Página 299
REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 187
ANO DE 1961 19 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 187, EM 18 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutou.
Antes da ordem do dia. - Foi recebido na Mesa, remetido pela Presidência do Conselho e para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Diário do Governo n.º 9, que insere os Decretos-Leis n.º 43 470 e 43 471.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa um oficio do 9.º juízo correccional de Lisboa a pedir autorização para o Sr. Deputado Paulo Rodrigues ali ser ouvido.
Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização solicitada.
O Sr. Deputado Camilo de Mendonça falou sobre a indústria de lacticínios.
O Sr. Deputado Simeão Pinto de Mesquita referiu-se à comunicação do Sr. Ministro da Economia lida na sessão anterior.
O Sr. Deputado Urgel Horta ocupou-se de vários diplomas emanados ultimamente do Ministério das Corporações c Previdência Social.
O Sr. Deputado Curiós Moreira aludiu ao seu projecto de lei relativo à integração de várias freguesias do concelho de Baião no de Mesão Frio.
O Sr. Deputado João Porto pôs em relevo a acção do Sr. Pró f. Antunes Varela para a renovação c construção de edifícios destinados aos serviços de justiça e fez considerações acerca do recente acordo celebrado entre os Serviços Médico-Sociais - Federação de Caixas de Previdência e os Grémios das Farmácias e dos Industriais Farmacêuticos.
O Sr. Deputado José Sarmento referiu-se à comissão do Douro que foi recebida recentemente pelos Sm. Ministros da Educação Nacional, do Interior e das Obras Públicas.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao plano de construções para o ensino primário.
Usou da palavra o Sr. Deputado Virgílio Cruz.
O Sr. Presidente convocou, a Comissão de Educação Nacional para se reunir no dia seguinte, depois da sessão.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 15 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Pinto.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Página 300
300 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 187
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mondes da Costa Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Manteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manual Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 81 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Remetido pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, encontra-se na Mesa o Diário do Governo n.º 9, 1.ª série, de 11 do corrente, que contém os seguintes Decretos-Leis: n.º 43 470, que dá nova redacção a várias disposições do Decreto-Lei n.º 39 497, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 42 097 e 43 373 (Polícia de Segurança Pública), e n.º 43 471, que prorroga até 31 de Dezembro de 1961 o prazo para a conclusão dos trabalhos a cargo da delegação da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização na- cidade da Horta, compreendidos na alínea b) do plano a que se referem os artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 41 679 (execução de medidas para ocorrer aos estragos causados pelas erupções vulcânicas na ilha do Faial), e autoriza a referida delegação a aplicar durante o corrente ano o saldo da importância fixada no artigo 9.º do referido decreto-lei na liquidação dos mesmos trabalhos.
Encontra-se também na Mesa um ofício do 9.º juízo correccional da comarca de Lisboa pedindo autorização para o Sr. Deputado Paulo Rodrigues ser ouvido naquele mesmo juízo, pelas 9 horas e 30 minutos do dia 16 de Fevereiro próximo, nuns autos de processo correccional contra António José Agria dos Santos.
Consulto a Câmara sobre este pedido de autorização.
Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização solicitada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Camilo de Mendonça.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: na sessão de 2 de Dezembro último, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais, formulei ao Governo as perguntas seguintes, que o Diário de ontem publica:
Tendo presentes os termos do despacho de S. Ex.ª o Ministro da Economia, publicado no Boletim da Direcção-Geral dos Serviços Industriais n.º 599, de 22 de Junho deste ano, relativo à reorganização da indústria de lacticínios da ilha da Madeira e desejando ser esclarecido sobre a político do Governo nesta matéria, formulo as seguintes perguntas:
1.ª Qual a orientação do Governo no que se refere à organização e eventual reorganização da indústria de lacticínios?
2.ª Concretamente, qual o papel que o Governo pretende reservar à organização corporativa e cooperativa da lavoura tanto no domínio do abastecimento de leite para consumo em natureza como no da industrialização do leite?
3.ª Quais as formas por que o Governo entende, neste sector, salvaguardar os direitos da organização da lavoura tanto no que respeita à liberdade de industrializar os seus produtos como no que se refere aos investimentos para o efeito realizados, aliás sob a superior orientação da Administração, quando não sob o seu influxo?
Passaram, entretanto, os dias regimentalmente previstos para a resposta do Governo. Dias depois suspendeu a Assembleia Nacional os seus trabalhos por motivo das férias do Natal. Reabertos ontem, pôde a Câmara tomar conhecimento das minhas perguntas e todos os Deputados das respostas que, no intervalo, o Sr. Ministro da Economia se dignara dar, se é que podem merecer tal designação as considerações que ouvimos ler.
Página 301
19 DE JANEIRO DE 1961 301
Efectivamente, poderão as respostas ter-se como resposta, qualquer resposta, e, especialmente, como resposta às interrogações que formulei?
Cuido, decididamente, que não.
Primeiro responde-se a um Deputado que a política será brevemente exposta em legislação a publicar. Depois considera-se que essa legislação é suficiente para responder, e inteiramente, às perguntas formuladas.
Desejaria, Sr. Presidente, passar em claro sobre a forma como um Ministro entende a função política de um Deputado e, também, a sua; gostaria de me silenciar, já que se criaram situações e praticaram actos que bem poderiam ter sido evitados...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - De resto, o silêncio - ensinou-nos o Sr. Secretário de Estado da Indústria - é o nível acústico mais propício ao trabalho...
O Sr. Rodrigues Prata: - Julga-se!
O Orador: - E, depois, como poderei entender - pobre de mim! - estar a política do Governo expressa no relatório de uma portaria que termina desta forma: «Dentro das premissas que ficam expostas, que são menos directivas do que sugestões, e impondo-se, mais do que nunca, «definir a orientação a dar à solução do problema dos lacticínios» (no dizer, da Portaria n.º 11 750): Manda o Governo, etc... »?
Havemos de reconhecer ser essa política clara, clara e precisa... se for tão precisa e tão clara como a resposta às minhas interrogações...
Talvez pudesse ficar por aqui, agradecer reverente a atenção do Sr. Ministro da Economia, reconhecer ser a curiosidade um feio pecado e, por vergonha, não voltar a perguntar mais nada...
De facto, que tem um Deputado que ver com a política dos Ministros? Quem lhe manda pretender conhecer a orientação da Administração? A que título intervém em questões e matérias de que certos governantes parecem tão ciosos?...
E para quê pretender esclarecei legítimas preocupações, satisfazer interrogações mais do que justificadas?
Para quê? O que é preciso é legislar, praticar actos, colocar as pessoas perante factos consumados.
Foi sempre assim que se geraram incompreensões, se cavaram divórcios entre o Poder e o País, se criou mal-estar entre os membros de uma comunidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Foi sempre por este caminho que se demonstrou ser a tecnocracia o mais arbitrário dos poderes e o tecnocrata o menos capaz de desempenhar uma função política..., de ser a missão, do governante política, essencial, fundamentalmente política.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas deixemos estas considerações, que a uns hão-de parecer filosóficos, mas outros terão como oportunas conclusões, de uma experiência várias vezes revivida e sempre concluída com as mesmas consequências...
As perguntas tinham, porém, indiscutível actualidade política e manifesta importância económico-social, tanta ou tão pouca que o Sr. Ministro da Economia ou Secretário de Estado da Indústria, que para o caso é o mesmo, entretanto, legislou sobre a matéria...
E tal e tão grande devia ser a urgência de legislar do Sr. Secretário de Estado da Indústria que essa tarefa o absorveu por inteiro, não lhe deixando tempo para responder quando e - já agora - como devia. O tempo que faltou ao Sr. Secretário de Estado da Indústria ou ao Sr. Ministro da Economia para responder oportunamente às perguntas de um Deputado - certamente tido como impertinente e inconformado com métodos e processos que talvez não sejam próprios de um regime político como o nosso, nem adequados a um temperamento como o português - sobrou-lhe para precipitar a promulgação de legislação avulsa, fixar doutrina ou fazer sugestões em portaria, publicar notas sobre a matéria, antecipando-se a qualquer atitude parlamentar ou procurando furtar as suas intenções à análise política, em quanto poderia servir para corrigir orientações, fazer repensar soluções... Questões de método ou talvez de processo.
Não respondendo como e quando devia, precipitando os acontecimentos, criou o Sr. Secretário de Estado da Indústria ou Ministro da Economia um problema político grave, que se poderia ter evitado, complicou questões que poderiam ter sido esclarecidas, obstou a que o Governo tivesse sido devidamente habilitado com elementos de apreciação que, pelos factos, se é levado a, admitir não possuía...
Talvez a portaria não tivesse sido publicada... - no que, creio, nada se teria pendido...
Sr. Presidente: custou-me ter de proferir as palavras que V. Ex.ª ,e a Câmara me ouviram. Custou-me porque tenho pela pessoa do Sr. Prof. Eng.º Ferreira Dias a maior consideração, admiro o fulgor da sua, inteligência, o brilho das suas exposições, a independência do seu espírito, a tenacidade da sua vontade, e aprecio até a sua teimosia...
A discordância profunda que mantenha em relação às suas concepções e, principalmente, às técnicas ou meios que preconiza, e utiliza, para resolver situações - não obstante no diagnóstico dos males podermos coincidir com frequência -, se implica divergência de critérios, diferença de processos, não pode traduzir-se em oposição sistemática, tentativa de obstrução ou combate demolidor, nem muito menos significar menos respeito pela pessoa e pela rectidão dais intenções.
Não detenho nenhum monopólio, nem sequer o da verdade ou da intolerância. Pode ser que os erro seja meu, da minha parte esteja a deformação. Não me julgo, pois, no direito de proceder desse modo. É por isso que me tenho silenciado, contido em situações em que normalmente deveria ter falado, deixado correr o tempo, procurado que pelos frutos se conheça a árvore.
Todavia, sou forçado hoje a usar uma dureza que a gravidade e a seriedade da questão exigem e a atitude justifica. Custa-me, repito, mas não costumo furtar-me a tomar as atitudes a que me sinto obrigado, nem recuar perante as circunstâncias que me sejam criadas, venham donde vierem, sejam quais forem.
E, posto isto, passarei a apreciar o problema que as minhas perguntas visavam e as medidas entretanto adoptadas pelo Sr. Secretário de Estado da Indústria pretendem, num caso, consumar e, noutro, orientar por certo caminho. Vejamos.
Em Junho do ano findo publicou o Boletim da Direcção-Geral dos Serviços Industriais um despacho ministerial aprovando, nos termos das bases VI e IX da Lei n.º 2005, o plano de reorganização da indústria de lacticínios da ilha da Madeira.
O despacho provocou uma natural e justificável estranheza entre as pessoas conhecedoras da matéria e também da lavoura interessadas na questão. Efectivamente, fora nomeada em 1954 uma comissão reorganizadora da indústria de lacticínios daquela ilha, em que a produção de leite constitui um mal necessário, e não
Página 302
302 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 187
uma promessa de desenvolvimento. Concluídos os trabalhos, com acordo na essência da reorganização da indústria - houve divergência apenas no que se referia à liberdade de constituição de novas cooperativas o de alargamento da área das existentes -, foi o projecto submetido u apreciação do Conselho Superior da Indústria, que, em Agosto de 1958, aprovou, por unanimidade, um plano de reorganização idêntico ao proposto pela comissão reorganizadora, resolvendo o diferendo sobre a organização cooperativa a favor da lavoura, ou seja pela liberdade de criação de novas cooperativas e de alargamento da área das existentes.
Nestas condições, deveriam passar a existir três fábricas, duas dos industriais, uma das cooperativas.
Tal plano foi então enviado pelo vice-presidente do Conselho Superior da Indústria, ao tempo Prof. Eng.º José do Nascimento Ferreira Dias Júnior, ao Ministro da Economia.
A 4 de Novembro seguinte, o Ministro da Economia, que já era o Prof. Eng.º Ferreira Dias, aprova o plano e manda elaborar o projecto de diploma legal.
Passados dezanove meses - duas vezes nove e mais um mês... -, surge o referido despacho ministerial, que desfaz da concordância anteriormente dada, desdenha da decisão do Conselho Superior da Indústria, desdoura dos esforços e trabalhos de uma comissão e dos seus membros.
Como não havia de ser grande a surpresa, como não havia de ser legítima a estranheza?
Onde antes se dizia: «três fábricas», escreveu-se agora «uma»; onde antes se respeitava a função e o espírito cooperativo, desvirtuam-se agora as suas finalidades, cerceiam-se os seus direitos.
Desta sorte, liquida-se uma forma, de defesa da lavoura em holocausto à panaceia da concentração, às conveniências de uma certa concepção de indústria e a razões sem razão.
Não podendo ter-se o processo como normal, não sendo possível considerar o processo como respeitador do ritual da Lei n.º 2005, não havia motivo para sérias preocupações.
A argumentação de que, entretanto, um técnico ad hoc fora encarregado de rever o plano de reorganização, supostamente desactualizado pelo tempo que mediara entre o estudo e a resolução final - plano que pouco antes merecera dupla aprovação oficial -, não se afigura poder colher como justificação do desrespeito, de fundo de forma, dos trâmites estabelecidos na lei da reorganização. Desta decisão havia recurso contencioso, e a lavoura, interpondo-o, como fez, tinha meio de fazer valer os seus direitos, quando não de demonstrar a ilegalidade do procedimento.
Noutros tempos que já lá vão - no remoto ano de 1936 -, quando foi criada a Junta dos Lacticínios da Madeira, dispôs-se, no respectivo diploma orgânico
- Decreto n.º 26 655 -, não só que «as empresas actualmente existentes são obrigadas a adoptar os melhoramentos julgados indispensáveis ao aperfeiçoamento industrial, melhoramentos que constarão de um plano elaborado pela Junta e aprovado pelo Ministério da Agricultura», mas também que «na instalação de novas fábricas têm preferência as cooperativas de lacticínios formadas pelos produtores de leite». Bons tempos esses...
Hoje, a Secretaria de Estado da Indústria, pela pena do Ministro da Economia, impõe, com notável desembaraço, soluções que lesam gravemente os interesses da lavoura, postergam Os seus legítimos direitos, obstruem os caminhos que a lei consigna e protege e a experiência, própria e alheia, aconselha e recomenda.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Como os tempos mudam! Os tempos, as ideias e os homens!
Outrora, a indústria de lacticínios madeirense estava sob a tutela do Ministério da Agricultura; hoje, o Secretário de Estado da Indústria põe e dispõe da sorte da lavoura, desconhecendo pura e simplesmente a Secretaria de Estado da Agricultura, que parece nada ter que ver com a questão, estas questões...
O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!
O Orador: - Observados certos procedimentos, que talvez não devam ter-se como inesperados nem fortuitos, chega-se mesmo a duvidar se a Secretaria de Estado da Agricultura ainda tem que ver com algum problema...
É por essas e outras questões que a lavoura tem certas atitudes, determinados métodos e dados procedimentos como. mais um acidente a acrescer aos meteorológicos...
Estávamos nós ainda nos tempos do despacho que sofreu a ilha da Madeira, nos tempos de aparente acalmia, que costuma prenunciar a tempestade, que se desenhava já sobre a lavoura do litoral continental, nos tempos em que formulei as minhas perguntas, que, pelo visto, não eram nada despropositadas...
Longo caminho percorrido desde então.
Aquilo que para a Madeira era pesadelo converteu-se em angustiante realidade, e nova tempestade começou já a fustigar o continente...
Porque as cooperativas depois de haverem acatado a notificação do despacho de concordância, dois anos antes, decidiram, quais amigos da onça, não se conformar com a versão sincopada da novel reorganização, ou por devoção ao espírito e, também, à letra da Lei n.º 2005 - enquanto um recurso contencioso do despacho de Junho seguia, os seus trâmites -, surge primeiro a notícia de que a reorganização da indústria de lacticínios da ilha da Madeira fora discutida em Conselho de Ministros e, dias após, um decreto regulamentar que, publicado em obediência à base IX da lei da reorganização, impõe uma reorganização à indústria de lacticínios, cooperativa e independente, da ilha da Madeira.
Aquilo que seis meses antes se aprovara por despacho impõe-se agora por decreto... Melhor dito, aquilo que em Junho se pretendera impor sob a capa de aprovação determina-se agora sob a forma de decreto, invocando sempre a mesma base da Lei n.º 2005.
Tenho as mais sérias e fundadas dúvidas sobre a legalidade do procedimento e, mesmo, dando de barato o arbitrário do processo, sobre a sua legitimidade.
A imposição da concentração de empresas e estabelecimento constitui processo que só em ultima ratio pode aceitar-se, pode justificar-se.
Ter-se-ão esgotado, neste caso, as tentativas de acordo entre as partes interessadas? Ter-se-á encarado qualquer das formas previstas na base VII da Lei n.º 2005? Cuido que não. Pior, presumo que se deteriorou um acordo possível e que talvez tenha chegado u existir só porque se não compreendeu ser o óptimo inimigo do bom, ter a vida os seus direitos, a psicologia as suas exigências, que não cabem em fórmulas de mecânica ou em regras de tecnologia...
Seja como for, a solução é iníqua, não respeita o espírito das instituições, vai ao arrepio de uma evolução normal, é lesiva dos direitos da lavoura e das suas associações e insere-se num processo que está longe de ser pacífico, de ser justificado.
Dá-me, de resto, a impressão de que da concentração como meio só chegou à concentração como fim.
Página 303
19 DE JANEIRO DE 1961 303
E nisto está uma evidente inversão, quando não subversão, de valores.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Depois não se tem presente, ou não se deixa entender que esteja presente, não ser a reorganização, por via da concentração, nem o único, nem o mais aconselhável, nem sequer o mais eficiente processo de reorganização.
E não é também o mais rápido... Procurou o Sr. Secretário de Estado da Indústria justificar-se da lentidão do processo e alertar-nos até sobre a demora que deve ainda haver, quando vão passados dois anos e meio sobre a data da sua posse.
Não seria necessário prevenir quantos conhecem a morosidade do processo, a relativa ineficiência das comissões, nem desconhecem o exemplo anterior de comissões e mais comissões nomeadas, com mais ou menos trabalhos concluídos, e por fás e por nefas sucessivamente deixados dormir o sono dos justos.
De 1945 para cá, estes quinze anos talvez sejam esclarecedores das dificuldades do método que em grande parte se há-de ter como de frustração corrente.
Acresce que, pelas contas e exemplos dados pelo Ministro da Economia na conferência de imprensa de há, aproximadamente, um ano, teremos de concluir que, se não modificarmos, de fundo, o critério da escolha das técnicas de produção, teremos de investir por ano em novos empreendimentos industriais mais de 12 milhões de contos, isto só para absorver os 20 000 braços que em cada ano se oferecem de novo.
Se lhe acrescentarmos os investimentos necessários para absorver os braços desocupados por obra e graça das concentrações reorganizadoras, teremos de concluir pela completa inadequação da política que parece ser a da actual Secretaria de Estado da Indústria.
Afigura-me-me, além disso, que, ao contrário do que sustentam as novas correntes da economia não socialista - o papel da concorrência é decisivo, se esta for assegurada em termos mínimos, e a dimensão não corresponde matemática nem sequer frequentemente à eficiência -, se está, consciente ou inconscientemente, a trilhar entre nós caminho que, por esquecimento daquelas e outras verdades, pode, mais dia menos dia, vir a forçar o recurso a fórmulas que a economia raro, justifica, mas a política, por vezes obriga.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É tempo de reflectir em tudo isto, é tempo de alterar processos e definir, com clareza uma política sem desconhecer as consequências que, com maior ou menor possibilidade, há-de vir a acarretar.
Não é esta a altura de me alongar nestas considerações, que talvez me veja forçado a retomar noutra oportunidade; por agora limitar-me-ei a acentuar que a reorganização da indústria de lacticínios constitui o exemplo típico do vício de uma orientação, do despropósito de uma política, do erro da visão de uma orientação.
No caso da reorganização da indústria de lacticínios, deverá acrescentar-se que, salvo eventualmente o aspecto peculiar dos Açores, não temos condições económicas para vir a ser exportadores de produtos lácteos o acentuar-se que se trata de um ramo industrial fora do campo competitivo aberto pelo acordo dos Sete...
Se alguém reflectir sobre o ridículo consumo de leite entre nós e considerar que antes de mais é indispensável elevar, algumas vezes, a nossa capitação, tanto por motivos dietéticos como em razão de ser este o destino mais remunerador do leite, facilmente compreenderá que uma reorganização em grande estilo, como se de coisas estabilizadas se tratasse, não pode passar de uma pretensão quimérica.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O que vem de ano para ano a passar-se em crescendo com as exigências outono-invernais de abastecimento de leite a Lisboa, trazido em quantidades cada vez mais elevadas de distâncias sucessivamente maiores, cuido deve bastar para fundamentar o quimérico da pretensão.
Onde localizar as fábricas?
No litoral? Ou no Alentejo, onde a execução de um vasto plano de rega pode vir a aconselhar?
Como dimensionar as, fábricas?
Em função das dimensões europeias - dos países exportadoras ou dos não auto-abastecidos - ou da realidade próxima no nosso país, que tudo indica poder vir a converter a industrialização em mero recurso sazonal de aproveitamento de excedentes em muitas regiões leiteiras?
E depois poderá postergar-se o direito das cooperativas a manusear o leite dos seus associados quando só trate tanto do abastecimento em natureza como da industrialização?
Será legítimo forçar as cooperativas a entrar, com sacrifício do seu espírito, desprezo pela sua finalidade e alienação dos seus direitos, para uma sociedade onde o fim é outro, os interesses são antagónicos e hão-de ter a maior dificuldade em responder às tarefas que se lhes impõem?
Tinha como pacífico que o essencial numa sociedade era a harmonia dos interesses, a homogeneidade dos fins, mas cuido ter agora descoberto que, afinal, este se pode basear - oh! milagre da técnica! - no antagonismo de interesses c na heterogeneidade dos fins...
Vem tudo isto a propósito do decreto que sofreu a ilha da Madeixa, mas também da Portaria, misto de doutrinária e de histórica, n.º 18 186, de 2 de Janeiro corrente, saída pela pasta da Economia, que, ao fim e ao cabo, conclui por anunciar a futura nomeação de uma comissão reorganizadora da indústria de lacticínios do continente e do arquipélago dos Açores. A ilha da Madeira foi descoberta noutra época... (Risos).
O seu texto contém variadas interpretações, que, por subjectivas, são mais do que discutíveis, assenta em pressupostos nem sempre demonstrados, incorre em algumas inexactidões e acaba por ser profundamente injusto para uma actividade sacrificada por isto e por aquilo, por tudo e por nada, mas sempre sacrificada e, para mais, incompreendida, e não raro ferida no seu brio.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Assim, lamentam-se os 6500 contos despendidos com a exportação de manteiga, mas não se comentam nem os encargos com anteriores importações de manteiga, nem se lastimam as dezenas de milhares de contos que a lavoura é anualmente obrigada a despender a mais em homenagem à ineficiência de certas indústrias portuguesas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Assim, tem-se a concorrência, que parece ser o processo normal do sistema capitalista e tem sido a forma de defesa da lavoura desde que cessou o regime antinatural e antieconómico das zonas, como
Página 304
304 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 187
responsável por uma luta de classes sui generis, por se referir a actividades económicas, e não a classes sociais...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Deve, de resto, dizer-se que, no fundo, parece ser este o entendimento comum e corrente nas medidas propostas pelos serviços ou adoptadas pelos responsáveis da Secretaria de Estado da Indústria...
Assim, tem-se como seguro que uma vez reorganizada a indústria, constituída esta por unidades eficientes e sólidas, deixará de haver quaisquer problemas de preços e de pagamento para a martirizada lavoura...
Assim, responsabiliza-se o Decreto-Lei n.º 39 178 pela deseconomia que obriga os industriais do vale do Vouga a ir buscar o leite a Monção e a Leiria, quando precisamente aquele decreto, com bastante pena da lavoura, não é ainda aplicado nessa região...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Assim, considera-se como injustiça o não pagamento pelas cooperativas de contribuições e atira-se para a frente com os serviços e encargos que a administração pública suporta com as cooperativas por incapacidade destas...
Deve porém, esclarecer-se que o auxílio prestado noutros países, tanto na fase inicial como ainda hoje à organização cooperativa da agricultura, é muitas vezes maior do que entre nós e não deixa de incluir participações significativas em capital oferecido pelo Estado.
Ainda há poucos meses foi um governo de país amigo derrotado no seu parlamento por tentar fazer vingar uma proposta para reduzir os auxílios estaduais às cooperativas agrícolas...
Assim, entende-se dever o papel das cooperativas confinar-se quase só ao campo da polícia, no sentido tonto de fiscalização dos produtores como de educação dos mesmos.
Assim, admite-se que, por não poder estar o abastecimento de leite para consumo directo inteiramente desligado do seu fornecimento à indústria, algo de surpreendente também neste particular venha a passar-se...
Assim, aponta-se como campo em que a ideia cooperativa poderia utilmente actuar o da instalação e exploração de uma unidade destinada à laboração, extremamente- irregular, dos excedentes...
Assim, afirma-se, com coragem digna de realce, que não basta fazer consertos em concepções velhas, e para isso propugna-se o regresso à orientação do Decreto-Lei n.º 27 749...
Em todo o preâmbulo desta portaria de anunciação, que o Sr. Secretário de Estado da Indústria, pela pena do Sr. Ministro da Economia, fez publicar - na ausência das Secretarias de Estado do Comércio e da Agricultura, que talvez não sejam, de todo, indiferentes e estranhas aos problemas que suscita -, em todo o preâmbulo não perpassa uma manifesta incompreensão dos problemas da lavoura, dos esforços da sua organização cooperativa e corporativa, da luta de há longos anos travada, da experiência vivida, enfim, do problema que até chega a ser industrial.
Terá, a Secretaria de Estado da Indústria reparado que, desde 1958, aguardava a União das Cooperativas da Ilha da Madeira a autorização para instalar uma fábrica eficiente e suficientemente dimensionada e várias cooperativas, desde 1956, o alargamento da sua área?
Terá a Secretaria de Estado da Indústria notado que das 21 fábricas que laboram menos de 2000 l de leite naquela ilha nenhuma é cooperativa e que das 8 restantes se equivalem as 4 das cooperativas e as 4 dos industriais?
Terá a Secretaria de Estado da Indústria observado que das 37 fábricas que no continente laboram menos de 3000 l nenhuma pertence às cooperativas?
Terá, enfim, a Secretaria de Estado da Indústria tido presente que a única fábrica com capacidade para mais de 100 000 l é a que está em vias de conclusão pela União das Cooperativas Abastecedoras de Leite de Lisboa?
Certamente tudo isso pareceu, sob o ângulo industrial, secundário. De outra forma não se compreenderia que se apontasse o exemplo das cooperativas em outros países, onde preenchem, se não por completo, pelo menos em ampla percentagem, a industrialização do leite, e em seguida se verberasse a forma como as nossas cooperativas estão entrando no campo da indústria.
Respeito pelos interesses criados? Não, certamente, pois o respeito pelos interesses criados faria desistir de qualquer ideia de reorganização ou pelo menos de concentração. Respeito pelos interesses criados? Não, manifesta incompreensão.
E depois de tudo isto que dizer mais?
Que de um problema económico existente, que, se era importante, não era decisivo, nem vital, se está fazendo um grave problema económico, uma aguda questão social e uma perigosa fonte de perturbação política.
Dir-se-á que não é possível sair do actual estado de coisas sem levantar ondas, provocar as iras dos interesses feridos, ocasionar incompreensões e, quiçá, criar algumas perturbações.
É exacto. Mas não diz tudo nem explica o fundo da questão.
Era indispensável, neste caso, o procedimento, a desrazoabilidade das considerações, o despropósito das atitudes?
Seria este o campo que deveria preferir-se, este o ramo que deveria eleger-se e esta a oportunidade que deveria escolher-se?
Responderei afoitamente que não, redondamente que não. Estaria o País à espera -com alguma impaciência e, talvez, inquietação - que a reorganização industrial começasse a processar-se em iramos de que todos nos sentimos vítimas, pela carestia e má qualidade dos produtos, ou que, mais dia menos dia, serão sujeitos a dura competição internacional?
Tinha lógica o raciocínio, justificação a expectativa.
Eis quando, quebrado o silêncio, surge ante os nossos olhos a primeira reorganização - a de uma indústria peculiar que a lavoura legitimamente reivindica para a sua esfera, em domínio em que a actividade industrial tem o anais reduzido dos interesses, tanto sob o ângulo da exportação como sob o aspecto da futura competição internacional.
Porquê a preferência, quando se confessa e reconhece ser este dos campos mais complexos e intrincados?
Já ouvi justificar a preferência no propósito de atingir a lavoura com mais uma trovoada, mas não pode passar de anedota a interpretação. Mas, se não é verdade, parece.
Já ouvi interpretar a preferência em questões de superstição, no desejo de não começar, de não sair, como sói dizer-se, com o pé direito, mas tal não pode passar de dito de espírito.
Por mim filio-a no acaso, no acaso que vem sendo madrasta no tempo e também em algumas decisões, para não destoar.
Página 305
19 DE JANEIRO DE 1961 305
O que confrange em tudo isto é a incompreensão, mas também a inadequação das soluções e das técnicas.
A preferência pelo sector dos lacticínios e inadmissível, tanto do ponto de vista de estrutura como de concepção. A situação actual não tem um mínimo de estabilidade que fundamente soluções deste tipo; a evolução deve acentuar-se à medida que o nível de vida vá melhorando; planos de valorização regional e de fomento pecuário ameaçam transformar tudo e modificar de fundo aquilo que hoje possa parecer sólido ou pelo menos estabilizado.
Além disso, a intensidade das reorganizações não pode ser ciclópica, nem sequer profunda em muitos e muitos sectores. Limitações várias fazem com que deva, por agora, restringir-se a certos ramos industriais onde a luta, que o acordo dos Sete vai desencadear, deva revestir-se de aspectos agudos ou ponha problemas de sobrevivência ou ainda naqueles em que a ineficiência ou obsoletismo constituam pesado fardo para a economia nacional. Depois, não pode desconhecer-se ser a concorrência indispensável e também meio capaz de promover os necessários ajustamentos, além de constituir a única garantia de que a posição de domínio do mercado não acarreta peso maior para os consumidores do que a suposta ineficiência tecnológica.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Consequentemente, deverá ter-se como mais importante e urgente do que a maior parte das reorganizações industriais a revisão dos circuitos, de distribuição.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - De tudo isto decorre a condenação da solução adoptada, da forma como foi, e o protesto contra os termos da portaria anunciadora de mais uma comissão reorganizadora. Decorre a condenação da solução como injustificada, lesiva do interesse geral, e especialmente da lavoura, e também a condenação da promessa de não melhor cariz da reorganização no continente e Açores.
É nas costas dos outros que a gente se mira...
De resto, neste caso, nem sequer a lavoura poderá ser representada na comissão a nomear, pois, uma vez que existe um grémio dos industriais, a este compete designar os representantes do ramo, ficando as cooperativas à margem da comissão, como na Madeira ficaram do problema e, pelos modos, aqui virá também a acontecer.
E de resto, que importância tem a questão?
Não foi também a Secretaria de Estado da Agricultura posta à margem do problema?
Não foi o voto da comissão reorganizadora, não foi o parecer do Conselho Superior da Indústria, não foi o despacho ministerial, não foi tudo e todos posto de lado pela opinião de um técnico e poder de decisão da Secretaria de Estado da Indústria?
Todos os caminhos vão dar a Roma...
Mas há ainda duas coisas que me chocam profundamente: uma consiste em verificar a identidade entre as reclamações habituais dos industriais e a argumentação produzida no relatório da referida portaria; outra diz respeito à nota deixada na «nota» do Ministro da Economia, diz a imprensa - do Secretário de Estado da Indústria, como talvez deva dizer-se com mais propriedade -, onde se alude à sujeição confessa das cooperativas ao órgão oficial que as orienta, que neste caso é a Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas.
Pretende-se, com tal afirmação, fazer crer ter a reacção da lavoura, cooperativa e corporativa, sido inspirada por aquela Direcção-Geral e considerar espírito de missão de que alguns dos seus técnicos têm, em grau dificilmente inigualável, dado provas?
Acreditar-se-á, sinceramente, na felicidade da lavoura, com as soluções adoptadas, as perspectivas abertas, os exemplos oferecidos?
Facile credimus, quod volumus, diziam os Latinos; a pior cegueira é a dos que não querem ver, dizemos nós...
E depois a carolice, o sacrifício, a dádiva de alguns funcionários que vivem o problema como se fora próprio, sem cuidar em preparar situações em que se ameseudem, conezias com que se recompensem, o exemplo e o esforço de alguns devotados obreiros da causa agrária poderão constituir motivo para remoques ou considerações precipitadas?
Noutros campos, por muito menos, lavrar-se-ia rasgado louvor; neste nem sequer o silêncio se tem como justiça mínima de esforçado labor: premeia-se este com a dura incompreensão... ou crês ou morres.
Sr. Presidente: não disse tudo quanto poderia e talvez devesse dizer, nem sequer aquilo que a defesa de tão importante questão impunha. Fui mau advogado. Por alguma razão nasci agricultor e me formei na paixão da terra.
Mas talvez tenha dito o essencial e mais do que o suficiente para maçar a Câmara. (Não apoiados).
Reconhecer a conveniência de reorganizar uma indústria, esta indústria, a necessidade de a apetrechar melhor, não são questões que se discutam; o modo, o processo, constitui outro problema. Foi desse que cuidei. Resta-me concluir.
Faço-o apelando, tal como o fizeram já as cooperativas madeirenses, para o Sr. Presidente do Conselho, rogando-lhe que perante a ilegalidade do procedimento e o precipitado da solução chame a si a decisão desta matéria, não permita que os departamentos que constituem o Ministério da Economia sejam sacrificados a visões da Secretaria de Estado da Indústria.
Espera-o a lavoura, exige-o à justiça, postula-o a regularidade do processo, deve-o a ética do Regime.
Por mim confiadamente espero e os lavradores esperançadamente aguardam com aquela alma, tenacidade e estoicismo com que de uma actividade fizeram um estado, um mister, das contrariedades extraem novas esperanças, como das pedras fazem terra, dos maus anos tiram expectativas de melhores dias...
Os lavradores merecem-no, a organização precisa-o, como reparação, a lavoura necessita-o como tónico... e o Governo deve-o, deve-o e pode fazê-lo.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Peço a palavra para um esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: não tendo estado presente à sessão de ontem, não pude assistir à leitura da comunicação que o Sr. Ministro da Economia endereçou a esta Câmara na pessoa de V. Ex.ª Como é matéria muito extensa e complicada, sobre a qual não posso reflectir sem me preparar um pouco e recorrer a elementos de que não disponho aqui em Lisboa, farei ulteriormente as observações que julgar oportunas e justas sobre o caso. É esta a razão pela qual me dispenso por ora de formular quaisquer novas considerações a propósito da matéria versada na comunicação de S. Ex.ª o Ministro da Economia.
Página 306
306 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 187
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: torna-se praticamente impossível, na própria data comemorativa da promulgação do Estatuto do Trabalho Nacional, fazer nesta Assembleia merecida referência a diploma de tão alta transcendência na vida da Nação, encarecendo-lhe merecimento que o seu conteúdo encerra. Regozijo-me, porém, por esse acontecimento não haver sido esquecido, lembrando-o com o brilho, à justeza e autoridade da sua palavra o nosso colega Dr. Cerveira Pinto, personalidade de alto relevo social e político, que largo contributo lhe deu, como propagandista eloquente e convicto da doutrina em que está fundamentada a sua estrutura.
Associando-me jubilosamente às judiciosas expressões do ilustre Deputado, seja-me permitido, rememorando tal acontecimento, bordar algumas considerações que ao meu espírito se sugerem, aproveitando a oportunidade que esse motivo me confere para a apreciação das magníficas providências, de carácter social, que o Sr. Ministro das Corporações anunciou e regulamentou, dando-lhes imediatos foros de aplicação e legalidade.
Há factos que, pelo seu valor, pela sua alta transcendência e pelo significado e projecção que adquirem, tomam justo aspecto de acontecimentos marcantes na vida dos povos e na vida das nações, datas inolvidáveis, como é a da promulgação do Estatuto do Trabalho Nacional, cujas bases, expostas com toda a eloquência e com toda a clareza da sua objectividade, foram estabelecidas e fixadas em memorável discurso pronunciado pelo Sr. Presidente do Conselho em Julho de 1930.
Recordar as afirmações produzidas, decorridos já três decénios, onde os conceitos que encerram estão inteiram ante actualizados, é prestar justiça e homenagem ao estadista insigne, que soube, visionando o futuro, estruturar, com firmeza e com inteligência, a nossa orgânica corporativa.
Precursor e realizador, o Sr. Presidente do Conselho soube inteligentemente marcar directrizes a seguir na orientação política e social do Regime, como república unitária e corporativa, com interferente acção dos seus elementos, as corporações, na vida constitutiva da Nação.
Três anos depois, em 23 de Setembro de 1933, sendo Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social o Dr. Teotónio Pereira, um dos mais fervorosos e sinceros doutrinadores do Estado Novo, activo e constante obreiro do engrandecimento da Nação, é publicado, pelo Decreto-Lei n.º 23 048, o Estatuto do Trabalho, diploma e instrumento necessário à vida do trabalhador nas suas diferentes actividades, concorrendo, na dedicada observação dos seus princípios, para a almejada solução de uma grande parcela de necessidades de aspecto inteiramente social.
Ao recordar esse passado, tão ligado ao presente, não posso deixar de enternecidamente saudar todos quantos colaboraram com Salazar na elaboração desse diploma, dando especial relevo ao Dr. Teotónio Pereira e aos seus sucessores, que souberam honrar e dignificar o mandato que a Nação lhes outorgou, sob a alta direcção do Sr. Presidente do Conselho.
Mas, Sr. Presidente, o Estatuto do Trabalho Nacional, equacionando doutrina, marcando directrizes, impunha e ordenava a publicação e execução de medidas que completassem e fixassem a orgânica do trabalho, na multiplicidade dos seus aspectos, nas actividades mais diferenciadas.
Tarefa da mais alta responsabilidade, onde as dificuldades se acumulam, tem sido esse conjunto de problemas que envolvem o trabalho, na observação dos seus deveres e das suas responsabilidades, no conceito e ajuste de garantias que lhe são inerentes.
O Ministério das Corporações e Previdência Social é uma instituição viva, renovadora, com actividade organizada e constante, em busca de soluções apropriadas e resolutivas das dificuldades que assoberbam a vida social da hora presente, onde os problemas de assistência e de educação, de higiene e de instrução e tantos outros, todos dominados pela mesma força, têm lugar destacado, primacial, nas preocupações dos organismos estaduais.
O problema social domina inteiramente a vida dos povos e só à custa de esforços de grande peso e amplitude, com finanças e economia em pleno desenvolvimento e franca prosperidade, se podem atingir resultados benéficos palpáveis, satisfatórios, que as classes trabalhadoras, imbuídas por um espírito de insatisfação, não compreendem, esquecidas muitas vezes do verdadeiro interesse nacional.
Tudo quanto é possível realizar para a melhoria das condições de vida do trabalhador vem sendo efectivado pelo Ministério das Corporações, onde o Dr. Henrique Veiga de Macedo, numa actividade constante, inteligente e dominada pelo sentido das realidades, factores demonstrativos de qualidades e virtudes de merecimento e valia incontestáveis, está realizando obra verdadeiramente humana e cristã, bem digna do elogio que não pode nem deve negar-se-lhe.
O Sr. Araújo Novo : - Muito bem!
O Orador : - O Dr. Henrique Veiga de Macedo, servido por uma vigorosa e lúcida inteligência, aliada a um carácter da mais delicada formação, sem desfalecimentos nem canseiras, vem prestando altos serviços à Nação, abrindo-lhe largos e fecundos horizontes no plano social.
Seria meu intento analisar aqui, em toda a sua grandeza, esse nobilíssimo conjunto de providências, que sob a influência do Estatuto do Trabalho vêm agora sendo estabelecidas através de uma acção de notável alcance social, desenvolvida, realizada e continuada pelos decretos-leis e portarias publicados no Diário do Governo n.º 222, 1.ª série, em 23 de Setembro passado, data comemorativa da publicação do Estatuto.
São essas medidas inteiramente merecedoras de justo e elogioso comentário, já pelos conceitos práticos que encerram, já pelos benefícios proclamados e verificados na sua acção e ainda como afirmações de justiça, plenamente demonstrada em face das necessidades, tão judiciosa e humanamente expostas numa corajosa afirmação de princípios inteiramente defendidos e perfilhados pela doutrina do Estado Novo. Demolir é tarefa fácil para os que fazem da maledicência a sua arma de ataque.
O Sr. Araújo Novo: - Muito bem!
O Orador : - Mas, perante a importância da obra já realizada, nada podem e nada valem, os que pretendem minimizar o que na sua, evidência não comporta nem aceita desmentidos.
E, embora, a, perfeição seja, inerente aos detentores da Graça Divina, pode e deve afirmar-se que a actividade desenvolvida pelo Ministério das Corporações no plano social, político e económico dá inteira satisfação às aspirações e aos anseios das massas laboriosas, garantia inegável de uma melhoria colectiva, desprezando o recurso à luta de classes, luta sem grandeza, do tão perniciosas
Vozes : - Muito bem!
Página 307
19 DE JANEIRO DE 1961 307
O Orador: - Os diplomas publicados em Setembro findo, fruto de amadurecido e laborioso estudo, encerram, no seu conjunto, em escala social de notável avanço, larga soma de benefícios, cuja influência na vida dos trabalhadores e das suas famílias se fará sentir profundamente, tão protectora é a legislação que lhos confere.
Não tendo possibilidades de largamemte me ocupar de todos, quero, em curtas e singelas palavras, sucintamente, apreciar no seu conjunto alguns desses diplomas, conquistas magníficas na dificuldade da sua concepção e da sua realização, com actualizada e premente objectividade.
Sr. Presidente: principiarei por me referir ao Decreto-Lei n.º 43 184, que trata do regime do abono de família, alterando e melhorando a sua aplicação, permitindo maior amplitude e elasticidade em limitações que anteriormente acusava. Assim, o § 2.º do artigo 2.º do Decreto n.º 33 152, alterado agora pelo Decreto n.º 43 184, alarga a idade de 16 anos, aos menores matriculados em estabelecimentos de reeducação, que até ali era apenas de 14; para 18, os estudantes matriculados em cursos secundários, que anteriormente era de 14; e para 21 e 24 a idade dos que estejam seguindo um curso médio ou superior, que era respectivamente de 18 e de 21.
A justificação das alterações sofridas neste aspecto é inteligentemente posta, magnificamente aceite e bem justificada nas declarações que antecedem o respectivo decreto, considerações baseadas em conceitos de razão e justiça, que marcam a adopção de um critério, mais amplo, inteiramente harmónico com as realidades presentes.
Não havendo possibilidades de melhorar os escalões do abono de família, visto que essa melhoria daria causa a pesados encargos, computados em mais de 450 000 contos, o Ministro, com a prática de certas medidas de protecção, evitou acertadamente o agravamento de contribuição sobre as remunerações do trabalho, agravamento, esse que não seria simpático aos agravados. Há, pois, que aplaudir a doutrina incluída no Decreto n.º 43 184, pelas vantagens que particularmente encerra, no auxílio, dispensado à família.
Pela Portaria n.º 17 963 são concedidos subsídios de casamento, de nascimento e de aleitamento aos trabalhadores e aos seus filhos, quando aqueles sejam inscritos nas caixas de abono de família e nas caixas de previdência com abono de família integrado. Esses abonos serão, respectivamente, de 500$, de 200$ e de 50$, estes mensais, por cada filho legítimo nos primeiros oito meses de vida. Não pode negar-se valia a esta resolução, impregnada de verdadeiro humanismo cristão, como é a protecção dada à família, célula-base da sociedade em que vivemos.
Pela Portaria n.º 17 964 é favoravelmente ampliada, dentro de certas regras e limitações, a concessão de medicamentos de produção nacional aos beneficiados da previdência e à sua família, com abatimentos que vão de 25 a 50 por cento do seu preço de custo, não estando incluídas nesta concessão as especialidades estrangeiras que tenham equivalência na nossa indústria, o que julgamos medida absolutamente acertada e justa. Tem foros de evidente utilidade a aplicação de tão grande benefício, que terá salutar repercussão na vida do indivíduo.
Outra portaria, a n.º 17 965, fixa em 300$a pensão mínima de velhice a pagar pelas caixas sindicais de previdência e pelas caixas de reforma ou previdência, estabelecendo para esse fim disposições regulamentares inteiramente cabidas e justificadas. Aos reformados por velhice ou invalidez é também atribuído o direito à assistência médica e medicamentosa.
O Decreto-Lei n.º 43 186 ocupa-se do grave problema habitacional, ao qual o Sr. Ministro das Corporações vem ligando importância compatível com a sua gravidade e a que eu largamente me referi quando da discussão da Lei de Meios. Por esse decreto são conferidos poderes para a realização de empréstimos da previdência às suas caixas sindicais, às caixas de reforma ou previdência e ainda às associações de socorros mútuos, empréstimos esses destinados à construção ou à compra de casas para habitação do agregado familiar. Trata-se de medida do mais alto alcance, já praticada em alta escala, com forte influência na vida das classes laboriosas, que principiam a colher e a apreciar o magnífico fruto de tão importante medida.
Finalmente, pelo Decreto n.º 43 189 é estabelecida e aprovada a nova tabela de incapacidade por acidentes de trabalho ou doenças profissionais. Tarefa de extraordinária delicadeza, realizada após estudo demorado de questão com tanta influência na vida social do indivíduo e da família a quem sustenta, bem merece o destaque que como médico lhe confiro.
Embora essa tabela acuse certas imperfeições que há necessidade de corrigir, visto não atender convenientemente todos os casos, permitindo-se-me pôr em relevo os que dizem respeito à oftalmologia, há que bem merecidamente atribuir louvor aos que laboriosamente colaboraram na sua tão difícil organização.
Corrigidas as imperfeições observadas pela prática, completando-a nas várias omissões que acusa, esclarecendo-a em obscurecimentos que por vezes tornam difícil as mensurações a que se destina, factores de que resulta morosa a sua aplicação, o problema em causa encontrará o justo termo, que deve presidir sempre a operações de tanta delicadeza, como são as que se encontram sob a sua alçada.
Estas minhas objecções não invalidam nem diminuem o quanto representa um trabalho desta natureza, e eu, reconhecendo as dificuldades da sua elaboração, não posso deixar de render justa e devida homenagem àqueles que colaboraram em tão delicada tarefa.
Sr. Presidente: pouco disse do muito que teria paru dizer sobre matéria onde a capacidade realizadora do Sr. Ministro das Corporações se vem afirmando há largos anos, com toda a eloquência e com toda a verdade.
Não cometi exageros nas afirmações produzidas, e, dentro do espírito que sempre me animou, cumpro um dever ao reafirmar que o Ministério das Corporações e Previdência Social, na alta missão que lhe cabe, sob a direcção do seu ilustre chefe, o Ministro Veiga de Macedo, vem realizando uma tarefa que bem merece de todos os portugueses o respeito, a dedicação e o apoio caloroso e sincero que lhe é inteiramente devido.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Moreira: - Sr. Presidente: em 10 de Abril de 1951, como consta do Diário das Sessões de 11 do mesmo mês e ano, tive ocasião de tratar nesta Assembleia de interesses que diziam respeito ao concelho de Mesão Frio, do distrito de Vila Real, de cujo círculo, nessa altura e eira anos anteriores e seguintes, tive a honra de ser um dos seus representantes nesta Câmara.
Dirigi-me daqui ao Sr. Ministro do Interior de então, que a princípio encontrei decididamente inclinado a reconhecer a justiça que assistia àquele município.
Fiz posteriormente novas intervenções, acompanhado de outros colegas, até que, compenetrado da inacção governativa em tal matéria, decidi apresentar um projecto de lei em Abril de 1957, isto é, seis anos depois
Página 308
308 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 187
de uma incessante luta junto do Ministério do Interior para obter uma solução, fosse ela qual fosse.
Quando na aludida sessão de 10 de Abril de 1951 me dirigi ao Governo pedindo equidade e justiça na solução do assunto que a Câmara de Mesão Frio havia posto, com razões justificativas, as quais, além de outras, produzi publicamente neste lugar, o falecido Dr. Carlos Borges, meu colega nossa altura na Assembleia Nacional, interrompeu-me paira dizer: «é melhor um projecto de lei», ao que eu retorqui: «Talvez V. Ex.ª tenha razão. Mas não descreio das providências que peço; é que, felizmente, estamos longe daqueles tempos em que a voz da província só era escutada nas vésperas das eleições e vivemos nesta emergência histórica a comunicação constante e in loco entre governantes e governados. É confiadamente que pode esperar justiça quem pede justiça como eu peço em nome das populações transmontanas que para apelarem».
Afinal, verifica-se que quem tinha razão era o falecido Deputado Carlos Borges. Certamente tinha motivos para isso.
O referido projecto de lei por mim apresentado encontra-se publicado nas Actas da Câmara Corporativa sob o n.º 53, da dia 11 de Abril de 1907.
Terminou a VI Legislatura sem que sobre ele tivesse incidido o respectivo e competente parecer, até que, renovado por mim, nos termos constitucionais, na VII Legislatura, vem agora, sob o n.º 7, a obter parecer, conforme consta do n.º 53 das Actas da Câmara Corporativa, do dia 23 de Abril de 1959.
Antes de encerrada a 3.ª sessão legislativa da presente legislatura lembrei a V. Ex.ª Sr. Presidente, o meu referido projecto de lei, respondendo V. Ex.ª que, dada a proximidade do fim dos trabalhos dessa sessão, o assunto não podia já ser considerado nessa altura.
Aqui estou, pois, a relembrar o caso.
Não se trata, porventura, de coisa grande? Talvez.
Atrevo-me, no entanto, a repetir considerações que tive ocasião de formular quando da apresentação do projecto, em 1957, e que, quanto a este ponto, se resumem assim:
«Continuo fortemente convicto de que é erro funesto e injustiça grave não aceitar a vontade dos povos em casos como o presente, em que querem escolher, com fundamentos provados e sérios, o seu lar municipal».
Demais a mais, Sr. Presidente, com a forte centralização que gradualmente e mercê de várias razões vai enfraquecendo os foros locais e desagregando os velhos lares municipais - a mais bela instituição que o mundo antigo legou ao mundo moderno, na expressão de Herculano -, lá em cima, na minha província, tão ciosa das suas prerrogativas, já não tem sentido o grito que tão bem exprimia a defesa desses foros populares e de um são regionalismo: «Para cá do Marão mandam os que cá estão».
Esse tempo passou e talvez, apesar de tão falados progressos, os povos não sejam mais felizes.
Temos, assim, de pedir com mais instância à representação nacional a justiça que até hoje se tem vindo a protelar.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. João Porto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para pôr em relevo o interesse que ao ilustre titular da pasta da Justiça merece a renovação ou a construção de edifícios onde se ministra a justiça, especialmente no círculo por onde fui eleito.
É um dos motivos para este pequeno apontamento o recente subsídio de 1500 contos concedido a cada uma das duas Câmaras - a de Fronteira e a de Ponte de Sor - para início dos trabalhos de construção do respectivo Palácio da Justiça e ainda o subsídio de 1000 contos para a continuação e possível conclusão do de Nisa.
Pode dizer-se que não se passa mês sem que uma ou outra câmara do País venha publicamente anunciar análogo benefício, assim se exprimindo, e por mais esta forma, o particular cuidado e acertada orientação de quem tem sabido imprimir e valorizar todos os sectores do seu importante departamento governamental.
Se, na verdade, a justiça, como factor essencial da, vida das sociedades, tem de ser defendida e prestigiada, é de todo necessário que os edifícios onde ela se realiza se revistam da correspondente dignidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E o que existia onde já se construiu ou o que existe onde ainda se não tocou em tal matéria é, na grande maioria dos casos, verdadeiramente confrangedor, já pela exiguidade do espaço, já por defeituosa adaptação de prédios que haviam sido construídos com objectivo muito diferente, já por seu estado de deterioração.
Pelo menos assim acontece nas referidas três comarcas do meu distrito, pois posso isso pessoalmente testemunhar.
Para apreciar a obra do titular da pasta da Justiça falta-me a competência. Alguém mais autorizado do que eu o fez já, o nosso muito ilustre colega da Assembleia Exmo. Sr. Doutor Paulo Cancella de Abreu, que analisou a sua obra notável em termos sóbrios, mas vigorosos, nesta mesma sala, em sessão de 28 de Abril do ano passado.
Pessoa alguma, porém, por mais estranhos que lhe sejam os assuntos da justiça, deixará de se aperceber, mesmo que outras fontes de informação não .possua senão as da imprensa diária, da extensão e aperfeiçoamento de suas realizações em todos os ramos dependentes da sua pasta. Se um homem vale por aquilo que é, por aquilo que faz e diz e pela obra que deixa atrás de si, esta é já tão vasta que o Prof. Antunes Varela tem, nesta hora já, aí definitivamente impresso o cunho da sua passagem pelo Ministério da Justiça.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Pelos benefícios com que, material e socialmente, enriquece aquelas três comarcas, pelos cuidados e protecção efectiva que lhes concede e decerto continuará a conceder, pois, além do Palácio da Justiça, se deseja ainda a construção condigna das casas dos magistrados, por minha qualidade de Deputado pelo círculo, e decerto interpretando os sentimentos dos munícipes daqueles concelhos, aqui lhe rendo os meus agradecimentos e as minhas homenagens.
Desejo aproveitar a ocasião para me referir ao recente acordo entre os Serviços Médico-Sociais - Federação de Caixas de Previdência e os Grémios das Farmácias e dos Industriais Farmacêuticos, acordo assinado no Ministério das Corporações e Previdência Social no sábado último.
Por este acordo se estabelece o fornecimento de medicamentos aos beneficiários das instituições de previdência e aos seus familiares, em execução da portaria publicada pelo ilustre titular da pasta das Corporações em fins de Setembro último. Engloba todos os medicamentos de produção nacional e que poderão ser adquiridos nas farmácias pelos beneficiários e seus familiares.
Página 309
19 DE JANEIRO DE 1961 309
O esquema da assistência farmacêutica dos Serviços Medico-Sociais fica assim notavelmente ampliado, pois não se limita aos injectáveis e apenas aos beneficiários, como até agora, mas se torna extensiva a todos os medicamentos de produção nacional, mediante comparticipação de 25 por cento para os beneficiários e de 50 por cento para os familiares.
Não se limita a liberdade de prescrição, nem se impõe tão-pouco o exclusivo de medicamentos nacionais, pois se permite o consumo de produtos de fabrico estrangeiro, desde que não haja similar nacional.
Tais medidas são de largo alcance: além de permitirem a liberdade de prescrição, ainda, por virtude da imposição da escolha de fabrico nacional e, quanto aos de fabrico estrangeiro, apenas aqueles para que não haja similar entre nós, vão benèficamente reflectir-se na nossa economia, contribuir para maior estímulo da produção e mais eficaz defesa dos interesses legítimos das farmácias e dos laboratórios nacionais. For tais medidas, que bem mostram o interesse que lhes merece a assistência às classes trabalhadoras, são dignos de todo o louvor o ilustre titular da pasta das Corporações e o presidente da direcção dos Serviços Medico-Sociais. Como louvores são merecidos pelos presidentes dos Grémios das Farmácias e dos Industriais Farmacêuticos pelo espírito de colaboração que por esta forma demonstraram.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: desejo chamar a atenção da Assembleia para o facto, há dias passado, que demonstra como o Governo da Nação está atento aos problemas ligados aos interesses das nossas populações e como estas reconhecem os benefícios que lhes são dispensados. Este facto mereceu-me particular atenção, por se tratar de uma região que me é particularmente cara. Refiro-me à vinda a Lisboa de nina numerosíssima comissão proveniente do centro da região vinhateira do Douro e Régua. Esta quis patentear ao Governo da Nação, através dos ilustres titulares do Interior, Obras Públicas e Educação Nacional, o reconhecimento da região pelos benefícios que nos últimos anos lhe têm sido concedidos.
Este facto dá-nos uma amostra do clima em que vivemos: por um lado, o Governo esforçando-se por atender, em maior ou menor escala, conforme as possibilidades, sempre limitadas, de que dispõe, os desejos das populações; por outro lado, estas exprimindo livremente o seu reconhecimento.
Nesta altura, em que um vento de insânia varre o inundo que nos cerca, consulador é constatar este nosso modo de viver.
Sr. Presidente: no dia 13 do corrente mês deslocou-se a Lisboa uma numerosíssima comissão, presidida pelo activo presidente da Câmara Municipal de Peso da Régua e constituída pelos mais representativos elementos da capital do Douro e das regiões limítrofes. Vieram era 40 carros perto de 100 pessoas, entre as quais muitas senhoras.
Quis a população da Régua e das regiões vizinhas agradecer muito particularmente ao Sr. Ministro da Educação Nacional e ao Sr. Subsecretário a criação na Régua de uma escola técnica agro-industrial que fora inaugurada na mesma vila no dia 10 do corrente mês. Essa escola, anseio há já muito expresso, não só veio beneficiar o concelho onde ela se encontra, mas também os concelhos vizinhos de Santa Marta de Penaguião e Mesão Frio e, de um modo geral, toda a região do Douro.
O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Toda a comissão foi recebida pelo Sr. Ministro da Educação Nacional e Sr. Subsecretário. Depois de o presidente da Câmara Municipal de Peso da Régua ter apresentado os seus agradecimentos pelo grande benefício dispensado à Régua, chamou a atenção do Sr. Ministro para que, logo que fosse possível, se criasse também um curso geral de Comércio.
Essa pretensão não só é justa como necessária, pois os grémios, cooperativas e, de um modo geral, todo o comércio da região se debatem com dificuldades para encontrar na região do Douro indivíduos com conhecimentos de contabilidade para poderem desempenhar convenientemente funções administrativas.
O Sr. Ministro da Educação Nacional, depois de agradecer, em seu nome e do Sr. Subsecretário, a vinda de tão numerosa e representativa comissão ao seu gabinete, apontou, em traços luminosos, o que se entende hoje por ensino técnico, destacou que a técnica, de estacionária que fora, passou hoje a evoluir muito rapidamente, tornando-se cada vez mais complexa. Por isso, a preparação dos futuros técnicos deve-se hoje processar de modo bem diferente. É necessário que a preparação do futuro técnico o habilite a adaptar-se às novas técnicas que constantemente vão substituindo as que se tiveram de abandonar. Por isso, o ensino técnico deve assentar também em bases sólidas e profundas.
Referindo-se em particular à nova escola da região do Douro, apontou a necessidade, para podermos competir nos mercados internacionais, de nos orientarmos por uma política de qualidade. Para a executar precisaremos de possuir indivíduos convenientemente preparados, os quais se obterão através das escolas técnicas. Em suma, para valorizarmos as nossas riquezas naturais precisamos de indivíduos com capacidade técnica suficiente.
Estas palavras do Sr. Ministro foram ouvidas com o maior agrado na região do Douro, pois só com uma política firme de qualidade se poderão esperar melhores dias para a região produtora de vinho do Porto.
Para terminar, o Sr. Ministro acrescentou que o Estado não faltará à Régua com o que lhe é pedido e ainda com um edifício para a sua escola técnica, o que haverá unicamente que aguardar ocasião apropriada.
A comissão, que de tão longe viera expressar o seu agradecimento, retirou convencida de que as rédeas da educação nacional estão muito bem entregues, o que nos garante que a preparação dos futuros técnicos nos vários graus de ensino está a ser devidamente considerada.
No gabinete do Sr. Ministro do Interior a comissão referida apresentou os seus cumprimentos de cortesia, afirmando a sua inabalável fé nos destinos do mundo português e estar plenamente confiante na actuação do nosso Governo.
No gabinete do Sr. Ministro das Obras Públicas o presidente da comissão agradeceu ao ilustre titular da pasta as valiosas comparticipações que têm sido concedidas nos últimos anos ao concelho de Peso da Régua, apontando ainda o desejo, há muito expresso, de, logo que haja possibilidade, se executar a variante da estrada nacional que atravessa a vila.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O actual traçado há já muito que não satisfaz, devido ao congestionamento de trânsito, o qual,
Página 310
310 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 187
a certas horas, é de tal natureza que não só dificulta o trânsito próprio da referida estrada, como também impede o trânsito local da própria vila.
Eis, em suma, Sr. Presidente, o relato dessa memorável jornada, em que um cento dos mais categorizados indivíduos da região do Douro vieram de tão longe prestar justa homenagem ao Governo.
Na vida trepidante da nossa capital tal facto será provavelmente esquecido, mas na mente dos durienses que cá vieram ele não mais se apagará, pois lhes permitiu contactar com alguns dos nossos mais ilustres homens e o Governo e, de um modo directo, apreciar as suas altas qualidades.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao plano de construções para o ensino primário.
Tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Cruz.
O Sr. Virgílio Cruz: - Sr. Presidente: a prosperidade das nações e a qualificação do trabalho da sua população activa dependem do nível da instrução colectiva dos seus filhos. Por isso, a política de fomento em que estamos empenhados, tanto na metrópole como no ultramar, precisa de ser coordenada com uma ampla política de desenvolvimento da instrução, indispensável à eficácia, global dos nossos planos de fomento e sem a qual devíamos recear que os resultados futuros não correspondessem, por falta de apoio nessa política dê instrução, nem às nossas esperanças nem aos sacrifícios de todos.
O novo plano de construções escolares para o ensino primário, ao vir de encontro à necessidade de difundir a instrução de base, para valorizar a mão-de-obra nacional e elevar o nosso nível geral, merece bem. que os Portugueses o acolham com alegria e até com entusiasmo.
O Ministro da Educação, conhecedor completo das modernas exigências do ensino, tem estado atento, com superior lucidez, às nossas necessidades, tendo já publicados, estudados e em estudo vários planos e reformas para a si a satisfação a curto e a médio prazo; e falo em curto e médio prazo porque o dinamismo dos problemas do ensino não consente dar por finda esta obra, das mais nobres e fecundas, obra em permanente evolução, que obriga, por isso, a andar depressa, para que em cada escalão dela se tire toda a eficácia.
O Ministro da Educação já por várias vezes tem posto em releve que os planos de fomento gerais devem ser acompanhados de planos de fomento cultural, isto é, de planos para a formação de técnicos e de mão-de-obra especializada capaz de actuar como impulso dinamizador nas novas fontes de riqueza económica que os planos, de fomento visam criar. Sem homens instruídos e eficientes, as máquinas e as estruturas técnicas, e económicas não poderão produzir em termos de competição com as outras nações mais ricas em homens. O Ministro tem muita razão quando tão repetidamente chama a atenção do País para a necessidade de formar homens e de formar profissionais capazes, que, embora especializados, não deixem de ser homens.
Ao grande esforço renovador do Eng.o Leite Pinto já muito deve a Nação, esforço que, além dos magníficos frutos no nível de instrução, no sector económico e no nível social, também tem tido o mérito político de ser conduzido em ambiente de geral aplauso e calorosa simpatia pública.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: a educação nacional apresenta-se com uma série de problemas encadeados e escalonados.
No alicerce desse escalonamento está o alargamento a todos os portugueses, e por forma eficiente, da preparação mínima de grau primário que constitui a educação de base.
O plano de educação popular vigorosamente lançado em Outubro de 1952 pelo impulso decisivo do grande realizador que é o Dr. Veiga de Macedo...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... então Subsecretário de Estado da Educação Nacional, e vitoriosamente conduzido nos anos seguintes sob a esclarecida orientação do Eng.º Leite Pinto e Dr. Rebelo de Sousa, em conjugação com as medidas legislativas tomadas pelo Governo, medidas que passaram a exigir a 3.ª e 4.ª classes como habilitações mínimas, mesmo para o desempenho de funções modestas, criaram na gente portuguesa o convencimento de que a instrução é a principal causa da ascensão social e que a melhor herança que os pais podem deixar aos seus filhos é a instrução dada na idade própria. A massa da população portuguesa foi deste modo atingida e penetrada pelo anseio de estudar e aprender.
Os pais passaram a mandar os filhos à escola, num movimento saudável que representa um progresso, o progresso de se procurar a escola.
A nossa taxa de ausentismo escolar, ainda de 83 por cento no princípio deste século, desceu para a ordem dos 20 por cento em 1950 e atingiu a partir de 1907 valor verdadeiramente notável - reduziu-se a menos de 1 por cento.
No que respeita ao ensino primário, Portugal é hoje na Europa um cios países com menor taxa de ausentismo escolar.
Este fomento extraordinário e muito rápido da frequência criou um mundo de problemas e situações difíceis, que o Ministério da Educação teve de enfrentar.
Dentro das possibilidades daquele departamento do Estado, tudo se têm feito para aproveitar ao máximo os meios e a organização disponíveis, e principalmente para que não fique fora da escola nenhuma criança que se apresente para a frequentar. Até hoje, esse objectivo tem sido totalmente atingido.
Nesse louvável propósito, houve necessidade de lançar mão de artifícios, alguns perniciosos para o ensino, tais como duplicação e triplicação de cursos na mesma sala, em desdobramento, salas superlotadas, com turmas muito numerosas, recurso a agentes de ensino nem sempre com preparação impecável, etc., o que fez baixar o rendimento do trabalho de alunos e professores. Mas para não deixar fora da escola nenhuma criança que se apresentasse para a frequentar houve que adoptar soluções que, embora imperfeitas, fossem rapidamente alcançadas.
Atingiu-se um ausentismo escolar inferior a 1 por cento, mas, para o conseguir, a presença não é ministrada nas melhores condições. Todos os anos temos déficit do salas e déficit de professores.
Em cada ano a população escolar apresenta um aumento da ordem dos 10 000 alunos, por força do au-
Página 311
19 DE JANEIRO DE 1961 311
mento da natalidade da nossa população crescente, aumento que este ano foi ainda acrescido de cerca de 15 000 alunos pelo facto de ter sido sancionada por disposições legais a prática já seguida por quase todas as crianças do sexo feminino em idade escolar de frequentarem a 4.ª classe.
Não obstante o impulso mantido na construção de escolas ao abrigo do Plano dos Centenários, impulso que para o ensino primário se traduziu ultimamente na cadência de 1000 salas de aula por ano, há a imperiosa necessidade, já reconhecida pelo Governo, de levar mais longe esse esforço.
Além de fazer face ao crescimento da população escolar, temos que recuperar atrasos na construção de salas de aula e substituir muitos edifícios velhos.
Por isso, o Ministério da Educação Nacional, tendo em vista o aumento constante da população e as profundas transformações na distribuição demográfica em consequência da industrialização, do crescimento económico e do progresso regional e geral, orientou e centralizou um laborioso estudo em que colaboraram o Ministério das Obras Públicas e as câmaras municipais, com vista à actualização, tão perfeita quanto possível, da carta escolar da metrópole e das ilhas adjacentes.
Esse estudo estabeleceu de maneira realista e objectiva a previsão das nossas necessidades para um período de dez anos, e com base nessas previsões nasceu o novo plano de construções escolares para o ensino primário, que modifica, actualiza e amplia o Plano dos Centenários, apresentando-o evoluído e profundamente remodelado, de «acordo com as necessidades actuais.
O Sr. Camilo de Mendonça: - V. Ex.ª pode fazer o favor de me informar se, dentro das dotações normais atribuídas, é possível executar o Plano dentro de dez anos?
O Orador: - O orçamento global do Plano é de 1 680 000 contos, a que, para uma execução em dez anos, corresponde uma dotação anual de 168 000 contos. Nos últimos anos a dotação tem andado pelos 100 000 contos, mas, como o Governo se propõe, na base I desta proposta, a executar o Plano no menor prazo possível, confiemos em que, aprovada esta proposta de lei, o Governo possa aumentar as dotações.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Esperemos, portanto, que o Governo possa elevar as dotações anuais para 168 000 contos, pois considero necessário executar o Plano no prazo máximo de dez anos.
O Orador: - Inteiramente de acordo com V. Ex.ª
Este novo programa de construções, em que se prevê o investimento de 1 680 000 contos, tem por objectivos a construção de 8300 novos edifícios escolares, com 15 000 salas de aula completamente apetrechadas, a edificação de 1000 casas de habitação para professores e a reparação de mais de 3700 salas de aula já existentes, além das construções escolares em curso no abrigo do Plano dos Centenários e da construção de cantinas escolares onde for garantida a sua manutenção.
A rede escolar primária vai penetrar assim até aos minúsculos povoados e muitos lugares serão dotados de instalações para o professor ou regente.
As dificuldades criadas pelo grande aumento de alunos serão resolvidas pelo novo plano, no que respeita a instalações escolares apetrechadas, se ele for executado em ritmo que corresponda às, necessidades, nacionais.
A insuficiência de instalações tem-se reflectido no rendimento do ensino, não lhe sendo certamente alheia a percentagem de repetência registada por vezes nas escolas primárias, e que certamente diminuirá desde que a lotação de cada turma não exceda o número pedagogicamente aconselhável.
A repetência não aflige só o nosso ensino primário, pois há países que apresentam taxas de repetência superiores à nossa, mas há também países ricos que rodeiam o ensino de todas as condições consideradas excelentes e que fixam em 10 por cento a taxa máxima das reprovações na instrução primária, estabelecendo que maior percentagem não pode ser imputada às crianças.
É necessário, por razões relevantes, que dificuldades financeiras não entravem o bom andamento do plano, pois estamos certos da eficiente acção do Ministério das Obras Públicas. Urge, portanto, dar ao Ministério da Educação Nacional os meios necessários para melhorar o rendimento do ensino, o que pede instalações satisfatórias e também outras medidas que certamente estão no pensamento do Governo.
Num plano desta extensão e urgência, o prazo de execução tem uma importância enorme. Se ele for executado de forma que anualmente sejam postas à disposição do Ministério da Educação Nacional as salas de aula necessárias para que se atinja um ritmo que resolva este magno problema nacional, o plano atinge toda a eficiência, mas se se alonga e arrasta muito para além das previsões, o plano pode não passar de triste remedeio dos problemas que pretendia e podia resolver.
Haverá que vencer muitas dificuldades, débil situação financeira dos municípios, obtenção de terrenos, adjudicação das obras, etc., e que atenuar muitos factores de amortecimento que contrariam a boa marcha do plano.
O problema é de tal magnitude que não pode o Governo resolvê-lo só por si. As autarquias locais são chamadas a colaborar decisivamente na sua resolução, e em muitos casos será necessária a ajuda dos particulares para a obtenção dos terrenos.
A aquisição de terrenos continua a ser incumbência atribuída às câmaras municipais e encargo por elas suportado na totalidade.
Numa estimativa simplista, a Câmara Corporativa avalia em cerca de 250 000 contos a verba a despender em curto prazo exclusivamente pelas câmaras municipais se elas tivessem de comprar todos os terrenos para as escolas do novo plano. Felizmente, a generosidade da boa gente portuguesa tem dado muitos terrenos. A todos esses portugueses generosos aqui deixo o agradecimento desta Câmara.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Os presidentes dos municípios deverão mobilizar as boas vontades locais para a cedência gratuita dos terrenos.
Por vezes, os proprietários do terreno a ocupar pela escola aceitam a sua troca por um terreno baldio; interessa, portanto, facilitar para estes casos a autorização da alienação das parcelas de baldio necessárias.
O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!
O Orador: - As sacrificadas autarquias locais, vergadas ao peso de solicitações financeiras com melhoramentos locais de vária ordem e inadiáveis, bem precisam de uma ajuda para os terrenos das escolas ...
O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!
Página 312
312 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 187
O Orador: - ... ou a concessão de um. subsídio para a aquisição dos terrenos ou facilidades de financiamento para os adquirir.
Para baratear as soluções construtivas interessa uma maior simplificação dos projectos, expurgando-os do que não for essencial. A concepção deve corresponder aos modernos princípios da pedagogia, da higiene e do conforto funcional sem luxo. Muita luz, ar renovado sem correntes, quadro bem iluminado mas sem brilho, etc. A traça das fachadas não deverá procurar o pitoresco, mis ser harmoniosa nas suas linhas simples, evitando-se nas construções escolares os arrebicados e pormenores de acabamento que tornem as obras dispendiosas.
Nestas soluções, que &e procura sejam, eminentemente económicas, as plantas e vãos terão de ser iguais, para permitir a normalização e a construção em série, mas os alçados já podem não ser todos iguais, para quebrar a monotonia e permitir, dentro das soluções económicas, que a construção não brigue com o ambiente regional.
Se fôssemos erguer em Trás-os-Montes e no Alentejo edifícios escolares iguais, essa construção ficaria a destoar do conjunto ou numa região ou na outra.
E num traçado simples, harmónico e equilibrado que se conhece o artista.
Na procura de economias nunca deverá ser esquecido que a habitação económica só o é verdadeiramente quando c for na edificação e na conservação.
Um tipo de edifício aberto ao sol e ao ar, sol logo de .manhãzinha, ar renovado mas sem correntes, um ambiente acolhedor e de sóbria alegria, eis o que parece virá a ser a escola do futuro.
Em todos os países se dedica grande atenção ao traçado científico das salas de aula para conseguir reduzir os custos da obra e tornar mais rápido o levantamento da construção escolar, mas sempre sem prejuízo ia qualidade.
A Delegação para as Obras de Construção de Escolas Primárias introduziu em 1956 e 1957 modificações nos projectos-tipo do Plano dos Centenários, modificações que deram uma economia global da ordem dos 15 per cento nos edifícios escolares de tipo urbano e uma economia da ordem dos 35 por cento nos de tipo rura.
Nos estudos científicos das escolas, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil pode prestar uma colaboração de muito interesse. No que respeita a coberturas, por exemplo, este Laboratório, ao estudar uma estrutura de madeira a utilizar na cobertura de casas pequenas como são as das escolas, chegou a um resultado surpreendente: para uma área coberta de 48 m2 reduziu ( volume da estrutura de madeira de cobertura (asnas, madres, varas, ripas, etc.) de 4,23 m3, que têm sido gastos habitualmente nestas construções, para meios de 1 m3 de madeira da estrutura de cobertura.
A normalização de materiais e elementos de construção, tais como estruturas de cobertura tanto de madeira como de betão pré-esforçado, peças para instalações de água e esgotos, caixilharia e portas, ferragens, torneiras, etc., permitirá a pré-fabricação em grandes séries, de que beneficiaria a economia das obras e até o ritmo riais acelerado da execução dos trabalhos.
Sr. Presidente: às câmaras municipais que disponham de serviços técnicos considerados satisfatórios é alargada a possibilidade de executarem as construções escolares incluídas neste programa ou sómente os trabalhos complementares, tais como arranjos exteriores ou vedações da obra executada pelo Estado; esta possibilidade permite aproveitar a cooperação voluntária das populações na construção das obras, o que, além do interesse económico que pode representar, também estimula o fenómeno salutar da cooperação dos munícipes na realização dos melhoramentos locais.
Para adjudicar as obras também em muitos casos surgem dificuldades. Estas são dispersas e o volume de cada uma é pequeno; por isso os empreiteiros nem sempre encontram nelas a cobertura para os encargos de fiscalização da sua indústria. Na faixa litoral ainda aparecem interessados, sendo possível algumas vezes adjudicar as obras a preço inferior ao da base, mas nas zonas do interior poucos empreiteiros se interessam por estas obras, sendo muitas vezes necessário adjudicá-las por preço superior ao do orçamento-base.
Pensar no lançamento de empreitadas por grandes grupos regionais, por exemplo à escala distrital, facilitaria a organização dos empreiteiros e até uma construção mais rápida, mas esta solução esbarraria com várias dificuldades, entre as quais avultaria a de os municípios dificilmente poderem ceder de uma só vez todos os terrenos para as escolas abrangidas no Plano.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: a nova lei tornará a comparticipação do Estado - 50 por cento do custo das obras - extensiva ao aproveitamento de edifícios escolares e cantinas das autarquias locais mesmo construídas à margem do Plano dos Centenários, desde que o seu aproveitamento tenha sido previsto pelo Governo.
Esta medida, além de vir dar satisfação a repetidas solicitações das câmaras (municipais, permitirá a recuperação rápida de mais de 3700 salas de aula, muitas delas em precário estado para o funcionamento satisfatório.
Para impedir que o esforço de realizações do vasto património de construções escolares venha a ser comprometido pelo desgaste prematuro das instalações, a conservação é tida em conta. Na base XVIII do projecto da proposta de lei em debate está prevista a comparticipação, por parte do Estado, de apenas 40 por cento do custo dos trabalhos de conservação periódica. Não se vê base harmónica de critério para que as câmaras municipais suportem encargos com a conservação dos edifícios escolares em percentagem superior à estabelecida para a construção dos mesmos. Por isso e para aliviar as sacrificadas câmaras municipais, nós defendemos: que também na conservação periódica de escolas primárias a comparticipação do Estado suba para 50 por cento do custo dos trabalhos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: a presente proposta dá um primeiro passo importante no ataque ao problema do alojamento dos professores primários nos meios rurais.
A presença total e efectiva do professor primário nas aldeias desprovidas de guias e elites pode e deve ser do maior interesse e será altamente reprodutiva em valores morais e humanos. Ela permite a extensão da acção escolar ao meio social e familiar pela acção educativa do professor junto das famílias. A sua presença tem grande importância na formação da juventude e no enquadramento mental da população da aldeia.
Por tudo o que fica dito, a proposta de lei em apreciação, ao criar as condições para que se execute um programa de 1000 fogos para residência dos professores, é digna do nosso maior louvor.
Estes obreiros da instrução pública, os que actuam mais próximo das raízes populares da Nação e que vá-
Página 313
19 DE JANEIRO DE 1961 313
lorosamente colaboram mima das mais belas obras levadas a efeito entre nós nas últimas décadas - a generalização da educação de base a todos os portugueses-, esses valorosos obreiros, bem merecem que lhes facilitem a sua missão.
Esperamos e desejamos, por isso, que, uma 2.ª fase não distante, o problema do alojamento dos professores primários nos meios rurais seja retomado e resolvido na medida em que tal venha a considerar-se necessário e que daí resulte a ampliação desta medida para benefício de muitos professores e do ensino.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: a educação é das empresas mais dispendiosas, mais complexas e mais difíceis das sociedades modernas; ela tem fins sociais, económicos e, principalmente, axiológicos. Mas é tarefa indispensável e inadiável, porque na base de toda a valorização, tanto regional como nacional, está o Homem, e nada há na vida que supra as faltas de qualificação humana. Valorizando os portugueses, aproveitamos a nossa maior riqueza.
A execução deste plano de construções para o ensino primário será um dos investimentos mais reprodutivos que vamos realizar; é semente lançada que será devolvida à Nação numa mocidade mais apta e melhor instruída para a resolução dos grandes problemas que nos espera o dia de amanhã.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Convoco para amanhã, depois da sessão plenária, a Comissão de Educação Nacional.
O debate continuará na sessão de amanhã e constituirá a sua ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calapez Gomes Garcia.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Coelho.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
José António Ferreira Barbosa.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
O REDACTOR, - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA