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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 188
ANO DE 1961 20 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 188, EM 19 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Santos da Cunha analisou a nota do Sr. Ministro da Economia acerca do aumento das tarifas da energia eléctrica no Porto.
O Sr. Deputado Jorge Ferreira agradeceu ao Governo vário» melhoramentos que estão a ser feitos em Pombal.
O Sr. Deputado Cancela de Abreu enviou para a Mesa um requerimento.
O Sr. Deputado Augusto Simões agradeceu ao Governo a criação de uma brigada técnica agrícola em Coimbra c ocupou-se da ruína nos campos do Mondego.
O Sr. Deputado Belchior da Costa examinou o problema da indústria dos lacticínios.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre a- proposta de lei relativa ao plano de construções para o ensino primário. Falou o Sr. Deputado Melo Machado. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam, os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Pinto.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
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Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Pais de Azevedo.
Jorge Pereira Jardim.
José Dinis de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 83 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Da Corporação da Lavoura a apoiar a intervenção do Sr Deputado Camilo de Mendonça acerca da indústria de lacticínios
Do Grémio da Lavoura de L ousada no mesmo sentido.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Santos da Cunha.
O Sr. Santos da Cunha: - Sr. Presidente: nos primeiros meses do ano de 1958 tive a honra de requerer que, pelos Ministérios da Economia e do Interior, me fossem fornecidos determinados .elementos que me habilitassem a fazer uma intervenção nesta Assembleia sobre a. aplicação da sobretaxa de apoio térmico a acrescer às tarifas de energia eléctrica do Porto, problema que teve então, extensos e profundos reflexos na opinião pública, daquela cidade.
A morosidade com que esses elementos me foram fornecidos e - justo é reconhecê-lo - a solução razoável que o Estado, como árbitro e garante do bem comum, pôde dar ao caso, fizeram com que tal intervenção perdesse oportunidade.
O problema das tarifas de venda de energia eléctrica no Porto deixou, naturalmente, de estar na linha das minhas imediatas preocupações
Eis senão quando, em Dezembro findo, foi a cidade sacudida pela notícia de que aquelas tarifas poderiam vir a ser aumentadas a partir de Janeiro corrente.
Ninguém ignora que os preços dos serviços públicos, as taxas correspondentes às utilidades que prestam ao consumidor, são terreno ao mesmo tempo complexo e melindroso.
Nesta, matéria intervêm diferentes coordenadas, e os agravamentos de taxas ou tarifas, pela sua repercussão, generalizada em vastos sectores da população, provoca sempre reacções intensas, a que os responsáveis pela Administração não podem deixar de estar atentos.
Em boa verdade, o Governo tem-se mostrado, até há bem pouco tempo, integrado neste pensamento, e agiu sempre na justa preocupação da defesa do público consumidor.
Nem este poderia encontrar amparo noutro lado.
Ora, esta avisada e justificada prudência teria, sido abandonada por um despacho de S. Ex.ª o Ministro da Economia de Maio de 1960, nos termos do qual, e por alteração de cláusulas, contratuais em pleno vigor, se impunha um agravamento de tarifas de venda de energia eléctrica pelos serviços municipalizados do Porto.
O estranho processo usado para se alcançar aquele agravamento e as suas consequências pela vida social, económica e política da cidade foram, desde logo, objecto de múltiplas e fundadas reacções.
A Câmara Municipal impugnou contenciosamente o despacho, a sua vereação ocupou-se, largamente, em sessão pública, e a imprensa do Porto, e mesmo a de Lisboa, abordou o assunto com clarividência e justeza.
Como Deputado pelo círculo do Porto, e em vazão das minhas obrigações de intérprete dos anseios da sua população e defensor dos seus interesses, prestei ao caso a atenção devida.
Coligi elementos, colhi opiniões, estive atento à expressão viva da opinião da cidade.
E dispunha-me a sobre o assunto dizer nesta Casa algumas palavras, na posição humilde de quem desejava contribuir, colaborando, para o esclarecimento da questão.
Entretanto, o meu ilustre colega de círculo, o Sr. Dr. Simeão Pinto de Mesquita, ao intervir na discussão da Lei de Meios, abordara o problema em termos de perfeita correcção e acerto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por outro lado, a imprensa continuou a dispensar ao caso largos comentários.
Talvez nada mais houvesse a acrescentar, a não ser dar uma palavra de apoio à linha geral do pensamento
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que a todos dominava: evitar um agravamento tarifário para o qual se não via, nas condições actuais, justificação suficiente.
O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!
O Orador: - Estava nesta posição de espírito quando chegaram até mim rumores de que o Ministério da Economia poderia vir a público com uma nota esclarecedora. Era de meu dever aguardar. E aguardei.
Simplesmente, Sr. Presidente, se a apreciação que já tivera feito do problema me deixara perplexo e inquieto quanto à concepção doutrinária em que podia alicerçar-se o procedimento do Ministério da Economia, e quanto aos métodos da sua actuação, a nota enviada a esta Assembleia, e lida na sessão de terça-feira passada, aumentou o meu desapontamento e a todos deve ter causado verdadeiro espanto.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com efeito, o que antes era simples receio é hoje uma segura realidade: no tocante a serviços públicos e a concessões, o Ministério da Economia movimenta-se num plano em que o interesse do público, o interesse do consumidor, deixou de merecer o respeito que lhe é devido, sacrificado a concessões técnicas que mais parecem cuidar dos interesses das empresas concessionárias.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nesta dura emergência da vida nacional, valha-nos a feliz circunstância de o Ministério da Economia não interferir no tarifário de outros e importantes serviços públicos, o que nos põe a coberto, de novos focos de inquietação social e impossibilita aquele departamento de nos preparar, fria e tecnicamente, uma autêntica revolução...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A intervenção estatal no problema tarifário da venda de energia- eléctrica no Porto nada tem, no ponto de vista do verdadeiro interesse público, que o justifique, e poderíamos ser tentados a dizer que nenhum Ministro a faria, nos termos em que foi feita, se o Ministro não fosse excessivamente apaixonado pelos problemas técnicos da electrificação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ninguém , veja nestas palavras um sentido ofensivo, que elas não têm - o Sr. Engenheiro Ferreira Dias merece-me, e a todos, como homem e como técnico, pelo seu carácter e pelo seu saber, o maior respeito-, mas tão-sòmente o reconhecimento de que os Ministros, como agentes do poder político, têm de deixar à porta dais Secretarias de Estado os seus títulos e especializações, as suas paixões, ainda, as mais desinteressadas e mais aliciantes.
O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: disse atrás que o aumento de tarifas de venda de energia eléctrica na cidade do Porto não tem justificação suficiente. E não tem.
As tarifas que se praticam são as que resultam de um contrato em pleno vigor.
E como o mesmo não foi atempadamente denunciado - e poderia sê-lo -, o consumidor de energia eléctrica do Porto tinha assegurada, salvo caso de força maior, não verificado, a estabilidade dos seus encargos até 31 de Dezembro de 1965.
O gravame que agora se lhe quer impor não resultou de quaisquer negociações bilaterais, foi provocado e criado por iniciativa e sob a responsabilidade do Ministério da Economia.
Esta singular intervenção pode desdobrar-se em dois aspectos essenciais: saber se o Sr. Ministro podia intervir nos termos em que o fez; saber se, podendo intervir, o devia fazer.
O primeiro aspecto está pendente de apreciação de um alto tribunal.
Sobre ele se não dirá - mas só por isso - uma única palavra.
Através da sua nota, o Sr. Ministro pretende demonstrar que era seu dever proceder como procedeu. Mas não tem razão.
Vamos, deliberadamente, deixar de lado algumas facetas mais gerais da electrificação do País, desde a multiplicidade das empresas produtoras, de energia hídrica e seus métodos de administração até à própria existência da Companhia Nacional de Electricidade, pelo menos nos moldes em que está estruturada, etc.
Apreciemos, por hoje, e apenas, o previsto agravamento das tarifas do Porto, nos pontos que mais nos impressionaram.
Diz o Sr. Ministro, em sua nota, que a desactualização das tarifas, do. Porto é que constitui o fundo do problema levantado.
Não é, não senhor.
Actualizadas ou desactualizadas, as tarifas poderiam e deveriam manter-se. contratualmente, até 31 de Dezembro de 1965.
O fundo da questão, quer o Sr. Ministro queira ou não, reside, no modo por que o Ministério da Economia resolveu fazer a- cobertura dos encargos fixos da Ter-moeléctrica e no critério que adoptou, para repartir esses encargos. Mais nada.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ninguém põe em dúvida a necessidade daquela cobertura. Do que se discorda veementemente é da maneira por que a mesma foi imposta, e sobretudo do errado critério que se seguiu para a distribuição dos respectivos ónus.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Neste capítulo, o Ministério da Economia volta a dar provas de estar mal integrado no justo conceito de serviço público.
E fá-lo, por forma bem evidente, quando põe em pé de igualdade os serviços municipalizados do Porto e as empresas distribuidoras que também são clientes da Companhia. Nacional de Electricidade.
É que os serviços municipalizados do Porto são eles próprios um serviço público, que fornece a energia aos seus munícipes em condições similares àqueles em que o Estado a forneceria se não tivesse livremente optado pela concessão de largos sectores do serviço público da electricidade.
E o desacerto da solução adoptada encontra no esquecimento dessa relevante circunstância uma das suas principais causais.
Como serviço público, os serviços municipalizados têm como dever primeiro fornecer nas melhores condições possíveis a energia ao consumidor, não sendo lícito que procurem realizar lucros que excedam uma equilibrada, reserva para. alargamento da sua rede e para reequipamento. Não têm um fim lucrativo em si, aliás legítimo nas empresas particulares.
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Foi esta real diversidade de posições que o Ministério, da Economia, confessadamente não considerou, e por isso se admira - e até censura - que os serviços municipalizados não possam suportar, por falta de reservas adequadas, o encargo que arbitrariamente lhes foi imposta.
O resultado a que chegamos é este: as empresas particulares de fins lucrativos podem manter as suas tarifas; os serviços municipalizados, que são um serviço público, têm de as aumentar.
Ora isso só é possível porque o Ministério, ao elaborar o seu sistema de chamada normalização do apoio térmico, partiu de cima para baixo, quando seria lógico que partisse, singelamente, de baixo para cima.
Quer dizer: o sistema deveria ter sido estruturado no respeito da tarifa contratualmente estabelecida para os serviços municipalizados do Porto - que são, repete-se, um serviço público - e o respectivo encargo escalonado a partir dessa base.
A este processo só poderia pôr-se uma reserva: saber se as restantes entidades distribuidoras, sobretudo a Companhia Nacional de Electricidade, e as próprias produtora; hídricas, estavam ou não em condições financeira:: que lhes permitissem suportar esse encargo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Todos sabemos que sim. Mas, se o não soubéssemos, o prudente silêncio do Ministério sobre este importante aspecto do problema, por muito tratado, tem o irrecusável valor de um testemunho.
Parece, pois, legítimo concluir que, se o interesse público, justamente apreciado, estivesse bem presente quando se encarou o assunto, se poderia, evitar uma solução que só no Porto terá imediata repercussão na economia do consumidor, que não vive em maré de rosas.
Não pode, por isso, aceitar-se a afirmação de que o caminho seguido era o único possível.
Estamos em crer que há outros mais justos e mais convenientes que ainda é tempo de adoptar.
Seria uma prova de maioridade política mostrar compreensão para os diferentes pontos de vista que sobre o problema foram explanados, não gastar, por teimosia, energias a defender o que se mostra pouco conforme com os interesses gerais, procurar remediar sem ideias preconcebidas o que está errado. Era mais simples e mais útil.
O Sr. Soares da Fonseca: - Sem embargo da minha considerarão pelo Porto e pelos seus legítimos interesses, V. Ex.ª, quando diz «interesse geral», quer dizer interesse do Porto!
O Orador: - Interesse do País, de que o Porto é um elemento relevante, como V. Ex.ª vai ver.
Merece ainda, reparo outra bizarra afirmação da nota a que estamos a fazer breves comentários.
Nela se diz que o assunto não passa de uma anomalia local, que localmente terá de ser resolvida.
É, pelo menos, estranhável que o Ministério da Economia procure minimizar o problema com o qualificativo de local.
Pode-se ser tentado a supor que se trata do fornecer energia a qualquer aldeia, sertaneja...
Ora, o problema respeita a um importante centro populacional, que no consumo doméstico de energia atingiu em 1959 a cifra de 182 milhões de kilowatts-hora, quando esta adorável capital do Império se quedou pelos 80 milhões.
O Sr. Soares da Fonseca: - Isso nada demonstra contra Lisboa. Significa, apenas que a tarifa é aqui mais alta.
O Orador: - Mas vamos aceitar, com bom espírito de compreensão, o carácter local que o Sr. Ministro pretende dar ao problema.
Faremos, no entanto, com toda a seriedade - até para que a resposta seja séria também -, a seguinte pergunta:
Quem criou ao Porto o problema local que hoje o aflige?
Foi a sua Câmara Municipal? Foram os seus serviços municipalizados?
Não. Foi pura e simplesmente o Sr. Ministro da Economia, com o seu falado despacho.
Pois bem. O problema será localmente resolvido. Para tanto basta o seguinte: que o Sr. Ministro revogue o seu despacho de Maio de 1960 e deixe de intrometer-se nas relações contratuais entre a Câmara e os seus fornecedores. A questão estará morta.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E então o Porto cumprirá honradamente o contrato que vigora até 31 de Dezembro de 1965 ...
O Sr. Soares da Fonseca: - O resto do País continuará a pagar independentemente da privilegiada situação do Porto.
O Orador: - ... e a seu tempo se farão as negociações convenientes, que Deus há-de permitir se realizem em clima oficial mais propício para o consumidor.
Sr. Presidente: não queria terminar sem mais duas breves notas.
É frequente ler nos escritos do Ministério da Economia a acusação de demagogia a todos quantos, de algum modo, procuram defender o público das gravosas consequências de planeamentos técnicos de que se fia a sua salvação...
Também já a demagogia apareceu em comunicado do Ministério referente ao problema, de que nos ocupámos.
Ora, Sr. Presidente, indesculpável demagogia nos parece ser aquela em que o Sr. Ministro da Economia se empenha quando pretende, no desesperado esforço de salvar unia solução infeliz, criar no País um clima de incompreensão para os problemas peculiares do abastecimento de energia eléctrica à cidade do Porto, que são muitos e de variada índole, envenenando o ambiente com o feio sentimento da inveja.
Não qualifico o procedimento. Anoto apenas a sua espantosa insensibilidade política. E adiante.
O último apontamento respeita à irónica minimização que baldadamente se intenta fazer da afirmação produzida há anos pelo então Ministro da Economia de que as tarifas do Porto constituíam um paradigma a seguir.
Não cuidamos de saber se se trata de um voto ou de uma promessa.
Era com certeza uma norma orientadora para a política de electrificação do País.
Pelos vistos, foi abandonada.
Não nos congratulamos com o facto, até porque se sente por toda a parte o cansaço das soluções técnicas matematicamente calculadas, e sabe bem servir as grandes aspirações do interesse colectivo.
É que, Sr. Presidente, u vida só vale a pena ser vivida com um grande e generoso ideal.
O que às vezes falta é espírito para o realizar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Jorge Ferreira: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: das vezes que tenho tido a honra de falar deste lugar tem sido sempre para focar esta ou aquela necessidade, referir este ou aquele caso, mencionar esta ou aquela situação, que careciam ou carecem ainda, em meu entender, já se vê, de ser atendidos e resolvidos por parte do Governo na medida em que pode e deve proporcionar e activar a efectivação desses benefícios.
Hoje, porém, é diferente e é com enorme satisfação que eu, em nome do povo da minha terra, uso da palavra para. daqui testemunhar ao Governo, e nomeadamente aos Srs. Ministros mais directamente ligados ao caso, todo o nosso reconhecimento, toda a nossa, gratidão, pelas obras que há pouco tempo ainda ali tiveram início.
Os Pombalenses rejubilam, sentem-se agora extraordinariamente felizes e até quase não querem acreditar no que vêem e no que sentem.
Começaram ali as obras da sua escola industrial e comercial e também as do seu novo hospital e foi ainda atribuído avultado subsídio para a construção do Palácio da Justiça.
Já se vêem ali largos tapumes, que cercam aquelas obras, e se ouvem os trepidantes ruídos da grossa maquinaria que lá dentro se movimenta.
Pombal estava quase descrente de algum dia conseguir ver realizadas as suas mais caras aspirações, pois, sendo um dos concelhos maiores do País, dava a impressão de ser terra abastardada, riscada do mapa, onde as maravilhosas realizações espalhadas por esse Portugal fora pelo Estado Novo ainda não tinham chegado. Estranhas e acabrunhantes ressonâncias do progresso doutras terras tornavam pesado o ambiente da minha terra e triste e quase resignado o seu bom povo.
Hoje, felizmente, tudo mudou, e a f é e a esperança renasceram no coração dos meus conterrâneos. Muito se espera ainda, mas gigantesco passo foi dado já.
Para o Governo, pois, para os Srs. Ministros das Obras Públicas, da Educação Nacional, da Saúde e Assistência e da Justiça, aqui fica, pela minha fraca voz, o profundo reconhecimento de todos os pombalenses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Para me ocupar da situação das pensionistas do Montepio dos Servidores do Estado, requeiro, ao abrigo do artigo 96.º da Constituição, que, pelo Ministério das Finanças, me sejam fornecidas urgentemente as seguintes informações, com referência a 31 de Dezembro de 1960:
1.º Número total de contribuintes, do Montepio dos Servidores do Estado;
2.º Quota mensal mínima e máxima paga individualmente pelos contribuintes;
3.º Montante total das quotas pagas por todos os contribuintes durante o ano;
4.º Número total de pensionistas existentes naquela data;
5.º Pensão mensal mínima e máxima, com os respectivos suplementos, recebida individualmente pelas pensionistas;
6.º Montante total das pensões e respectivos suplementos pagos durante o referido ano;
7.º Montante total do subsídio do Estado ao referido Montepio durante aquele ano e qual a parte deste subsídio que foi aplicada a completar as pensões e respectivos suplementos referentes àquele ano.»
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: a justa aspiração do distrito de Coimbra de ver estabelecida na sua capital a sede de uma brigada técnica agrícola, para cumprimento da disposição legal que, tendo-a ali criado em 1936, quedou sempre implicada por derrogação de despacho ministerial dos fins desse ano, que a mandou fixar na próspera cidade de Aveiro, por motivo de alta futilidade, teve há pouco o seu provimento inicial com a publicação do Decreto-Lei n.º 43 410, de 17 do mês de Dezembro findo.
Estando nessa altura encerrados os trabalhos da sessão legislativa, não me era dado fazer aqui a referência que me impunha a atitude que em defesa de tá o justa aspiração tomei nesta Câmara, em obediência gostosa dos imperativos da representação do meu distrito.
Pretendo hoje, Sr. Presidente, desonerar-me desse grato dever, procurando fazer acrescer às significativas provas de reconhecimento que ao Governo e ao Sr. Secretário de Estado da Agricultura tributaram as forças vivas do distrito de Coimbra o meu próprio reconhecimento.
Ao fazê-lo, não me furto a umas breves considerações no âmbito do articulado do referido decreto-lei criador da nova região agrícola que é a XVIII, onde a brigada agora instituída ficará a desempenhar as suas missões específicas de importante, organismo da estrutura agrária nacional.
Segundo se lê no preâmbulo do referido Decreto-Lei n.º 43 410, a criação da XVIII região agrícola, que tem Coimbra como centro, fundamenta-se na necessidade de revisão de algumas disposições do Decreto-Lei n.º 41 473, que, em boa hora, promoveu a intensificação da assistência técnica à lavoura, com vista a uma maior eficiência, e mais elevado rendimento dos serviços.
O elevado desígnio do Governo e do Sr. Secretário de Estado da Agricultura de se amparar a lavoura com a maior eficiência corresponde a uma das mais fortes necessidades da vida nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - De todos os lados surgem os angustiosos lamentos que se justificam em estados de carência mais ou menos aterradores, porque a vida agrária, continuando a repartir-se entre a alvoroçada esperança das sementeiras e das culturas e a dolorosa incerteza das colheitas - tão avantajada pela forte adversidade dos últimos anos -, se vem traduzindo em amarguras cada vez maiores e em mais decepcionantes desilusões...
Urge, por isso, encontrar uma cortina de protecção para os muitos males que estão a flagelar a sacrificada lavoura portuguesa, tornando-a em indesejável ocupação, que conduz a um irremediável empobrecimento...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A sanidade vegetal, em qualquer dos seus variados aspectos, por sujeita às vicissitudes em que é tão fértil a vida dos nossos dias, não se compadece com sistemas de antanho, hoje tremendamente obsoletos, mas que são ainda praticados como cerimónias de um ritual imutável, em largas manchas da terra portuguesa.
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Torna-se, por isso, necessária uma campanha prática, fortemente instrutiva e realista, em que se demonstrem as grandes males da rotina e se desvendem os novos horizontes que se abrem para uma lavoura racional, que pode e deve ser tão rendosa como é a grande generalidade das indústrias.
Ponto é que, reconhecendo-se e equacionando-se os grandes problemas da defeituosa estrutura, se lhes confiram com presteza as apropriadas soluções.
O Sr. Secretário de Estado da Agricultura, numa das suas últimas conferências de imprensa, mostrou ao País un vasto plano de revigoramento e melhoramento desse estrutura, de que se devem esperar os mais rasgados benefícios, se puder ser cumprido e melhorado na justa medida em que as nossas necessidades. o impõem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Reconhecendo que na primeira linha dos grandes problemas da nossa lavoura se perfilam-os concernentes à assistência, assim técnica como financeira, propõe-se o Governo, por intermédio da Junta de Colonização Interna - que tanto já se enobreceu com a sua vasta obra de rasgado cunho nacional -, vulgarizar essa assistência, tornando-a fácil e proveitosa, acessível e eficiente.
Muito de louvar são tais intuitos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O investimento dos recursos da Nação nas múltiplas solicitações de que essa assistência é ambiciosa representará unia colocação de capital de alto índice de rentabilidade social e material, porque melhorando substancialmente o panorama da vida local criam-se poderosas fontes de riqueza, e com elas uma elevação do nível de vida das grandes massas rurais, hoje seriamente agitadas por um pavoroso e forte desejo de evasão.
As soluções dos grandes problemas criados pela concentração demográfica lios centros urbanos, onde a vida, pela miragem do aliciamento de poderosos cambiantes, se está a tornar cada vez mais difícil, encontrarão no desenvolvimento apropriado e generoso de um amplo plano de assistência à, lavoura, por intermédio de todos os serviços do Estado, dos organismos locais e dos particulares que a possam e devam prestar, uma ajuda relevantíssima.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: o distrito de Coimbra, cuja lavoura é predominantemente minimifundiária, muito careca da substancial assistência que o Estado se propõe conceder.
Haveria marcada vantagem de em todos ou em quase todos os concelhos deste distrito se criarem explorações que fossem modelares exemplos de aplicação das novas técnicas e em que os proprietários e agricultores locais pudessem aprender a tratar racionalmente a terra, para que o seu índice de produtividade alimentasse até os deixar abertos das contingências dos grandes acasos...
Os concelhos do litoral debatem-se, como tantas vezes aqui se tem asseverado, com os grandes e angustiosos problemas na perda dos campos do Mondego, de tão severas consequências.
Através de impressionantes e conscienciosas exposições dos lavradores locais, nomeadamente dos dos concelhos de Coimbra, Montemor-o-Velho e Figueira da Foz, dos criteriosos relatos da imprensa - entre os quais um notável editorial do jornal O Século, há dias publicado, em que este problema, como um dos grandes problemas nacionais que efectivamente é, foi magistralmente tratado -, dos depoimentos desassombrados do Sr. Deputado Santos Bessa aqui feitos, bem conhece o Governo o panorama de forte desolação que reina entre as gentes cujos, campos as águas e as areias furtaram há muito às possibilidades da cultura remuneradora para que se mostravam tão aptos. Alagadas ou cobertas de areia na maior parte do ano não podem essas terras, que foram notáveis pelo grande poder do seu húmus, ser trabalhadas, a tempo e a horas pelos seus proprietários ou rendeiros.
As economias desequilibraram-se e, com esse desequilíbrio, têm surgido pavorosas dificuldades morais e materiais de toda a ordem.
Nesta região se impõe uma rápida e operante política de assistência.
Enquanto o desordenamento dos elementos não puder ser dominado, por forma que sejam respeitados os trabalhos e os investimentos dos lavradores locais, torna-se necessária, além do mais, uma ampla assistência financeira, com empréstimos de juro muito reduzido e a, largo prazo, que furtem as economias, empobrecidas por prejuízos que já ouvi avaliar em mais de 70 000 contos às exigências dos financiamentos dos usurários.
As grandes calamidades exigem as grandes medidas de auxílio...
Avizinha-se um novo ciclo de culturas. Os lavradores que vivem da terra, ou que se só da terra, estão empobrecidos, porque nada, ou quase nada, puderam arrecadar das sementeiras em que depositaram tanta esperança.
Há que propiciar-lhes os meios indispensáveis para que possam continuar a luta pela vida cultivando a terra.
A Secretaria de Estado da Agricultura tem serviços de alta eficiência, que poderão resolver as imperiosas necessidades mais à vista, enquanto os outros departamentos do Estado, como, por exemplo, o Ministério das Obras Públicas, procuram a solução das necessidades de estrutura fundamental.
Confio, Sr. Presidente, na boa vontade e espírito construtivo do Governo e, nomeadamente, na esclarecida compreensão dos titulares dos referidos departamentos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pelo que concerne à criação da nova região agrícola que a cidade de Coimbra vai receber, espera-se no distrito que, em cumprimento do clausulado no referido decreto instituidor, o Sr. Secretário de Estado da Agricultura se digne definir com a urgência possível os limites dessa nova região, para que, definida como melhor pareça, a sua orgânica específica com uma estação agrária que é fácil instalar na vastidão da quinta que serve a actual Escola de Regentes Agrícolas da Bencanta, aumente largamente a eficiência e o rendimento dos serviços de assistência técnica à lavoura, distrital, nobre e confessada aspiração da política, daquele importante departamento do Estado.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Belchior da Costa: - Sr. Presidente: deixou profunda impressão nesta Câmara a importante e oportuna intervenção com que o ilustre Deputado Sr. Eng.º
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Camilo de Mendonça ontem fez aqui a crítica da doutrina e das conclusões insertas na recente portaria emanada do Ministério da Economia sobre os problemas da futura reorganização da indústria de lacticínios no continente e nos Açores.
As palavras claras, as ideias nítidas proferidas e expendidas, como; aliás, é de seu estilo, pelo Sr. Eng.º Camilo de Mendonça, por certo vão encontrar no Pais, e nomeadamente nas zonas mais interessadas na resolução dos problemas do leite, justificado eco e assinalada projecção; e o relevo que a imprensa diária deu às considerações daquele ilustre Deputado são seguramente a prova desse interesse e dessa projecção.
E isso se justifica plenamente.
Com efeito, as reacções que a publicação do Decreto n.º 43 418, de 21 de Dezembro do ano findo, que reorganiza a indústria de lacticínios da ilha da Madeira, provocou naquela ilha por parte da lavoura; e, por outro lado, o estado de verdadeiro alarme em que a lavoura do continente e dos Açores foi colocada perante a ameaça que, para o seu destino, porventura decorre das directivas ou das sugestões expressas, mais ou menos explicitamente, na mencionada Portaria n.º 18 186, está a provocar, principalmente nas regiões mais interessadas do Noroeste português, reacções e protestos a que esta Câmara, até por via da sua constituição, não pode ser insensível nem alheia.
Essas reacções e esses protestos tiveram aqui ontem a sua repercussão através das palavras claras do Sr. Eng.º Camilo de Mendonça, e por forma tão expressiva, e com tal domínio da matéria que bem podemos dizer que a lavoura portuguesa, as suas reclamações e as suas queixas não podiam ter tido aqui mais sincero e qualificado intérprete.
Os apoiados com que a Câmara sublinhou as judiciosas considerações do Sr. Eng.º Camilo de Mendonça são a prova e a nota da atenção e da unanimidade de vistas que essas mesmas considerações provocaram e mereceram; e a análise por S. Ex.ª feita aos problemas que a dita portaria veio suscitar é tão completa que bem dispensa quaisquer comentários com que se pretenda assinalar-lhe o seu relevo ou vincar-lhe as suas linhas de incidência.
Nesta ordem de ideias, tentá-lo seria tarefa de todo o modo supérflua ou até intento frustrado.
Mas não será de todo ocioso ou despropositado trazer ao debate um depoimento mais, de quem, por vir da lavoura e com ela viver e conviver a todo o momento - nu sua vida atribulada, nos seus sacrifícios permanentes, nas suas angústias, mas também, por vezes, embora raras, na luz dos seus anseios e nos suas esperanças-, pode, se não mais, dar a prova de um testemunho vivo e, mais qualificadamente ainda, de um testemunho vivido.
Com efeito, Sr. Presidente, no exercício, desde há mais de uma dúzia de anos, de funções directivas num grémio da lavoura situado precisamente muna zona do Noroeste português onde a produção leiteira é uma das pequenas grandes riquezas da modesta lavoura da região, tenho assistido, desde longa data, como .espectador necessariamente interessado, se não mesmo como comparticipante directo, à dura batalha que a lavoura da região vem travando desde há longos anos contra inimigos de toda a ordem - os piares dos quais talvez não sejam mesmo os próprios elementos naturais - para se emancipar da intervenção de intermediários que a sufocam e para conquistar esse mínimo de condições de vida que lhe facilitem desfrutar, como as demais actividades, de um lugar ao sol.
Para tanto teve de travar e vencer algumas duras batalhas contra grupos de interesses que a todo o momento tentavam impedir-lhe esse movimento ascencional.
Porém, a grande batalha, a maior conquista, foi, quanto a mim, a lavoura ter conseguido fazer a sua própria organização à base do princípio corporativo que informa e define o estilo do nosso regime político e económico.
E aqui cabe e supõe-se que é devida uma palavra de gratidão a todos quantos se bateram e sobretudo proclamaram, nomeadamente em bases legais, a organização corporativa da agricultura portuguesa.
Contudo, do simples facto da organização é evidente que não decorre logo, como por milagre, a solução de todos os problemas que colidem ou implicam com o sector da agricultura, havendo por isso, muitas vezes, necessidade de contemplar mais directamente o tratamento dos problemas que contendem com determinados produtos.
Assim sucedeu com os problemas do leite e dos lacticínios.
Efectivamente, uma legislação um tanto ou quanto intensa foi contemplando sucessivamente o problema e tentando encontrar as linhas da sua solução em matéria de política de lacticínios, mas, a meu ver, sem que tal legislação tivesse conseguido estabelecer perfeito equilíbrio e rigorosa harmonia entre as três forças em presença - a produção, a transformação (e o comércio) e o consumo.
Quero referir-me, nomeadamente, ao Decreto-Lei n.º 29 749, de 13 de Julho de 1939, que criou a Junta Nacional dos Produtos Pecuários, definiu, em seu relatório, a política, ao tempo dominante em matéria de lacticínios e estabeleceu o princípio da criação de zonas do abastecimento das fábricas ou dos agrupamentos de fábricas - zonas de abastecimento essas que vieram a ser definidas e delimitadas pela Portaria n.º 9733, de 10 de Fevereiro de 1941.
Tal condicionamento provocou uma situação de verdadeira sujeição dos produtores dessas zonas ao comando, se não, muitas vezes, no arbítrio dos industriais de que dependiam, colocando aqueles produtores, já de si dispersos e sem força bastante para poderem reagir, numa posição de angustiosa inferioridade em face da indústria dominante e sem possibilidade prática de qualquer reacção capaz ou eficiente, nomeadamente para o estabelecimento de um preço equitativo do leite para além do mínimo oficialmente estabelecido.
Isto é tão exacto quanto é certo que resultaram infrutíferas, evidentemente por motivo daquelas considerações, todas as tentativas com que o Grémio da Lavoura da minha região procurou remover e modificar, em representação dos produtores, aquela infeliz e triste situação de inferioridade a que me refiro.
A delimitação das zonas e a sua sujeição a determinadas fábricas ou grupos de fábricas das Respectivas áreas, constituindo verdadeiros monopólios de abastecimento, nunca, pois, foi bem aceite pela lavoura; mas se não fora a desorientação da própria indústria, que em determinado momento, numa concorrência desordenada entre industriais, pôs em xeque o princípio das zonas de abastecimento, invadindo uns as áreas ou as zonas a outros pertencentes, tal regime de inferioridade e sujeição ter-se-ia mantido por muito tempo e não se sabe se ainda hoje perduraria.
Claro que aquele regime de monopólio derivado da criação das zonas tinha de merecer da parte da lavoura interessada justificada, reacção;...
O Sr. Camilo de Mendonça: - Muito bem!
O Orador: - ... e daí as queixas e sucessivas representações com que essa mesma lavoura sucessiva-
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mente tentava chamar a atenção do poder constituído para essa situação de coisas e o procurava interessar na solução justa, cabal ,e definitiva da (problema.
Mas se isto é verdade, não será menos, verdade que a própria Indústria, mercê daquela invasão desordenada de uns pelos outros industriais nas respectivas zonas de abastecimento, desejava e, pode dizer-se, tinha imperiosa necessidade de que se revisse esse estado de coisas e se pusesse termo a tão degradante e até para ela desprestigiante situação.
O Sr. Camilo de Mendonça: - Muito bem!
O Orador: - E, assim, pode supor-se que está na base desse duplo e mútuo descontentamento a publicação de novas medidas relativas à produção, à indústria, e ao «comércio do leite, concretizadas e definidas no Decreto-Lei n.º 39 178, de 20 de Abril de 1953, em cujo relatório logo se declara esperar-se obter em bases derivadas da experiência, a discipina da produção, da indústria e do comércio do leite».
No caminho do progressivo afinamento das medidas legislativas com que vinha procurando-se definir e regular a política do leite e dos lacticínios, andaram-se treze anos desde a publicação do Decreto-Lei n.º 29 749; e não há dúvida de que tão apreciável lapso de tempo forneceu dados de larga experiência com que em 1953 se pôde, de novo, contemplar os problemas relativos, sobretudo, à produção e ao comércio do leite, com justo equilíbrio e perfeita aceitação das soluções propostas.
Tal aceitação, se não foi unânime por parte da indústria, foi-o, todavia, por parte de muitos: industriais, sobretudo modestos industriais do Noroeste, que viram nesse diploma uma medida de protecção das suas próprias economias, nomeadamente em face das grandes unidades industriais.
Mas mesmo estas não tinham, nem têm, quaisquer especiais motivos de queixa ou mesmo de receio, porquanto, embora por aquele diploma se cometa aos grémios da lavoura, em representação dos seus associados, poder e a incumbência de proceder a venda colectiva do leite, e das natais, logo no relatório desse diploma se acalmava todo e qualquer reparo que porventura pudesse surgir por parte da indústria quanto à sua publicação ao afirmar-se que «à indústria, ao mesmo tempo que se lhe impõe o justo respeito pelos interesses da produção, garante-se-lhe a matéria-prima adequada à laboração de produtos de boa qualidade»; e no artigo 12.º do referido decreto-lei cometeu-se à Junta Nacional dos Produtos Pecuários a coordenação da distribuição de leite e das natas «de acordo com os interesses da produção, da industria e do consumidor».
Deste modo, o mencionado diploma, do mesmo passo que veio dar satisfação a uma velha aspiração dos produtores no sentido de eles próprios disporem do leite da sua produção e de alguma forma controlarem as suas condições de venda, logo acautelou, ao mesmo tempo, os interesses ou as conveniências da indústria por forma condigna e, ao que se crê, suficientemente satisfatória.
Julgou ter encontrado uma fórmula de equidade, de equilíbrio, de harmonia, capaz de conjugar os diversos interesses em jogo, em ordem ao supremo objectivo da consecussão do bem comum.
Bem certo que, por tal diploma, bem pouco se dava à lavoura - pouco mais do que uma compensação moral, uma espécie de prémio de consolação perante as suas reinvindicações e as suas queixas -, pois, desde que se lhe não outorgava a faculdade de determinar livremente o prece do leite e se lhe impunha a obrigação de agir de modo a que não fossem afectados os interesses da indústria, bem limitados ficavam- os benefícios concedidos por aquele diploma.
A nossa lavoura, porém, é comedida e sofredora, modesta nas suas ambições, fácil de contentar.
E bastou a publicação daquele decreto-lei para trazer às regiões leiteiras do País uma luz de esperança em melhores dias.
Porém, o condicionamento criado pelo referido decreto-lei não foi imposto de chofre.
Cautelosamente se legislou que o decreto só entraria em vigor, nas diferentes regiões do País, mediante despacho do Ministro da Economia.
Ainda aqui se procurou agir e progredir com cautela e prudência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Contudo, as experiências j á tentadas da execução daquele Decreto-Lei n.º 39 178, nomeadamente na região de Lisboa e nas províncias de Entre Douro e Minho, mostram a sua perfeita exequibilidade, podendo até dizer-se que tal execução nas ditas áreas constituiu um verdadeiro êxito, como já há tempos tive ocasião de assinalar.
E a tal ponto se prevê para breve, ou, pelo menos, se previa, a entrada em vigor desse novo condicionamento a outras regiões, e muito especialmente a toda a região da Beira Litoral, que, como se sabe, é onde se situa, particularmente no distrito de Aveiro, a mais densa produção leiteira de Portugal continental.
Pode, por isso, dizer-se que as medidas promulgadas pelo Decreto-Lei n.º 39 178 tinham, e têm, as virtualidades suficientes e necessárias para a sua adaptação a todas as regiões produtoras de leite, e, por isso, é natural admitir que a produção, os produtores, a lavoura leiteira, numa palavra, tivessem suposto ter-se chegado, com a publicação desse diploma, a uma solução cabal e definitiva dos problemas que intentou contemplar.
Ora é precisamente neste momento, em que se supunha, mercê daquele diploma, ter-se encontrado, em bases de nítido espírito corporativo, o necessário equilíbrio e a suficiente harmonia entre as diversas forças em jogo e os possíveis interesses em litígio, que surge a Portaria n.º 18 186, a preconizar que se suste a execução do Decreto-Lei n.º 39 178 e se regresse à orientação, que, afinal, se não mostrou capaz, do Decreto-Lei n.º 29 749, deixando-se, por esse modo, marcada uma tendência e um propósito que não podiam deixar de causar nas regiões interessadas, cujas populações de algum modo represento, motivos de justificada preocupação e alarme.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Falha-me, Sr. Presidente, competência para fazer a crítica dos termos em que deve ser feita a reorganização industrial da indústria dos lacticínios, mas penso que me assiste alguma qualidade, quanto mais não fosse por vir do fundo da província para dar aqui testemunho das apreensões, dos receios, das dúvidas ou mesmo da insegurança que neste momento assalta toda a lavoura produtora de leite do País, e nomeadamente toda a lavoura do Noroeste, sem dúvida a mais interessada, porque a mais directamente atingida pela doutrina e propósitos que se expressam na Portaria n.º 18 186.
E, fazendo-me eco e porta-voz desses receios e dessas justificadas apreensões, apelo, também por minha parte, para o Governo, e muito especialmente para o seu insigne Chefe, no sentido de que se evite a precipitação de soluções que, se, porventura, dão satisfação a uma
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das partes, causam a outra, precisamente a mais carecida, que é a lavoura, profundo desapontamento ou até verdadeira descrença nas soluções estaduais para os seus problemas - mal que é preciso evitar a todo o pano, a bem dos altos interesses da Nação e até da paz interna.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao plano de construções para o ensino primário.
Tem a palavra o Sr. Deputado Melo Machado.
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente: a impressão que me deixaram! as dirás, propostas de lei que estilo na Mesa para discussão - a construção das escolas e a viação rural - foi de que se trata, sem dúvida nenhuma, de um grande benefício feito às câmaras municipais do País.
Não há dúvida nenhuma que elas representam uma extraordinária melhoria no pensamento e na maneira de tratar com as câmaras municipais, tendo em atenção a magreza esquelética das suas finanças.
Pretender resolvei assuntos tão importantes como estes e outros assentando a. sua solução sobre as camarás municipais afigura-se-me que é a mesma coisa que construir sobre areias movediças. E conhecida, por de mais conhecida, a fraqueza financeira das câmaras municipais, e assentar-se, por consequência, sobre elas a solução dos problemas é caminhar decerto para um insucesso.
Reparem VV. Exas: já tivemos um plano, chamado dos Centenários, que ficou praticamente a meio, e estou inteiramente convencido de que a razão por que assim sucedeu foi porque, ao fazerem esse plano, não se deram conta de que assentava sobre uma, base que não tinha consistência. Por isso, ele ficou apenas a meio caminho.
Nós temos tido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, durante estes últimos 30 anos, uma grande lição de administração pública...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Apoiados.
O Orador: - ... e nem por isso deixámos de progredir. Antes pelo contrário, porque viemos da quase bancarrota para uma situação de evidente progresso.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Simplesmente, Sr. Presidente, suponho que não será possível a, ninguém aplicar esses sãos princípios de administração que nos têm sido ensinados praticamente a quem administra as câmaras municipais..
Não creio, Sr. Presidente, que algum financeiro, por mais ilustre que seja, consiga realizar este milagre, e, todavia, as pobres câmaras municipais aí vão vivendo uma vida amargurada, justamente por causa da falta dos princípios que nos vão ensinando todos os dias e que não podem ser praticados porque as câmaras não podem dominar as suas despesas.
O Sr. Augusto Simões: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Augusto Simões: - Era apenas para dizer que as câmaras municipais têm de ocorrer, a todas as classes possíveis e imaginárias de despesas, não tendo a resistência financeira, necessária para poder fazer face a essas despesas. Enquanto se não quiser ter isto em couta a situação não melhorará; pelo contrário, cada vez se agravará mais.
O Orador: - A V. Ex.ª responderei daqui a pouco. Curioso, todavia, é verificar que o espírito de compreensão da situação partiu precisamente do Ministério das Obras Públicas, quando nós vimos ainda há poucos anos que o Ministério. do Interior, que neste capítulo das finanças municipais tem obrigação de ter conhecimentos profundos, dispôs, no que respeita aos hospitais civis, por tal forma que são hoje um cancro pior do que eram anteriormente a essa situação e continuam a manter as câmaras municipais numa situação verdadeiramente dolorosa, se não caótica.
Podemos dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não pertence, evidentemente, às câmaras municipais resolver o problema da saúde pública, nem sequer o da instrução primária. Mas, Srs. Deputados, tenho nisso uma opinião em geral diferente da das outras pessoas.
O município é uma instituição particularmente querida, pelo nosso povo ...
O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!
O Orador: - ... porque, por via dele, pode intervir na administração do pequeno mundo que e o seu concelho.
O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!
O Orador: - Não devemos, por consequência, esvaziá-lo de conteúdo.
O Sr. Augusto Simões: - O que é necessário é que o município tenha meios para fazer tudo aquilo que realmente deve fazer.
O Orador: - Não sou directamente interessado na questão, porque já não sou, e certamente já não voltarei a ser, presidente de câmara. Mas comecei a minha vida política sendo presidente da câmara do meu concelho, em 1918, tinha então 30 anos, e com que boa vontade, com que interesse e ambição de fazer alguma coisa! Mas acabei por constatar que me era absolutamente impossível fazer qualquer coisa, mais que não fosse o dia a dia da administração, o mero expediente. Não se conseguia fazer absolutamente nada, porque não havia recursos e até porque, não sendo da política do Governo, não era fácil fazer ouvir a minha voz junto das instâncias superiores.
Por isso posso constatar - e aqui respondo ao Sr. Dr. Augusto Simões - a espantosa diferença que encontrei ao voltar depois de 1926, sobretudo depois que o meu saudoso amigo Dr. Antunes Guimarães teve a genial ideia. de fazer promulgar a Lei dos Melhoramentos Rurais, que permitiu às câmaras municipais realizar tantos melhoramentos, com sacrifícios e dificuldades, é certo, mas com o resultado que todos podemos constatar percorrendo o País, de norte a sul e de esto a oeste, porque não há hoje nenhuma terra que não tenha o seu melhoramento, devido a essa lei.
Quando vejo os actuais presidentes das câmaras demonstrarem ambições de obter ainda mais e melhor,
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o que ó, aias, Legítimo e consolador, lembro-me sempre do tempo em que não tinha quaisquer recursos que me permitissem realizar alguma coisa. Dêmos graças a Deus por tudo aquilo que nos tem sido possível realizar e reparem as que, se com esta lei se impõem efectivar mente encargos às câmaras, eles são limitados de forma tal que não sucede como na questão dos hospitais civis.
Também entendo, Sr. Presidente, que se não devem tutelar as câmaras, municipais e fazê-las perder assim a sua verdadeira expressão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Vem-se tentando isso por variais formas, mas sobretudo através dos secretários das câmaras, que, só na sua grande maioria são auxiliares preciosos, alguns há que, por vezes, se armam em ditadores prepotentes, substituindo-se as vereações e intrometendo-se na política local, o que devia ser absolutamente proibido.
Também não concordo com a nomeação de presidentes de câmara que não pertençam ao concelho, porque só quem vivi na terra e lá tem os seus interesses pode sentir as necessidades e ocorrer a elas e ter a dedicação necessária (pie tão indispensável é para procurar com afinco todos os melhoramentos e tudo aquilo que os concelhos desejam, sofrendo por vezes, para não dizer-mos sempre, dificuldades e dissabores.
Por consequência, Sr. Presidente, ir buscar fora pessoas para ocuparem esses lugares não é sistema; deve ser apenas a excepção, muito excepção.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Fora disso, não compreendo que se recorra com excessiva frequência a esta excepção.
Não nos esqueçamos ainda, Sr. Presidente, de que os municípios são uma escola admirável para criar valores que depois possam subir aos lugares superiores da administração pública. Os antigos, apesar de alguns defeitos, Unham muitíssimas qualidades, sabiam fazei-os seus valores, caminhar através desses lugares de administração municipal para os da administração pública, de modo que, quando chegavam às cadeiras do Poder, tinham a experiência suficiente para exercer os seus cargos com facilidade e, sobretudo, conhecimento da técnica administrativa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Suponho, Sr. Presidente, que isto não se deve esquecer.
Eu sei, Sr. Presidente, que hoje os valores vão escasseando e que cada vez mais vão faltando nos concelhos pessoas com qualidades e conhecimentos suficientes para exercerem estes lugares.
O Sr. Júlio Evangelista: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz o obséquio.
O Sr. Júlio Evangelista: - Nos concelhos há essas pessoas, o que são é de fora da terra, enquanto, possivelmente, na terra deles, estão outros de outra terra. O grande mal é aquilo a que uso chamar «nomadismo burocrático».
O Orador: - Talvez V. Ex.ª tenha razão, tem, com certeza.
Lembre-me de ter lido aqui há uns anos um artigo no jornal A Voz em que alguém contava que, tendo voltado bastantes anos depois à sua terra, quase não encontrara ninguém do seu tempo. Os grandes nomes, as grandes casas, tinham desaparecido, mas, apesar disso, insisto no interesse que há em chamar as pessoas da localidade para a administração local, porque para o que houver de mais complicado na burocracia lá está o secretário da câmara.
O que há a tentar é conseguir que as terras sejam administradas pelos seus naturais, pela necessidade que há em fazer com que estes sintam o apoio daqueles que administram.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Parece-me, Sr. Presidente, que estou quase fora da ordem, tratando dos assuntos de que me venho ocupando, mas como estes dois diplomas interessam particularmente aos municípios, penso que estas poucas considerações não deixarão de ter lugar ao discuti-los.
O parecer da Câmara Corporativa aborda, com conhecimento de causa, vários aspectos. De louvar é o que se tem feito ultimamente pela instrução primária. Foi preciso um esforço enorme, um esforço violento, para ver se acertamos o passo e se acabamos com uma taxa de analfabetismo verdadeiramente vergonhosa.
Mas também, por via desta mesma razão, não há dúvida nenhuma que temos vindo a improvisar. E, porque temos vindo a improvisar, vários elementos que se devem conjugar para que a instrução primária renda quanto deve não estão concordes. Umas vezes faltam as escolas, outras os professores e outras ainda sobejam os alunos.
O Sr. Carlos Moreira: - Os alunos sobram sempre.
O Orador: - Tem V. Ex.ª razão. Em todo o caso, sobram agora em muito maior número, o que não deixa de demonstrar o desacerto existente, só por causa de se ter querido acudir, num rasgo de audácia, àquilo que tão mal estava.
O Sr. Carlos Moreira: - Já esteve pior.
O Orador: - Outra preocupação existente é a de terem desertado do professorado primário os homens e terem ficado apenas as senhoras. Há quem mostre, pois, a sua preocupação pelo facto de a educação das crianças estar exclusivamente entregue a senhoras. Mas eu, Sr. Presidente, também a este respeito tenho uma opinião diferente. Pergunto: quem nos ensinou as primeiras letras, quem moldou o nosso coração e o nosso carácter? Não foram as nossas mães? As mulheres têm no seu coração uma tal reserva de ternura, dedicação e espírito de sacrifício, que tenho a certeza de que as crianças não ficam mal entregues nas suas mãos.
O Sr. Rodrigues Prata: - Permita-me V. Ex.ª um esclarecimento. No ano passado verificou-se um maior número de concorrentes masculinos ao magistério primário. O número de professores aumentou cerca de 73 por cento em relação ao ano anterior.
O Orador: - Agradeço o esclarecimento de V. Ex.ª, porquanto estou, como é compreensível, um bocadinho fora do conhecimento dessa matéria.
O Sr. Rodrigues Prata: - Está efectivamente a verificar-se um volte-face, tendo o número de concorrentes tendência para aumentar de ano para ano.
O Orador: - Em todo o caso, e ainda em consequência do desaparecimento dos professores do sexo masculino, faltam mesmo em grandíssimo número as pró-
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fessoras diplomadas, daí advindo o recurso às regentes. Ora, presto a minha homenagem a essa classe, certamente modesta, mas que emprega toda a sua boa vontade para dar cumprimento aos deveres dos cargos que lhe são confiados. Todavia, se, como diz o parecer, da Câmara Corporativa, o professorado de instrução primária tem de ensinar e educar, querendo-se ainda que exerça a melindrosa função de orientador do meio em que vive, pergunto se com esses elementos podemos atingir o fim desejado.
O Sr. Carlos Moreira: - Na asserção, que tem toda a razão de ser, há uma verdade tão velha como a própria, educação. Sempre se entender que os professores são acima de tudo educadores.
O Orador: - Mas faço nova pergunta: mesmo aos professores diplomados será possível dar instrução e educação se tiverem turmas de 50 alunos, funcionando por vezes umas de manhã e outras à tarde?
O Sr. Carlos Moreira: - Absolutamente impossível.
O Sr. Rodrigues Prata: - Peço licença a V. Ex.ª para mais um esclarecimento. Essa carência de professores levou a uma situação anormal, verdadeiramente anómala, que obrigou a chamar um número avultado de regentes escolares. Todavia, o Ministério da Educação Nacional já legislou no sentido de permitir aos regentes escolares o acesso ao magistério.
O Orador: - Como digo a V. Ex.ª, estou certo de que se andou tão depressa por ser indispensável, mas. em todo o caso, e por via dessa mesma, urgência, improvisando.
Mas tenho outras preocupações no meu espírito sobre um problema tão complexo, tão difícil, de tal magnitude e importância, que pergunto não como se resolverá, mas se se poderá resolver.
Quero referir-me aos atrasados mentais. Quantas vezes nós verificamos que crianças, que parecem normais, estão na escola um ano, dois anos ou três anos e não conseguem aprender nada, porque, evidentemente, o ensino que se lhes dá não é adequado às suas possibilidades !
Quando hoje se actua no sentido de obrigar toda a. gente a fazer exame de instrução primária, sem o qual não poderão seguir qualquer carreira, pergunto: que será o futuro dessas crianças?
O Sr. Rodrigues Prata: Suponho que já se legislou sobre esse assunto.
O Orador: - Todos nós recebemos, outro dia, este volume, que nos foi enviado pelo Sr. Ministro da Educação Nacional e pelo Sr. Subsecretário de Estado da mesma pasta, pessoas a que presto a minha homenagem pelo interesse que mostram e pela dedicação e inteligência com que presidem ao seu Ministério.
Este volume quer tornar extensiva, por mais dois anos, a escolaridade. E eu pergunto: e os professores?
A dúvida não é só minha. Encontro aqui, na p. 221; precisamente o seguinte: «Os valores não se sentem hoje cativados pela função docente de qualquer grau, pois esta vai sendo tida em apreço cada vez mais diminuto, gozando de menor favor e prestígio social com o alastramento nas sociedades do sentido materialista da vida»; e mais adiante: «A extensão das necessidades e a realidade das circunstâncias presentes não devem fazer esperar de entrada para as funções docentes do ciclo apenas pessoal devidamente qualificado, científica e tecnicamente, e muito menos assegurar para essas funções um grupo suficientemente denso de vocações».
Como VV. Ex.ªs vêem, esta preocupação não é só minha.
O Sr. Carlos Moreira: - As vocações não surgem, cultivam-se, e há meios de as cultivar.
O Orador: - Esperemos que sim.
Já hoje aqui ouvi um ilustre professor nosso colega dizer que esta. falta de vocações não é só cá, mas em todo o Mundo.
O Sr. Rodrigues Prata: - Em todo o Mundo a causa é a mesma: falta de remuneração compensadora. A boa remuneração fará as vocações.
O Orador: - Se os professores de instrução primária não forem politicamente sãos, são um perigo.
O Sr. Rodrigues Prata: - O maior perigo.
O Orador: - E lembro-me de Mussolini, que, ao ser-lhe perguntado como resolvia ele este problema dos professores primários, dizia: «São os mesmos e são excelentes!». Ele tinha o pulso forte, sabia o que queria e como transmitir a sua vontade.
Esta proposta que estamos a discutir, uma das coisas que procura facilitar é que os professores tenham a sua casa de habitação no local onde exercem as suas funções.
O Sr. Carlos Moreira: - Isso já não é novidade, pois já existia noutros tempos. Foi nuns tempos recuados, nos Governos de João Franco e de Jaime Moniz.
O Orador: - Sobretudo nas localidades mais pequenas a dificuldade qu>e encontram os professores para se alojarem é trágica.
O Sr. Rodrigues Prata: - Por vezes é uma impossibilidade.
O Orador: - Não se pode exigir que se exerça essa profissão em condições absolutamente inaceitáveis.
O facto de o Sr. Ministro das Obras Públicas se preocupar em facilitar às câmaras municipais a construção de moradias para professores merece um largo elogio, pelo espírito de compreensão que denota esta preocupação. Oxalá que as casas para professores venham a ser feitas nos sítios onde silo mais precisas e não onde, porventura, os professores tenham facilidades em arranjá-las.
O Sr. Rodrigues Prata: - Foi feito um inquérito no sentido de se construírem nos locais onde é quase impossível obter alojamento.
O Orador: - Esta proposta de lei vai também auxiliar as câmaras na reparação de escolas e não se limita às construídas ao abrigo do Plano dos Centenários. Quer também reparar as escolas que existiam anteriormente e tantas vezes são verdadeiros quebra-cabeças para os presidentes das câmaras, por serem muito antigas e velhas, dando lugar a reclamações constantes.
Como agora esta proposta traz auxílio para todos estes casos, aqui estou a saudá-la com este entusiasmo,
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porque reconheço que poucas vezes terá vindo a esta Assembleia uma proposta de tão grande interesse e feita com espírito tão compreensivo para as circunstâncias actuais. Por isso entendo que ela merece o meu aplauso entusiástico e espero que mereça também o de toda a Câmara...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... porque na realidade o Sr. Ministro das Obras Públicas demonstrou sentir e compreender as necessidades e dificuldades dos municípios, sobretudo os rurais. Ele não adquiriu esse conhecimento sentado comodamente na sua cadeira de Ministro, ele adquiriu esses conhecimentos palmilhando constantemente o País e tomando contacto diário com todas essas dificuldades...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... e teve a coragem de lutar para que realmente se pudesse encontrar uma solução que a mim se afigura quase ideal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador : - Tenho dito, e peço desculpa do tempo que tomei a VV. Ex.ªs com estas desataviadas considerações. Mas não esqueçam VV. Ex.ªs que «de ruim moita não pode sair bom coelho»!
Não apoiados.
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continuará na sessão de amanhã e constituirá a sua ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Américo da Gosta Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
Artur Proença Duarte.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Jerónimo Henriques Jorge.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA