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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 172

ANO DE 1960 27 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 172, EM 26 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 170.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Sousa Rosal e Duarte do Amaral, que enviaram requerimentos para a Mesa.

Ordem do dia. - Continuação ao discurso do aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado sobre as entradas.
Usaram da palavra, os Srs. Deputados Amaral Neto, António Lacerda, Belchior Cardoso da Costa e Melo Machado, que encerrou o debate enviando para a Mesa uma moção, que, posta à votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 10 horas e 45 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Pedro Neves Clara.

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Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinto Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
Laurénio Cota Morais dos Beis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 79 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 10 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:- Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 170.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação ao citado Diário das Sessões, considero-o aprovado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Sousa Rosal.

O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar o seguinte

Requerimento

«Solicito que, polo Ministério da Educação Nacional, me sejam fornecidas cópias dos seguintes elementos, que devem constar do processo do concurso documental para o cargo de terceiro-astrónomo de 1.ª classe do Observatório Astronómico de Lisboa aberto em Novembro de 1958, quando a concurso tiver chegado ao seu termo:

Actas das reuniões do júri do concurso; Curriculum vitae dos concorrentes;

Outros elementos do mérito relativo dos concorrentes ;
Nota do tempo de serviço que cada um prestou nos observatórios astronómicos;

ou permitida a sua consulta».

O Sr. Duarte do Amaral: - Sr. Presidente: desejo apresentar o seguinte

Requerimento

«Para me esclarecer sobre o funcionamento do Estádio Nacional, roqueiro, pelos departamentos respectivos, os seguintes elementos:

Evolução mensal do número de praticantes por especialidades desportivas;
Número de horas de ocupação mensal dos diferentes recintos;
Regime de administração e exploração do Estádio;
Receita e despesa;
Número de funcionários;
Informação sobre a existência de programas para alargar o Estádio, não só quanto às modalidades já ali existentes, como a novas modalidades».

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o aviso prévio do Sr. Deputado Melo Machado sobre as estradas. Tem a palavra o Sr. Deputado Amaral Neto.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: parece já ter entrado nos costumes desta Assembleia que a participação nu discussão de um aviso prévio, representando algum contributo paru o esclarecimento da questão em causa, envolve também uma demonstração de camaradagem e de simpatia pelo muito trabalho e muito estudo de quem quer que queira dedicar-se à delicada tarefa de, bem documentado, interpelar directamente o Governo sobre assunto importante da sua gerência dos negócios públicos.
Não ignoram VV. Exas. a profunda amizade que me liga ao Sr. Deputado Melo Machado, formada desde a origem na comunidade dos interesses a que dedicamos as nossas vidas e na identidade de feitios, que nos leva a expor sempre abertamente as nossas opiniões.
Porém, em boa verdade, nem era preciso estar a debater o aviso prévio, nem tão-pouco procurar razões para justificar a afirmação do seu princípio de que as nossas estradas estão a caminho da mais franca ruína e de que importa salvá-las com a maior presteza.
Nós vemos hoje a importância económica da estrada tão seriamente assente em todos os espíritos que apontar a sua ruína é chamar automaticamente a atenção, toda a atenção necessária, para a urgência do seu conserto. Está universalmente estabelecido que uma estrada em mau estado, mais do que um valor nulo, é francamente um valor negativo! Insistir com o Governo para que, no meio de tantíssimas preocupações, atente na situação das nossas estradas é obra meritória que de modo algum pode entrar na categoria das inoportunidades, e bom será que a Nação seja esclarecida para maior informação dos contribuintes, que pagam, e do Estado, que administra os réditos deles vindos. Em boa hora o Sr. Deputado Melo Machado, com a especial autoridade que lhe advém da sua posição em determinados organismos, encetou este aviso prévio. Acompanhá-lo era obrigação de consciência e da ai-

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tura do problema em causa. Todavia, ao mesmo tempo que estou dizendo da oportunidade d« estabelecer o debate, diria, e aliás disse já, que nem haveria nada a acrescentar, tilo claramente o problema se põe a todos os espíritos.
E então pergunto-mo se, a par da assistência moral que a minha intervenção quer representar, não poderei utilmente trazer mais um ou dois apontamentos sobre matérias conexas com o fundo da questão, e a estes acabo por vir.
Na apressada leitura que fiz, há pouco, dos jornais, porque não me foi possível assistir à sessão de ontem, verifiquei que, primeiro, o Sr. Deputado avisante encontrou uma relação directa de causa a efeito entre o mau estado actual das estradas e o enorme dispêndio feito na construção da Ponte Marechal Carmona, sobre o Tejo, em Vila Franca de Xira; o que o nosso colega Virgílio Cruz chamou a atenção para o facto do em duas outras grandes obras estar a Junta Autónoma de Estradas a investir quantias da ordem dos 400 000 contos em prazo que não excederá, decerto, quatro ou cinco anos, o que representa uma média de encargos vizinha dos 80 000 contos anuais, como mínimo, li se atendermos a que, segundo nos informa o sempre bem elaborado parecer sobre as Contas Gerais do Estado, relativamente a 1958, neste ano as despesas de conservação e reparação de estradas totalizaram 120 884 contos, e na média dos doze anteriores, de 1946 a 1957, inclusive, se estabeleceram no nível dos 103 000, não podemos deixar de sentir imediatamente, de facto, a enorme importância relativa das despesas concentradas pela Junta Autónoma de Estradas naquelas obras e deduzir que nisto se pode filiar a inevitabilidade do descuido de todos os serviços de conservação e reparação da nossa restante rede rodoviária. Não me parecer que, depois da experiência da imposição da portagem na Ponte Marechal Carmona, em Vila Franca de Xira, fosse razoável abalançar-se o Estado àquelas duas outras grandes obras sem estudar, com base na cobrança de portagem, um financiamento privativo especial que aliviasse as dotações normais. E, não querendo tomar por esse caminho, penso sinceramente que uma séria responsabilidade tomou, para com todos os usuários das estradas portuguesas, o Governo da Nação, pondo deliberadamente de banda, certamente por razões ponderosas, um meio de financiamento que tem hoje em dia a sua aceitação largamente justificada pela experiência alheia e por factos nacionais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Efectivamente, se nos quisermos debruçar sobre o que têm sido os rendimentos da portagem na Ponte Marechal Carmona, encontramos a importância de 3625 contos noa dez meses de Março a Dezembro de 1952 e verificamos o seu crescimento para perto de 11 000 contos em 1958.
Há, assim, um incremento constante de ano para ano nos rendimentos desta portagem. De facto, de 1953 para 1954 o rendimento aumentou de 16 por cento, de 1954 para 1955, 12 por cento, de 1955 para 1956 25 por cento, de 1956 para 1957 verifica-se um decréscimo no incremento, que ficou só com 12 por cento, e de 1957 a 1958 a subida foi de 8,5 por cento. Isto confirma a previsão formulada num dos estudos preliminares do II Plano de Fomento, onde se admite um rendimento médio de 1000 contos mensais.
Mas que o Governo não esperava tanto, nem coisa que se parecesse, dá-nos fé o facto de no Orçamento Geral do Estado para 1952, primeiro ano do regime de portagem, que, aliás, como se sabe e há momentos deixei perceber, só entrou em vigor passados os dois primeiros meses, havia sido prevista como receita apenas a verba de 590 contos!
A portagem da Ponte Marechal Carmona está em vias de se tornar um bom negócio para o Estado. Podemos, em primeiro lugar, perguntar se aquela portagem continuará indefinidamente - quod deos avertat! -, porque, sendo assim, a bondade do negócio atingirá o grau do exagero. Tenho, com efeito, uma nota fornecida pelo Ministério das Obras Públicas há meia dúzia de anos, sobre pergunta minha, na qual se diz que a perspectiva normal da duração da obra, quer relativamente à sua infra-estrutura, quer à estrutura metálica, implica um encargo de amortização da ordem de 2150 contos anuais. Se o rendimento da portagem tender no sentido em que se encaminha, acrescentando a esta verba outra de 1000 contos anuais, que é quanto atingirá, com bom arredondamento, a conservação, fiscalização e cobrança, pinturas, iluminação, etc., da ponte, vemos que fica uma margem larguíssima entre as receitas e os encargos efectivos, a qual nos faz pensar se o Estado Português, através desta portagem, não se irá aproximando dos senhores feudais que faziam negócio tão rendoso com as portagens nos seus domínios que a Santa Sé teve de expedir uma bula cominando a excomunhão contra aqueles que estabelecessem novas portagens. No entanto, confiamos em que, uma vez reembolsado o Estado do custo da ponte, esta imposição cessará, pois doutro modo ficaria como aquilo a que um grande jornal já lhe chamou - um imposto anacrónico.
Até 1958, calculando os tais 1000 contos anuais de encargos, a portagem rendeu ao Estado 43 000 contos.
Quer: com mais oito ou nove anos, ao nível actual, a ponte estará paga. Esperemos que nessa altura cesse a portagem.
A experiência mostrou a breve trecho que a operação poderia ter sido feita através de uma emissão de títulos amortizáveis por meio do rendimento da ponte. E fácil fazer as contas, pois as tabelas de amortizações andam por aí ao alcance de quaisquer mãos. Na realidade, é fácil verificar que, ao rendimento líquido de 11 000 contos por ano, a taxa de juro correspondente à amortização integral da ponte em 20 anos não seria inferior a 5 1/2 por cento, e se o prazo subisse apenas para 25 anos já a taxa coberta seria 6 1/2 , por cento. Nenhum dos prazos seria longo, e qualquer das taxas de juro seria generosa e aliciante dentro das condições que uma administração hábil e sã soube criar no País.
Já não é compreensível, por tudo isto, que se encetassem fibras como a auto-estrada Lisboa-Vila Franca ou a ponte da Arrábida sem se lançar mão a financiamentos privativos, a garantir por taxas de portagem.
Mais: os factos demonstram que, para as possibilidades dos organismos responsáveis pela conservação das estradai nacionais, era indispensável, teria sido primordial, evitar a concentração de encargos ordinários nessas duas grandes obras.
Porque, procedendo-se como efectivamente se procedeu, nem só a generalidade das estradas nacionais ficou do prejuízo. Um dos recursos a que destarte houve que lançar mão foi um empréstimo de 60 000 contos pelo Fundo de Desemprego, empréstimo que sem dúvida terá cerceado as comparticipações aplicáveis obras locais das aldeias, das vilas, das cidades, cuja utilidade e necessidade para o desenvolvimento e melhoria dos centros rurais nós aqui temos proclamado categoria. Todas estas obras tem estado a sofrer, a ser desfalcadas a favor da construção da ponte da Arrábida, empresa certamente louvável, mas penso que não por este preço.

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Concluo daqui que é necessário ou novas receitas ou, em obras da categoria das a que me estou a referir, enveredar abertamente pelo financiamento antecipado, mediante operações de crédito, cuja amortização seja garantida pelos rendimentos de passagem nessas obras.
A portagem na Ponte Marechal Carmona é tuna chaga viva, ainda mais no amor próprio do que na economia da gente transtagana, porque os primeiros são obrigados a pagar directamente uma obra feita em seu proveito quando de outras de custo comparável os demais se servem gratuitamente. E, contudo, como agradeceram o benefício!
VV. Exas. lembram-se ainda, sem dúvida, do reconhecimento com que foi celebrada a inauguração da Ponte Marechal Carmona, do entusiasmo daqueles que a ela assistiram das manifestações que, quer na sua forma aparente, quer no seu significado profundo, constituíram um dos momentos políticos mais altos dos últimos dez anos.
Eu estive lá, e depois de S. Exa. o Presidente da República ter esgotado o tempo que o protocolo lhe permitia que permanecesse, depois de os Ministros se terem retirado, fartos de ouvir aplausos, ainda tivemos de ficar alguns a guarnecer a tribuna de honra, para que o desfile, que continuava já noite feita, não deparasse com um vazio onde ainda continuava a deixar agradecimentos. Foram, com efeito, muitas horas as que levaram a atravessar a ponte, em gesto de agradecimento, as multidões vindas de todos os confins das regiões servidas pela nova ponte, gente que para fazer o seu cumprimento de gratidão sofreu até fome e frio, a fome dos Farnéis escassos comidos à pressa, o frio da madrugada de regresso. E, contudo, nada disso foi de mais para a grandeza do significado do sucesso de uma administração feliz, que permitiu a realização de uma tão importante obra.
Um grande lavrador da região, pondo-se em pé no seu carro, tirado a quatro, para agitar o seu chapéu freneticamente, em cumprimento galhardíssimo ao Chefe do Estado, no abrir do desfile, simbolizou logo na vivacidade do seu gesto toda a sinceridade da alegria que nos repassava, e esta imagem ainda a guardo na retina como preâmbulo adequado a tão grande manifestação de contentamento.
Pergunto, porém, se seria grande a alegria demonstrada então caso se soubesse que o Governo a quem se agradecia o benefício tinha já preparada a factura do serviço?
E desejável que, quando se inaugurem outras obras da magnitude daquela, se informe desde logo dos encargos a que ficarão sujeitas, ou, pelo menos, daqueles que se prevê sejam necessários aplicar, para não deixar depois nos povos o travor amargo da desilusão.
Já corre pelo Ribatejo, já ali se desconfia, de que, se nau forem abertos à circulação os vários troços da auto-estrada Lisboa-Vila Franca à medida que vão ficando acabados, como há dias aqui sugeriu o nosso ilustre colega Eng.º Calheiros Lopes, é porque isso possivelmente prejudicará a portagem que depois se poderá vir a cobrar, quando a obra for apresentada completa.
Não teria sido preferível, em lugar de impor a portagem na. ponte de Vila Franca, ter-se feito uma operação financeira perfeitamente rendável, como há pouco demonstrei? Não tenhamos hesitação em encarar as taxas de portagem nas grandes obras públicas, mas de forma diferente daquela que tem sido estabelecida. O que se fez em Vila Franca surpreendeu como novidade, depois da ainda recente supressão das últimas portagens em Santarém e no Porto, mas o sistema, desde que destinado a garantir financiamentos privativos, tem plena justificação, segundo os conceitos modernos. Têm feito dele largo uso os riquíssimos Estados Unidos da América, onde em 1955, segundo um estudo da Organização Europeia de Cooperação Económica, havia 1600 km de estradas pagas e exploradas deste modo e planos em curso ou preparados para mais 14 000 Km.
É certo que por lá já se mostram sinais de saturação ante o encargo de portagens, que atingem $60 por quilómetro, em percursos longos, levantando-se vozes no sentido de os Poderes Públicos começarem a pensar em resgatar tais financiamentos; mas isto é em parte, porque ao tráfego se oferecem desvios por trajectos apenas menos bons.
Não é isto motivo, pois, para nos preocuparmos nós outros, visto que as nossas grandes obras não encontrarão competições noutras vias que lhes ameacem seriamente a rendabilidade. Nem é esse o perigo mais grave, pois aquilo que se me afigura menos justo é o facto de o rendimento das portagens não ser aproveitado como auxílio privativo do organismo que tem a seu cargo a construção e a conservação das obras, e nelas consome o que faz falia a todas as nossas outras estradas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Será este o primeiro ponto, e para mim o mais importante e porventura interessante daqueles para os quais quis chamar a atenção de VV. Exas. No entanto, considerando a concentração de esforços que na conservação das vias existentes certamente vai suceder à intervenção do nosso colega Melo Machado, alguns objectivos importantes arriscam-se a ficar durante algum tempo diminuídos nos cuidados que exigiriam. Refiro-me, evidentemente, às novas construções, pois por todo o País há inúmeros troços cuja falta de acabamento está impedindo passagens e comunicações que são a vida dos povos de hoje. A sua paralisação - que, portanto, e sem jogo de palavras nem efeitos de retórica, posso chamar letal, se não mortal - não se pode consentir (apoiados) e em certas circunstâncias talvez se possa evitar, se não pela construção integral das obras, o que seria óptimo, pelo menos pela execução daqueles troços mais difíceis de vencer, que constituam, pela sua falta, os mais sérios obstáculos às comunicações. Refiro-me especialmente em certos traçados à construção de pontes.
Temos visto muitas vezes construírem-se as estradas e acabarem-se e ficarem as obras de arte mais importantes que hão-de vadear os rios, em forma de construção provisória, quando não mesmo é necessário contorná-los em largas digressões.
Tenho algumas vezes perguntado a técnicos distintos, meus colegas de profissão e formação, porque não reconhecem eles que em determinadas circunstâncias, antes da estrada, que poderia ser substituída entretanto pelos caminhos velhos, não se executa a ponte cuja ausência é obstáculo intransponível à ultrapassagem dos elementos naturais que cortam os trajectos, como são os rios? Onde as margens são abruptas ou os vales inundáveis parece-me que a ponte tem de ser a primeira obra a construir. Não agradará às vezes ter de executá-la na incerteza do ponto exacto onde seria a passagem óptima que só o estudo pormenorizado e minucioso de todos os problemas da estrada pode definir, mas valerá a pena, se as construções novas de estradas tiverem de sofrer um adiamento para acudir ao que está feito, considerar-se muito atentamente se em certos caminhos e em certos troços que existem apenas no papel dos planos rodoviários se há-de começar pela terraplanagem e pavimentação

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da estrada, se pela construção de obras de arte que hão-de completar ao menos a utilização sofrível dos caminhos velhos. Para este segundo ponto, que será uma questão de pormenor, mas essencial em muitos pontos, dentro de áreas localizadas, o que interessa...

O Sr. Sebastião Ramires: - Há outros problemas tão importantes como as pontes: são as passagens de nível das estradas cortadas.

O Orador: - Não há talvez nesta sala muita gente que experimente na sua vida habitual atravessar passagens de nível tão ingratas como uma que eu conheço. Sou muito sensível a esse ponto. Mas nessas passagens ainda se passa e nos rios sem pontes não se passa.

O Sr. Sebastião Ramires: - Passa-se mal.

O Orador: - O que estou dizendo é que, perante a grandeza do problema, em certas circunstâncias, a opção terá de ser entre passar mesmo mal e não passar de todo.
Tendo feito, assim, estas duas anotações de pormenor perfeitamente ao jeito de um feitio que só se mede com coisas miudinhas, posso dizer, Sr. Presidente, que tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. António Lacerda: - Sr. Presidente: as simples e rápidas palavras (pie vou proferir devem começar, naturalmente, pelo grato prazer de prestar a minha, homenagem ao autor do aviso prévio, Deputado Melo Machado, por toda uma brilhante acção desenvolvida nesta Assembleia, em que a sua palavra autorizada é ouvida com o maior agrado, até porque a sinceridade e calor que põe na defesa dos altos interesses da Nação têm de ser respeitados por tudo aquilo que representam de defesa do bem comum.
Assim, desde já louvamos a iniciativa tomada pelo ilustre Deputado, que nos dá ensejo de, dizendo alguma coisa sobre n problema em debate, que consideramos do maior interesse nacional pelas repercussões económicas e até políticas em que se enquadra, abordarmos também o caso das estradas do Minho, que, sem merecerem, em boa verdade, ásperas e apaixonadas críticas, são motivo também de ansiedade para as suas populações. E é nosso dever fazermo-nos eco dos seus legítimos interesses quando justos e merecedores de urgentemente serem atendidos.
Há, de facto, alturas em que o Deputado tem, no meio dos aborrecimentos da sua vida pública, algumas alegrias, e essas são. sem dúvida, maiores, grandes mesmo, quando pode levar, ainda que em frases breves e descoloridas como aquelas que consigo trazer ao conhecimento da Assembleia e do Governo, as aspirações de toda uma região maravilhosa na forma como foi dotada pelo Criador e embelezada pela. mão dos homens que aí vivem.
De facto, no Minho há inegavelmente um toque especial da Providência, que no encadear das serras e dos montes, no cruzar dos vales e das colinas, nas margens dos rios e ribeiros bucólicos, quis certamente fazer um altar onde pudessem ter assento as lindas ermidas e capelinhas que por toda a província branquejam e que são expressão da fé segura da sua gente. Mas a gente, essa população abnegada, modelou, ao longo de gerações, um Minho - e Deus me perdoe - em que tanto devemos admirar a criação como a transformação das condições oferecidas, ásperas e duras algumas vezes, nesses monumentos admiráveis que são as encostas e vales trabalhados e embelezados pela mão do homem.
Esta região, que vive de uma agricultura intensiva, nalguns pequenos pontos já bastante evoluída, mas que na maior parte necessita de grandes transformações, e de uma indústria que se apresenta susceptível de rápido e acentuado progresso, pode e deve procurar no turismo uma fonte de receita de grande vulto.
O turismo é directamente capaz de trazer ao Minho tudo aquilo que lhe falta na possibilidade de aumento de nível de vida e, indirectamente, de, pela procura de produtos agrícolas de melhor qualidade, levar a um progresso da agricultura e «educação» do povo - passe o termo como sinónimo de actualização dos conceitos sobre a forma de viver no mundo de hoje.
O Deputado engenheiro Araújo Correia no seu exaustivo parecer sobre as Contas Gerais do Estado para 1958, a que peço licença para me referir, e nunca será de mais louvar a obra magnífica que ele vem desenvolvendo na análise e crítica da forma como são administrados os dinheiros públicos, associa, e muito bem, a estrada ao turismo.
Também os ilustres oradores que me antecederam nesta tribuna puseram de forma tão brilhante esse assunto que tudo que pudesse dizer não seria mais do que repisar um ponto que aliás perfilho inteiramente. Farei somente algumas ligeiras considerações sobre estradas, com a certeza, mesmo assim, de que nada direi de novo.
Os problemas das estradas são, sem dúvida, daqueles que, tanto directa como indirectamente, mais interesse possuem para as populações, pois são factor importantíssimo da sua valorizarão. Rede de estradas densa, dando possibilidade de fáceis comunicações, é parte da infra-estrutura indispensável a novos surtos de desenvolvimento que se traduzem em progresso material. E progresso material palpável e real é aquilo que actualmente mais se procura, é o campo para onde fomos levados e de que não nos podemos alhear, sob pena do deixarmos de acompanhar os tempos em que vivemos. Não esqueceremos que o progresso material não é um fim, antes um meio para podermos atingir um fim mais elevado, que deve nortear todos os nossos passos na procura de um mundo melhor.
Mas, sem dúvida, estradas, estradas boas, são indispensáveis para os tempos de hoje, em que a vida não se compadece com imobilismos.
Ainda me lembro bem, no fim dos anos vinte, quando uma viagem de automóvel era aventura em que as despedidas e as chegadas se faziam tendo em atenção os perigos e canseiras que uma viagem provocava.
Nessa época começou uma grande obra de reparação das estradas, que em dada altura foi legítimo orgulho dos nossos governantes e produto do ambiente que criavam e que o País recebeu bem e aprovou.
Mas esse programa de reparações sofreu depois da última guerra uma sensível quebra de ritmo e notamos, infelizmente, que algumas estradas que já deviam estar em boas condições ainda o não estão e outras que para a sua época já estavam regulares ou mesmo boas podem agora ser consideradas nitidamente más. As verbas para reparações não acompanharam proporcionalmente o agravamento dos custos da mão-de-obra e dos materiais e algumas obras novas absorveram dotações avultadíssimas que em outros locais fizeram irremediável falta, como aqui já foi sobejamente apontado.
Do total das estradas nacionais da província do Minho, 1617 km, que se dividem em 942 km no distrito de Draga e 675 km no de Viana do Castelo, têm sòmente pavimentos aperfeiçoados (alcatrão ou paralelepípedos e cubos) 497 km e 422 km. E assim temos que, em per-

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centagem, há no distrito de Braga 53 por cento de pavimentos aperfeiçoados e 62 por cento no de Viana do Castelo.
Quer dizer que no conjunto da província um pouco mais do que 40 por cento das estradas nacionais são ainda de macadame, pavimento absolutamente impróprio para o movimento, para os meios de locomoção actuais, para o ritmo da vida que boje se leva e para o dinheiro que se investe nos automóveis e camiões que nessas estradas de macadame sofrem um desgaste muitíssimo maior.
Interessa, portanto, apontar que há no Minho uns 57 por cento das estradas com pavimentos aperfeiçoados, mas devemos ver se estes mesmos pavimentos estão em bom estado e se as obras de rectificação feitas, nas curvas, em locais perigosos, ou nas passagens pelas povoações, ou passagens de nível, estão de acordo com as necessidades. Infelizmente não estão em muitos casos, e é preciso ir muito mais além s em ritmo muito mais rápido, na reparação e na rectificação de traçados, para que não se deixe perder a obra meritória que tem sido levada a cabo naquela província e que no seu tempo já esteve bem.
Por culpa das direcções de estradas e dos seus técnicos? Não, estou disso absolutamente convencido, pois conheço bem a dedicação que votam ao seu trabalho e o quanto presam as suas e nossas estradas. Um dos serviços mais antigos das obras públicas nacionais é servido por um torpe de técnicos com enorme experiência adquirida em muitos anos de estudo e de prática e que têm
procurado actualizar-se de acordo com aquilo que se faz por esse inundo além.
Por culpa das verbas, sim. Dessas tão necessárias e parcas verbas que fazem falta em imensos lugares, mas que não foi possível distribuir à medida dos desejos e necessidades de cada um dos serviços.
E é inegável que a Junta Autónoma de Estradas, independentemente de outros males de que possa sofrer e que não estou em condições de analisar, até pela carência de elementos, tem falta, de verbas, vem sofrendo há já bastantes anos de falta de dinheiro pura atender às necessidades.
Já aqui foram focados - e com que primor e elevação! - aspectos gerais do problema, de forma que me reportarei somente à exiguidade rias verbas no caso minhoto, aquele que de momento me ocupa, para acentuar a necessidade da sua ampliação, pelo menos até que chegue aquele dia maravilhoso em que estejam boas. ou pelo menos aceitáveis, todas as estradas nacionais e de interesse turístico da linda província, mas não resisto a fazer umas comparações. E não me anima qualquer sentimento de inveja, desde já declaro.
E, assim, sobre elementos do parecer das Contas Gerais do Estado de 1958, elaborei o quadro em que se comparam alguns dados referentes aos distritos de Viana do Castelo, Draga. Porto e Lisboa, para demonstrar à saciedade que não tem havido critério uniforme na distribuição dos dinheiros que se destinam às estradas, embora ouça dizer que as estradas do Minho são melhores do que as de outras regiões.

[ver tabela na imagem]

Portanto, se por um lado há falta de dinheiro destinado à Junta Autónoma de Estradas, por outro lado ele saiu de lá, parece, com critério pouco uniforme.
O quadro que apresento mostra que a 53 por cento de estradas com pavimentos aperfeiçoados no distrito de Braga correspondem 62 por cento em Viana do Castelo, 83 por cento no Porto e 94 por cento em Lisboa. Os números falam. Os comentários são supérfluos, a não ser para dizer que fora de Lisboa e do Porto também é Portugal e que, se as necessidades da zona da capital e da capital do Norte são grandes, a província também tem incontestáveis direitos. Admito que um trânsito mais intenso exija melhores pavimentos, mas nem tanto! ...
Outros números também curiosos são os que se referem às verbas gastas em conservação e reparação da rede de estradas durante os anos de 1946 a 1958 e durante o ano de 1958, e que indico por quilómetro da rede de estradas por serem assim mais facilmente comparáveis. Viana do Castelo recebeu nesses anos e em 1958, respectivamente, 64,3 contos e 2,8 contos. Braga 70,9 e 4,1. Porto 83,4 e 14,1 e Lisboa 89,8 e 6,7.
Embora admita perfeitamente que, por efeito de um maior tráfego, haja necessidade de uma melhor assistência aos pavimentos, e uns são mais caros do que outros - semi-impermeabilização, cubos, paralelepípedos, etc. -, e sendo certo que nos distritos de Lisboa e do Porto o movimento rodoviário é muito mais intenso, mesmo assim parece-me que são dificilmente compreensíveis diferenças feio acentuadas. Há zonas que parecem esquecidas.
E assim, por exemplo, lembro-me de que no distrito de Urtiga ainda há uma região, e das melhores sob todos os pontos de vista - a região de Basto -, que está, quanto a estradas, num atraso verdadeiramente inconcebível neste ano da graça de 1960.
Tanto os dois concelhos que pertencem à província do Minho - Cabeceiras e Celorico de Basto - como Mondim, pertencente à província de Trás-os-Montes, mas ecologicamente em tudo semelhante ao Minho, não têm dentro do seu termo uma única estrada alcatroada. Sabemos que vão começar dentro em breve as obras da estrada nacional n.º 206, que liga Fafe ao Arco de Baúlhe e dali a Vila Pouca de Aguiar, por Cerva-Ribeira de Pena, num primeiro troço até Gandarela.
Isto já é alguma coisa; mas ainda é muito pouco, se atendermos, sobretudo, ao ritmo lento - se exagero não é por excesso - em que estas obras são conduzidas.
E depois ainda há, e perdoe-se-me que fale agora no assunto, a estrada n.º 304, da Gandarela a Celorico, e a

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n.º 205, do Arco de Baúlhe de Cabeceiras, que são indispensáveis ao estabelecimento das ligações das sedes dos concelhos à n.º 206, que pode considerar-se a espinha dorsal do sistema.
Mas a maior parte do trânsito do concelho de Cabeceiras de Basto faz-se directamente para Braga, e a estrada que liga esta cidade a Cabeceiras, quando entra neste concelho, está, por tremendo acaso, simplesmente horrível.
Olhe-se de facto para essa bela região, das mais características do Minho interior, daquelas onde melhores raízes possuem as tradicionais virtudes portuguesas, onde os homens cultivam com mais completa verdade os sãos princípios que fizeram grande a nossa Pátria, e é difícil ir verificar os sinais daquele rápido progresso que em outras zonas se manifesta.
Dei esta região como exemplo, apontando algumas necessidades, e em outras poderia falar, que também necessitam de amplos investimentos nas suas estradas, até para que de facto sejam as zonas de turismo que devem ser.
Ponte da Barca, por exemplo, e o seu lindíssimo vale do Lima ate ao Lindoso e fronteira, têm uma estrada péssima, que urgentemente precisa de ser olhada com realismo e carinho, para bem das populações que serve e encanto dos numerosos turistas que a demandam.
Paredes de Coura e o seu fero planalto, designado por celeiro do Minho, só se atinge por estradas esburacadas, poeirentas, que é um sacrifício percorrer.
A frequentadíssima e bela estrada que borda o rio Minho, autêntica estrada de turismo internacional em quase toda a sua extensão até Viana, está má, é estreita. Da mesma forma a estrada Braga-Porto.
E tantas outras; Prado-Barcelos, Santa Maria de Bouro-Gerês, Cerdeirinhas-Venda Nova, onde as obras, infelizmente, são feitas em ritmo desesperantemente lento, quando em reduzidos escalões lá chegam.
Disse no começo desta intervenção que não queria fazer ásperas críticas, até porque creio ser suficiente o que já foi dito, embora reconheça que em estradas muita coisa não está bem, desde os perfis, em muitos casos manifestamente desactualizados, aos pavimentos, ligeiros, mal feitos, que um tráfego intenso facilmente deteriora, mas sim fazer-me eco de observações que por toda a parte se ouvem e das impressões que aqui e acolá se colhem.
Quando nesta Assembleia tive a honra de falar sobre o Regulamento das Estradas e Caminhos Municipais, esse regulamento foi-me enviado já impresso, dando ideia de que era facto consumado a sua publicação. As palavras curiosíssimas que precediam o relatório da comissão nomeada, e em que esta o apresentava ao Sr. Ministro das Obras Públicas, exprimiam até a impossibilidade de se ter chegado a soluções menos exactas...
Pois tive o grato prazer, passados uns meses, de verificar que esse projecto de regulamento foi enviado à Câmara Corporativa, com algumas alterações, a fim de sobre ele ser emitido parecer. Vale a pena, portanto, e de boa fé, construtivamente, dizer alguma coisa, pois nem todas as palavras se perdem.
Há um grande plano de viação rural em projecto para atender às necessidades conjuntas de mais de 8000 povoações que ainda não possuem estradas ou caminhos praticáveis por automóveis.
Há a necessidade urgente de construir as estradas nacionais que faltam.
É necessário reparar convenientemente a maior parte das nossas estradas e pô-las ao nível daquilo que hoje se exige para bem-estar dos seus habitantes, fomento dessa grande indústria que é o turismo e também para prestígio do País.
Pense-se quanto nos deixámos atrasar e quanto isso vai custar, imediatamente, no inglório serviço de deitar remendos e tapar apressadamente, buracos.
Que o Governo encaro decididamente o problema são os voteis que formulo, louvando vivamente o autor do aviso prévio pelo magnífico trabalho apresentado e pelo alto serviço que presta ao País.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Belchior da Costa: - Sr. Presidente: aí por 1946, quando tive a honra de, pela primeira vez, ter assento nesta casa, ofereceu-se-me o ensejo de abordar, embora episodicamente, o problema das estradas, se bem que limitado à área do meu distrito.
Essa circunstância, um certo sentido, explica que nesta emergência - eu suba à tribuna para, nomeadamente, me associar, eu diria: ao coro das lamentações, e também aos votos que aqui hão-de ser formulados para que se resolva, na medida do possível, este problema, a que o Sr. Deputado Melo Machado, no seu aviso prévio, chamou exactamente o «candente problema das estradas».
Penso que ninguém poderá negar a oportunidade do aviso prévio que este nosso ilustre e respeitado colega em boa hora anunciou e a cujo debate estamos a assistir, naturalmente interessados e atentos, confiadamente esperançados na resolução desse fundamental problema que está exactamente na base do aviso prévio ou, ao menos, na esperança de que este tenha o mérito, que supomos capaz, de chamar para ele a atenção e as preocupações das entidades responsáveis mais directamente ligadas a esto assunte e às suas naturais implicações.

(Neste, momento assumiu a presidência o Sr. Cota Morais).

Essa oportunidade, em meu modo de ver, advém essencialmente de duas ordens de considerações: a primeira, a reconhecida insuficiência da nossa rede de estradas em relação com a intensidade do tráfego e com as prementes necessidades do nosso crescimento económico, a despeito do muito que neste capítulo se tem feito; a segunda, o deplorável estado em que se encontram a maior parte das nossas estradas nacionais, e também as municipais, estado que é o resultado de factores de vária ordem, mas que, em meu critério, é sobretudo resultante da inadequada técnica de construção dos pavimentos, em relação com as realidades dos tempos presentes, de grande intensidade de tráfego em movimento e em cargas.
Não me deterei na análise do primeiro aspecto da questão, mas, no entanto, não me dispenso de anotar que segundo penso, não possuímos neste momento, e talvez nesse aspecto tenhamos retrogradado, uma legislação adequada à maior e melhor defesa das nossas estradas, por forma, sobretudo, a conseguir e possibilitar e seu alargamento e, por isso, a beneficiação dos seus perfis.
A tal respeito, permita-se-me recordar que o plano rodoviário de .1945 -Decreto-Lei n.º 34 593 - estabelecia zonas de protecção à margem das nossas estradas e continha, entre outras disposições, uma, embora porventura rígida e cruel, que constituía, em meu critério, a melhor defesa das estradas contra aquilo a que chamarei a sua estrangulação. Era aquela que assegurava a manutenção de uma margem non cdificandi aos lados das estradas, de largura variável conformo a sua categoria, dentro da qual ficavam proibidas as construções, pelos menos as construções que constituíssem em-

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pecilho e embaraço para o futuro alargamento das estradas.
Era então Ministro das Obras Públicas o Sr. Eng.º Cancella de Abreu, um dos subscritores desse importante plano e, naturalmente, o seu principal inspirador. 11 eu não posso deixar de lhe prestar aqui a minha homenagem pelo espírito de clarividência que o inspirou na redacção do plano.
Essa zona de protecção ura, ;i meu ver, uma das melhores conquistas do plano rodoviário do tempo; mas, com o andar dos anos, aconteceu que, talvez por razões de humanidade, por transigências com o comum, com certeza (até porque somos naturalmente predispostos a concessões e a transigências), aconteceu, repito, que, por virtude de uma legislação posterior, essa disposição tão salutar tornou-se quase praticamente ineficiente.
Com efeito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, na Lei n.º 2037, que aprovou o chamado Estatuto das Estradas Nacionais, consignou-se, entre outras disposições, uma que me parece afectar, de uma forma muito viva, a eficiência prática daquela disposição do plano rodoviário de 1040, que, estabeleceu a zona de protecção non edificandi. Essa disposição do Estatuto das Estradas Nacionais consubstancia-se no artigo 107.º e dispõe sobre a possibilidade de ampliação ou modificação de construções de qualquer ordem existentes à face das estradas, sem se guardarem as distâncias respectivas, desde que se verifiquem certas condições aí previstas e especialmente desde que o proprietário assuma mediante termo de responsabilidade, registável na conservatória, o compromisso de não exigir indemnização quando porventura a estrada vier a ser alargada e a nova construção que tenha feito vier a ser demolida.
Criou-se assim no registo predial um novo título régistável, a que se chama mesmo «ónus real», mercê do qual e por exercício do qual se tem possibilitado neste país, em. meu critério, o cometimento dos maiores disparates em matéria de ampliação de edifícios e construções junto às estradas nacionais. Digo que foi com certeza por razões de condescendência com o comum, devido ao nosso espírito de transigência, que se permitiu a inclusão deste preceito neste estatuto; mas digo também que ele constitui um entrave grave ao alargamento tão necessário das estradas e, sobretudo, a que esse alargamento se possa fazer sem grandes encargos para o Estado ou até sem nenhum encargo para o Estado, desde que os proprietários, em obras de grande beneficiação dos seus prédios, não pudessem socorrer-se daquela disposição e tivessem de respeitar as zonas de protecção.
É que, Srs. Deputados, o estabelecimento deste princípio coincide exactamente com aquela época em que no nosso país tomou maior incremento o ritmo da construção e, assim, verifica-se actualmente que é raro o casinhoto, que se situava sobre a estrada, que não se tenha transformado numa casa de um ou mais andares, com o estabelecimento de novos ocupantes, e daí de novos frequentadores da estrada. E tudo isso se teria evitado se se mantivessem sem excepção as faixas de respeito previstas no plano de 1945.
Sr. Presidente: será difícil avaliar, do entre a avalancha dos acidentes de estrada, de que se verificam todos os dias no País trágicas amostras, o número exacto de quanto desses resultados trágicos, se devo u fraca, ou pequena largura das nossas estradas... mas não nos é difícil conceber quanto pode essa tragédia, que se avoluma dia a dia com o crescimento da população e o contínuo acesso às estradas, filiar-se na insuficiente largura das nossas vias rodoviárias.

O Sr. Ernesto de Lacerda: - As construções só são possíveis depois de os respectivos proprietários terem feito o registo na competente conservatória, desistindo de qualquer indemnização, no caso de futuro alargamento da estrada.

O Orador: - Já tinha referido exactamente esse princípio. VV. Exa., decerto, não tomou atenção.
Julgo que, precisamente em matéria de construção de estradas, o problema mais instante, para evitar os contínuos desastres que nelas se dão, será promover, da forma mais rápida e, se possível, o mais economicamente para o Estado, o estudo dos seus perfis longitudinais e transversais e a execução imediata da forma desses perfis, e muito principalmente o alargamento dos respectivos leitos, única forma de as adaptar, de alguma maneira, à intensidade e ao volume de tráfego e do trânsito nos dias de hoje.
Mas este foi apenas um apontamento que se quis deixar consignado no sentido de se rever a legislação sobro esta matéria, no sentido de se adaptar essa legislação às conveniências da beneficiação das estradas, em ordem a que dela não resultem motivos de embaraços, mas, pelo contrário, possibilidades de satisfação da instante necessidade de se promover a sua beneficiação e, muito especialmente, o seu alargamento imediato.

O Sr. Ernesto de Lacerda: - Apoiado!

O Orador: - Mas, Sr. Presidente, o que nos ocupa principalmente nesta emergência é exactamente a segunda ordem de considerações a que aludi - o péssimo estado de conservação das nossas estradas. E este deplorável estado é tão visível e clamoroso que não é necessário sublinhá-lo já mais, e, de resto, quando, como aqui foi, pelos oradores que me antecederam, tão evidenciado; e por tal forma que não pode restar à nossa consciência quaisquer dúvidas sobre a necessidade imperiosa de o remediar e de o resolver convenientemente.
Apontou-se, e bem, que o problema é principalmente um problema de dotações. Efectivamente, vem-se verificando, desde há anos a esta parte, que as dotações são insuficientes para acudir a todas as necessidades das nossas estradas.
Penso, porém, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, embora se trate, no fundo, «de um problema de dotações», também se trata de um «problema da forma de aplicar essas dotações». Vemos construir, na generalidade, por maneira que a conservação das estradas não se torna barata nem facilmente praticável, e parece que urge mudar a orientação, prosseguir novos caminhos, construindo por maneira a reduzir ou, se possível, eliminar os grandes custos da reparação. Recordo o velho aforismo que diz que: «Quem se veste de ruim pano, veste-se duas vezes no ano», e penso que, na verdade, nesta matéria não nos temos vestido com o melhor pano. Efectivamente, parece demonstrado que os pavimentos a macadame e mesmo os pavimentos revestidos a betuminoso já não se adaptam, por forma eficiente, a um trânsito intenso e longo e estão continuamente carecidos de obras de reparação. E penso poder trazer aqui a esta tribuna um apontamento, filho da minha observação, que, embora sendo uma verdade que se mo afigura elementar, todavia não terá sido examinada e. sobretudo acolhida dentro dos serviços com aquela atenção e benevolência que, a meu ver, se impunha. Mas, a este respeito, permita-se-me um apontamento mais demorado: em todos os tempos as vias de comunicação constituíram elementos essenciais ao desenvolvimento e ao progresso das terras; mas nem sempre foram esses objectivos aqueles que determinaram a construção das grandes vias de comunicação ou até das vias mais secundárias, se bem que, como é óbvio, a sua existência

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vies se a contribuir para aquele progresso e desenvolvimento.
Houve, com efeito, épocas na história, e com certeza ainda há casos desses, em que se lançaram estradas por motivos de conveniência política ou administrativa, muitas vezes por conveniências de ordem militar e estratégica; mais proximamente aos tempos modernos, por razões de ordem económica, a no nosso tempo também, por motivos ou imperativos de ordem económico-social, nomeadamente em atenção ao desenvolvimento turístico das terras e das regiões.
Assim, por exemplo, no período da dominação romana na Península as estradas constituíram elementos da mais alta importância para se operar com eficiência e continuidade a dominação romana, sobretudo para o trânsito das regiões que vieram dominar a Península.
Essa formidável rede de estradas que desde B orna se desenvolvia pelas Gálias e se ramificava pela Hispânia até à Lusitânia, permitindo comunicações fáceis e tanto quanto possível rápidas (na relatividade das circunstâncias do tempo), foi um dos instrumentos mais poderosos de que Roma dispôs para constituir e manter o seu formidável império.
Por essas estradas se deslocava a pesada impedimenta de guerra e circulava toda a seiva da vida administrativa do grande império.
Uma vez que as vias de comunicação eram essenciais a manutenção da coesão e unidade de tão poderoso império, cuidaram os Romanos de criar uma técnica de construção capaz de ombrear com o valor e importância política desses vitais instrumentos de comunicação e domínio.
Tornaram-se assim grandes construtores de estradas perfeitamente à altura das necessidades do tempo.
Os vestígios que ainda hoje existem na Península dessas históricas rodovias atestam suficientemente o grau do progresso atingido sob o domínio romano no planeamento e construção dessas estradas e pontes, principalmente no que diz respeito à sua implantação, desenvolvimento e pavimentação.
Tanto quanto conheço em relação, por exemplo, ao plano de estradas romanas de Coimbra para norte, principalmente da via militar romana de Coimbra a Gaia e a de Braga a Àstorga, verifica-se, por um lado, que houve a preocupação, quanto à primeira, de a implantar e desenvolver por forma a interessar povoações já então de reconhecida importância como Aeminium, que se supõe ser Águeda, Talabriga, que se crê antecessora de Aveiro, e Lancóbriga, que alguns pretendem identificar com a Feira, e, quanto à segunda, para a desviar do insuperável obstáculo constituído pela serra do Geres (a pesada máquina de guerra dos Romanos e os primitivos meios de locomoção de que dispunham não permitia a utilização de fortes declives), implantaram-na à margem do rio Homem, dando-lhe assim um desenvolvimento suave, de modo a torná-la acessível e praticável.
E quanto ao seu pavimento, numa região rica de granito como era esta, construíram-no em pesadas lajes de pedras capazes de aguentar o intenso tráfego (intenso, claro, em relação a esse tempo) a que tais estradas estavam sujeitas e, bem assim, de modo a dispensar-se ou reduzir-se ao mínimo o trabalho de conservação dos pavimentos.
E tal era a segurança da construção que muitos troços dessas estradas chegaram até aos nossos dias e muitos outros servem anui a de infra-estrutura aos traçados actuais.
Claro que desde há dois mil anos a esta parte as técnicas avançaram enormemente, mas avançaram muito mais os meios de tracção.
Os meios modernos de tracção admitem, sem qualquer embaraço, a utilização de estradas de fortes declives, seja para que peso. forem, e os pavimentos romanos, qua-tal, além de caros, já não se adaptariam com facilidade à roda pneumática, a não ser que fossem mais trabalhados do que comuminente o eram, mas neste caso sairiam caríssimos.
Não carecemos, pois, nos tempos de hoje, de utilizar as técnicas de construção romanas, porque as superámos largamente, mas creio que ainda podemos ir buscar ao exemplo da sua lição alguns ensinamentos, que nos podem ser úteis, sobretudo quanto ao problema da conservação das estradas.
E esse ensinamento será este: construamo-las por maneira a dispensar ou reduzir ao mínimo a sua conservação.
Esta a grande lição que ainda podemos colher desde séculos antes de Cristo.
Sr. Presidente: com o decorrer dos tempos, outros móbiles foram justificando o nosso desenvolvimento rodoviário, como, aliás, em todos os países: necessidades de convivência; intensificação das trocas; numa palavra, desenvolvimento económico e social e até político; em suma, a intensidade da vida moderna, muito principalmente devida ao progresso industrial iniciado no começo do século passado.
Foi a partir dessa época que, por assim dizer, construímos a nossa rede de estradas, se bem que já anteriormente a ela, e logo do tempo dos primeiros reis, dispuséssemos de algumas importantes vias de comunicação, especialmente às que perduraram desde o tempo da dominação românica e se foram adaptando às necessidades das sucessivas épocas.
Com esse progresso coincide a utilização das novas técnicas de empedramento dos pavimentos devidas à invenção do engenheiro escocês Mac-Adam, pelo sistema que tomou o seu nome e depressa se generalizou a toda a Europa, vindo entre nós substituir o velho sistema da chamada «calçada à portuguesa», a que mais tarde, com os pavimentos a cubos de granito e mais aperfeiçoadamente, haveríamos de voltar seguramente, por se ter reconhecido que o sistema macadame é de fácil deterioração, principalmente atentas as nossas condições climatéricas e a grande intensidade do tráfego actual.
Temos, assim, na nossa tradição estradai, não apenas uma lição - a que nos vem dos construtores romanos -, mas uma outra lição muito importante, a considerar e a atender - a que nos vem da nossa própria tradição, da chamada «calçada à portuguesa», a mas adaptável às nossas condições climatéricas (grau de humidade, grandes quedas pluviométricas, etc.) de que o sistema macadame, facilmente vulnerável pelas vicissitudes climáticas e incapaz, só por si, de aguentar a intensidade do tráfego nos dias de hoje.
Inventou-se, entretanto, o seu revestimento a betuminoso, que não há dúvida nenhuma possibilita um pavimento suave e até certo ponto capaz.
A sua conservação, porém, é muito dispendiosa; e assim, continuando nós a ser detentores de bons jazigos de granitos, afigura-se-me que a resolução do problema das nossas estradas, no que diz respeito à sua conservação, está precisamente em regressar-se, com os aperfeiçoamentos, que as novas técnicas permitem, à tradição romanística dos pavimentos de pedra, e mais especialmente à tradição portuguesa dos pavimentos de calçada de pedra - hoje os enquadramentos a cubos de granito.
Bem sei que este sistema produz maior desgaste de pneus e pode admitir-se que vem daí prejuízo à economia nacional, sobretudo se implicar a emigração de divisas; mas esse prejuízo suponho que é bem compensado

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com a economia em despesas de conservação das estradas e, se assim não fosse, nunca devemos esquecer que já produzimos pneus e talvez possamos dentro de tempos auto-abastecermo-nos.
Além de que ó sempre possível por um sistema de beneficiação a betuminoso, do pavimento de granito, torná-lo menos áspero e, portanto, menos ofensivo dos pneumáticos.
O nosso problema principal é realmente o que advém da conservação das estradas.
Eliminadas as causas de desgaste destas, julgo que teremos vencido a principal causa da nossa apreensão.
Perdõem-me os técnicos que eu meta foice nesta seara, mias, assim como aos térmicos não está proibida a política, assim também aos políticos mio está de todo proibida uma, incursão em técnica. Não há cessas atitudes qualquer incompatibilidade.
Ora, Sr. Presidente, penso que abandonamos as boas regras do nosso sistema de construção estradal e quero crer que urge e impõe-se que voltemos a elas, que voltemos ao sistema da calçada à portuguesa, agora muito aperfeiçoada pelo domínio de novas técnicas e constituída hoje pelo sistema do construção de empedramento a cubo de granito, que reputo de óptimo.
Posso dar um exemplo que suponho frisante para demonstrar a conveniência e a necessidade de se tornar, em verdadeira recuperação, a este sistema.
Em 1946, como referi ao defender a necessidade da construção e reparação de algumas estradas do meu distrito, apontei, entre outras, três estradas situadas a norte que então mereceram a minha atenção mais imediata.
Uma delas, a que vai de Espinho a Feira, foi entretanto construída, a cubos de granito; uma outra, que vai de Oliveira de Azeméis a Estarreja, foi revestida a betuminoso; outra ainda, que vai da estrada nacional n.º 1 a Canedo e que em Cinfães toma o desenvolvimento de uma estrada internacional para a fronteira, foi construída a macadame. Pois actualmente a única que está em boas condições é a que foi construída em macadame, digo, em cubos de granito. As outras - uma a caminhar para a ruína o outra em ruína completa.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: -V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Mas é fundamental saber-se qual o movimento de trânsito em cada uma dessas estradas. A mim parece-me estranho que uma estrada de macadame resista mais que uma de granito.

O Orador: - Peço desculpa a V. Exa. mas eu rectifiquei.
Das três estradas a que me referi, a única que es Lu liou é a construída a cubos de granito; as outras estão impróprias.
Mas já que V. Exa. levantou a questão, esclarecerei que a de maior trânsito é, sem dúvida, a que está construída a cubos de granito.
Eu quis, Srs. Deputados, deixar aqui esta nota da minha observação, que me parece realmente útil neste momento, em que se debate o problema das nossas estradas e, sobretudo, o problema da sua reconstrução - modo da sua conservação.
Investimos na conservação das estradas, todos os anos. uma importância sempre superior às dotações para construção, e já não há motivo para isso. Compreende-se que no começo da nossa reconstrução estradai a conservação absorvesse mais quantiosa verba do que propriamente a construção, mas, após a ingente caminhada que fizemos para a reconstrução das nossas estradas, já se não justificava que, ainda hoje, aquelas dotações tenham de ser assim divididas.
Torna-se por isso urgente reduzir os encargos com a conservação para de preferência se destinarem as dotações à solução dos problemas da construção.
E para tanto torna-se absolutamente necessário cuidar dos pavimentos, por forma a que a conservação seja fácil e barata.
Fica à consideração do Governo e de VV. Exas. este apontamento de que penso a respeito deste importante assunto.
A nossa tradição ensina-nos que se deveria utilizar, de preferência, a calçada a cubos de granito, único sistema que possibilitará reduzir ao mínimo as despesas de conservação das estradas.
Sr. Presidente: não queria tomar muito tempo a VV. Exas., mas não quero também deixar de fazer um apontamento a respeito da rede de estradas do meu. distrito e da sua insuficiência e incapacidade, a começar pela estrada nacional n.º 1, do Porto a Lisboa, no troço que atravessa o distrito de Aveiro, onde se acham muitas deficiências, que carecem de ser urgentemente remediadas, e a terminar na estrada nacional n.º 109, do Porto à Figueira da Foz. Sei que se trabalha intensamente nalguns pontos na reparação daquelas, mas há troços dessas estradas que necessitam de ser imediatamente rectificados, anomalias que precisam de ser desfeitas para que as estradas possam cumprir a sua função útil, nomeadamente no que diz respeito à cidade de Aveiro e sua periferia, onde se torna urgentíssimo modificar por completo o traçado da estrada Porto-Leiria, que passa por Aveiro e Figueira da Foz, por forma a dar a Aveiro as possibilidades de acessos por que anseia há muitos anos e de que, infelizmente, ainda não dispõe por forma conveniente.
Outras estradas, possivelmente do menor movimento, mas de igual importância, precisam de ser reparadas, tendo-se em vista que a região a que me refiro è uma das de maior densidade de população do País e uma daquelas em que se está desenvolvendo com maior intensidade o nosso crescimento económico.
Precisam, nomeadamente, de urgentes reparações e beneficiações as estradas nacionais n.ºs 109, 222, 223 e 224.
Aqui deponho, pois, o pedido ao Governo para que não deixe de olhar com benévola atenção para a rede de estradas do meu distrito, por forma a torná-la compatível com a importância, riqueza e progressivo desenvolvimento da região.
Não me demorarei na análise do problema do turismo em relação com o das estradas, ruas não deixarei de sublinhar aqui umas considerações postas em relevo tão judiciosamente no parecer das Contas Gerais do Estado pelo nosso ilustre colega Sr. Eng.º Araújo Correia, naquele ponto em que precisamente afirma o princípio do nosso desenvolvimento turístico em relação com o nosso desenvolvimento estradal.
É que, efectivamente, o turismo em Portugal está a fazer-se de uma forma que passou a merecer a nossa maior atenção e que, como já foi dito e redito, constitui hoje uma das fontes principais das nossas divisas. Mas as massas de turistas que nos visitam não vêm, nor-

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malmente, daqueles sectores que poderemos considerar o grande turismo, mas mais da classe média, com possibilidades mais reduzidas, que, utilizando muito os seus automóveis, e portanto as estradas, nem por isso utilizam tanto os hotéis, mas sim mais acampamentos e parques de campismo. A este respeito, o que importa é dar-lhes boas estradas, facilitar-lhes os acessos conveniente, estabelecer parques de acampamento e campismo em todos os pontos, onde uma curiosidade artística, um facto histórico, um apontamento monumental, uma nota de paisagem, justifique e possibilite o acesso das correntes turísticas internacionais até nós.
Sr. Presidente: pode dizer-se que a reconstrução material do País após o movimento triunfante do 28 de Maio começou pelas estradas, então em total estado de abandono e completa ruína. Lembro-me bem, nesses ominosos tempos, a aventura que representava viajar de automóvel, então raros, ou mesmo de carro de cavalos, pelos atoleiros das nossas estradas.
Viajar era uma coisa tão aleatória e tão incerta e insegura que o problema que se punha à hesitação de cada um ao empreender uma viagem era apenas este: se chegaria ao destino, pois já tinha como certo, antecipadamente, que não saberia quando...
Havia zonas do meu distrito em que se tinha de abandonar o leito da estrada e galgar com os veículos por cima dos terrenos marginais, por cima dos campos, dos matos, utilizando-se muitas vezes meros caminhos vicinais, por impraticabilidade das estradas.
Havia pontos em que frequentissimamente os carros se atolavam nos lodaçais, e de tal maneira que para os safar se solicitava o socorro da junta de bois do lavrador mais próximo; e estas cenas eram tão frequentes que já havia lugares onde os bois estavam continuamente a postos para estes serviços de rotina. O espectáculo não era só pitoresco; era também dramático e colocava-nos numa situação vergonhosa perante nós próprios e perante os estrangeiros que eventualmente se atrevessem a viajar no País.
O pior de tudo, porém, é que tal estado de coisas constituía forte entrave ao nosso desenvolvimento económico. A circulação não se fazia. As comunicações por estrada não eram mais do que uma saudade para os velhos e uma aspiração longínqua para a gente nova.
Não era apenas a esclerose das artérias; era a sua ruína. Um caos.
Foi a partir dessa verdadeira desgraça nacional que se empreendeu a grande obra da reconstrução das nossas estradas, talvez, ao tempo, a primeira necessidade dentre tantas a que tínhamos e tivemos de atender.
Tarefa gigantesca; para a levar a efeito houve que criar-se tudo: os órgãos convenientes, o pessoal, o material, os meios financeiros.
Começou-se assim, logo em Julho de 1927, por se criar a Junta Autónoma de Estradas e possibilitar-lhe os meios técnicos e financeiros para empreender a longa, penosa, mas triunfante caminhada.
Ao comemorarem-se, em 1952, as bodas de prata desse benemérito organismo já se tinham gasto então em construção e conservação de estradas e pontes, no continente e nas ilhas, quantias que somavam cerca de 4 milhões de contos.
A obra fora imensa. Ufanava-se o Governo nacional de a ter levado a efeito; e pode dizer-se que esta vitória foi o melhor cartaz para o Regime se popularizar e a Administração se acreditar perante a Nação.
Sem se querer dizer que neste capítulo tudo se tivesse feito, ou mesmo que nalguns casos ou pormenores se tivesse feito pelo melhor (talvez se não tivesse previsto com a largueza de visão necessária o enorme incremento que ia tomar em poucas décadas o trânsito rodoviário e a necessidade da adaptação das estradas, em seus perfis, ao tráfego automóvel e às dimensões e velocidades dos respectivos veículos), certo é que o que se fez representa uma obra imensa, que só por si bastava para prestigiar a Administração que a empreendeu e levou a cabo.
Mas, Sr. Presidente, bastou que nos anos transactos se afrouxasse nas dotações à Junta Autónoma de Estradas para logo se verificar acentuado decréscimo no ritmo de construção e, sobretudo, acentuada decadência no que diz respeito à conservação das estradas.
E este aspecto é tão alarmante que justificou que nós o viéssemos apontar, pondo-o à consideração do Governo, por forma tão imediata quanto urgente é a sua resolução.
Estamos, felizmente, neste capítulo muito longe, muito acima, do que se passava em 1926; mas neste andar, se se não acode às nossas estradas, rapidamente, urgentemente, até pelo recurso ao crédito, arriscamo-nos a cair numa situação parecida com aquela donde partimos, agora agravada pelas cada vez mais prementes necessidades do tráfego.
Será para aí que caminharemos se não deitarmos a mão ao problema. Ou então não nos poderemos ufanar de ter vencido o problema das estradas.

(Reassumiu a presidência o Sr. Albino dos Santos dos Santos).

É, pois, necessário começar de novo, de uma ponta a outra, com tenacidade, com perseverança, com fé.
Mas - porque não? - a vida é um constante renovar, cadeia sem fim de esperanças e de ilusões; se estas fenecem, logo aquelas se reanimam e revivem no coração dos homens como chama votiva ao superior desígnio de Deus. Tenhamos, pois, esperança.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: está grandemente facilitada a minha missão de encerrar este debate, pela simples razão de que não ouvi, entre todos os oradores que subiram a esta tribuna, uma palavra discordante do problema que aqui apresentei.
Foram todos os meus ilustres colegas que subiram a esta tribuna para discutir o meu aviso prévio tão gentis, tão cativantes e tão amáveis, nas expressões que quiseram ter a generosidade de me dirigir, que me deixaram verdadeiramente confundido.

O Sr. Silva Mendes: - Fomos apenas justos!

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - A verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que, quando um dia, que infelizmente não virá longe, deixar de fazer parte da Assembleia Nacional (não-apoiados), levarei no meu coração a sensação gratíssima de ter tido sempre em todos os meus colegas mais do que colegas, amigos, e todos de uma gentileza excepcional. Agradeço, pois, a VV. Exas. a generosidade com que me trataram.
Ao trazer aqui este problema tenho a certeza absoluta de trazer uma questão essencial, uma questão de fundo na nossa Administração. Por isso me arrisquei a tomar algum tempo a esta Assembleia, mesmo neste conturbado fim de sessão, para encarecer perante o

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Governo a necessidade absoluta de dar urgente solução ao problema das estradas.
O Sr. Engenheiro Amaral Neto, nosso ilustre colega, falou aqui das portagens e dos sistemas que se adoptavam por esse mundo fora na solução deste problema. E já antes disse que, se me fosse possível sonhar com n solução azada ao passo dado em frente e para o futuro, lembraria que há por esse mundo várias empresas cuja função, dispondo elas de capitais e técnica apurada e apetrechamentos moderníssimos, é fazer auto--estradas, que são as estradas que servem efectivamente para a circulação automóvel.
Suponho, Sr. Presidente, que não estaria fora das nossas possibilidades, e que seria efectivamente uma solução inteligente a adoptar, esse processo de construção, que nos permitiria dar um largo passo no sentido do progresso e da solução mais que necessária desse problema, tornado neste momento tão cruciante e palpitante pela situação em que nos encontramos. Perceberam VV. Exas., se não todos, pelo menos alguns, um grito de alarme de Castro Daire. Embora tenha procurado no meu aviso prévio não descer a minudências de uma necessidade repartida pelos diferentes distritos - bem me bastou considerá-la em globo -, não queria que os de Castro Daire, que tiveram o trabalho de nos mandar aquela representação, dirigida, aliás, creio que o Sr. Presidente do Conselho ou ao Sr. Ministro das Obras Públicas, e sobretudo aquelas fotografias tão impressionantes, tivessem a sensação de ter perdido o seu trabalho e o seu tempo enviando-a aos componentes da Assembleia Nacional. Espero convictamente, Sr. Presidente, com esperança arreigada, que as nossas palavras não serão perdidas e que efectivamente alguma solução se dará a este problema.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quando pus perante VV. Exas. a questão, tal como a pus, na demonstração de que as estradas rendiam o suficiente para poderem ser consideradas com a generosidade que elas impõem, quis demonstrar que, fazendo o Estado tantos sacrifícios, procedendo a tantas despesas que não têm nenhuma correspondência, bom era que olhasse com especial carinho e atenção, não só pelo facto de ser absolutamente indispensável, porque as estradas são a base em que assenta a possibilidade de circulação de toda a nossa economia, mas que reparasse também que essas estradas pagam generosamente o dinheiro que nelas se investe e, por consequência, não tem o Estado a desculpa que pode ter para outros assuntos em que não provo com a largueza indispensável os orçamentos.

, meus senhores, como vai a hora muito adiantada, vou ler a VV. Exas. a moção que mando para a Mesa:

Moção

«Efectivado o aviso prévio sobre o problema das estradas nacionais;
Considerando ser de primacial importância, para o desenvolvimento económico do País, incremento de turismo e comodidade das populações, a reparação urgente das estradas em precário estado e a construção das que ficam e estilo prevista» e classificadas;
Considerando que, não obstante os grandes rendimentos que as estradas produzem, não são adjudicadas à sua construção e reparação as verbas indispensáveis:
A Assembleia Nacional emite o voto de que o Governo faça um esforço extraordinário no sentido de, com a maior brevidade, se completar a rede rodoviária nacional e se proceder à completa e eficiente reparação das estradas que de tal necessitam.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador fui muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Está encerrado o debate sobre u aviso prévio acerca das estradas apresentado pelo Sr. Deputado Melo Machado.
Como VV. Exas. ouviram, o Sr. Deputado Melo Machado, no final da sua intervenção, apresentou uma moção em que sintetiza as aspirações da Câmara sobre a matéria. Vou, por isso, pôr à votação a moção apresentada.

O Sr. Melo Machado: - Peço a palavra sobre a maneira de votar.

O Sr. Belchior da Costa: - Sr. Presidente: eu teria muito honra em assinar a moção que acaba de ser apresentada, de modo que, se V. Exa. me desse licença, iria assiná-la.

O Sr. Presidente: - Pode V. Exa. assinar a moção. O Sr. Deputado Melo Machado pediu a palavra sobre a maneira de votar?

O Sr. Melo Machado: - Queria propor que quem aprovasse SB levantasse e quem rejeitasse ficasse sentado.

O Sr. Presidente: - De acordo com a proposta do Sr. Deputado Melo Machado, vou pôr à votação da Câmara a moção que foi lida.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Melo Machado: - Requeiro que fique consignado no Diário que a moção foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Ficará registado no Diário que a aprovação foi feita por unanimidade.
Vou encerrar a sessão. Já ontem anunciei à Câmara que Jogo à tarde haverá sessão para discussão na especialidade do projecto de lei do Sr. Deputado Camilo de Mendonça.
Está encerrada a sessão.

Eram 13 horas.

Sn. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino Teixeira da Mota.
Carlos Coelho.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João de Brito e Cunha.
João Maria Porto.

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27 DE ABRIL DE 1960 781

João Mendes da Gosta Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Pereira Jardim.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro
José Rodrigo Carvalho.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Gosta Evangelista.
Manuel Cerqueira Gomes.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Tito Castelo Branco Arantes.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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