Página 83
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 179
ANO DE 1960 2 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 179, EM 30 DE NOVEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 18 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 175, 176, 177 e 178 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do seguinte.
O Sr. Presidente interrompeu a sessão às 18 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente declarou reaberta a sessão às 18 horas e 35 minutos e anunciou que ia falar, por direito próprio, S. Exa. o Presidente do Conselho.
Usou da palavra o Sr. Presidente do Conselho.
Falou em seguida o Sr. Presidente da Assembleia que, antes de encerrar a sessão, marcou a continuação do debate para 2 de Dezembro.
A sessão foi encerrada às 19 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 17 horas e 55 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Cruz.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Marchante.
Página 84
84 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 179
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Ângelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Noel Peres Claro.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 91 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 18 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 175, 176, 177 e 178 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, considero aprovados aqueles números do Diário.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
De um grupo de lavradores protestando contra o facto de ainda não ter sido fixada a laxa do Banco de Fomento para os investimentos financeiros da lavoura.
Do presidente da Câmara Municipal de S. João da Madeira manifestando a sua mágoa por ter sido criado fora daquela vila o tribunal do trabalho.
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por alguns minutos a fim de receber o Sr. Presidente do Conselho.
Eram 18 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai usar da palavra, por direito próprio, o Sr. Presidente do Conselho.
O Sr. Presidente do Conselho: - Sr. Presidente da Assembleia Nacional e Srs. Deputados: tenho seguido com a atenção possível a campanha anticolonialista em que se pretendeu envolver Portugal e mesmo, para bem operar a divisão das forças adversas, quase só Portugal. Em jornais, manifestos e discursos, incluindo os proferidos em altas assembleias políticas, não encontrei, porém, nada do que me interessava saber, ou seja: em que se pensa consistir o problema, e as linhas gerais da sua solução. Aliás, o que menos preocupou foi esclarecer as questões; e como a discussão parece ler abandonado o domínio da inteligência para tentar criar em certas regiões estados emocionais propícios à subversão, não há propriamente a quem responder. Desta forma me surgiram dificuldades por não saber como redigir e a quem endereçar algumas palavras que por outro lado reputava necessárias.
Lembrei-me de que os portugueses de todos os continentes, aí fixados ou filhos da terra, têm o direito de saber o caminho por onde pensamos que devemos conduzir-nos nas graves circunstâncias actuais. E todos os mais interessados na contenda talvez também possam tirar daí alguma conclusão e avaliar o peso das suas próprias responsabilidades, pois não vão supor que a sorte de milhões de homens, a ordem e a paz do seu viver, o fruto do seu trabalho, os princípios da civilização que adoptaram, podem ser entregues à vacuidade dos discursos de comércio e à anarquia dos anunciados libertadores.
Apoiados gerais.
Tirante a Etiópia, alguns países da África mediterrânea e as províncias portuguesas ultramarinas a que adiante me referirei, pudemos dizer que, de um modo geral, se nos deparam naquele continente duas espécies de território. Das suas diversas situações e características é que haviam de decorrer as directrizes em conformidade com as quais os seus problemas podiam ser correctamente equacionados e resolvidos. Sujeitos como todos foram ao trabalho de colonização, encontraremos o traço fundamental de diferenciação desses territórios na atitude política dos Estados soberanos, ou, o que é o mesmo, na finalidade da sua obra colonizadora.
Por vezes terá esta consistido tão-sòmente na exploração económica do solo ou do subsolo, através de em preenchimentos que não exigiam a fixação permanente útil a gente branca. Os Estados responsáveis declararam ou alimentaram sempre o propósito de educar, de eleva as populações autóctones até estas atingirem a independência. A este propósito deve ter correspondido uma política, e a independência dos territórios não é senão o reconhecimento de que foi atingida a meta ambicionada. Isto se passa neste momento e se passou no últimos anos tanto na África como na Ásia.
Apoiados gerais.
Página 85
2 DE DEZEMBRO DE 1960 85
Se os Estados detentores da soberania cometeram qualquer erro de apreciação e precipitaram as concessões que elevaram tais territórios ao plano de Estados independentes, não hei-de apreciá-lo aqui. Vamos admitir que viram bem e procederam em todas as circunstâncias como deviam, nem cedo nem tarde.
Vamos admitir que os territórios dispunham e outros estão em vias de dispor, no momento em que ascenderam à independência, do escol necessário para orientar a política, dirigir a administração, gerir as finanças, administrar os empreendimentos económicos. Para que estas soberanias não sejam fictícias e estas independências sejam inteiramente responsáveis, em termos de se constituírem membros da comunidade internacional e de conviverem pacificamente com os outros Estados, todas aquelas condições seriam indispensáveis.
Apoiados.
Não é elegante sublinhar qualquer deficiência, e por isso atribuiremos certas atitudes, alguns propósitos e ameaças, a pretensão de expansões imperialistas, à euforia de espíritos plenamente felizes, porque convictos de terem descoberto o Mundo e de estarem na posse de todos os segredos da condução da Humanidade.
Apoiados.
Em geral, nestes territórios, hoje ou amanhã Estados soberanos, para o que se diz virem sendo preparados desde longe, podem, não obstante, surgir conflitos raciais, mesmo dos homens de cor entre si - tradicional flagelo da África antes da colonização europeia. Como na hipótese o branco é elemento de passagem, não fixado nem portador de outro pensamento político que não seja exactamente o da retirada e do abandono, não haveria razão para que certas mutações a que temos assistido suscitassem as violentas explosões de racismo contra o homem branco, credor dos progressos realizados e suposto não necessário já à evolução económica e social dos territórios.
Grandes aplausos.
Há factos a desmentir estas previsões; apesar disso, este caso é o mais simples dos que a África negra nos apresenta.
A questão é de facto muito mais intrincada quando os territórios são povoados por brancos e por negros, sobretudo se o branco ocupou territórios livres, desbravou as terras, estabeleceu as explorações agrícolas ou industriais, financiou os empreendimentos, organizou a administração, manteve a ordem e a paz. A descoberta, a conquista, o trabalho incorporado no solo, a sucessão das gerações, são títulos do legitimidade contra os quais a frase explosiva corrente - a África é dos Africanos - pretende nada menos que refazer a história, sem dispor de força para dar solução ao problema. Esses territórios encontram-se premidos entre o valor da qualidade que é a administração, a direcção do trabalho, a posse dos meios económicos e o peso do número, por si só insuficiente para assegurar o progresso geral. Pretende-se democraticamente resolver o problema, conferindo ao maior número a direcção total da comunidade. Devemos ter a coragem de afirmar que estes casos não têm solução possível - digo solução pacífica, equitativa, progressiva - dentro das ideias correntes; não têm solução nenhuma no quadro do racismo negro nem do racismo branco.
Aplausos demorados.
O único caminho seria enveredar no sentido das sociedades plurirraciais em que as raças se misturassem ou convivessem, vindo a pertencer a direcção e o mando aos mais hábeis e melhores; mas este processo nem sempre é espontâneo e não pode em qualquer caso dispensar a tutela e guia da soberania tradicional.
Através das nuvens de poeira que a campanha anti-colonialista levanta, não se atenta num compreende o drama das sociedades deste tipo, como, entre outras, a Argélia, as Rodésias, a África do Sul. Quando vejo cegos ataques desferidos contra as soberanias responsáveis e contra as providências naturalmente hesitantes ou até contraditórias dos seus governos, em vez de mostras de compreensão e de pacientemente se ajudarem a vencer as dificuldades, pendo a crer que a razão e a justiça são sacrificadas a ideologias sem base e a paixões instintivas ou que há outros interesses em jogo que não são propriamente nem os interesses dos pretos nem os interesses dos brancos que com eles convivem.
Grandes aplausos.
Todos os territórios africanos de uma ou outra composição demográfica, talvez com excepção da África do Sul, se consideram correntemente subdesenvolvidos. Acerca das possibilidades de progresso económico e social andam no ar muitas ilusões e há esperanças que talvez jamais se convertam em realidades, dadas as características do continente africano. Mas de qualquer modo, mesmo nos territórios mais avançados por obra e graça do branco, há longos caminhos a percorrer quanto à saúde, à educação, à produção de riquezas, ao emprego, ao nível de vida das populações.
Apoiados gerais.
Esse trabalho ciclópico e ingrato exigirá largos espaços de tempo e, além de tempo, capitais, técnica, direcção administrativa. Quem os fornece?
Os territórios de que me ocupo não criam capitais suficientes para a sua crescente valorização, não dispõem de técnicos bastantes nem da direcção necessária. Os problemas raciais que estão sendo avivados e suscitados, mesmo onde não existem, importam a inutilização dos valores de organização e financiamento quo o branco representa. Então formulam-se sugestões, umas ousadas e inviáveis, outras ingénuas e ineficazes, para que o vazio criado seja de qualquer forma preenchido, em homens e em dinheiro.
A necessidade de realizar essa tarefa é evidente; mas mais premente será antes a de planear, em harmonia com as necessidades da população e as directrizes e exigências da economia mundial, o conjunto do trabalho nos territórios. E veremos então surgir algures a sede desses cérebros, a central desses técnicos, a banca dessa finança, estranhos aos territórios, mas encarregados de ocupar-se deles, com o que teremos inventado uma nova forma de colonialismo - o colonialismo internacional. Temos exemplos à vista.
Aplausos calorosos.
Quanto aos capitais necessários, o problema é redutível a saber se se caminha no sentido do subsídio dadivoso ou no do capitalismo. As pessoas que têm alguma experiência de governo sabem que mesmo nas nações de mais antiga estrutura as marcas de solidariedade da população podem revelar-se com exuberância, mesmo com entusiasmo, mas sempre acidentalmente; não é essa a forma normal de nos ajudarmos uns aos outros. A intervenção da autoridade é que indica as rotas, define as necessidades e distribui os sacrifícios. Mas na sociedade internacional não só estamos muito mais longe dos sentimentos de coesão fra-
Página 86
86 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 179
terna, como não existe a organização que disponha de autoridade para impor a todos a sua contribuição.
Aplausos demorados.
Eu quero significar que o subsídio gratuito, mesmo de carácter e fim político, será sempre insuficiente, e que só o investimento de feição capitalista, mais ou menos interessado, permitirá resolver as dificuldades. Mas quer este investimento seja privado, quer seja público ou estadual da parte de quem o fornece ou de quem o utiliza, ele exigirá, além da ordem e do trabalho das populações locais, as garantias mínimas que só uma soberania responsável pode assegurar. E toda a dificuldade estará aqui: a necessidade de uma soberania responsável exercida por um Estado devidamente organizado: ora é duvidoso que possam consegui-lo, no meio de tribos desavindas, os regimes importados da Europa e da América.
Que para fugir à possível influência política exercida por via financeira se queiram adoptar métodos de financiamento confiados às Nações Unidas ou a outros organismos apolíticos, se os há neste Mundo, é indiferente, porque na situação actual não se poderão obter capitais sem a segurança de que serão aplicados reprodutivamente e não se sumirão na voragem das populações em desordem e das actividades anarquizadas. Não se conhecem fontes de rendimento públicas ou privadas rapazes de aguentar, tais esbanjamentos.
Concluiremos que essa onda de odiento racismo que se levanta contra, o branco em África, e será também lá contra o amarelo amanhã, não é moral, mas, sobretudo, não é inteligente; e que o abandono, se precipitado, de muitos territórios por parte das potências europeias se me afigura um crime mais contra o negro que se pretendia elevar do que contra o branco, mesmo que ameaçado de expulsão e despojado de todos os seus haveres.
Calorosos aplausos.
Não haverá então outra alternativa? Sim, e começam a despontar exemplos. Uma economia de Estado pode arrancar para a produção e o comércio externo, apropriando-se gratuitamente de todos os meios ao serviço da economia privada. Esta não se desenvolverá mais nos termos anteriores, mas o rompimento da estrutura económica e social existente, a negação violenta do direito de propriedade e a formação de uma economia socialista são suficientes para definir a política do Estado e atrair-lhe os apoios necessários ao desenvolvimento ulterior. Para compensar a falta de capitais ou a baixa produtividade do trabalho será condição essencial a mobilização da mão-de-obra existente e porventura outras servidões. Mas a independência continuará a ser a liberdade do território, e é compatível com a escravidão dos indivíduos. Há quem não acredite no comunismo em África. Pois ele entrará por muitos meios, e um dos meios é este.
Aplausos prolongados.
A campanha anticolonialista desconhece estes factos e as dificuldades e as consequências da política prosseguida? Permito-me exprimir a tal respeito a maior dúvida. Na campanha concorrem duas forças não forçosamente solidárias, salvo quanto ao objectivo final. O comunismo, na sua luta contra o Ocidente, previu, estudou, montou toda a máquina com que espera diminuí-lo ou vencê-lo, desintegrando a África e subtraindo-a à sua direcção e influência. Não lhe importam quaisquer outras consequências, exactamente porque sobre o caos construirá melhor.
Vibrantes aplausos.
Por outro lado, aqui e além, pequenas mas activas minorias, agitando as massas, parecem esforçar-se por dar uma pátria a povos que a não tinham; mas os novos nacionalismos, ao abandonarem as antigas dependências, correm de mãos dadas atrás de uma esperança vã - a de que, sendo da mesma cor, podem sustentar-se mùtuamente ou entender-se melhor. Que ilusão! Os interesses não têm a mesma cor dos homens. A solidariedade que se revela na actual frente de ataque não é uma solidariedade de fundo; ela empenha-se na destruição das actuais estruturas, mas é incapaz de construir outras novas.
Grandes e demorados aplausos.
A unidade de África é afirmação gratuita que a geografia e a sociologia desmentem.
Prolongados aplausos.
E, ao contrário do que aconteceu na América, a Europa não se deu o tempo de definir mais racionalmente fronteiras, pacificar em definitivo raças e tribos, formar nações que fossem verdadeiros substratos de Estadas. Quem serão então os futuros organizadores? Façamos uma pergunta mais directa: quem serão os futuros colonizadores? Esta a incógnita que pesa sobre grande parte de África.
Apoiados gerais.
Para nós, nação compósita - euro-africana e euro-asiática - , as considerações acima não têm apenas interesse especulativo; é possível derivarem do movimento actual consequências graves e talvez se nos levantem problemas de soberania e vizinhança. Debrucemo-nos por isso sobre nós próprios, para averiguarmos sob que ângulo os temos de enfrentar.
Quando a nação portuguesa se foi estruturando e estendendo pelos outros continentes, em geral por espaços livres ou desaproveitados, levou consigo e pretendeu imprimir aos povos com quem entrara em contacto conceito muito diversos dos que mais tarde caracterizaram outras formas de colonização.
Calorosos aplausos.
A populações que não tinham alcançado a noção de pátria ofereceu-lhes uma; aos que se dispersavam e desentendiam em seus dialectos punha-lhes ao alcance uma forma superior de expressão - a língua; aos que se digladiavam em mortíferas lutas assegurava a paz; os estádios inferiores da pobreza iriam tendo progressivamente vencidos pela própria ordem e pela organização da economia, sem desarticular a sua forma peculiar de vida. A ideia da superioridade racial não é nossa: a da fraternidade, humana, sim, bem como a da igualdade perante a lei. partindo da igualdade de méritos, como é próprio de sociedades progressivas.
Demorados e vibrantes aplausos.
Em todos esses territórios a mistura das populações auxiliaria o processo de formação de uma sociedade plurirracial; mas o mais importante, o verdadeiramente essencial, estava no espírito de convivência familiar com os elementos locais; nas possibilidades reconhecidas de acesso na vida económica e social; nos princípios de uma cultura mais avançada e de uma moral superior, que, mesmo quando violada, era a regra do comportamento público e privado. Se através destes meios de acção, forçosamente lenta, conseguia formar-se uma comunidade com certo grau de
Página 87
2 DE DEZEMBRO DE 1960 87
coesão, pode dizer-se que a tarefa estava vingada:
a independência e a igualdade dos povos integrados com seus territórios numa unidade nacional.
Prolongados aplausos.
Mais de 300 anos trabalhámos no Brasil inspirados pelo mesmo ideal e o que ali passou a observar-se é verdadeiramente extraordinário: o Brasil tem as portas abertas a gente de quase todo o Mundo, caldeia-a na variedade dos seus elementos demográficos, absorve-a, assimila-a e não diminui em lusitanidade. Entre os países pura cuja formação contribuíram raças diferentes nenhum como ele apresenta tão completa ausência de traços racistas na legislação, na organização política, na conduta social. Ele é a maior experiência moderna de uma sociedade plurirracial, ao mesmo tempo que exemplo magnífico da transposição da civilização ocidental nos trópicos e no continente americano. Pacífico, estável, dinâmicamente progressivo, o Brasil, mesmo ao rever-se nas suas criações próprias, não tem que maldizer das origens nem renegar a sua pátria.
Aplausos demorados.
A sociedade plurirracial é portanto possível e tanto de cepa luso-americana como de base luso-asiática, segundo se vê em Goa, ou luso-africana, em Angola e Moçambique. Nada há, nada tem havido, que nos leve a conclusão contrária. Simplesmente essa sociedade exclui toda a manifestação de racismo - branco, preto ou amarelo - e demanda uma longa evolução e trabalho de séculos, dentro dos princípios que estão na base do povoamento português. Mal avisados andaríamos agora a inovar práticas, sentimentos, conceitos diversos dos que foram o segredo da obra realizada e são ainda a melhor salvaguarda do futuro.
Grandes aplausos.
Estamos em África há 400 anos o que é um pouco mais que ter chegado ontem. Levámos uma doutrina, o que é diferente de ser levados por um interesse.
Aplausos vibrantes.
Estamos com uma política que a autoridade vai executando e defendendo, o que é distinto de abandonar aos chamados «ventos da história» os destinos humanos.
Grandes aplausos.
Podemos admitir que a muitos custo compreender uma atitude tão estranha e diversa da usual; mas não podemos sacrificar a essa dificuldade de compreensão populações portuguesas cujos interesses na comunidade nacional consideramos sagrados.
Calorosos aplausos e vivas ao Sr. Presidente do Concelho.
É possível encontrar muitas deficiências no nosso trabalho e somos os primeiros a lamentar que a limitação dos recursos não nos tenha permitido ir mais além. Especialmente nas comunicações, na divulgação da instrução, na organização sanitária, temos diante de nós largos caminhos a percorrer. Mas mesmo nesses como em muitos outros domínios, quando nos comparamos não temos de que envergonhar-nos.
Aplausos vibrantes.
As nossas cidades e vilas, os nossos caminhos de ferro, os portos, os aproveitamentos hidroeléctricos, a preparação e distribuição de terras irrigadas por brancos e pretos, a exploração das riquezas do subsolo, as instalações dos serviços, têm seu mérito. Mas o ambiente de segurança, de paz e de fraternal convívio entre os muito diversos elementos da populaça o - caso único na África de hoje - é a maior obra, porque a outra qualquer a podia fazer com dinheiro e esta não.
Aplausos vibrantes.
O trato familiar de sucessivas gerações foi forjando e consolidando a unidade entrevista no começo. Esta unidade não é por isso uma ficção política ou jurídica, mas uma realidade social e histórica traduzida nas constituições, e levanta obstáculos muito sérios aos que, pensam dedicar-se agora a, tarefa de emancipar a África Portuguesa. Vêm tarde: já está.
Oração.
É que essa unidade não comporta alienações, cedências ou abandonos: as figuras jurídicas do plebiscito, do referendo, da autodeterminação, tão-pouco se quadram na sua estrutura.
Oração prolongada.
Aos inclinados a supor que teorizamos opomos as espontâneas e vibrantes reacções da consciência nacional ao pressentir o mais leve perigo. Aqui e no ultramar, em território nacional ou estrangeiro, o Português de qualquer cor ou raça sente essa unidade tão vivamente que toma as discussões como ameaças e as ameaças como golpes que lhe retalham a carne. De modo que não há mais a fazer do que proclamá-la a todos os ventos e, na medida do possível, vigiá-la em todas as fronteiras.
Aplausos vibrantes e demorados.
liás, a ligeireza com que temos visto falarem uns, calarem-se outros, sobre, problemas desta transcendência - o desuno de milhões de seres humanos - , faz-me crer que não foi ainda devidamente apreciada a gravidade das implicações possíveis de tão grandes desvarios. No domínio do direito internacional, das realidades práticas, das relações convencionais e dos interesses em jogo há ainda, pelo que nos toca, muita matéria a esclarecer no debate.
Apoiados gerais.
Os aspectos que venho referindo acerca da unidade da Nação na pluralidade dos seus territórios importam a unidade de direcção política, com a colaboração de todos, mas não têm nada a ver com certos problemas que apenas respeitam à organização administrativa e a maior ou menor descentralização e autonomia, problema acerca do qual vejo muitas pessoas manifestarem-se altamente interessadas. Não se trata para mim de problema de princípio, mas, sobretudo, de possibilidades.
Nas últimas décadas a economia do ultramar, designadamente em Goa e nas províncias de Angola e Moçambique, tem tomado grande desenvolvimento, e, a par do progresso económico e dos progressos da instrução, vai surgindo um escol cada vez mais numeroso de pessoas aptas para a administração dos territórios. É, aliás, fenómeno natural a tendência para o alargamento de funções em correlação com necessidades acrescidas e os meios de que se dispõe. Por outro lado, a vastidão dos territórios e até as distâncias que os separam, ao mesmo tempo que as particularidades de alguns dos seus problemas, hão-de ir impondo que mais vastos sectores da Administração sejam confiados aos órgãos locais, com o que pode ganhar-se em tempo
Página 88
88 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 179
e até, teoricamente no menos, na justeza de apreciação das circunstâncias de lugar; no entanto, nada pode dispensar a competência de largas élites com que os serviços se enriqueçam. Um único ponto me pareceria contrariar o espírito de unidade: seria pensar numa espécie de exclusivo ou privilégio que negasse a um português o direito de trabalhar ou de servir em qualquer fracção do território, segundo as suas aptidões. Não temos goeses e moçambicanos em Lisboa? Europeus e cabo-verdianos na Guiné? Angolanos ou guinéus em Moçambique? Moçambicanos em Timor? Pois assim penso deverá continuar a ser.
O Governo tem o espírito aberto a todas as modificações da estrutura, administrativa, menos às que possam atingir a unidade da Nação e o interesse geral.
Temos de dizer uma palavra acerca do quadro em que vem desenvolvendo-se a campanha contra Portugal e os seus territórios de além-mar. Esta foi, por assim dizer, oficializada nas Nações Unidas, mas dispõe fora delas dos seus órgãos de divulgação e de acção subversiva.
Apoiados.
Afigura-se-me que as Nações Unidas se encontram num passo crucial da sua vida, não porque tenham avançado no sentido da universalidade - foram criadas para albergar em seu seio todos os Estados independentes - , mas porque se vão afastando do espírito que presidiu à sua criação, ao mesmo tempo que substituem os processos de trabalho.
Aplausos.
É visível a tendência para converterem-se em parlamento internacional, a que não faltam mesmo sessões tempestuosas, partidos ideológicos e rácicos, arranjos de corredores. Para, que a solução por que alguns anseiam se completasse seria no entanto necessário sobrepor-lhe um executivo responsável da confiança da Assembleia, o que oferece dificuldades, na medida em que os Estados Unidos se não disponham a custear a política aventurosa de alguns novos Estados ou a Rússia não esteja resolvida n trabalhar com um parlamento que não seja inteiramente seu, e esse não é ainda o caso.
Aplausos gerais.
Mesmo sem governo e sem capacidade de impor normas obrigatórias para os Estados membros, esse parlamento pode criar - está já criando - , através das suas tribunas e da ressonância que emprestam às afirmações produzidas, vagas de agitação, ambientes subversivos, estados de espírito que funcionam como meios de pressão sobre as nações estranhas aos grandes clãs da Assembleia. E tendo sido instituídas para a paz, já ali se ouvem em demasia vozes que a não pressagiam.
Calorosos aplausos.
Muitos Estados recém-vindos às Nações Unidas mostram-se convencidos de que só ali podem ter apoio e defesa. O resultado é que, junta a essa convicção a deficiência natural das suas representações diplomáticas, a via bilateral para a solução dos problemas vai sendo abandonada e é fatal nas comissões e na Assembleia a tendência para a internacionalização de todas as questões e conflitos, mesmo que em nada interessem ao resto do Mundo.
Aplausos.
A distância que vai do direito do voto à capacidade de decisão ou de uma maioria votante à força efectiva das nações faz que saem um pouco a falso as grandes objurgatórias, mas não anula o seu perigo. Revela em todo o caso um desequilíbrio que, ou desaparecerá, ou de alguma forma terá de ser compensado.
Aplausos demorados.
Para mim, sem o dom da profecia, o carácter parlamentarista, excessivamente intervencionista e internacionalizante das Nações Unidas marcará o próximo futuro, até uma crise grave que as porá à prova. Temos de tê-lo presente, visto que não nos dispomos a aceitar a intervenção abusiva de terceiros na nossa vida interna.
Oração.
Todos os nossos territórios estão abertos à observação de qualquer e o Governo e os serviços publicam dados suficientes para só saber em cada momento como marcha a administração. A posição que havemos tomado, e manteremos, não vem, pois, de pretendermos ocultar seja o que for, mas de que nos é impossível aceitar para as nossas províncias ultramarinas, que fazem parte da Nação, situação equivalente à de territórios tutelados pela O. N. U. e destinados a subsequente secessão, bem como prestar contas ali de como os Portugueses entendem governar-se na sua própria casa.
Oração prolongada.
É ilegítimo da parte das Nações Unidas resolver discriminatòriamente contra Portugal: a Assembleia Geral não tem competência para declarar não autónomos territórios de qualquer potência.
Grandes aplausos.
Esta é a interpretação juridicamente correcta e que sempre foi dada aos princípios da Carta. Nesses termos fomos admitidos, e se outro fosse o entendimento dos textos é certo que não nos teríamos apresentado a fazer parte da Organização.
Calorosos aplausos.
Qualquer pessoa de boa fé pode verificar existirem paz e inteira tranquilidade nos nossos territórios ultramarinos, sem emprego da força e apenas pelo hábito da, convivência pacífica.
Aplausos vibrantes.
Mas fora deles, no Congo, na Guiné, no Ghana e nalguns outros, não falando já dos países comunistas ou sob a sua direcção, sabemos que se organizam comités, ligas, partidos contra a unidade portuguesa, ao mesmo tempo que emissões radiofónicas de vários lados, e servindo-lhes de apoio, tentam perturbar o viver da nossa gente. Estes agitadores dispõem, ao que parece, de fundos importantes e de protecções especiais, e com uns e outras se publicam ainda manifestos e pequenos jornais para exploração da credulidade pública. A gente é pouca mas desdobra-se, para parecer muita, mudando de nome (risos); em todo o caso, apresenta-se mesmo em capitais qualificadas e consegue meter pé em imprensa de categoria mundial e considerada responsável. Este ponto é digno de atenção, tanto mais quanto a essa grande imprensa lhe era fácil mandar informar-se localmente da verdade dos factos.
Apoiados gerais.
As coisas mudaram muito e mudaram muito em pouco tempo. Havia dantes certo número de regras que
Página 89
2 DE DEZEMBRO DE 1960 89
pautavam a conduta dos Estados é de certo modo condicionavam a sua admissão na comunidade internacional. Era admissível asilar políticos em desgraça, mas não se admitia organizar bandos de guerrilheiros, para intervir em território alheio, alimentar programas de difamação, financiar a sublevarão de populações putrificas, fornecer armamento, preparar cientificamente revolucionários. Pois tudo se faz hoje e se apregoa com a altiva segurança de estar servindo grandes causas, ao mesmo tempo que se tem como norma Migrada a boa vizinhança e a não intervenção nos negócios internos dos listados. Está a abusar-se da hipocrisia do cinismo.
Oração.
Com eles desaparece na sociedade internacional o mínimo de confiança e de respeito mútuo, indispensável à vida.
Oração.
Mas é esta vida que vamos viver alguns anos.
Como vamos proceder?
A unidade nacional, alicerçada na amiga fidelidade e convivência dos povos espalhados pelas várias províncias de Portugal, é a base indispensável - a única verdadeiramente eficiente - da nossa defesa. A consciência dessa unidade há-de ser o mais forte escudo contra a acção das propagandas externas, mas não constitui só por si toda a defesa. Esta temos de organizada - temos vindo a organizá-la - nos planos correspondentes à multiplicidade de métodos usados contra nós.
Aplausos
Entretanto, temos de continuar a nossa vida, executar os nossos programas, promover os nossos empreendimentos, tão firmemente, tão serenamente, como se não fosse já escândalo para o Mundo a pretensão de continuarmos a defender o que muitos vêem ameaçado e alguns julgam mesmo perdido, na esteira de acontecimentos recentes que, aliás, se processaram em linhas muito diversas. Não vejo que possa haver descanso para o nosso trabalho nem outra preocupação que a de segurar com uma das mãos a charrua e com a outra a espada, como durante séculos usaram nossos maiores.
Demorada avocação.
Esta nova tarefa, cujo peso nem sequer podemos avaliar, é desafio lançado à geração presente e vai ser uma das maiores provas da nossa história. É preciso ter o espírito preparado para ela; exigirá de nós grandes sacrifícios, a mais absoluta dedicação e, se necessário, lambem o sangue das nossas veias, como já foi em Goa e noutras partes. Esta é a nossa sina, isto é, a missão da nossa vida, que não se há-de amaldiçoar, mas bendizer pela sua elevação e nobreza.
Aplausos demorados.
Daqui a poucos anos - dois? três? quatro? - uma de duas coisas se observará em África: o progresso paralisado em muitas das suas extensões, com a, total ruína das economias, a degradação das populações e o horror das lutas intestinais, ou então tentativa ou experiências de colonialismo internacional, irresponsável e só por isso inumano, diante do qual o preto, diplomado ou não, será apenas uma unidade estatística. Então, muitos dos que, no alvoroço do momento, exigem a emancipação dos territórios portugueses, sem outra vantagem que desintegrá-los da Mãe-Pátria e com isso diminuir a resistência da Península, pensarão que prestámos grande serviço à Humanidade com o nosso exemplo às populações ultramarinas de todos os credores e cores tê-las defendido e poupado a novas do escravidão.
Oração.
Há já muito tempo que abandonei a controvérsia com a União Indiana a propósito de Goa. Parece-me que nos, inferiorizava este como diálogo de surdos e nada se adiantava em repetir indefinidamente as mesmas recusas às mesmas pretensões.
Apoiados.
O primeiro-ministro da União Indiana é, ao mesmo tempo que figura internacional de grande relevo, chefe de partido e de uma maioria parlamentar. Inventou a questão de Goa, que não existia; multiplicou depois os meios com que obtivesse satisfação às suas ambições, e não foi feliz. Vê-se, porém, obrigado a cada momento, na imprensa e nas Câmaras, a dar explicações, a reiterar promessas, a alimentar o fogo sagrado.
Apoiados.
A sua tese básica é que a geografia dita o direito político, cria, define e autentica a soberania. É evidente que o nosso Estado da Índia pertence geogràficamente ao Indostão, mas se por esse tanto devesse fazer parte da União Indiana, outros Estados ora independentes estariam condenados a ser absorvidos nela.
Em certo momento a China perfilhou a doutrina, aplicando-a, ao que parece, a regiões indianas do Himalaia; mas Caxemira continua privada de se integrar, como é sua vontade, no Paquistão, com certo escândalo mundial. Isto significa que a doutrina do primeiro-ministro não é segura nem domina todos os casos, e que para cada interesse tem de formular uma tese que o proteja ou sirva de base às suas reivindicações. É evidente que a situação criada não acredita uma nação como a índia nem os seus mais altos dirigentes.
Apoiados vibrantes.
Verificámos então que a União Indiana, para se refazer do prestigio abalado, tomou afincadamente na O. N. U. a chefia da oposição afro-asiática contra Portugal, na esperança de, multiplicando as dificuldades pelos vários territórios portugueses, sentir maiores facilidades para as suas pretensões quanto a Goa. E não só quanto a Goa, mas quanto ao Leste africano, em que tem postos os olhos. E quer também entregar Macau à China e o Timor Português à República da Indonésia, que mais de uma vez tem afirmado não lhe pertencer.
Risos.
Foi no entanto para nós grande satisfação verificar que as dezenas de milhares de goeses do Quénia, mau grado os aliciamentos e pressões de agentes indianos o apesar da situação delicada em terra estranha, ainda há poucas semanas revelaram, na inauguração do Forte de Jesus, em Mombaça, e da estátua de Vasco da Gama, em Melinde, com a presença do nosso Ministro da Presidência, como era vivo e profundo e sincero e seu portuguesismo.
Nós respeitamos como grande potência asiática a União Indiana e ao pretendermos manter relações do boa vizinhança não cumprimos senão o nosso dever. Não fazemos estendal nem das revoltas, nem das fomes, nem das epidemias, nem das vítimas de todas as insuficiências. Nós temos obrigação de crer que o Governo faz os máximos esforços por não deixar morrer de fome o seu povo, por elevar-lhe o nível de vida, por diminuir as diferenças sociais. Mas não nos parece bem - e é
Página 90
90 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 179
sobretudo contra a justiça - que a União Indiana pretenda amesquinhar, confrontando-se em conjunto com o nosso Estado da Índia, a civilização luso-indiana que ali se respira.
É sobretudo chocante que os governantes da União Indiana declarem não reconhecer o direito histórico de Portugal, ou o considerem perempto pela sua mesma antiguidade; não respeitem a vontade expressa da população para insistirem em anexações ou integrações dos territórios alheios. É chocante sobretudo a dificuldade que têm confessado sentir em compreender bem o alcance do acórdão do Tribunal Internacional de Justiça, sobre o trânsito para Dadrá e Nagar Aveli, acórdão que, havendo sido dado a nosso favor, temos agora de saber como se executará.
Aplausos.
Porque por ora estamos convencidos de que a comunidade internacional precisa de desenvolver-se em termos de direito, o nau em termos de forca, é nossa obrigação fazer tudo para que assim seja.
Oração.
Goa é uma pequena jóia que não interessa à União Indiana pela sua extensão, e só nos interessa a nós pelo mandato da história e a todo o Ocidente pelo que representa de uma ideia de confraternização ou de convivência mundial que ali implantámos, que dali irradiou e muito depois de nós outros pensam ter inventado e desejam impor. Eis porque, se foi infeliz criar a questão, muito mais infeliz seria, criar um conflito, visto que não pudemos negociar nem podemos transigir.
Oração demorada.
Penso ter exposto os dados essenciais dos problemas suscitados pela, campanha anticolonialista s demonstrado que deles se não podem tirar, quanto a nós, conclusões diversas daquelas a que o Governo chegou. Em pequenas coisas de pormenor é muito possível não estarmos todos de acordo, mas, exactamente porque são de pormenor e suposta pequena importância, não vale a pena fazermos com elas controvérsia e muito menos campos de batalha. O que mais nos importa é mostrar em actos a unidade que é real no fundo das consciências, porque não vejo de fora senão olhos postos em dissidências ou desuniões possíveis; estas facilitariam jogos de interesses que penso não serem os da comunidade portuguesa.
Oração prolongada.
Longe de nós, porque alheio à consciência nacional, haverá quem penso deverem aplicar-se aos nossos territórios as fórmulas e processos que vimos redondamente fracassar noutras partes e outros, talvez sem tão más intenções, revelam alguma ansiedade por aproveitar este caso nacional - o grande problema da pátria portuguesa no nosso tempo - para, ver se lhes é possível enxertar aí agitações ou mudanças políticas do seu agrado. Noto a grande desproporção entre os fins e os meios. Seja, porém, qual for a evolução dos problemas internos, a Nação é uma herança sagrada e a sua integridade não poderá ser sacrificada a ódios, compromissos e ambições insatisfeitas. E para quê, meu Deus? É tão fácil ser governo e é tão difícil governar!
A assistência aclamou delirantemente e por largo tempo o Sr. Doutor Oliveira Salazar.
O Sr. Presidente : - A Assembleia Nacional acaba de ouvir a voz do Sr. Presidente do Conselho. A voz que a Nação esperava.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Ninguém pode ter dúvidas, nem interna nem externamente, de que a Nação reconheceu nas palavras do Sr. Presidente do Conselho a sua própria voz; e de que a Nação seguirá essa voz, intrèpidamente, em todas as dificuldades e sejam quais forem os transes que tenha de enfrentar.
Vibrantes aplausos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - A próxima sessão será na sexta-feira, com a mesma ordem de trabalhos.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Carlos de figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Américo da Costa Ramalho.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Pereira Jardim.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Maria de Lacerda, de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Sebastião Garcia Ramires.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA