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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 171

ANO DE 1960 26 de ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII Legislatura

Sessão N.º 171, EM 25 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia.-Deu-se conta do expediente.

O Sr. Presidente informou que recebera da Presidência do Conselho a Conta Geral do Estado de 1958 e o relatório do Tribunal de Contas e respectiva declaração geral.
O Sr. Deputado Carlos Moreira agradeceu no Sr. Ministro das Finanças as suas providências em benefício dos aposentados e reformados.

Ordem do dia. - Começou a discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado acerca das estradas nacionais.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Melo Machado, João Cerveira Pinto, que requererá a generalização do debate, Virgílio Pereira da Cruz, Silva Mendes e Ernesto de Lacerda.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Pereira de Meireles Bocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.

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José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Sebastião Garcia Ramires.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

De Humberto Paiva u apoiar as considerações do Sr. Urgel Horta acerca da situação dos veterinários municipais.
De Orvalho Teixeira no mesmo sentido.

O Sr. Presidente: - Enviado pela Presidência do Conselho, está na Mesa, juntamente com um exemplar da Conta Geral do Estado relativa ao ano económico de 1958, o relatório do Tribunal de Contas e respectiva declaração geral. Esta declaração fui já distribuída aos Srs. Deputados para fazer parte do processo de apreciação das contas públicas. Estão também na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Economia em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 26 de Janeiro último pelo Sr. Deputado Santos Júnior. Vão ser enviados àquele Sr. Deputado. Estão ainda na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Saúde s Assistência em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 22 de Março último pela Sra. Deputada D. Maria Irene Leite da Costa. Vão ser entregues.
Estão também na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 29 de Março último pelo Sr. Deputado Virgílio Cruz. Vão-lhe ser entregues.
Estão ainda na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Saúde e Assistência em satisfação do requerimento apresentado na sessão de 24 de Março último pelo Sr. Deputado José Sarmento. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Carlos Moreira.

O Sr. Carlos Moreira : - Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças ouviu as ansiedades das classes das aposentados e reformados e, como é do conhecimento público, atendeu-as na medida do possível. Porque fui dos que aqui primeiro levantaram o problema, pedindo a atenção do Governo, e especialmente de S. Exa., para o facto, que abracei com entusiasmo, por se tratar de um acto de plena justiça, não ficaria de bem comigo próprio, e julgo que até nu conceito dos (pie me conhecem, se não tivesse duas palavras apenas de reconhecimento, e estou certo de que essas palavras representam a gratidão de numerosos servidores que foram do Estado, os quais, no decurso de uma longa vida, prestaram os seus serviços ao bem comum. Por isso as medidas do Sr. Ministro são as mais justas, embora não completas, compreendendo, todavia, que elas hão-de ser condicionadas às possibilidades de que S. Exa. só pude ser juiz. Por isso aqui ficam estas singelas mas sentidas palavras de homenagem a S. Exa. o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Presidente : - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - A primeira parte da ordem do dia é a efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado sobre as estradas nacionais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Melo Machado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: as minhas primeiras palavras são para agradecer a V. Exa. ter marcado para este fim de sessão o meu aviso previu. Certamente o apurado sentido de V. Exa. ter-lhe-á feito sentir a sua acuidade, o que terá certamente influído para que V. Exa. tivesse atendido o meu desejo de realizar este aviso prévio. Agradeço por isso a V. Exa. essa atenção.
Sr. Presidente: começarei por onde acabava o enunciado do meu aviso prévio.
Ao apresentá-lo, não estava no meu espírito a ideia de fazer crítica, apenas, perante factos de todos já conhecidos, levar esta Assembleia a observar detidamente o problema das estradas, que classifico de basilar, procurando para ele unia solução que satisfaça e que seja susceptível de se ir automaticamente actualizando, em função do aumento de circulação das estradas e de aumento dos respectivos impostos.
As estradas estão de tal forma ligadas à expansão da economia nacional que toda a atenção que se lhes dê não será mais que o complemento legítimo e natural do esforço que o Governo louvavelmente vem fazendo para lançar o País para novos destinos e maior desenvolvimento económico, através dos planos de fomento e da metódica acção do Ministério da Economia.
Interessa, pois, este assunto ao País?
Não tenho a mínima dúvida.
Interessa, consequentemente, a esta Assembleia, onde têm assento os seus representantes.
De resto, através de variadíssimas intervenções dos meus prezados colegas, sempre vigilantes e atentos às

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conveniências dos círculos que representam, tom neste assunto manifestado o seu vivo interesse pelas estradas, que, em cada dia mais preocupam todos os que têm como indispensável a facilidade de comunicações, facilidade que hoje comporta comodidade e segurança, sem condir aquelas infelizmente muitas localidades para as quais a estrada é hoje ainda uma aspiração que, pelo muito esperarem, parece inatingível.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não basta, pois, trazer aqui reclamações mais que procedentes; indispensável será que ajudeis a minha boa vontade com a clarividência dos vossos espíritos, para que encontremos ou apontemos soluções que possam livrar tantas populações do nosso país, e todos os que se interessam pela boa marcha administrativa e política dos negócios públicos, das preocupações sérias que resultam da insuficiência de verbas com que luta a Junta Autónoma de Estradas para dar integral satisfação ao problema que lhe foi confiado e que ela tem como dever indeclinável manter sempre numa orientação progressiva e feliz. Seria cruel que através dela, que nos livrou do estado caótico em que os democráticos nos deixaram as estradas, dessa inconcebível anarquia em que se debatia a conservação das estradas, tal e tanta que nem logramos sequer que a acreditem os que já nasceram sob a administração benéfica da actual situação, cruel seria, dizíamos nós, que fosse sob a égide da própria Junta Autónoma de Estradas que viesse a restabelecer-se um certo desconcerto no que tão ordenado, tão cuidado, tão acarinhado, tem sido o que deve ser ponto de honra manter, conservar, se não for possível melhorar.
A isto venho, e suponho que não venho mal, pois é nosso dever de Deputados zelar pelo interesse nacional, zelando, assim, o interesse restrito de cada uma das regiões que representamos.
No parecer das Contas, que já nos foi distribuído, o Sr. Deputado Araújo Correia, com o seu trabalho beneditino, paciente e inteligente, faz um exame do que se passa com as estradas, o qual merece toda a minha admiração e apoio.
S. Exa. foi, mais uma vez, o observador cuidadoso que nós estamos acostumados a que seja.
Quando em 1929 se acabou com a cobrança do imposto de viação, para passar a cobrá-lo através da gasolina, o que tornou a cobrança mais justa e equitativa, procedeu-se a uma inovação, que veio depois a generalizar-se noutros países.
São do Decreto n.º 17 813, de 30 de Dezembro de 1920, as seguintes considerações:

A situação actual traduz-se nas desvantagens seguintes: o imposto que inicialmente se destinou à conservação das estradas não tem qualquer proporcionalidade com o desgaste produzido nelas poios meios de transporte, sendo geralmente pesado para quem utiliza pouco os veículos e excessivamente módico para os outros.

Mais se dizia:

A nossa imaginação, fértil em complicações tributárias, criou já nada menos de nove imposições diferentes nalguns concelhos para o caso simples de licenças de automóvel.

Parece que de então para cá a nossa imaginação não perdeu a fertilidade em matéria de impostos, pois são agora dez os impostos ou taxas que se cobram, a saber: taxa de salvação nacional, taxa sobre gasolina, pneus, câmaras-de-ar, imposto de compensação, imposto de camionagem, imposto do selo sobre bilhetes de carreiras urbanas, imposto de trânsito, multas nos termos do Código da Estrada, contribuição industrial, taxas cobradas pela Direcção-Geral de Transportes Terrestres, portagem da Ponte Marechal Carmona.
O consumo de gasolina e gasóleo tem nesta questão um particular interesse, como é óbvio, motivo por que inserimos o seguinte mapa:

Consumos totais anuais dos produtos derivados do petróleo bruto

[Ver tabela na imagem]

Observações.- Inclui consumos próprios da refinaria e distribuidoras.

É curioso observar que de dez em dez anos, excepto no último decénio, o consumo de gasolina duplica.
Se acrescentamos a este mapa outros produtos que não têm interesse directo no problema de que nos propomos tratar, é porque têm porventura, interesse na parte em que absorvem receitas do Fundo de Compensarão, u mu vez que é este que suportai o prejuízo que dão em determinadas circunstâncias.
Ao examinarmos este mapa verificamos que a partir de 1949 o gasóleo começa a tomar o seu lugar como concorrente sério da gasolina, pois, enquanto o consumo de gasolina sobe até 1959 apenas 25 por cento, o do gasóleo sobe a 204 por cento.
O Estado esteve atento a este facto, tendo criado em 1951 o imposto de compensação, cujo rendimento é já hoje relativamente importante, embora na sua forma não deva satisfazer aquele princípio de justiça que o Decreto n.º 17 813. já referido, veio resolver quanto à gasolina.
Eram modestas as pretensões do Decreto n.º 17 813; não queria mais que substituir o rendimento do imposto de viação, sem o acrescer.
Cobravam por via deste imposto o Estado e as câmaras 20 000 contos, e as novas taxas criadas - $22 (ouro) para pneus e câmaras-de-ar (1000 t) e $018 (ouro) para a gasolina (38 000 t)- produziam os mesmos 20 000 contos.
Comparem VV. Exas. o consumo de 1929 (38 000 t) com o de 1948, vinte anos depois; (137 343 t), e o consumo sobe sempre, mesmo o da gasolina, apesar do

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boa parte do consumo ter derivado para o gasóleo, como facilmente se deduz do mapa anterior.
Não vale a pena estar a cansar VV. Exas. com números estatísticos, dando conta do número sempre crescente do nosso parque automóvel, uma vez que o consumo de gasolina e de gasóleo dá clara ideia do que se passa.
Valerá apenas ainda referir o aumento dos pesos que a estrada suporta.
Ao princípio cada camioneta não transportava mais de 4 t; hoje esse peso cresceu largamente, e essas camionetas, que rebocam um atrelado, podem transportar 10 t a 12 t, e já vimos que se fabricam camiões--tanques capazes de transportar 30 000 l de gasolina.
No último registo do movimento rodoviário, realizado em 1955, comparado com o que está a realizar-se, verificam-se impressionantes diferenças:

[Ver tabela na imagem]

Não admira, pois, que os pavimentos, que não foram construídos para este movimento nem para estes pesos, vão cedendo, e cada vez com mais rapidez, não sendo agora suficiente apenas repará-los, mas em muitos casos imprescindível refazê-los.

O Sr. Carlos Moreira: - Muito bem!

O Orador: - Compreende-se que perante esta necessidade, aliás inadiável, não possam chegar hoje aquelas dotações que se julgaram suficientes aqui há alguns anos e que para mais, sangradas desde 1950 em mais de 360 000 contos para obras extraordinárias, não correspondam hoje às imprescindíveis, imperiosas e inadiáveis reparações, reconstruções e construções que importa realizar.
Mas quero contar a VV. Exas. em toda a sua simplicidade esta tragédia das verbas.
Em 1954 a Junta Autónoma de Estradas pedira ao Governo 4 020 000 contos em dez anos, como dotação necessária para os seus empreendimentos. Foram-lhe concedidos, pela Lei n.º 2068, 3 750 000 contos, a realizar em quinze anos, e, assim, a Junta, em vez dos 402 000 coutos anuais que pedira, pôde apenas dispor de 267 000 contos.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Em 1954 foi aqui votada uma lei - a Lei n.º 2068 - pela qual foram concedidos 6 milhões de contos para um plano escalonado por quinze anos.

O Orador: - Essa lei diz: «Em 1956-1959 - três anos a 180 000 contos; em 1959-1961 - três anos a 230 000 contos, e em 1962-1970 - nove anos a 280 000 contos.
O II Plano de Fomento determinou a unificação das verbas dos dois últimos escalões».

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - É o plano de quinze anos que está em vigor e cuja execução me consta estar atrasada de, pelo menos, dois anos.

O Orador: - Quer dizer, pouco dinheiro e ainda por cima aplicado a obras extraordinárias, como a Ponte Marechal Carmona, a auto-estrada Lisboa-Vila Franca e a ponte da Arrábida, no Porto.
Não é que não haja necessidade dessas obras. É claro que a sua utilidade se torna por de mais evidente, mas o que se não podem é fazer sem dinheiro.

O Sr. Ernesto de Lacerda: - Mas, então, as receitas cobradas pela passagem de viaturas na Ponte Marechal Carmona não constituem uma contrapartida das despesas que estão sendo efectuadas com as obras em curso?

O Sr. Cerveira Pinto: - Não, não entram nas contas, ao contrário do que seria lógico.

O Orador: - O que parece lógico a V. Exa. não foi julgado assim pela Administração. E absolutamente seguro e confirmado que não há economia mais cara do que a que se realiza nas estradas.
Todos VV. Exas. sabem que o grande desastre das nossas estradas começou numa economia orçamental, feita por João Franco. Simplesmente, este era um grande estadista, um talento, uma capacidade!

O Sr. Carlos Moreira: - Muito bem!

O Orador: - Se ele tivesse continuado, saberia quando deveria parar. Os que vieram depois, quando se aperceberam do facto, já era tarde, já nada souberam fazer!
A vultosa verba de 120 000 contos despendida com a Ponte Marechal Carmona, verba esta saída das dotações normais da Junta, está na origem da evidente perturbação que revela o estado em que se encontram hoje as nossas estradas.
O evidente desenvolvimento económico do País, animado pelo Governo através dos planos de fomento, carece indubitavelmente de boas estradas para poder continuar a expandir-se.
Regiões há no País que esperam a projectada estrada para se integrarem no movimento geral de expansão económica.
Eis, Sr. Presidente, porque não posso dar a minha concordância a que essas regiões tenham, porventura, de ser sacrificadas, atrasando-se o já pouco ambicioso plano de 1956 (1800 km até 1970).
Nesta manifesta evidente insuficiência de verbas, uma vezes se sacrifica a reparação, outras a construção, e, perante o estado actual das estradas e as consequências deste rigorosíssimo Inverno, parece que será a construção que terá de ser sacrificada se tudo continuar como está.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Precisamos, todavia, de saber se o que rende a estrada comporta verbas mais avultadas destinadas ao orçamento da Junta Autónoma de Estradas.

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Parece-me evidente que sempre foi obrigação do Estado construir e manter em bom estado de conservação uma rede de estradas suficiente e conveniente para o desenvolvimento económico do País.
Era assim que se procedia antigamente, desde, pelo menos, que o grande estadista Fontes Pereira de Melo começou a dotar o País com estradas e caminhos de ferro.
Ao tempo não se pagavam impostos, especialmente destinados à manutenção das estradas.
Compreendo-se, todavia, que agora, que a viação motorizada tomou um tão largo incremento e as exigências dos povos são cada vez maiores, haja a pretensão de fazer pagar os usuários pelo menos a conservação das estradas e que a esse útil fim se consignem determinados impostos ou taxas cuja origem seja essa mesma utilização.
Esta ideia surgiu da concorrência da estrada ao caminho de ferro, uma vez que este tinha de construir e conservar a sua própria via.
É certo que, pelo citado Decreto n.º 17 813, apenas o rendimento das taxas nele consignadas se destinam propriamente a ocorrer aos dispêndios com as estradas. mas esse rendimento está muito longe de satisfazer as exigências das despesas, visto que nunca ultrapassou, até 1958, os 69 119 contos, e, coisa curiosa, sendo a média do seu rendimento de 1935 a 1939 de 37 194 contos, o seu rendimento até 1953 não chegou a dobrar.
E isto impressiona, se se verificar que o consumo da gasolina passou de 38 000 em 1929, para 159 400 t, em 1958. Mas tem, todavia, uma explicação. Como VV. Exas. viram, pelo que lhes citei, o imposto sobre pneus e câmaras-de-ar era de $23 (ouro). Simplesmente, a importação de pneus foi em 1939 de 1 179 519 t e
em 1958 de 340 179 t. Também é fácil encontrar a explicação para esta baixa sensacional. Em 1947, por exemplo, a tonelagem da produção nacional era de 804 e em 1958 e tonelagem de pneus e câmaras-de-ar era de 3741. Esta é a explicação por que o rendimento do imposto não está de harmonia com o desenvolvimento que todos nós vemos.

O Sr. Cerveira Pinto: - V. Exa. diz que em virtude do fabrico nacional de pneus diminuiu a taxa?

O Orador: - Diminuiu a importação e, consequentemente, a respectiva taxa.

O Sr. Cerveira Pinto: - Mas o imposto não compensou essa diminuição da taxa de importação?

O Orador: - Penso que não.

O Sr. Cerveira Pinto: - Mas não há outros impostos que tenham substituído esse?

O Orador: - Não afirmo que não, mas basta-me que o rendimento do imposto não tenha acompanhado aquele rendimento que nós todos vemos.
A média desse imposto era de 37 190 contos nos anos de 1935 a 1939, e em 1958 -não pude arranjar os números de 1959 - aqueles números não chegam a dobrar. Ora V. Exa. sabe bem que o movimento nas estradas de 1939 para cá aumentou bastante. Também é certo que os pneus duram mais.
Mas não quero considerar apenas esta taxa, especialmente consignada as estradas, mas todos os rendimentos de impostos e taxas que a estrada proporciona, para o que organizei o seguinte mapa:

[Ver tabela na imagem]

Não me foi possível obter números de 1959, mas por este mapa se verifica, como, aliás, não podia deixar de ser, que o progresso destes rendimentos é constante e que já em 1958 estrada rendia através de todos estes impostos e taxas 646 154 contos.
Estou convencido de que em 1970 devemos andar muito perto dos 700 mil contos.
Esta verba é muito superior à dotação actual da Junta Autónoma de Estradas, que é, como já vimos, de 452 500 contos.
Mas será tudo? Ainda não é tudo, pois, como se sabe, nos preços dos combustíveis líquidos estão incluídas determinadas quantias destinadas ao Fundo de Compensação, como se verifica do mapa seguinte.

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Pagamentos para o Fundo de Compensação em relação aos consumos de 1959

[Ver tabela na imagem]

(a) Considerou-se apenas 45 por cento de consumo do gasóleo, que é a percentagem calculada destinada no transporte automóvel.

Parece não haver, pois, razão de regatear a estrada, que rende por esta forma, as dotações indispensáveis, ao menos, à sua conservação perfeita e ainda à execução dos planos de construção.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não quero referir-me a planos grandiosos que incluíssem auto-estradas internacionais que nos ligassem à vizinha Espanha e que virão a ser complemento indispensável das que virão a construir-se naquele país ligando-o à Europa, mas a planos menos ambiciosos - direi mesmo pouco ambiciosos -, como o de 1956-1970, que se cifra em 1800 km.
O que se me afigurava indispensável era atribuir às estradas, se não o que estas rendem, no menos uma determinada percentagem do seu rendimento, por forma que as dotações a elas destinadas acompanhassem o seu movimento, única forma de se evitarem desencontros que são necessariamente fatais.
Quando trabalhava neste aviso prévio e assente no meu espírito esta convicção, mão amiga me comunicou esta passagem que encontrara numa revista alemã:

Compete ao Governo adoptar uma solução que melhore as entradas, como lhe compete resolver outros problemas. E isso seria possível ao Governo Federal Alemão e aos estados da República Federal só reservassem a totalidade das receitas provenientes das taxas sobre automóveis aos problemas rodoviários, em vez de a utilizarem noutros fins.

E ainda há bem pouco a interessante revista do nosso Automóvel Clube trazia a seguinte local:

Numa entrevista concedida recentemente à revista Études Routières, o Ministro das Obras Públicas belga declarou: «A estrada dá mais lucro do que custa ao Tesouro, visto que, se se contarem separadamente, de um lado, as refeitas de todas as espécies que o tráfego automóvel proporciona ao Tesouro e, do outro lado, as despesas consentidas a favor das estradas, verifica-se que na Bélgica as receitas são nitidamente mais importantes».
A referida revista comenta: «Considerando que as receitas da estrada são mais elevadas do que as despesas, poderia conceber-se um financiamento directo, concedendo-se às estradas uma parte das receitas que proporcionam ao Tesouro».

Lá, como cá, mus fadas há!
Fiquei satisfeito por ver que estava tão bem acompanhado na minha ideia sobre este assunto.
É tempo de voltarmos a considerar o espantoso aumento de consumo de gasóleo, que, naturalmente, expulsa a gasolina.
Se não se tivesse dado esta substituição, e mesmo que considerem os a substituição pura e simples do gasóleo pela gasolina, o que, como todos sabemos não é exacto, apenas a taxa de salvação pública teria rendido 335 000 contos, quando o imposto de compensação rende menos de metade, e que, porventura, só se aproxima do equilíbrio através da taxa para o Fundo de Compensação.
O Governo, melhor que ninguém, poderá avaliar se, depois de demonstrados os rendimentos que o movimento rodoviário proporciona, será ainda necessário ir buscar mais receitas para que as dotações da Junta Autónoma de Estradas sejam e se mantenham em proporção à grandeza, da tarefa que se lhe impõe.
Seja como for, é indispensável solucionar este assunto, na certeza de que para o automobilista nada será mais caro que rodar sobre más estradas.

Vozes: - Muito, bem, muito bem!

O Orador: - Um caminho está certamente vedado, e esse será aumentar o preço da gasolina, mais que sobrecarregada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Só na Itália e na França é que o preço da gasolina é mais alto do que no nosso país, pois nos outros países da Europa Ocidental é mais baixo.

O Sr. Carlos Moreira: - Pinico mais baixo.

O Orador: - Perfeitamente, mas mais baixo.
Consignadas as verbas destinadas à Junta Autónoma de Estradas resultantes do movimento rodoviário, indispensável se nos afigura pensar-se numa operação de crédito que permita quanto antes e em ritmo suficiente estancar o rápido declive em que só estão precipitando as nossas estradas, fazendo-se um esforço que terá de ser árduo, para podermos voltar à, digamos, situação de 1950, em que não havia reparos, antes elogios, e merecidos, ao seu estado de conservação.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - Este problema das estradas é de uma tão excepcional gravidade que toda a atenção que se lhe dá é pouca, e é absolutamente necessário que se tenham em conta verbas importantes para a sua conservação.

O Sr. Ernesto Lacerda: - As verbas que foram para as três obras que V. Exa. citou é que fazem falta!

O Orador: - Mas essas obras também eram necessárias. E, se muitas estradas importantes foram construídas com verbas especiais, porque não se continuou com o sistema?
Mas valerá a pena encarecer esta necessidade?
A mim afigura-se-me que não. Com uma economia a evoluir no melhor sentido, influenciada pelos planos de fomento, ou lhe damos estradas capazes ou estaremos em movimento antagónico, paralisando essa mesma economia que com tanto e tão louvável esforço impulsionámos.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - V. Exa. sabe que no anteprojecto do Plano de Fomento figurava uma verba substancial para as estradas nacionais, mas que essa verba desapareceu?

O Sr. Carlos Moreira: - E até as estradas também desaparecem.

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O Sr. Cortês Pinto: - V. Exa. ainda não se referiu ao problema que advém também da diminuição de turismo, para que se tende, fatalmente, devido ao estudo actual das nossas estradas.

O Orador: - Vou tratar disso imediatamente.
Ainda há poucos dias o nosso ilustre colega Mário de Oliveira nos dava a grata notícia de que o turismo já nos rendia cerca de 1 milhão de contos por ano, e todos podemos verificar mais recentemente ainda, por afirmações do nosso antigo colega Dr. Moreira Baptista, ilustre secretário nacional da Informação, que se vão construir noras pousadas e ainda mais hotéis, tudo na previsão e no desejo de se conseguir desenvolver cada vez mais o turismo, criando-lhe o ambiente necessário.
Pois bem: este ambiente tem de ter como base a estrada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A estrada só por si não chega para fazer turismo, mas não creio que qualquer espécie de turismo, muito ou pouco, seja possível sem estradas na melhor forma.

Vozes: - Apoiado!

O Orador: - A construção de estradas, no seu processo, na sua estrutura, tem evolucionado no Mundo por tal forma que já não basta que não tenha buracos, sendo indispensável que ofereça uma comodidade perfeita.

O Sr. Cerveira Pinto: - Muito bem!

O Orador: - Para o turista habituado a circular em estradas perfeitas são estradas perfeitas que teremos de pôr à sua disposição, se queremos que se sinta bem, circulando entre a nossa maravilhosa e variada paisagem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador - Estamos realizando um esforço notável para procurarmos industrializar o País; não nos esqueçamos, pois, que o turismo é uma industria que, não desgastando matérias-primas, fornece uma entrada de cambiais que o coloca hoje, ou deve colocar, no primeiro lugar das nossas preocupações.

O Sr. Cerveira Pinto: - Muito bem!

O Orador: - Cuidamos e facilitamos as construções de hotéis, promove-se a construção de novas pousadas; nada disto, porém, funcionará sem estradas, e nestas, absolutamente indispensáveis ao desenvolvimento normal da nossa economia, a quota-parte da despesa que pertence ao turismo não será grande, visto que mesmo não existindo turismo sempre teriam de existir estradas. Simplesmente, o que pode servir tant bien que mal para nós não é suficiente para os que nos visitam.
Um outro aspecto que não deve ser descurado é o da segurança de quem circula nas estradas. O perfil das nossas rodovias é, em muitos casos, perfeitamente antiquado e inadaptado à circulação automóvel, e indispensável é corrigi-lo, como, aliás, o vem fazendo, e bem, a Junta Autónoma de Estradas, mas mais intensamente.
Se me atrevesse a sonhar com um passo decisivo dado em frente, dado para o futuro com algum desembaraço, diria que há pelo Mundo grandes empresas que dispõem de capitais, de técnica aperfeiçoada, de apetrechamento moderno que constróem em determinadas circunstâncias auto-estradas e estradas apropriadas para a viação automóvel e que, se o fazem na América, na Itália, na Inglaterra, também o deviam fazer em Portugal.
Penso que todos que aqui estão têm ido ao estrangeiro e sabem como as estradas são lá fora. E compreendem que não são estradas com pavimentação mais que insuficiente que podem dar satisfação, sobretudo hoje, que grandes carros americanos as percorrem.
Mesmo os que utilizam carros utilitários sabem que em cada manobra se reflectem as imperfeições das estradas. Que eles tenham de ir para as oficinas vá, mas o que não se percebe é que aquelas não desempenhem a sua função, como as estradas feitas no estrangeiro.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - O exemplo da estrada de Pegões não é lisonjeiro ... A estrada foi feita por uma empresa estrangeira.

O Sr. Nunes Mexia: - Apenas a cobertura!

O Orador: - A estrada de Pegões foi feita com o material americano vindo de Santa Maria. Eram grandes máquinas, mas, talvez pela nossa pequenez, não se adaptaram. E daí ter resultado que elas não cumpriram, como se pode verificar, sobretudo depois do aumento espantoso - seis vezes - do trânsito!
É claro que não lia estrada nenhuma que fique eternamente boa. Se não se estiver atento às suas deficiências, é evidente que vêm n estragar-se. Mas não foi uma companhia estrangeira que construiu a estrada de Pegões; foi a própria Junta Autónoma de Estradas que quis experimentar as máquinas que tinha.

O Sr. Ernesto Lacerda: - Vejo que V. Exa. conhece bem esse assunto. Pode elucidar-nos em quanto teria ficado cada quilómetro?

O Orador: - Não sei.

O Sr. Ernesto Lacerda: - Suponho que não foi um modelo de administração.

O Orador: - Todas as experiências saem caras. As máquinas eram velhas quando se adquiriram e não se adquiriram por iniciativa da Junta Autónoma de Estradas.
Custa, Sr. Presidente, a quem tem sido um devotado servidor desta situação e que reconhece, louva e agradece todos os espantosos, e ainda há pouco inacreditáveis, benefícios recebidos e em perspectiva, ter de apontar uma deficiência tão marcada como esta.
Não cometeria, todavia, a deselegância demonstrativa de falta de coragem moral de atacar os serviços que trabalham com a maior devoção e competência, quando cônscio de que o mal não reside ali.
É, infelizmente, uma atitude muito vulgar.
Guardam-se os elogios para os Ministros e desancam-se os serviços quando as coisas não correm bem, mesmo quando de antemão se tem a certeza de que não são estes os culpados.
Muitos de nós têm essa amarga experiência. Já tenho, porém, proclamado aqui várias vezes sobre este mesmo assunto: «Não culpem os serviços, porque o mal não está ali».
Não se podem reparar estradas em 1960 com as mesmas verbas de 1950; e um exemplo basta: os encargos com pessoal eram em 1949 de 37 600 coutos e são em 1959 de 94 246 contos.
Não se podem fazer obras extraordinárias de vultoso custo através das dotações normais insuficientes, e,

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acima de tudo, não podemos perder o imenso esforço realizado, não podemos voltar a ter más estradas, o que seria negarmo-nos a nós próprios.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ao Sr. Ministro das Obras Públicas, incansável trabalhador que se desdobra em notável esforço através das múltiplas e ciclópicas atribuições do seu operoso Ministério, as minhas respeitosas saudações.
Mas porque de verba se trata, a solução só pode vir de S. Exa. o Sr. Ministro das Finanças, embora, pela grandeza e excepcional importância do assunto, tocando fundo a economia da Nação, seja em verdade um problema do Governo.
Tenho já muitas vezes chamado aqui a atenção do Governo para este assunto: ainda no princípio desta sessão afirmei aqui nesta tribuna: «Deus permita que outro Inverno rigoroso não venha confirmar amargamente, com clamorosa evidência, as afirmações deste velho Deputado, que nunca hesitou em cumprir o seu dever».

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito bem!

O Orador: - O Inverno foi dos mais rigorosos que temos tido ultimamente e as consequências estão à vista.
Não faço mais que interpretar o sentimento de toda a Nação.
É indispensável, mas absolutamente indispensável, dólar convenientemente a Junta Autónoma de Estradas, para que se não percam calamitosamente as nossas estradas.
Se a minha fraca voz não conseguiu até aqui fazer-se ouvir, ela é agora o eco de um clamor geral, e este tenho a certeza de que o nosso Governo a ouvirá.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. Presidente: regueiro a generalização do debate.

O Sr. Presidente: - Concedo a generalização do debate.

O Sr. Cerveira Pinto: - Peço a palavra!

O Sr. Presidente: - V. Exa. deseja inscrever-se para falar deste assunto?

O Sr. Cerveira Pinto: - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Cerveira Pinto: - Sr. Presidente: todos os que aqui nos encontramos estamos bem lembrados (uns porque são desse tempo e outros porque leram ou ouviram dizer) do estado miserável em que se achavam as estradas deste país antes da Revolução Nacional do 28 de Maio.
De entre tantos escândalos e desmandos da demagogia imperante foi o lamentável estado das vias de comunicação, que de estradas apenas tinham o nome, um dos factores que não contribuíram para o completo descrédito e consequente queda do regime que então desgovernava o País.
E todos nos lembramos também de que, não obstante as hesitações iniciais próprias de um regime incipiente que procura o seu próprio rumo, o primeiro grande crédito conquistado pela situação política saída do 28 de Maio e que tão fundo tocou a alma da Nação consistiu precisamente em ter atacado e resolvido, por forma brilhante para a época, o problema rodoviário nacional.
Dentro de pouco tempo a situação política podia afirmar, com orgulho, que dos chavascais herdados havia feito estradas excelentes.
Rodaram os tempos e com eles surgiu e desenvolveu-se e realizou-se uma obra de valorização económica do País como outra maior não existiu em qualquer período anterior da história pátria.

O Sr. Melo Machado: - Muito bem!

O Orador: - E tudo se fez e está a fazer sem o dinheiro das corporações religiosas, sem técnicos estrangeiros, sem recurso ao crédito externo e até sem incomportáveis cargas fiscais.
A obra prodigiosa que se realizou continua e não conhecerá fim, porque as necessidades humanas, que é necessário satisfazer, se multiplicam constantemente, é devida apenas à política clarividente implantada neste país por quem sempre soube e sabe o que quer e para onde vai.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na humildade do meu verbo tenho passado grande parte da minha existência a admirar e exaltar essa política e essa obra, fazendo o possível para que a vejam mesmo aqueles que teimam em cerrar os olhos à evidência do que à sua volta se tem passado nos últimos 30 anos da vida portuguesa.
Mas - o infalível «mas» - sucede que inexplicavelmente, paradoxalmente, a obra material que deu ao Regime o seu primeiro e grande crédito constitui hoje um sério motivo de desprestígio.
É uma verdade evidente que há já alguns anos se perdeu o pé neste capítulo das estradas e ainda se não achou maneira de o firmar novamente.
De uma maneira geral, não é sequer razoável o estado das estradas portuguesas.
Poderia fazer a apresentação de inúmeros exemplos, mas não vale a pena. Basta-me citar o da principal estrada do País, a de mais intenso movimento - a estrada n.º 1, de Lisboa ao Porto.
Todos nós sabemos, que constitui hoje um duro sacrifício fazer de automóvel o percurso entre as duas maiores cidades do País.
É forçoso confessar que ainda há troços, geralmente pequenos, de estradas magníficas. São as excepções.
Há distritos cujas rodovias ainda podem merecer a qualificação de boas estradas; mas em alguns outros elas não apresentam um mínimo, digamos, de decência.
O que se passa, por exemplo, com as estradas do norte são distrito de Viseu é simplesmente vergonhoso.
É este o qualificativo exacto.

O Sr. José Sarmento: - Confirmo plenamente as palavras de V. Exa., porque conheço bem essas estradas; algumas nunca estiveram pior.

O Orador: - Ainda nas férias do Natal parei uns minutos em Castro Daire e, em conversa com uns amigos, disse-lhes que ia a Viseu; mas fui logo prevenido de que me não metesse em tal, porque corria o risco de ficar bloqueado pela lama, da qual me não safaria facilmente.
Se queria ir a Viseu, fosse dar a volta por S. Pedro do Sul, por uma estrada péssima, aliás, mas que, ainda assim, é muito melhor do que a outra.

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E não julguem VV. Exas. que a estrada que liga Castro Daire a Viseu é uma via de segunda ordem. Nada disso. É uma rodovia de 1.ª classe, é a estrada n.º 2, que na lei tem o pomposo nome de itinerário principal.
Pois este itinerário principal, na quase totalidade do seu percurso entre Viseu e Lamego, está pouco menos do que intransitável.
Há concelhos no País que até hoje ainda não conseguiram ver dentro dos seus limites territoriais um palmo sequer do estrada alcatroada!

O Sr. Melo Machado: - Em todo o caso tem-se adiantado bastante no alcatroado das estradas, que cobre hoje mais de 65 por cento das mesmas, o que não invalida, aliás, aquilo que V. Exa. diz.

O Orador: - Este estado de coisas, que tem ido de mal a pior, recebeu novo agravo com a excepcional invernia que este ano tem feito.
Não queiram, porém, fazer do último Inverno o único ou principal responsável pelo estado lamentoso que muitas estradas apresentam.
De resto, parece-me que as estradas não foram construídas apenas para o Verão.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - O Inverno tem as costas largas!

O Orador: - Mas se a conservação das estradas é deplorável, a coisa não melhora no que concerne a construção. Pelo contrário.
Constrói-se pouquíssimo.
Ainda, não há muito um distinto engenheiro que serviu na Junta Autónoma me dizia que se estava a construir menos do que em 1928.
Não sei se esta verdade ainda hoje é actual, mas é capaz de ser.
Há estradas nacionais iniciadas há mais de 50 anos (há mais de 50 anos, reparem VV. Exas. bem) e que ainda não estão terminadas, não se prevendo sequer ainda a data, mesmo aproximada, da sua conclusão.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. Carlos Moreira: - Mas o pior não é isso. É que estradas que se concluíram depois do 28 de Maio, como a de Braga a Chaves, melhor era não se terem concluído, para agora estarem completamente intransitáveis.

O Orador: - Essa é uma das muitas.
Porque se têm construído e estão a construir muito poucas estradas; ainda existem - segundo os números fornecidos pelo Ministério das Obras Públicas - mais de 8000 povoações com população superior a 00 habitantes e cerca de 4000 com mais de 100 habitantes que estão isoladas do resto do País.
Este isolamento significa, estagnação da vida económica das respectivas regiões, desaproveitamento das suas riquezas e manutenção do nível de vida das populações inferior ao mínimo tolerável para pessoas humanas.
A tragédia que representa o ter de se chamar o médico a uma povoação isolada!
Não falo já na segunda tragédia de ir buscar depois os medicamentos após a visita médica. E não falo nisso porque ou o médico não pode ir ou quando vai já não há, muitas vezes, mais nada a fazer.
Com o objectivo de enfrentar e resolver este angustioso problema do isolamento de tantos milhares de povoações elaborou o Ministério das Obras Públicas, segundo consta do n.º 87 das Actas da Câmara Corporativa, um plano de viação rural.
Mas, se o plano rodoviário nacional, aprovado pela Lei n.º 2068, é insuficientíssimo, e se mesmo assim não se tem cumprido, que esperança nos será lícito pôr no plano de viação rural agora elaborado?
Se me dão licença, parece-me que antes de mais nada se deveria atacar resolutamente o grande problema das estradas nacionais.
Depois, e só depois deste problema resolvido, é que se deveria encarar o da viação rural.
Primeiro o principal; depois o acessório. É esta, segundo penso, uma regra de elementar senso comum.
No dia que estiverem construídas as estradas nacionais há muito planeadas já muitas povoações rurais deixarão de viver no isolamento em que têm estado até agora.
De resto, se as estradas nacionais escasseiam, onde irão entroncar as estradas municipais cuja construção se prevê no plano? Eis o que o meu entendimento não consegue atingir.
Portanto e repisando: há que retomar quanto antes o primeiro que tudo a construção das estradas nacionais há muito previstas. É indispensável retomar essa construção, mas a sério, a valer, sem as morosidade, ridículas e os intervalos enervantes que até aqui se têm notado.
Não é raro, Sr. Presidente, abrir-se concurso na Junta Autónoma para a construção de um troço de estrada que, por vezes, não chega a atingir 2 km! Vem o empreiteiro com máquinas temerosas, trazidas de longe, que rasgam a estrada e tudo levam na sua frente: terras, pedras e árvores.
Terminada a empreitadazita, lá vão as máquinas embora para voltarem outra vez daí a anos para rasgar mais 1 km ou 2 km e assim por diante.
Por este processo a estrada nunca mais chega ao fim e a sua construção fica muito mais cara do que deveria ficar.

O Sr. Melo Machado: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, a construção de um troço, por exemplo de 12 km, terá de resultar mais barata se for feita de seguida, numa única empreitada, do que se se efectivar em três ou quatro empreitadas, separadas umas das outras por anos de distância.
Sr. Presidente: já o Conselheiro Acácio - que só afirmava rotundas verdades - disse, e se não disse devia ter dito, que as nações não podem prosperar sem boas estradas assim como o corpo humano não pode gozar de saúde sem boas artérias.
E se, seguindo na esteira de tão esclarecido varão, acrescentarei não compreender que se pretenda fomentar a riqueza do País sem boas vias de comunicação.

O Sr. Carlos Moreira: - Afinal, o Conselheiro Acácio tinha razão ...

O Orador: - Evidentemente.
Foi levado a bom termo o primeiro plano de fomento.
Está em franca realização o segundo.
Obras gigantescas são estas que ficam a atestar para os vindouros a excelência de um regime e a capacidade e o sacrifício de uma geração.
Mas as estradas necessárias para que a valorização económica do País chegue a toda a parte não se constróem e as que existem cada vez declinam mais. Não compreendo.

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Está a fazer-se um esforço enorme na construção de hotéis, pousadas, estalagens, etc., para aumentar o turismo, e do qual já tem resultado um enorme afluxo de divisas para o nosso país.
Mas o principal elemento do turismo, que é constituído pelas boas estradas, continua no estado que toda a gente vê. Também não entendo.
Sempre ouvi dizer que os investimentos devem fazer-se de preferência em obras reprodutivas.
Ora é evidente que as estradas o são.
No entanto, o Estado não investe anualmente na sua construção e conservação nem sequer metade do rendimento que elas produzem em impostos de vária natureza.
Continuo a não entender.
Eu poderia, Sr. Presidente, rechear esta minha intervenção com muitos números comprovativos do que deixo afirmado. E não necessitaria sequer de os solicitar às estações oficiais competentes; bastar-me-ia ir buscá-los aos notáveis discursos que sobre este assunto aqui têm sido pronunciados, através dos anos, pelo Sr. Deputado Melo Machado.
Mas para fazer o meu depoimento entendi não haver necessidade alinhar números. Julguei suficiente trazer à Gamara a análise de uma verdade crua e que é de observação geral.
De resto, o Sr. Deputado Melo Machado mais uma vez demonstrou com cifras e números a acuidade que tem a questão objecto do seu aviso prévio.
E não quero deixar de aproveitar esta oportunidade para apresentar a este nosso ilustre e querido colega o preito da minha admiração pelo vigor, pela tenacidade e pelo brilho com que se tem batido pela solução deste gravíssimo problema das estradas no nosso País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A sua voz tem clamado no deserto, mas nem por isso devemos perder a esperança de que há-de chegar o dia era que este malfadado nó górdio seja cortado.
Sr. Presidente: sei bem que as receitas do erário público não são elásticas. O que é maravilha é que, com os nossos modestos recursos, tenha sido possível fazer-se tanto como o que se tem feito.
Sei bem que as verbas que deveriam ter sido investidas nas estradas foram aplicadas noutras obras de manifesto interesse para a Nação.
A verdade, porém, é que, de entre as obras úteis, há-as mais urgentes e menos urgentes. A das estradas é urgentíssima.

O Sr. Melo Machado: - Apoiado!

O Orador: - Se não sobrelevar a Iodas as outras, deve, ao menos, ter preferência nobre muitas.
Por isso, desço desta tribuna confiado em que o Governo há-de encontrar meio de com brevidade, poder enfrentar e resolver esta magna questão das estradas de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Virgílio Cruz: - Sr. Presidente: ao tomar parte no debate do aviso prévio sobre o problema rodoviário, quero testemunhar ao ilustre Deputado avisante o meu apreço pela sua brilhante e produtiva actuação parlamentar, mais uma vez demonstraria na oportunidade deste aviso prévio, que desenvolveu com inteligência, senso prático e espírito construtivo qualidades bem características do nosso distinto colega Sr. Deputado Melo Machado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A Assembleia Nacional, sempre atenta aos grandes problemas do País, não podia deixar de compartilhar neste, de tão grande interesse geral, agora apresentado ao seu exame directo e sobre ele fazer incidir considerações e pareceres que traduzam as aspirações e o sentir público, de que devemos ser aqui os intérpretes e defensores. Esta Câmara, como órgão político que é, deve trazer à tema as preocupações, os problemas e os anseios de todas as regiões e de todos os sectores.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: a importância crescente das comunicações rodoviárias e o aumento vertiginoso do tráfego criaram em todo o Mundo a urgência de ampliar e melhorar as redes de estradas.
Vários países, dispondo já de boas rodovias, têm sentido a necessidade de intensificar a conservação e ampliação das suas estradas para assegurar um escoamento e tráfego, tão rápido quanto possível, em condições de segurança, comodidade e economia.
Como exemplo dessa intensificação citarei apenas, e para não me alongar, um caso europeu e um caso americano.
A Bélgica, reconhecendo a necessidade de dar um grande impulso na construção e melhoria da sua rede rodoviária, aliás já muito deusa, iniciou em 1956 um programa de beneficiação e construção de estradas, para o qual contraiu um empréstimo de 17 milhões de coutos, e o Congresso dos Estados Unidos da América aprovou também em 1956 um plano, a realizar em treze anos e no montante de 800 milhões de contos, para a construção de vias rápidas.
Como o custo dos transportes é função do estado das estradas, todos os países reconhecem que o dinheiro gasto com as rodovias representa um investimento reprodutivo, que é muito depressa pago à nação na economia dos transportes e na redução da taxa de acidentes.
As redes de transporte constituem os fulcros da vida económica de um país.
Dentro de Portugal continental p movimento de pessoas e mercadorias apoia-se fundamentalmente no sistema de transportes terrestres, e a rede desse sistema representa cerca de 98 par cento de todas as nossas vias e transportes interiores.
Por isso, na nossa economia, tanto nacional como regional, uma boa rede de estradas é, sem dúvida nenhuma, um dos mais poderosos instrumentos de expansão e progresso, visto dispormos de uma navegação fluvial escassa e de uma rede ferroviária pouca extensa.
Paralelamente aos investimentos no caminho de ferro - cuja utilidade se mantém indiscutível - precisamos de intensificar os esforços para modernizar as antigas estradas e completar o plano rodoviário paru que corresponda às crescentes solicitações do desenvolvimento económico nacional e para que acompanhe o ritmo marcado pelos países progressivos.
No nosso país a política de fomento dos transportes rodoviários marcou o seu início com a criação da Junta Autónoma de Estradas.
Desde a criação deste organismo e despendendo verbas superiores a 6,45 milhões de contos em estradas nacionais s pontes, foi possível construir cerca de 5500 km de estradas, reparar os itinerários mais importantes do País e executar as tarefas de conservação da rede, da sua sinalização e equipamento.
Em poucos anos a marca rio ressurgimento foi levada às estradas de Portugal e o febril e intenso labor que

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se verificou na recuperação dos pavimentos e na melhoria de traçados dotou o Pais de estradas que eram boas. Isto devido à activa, e prestante actuação da Junta Autónoma de Estradas, que, com justiça, desejo realçar nesta Câmara. Os caminhos esburacados foram transformados em estradas, com pavimentos recuperados ou refeitos, bordadas de flores na Primavera e no Verão, ou ladeadas de viçosos maciços de verdura e de árvores bem cuidadas.
Há uns anos atrás as nossas estradas constituíam mesmo um orgulho para a Nação e uma propaganda.
Porém, o tráfego cresceu enormemente e o peso dos veículos de carga aumentou muito. Nas nossas estradas circulam camionetas de 10, 15 e 20 toneladas.
O nosso parque automóvel, que em 1945 era de 45 000 viaturas, atingiu em 1959 as 234 000 unidades.
Um pequeno quadro mostra a sua evolução:

[Ver tabela na imagem]

O número de quilómetros percorridos anualmente pelos nossos carros ligeiros e pesados deve ter passado de 1,2 biliões em 1949 para perto de 3 biliões em 1959, e a tonelagem transportada anualmente pela via rodoviária aumentou em ritmo muito acelerado.
Este crescimento do tráfego e das cargas aumenta extraordinariamente o desgaste e os estragos nas faixas de rolagem, obrigando a uma reparação e conservação permanentes e pedindo a substituição de grande parte dos pisos existentes.
A reconstrução de muitos pavimentos das nossas estradas constitui hoje um problema de fundo com que temos de contar e que precisa de ser atacado à medida que os pisos comecem a dar sinais de ruína próxima.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, há necessidade absoluta de alargar uma extensão apreciável da rede de estrada nacional, pois elevada percentagem da sua extensão tem as faixas de rolagem com a largura de 0,5 m, e até menos, e alguns dos veículos autorizados a circular nelas atingem 2,45 m de largura, o que exige nos cruzamentos a utilização das bermas.
Para todas estas obras a aplicação dos resultados da investigação rodoviária consegue grandes economias do custo e até de manutenção das estradas sem o menor sacrifício dos padrões de eficiência e duração.
Para que o País possa utilizar com a máxima economia as verbas atribuídas às estradas nacionais e municipais, aos aeroportos e a muitas obras do ultramar, é necessário desenvolver mais a investigação rodoviária.
A utilização dos seus resultados seria de enorme interesse e proveito para as obras da Junta Autónoma de Estradas, da aeronáutica civil e militar, bem como para muitos trabalhos da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização e do Ministério do Ultramar.
O Laboratório Nacional de Engenharia Civil, apesar dos parcos recursos que tem podido destinar à investigação rodoviária, conseguiu já nível técnico e conhecimentos que muito honram o nosso país.
No último congresso sobre estradas, realizado no Rio do Janeiro em Setembro último e onde foram apresentadas e apreciadas as técnicas e tendências actuais de cerca de 50 países, foi especialmente distinguida e apreciada a tese portuguesa. A par das tendências e técnicas de dois grandes países, a tendência portuguesa foi considerada entre essa meia centena de nações como das que oferecia maior interesse e perspectivas futuras.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - E, olhando para o ultramar, posso dar a consoladora informação de que o laboratório de Loureuço Marques é dos pioneiros nos trabalhos de solo-cimento e em iniciativas e técnicas das mais modernas nos territórios africanos. Apoiando-se nos seus trabalhos, estão actualmente a ser construídas em Moçambique estradas com pavimentos dos mais perfeitos de todo o continente africano.
Há que ampliar estas actividades para alargar os seus benefícios.
O Laboratório Nacional de Engenharia Civil dispõe de elementos que podem assegurar o lançamento da investigação rodoviária no plano global e à escala nacional; para isso, é preciso assegurar-lhes com continuidade os meios para recrutar o pessoal permanente necessário à realização das várias tarefas em grande escala.
Com 5 ou 6 milhares de contos que se destinassem anualmente à investigação rodoviária conseguiríamos em cada ano, e só no custo directo das obras, economias de muitos milhares de coutos, além das economias indirectas, da especialização dos nossos técnicos e do prestígio internacional que os trabalhos de investigação nos trariam por acréscimo.
Para criar esta possibilidade utilíssima à Nação, sugiro ao Governo a criação de um fundo de investigação rodoviária, que poderia ser alimentado por uma pequena percentagem - da ordem de 1 por cento do montante das verbas que anualmente são atribuídas a estradas nacionais, à viação rural e a aeroportos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os resultados da investigação compensam sempre largamente o que se gasta com ela, e estamos certos de que essa verba posta à disposição do Laboratório Nacional de Engenharia Civil permitiria, tanto para a metrópole como para o ultramar, realizar com a máxima economia as obras que venham a ser executadas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: o rigor dos dois últimos Invernos, com grande persistência e intensidade de chuvas, causou grandes estragos nas estradas, prejudicando a circulação.
É indispensável fazer imediatamente pequenas reparações nos pisos deteriorados que no conjunto estendam os seus benefícios â quase totalidade das estradas.
Precisamos de conseguir rapidamente condições razoáveis de circulação para que os turistas que nos visitam, e que em 1959 aqui deixaram para cima de 1000 000 de contos, não saiam do nosso país com razão de queixa das nossas estradas. Há já reparos da parte de muitos visitantes, que, encantados com a suavidade do nosso clima, com a hospitalidade da nossa gente e com a tranquilidade política dos Portugueses, apenas observam: «Mas as estradas!...».
A Junta estudou a maneira de atacar os problemas de reparação urgente para remediar as covas abertas nas estradas nacionais, tanto nas de pavimentos aperfeiçoados como nos de macadame, e certamente estabe-

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leceu já um plano de ataque com os meios necessários e o recurso a empreiteiros locais.
Vários milhares de contos terão de ser gastos imediatamente na recuperação dos pavimentos que do Norte ao Sul do País foram ultimamente danificados.
Para já, a Junta vai sacrificar na reparação de tais estragos extraordinários os meios normais destinados às outras obras. Para que a execução destes trabalhos, impostos pelo rigoroso Inverno de 1959-1960, não afecte e atrase os trabalhos urgentes da Junta em vários pontos do País deviam ser concedidos créditos especiais para este fim.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: no caso particular do distrito de Vila Real, que represento nesta Assembleia, a necessidade de beneficiação de algumas das suas estradas reveste-se de tal urgência que bem merece ser trazida a esta Câmara.
A estrada nacional n.º 2, a via mais importante que atravessa o distrito de norte a sul, ligando os três núcleos mais importantes (Chaves-Régua-Vila Real) e. dando acesso à fronteira de Vila Verde da Raia, depois de atravessar as zonas turísticas de Pedras Salgadas, Vidago e Chaves, está a pedir cuidados imediatos.
A estrada nacional n.º 15, que, vinda do Porto, atravessa o distrito para Bragança, apresenta dentro dos limites do distrito de Vila Real vários trocos deteriorados.
A estrada n.º 213, que liga Chaves-Valpaços-Mirandela, etc., e por onde circula muito tráfego, necessita de reparação e revestimento no troço Chaves-Valpaços.
A estrada n.º 206, que vai de Valpaços a Vila Pouca de Aguiar, Fafe, etc., precisa de reparação e revestimento betuminoso no sentido de Valpaços-Argeriz.
A estrada n.º 322-3, que liga Alijó ao Pinhão, carece de rectificação do traçado, revestimento no troço Favaios-Pinhão, para a dotar das características técnicas adequadas no tráfego que a percorre e à função económica e turística que já hoje desempenha.
A estrada n.º 323-1, de ligação entre Alijó-Favaios-Sanfins-Balsa, precisa de ser reparada e betuminada.
A estrada n.º 222, que segue junto ao rio Douro na margem esquerda, carece de ser reparada e betuminada no troço Pinhão-Régua.
Há também algumas malhas que ainda não estão fechadas por falta de troços curtos, a que interessa dar prioridade nas construções novas.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Carlos Moreira: - V. Exa. está-se a referir apenas às estradas do distrito de Vila Real?

O Orador: - Completamente a essas. Mas na generalidade faço considerações que se referem a todas as estradas do País.
Quanto às reparações, os planos bienais da Junta apresentam uma grande dispersão nas obras levadas a efeito.
Com o simpático desejo de contentar a muitos, reparam-se 10 km numa estrada para depois se irem reparar 5 km numa outra e no plano seguinte se destinar verba para pavimentar 15 km numa outra ainda; dos planos assim retalhados resulta que muitas ohms não são levadas a cabo, com prejuízo para os utentes da estrada.
A escolha das obras a realizar é, por vezes, objecto de reparos das forças vivas locais e regionais. Para exemplo, citarei o caso da vila de Montalegre, sede de um concelho extensíssimo e com vida económica apreciável, que está a 12 km, pela estrada nacional n.º 308, da estrada nacional n.º 303. Esse troço de 12 km da estrada nacional n.º 308 tem um tráfego muito grande, carecendo com urgência de ser reparado e betuminado. No entanto, parece que em vez desta obra se têm reparado outros troços com menor tráfego.
O ideal seria que todas as estradas estivessem igualmente boas, mas como esse estádio de perfeição geral e difícil de alcançar, será de justiça, e enquanto se lá não chega, ir dando prioridade àquelas que, na verdade, o justificam.
Para fixar essa prioridade a contento da maioria, parece-nos de interesse que a Junta Autónoma de Estradas, antes de elaborar os seus planos bienais, dê audiência às autarquias locais através do governador civil de cada distrito, que seria o coordenador das prioridades preconizadas pelos municípios.
A influência da qualidade dos pavimentos no custo dos transportes rodoviários é muito grande. Calcula-se que o custo global dos transportes desce de 25 por cento ao passar de uma estrada de macadame simples para uma com com revestimento betuminoso e que se obtém uma economia da ordem de 50 por cento quando se passa de um pavimento de macadame para um de alta qualidade do tipo auto-estrada.
A Junta tem melhorado, dentro das suas possibilidades, os pavimentos das antigas estradas, e de ano para não registar-se um aumento da extensão dos pavimentos aperfeiçoados. No fim de 1951 a percentagem destes pavimentos atingia cerca de 68 por cento da extensão das estradas nacionais.
A manutenção de uma rede de estradas em bom estado exige uma capacidade financeira que seja ampliada de ano para ano, de modo a acompanhar a blinda dos seus encargos.
De ano para ano cresce o tráfego ligeiro e pesado, aumenta o desgaste dos pisos, cresce a rede, etc., e tudo isto acarreta despesas.
As dotações utilizadas nas estradas nacionais não têm acompanhado este crescimento.
A receita ordinária da Junta Autónoma de Estradas, depois de deduzidos os encargos com o pessoal, tem-se, mantido a mesma desde 1949; todos sabemos que de 1949 para cá muita coisa aumentou.
Aumentou o custo dos materiais, das máquinas e da mão-de-obra, bem como as necessidades que o crescimento rápido do tráfego exige dos serviços de estradas.
Era útil um reajustamento do orçamento ordinário da Junta e dos seus quadros, que são insuficientes para o ritmo de trabalhos que hoje se lhes exige.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O aumento de receitas da actividade rodoviária, que crescem com o tráfego, poderá fazer face a estas necessidades.
A instalação no mesmo edifício de todos os serviços centrais da Junta Autónoma de Estradas teria influência benéfica no funcionamento dos mesmos e da sua coordenação.
Em matéria de conservação de estradas, as dotações que têm sido aplicadas são escassas. As leis de financiamento fixam o valor médio de 3000$ por quilómetro para conservação corrente, limite que ainda não foi possível atingir.
Tais previsões que serviram de base ao cálculo dos financiamentos a conceder à Junta não estavam incluídas obras especiais de grande vulto, como grandes pontes e auto-estradas, que deveriam ser objecto de financiamentos especiais.

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Porém, surgiu n pressão das necessidades inadiáveis, de obras especiais e indispensáveis ao crescimento económico da Nação, e, como não foi obtido um financiamento especial, a Junta tem estado a suportar esses encargos pesadíssimos.
Na Ponte Marechal Carmona e acessos foram gastos pela Junta para cima de 130 000 contos. Com a auto-estrada Lisboa-Vila Franca, estabelecida em bases técnicas para permitir com segurança a velocidade de 140 km/hora (segurança quanto à estrada, mas, quanto ao veículo, cuidado!) e se espera seja alerta ao tráfego no fim do ano corrente, assumiu a Junta compromisso da ordem dos 206 000 contos, de que ainda não pagou 49 000 contos.
Na ponte da Arrábida e acessos vai a Junta gastar cerca de 173 000 contos, dos quais 78 000 contos são encargos assumidos mas ainda não pagos. A ponte da Arrábida, que muito honra a técnica portuguesa, está a despertar muito interesse nos meios especializados de vários países. O seu arco de betão armado terá a honrosa particularidade de ser o maior de entre todos os arcos de betão armado; existentes no Mundo.
O grande peso destas e outras obras extraordinárias desfalcou muito os orçamentos da Junta e, devido a elas, a Junta atrasou os seus planos normais e não tem podido distribuir as obras por todo o País de modo a satisfazer, como é urgente, a necessidade de valorizar a terra portuguesa em toda a sua extensão.
A influência e prejuízo desses atrasos na vida económica regional e nacional é muito grande.
Estas obras especiais poderiam ser financiadas por empréstimos a elas destinados, fórmula praticada por muitas nações, que, além de não atrasar os planos da Junta Autónoma de Estradas, teria a vantagem de não sacrificar apenas uma geração com os encargos de realizações caras que também vão beneficiar as gerações vindouras.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A administração sólida e estável que temos em Portugal garantiria a operação.
Há necessidade de um ajustamento financeiro para que possam prosseguirem bom ritmo as tarefas normais atribuídas à Junta, isto é: a pavimentação e alargamento de estradas, a modernização das estradas de tráfego internacional integradas na rede europeia, a supressão de passagens de nível, a reparação de ponte» e a substituição das antigas e a construção de muitos quilómetros de estradas classificadas.
Enquanto esse ajustamento das dotações para a Junta não for feito, ou se executa uma obra espalhada por todo o País, e de que a rede rodoviária careço, ou se realizam as obras especiais de grande vulto em regiões Localizarias à custa da ruína rápida de muitas das estradas que já temos.
A rede de estradas tem sido um dos fulcros do ressurgimento nacional; por isso estamos certos tia que o Governo tudo fará para que as obras rodoviárias prossigam em todo o País, em ritmo que apoie e acompanhe o progresso da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Silva Mendes: - Sr. Presidente: o aviso prévio que estamos apreciando é mais uma demonstração da vontade de bem servir o das qualidades de notável parlamentar que, através de uma longa actuação, tem demonstrado o nosso distinto colega Melo Machado.
Perturba-me, porém, bastante que este aviso prévio tenho sido necessário depois de tantos Deputados, interpretando os sentimentos de toda a Nação, terem pedido insistentemente ao Governo que habilitasse a. Junta Autónoma de Estradas com o financiamento necessário para bem cumprir a sua missão, como sempre a tem cumprido, desde que foi criada.
Interpoladamente, e desde o 28 de Maio, tenho exercido funções políticas que me têm obrigado a ter contacto com a Junta Autónoma e com os seus dirigentes, desde o general Trindade, engenheiro Dr. Zúquete e tenente-general Moreira, até ao seu actual presidente e directores dos serviços de construção e reparação de estradas.
Posso, por isso, assegurar à Câmara que sempre encontrei em todos os dirigentes da Junta a maior patriotismo, faculdades de trabalho, boa orientação, competência indiscutível e honesta e forte vontade de trabalhar e bem servir o País, como aquele organismo sempre o tem feito, sem a mais pequena dúvida.
Sendo assim e tendo o Governo a certeza de que os fundos que lhe entregar serão escrupulosa e utilmente empregados, não consigo compreender a razão por que não têm sido atendidos os pedidos tantas vezes feitos nesta Câmara.
Portugal está sendo muito visitado por turistas estrangeiros, milhares dos quais se movimentam, por todo o País, em automóveis próprios ou alugados. Para que se não arrependam de nos terem vindo visitar, precisam, evidentemente, de boas estradas.
Eu sei que se têm feito e estão fazendo obras utilíssimas e de grande envergadura, como a ponte de Vila Franca, a ponte sobre o Douro e os seus acessos, a auto-estrada de Lisboa a Vila Franca, etc., mas a verdade, que toda a gente vê, é que o dinheiro empregado nessas obras, de grande vulto, não pude ser utilizado nas outras obras de construção e reparação absolutamente indispensáveis, nem nas de reconstrução, que cada vez se vão tornando mais necessárias, devido ao peso cada vez maior das cargas transportadas nos grandes camiões modernos.
É evidente para toda a gente que a Junta Autónoma, em boa hora criada depois do 28 de Maio, precisa de mais dinheiro para bem cumprir a sua missão e continuar a fazer os benefícios que tem espalhado por todo o País.
Mas porque se não faz a vontade à Nação, que nós aqui representamos, satisfazendo os seus justos e bem evidentes anseios?
Essa pergunta tem-me sido feita várias vezes e deixa-me sempre embaraçado, porque não sei o que hei-de responder.
A verdade é que os Ministros, que logicamente devem intervir no assunto, são bem conhecidos e devidamente apreciados em Portugal, a começar pelo dinâmico, inteligente e sensato Ministro das Obras Públicas, que toda a população portuguesa conhece, admira e venera; o Sr. Ministro das Finanças é um homem cheio de talento, competentíssimo o sensato, que no exercício do seu alto cargo tem prestado ao País relevantes serviços, e o Sr. Presidente do Conselho não precisa de elogios, porque a sua obra formidável é bem conhecida e devidamente apreciada, tanto pelos Portugueses como pelos estrangeiros.
Sendo assim, por que razão não é atendido o pedido unânime desta nação, constituída por homens inteligentes, que sabem o que querem e o que lhes convém e que sempre têm apreciado e dado a força do seu entusiástico apoio ao Sr. Presidente do Conselho em tudo que tem feito a favor da nossa pátria, sujeitando-se

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a todos os sacrifícios que lhe têm sido impostos a bem da Nação, sem um murmúrio e sem um queixume, porque, inteligente como é, sabe compreender bem o que é necessário e útil para o bem comum? Não sei.
E não se diga que a Assembleia nau é o órgão competente para fazer sentir ao Governo o que a Nação quer e deseja, por haver outro órgão mais representativo da opinião pública, isto é, a Câmara Corporativa.
A verdade é que esta, embora seja constituída por elementos de alio valor, exerce a sua meritória e competente acção de uma forma mais discreta e silenciosa, que não é conhecida da Nação.
Além disso, nós estamos mais em contacto com a massa da população, sentimos melhor as suas reacções psicológicas, temos u obrigação de auscultar cuidadosamente os seus sentimentos, ouvimos as suas queixas, conhecemos os seus anseios e as suas aspirações, e o que aqui dizemos ao Governo é-nos imposto pelas nossas consciências.
Se nos calássemos, não merecíamos a honra de fazer parte desta distinta Assembleia.
Tenho a certeza de que todos os Srs. Deputados têm sempre o maior prazer quando podem louvar o Governo com razão e interpretando os sentimentos dos seus eleitores e sentem sincera mágoa se, no cumprimento do seu dever de representantes do povo português, se vêem obrigados a criticar qualquer medida governativa ou a forma como quaisquer serviços públicos exercem a sua acção. Se o fazem, não é com o intuito do serem desagradáveis a quem governa, que não deve ver com maus olhos essas atitudes, que apenas representam um indeclinável dever de quem tem a honra de representar uma nação nobre, altiva e ciosa dos seus direitos, como sempre tem sido a Nação Portuguesa.
Estou convencido de que, quando louvamos ou criticamos, não agimos unicamente movidos pelos nossos ,sentimentos pessoais e somos impulsionados pela opinião pública, e pela obediência ao mandato imperativo da Nação, que aqui representamos e ao qual obedecemos, sem termos até talvez a consciência bem nítida dessa obediência.
Além disso, quando fazemos reparos à acção governativa ou criticamos com razão, demonstramos praticamente aos adversários desta Situação que não é necessária a sua presença para que os actos do Governo sejam devidamente fiscalizados e criticados, quando houver razão para isso.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Simplesmente, não criticamos por oposição sistemática ao Governo, como eles certamente fariam, e não regateamos também os nossos louvores quando são merecidos, e ainda há dias esta Câmara louvou, sentida e entusiasticamente, o Sr. Doutor Oliveira Salazar e todos aqueles que, sob a sua hábil o talentosa direcção, souberam defender os justos interesses de Portugal no litígio com o Governo Indiano, e entre os quais a Nação destacou, com justiça, o Sr. Almirante Sarmento Rodrigues, distintíssimo Ministro do Ultramar durante vários anos e um grande e talentoso estadista em qualquer parte do Mundo ...

O Sr. Homem de Melo: - Muito bem!

O Orador: - ... o babilíssimo ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros, Doutor Paulo Cunha, que, também conquistou a admiração e o respeito de todos os portugueses, e o competentíssimo professor de Direito
Doutor Galvão Teles, que foi também um dos grandes artifícios da vitória que conseguimos.

O Sr. Homem Ferreira: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: está demonstrado que sabemos louvar, mas também sabemos criticar, quando há razão para isso.
Seria bem mais agradável para todos nós louvar sempre a não ter do apontar aos responsáveis pela direcção dos negócios públicos qualquer falta, nem ter de fazer reparos à acção governativa quando, como no caso do que estamos tratando, temos razão.
Governar torna-se cada vez mais difícil, os problemas surgem constantemente, as suas soluções são cada vez mais complicadas, e, para que sejam as melhores, é necessário encará-las por todos os ângulos, ver as suas consequências futuras, ter quase um poder de adivinhação, e é impossível que um só homem ou mesmo um pequeno :grupo de homens, por mais inteligentes e sábios que sejam, possam governar e resolver tudo, o melhor possível, sem os conselhos e as informações de outros homens que, embora não façam parte do Governo, estudem os assuntos, meditem nas suas melhores soluções e dêem ao Governo o concurso da sua inteligência, da sua prática e dos seus conhecimentos.
Tenho lido e ouvido sustentar a teoria de que. quando uma pessoa é nomeada para o Ministério ou para o exercício de um alto cargo, adquire, imediatamente novas faculdades que lhe permitem desempenhar bem a sua missão.
Creio que há pessoas sinceramente convencidas de que esta teoria é indiscutivelmente verdadeira, pelo menos no que diz respeito às suas personalidades. Não é bem assim.
Quem é nomeado para funções de governo ou de administração adquire, é certo, melhor conhecimento das questões, e, como tem ao seu alcance mais elementos de informação, pode resolvê-las melhor, mas é exagero considerar-se imediatamente um super-homem, infalível e intangível à crítica.
Quando, porém, se governa uma nação como a nossa, em que há, felizmente, uma enorme percentagem de gente inteligente e sensata, a tarefa de quem governa torna-se mais fácil e mais proveitosa, se quiser atender as sugestões e até as críticas das pessoas competentes e auscultar as reacções da opinião pública.
Sr. Presidente: mais uma vez um Deputado pelo distrito de Leiria levanta a sua voz para pedir ao Governo, respeitosa mas firmemente, que resolva o problema da reparação das estradas. As razões por que o faço já fórum exportas na minha intervenção de 30 de Abril de 1959. Não é necessário cansar a Câmara com a sua repetição.
Pelo mesmo motivo, não cito números nem mais argumentos, que julgo desnecessários, porque o Governo tudo sabe e porque do parecer sobre as Contas Gerais do Estado, elaborado pelo nosso distintíssimo colega engenheiro Araújo Correia glória e honra desta Assembleia, pela sua alta competência, inteligentíssimo critério e sensatez e até pela coragem moral que revela nas suas apreciações, se colhem elementos muito elucidativos, que não é necessário repetir.
Além disso, como, por mal dos nossos pesados e à falta de melhor, devido à escassez de indivíduos com alguma bossa para a política, exerci várias vezes cargos de certo relevo político, encarei mais este problema das estradas sob o seu ponto de vista político e a sua repercussão sobre a opinião pública, deixando para outros mais competentes a sua apreciarão sob os aspectos técnico e económico, este último de imensa

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importância e de alto valor pura o progresso do nosso país.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: porque temos indiscutivelmente razão e porque nada mais desejo acrescentar para fazer a demonstração de que assim é, não canso mais n atenção desta Assembleia e vou terminar fazendo votos no sentido de que o Governo tenha em consideração, como deve, é justo e lhe convém, os desejos que temos manifestado, na certeza de que interpretamos, sem a mais pequena dúvida, os sentimentos de toda a Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ernesto Lacerda: - Sr. Presidente: era já meu intento pronunciar-se sobre o estado calamitoso em que se encontra grande parte das estradas nacionais, a necessidade imperiosa da abertura de novas vias rodoviárias e acabamento das começadas, o aceleramento de ritmo quanto a correcção de traçados, reperfilagens, supressões de passagens de nível e da recuperação do atraso verificado no actual plano de obras.
O aviso prévio do nosso ilustre colega Melo Machado veio, por isso, ao encontro dos meus desejos; assim, depois de louvar a iniciativa tomada e felicitar o seu autor, passo a tecer algumas considerações suscitadas pelo momentoso problema em causa.
Sr. Presidente: há seis anos, nesta tribuna, dei o meu aplauso à proposta de lei relativa ao plano de financiamento em que viria a apoiar-se a actividade da Junta Autónoma de Estradas durante os anos de 1956 a 1970. Estava, então, absolutamente convencido de que a Junta, mediante os recursos financeiros a colocar à sua disposição, poderia cumprir integralmente as obras previstas.
Hoje, porém, Sr. Presidente, já não garanto que aquele organismo conclua os trabalhos discriminados no diploma em referência dentro do prazo fixado; antes se me afigura impraticável a vasta tarefa atribuída.
Estabelecida esta divergência de critérios, de pronto esclareço a sua razão: é que, apesar do volume apreciável das verbas concedidas à Junta - e a título de ilustração anoto que, nos dois últimos anos o montante foi da ordem dos 800 000 contos -, a suficiência financeira do organismo é aparente, apenas. Ou, melhor, a realidade é expressa por uma insuficiência cuja causa se vai encontrar na drenagem das elevadíssimas cifras já consumidas e ainda a consumir nas obras de carácter extraordinário, que, segundo creio, deveriam ser financiadas por dotações diferentes das normais.
Quer dizer: a extensa e relevante folha de serviços da Junta Autónoma de Estradas, espelho de tantas e tão valiosas realizações disseminadas pelo País. está a sombrear-se notoriamente, não por culpa própria, mas por reflexo de uma situação imposta. Logo, a efectivação de uma extensa fracção do programa traçado está a ser prejudicada, e o atraso, longe de ter sido atenuado nestes últimos tempos, tem progredido de tal forma que, embora nos custe, somos forçados a confessar um nítido retrocesso, comparativamente à época em que já dispusemos de uma rede rodoviária de extensão pouco inferior a actual, mas muito superior em conservação.
Enfileiro com os defensores do ponto de vista de que não deveriam ter sido incluídas nas dotações normais as obras de construção, da auto-estrada Lisboa-Vila Franca e da ponte da Arrábida e seus acessos. Requerendo ambas uma soma enorme de especialização técnica e condições materiais de colossal grandeza, os seus custos vultosíssimos acarretaram imediatamente a inibição do cumprimento do estipulado no plano rodoviário em curso. Devemos situar-nos hoje a tão dilatada distância da construção dos 1800 km de estradas e respectivas pontes, alargamento e pavimentação de 4000 km de estradas importantes, pavimentação de 5000 km de estradas secundárias, supressão de 100 passagens de nível e substituição de 100 pontes antigas - tudo previsto para execução no período de 1956-1970 -, além, claro está, da conservação corrente das vias existentes, que me capacito da impossibilidade referida. Decorridos quatro dos quinze anos da vigência do plano, o trabalho produzido não corresponde àquele tempo.
Já quando da construção da Ponte Marechal Carmona a Junta se viu coagida a desprezar um pouco o programa normal de construção e conservação, o que originou um regular atraso no cumprimento da sua missão habitual. Aquele desfasamento entre as necessidades do País e as realizações levadas a cabo, contrariamente ao que seria para desejar e todos esperavam, mais se acentuou com os trabalhos em curso, referentes às duas obras indicadas.
Ressalvada a actuação da Junta Autónoma de Estradas e destacando - como merece - a superior direcção do Sr. Ministro das Obras Públicas, sinto-me agora à vontade para o desempenho do honroso encargo de intérprete, tanto quanto possível fiel, das justas reivindicações da população, reclamando urgentes providências para o estado deplorável a que se deixou chegar as estradas nacionais.
Sr. Presidente: o agravamento dos pavimentos verifica-se dia a dia e, concomitantemente, as pequenas reparações depressa se convertem em grandes obras, que, absorvendo mais tempo, exigem também maior dispêndio. Pouco a pouco, mas numa actividade contínua e agressiva, o tempo vai cumprindo a sua tarefa. As chuvas, principalmente, e mesmo os ventos, suo agentes demolidores por excelência dos pavimentos. Em conjugação com ele, o homem, não pelo prazer de destruir, antes pela instante necessidade de sobreviver, é empurrado, minuto a minuto, para a estrada, e cada vez com viaturas de maior porte e tonelagem.
À acção de desgaste da natureza junta-se, pois, a dos veículos de que o homem é obrigado a lançar mão.
Isto exposto, não fujo a penitenciar-me quanto ao provável epíteto de repetidor de lugares-comuns ..., dado o conhecimento geral das afirmações produzidas. Na iminência de tal risco, optei, mesmo assim, pelo rememorar das origens do mal, uma vez que é nosso dever procurar o remédio mais eficaz para o debelar.
Na sequência dessa directriz traçada, lembro que em Março do ano passado tive oportunidade de apelar para o Sr. Ministro das Obras Públicas solicitando-lhe imediatas reparações nos pavimentos deteriorados. Já na altura os trabalhos se deveriam desenvolver em escalão elevado, tantos eram os casos nas circunstâncias expostas. O autor do aviso prévio agora em debate, num aparte, aconselhou-me a apelar antes para o Sr. Ministro das Finanças; repliquei dirigir-me a ambos, pois era minha convicção que a chegada de novo Inverno aniquilaria impiedosamente uma obra que levara anos a erguer e absorvera alguns milhões de contos, desde que não se aproveitassem os meses mais próximos para os trabalhos reclamados.
De facto - com amargura o sublinho -, veio a dar-se tudo quanto disse. O recente Inverno foi o que sabemos, parecendo até apostado em colaborar rudemente na destruição dos já tão débeis pavimentos, abrindo novas covas e tornando maiores as antigas, cortando diversos troços, avolumando os estragos superficiais e os das infra-estruturas das nossas vias de comunicação.

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O betumo e a sarrisca, o areão ou areia reclamados o ano passado para as estradas alcatroadas e a brita e o saibro que escasseavam ou faltavam totalmente nas macadamizadas não chegaram a ser incorporados em muitas e, nas que o foram, tanto as diminutas percentagens aplicadas como as chuvas constantes que caíram obstaram à obtenção de um resultado positivo convincente.
Razão tinha, também e infelizmente, quando insisti pelo deferimento rápido da pretensão, evocando que a boa economia, no caso vertente, mandaria gastar então 10, para evitar o tardio dispêndio de 100 ou 200. Na verdade, neste curto espaço de um ano, tanto os materiais como a mão-de-obra experimentaram aumentos substanciais; e daqui até ao início da campanha que urge levar a termo em todo o continente, qual o agravamento a incidir sobre o actual custo das reparações pedidas, não contando já as que irão aparecendo como fruto dos estragos posteriores?
O ilustre colega pôs o dedo bem na ferida - é o termo. Tão acertadamente que hoje permito-mo apelar, única e exclusivamente, para o Sr. Ministro das Finanças, declarando ser preciso iniciar sem delongas uma campanha de recuperação no sector das estradas nacionais, solicitando-lhe as bases financeiras indispensáveis à consecução dessa cruzada de resgate e simultânea melhoria e garantindo-lhe o vivo e incondicional apoio e aplauso da Nação, perante uma iniciativa de semelhantes proporções e projecção.
Não posso nem quero conceber a perda irreparável da posição destacada que alcançámos em matéria de construção, reparação e conservação de estradas, como não admito que o Governo - sempre disposto e interessado em pugnar pelo aumento das condições de vida da Nação, factor-base do seu progresso moral e material - protele por mais tempo a concessão da suficiência de verbas que se torna mister proporcionar à Junta Autónoma de Estradas para o cabal exercício das suas múltiplas e complexas funções, aliás sempre satisfeitas por forma a receber os justos elogios de gregos e troianos.
Sr. Presidente: escusado e inviável se torna abarcar todos os casos dignos de menção para ilustrar quanto se pede a propósito de tão importante assunto. Este o motivo por que escolho, como paradigma, a estrada nacional n.º 1, que liga a capital do País à capital do Norte e é a nossa, principal via rodoviária. Não se mo impou a justificação da sua importância, que é de sobejo reconhecida, quer como elemento de aproximação de populações e via de escoamento de géneros e produtos, quer atentando no movimento de estrangeiros que a percorre diariamente.
Pois, sendo ainda hoje a nossa estrada de maior trânsito, é raro o troço que satisfaz plenamente! Se há um outro em boas condições de piso, considerável parte do seu traçado não oferece largura, que se coadune com o numero de veículos que a cruzam, nem com as dimensões dos mais modernos.
Os caminhos de ferro e as estradas constituem a ossatura da actividade económica e social, em todos os países; no nosso, em que a rede ferroviária não atingiu a expansão compatível com a crescente movimentação de pessoas e mercadorias, finais necessário é estender a rede rodoviária, fazendo-a chegar a todos os pontos do País. Ela tem de ser posta ao serviço do que não pode ser transportado pela via férrea, no caso de locais onde o carril é progresso desconhecido, e das populações e produtos cuja deslocação pelas estradas canais acessível, rápida e algumas vezes mesmo mais económica.
Ciente do anseio dominante do Governo em matéria de valorização do elemento humano, interrogo-me sobre o paradoxal estado de coisas em que nos encontramos,
à primeira vista, pelo menos. Mais explicitamente: é-me difícil conciliar a desejada elevação do nível de vida das populações - que sabemos uma preocupação dominante do Governo - com a morosidade posta à prova na abertura de novas vias de penetração e interligação.
A malha da rede rodoviária continental não é de bitola idêntica de norte a sul, nem do litoral para a raia: apertada junto ao litoral - o que não significa superabundância de estradas, mas sim uma relativa mediania de recursos rodoviários - começa a alargar-se a poucos quilómetros do mar e à medida que caminhamos para o interior. De tal forma que muitas localidades e populações cercadas pela malha só à custa de muitos e duros sacrifícios logram gozar as suas vantagens. Estes locais e povos repartem-se por áreas de considerável extensão e é pensando neles, sobretudo, procurando avaliar da justa medida o quanto de pouco favorecidos têm sido e continuam a ser, lembrando-os e as rudes provações por eles suportadas, que peço para todos em idênticas circunstâncias a chegaria breve do fim do seu sacrifício, a aurora da apregoada elevação do seu nível de vida. E, entre tantas conquistas desconhecidas para eles, a regalia de uma estrada é, sem dúvida, uma das mais prementes e apreciadas.
Por outro lado, não podemos perder de vista que tudo e todos lutam com a estrada. E cada vez pior! O número de viaturas aumenta a ritmo assustador, parecendo elucidativo o número de cerca de 200 000 a que se eleva o total de veículos automóveis registados só no continente. A tonelagem acompanha, proporcionalmente, aquele acréscimo; e, simultaneamente, o total de quilómetros percorridos por cada veículo inscreve-se numa curva ascendente, de que não vislumbramos o máximo, mas que deverá andar, no momento, pelos 3 milhares de milhões anuais.
A luta com a estrada, porém, não se confina aos estragos por ela sofridos e já enumerados; a estrada, ao primeiro sinal de ter sido ferida, agiganta-se nas depreciações do material circulante, ameaça danificar seriamente as viaturas que a utilizam, vinga-se num aumento sensível de combustível. Computando em 50 000 km a duração média de um pneumático, quando rodado num pavimento bom e a velocidade conveniente, ficaremos decepcionados se nos disserem que o mesmo pneumático não suportará, regra geral, os 25 000 km, se for empregue num pavimento medíocre. Contudo, é a verdade! A vida do pneumático sofre a redução de 50 por cento, porque o desgaste ultrapassou o dobro. Quanto às despesas de reparação dos veículos, quando em trânsito por pavimentos medíocres, aumentam de 50 por cento em relação a um pavimento em bom estado; num piso mau sobem aos 100 por cento. E o consumo de combustível eleva-se também, em virtude da frequência com que as mudanças têm de ser feitas.
Não havendo, portanto, o cuidado aturado de reparar dia a dia as estradas, as consequências imediatas do seu mau estado ficarão bem evidenciadas pela simples anotação de que, se fixarmos em $01 o agravamento por quilómetro percorrido - base bastante modesta, saliente-se -, entrarmos em linha de conta com os 200 000 veículos automóveis registados no continente e lhes atribuirmos uma média anual de 15 000 km por unidade, o prejuízo suportado será representado por 30 000 contos em cada ano.
Contudo, este desperdício material, de uma grandeza que não é para ignorar, seria pouco se não houvesse um outro muito mais importante: o desperdício de vidas humanas. Porque uma das consequências, a mais grave de todas, afinal, é o apavorante e sempre crescente número de desastres. Não sejamos carrascos a ponto de descarregar sobro as estradas mal cuidadas

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iodas as culpas; mas, apesar da imperícia e insensatez de alguns usuários das estradas, mesmo assim, quero frisar ser-lhes devida uma razoável percentagem de acidentes. Trágica e expressiva resultante das muitas curvas sem as convenientes sobrelarguras e sobreelevações, das passagens de nível não suprimidas, das reperfilagens por executar ainda!
A talhe de foice, poderia aduzir casos reveladores da insuficiente consistência dos pavimentos; nuns, porque as fundações das nossas estradas antigas não foram calculadas para as cargas actuais; noutros, os trabalhos de consolidação fugiram às normas técnicas, ou, no seu acabamento, não se aguardou que a acção do tempo se fizesse sentir sobre as terras. Ocorre-me a tal respeito o verificado recentemente com a variante de Condeixa, já aberta ao trânsito por duas vezes e outras tantas fechada, precisamente em resultado do abatimento da faixa de rodagem. O facto, embora não tivesse originado qualquer desastre a que poderia conduzir, tem-se prestado a críticas, que bem poderiam - e deveriam - ter-se evitado.
Sr. Presidente: as estradas, vistas ainda à luz desse surto de visitantes que demandam o País para repouso ou passeio de dias, também são dignas da protecção reclamada. Não só como factores positivos a pesar no conjunto económico nacional, mas também porque é nosso dever evitar a sua conversão em elementos negativos que uma apreciação do País por estrangeiros pode provocar.
O valor material das centenas de milhares de contos que o turismo faz entrar por ano nos cofres do Estado, fonte de cambiais a aproveitar diligentemente e nunca para menosprezar, encontra-se em risco de ser reduzido. Não basta propagandear belezas naturais, amenidade de climas, trajos e costumes típicos, danças e canções folclóricas: o turista, apreciador deste amálgama de motivos sedutores, nào se dispõe, no entanto, a viajar através de estradas más, esburacadas ou poeirentas, acanhadas ou excessivamente ricas em curvas inadmissíveis e passagens de nível - autênticas ratoeiras por vezes. Chamar o turista espalhando cartazes pelas sete partidas do Mundo, atraí-lo com a exaltação do pitoresco do País, para depois o vermos partir desiludido, queixoso e candidato a afugentador de outros eventuais visitantes, é pior, creio, do que remetermo-nos ao silêncio humilde de quem se confessa não estar à altura de dar recepções.
Em íntima ligação com o turismo, cumpro-me lembrar a necessidade do descongestionamento das vias de penetração dirigidas ao Centro do País, especialmente à sua capital, provenientes das fronteiras. Neste aspecto, julgo dever apontar a estrada destinada ao escoamento rápido do tráfego internacional que de Vilar Formoso se destina a Lisboa, prolongamento natural da grande estrada que nasce em Estocolmo e atravessa a Europa, nalguns troços com as características de auto-estradas como, também, embora de mais reduzida circulação, a que no Caia daria seguimento à estrada espanhola que, através da Andaluzia, passa em Madrid.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Penso que o custo destas vias de penetração, apesar de volumoso, será um capital que renderá juro bastante remunerador, olhando à intensificação do fluxo de turistas oriundos da Europa continental ou que a se se quisessem dirigir, passando pelo nosso país.
Sr. Presidente: antes de terminar, pretendo reportar-me ainda a dois outros pontos de flagrante acuidade: a necessidade do acabamento das estradas começadas e o procedimento antieconómico que é a adjudicação do pequenas empreitadas.
Quanto ao primeiro, é de ponderar a reacção sentida pelas populações mais directamente interessadas; exultaram com o início da abertura dessas via há tanto inscritas no rol das suas maiores aspirações, agradeceram ao Governo o benefício concedido e felicitaram-se pelo acerto da medida governativa. Depois ... passado o entusiasmo das primeiras horas, meses e anos volvidos sem que as estradas começadas sejam concluídas, a descrença entra a miná-las lentamente. Dali ao descontentamento vai um passo, e muitas dessas populações sofrem já desse terrível vírus.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O segundo ponto a visar, a realização de pequenas empreitadas, deve merecer igualmente a atenção de quem de direito. O emprego em larga escala da máquina não é viável e este facto sugere-nos os dois inconvenientes a que convém pôr cobro: a absorção da mão-de-obra que escasseia e poderia ser aproveitada noutros serviços em que é imprescindível e a elevação do custo das próprias obras, consequência directa do menor rendimento do trabalho do homem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se o primeiro ocasiona um prejuízo de urdem moral, em detrimento da confiança o prestígio dos governantes, que fora de qualquer dúvida, merecem os mais rasgados louvores, mas que a força das circunstâncias em causa parece desmentir, o segundo gera um prejuízo material que, a evitar-se, redundará em disponibilidades a canalizar para outros melhoramentos.
Sr. Presidente: questões muito mais difíceis de equacionar foram resolvidas a pleno contento da Nação e numa época em que o erário público não dispunha das receitas nem reservas que, graças à austeridade da política financeira seguida, hoje se podem usar. É bastante lembrarmo-nos de que em 1928 dispúnhamos de uma rede rodoviária com 12 000 escassos quilómetros e em 1948 usufruíamos já de 16 630 km; e de que em 31 de Dezembro de 1958 contávamos 17 420 km de estradas, dos quais 11 151 km com pavimentos aperfeiçoados e 5533 km de macadame.
É certo que me parecem satisfatórias as receitas ligadas ao tráfego rodoviário que o Estado vem cobrando; só em 1958 excederam os 600 000 contos. Contudo, se ainda não chegam para as necessidades imediatas, o Governo estudará o meio mais consentâneo de os pôr a par com as despesas. Não sugiro qualquer prática para a obtenção dessas receitas, porque o problema ficará muito bem entregue ao alto critério e esclarecida inteligência do Sr. Ministro das Finanças, tanto como a efectivação das obras o fica confiada ao Sr. Ministro das Obras Públicas e aos técnicos e demais pessoal da Junta Autónoma de Estradas.
O que, porém, nào quero deixar de declarar é termos chegado a uma encruzilhada em que já nos demorámos tempo de mais; é preciso, é inadiável, recomeçar a marcha. Urge que seja proferida a palavra de ordem para deixarmos a posição de ultrapassados e abrirmos a marcha da recuperação.
É o que espero, confiadamente do Governo, particularmente do Sr. Ministro das Finanças. Não será o estafado «agora ou nunca», mas tomo a liberdade de afirmar que a campanha tem de ser iniciada com urgência, sob pena, de toda a Nação vir a ser vítima de um encargo demasiado forte para a sua capacidade tri-

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butária, visto a demora se traduzir num aumento de custo, cujo limite não podemos avaliar de momento.
Confiadamente, também, espero que as obras vultosas do tipo das presentemente em curso e já por mim citadas passem u dispor de financiamentos por couta de dotações especiais, o que, aliás, não poderá ser considerado originalidade, visto a auto-estrada de acesso ao Estádio Nacional e a estrada marginal Lisboa-Cascais terem sido construídas por naquele processo. Só desta forma virá a ser realidade a justa e já remota aspiração da franca melhoria das estradas existentes, conclusão das começadas e abertura de muitas outras que o todo económico e social exige e merece.
Termino com a expressão da minha inteira concordância relativamente a doutrina expendida no aviso prévio em discussão, renovando a confiança no zelo e clarividência do Governo perante os problemas nacionais e agradecendo-lhe, desde já, as providências urgentes a determinar «a bem da Nação».
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Amanhã haverá uma sessão da parte da manhã, consagrada à continuarão da efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado. De tarde haverá também sessão, tendo por ordem do dia a discussão na especialidade do projecto de lei do Sr. Deputado Camilo de Mendonça. A sessão da manhã começará às horas e 30 minutos precisos.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Gosta Ramalho.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João de Brito e Cunha.
João Maria Porto.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Rogério Noel Feres Claro.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

Rectificação
No Diário das Sessões n.º 170, a p. 749, col. 1.ª, 1. 3, onde se lê: «generalidade», deve ler-se: «especialidade».

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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