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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 174
ANO DE 1960 28 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 174, EM 27 DEI ABRIL
Presidente: Ex.mo Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
Samário: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia.-Deu-se conta do expediente.
Foram aprovados os n.ºs 170 e 171 da Diário das Sessões.
O Sr. Presidente comprimento que recebera Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 42 929.
O Sr. Presidente referiu-se ao 32.º aniversaria da entrada do Sr. Prof. Oliveira Salazar para a Governo da Nação.
O Sr. Deputado Sá Linhares solicitou a construção no porto de Leixões de um cais para a descarga dos haréns da pesca da sardinha.
O Sr. Deputado Urgel Horta pedia mais uma vez a restaurarão da Faculdade de Leiras do Parto.
O Sr. Deputado Franco Falcão requereu vários elementos sobre electrificação rural.
O Sr. Deputado Neves Clara falou sobre o álcool de figo.
O Sr. Deputado Augusto Simões ocupou-se da actividade do Instituto Nacional do Pão.
O Sr. Deputado Calheiros Lopes solicitou a restauração da comarca de Benavente.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na especialidade e votação do projecto do lei sobre remunerações, acumulações e incompatibilidades dos administradores dos certas empresas.
Foram aprovados, com noras redacções, os artigos 3.º e 4.º
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutes.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:.
Adriano Duarte Silva. Afonso Augusto Finto.
Agnelo Orneias do Rego.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Finto dos Beis Júnior.
Américo Cortês Finto.
André Francisco Navarro.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Gaiteiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António- Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires,
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
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Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
Tose Gonçalves de Araújo Novo.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Fuleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 40 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Do tenente Abel Rebelo a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Cerveira Pinto no debate do aviso prévio sobre as estradas.
O Sr. Presidente: - listão em reclamação os n.ºs 170 e 171 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado pedir a palavra, considero aprovados os referidos números do Diário.
Enviado pela Presidência do Conselho, e para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 90, 1.ª série; de 18 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 42 929, que introduz alterações nos quadros do pessoal do Instituto de Biologia Marítima e do pessoal civil do Ministério da Marinha, constantes do mapa I anexo ao Decreto-Lei n.º 41 518.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: completasse hoje 36 anus da entrada do Sr. Presidente do Conselho para o Governo da Nação. É um aniversário que não podia passar despercebido no seio da representação nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Pode afirmar-se com verdade que a ascensão de Salazar ao Poder marca um momento histórico na vida política do Pais. Foi aquele momento em que a Revolução encontrou o seu verdadeiro chefe.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Foi aquele momento em que as aspirações do Exército, pondo em movimento o 23 de Maio, eram as aspirações da Nação e em que encontraram o sen definidor e intérprete autêntico e que deu consistência e estabilidade ao pensamento político da Revolução Nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Uma tal data não podia ser ignorada pela Assembleia Nacional e nunca o tem sido.
Graças a essa ascensão do Doutor Oliveira Salazar ao Governo da Nação, o País pôde, durante este largo período, gozar de paz. de tranquilidade e de ordem, que lhe permitiram soerguer-se do abatimento e da prostração em que o tinham lançado as estéreis lutas políticas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O' Sr. Presidente: - Durante este período muitos acontecimentos se passaram na Europa e no Mundo, tendo nós assistido ao desenvolvimento de formas políticas que pareciam dominar por largo tempo o mundo das Meias; no espaço ascenderam ovantes, no firmamento astros que pareciam destinados a iluminar por muitos anos a cena política do Mundo, e, no entanto, o seu crepúsculo foi mais breve e efémero que a sua ascensão.
Salazar, com a sua prudência, com a sua sabedoria e a sua identificação, com os interesses superiores e o modo de ser do País, consegue atravessar todo esse período e permanece, dando-nos a certeza de que a Revolução continua e que o destino do Estado Novo continua a estar em boas mãos e a dar-nos esperança firme de que os objectivos políticos que estiveram na base do movimento do 28 de Maio se vão atingindo progressivamente e hão-de ter plena realização!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - A Assembleia Nacional nem sempre pôde ter estado em questões acidentais de pleno
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acordo com o Presidente do Conselho. Ela pode ter tido momentos em que a inquietação e a irrequietude congénita à instituição parlamentar não terá merecido a aprovação do Presidente do Conselho. É, todavia, de salientar que, não obstante a grandeza da figura moral e política do Presidente do Conselho, cuja extraordinária projecção domina o País, ela tem conseguido não embaraçar nem coarctar a consciência política da Assembleia Nacional.
Neste momento a Assembleia Nacional tem o dever - e estou certo de que o cumpre gostosamente - de se inclinar respeitosamente perante o Presidente do Conselho e de afirmar que, apesar das suas críticas e discordâncias, tem sabido sempre apreciar devidamente a figura, a todos os títulos notabilíssima, do Doutor Oliveira Salazar. É que essas críticas, ainda que vivas, e essas discordâncias supõem sempre, indiscutível e inatingido o homem que é a expressão do Regime e dos anseios da Nação.
Suponho interpretar os sentimentos da Assembleia Nacional apresentando ao Sr. Presidente do Conselho os respeitos da Assembleia e os nossos votos de que viva muitos anos e possa continuar a dispensar aos superiores interesses do País a sua grande inteligência, os seus sacrifícios e a sua devoção patriótica.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr: Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Sá Linhares.
O Sr. Sá Linhares: - Sr. Presidente: ninguém desconhece a posição de alto relevo que ocupa na economia nacional a indústria da pesca da sardinha.
Cerca de 330 traineiras, tripuladas por mais de 12 000 pescadores, levam diariamente às lotas do País unia das maiores riquezas das águas que cobrem o nosso planalto continental.
Nos últimos anos, graças à renovação da sua frota, as quantidades de sardinha e de espécies similares por ela capturadas têm atingido números que traduzem e evidenciam o valor daquela riqueza.
A produção na safra de 1959 foi de 169 360 t, que, vendidas nas lotas dos nossos portos, renderam a importante quantia de 432 408 contos.
Não deixaria de ter certo interesse, neste momento, fazer a análise dos números relativos às safras dos últimos dez anos, mas, não se tornando indispensável incluí-la nos considerandos que desejo fazer, limitar-me-ei a frisar que em 1950 o preço médio da sardinha vendida nas lotas foi de 3$80 por quilo e que em 1959 esse preço foi de 2$77.
Temos assim, Sr. Presidente, que, ao contrário do que sucedeu a todos os produtos alimentares, a sardinha não só não os acompanhou na sua vertiginosa subida de custo, como ainda baixou de l$03 em cada quilo.
Se considerarmos que nas outras espécies, como o carapau, o chicharro e a cavala, os preços se mantiveram sensivelmente iguais e que apenas o consumidor os pagou mais caros, não podemos deixar de concluir que existe uma enorme série de intermediários que vivem desta importante indústria.
O Sr. Augusto Simões: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Augusto Simões: - Só queria afirmar que a sardinha chega à nossa província -onde, como V. Ex.ª sabe, é o prato da resistência da nossa gente rural -, a um preço exorbitante em relação ao que V. Ex.ª acaba de referir, talvez pela mecânica da organização dos intermediários. Assim, as populações rurais pagam muito cara a sardinha que consomem e não têm poder económico para suportarem uma elevação dos seus preços.
Não ó que não haja a mais alta consideração por aqueles que se sacrificam nas difíceis e perigosas tarefas da vida do mar, mas a verdade é que as nossas populações rurais é já com extremo sacrifício que pagam o preço que exigem nas feiras e mercados os negociantes, que nem sempre fornecem o peixe nas desejadas condições.
O Orador: - Eu apenas queria frisar aqui o valor que a pesca representa para a economia nacional. Mas também há o seguinte: 50 por cento da sardinha é para consumo e os outros 50 por cento são para conserva, e a indústria das conservas paga a aos preços que acabo de dizer.
A sardinha e o carapau em fresco, que ainda há poucos anos não iam além das povoações situadas ao longo do nosso litoral, vão agora aos mais distantes e recônditos lugarejos da nossa, província, graças às novas estradas que se construíram e ao desenvolvimento da camionagem.
Assim, além dos pescadores da sardinha, contam-se por milhares os trabalhadores que vivem da actividade da sua frota. São os milhares de operários e operárias das fábricas onde a sardinha é transformada em conservas, que constituem uma das nossas mais importantes exportações. São os operários dos estaleiros onde as traineiras são construídas ou reparadas. São os compradores da lota. que a revendem. São, finalmente, os vendedores ambulantes de sardinha, entre os quais se destaca a popular varina, que, percorrendo, com os seus tradicionais pregões, as ruas de Lisboa, a leva a casa de ricos e de pobres.
O Sr. Ferreira Barbosa: - A verdade - e não me queixo do preço - é que temos de considerar que a indústria marroquina possui há muitos anos a sardinha por metade do preço da indústria portuguesa.
O Orador: - E qual tem sido o êxito das conservas marroquinas?
O Sr. Ferreira Barbosa: - Têm tido êxito.
O Orador: - Não é isso que me consta. Houve um ano em que a indústria marroquina se colocou quase acima da indústria portuguesa, mas no que se refere ao consumidor estrangeiro a indústria marroquina não compete em qualidade com a nossa.
O Sr. Ferreira Barbosa: - Mas o que é certo é que vende a sardinha mais barata do que nós.
O Orador: - Sr. Presidente: esta importante riqueza, que é explorada nos mares da nossa costa, é levada, como já disse, para os vários portos do nosso litoral, mas o que ocupa, entre todos, o primeiro lugar é, sem dúvida alguma, o porto de Leixões.
Neste porto entram diariamente mais de um cento de traineiras, que ali descarregam a sua pescaria.
Não se coutam apenas as que fazem parte da sua moderna e eficiente frota.
A concentração de fábricas de conservas liem apetrechadas e de grande capacidade de laboração, aliada a uma importante organização de empresas que compram e vendem peixe para o consumo, leva também ali numerosas traineiras registadas em outros portos.
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Assim, cerca de 50 por cento da produção de toda a frota da pesca da sardinha é desembarcada todos os anos nu porto de Leixões.
Em 1959 a quantidade de peixe descarregado pelas traineiras que ali aportaram foi de 86 736 t, que renderam 211 715 contos.
Por todas estas circunstâncias, o porto de Leixões é hoje o maior porto sardinheiro não só de Portugal, como ainda de toda a Península.
O Sr. Ferreira Barbosa: - De todo o Mundo.
O Orador: - No entanto, Sr. Presidente, quem tenha um dia assistido naquele porto à descarga de peixe e ao funcionamento da sua lota não podo deixar de lamentar o que ali se passa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O peixe é transportado das traineiras - que se encontram fundeadas a certa distância de terra - em bateiras e chalandras, que procuram varar em locais perto da lota.
Os pescadores vão junto delas carregar os seus cabazes, serviço este que, na maior parte das vezes, é feito com água pela cintura. Carregados os cabazes, os pescadores dirigem-se com eles para o local da lota, tendo para isso de percorrer uma rampa cheia de limos, que lhes provocam os mais variados acidentes, como bacias fracturada, esmagamento de costelas, entorses, etc.
O Sr. Urgel Horta: - Acidentes muito graves que lá se têm verificado muitas vezes.
O Orador: - A área de que dispõe o actual porto de Leixões paru os serviços de descarga da sardinha e da lota ó de cerca de 18 000 m2.
Neste redimido espaço encontra nisso, por vezes, mais de 20 000 pessoas, que, acotovelando-se e gritando oferecem um espectáculo nada dignificante para o nosso país.
O Sr. Urgel Horta: - Já afirmei isso aqui várias vezes.
O Sr. Ferreira Barbosa: - Há necessidade de um porto de pesca.
O Orador: - Sr. Presidente: a situação que acabo de descrever é insustentável. Não ignoro a boa vontade do Governo em dotar aquele centro piscatório com um porto de pesca à altura da sua grande importância.
Desde lia muito que é reconhecido por ele a necessidade da sua construção. Contudo, dificuldades de toda a espécie têm impedido projectá-lo em condições que satisfaçam iodos os requisitos necessários a um porto de pesca com o movimento do de Leixões.
O relatório final preparatório do II Plano de Fomento, depois de apresentar aquelas dificuldades, anuncia que as obras a executar terão como base um sistema de descarga de peixe que não obriga as embarcações a acostarem.
O referido sistema consiste em descarregar o peixe por meio de bombas que o aspiram do barco e o lançam em tanques colocados em terra.
É afirmado naquele relatório que este sistema tem sido aplicado com os melhores resultados em vários portos do Mundo, incluindo até alguns do nosso ultramar.
Sr. Presidente: com a devida vénia para os técnicos que forneceram tal informação, não posso deixar de anotar que é minha convicção que, se tal sistema fosse aplicado em qualquer dos nossos portos sardinheiros, ele teria muito pouco tempo de vida.
As fábricas, que absorvem mais de 50 por cento da produção total desta espécie e que a transformam a uma das mais apreciadas conservas de todo o Mundo, seriam as primeiras a repudiar a sardinha desembarcada em Leixões, que levaria todas as embarcações a abandoná-lo.
O sistema preconizado poderá apresentar grandes vantagens quando se trate de peixe com destino ao guano ou a farinação, mas para a sardinha, cuja escama é protegida pelos nossos pescadores até ao momento de a apresentarem nu lota paira ser leiloada, ele contribuiria, sem qualquer dúvida, para a sua total desvalorização.
O Sr. Ferreira Barbosa: - V. Ex.ª tem inteira razão lias considerações que acaba de fazer. Aliás, modestamente, eu já o fiz sentir uma vez.
O Orador: - Sr. Presidente: tive há pouco tempo informação de que as obras projectadas de acordo com o relatório do II Plano de Fomento não terão já execução.
Vai proceder-se a novos estudos para se encontrar uma outra solução para tão importante problema.
Faço votos por que, desta vez, para evitar mais delongas na execução de tão importante e inadiável obra, não deixem de dar a sua colaboração naquele estudo todos os organismos e entidade a quem possa interessar o assunto.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Brito e Cunha: - Só V. Ex.ª me dá licença, Sr. Presidente, eu desejava apenas corroborar as afirmações que o Sr. Deputado Sá Linhares produziu e dizer também que as condições do porto de pesca de Leixões estão longe de ser aquilo que todos desejaríamos, mas não queria deixar de dizer uma palavra a respeito dos esforços que têm sido tentados no sentido de resolver o problema.
Sabe V. Ex.ª, como, aliás, o afirmou, as condições particularmente difíceis em que tem sido desde há longos anos a esta parte estudado o problema do porto de pesca ...
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Sá Linhares já acabou o seu discurso. V. Ex.ª não pode ...
O Orador: - Pedi a V. Ex.ª, Sr. Presidente, licença para corroborar as afirmações feitas pelo Sr. Deputado Sá Linhares e acrescentar uma achega e dizer que num sempre as soluções se encontram com as facilidades que todos desejaríamos.
Foi projectado o porto de pesca a sul do molhe sul de Leixões. Razões de ordem urbanística levaram a pôr de parte esta solução. O que eu queria dizer é que sei que os serviços técnicos da Administração dos Portos de Douro e Leixões estão empenhados em encontrar a melhor solução.
O Sr. Sá Linhares: - Eu não ignorava absolutamente nada daquilo que acaba de dizer o Sr. Deputado Brito e Cunha.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sá Linhares: V. Ex.ª já tinha acabado as suas considerações.
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O Sr. Sá Linhares: - Era um segundo apenas, para dizer que nada do que acaba de afirmar o Sr. Deputado Brito e Cunha é desconhecido.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: volto hoje a usar da palavra em intervenção que, embora curta, é no seu objectivo, a repeti-lo clara de matéria que um diversas sessões da Assembleia Nacional e em vários períodos tem sido justo motivo de considerações devidamente fundamentadas, traduzindo a defesa de uma causa: a causa da restauração da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Não é novo para quantos me ouvem, nem mesmo para o País, que me escuta, este problema, que tanto vem preocupando o meu espírito, o qual se reveste de alta projecção e de bem reconhecido interesse nacional.
E, embora muitos pensem que há exagero na classificação dada ao problema, posso afirmar que a sua resolução é inerente e está perfeitamente ligada à prática doutrinária do nacionalismo puro, sentido, patriótico, dentro da nossa tradição, que vivo e sinto como aqueles que o vivem, o sentem e o proclamam com a maior sinceridade e intensidade.
E, dentro desse espírito, tenho feito com vivo entusiasmo a defesa dos estudos clássicos, dos estudos histórico-filosóficos, numa época em que a própria técnica, dominando realidades da hora presente, reconhece a falta e a necessidade desses estudos ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... sorno necessário contributo a dar ao indivíduo, cultura em nível que deve caber-lhe dentro das exigências actuais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É velho, na verdade, o problema da restauração da Faculdade de Letras da universidade do Porto, problema cuja solução se impõe, posto à consciência da Nação, em cuja defesa tenho gasto uma soma de energias compatível com as possibilidades de que disponho, empregando meios legítimos para ser concedido ao velho burgo, grande cidade de historial, largo e brilhante nas artes, nas letras e nas ciências, esse instituto de cultura humanística e filosófica, cuja extinção resultou de um conjunto de circunstâncias ocasionais, enfermando de um erro de princípios, hoje inteiramente reconhecido por muitos daqueles que assim o pensavam, agora participantes da falange numerosa que se empenha em tão almejada restaurarão.
Sr. Presidente: orgulho-me de sor homem que não perde a fé em Deus, nem nos princípios em que fui criado e educado. Posso, assim o julgo, cumprir o meu dever, lutando, sem desfalecimentos, em favor das cansas humanas e justas, iluminado por esse clarão bendito, estímulo, incentivo generoso e fecundo, para quantos encaram a vida não apenas sob o aspecto material que os domina, mas bem dentro de conceitos baseados na moral inerentes à razão e à justiça, muna afirmação constante e sentida de supremacia do primado do espírito.
E nesta afirmação vai a confissão sincera do meu pensamento, a que a fé empresta todo o magnífico fluido da sua virtude, removendo montanhas e aproximando o homem de Deus, dando-me ânimo e alento para persistir na missão de defesa que ao meu espírito se impôs: a restituição ao Porto da sua Faculdade de Letras, instituto que durante os curtos anos da sua existência realizou obra notabilíssima de educação e de cultura, rememorada a cada instante, numa afirmação de justiça, pela intelectualidade portuguesa, sem distinção do credos ou de ideologias.
Restaurar a extinta Faculdade é dar ao Porto e à Universidade o complemento reconhecidamente indispensável, pelo qual, tanto e tão bem, o sen corpo docente vem pugnando.
O seu magnífico reitor, que ocupa lugar especial no domínio da cultura, cientista ilustre, investigador apaixonado e brilhante, mestre que tem enobrecido e honrado a escola que o formou e a cátedra que ocupa, com o apoio unânime dos seus pares, dos alunos e dos diferenciados sectores da actividade intelectual do Porto, nos seus relatórios e em exposições dirigidas ao Ministro da Educação Nacional demonstrou eloquentemente como é profundamente sentida a falta dos estudos clássicos na preparação da mocidade. E assiste-lhe toda a razão quando afirma que se torna urgente remediar semelhante estado de inferioridade perante institutos da mesma categoria.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Muito bem!
O Orador: - As Faculdades de Letras e de Filosofia ocupam lugar- cimeiro em todas as Universidades, porque são, Sr. Presidente, a cúpula que completa, fecha e engrandece a abóbada desses estabelecimentos, onde se ensina e se pratica o estudo dos mais altos problemas que surgem à humanidade desde os tempos mais remotos.
São as Universidades, na complexidade da sua alta função, reserva e fonte de comando, onde as gerações vão buscar os elementos formativos que caracterizam dirigentes e construtores a utilizar na vida e na governação dos povos.
A Universidade do Porto, compreendendo bem a missão que lhe compete e em que está investida, cumpre integralmente, não olhando a sacrifícios, essa missão, utilizando no caso em litígio o Centro de Estudos Humanísticos, largamente frequentado, dirigido pelo professor ilustre que é o Dr. Luís de Pina, para assim nos tempos que atravessamos proporcionar cultura e educação humanística, que tão necessária se torna à mocidade, dentro dos cânones aconselhados pela experiência alicerçada em ensinamentos colhidos através de uma boa formação clássica.
Bastaria a citação demonstrativa do que vale e do que representa o Centro de Estudos Humanísticos para justificar plenamente a restauração da Faculdade, pedida e reclamada, como fonte espiritual e educativa das gerações de hoje e das gerações vindouras.
Estas, assim o demonstram, não poupando sacrifícios materiais bem pesados, de alta valia, indo frequentar outras Faculdades, superlotadas na sua frequência, procurando longe do seu lar e fora do seu meio os conhecimentos que a Universidade do Porto lhe não pode conceder pela falta tão sentida da sua Faculdade e Letras e Filosofia.
A nosso lado olhemos a vizinha Espanha, com história brilhante, passado de heroicidade e de grandeza, atestado pela sua extraordinária actividade intelectual e espiritual e ainda por realizações materiais de altíssimo valor, de que são testemunho eloquente os seus monumentos, história, ciência e arte, confundidas em relíquias do passado, perto das quais florescem, em toda a sua pujança, estabelecimentos de cultura e de investigação clássica, onde mestres eminentes exercem o seu magistério.
São as Faculdades de Letras cérebro que domina a vida do espírito, tão necessária ao ensino universitário, não esquecendo a meditação do passado nas lições e nos conceitos do presente.
O Porto orgulhosamente reivindica o direito que lhe assiste de voltar a possuir a Faculdade que tanto soube
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honrar e dignificar o seu labor intelectual. Nada lhe falta que possa entravar o seu anseio, a sua mais premente aspiração; na ocasião presente, negar-lhe é praticar uni erro psicológico, erro grave, até porque essa restituição, essa restauração, tiraria nos aniversários do Regime uma arma de ataque que eles manejam com proveito, colhendo do facto ilações inteiramente contrárias à doutrina que defendi-mos, com base no nacionalismo que praticamos.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: -V. Ex.ª dá-me licença?
Pelo que respeita ao Porto, que aqui representamos, nós, os do Porto, pelo que se refere à instrução superior, temos de ser sempre pela tradição de Passos Manuel.
O Orador: - Possui o Porto todos os elementos indispensáveis no normal funcionamento de uma Faculdade de Leiras. Não necessito recorrer aos repetidos argumentos básicos de intervenções anteriores, já tão numerosas, visto essa argumentação ser tão clara que jamais sofreu desmentido sério.
Sr. Presidente: tem-se propalado que não seria do agrado das Universidades a restauração da Faculdade de que me estou ocupando. A meu ver, não existe qualquer motivo com base demonstrativo dessa hostilidade, podendo confessar, dentro de toda a verdade, que muitos dos mais destacados valores dessas mesmas Universidades veriam com simpatia esse acto de justiça, restaurador de uma Faculdade que no espaço curto que viveu, dez anos, é recordada com admiração e com louvor por figuras eminentes das letras que a não frequentaram e que afirmam publicamente «que ela frutifica mesmo depois de extinta».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Outro farto apontado como razão e motivo para manter o estado actual é a falta de mestres competentemente preparados para tão alto encargo.
E eu ouso acerca desse facto fazer aqui uma pergunta :
Mas então nessas gerações contínuas de rapazes, que obtêm com alta classificação a sua licenciatura, não existem valores que possam vir a ser candidato sérios ao desempenho de uma função docente, dignos continuadores dos mestres que tiveram?
Não acreditamos no vazio de que alguns falam, porque nada se passa de semelhante em Faculdades que conhecemos.
Julgo, o sou bem acompanhado no meu juízo, não serem em número ímpar os catedráticos que presentemente ensinam nas Faculdades de Letras. Se assim é, essa responsabilidade cabe aqueles que pretendem viver em circulo fechado, como se a ciência fosse monopólio do alguns s seus únicos detentores os mestres actuais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Fazer escola é obrigação e virtude que cabe as Universidades, preparando para a vida e para o professorado os mais capazes, os que hajam dado melhores provas do seu real merecimento. E a mocidade que frequenta as Faculdades de Letras não é diferente nas suas qualidades e virtudes da que frequenta os outros departamentos universitários.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É ali, na diferenciação normal de estudos, que reside o futuro da Nação, não podendo con-
ceber-se que em tantas gerações de moços niïo possam selecuiouar-se valores positivos, novos valores, para substituir nas suas Ui-refns os vtlhos. qu« não são eternos.
'Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E o exemplo magnífico dado pela Faculdade de Economia do Porto é significativo e há que pô-lo em evidência no paralelismo do que pode suceder com n restauração da extinta Faculdade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: depois do que acabo de expor em ligeiro apontamento, permita-me que dó aqui testemunho de quanto admirei e apreciei uma atitude de grande beleza, que o acaso colocou há dias sob os meus olhos, atitude de inteiro apoio ao restabelecimento da Faculdade de Letras, pelo qunl venho lutando.
O Prof. Fidelino de Figueiredo, mestre eminente no estudo e no culto das letras pátrias, pensador, filósofo e crítico, cujo merecimento é reconhecido e admirado através das múltiplas facetas da sua vultosa obra, grangeando-lhe o prestígio que atingiu e desfruta, magnífico espírito enriquecido o dominado por problemas da mais reconhecida transcendência filosófica, fez há dias um depoimento notubilíssimo na sua espontaneidade e no seu .significado, que muito nos apraz trsizer neste instante ao conhecimento da Assembleia Nacional.
No Diíifio Jluntrndu. na secção de artes e letras, um sCírculo Aberto», como inquérito acerca da existência em alto nível de unia filosofia portuguesa, exprime-se o consagrado mestre, em certo passo da sua longa e autorizada resposta, da fornia que passo a ler:
Assunto mais realista parece-me o da existência ou inexistência de uma filosofia portuguesa. Vejo com toda a simpatia e o mais vivo aplauso u ansiosa revalorização dos esquecidos pensadores portugueses- esquecidos ou mal julgados. Muitos dos nomes agora tra/idos ao primeiro plano da dis-c-us.são crítica são portuenses; e os seus paladinos provêm do Porto e du sua extinta Faculdade de Letras, que assim frutifica mesmo depois de extinta.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:
A presença de uma brilhante geração de pensadores e críticos de filosofia dessa proveniência justifica só por si, a meu juízo, o restabelecimento da Faculdade. E se há autodidactas entre os filósofos estudados e os seus intérpretes críticos, isso apenas demonstra n vocação filosófica da gente do Porto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:
Agora mesmo saiu um grande livro de Amorim de Carvalho, autodidacta e portuense, acerca de Pereira de Sampaio (Bruno), também autodidacta e portuense. Mais um argumento a favor da restauração da Faculdade: servir impulsos espontâneos de curiosidade intelectual de um grande ambiente de trabalho e riqueza.
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Este depoimento, feito por uma figura de tão alta categoria intelectual, com reconhecida projecção nos centros científicos do Ocidente, tem perante a tese que venho defendendo uma importância capital e uma valorizarão que não precisa ser encarecida.
Vozes: - Muito bera, muito bem!
O Orador: - Honra, seja devida ao mestre Fidelino de Figueiredo, que tão dignamente e com tanta propriedade manifestou a sua valiosa opinão perante o renascimento da Faculdade de Letras do Porto, problema votado ao esquecimento em certos sectores, mas tão lembrado e tão acarinhado pelos que amam a cultura clássica e sentem com pesar a falta desse ambicioso centro de ensino e de cultura.
Sr. Presidente: ao terminar as considerações que acabo de fazer, novo e sentido apelo dirijo ao Governo, pedindo se debruce sobre problema de tanta magnitude R de tão grande interesse para o Porto e para a cultura, ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -... restituindo à sua Universidade a Faculdade de Letras, hoje indubitavelmente a mais premente aspiração da cidade e do Norte do País. E se assim suceder, dando ao velho burgo a sua Faculdade, terá o Governo solucionado um problema de cultura, que, envolvendo delicado problema social e político, dará à boa gente do Norte forte motivo de agradecimento, tão expressivo como sincero.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Franco Falcão: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Considerando que o problema da electrificação, no seu tríplice aspecto de produção, distribuição e consumo, é daqueles que mais decididamente pode influir na evolução e melhoria dos meios rurais, na pulverização de pequenas e grandes industrias e na marcha do progresso geral do País, requeiro que, ao abrigo do estatuído no artigo 96.º da Constituição Política e com vista a poder habilitar-me para uma possível e oportuna intervenção, me sejam amavelmente fornecidos pelo Ministério da Economia os seguintes elementos:
1.º Número de freguesias electrificadas no distrito de Castelo Branco até 31 de Dezembro de 1959, com referência especificada à denominarão da freguesia ou localidade e concelho a que pertence;
2.º Quais as freguesias ainda não electrificada até àquela data;
3.º Indicação especificada dos encargos o quantias que cada uma das freguesias electrificadas ou a electrificar teve ou terá do suportar para sua electrificação;
4.º Se existe elaborado ou está em estudo algum plano destinado a acelerar o ritmo de electrificação geral da província da Beira Baixa;
5.º Quais as empresas concessionárias do fornecimento de energia eléctrica em cada um dos concelhos daquela referida província o data dos respectivos contratos;
6.º Qual a data em que a Hidroeléctrica Alto Alentejo se propõe dar início à anunciada construção de uma nova cabina transformadora na zona da estação dos caminhos de ferro e do liceu da cidade de Castelo Branco, com vista a melhorar não só as condições da rede distribuidora de energia eléctrica, mas ainda a permitir o a facilitar a valorização estética de uma encantadora cidade em pleno movimento de expansão e progresso».
O Sr. Neves Clara: - Sr. Presidente: se nem sempre é fácil a função de Deputado, podemos afirmar que é honrosa, na medida em que pode servir os legítimos interesses, ao interpretar os anseios, mostrar as preocupações dos que nos escolheram seus representantes políticos.
E quando os problemas a defender se prendem com as modestas, mas honradas, economias do nosso povo e nos colocam defensores dos mais pobres, é com orgulho que erguemos a nossa voz a proclamar justiça dos seus direitos, a chamar a atenção dos responsáveis e a pedirmos a palavra dos Governos para que a confiança seja restabelecida.
Sr. Presidente: ha ansiedade, há amargura e há desânimo no seio de 15 000 pequenos proprietários, verdadeiros servidores da terra, que, num fatalismo ancestral, têm dedicado de há centenas de anos para cá os seus trabalhos de modestos lavradores à produção de figo, matéria-prima, por força legal, usada no fabrico do álcool.
Muito embora u cultura da figueira se pratique de norte a sul do País, numa parte do Alentejo (regiões de Moura, Mourão, Serpa, Vidigueira, Gavião, Nisa e Portalegre), nas Beiras (regiões do Fundão, Castelo Branco, Penamacor e Idanha), em Trás-os-Montes (regiões de Mirandela, Valpaços e Vila Flor) e ainda no Douro (regiões de Foz Côa, Tabuaço, S. João da Pesqueira e Murça), a verdade é que ela assume a maior importância no Algarve e no Ribatejo.
No Algarve a figueira ocupa lugar de relevo na economia agrícola regional, mas só metade se destina a fabrico do álcool, porquanto a outra metade tem colocação no mercado e em espécie para consumo humano.
No Ribatejo, em que a produção atinge o alto valor de 1 200 000 arrobas de figo, só na zona que a Portaria n.º 10 174, de 1942, classifica de região de Torres Novas e abrange os concelho de Torres Novas, Santarém, Tomar, Alcanena, Abrantes, Golegã, Vila Nova de Ourem, Barquinha, Constância e Entroncamento, sem contarmos o figo produzido em Chamusca, Almeirim e Coruche, podemos encontrar como base da grande parte da sua economia agro-pecuária a cultura da figueira.
Sr. Presidente: antes do Decreto n.º 12 214. de 1926, as aguardentes de figo produzidas em milhares de destilarias concorriam com as aguardentes vínicas e naturalmente criavam as mais legítimas preocupações u nossa vitivinicultura.
Fixado o seu destino para fabrico do álcool por aquele e outros documentos legislativos, é em 1942 demarcada pela aludida Portaria n.º 10 174 a região de Torres Novas e requisitado todo o seu figo para o fabrico de álcool; em Abril de 1958, e em resultado das exigências do consumo, estabeleceu a Portaria n.º 16 656 que a requisição anteriormente limitada fosse aplicada a todo o País.
O problema regional foi levado à escala nacional depois de o Decreto-Lei n.º 41 276 ter estabelecido doutrina sobre o assunto, reconhecendo a interdependência entre as economias álcool eira e vitivinícola, criando o Conselho Técnico do Álcool e incumbido a Junta Nacional do Vinho de proceder à concentração industrial,
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através da instalação de unia rede de destilaria cooperativas.
Era este o panorama do problema até u publicação da Portaria n.º 17 624, de 16 do corrente, em que se municia a criação de uma comissão destinada a procurar outras matérias-primas para o fabrico de álcool.
Não está no nosso espírito a discordância com o Ministério da Economia, no sentido de que se procure obter álcool mais barato. Na nossa linha de preocupações encontram-se os problemas de concorrência que a adesão a Associação Europeia do Comércio Livre vem criar à economia nacional. Devemos ainda observar que, mesmo sem essa razão presente, entendemos que o objectivo da nossa produção deve ser orientado na obtenção dos melhores preços para os produtos fabricados, quer seja o álcool, adubos, combustíveis, etc. Louvemos o Sr. Ministro da Economia pela intenção revelada e não lhe neguemos o nosso apoio.
No entanto, isso não impede que chamemos a atenção, embora esclarecida, de S. Ex.ª para a situação em que fica a economia de uma região, que somada à de outras fará a economia nacional, e a quem Deus não deu benefício de dotar de terrenos capazes de diferentes culturas agrícolas de rendimento sofrível. O lavrador regional não insista em que o figo seja destinado a álcool; só deseja do Governo, que em 1957 considerava acção útil a constituição de uma rede adequada de destilarias cooperativas (das quais duas estão em laboração e com pleno êxito) e que lhe deve garantias de continuidade para a sua exploração agrícola, o aconselhe e o oriente na busca de soluções para colocação do produto que as suas canseiras e o seu trabalho vem extraindo da terra.
O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!
O Orador: - O agricultor que, por política sugerida pela Administração, aderiu à solução cooperativa, pelas débeis condições de exploração das suas pequenas empresas agrícolas, fica surpreendido e preocupado pela suspensão de construção de uma destilaria que já fora dada de empreitada e a quem facilmente convenceram do benefício, pelo exemplo das duas que já funcionavam.
Parece-lhe que, se houve necessidade de uma comissão para buscar novas matérias-primas para fabrico do álcool, também não era menor a necessidade de criar unia outra comissão para lhe indicar o destino que deve dar ao seu figo, por forma que as conclusões que fossem adoptadas entrassem simultaneamente em execução.
Sr. Presidente: nós também não ignoramos que o consumo do álcool subiu extraordinariamente nos últimos anos.
A crise de excesso verificada em 1954, com reservas de 5 000 000 l de álcool, passámos à crise de carência dos nossos dias. O consumo de álcool, que nas campanhas de 1953-1954, 1954-1955 e 1955-1956 oscilava à volta de 6 500 000 l atinge em 1956-1957 o volume de 7 400 000 l, em 1957-1958 o de 8 500 000 l e em 1958-1959 o máximo de 9 053 648 l.
Por desconhecimento do problema, recusamo-nos a tirar conclusões, mas não podemos deixar de acentuar a coincidência de ter sido simultâneo o aumento do consumo do álcool o aumento do preço do vinho. Com efeito, o preço do vinho, que nos anos de menor consumo de álcool andava abaixo dos 40$, sobe em 1957-1958 para 43$80 e em 1958-1959 atinge 64$31, por duplo decalitro.
Admitindo a coincidência, e não querendo atribuir o consumo a fins menos legítimos, como o do vinho designado por «vinho a martelo», pois que não duvidamos do maior escrúpulo na passagem de requisições de álcool, confirmamos mais uma vez a necessidade da procura de outras matérias-primas que possibilitem álcool mais barato, porquanto já se verificou a insuficiência do figo para abastecimento do mercado nacional, e não consideramos impossível a nossa presença nos mercados internacionais.
No entanto, também não ignoramos que é da maioria dos países a preocupação de evitar o alcoolismo e o estabelecimento de um leque de preços em que se possa encontrar álcool barato j ia rã as indústrias aconselhadas e álcool caro para o consumo humano ou pura indústrias ricas, de que, como título, se costuma citar as da perfumaria.
Em Portugal, o caso também foi considerado, e é do nosso conhecimento ter o Conselho Técnico do Álcool, por recurso às sobretaxas cobradas pela Junta Nacional do Vinho, encarado a possibilidade de colocar álcool no mercado com várias ordens de preço, tendo em conta a sua aplicação, conforme se destine a fins domésticos ou industriais.
Se seguirmos a política mundialmente adoptada, não duvidamos de que o álcool do figo possa ter colocação certa, dado que o custo é susceptível de melhoria, por o valor da matéria-prima só em pinico mais de 50 por cento contribuir para a formação do preço. Além disso, o preço no mercado é fixado lendo em atenção razões de higiene, sanidade e moralidade.
O problema é demasiado complexo e não se pode conter com intervenções deste tipo. Procurámos esquematicamente dar uma ideia dessa complexidade e do desânimo de produtores modestos a quem o Governo, em 1945, reconheceu os méritos e fez uma promessa em documento escrito que assim reza: «O sacrifício que se impõe no momento presente não pode, porém, deixar de ser registado de forma bem marcada e não deixará igualmente de ser considerado sempre que haja de ser encarado o problema do álcool».
Talvez por conhecimento deste facto, o engenheiro Amaral Neto fez ao Governo a pertinente pergunta que consta do Diário das Sessões n.º 170, pois que o problema do álcool está novamente a ser encarado com desconhecimento da promessa, som a presença dos produtores de figo, que só na região demarcada são 15 000, e com a presença dos industriais, que no continente são 4.
O Sr. Melo Machado: - Muito bem!
O Orador: - £ n conhecimento dos problemas da minha região que me obriga, com a maior lealdade, de espírito aberto e coração ribatejano, a trazer aqui o que vai na alma da maioria dos que lá mourejam pelo pão nosso de cada dia, um trabalho de devoção pelas coisas da nossa terra.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É o respeito por uma economia agrária de uma zona do País que desconhece o grande latifúndio, pois que 40 por cento da totalidade da sua população é contribuinte do Estado em propriedade rústica e urbana, numa manifestação de mediania que desejaríamos ver alargada a todo o País; finalmente, é o desejo de colaborar com o Governo, especialmente com o Ministério da Economia, ao serviço do qual se encontram as magníficas qualidades do engenheiro Ferreira Dias, a quem aproveito para render as minhas homenagens.
Por isso me atrevo a pedir à Administração que, além de contemplar os casos a que aludimos, revogue a determinação que suspende a construção das destilarias cooperativas, para restabelecimento da confiança que todos querem ter e da qual comungo, crente no
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princípio de que na nossa doutrina é a economia que serve o homem, e não o homem que se subordina a essa economia.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: -Sr. Presidente: na sessão extraordinária de 2 de Junho do ano findo requeri que, pelo Ministério da Economia, mu fossem fornecidos os elementos necessários ao conhecimento oficial da actuação do Instituto Nacional do Pão.
Motivara esse meu requerimento a necessidade de me documentar sobre o nosso regime de panificação, ao qual ouvira, e tenho continuado a ouvir, fazer as mais acerbas críticas, referindo principalmente a sobrevivência do condicionalismo artificial do tempo da guerra, no qual a qualidade do pão que nos era fornecido e a sua quantidade sofriam das naturais restrições de uma economia de excepção.
Apesar de já terem passado quase, doze longos meses, os elementos que pedi ainda me não foram fornecidos, o que me permite a suposição de que a tal organismo da coordenação económica não interessa muito dar a conhecer os pólos da sua actividade.
Creio, Sr. Presidente, que não só este organismo, como ainda todos aqueles que representam criações da economia de cunho necessariamente dirigente da última guerra, que parece terem conseguido o precioso dom da imortalidade - e penso também na Comissão Reguladora, das Moagens de Ramas, tão notória e infelizmente, perene- sabendo-se pouco desejados, e até pouco adaptados nos mandamentos corporativos do nosso regime, deveriam ter o maior empenho em nos fazerem a demonstração da sua irrecusável utilidade, antes de se escudarem no conjunto de princípio excepcionais à sombra dos quais nasceram para imporem as suas vontades com verdadeira obscuridade de informações.
Este Instituto Nacional do Pão emergiu do Decreto-Lei n.º 26 890, no sombrio Agosto de 1936, e nunca gozou dos favores da aceitação geral.
Por muitos é acusado de ter trocado ostensivamente a sua missão especifica, que se supunha ser a de estruturar em termos racionais as relações entre a lavoura, a moagem e a panificação, estabelecendo planos de trabalho e de renovação que correspondessem às necessidades nacionais, libertando-nos das nossas muitas deficiências e permitindo-nos comer pão de qualidade semelhante ao que é fornecido nos restantes países europeus, por uma outra missão ou carreira, puramente técnica, tornando-se a breve trecho notável ornamento da fiscalização e repressão, quer estatal quer gremial, com as quais concorre avantajadamente.
Muito lamentam, por isso, os que muito esperavam das possibilidades coordenadoras deste organismo de coordenação, que, ao fim de 24 anos de existência - para o ano não faltará a sessão comemorativa e o banquete assinalador do quarto de século de vida -, ainda se lhe não tivesse tornado possível efectivar, em moldes aceitáveis e em termos da maior utilidade para o País, a harmonização dos direitos e interesses da moagem e da panificação, que tom vivido inquinados por desnecessária artificialidade.
Queixa-se e lamenta-se a panificação -e os seus argumentos são impressionantes- de que do Instituto Nacional do Pão nada de construtivo tem recebido, além de uma fiscalização aturadíssima e presidente, sempre pronta a punir e a autuar, sem distinguir as culpas próprias das muitas culpas alheias.
Queixa-se e lamenta-se a panificação de que, muito embora haja apresentado as mais expressivas reclamações contra a impropriedade do horário único de trabalho que lhe foi imposto e do seu defeituoso mandamento, este continua inalterado, a despeito de estar amplamente reconhecida a sua inconveniência; queixa-se do condicionalismo imposto ao forneci mento das farinhas, que não permite aos industriais a livre escolha dos fornecedores, tendo por isso de sujeitar-se aos maus fabricos, sem qualquer possibilidade de defessa; queixa-se, da própria qualidade da farinha, a que as incorporações de cereais diferentes; alteram profundamente a constituição específica, e queixa-se principalmente do panorama de profundo arcaísmo em que vive a própria indústria.
Ora, perante tantos e tão importantes problemas, tem estado inoperante, ou agindo ao arrepio das conveniências, o Instituto Nacional do Pão.
E não se pode explicar porquê ...
Pelo que concerne ao panorama de empirismo anacrónico hoje vigente, que já o era entre as muitas gerações do passado, e por via do qual a panificação parece desconhecer completamente as exigências da vida dos nossos dias ao fornecer-nos um pão de qualidade inferior, cumpria ao Instituto ter actuado há muito no sentido da tão necessária evolução da técnica.
É o seu próprio estatuto que lho impõe expõe expressamente, no artigo 8.º
Sem embargo, tem andado este organismo arredado ou esquecido de tão importante missão, e, assim, alienou nina parte, e das mais valiosas, da justificação da necessidade da sua sobrevivência.
É que, pela sua veterania e posição, os valiosos organismos corporativos da lavoura e da moagem que são a Federação Nacional dos Produtores de Trigo e a Federação Nacional dos Industriais de Moagem estão perfeitamente à aluíra de resolver e equacionar os seus grandes problemas dentro das directrizes que o Governo entenda dever fornecer-lhes.
Desta sorte, fica ao Instituto Nacional do Pão uma larga margem de possibilidade de se dedicar ao estudo do melhoramento da técnica da panificação e à assistência aos respectivos industriais, a quem deverá estimular e encaminhar no melhor sentido.
Sei, Sr. Presidente, que no seu estado actual são de muito tomo os problemas referentes ao provimento dos cereais panificáveis e ao fabrico do pão.
Ouvi referir muito mais artificialidades e desencontros do que aqueles que deixo esboçados ... e todos eles me causaram a mais profunda das estranhezas.
Como me não foram fornecidos os elementos que pedi ao Ministério da Economia, não posso avaliar do inteiro cabimento das muitas queixas que mo foram formuladas.
De qualquer maneira, o que não sofre contestação é que no País- se está a consumir pão de qualidade muito inferior àquela que deveriam ter os tipos aceitáveis de tão indispensável alimento básico. Se compararmos o nosso pão com o pão de que dispõem os outros povos europeus, a diferença ó verdadeiramente decepcionante ...
O facto mostra a necessidade de uma imediata e criteriosa revisão do sistema vigente, que permite semelhantes anormalidades.
Estamos perante um problema que interessa a todos os sectores da vida nacional; é por isso que venha chamar para ele a atenção do Governo, pedindo que lhe seja dada sem tardança a solução de conjunto que impõem os altos princípios de justiça da Revolução Nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Calheiros Lopes: - Sr. Presidente: estão quase a terminar nesta sessão legislativa os trabalhos desta Assembleia. Porque se trata de um assunto que requer solução justa e urgente, permita-me V. Ex.ª que não deixe passar a oportunidade de falar num problema que há muito me preocupa, que reputei do maior interesse e que constitui, há largos anos, uma das aspirações mais palpitantes e vivas de uma vasta região - dos povos dos concelhos de Salvaterra de Magos e do Benavente, que abrangem, além destas duas vilas, as povoações de Marinhais, Muge e Foros de Salvaterra, no primeiro dos concelhos referidos, e do Samora Correia, Santo Estêvão, Barrosa, Foros, Biscainho e Porto Alto, no segundo.
Refiro-me, Sr. Presidente, à restauração da extinta comarca de Benavente.
Na verdade, os dois concelhos indicados ocupam uma situação privilegiada no Ribatejo, e as suas sedes, quase ligadas, a menos de 5 km de distância uma da outra, com bons meios de comunicação, formariam, como outrora, uma importante comarca, sem prejuízo para as de Coruche e Vila Franca de Xira, onde, por motivos hoje inexistentes, foram há anos integradas, e antes com evidentes vantagens no que respeita ao descongestionamento dos serviços, cuja sobrecarga é sobejamente conhecida.
Os serviços judiciais em Vila Franca melhorariam extremamente com tal alívio, porque, sendo esta actualmente uma comarca de 2.ª classe, tem mais movimento que algumas de 1.ª, o que obriga a um esforço quase sobre-humano do pessoal, que somente consegue dar vazão aos serviços em serões permanentes e prolongados.
Quanto à comodidade e interesses imediatos dos povos, as vantagens da restauração da comarca de Benavente avaliam-se facilmente por estas breves considerações: as duas vilas, Salvaterra e Benavente, que distam entre si apenas pouco mais de 4 km, ficam à distância das suas actuais sedes comarcas - Coruche para a primeira e Vila Franca para a segunda - respectivamente de 26 km e mais de 20 km. E ao passo que nas circunstâncias presentes as pessoas que têm de recorrer nos serviços judiciais, tanto os habitantes do concelho de Salvaterra como os de Benavente, são forcadas a percorrer as indicadas distâncias com viagens dispendiosas, mal servidas de transportes colectivos e, no Inverno, como ainda este ano se verificou, com o trânsito muitas vezes dificultado pelas inundações das estradas. Desde que seja restaurada a comarca de Benavente, tornar-se-á extremamente fácil o recurso aos tribunais, pois esta vila é centro geográfico da área que engloba os dois concelhos e que dispõe do 24 carreiras diárias de camionetas, metade em cada sentido, podendo ainda, como com frequência se verifica, a distância entre as duas vilas (os 4 km citados) ser facilmente percorrida em bicicleta ou mesmo a pé.
A comodidade dos povos e o próprio interesse da justiça reclamam, pois, a restauração desta comarca, para a instalação de cujos serviços -tribunal, secretaria, etc. - os Paços do Concelho locais dispõem de acomodações condignas e suficientes.
Se formos apreciar o movimento actual do julgado municipal de Benavente, verificamos que ele justifica de igual modo a medida proposta. E o desenvolvimento, tanto populacional como económico, sempre crescente, dos concelhos de Salvaterra e Benavente, importantes centros de produção agrícola e de uma nascente e esperançosa actividade industrial, reforçam os motivos expostos, que estou certo, influirão no Governo para a satisfação do que com tanta justiça se pede.
Intérprete dessa aspiração, a Câmara Municipal de Benavente dirigiu há tempos a S. Ex.ª o Ministro da Justiça uma exposição, subscrita pelas forças vivas de
todo o concelho - e apoiada igualmente pela Câmara Municipal e actividades e organismos de Salvaterra-, em que se desenvolvem os motivos acabados de resumir e de que peço licença para dar conhecimento a esta Assembleia dos tópicos essenciais.
Depois de recordar que a comarca de Benavente, antiquíssima, foi extinta pelo Decreto n.º 13 917, de 9 de Julho de 1927, a exposição acentua que, vivendo durante largos anos sob um signo de adversidade, de que a própria extinção da comarca parece mais uma prova, Benavente como que entrou a recompor-se e tem visto realizados em todo o concelho importantes melhoramentos. Assim se conseguiu fazer chegar também a esta terra o surto renovador que o País deve ao Estado Novo e é obra já agora inegável da governação de Salazar.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Certa, agora, de que poderá ir mais além, Benavente apresentou então à douta apreciação do Sr. Ministro da Justiça essa sua muito elevada aspiração: a restauração da comarca.
A extinta comarca de Benavente era constituída pelos concelhos de Salvaterra (com as freguesias de Muge, Marinhais e Salvaterra) e de Benavente (com Samora Correia, Santo Estêvão e Benavente). Presentemente, encontram-se integradas na comarca de Coruche as freguesias do concelho de Salvaterra e na de Vila Franca de Xira as do concelho de Benavente.
Sede e centro do concelho de Benavente e vizinha de Salvaterra de Magos, a vila de Benavente está em condições privilegiadas para ocorrer aos interesses dos dois concelhos. A 4 km de Salvaterra, Benavente tem assegurada a ligação com aquele concelho por três carreiras de camionetas: a de Muge, a de Marinhais e a de Coruche.
Pelo contrário, é bastante custosa e difícil a deslocação da gente de Salvaterra à sede da sua comarca actual, Coruche, porque a distância é incomparavelmente maior e a única carreira existente não satisfaz as necessidades locais. Quanto ao recurso da utilização do caminho de ferro Muge-Coruche. Torna-se impraticável por inadaptação dos horários.
Outro tanto se dirá da população de Benavente em relação a Vila Franca. As dificuldades de deslocação podem justificar que uma pessoa pense três vezes antes de decidir-se a recorrer ao tribunal.
Acresce que a população de Benavente está em incessante aumento, sendo até um dos concelhos onde é maior a percentagem de gente nova. De 8706 habitantes dados ao censo de 1930, passou para 11 726 no de 1950 e subiu em 1959 a cerca de 15 000.
No mapa, que adiante reproduzo, do movimento do julgado municipal de Benavente e das comarcas de Coruche e Vila Franca de Xira, mostra-se que o número de processos no julgado de Benavente aumenta acentuadamente - o que sucede igualmente, aliás, em Vila Franca.
Assim, temos:
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Embora não possuindo elementos estatísticos desde 1956, posso afirmar que o movimento tem aumentado consideravelmente.
Observe-se que o movimento de Benavente, no caso da restauração da comarca, seria aumentado com o de Salvaterra, presentemente incluído no da comarca de Coruche.
Deve notar-se ainda que:
1.º Sem diferença folgada, só, o movimento do julgado de Benavente dos últimos anos se aproxima do da comarca de Coruche;
2.º O movimento de Vila Franca tende manifestamente a subir.
Estes dois factos provam, por um lado, a dificuldade actual do recurso aos tribunais de uma grande parto das populações da região e, por outro lado, a sobrecarga nos serviços judiciais de Vila Franca de Xira, por virtude, igualmente, do desenvolvimento populacional e económico da própria zona local, o que leva a pôr o problema de suavizar o movimento dessa comarca, aliviando-a do concelho de Benavente.
Ora, Sr. Presidente, são decorridos três anos sobre esta exposição da Câmara Municipal de Benavente, sem que até hoje o importante problema tenha sido solucionado. De então para cá, todavia, mais imperiosa se tem tornado a restauração da comarca, pelo aumento da população e pelo desenvolvimento, em progressão geométrica, das actividades dos dois concelhos - Salvaterra e Benavente -, tanto no sector agrícola como no comercial e industrial.
A aplicação da justiça, sabemo-lo todos, para ser perfeita, tem de atender à comodidade dos povos que dela carecem, tem de ser rápida e tem de ser acessível a todos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sabemos que de há muito se estuda o problema dos julgados municipais e da criação de comarcas e restauração das extintas. E sabemos que à frente da pasta da Justiça, de (piem depende a resolução destes assuntos, se encontra um professor ilustre de Direito, perfeitamente à altura do seu elevado cargo.
É, pois, a S. Ex.ª o Ministro da Justiça que, pela minha voz, se dirige o apelo dos povos interessados, solicitando que o Governo da Nação, sempre cônscio das necessidades e direitos das populações, leve a efeito a restauração da comarca de Benavente, de forma que a administração da justiça naquela região corresponda ao desenvolvimento económico e ao progresso social que ali se registam.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade o projecto de lei do Sr. Deputado Camilo do Mendonça sobre a remuneração dos corpos gerentes de certas empresas.
Votou-se ontem o artigo 2.º do projecto, que, em virtude do desdobramento do artigo 1.º, passou a ser o artigo 3.º
Vai agora ler-se o artigo 3.º do projecto, que passará a ser o artigo 4.º, e as propostas de substituição que lhe dizem respeito.
Foram lidas. São as seguintes:
Art. 3.º A fiscalização do disposto nos artigos 1.º e 2.º incumbe aos delegados ou comissários do Governo, ou, na sua falta, a delegados a designar pela Inspecção-Geral de Finanças, à qual cabe, em todos os casos, a superintendência e orientação da fiscalização.
§ único. Ficam a constituir encargo da sociedade, companhia ou empresa quaisquer despesas efectuadas ou gratificações que o Ministro das Finanças entenda dever atribuir pelo exercício da fiscalização.
Proposta de substituição
Propõe-se que o artigo 3.º do projecto de lei seja substituído pelo seguinte:
Art.9.º A infracção do disposto nesta lei, além de implicar a perda de mandato para os infractores e de os inibir de durante o prazo de cinco anos, exercer funções de membros de corpos gerentes em quaisquer sociedades, companhias ou empresas, é punível com multa de duas a cinco vezes o montante das importâncias por eles indevidamente recebidas.
§ 1.º A fiscalização do disposto nesta lei incumbe, de um modo especial, aos delegados do Governo, à Inspecção-Geral de Finanças e à Inspecção Superior de Administração Ultramarina.
§ 2.º Em vista de tal fiscalização, os membros dos corpos gerentes abrangidos pela presente lei enviarão, até 15 de Abril de cada ano, às referidas Inspecções, nota discriminada de todas as importâncias a qualquer título recebidas das respectivas empresas, bem como de todos os encargos da sua responsabilidade pessoal pelas mesmas pagas.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 26 de Abril de 1960. - Os Deputados:
Camilo Lemos de Mendonça - António Carlos dos Santos Fernandes Lima - Paulo Cancela de Abreu - Artur Águedo de Oliveira - António José Rodrigues Prata - João Carlos de Sá Alves - Afonso Augusto Pinto - Manuel Nunes Fernandes - António Pereira de Meireles Rocha Lacerda - António Cortês Lobão.
Proposta de substituição
Propõe-se que o artigo 3.º do projecto de lei n.º 27 seja substituído pelo seguinte:
Art. 3.º A fiscalização do disposto nesta lei incumbe aos delegados do Governo, à Inspecção-Geral de Finanças e à Inspecção Superior da Administrarão Ultramarina.
§ l.º Para efeito desta fiscalizarão, os membros dos corpos gerentes abrangidos por esta lei enviarão, até um mês depois da data da aprovação das contas de gerência de cada ano nota discriminada de todas as importâncias a qualquer título recebidas das respectivas empresas, bem como os encargos da sua responsabilidade pessoal pelas mesmas pagas.
§ 2.º Os órgãos a quem incumbe a fiscalização promoverão por qualquer meio admitido em direito a restituição do que se houver recebido a mais, que reverterá a favor do Estado e por que serão solidariamente responsáveis todos os membros dos corpos gerentes.
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§ 3.º No caso de se mostrar que o que recebeu a mais do que devia o fez com dolo ou má fé, além da restituição referida no parágrafo anterior, ficará sujeito ao pagamento de uma multa até três vezes o valor da importância recebida a mais.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional. 26 de Abril de 1960. - Os Deputados:
Manuel Tarujo da Almeida - Fernando Cid Oliveira Proença - Manuel Lopes de Almeida - José António Pereira Barbosa - Francisco Cardoso de Melo Machado.
O Sr. Presidente : - Estão em discussão.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: as alterações propostas para o artigo 3.ºque no concerto geral do projecto de lei, melhor pareceu que deveriam figurar como artigo 9.º são de duas ordens. A primeira diz respeito ao estabelecimento de sanções, satisfazendo o que um dos votos de vencido do parecer da Câmara Corporativa sugeria e na tribuna, durante a discussão na generalidade, foi sustentado por vários Srs. Deputados.
O outro aspecto é o seguinte: não pareceu bem que se dispusesse a matéria de fiscalização como inicialmente constava do artigo 3.º e isto porque ficar como encargo das sociedades, companhias ou empresas pagar directamente a fiscalização estaria um pouco contra a tendência e a orientação que em outras lei vem sendo estabelecido, nomeadamente no Decreto-Lei n.º 40 833, em que o dispêndio das empresas com a sua fiscalização não é pago directamente, mas outrossim ao Estado, que, por sua vez o atribui aos seus agentes.
Em segundo lugar, como tive ocasião de acentuar em aparte durante a discussão na generalidade, admiti, quando redigi assim o artigo 3.º, que, entretanto, pudesse estar regulamentada a lei das sociedades anónimas. Não se tendo verificado tal, pareceu, porém, mais conveniente dar uma nova redacção e estrutura que viesse a adaptar-se melhor à futura fiscalização das sociedades anónimas sem criar quaisquer problemas ou encargos de novo.
Estas as mudanças essenciais.
Tenho dito.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidenta: sem embargo da clareza com que foram lidos os vários documentos respeitantes à matéria em discussão pelos Srs. Secretários da Mesa, não sei se, por deficiência minha, errarei o entendimento da referida matéria.
O Sr. Presidente: - Mas, se V. Ex.ª quer, mando lê-los novamente.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente, mas talvez não valha a pena, porque aconteceria, porventura, ficar esclarecido numas coisas e menos noutras, tal o número e diferença dos textos. Com a devida vénia de V. Ex.ª, portanto, vamos ver se não me enganarei sobre a matéria que foi lida.
O primeiro ponto consiste num pedido de esclarecimento. Na redacção inicial dada ao artigo 3.º fala-se em comissários e delegados do Governo. Se não me engano, na alteração proposta suprimem-se os comissários e ficam só os delegados. Desejava saber apenas se legalmente, ou ao menos de facto, desapareceu essa categoria, e, por consequência, se foi intencional a supressão da palavra «comissários» e se obedeceu a qualquer razão ponderosa.
O Sr. Camilo de Mendonça: - É que a Câmara Corporativa chamou a atenção para que, em hora seja corrente a utilização das duas palavras - «comissários» e «delegados» - como sinónimas, devemos referir-nos só a delegados do Governo, visto que as leis regulamentares adoptaram ultimamente apenas esta designação.
O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª, mas, salvo o devido respeito pelo parecer da Câmara Corporativa, sempre me habituei a considerar os dois termos como
não sinónimos. Estou, porém, esclarecido, e é o que desejava.
O segundo problema respeita às sanções propostas relativamente ao não cumprimento da lei.
Se bem percebo, volto a dizer, parece que só são puníveis os que procedem com dolo ou má fé. Permito-me, por isso, fazer duas breves considerações: sendo assim, não é justo, porque pode não haver dolo e má fé e não haver, portanto, sanção. Se é só para os que procedem com dolo ou má fé, o caso é mais grave, pois que esta figura jurídica é muito difícil de comprovar contenciosamente nos tribunais.
Confunde-se muitas vezes esta figura com outras.
Sabemos que o julgador exige uma prova decisiva, completa e muitas vezes objectiva ...
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - A prova objectiva da má fé é receber mais do que deve !
O Orador: - Não é suficiente, embora seja de pressupor.
Não sei se as minhas considerações terão razão de ser, mas tenho a impressão de que é uma matéria digna da maior ponderação.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - A prova de má fé deverá ser tantum juris, isto é, admitir prova em contrário.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Desejo prestar um esclarecimento: é que este preceito foi especialmente considerado na proposta subscrita pelos Srs. Deputados Camilo de Mendonça e Carlos Lima, atendendo a unia sugestão minha no sentido da criação de sanções, que me parecem indispensáveis para a lei ter o carácter que deve ter.
Neste caso, agradeço-lhes, como ao Sr. Dr. Tarujo de Almeida, autor de outra proposta, o terem concretizado uma sugestão genérica, embora a daqueles, na sua primeira parte, me pareça rigorosa de mais.
Pelo que respeita às observações do Sr. Deputado Carlos Lima, este tem toda a razão.
Não é só os que procedem com má fé ou dolo que podem ter responsabilidade, mas isso não obsta a que a lei se aplique em face de cada caso concreto, porque está previsto na lei geral que a pena da culpa tem aplicação segundo o critério do julgador, operando em relação com a respectiva gravidade.
O facto de não se considerar o caso de culpa não quer dizer que não seja punível de sanção.
O Sr. Carlos Moreira: -É que parece ser passível de sanção o caso de não haver dolo ou má fé. Então há que pautar a sanção.
O Orador: - Pelo que respeita a essa observação, ela tem lugar em relação à primeira parte, porque na segunda o caso não se reveste da mesma forma.
Talvez eu peque por ter compreendido mal a leitura das propostas. Em todo o caso, verifica-se uma coisa fundamental: a necessidade de uma disposição punitiva para as infracções, quer por dolo quer mesmo por culpa. A simples reposição do indevido não é sanção.
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Recorde-se o aforismo nulla poena sine lege; pondo-o de certa maneira às avessas, também será exacto, particularmente em matéria penal: nulla lex sine puena.
O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente: naturalmente os Srs. Deputados Carlos Moreira e Pinto de Mesquita tomaram conhecimento mais tarde do que eu das propostas em discussão. Sucedeu isso pelo menos em relação à proposta do Sr. Eng.º Camilo de Mendonça, em cuja elaborarão colaborei. Explica-se, por isso, que talvez eu esteja um pouco mais dentro do assunto, o que me leva a procurar definir com a clareza possível o alcance das mesmas propostas.
Vejamos a proposta do Sr. Deputado Camilo de Mendonça, que também subscrevi:
De harmonia com ela, a infracção do disposto na lei implica as seguintes consequências: perda do mandato; inibição de os infractores exercerem funções nos corpos gerentes de quaisquer sociedades durante cinco anos; punição com uma multa variável, que pode ir de duas a cinco vezes o montante das importâncias que indevidamente tiverem recebido.
Consoante resulta desta esquematização, não se distingue, no plano legislativo, entre dolo e culpa.
Vejamos agora a proposta do Sr. Deputado Cid Proença e outros Srs. Deputados.
Se bem a entendo - a ela já não dei. é claro, qualquer colaboração -, o princípio é este: se houver culpa na infracção da lei apenas haverá que restituir aquilo que indevidamente Se recebeu. Todavia, se houver dolo ou má fé nessa infracção, terá então lugar a punição com multa, que poderá ir até três vezes as importâncias indevidamente recebidas.
Portanto, as duas propostas distinguem-se, fundamentalmente, sob dois aspectos. Por um lado, a do Sr. Deputado Camilo de Mendonça consagra como elemento integrador da sanção, além da multa, a inibição de se exercerem funções nos corpos gerentes durante determinado período de tempo, o que não acontece na proposta do Sr. Deputado Cid Proença. Por outro lado, na primeira pune-se quer a culpa, quer o dolo, embora deixando certa margem ao julgador para graduar a multa em função das circunstâncias do caso concreto, ao passo que nu segunda se faz uma destrinça, no plano legislativo, em termos de nenhuma sanção se aplicar quando a infracção for simplesmente culposa.
Cumpre dizer alguma coisa sobre o valor de cada unta das propostas, embora sem entrar em pormenorizadas considerações jurídicas.
No nosso direito penal existe um princípio fundamental, consagrado no artigo 4.º do Código Penal, segundo o qual nas contravenções é sempre punida a negligência.
Assim, no nosso direito e em matéria de contravenções não há, em princípio, que distinguir entre dolo e culpa, o que, todavia, não prejudica que a distinção deva exercer influência e ser tida em conta na fase da aplicação do direito quando estejam em causa penas variáveis.
Sendo assim princípio geral o que ficou apontado, porque é que se há-de excluir a punibilidade da culpa para efeitos do projecto de lei em discussão? Qual a particularidade capaz de justificar um regime de excepção para os fins agora em vista ?
E redundante se torna acentuar que a proposta do Sr. Dr. Cid Proença, na medida em que à infracção culposa apenas associa como consequência a restituição das importâncias indevidamente recebidas, não consagra qualquer sanção. Sem entrar em indagações jurídicas sobre o que, em rigor, deve entender-se, por sanção (penal), basta anotar que esta, além do mais, tem de ser penetrada por uma certa força intimidativa, a qual, como é evidente, não existe adentro de tal solução: o máximo que pode suceder aos infractores é terem de restituir aquilo que indevidamente receberam ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, dentro do condicionalismo pressuposto pelo projecto de lei, será, em princípio, verdadeiramente indesculpável a «distracção» consistente em receber das empresas importâncias que excedam um limite que claramente se deve conhecer.
Portanto, a proposta do Sr. Deputado Cid Proença ,só pelo uso de certas expressões aparenta, à primeira vista, algumas semelhanças com a do Sr. Eng.º Camilo de Mendonça. Na realidade, as duas propostas são radicalmente diferentes, mormente quando vistas à luz da experiência adquirida por quem lida com estes assuntos no plano prático.
O Sr. Carlos Moreira: - Quero dizer, antes de mais, que dou ,a minha plena concordância ao que acaba de ser dito pelo Sr. Deputado Carlos Lima.
Vou dar apenas um esclarecimento: como foram postos à discussão todos os textos - o texto primitivo e as alterações apresentadas -, não ataquei o texto da propostas A ou B, mas o princípio consignado numa das propostas sobre o estabelecimento do dolo e da má fé relativamente ao estabelecimento de sanção. O que não compreendo é que restituir aquilo que não se devia ter recebido constitua qualquer espécie de sanção.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: o Sr. Deputado Carlos Lima pôs com tanto rigor e perfeição o âmbito das soluções de uma e de outra das propostas que eu, quanto a isso, não tenho nada a acrescentar. Realmente, o conteúdo das duas propostas está perfeitamente definido, e bem definido.
Tenho, no entretanto, alguma coisa a observar quanto à admissibilidade das soluções previstas numa e noutra propostas.
Como esclareceu o Sr. Deputado Carlos Lima, quando se trata de uma contravenção ou transgressão, o problema do dolo ou mesmo da culpa não se põe senão para efeito de graduação da pena a aplicar.
Ora na proposta do Sr. Deputado Camilo de Mendonça e outros Srs. Deputados há duas penas, e uma delas gravíssima, porque respeita à perda de direitos civis, e pergunto se é aceitável uma solução que conduz à possibilidade da aplicação de uma pena tão grave, independentemente de dolo ou culpa.
A sanção é tão grave que suponho que não podia nem devia ser lembrada numa hipótese como aquela que estamos a distutir; é uma solução draconiana, é uma solução que tem um ar de acinte que nada justifica. Então se uma pessoa, por errada interpretação da lei, ou mesmo por equívoco ou negligência, recebe mais do que devia, é abrangida pela disposição da proposta de alteração da autoria do Sr. Deputado Camilo de Mendonça e outros Srs. Deputados, que agora está em discussão, pode esta solução aceitar-se? Há-de, nessas condições, a pessoa ser condenada à perda de direitos civis, naturalmente essenciais na vida das pessoas? Por isso se distingue, naturalmente, nu proposta do Sr. Deputado Tarujo de Almeida, entre simples culpa, dolo e má fé e se não põe o problema de privar as pessoas de direitos civis.
Raciocinou-se, e creio que bem, que se a pessoa, por inadvertência ou erro de interpelação, recebe mais do que aquilo que devia, a isto responde-se obrigando-a a restituir aquilo que recebeu a mais. Se a pessoa,
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por dolo ou má fé, recebeu mais do que devia ter recebido, então essa pessoa deve ser possível de uma multa, que pode ir até três vezes aquilo que recebeu a mais.
E não me preocupa saber se isso se harmoniza com o regime geral do nosso direito penal, porque o que deve entender-se é que no caso não deve aplicar-se o regime geral, mas sim um regime particular. Outra solução representa uma violência injustificada.
Das duas propostas de substituição, uma das quais considero draconiana e com um ar de acinte inadmissível, voto, portanto, a do Sr. Deputado Tarujo de Almeida, e suponho que se a Assembleia a votar, se estabelece um sistema de restituição e de sanções mais eficiente do que o estabelecido na outra proposta.
Todos sabem que quando se ultrapassam nas leis os limites do razoável as leis estão naturalmente condenadas a não ser executadas.
Eis, Sr. Presidente, o que se me oferece dizer sobre as duas propostas em discussão.
Tenho dito.
O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente: ouvi com a maior atenção as considerações que acaba de produzir o Sr. Doutor Mário de Figueiredo, desenvolvidas com aquela inteligência, brilho e poder de convicção que nos habituámos a apreciar em S. Ex.ª.
Todavia, mais uma vez, e salvo o devido respeito, não fiquei convencido. Vou dizer porquê.
Não queria afastar-me dos pontos concretos que estão em discussão, mas, como S. Ex.ª falou várias vezes em «acinte», vou referir uma pequena história.
Há algum tempo, pessoa que muito considero e respeito consultou-me sobre determinados problemas de direito que implicavam com os seus familiares, aos quais também estou ligado por relações de amizade. Passados dias e contra o que esperava, apareceram-me todos no escritório para ouvir o que eu sobre o caso tinha para dizer. A situação não era agradável, pois esses familiares pretendiam certa solução para um problema, a qual, a meu ver, não dava suficientes garantias, no plano jurídico, à pessoa que me consultara. E para o mostrar tinha eu necessidade de raciocinar a base da hipótese de os mesmos familiares virem a proceder com menos lisura.
Em face de tal situação, observei, em ligeira nota prévia, que naquele momento não via as pessoas concretas em causa - que me mereciam toda a consideração-, mas apenas via problemas de direito, cuja solução havia que procurar. Posto isto, disse tudo o que tinha a dizer, sem a mais ligeira reserva.
Ora, precisamente e o mesmo acontece a propósito do projecto de lei em discussão, designadamente nesta emergência. Não vejo, nem tenho que ver, pessoas, mas apenas problemas, sobre os quais devo dizer, e digo, o que penso, e se mo afigura resultar de um elementar conhecimento das realidades e de certos princípios que tenho como bons.
Deste modo, julgo que me devia ser feita, assim como aos demais signatários da proposta, a justiça de reconhecer que não somos capazes de tomar posições por acinte a quem quer que seja, pelo que não deveria aqui fazer-se alusão a tal coisa.
O Sr. Mário de Figueiredo:-!Eu não disse que V. Ex.ª e os outros signatários da proposta de substituição tinham tomado uma atitude acintosa. Disse, sim, que da proposta resulta objectivamente, sem considerar as pessoas que a subscrevem, um ar de acinte.
O Orador: - Depois dos esclarecimentos do Sr. Doutor Mário de Figueiredo as coisas ficam simplificadas.
O Sr. Proença Duarte: - É da tradição desta Câmara.
O Orador: - Não é uma questão de tradição. Os equívocos, quando existem, devem desfazer-se, e para isso é preciso pôr as coisas claramente. Interpretei as palavras do Sr. Deputado Mário de Figueiredo no sentido de que o «acinte» se ia radicar nas pessoas que subscreveram a proposta.
Não tendo, porém, sido essa a intenção, tudo se simplifica.
No que respeita as pessoas, fica assente que são incapazes de tomar atitudes como a que agora está em causa por «acinte».
Deste modo, e desde que o «acinte» se restringe à própria lei na sua consistência objectiva, limito-me a observar que então todas as leis com carácter penal são, na medida em que consagram sanções e na sua objectividade, acintosas para aqueles que podem cair debaixo da sua alçada.
Vamos pôr as coisas no seu devido pé.
Não há na sanção preconizada nada do draconiano, nada de grave.
Pareceu aos signatários da proposta que, desde que um membro dos corpos gerentes caísse sob a alçada da lei, estava indicado que provisoriamente, fosse afastado de tal espécie de cargos.
E tal conclusão mais se impõe nos casos abrangidos pelo projecto, uma vez que em regra, implicam com pessoas especialmente qualificadas, e, por isso, com responsabilidades e deveres particularmente vincados. Noblesse Oblige. Deste modo, o teor das considerações do Sr. Doutor Mário de Figueiredo conduz a conclusão contrária à que defende.
Por outro lado, se se fixam rigidamente o princípio da inibição de exercer funções em corpos gerentes, deixou-se margem para poder ser graduada a pena de multa.
Anotou o Sr. Deputado Mário de Figueiredo ser violento que, por equívoco ou inadvertência, uma pessoa corra o risco de sofrer a sanção que se defende.
Permito-me lembrar a S. Ex.ª que a questão não pode pôr-se à base da alternativa dolo-culpa, e isto porque há uma terceira hipótese, a de ausência quer de dolo, quer de culpa.
E para existir culpa não basta a simples materialidade de um facto que em si mesmo esteja em antagonismo com as disposições penais, sendo ainda necessário que se verifiquem as coordenadas delimitadoras do respectivo conceito: a violação do chamado dever de diligência, pura além de certo nexo psicológico entre o agente e o facto.
Assim, não é toda e qualquer «inadvertência» -expressão juridicamente um tanto incolor- que acarreta a aplicação das sanções, mas só a que for reconduzível, pelo menos, ao conceito de culpa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pode provar-se que não há dolo nem culpa - talvez mais exactamente, pode acontecer que se não prove nem dolo nem culpa - e nesse caso não se aplica qualquer sanção. As coisas não têm, pois a gravidade que o Sr. Deputado Mário de Figueiredo vincou ao pôr a questão nos termos da alternativa acima referida.
Nem pode falar-se em ignorar a lei ou interpretá-la mal, pois, como é bem sabido, a ignorância da lei não aproveita a ninguém. Quem tiver dúvidas deve enveredar, à cautela, pela solução que não envolva riscos. Se todas as pessoas pudessem invocar utilmente a ignorância da lei ... que seria da lei!
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Sob outro aspecto, cumpre acentuar de novo que o artigo 4.º do Código Penal pune sempre a negligência nas contravenções - e não parecem ser legítimas dúvidas de que no caso concreto estaremos perante contravenções.
O Sr. Doutor Mário de Figueiredo afirmou que não importa o que em geral se dispõe sobre, esta matéria, mas apenas o que deverá ser legislado pura as hipóteses abrangidas pelo projecto. No entanto, continuou S. Ex.ª a não indicar a razão específica com virtualidade para, abrindo brecha naquele princípio geral, justificar a consagração de um regime de excepção para os casos em exame.
Assim, e em resumo, creio:
1.º Que a sanção constante da proposta que defendo não é tão draconiana como S. Ex.ª pretende;
2.º Que todas as razões de princípio e de ordem prática são no sentido de dever ser adoptada essa proposta;
3.º Que a proposta do Sr. Deputado Cid Proença não tem consistência no plano prático.
Tenho dito.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - V. Ex.ª, Sr. Presidente, concede-me a palavra para um requerimento quanto ao modo de votar?
O Sr. Presidente: - Não estamos ainda na altura da votação. Nessa altura concederei a palavra a V. Ex.ª Continua em discussão.
O Sr. Augusto Cerqueira Gomes: - O problema aqui presente tem andado um pouco na boca dos juristas e é justo que um pobre João Semana (risos) que nada sabe de direito, mas que anda em contacto com as realidades da vida, possa dizer alguma coisa de concreto e aquilo que o simples bom senso pode apontar ao homem médio.
Tenho a impressão de que, aqui a discordância, ao fim e ao cabo, é apenas na aplicação de sanções e na ausência de sanções.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Mário de Figueiredo: - Não é só isso!
O Orador: - O provar o dolo e a má fé é quase sempre impossível. Como se disse aqui, é uma coisa puramente subjectiva e difícil de comprovar.
A maior parte dos casos ficariam impossíveis de discriminar como de dolo ou má fé e a chamada sanção limitar-se-ia à reposição dos valores indevidamente recebidos, o que não é uma sanção. E, nestas circunstâncias, vale sempre a pena jogar ...
Risos.
Por outro lado, queria significar que isso não é um simples problema de direito, é muito mais grave. O que está perante nós é um problema moral muito sério.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O que é preciso é que não haja frouxidão e passa-culpas. A acusação mais grave que se levanta ao Regime é no plano da moralidade.
Temos de ter este problema em grande atenção e a frouxidão pode aqui indicar a nossa falta de consideração pela importância das questões morais. Há que se ser, portanto, nesta questão, muito cauteloso.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - É que se não sou jurista, ando em contacto com a vida, devido à minha profissão, e sei a gravidade desta questão.
A ausência de sanções não é simplesmente um problema moral, mas também político. Há que o considerar com a devida ponderação.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Sr. Tarujo de Almeida: - Eu queria, apenas esclarecer uma atitude, e queria esclarecê-la através das medidas de sanções que são apontadas por uma e outra parte.
Esclarecida a posição dos firmantes das propostas, eu queria afirmar que se me afigura que na proposta do Sr. Deputado Camilo de Mendonça se cria como resultado a uma actuação inadvertida, meramente culposa apenas, até, se cria uma sanção que é triplamente grave.
A mim não me repugna, efectivamente, que nos casos de dolo as sanções sejam as apontadas, ou até outras mais graves, excluídas apenas aquelas sanções que conduzem, por assim dizer, à morte civil do indivíduo que porventura receba, inadvertidamente, mais do que aquilo que tinha direito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - E isto impressiona-me tanto na medida em que a inibição atribuída como sanção a essa atitude impede não só o administrador de o ser nessa empresa, em qualquer outra empresa do género, em empresas quase, públicas ou em empresas privadas e até numa sociedade, porventura meramente civil, do bens familiares, de administrar aquilo que legitimamente lhe pertence, inibindo-o do defender o do cuidar daquilo que é seu. A sanção nesta medida a mim repugna-me, por ser absoluta e exagerada.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Como digo, Sr. Presidente, não mo repugna que a sanção, em caso de dolo, seja até para além daquilo que é sugerido pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça. Não me repugnava, por exemplo, que houvesse responsabilidade criminal por falsas declarações, porque, quando se fazem essas declarações de má fé, então alguém está a merecer um castigo adequado. Isto explica Sr. Presidente, a minha adesão à proposta de substituição, eliminando efectivamente aquela morte civil que é declarada u sancionada para os administradores, mesmo aqueles que inadvertidamente tenham recebido qualquer importância a mais.
Tenho dito.
O Sr. José Saraiva: -Sr. Presidenta: este problema das sanções do diploma que estamos a discutir confunde-se, afinal, com o problema da sua própria juris-dicidade, porque é da natureza da norma jurídica poder ser imposta coactivamente, e não haver imposição coactiva quando não existir mediria eficaz que possa ser aplicada no não cumprimento. Mas sobre esta jurisdicidade todos estamos de acordo. O problema é o de saber se a escala sugerida na proposta de substituição do Sr. Deputado Camilo de Mendonça é demasiadamente severa. Ouvi o ilustre Deputado Dr. Tarujo de Almeida agitar perante a Câmara o pavor do um autentico fantasma: a simples inadvertência de um gerente causaria a morte civil do cidadão. Se assim fosse, era efectivamente de vacilar e de considerar com redobrado cuidado a tal morte civil s a tal inadvertência. Ora isso não é assim. Realmente, uma parte dos ilustres Deputados não são formados em Direito, e há
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uma ideia que tem de ficar perfeitamente clara: é que na simples inadvertência não há qualquer sanção, qualquer medida ou punição. O que a lei geral diz é que a culpa em matéria de contravenção é sempre punida, e certamente só haverá culpa quando não tiver havido pura e simples inadvertência. Admitamos o caso de que, por erro dos sorvidos, por insuficiente preparação do pessoal ...
O Sr. Mário de Figueiredo: - Gostaria do saber se o Sr. Deputado Carlos Lima tem a mesma opinião que V. Ex.ª
O Sr. Carlos Lima: - Estou a ouvir e no fim direi qualquer coisa.
O Orador: - Se o Sr. Deputado Carlos Lima tiver a mesma opinião que eu, terei muito que me felicitar; diz-se que os espíritos formosos se encontram, e nesse caso eu seria um espírito formoso.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Quando estas divergências ocorrem entre juristas, pois o Sr. Deputado Tarujo de Almeida também é jurista, o que não será a perturbação no ambiente daqueles que o não são ...
O Orador: -V. Ex.ª Sr. Deputado Mário de Figueiredo, é um grande mestre em direito. E neste ponto creio que não pode haver dúvida nenhuma. A punição resulta da culpa e a inadvertência para a qual se não concorre é a ausência de culpa.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Então a simples inadvertência não é punível ...
O Orador: - Ora vejamos: quando surge a punição? Quando houve, pelo menos, culpa. Eu quero aqui perguntar: a punição será então demasiadamente severa? Sem dúvida nenhuma que nesta parte, em que se impede o exercício de funções em cargos directivos, a sanção é austera, é pesada, mas temos de pôr o problema desta forma: as razões que ditaram esto diploma que estamos a discutir são razões de interesse e ordem pública, o a tradição legislativa portuguesa, nesta matéria em que está em jogo a economia nacional, designadamente em toda aquela família dos delitos antieconómicos que tanto têm preocupado a nossa acção judiciária, é precisamente a da severidade punitiva. Ou as medidas são intimidativas, ou os diplomas ficam letra morta.
O Sr. Carlos Moreira: - Há uma coisa superior à economia, que é a moral nacional.
O Orador: - Toda a escala de sanções para delitos antieconómicos é muito mais grave que aquela que se propõe.
O Sr. Proença Duarte: - V. Ex.ª sabe bem que o excessivo rigor estabelecido nas leis antieconómicas levou por vezes os tribunais a absolver, por considerarem rigorosa em excesso a penalidade para casos que, estando na letra da lei, não estariam no espírito do legislador.
Ora pretende-se que esta Câmara diga qual a interpretação de uma e outra propostas, para que os tribunais possam, na consulta das actas desta Assembleia, fazer a interpretação da lei.
O Orador: - Em todo o caso, durante os anos da guerra, foi o medo que guardou a vinha: a severidade da lei foi útil. Efectivamente, se não houver sanção, como já se disse aqui, valerá a pena sempre jogar.
O Sr. Proença Duarte: - Para os desonestos, esses seriam abrangidos pelo dolo e pela má fé.
O Orador: - Exacto! Para os desonestos; e para esses não vejo que as sanções sejam pesadas, além do que é justo e conveniente.
O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente: peço a palavra para encerrar a discussão.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Lima, em nome dos signatário:- da proposta de substituição e do artigo 3.º do projecto de lei, deseja usar da faculdade regimental de encerrar o debate. Portanto, se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Carlos Lima, para encerrar o debate.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a, palavra o Sr. Deputado Carlos Lima.
O Sr. Carlos Lima: - Sr. Presidente: um apontamento, para finalizar.
Acaba de observar o Sr. Deputado Proença Duarte que a experiência nos ensina que as penas excessivas podem levar os tribunais a fugir à aplicação dessas sanções. Neste caso, não vejo que sejam excessivas, as penas previstas, tendo designadamente em conta as possibilidades daqueles que eventualmente podem ter que suportá-las. Isto, mesmo sem entrar a discutir se o reparo tem ou não base.
O Sr. Proença Duarte: - Pergunto se na proposta do Sr. Engenheiro Camilo de Mendonça V. Ex.ª considera toda e qualquer espécie de infracção ...
O Orador: - A infracção penal, como V. Ex.ª sabe, é uma espécie que comporta duas subespécies, que são o crime e a contravenção.
Dentro da orientação das propostas, as infracções previstas devem classificar-se como contravenções.
Porém, como já acentuei mais de uma vez, tais infracções são puníveis, quer na forma dolosa, quer na culposa.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Observo apenas o seguinte: qual é a posição de V. Ex.ª sobre este problema? Quando um administrador, por simples culpa, por inadvertência, por negligência, recebe mais do que devia, aplica-se-lhe ou não esta sanção: não pode continuar a ser administrador de nenhuma empresa durante cinco anos?
O Orador: - Já respondi a essa pergunta e fi-lo no sentido afirmativo.
Como, porém, também já disse, para que haja infracção, e, portanto, punição, é preciso que se verifiquem, pelo menos, os requisitos da culpa.
O Sr. Dr. Tarujo de Almeida, de quem sou muito amigo, insistiu muito em que a referida inibição de exercer funções de administração implica uma verdadeira «morte civil ».
Sobre isto direi que a inibição temporária para administrar só pode considerar-se como «morte civil» para aqueles que «viverem para ser administradores», pois, para além disso, ficam-lhes abertas todas as demais actividades.
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Finalmente, anotarei que se começamos a «morder» ideias do projecto, corremos o risco de ficar apenas com o seu «esqueleto», ao que pela minha parte, me oponho.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Requeiro que se desdobre a segunda proposta quanto às penalidades previstas, exactamente para que, de certa maneira, ao votar, eu possa ser lógico com aquilo que disse quando tratei desta matéria na generalidade.
O Sr. Carlos Lima: - Requeira prioridade de votação para a proposta de substituição do Sr. Deputado Camilo de Mendonça, também subscrita por mim.
O Sr. Presidente: -V. Ex.ª, Sr. Dr. Tinto de Mesquita, requer que as sanções previstas na proposta de substituição a que aludiu sejam votadas separadamente?
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Exactamente.
O Sr. Presidente: - Trata-se de um processo de sanções, que não deve desmembrar-se.
O Sr. Homem de Melo: - Requeiro a votação nominal.
O Sr. Presidente: - Foi requerida pelo Sr. Deputado Carlos Lima a prioridade de votação para a proposta de substituição do Sr. Deputado Camilo de Mendonça e outros Srs. Deputados.
Como a Câmara sabe, há duas propostas: uma, aquela a que acabo de me referir; outra, subscrita pelos Srs. Deputados Tarujo de Almeida, Cid Proença, etc. Ambas chegaram à Mesa na mesma altura, e, portanto, uma vez que está requerida a prioridade para a votação da proposta de substituição apresentada pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça e outros Srs. Deputados, vou submeter à apreciarão da Assembleia esse requerimento.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada dos Srs. Deputados para a votação nominal da proposta do Sr. Deputado Camilo de Mendonça e outros Srs. Deputados.
Fez-se a chamada, verificando-se terem aprovada a proposta os seguintes Sr. Deputados
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Pacheco Jorge.
Américo Cortês Pinto.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António Cortês Lobão.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Aguedo de Oliveira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira..
João Carlos de Sá Alves.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Hermano Saraiva.
José Monteiro da Rocha. Peixoto.
José Rodrigues da Silva Mondes.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira .
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Maria de Lacerda do Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Paulo Cancella de Abreu.
Virgílio David Pereira e Cruz .
Rejeitaram a proposta os seguintes Srs. Deputados:
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
Artur Proença Duarte.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
ernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Jerónimo Henriques Jorge.
João de Brito e Cunha.
José António Ferreira Barbosa
José Manuel da Costa.
José Rodrigo Carvalho.
José Soares da Fonseca.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Não estavam presentes à chamada na altura da votação os seguintes Srs. Deputados
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo,
Alberto da Rocha Cardoso do Maios.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Jorge Ferreira.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Fernando António Mu noz de Oliveira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Marchante.
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814 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 174
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mondes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias do Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme da Melo e Castro.
José dos Santos Dessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Al moída.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Tosta.
Ramiro Machado Valadão.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
O Sr. Presidente: - Portanto, aprovaram a proposta, 40 Srs. Deputados e rejeitaram-na 28, considerando-se deste modo prejudicada a proposta do Sr. Deputado Tarujo de Almeida e outros Srs. Deputados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Passamos agora à discussão do artigo 4.º que vai ler-se juntamente com uma proposta do aditamento apresentada pelo Sr. Deputado José Saraiva, uma proposta de substituirão apresentada pelo Sr. Deputado Cid Proença e outros Srs. Deputados e uma outra proposta de substituição subscrita pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça e outros Srs. Deputados.
Foram lidas. São as seguintes:
Art. 4.º A acumulação de cargos nos corpos gerentes das sociedades, companhias ou empresas abrangidas pelos artigos 1.º e 2.º desta lei e bem assim, com os do quaisquer outras sociedades civis ou comerciais só será consentida quando a remuneração, nos termos da alínea b) do § único do artigo 1.º, em cada um for inferior ao vencimento dos Subsecretários de Estado, mas em qualquer caso o conjunto das remunerações totais não poderá exceder a atribuída aos Ministros de Estado.
Proposta de adiamento ao projecto de lei n.º 27
Proponho que ao projecto de lei n.º 27 seja aditado
O seguinte:
Artigo 4.º
As participações dos corpos gerentes nos lucros das empresas a que se referem os artigos 1.º e 2.º do presente diploma ficam dependentes da atribuição de idêntico benefício ao pessoal em serviço nas mesmas, pela forma e na medida consideradas socialmente justas.
Lisboa, 22 de Abril de 1960. - O Deputado, José Hermano Saraiva.
Proposta de substituição
Propõe-se que o artigo 4.º do projecto de lei seja substituído polo seguinte:
Art. 4.º Os membros dos corpos gerentes das sociedades, companhias ou empresas abrangidas pêlos artigos 1.º e 2.º da presente lei não podem acumular mais de outro cargo nos corpos gerentes das referidas sociedades, companhias ou empresas, sem prejuízo, porém, de as respectivas remunerações não poderem exceder, na totalidade, o limite fixado no artigo l.º
§ único. Também não podem os membros de corpos gerentes das sociedades, companhias ou empresas indicadas no corpo do artigo acumular mais de outro cargo em corpos gerentes de quaisquer outras sociedades civis ou comerciais.
Assembleia Nacional, 26 de Abril de 1960. - Os Deputados: Camilo Lemos de Mendonça - António Carlos dos Santos Fernandes Lima - Paulo Cancella de Abreu - Manuel Nunes Fernandes - António Pereira de Meireles Rocha Lacerda - José Monteiro da Rocha Peixoto - António José Rodrigues Prata - António Cortês Lobão - António Galapez Gomes Garcia - João Carlos de Sá Alves
Proposta de substituição
Propõe-se que o artigo 4.º do projecto do lei n.º 27 seja substituído pelo seguinte:
Art. 4.º Os membros dos corpos gerentes das sociedades, companhias ou empresas abrangidas pelos artigos 1.º e 2.º da presente lei não podem acumular mais de outro cargo nos corpos gerentes das referidas sociedades, companhias ou empresas, sem prejuízo, porém, de as respectivas remunerações não poderem exceder, na totalidade, o limite fixado no artigo 1.º
Assembleia Nacional, 26 de Abril de 1960. - Os Deputados: Fernando Cid Oliveira Proença - José dos Santos Bessa - Francisco Cardoso de Melo Machado - Manuel Lopes de Almeida - José António Ferreira Barbosa - Manuel Tarujo de Almeida.
O Sr. Presidente: - Esclareço a Câmara de que a proposta do Sr. Deputado José Saraiva constitui um novo artigo 4.º, e não a substituição do artigo.
Estão em discussão o artigo e as propostas de substituição.
O Sr. Carlos Lima: -Sr. Presidente: uma vez que mais ninguém pretende usar da palavra, limito-me a anotar que estamos, por um lado, perante uma proposta do Sr. Eng.º Camilo de Mendonça, cuja fundamentação me parece resultar do que aqui foi dito no debate na generalidade, e, por outro lado, perante uma proposta do Sr. Deputado Cid Proença e outros, a qual visa suprimir o § único da primeira, mas cuja justificação ainda não ouvi.
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra, vai passar-se à votação.
O Sr. Carlos Lima: - Requero a prioridade para a proposta do Sr. Deputado Camilo de Mendonça.
O Sr. Presidente: - Submeto esse requerimento à votação da Câmara.
Submetido à votação, foi aprovado.
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28 DE ABRIL DE 1960 815
O Sr. Presidente: - Vai, portanto, votar-se a proposta de substituição do artigo 4.º, apresentada pelo Sr. Deputado Camilo de Mendonça.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Requeiro a votação separada do corpo do artigo e do seu § único.
O Sr. Presidente: - Defiro o requerimento de V. Ex.ª
Submeto à votação o corpo do artigo 4.º tal como consta da proposta do Sr. Deputado Camilo de Mendonça.
Submetido à votação foi aprovado
O Sr. Presidente: - Ponho agora à votarão o § único.
O Sr. Carlos Moreira: - Esse parágrafo faz parte da mesma proposta ou de outra?
O Sr. Presidente: - Faz parte dá mesma proposta. Submeto-o à votação da Câmara.
Submetido à votação, foi aprovado.
O Sr. Presidente: - Considera-se, portanto, prejudicada a proposta do Sr. Deputado Tarujo de Almeida.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A discussão continuará na sessão de amanhã, que terá lugar à hora regimental. Na segunda parte da ordem do dia iniciar-se-á a discussão das contas públicas.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Cruz.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alfredo Rodrigues dos Santos Júnior.
Américo da Costa Ramalho.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Armando Cândido de Medeiros.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
Jorge Pereira Jardim.
José Guilherme de Melo e Castro
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Ramiro Machado Valadão.
Tito Castelo Branco Arantes.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA