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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA OA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 180
ANO DE 1960 3 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO 180, EM 2 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa um ofício do 9.º juízo correccional de Lisboa a pedir autorização para o Sr. Deputado Paulo Rodrigues ali depor como testemunho.
Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização solicitada.
O Sr. Presidente informou haver sido recebido o parecer da Câmara Corporativa acerca da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1961, o qual às Comissões de Finanças e Economia.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Sarmento Rodrigues, Adriano Duarte Silva, melo Machado, Alberto Cruz, José Hermano Saraiva, Rodrigues Prata, Cardoso de Matos, Silva Mendes, Vasques Tenreiro e Martinho da Costa Lopes.
Concluindo o debate, foi lida na Mesa uma moção subscrita por vários Srs. Deputados, a qual, posta à relação foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.
CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 27/VII, acerca do projecto de proposta de lei n.º 518 (autorização das receitas e despesas para 1961).
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes Aires Fernandes Martins.
Alberto Cruz.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António do Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gania Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Tasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
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João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Pais de Azevedo.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José das Santos Bessa.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís do Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Cosia.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Noel Peres Claro.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 69 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Do Sr. Deputado Franco Falcão, impedido de comparecer à última sessão, a apoiar o discurso do Sr. Presidente do Conselho sobre a campanha anticolonialista.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício do 9.º juízo correccional da comarca de Lisboa a pedir autorização à Câmara para que o Sr. Deputado Paulo Rodrigues possa ali depor como testemunha no próximo dia 21 de Dezembro.
Informo a Assembleia de que aquele Sr. Deputado não vê qualquer inconveniente para a sua actuação parlamentar em que a referida autorização seja concedida.
Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização.
O Sr. Presidente: - Está também na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei de autorizarão das receitas e despesas para 1961. O parecer vai baixar imediatamente às Comissões de Finanças e Economia.
ausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sarmento Rodrigues.
O Sr. Sarmento Rodrigues: - Sr. Presidente: seria estranhável que neste primeiro dia de trabalhos parlamentares se não fizessem referências à desbragada campanha, chamada de anticolonialismo, que especialmente nos visa e que tem a sua mais espectacular assembleia no também chamado seio das Nações Unidas. Ë que, embora tenhamos de encarar com tanta serenidade quanta firmeza os ataques que nos têm sido dirigidos, não podemos ser insensíveis nem dominar as naturais reacções que eles nos provocam.
O nosso povo, em múltiplas e variadas representações, já tem procurado manifestar o seu veemente protesto perante os agravos e a sua decidida resolução de enfrentar todas as dificuldades. O povo português de todas as partes do Mundo, mesmo aqueles que vivem em terras estrangeiras. O movimento de repulsa é geral e total entre os Portugueses. Quem tem de comunicar com agrupamentos, civis ou militares, seja em que cerimónia for, sente que por cima do significado de cada alto paira a grande preocupação do momento, essa ameaça que se desenha contra a nossa soberania. Posto que tivéssemos a certeza de que os dirigentes, o Governo deste país. correspondiam, inteiramente às esperanças que a. Nação neles deposita, compreendia-se a reserva, e até a ansiedade, de muitos portugueses, que esperavam uma autorizada palavra de confiança e de ânimo.
Ora justamente as declarações do Sr. Ministro do Ultramar, feitas primeiramente na televisão, foram do maior alcance e trouxeram um merecido conforto ao espírito de todos os portugueses. Palavras serenas e prudentes, mas que traduziam bem o pensamento do Governo de sustentar com decisão e sem transigências os direitos desta nação. Não abandonar os Portugueses, seja onde for, à negra sorte que os ameaçaria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para qualquer governo digno, este é o principal dever e a mais sagrada obrigação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Outras declarações de destacados membros do Governo vieram corroborar e reforçaram aquelas confiança e determinação.
E na sessão de anteontem tivemos o privilégio de ouvir a palavra do Sr. Presidente do Conselho definindo magistralmente e intemeratamente a nossa política nacional ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... cujas linhas mestras são as mesmas que serviram, através dos séculos, para estruturar a própria Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao referir-se a tantas incompreensões, traduzidas em agravos que temos recebido de alguns países, a sua voz elevou-se ao mais puro aticismo. O respeito pela dignidade dos outros governos e povos eu estaria tentado a entendê-lo para alguns, como um apelo à dignidade ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... mesmo pura com aqueles que grosseira e injustamente nos atacaram -, respeito que através da sua exposição nunca foi traído, é um exemplo
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precioso que o Mundo terá de seguir se quisermos salvar as possibilidades de viver em sociedade internacional, ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... discutindo livre e serenamente os problemas comuns. Num momento que é de verdadeira alucinação desregrada nos contactos entre as nações, este modelo de um homem, e com ele um povo, que não são arrastados por essa corrente de desmandos verbais e outros actos gravosos, corrente que a muitos tem parecido irresistível; homem, Governo se povo que através de tudo se mantêm dignos e justos, serenos e firmes, poderá ser um ponto de partida para a reconquista de grandes valores morais perdidos e para a estruturação de uma verdadeira paz.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Neste aspecto, as palavras do eminente. Chefe do Governo são mais do que a defesa dos direitos de um povo. porque mensagem universal de ressonâncias bíblicas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à nossa vida interna, a exposição é completa e clara na sua sobriedade. A base da unidade reside na vontade de sermos portugueses, exuberantemente manifestada. A determinação do Governo, o seu dever, é defender os Portugueses e os seus direitos. Nada escondemos da nossa vida e dela a ninguém temos de prestar contas. Como missão, não descansar, estar preparado para grandes sacrifícios, confiança.
Estas palavras, tão positivas, tão claras, tão decididas, tão justas, tão necessárias, vão certamente renovar e fortalecer o ânimo de todos os portugueses.
8e a situação a todos nos dá cuidados, eu podia especificar que os dá, sobretudo, aos portugueses do ultramar. Porque se nas quatro partes do nosso mundo temos o mesmo interesse vital em continuar unidos e a ser o que temos igualmente sido há mais de 500 anos - portugueses -, é evidente que a ameaça mais dura se põe para aqueles que se pretende considerar como menos portugueses e porventura entregar nas mãos dos que estão implantando a desordem, o caos. a desgraça, no seio das mais pacíficas populações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mãos inconscientes, quando não são criminosas. Somos nós, os que vivem no ultramar ou que vivem para servir o ultramar, que mais sentimos as ofensas e que, portanto, nos levantamos logo para barrar o caminho a qualquer agressão.
É certo que penso não estarmos na iminência de grandes acontecimentos em que tenhamos de empenhar recursos especiais. Não quero crer. Tudo aquilo a que estamos assistindo talvez não passe de um acervo de injúrias, de calúnias, e até de ameaças, que nos dirigem representantes de certos governos - alguns dos quais temos teimado um considerar como amigos, embora se não conduzam como tal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Digo que são esses governos que nos hostilizam porque não posso convencer-me de que os- respectivos povos a maior parte dos quais só de nós receberam serviços, altos serviços, que, como já algures
disse, chegaram a materializar-se na defesa e garantia da sua própria sobrevivência nacional - ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... esses povos não poderiam ter espontaneamente para connosco atitudes de inimizade. Estranho e incompreensível nos parece que países ligados ao nosso por pactos de defesa, solenemente assinados, tenham nega-lo, pelo seu voto a realidade nacional portuguesa, expressa nas leis e bem patente no facto. Tal atitude, que nos parece um atentado à soberania e à integridade da Nação Portuguesa, não pode deixar de ser vista à luz do uma ofensa aos compromissos mútuos assumidos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Pois que fez, entretanto, o nosso país que pudesse alterar a sua posição dentro dos pados ou dentro do Mundo? Como podem, portanto, os seus amigos tratá-lo diferentemente?
É claro, Sr. Presidente, que a única oposição, que era duvidosa, embora de recear, contra nós, provinha deita, alucinação de países, velhos e novos, que parece terem inscrito na agenda da sua vida independente a constante do ódio de raças, e até de crenças. Trabalhados por alguns agitadores internacionais, têm sido arrastados e agrupados para fins emocionais povo e governos de jovens países que tudo parecia indicar estarem dispostos a encarar a sua evolução dentro do melhor espírito de colaboração internacional. Mas os perturbadores levaram de vencida , num dia, esses sentimentos generosos que séculos de cultura ocidental tinham pacientemente ensinado e pareciam enformar os espíritos dos futuros dirigentes. Foram os recalcamentos, as frustrações -, os despeitos e invejas contidos que num momento explodiram e fizeram carreira.
Km muitos governos, em muitos dos seus dirigentes, quero acreditar que impera sobretudo o receio, o medo de não alinhar com o movimento de insubordinação antieuropeu, que parece irresistível.
Gostaria, meus Senhores, de não arriscar comentários que pudessem parecer acusações, infundadas a qualquer das nações cuja atitude foi tão desagradável para nós, na questão que se pôs na Comissão de Curadorias. E não o farei. Mas como poderemos calar, por exemplo, a mágoa de vermos alguns governos latino-americanos, aos quais nos ligaram sempre, laços afectivos dos melhores, que connosco têm celebrado horas de esplendores comuns, cujo desenvolvimento e portanto temos apoiado, alinharem contra nós?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Será porque reconhecem que a razão não está do nosso lado?
Ora, Sr. Presidente, o conhecimento das condições da vida portuguesa não é hoje tão reduzido como o foi noutros tempos. Numerosas personalidades estrangeiras, da mais variada categoria social, têm percorrido livremente as províncias ultramarinas, não se eximindo a manifestar a sua surpresa pelo que de agradável lhes foi dado ver, em contraste com o que naturalmente esperavam encontrar em África, terra tida como atrasada. Muitos desses visitantes estavam investidos de responsabilidades diplomáticas. Todos fariam, sem dúvida, informado seriamente os seus governos - embora se saiba que alguns governos não apreciam relatórios que mis são favoráveis.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Mas há ainda, e sobretudo, o caso gritante dos nacionais estrangeiros que vivem em colónias por vexes de grande desenvolvimento, em terras portuguesas do ultramar - estou a lembrar as progressivas colónias de estrangeiros das províncias de Moçambique e da Guiné - e que são perfeitos e profundos conhecedores da vida portuguesa. Para eles não poderia haver segredos. Eles não lerão deixado de prestar aos seus compatriotas nos países de origem, ou aos respectivos governos, as informações insofismáveis a nosso respeito. Fizeram-no, com certeza, pois, honra lhes seja, nem sequer só tem privado de participar em manifestações de apoio à Nação Portuguesa, nas várias oportunidades que se lhes oferecem e quando é posta em causa a nossa soberania.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Pois bem. Qual a razão por que parece querer inverter-se o juízo sobre ns territórios portugueses?
Não a posso dizer, não a saberei dizer. No entanto, creio que a atitude de muitos governos anda à roda das seguintes sujeições:
a) Estar dentro da corrente, chamada libertadora, dirigida por um grupo de países novos, da África e da Ásia; e que é preciso, agradar-lhe sem querer saber as razões;
b) Não dar azo a que o bloco comunista lance a menor suspeita sobre as convicções anticolonialistas de qualquer país.
Estas duas posições basilares privaram do uso da verdadeira razão muitos países e conduziram outros aos caminhos da transigência, da abdicação e dos oportunismos.
Esta é a mais modesta explicação que se pode dar para as atitudes pouco amigas dos que eram nossos amigos, nas Américas, na Europa, na África e na Ásia; para a atitude dos seus governos, que sacrificam valores permanentes da vida internacional às necessidades transitórias de uma política regional de ocasião.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Porque, repilo, ainda me nego a crer que os seus povos uniram sentimentos de inimizade para connosco. Tenho bem vivas na minha lembrança as impressões colhidas em tantos países da Ásia, do Médio Oriente, da África, da América, falando com o povo e com ns seus qualificados dirigentes. Era consolador ouvir dos confins do golfo Pérsico às ilhas do Extremo Oriente, das costas da Guiné às praias americanas do Pacífico, o mesmo louvor espontâneo à velha gente portuguesa, que por toda a parte deixou rastos do seu espírito fraternal, mostras do sen generoso coração: ouvi-as do povo e dos dirigentes, sempre ditas com o mesmo qualificativo de excepção (pie atribuíam ao povo português.
Onde estão, agora, essas amizades, essas admirações?
Ouvi também em tantas reuniões internacionais a que tenho assistido, algumas com intervenção activa de jovens nações independentes, as mais claras e honrosas afirmações e referencias de louvor à acção portuguesa, algumas vezes resultantes de uma. apreciação directa do nosso ultramar.
Onde estão essas opiniões que se escondem agora?
Pesa-me, Sr. Presidente, que governos nos«os amigos sejam levados a ofender-nos sem razão. Porque dos nossos declarados inimigos não tínhamos outra coisa a esporar. Como é triste e sintomático que essa mesma União Indiana, depois de ter sofrido a clamorosa derrota nas suas ilegítimas pretensões sobre Goa, que culminou com a sentença condenatória do Tribunal Internacional da Baia, como é espantoso que esse mesmo réu venha agora, com as mãos sujas das ofensas que praticou e não reparou ainda, chefiar o novo movimento de agressão contra o mesmo Portugal que em nada o agravou!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Que dizer daqueles amigos fiéis e intemeratos - grande virtude, a de não ter medo num mundo em que impera o temor, entre grandes e pequenos! -, amigos raros, mas valorosos, que nos acompanham - a Espanha, a França, a Bélgica, a África do Sul ... - nem sequer ia falar do Brasil, porque esse não é amigo, é «carne da nossa carne», como nos disse um dia um seu insigne presidente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - No mundo de hoje, privado da liberdade de pensar sem medo e de falar sem terror, uma nação que não renega as suas tradições de dignidade e de cultura tem direito ao respeito e admiração das gerações futuras, alicerça o próprio futuro.
Que a razão é nossa, não temos de o demonstrar. A prova foi feita no caso da Índia; a prova está sempre, feita. Todo o Mundo vê como na terra portuguesa há tranquilidade e paz.
Somos, temos sido apontados como exemplo de convivência racial, ausência de qualquer discriminação religiosa ou racial. (Já não se lembram, muitos dos que agora nos condenam com o seu voto de que em outros tempos, e por sermos assim, nos chamaram a vergonha da raça branca!).
Vivemos em paz com os nossos vizinhos, prestando-lhes serviços por vezes inestimáveis. Nem insultamos nem caluniamos ninguém.
Não sujeitamos qualquer território ao regime de exploração económica em proveito de outro pois quo cada qual tem orçamentos autónomos.
Temos as mesmas leis fundamentais, iguais para todos.
Todos igualmente têm direito de acesso à vida nacional, sem qualquer distinção racial geográfica ou religiosa. Apenas o grau de cultura os distingue. (Se nem todos os portugueses estão igualmente evoluídos, essa deficiência, que procuramos afincadamente tornar cada vez menor, aflige igualmente, e por vezes em muito maior escala a grande maioria das nações soberanas).
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A separação geográfica não constitui qualquer razão para separação política: é escusado citar os exemplos abundantes em várias nações cuja unidade se não pôs em dúvida.
Ocupamos nas quatro partem do Mundo territórios que pertencem legitimamente aos que os habitam, quo são portugueses. Não precisamos de invocar direitos históricos que seriam, título bastante porque existe uma realidade viva, inapagável, bem visível, a afirmá-lo.
Quem de entre nós se não sente português? Qual do nós pôs em dúvida a sua liberdade? Onde os movimentos revoltosos, os tumultos, os massacres? Porque, então, nos querem libertar? Libertar de quê ou de quem?
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Sr. Presidente: custa-me acusar, e só por imperiosa necessidade e acidentalmente o fiz. Mas não será o caso de chamar a atenção daquele alto organismo internacional para as invasões, extorsões, violências, tumultos, massacres, de que quase diariamente temos conhecimento pela imprensa? Pode aceitar-se que uma nação honrada, como a nova seja acusada de opressão e colonialismo, pela boca do quem justamente incorre nau práticas mais desumanas, algumas do mais férreo imperialismo?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não, Sr. Presidente. Não posso deixar de confiar na inteligência dos homens, neste caso dos que tomaram a responsabilidade de orientar os destinos do Mundo. Confio no veredicto final das Nações Unidas. O que se pretende com as propostas que ali se discutem e nos dizem respeito implica um propósito de intromissão directa na vida interna de um Estado soberano e do seu desmembramento - justamente dois objectivos que nem a moral internacional nem o espírito da Carta podem admitir.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Confio em que se não queira violar grosseiramente a Carta, nem destruir o próprio organismo, com todas as esperanças que nele estão depositadas.
Mas, seja qual for o resultado, uma coisa é certa: não vacilaremos perante acusações infundadas, nem cederemos a quaisquer pressões por desígnios inconfessáveis.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A nossa frente interna precisa de ser contínua e intensamente reforçada, valorizada em homens responsáveis e em recursos de toda a ordem, li a sua primeira linha está nas províncias de além-mar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Uma das maiores provas da nossa história, anuncia-nos o Sr. Presidente do Conselho. Assim é, sem dúvida. E podemos entender também que há-de ser uma das horas mais gloriosas da nossa história, se empenharmos a fundo os nossos recursos económicos e humanos na defesa e engrandecimento do ultramar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Duarte Silva: - Sr. Presidente: só um imperativo do consciência me faria hoje subir a esta tribuna.
Se dela me acerco sempre com timidez e receio, hoje as circunstâncias, pondo mais em destaque a modéstia das minhas possibilidades, mais justificam o meu embaraço. A magnitude do assunto, a bela e notabilíssima exposição que ouvimos de S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho e o brilho de que habitualmente se revestem as intervenções dos oradores inscritos para o debate, tudo concorria para que eu nada mais devesse fazer do que aplaudir o que os outros dissessem.
Essa. a atitude, cómoda, que mais convinha à minha pessoa.
A verdade, porém, é que não estou aqui por direito próprio, tendo vindo a esta Assembleia como representante de Cabo Verde. E aqueles que aqui me enviaram
não ficariam por certo satisfeitos se eu não dissesse, o que lhes vai na alma e em nome deles, me não associa-se aos protestos que todos os português de todos as cantos do Mundo, têm vindo a formular contra a maneira injusta, desleal insidiosa com o nosso país tem sido ultimamente tratado em algumas sessões da O. N. U.
Tenho, pois, de pôr de lado as minhas conveniências pessoais e recalcar essa convicção da minha mediocridade para, em cumprimento do mandado que aceitei e de acordo, aliás, com ns meus próprios sentimentos expressar, dentro das minhas possibilidades, a indignação que nos provocou a campanha desenvolvida contra a integridade da pátria portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Falo por Cabo Verde, terra que nunca conheceu outra bandeira que não fosse a portuguesa, terra que se orgulha de ser portuguesa e que, como as províncias suas irmãs, já exprimiu os seus sentimentos pela voz da sua população, da sua mocidade, escolar e dos seus municípios.
Há já alguns anos que a cobiça de certos países e o propósito inconfessável de estabelecer a desordem e semear a contusão vêm procurando minar a unidade portuguesa, atraindo com enganadoras promessas alguns elementos das populações ultramarinas.
O resultado, graças a Deus, tem sido fraco. Mas há sempre em toda a parte despeitados, ambiciosos e aventureiros que se abalançam a morder a isca. E, como já dizia o poeta, também dos Portugueses alguns traidores houve, algumas vezes».
Formaram-se assim os chamados movimentas de libertação, em que um número insignificante de portugueses, manejados por organizações estrangeiras e utilizando panfletos s jornais, procuram convencer o Mundo de que em Portugal se vive em regime de terror militar, com prisões regurgitando de inocentes e fuzilamentos frequentes, e de que as populações das províncias ultramarinas vivem oprimidas em indescritível miséria e num obscurantismo que impossibilita qualquer movimento de emancipação.
O processo, porém, revelou-se de fraco rendimento, pois temos as fronteiras abertas e numerosos são os diplomatas e jornalistas que têm visitado o nosso ultramar, verificando o infundado de tais acusações, pelo que houve necessidade de mudar de táctica e, assim, se resolveu levar ao aeroporto internacional o chamado «caso português», esse novo mistério da unidade na pluralidade, inteiramente incompreensível mesmo para alguns que estão de boa fé, mas se limitam a considerar ligeiramente o assunto.
Como admitir, pensam eles, que se consigna a unidade nacional fundada no mesmo ideal e no mesmo sentido de uma pátria comum, dentro da pluralidade de territórios, da multiplicidade de raças e da diversidade de religiões?
A realidade, porém, impõe-se. E as manifestações que em todo o território português se têm realizado hão-de ter já convencido aqueles que, sem pensamentos reservados, ainda não haviam compreendido o facto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Poucos são, certamente. Os outros, a maior parte, movidos apenas por desmedida ambição e propósitos de subverter a ordem e destruir a civilização cristã, fecharão os olhos à realidade e hão-de continuar a sua campanha, de difamação o injúrias, servindo-se da mentira e da calúnia.
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Nós cá estamos aguardando novas arremetidas, pois sabemos que uno desistem e o nosso país representa para eles um importante alvo, pela posição que ocupa na África, hoje o principal objectivo da ofensiva comunista.
Já definimos a nossa atitude: não admitidos a intromissão de quem quer que seja nos nossos negócios internos, não aceitamos tutelas nem fiscalizações de qualquer espécie e nem sequer damos ouvidos às críticas ou observações que nos dirigem aqueles que não têm autoridade moral para as fazer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os portugueses do continente, das ilhas e do ultramar já afirmaram que estão dispostos a todos os sacrifícios, incluindo o da própria vida, se tanto for necessário, para defender a integridade e o bom nume do País.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E, se assim não fosse, levantar-se-ia por certo, do túmulo onde repousa, a nobre figura do Santo Condestável, para nos lançar de novo em rosto aquela objurgatória das vésperas de Aljubarrota:
Como? Da gente ilustre portuguesa
Há-de haver quem refuse o pátrio Marte?
Como? Desta província, que princesa
Foi das gentes na guerra em toda a parte,
Há-de sair quem negue ter defesa?
Quem negue a fé, o amor e arte
De português e por nenhuma respeito
O próprio reino queira ver sujeito?
(Lusíadas, IV, 150).
Felizmente a reacção que pelo País inteiro se levantou contra, os ataques na O. N. U. veio mostrar de forniu inequívoca que a Nação está pronta a defender-se onde, quando e na medida em que se tornar necessário.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que há, pois a fazer?
Já se sugeriu o abandono puro e simples, por parte de Portugal, da Organização das Nações Unidas.
Essa parecia realmente, à primeira vista, a solução indicada, desde que a Organização se desviou dos fins para que foi criada e começa a contradisser a sua própria designação.
A questão, porém, é bastante delicada para, que se resolva sob as primeiras impressões.
Em política, e nomeadamente em política, internacional, há que ter em conta, muita, vez, factores que escapam à percepção comum. E só com o conhecimento de todas as implicações que o facto poderá trazer se deverá tomar uma resolução.
Não temos por ura elementos que permitam avaliar tais circunstâncias. E até ó bem possível que o próprio Governo ainda os não possua.
Ë, pois, prematuro pretender resolver desde já o assunto.
Deixemos isso ao Governo, que fica com a garantia de que tem atrás de. si as populações de todo o mundo português, dispostas a ir até onde for preciso na defesa dos seus sagrados direitos.
Vozes: - Muito tem!
O Orador: - Por agora, basta-nos a consoladora certeza - que já tínhamos e nos foi confirmada por S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho na sua magistral exposição - de que os destinos do País estão em boas mãos e o Governo de Salazar defenderá intransigentemente a dignidade nacional e a integridade da Pátria Portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Bem haja o Sr. Presidente do Conselho!
Que Deus nos proteja, no-lo conserve, e o ilumine sempre!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: suponho que não haverá nesta casa a não ser talvez o Sr. Engenheiro Cardoso de Matos, qualquer outro Deputado natural de Angola.
Embora o facto de ter nascido em Lua mia fosse meramente acidental, devo dizer que nunca o meu espírito si; desprendeu completamente da terra onde abri pela primeira vez os olhos para a vida.
Sirva-me isto de pretexto para tomar a VV. Exas. alguns minutos com estas desataviadas considerações.
Mercê de circunstâncias familiares, sempre segui com a melhor atenção o desenvolvimento das nossas províncias ultramarinas, designadamente Angola e Moçambique, e tem sido com desvanecimento e orgulho que tenho visto o progresso crescente, o desenvolvimento constante, da província que me foi berço.
Tendo, pois, nascido em Luanda o seguido pari passu a vida administrativa das nossas grandes províncias africanas, sentido e vivido o espírito de sacrifício isto na sua administração, a dedicação sem limites dos que nela trabalharam engrandecendo o património dos nossos maiores, o domínio permanente da ânsia de servir, e conservando da minha meninice, a recordação feliz do trato amorável com os indígenas, natural é que com redobrada indignação tivesse tomado conhecimento do ataque brutal eivado de ódio, mas também de ignorância, que contra nós nas Nações Unidas desferiram o Sr. Kruschtehev e alguns dos seus lacaios, para usarmos da terminologia diplomática e afável do Sr. K.
Nós não somos em África uma nação qualquer, nós somos os seus descobridores, aqueles precisamente que trouxeram a África ao conhecimento o ao convívio do mundo civilizado, o talvez por isso devemos merecer, àqueles que com tão feroz sanha nos atacam, algum respeito e alguma consideração.
A nossa chegada a Angola não é história contemporânea descobrimo-la e começámos a ocupá-la em 1483, já lá vai cerca de meio milénio.
Não está nos meus intentos fazer uma digressão histórica, mas não posso deixar de assinalar nestes tempos em que tão prontamente, e ao primeiro motivo se abandonam posições, que, quando, em 1041, Angola foi invadida pelos Holandeses, um punhado de portugueses, completamente isolados do Mundo, exaustos pelo clima, pelai febres, pelas privações, e apesar de essa invasão ter conduzido à revolta dos indígenas, mantiveram a resistência durante sete anos até à chegada de socorros vindos do Brasil.
Eis um exemplo salutar, que merece, sem dúvida, ser meditado e seguido.
Todo o Mundo lucrou com a nossa actuação nas Descobertas, e bem vimos na larga representação das marinhas de todo o Mundo há pouco e em homenagem
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ao centenário do infante, desfilando pela Avenida da Liberdade, que essa consciência da graúdo actuação do infante D. Henrique ainda hoje existe, sendo geralmente reconhecida a sua importância excepcional.
Temos plena consciência de continuarmos a ser em África, nas nossas províncias ultramarinas, uma utilidade, exercendo um poder paternal que tanto não merece contestação que se afadigam estranhos, em provocarem um mal-estar que não existe.
Se sempre exercemos o poder com autoridade, nu noa o empregámos quando não fosse necessário e nunca as chacinas foram o nosso método, até porque fomos sempre poucos para podermos, ainda que o quiséssemos, chacinar muito.
Seja como for ao Sr. K. seria necessário demonstrar, visto que é ele que acusa, que nos quase 000 anos que temos de África teríamos chacinado tanta gente e por processos tão uníeis como os que empregou na Hungria quando da última, revolta de Budapeste.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Na Hungria, país civilizado e independente, antes de ter caído sol) o jugo pesadíssimo e inamovível da Rússia.
É tempo de impedir que a simples audácia e a mera e grosseira incorrecção possam, apenas porque o são de poderosos, debitar rancorosas e gratuitas acusações n quem, pelos muitos serviços que prestou à humanidade, deve ter direito ao respeito geral.
Se a função das Nações Unidas é manter a paz, está com certeza fora das suas funções o promover ou consentir que se promovam descontentamentos que não existem, para desmembrar um país que sempre se considerou ano na sua variedade e que emprega e empregará todos os meios para conservar a sua unidade, olhando, aliás, mais aos valores morais que aos materiais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A sábia política de S. Exa. o Sr. Presidente do Conselho dá às nossas províncias ultramarinas a paz que não existe onde chegam os interessados paladinos desta; subtrai-os mesmo aos horrores das tais chacinas, que com grande gáudio do Sr. K., se vêm exercendo onde chegam a política e as instigações que comanda, e mais do que isso, vai em cada momento acrescentando-lhes o progresso e o bem-estar económico que do Congo desapareceu em poucos meses de independência, desordens e destruições.
Sós não chegámos à África há meia dúzia de anos pura negociar e voltar; nós chegámos à África para ficar e lá estamos há cerca de 500 anos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não iremos desmentir agora o exemplo dos nossos antepassados, esse exemplo notável de heroísmo, de patriotismo, que atrás citei, de sete anos de resistência contra iodos e contra tudo, culminando no combate vitorioso de Massangano, que restituiu o domínio de. Angola aos Portugueses.
Tenho para mim, Sr. Presidente, que pisar, ver com os nossos próprios olhos, as terras que descobrimos e o que nelas fomos capazes de realizar, nos dá, a nós Portugueses, uma outra noção das nossas responsabilidades e fortalece o nosso orgulho, conforta o nosso patriotismo, nos radica mais fortemente no passado glorioso, ao mesmo tempo que nos abre os horizontes do futuro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Agora que se compreende, tão inteligentemente, a necessidade de um intercâmbio permanente entre a metrópole e as províncias ultramarinas, que aqui trazemos a mocidade e os velhos colonos, os que serão e os que foram, em troca dos estudantes e professores metropolitanos que vão para ver, confraternizar e sentir melhor a grandeza da Pátria, sinto-me com autoridade bastante para lembrar e para propor, agora que estão a terminar os trabalhos desta legislatura e que com ela estou encerrando a minha actuação como Deputado da Nação, que os futuros membros desta Assembleia que nunca tenham visitado as nossas províncias ultramarinas ou que, tendo-o feito, não tivessem lá voltado nos últimos dez anos, fossem escalonados para visitarem, com largo proveito para a função que exercem e melhor compreensão da posição de Portugal no Mundo, as nossas provindas ultramarinas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Posso asseverar. Sr. Presidente, que voltariam de lá melhores portugueses e melhores Deputados.
As minhas últimas palavras serão para saudar no Sr. Presidente do Conselho o homem que, mão no leme firme e segura, conduz no mar proceloso da política internacional a mau lusitana. Saibamos, com de modo, com dedicação e sobretudo com unidade, segui-lo atentos e decididos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: ainda parece ouvir-se nesta sala a voz do Chefe do Governo, que serenamente e com incontestável autoridade expôs a posição de Portugal perante os insidiosos ataques de que está a ser alvo no momento presente.
E essa voz foi, como lapidarmente V. Exa. disse, a voz da Nação e, por isso. nada mais deveria acrescentar-se.
Mas permita-se a um português, sempre orgulhoso da sua naturalidade, oriundo das terras do Norte, onde nasceu Portugal, exteriorizar o seu pensamento, traduzindo também fielmente o pensamento da boa gente dessa lusitaníssima região, que aqui o enviou como seu legítimo, representante.
Sr. Presidente: os portugueses do continente, das ilhas adjacentes e das províncias ultramarinas têm afirmado ao Mundo, de forma convincente, o seu entranhado amor pátrio e a indivisibilidade do sen território de que não alienarão qualquer parcela, defendendo-o por todos os meios, venham donde vierem os ataques, falados, escritos ou de qualquer outra maneira.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Aprendemos com os nossos maiores, que repousam eternamente em terra portuguesa, a vencer os temores de mares tenebrosos e as iras dos Adamastores que nos queiram impedir os caminhos do futuro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - São ridículas as acusações que nos fazem descaradamente mentirosas, nessa assembleia internacional conhecida por O. N. U., em que também temos assento, mas onde só deveria entrar gente de bem e de esmerada educação, com a única finalidade de resolver os problemas atinentes às boas relações entre os povos
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e a tudo o que contribuísse para o seu bem-estar e melhoria de vida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas não: aquilo dá a impressão de um colégio onde alguns rapazes mal educados e que em suas casas cometem toda a espécie de tropelias, só para se fazerem notados, proferem os maiores dislates e, dando largas aos seus instintos primitivos, não consentem trabalho útil e profícuo aos que têm a infelicidade de com eles conviver. Mas o que é pior, e até custa a acreditar, é não serem admoestados pelos mestres ou por aqueles que tiveram a infeliz ideia, de os admitir um tal instituição. Gritam, barafustam, estabelecem a confusão e depois ninguém se entende.
É isto o que se passa na O. N. U.!
Mocos inexperientes, representando também nações novas em idade e civilização, acreditando em tudo que as forças do mal lhes insuflam mentem com inconsciência e caluniam com despudor, e os que têm experiência, da vida e longos séculos de existência, conhecedores das falsidades inventadas por essa gentalha e da origem de todos esses malefícios, tomam a cómoda posição de «abstinentes», deixando estabelecer a divisão e a discórdia onde só «deveria imperar a ordem, a verdade e a justiça.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Assim, não! Tal colégio não deve ser frequentado por gente honesta, e séria, em cujo número e à cabeça se deve contar Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Também alguns jornais de nações amigas e aliadas dão guarida nas suas páginas às mais infames e disparatadas notícias sobre horríveis crimes praticados no ultramar português. As nossas representações diplomáticas têm azafamado trabalho em desmentir essas atoardas, mas, como não há sanções para tais crimes de difamação nesses países de «abençoada» liberdade de mentir e caluniar, lá voltam eles em poucos dias a repetir as protérvias costumadas. Alguns nomes que subscrevem tais artigos dizem ser de indivíduos nascidos em território português, mas abstenho-me de os pronunciar, para evitar náuseas ou reflexos vomitivos nas pessoas que me escutam. Em Portugal, onde a imprensa, na sua totalidade, tem a noção da dignidade da sua nobilíssima, missão, isso seria impossível, mas se alguém nas suas colunas se atravesse a difamar qualquer país amigo ou aliado pagaria caro tal imprudência.
Sr. Presidente: as províncias ultramarinas têm ultimamente sido visitadas por personalidades das mais variadas nações, umas com fins de intercâmbio comercial e outras como observadores minuciosos de tudo o que por lá se passa, pois aula lhes é ocultado, para cabalmente se desempenharem das suas perscrutadoras missões.
Embaixadores de grandes países acreditados junto de nós e que por lá têm viajado sem o mais ligeiro percalço devem ter informado minuciosamente os seus governos com verdade e isenção. É tempo, pois de nos deixarem, de uma vez para sempre, trabalhar em paz para a prosperidade do País, que tão largo contributo deu já e continuará a dar ao progresso da humanidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Os nossos caluniadores podem entreter os seus sócios lançando os olhos para o que lhes vai por casa, não se intrometendo com quem não os prejudica, nem critica as suas formas de governo ou de administração. Até parece que um Portugal em paz e progresso num Mundo em convulsão ... é um escândalo inconcebível!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: o País falou alto e claramente e o eco das manifestações populares deve ter ultrapassado as suas fronteiras, repercutindo-se por todo o mundo civilizado. Mas se ainda não chegou a toda a parte, daqui, neste alto organismo do Estado, representativo de todas as parcelas do Império, diremos que Portugal é uma nação livre, que vive à sua maneira, que democraticamente referendou a sua Constituição Política, escolheu o Chefe do Estado e os seus representantes parlamentares, que tem as contas em dia, que progride em para sossego orientada pela mão firme e segura de geniais chefes, que não afronta ninguém, que trata igualmente os seus til lios sem distinção de cor ou religião, que cumpre escrupulosamente as cláusulas dos seus tratados, que a tive escancaradamente as portas a todos que desejarem visitá-la, sem restrições do qualquer espécie, salvo o respeito devido às leis do País e a não ingerência na sua política interna, que só a portugueses dia respeito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Em face, pois, das calúnias e infâmias bolçadas pelos «russófilos» de todo o Mundo em jornais e na O. N. U., saibam todos esses senhores que a bandeiras das quinas, que hoje flutua no continente, ilhas adjacentes e províncias ultramarinas, continuará a drapejar altivamente no topo dos mastros e só será arriada para cobrir os corpos dos últimos portugueses mortos na
defesa da terra que é sua e da civilização crista que os norteia.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Saraiva: - Sr. Presidente: entre muitos cartazes e bandeiras que a multidão agitava na impressionante manifestação lia dias realizada em Luanda, podia, ver-se um com estas palavras: «Que o Mundo se convença de que somos todos portugueses».
Sobrevoavam o imenso mar de gente muitos pendões e dísticos com frases ardentes, afirmações de fé ardorosa nos destinos da Pátria, brados de destemor, protestos de fremente indignação contra injúrias o mentiras afrontosas. Mas talvez nenhum, tanto como aquele, exprimisse o sentimento que nestes dias tem feito estremecer os Portugueses em todas as províncias de Portugal: é preciso que o Mundo nos deixe trabalhar em paz, que nos deixe viver em paz as nossas vidas, prosseguir em paz o caminho da nossa história!
As atitudes tomadas na O. N. U. a nosso respeito patenteiam o mais completo desconhecimento das realidades portuguesas. E o rumo mais recente dos acontecimentos está a revelar como tal ignorância pode ser habilmente explorada por aqueles que outro objectivo não têm que o de se instalar nos vácuos que se espera que a Europa deixe na África negra para desse modo detentores de imensos recursos e novos apoios, poderem destruir em seu benefício o actual e relativo equilíbrio político do Mundo.
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Só o desconhecimento pode explicar que nações que não são, evidentemente, solidárias com aqueles interesses estejam a facilitar, com a aquiescência de uma abstenção sistemática, o desenvolvimento de manobras que não são dirigidas apenas contra nós, mas também contra elas. Os verdadeiros objectivos transparecem com tamanha evidência sob a capa das palavras que dificilmente se acreditaria que tais países procedem seduzidos pela generosidade da causa. A ninguém passa despercebido que neste processo, que se denomina da libertação dos povos, ninguém apareça a propor a libertação, através dos meios de que a O. N. U. dispõe, das numerosas nações que não há muito eram senhoras dos seus destinos e que hoje estão subjugadas por aqueles mesmos que no processo fazem papel de libertadores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O paradoxo já tem sido invocado, mas ainda não vimos que se lhe aproveitasse toda a eficácia probatória: o que ele irrefutavelmente prova é a completa insinceridade dos ideais que se proclamam e o que denuncia é que, no fundo, sob o pretexto retórico do remir cativeiros imaginários, o que se pretende é implantar jugos novos e verdadeiros.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A ignorância é sempre geradora de injustiças, guando nós afirmamos que a Nação Portuguesa não é este rectângulo do Ocidente Ibérico; quando asseveramos que a separação de qualquer província seria uma amputação no corpo nacional, tão inaceitável na Ásia ou na África como na Europa - os representantes de muitas nações têm dificuldade em entender o que isto significa, e talvez alguns deles sejam sinceros quando supõem que a nossa constante afirmação da unidade nacional é apenas uma hábil ficção jurídica. A sua relutância em admitir a nossa verdade devo medir-se pela nossa dificuldade em compreender a sua relutância: porque também a certo que o nosso conceito de nação una nos parece tão duro tão evidente nas realidades, que todos podem examinar, que nos custa muito a entender que quem esteja de boa fé o não entenda completamente ou não faca ao menos um honesto esforço para se informar, em vez de dar ouvidos a propagandas confessadamente parciais.
A chamada questão das informações documenta muito vivamente o que acabo de dizer, e tanto sob o aspecto da ignorância daqui; se nos refere como no das manobras que tal ignorância está a tornar possíveis. O ponto é do maior interesse e peco me seja permitido fazer sobre ele algumas considerações.
Como se sabe, uma das alíneas do artigo 73.º da Carta das Nações Unidas impõe aos governos responsáveis pela administração de territórios nau autónomo -, o dever de transmitirem ao secretário-geral da Organização, e sempre sob a reserva imposta, por considerações de segurança ou de ordem constitucional, informações relativas às condições económicas, sociais e educacionais das respectivas populações.
O Governo Português entendeu que tal obrigação não nos era aplicável. Quanto às informações em si mesmas, não havia nenhum motivo para as ocultar: nós não temos nada para esconder, as nossas províncias estão aberta a toda a gente e as estatísticas - precisamente aquelas a que o artigo 715.º se refere - andam impressas em publicações oficiais o podem ser consultadas sem qualquer restrição. Mas a questão que se nos punha era bem outra: a comunicação de informações implicava aceitar que as províncias situadas no ultramar tinham estatuto ou condição diferente das que se situam na Europa, ou por outras palavras, que Angola ou Moçambique não são pedaços de Portugal ao mesmo título e no mesmo nível que o Algarve ou a Beira Alta. E era evidente que o Governo não poderia proceder desse modo além de todas as outras razões, porque isso lhe, era expressamente vedado pela Constituição, que em mais de um passo afirma a unidade da Nação Portuguesa e expressamente qualifica as províncias do ultramar como parles integrantes do Estado Português.
lista posição só poderia causar estranheza a quem não conhecesse a nossa realidade, quer passada, quer presente, e, num raciocínio baseado em pura analogia, imaginasse que o caso português deveria ser semelhante ao do vários outros países que foram ou são responsáveis peia administração de territórios africanos. Falo em realidade passada e presente, porque n absoluta, originalidade da história portuguesa, era motivo suficiente para fazer presumir alguma diversidade actual: com passados tão diversos, o singular seria que se tivesse chegado a resultados idênticos.
A posição portuguesa era aliás, inatacável à face da letra e do espírito da Carta das Nações Unidas. Em primeiro lugar, porque o próprio artigo 73.º subordina o dever de prestar informações às reservas impostas por considerações de ordem constitucional; e ninguém podia pôr em dúvida, que a ordem constitucional portuguesa impedia em absoluto a prestação das informações, contraditória com o carácter de províncias que na Constituição se atribui aos territórios do ultramar. Em segundo lugar, a Carta proíbe às Nações Unidas a intervenção em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição interna dos Estados; ora a determinação de natureza jurídica e administrativa, de um território ó caso flagrante de jurisdição interna, nunca se tendo, aliás, sustentado o contrário, for último, a Carta declara que a organização se baseia na, igualdade soberana de todos os seus membros; e pareço indubitável que este conceito de igualdade soberana impõe a todos o dever de respeitar a soberania de cada um. vedando, portanto, a discussão das respectivas constituições.
Foi esta a posição que nós sustentámos com toda a firmeza. Para quem estivesse de boa fé isto seria o bastante. Mas mesmo para os outros, isto é, para os que apenas pretendiam servir-se do artigo 73.º para nos atingir, aqueles argumentos vinham levantar um argumento melindroso: a esses pouco os preocuparia a violação do nosso direito constitucional: mas o certo é que tal violação viria abrir um precedente de que no futuro eles próprios poderiam ser vítimas. E a todos se afigurava intolerável a perspectiva de um dia terem de sofrer a ofensa que por agora, estavam dispostos a dirigir-nos.
Foi esta a dificuldade que se tentou contornar com a eleição de uma comissão de seis Estados, incumbida pela assembleia geral de «estudar os princípios que devem guiar ns Estados membros para determinar se a obrigação de comunicar informações lhes é ou não aplicável».
Nós votámos contra a criação da comissão, porque entendemos que nesta matéria tentos direito expresso que somos obrigados a cumprir, sendo portanto inúteis quaisquer critérios orientadores. Mas importa salientar que essa deliberação que criou a Comissão dos Seis afirma uma vez mais a tese de que só o Estado interessado é competente para determinar se deve ou não prestar informações: os princípios a aprovar teriam mera finalidade orientadora, sendo sempre ao
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Estado que competia fazer a classificação dos territórios, embora porventura à luz daquela orientação.
A Comissão foi presidida pela comissão indiana, e o resultado final dos seus trabalhos autoriza a suspeita do que a preocupação dominante foi a de nos atingir. O episódio que passo a relatar ajuda a compreender a forma como estas coisas decorrem na O. N. U.: na deliberação que criou a Comissão dos Seis convidaram-se todos os Estados membros a comunicar por escrito ao secretário-geral quais os princípios orientadores que no parecer de cada, país. deveriam ser adoptados. A consulta compreende-se, porque os princípios teoricamente possíveis são muitos, e vão desde a distinção geográfica às características culturais, passando pelas diferenciações étnicas, linguisticas, religiosas, jurídicas, económicas, históricas podendo ainda conceber-se determinadas combinações nas quais este ou aquele elemento aparece como prevalente ou secundário. Os pareceres dos vários Estados dividiram-se, como não podia deixar de ser. Eis a resposta da U. R. S. S.: «Portugal e Espanha devem dar cumprimento às suas obrigações em conformidade' com os termos do capítulo XI da Carta, e em particular devem transmitir as informações referidas no artigo 73.º A missão da O. N. U. consiste deste modo em tornar extensivas às colónias de Portugal e da Espanha os princípios da Carta das Nações Unidas». Tais eram os princípios orientadores para a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas; não se poderia esperar confissão mais aberta de que o único objectivo era o de atingir Estados determinados, sendo bons quaisquer princípios desde que conduzissem àquele resultado.
Foi na verdade isso o que a Comissão fez. O relatório dos Seis linha um fito: enunciar princípios de cuja aplicação resultasse a destruirão da unidade nacional portuguesa. O que aconteceu, porém, foi que a completa ignorância das nossas realidade jogou aí a nosso favor, e. o relatório dos Seis veio criar doutrina que só nos poderia favorecer.
O sistema de classificarão dos territórios que o relatório adopta é o seguinte: a priori existe a obrigação de prestar informações quando um território está separado geogràficamente e apresenta distinções sob o ponto de vista étnico ou sob o ponto de vista cultural: esses caracteres externos constituem uma presunção de não autonomia. Uma vez estabelecida tal presunção, poderão tomar-se em consideração os elementos de natureza administrativa, política, jurídica, económica e histórica. Se tais elementos afectarem as relações entre o território metropolitano e o território investigado de tal forma que coloquem este último numa posição ou num estatuto diminuído, fica confirmada a presunção inicial e há obrigação de prestar informações. Embora o relatório não o diga expressamente, parece-me da mais estrita lógica concluir que quando os elementos administrativos, políticos e jurídicos, económicos e históricos não confirmem a presunção resultante da geografia e da raça e não provem a existência de um estatuto de inferioridade, então não estaremos em presença de territórios não autónomos e então não haverá o dever de prestar informações.
Quem supôs que, com um tal método de classificação, levantava dificuldades à posição portuguesa nunca leu certamente, nem a nossa Constituição, nem as nossas leis administrativas ou económicas, nem os nossos códigos, nem os livros da nossa história. Não sabia, manifestamente, que todas as províncias de Portugal se regem pelas mesmas leis funda mentais, que todas têm a mesma dignidade como partes integrantes da Nação e quis nenhuma possui estatuto sequer diferenciado sob o ponto de vista da integração nacional, quanto mais diminuído!
Tal é o sistema que se adoptou nos princípios quarto e quinto do relatório. Os princípios anteriores só servem para robustecer este entendimento. E os seguintes não nos podem ser aplicados, não obstante haverem sido fabricados com os outros bem postos no intuito de nos fazerem mal. É que todos eles se referem ou às condições a que deverá obedecer a transformação dos territórios para que possa cessar o dever informativo, ou à amplitude das limitações a tal dever, referidas no artigo 73.º Mas é de toda a evidência que esses princípios não poderão aplicar-se aos territórios (pie presentemente - e nos próprios lermos do relatório - já não podem ser considerados como não autónomos.
É manifesto que o relatório dos Seis, qualquer que fosse a sua doutrina, nunca nos poderia afectar, porque as coisas portuguesas se regem pelas leis portuguesas, e não pelos relatórios internacionais. Mas não deixa de ser impressionante a verificação de que a razão que nos assiste é tão grande que até as armas com que nos pretendem atingir se recusam e acabam por se voltar contra aqueles que as manejam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O relatório ficou aprovado na Comissão das Curadorias no dia 10 de Novembro. E logo em 11 - portanto com uma brevidade que de todo em todo exclui a hipótese de alguém ter meditado seriamente sobre o assunto - a União Indiana, acaudilhando oito jovens países (quatro africanos, a Nigéria, Líbia, Ghana e a chamada República da Guiné, e quatro asiáticos, a Birmânia, Ceilão, Nepal e o Afeganistão), surgiu com uma proposta que embora se dissesse baseada no relatório, o revogava completamente, e na qual pretendia que se declarasse imediatamente que todos os territórios do ultramar português tinham carácter de territórios sem governo próprio, existindo, portanto, por parte do nosso Governo, a obrigação de prestar sem mais delongas as informações do artigo 73.º.
A ilegalidade desta moção apreende-se ao primeiro exame.
Nenhuma disposição da Carta dá à Comissão das Curadorias ou à Assembleia o direito de qualificar os território -, dos Estados membros. A jurisprudência internacional, elaborada por esses órgãos e constituída por decisões anteriores e bem próximas, é toda no sentido de que a qualificação só pode ser feita pelos próprios Estados, visto representar um acto de soberania. O objectivo do relatório dos Seis era tão-sòmente o de fornecer princípios de orientação para o exercício daquela competência. Os princípios enumerados no relatório não permitiam que qualquer território nosso fosse considerado como não autónomo, e, em qualquer caso obrigavam sempre ao exame, dos factores administrativos, políticos, jurídicos, económicos históricos, elementos condicionantes de qualquer decisão. Nada disto, porém, interessou à União Indiana e aos representantes dos países que votaram afirmativamente. E, é triste, mas tem de ser dito, nada disto repugnou aos países que se abstiveram.
Creio que não é preciso sequer ser português para se sentir quanto há de ofensivo e de intolerável em tal atitude. Tenho a certeza de que qualquer das nações livres que connosco estão na O. N. U. reagiria com indignação e com uma recusa formal e peremptória àquilo que, sobre ser uma ofensa à nossa dignidade de nação soberana, é uma afronta incompatível com o decoro que tem de presidir às relações entre os povos.
A resposta portuguesa deu-a aqui, por todos nós, o Sr. Presidente do Conselho. Não desejaria introduzir nestas palavras alguma referência que pudesse ser interpretada como uma palavra política. Mas sinto que não
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é fazer política o dizer que aquela voz que aqui ouvimos - assim firme, grave, inabalàvelmente corajosa, como tem sabido ser a nossa grei em todas as horas decisivas da vida nacional -, que aquela voz que aqui ouvimos não era só a voz de um homem: era a própria voz da nossa pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A resposta portuguesa está dada. Não, nós não nos demitimos. Não, nós não nos renegamos. Não, nós não traímos pedaço nenhum da terra portuguesa. Ficaremos sozinhos. Mas foi sozinhos que nós fizemos Ioda a grandeza da nossa história.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não. Não em nome do Direito e da Justiça, em nome da lei portuguesa e da lei internacional, em nome da boa fé com que lida-mos, com os outros u que exigimos que os outros usem connosco.
Não, em nome do nosso respeito pela paz do Mundo, que serviríamos mal e encorajássemos espoliações ou sôfregas cobiças, ou se abandonássemos os lugares onde sob a nossa bandeira reina, a paz àqueles que querem rasgar os solos e arrebanhar as gentes paira os sombrios desígnios da guerra.
Não, em nome do espírito glorioso de que descendemos e da cultura que representamos lias partes da Ásia e da África, últimos filhos de Roma, cujo braço se não causou de transportar o facho da luz que deste velho berço europeu há dois mil anos irradia pelo Mundo.
Não, em nome desta vocação que está em nós como a alma está no corpo, deste destino civilizador e missionário que é a própria razão de ser da nossa permanência entre o número das nações soberanas.
Não, em nome do direito à liberdade, à vida e ao lar dos milhões de portugueses de todas as províncias, que, sem regatear, têm dado à grande pátria comum o suor e o sangue que, sendo alicerce da grandeza presente bem poderão sê-lo da liberdade futura.
Não, em nome de oito séculos de história, em nome dos nossos mortos, por quem sentimos orgulho, em nome dos nossos filhos, que queremos possam um dia sentir orgulho por nós.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Rodrigues Prata: - Sr. Presidente: ainda se repercutem pelas quebradas das serras os ecos da indignação nacional; ainda referve no peito da juventude portuguesa a vibração de um sentido v espontâneo movimento de fé nacionalista : ainda, se agitam na solidão dos seus túmulos os que generosamente, ao longo dos séculos, deram a Mia vida pela formação do Portugal de hoje; ainda se não extinguiu no coração dos Portugueses a chama que em tempos idos foi a luz do Mundo.
O País inteiro, do Minho ao Algarve, da Madeira ao Corvo, de Cabo Verde a Timor, vibrou intensamente, de incontida emoção patriótica, vergastado pelas injúrias proferidas em areópagos internacionais.
Estava em causa a unidade portuguesa, Sr. Presidente, e os Portugueses querem provar ao Mundo que anima, da possibilidade de existência de concepções políticas divergentes, que aparentemente os dividam existe uma concepção única, vincada e secularmente portuguesa, que a todos une num só bloco, numa só
vontade, à volta do Governo da Nação: da continuidade de Portugal ano e indivisível.
Louvado seja Deus!
Por Deus e com a espada se processou a expansão portuguesa por essas terras além. Por Deus e, se necessário, com a espada defenderemos a integridade, da terra que nos foi legada pelos nossos antepassados; das terras que os Portugueses foram descobrir, pela mão do glorioso infante D. Henrique, que foram arrancar às trevas, numa luta sem tréguas, numa luta tenaz e gloriosa, com o mar. com a fome. com os perigos desconhecidos do desconhecido, na ânsia imensa de propagar a fé católica e o império.
Gil Eanes, Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, Francisco de Almeida, Lourenço de Almeida, Afonso de Albuquerque, D. João de Castro, Serpa Pinto, Mouzinho de Albuquerque, Caldas Xavier, tantos ... tantos ...
Tanto esforço, tanta canseira, tanto sangue derramado por portugueses, soldados portugueses, em prol da unidade pátria!
Fr. Gaspar da Cruz, Fr. António de Gouveia, P. Bento de Góis, José Anchieta, Manuel da Nóbrega, S. Francisco Xavier, eis alguns poucos nomes, entre tantos o tantos, soldados portugueses ao serviço do reino dos Céus, que deram toda a sua vida, transbordantes de entusiasmo, de fé e de patriotismo, alheios às hostilidades, indiferentes aos maus tratos e às dificuldades, para o sagrado cumprimento da missão de converter, de educar, de civilizar, de conquistar almas, de levar para Deus as almas, até aí perdidas.
Pode dizer-se que a missão do Portugal dos Descobrimentos, do Portugal evangelizador, do Portugal pátria de pátrias fui é e queremos que continue a ser unir na fé cristã, tantos quantos se orgulham de terem nascido portugueses, em terra portuguesa, independente, e livro, governada por portugueses, e só por eles e manifestamente querem continuar ter portugueses, lista é a afirmação que se ouve a cada passo, a cada canto da casa lusitana, vibrante, espontânea, sincera; esta é a vontade unânime da família portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: ninguém desconhece que a terra portuguesa, a sagrada terra portuguesa, se alonga na imensidão dos continentes, cristianizada, ordeira, laboriosa, confiante na protecção desvelada e atenta da. bandeira nacional. Todos sabem que nela se vive em paz e harmonia, não obstante a variedade de gentes, de costumes de temperamentos, até de religiões. Todavia, também há ou pelo menos parece haver, quem não compreenda que nesta diversidade, nesta pluralidade, possa haver unidade.
Está provado que há unidade e se Deus quiser, continuará a haver.
Sabem-no demasiado bom os que não desistem de arremeter contra os nossos territórios. Sabem-no por experiência própria esses inimigos impiedosos, implacáveis, frios, calculistas: sabem-no porque, são provadamente opressores e ficam perplexos perante a forte arma que se lhes opõe: a coesão nacional.
Mas as arremetidas continuam por mando e determinação dos sem-Deus, que agindo em muito de princípios que não seguem, não acatam, nem respeitam, tentam arrastar para a escravidão, para o opróbrio, para o caos os incautos ou os menos crentes.
Não, meus Senhores, eles não desistem, mas nós também não desistimos porque os não tememos. Os Portugueses, desde a fundação da nacionalidade que arrostam
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com tempestades, que enfrentam tormentas, que lutam pela existência.
Louvado seja Deus, que soube criar e manter as virtudes ancestrais do povo lusíada, mormente quando lhes assiste a força, maior, a mais poderosa, a força indestrutível do direito e da razão.
Não, realmente não os tememos nem recuaremos uma polegada. Ainda não estamos contaminados por ideologias falsas, temos um Governo que governa, honesta o habilmente, dirigido por um Chefe, respeitável e respeitado por todo o Mundo, que sabe o que quer e para onde vai. A obra ultramarina portuguesa, obra inteiramente portuguesa, é indiscutível, é uma realidade, e as realidades não se negam. Quem quiser vê-la que a veja, mas que não peça contas de como, quando porquê.
Pode ver, com inteira liberdade, esmiuçar, sem receio, por toda a vastidão dos territórios portugueses do ultramar. Não levará escolta nem guarda, mas nada receie, porque ninguém lhe fará mal. Os portugueses do ultramar, seja qual for a cor da sua pele, seja qual seja a sua religião, são ordeiros, pacatos, trabalhadores.
Todavia, parece-me essencial que se frise bem, se grite bem alto, que hoje, mais do que nunca, permanecemos unidos e firmes; conscientes dos perigos que nos ameaçam, conhecedores dos inimigos que nos espreitam, mas decididos, como sempre, a lutar e a vencer confiamos no espírito de sacrifício da nossa juventude, que dia a dia se retempera e fortalece no culto de Deus e da Pátria, convictos de que a ambição dos alucinados, a cegueira dos ignorantes, a inércia de muitos, a má vontade de alguns e até a atitude criminosa de traidores, se os houver, não serão bastante para abater um povo que caldeou a sua vontade, o seu querer, ao longo dos séculos, no cadinho das privações e do sofrimento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: as províncias ultramarinas são pedaços de Portugal espalhados pelo globo e a cada uma delas se poderá aplicar o que Mouzinho proferiu em referência a Moçambique:
Cada gota de sangue português bebido por esta terra clamará por nós, a gritar que e eternamente nossa.
Que os nossos mortos descansem em paz. Todos os portugueses conhecem as suas obrigações para com a Pátria. Temos obrigarão de transmitir aos vindouros tudo o que os nossos antepassados nos legaram.
Portugal de além-mar quer continuar a ser português. Exuberantemente o tem provado. Com a sua vontade, que é a nossa vontade, e com a ajuda de Deus, Portugal de aquém e de além-mar será uma verdade eterna.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cardoso de Matos: - Sr. Presidente: protesto - em nume dos portugueses de Angola, que muito me honro de representar nesta Casa, e como seu filho, que
me orgulho de ser -, protesto contra a intolerável tentativa, de intromissão nos assuntos internos de Portugal.
Acabo do regressar daquela nossa província. Os dias que ali passei recentemente não mais me esquecerão. A grandeza do entusiasmo patriótico, que irreprimivelmente jorrou do peito de todos os angolanos, em momento que sentiram de ofensa ao seu indesmentido portuguesismo, jamais poderá ser olvidado pelos que tiveram a dita de a ele poder assistir e que, como eu ficam com mais radicada certeza de que o Transmontano, o Beirão, qualquer outro natural de outra qualquer província, das muitas que Portugal tem espalhadas pelo Mundo, não é mais português, não é mais patriota, não quer mais à sua imperecível pátria, que o Angolano, sem distinção de cor ou credo, porque todos se sentem irmanados no mesmo elevado ideal, criado sim séculos de uma acção civilizadora, norteada sempre pelo amor e o respeito ao próximo.
Estas manifestações, de que presto testemunho, que se repetiram por todo o Portugal e que VV. Exas. aqui verificaram, tiveram lá, na nossa província de Angola, o cunho especial dos que se sentiram directamente atingidos e ofendidos pela insensatez de quem julgou que separação geográfica podia significar, mesmo que ligeira, qualquer quebra da universalidade do espírito português ou do amor da Pátria una, sempre manifestado onde quer que se encontre um lusitano, até mesmo quando vivendo e trabalhando em terras estranhas à sua.
Foram estas manifestações provocadas pela farsa da votação levada à cena na O. N. U. e que culminou - ridícula conclusão - na sugestão de que Portugal não podia ser aquilo que se fez por si próprio e que parcialmente, deveria perder a sua maioridade e, consequentemente, passar a uma espécie de tutela só concebível em mentes ignorantes, desconhecedoras da história do velho Mundo, onde a nossa raça escreveu tão belas páginas.
Sem muito me deter sobre essa votação, não quero deixar de prestar homenagem aos países que em coerência com princípios que os regem e são também os nossos, numa absoluta independência - de louvar num Mundo cheio de fingidas independências, demonstrando conhecer o nosso país e o muito que tem feito pela civilização, não hesitaram em repudiar, com o seu voto de desaprovação, as insídias, as calúnias que acompanharam a proposta, a pretensão mal mascarada dos que praticam, com enorme, desplante -, não um imperialismo que dizem reprovar e que, mesmo assim, no seu tempo, ainda teve um sentido de elevação e de ajuda ao progresso dos povos; mas que praticam uma forma de opressão das mais vergonhosas, que nega toda a manifestação da personalidade humana, não reconhece os sagrados directos do homem, que entende nivelado e com absoluta extinção do seu individualismo natural.
Aos primeiros devemos o nosso conhecimento a sua inteireza, de carácter; os outros, sobejamente conhecidos, dispensam que deles nos ocupemos mais. Queremos, porém, fazer uma referência a países que os seguiram - uns por persistirem na ignorância da verdadeira situação do Mundo actual, outros pela imaturidade em que se conservam e lhes não permite escolher com justeza o caminho a, trilhar porque não conseguem, por enquanto, distinguir o bem do mal.
São naturalmente compreensíveis algumas das atitudes que acabamos de citar; porém, difícil nos é desfazer a sensação de desgosto que nos causou vermos países que. se não pelas obrigações que nos devem, por aquelas que têm para com unia civilização que é a sua, que é também a nossa e de que sempre fomos pioneiros, se reservaram, se abstiveram, que deixaram de proclamar os princípios que abertamente deviam defender, numa repetição de atitudes que já deram amargos frutos, cuja acridade deviam sentir ainda.
Sabemos, e sabem todos os portugueses, que na o nos ofende quem quer. Para tal é necessário categoria e elevação.
Ao aderir à Organização das Nações Unidas, nunca Portugal pensou que no seu seio se pudesse vir a verificar menos respeito pela soberania de cada Estado. Infelizmente, verificámos atitudes que desmentem este pressuposto, tomadas por quem certamente, não preza
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a sua dignidade. Se assim fosse, não desceria a afirmações que, por reflexo, melhor se lhes ajustam e mais certeiramente, os atingem, já que a nós nos não tocam, por descabidas.
A reacção de Portugal, pelo seu delegado, foi, como devia ser, enérgica, e clara, demonstrando com desassombro o que pensam e querem os Portugueses. Oxalá as palavras que proferiu sejam ouvidas e compreendidas em todo o seu conteúdo, de forma a não ficar qualquer dúvida quanto à nossa posição, tão magistralmente definida no recente discurso do Sr. Presidente do Conselho.
E bom será também que o Mundo não esqueça que os Portugueses não aceitam, seja de que maneira for e em quaisquer circunstâncias, muito menos por força de rotações em que a quantidade supera a qualidade, se resolva atentar contra a sua integridade, se pretenda impor limitações à sua independência.
Muito se engana quem pensar que o consentiremos!
Nós, que não recebemos a independência de ninguém, que a conquistámos, porque a merecíamos, há séculos; nós, que continuamos a merecer, que temos sabido defendê-la, sempre encontraremos forças para a conservar em toda a sua inteireza, em toda a sua integridade, não consentindo que seja atingida enquanto vivos formos.
Com a tranquilidade que me dá esta certeza e a inabalável convicção de que assim será para todo o sempre, mas ofendido também com tão lamentável acontecimento, em nome dos portugueses de Angola, o que serve dizer em meu próprio nome. Sr. Presidente, aqui deixo o meu veemente protesto.
E quero lambem deixar expressa a certeza do que, tal como afirmou o Sr. Presidente do Conselho, continuaremos unidos a trabalhar com uma mão na charrua e a outra na espada, não temendo derramar o nosso sangue, se necessário for. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Silva Mendes: - Sr. Presidente: depois da brilhante exposição de S. Exa. o Presidente do Conselho e das magníficas intervenções dos meus ilustres colegas que me precederam no uso da palavra, parecia que eu nada deveria dizer.
No entanto, permito-me ainda, acrescentar algumas considerações, que julgo não serem descabidas, pedindo desculpa à Assembleia, pelo tempo que lhe vou tomar.
Sr. Presidente: durante gerações sucessivas, homens pertencentes à minha família trabalharam, lutaram, sofreram, deram o seu sangue, e até a própria vida, no Brasil, na África e no Oriente, e actualmente tenho descendentes vivendo e trabalhando na nossa grande província de Moçambique a parentes que igualmente vivem e trabalham na nossa, ainda maior província de Angola.
Não admira, por isso, que me interesse pelo que *c passa no nosso ultramar e que neste momento patenteie a minha repulsa e indignação pelos injustos e malévolos ataques de que estamos sendo vítimas.
Em todas a« províncias portuguesas espalhadas pelo Mundo se tem manifestado exuberantemente essa indignação, dando-se até o caso - altamente honroso pura Portugal - de serem os naturais das províncias ultramarinas, desde os mais modestos até aos mais categorizados, incluindo os chefes naturais e tradicionais das populações autóctones, aqueles que com maior vigor manifestam claramente o desejo de se conservarem unidos aos seus concidadãos europeus dentro da grande o una Nação Portuguesa.
A resposta nos que nos atacam tem sido dada por esses homens de cor, ou mestiços, que sempre temos honrado e considerado e que, agora aliás no seu próprio interesse se manifestam, pela união com os seus concidadãos metropolitanos, quando nas possessões de outras nações europeias e tem dado exactamente o contrário.
Sr. Presidente: permita-me V. Exa. que em ligação com este assunto, faça ainda algumas breves considerações.
Tem-se observado nos últimos anos, em quase todas as partes do Mundo onde os Europeus tinham colónias o especialmente no continente africano, um fenómeno para o qual os habitantes do nosso país não conseguem encontrar explicação satisfatória.
Parece que os povos europeus possuidores de vastos territórios para África se sentiram envergonhados por terem feito imensos benefícios aos Africanos e, levados por esse sentimento, se têm apressado a abandonar a administração dos territórios que civilizaram e fizeram progredir.
Nós, Portugueses, não nos sentimos envergonhados e pelo contrário, temos muita honra em ter contribuído, o mais que nos tem sido possível para o progresso, bem-estar e civilização dos povos que habitam nos territórios que descobrimos e que são representados pela gloriosa bandeira de Portugal.
Que os portugueses africanos reconhecem esses benefícios e que querem unânimente continuar ligados a Portugal, constituindo uma única nação, ninguém de boa fé o pode pôr cm. dúvida, tantas e tão evidentes têm sido as manifestações desse estado de espírito.
Os portugueses europeus não compreendem, não podem compreender, os sentimentos que têm levado outras nações do nosso continente a abandonarem os territórios que administravam em África e tanto desenvolveram e civilizaram.
Será porventura um crime acabar com lutas entre tribos rivais, obstar a que se pratiquem horríveis matanças, torturas de prisioneiros de guerra, incêndios do aldeias, roubos de gados, destruição das modestas lavras dos indígenas e todos os malefícios a que estavam sujeitos os povos das várias tribos, que se odiavam guerreavam constantemente?
Será uma vergonha, para um povo civilizado, edificar hospitais e enfermarias, acabar com a doença do sono a varíola, o paludismo, a tuberculose, a peste e tantas outras doenças e epidemias que faziam sofrer e dizimavam as populações africanas, substituindo as práticas dos feiticeiros indígenas pela sabedoria dos médicos e enfermeiros europeus ou africanos, que têm salvado a vida a inúmeros doentes em todas as colónias europeias?
Será desonroso para os Europeus terem acabado com a antropofagia, o sacrifício de milhares do desgraçadas vítimas, enterradas vivas para servirem na morte potentados africanos, os sacrifícios humanos e de inocentes criancinhas imoladas à vontade de sacerdotes de horríveis ídolo», substituindo esses horrores pelos sublimes ensinamentos da religião de Cristo?
Será desprestigiante aproveitar as terras aráveis e os produtos do solo e subsolo para criar riqueza, bem-estar e progresso para alguns brancos, é certo, mas também para muitos milhões de africanos que ns não aproveitariam se não fosse a iniciativa, trabalho, sacrifício e ciência dos colonos, cientistas e capitalistas brancos?
Será digno de censura edificar grandes cidades, vilas e aldeias, com todo o conforto moderno; arrotear grandes extensões de terreno, ensinando os Pretos a tirarem partido de tudo o que de bom e valioso tinham nas suas terras e que não sabiam aproveitar; fazer grandes bar-
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ragens que permitem irrigar imensos extensões fie terra e aproveitar a energia eléctrica, que tem levada o progresso e desenvolvimento industrial a tantas parte da África: edificar fábricas grandiosas ou mesmo modestas, onde numerosíssimos africanos ganham honestamente a sua vida; construir estradas, pontes, linhas férreas e aeródromos, que permitem o transporte de pessoas e mercadorias, ou, ainda, lavrar minas e explorar as riquezas do subsolo, dando também trabalho e pão a numerosos trabalhadores?
Referindo-me mais especialmente ao que diz respeito a Portugal, pergunto ainda:
Será uma mu acção ter a população da metrópole pago pesados impostos durante largos anos e sacrificado a vida, saúde e sangue dos seus filhos, para que haja paz e todos os benefícios da civilizarão ocidental no ultramar português?
Devemos porventura sentir-nos humilhados por elevarmos o nível intelectual dos pretos e mestiços que habitam as nossas províncias africanas, recebendo-os uns nossas escolas primárias, secundarias, técnicas e nas Universidades, habilitando-os assim a prestarem, juntamente com os diplomados brancos, os seus valiosos serviços à Pátria comum?
Não, Sr. Presidente. Nós entende-mos que os Europeus exerceram em África, e aliás em todo o Mundo, uma acção benemérita, que ninguém de sã consciência pode contestar.
Colheram benefícios, é certo, mas a, sua. acção em todas as suas colónias tem sido incontestavelmente meritória.
Censuram-se as nações europeias por humilharem os habitantes das suas colónias, fazendo-lhes sentir a sua superioridade com discriminações raciais, mas nem mesmo essa acusação pode ser feita contra os Portugueses, porque há centenas de anos convivemos com povos de todas as raças, aproveitando e exaltando as suas qualidades e honrando aqueles que, pelo seu procedimento, inteligência, cultura, coragem, honradez, dignidade e serviços prestados à Pátria comum, se têm tornado dignos da nossa consideração, amizade e respeito, sem nos preocuparmos com a raça a. que pertencem nem com a cor da sua pele.
Isto tem sido afirmado inúmeras vexes e todo o Mundo o sabe embora nas assembleias internacionais tenham aparecido delegados de vários países que fingem não o saber e que nos atacam, por entenderem que firmeza e energia de que os portugueses de todas as raças têm dado e continuarão a dar provas são um exemplo que lhes não convém na campanha contra o Ocidente em que o comunismo internacional anda há muitos anos empenhado.
A verdade é que para todos aqueles que constituem a Nação Portuguesa a nação de pátria está ligado ao conjunto de todas as parcelas, espalhadas por todo o Mundo, onde flutua a bandeira portuguesa, e este conjunto estão todos dispostos a defendê-lo, quer sejam pretos, mestiços ou brancos de Angola, Moçambique ou qualquer outro território português.
Há, infelizmente, alguns governos, mesmo amigos, que parece não conseguirem compreender nitidamente a nossa atitude em África, como a não compreenderam na Índia, quando ela é bem fácil de compreender.
Nós estamos apenas a fazer em várias partes do Mundo o mesmo que fizemos no Brasil, onde os descendentes dos Portugueses ou de outras nações brancas têm os mesmos direitos que os descendentes dos pretos, índios, amarelos ou pardos que já habitavam ou se estabeleceram no Brasil, levando para a América, juntamente com as nossas qualidades guerreiras e incontestável inteligência, o nosso espírito de tolerância e as virtudes cristãs e bondade natural, que nos levaram a conviver com os povos de todas as terras onde nos fixámos ou com os quais estabelecemos relações de comércio e amizade.
Para o Brasil têm ido emigrantes de outras nações europeias que não concordam com o nosso procedimento, mas acabam por sentir a influência do meio em que foram viver e a ele se têm adaptado, vendo-se obrigados a reconhecer que o nosso sistema é bom, tem dado origem à paz e harmonia que existem em todo esse
dai em que dominam os descendentes dos Portugueses, pelas suas qualidades naturais e pelo seu espírito compreensivo, que lhes tem permitido evitar Intuis e guerras civis, que tanto têm ensanguentado outras nações da América Latina.
Se conseguimos o milagre de constituir no Brasil unia grande nação, formada por povos de várias raças, porque não havemos de conseguir o mesmo milagre no que actualmente constitui a Nação Portuguesa?
Pode-se objectar que no Brasil havia continuidade territorial e, portanto, era muito mais fácil fazer o caldeamento de raças e a sua união dentro das fronteiras que o limitam. Realmente era mais fácil, mas a experiência está-nos ensinando, já hoje, que somos capazes de conseguir completamente a Nação uma que estamos formando, apesar de se encontrar espalhada por terras distantes umas das outras.
Nós sempre temos honrado e defendido os indígenas das nossas províncias ultramarinas, considerando-os como nossos concidadãos em qualquer parte do Mundo onde nos encontremos, como se pode demonstrar com inúmeros exemplos, e em compensação, eles sempre se tem mostrado nossos dedicados amigos, como também e pode demonstrar com numerosos factos, alguns dos quais têm sido referidos nos jornais portugueses e estrangeiros, e até nesta Assembleia.
Há o carinho pela «mãe preta» que amamentou o filho da patroa branca e a dedicação da ama pela criança que ajudou a criar; a dedicação do preto pelo patrão que o teve ao seu serviço durante largos anos e a amizade deste para com o seu fiel servidor; o entusiasmo e carinho do oficial pelos seus soldados de cor e a respeitosa amizade destes pelos seus superiores.
O domínio português tem sido em toda a parte caracterizado pelo amor. pela estima e pela consideração pelo povos que conquistámos e dirigimos, e estes têm por nós estima e respeito, bem diferentes do ódio e terror que sentiriam se o nosso procedimento fosse outro.
Somos censurados e até atacado com o pretexto de que não temos um regime totalmente democrático, que permita a todos os indígenas fazerem uso do sen direito de voto mas - por amor de Deus - não queiram que cometamos o erro. que outros têm cometido, de dar esse direito a quem não sabe o que ele representa, a analfabetos e a primitivos que apenas conhecem a vida das suas tribos.
estudem elevem-se, evolucionem e, além dos direito que já têm como todos os portugueses, terão também o direito de voto em todas as eleições, como o têm todos os civilizados e suficientemente evoluídos, qualquer que seja a cor da sua pele.
Nós estamos há séculos em África e sabemos muito melhor do que outras nações como devemos procedei para que haja paz e progresso em todas as nossas províncias e o bem-estar, felicidade e elevação do nível de vida que ambicionamos para todos os portugueses
Acreditem os outros países que nós constituímos uma nação que se espalha por outros continentes di
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tal maneira que, se um dia houvesse a desgraça de a metrópole ser ocupada por exércitos estrangeiros, ela afio morreria; simplesmente, a sua capital passaria para Luanda. Nova Lisboa, Lourenço Marques, Goa ou qualquer outra cidade dos territórios que nos pertencem, como, aliás, é previsto na nossa Constituição. Este critério já não é novo, e quando, no século passado, Portugal foi invadido pelas tropas de Napoleão. o rei de Portugal e o Governo transferiram-se para o Rio de Janeiro, que durante algum tempo ficou sendo, portanto, a capital do império português, apesar de nesse tempo o Brasil ser apenas uma das províncias portuguesas.
Até esta Assembleia, que é um dos órgãos de soberania nacional, se poderá reunir em qualquer das nossas províncias ultramarinas, mesmo em tempo de paz se o Governo o julgar conveniente, como por exemplo, para estudar e discutir qualquer assunto que diga especialmente respeito a essa província.
É necessário que se compreenda bem que a Nação Portuguesa se não confina apenas no modesto rectângulo existente no Ocidente da Península. Hispânica e que em todos os territórios onde flutua actualmente a bandeira portuguesa está uma parte da nossa Pátria, onde nos estabelecemos e onde, com a graça de Deus e a nossa forte vontade, permaneceremos indefinidamente.
Evidentemente que precisamos de muito boa vontade, coragem, espírito de sacrifício e sensata inteligência para o conseguirmos e nos defendermos dos inimigos que nos querem 'escorraçar das terras que são nossas, muito nossas, e até teremos do lutar para que alguns amigos compreendam a nossa atitude, e se convençam de que o nosso procedimento é o melhor para os interesses das potências ocidentais, nossas aliadas, e até para os habitantes autóctones das nossas províncias.
Constituíram-se recentemente numerosas nações africanas e os seus dirigentes ficaram, muito contentes porque se viram livres dos colonialistas brancos. Mas que lhes sucederá amanhã, quando os outros colonialistas, da Rússia ou China, quiserem apoderar-se dessas nações fracas e incapazes de se defenderem? Evidentemente que os seus habitantes cairão na mais deprimente e desumana escravidão, porque esses colossos, livres das limitações a que a sublime religião cristã obrigava quase todos os europeus, lançarão (se o Ocidente os deixar) os povos africanos na mais degradante miséria, apenas se preocupando com a exploração do sen trabalho, sem a mais insignificante consideração pela pessoa humana e pela vida dos pobres pretos, que, saindo do domínio benévolo dos Europeus, cairão completa parcialmente sob o domínio de implacáveis senhores a quem a moral e a crença religiosa, porque as desprezam, não imporão limitações de qualquer espécie.
Graças a Deus, há paz e tranquilidade em todas as províncias ultramarinas de Portugal, devido ao nosso modo de proceder, mas não estamos livres de que alguns loucos ou ambiciosos queiram provocar distúrbios e manifestações que, devidamente ampliados, sirvam de pretexto para novas campanhas contra Portugal. Mas nada ganharão com isso, porque não estamos dispostos a capitular perante os distúrbios de alguns arruaceiros, quando temos a certeza de que as populações das nossas províncias ultramarinas estão completa e indissoluvelmente ligadas à velha e gloriosa metrópole, e os pretos ou mestiço, inteligentes e instruídos, compreendem bem que todos juntos, constituímos uma nação forte e progressiva, com mais forte do que outras jovens nações que ultimamente têm adquirido a Mia independência, desligando-se das velhas metrópole que lhes levaram o progresso e a civilização.
Sr. Presidente: todos os portugueses, brancos ou de cor, sabem que há. actualmente, a necessidade de se formarem grandes blocos de nações que se amparem e ajudem mutuamente e constituam grandes unidades económicas e militares, capazes de progredirem e de se defenderem de quem as quiser atacar.
Felizmente para nós e para eles, os estadistas portugueses e brasileiros compreenderam, a tempo, a importância imensa que para as duas nações irmãs representa a sua união, e hasta olhar para um mapa para constatar a importância estratégica que as nossas possessões no Atlântico têm para a defesa do Brasil a interesse que para a defesa das nossas terras tem o imenso império brasileiro.
Liga-nos a origem comum, a língua e a religião da maior parte dos Brasileiros e Portugueses e portanto, dificilmente se poderão encontrar nações que com mais facilidade e possam unir e impor à consideração dos dirigentes mundiais. Unidos, constituiremos, sem dúvida, um bloco formidável, que económica e militarmente. será progressivo e poderoso, e um aliado que para as potências ocidentais, terá uma importância decisiva, pela sua população, recursos económicos e posições estratégicas.
Se tivermos também em atenção as nossas relações íntimas e amigáveis com a vizinha Espanha e o seu poderio e importância no conjunto das outras nações europeias, reconheceremos que o bloco luso-brasileiro, em íntima ligação com a nobre, progressiva e valorosa Espanha, terá um alto e indiscutível valor para a defeca da civilização ocidental.
Voltando ainda às nossas províncias ultramarinas e para terminar, resta-me afirmar categórica mente, e mais uma vez. aquilo que tantas vezes se tem afirmado: fazem parte da Nação Portuguesa e mil a se conservarão indefinidamente. Essa é a nossa vontade, e temos a coragem necessária para a fazermos prevalecer, haja o que houver e mesmo à custa dos maiores sacrifícios.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Vasques Tenreiro: - Sr. Presidente: é penosamente que hoje subo a esta tribuna, e isso porque quando a injustiça cala no coração dos homens perturba-lhes os sentidos e traz à boca palavras de amargura que, muitas vezes, retardam a acção urgente que é mister tomar de mente esclarecida e calma. Sabe, pois a esta tribuna esforçando-me, perante o melindre de. uma situação injusta, tanto mais injusta quanto é imposta do exterior à Nação, por trazer palavras que, serenas, permitam debruçar-me sobre alguns dos aspectos relacionados com os ataques sofridos na O. N. U.
Palavras simples de quem se habituou a extrair exemplos e meditações dos quadros (pie os homens organizam na Terra, antes que de bibliografia, quantas vezes afastada das realidades humanas. Nascido no ultramar, conheço os recantos de Portugal Europeu: educado em Portugal, pelo ultramar tenho peregrinado. Por isso, ao evocar o ultramar, falarei também de Portugal, não só por motivo de lógica ou de história, mas também por razão de sentimento, que julgo tão relevante como qualquer outra.
As conspirações da política internacional que a partir do final da última guerra, se servem de todos os ardis e audácias apostadas no aniquilamento da civilização dita ocidental, as maquinações que fizeram da Europa manta de retalhos políticos, de agrupamentos económicos, de hegemonias financeiras o de
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consórcios bélicos os mais diversos, numa palavra, os preconceitos e os desvarios de um mundo perturbado que subverte, em revolução implacável, padrões que a história radicou, sem que se vislumbrem rumos humanísticos claros, não Facilitaram e não facilitam a visão desapaixonada do que podemos apelidar o «caso português». E, assim, da originalidade ou singularidade de nação antiga se faz tábua rasa nos areópagos da política internacional. Argumentos válidos, expostos quantas vexes com desassombro, honestidade, até humildade, afiguram-se incapazes de aquecer a sensabilidade dos homens ou das nações que, desligadas, estrebucham no vórtice da crise europeia è precisamente o peso dessa crise que agora desaba sobre a Nação Portuguesa. Se os argumentos que a Nação invoca não encontram ouvidos no exterior, nem por isso silo menos verdadeiros, pelo que nunca, será de mais insistir neles.
Sr. Presidente: para muitos. Portugal não é mais do que esta nesga rectangular de território frente no Atlântico, afastada dos grandes entroncamentos da Europa, fechada sobre, si mesma numa vida rotineira, e calma. Para outros, ainda um país de pitoresco, museu vivo de estilo que a civilização mecânica há muito postergou nas regiões do Noroeste da Europa. Afigura-se terra arcaica e austera, de gente que trabalha com dureza a terra do Senhor - o pão, o vinho e o azeite adubados e colhidos com o suor do rosto. Aberto ao oceano, o País vive enovelado na neblina de um passado de aventura em que os homens domesticaram e fizeram do mar terra, para os seus passos. Portugal foi, pois também alfobre de grei que antes do século XV se lançou ao mar oceano e nos séculos XVI e XVII, principal mente, abriu caminhos ao Mundo e escreveu uma epopeia que provocou viragem decisiva nos destinos do Mundo.
Em análise mais miúda ressaltaria a diversidade de paisagens e de estilos de vida: paisagens diferentes e, subsequentemente, diferenciação de gentes o modos de vida: desde regiões de forte densidade populacional a quase desertos de homens, como no Sul e nas montanhas do Nordeste; desde as sobrevivência» comunitárias que lembram sistemas arcaicos de viver próprios à Europa média, ai f aos prósperos estabelecimentos agrícolas do Sul, que recordam os latifundia romanos. No fundo, uni país pobre, mas de gente esforçada, não beneficiado em condições de solo e subsolo. Deficiente em fontes de energia tradicionais, o estilo campesino manter-se-ia até tarde, como que indiferente aos progressos da mecanização que a revolução industrial promoveu em alguns países da Europa. Mediterrâneo no cerne da sua cultura, foi o Atlântico que abriu as portas à prosperidade e engrandecimento de Portugal. Foi de facto do ultramar que vieram os estímulos que cedo guindaram o País ao convívio das grandes nações.
Porém, é preciso não esquecer que quando o eixo da civilização estava no Mediterrâneo, aqui a esta finisterra, tinham chegado já as armas e a administração romanas, a minúcia requintada dos jardineiros islamizados ecos das, civilizações dos «campos abertos», além da acuidade financeira dos grupos judaicos. Colonizações peninsulares que sucessivamente se amalgamaram com o fundo antigo da Ibéria para formarem nação uma, se bem que complexa. Quando os Portugueses só votaram aos rumos do Atlântico, conheciam já diversos processos de colonização e tinham, criado predisposição para lidar com outras civilizações. Era um povo amadurecido. Se assim não fosse, como compreender que este pequeno país europeu, cujas* fronteiras se fixaram e mantiveram em definitivo muito antes que qualquer outro o conseguisse, se dilatasse por área" em nítida desproporção territorial e humana? Se assim não
fosse, como aceitar que Portugal, falho de tantos recursos, que não o engenho dos homens, quando comparado com os «gigantes» da Europa, sobreviva onde outros vêm claudicando? E nestes factos que reside o chamado «milagre português», que tanto se discute, crítica ou se amesquinha, sem que se tente a sua compreensão.
Um povo amadurecido e «assimilado» em vários graus, e como tal assimilador levou para os trópicos padrões da vida do Mediterrâneo. Ali organizou os espaços segundo a tradição ibérica, como estabeleceu aquelas relações humanas que estavam na base da sua formação própria. E assim, desde os aspectos de vida material até aos expoentes mais elevados do espírito tudo para ali foi carreado. De um estilo de habitação que havia de sofrer os retoques de outros, materiais do construção, que não a pedra, ao ensino de uma língua franca, o português, que se impregnaria de palavras e da maleabilidade forma de linguajares locais; desde instrumentos de trabalhar a terra e de farinar produtos até ao sangue que se misturou com o das gentes das cores mais diversas; desde as plantas do complexo agrário do Mediterrâneo até à expansão nobre de uma religião ecunémica, como o cristianismo. Mas tantos, tantos outros factos que o tempo não permite agora recordar. Mas só mais um exemplo: o das cidades. Não só nas faces cegas de África o Português abriu cidades, como por toda a parte, as edificou em moldes que ou lembram Lisboa ou o Porto, semelhança que não estava só na traça ou plano, mas no estilo de vida das populações plurais que sulcavam as ruas: portugueses da Europa, negros e mulatos, índios e amarelos, judeus e estrangeiros que ali viviam e comerciavam. A cidade do Salvador, Luanda velha, a Praia de Cabo Verde, a antiga Bolama e Lourenço Marques, na tonalidade dos sobrados e na profusão das gentes, eram como Lisboa, cidades de «muitas e desvairadas gentes». Cidades acolhedoras, que não obstante a estrutura social complicada, não conheciam bairros de segregação. Ainda hoje Luanda, Bissau e S. Tomé, apesar de súbito surto de expansão, apresentam originalidade, que as não confunde com outras, porventura mais modernizadas estabelecidas algures em África não portuguesa.
Nenhum povo do Mundo se identificou tanto com os trópicos e com as homens como o português. Foi ele que desencadeou o processo de formação de um novo humanismo desenvolvido em ambientes que em tantos traços se opunham aos do Mediterrâneo e da Ibéria. Nas terras novas e desertas, nas ilhas do Atlântico, um África, como no Brasil ou na índia, foram colonizadores que souberam utilizar a contribuição cultural que, com pretos, branco -, mulatos e caboclos, deram sociedades crioulas e seria fundo de uma comunidade de sentimento fraterno com Portugal. Criaram-se populações que apresentam, entre si, aquele sar de família» de, que fala o Prof. Orlando Ribeiro, que não está longe da maneira de sentir e ser do português metropolitano. E nisto se consubstancia, ainda, no dizer do mesmo mestre, a «notável lição» que, Portugal deu ao Mundo de aproximação de homens» de raça, credos e culturais materiais a mais diversas.
Neste facto, Sr. Presidente, reside toda a originalidade da acção portuguesa no Mundo.
São os Portugueses acurada de viverem de olhos voltados para o passado, evitando enfrentar as realidades presentes. Talvez haja alguma verdade nesta afirmação. Porém, no caso presente, perante» incompreensão exterior que rodeia a Nação não é de mais lembrar os alicerces que a estruturaram na expansão se os contados com outras civilizações. Também são os Portugueses acusado de oferecerem ao Mundo a face mais luzida do esforço colonizado, escondendo sistematicamente o outro lado
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da moeda», aquele que se refere às duas maiores parcelas territoriais: Angola e Moçambique. Acerca delas, diz-se, as coisas são diferentes. Pois bem: não há dúvida que o são ... E são-no mais por vicissitudes históricas que por vontade dos homens.
Por muitos anos a expansão portuguesa teve por fulcro o desenvolvimento da Índia e do Brasil, particularmente do seu Nordeste, húmido, e as ilhas do Atlântico. A Índia, além da enorme curiosidade humana das suas civilizações, representa vá a possibilidade de comércio rico e ambicionado por muitos estados da Europa, bem como pelos Turcos, que viam pela acção portuguesa empalidecer o seu prestígio e comércio no Oriente. Exigia o contacto dos Portugueses com esta região grande dispêndio do homens: mercadores para as especiarias, militares que, impondo respeito aos Turcos, garantissem desenvolvimento económico, religiosos que ali implantassem fé nova. O Brasil, por outro lado. com as suas florestas, solos férteis dag várzeas, matérias-primas de subsolo, exigia esforços empreendedores, que absorviam capitais e grande actividade humana. Ali, ao contra rio da índia, mal se podia contar com a população autóctone; é assim que não só são necessários braços europeus, como se foram buscar à costa africana gentes que se fizeram trasladar para ali. As ilhas desertas do Atlântico profundamente humanizadas, funcionavam como autênticos laboratórios de experiências sociológicas, que se coroariam de êxito tanto na adaptação de homens e plantas a novos ambientes como no estabelecimento de relações humanas entre, colonizadores vindos da Europa e de África. No Brasil, o Africano seria também um verdadeiro colono, tanto se identificou com o novo ambiente e participou activamente na formação do novo país.
Eram a índia e o Brasil que absorviam os interesses e as preocupações dos Portugueses. O desenvolvimento e o seu progresso haviam de fazer-se com algum sacrifício - e esse foi o das vastas terras de Angola e Moçambique. De qualquer forma, nunca foram territórios abandonados, e algumas das mais notáveis páginas de acção colonizadora e humana podem ler-se naqueles territórios, como. por exemplo, os contactos que os Portugueses tiveram com as populações do reino do Coligo.
Quando o Brasil, por força de uma evolução inserida nos princípios que os Portugueses levaram para os trópicos e atrás analisados, como fruto maduro se separa de Portugal, sem que se tivessem quebrado os laços de sentimento e cultura que o unem a Portugal, todo o esforço da grei se voltou para Angola e Moçambique, cujas populações se apresentavam, consequentemente em meados do séculos XIX, recuadas em relação às dos restantes territórios ultramarinos.
Tão vastas áreas exigiam muita gente e capitais que o País só com muito sacrifício conseguiria. Promover o desenvolvimento económico e social das populações, sanear e povoar regiões desertas, colocar em contacto íntimo e humano brancos e pretos, extrair do subsolo as riquezas escondidas e ignoradas, abrir estradas e lançar caminhos de ferro à circulação dos produtos, dos homens e das ideias, era o vasto plano que se impunha aos Portugueses. Ë certo que desde os últimos anos do século passado até hoje não obstante o esforço colectivo da acção e da vontade de alguns homens que ao ultramar votaram o melhor da sua inteligência, como Andrade Corvo ou Paiva Couceiro, Norton de Matos ou Vicente Ferreira, e perante dificuldades conjunturais externas, como duas guerras mundiais, ou internas, tais como certa instabilidade política nos primeiros anos do presente século, a realização dessa ingente tarefa por várias vezes esteve
comprometida e com ela a articulação dos vários estímulos fomentadores do progresso.
Podem-se, por conseguinte, apontar erros de pormenor, erros que os Portugueses têm a consciência de ler praticado, mus ó preciso não esquecer que nunca, apesar deles perigaram as relações entre os vários grupos humanos em contacto; precisamente por isso, e este é um tacto concreto, não deparamos no ultramar com problemas sociais de turbulência nas relações entre os homens, ao contrário do que vai acontecendo em outros locais de África.
Ocorre-me agora um exemplo que, na sua simplicidade, reputo eloquente. Meses atrás estive na Guiné Portuguesa. Havia na cidade de Bissau uma «quermesse», ou melhor, e bem à portuguesa, um arraial, que funcionava para recreio da população uma ou duas vezes por semana: local de divertimento, onde existiam as clássicas tômbolas de feira e um pequeno recinto de dança. Uma noite também fui ao arraial, o espectáculo que ali encontrei impressionou-me vivamente. Cientes da cidade, de toda», as camadas sociais, de todas as cores e até de muitas religiões, confraternizavam em mistura colorida e animada.
Brancos e pretos, mulatos e cabo-verdianos, misturavam-se nas mesas e dançavam ao som de uma pequena orquestra crioula. E, nota curiosa, em determinado momento chegava o governador da província, que cumprimentou funcionários de todas as raças com a mesma simpatia e a mesma cordialidade de um autêntico português.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - E eu perguntava uma vez mais, a mim próprio, se um espectáculo como aquele seria possível em qualquer nutra cidade africana que não fosse terra de Portugal.
Este tacto, descrito em tão modestos termos, é bem o símbolo da originalidade da política ultramarina dos Portugueses.
Sr. Presidente: disse originalidade e poderia ter dito norma, aplicando esta palavra na acepção em que a empregam os técnicos de estatística. Desvios à norma sempre se verificaram, mas uma política do acção, seja ela de que contexto for. deve procurar definir-se pelos seus cumes, e não pelos acidentes dos vales sombrios.
A normalidade de actuação dos trópicos acabou por imolar os Portugueses, uma vez que os seus paradigmas não podem ser confrontados. Esta singularidade não é compreendida em geral ou é vista tão-sòmente pelo que pode oferecer de especulação a mentalidades propensas a isso. Isolados por incompreendidos, é a Nação por si só que tem agora de fazer frente às dificuldades que se avizinham. Há que dar resposta aos que, nos criticam, e essa só pode ter base na autenticidade de propósitos. Quero eu dizer que. longe de os Portugueses se deixarem levar pela emoção que embarga a voz e trava quantas vezes o braço, hão-de procurar, com serenidade, não as medidas de circunstância, mas aquelas que, ditadas pela autenticidade de um passado, se desenvolvam em plano largo de realizações polarizadas no estreitamento de relações entre os homens. Ser autêntico é neste caso, saber o que se pretende continuar e estar atento não só às imposições do exterior, mas também aos desvios dos de dentro, que. por perturbação dos sentidos, ou até por cupidez, dificultem o alargamento dessa tradição de convívio com as populações de além-mar. Se o sistema português pode ter defeitos, o certo é que até à data não se vislumbra outro que ofereça a gama rica de aspectos que ele apresenta. Daí não ser necessário recorrer a qualquer figurino estrangeiro, venha ele aliciamento rotulado de África, da Europa ou da América; há que
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arrancar da própria Nação, da experiência do passado e do presente, novas soluções, e quiçá até mesmo novos rumos que dêem nos homens válidos do ultramar, sejam eles de que raça forem, uma cada vez mais larga participação nos destinos da terra portuguesa. Já que sempre demos a primazia ao desenvolvimento das relações humanas seria bom que ao lado de uni planeamento essencialmente económico em marcha, se mobilizassem as forças atinentes ao aceleramento da educação de base e do desenvolvimento comunitário. Que a Nação tome consciência da crise que se atravessa e responda da única forma legítima: o trabalho. Há que trabalhar tão activamente no ultramar como na metrópole. Só quem não conhece a modéstia do nível de vida de muitas aldeias do Norte de Portugal ou os problemas que uma lavoura revolucionária representa no Sul pode rotular este país como colonialista, na acepção pejorativa que é hoje corrente no Mundo. Conheço muitas aldeias no continente em que as populações vivem a nível de sofrimento maior do que muitos agregados das províncias ultramarinas. Pergunto se este facto se verificará ou verificava entre os restantes países colonizadores da Europa.
Somos, é verdade, nação de modestos recursos e modesto desenvolvimento. Somos modestos, mas anos. E por isso não deixaremos de entregar a este mundo em crise a mensagem de um humanismo integral: mãos nas mãos, mãos de africanos, de europeus e de asiáticos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Martinho da Costa Lopes: - Sr. Presidente, Srs. Deputados; a maré alta de indignação que varreu de lês a lês o País inteiro, a onda cada vez mais crescente dos gritos de veemente protesto contra os ataques e calúnias proferidos na O. N. U. em desfavor da política ultramarina portuguesa, a exaltação patriótica das manifestações populares, espontâneas de portuguesismo, de unidade e solidariedade nacionais provenientes de todos os recantos do mundo português, a razão o direito que assistem a Portugal de manter intangível, doa. a quem doer, o território sagrado da Pátria, constituem, por si sós argumentos bem ponderosos, que devem ter calado profundamente no ânimo daqueles que, por flagrante injustiça ou inconfessável má fé, pretenderam nada mais nada mentis que mutilar a Nação Portuguesa, rasgando para sempre as mais belas páginas da história pátria, escritas tantas vexes com o sangue lusíada, que se derramou generosamente no decorrer dos séculos para trazer ao convívio da civilização ocidental povos atrasados e implantar o lábaro sacrossanto da cruz em plagas outrora inóspitas, que se transformaram, mercê do esforço, do sacrifício e de uma política inteligente, humana e cristã, em cidades e vilas progressivas, sobre as quais flutua serena e orgulhosamente o pavilhão nacional e onde o Deus verdadeiro tem o seu lugar de destaque em milhares de templos, que coroam a crista dos montes a atestarem às gentes a presença do Portugal cristão e missionário.
«Portugal uno e indivisível» - eis a afirmação categórica de lima realidade soberanamente nacional, que se sobrepõe a todas as divergências políticas internas e se situa fora do plano de toda a discussão.
Foi isto mesmo que pretenderam afirmar ao Mundo inteiro os 20 milhões de portugueses espalhados pelos quatro cantos do Mundo nas inúmeras mensagens dirigidas ao Governo Central por ocasião dos ataques na O. N. U. à soberania nacional.
Esses que se permitiram, de ânimo leve, censurar a política ultramarina portuguesa, ou não conhecem suficientemente os métodos humanos e cristãos de que Portugal se tem servido para civilizar povos, ou então procedem de má fé.
Todavia, é preciso que todos saibam que nós - os Portugueses - nunca estivemos tão unidos como na hora presente, e enquanto nos mantivermos assim unidos em defesa legítima dos nossos direitos, não haverá força no Mundo capaz de nos vencer, porque temos ao nosso lado a razão.
Portugal vive e continuará a viver em todas as suas províncias, quer metropolitanas, quer ultramarinas. Não são as províncias ultramarinas que vivem, mas sim ê Portugal que vive em cada uma elas, é Portugal que vive em Timor, Macau, Índia, Angola e Moçambique, S. Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Guiné.
Só assim se pode entender a reacção unânime de um povo inteiro protestando em massa contra os ataques a Portugal na O. N. U., só assim se compreende a atitude firme e enérgica do Governo de Salazar. junto do qual se unem, em fileiras cerradas, firmemente decididos até mesmo ao sacrifício das suas próprias vidas, se for necessário, os milhões de portugueses dispersos pelo Mundo, qualquer que seja a pigmentação da sua pele ou o credo político e religioso que professam.
Portugal já pronunciou o seu non possumaspela boca do supremo magistrado da Nação - o Presidente da República - e pela voz autorizada de Salazar; com tal eloquência e firmeza o fizeram que seria supérfluo acrescentar-lhe algo de novo de maior e mais veemente expressão.
Todas as províncias do ultramar português, vibrando de indignação perante a ameaça comum, manifestaram de uma forma nítida, que a ninguém deixou dúvidas, o seu repúdio aos ataques e insidiosas- calúnias de que o País foi vítima na O. N. U. e o seu incondicional apoio à atitude firme e intransigente do Governo da Nação.
Sendo assim, poderia perfeitamente, como Deputado pela mais longínqua das nossas províncias ultramarinas, quedar-me em silêncio, aguardando confiadamente o desenrolar dos acontecimentos.
Todavia, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não obstante a brilhante jornada das manifestações patrióticas a que temos assistido, quer na metrópole, quer no ultramar português, de enérgico protesto contra o» ataque de que foi alvo o nosso país, Timor, hoje mais do que nunca, sente a necessidade impreterível de reiterar ao (Juvenil) da Nação, pelo seu modesto porta-voz nesta magna assembleia parlamentar, o seu desmentido formal às calúnias insidiosas levantada na O. N. U. contra Portugal e o seu mais caloroso apoio à atitude governamental.
Iguais sentimentos nutre a província irmã de Macau. Pelo conhecimento directo que tenho da sua população, que prima pela sua lealdade à Pátria e pelo seu portuguesismo a toda a prova, posso assegurar a VV. Exas. Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a província vizinha de Macau não podia assumir outra atitude que não fosse a mesma de Timor.
Macau e Timor, províncias irmãs do Extremo Oriente, respondem «presente» nesta conjuntura difícil que atravessa o País, proclamando alto e em bom som que a Pátria Portuguesa é una e indivisível.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vou terminar com o seguinte episódio registado em Timor durante a ocupação japonesa: D. Jeremia», um dos régulos- de Timor que mais se salientaram pela sua coragem e patriotismo na resistência aos Japoneses, pouco antes de ser fuzilado pelas balas
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nipónicas, por não querer renegar a sua pátria e entregar no massacre os seus irmãos portugueses ria metrópole, que ciosamente ocultava no seu reino, como se tivesse receio de que os circunstantes pudessem duvidar um momento sequer do seu entranhado amor à Pátria, pela qual dentro de momentos iria tombar para sempre no campo da honra, percorrendo com o seu olhar firme e indómito a multidão que o rodeava, pronunciou, num tom imperioso de voz, as seguintes palavras:
Ide e dizei a Portugal que sou português e morro português.
Pois bem. Parafraseando estas mesmas palavras do chefe Jeremias de Luca e interpretando o sentir colectivo de toda a população portuguesa da província de Timor, direi o mesmo: ide e dizei a esses senhores da O. N. U. que nós, Timorenses, somos intangivelmente portugueses e estamos firmemente decididos a sê-lo, (píer na prosperidade, quer na adversidade, quer na vida, quer na morte.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
Sr. Presidente: - Não está inscrito mais nenhum Sr. Deputado.
O Sr. Sarmento Rodrigues: - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sarmento Rodrigues.
O Sr. Sarmento Rodrigues: - Peço licença paru mandar para a Mesa uma moção.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção que acaba de ser enviada para a Mesa.
Foi lida. É a seguinte:
Moção
«A Assembleia Nacional, tendo tomado conhecimento da exposição do Sr. Presidente do Conselho e ouvidas as afirmações produzidas na sessão de hoje, que interpretaram o sentimento unânime dos portugueses de todas as províncias de aquém e além-mar, resolve:
a) Exprimir ao Governo da Nação o completo apoio às medidas tomadas para garantir o respeito pelos nossos direitos de nação soberana e salvaguardar a unidade e integridade da Nação Portuguesa:
b) Interpretar o sentimento da Nação da mais completa confiança em que a acção do Governo - no prossegui mento da que até agora tem sido seguida e de harmonia com o pensamento expresso na exposição feita pelo Presidente do Conselho - será a mais conforme à plena realização do interesse nacional, quer no plano exterior, quer no plano interno;
c) Testemunhar a todos os portugueses, e com particular emoção aos portugueses do ultramar, n confiança na intangibilidade dos seus direitos e da sua liberdade;
d) Exortar todos os portugueses a contribuírem com todo o seu esforço para o fortalecimento moral, (anónimo e social das províncias ultramarinas no prosseguimento de uma tarefa histórica de que nenhuma ameaça nos faz descrer ou afrouxar;
c) Exprimir às nações que nos tom prestado o seu apoio constante o respeito ao apreço que lhe merece a dignidade e o desassombro das posições assumidas;
f) Consignar a esperança de que os governos verdadeiramente interessados na defesa da paz e no desenvolvimento da civilização reconheçam que o respeito pela posição portuguesa é a atitude que melhor pode conduzir àqueles objectivos;
g) Proclamar enfim, a sua fé no futuro da Nação Portuguesa e a certeza de que Portugal prosseguirá na realização do seu destino histórico, quaisquer que sejam os sacrifícios impostos por essa inabalável resolução.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues - Adriano Duarte Silva - Francisco Cardoso de Melo Machado - Alfredo Cruz - José Hermano Saraiva - António José Rodrigues Prata - Alberto da Rocha Cardoso de Matos - José Rodrigues da Silva Mendes - Francisco José Vasques Tenreiro - Martinho da Costa Lopes.
O Sr. Presidente: - Submeto à votação a moção que acaba de ser lida.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima será na sexta-feira, dia 9, tendo por ordem do dia a apreciação da Lei de Meios para 1961.
Está encerrada a sessão.
Eram 10 horas e 29 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Águedo Ornelas do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Tranco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Tarujo de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
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CÂMARA CORPORATIVA
VII LEGISLATURA
PARECER N.º 37/VII
Projecto de proposta de lei n.º 518
Autorização das receitas e despesas para 1961
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 518, elaborado pelo Governo sobre a autorização das receitas e despesas para 1961, emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral e de Finanças e economia geral), sob a presidência de S. Exa. o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
§ 1.º
Introdução
1. O projecto de proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1961 mantém, nas suas linhas gerais, a orientação que, louvavelmente, tem vindo a ser definida pelo Governo nos últimos anos, não apenas quanto ao fundo, mas ainda no tocante à fornia de apresentação do projecto e à oportunidade da sua remessa à Câmara Corporativa.
Relativamente a este último ponto, regista-se com aprazimento a circunstância de o projecto de proposta de lei ter sido enviado com antecedência superior à dos anos pretéritos. A Câmara tem no devido apreço o esforço que tal facto representa da parte da Administração e dispensa-se de salientar os benefícios que daí advêm para o cabal desempenho das funções que, na matéria, incumbem, aos órgãos da representação nacional.
O Sr. Ministro das Finanças faz anteceder o projecto do habitual relatório sobre a conjuntura externa e interna e a fundamentação do articulado da futura lei. Sem embargo de se poder entender que esse exaustivo trabalho seria porventura susceptível de aligeiramento quanto aos dados relativos ao último ano - os quais
constam com suficiente amplitude do relatório da Conta Geral do Estado, publicado poucos meses antes -, cumpre reconhecer que tal relatório, tanto pela objectividade como pela clareza e proficiência da análise, constitui documento da maior utilidade para o estudo que à Câmara Corporativa cabe efectuar.
Acresce que a exposição ministerial se apresenta, este ano, enriquecida com um capítulo dedicado aos aspectos mais significativos da conjuntura do ultramar português - aliás na sequência de orientação iniciada no último relatório da Conta Geral do Estado -, cujo interesse e actualidade escusado será sublinhar.
No que respeita propriamente ao conteúdo, também o projecto em apreço reitera as linhas tradicionais de política financeira que têm inspirado a acção governativa, e inclui alguns preceitos inovadores que a seu tempo serão examinados.
2. No parecer que se segue observará esta Câmara a orientação traçada no ano transacto quanto ao carácter sucinto das suas considerações, pelos fundamentos então expendidos.
Assim, este trabalho restringir-se-á, na generalidade, a uma síntese dos aspectos mais salientes da conjuntura económica e financeira que vão condicionar a execução da Lei de Meios para o próximo ano e na especialidade, a um exame conciso do articulado do projecto, com particular referência às disposições que contenham matéria nova.
§ 2.º
Breves considerações a conjuntura económica
a) Economia mundial
3. De modo genérico, pode dizer-se que a economia da Europa Ocidental, em meados do corrente ano, con-
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tinuava a apresentar índices de franco progresso, tendo a ritmo da expansão ultrapassado, na generalidade dos países, a média do último quadriénio.
Dois factores primaciais favoreceram aquela tendência: o desenvolvimento do consumo privado e a intensificação das exportações. Ambos permitiram que a expansão se processasse em clima de relativa estabilidade de preços.
Nesta segunda metade de 1960 mantêm-se, para a Europa, perspectivas de crescimento acelerado, embora a Comunidade Económica Europeia preveja, em relação aos seis países que agrupa, uma taxa de acréscimo da produção industrial inferior à verificada em 1959.
Quanto aos Estados Unidos da América, as preocupações dos economistas, de que o relatório ministerial da exacta conta, mão se filiam propriamente em factos denunciadores de recessão, como há dois anos, mas sim na falta de uma tendência expansiva bem nítida, ao contrário da que se verifica na Europa.
Parece que o fenómeno comporta uniu dupla explicação. Por um lado, a economia de além-Atlântico sofre a competição, cada vez mais forte, dos países europeus, que prosseguem aceleradamente os seus programas de industrialização e são favorecidos, entre outros factores, por menores custos de mão-de-obra. As dificuldades com que têm lutado as indústrias americanas de automóveis e de máquinas-ferramentas filiam-se, em grande parte, nesses factos.
Por outro lado, e não obstante uma balança comercial favorável, o escoamento de ouro dos Estados Unidos - que se observa desde Janeiro de 1958 e se tem ultimamente agravado - também vai actuar, até no plano psicológico, como elemento desfavorável a uma conjuntura francamente expansiva. Julga-se que essas saídas de ouro estejam, em certa medida, relacionadas, não só com a recuperação económica europeia, mas ainda com as taxas de juro mais altas que vêm sendo praticadas na maior parte dos países do velho continente.
O quadro seguinte ilustra as linhas mais salientes do que acaba de expor-se.
QUADRO I
Índices da produção industrial
[Ver tabela na imagem]
Fonte: Boletim das Nações Unidas.
À intensificação da actividade económica em 1959-1960 correspondeu o acréscimo do consumo de matérias-primas, que foi favorecer as exportações dos países produtores de bens dessa natureza.
A melhoria verificou-se principalmente nas quantidades vendidas, pois as cotações não subiram em ritmo paralelo e até, em alguns géneros, como o cacau, acusaram sensível contracção. No 2.º trimestre de 1960 baixaram os preços dos cereais, do açúcar, de algumas fibras (lã, sisal, juta), da copra, do chumbo e do zinco. O facto parece poder atribuir-se à tendência actual de se trabalhar com stocks muito menos avultados do que em épocas anteriores.
O comércio mundial (excluídos os países de Leste) teve em 1959-1960 um acréscimo apreciável. No 1.º trimestre do ano corrente a elevação foi superior a 20 por cento em confronto com período idêntico de 1959.
4. Relativamente ao sector monetário e creditício, note-se, antes do mais, a relativa estabilidade das taxas de desconto nos principais países. Da lista seguinte, somente cinco utilizaram o agravamento da taxa - nomeadamente a República Federal Alemã - como meio de frenar a alta velocidade de expansão das suas economias.
A Suíça e Portugal continuam, neste capítulo, a praticar as taxas mais baixas do mundo.
QUADRO II
Taxas de desconto dos bancos centrais
(Em 30 de Junho)
[Ver tabela na imagem]
Fonte: Boletim dos Reserva Federal dos Estados Unidos.
De uma maneira geral, não se verificaram em 1959-1960 pressões inflacionistas. Os preços por grosso e o custo da vida tiveram agravamentos muito moderados.
Pelo quadro seguidamente inserto, mais uma vez se confirma que, entre 1949 e 1959, a percentagem mínima de desvalorização monetária pertence a Portugal, com 0,5. Além do nosso país, apenas cinco registam taxas não superiores a 2 por cento.
QUADRO III
Depreciação das moedas de 1949 a 1959
[Ver tabela na imagem]
Fonte: The First National City Bank of New York, «Montlhy Review», Julho de 1960.
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5. Do exposto parece lícito inferir que, na generalidade dos países da Europa Ocidental, a expectativa para o ano corrente é de optimismo, quanto à manutenção do ritmo de actividade produtiva e à salvaguarda do equilíbrio entre os diversos sectores da economia.
No que respeita à América do Norte, as previsões são menos favoráveis, esperando-se certa contracção da taxa de crescimento do produto e das exportações, bem como do consumo privado.
b) Economia portuguesa
6. Como se nota no relatório ministerial, o acréscimo de 4,5 por cento do produto nacional bruto, registado em 1959, foi triplo do de 1958, situando-se bastante acima da média do último quadriénio (2,75 por cento) e um pouco mais alto do que o do conjunto da Europa Ocidental naquele ano (4 por cento).
Este resultado ficou a dever-se sobretudo ao incremento no sector das indústrias transformadoras e de construção (mais 4,1 por cento) e à notável expansão do total dos serviços (mais 8,9 por cento).
A agricultura, silvicultura, caça e pesca acusaram, em globo, decréscimos, embora ligeiros: ao passo que em 1958 a quebra, nestes sectores, fora de 747 milhares de contos, no último ano verificou-se apenas uma baixa de 143 milhares, ou seja, menos 1,1 por cento.
Relativamente à composição do produto, nota-se que a participação das actividades agrícolas e afins foi, em 1959, de 23,2 por cento, contra 24,5 por cento no ano anterior.
Por seu turno, os conjuntos das indústrias (extractivas, transformadoras e de construção) e dos serviços mantiveram posições bastante aproximadas entre si - respectivamente 37,7 e 37,9 por cento do total.
A capitação do produto continuou, no entanto, a revelar que o ritmo de desenvolvimento da nossa, economia metropolitana, não obstante a melhoria registada em 1959, ainda não mostra ter alcançado nível suficiente.
QUADRO IV
Variações percentuais do produto nacional bruto (ao custo dos factores) e da sua capitação (a)
(Preços de 1954)
[Ver tabela na imagem]
(a) A população do continente foi calculada tendo em conta a sua relação para o total (continente e ilhas), segundo o último censo.
(b) Segundo o relatório da proposta, p. 10, quadro 11.
7. Para o ano em curso, as previsões continuam a não ser favoráveis no sector agrícola, esperando-se que o respectivo produto sofra ainda diminuição relativamente a 1959, por virtude de quebras sensíveis nas produções de trigo, milho e azeite, já referidos no relatório ministerial, e também na de arroz, por efeito da intempérie dos últimos meses.
Em contrapartida, os índices da produção industrial publicados no relatório da proposta acusam, para o 1.º semestre de 1960, um aumento de 10 pontos - cerca de 7 por cento -, o qual, embora um pouco mais baixo do que o correspondente a período homólogo do ano transacto, não deixa de confirmar a franca tendência
expansiva daquele sector.
«No total - afirma o citado relatório - estima-se que o produto interno bruto venha a apresentar em 1960 uma taxa de crescimento um pouco inferior à verificada em 1959, mas ainda assim superior à média dos últimos cinco anos.»
Apesar deste prognóstico favorável, continua a ter inteira actualidade a observação formulada pela Câmara Corporativa no parecer de há um ano: semelhante resultado não traduzirá ainda um ritmo de desenvolvimento satisfatório, em face do aumento da população e das necessidades prementes da nossa economia.
8. Sob o ângulo da despesa nacional, dir-se-á que o consumo privado acusou, em 1959, a escassa melhoria de 0,5 por cento, ao passo que o consumo público se dilatou em 12,8 por cento. Como este, porém, representa apenas cerca de 14 por cento do consumo global, a taxa de expansão do conjunto não excedeu 2 por cento.
Tal circunstância - como sucedeu em 1958 - contribuiu decisivamente para a relativa estabilidade de preços.
Encarado, porém, sob o aspecto da elevação do nível de existência, tão reduzido acréscimo do consumo - designadamente do privado - não pode deixar de considerar-se pouco reconfortante.
Para o ano corrente prevê o relatório da proposta um acréscimo mais sensível do consumo dos particulares e a relativa estabilização do consumo público.
9. No capitulo das despesas de investimento, a formatação bruta de capital fixo acusou em 1959 uma melhoria de 4,5 por cento - metade da correspondente à media do triénio anterior e bastante, mais baixa do que um ano atrás. Mas o montante de capital constituído manteve-se em percentagem idêntica à de 1958 - 16,8.
O quadro seguinte documenta o exposto:
QUADRO V
Produto nacional e formação de capital fixo
(Preços de 1954)
[Ver tabela na imagem]
Fonte: Estatísticas Financeiras de 1950.
A orientação dos investimentos continua, todavia, a revelar excessos em finalidades não directamente reprodutivas. No ano de 1959 foram aplicados 1 929 000 contos em casas de habitação, ao passo que as inversões na agricultura, silvicultura e pesca não excederam 1 064 000 contos e nas indústrias transformadoras 2 074 000 contos.
Em transportes e comunicações também os dispêndios - 1 916 000 contos em 1959 - se revelaram desproporcionados com os das actividades produtivas.
Quanto ao ano corrente, as previsões do Instituto Nacional de Estatística (mapa n.º 6 anexo ao relatório da
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3 DE DEZEMBRO DE 1960 113
proposta) não acusam melhorias substanciais no panorama que acaba de resumir-se. Para um total estimado um 10 245 milhares de contos de capital fixo (preços de 1954), as aplicações em casas de habitação e transportes e comunicações somam 3923 milhares, isto é, 38,3 por cento - taxa igual à média de 1953 a 1958 -, o que significa que, em matéria de distribuição do investimento, do primacial relevo para o nosso fomento económico, não se registaram quaisquer progressos.
10. Ainda no sector dos investimentos, importa aludir, sumariamente embora, a um dos seus capítulos mais significativos - o da execução do Plano de Fomento em curso.
No que se refere à metrópole, os financiamentos destinados no Plano somaram, em 1959, 3014 milhares de contos (1) e, no 1.º semestre do presente ano, 1510 milhares de contos. As percentagens em relação ao previsto (2) atingem, respectivamente, 75,6 e 60,8, o que denota alguns atrasos.
Referidos ao quantitativo global da formação de capital fixo, os investimentos do Plano representam - como nota o relatório ministerial - cerca de 30 por cento em 1959 e 48 por cento no corrente ano.
11. A procura interna cresceu, em 1959, cerca de 2,5 por cento, ou seja, a uma cadência sensìvelmente mais fraca do que a do produto. Isso permitiu - e se frisa no relatório da proposta - recurso menos intensivo â importação de bens e serviços e, por outro lado, a expansão das exportações.
Semelhantes factos constituíram outro factor propício ao clima de estabilidade de preços em que se processou a actividade económica nacional no referido ano, a que já noutro lugar se aludiu (supra, n.º 8).
No 1.º semestre de 1960 o panorama modificou-se um tanto, pois o índice dos preços por grosso em Lisboa registou alta apreciável - cerca de 3 por cento (variação de 115,2 para 118,8).
Não se trata, ao que parece, de repercussão de movimentos registados no ultramar ou no estrangeiro, visto manter-se estável o índice dos produtos importados de ambas as origens. A explicação estará, porventura, num retorço da procura interna a que a oferta não teria podido corresponder, em parte por efeito da insuficiência da produção agrícola. E, de facto, o índice dos produtos alimentares acusa evolução paralela, com agravamento ao redor de 3,5 por cento.
A subida dos preços por grosso provocou, correlativamente, naquele semestre, certa alteração do custo da vida, a qual, embora pouco pronunciada, foi superior à dos três últimos anos. O índice de preços no consumidor em Lisboa e Porto regista crescimentos de 2,9 e 4,6 por cento em referência ao mesmo período de 1959.
Também contribuiu para o agravamento do custo da vida, no corrente ano, o nível acrescido das rendas de habitação, sobretudo em Lisboa.
12. O sector monetário continuou, de Julho de 1959 a Julho de 1960 a evidenciar sensível expansão.
No decurso daquele período, o alargamento de crédito outorgado pelo sistema bancário alcançou 3670 milhares de contos, ou seja, mais 600 000, números redondos, com referência ao período homólogo precedente.
Relativamente aos meios de pagamento, se à moeda em circulação (moeda legal + depósitos à vista) se adicionarem os depósitos a prazo - atendendo a que estes são susceptíveis de transmissão por endosso -, apura-se que o crescimento se aproximou dos 4 milhões de contos, ultrapassando a própria expansão do produto nacional.
Semelhante facto justifica a necessidade de se acompanharem de porto os seus reflexos na alterarão da procura em vários sectores dos bens de consumo e nas aplicações de capitais em imóveis. Neste último aspecto, importa notar que as transacções sobre prédios totalizaram 9 milhões de contos no biénio findo em 30 de Junho de 1960.
O quadro seguinte dá conta da evolução da procura interna, meios de pagamento e crédito distribuído no último sexénio.
QUADRO VI
Procura interna, meios de pagamento e crédito distribuído
[Ver tabela na imagem]
(a) Em 31 de Agosto.
Fonte: Estatísticas Financeiras de 1959 e Boletim Mensal do Instituto Nacional Estatístico.
O quadro precedente confirma que a taxa média de desenvolvimento do crédito se tem situado a nível quase triplo do da procura interna.
Deve acrescentar-se que a dilatação do sector creditício se mostra sobretudo notável na carteira comercial, pois nos empréstimos o descontos de promissórias pode considerar-se equilibrada. O movimento de desconto de papel comercial revela em 1959-1960 acréscimo de 10,6 por cento e um volume de operações cifrado em cerca de 50 milhões de contos. Mesmo tendo em conta o efeito multiplicador do prazo médio de vencimento, este quantitativo parece revelar certos excessos na utilização do crédito. A manter-se o mesmo ritmo do expansão, o montante daquelas operações ultrapassará, no próximo ano, o do produto nacional.
Sem dúvida que as exigências do crescimento económico frequentemente arrastam certa dose de inflação. Mas é evidente que se o alargamento do crédito se vai repartir, em grande escala, por operações não reprodutivas ou estimular o incremento de vendas a prestações, ou ainda a aquisição de bens importados em detrimento do consumo de produtos nacionais, as pressões inflacionistas daí resultantes poderão ser em apreciável medida, dominadas pelos meios de que dispõe a moderna política económica, e em particular a política monetária.
A Câmara Corporativa não tem dúvidas de que o Governo está atento a este problema e por isso se dispensa de alinhar sobre ele outras considerações.
13. O mercado de capitais mostrou-se mais activo em 1959-1960 do que no ano anterior, acusando o valor das transacções sobre títulos uma progressão de 15,8 por cento.
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Este acréscimo verificou-se apenas nas acções - com uma variação de 39 por cento -, pois o montante de operações realizadas com títulos da dívida pública e obrigações de empresas declinou nìtidamente.
No quadro seguinte incluem-se as cifras sobre estes movimentos, em confronto com as de transacções sobre prédios.
QUADRO VII
Transacções sobre títulos e sobre prédios
(Em 30 de Junho)
[Ver tabela na imagem]
Fonte: Boletim Mensal da Instituto Nacional de Estatística.
Embora o ímpeto ascensional tenha passado a ser superior nas transacções sobre títulos - como convém às necessidades da nossa economia -, não deixa de continuar a notar-se marcada tendência do público para os investimentos imobiliários.
A este respeito já a Câmara Corporativa teve ensejo de fazer os seus comentários e formular alguns alvitres, designadamente no parecer do ano transacto (1). Nada julga útil acrescentar neste momento.
14. No final do 1.º trimestre de 1960 - informa o relatório da proposta - a balança de pagamentos da zona escudo acusava o saldo negativo de 92 000 contos, em contraste com o período homólogo precedente, que apresentara um resultado positivo de 528 000 contos.
A razão do facto parece residir numa acentuada quebra das receitas de invisíveis, sendo certo que o déficit da balança comercial beneficiou de sensível redução naquele período. É de esperar, porém, que a situação se modifique, sobretudo no 2.º semestre, de harmonia com a tendência habitual.
O comércio externo metropolitano registou no período de 1959-1960 uma forte expansão, com acréscimos de 454 milhares de contos nas exportações e de 241 milhares nas compras ao estrangeiro. Houve, assim, apreciável redução do desequilíbrio das trocas comerciais.
A análise das variações dos produtos de maior exportação revela crescimentos notáveis nos fios, tecidos o vestuário de algodão. Regista-se, em especial, a exportação de fios. que triplicou em tonelagem, com destino, sobretudo, aos Estados Unidos.
Também devem assinalar-se os aumentos de vendas de resinosos (+ 25 por cento) e de volfrâmio ( + 159 por cento). A exportação de cortiça melhorou igualmente, mas foi contrariada pela diminuição dos preços.
No tocante às importações, anotam-se reduções sensíveis na entrada de algumas matérias-primas - em especial a lã e o cobre - e do café.
O movimento comercial com o ultramar foi o factor determinante do acréscimo da importação no 1.º semestre de 1960, tendo as vendas das províncias ultramarinas à metrópole ultrapassado o milhão de contos.
15. Apontados os traços mais salientes da conjuntura metropolitana em 1959-1960, cumpre nesta altura fazer algumas referências, necessariamente muito breves, ao capítulo do relatório ministerial sobre a evolução recente da nossa economia ultramarina.
Antes de mais, não quer a Câmara Corporativa deixar de expressar o seu aplauso por esta orientação e os seus votos no sentido de que, no futuro, os elementos relativos à conjuntura do ultramar português sejam cada vez mais completos e elucidativos. Tem-se em vista, designadamente, o que respeita às cifras sobre a contabilidade nacional das províncias e a outros dados estatísticos indispensáveis à elaboração de planos harmónicos e sistemáticos de desenvolvimento, como os requeridos por aquelas parcelas do território nacional. Seria até do maior interesse que esses elementos viessem a constar de relatório geral da Administração sobre a economia portuguesa.
Resulta do relatório da proposta - se bem que, em muitos casos, com base em simples estimativas, por carência de estatísticas - que o crescimento económico da generalidade das províncias ultramarinas se está processando em cadência satisfatória.
Nesse processo tem papel de relevo o programa de investimentos públicos, em que, essencialmente, se analisa o II Plano de Fomento na parte relativa ao ultramar. Provia tal programa, para 1959, dispêndios de 1,6 milhões de contos e, para o ano corrente, de 1,8 milhões. Acham-se executados cerca de 66 por cento das previsões - o que pode considerar-se aceitável, atendendo às dificuldades inerentes a este período inicial. Escusado será, porém, sublinhar a necessidade imperiosa de recuperar o atraso nos anos vindouros.
Outro problema, de transcendente relevância para o futuro das províncias, tem certamente merecido a atenção do Governo, mas cada vez mais instantemente exige que se vão dando passos concretos e seguros no caminho da sua resolução. Trata-se da indispensável articulação entre a metrópole e o ultramar, com vista à unidade do espaço económico português e às implicações do processo de cooperação europeia.
A Câmara Corporativa não deseja alongar-se sobre estas questões, do mais elevado interesse nacional na conjuntura presente, e associa-se à convicção do Sr. Ministro das Finanças, expressa no seu relatório, ao concluir com uma nota de optimismo sobre a evolução económica do ultramar português - o mesmo optimismo com que, em plano mais alto, se afirma, neste momento histórico, a plena confiança na coesão e perenidade da Pátria Portuguesa dispersa pelo Mundo.
16. Resta aditar breves linhas sobre as perspectivas conjunturais para 1961, que hão-de condicionar a execução da política financeira em que se enquadra o presente projecto de proposta de lei de meios.
Relativamente à metrópole, os indicadores económicos, internos e externos, podem reputar-se favoráveis à intensificação do ritmo de desenvolvimento, nomeadamente no que toca às infra-estruturas, indústrias transformadoras e energia.
No sector agrícola - cujo começo de ano, neste Outono de 1960, está a tomar aspectos calamitosos, em consequência da invernia -, aguarda-se o início da execução dos diplomas de reorganização agrária, bem como das medidas de planeamento regional anunciadas na proposta ora era apreço. Deste complexo de providências espera a lavoura do País colher resultados que lhe permitam encarar o futuro com menos apreensões.
No capítulo dos investimentos, o relatório ministerial alude particularmente aos montantes programados
(1) Câmara Corporativa, Pareceres, VII Legislatura, ano de 1959, vol. II, pp. 322 e 323.
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no Plano de Fomento para 1961, que devem totalizar, na metrópole, cerca de 4 300 000 contos.
Relativamente ao ultramar, aquele Plano prevê, no próximo ano, dispêndios da ordem de 1 700 000 contos, números redondos.
o domínio da política económica internacional, alude o relatório da proposta a diversos factos de relevo, cujas repercussões na actividade económica e financeira portuguesa devem ser atentamente acompanhadas: a entrada do País para o Fundo Monetário Internacional e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento; o funcionamento da Associação Europeia de Comércio Livre, em que estamos integrados; a adesão de Portugal ao Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, e, por último, a transformação da O. E. C. E. na Organização de Cooperação Económica e Desenvolvimento (O. C. E. D.).
A Câmara Corporativa manifesta a sua confiança na acção do Governo quanto à posição do País perante estes organismos, e formula votos no sentido de que uma cooperação internacional esclarecida e operante possa efectivamente favorecer, nos países em vias de desenvolvimento, como é o caso português, o clima necessário à intensificação do ritmo do seu progresso económico e à elevação do nível de vida das populações.
§ 3.º
Aspectos gerais da proposta de lei de autorização e da política financeira
em que ela se enquadra
17. Antes de passar ao exame sumário das coordenadas de ordem financeira que condicionam o projecto de proposta de lei de meios para o próximo ano, parece útil, à semelhança do que se fez em pareceres anteriores, esquematizar os traços fundamentais do referido projecto, pela forma seguinte:
Nas receitas:
1) Manutenção das disposições vigentes em matéria tributária, enquanto não forem publicados os diplomas de reforma fiscal em preparação (artigo 4.º);
2) Prorrogação dos incentivos fiscais aos investimentos que permitam novos fabricos, redução de custos e melhoria da qualidade dos produtos (artigo 6.º);
3) Remodelação da tabela geral do imposto do selo e seu regulamento, bem como das leis sobre regimes tributários especiais (artigo 7.º).
Nas despesas:
1) Prosseguimento da política de revisão das condições económico-sociais dos servidores do Estado (artigo 10.º);
2) Continuação do programa da luta antituberculosa (artigo 11.º);
3) Início de execução de um plano de reapetrechamento hospitalar (artigo 12.º);
4) Investimentos públicos, abrangendo (artigos 13.º a 15.º):
a) Os empreendimentos incluídos para o próximo ano no Plano de Fomento;
b) Obras e aquisições determinadas por leis especiais;
c) Despesas extraordinárias, com a seguinte ordem de preferências:
Termo da concessão do porto e caminho, de ferro de Mormugão;
Fomento económico;
Educação e cultura;
Realizações de interesse social.
5) Política do bem-estar rural, através de:
a) Auxílios financeiros a obras públicas de interesse local (artigo 16.º);
b) Incentivos fiscais e facilidades de crédito com vista à instalação de indústrias de aproveitamento de recursos locais e à descentralização industrial (artigo 17.º).
6) Compromissos internacionais de ordem militar (artigo 20.º).
A Câmara Corporativa nada tem a objectar, na generalidade, a este programa de política financeira, pois considera-o afeiçoado ao condicionalismo presente da economia portuguesa, cujas linhas dominantes se traçaram no parágrafo anterior.
Em relação à Lei de Meios vigente, os inovações dizem respeito, essencialmente, quanto às receitas, à matéria dos artigos 6.º (prorrogação de incentivos fiscais) e 7.º (revisão da Lei do Selo e dos regimes tributários especiais); e, quanto às despesas, ao que se contém no artigo 12.º (plano de reapetrechamento hospitalar), na alínea a) do artigo 13.º (termo da concessão do porto e caminho de ferro de Mormugão) e no artigo 17.º (incentivos à instalação de indústrias locais e a descentralização industrial).
Antes, porém, de entrar na análise do articulado do projecto, convém fazer, de harmonia com a orientação habitual, um breve escorço da evolução recente em matéria de receitas e despesas públicas.
18. Conforme se previu no parecer de há um ano, as receitas públicas acusaram, em 1959, um ímpeto de subida acentuadamente superior ao de 1958, o qual, nos réditos próprios do Estado, excedeu mesmo o dobro.
Continuou também a observar-se a flutuação alternada, de ano para ano, que tem sido característica dos recursos estaduais nos últimos exercícios.
Nota-se ainda que o ritmo de expansão das receitas continua a situar-se em nível bastante mais alto do que o do produto nacional.
O quadro seguinte documenta os factos que acabam de enunciar-se.
QUADRO VIII
Receitas públicas e produto nacional
[Ver tabela na imagem]
(a) Inclui serviços autónomos e organismos de coordenação económica.
(b) Janeiro a Agosto.
Fonte: Estatísticos Financeiras de 1959 e Relatório da proposta de lei (quadros XLVIII e LIII).
Relativamente ao próximo ano, parece de admitir que a curva das receitas públicas não manterá a ondulação regular acima referida. A percentagem de acréscimo entre Janeiro e Agosto é quase dupla da do período homólogo precedente e, como o maior fluxo de
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réditos se observa, em regra, nos últimos meses, é de prever que a cadência expansiva se acentue nitidamente em 1961.
19. Apesar do as receitas públicas terem crescido mais intensamente em 1959 do que no ano anterior, nem por isso a carga fiscal registou entretanto agravamento sensível, como se vê do seguinte mapa:
QUADRO IX
Carga fiscal
[Ver tabela na imagem]
(a) Impostos directos e indirectos relativos ao Orçamento Geral do Estado, aos serviços autónomos e fundos autónomos, às autarquias locais e seus serviços autónomos e ainda à providência social (relatório da proposta, nota no quadro XLVII).
(b) Receitas orçamentadas para 1960 dos organismos incluídos no preâmbulo do Orçamento Geral do Estado, pp. LXXII e LXXIII (jóias e quotas, taxas, percentagens e diferencias).
(c) Idem, pp. LXIII e LXIX (taxas e diferenciais).
(d) Prémios líquidos em 1957 e 1958 (Anuário Estatístico de 1958, p. 96).
(e) Relatório de conselho de administração da Caixa Geral de Depósitos, Drédito e Previdência, gerência de 1939, pp. 57 e 61 (receita de quotizações).
Em relação a 1960, o relatório ministerial estima não dever registar-se alteração significativa do bónus tributário. Mas o incremento previsto nas receitas públicas para este ano, segundo o quadro VIII, aliado à contracção que se espera no produto nacional, parece não confirmarem aquele prognóstico...
20. Resta fazer alguns comentários a respeito do sector das despesas públicas.
Examine-se o confronto entre a curva dos gastos públicos e a do produto nacional:
QUADRO X
Despesas públicas e produto nacional
[Ver tabela na imagem]
(a) Janeiro a Agosto.
Fonte: Estatísticas Financeiras de 1959 e Relatório da proposta de lei (quadro LX e mapa n.º 15). Neste último mapa seria de aconselhar a inserção, no futuro, das despesas da administração local, que não revestem interesse menor do que as relativas aos organismos de coordenação económica e a outros serviços.
Infere-se destas cifras que a laxa de aumento das despesas públicas se processou, em 1959, a um ritmo superior no dobro do ano precedente e também duplo do do produto nacional.
Além disso, as despesas de funcionamento subiram em percentagem tripla das de investimento, ao contrário do que sucedera em 1958. Para isso contribuiu certamente a revisão operada nas remunerações dos servidores do Estado.
Por seu turno, as despesas militares e de segurança também denunciam o agravamento mais pronunciado do sexénio em causa.
Para o ano corrente, o acréscimo dos gastos públicos acusava, nos oito primeiros meses, uma taxa de mais 17 por cento relativamente a período igual de 1959 - o que significa que o desfasamento com o ritmo de expansão do produto tende a acentuar-se.
Como se frisou no parecer sobre a proposta de lei de meios para 1960, o progresso das despesas públicas em ritmo mais acelerado do que o do produto significa que a intervenção do Estudo na vida económica do País tem vindo a acentuar-se.
A actualização do quadro a tal respeito inserto no referido parecer dá os seguintes resultados:
QUADRO XI
Despesas do Estado e produto nacional
[Ver tabela na imagem]
Fonte: Estatísticas Financeiras de 1959 e Relatório da proposta de lei (quadro LV).
Continua, no entanto, a reconhecer-se que «o impacto do sector público, quer em valor absoluto, quer na respectiva tendência de acréscimo, tem revelado orientação muito moderada», sobretudo quando posto em confronto com as percentagens que os gastos do Estado absorvem do produto nacional em países estrangeiros.
II
Exame na especialidade
§ 1.º
Autorização geral
ARTIGOS 1.º A 3.º
21. Nenhuma observação suscitam os dois primeiros artigos do projecto, que produzem os textos tradicionalmente insertos sobre a autorização genérica conferida ao Governo para cobrar as receitas e pagar as despesas públicas, de harmonia com o disposto no artigo 91.º, n.º 4.º, da Constituição.
No tocante ao artigo 3.º - que reconhece ao Governo a faculdade de tomar, em matéria de despesas públicas, as providências necessárias para assegurar o equilíbrio
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das contas públicas e o desafogo da tesouraria - nada tem a Câmara a acrescentar no que deixou exposto nos dois últimos pareceres, em que sugeriu a eliminação do preceito, visto tratar-se, manifestamente, de poderes inerentes às atribuições normais da administração financeira.
§ 2.º
Política fiscal
ARTIGO 4.º
22. A semelhança do que sucede com a Lei de Meios para o ano corrente, inclui este artigo certo número de normas de aplicação transitória, enquanto não forem publicados e entrarem em vigor os diplomas de reforma do sistema tributário.
Consta do relatório ministerial (n.ºs 140 a 147) a exposição pormenorizada dos fundamentos que justificam o adiamento da publicação daqueles diplomas e a manutenção, por mais um ano, do sistema vigente, bem como das disposições transitórias contidas neste preceito.
Baseiam-se esses fundamentos, em suma, nas implicações que, no domínio fiscal, decorrem da política económica externa a que o nosso país tem aderido, designadamente com o ingresso na Associação Europeia de Comércio Livre.
A Câmara Corporativa considera justificada a orientação do Governo a tal respeito e nada tem a opor a que, no ano vindouro, se mantenham as disposições do artigo em análise.
Formula, no entanto, os seus votos no sentido de que em futuro próximo, seja possível publicar, se não todos, pelo menos a maior parte dos diplomas de reforma fiscal já elaborados.
23. A alínea a) suscita, no entanto, mais algumas reflexões.
Tem esta disposição em vista - e consta do relatório do Governo sobre a proposta de lei de meios para o corrente ano - estabelecer taxas diferenciadas de contribuição predial rústica, conforme a situação das propriedades perante o cadastro geométrico:
1) Não cadastradas;
2) Cadastradas, mas com rendimentos calculados em função de preços de 1938;
3) Cadastradas com rendimentos calculados sobre preços actuais.
No primeiro caso, a taxa é de 14,5 por cento; no segundo, 10 por cento, e no terceiro, 8 por cento.
Sucede, porém, que entre as duas últimas categorias os rendimentos tomados por base podem variar - e variam, efectivamente, em grande número de casos - do simples para o dobro e até mais. Compreende-se facilmente que assim possa acontecer se se atentar na variação dos índices de preços agrícolas de 1938 para cá.
Resulta daí que os proprietários dos concelhos incluídos na 3.ª categoria se encontram em situação de injusta disparidade relativamente aos outros, pois o afastamento das taxas não é suficiente para compensar as diferenças de tributação. E, quando sobre eles pesam os resultados de dois maus anos agrícolas, a disparidade torna-se ainda mais dura de suportar.
A Câmara Corporativa - a quem os representantes da lavoura fizeram sentir as suas apreensões - entende ser seu dever chamar a esclarecida atenção do Governo para o problema, a fim de que o mesmo possa ser considerado e encontrada a solução justa e conforme nos interesses gerais.
24. Quanto ao § 1.º deste artigo 4.º, dá a Câmara igualmente como reproduzidas as razões pelas quais alvitrou no parecer do ano transacto a sua supressão (1).
ARTIGO 5.º
25. Esta disposição respeita aos adicionais sobre os impostos de fabrico do cerveja e de espectáculos.
A redacção é a sugerida pela Câmara Corporativa no parecer sobre a lei de autorização para o ano corrente (3) e que veio a ser consagrada no texto desta lei.
ARTIGO 6.º
26. Visa este preceito a prorrogar, com as alterações convenientes, os benefícios fiscais destinados a favorecer os investimentos que permitam novos fabricos, redução do custo e melhoria de qualidade dos produtos - a que se referem o artigo 11.º da Lei n.º 2079, de 21 de Dezembro de 1955, e o Decreto n.º 40 87, de 23 de Novembro de 1956.
O relatório ministerial (n.ºs 149 e 150) dá couta dos resultados satisfatórios que aquelas providências suscitaram, aferidos tanto pelo apreciável número de isenções concedidas e em perspectiva, como peta cifra do rendimento colectável reduzido na tribulação correspondente.
Conforme esta Câmara teve ocasião de sublinhar no parecer sobre a Lei de Meios para 1959, os incentivos fiscais ao investimento constituem um dos princípios de ordem económico-financeira orientadores da moderna política tributária na generalidade dos países (3).
Trata-se, como então se disse, de métodos de particular relevância num sistema fiscal dirigido a fomentar o desenvolvimento económico e a canalizar os capitais para as iniciativas mais convenientes, em ordem ao acréscimo do produto nacional, à elevação do índice de bem-estar das populações e ao equilíbrio da balança de pagamentos.
A Câmara sòmente tem, pois, de aplaudir a disposição em causa, reiterando o voto de que, na projectada reforma tributária, se faça a codificação e sistematização de todo o esquema de incentivos fiscais.
27. A matéria do artigo em apreço traz à colação um preceito da Lei n.º 2089, de 8 de Junho de 1957, que criou o Instituto Nacional de Investigação Industrial, preceito esse que prevê também o estabelecimento de um regime de benefícios fiscais.
É a base XIII, assim concebida:
O Ministro das Finanças promoverá o estudo de um regime de isenções tributárias aplicável às importâncias destinadas a trabalhos de investigação de interesse para o desenvolvimento industria do País.
Resultou esta base de sugestão feita no parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta que deu lugar à citada lei. E do mesmo parecer constam os fundamentos de interesse geral que justificaram a inclusão do preceito (4).
Tinha-se em vista estimular as iniciativas privadas no sector da investigação em geral, através da concessão de isenções tributárias às importâncias nela in-
(1) Pareceres, cit., vol. II. p. 338.
(2)Pareceres, idem, p. 339.
(3)Pareceres, cit., vol. I pp. 83-94.
(4) Actas da Câmara Corporativa n.º 102, 25 de Janeiro de 1957.
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vestidas, quer por empresas industriais, quer mesmo por doações e legados de particulares.
Decorridos mais de três anos sobre a sua publicação, e sendo certo que o objectivo em vista não só mantém a sua actualidade como reveste ainda maior significado e alcance nesta fase de aceleração do crescimento industrial em que o País está empenhado, afigura-se à Câmara Corporativa que seria da maior oportunidade promover o Governo a execução do que na referida base se contém.
Com este voto dá a Câmara por concluídas as suas observações a respeito do artigo 6.º
ARTIGO 7.º
28. Pretende o Governo ficar, por este preceito, autorizado a proceder durante o próximo ano à remodelação da tabela do imposto do selo e seu regulamento, bem como das leis que estabelecem regimes tributários especiais.
Acrescenta-se que o objectivo em vista é, nomeadamente, o de "ajustar os seus preceitos à tributação directa dos rendimentos".
A este respeito, o douto relatório que antecede a proposta refere-se ainda à necessidade de conciliar a tributação pelo selo com a projectada instauração de um imposto geral sobre o consumo, destinado a compensar a quebra dos rendimentos alfandegários em consequência da adesão de Portugal à zona de comércio livre na Europa.
O imposto do selo ocupa o terceiro lugar nas receitas tributárias do Estado, logo após os direitos aduaneiros e a contribuição industrial. Em 1959 rendeu 742 978 contos, ou sejam 11,5 por cento do total daquelas receitas (1).
Por outro lado, os "regimes tributários especiais", a que também alude o preceito em análise, dizem, de modo geral, respeito a impostos de fabrico e de venda em determinadas indústrias.
É manifesta a necessidade de rever estes regimes, de modo a integrá-los num complexo harmónico e sistemático de tributação indirecta dos bens de consumo e de produção.
Por todo o exposto, dá a Câmara Corporativa o seu acordo à orientação definida no artigo em apreço.
ARTIGO 8.º
29. Vem sendo este preceito habitualmente renovado nas propostas de lei de autorização, enquanto se continua aguardando a oportunidade de integrar a tributação corporativa e as dos serviços do Estado e organismos de coordenação económica em lugar adequado da reforma fiscal projectada.
Uma vez mais renova a Câmara o seu voto de que esse desiderato seja em breve atingido.
§ 3.º
Funcionamento dos serviços
ARTIGO 9.º
30. Em pareceres anteriores alvitrou a Câmara a eliminação de preceito idêntico, por entender que ele exprime uma regra de boa administração, da inteira competência do Governo.
A única alteração introduzida este ano consiste em limitar as despesas fora do Pais com missões oficiais aos "créditos ordinários" inscritos para o efeito.
O aditamento - aliás de aplaudir - não modifica a natureza da disposição, nem faz com que o seu âmbito exorbite dos poderes governamentais em matéria financeira.
Esta Câmara continua, pois, convencida de que a boa técnica legislativa aconselharia, neste e noutros casos análogos já referidos, a supressão dos respectivos preceitos.
§ 4.º
Providências sobre o funcionalismo
ARTIGO 10.º
31. Nas três últimas propostas de leis de autorização, para os anos de 1958, 1959 e 1960, tem o Governo procurado definir uma política sistemática de dignificação da função pública, através da progressiva revisão das condições económico-sociais dos servidores do Estado.
Após terem sido encaradas, na primeira daquelas propostas, as questões relativas ao abono de família, à assistência na doença e à habitação acessível, foi tomada posição no ano seguinte sobre o magno problema das remunerações do funcionalismo, e, na proposta relativa a 1960, abordou-se sucessivamente a situação dos aposentados, o alargamento às famílias da assistência na tuberculose, e o direito ao recebimento, por S arte destas, de um subsídio igual ao último vencimento os funcionários falecidos.
Diversos diplomas legais foram dando execução fiel a esta política (1).
O projecto de proposta de lei de meios ora sujeito à apreciação da Câmara Corporativa contém apenas, no artigo em análise, a enunciação do propósito de avançar no rumo traçado.
Mas o douto relatório ministerial (n.ºs 158 a 161) explana, com suficiente clareza, os objectivos imediatos que, na matéria, se procuram alcançar durante o próximo ano.
Tais objectivos podem assim esquematizar-se:
a) Revisão do regime jurídico e do quantitativo das pensões de preço de sangue e outras pagas pelo Estado;
b) Actualização da tabela de quotas e pensões do Montepio dos Servidores;
c) Dispensa da incidência de quota nas importâncias percebidas pelos funcionários e não consideradas para o cálculo das pensões de aposentação.
Cumpre fazer alguns comentários sobre cada um destes problemas.
32. a) Nada tem a Câmara a objectar à revisão das pensões de preço de sangue e outras pagas pelo Estado, nas condições em que se intenta fazê-la, segundo consta do relatório da proposta.
Essa revisão é postulada por razões evidentes de justiça humana e social, e só merece aplauso o propósito do Governo, na certeza de que será cumprido dentro de curto prazo.
33. b) Já a actualização das quotas e pensões do Montepio, nos termos em que vem anunciada, suscita algumas reflexões.
(1) Anuário Estatístico das Contribuições e Impostos, 1959, p. XXXI.
(1) Veja-se a compunção publicada pelo Ministério das Finanças sob o titulo Melhora das condições económico-sociais do funcionalismo público, 1960.
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Lê-se, a este respeito, no relatório ministerial (n.º 160):
... as pensões do Montepio constituem previdência realizada pelos próprios funcionários a favor da sua família, a qual, em princípio, deve corresponder a despesa dos sócios, através das respectivas quotas. O auxílio do Estado tem, de ser, pois, encarado como uma forma de mitigar os encargos dos funcionários públicos.
Esta também a razão por que os pensionistas do Montepio não têm usufruído das melhorias sucessivamente atribuídas aos pensionistas do Estado.
Acrescenta-se ser oportuna a actualização das quotas e pensões para os funcionários inscritos a partir de 1 de Janeiro de 1961. Quanto aos actuais sócios, se desejarem legar pensões actualizadas, terão de indemnizar o Montepio da compensação que for devida.
Esta doutrina pode assim resumir-se: cabe aos funcionários o encargo de assegurar a previdência dos seus familiares; por consequência, o equilíbrio financeiro do Montepio deve ser garantido pelas quotizações e as pensões legadas por cada sócio satisfeitas pela receita das respectivas quotas; os actuais pensionistas não poderão ver melhoradas as suas pensões, por a estas não corresponder receita de quotização que o permita; o auxílio do Estado ao Montepio tem carácter meramente subsidiário.
Lamenta a Câmara Corporativa não poder perfilhar a doutrina exposta.
A concepção definida no relatório estaria exacta se o Montepio fosse simples associação de socorros mútuos, destinada a assegurar pensões de sobrevivência com base na adesão voluntária dos seus associados. O regime de equilíbrio financeiro poderia ser, nessa hipótese, o de «capitalização» - e os rendimentos do capital acumulado das quotas deveriam então fazer face ao encargo futuro das pensões -, como poderia ser o de «repartição» - e, neste caso, o sócio, ao inscrever-se, sabia ter de sujeitar-se à revisão das quotas necessária para ocorrer à distribuição dos encargos, em cada gerência, por todos os associados.
Mas o Montepio dos Servidores do Estado deixou de ter a natureza «associativa» ou «voluntária», que era característica de certo número de associações extintas quando da sua criação, para passar a assumir a índole de uma instituição de previdência obrigatória (artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 24 046, de 21 de Junho de 1934) administrada por um organismo oficial.
Aos funcionários não é lícito optar pela não inscrição no Montepio, se porventura não quiserem aceitar as consequências do regime financeiro por que se rege a instituição.
Este regime pretendia ser «de capitalização» quando foi criado o Montepio, mas a falta de bases actuariais em que a sua orgânica assentou fez com que a receita da quotização nunca tivesse podido ser capitalizada e fosse absorvida pelos encargos crescentes.
Julgou-se que a quotização iria permitir o decréscimo progressivo do subsídio do Estado, até se fixar em 3000 contos anuais (artigos 7.º e 68.º do citado Decreto-Lei n.º 24 046)!
O que aconteceu foi precisamente o inverso: com a diminuição do subsídio agravaram-se as dificuldades da instituição e houve que recorrer à conta corrente com a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência.
Mais tarde, a partir de 1946, a participação do Estado iniciou a sua marcha ascensional, como se vê do quadro que segue.
QUADRO XII
Montepio dos Servidores do Estado
[Ver tabela na imagem]
No momento presente, o problema do equilíbrio financeiro do Montepio desdobra-se em três aspectos:
1) Revisão das quotas para o efeito de assegurar o equilíbrio actuarial do sistema vigente;
2) Elevação das quotas para fazer face, também em regime técnico de capitalização, a novo sistema de pensões;
3) Melhoria das pensões recebidas pelos actuais pensionistas.
A resolução de qualquer deles não é, porém, viável sem a substancial participação do Estado. A constituição das reservas técnicas necessárias, mesmo para assegurar o esquema mais modesto, referido sob o n.º 1), exigiria, sem dúvida, um agravamento de quotas incomportável para o comum do funcionalismo.
Por outro lado, não se afigura justo afastar a situação dos actuais pensionistas. Importa não esquecer que, em grande número de casos, às pensões em curso corresponderam quotizações expressas em moeda com poder aquisitivo bastante mais alto, e que, se não fora a depreciação do dinheiro, aquelas pensões teriam actualmente outro valor. Mas nem os subscritores nem os pensionistas podem ser responsabilizados por esse facto.
Foi certamente com base em razões desta ordem que o Estado tomou a iniciativa de lhes conceder uma melhoria, em 1948. Entretanto, passaram doze anos e o custo da vida não se manteve inalterado ...
Tudo isto põe a questão fundamental da posição do Estado no sistema de previdência obrigatória dos seus servidores. A tal respeito já a Câmara Corporativa teve ocasião de se pronunciar no parecer de há um ano. Aí se escreveu:
A contribuição do Estado parece, pois, ser uma peça fundamental do equilíbrio financeiro do sistema, e não mero auxílio financeiro, como se supunha em 1929. Aliás, ela não representa mais do que a quota patronal no custeio do regime de segurança social dos servidores, do Estado - como sucede na generalidade dos países e está, de resto, em correspondência com o que se verifica no sector privado.
Pode até acrescentar-se que, nesse aspecto, a entidade patronal Estado não se encontra, entre nós, em situação mais gravosa do que as empresas particulares, pois, enquanto estas suportam, de modo genérico, 73,1 por cento do custo da organização de previdência social 15 por cento dos ordenados e salários para um total de 20,5), os encargos do Estado com a Caixa Geral de Aposentações, o Montepio dos Servidores do Estado e o abono de família ao funcionalismo não excedem.
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69,3 por cento do ónus global com os, benefícios correspondentes ... (1).
A Câmara continua convencida de que esta é a melhor doutrina, à face dos princípios da moderna política social e da própria ética do Estado Português, e a única que se harmoniza com o disposto no § 2.º do artigo 48.º do Estatuto do Trabalho Nacional, preceito que embora vise concretamente o sector privado, tem o valor e alcance de, uma regra genérica - de cuja observância a entidade patronal Estado deve dar o exemplo.
Julga esta Câmara que o problema do Montepio dos Servidores do Estado não pode desprender-se do problema, mais amplo, da revisão de todo o sistema de segurança social do funcionalismo público, com vista a reestruturá-lo em bases justas e actuais - e até a articulá-lo, em certa medida, com o do sector privado, já que um e outro devem, erguer-se e funcionar à luz de princípios jurídicos, financeiros e técnicos comuns.
A Câmara Corporativa põe as considerações que antecedem à esclarecida atenção do Governo e confia em que os problemas levantados serão resolvidos com equidade e justiça, quer os referentes aos contribuintes do Montepio, quer os respeitantes aos actuais pensionistas.
Quanto a estes últimos, reitera o voto formulado no parecer do ano findo, ao declarar que "a mesma norma do justiça, em quo só funda a actualização das pensões do aposentarão e reforma, aconselha a manutenção do valor real das de sobrevivência, as quais, na maior parte das vezes, representam o principal, se não o único, meio de subsistência de muitas viúvas e filhos de servidores do Estado (2).
As providências já tomadas pelo Governo nesta matéria e o propósito, tão abertamente declarado, de levar por diante a obra de valorização humana e social em boa hora iniciada, convencem a Câmara de que a sua esperança sua boa solução dos problemas agora postos é inteiramente fundada.
34. c) A terceira ordem de medidas projectadas neste capítulo diz respeito à dispensa de incidência da quota legal nas importâncias percebidas pelos funcionários e não consideradas para o cômputo da pensão de aposentação.
A regra do desconto sobre a totalidade das remunerações foi instituída pelo Decreto-Lei n.º 26 503, de 6 de Abril de 1936, com vista a acrescer as receitas da Caixa Geral de Aposentações. Daí resultou passar-se a concorrer para a formação de pensões idênticas com descontos que variavam do simples para o dobro, o triplo, e até mais.
O Decreto-Lei n.º 39 843, de 7 de Outubro de 1954, corrigiu, na sua maior parte, a injustiça relativa a que dava lugar aquela regra. Continuou a descontar-se sobre a quase totalidade das remunerações, mas grande número destas passaram a poder intervir tio cálculo, da pensão, bastando que a média de abonos do último decénio ultrapassasse a dos vencimentos dos três anos anteriores à aposentação (citado decreto-lei, artigo 3.º, § 1.º).
Algumas retribuições ficaram, porém, excluídas deste tratamento, embora continuando sujeitas à incidência da quota. Foi, por exemplo, o caso das mencionadas no § 3.º do referido artigo 3.º, bem como o pagamento horas extraordinárias.
Pretende-se agora completar o aperfeiçoamento do sistema, neste particular, e o intento merece incondicional apoio da Câmara Corporativa.
É de prever - como nota o relatório da proposta - que daí resulte a necessidade de elevar a participação do erário público para o equilíbrio financeiro da Caixa Geral de Aposentações. Não se julga, porém, que o acréscimo seja muito pronunciado, nem que outra solução seja por ora viável, à face dos princípios que noutro lugar deste parecer se deixaram explanados.
§ 5.º
Saúde pública e assistência
ARTIGO 11.º
35. O propósito de continuar a intensificar a luta anti-tuberculosa, expresso neste artigo - em que se reproduz o texto correspondente das últimas Leis de meios -, só merece, o aplauso da Câmara Corporativa e do País.
Consta do relatório ministerial (n.º 162) um elucidativo balanço do esforço realizado pelo Governo em 1959 e 1960 neste sector.
Com a fundada convicção de que se está a virar uma página decisiva aos resultados daquele esforço e de que a nossa taxa de mortalidade pela tuberculose conhecerá, dentro em breve, o nível europeu, termina a Câmara a sua breve, anotação au preceito em causa.
ARTIGO 12.º
36. É intento do Governo, consoante se lê neste artigo, iniciar em 1961 a execução de um plano de reapetrechamento dos hospitais, de modo que estes possam cumprir eficientemente a sua função assistêncial.
A Câmara Corporativa dá o seu caloroso aplauso a tal programa, que, além do mais, vai ao encontro do voto por ela formulado no parecer de 1959, no sentido de se acrescerem, substancialmente, "as dotações destinadas à saúde pública o à organização hospitalar, a fim de que o País possa dispor, no mais curto prazo possível, de uma eficiente e completa rede de serviços de combate á, doença em geral, no seu tríplice aspecto de prevenção, tratamento e reabilitação" (1).
Como é sabido, o hospital assume, na moderna política sanitária, um papel dominante.
Os progressos do diagnóstico e da terapêutica, exigindo a cooperação de técnicas especializadas e cada vez mais complexas, colocaram o médico isolado em manifestas condições de inferioridade quanto aos meios de acção. A medicina passou a ser essencialmente uma actividade de grupo e o hospital ascendeu à posição de verdadeiro centro de saúde.
A maior parte dos nossos hospitais - sem embargo da notável obra de construção de novas unidades em todo o País - não está tècnicamente dotada dos meios indispensáveis ao desempenho da sua alta missão.
O plano de reapetrechamento e modernização técnica agora anunciado revela-se, pois, como um imperativo inadiável.
Quanto ao seu âmbito, crê-se que esse plano deverá abranger não só os hospitais centrais, como também as unidades regionais e sub-regionais. Só o desenvolvimento do nível técnico destas últimas - em toda a medida permitida pelos recursos locais no que respeita ao pessoal médico e auxiliar - permitirá descentralizar a assistência e ocorrer ao grave problema da concentração crescente dos doentes de todo o País nos três grandes centros hospitalares.
(1)Pareceres, 1959, cit., vol. II, p. 344. Deve acrescentar-se que esta última percentagem desceu, entretanto, para cerca de 65 por cento, em virtude da melhoria das receitas de quotização proveniente de aumento das remunerações do funcionalismo.
(2) Pareceres, idem, p. 351.
(1) Pareceres, 1959, cit, vol. II, p. 356.
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No tocante à duração do plano, presume-se que haverá de estender-se por alguns anos, atendendo não só ao esforço financeiro requerido, como ainda ao tempo necessário a preparação e aperfeiçoamento do pessoal especializado. Neste aspecto, sabe-se que o Ministério da Saúde tem tido já em funcionamento diversos cursos com essa finalidade.
A Câmara Corporativa, e com ela o País, aguarda com o maior interesse os fecundos resultados que são de esperar do programa contido neste preceito.
§ 6.º
Investimentos públicos
ARTIGO 13.º
37. Salvo no que se refere ao pagamento das despesas extraordinárias com o termo da concessão do porto e do caminho de ferro de Mormugão - a que respeitam a alínea a) e o § único deste artigo -, a disposição reproduz o texto habitualmente inserto neste capitulo tias propostas de leis de meios de há uns anos para cá.
Nada tem a Câmara a aditar aos comentários que sobre a parte antiga do preceito deixou expendidos em pareceres anteriores.
Relativamente à matéria nova - porto e caminho de ferro de Mormugão - a Câmara só tem que regozijar-se com a orientação traçada e prestar a sua homenagem ao Governo pelo esclarecido critério com que acompanhou o assunto.
ARTIGO 14.º
38. Considera a Câmara Corporativa do mais alto interesse para o futuro do Pais o plano de reapetrechamento, em material didáctico e laboratorial, das Universidades e escolas.
Por isso aplaude o propósito, que este artigo enuncia, de prosseguir na execução de tal plano.
ARTIGO 15.º
39. A intensificação dos trabalhos do cadastro geométrico é - como se disse no parecer de há um ano - tarefa de fundamental relevância sob múltiplos aspectos, dos quais um dos menos candentes não é, decerto, o da política fiscal, com vista, além do mais, a uma justa repartição da carga tributária.
A Câmara Corporativa, pois, do mesmo passo que dá inteiro assentimento à matéria deste artigo, recomenda instantemente ao Governo que, em toda a medida possível, proporcione aos serviços incumbidos daquela tarefa os meios humanos. técnicos e financeiros necessários para que o levantamento cadastral do País seja dentro em breve uma realidade.
§ 7.º
Política do bem-estar rural
ARTIGOS 16.º E 17.º
40. Ao justificar a substituição da epígrafe tradicional deste capítulo -"Política rural" - pela que acima se lê, o relatório da proposta (n.º 166) declara que com isso se pretende reforçar a orientação governativa no sentido de
... intensificar a valorização das regiões economicamente desfavorecidas e contribuir, de fornia mais saliente, para anular, ou pelo menos para corrigir, os desequilíbrios regionais, que são produto de unia irregular distribuição da actividade económica por todo o País.
A tal objectivo visam os dois artigos em apreciação.
O artigo 16.º reproduz, essencialmente, preceitos idênticos das últimas leis de finanças, apenas com a inclusão, no corpo do preceito, das palavras "aumento do bem-estar rural", em lugar de "melhoria das condições de vida nos aglomerados rurais" - o que é do aprovar.
A matéria verdadeiramente nova é a tratada no artigo 17.º Segundo esta preceito, o Governo favorecerá, através de dois meios - incentivos fiscais e facilidades de crédito -, o investimento nas regiões rurais e econòmicamente desfavorecidas, tendo em vista:
a) A instalação de indústrias de aproveitamento de recursos locais;
b) A descentralização de indústrias localizadas em meios urbanos.
A Câmara Corporativa muito sinceramente se regozija com a definição desta política de valorização e equilíbrio inter-regional, que considera do mais alto interesse e oportunidade para o desenvolvimento económico e a elevação do nível de existência da população do País.
Mas não pode também deixar de observar que, para a efectiva realização do semelhante política, não bastam benefícios tributários e crédito fácil. O planeamento do fomento regional implica toda uma estrutura de meios de acção, cujo ordenamento deveria constar do diploma especial. Haverá certamente que intensificar os estudos de base com vista a esse planeamento e criar um serviço coordenador que assegure a execução harmónica dos planos, nos aspectos económicos e sociais.
Não consentem os estreitos limites de tempo em que este parecer tem de ser elaborado que a Câmara se alongue em considerações na matéria. Aliás, já por diversas vezes, em épocas recentes, teve desejo de fazê-lo, quer ao examinar o projecto do II Plano de Fomento (1), quer no parecer sobre o plano urbanístico da região de Lisboa (2), quer ainda ao pronunciar-se sobre a ratificação pelo nosso país da Convenção que instituiu a Associação Europeu de Comércio Livre (3).
Para concluir as anotações ao preceito em causa, incluem-se os mapas habituais acerca dos em préstimos concedidos aos corpos administrativos pela Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, nos últimos quatro anos e até 31 de Outubro do ano corrente.
QUADRO XIII
Empréstimos aos corpos administrativos
Novos contratos realizados
[Ver tabela na imagem]
(a) Até 31 de Outubro.
(1) Pareceres, cit., ano de 1958, pp. 703-704.
(2) Pareceres, cit., ano de 1959, vol. I. pp. 344 e seguintes.
(3) Actas da Câmara Corporativa n.º 92, de 13 de Abril de 1960, p. 1055.
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Em 31 de Outubro do ano corrente, a soma global dos saldos devedores dos financiamentos feitos pela Caixa às autarquias atingiu o montante de 1 231 175 contos.
No mapa que se segue fornecem-se os dados sobre o ritmo de utilização da verba votada para 1960, por aquele estabelecimento de crédito, com destino aos corpos administrativos.
QUADRO XIV
Empréstimos aos europeus administrativos Movimento da verba votada para 1960
(Até 31 de Outubro)
[Ver tabela na imagem]
(a) Pequena distribuição rural de energia eléctrica.
(b) Verba concedida em 1959.
(c) Inclui 33 232 contos concedidos em 1959.
Deste quadro deduz-se que a utilização, por parte das autarquias, da verba votada pela Caixa se, continua a fazer rum sensível atraso e a habitual concentração de operações nos últimos meses do ano.
ARTIGO 18.º
41. Nada a observar.
§ 8.º
Encargos dos serviços autónomos com receitas próprias e fundos especiais.
ARTIGO 19.º
42. Uma vez mais se recorda que a lei que mandava fazer a reforma dos «fundos especiais» tem a data de 23 de Dezembro de 1950.
Depois de figurar durante um decénio nas propostas de leis de meios sem ter tido execução, parece haver chegado a altura de transferir o preceito para diploma de carácter permanente.
§ 9.º
Compromissos internacionais de ordem militar
ARTIGO 20.º
43. O conteúdo deste preceito é idêntico ao que consta, neste capítulo, da lei de autorização para o ano corrente.
A Câmara Corporativa ponderou, com a atenção devida, as razões invocadas no relatório ministerial para fundamentar esta nova elevação em 500 000 contos das disponibilidades afectas aos compromissos internacionais de ordem militar.
Verifica, no entanto, que, se se adicionar às despesas realizadas até 1959 a verba estimada para 1960, o total atingirá 3 238 553 contos.
Ora, ainda que no próximo ano as previsões do Governo - 350 000 contos - sejam excedidas em 100 000, o dispêndio global não excederá 3 688 553 contos.
A elevação do plafond para 3 700 000 contos, isto é, em mais 200 000, parece, pois, suficiente para ocorrer, com a indispensável margem de segurança, às necessidades previsíveis.
Com este fundamento, propõe a Câmara que, no artigo em causa, a importância de 500 000 contos seja reduzida para 200 000.
Manifesta ainda a Câmara a sua inteira concordância com as palavras finais do relatório, nas quais se declara que «as verbas com que o nosso país vem contribuindo para o esforço da defesa comum do Ocidente têm atingido nos últimos anos um nível que só dificilmente, e porventura com sacrifício da acção que está sendo exercida noutros sectores, poderá ser acrescido».
§ 10.º
Disposições especiais
ARTIGOS 21.º E 22.º
44. A Câmara Corporativa renova o alvitre feito nos seus dois últimos pareceres sobre as propostas de leis de meios no sentido da transferência destes preceitos para diplomas de carácter permanente.
III
Conclusões
45. A Câmara Corporativa, tendo apreciado o projecto de proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1961 e considerando que ele observa os preceitos constitucionais aplicáveis e corresponde às necessidades e condições prováveis da Administração durante aquele ano, formula as seguintes conclusões:
1) Dá parecer favorável à aprovação do mesmo projecto, na generalidade;
2) Chama em especial a atenção para as observações feitas, na segunda parte do - presente parecer, a respeito dos artigos 4.º, alínea a), 6.º, 10.º e 17.º;
3) Entende deverem ser suprimidos os preceitos dos artigos 3.º, 9.º, 19.º. 21.º e 22.º;
4) Propõe para o artigo 20.º esta redacção:
É autorizado o Governo a elevar em mais 200 000 000$ a importância fixada pela Lei n.º 2095, de 23 de Dezembro de 1958, para satisfazer necessidades de defesa militar, de harmonia com compromissos tornados internacionalmente.
§ único. No Orçamento Geral do Estado para 1961 serão inscritos 260 000 000$, do acordo com o artigo 23.º e seu § único da Lei n.º 2050, de 27 de Dezembro de 1951, podendo esta verba ser reforçada em 1961 com a importância destinada ao mesmo fim e não despendida durante o ano de 1960.
Palácio de S. Bento, 30 de Novembro de 1960.
Angusto Cancella de Abreu.
Guilherme Braga da Cruz.
Joaquim Trigo de Negreiros.
José Pires Cardoso.
Eugénio Queiroz de Castro Caldas.
Francisco Pereira de Moura.
João Faria Lapa.
António Jorge Martins da Motta Veiga, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA