idealizou que a chefia do Estado se situasse no coração do Brasil, equidistante das suas longínquas fronteiras e, simultaneamente (porque na paz solitária do planalto, no seio pacífico da floresta, mais perto de Deus, portanto, da verdade), e, simultaneamente, dizia, inacessível à sedução e à corrupção dos interesses que no litoral tinham assentado desde séculos as suas tendas e bancas.
Assim se realiza o sonho ... o sonho da identificação topográfica do cérebro e do coração de uma pátria fundada por heróis espartanos, frugais aldeões da Lusitânia com que o génio do infante povoou o Mundo, mas cedo procurada pela ambição dos traficantes, porque na sua beleza virginal latejava evidente a fecundidade de um paraíso recuperado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Eu já estive em Brasília ... Posso, pois, compreender estas palavras do Presidente Kubitschek:
Deste planalto central, desta solidão, que será em breve o cérebro donde partirão as altas decisões nacionais, lanço um olhar, unia vez mais, sobre o futuro do meu país e entrevejo essa alvorada com fé inquebrantável e confiança sem limites na grandeza do seu destino.
Pois saudemos, Sr. Presidente, a inauguração de Brasília e tenhamos, com o Presidente Kubitschek, fé inquebrantável e confiança sem limites na grandeza do Brasil.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Portugal participará dessa grandeza e a nossa história, que foi comum, continuará a sê-lo até à consumação dos séculos!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Henriques Jorge: - Pedi a palavra nesta ocasião para aqui deixar assinalado um facto memorável da história do Brasil, acontecimento do mais alto significado e da mais larga projecção, que. acaba de ocorrer e vem enaltecer a vida do querido país irmão, traçando-lhe, de forma clara, decisiva e grandiosa, prometedores rumos tio futuro: a transferência da sua capital para Brasília. Ao levantar a minha voz a comemorar esse facto, que reputo do maior relevo, estou certo de que não são outros os sentimentos dos meus ilustres colegas desta Assembleia, pois todos, sem dúvida alguma, de olhos pastas nessa terra de Santa Cruz - que as naus portuguesas primeiro alcançaram-, partilham, nesta hora de exaltação, da alegria, da esperança e do legítimo orgulho do povo brasileiro, justamente cônscio da grandeza do país que os seus maiores lhe legaram e dos altos destinos da sua pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A imprensa nacional e mundial, atenta à transcendência do nascimento de Brasília, tem feito eco dos preparativos gigantescos, dos formidáveis esforços desenvolvidos para fazer surgir do nada, em pleno coração virgem do enorme Brasil, esse velho e quase fantástico projecto da sua nova capital. E bem depressa chegaram até nós - apesar da distância que afinal nos não separa - os relatos da pompa, da luzida representação oficial e diplomática e do soleníssimo cerimonial que rodearam o aparecimento dessa nova cidade, que, tirando o nome do próprio nónio do Brasil, surge para o Mundo como centro, cabeça e alma do país irmão.
Falar agora do Brasil, das suas ligações rácicas, linguísticas, culturais, históricas e religiosas com Portugal, é supérfluo!
Reavivar as diversas fases da vida nacional de Portugal e do Brasil, desde que a história comum dos dois países se diferenciou, é dispensável !
Em todos os momentos registamos, na verdade, a mais fraternal compreensão e solidariedade que derivam de uma perfeita identidade de sentimentos e de afinidades de sangue e de espírito, hauridas no tronco comum.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sabe-o o homem da rua; sabe-o o letrado.
Há, porém, um facto que não resisto a salientar neste momento.
E esse facto consiste em que, no ritual da sagração de Brasília -que particularmente sensibiliza e faz dilatar os nossos corações de portugueses-, um acontecimento assumiu para nós particular e gratíssimo significado, e esse foi, sem dúvida, o de Sua Santidade o Papa João XXIII ter nomeado seu legado à inauguração de Brasília um cardeal português: Sua Eminência o Cardeal-Patriarca de Lisboa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mandando o seu legado benzer as primeiras pedras da nova capital do Brasil Sua Santidade deu ao país irmão o grande testemunho do seu apreço, do seu afecto paternal e da sua confiança na grande nação brasileira, nascida e criada à sombra tutelar e benéfica da cruz de Cristo.
Vozes: - Muito bem!
Página 702
702 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 169
O Orador: - Todavia, enviando ao Brasil um cardeal português, o Papa presta a Portugal e ao Brasil - dois -povos fraternal e indissoluvelmente ligados pelos mais estreitos laços do sangue, da língua, da sua formação cultural e espiritual, duas nações irmanadas nos mesmos destinos históricos, unidas por tantos e tamanhos interesses comuns - a mais perfeita homenagem que o Brasil e Portugal podiam receber num momento em que, mal despontada a nova capital do país irmão, o Brasil como que renasce, de novo sob a bênção de Cristo, de novo dada por um grande português, para a glória do seu futuro excepcional.
Sobram-nos, assim, razões para exprimir hoje o nosso intenso júbilo por essas solenidades, tão profundamente significativas e gratas pára toda a comunidade luso-brasileira, que do outro lado do Atlântico (mar interno de Portugal e do Brasil) se desenrolaram há bem pouco por entre o entusiasmo e a vibração de quantos puderam estar presentes ao nascimento de Brasília.
Congratulando-nos todos com esse facto - poderosa afirmação da vitalidade e pujança do povo brasileiro -, é no nosso próprio destino comum que afinal fazemos o mais inequívoco e consciente dos actos de fé e de esperança, fortalecidos ao calor das grandes realidades e certezas das duas pátrias irmãs, contra todos os perigos e ameaças e cobiças acumulados, nesta hora conturbada do Mundo, contra os países livres, orgulhosos, como Portugal e Brasil, da sua imperecível herança ocidental e cristã.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sá Linhares: - Sr. Presidente: pedi a palavra a V. Exa. para tratar de um importante assunto que interessa à economia dos Açores.
Desta vez não virei abordar os problemas agro-pecuários daquelas ilhas, que a natureza dotou de excepcionais condições para a exploração do seu solo.
Graças às providências do Governo tomadas nos últimos anos, o que resta fazer neste sector depende, essencialmente, da iniciativa dos seus habitantes.
Hoje desejo referir-me a uma riqueza dos seus mares, que apenas há poucos anos começou a ser explorada.
Trata-se da pesca de tunídeos. Embora a actividade desta pesca envolva interesses de todo o arquipélago, é, no entanto, nas ilhas que constituem o distrito que tenho a honra de representar nesta Assembleia Nacional que os seus problemas se apresentam com mais acuidade e requerem medidas urgentes, se não quisermos ser apenas meros espectadores no desenrolar de uma tragédia, que levará à ruína uma incipiente indústria montada à custa de pequenas poupanças da gente daquelas ilhas.
Sr. Presidente: desde há longos anos que os pescadores açorianos se dedicam à pesca da albacora, a qual, anualmente e em determinada época, passa pelos mares das suas ilhas.
A falta de compradores para a sua pescaria, que chegava por vezes a não atingir qualquer valor, contribuiu durante largo tempo não só para o desinteresse dos pescadores pela sua captura como ainda para afastar o capital da sua exploração.
As ínfimas quantidades de albacora capturadas pelos pescadores, nas suas pequenas embarcações à vela e a remos, eram apenas aproveitadas para uma rudimentar salga ou para um insignificante consumo em fresco, nunca chegando a atingir preços superiores a l$ por quilo.
Surgem as primeiras fábricas de conserva nas ilhas de S. Miguel e Terceira, que, passando a adquirir toda a produção daquelas embarcações, levam os pescadores a interessar-se um pouco mais por esta actividade.
Sendo, porém, insuficiente a produção destas embarcações para a laboração das fábricas recém-nascidas, os industriais de conservas vêem-se na necessidade de mandar construir novas embarcações e motorizar outras.
A falta de pescadores treinados nesta pesca e o conhecimento que havia acerca da perícia dos pescadores madeirenses na pesca de tunídeos levam aqueles industriais a contratá-los para tripularem as suas embarcações.
Nasce assim, com carácter industrial, a pesca da albacora nos mares dos Açores.
O reduzido custo de produção desta espécie anima à montagem de fábricas de conserva, e em pouco tempo verifica-se a instalação de uma dúzia de fábricas nos grupos oriental e central dos Açores.
A matéria-prima para a sua laboração é obtida, quase na sua totalidade, por embarcações pertencentes aos próprios industriais.
O preço por que estes adquirem aos pescadores a sua pescaria não os interessa a lançarem-se em novas construções. Só aos industriais de conserva, na sua dupla qualidade de armadores, é que lhes é indiferente a baixa cotação da albacora.
O que aparentemente perdem na pesca ganham na sua fábrica. Os pescadores que tripulam as suas embarcações é que perdem efectivamente com o baixo preço atribuído convencionalmente à albacora, pois a sua remuneração é função do valor da pescaria.
Não deixaria de ter certo interesse apresentar números relativos a evolução por que passou esta pesca desde a data em que foi instalada a primeira fábrica de conserva, mas, não desejando roubar o precioso tempo, que resta aos trabalhos desta Câmara, tomarei como ponto de partida o ano de 1053.
A produção de albacora no arquipélago dos Açores foi nesse ano de 1322 t, a que correspondeu o valor de 1936 contos.
Segundo elementos estatísticos de que disponho, a quase totalidade desta produção foi obtida pelas embarcações da ilha de S. Miguel, as quais também na sua quase totalidade eram propriedade dos industriais de conservas.
Temos assim que o valor de l kg de albacora não chegou a atingir l $60.
Nesse ano uma empresa de pesca continental adquiriu dois navios atuneiros, que registou na pesca longínqua, o que lhes permitia exercerem a sua actividade em todos os oceanos.
Aportam nesse ano aos mares dos Açores e voltam no ano seguinte, onde, além de exercerem a sua actividade piscatória, compram, no mar, às embarcações dos pescadores de S. Miguel a sua pescaria, dando por ela maior valor.
São apenas mais uns tostões por quilo, mas o suficiente para interessar mais os pescadores por esta actividade.
Simultaneamente, aqueles dois navios atuneiros, percorrendo todos os mares daquele arquipélago, avistam numerosos cardumes em zonas aonde anteriormente não iam as embarcações locais.
A notícia espalha-se por todas as ilhas e entusiasma de uma maneira especial os bravos pescadores das ilhas do Pico e do Faial, que desde há mais de um século se limitavam à pitoresca, mas árdua e arriscada, actividade da pesca da baleia.
O seu entusiasmo enche de esperança toda a gente daquelas duas ilhas e leva-a a aplicar na construção de embarcações atuneiras não só todas as suas modestas
Página 703
22 DE ABRIL DE 1960 703
economias, como ainda o produto da venda de alguns bens imóveis, de que se desfaz.
Assim, surge naquelas duas ilhas a melhor frota de pesca açoriana, a qual, no momento presente, se compõe de 37 traineiras, que custaram aos seus proprietários mais de 20 000 contos.
Enquanto naquelas ilhas se procedia à construção daquela bela frota, levantam-se protestos, por parte dos industriais de conservas e até de algumas entidades oficiais, contra a ida daqueles dois atuneiros ao arquipélago.
São enviadas exposições ao Ministro da Marinha, o qual, depois de consultar o Ministério das Finanças, conclui que nau havia fundamento legal para impedir a ida daqueles barcos aos Açores, não só para ali exercerem a pesca, como ainda para efectuarem a compra, no mar, da pescaria das embarcações açorianas.
Este esclarecimento causa grande regozijo entre armadores e pescadores. Todos estes sabiam que, se os dois atuneiros deixassem de ir àquele arquipélago, o facto causaria graves consequências para a economia Já sua exploração, pois, além de adquirirem a sua pescaria a preços superiores aos da indústria de conservas, prestavam preciosa assistência às suas embarcações, surgindo junto delas em zonas afastadas dos portos e em ocasiões em que a abundância de peixe excedia a capacidade de laboração das fábricas.
No entanto, não cessam, vindas de outros sectores, exposições contra tal esclarecimento.
Continua a haver quem veja apenas na actuação dos dois navios um desfalque na matéria-prima necessária às fábricas de conservas e, portanto, uma redução de mão-de-obra para os seus operários.
O Ministério da Marinha, depois de analisar a situação, por intermédio dos seu? organismos competentes, entendeu que havia a necessidade de nomear uma comissão para efectuar o estudo da indústria de tunídeos no mar dos Açores. Nesse sentido, e com o acordo do Ministério da Economia, é nomeada, em fins de 1957, a referida comissão, da qual fizeram parte representantes de armadores e de industriais, assim como da Direcção das Pescarias e do Instituto Português de Conservas de Peixe.
Esta comissão, que foi presidida pelo nosso ilustre colega comodoro Henrique Tenreiro, desempenhou-se cabalmente da sua incumbência, mas as providências por ela sugeridas ainda não tiveram, até esta data, o necessário andamento.
Tão passados mais de dois anos e a situação tende cada vez mais a agravar-se.
Antes de apontar as causas deste agravamento desejo anotar que a pesca da albacora teve desde 1953 a 1959 os resultados seguintes:
[ver tabela na imagem]
De uma rápida análise a estes números verifica-se que em 1957 e 1959 as quantidades de albacora capturada foram sensivelmente idênticas, mas que o seu valor baixou neste último ano em cerca de 2700 contos.
Esta diminuição de valor na pescaria de 1959 deve-se ao facto de as fábricas e a empresa proprietária dos dois atuneiros terem chegado, por assim dizei, a um acordo e passado a adquirir a albacora a um preço igual, mas inferior ao de 1957.
Desta forma, em 1959, aquela espécie foi adquirida pelas fábricas e pelos dois atuneiros ao preço de 2$ por quilograma.
As primeiras transformaram-na em conservas e exportaram-na para o estrangeiro a preço que ignoro.
Os segundos venderam-na para as fábricas de Vila Real de Santo António, ao preço de 7$25 o quilograma.
Temos assim que as fábricas do Algarve adquirem a mesma matéria-prima que é utilizada pelas fábricas açorianas com uma diferença para mais de 5$25 por quilograma.
Qual a razão de tão elevada diferença?
Não tenho elementos que a possam justificar. O que sei, e tenho disso a absoluta certeza, é que na moderna frota atuneira das ilhas do Pico e do Faial foram investidas todas as economias da sua gente e que os seus proprietários não poderão por muito tempo suportar os encargos da sua exploração tendo como receita a venda da sua pescaria a um preço verdadeiramente irrisório, se o compararmos com os do mercado internacional.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - A agravar a situação dos armadores das embarcações atuneiras dos Açores, há que considerar ainda que a pesca desta espécie é exercida apenas durante quatro meses do ano, e que nos restantes meses, por falta de consumidores para outras espécies, se encontram varadas à espera do amo seguinte. Se elas apodrecerem ao sol e à chuva nos seus varadouros, não serão apenas os armadores e pescadores que verão a ruína entrar nas suas casas, pois os próprios industriais de conservas não poderão deixar de sofrer as consequências daquela ruína.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - As quinze fábricas de conservas espalhadas pelas ilhas nos grupos oriental e central dos Açores não poderão também ter uma longa vida se não houver pescadores que lhes forneçam a matéria necessária à sua laboração.
Sr. Presidente: os factos que acabo de relatar requerem urgentes providências. As que foram sugeridas em 1957 pela comissão nomeada para o estudo da pesca de tunídeos no mar dos Açores ainda não perderam a sua oportunidade. Essas ou outras que venham a resultar de uma nova análise à situação daquelas duas indústrias não devem tardar por mais tempo, para não corrermos o risco de as levar à sua completa ruína.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Duarte Amaral: - Sr. Presidente: foi a Brasília a cruz de Frei Terónimo de Coimbra, preciosa memória da descoberta do Brasil, símbolo de fraternidade luso-brasileira e testemunho do tipo de convivência que os Portugueses criaram nas longínquas terras onde chegaram.
Foi a terras de Santa Cruz a cruz de Frei Jerónimo de Coimbra, e bem acautelada viajou, e com dignidade foi utilizada. Assim acautelada e dignamente exposta estivesse ela em Braga.
Mas não está - nem a cruz nem as outras preciosidades que testemunham a glória da sua Sé arquiepis(...)
Página 704
704 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 169
copal, muitas delas peças de alto interesse artístico e histórico, como os paramentos manuelinos, a custódia de D. Gaspar de Bragança, o báculo de Santo Ovídio, o cálice de S. Geraldo, a colecção de paramentos e tantas e tantas outra obras magníficas.
O tesouro da Sé de Braga, salvo primeiro pelo cabido e depois pelo Governo e pelo cabido, foi, e muito bem, entregue u guarda e cuidados deste por decreto de 25 de Março de 1930, no qual se lêem entre outras assinaturas ilustres as dos Srs. Marechal António Oscar de Fragoso Carmona e Doutor António de Oliveira Salazar. Sem dinheiro, porém, o cabido não o podia capazmente instalar. Fê-lo como pôde, em dependências da Sé, e, se o salvou assim de uma dispersão certa, não criou um museu - apenas armazenou obras de arte.
E não podia ser essa a intenção de ninguém ao publicar-se o citado decreto, que somente deve ser tomado como a primeira de várias providências. Dessa sorte o terá reconhecido oportunamente o engenheiro Duarte Pacheco, que, segundo o testemunho do ilustre cónego Aguiar Barreiros, tencionava, * assim o prometeu, providenciar no sentido de dar ao museu instalação condigna.
Razão de sobra tinha o grande Ministro, pois, como verifiquei na visita que ainda há dias ali fiz, é diminuto o espaço ocupado pelo tesouro, as peças encontram-se arrumadas ao acaso, os paramentos estão desbotados pela luz, demasiado crua, e a desfazerem-se aos poucos, devido aos contactos, voluntários ou não, dos visitantes.
Por outro lado, não existem condições de segurança suficientes, tanto no que respeita a roubo como a incêndio, correndo-se até o perigo, segundo me foi dito, de vir a abater o telhado, por haver madeiramentos muito arruinados. A humidade fez também os seus estragos, entre; outras razões devido ao facto de as janelas não vedarem bem ...
Sob o ponto de vista estético e de selecção de objectos, o museu da Sé está numa lástima, mas a falta de espaço e a reduzida categoria das instalações não permitem qualquer melhoria.
O ambiente do museu também é muito deficiente, pois grande parte das suas janelas dá sobre telhados de casas sem qualquer interesse e por vezes de aspecto lamentável. Há, no entanto, a sorte do parte delas constituir rectângulo formado pela própria Sé pela Misericórdia e pelas Ruas do Souto e do Cabido e ali se poder, depois de demolições, construir o edifício necessário e suficiente à condigna e justa instalação do tesouro da Sé de Braga.
O cabido por si só nada mais pode fazer. E já fez muito. Deve o Estado, e quanto a mini, completar as grandes obras de restauro da Sé e a ideia que presidiu à criação do museu, demolindo as casas citadas e erguendo nesse espaço o condigno edifício a que me referi.
De resto, as instalações dos museus de Braga não estão u altura das peças neles existentes, nem à altura da cidade, mas a evolução, tanto do museu do Seminário de Santiago, como do de D. Diogo de Sousa, está a dar-se em sentido conveniente, e por isso não me ocuparei agora desses assuntos.
Quanto ao da Sé, repito, o caso é diferente: é preciso valer-lhe quanto antes, e é isso que me permito solicitar do Governo, cheio de esperança de que tudo se resolverá como convém.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: pedi a V. Ex.º a palavra para, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais, interrogar a Mesa.
Na sessão de 11 de Abril de 1951 (vão decorridos nove anos) submeti à consideração do Governo, nesta Assembleia, um assunto que interessava, e interessa, fundamentalmente ao concelho de Mesão Frio, do distrito de Vila Real, cujo círculo, nessa altura, eu tinha a honra de representar nesta Câmara.
Seguiram-se várias intervenções posteriores, não só minhas, mas também de outros Srs. Deputados, até que, em face da verificação do desinteresse ou inércia do respectivo Ministério perante o problema, me decidi a apresentar um projecto de lei para resolução do caso. O projecto foi admitido sob o n.º 7 do ano de 1959, projecto que, no seu competente seguimento, obteve o parecer da Câmara Corporativa, publicado nas Actas n.º 53, da mesma Câmara, de 23 de Abril de 1959.
Até hoje, porém, que me conste, não teve posterior andamento.
Desejava, pois, saber se V. Ex. se encontra na disposição de designá-lo para ordem do dia e, se é possível, aproximadamente para quando.
O Sr. Presidente: - Devo dizer a V. Ex. que já não é possível, dentro da actual sessão legislativa, submeter u apreciação da Assembleia Nacional o projecto de lei de V. Ex.
Esse projecto de lei foi preterido por outros assuntos que foram considerados de maior premência.
Neste momento, pelo menos, é minha convicção que o referido projecto de lei já não terá cabimento.
O Sr. Carlos Moreira: - Agradeço muito a V. Ex. a resposta que se dignou dar à minha pergunta.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: pretendo hoje ocupar-me da crise económica que domina notável parcela de uma classe de valimento e de préstimo, como é a que constitui a classe dos veterinários. Mas seja-me permitido abrir um pequeno parêntesis sobre este problema. Tratei há dias neste lugar da situação importante em que presentemente se debate um grande sector da classe médica. E fi-lo em termos próprios, no cumprimento do dever, como seu membro, com 40 anos de exercício profissional, não sendo lícito, na hora actual, deixar de manifestar-lhe a solidariedade que lhe devo, sem abdicar, perante essa solidariedade, da minha independência política, de que muito me orgulho, como soldado do Estado Novo.
As minhas expressões, revelando queixumes e anseios, na sua manifesta sinceridade e no seu verdadeiro significado, não foram mais que um apelo dirigido ao Governo para se debruçar atentamente sobre as necessidades da medicina.
Não havia no conteúdo da minha intervenção, nem nos meus propósitos, nem tão-pouco no seu sentido, coisa alguma que pudesse ser tomada como falta de respeito para com entidades, organismos ou personalidades ligados pelos seu» altos cargos à solução dos problemas médicos, as sempre considerei e respeitei aqueles que abnegadamente desempenham funções de alta responsabilidade com espírito de bem servir, fazendo-lhes na hora própria, com a maior dignidade, a justiça que merecem e a homenagem que lhes é inteiramente devida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Parece contudo que em certos meios as minhas palavras de sincera crítica ou de discordância
Página 705
22 DE ABRIL DE 1960 705
leal e cabida a certos factos não foram bem aceites, nem bem compreendidas, como se no meu pensamento pudesse conceber-se ou albergar-se ideia que não fosse a que sempre tenho demonstrado, de inteira fidelidade aos princípios em que assenta o meu nacionalismo.
Entristeceu-me o facto, pelo sabor de injustiça que revela; espero que a defesa, singela e merecida, que me proponho agora fazer da veterinária não me traga as amargas desilusões que n referente à classe médica me proporcionou.
Sr. Presidente: estão em crise económica algumas das classes que nas Universidades e nos institutos de alta formação profissional obtiveram os seus diplomas, credenciais para exercício de funções da mais reconhecida utilidade pública.
Fazem parte dessa classe, inferiorizada na sua situação económica, mais de 50 por cento dos veterinários como veterinários municipais, cujas funções se revestem de uma importância capital na defesa da riqueza e da saúde pública, factores intimamente ligados a uma actividade generosa, constante e proficiente.
À responsabilidade do seu exercício profissional está confiada a resolução de múltiplos problemas de acção profunda e delicada na vida económica e sanitária das populações.
Tão prestante actividade, exercida com aquele conhecimento específico da matéria inerente ao desempenho da função que exercem, faz-se sentir em múltiplos sectores da economia pública e da economia privada.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - São na verdade os veterinários elementos de notável projecção e de reconhecida importância na vida da sociedade, lutando pelo bem da comunidade na criação e na manutenção da riqueza pública e nu profilaxia e combate a todo esse conjunto de doenças que, atacando os animais, exercem acção extraordinariamente maléfica sobre o homem.
À sua carta profissional é documento valorizante e demonstrativo da sua competência, de conhecimento da matéria, tão vasta como complexa, conhecimento adquirido em longos anos de curso, aperfeiçoados em especializações difíceis e demoradas, de aturada observação e investigação científica.
Apresenta-se a carreira veterinária eriçada de dificuldades, já pela sua extensão, já pelas exigências que a sua formação comporta, já pela actualização exigida no seu exercício, requerendo qualidades e virtudes intrínsecas, aliadas a caracteres adquiridos nesse exercício e no estudo persistente da modalidade.
Não possuo, Sr. Presidente, terminologia com que possa devidamente encarecer, dentro da verdade, os serviços, tão valiosos como úteis, prestados pela veterinária, serviços do maior interesse na vida dos povos, pelo muito que produzem em actividade progressiva e valorizante de sectores notáveis da nossa economia: o agrícola, no seu departamento da pecuária.
E porque tudo quanto afirmei se situa muito aquém do muito de que a classe é credora, tomei sobre os meus ombros o difícil encargo de trazer à Assembleia Nacional, em modesto recurso, a defesa dos seus interesses ou das suas pretensões, dentro da razão, do direito e das normas com que sempre dou objectividade às considerações que sou levado a produzir.
Entrando propriamente no assunto base da minha intervenção, começarei por dizer que o numeroso grupo de veterinários municipais, computado em 50 por cento da classe, não tiraram qualquer benefício da equiparação nos seus vencimentos, o que não sucedeu com os veterinários do Estado, das Câmaras Municipais do
Porto e de Lisboa e dos organismos corporativos, que usufruíram regalia igual aos classificados do mesmo grau ou categoria.
Deu-se com os veterinários municipais o caso extraordinário de, pelas últimas alterações do Código Administrativo, terem sido multiplicados os deveres de exercício da função que exercem, aumentados os serviços de profilaxia da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários, ao mesmo tempo que lhes eram cerceados determinados proventos que legalmente lhes pertenciam, compensadores, em parte, da baixa dós seus aumentos.
Extraordinário é este facto e embora lhe seja concedido o exercício da clínica livre, esta é tão reduzida, tão difícil de efectivar, pelos deveres oficiais a que estão sujeitos, que julgamos os honorários que lhe compelem, 2300$, 22001 e 2100$, respectivamente nos concelhos de lª, 2.ª e 3.ª classes, inferiores e diminutos perante as exigências, as responsabilidades do cargo e as necessidades familiares.
Cabem-lhe múltiplas e diferenciadas funções no desempenho da sua profissão, funções de natureza veterinária, zootécnica e de fomento, que lhe absorvem o tempo disponível, repartido por várias tarefas a que são obrigados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Deste facto pode deduzir-se que, existindo clínica particular a fazer, não haveria tempo para dela se ocupar, tantas e tão complexas são as incumbências que por lei lhe são adstritas.
Parece tudo se congregar para tornar difícil a sua missão, reduzindo proventos indispensáveis à sua manutenção e de sua família em certo nível, visto que até a cobrança às inspecções rurais, em regime de chamada, fonte de rendimento necessário ao seu orçamento, lhe foi proibido, mantendo-se, contudo, o regime de inspecções, com deslocações à sua custa, o que se torna altamente prejudicial aos interesses justos e razoáveis do veterinário na maioria dos concelhos.
E se existem na verdade concelhos ou municípios de parcos recursos, existem outros com substancial rendimento, de muitas centenas de coutos, especialmente os que dispõem de bons matadouros, não beneficiando do facto o veterinário, que ali é obrigado a consumir parte do seu dia útil.
Sr. Presidente: os factos que acabo de expor são apenas uma reduzida súmula do muito que haveria para dizer sobre o problema a que está ligada a vida profissional da classe.
Dentro da sua especificidade, poderíamos alinhar uma série de argumentos e razões justificativos dos motivos que contribuem para o mal-estar de uma classe bem digna de ver realizadas determinadas aspirações.
A continuar-se na linha de rumo seguida dar-se-á o que se vem passando com a frequência de algumas carreiras profissionais em seu declínio, visto ser de vultoso custo em tempo e em dinheiro a formação de técnicos de tão grande interesse público e tão baixa, tão inferior, a retribuição dada a serviços de responsabilidade e de valia na vida da sociedade.
Não nos compete a apresentação de alvitres que possam concorrer para minorar a situação inquietante em que se encontram muitos desses fiéis servidores, que honesta e dedicadamente se entregam à profissão que abraçaram e que exercem com inteiro aprazimento do seu espírito.
No exercício da nossa magistratura julgo cumprirmos um dever utilizando a bancada que ocupamos, aonde chegam aspirações e anseios, para lhe darmos, através da palavra, a aceitação que lhe é devida na de(...)
Página 706
706 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 169
fesa de situações compatíveis com demonstradas pretensões em seu justo objectivo.
Para o Governo apelo, inteiramente confiado, como sempre o tenho feito, pedindo que escute, ouça e atenda, na medida do possível, as reclamações de uma classe que pede garantia legal para do exercício da sua actividade obter o necessário equilíbrio no seu orçamento familiar.
Dirijo-me especialmente ao Sr. Secretário de Estado da Agricultura, técnico distinto, de nome feito através da obra realizada, demonstração plena da sua notável capacidade administrativa, pedindo providências que possam, proporcionar regalias pedidas e devidas aos veterinários municipais pela função exercida, onde não poupam energias e sacrifícios para o bom desempenho das difíceis tarefas que se lhes apresentam.
E se assim, suceder, Sr. Presidente, não lhe faltarão merecidos louvores, com o agradecimento daqueles que generosamente trabalham e produzem para o bem e para o engrandecimento e prosperidade da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu:- Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«O pouco tempo decorrido após a data em que apresentei o meu último requerimento (8 do mês corrente), no qual pedi que, pelo Ministério das Obras Públicas, me fossem dadas determinadas informações sobre as estradas nacionais, justifica que elos ainda não tivessem sido enviadas.
Como, porém, são necessárias para esclarecer o debuto sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado, a efectivar num dos próximos dias, requeiro que as informações em referência me sejam enviadas com a maior brevidade».
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade o projecto de lei do Sr. Deputado Camilo de Mendonça sobre a remuneração dos corpos gerentes de certas empresas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
O Sr. Aguedo de Oliveira: - Sr. Presidente: é geralmente «sabido que eu só podia estar onde estou, do lado da iniciativa legislativa tomada pelo meu colega, o desafrontado Eng. Camilo de Mendonça, o qual reafirma um princípio e dá a eficiência desejável a leis consideradas fundamentais.
A sociedade há-de ser graduada e hierarquizada, para além dos quadros orçamentais, até aos confins das funções públicas e quase públicas.
Quem dispõe de autoridade e está seguro de direitos uronómicos tem de sujeitar-se a uma medida.
Também o poder social e os benefícios dos que estão por baixo não podem amesquinhar ou zombar dos que, com mais autoridade, estão por cima.
Além das questões de remuneração, existem sobretudo os aspectos de influência, decoro e prestígio, de projecção social e poderio social, por forma a não criar no ânimo público perplexidade», incertezas ou a noção fluídica de evaporável justiça.
Embora se admitam, em certos casos, as inerências, delegacias, complementos funcionais e, até, algumas acumulações, quem vive de uma só ocupação não deve valer menos e diminuir-se no geral consenso.
Não deixemos que ao lado da classe dirigente, à sua margem, se estratifique e ganhe consistência uma outra, capaz de retesar melhores cordelinhos e ter na mão os volantes preciosos do desenvolvimento social, sobretudo que ela venha a acreditar-se e guarnecer-se com direitos práticos excedentes.
A minha razão de ordem será a seguinte:
Mostrarei que o problema social de certas posições excedentes é de todos os tempos.
Deixarei um reparo, para que não sejam os políticos apenas os chamados à barra.
Estudarei os problemas correlacionados, começando pelos limites, incompatibilidades e acumulações, destacarei o problema, por resolver, da concentração de cargos privados e referir-me-ei aos remédios fiscais.
O eixo desta discussão passa pelo meio de dois ângulos que se contrapõem.
O exercício de altos cargos remunerados das grandes administrações hodiernas tenho visto atribuí-lo, por igual, ao mérito e ao caso fortuito.
Quem vir com olhos de liberdade geral e de liberdade económica os fenómenos sob a incidência do projecto há-de reconhecer que os que ali chegaram o fizeram por um caminho semeado de espinhos, derrubando obstáculos, removendo competições, suplantando e vencendo concorrências.
Ao chegar tão alto, muitos, na sua consciência, encontrarão na ordem dos acontecimentos a legitimidade do seu querer poderoso e da sua inteligência sagaz.
Estão onde estão, e para os liberais não se discutirão os processos, nem as posições, e menos ainda os direitos que as asseguram.
Para os socialistas - e o socialismo vê-se duramente batido nos últimos tempos - a noção é outra.
Os homens de projecção são rótulos da história, de Alexandre a Rockfeller. As circunstâncias sociais comandam. Tudo quanto acontece neste capítulo não é por mérito, talento de eleição ou tecnologia afinada, mas porque o acaso, a boa fortuna, os deuses larários e pródigos escolheram os felizes.
A Fortuna é cega, anda sobre rodas, mas soube, em todo o caso, escolher, e não se afastou dos que bafejou. Numa comunidade cristã, corporativa, hierarquizada, onde dominam os comandos institucionais, nem tudo será conquista individual, nem tudo se deixará ao acaso. Mas não faz mal, antes se impõe, reconhecer o mérito aos que o têm, nem impedir que dos meios mesquinhos e obscuros, removendo obstáculos, se possa chegar aos tectos da vida social. E sobretudo tomemos nota do estranho e paradoxal de, entre nós, os liberais chamarem força e acaso ao triunfo individual e os socialistas reivindicarem para si os primores do sucesso individualizado.
Apesar de dispersivo, não acompanho as críticas ao parecer da Câmara Corporativa. Ele contém abundância de vistas, ângulos diversos; fez-se eco de interesses vários e sociais, como era seu dever, e deixou aos Srs. Deputados a opção e a escolha necessárias. Ilustres Procuradores, vogando a flor das correntes de pensamento mais diversas, trouxeram um depoimento corajoso, que corresponde ao ímpeto político do autor do projecto. Sobretudo, não posso deixar de aderir calorosamente à sua sugestão de participação nos lucros para os que trabalham na empresa ou sociedade.
Sr. Presidente: a Câmara pode ter ficado na convicção de que se encontra diante de problemas que não são
Página 707
22 DE ABRIL DE 1960 707
de ontem, mas de hoje - diante de problemas postos desde o Decreto-Lei n.º 26 115 para cá.
A Câmara pode ler a impressão fie que estes problemas de altos ganhos, acumulações, falia de hierarquização segundo critérios oficiais, são um efeito necessário da política ou, melhor, do clima económico '.Io fomento. Mas não é assim.
Estes problemas não são de hoje nem de ontem - são de sempre.
Também alguns escritores com predilecções e aceitação filosófica se empenharam por vezes na demonstração de que tais questões nasceram do próprio regime de estabilidade e revigoramento do Poder em que vivemos, e se os governantes procuravam remédios legais é porque o mal se devia ao jogo das actuais
instituições.
Mas também não porque através dos diferentes regimes nós veremos a Fénix perecer para de novo levantar a cabeça.
O mal, se mal é, não é de hoje nem de ontem e tem sido doença de vários regimes.
Os nossos grandes homens de letras o verberaram, escalpelizaram, com grande veia literária e até sarcasticamente, condenando-os, ora como desmando, ora como erro social.
Já aqui foi invocada a Política de Aristóteles, cuja
eternidade conceptual foi elevado até ao nível de primeiro tratado científico - embora se entenda que não empanou o resplendor dos diálogos platónicos-, a propósito do funcionamento dos regimes típicos de organização política.
Pois bem: naquele livro, Aristóteles profliga a frequência das acumulações de cargos públicos e denuncia os seus abusos ao referir-se a Cartago.
Na índia, na época do centralismo monárquico, já quando imperava entre nós o Usurpador. Diogo do Couto - famoso letrado, hipercrítico, mas malevolente pura agradar ao novo senhorio - combatia e admoestava porque os cargos se davam apenas a fidalgos e apaniguados dos governadores, que se proviam por mais-valias e aderências e por forma que magoava e desenganava- a muito.
O mal agravava com as «trespassações», as quais não permitiam aã aberturas de vagas.
Couto, exagerando, considerava que os funcionários eram muito mais que soldados, em virtude das mercês desordenadas, e referia-se, com pitoresco caricatural,
aos felizes que comiam mira-olhos e figo berjaçotes, levando o melhor, com as fios na cinta e a perna inçada.
Risos.
Depois de 1640, com o advento de D. João IV. Portugal restaurado e a monarquia popular. Vieira, pregando o Sermão da Terceira Dominga da Quaresma, escalpelizava, à sua maneira destemida e cortante, riquíssima, o vício parece que frequente das acumulações remuneradas.
Começava por notar que a capacidade humana era tão limitada que, para fazer o seu barrete de clérigo, fora necessário que oito artistas trabalhassem - o criador da lã ; o tosquiador; o cardador; o fiador; o tecelão;
o tintureira; o tocador; o chapeleiro.
Se um homem só podia dar má conta de uma arte ou de uma capacidade, como se podiam juntar num só homem vários ofícios ?
E como havia de dar conta deles e ainda se tinha de fazer frente ao respectivo caso de consciência ?
O celebérrimo jesuíta, príncipe sem rival da oratória sagrada, escandalizava-se e insurgia-se contra aqueles que chamava «cabides de emprego», que lauto no secular como no sagrado açambarcavam ofícios.
O escândalo não estava assim nos ofícios, mas no «um».
Não estava nos três nos seis nos oito, mas no como se poderia acudir a tantas obrigações.
Nem o mesmo Sol podia fazer dois ofícios, visto que quando alumiava um hemisfério deixava o outro às escuras.
Certo é que o mal existia, porque o alvará de D. João IV de 28 de Outubro de 1644. inspirado, segundo se crê por João Pinto Ribeiro, apontava os grandes inconvenientes que se sucediam por uma mesma pessoa seguir mais de um ofício - raramente seriam compatíveis e se poderia acudir às diferentes ocupações como conviria.
O Sr. Carlos Moreira: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Carlos Moreira: - Confirmando a alegação de V. Ex.º de que em 1644 eram tomadas providências para esses males, queria acentuar que D. João IV tinha, sido proclamado rei em 1640 e passados apenas quatro anos começavam a tomar-se tais providências.
O Orador: - Nos capítulos oferecidos às Cortes do 1G97 pela Câmara do Porto assinalava-se que acumular muitas ocupações era destruir o bom expediente e prejudicar notoriamente as partes. Seria menor mal em vez de muitos ordenados fixar-se um só ordenado competente.
Com referencia a época posterior a D. João IV, embora se discuta a autoria e os intuitos, o portentoso livro da literatura administrativa que é a Arte de Furtar ataca, com inaudita violência, a ocupação de muitos ofícios em poucos.
Ao alqueire juntavam os moios.
Devoravam a dois carrilhos, absorviam a substância do Reino.
Por vezes, os postos ocupados eram incompatíveis!
As muitas ocupações em um só eram motivo de desordem, causa de insatisfação dos interessados, atraso das resoluções, perderem-se e entrelaçarem-se os pontos e s linhas.
E rematava - perdem-se os gastos e a paciência.
E Deus nos dê boas noites!
Tá no tempo do despotismo iluminado, o conde de Oeiras assina uma carta de lei de 1770.
Era indispensável obviar ao escândalo e grave prejuízo de procurar os ofícios, não para ocupação do serviço e bem comum, mas como património dos acumuladores.
Vamos dar um salto com a queda do regime absoluto e encontrar os idealistas românticos, teorizando pelos figurinos de Montesquieu e do Rousseau.
E que vemos?
As Cortes Gerais e Extraordinárias e Constituintes de 1821, antes de organizarem a nova Constituição, ocuparam-se de regular um sistema de incompatibilidades políticas.
Claro que este sistema dirige-se aos representantes da Nação e aos membros do Governo e destina-se, de então por diante, a proibir-lhes a entrada ou o exercício cumulativo em sociedades e companhias, muitas das quais eram estrangeiras.
Ressano Garcia, quando Ministro da Marinha, pede a demissão de director da Companhia de Caminho de Ferro de Lourenço Marques. E Pinheiro Chagas, que tanto brilhou nesta instituição, demite-se também.
Tá no tempo do conde de Bonfim, como aponta o parecer da Câmara Corporativa, por 1839, o Poder acudia
Página 708
708 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 169
com normas restritivas para proibir a acumulação de aposentações.
E com D. Luís pela altura da guerra franco-prussiana. em proibida a acumulação nas aposentações. jubilações e reformas. Quando a monarquia constitucional entra no ocaso, damas do paço, aristocratas da mais pura gema, acumulam os cargos palatinos com os mais plebeus lugares das alfândegas - que escândalo !
E agora, não podem ser esquecidos os anais da República parlamentar democrática nem a sua gíria pitoresca, mas significativa.
Chamavam-se os gros bonnets das administrações e da política «tubarões», peixe graúdo, de incrível voracidade!».
Chamavam-se os homens públicos que davam cobertura e protecção às grandes empresas e companhias «pára-raios», mas estes últimos não foram inventados por Franklin, nem eram proporcionados à grandeza dos edifícios.
Portanto o «homem de sete ofícios» nem é uma fábula nem um tipo sociológico destes tempos.
Essa leguminosa, que também serve para adubar o terreno, medra através das camadas mais remotas até às superficiais e produz várias vagens de muitos grãos.
A perdurabilidade das críticas, o rumor da opinião geral, a resistência à medida, mostram que não é apanágio das governações vigorosas nem fatalidade das programações de desenvolvimento.
Nem sempre se assenta no favor e no arbítrio, mas em motivos sociais indiferentes a regimes, entre os quais a própria necessidade da Administrarão, e por isso hoje como ontem, carece de providência legislativa, pois que a lei é de todas as técnicas políticas a mais convincente e poderosa.
Sr. Presidente: desejo acentuar um reparo e peço à autoridade e atenção da Câmara que, de algum modo me acompanhe no meu protesto.
Não devemos deixar que se consagre um preconceito que todos sabemos ser injustiça flagrante.
Neste país a opinião pública parece desconfiar apenas dos políticos, ou, melhor, dos ministros que deixaram as cadeiras do Poder.
Tem-se nos últimos tempos acentuado, nos órgãos de difusão de vária espécie, o prejuízo, o preconceito. quase a superstição, de que não deve haver vida representativa e vida .social de significação fora do quadro governativo. Tudo o mais mergulha no anonimato e na obscuridade.
Como responde a opinião confusa e indistinta a este protocolo social?
Responde com uma atitude geral de reserva, locada pela desconfiança. Assim, altos funcionários, universitários, engenheiros, médicos, oficiais, arquitectos, até juizes u químicos, desempenham funções bancárias, económicas e administrativas, em empregas bafejadas pelo Estado, ou bastante poderosas para que do Estado não precisem a não ser atenções especiais.
Os padres, porém, ao que parece, não acumulam.
Pois nada disto provoca alarme.
Só os homens públicos, depois dos trabalhos excedentes da governação, depois de arcarem com responsabilidades pesadíssimas, de enfrentarem hermenêuticas desagradáveis e responderem por erros, que tais mio foram. é que hão-de aguardar, no gelo, a sua má hora de Canossa.
Como é incerta, volitante, feminina, a opinião que geralmente se faz a este respeito!
Ora, parece bem, parece justo, é desejável que não nos deixemos dominar por esta ideia, de que o projecto vai, simultâneamente, alentar e combater, acalorar e desesperançar. de que ele se dirige só aos homens públicos e não o temos como processo generalizado e abstracto de lei, para todos que se encontrem nas condições referidas.
Tenho visto sis provas provadas de isenção e liberdade de ânimo em que se encontram aqueles que podem ser tocados por esta lei, que sofrerão o seu embate ou as suas incidências, quando os seus serviços lhes garantiam tranquilidade e independência.
Não seria político que se deixasse o anonimato fazer a sua justiça sentimental e precária, se não parcial, e que, além dos rumores traiçoeiros de que são sempre vítimas os homens públicos, acusador de tudo por irresponsáveis e desqualificados, somente contra eles fosse assentada e disposta uma máquina cilindradora, destinada a estabelecer uma regra de moral administrativa.
Oh! Não agravemos com desdéns e desconfianças os homens a quem se disse que o País não só lhes reconhecia os méritos como apreciava os serviços, e não ponhamos no lazareto apenas os que tomaram sobre si as temerosas responsabilidades de governar!
A iniciativa ousada, mas firme, moralizadora, mas política, tomada pelo ilustre Deputado e meu conterrâneo Camilo de Mendonça dá-me ideia de um círculo avivado que servisse para, com o auxílio de um compasso, se tirarem várias zonas concêntricas.
Foi muito hábil em tomar o acervo das questões pelo lado mais frágil e atacando apenas o conteúdo prático do citado artigo 27.º, bater e impugnar por implicações e vizinhanças os demais aspectos.
A limitação de vencimentos nas empresas públicas e quase públicas toca, mexe, sacode, outros problemas correlacionados ou próximos do que não vale a pena dar noção do maior rigor.
Mexe com inerências, representações de organismos, instituições e delegacias legais.
Mexe com as incompatibilidades as acumulações e as impossibilidades horárias e geográficas.
Pode vir a tocar com a concentração de lugares privados e de lugares privados e públicos, se até aí for levado o mesmo princípio a votar pela Assembleia.
Mexe com a graduação de remunerações para além dos quadros do Estado.
Procura afirmar um começo de disciplina para as sociedades e empresas primárias e a sua proliferação e engrandecimento em outras afiliadas, dependentes, fornecedoras, regulares ou de tal intimidade, que uma somente parecem fazer com suas mães.
Todos estes problemas, todas estas zonas concêntricas, levantadas e desenhadas com a outra perna do compasso que corre ao longo do círculo nuclear, se afirmam perante a consciência e decisão da Câmara.
Foi muito hábil e engenhoso o engenheiro Camilo de Mendonça - a regulamentação das incompatibilidades faz transpirar a testa dos jurisconsultos; a das acumulações carece de longas listas e exames laboriosos; a concentração de cargos privados põe problemas de princípio e questões de pratica legal que desafiam os construtores da lei - foi muito hábil e engenhoso atacando a fortaleza pelo lado mais fraco e pelo seu bastião menos guarnecido.
Como acentuou o ilustre Deputado Camilo de Mendonça, o Decreto n.º 40 830, de 29 de Outubro de 1956, procurava atingir certos efeitos políticos, o primeiro dos quais era o estabelecimento de um regime uniforme n extensivo que permitisse assegurar os direitos do Estado e montasse uma fiscalização na sua zona de interesses bancários, fabris o mercantes.
Os intuitos eram evidentes - elevar as representações possíveis ou eventuais do Estado às alturas de um verdadeiro sistema e dispor assim de um grupo qualificado de catalisadores e representantes que prolon-
Página 709
22 DE ABRIL DE 1960 709
gassem até ao domínio quase público as próprias funções de vigilância e de intervenção governativa.
Podiam notar-se logo os excelentes intuitos do diploma:
Não deixar anquilosas as funções, nem tão-pouco amolentar os cargos.
Impor critérios definidos e estar de atalaia sobre o cumprimento de obrigações por quem algumas vezes se julga despido delas.
Não burocratizar fundões de economia global nem deixar de, fiscalizando, prestar contas, estreitas.
Tais eram os desejos evidentes dos estadistas que subscreveram o diploma, o qual repetimos, estabeleceu um regime, alargou a disciplina e unificou os métodos administrativos.
O público e a crítica propendem muito a ver o desenvolvimento das forças políticas e a considerar o alargamento do contrôle como molesto e o carácter das designações como um processo de atracção.
A verdade é que nas empresas e sociedades de compreensiva e cuidadosa atitude a intervenção de comissários, delegados ou representantes governativos apresentava, além das inquestionáveis vantagens de limar responsabilidades. elucidar critérios e favorecer as relações públicas com as esferas oficiais, e digo isto sem sentido pejorativo, segurança, certeza e quietação.
Assim, uma medida mais genérica foi tomada, obedecendo às imposições dos factos que alastram à nossa vista - o planejamento do fomento e a acção e assistência indirecta do Estado no sector privado, de modo a assegurar o desenvolvimento dos seus interesses.
Porém a temporalidade das funções o até o carácter nelas não iriam garantir, nos casos mais sérios, a plenitude de resultados.
A redução para cinco anos, este roulement possível e provável de lugares de confiança governativa não estava inteiramente de acordo nem com os interesses centrais, nem com a natureza das funções a desempenhar.
Nalguns casos esse seria o tempo necessário ao amadurecimento experimental e viria a suceder que, quando o delegado estaria capaz de produzir reais serviços, o Estado teria de mandá-lo para casa, mesmo que na brandura dos nossos costumes faça as malas para outro cargo semelhante.
A prática administrativa não assegurava até aí um quadro homogéneo - uns que tomavam liberalmente as suas funções; outros que as confundiam com as pretensões das próprias empresas; outros que asseguravam o rigor da lei através de choques e diferendos; todos eles, no entanto, conscientes que cumpriam com o dever dos seus misteres.
Por outro lado, um diploma de uniformização e extensão reclamava a existência de um grupo de pessoas qualificadas que, acto imediato, realizassem os intuitos plenos do legislador e, sobretudo, que lograssem a extensão às empresas subconcessionárias e subsidiárias da fiscalização, representação e directrizes do Estado, de harmonia com o predomínio tomado por este na vida e desenvolvimento delas, representava evidente progresso e desejo de resolver. Assim como nos funcionários contratados, finanças locais, eficiência de métodos, funcionamento de secretarias gerais será sempre benfazejo o estabelecimento de um regime uniforme e extensivo, a existência de uma só e sólida disciplina foi de largo alcance e a medida tomada de codificar e montar um texto único e um método administrativo um razoável aperfeiçoamento.
Mas a própria disciplina da função foi deixada a uma certa liberdade de desempenho e de interpretação que não corrige todos os defeitos visíveis e a sua temporalidade, pondo em cheque quinquenalmente a totalidade do quadro, apresenta vantagens de mobilização para quem governa, mas desvantagens de especializarão para quem tem de fiscalizar e administrar também.
Vozes: - Apoiado!
O Orador: - Qual o autêntico limite visado pelo projecto em discussão?
Formulo esta pergunta e respondo-lhe por dois motivos. Em primeiro lugar, é menor do que geralmente se supõe nos meios bem informados.
Em segundo lugar, se quisermos ser justos, havemos de contar com mais uma importância diária para aqueles a quem não foi fornecido automóvel, no estado actual da vida activa, sujeita a naturais deslocações.
Vejamos:
Em primeiro lugar, o vencimento dos Ministros fixado pela Lei n.º 1924 ficou no dobro a partir de 1 de Janeiro de 1955.
Mas depois disso, pelo Decreto-Lei n.º 40 872. de 23 de Novembro de 1956, a mensalidade atribuída a despesas, de representação ao Ministro dos Negócios Estrangeiros e o equivalente à renda de casa na falta de habitação da Fazenda, duplicaram o foram tornados extensivos a todos os membros do Governo.
Não sei em que elementos se baseou a Contabilidade - departamento que aliás, trabalha minuciosa e eficientemente - para apagar todas as naturais e diplomáticas diferenças.
Também não sei porque esta representação não é atribuída às altas dignidades dos presidentes das nossas duas Câmaras.
Apresento a V. Ex.ª as minhas desculpas por pegar neste assunto, mas não se me negará alguma autoridade.
Portanto, o limite é menor do que se supõe nos meios interessados no estudo da questão.
E, no meu entender, se um Ministro, além de outras regalias, dispõe de dois automóveis para o seu serviço, uma majoração razoável deverá prever-se um relação ao limito justamente fixado pelo projecto.
O projecto, pela sua mecânica, desencoraja, contrai e trava indirectamente as acumulações, na medida em que elas se tornavam vantajosas para além do limite fixado no artigo 27.º citado.
Não resolve de cara todos os seus problemas. Não as contraria.
A teoria legal das acumulações desafia o construtor da lei e até o seu intérprete pelo seu carácter terrivelmente regulamentar.
Sai-se do terreno quase individual para um labirinto, e temos de nos embrenhar nos estudos e análises de tabelas e listas, que repugnam à consciência impessoal e abstracta de quem legisla.
As técnicas de proibição, conversão em gratificações, de acumulação do exercício, de desconto, de vencimento extra, são de manipulação delicada e nem sempre respondem à exigência dos princípios e vêm a corresponder a uma solução moralmente impecável.
Apanhar a lei nas suas malhas os pequenos e deixar fugir os grandes, apanhar um apagado médico, mas dedicado, de uma modesta instituição e deixar esgueirar os mais opulentos financeiros, ao acumular vários cargos, sujeitar tudo às contingências da governação, que pode ser tão pronta como atrasada e em suspenso, reclamam, impõem, estão exigindo, disciplina e codificação.
Assim, o problema ó apenas circundado, no que se refere às reais vantagens de remuneração, para além de certa medida, mas ficam de pé os quês e os porquês, no aspecto da regularidade e hierarquia dos quadros e da disciplina das funções.
Página 710
710 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 169
A concentração de cargos privados está fora do âmbito do projecto, mas a sua motivação social e jurídica não atinge aqui grau inferior.
A concentração de cargos de direcção e administração de empresas e sociedades privadas de vulto tem merecido da parte dos escritores e do público em geral, a fundada convicção de que seria desejável um tratamento idêntico paru todas u restrições ao seu poderio e ganhos, em termos similares aos das empresas públicas. E compreende-se porquê.
Cortas empresas privadas vivem mais na dependência do Estado e nu vassalagem dos favores oficiais do que as empresas pública e quase públicas.
O Sr. Carlos Moreira: - Favores disse V. Exa.?
O Orador:- Precisam de protecção, de legislação favorável, carecem de isenções, privilégios fiscais, precisam de cobertura legal, socorrem-se de financiamentos oficiosos e da técnica oficial; em época de crise, aperto ou maus negócios recorrem aos governantes para que as desembaracem e ajudem, entregam-lhes o pessoal e utilizam cuidados meios e defesas de autoridade, até em medida superior aos institutos públicos.
E por igual precisam de administração escrupulosa, de medidas internas de rigor, de disciplina inusitada ao seu pessoal e da parte do pessoal superior, de dedicação e inteligência e devoção social capazes de ombrear com o pessoal dos quadros do Estado.
Portanto, a regra da moderação e temperança dos grandes administradores lem aqui também toda a razão de ser e o seu solar.
Mas deverá o Estado interferir para regular a maior ou menor concentração desses cargos e a posição de comando e poderio de alguns dos seus chefe, homens de negócio ou administradores;
Ou deve em nome dos interesse gerais e da luta contra o governo fora do seu governo, opor-se, rebatendo-a, à concentração nalgumas pessoas privilegiadas? ;
Até que pinto o Estudo irá desacatar a regra da particularidade e da soberania privada!
Em nome do qual princípio?
A Constituição de 1933 assinala que es-ta acumulação será dificultada.
Portanto, se assim é ela não pode ser proibida nem obstaculizada.
Poderá apenas - parece - ser tornada difícil por métodos fiscais e administrativos que não sejam proibitivos, nem interferentes, nem representem barreira irremovível.
Mas como?
E até onde!
E por que forma mais explícita?
A questão é importantíssima.
A concentração de cargos privados de grande irradiação atesta um poderio de projecção e de envergadura, mas é certo que se lhe pode dever a mais segura mola propulsora do desenvolvimento económico do País.
Este poderio social e prestígio são grandes.
Dispõe de meios, facilidades, colaborações, assentimentos, empenhos poder de empregar, de colocar e de resolver, em medida mais ampla do que se julga e, por vezes, muito superior à dos homens públicos.
Se este poderio privado, mas de projecção, se associa a outros, se vários lugares públicos e privados se misturam em avisos, conselhos, capacidades e resoluções mais amplas - um poder se- engrandecerá e vai erguer em face de outros poderes.
Não creio que haja oligarquia, cooperação mais que activa, preconceito de grupo, entendimentos concertados para o domínio dos mercados, do crédito e da actividade fabril, mas há, pelo menos, um problema, visto que a própria razão de Estado se alarma e periclita.
Portanto, a «colecção» de cargos privados de direcção e administração de empresas de vulto, de empresas--chaves. que deve ser dificultada, qualquer que seja o talento e disposição dos coleccionadores, é um grave problema à margem do projecto do ilustre Deputado, não menos vivo, nem menos sério do que o problema nele encarado.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito bem !
O Orador: - Ora o Estado actual, ao repartir o domínio da sua autoridade com o da liberdade económica, não requer, nau deseja e nem sempre poderá interferir - mas deve poder regulamentar, quando o entenda ou quando se torne imperioso. Não pode abandoná-lo à simples soberania privada e às vontades individuais.
Vozes: - Muito bem !
O Orador:- Ë certo que os Estados ocidentais promovem a compatibilidade do sector público com o sector privado e não querem deixar invadir este por aquele.
Todos estão empenhados em manter a herança liberal da soberania da empresa privada, por ser essa a mola mais progressiva do económico.
Portanto, em não atacar num restringir essa soberania.
Mas o Estado deve vigiar, deve regulamentar, quando se tornar necessário, dificultar uma concentração clamorosa, combater mesmo os coleccionadores de altos cargos, que agem como quem colecciona selos, e que venha a constituir-se uma soberania privada mais condensada e aglutinante do que a sua.
Sobretudo esta concentração de cargos privados adquire inaudita nocividade quando se espraia nu terreno da difusão e publicidade e os açambarcadores, perdendo a imparcialidade, a utilizam para fins menos nacionais.
O Sr. Carlos Moreira: - V. Exa. refere-se aos açambarcadores de cargos, evidentemente?
O Orador: - O recurso ao imposto para fazer frente à ocuparão de vários cargos e limitar as remunerações extra, em atenção a circunstâncias diversas da sua normal hierarquização, mostra grandes defeitos, não parece eficaz e apresenta ainda algumas graves dúvidas no terreno dos princípios.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Muito bem!
O Orador: - Primeiro que tudo, o imposto pago aparece no consenso geral como um prémio de legalização.
A imposição não enfrenta o mal consente-o, oficializa-o legitima tanto a acumulação de cargos como as remunerações excedentes, uma vez paga a contribuição pelos beneficiários.
Chancela, e desta forma ficam autorizadas tais situações.
Ora bem: a lei fiscal não serve para tanto. nem. ao estabelecer justiça, deve legitimar o que parece injusto.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito bem !
O Orador: - A lei fiscal pode ajudar, pode melhorar, mas não tem que resolver por si só este e outros problemas.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
Página 711
22 DE ABRIL DE 1960 711
O Orador: - A técnica geralmente recomendável para obviar às situações combatidas pelo projecto pode ser esta:
Primeiro lugar - permitido.
Segundo lugar - sobretributado.
Terceiro o demais lugares ou rendimentos de altos escalões - proibidos ou eliminados.
Admite-se que, mesmo assim, por motivos de prestigio e ascendência social, houvesse quem estivesse disposto a perder tudo e a desempenhar gratuitamente as funções.
Mas a verdade é que nem todos se adaptariam, e o imposto excederia a sua função de equiparar as cargas entre os contribuintes, de ser uma imagem da justiça, para se tornar puro instrumento político.
alias há mais - a Constituição proíbe indirectamente o confisco, sendo grave que o imposto revista n forma de expoliação declarada e se limite a transferir o capital dos contribuintes para o Tesouro.
Portanto, se não for confiscatório, o imposto será deficiente e não resolverá os problemas postos pelo legislador; se o for, excederá as normas de tolerância e compatibilidade, que suo o segredo da produtividade dos impostos, como tantas vezes expliquei, ao verificar que as cobranças premiavam a minha moderação tributária.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Muito bem!
O Orador: - No parecer da Câmara Corporativa preconizou-se a tributação pessoal do rendimento, não sabemos se com recurso à complementaridade actual, se pela admissão de uma tributação subjectiva do rendimento.
Se era esta última a preconizada, direi que ela, a despeito de graves defeitos e intromissões, teria permitido assentar as realidades da Administração, num conceito aperfeiçoado do rendimento, facultaria estatísticas de rigor, apropriadas ao planejamento do fomento, eliminaria as cargas consideráveis dos anos maus, permitiria declarações realísticas e discriminaria a favor do trabalho como fonte de resultados individuais.
Mas a máquina enorme e difícil de montar não resolveria ainda os problemas morais e sociais das incompatibilidades, acumulações e das remunerações extra.
Algumas delas, como iodos vemos, são toleráveis e permissíveis, mas outras são intoleráveis, deverão afastar-se, e lerá a lei de proibi-las rudemente e não desculpá-las ou consenti-las o tratamento fiscal da doença.
Portanto, uma retribuição subjectiva, apesar de tudo, teria de rolar a todos com o mesmo rasoiro.
A nossa técnica actual consiste em sobretributar o exercício de profissão liberal com a acumulação de cargos de remuneração superior a 120 contos - o excedente desta quantia fica sujeito a um adicionamento.
Esta medida provoca grandes clamores entre profissionais distintíssimos que a têm como medida de desfavor sobrescritada, ofensiva dos seus méritos e trabalhos e violência menos decorosa do Estado - fisco.
Portanto a sobretributação pode dar indicações preciosos, ajudar a resolver, combater certas tendências gerais. mas não lhe incumbe, na sua função de distribuir os encargos dos serviços públicos, resolver e decidir as questões de legislação, de moralidade, de administração pura.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A política de emendar a distribuição do rendimento nacional é mais perigosa ainda, e só por excepção não estará votada à falência.
Consiste em decapitar os grandes rendimentos e, por meio de imposto, redistribuí-los ao País, fazendo circular os meios engrossados no alto.
Foi tentada com algum êxito pelo governo trabalhista, que amputou a fracção dos rendimentos individuais superiores a 6000 libras.
Ela deu certos resultados? más não corrigiu e não teve o condão de resolver as dúvidas postas à Câmara neste debate.
Em França e outros países, tais amputações não asseguraram uma margem de. transferência suficientemente ampla para realmente corrigir. Nem mesmo conseguiram melhorar as pensões de reforma e decretar, por meio delas, medidas socialmente necessárias.
E nos Estados contemporâneos, agora, a complexidade de tais problemas agrava-se pela existência de parafiscal idades importantes, que atingem duplamente, e mais, os contribuintes e que tornam impossível notas investidas.
O imposto pode e deve corrigir, mas não deve uns em benefício de outros.
Seria um imposto, de classe - odioso, prepotente, intolerável, que o fizesse.
Não deve comer as crias e abater as mães simultaneamente.
A tributação do capital, mas sobre o capital, como conscrição, tem sido sempre um desastre e, por isso, a vemos repelida, tanto, teórica como praticamente.
O capital é tímido, bate as asas, voa para longe ou refugia-se no escuro, como aquele verme de que falam os melódicos e melancólicos versos de Camilo Pessanha.
Portanto, podo desenhar-se uma política de direitura administrativa capaz de eliminar ou rebater as condensações administrativas, oriundas de benefícios oficiais, do empresas públicas e semipúblicas. mas não deve tentar-se corrigir o processo distributivo senão na medida em que este é outro problema e requer novo e diferente ordem de soluções.
A Câmara está entregue a si mesma, às suas luzes, à sua consciência institucional.
É natural que meça e tome as suas responsabilidades, sem recear, na realização do que lhe dita a ordem e o bem comum, mas indiferente às pressões exteriores, porque é assim o caso de consciência, e no impõe delicada e livremente o cumprimento de deveres e que manda agir rectamente.
Se esta Câmara, antes de expirar o seu mandato, adoptar algumas medidas construtivas, preparará o futuro, facilitará as tarefas dos que vierem e poder adivinhar a certeza política e moral de que também trabalhou pela, elevação dos Portugueses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente: por mais alheios e desligados que pareçam ser uns frente aos outros, é sempre possível descobrir e individualizar entre os fenómenos sociais, lato sensu, conexões e interferências mais ou menos próximas e estreitas.
O mundo de relações que tem como pilar e ponto de referência o homem é, sob certo aspecto, um mundo de interdependências.
Apenas acontece que estas têm de ir buscar-se e localizar-se em planos mais ou menos afastados e longínquos, consoante as espécies de fenómenos cujas relações porventura se pretenda equacionar e pôr em relevo.
Página 712
712 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 169
Todavia, na investigação das soluções que permitam moldar ou encaminhar determinados «processos» sociais que à luz das exigências do interesse comum das colectividades se julgue conveniente que se desencadeiem
e intensifiquem, apenas há, em princípio, que fazer recair o estudo e análise sobre as suas implicações a incidências mais imediatas, mais salientes e relevantes.
Designadamente, a propósito da discussão de determinadas soluções normativas mediante as quais se pretenda imprimir certa orientação a preciosos e delimitados aspectos da vida colectiva, não se pode é claro, remontar e começar pelo dilúvio. Não seria útil, nem prático, até por exigir séculos de raciocínio.
Com esta anotação pretendo pôr em termos de caricatura a maneira de proceder que, ao enfrentar um problema concreto e perfeitamente circunscrito, se deixa «embrulhar» em considerações mais ou menos vagas e abstraias, em raciocínios e divagações especulativos, cuja pertinência e utilidade são mais do que discutíveis.
Sem de modo algum querer ferir, intuito que se não afeiçoa a minha maneira de ser e de agir, julgo de assinalar que o teor geral do parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de lei em discussão se caracteriza em grande parte por esta nota saliente: é discursivo e divagatório, impreciso e, como se diz numa das declarações de voto, muitas vezes inconcludente.
Não tenho qualquer gosto em fazer esta apreciação
de ordem geral. Não posso, no entanto, deixar de apontá-la com a mesma naturalidade com que ainda há bem pouco tempo não regateei elogios e um outro parecer sobre que tive a oportunidade de me pronunciar.
Para além dos «murmúrios» às vezes significativo, não raro bastante equívocos, mas sempre muito elucidativos, sussurrados com diferentes gradações de voz,
conforme o ambiente parece ser mais ou menos propício e acolhedor, ainda nada aqui foi trazido em estilo de tomada formal de posição contra o projecto, a não ser - em certo sentido e dentro de determinados limites o parecer da Câmara Corporativa.
Assim, enquanto tais «murmúrios» não tiverem eco e reflexos nesta tribuna, o que por certo não deixará de vir a suceder, porque é este o lugar adequado para definir posições e cada um assumir as suas responsabilidades, resta, mais uma vez, fazer um esforço de meditação sobre o texto desse parecer.
O condicionalismo que fez germinar a ideia do projecto e as razões que determinaram a sua apresentação, os objectivos que visa e os limites dentro dos
quais se circunscrevo foram já aqui bem definidos e assinalados pelo Sr. Eng.º Camilo de Mendonça.
Seria redundância repeti-los. Porventura redundante será também o mais que vou dizer, mas a verdade é que não queria, e acima de tudo não devia, como signatário do projecto, alhear-me do debate á volta dele suscitado.
Quanto à maneira, ao momento e às condições em que se deve fazer funcionar o princípio da limitarão das remunerações dos corpos gerentes das empresas abrangidas e englobadas no projecto de lei em discussão, diverge o parecer de várias soluções naquele preconizadas.
No entanto, a necessidade e bondade do princípio, em si mesmo, tia limitação de tais remunerações não são postas em causa pelos Srs. Procuradores que subscreveram o parecer, salvo por dois, aliás mui ilustres:
os Srs. Doutores Adelino da Palma Carlos e José Gabriel Pinto Coelho, que, por coincidência, são os últimos que o assinaram.
Apenas por uma questão de método, e não propriamente porque, também nesta emergência e para os fins em vista, os últimos devam ser os primeiros, é sobre as respectivas declarações de voto que, antes de mais, se me afigura indicado fazer algumas considerações.
Todavia, no que respeita à declaração de voto do Sr. Doutor Palma Carlos, creio que, em boa verdade, nada se impõe dizer.
Na realidade, o ilustre professor limita-se, em termos dogmáticos e numa síntese demasiado ... sintética, a manifestar a sua simpatia ou preferência pelo recurso ao imposto pessoal sobre o rendimento como meio ou processo adequado de corrigir os proventos excessivos, sem que, porém, nos esclareça, sobre o porquê da sua posição, sobre as razões em que esta se radica e que porventura, lhe poderiam assegurar consistência e força de convicção.
Ora, enunciando-se uma tese, mas nenhum esforço se fazendo no sentido de demonstrar a sua razoabilidade, logo se concluirá que esta declaração de voto não pode pesar nem coutar no debate, sendo certo, como é, que uma assembleia da natureza desta não pode prescindir da autoridade das razões para se contentar com as razões de autoridade, por mais qualificada que esta possa ser
Pode acontecer, porém, que a tese seja aqui retomada a fundamentada. Será, então, o momento de sobre ela dizer alguma coisa.
Relativamente ao voto fundamentado do Sr. Dr. Pinto Coelho, não hesito um momento, sem rodeios nem dúvidas, em pronunciar-me abertamente contra a posição que Justiça.
Antes, porém, de analisar as suas razões, quero deixar aqui anotado, porque se me afigura digno de louvor, o modo claro e inequívoco como exteriorizou as respectivas ideias sobre os problemas em discussão.
Aceitável ou não - isso é uma mitra questão - o fundo do seu pensamento, a verdade é que S. Ex.ª não hesitou em trazê-lo no debate sem habilidosos «encapotamentos» e em vertê-lo, de maneira incisiva, e por vezes mesmo cortante, em «letra de forma».
Vejo em tal atitude mais uma manifestação da sua bem definida e vincada personalidade, que me habituei a apreciar como discípulo, e a valorizar de cada à mádida que a «vida» me tem ensinado que não raro homens responsáveis, com «pézinhos de lã» de falsos bem intencionados, dizem querer aquilo que não querem, com «ratices» de equívocos tons acinzentados fingem sustentar formalmente e na aparência aquilo que no fundo repudiam, muitas vezes por razões que nada têm de louvável, e com espertezas mais ou menos «saloias» procuram inutilizar no plano prático o que não têm a coragem de atacar de frente e à luz do dia no campo dos princípios.
Mas se os termos em que tomou posição se ajustam e amoldam ao que reputo serem os melhores e mais limpos cânones de acção, quanto u maneira de encarai-os problemas em causa é profundo o fosso que de S. Ex.ª me separa.
Vejamos ...
Por um lado, diz-se, a aptidão e competência, os especiais merecimentos e natureza qualificada do trabalho das pessoas chamadas ao exercício de funções nos corpos gerentes das empresas, requisitos fruto não raro do estudo e experiência de vários anos não se harmonizam nem compadecem com a fixação de limites às respectivas remunerações, nem com restrições a acumulação de cargos, nem ainda com o estabelecimento de incompatibilidade?.
Por outro lado, acrescenta-se, não faz sentido que se reaja, nos termos que se pretende sejam legislativamente consagrados, contra a- situação dos corpos gê-
Página 713
22 DE ABRIL DE 1960 713
rentes das empresas, e o mesmo não suceda relativamente àqueles que conseguem apor felizes circunstâncias alcançar na indústria altos lucros e acumular uma fortuna», nem contra um cirurgião ou advogado de talento que percebem no fim de cada ano grossas quantias de honorários.
Aceito, é claro, que a valorização e remuneração do trabalho não pode ser função de critérios meramente quantitativos, mas, ao contrário, deve depender de variadas circunstâncias, ora de significado objectivo, ora de incidência subjectiva, entre as quais avultam a sua natureza, qualificação profissional, cultural ou intelectual que exige competência e mérito do prestador de trabalho, etc. Não tenho, na realidade, a mais ligeira dúvida de que as inevitáveis diferenças de homem para homem, quer naturais, quer resultantes da diversa preparação, cultura, sentido prático, etc., não podem deixar de reflectir-se também no plano da remuneração do respectivo trabalho, sob pena de, além do mais, se aniquilar o estímulo no sentido de ser e fazer melhor, indispensável ao progresso de toda e qualquer comunidade.
Aceito, portanto, o essencial de uma das premissas postas na declaração de voto que tenho em vista.
Sucede apenas que isso nada de interesse põe ou tira para a questão de saber - e essa é que está em causa - se devem ou não ser limitadas as remunerações dos corpos gerentes das empresas, e de um modo especial das empresas com determinadas características e certos tipos de ligação com o Estado.
É que o problema implicado pela pretendida limitação não se cifra nem esgota em indagar se o melhor trabalho deve ter melhor paga, contrariamente ao que parece pressupor-se na argumentação da declaração de voto em vista, mas consiste antes em averiguar se, considerando o conjunto da riqueza e do rendimento de certa comunidade, atendendo ao grau da sua evolução económica e social, tendo em conta os níveis de vida da generalidade dos seus membros, apurados através dos vários índices utilizáveis, e designadamente através daquilo que o próprio Estado pode pagar aos seus mais categorizados servidores, olhando a um natural sentido das proporções radicado numa elementar sensibilidade moral e até num elementar bom senso, atendendo àquele mínimo de equilíbrio económico e social que, mesmo nos países menos evoluídos, já ninguém com responsabilidade e noção das realidades concebe que possa ser rompido, o problema consiste, repito, em averiguar se, tendo em conta tudo isso, e o mais que na mesma ordem de ideias pode invocar-se, e sem prejuízo de uma adequada remuneração de trabalho mais qualificado, se justifica e legitima, ou não, à luz da consciência colectiva e dos juízos éticos que informam os quadros políticos, a imposição de limites à percepção de remunerações que ultrapassam toda a noção de medida concebível adentro do condicionalismo específico da comunidade que estiver em causa.
O Sr. Carlos Moreira: - Muito bem!
O Orador: - E, posta a questão nestes termos, basta pensar naquilo que entre nós auferem como remuneração os titulares dos mais elevados cargos civis e militares, que, para serem atingidos, pressupõem indiscutível qualificação e incontestável valor, e basta atender a que somos um país em que o rendimento per capita anda à volta de 7 contos anuais, para logo se concluir que não há lógica económica, política ou social, não há dialéctica nem argumentação, não há moral, e muito menos moral cristã, que possam legitimar os «chorudíssimos» proventos que notoriamente são recebidos pelos corpos gerentes de diversas empresas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para me não alongar demasiado, dispenso-me, pelo menos de momento, de entrar em concretizações.
Por mais aturado que tenha sido o estudo e preparação das pessoas em tais condições, por mais larga e valiosa que seja a sua experiência, por maior que seja a sua qualificação, ainda que se trate de «casos à parte», quase capazes de operarem como que novos milagres do multiplicação dos pães, dentro da relatividade de todas as coisas e neste país, que conhecemos e sabemos como vive, não podem considerar-se tais excessos como socialmente legitimáveis, nem há trabalho que os valha.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A desproporção é gritante, e mais gritante se torna quando se pensa em que para uns acumularem tão volumosas «maquias» têm outros de auferir rendimento muito inferior ao rendimento médio acima apontado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas a ausência de justificação, em geral, para tal desproporção, surge ainda mais vincada relativamente às empresas que o projecto se propõe abranger.
Na verdade, por um lado, nelas, como aliás acentua o Dr. Afonso Queiró na sua declaração de voto, a ocupação dos cargos de administração nem sequer é «sempre, notoriamente, fruto de opções de carácter puramente económico administrativo», ao contrário do que é pressuposto, pelas razões desenvolvidas na declaração em exame.
Por outro lado, embora em tais empresas prestem serviço pessoas de real categoria e incontestável valor, nelas há, é claro, de tudo, como em toda a parte, pelo que seria ridículo pretender que aí se tenha concentrado também em exclusivo - mais um exclusivo - o «mérito nacional», para a partir desse dado assentar raciocínios justificativos de volumosas remunerações.
Finalmente, e consoante melhor se dirá, seria ingénuo explicar, pelo menos em regra, os excepcionais resultados dos respectivos exercícios sociais pela particular eficiência da acção administrativa.
Resulta do exposto que as considerações produzidas pelo Sr. Dr. Pinto Coelho, em vez de enfrentarem o verdadeiro problema posto pelo projecto, envolvem antes a sua deslocação e, portanto, o seu desvirtuamento.
Pela minha parte julgo ser não só legítimo mas absolutamente necessário, no plano social e político, que se fixe um limite às remunerações visadas pelo projecto.
Tal fixação, além de ter sido estabelecida em outros países, nos quais talvez o problema não tivesse tão acentuada acuidade, nem mesmo constitui entre nós um princípio inovador.
Efectivamente, conforme já aqui foi dito, o que nele há de essencial teve consagração no texto do Decreto-Lei n.º 26 115, tendo apenas acontecido que foi quase sistematicamente desrespeitado, e isto naturalmente pela singela razão de que foi vertido numa norma (jurídica P) meramente platónica e «coxa» por ser desacompanhada de adequada e imprescindível sanção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E. mormente nesta matéria, é contra-indicado e ilusório confiar na boa vontade dos homens.
Página 714
714 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 169
Nem se diga contra a ideia base informadora do projecto que envolve uma intervenção injustificável na vida económica privada.
É certo que, dentro das nossas concepções político económicas, que pretenderam afastar-se das duas clássicas soluções extremas, a intervenção do Estado deve ter um claro carácter supletivo e subsidiário, destinando-se apenas a suprir as insuficiências e deficiências reveladas pela iniciativa privada.
No entanto, além de no caso concreto se visarem empresas que não podem classificar-se puramente, e sem mais, de privadas, a verdade é ser também exacto não só que a intervenção do Estado se não tem circunscrito dentro dos limites rigorosamente impostos pela referida orientação base, mas ainda que, em qualquer caso, as questões enfrentadas no projecto tom tal importância que justificam plenamente a interferência do Estado, única forma de fazer com que sejam respeitados os princípios éticos a que o Regime procura ir buscar apoio e inspiração.
Acresce que quando o Estado, embora determinado pelas exigências e prossecução do interesse público, intervém para alterar os termos normais e espontâneos do jogo da livre concorrência em benefício de determinadas empresas, quando permite ou garante a prática de preços que acrescentam substancialmente os lucros de outras, quando concede situações de exclusivo ou privilégio que praticamente eliminam os riscos em princípio inerentes a todo o empreendimento comercial ou industrial, isto é, quando intervém por modo a possibilitar o aumento de lucros e volumosas remunerações dos corpos gerentes, não se chama a atenção para a «violência» que consiste em imiscuir-se na vida económica privada. Porém, quando pretende interferir para atenuar certos efeitos de situações por si antes especialmente favorecidas, então, é claro, já se fala de violência, de intervenção condenável, de socialismo e não sei que mais.
Mas, se se impõe e justifica a limitação das remunerações dos corpos gerentes das empresas em causa, impõe-se, por maioria de razão, que se eliminem, ou, pelo menos, dificultem e tornem menos atraentes, as acumulações.
Além das razões expostas, muita em tal sentido a consideração de que mesmo os mais qualificados não podem prestar uma assistência administrativa séria e eficaz a várias empresas, sendo certo, por outro lado, que, quando puderem fazê-lo, constituirá isso índice seguro dos injustificáveis proventos que recebem em cada uma delas apenas por uma prestação de trabalho limitada, pelo que sempre se imporá, dentro da técnica do projecto, diminuir o interesse que as acumulações possam suscitar, mediante a fixação de um limite para o total das remunerações recebidas pelo exercício dos vários cargos.
Sob outro aspecto, afigura-se-me ser descabida e inconsistente a estafada e explorada afirmação de que a falta de valores neste país é tal que obrigaria determinado número limitado de pessoas a fazer o «sacrifício» de se desdobrarem e multiplicarem através dos vários conselhos de administração para ... «a bem da Nação» ... garantirem o prosseguimento dos grandes empreendimentos indispensáveis à estruturação e desenvolvimento económico do País.
Derivando para um outro aspecto focado na declaração de voto em apreciação, cumpre acentuar que não podem legitimamente assimilar-se às situações visadas no projecto as do industrial, do cirurgião ou do advogado nas condições que a mesma declaração aponta.
Por um lado, não tenho mandato de classe dos advogados para nesta emergência pôr em relevo a inexacta ê injusta equiparação feita na declaração de voto c,
por outro lado, não sou daqueles que ao fim do ano recolhem os substanciais honorários a que nessa declaração se alude. Estou, por isso, à vontade para me pronunciar sobre este ponto, sendo certo que o que vou dizer se aplica, com as adequadas adaptações, aos demais casos que se citam e apontam.
Postos à margem determinados tipos de actividade que de advocacia apenas poderão ter, quando muito, o nome e a aparência, por se dar a coincidência, meramente fortuita e circunstancial, de serem desenvolvidos por pessoas licenciadas em Direito e, às vezes, inscritas na Ordem como advogados, posta, por conseguinte, à margem essa pseudo-advocacia, é de anotar, antes de mais, que os casos de advogados que cobram esses volumosos honorários se contam pelos dedos, o que só por si não legitima generalizações.
Os demais, através de uma luta dura e constante, num desgaste físico que consecutivas e dolorosas provas de nervos e noites de insónia vão prematuramente acentuando e vincando, numa dádiva total, tantas vezes incompreendida e mal julgada, limitam-se muito singelamente a ganhar para viver, com decência, dignidade e sem sujeições incompatíveis com a sua imprescindível independência.
Isto, porém, só pode ser verdadeiramente compreendido e sentido por aqueles que na expectativa amarga e tensa, na ansiedade esgotante e na dureza incómoda da bancada tiveram a oportunidade de aprender o que é ser advogado, e não, evidentemente, por aqueles que, embalados nos fofos e repousantes fauteuils de certos conselhos de administração, se habituaram a ganhar muito fazendo e dando pouco, e, portanto, pensam que se podem assinar e enviar aos clientes notas de bons honorários com a mesma regular facilidade com que se assinam recibos de bons vencimentos e de chorudas gratificações.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Ouvi com toda a atenção as palavras justas e verdadeiras que V. Exa. acaba de proferir e, considerando o ponto visado e excluindo aqueles advogados que noutras actividades, porventura, conseguem fazer fortuna, é absolutamente certo que se contam pelos dedos os advogados, antigos ou actuais, que tivessem feito fortuna, sobretudo quando comparadas com as de certos magnates que porventura ainda pretendam impor-se à consciência da Assembleia Nacional, como se isto fosse possível.
O Orador: - É absolutamente assim.
Ao fazer-se a equiparação em causa esquece-se também que o advogado, para chegar à situação de cobrar honorários que possam classificar-se de bons, além de ter deixado atrás de si anos e anos de estudo, experiência, luta e sacrifícios, tudo jogou na sua carreira: não só, renunciando a situações estáveis que lhe garantiriam proventos regulares, sacrificou aquela apetecida e desejada segurança no curso da vida, mas ainda, fazendo-o, investiu, em certo sentido, capital seu, tal como o investiu quando, no meio de todas as incertezas quanto aos resultados, teve de criar e financiar a sua própria organização, com todos os correlativos encargos, esses certos, e que, ao contrário do que muita gente pensa, não são poucos n«m de pequena monta.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - E é, de um modo especial, neste ponto e sob este aspecto que se revela o principal vício da pretendida equiparação.
Diferentemente do que sucede com os titulares de rendimentos visados no projecto, o advogado tudo arrisca, capital e trabalho, e fá-lo em regime de livre
Página 715
22 DE ABRIL DE 1960 715
concorrência: o Estado não lhe fornece capitais, não lhe dá avales, não lhe concede exclusivos, privilégios ou concessões, não lhe permite preços que garantam resultados seguros nem lhe dá a mão, se está em vias de naufragar. Tem de esforçadamente construir o sen escritório, pedra a pedra, a pulso, não se limitando a instalar-se num gabinete com telefone pago, automóvel e motorista às ordens, lucros e gratificações antecipadamente assegurados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se vinga em termos de chegar a cobrar honorários substanciais, constituirá isso a demonstração incontestável e inequívoca do seu valor e mérito, consagrados na luta que travou e soube vencer, consagrados - sem propaganda, que é proibida - por um julgamento público, coroamento de um processo que se arrastou anos e teve por base a sua acção viva e concreta, teve por base factos, e não as palavras mais ou menos convencionais e sonoras de certas posses, ou determinadas influências em que por vezes será difícil discriminar em que medida contam as amizades e as ligações de interesses.
Como podem, assim, sem ignorar elementares realidades, equiparar-se as duas situações em causa?
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito bem!
O Orador: - Em épocas de normalidade, as reacções da opinião pública são penetradas por um sentido de justiça mais profundo e por juízos mais correctos e equilibrados do que muitas vezes se supõe e afirma.
Assim, quando, como se anota na declaração de voto visada, reage de modo diverso relativamente ao excesso de proventos dos corpos gerentes de determinadas empresas e aos volumosos honorários de certos advogados, tal não sucede por muro aras» ou arbitrário capricho, mas sim porque a opinião pública tem consciência e sabe bem como se faz um advogado e como são feitos muitos administradores.
Mas como se o que fica exposto não bastasse, convém lembrar que os honorários dos advogados ainda estão sujeitos a adequado controle e fiscalização da respectiva Ordem e dos tribunais. Porém, quem controla as remunerações dos corpos gerentes agora em causa?
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito bem!
O Orador: - Com o que se tem vindo a dizer não se pretende significar de modo algum que os rendimentos dos advogados, cirurgiões e outros não devam também sofrer determinadas limitações, nem devam entrar nos ajustamentos de conjunto, um vista de uma melhor distribuição do rendimento nacional.
Pretende-se apenas assinalar quo as suas características são diversas frente aos rendimentos obtidos pelos corpos gerentes das empresas enquadráveis no projecto de lei. As ligações destas com o Estado dão a esses rendimentos uma. nota específica, a qual, por sua vez, exige também um tratamento legislativo próprio. E, quer por esse motivo, quer por virtude dos exageros a que se chegou, julgo ser adequaria a terapêutica incisiva e directa consagrada no projecto de lei.
Era fundamentalmente isto que pretendia dizer sobre as referidas declarações de voto.
Acrescentarei mais alguma coisa olhando agora o texto do parecer, no qual, contra tais declarações, se aceita a ideia mestra do projecto de serem limitadas as remunerações dos corpos gerentes das empresas nele referidas, apenas com algumas divergências, cuja análise tem melhor cabimento na discussão na especialidade.
Aceitando embora o princípio da limitação das remunerações, pronuncia-se, no entanto, o parecer contra a orientação de se fixar na lei a aprovar, desde já e de maneira concreta, como limite o vencimento de Ministro, inclinando-se antes no sentido de isso dever ser feito pelo Governo em posterior regulamentação.
Em abono de tal ponto de vista acentua-se no parecer que para o estabelecimento de limites de remunerações no sector privado se não pode recorrer às mesmas unidades de aferição adoptadas nos serviços públicos, f isto quer porque os valores, no sector privado, se reportam a denominadores diferentes dos utilizados no sector público, quer porque em todos os países existe discrepância entre as remunerações do trabalho para funções paralelas nos dois sectores, o que se explica - acrescenta-se- se se tiver em couta que no sector público o trabalho se dirige ao funcionamento do serviço e no sector privado se dirige, como fim último, ao objectivo empresarial, à consecução do lucro.
Esta primeira razão do parecer, para se opor à imediata fixação de um limite, é. pelo menos em alguns aspectos da sua formulação, nebulosa e fugidia, reportando-se a conceitos imprecisos, cujo relevo para os fins em vista nem sequer se tem a preocupação de vincar devidamente.
Não falando já na circunstância, muito importante, de o limite escolhido ser constituído pelo máximo que é pago no sector público, cabe desde logo perguntar quais são afinal, concreta e precisamente esses denominadores comuns, diferentes em cada um dos sectores, com virtualidade para justificar que funções paralelas sejam pior remuneradas no sector público.
Trata-se de denominadores comuns com valor e aceitáveis u luz de critérios de razoabilidade e à face de princípios sociais e éticos que devam ser dados como bons, em termos de puderem ser tidos em conta e influenciar as soluções dos problemas em causa? Ou, ao contrário, esses denominadores comuns que se têm em mente cifram-se na simples constatação de que entre os sectores público e privado existem tais diferenças de remuneração, e, portanto, traduzem-se na verificação de simples situações de facto, as quais, no entanto, nem por serem factos, são justificáveis à face dos aludidos princípios?
O parecer não nos esclarece, a não ser que queira reportar-se ao que de seguida se dirá.
Conforme já aqui se referiu, está sujeita a reservas a afirmação do parecer de que em todos os países são diferentes as remunerações de funções paralelas nos sectores público e privado, com vantagem para as que neste se integram.
Supondo, porém, que a afirmação é indiscutível, continuamos sempre na mesma. Há situações de facto defensáveis e as que o não são, de modo que argumentar com elas para as manter e criar outras semelhantes - alargando o mal que, porventura, encerram- é cair num manifesto círculo vicioso, numa clara petição de princípio.
Resulta isto de um desvirtuamento do problema que cumpre pôr, o qual consiste, não em averiguar se existe tal discrepância de remunerações, mas sim em saber S£ a mesma deve ser mantida e fomentada. E posta a questão nestes termos, o parecer é sobre cia inteiramente mudo.
Por outro lado, não se entende porque é que o facto de o trabalho no sector público se dirigir ao funcionamento dos serviços e no privado à consecução do lucro há-de implicar que naquele seja pior remunerado do que neste, por modo que a medida de aferição das
Página 716
716 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 169
remunerações não deva ser a mesma em ambos. Não se descortina que particulares responsabilidades existam, o que é que há de especificamente mais qualificado, no sector privado, capaz de justificar a diferença.
Afigura-se ser claro que, por maior que seja a sua organização, volume comercial ou industrial, se não exige para a administração das empresas englobadas no projecto nem mais capacidade e preparação nem maior espírito de sacrifício e qualificação do que os necessários para desempenhar, por exemplo, uma função ministerial. E justamente o contrário que acontece, além de que, incumbindo ao sector público a prossecução de interesses cujo significado e importância os fez elevar à categoria de interesses da própria comunidade, as responsabilidades associadas à sua realização são particularmente melindrosas e graves.
Deste modo, e pelo menos em princípio, se alguma diferenciação deve haver nas unidades de aferição de remunerações em ambos os sectores, tal diferenciação deveria operar-se em benefício do sector público.
Nem se insista na circunstância de as empresas privadas serem interessadas no sentido de visarem à obtenção de lucro.
Como aliás noutras emergências o parecer observa, os corpos gerentes das empresas em exame, para efeitos do projecto e dos problemas que lhe estão subjacentes e com que implica, suo e devem ser olhados apenas como prestadores de trabalho e, portanto, fundamentalmente em função do valor dos respectivos serviços, e não em função dos lucros, naturalmente associados a outro factor de produção - o capital.
O facto de as empresas visarem o lucro explica e justifica que o respectivo capital obtenha, através dele, a sua remuneração. Mas em que é que isso está posto em causa? Em que é que a circunstância de o capital, e não, em princípio, o trabalho, dever obter a sua remuneração com o lucro tira ou põe para a questão dos limites da valorização do trabalho dos corpos gerentes enquanto tais?
Poderá dizer-se que até como estímulo, e porque os lucros podem ser decisivamente influenciados por uma boa administração, está indicado que a remuneração do trabalho seja feita, pelo menos em parte, em função
Embora a diligência de um administrador, verdadeiramente consciente dos seus deveres e honesto no seu trabalho, não devesse variar consoante tem ou não possibilidade de ir buscar uma quota-parte dos lucros, reconheço, no plano das realidades práticas, poder estar indicada uma remuneração mediante participação nos lucros, embora isso envolva o perigo de, por vezes, aparecer como lucro aquilo que na realidade o não é.
Todavia, a adesão a tal princípio não interfere, de modo relevante, no sentido pretendido pelo parecer, no problema de saber se as remunerações do trabalho nos sectores público e privado devem ou não aferir-se pelos mesmos escalões, pois a circunstância de se aceitar uma remuneração parcialmente realizada através da participação nos lucros, implicando apenas com a questão do modo de remuneração, sempre deixa essencialmente de pé a questão dos seus limites, que é a única que de momento está em aberto e cumpre discutir.
Poderá acrescentar-se que o processo consistente em fazer participar o trabalho nos lucros se inspira em ideias e prossegue objectivos que se não circunscrevem nos quadros de um simples problema de valorização e remuneração do trabalho, ao contrário do que resultaria daquilo que acabo de dizer, mas antes tocam já uma questão mais profunda e mais vasta, qual
seja a de uma melhor distribuição do rendimento nacional.
A observação é exacta, mas, como dentro em pouco se dirá, não vale para a categoria dos prestadores de trabalho que se tem em vista.
Justifica-se, por conseguinte, a fixação imediata de um limite preciso às remunerações dos corpos gerentes das empresas englobadas no projecto.
Aliás, ainda que fosse de atender a observação de que as remunerações no campo privado têm de ser inevitavelmente mais substanciais, nem mesmo então seria de excluir o estabelecimento do limite proposto no projecto, e isto porque esse limite é constituído, não pelo vencimento de qualquer função pública, mas - é bom tê-lo sempre presente - pelo vencimento de Ministro, circunstância que o texto da Câmara Corporativa sistematicamente parece ignorar.
Acresce que a orientação do projecto, se vier a reflectir-se e a ter projecção em mais sectores, poderá constituir boa ajuda na resolução de outros problemas, na medida em que, tornando menos sedutoras as remunerações no campo privado, poderá contribuir para chamar às tarefas do Estado muitos e muitos elementos de valor que actualmente delas andam arredados, o que, perante a crescente extensão e complexidade dessas tarefas, constitui sem dúvida um sério problema, digno de atenta meditação.
Por outro lado, é absolutamente exacto, como no parecer se lembra, que no sector privado existem empresas das mais variadas dimensões, com as mais diversas exigências de trabalho, implicando diferentes responsabilidades, etc. Por isso mesmo é também certo que os respectivos corpos gerentes não podem ser pagos indiferenciadamente em função de bitolas rígidas.
A verdade, no entanto, é que destas premissas nada se pode extrair contra a posição adoptada no projecto, isso porque, consoante muito bem acentua na sua declaração de voto o Sr. Eng.º Cancella de Abreu, tal limite, como limite máximo que é, permite que a partir dele, para baixo é claro, se crie uma enorme gama de diferenciações, tendo em conta a dimensão das empresas e os demais factores que nessas diferenciações devam interferir.
Sendo assim, a observação do parecer, pressupondo que o estabelecimento do sugerido limite impossibilita a diferenciação de remunerações, só faz sentido desde que por detrás dela esteja a ideia de que o vencimento de Ministro, estabelecido como limite máximo, deve antes ser tido como o mínimo que qualquer das empresas abrangidas no projecto deverá pagar aos seus corpos gerentes.
Todavia, a posição da Câmara Corporativa assim entendida seria algo de tão extraordinário que me parece preferível não ir mais longe e dar como inexacta a interpretação do texto que a ela conduz.
Não há, pois, repito, que diferir a regulamentação do princípio da limitação de remunerações para o Governo, mas sim que fixá-la aqui, o que, aliás, por outras razões, me parece ser fundamental.
Sob a epígrafe «A limitação das remunerações e o regime da repartição do rendimento fazem-se no parecer variadíssimas considerações sobre nomenclatura de rendimentos, sua redistribuição vertical e horizontal, investimentos, poupança, estabilidade do valor da moeda, etc.
Ainda que bastante estonteante pelo estilo um tanto montanha russa com que se transita de plano e se percorrem diversos capítulos da economia, agrada qualquer espírito um pouco curioso, ou pelo menos atraído por emoções fortes, ler coisas deste género, porventura mui doutas, mas cuja pertinência e interesse
Página 717
22 DE ABRIL DE 1960 717
para os limitados fins directamente em vista se não descobrem, ou, então, só se vislumbram após um esfalfante e retorcido circuito económico.
Vou, por isso, extrair desta parte do parecer aquilo que, embora em tom e termos discretos, parece querer ser um argumento contra o projecto.
É de toda a gente sabido que, com alcance e intensidade diversos e sob o influxo de ideias e concepções de vida não raro bem distanciadas umas das outras, se tem procurado, através das compensações englobadas no chamado salário indirecto e de fenómenos de redistribuição vertical e horizontal, assegurar um melhor nível de vida e uma adequada protecção aos prestadores de trabalho economicamente mais débeis.
Isto e outras providências tem integrado boa parte da chamada política social do nosso tempo, com nuances e desenvolvimentos variáveis consoante os países que a põem em prática, as ideias que a determinam e os objectivos últimos a que visa.
É também certo que os fenómenos de redistribuição se têm processado essencialmente no sentido de aumentar os rendimentos do trabalho à custa dos do capital.
E, como tudo isto é assim, conclui o parecer, na aparência e em pura lógica formal, com oportunidade, que as soluções do projecto, implicando, por força da limitação das remunerações que estabelecem, a transferência de rendimentos do trabalho para rendimentos do capital, vão de encontro àquilo que é comandado pela aludida política social.
Esta observação, até porque surge sob as vestes ingénuas de uma preocupação associada à protecção do trabalho e porque na sua estrutura lógica formal se desenvolve correctamente, exige adequado apontamento.
Ao concluir pelo modo exposto esqueceu o parecer que a política social, integrada pelas providências e fenómenos que refere, se dirige e tem em vista beneficiar todos os prestadores de trabalho menos precisamente aqueles que o parecer classifica numa circunspecta e modesta, recolhida e quase tocante, mas enganadora, expressão, como assalariados de circunstância e que eu chamaria, de preferência, assalariados das grandes circunstâncias ... económicas.
Risos.
Mas se essa justa política social nem engloba os corpos gerentes das empresas atingidas pelo projecto, é evidente que o facto de as respectivas remunerações serem limitadas em nada contraria a mesma política social, embora isso redunde em aumento de lucros.
A correcção formal do raciocínio no parecer feito deriva, por um lado, da premissa inexacta de que as tais providências de significado social se dirigem a beneficiar sem restrições todos os prestadores de trabalho e, por outro lado, do facto de se incluir na categoria de prestadores de trabalho um determinado grupo que, se em certo plano cabe tecnicamente nessa categoria, todavia, na realidade das coisas está muito mais próximo do capital do que do trabalho.
Mas, segundo creio, até se pode acrescentar mais alguma coisa.
O projecto de lei em exame, embora não tenha subjacente como preocupação dominante problemas de redistribuição de rendimentos - e a sua apreciação tem de ser feita dentro da respectiva economia e fins -, a verdade é que, mesmo assim, também pode dar alguma contribuição, ainda que indirecta, no sentido da indicada política social.
Efectivamente, os excessos de remunerações, em regra, e segundo ensina a experiência, ou se esgotam - e parece nunca chegarem - na voragem de gastos sumptuários, ou, pelo menos, contribuem para manter
níveis de vida em flagrante contraste com os da generalidade dos demais participantes no rendimento nacional.
Ora, na medida em que, mediante a limitação dessas remunerações, forem acrescidos os lucros das empresas, pode muito bem acontecer - não falando já do benefício que daí advém para os pequenos accionistas - que os respectivos corpos gerentes, na impossibilidade de fazerem suas as grossas quantias representativas dos excessos, tomem mais consciência de realidades inafustáveis do nosso tempo, e até dos seus mais profundos e estáveis interesses, e, um consequência, tomem também a iniciativa de uma acção social mais produtiva u eficaz em benefício dos prestadores de trabalho, tal como, fora de classificações mais ou menos técnicas e teóricas, são concebidos e entendidos por toda o gente.
E, ainda quando tal não suceda, sempre poderá o Estado, pelos vários meios de que dispõe, aproveitar tal acréscimo de lucros para encaminhar as coisas no sentido da intensificação dessa acção social, isto sem prejuízo dos tão falados investimentos, com que muita gente se preocupa talvez demasiado, mas, às vezes, segundo parece, apenas quando se trata de investir na própria algibeira.
Risos.
De qualquer modo, não tem consistência mais esta observação do parecer a que tenho estado a referir-me.
Sr. Presidente: muitas mais considerações faz a Câmara Corporativa na generalidade sobre o projecto de lei, nas quais, embora sem muitas vezes se porem de maneira precisa em causa as ideias que o informam e as soluções normativas em que se concretiza, se pode, no entanto, descobrir ora o afloramento de uma reserva, ora o manifestar de unia falta de entusiasmo por essas mesmas ideias.
Cheguei a coligir mais algumas notas sobre o texto do parecer, mas depressa verifiquei, por um lado, que nada com verdadeiro interesse à, base delas gê podia construir digno de ser apreciado e, por outro lado, que já me deixara perturbar e influenciar demasiado pela sua orientação, por modo a merecer a mesma crítica de ordem geral que comecei por lhe fazer e apontar.
Decidi, por isso, não ir mais longe, até porque, se mais alguma coisa de interesse do parecer puder extrair-se, não faltará, por certo, quem a traga ao debate.
Caminho por isso para o fim, e já não é sem tempo.
Talvez as situações a que o projecto se propõe pôr cobro constituam apenas um afloramento, um índice de que as nossas «engrenagens» económicas e sociais ainda necessitam de adequadas e incisivas correcções.
Talvez, portanto, o mal consistente nos visados excessos de remunerações seja, antes de mais, efeito de causas mais profundas e viva, por conseguinte, associado a questões de mais vasto alcance e mais largos reflexos.
Admitindo que é assim - e creio ser de admitir -, a verdade é que a acuidade do problema suscitado por esses excessos afigura-se-me ser tal que exige remédio rápido e directo, não se compadecendo com a morosidade das soluções que porventura pudessem decorrer e fluir com naturalidade de um enquadramento de conjunto e mais amplo de outras questões com ele relacionadas e conexas.
Reconheço que no plano social se impõe enfrentar outras situações para que mais de uma vez aqui se tem chamado a atenção ... De um modo especial, aceito vários dos princípios que, sob a forma de bases a regulamentar, a Câmara Corporativa, já para além do âmbito do projecto, propõe e submete à nossa apreciação.
Por mim nada tenho a opor - muito pelo contrário - a que da lei a aprovar constem esses novos prin(...)
Página 718
718 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 169
(...) cípios, mas com uma condição que reputo fundamental e imprescindível: a matéria objecto do projecto tem, a meu ver, de sair daqui capazmente regulamentada, por modo a que a respectiva lei tenha imediata eficácia prática.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Vou terminar, Sr. Presidente.
Tem-se especulado insistentemente à volta das remunerações exageradas percebidas por pessoas ligadas ao Regime, tendo as coisas chegado ao ponto de por esse País fora haver muito boa gente que se deixou insensivelmente conduzir a generalizações inexactas e injustas.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Muito bem!
O Orador: - Pois bem: este debate, além de outros, tem o mérito de esclarecer os mal esclarecidos quanto à limitada extensão dos indicados exageros e de desfazer duvidosas interpretações, pondo cada coisa e cada uni no lugar que justamente lhe cabe e compete.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito bem!
O Orador: - O fenómeno de a política dar margem ã que alguns dela extraiam proveitos materiais que chocam e ferem, não é específico da nossa terra, mas comum a todas; não é de hoje, mas de sempre.
Repetir-se-á inexoravelmente através dos tempos e em todos os lugares, enquanto existirem homens. Mas também sempre haverá quem, numa luta constantemente renovada e nunca finda, procure travar o seu desenvolvimento, esforçando-se por limpar e eliminar, dos horizontes políticos as perturbações neles introduzidas pela força dos interesses.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito bem!
O Orador: - Entre nós, e neste momento, se é certo sereia reais as situações que o projecto de lei procura enfrentar, também é verdade, por um lado, terem as mesmas uma extensão bem delimitada, como sobejamente aqui tem sido demonstrado, e, por outro lado, serem reprovadas por uma larguíssima maioria, consoante, estou certo, será bem posto à evidência mediante as votações maciças com que o respectivo texto virá a ser aprovado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: nunca subi a esta tribuna tão embaraçado como hoje, pela vergonha de vos vir tomar tempo para nada de novo dizer, pois a minha própria concordância com o projecto em exame a afirmei logo que o seu autor me deu a honra de me convidar a subscrevê-lo com ele. A honra e a satisfação, porque de há muito se me afigurava necessário dispor algo neste sentido, para saneamento da atmosfera em que se formam certos juízos e se enformam determinadas reacções da opinião pública.
Homem todavia empenhado, por índole e por método, em compreender as posições alheias e respeitá-las até ao limite do respeitável, quase até ao prejuízo da licitude de transacção, o que, direi de passagem, me exclui,
por inapto, do mundo dos negócios; e adverso, por feitio que me faz sofrer com o mal dos outros, a prejudicar voluntariamente seja quem for; mas sempre implorando do Altíssimo forças para seguir os ditames da consciência - foi na verdade com o sentimento de servir um real interesse político e social, embora com desgosto por incomodar uns quantos, dos quais, aliás, poucos saberia nomear, que me associei ao projecto do nosso ilustre colega por Bragança, entendendo que sobreleva a todas as considerações de respeito pelos indivíduos que pudessem deter-me.
Aliás, o nosso colega cumulou-nos, a todos que o acompanhámos, com uma defesa tão brilhante, tão rigorosa e tão exaustiva do intento que nos deixou perfilhar que, se nos tirou, por os esgotar, todos os argumentos para o apoiarmos, em contrapartida fortificou-nos na certeza da sua oportunidade e justiça.
É-me muito grato aproveitar a oportunidade para o felicitar pelo sucesso intelectual, moral e político da sua iniciativa e dizer-lhe, com a renovação do meu voto de concordância, o sincero desejo de que triunfe na promulgação do diploma legal proposto e no sucesso da execução deste.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nem ocultarei que, na incapacidade de trazer razões novas ao debate - e debate afinal não é, pois todos os intervenientes na apreciação do projecto temos concordado em o enaltecermos -, é sobretudo o desejo de lhe manifestar a minha simpatia que me traz a importunar VV. Exas.
Na verdade, tenho o maior gosto em poder aproveitar este ensejo de declarar ao Sr. Deputado Camilo de Mendonça todo o meu apreço. Porventura algumas vezes parece já a V. Exas. - e quem sabe se não reincidirei - mais apostado em censurar do que em louvar, em apontar erros, defeitos ou desvios do que em congratular-me por sucessos apenas normais, ou com a exaltação assegurada noutros lugares; e o invencível pendor de traduzir na dureza das expressões a sinceridade da discordância ter-me-á granjeado fama de alguma aspereza de feitio. Porém, o mesmo jeito - que suponho ser afinal simplicidade de carácter - impele-me a declarar com igual abrimento a atracção que me despertam as virtudes de alma, os dotes de espírito, as aptidões, os propósitos e os feitios conformes aos meus critérios do belo, do justo ou do útil.
Ora o Sr. Deputado Camilo de Mendonça, desde que o encontrei nesta sala, vai para sete anos, cativou-me, como a tantos de nós outros, bem o vejo, pelo desassombro das palavras, pela elevação das intenções, pela coerência das atitudes, pela verdade e isenção do seu nacionalismo, pelo apuro da inteligência e pela amplitude da sua informação; ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... e as afinidades que logo senti pela sua maneira de ser puderam cimentar-se, apesar de uma diferença de idades que relativamente à dele contava, naquela solidez de amizade que brota da comunidade de ideais e da identidade de sentimentos.
Não tendo dúvidas em me confessar seu amigo e seu admirador, direi que todas as razões do meu apreço as encontro reflectidas na sua presente iniciativa e concorrem para me fazer seu assistente nela.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: li algures que certo dia, pelos fins do século XVIII, numa cidade da Renânia, en(...)
Página 719
22 DE ABRIL DE 1960 719
(...) tre um grupo de aristocratas franceses emigrados da pátria, recordando com saudade os tempos pré-revolucionários, algum comentara que todavia se praticavam muitos abusos, ao que outrem respondera logo que os abusos eram o que a caída monarquia tinha de melhor. Em todas as situações e todos os regimes há-de haver quem pretenda abusar das circunstâncias para proveito
Próprio, indiferente aos direitos e aos princípios ofendidos; mas na multiplicação dos abusos e na tolerância para com eles das administrações encontrar-se-á cada vez mais um fermento das grandes cóleras ou das grandes repulsas, que levam os povos a mudar seus governos, porque das virtudes intrínsecas dos sistemas, como superações das fraquezas dos homens que os servem, a experiência vai crescentemente fazendo duvidar.
E parece que a estabilidade social - portanto, em nossos dias, também a política - é mais função das relações entre as aspirações dos povos e o grau da sua satisfação do que dos próprios níveis do desenvolvimento económico. Logo, se um plano de desenvolvimento aparecer aos olhos do público em primeiro lugar como processo de multiplicação, à custa de favores, concessões ou dinheiros públicos, ou comandados pelo Poder Público, de postos administrativos remunerados fora de toda a proporção com as retribuições correlativas da massa trabalhadora - e, designadamente, fora da proporção estabelecida no sistema de remunerações do Estado -, não se pode esperar obter para ele a adesão do povo, e tal plano deixará de coutar como factor de quietação social, para se voltar a efeito contrário.
Pese, pois, embora, aos beneficiários do abuso - e lembrarei a acepção correcta do termo, que é a de uso errado, excessivo ou injusto - e -, para mim, toda a justificação do presente projecto, como, aliás, a pôs o seu autor, está em estabelecer um critério de limitação às retribuições dos que, em empresas vivendo à sombra da protecção, das concessões ou dos financiamentos do Poder Público, e quantas vezes só graças a estas, conquistaram, por força de merecimentos ou de habilidades, posições de comando.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito bem!
O Orador: - Nem acoito que esse critério deva ser outro que o estabelecido pela legislação de 193õ. tomando como paradigma de máximos o que essa marcou: o dos mais altos serventuários do mesmo Estado, sob cujo amparo ou à mercê de cuja licença vivem tais empresas.
Convenho, sem hesitar, em que estes máximos são insuficientes para permitirem, nas condições da vida moderna, a mantença dos titulares de tão altas funções em harmonia com as exigências suciais da sua jerarquia; nisto convenho; mas a mesma insuficiência encontro-a, grau a grau, até ao mais baixo, em todos os postos da escala hierárquica dos servidores públicos.
O Sr. Carlos Lima: - Muito bem!
O Orador: - Encontro-a e lamento-a; mas não aceito que só nos postos superiores careça de ser reparada. Porém, do dever ser ao poder ser vai distância intransponível pôr agora; e certos dos que hoje choram a exiguidade dos vencimentos ministeriais melhor fura recordarem a aflição com que ouviram propugnar, vai fazer três anos, o escopo de uma pequena fracção desses, apenas, para os assalariados manuais, e calarem-se, ao menos por pudor!
Não que eu seja, meus senhores, homem capaz de dizer a outro: tanto mereces ganhar, mais não! Não medi ainda o limite das minhas próprias satisfações
materiais; não o sei, pois, marcar aos meus semelhantes. Mas tenho de saber avaliar, como administrador de uma empresa, até onde o negócio permite pagar aos seus agentes; e é pela noção da compatibilidade entre os encargos e os fins da produção que posso definir as extremas do que é possível pagar e do que não convém exceder sem risco para o equilíbrio da empresa e para todos os fins que ela deve servir.
Ora é precisamente dentro deste conceito de equilíbrio, no caso equilíbrio político-social, mais do que equilíbrio económico, que entendo poderem e deverem os órgãos do Estado intervir limitativamente nas retribuições dos administro dures das empresas que vivem na dependência directa do mesmo Estado, agindo no quadro geral do Governo do País afinal tal e qual esses administradores actuam nos quadros das respectivas organizações para com os seus próprios dependentes. Em suma, sendo o respeito a essência da autoridade, estes administradores devem respeitar a autoridade do Estado, de que efectivamente dependem, para poderem por si mesmos esperar fazerem-se respeitar !
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito bem !
O Orador: - E o condicionamento que desejamos revigorar deve ser contado no preço da protecção ou participação especial do Estado de que gozam as empresas onde o queremos aplicado.
Isto, repetirei, por entendermos inconveniente para o equilíbrio político e social da Nação que as postos de comando em tais empresas se tornem objectos de suspeita das intenções por que suo procurados, dos fins para que são distribuídos e dos merecimentos com que são servidos.
E também porque não queremos ver reduzido à simples medida dos proventos materiais, ou do potencial económico, o critério da hierarquia social; porque não queremos ver abatida a dignidade dos titulares de altas funções públicas ou de interesse colectivo pelo amesquinhamento da sua retribuição perante o de outras funções igualmente concedidas pelo Poder; porque queremos, essencialmente, que a ordem das posições não seja definida pelos meios, mas sim pelos princípios, nau seja marcada pelos ganhos, mas pela elevação moral e intelectual dos cargos, que o Poder não venha somente da riqueza nem vá apenas para ela, mas se lhe mantenha distante e superior, não para a esmagar, mas para a orientar melhor na sua função própria, que é a de criar e repartir novas riquezas.
As sociedades do passado souberam manter separadas as hierarquias económicas e as sociais, distinguindo pelas honras o exercício das actividades nau remuneradoras da posse dos meios de produção. Alguns privilégios aristocráticos, que pareceram depois intoleráveis, como também certos foros burgueses, nau teriam outro fim senão defender um do outro os dois mundos, que as tentações humanas aproximariam; no processo afinaram-se conceitos de ordem moral e de ordem intelectual que ainda constituem as melhores capitais da sociedade moderna, e para que estes se não percam importa não perder de vista como puderam ser constituídos.
E preciso, Sr. Presidente, que o Estado se dedica mais a exaltar a consideração e a glória devidas à virtude e ao talento do que a saciar apetites distribuindo benesses; é conveniente que os seus prémios de serviços sejam honrarias de preferência a cheques, porque aquelas suo a moeda clássica e própria do seu reconhecimento. Para ter a autoridade de nos chamar a todos a participar no engrandecimento da Pátria, precisa de nos(...)
Página 720
720 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 169
dar a certeza de que não trabalharemos só para a boa fortuna de alguns.
Penso que o projecto de lei em exame concorre paru este fim, sem prejuízo maior de outros. Por isto lhe dei o meu nome e lhe darei o meu voto.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - A ordem do dia da sessão de amanhã terá duas partes: na primeira, iniciar-se-á a discussão do acordo de Estocolmo sobre o mercado livre, a fim de a Câmara se pronunciar sobre o efeito desse acordo; na segunda, concluir-se-á a discussão na generalidade do projecto de lei n.º 27.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino Teixeira da Mota.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Cerqueira Gomes.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA