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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 190
ANO DE 1961 25 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 190, EM 24 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 188 e J89 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 43 472 e 43 473.
Os Srs. Deputados Proença Duarte e Homem de Melo referiram-se ao assalto de piratas ao paquete Santa Maria.
O Sr. Deputado Nunes Barata enalteceu o valor da nota do Episcopado da metrópole sobre o ultramar.
Ordem do dia. - Continuou a discussão da proposta de lei que insere o plano de construções para o ensino primário. Falaram os Srs. Deputados Rodrigues Prata e Brito e Cunha. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Avelino Teixeira da Mota.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
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Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Finto.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão,
osé Ferrando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Gania Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Manuel da Costa.
José Morteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
osé Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Talares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Dólares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Miaria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 73 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 188 e 189 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, considero-os aprovados.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Vários a apoiar as intervenções dos Srs. Deputados Camilo de Mendonça e Belchior da Costa acerca da indústria de lacticínios.
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Carlos Moreira acerca do seu projecto de lei relativo à integração de algumas freguesias do concelho de Baião no de Mesão Frio.
Do Grémio do Comércio de Viana do Castelo a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Júlio Evangelista em defesa dos interesses daquela cidade.
O Sr. Presidente: - Enviados pela Presidência do Conselho, estão na Mesa, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.º 10 e 12 do Diário do Governo, 1.º série, respectivamente de 12 e 14 de Janeiro, que inserem os seguintes Decretos-Leis: n.º 43 472, que permite que os cargos de oficial da companhia auto transportes da Guarda Nacional Republicana, a que se refere o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 42 832, sejam providos, de preferência, em oficiais do quadro do serviço de material e, quando tal não seja possível, em oficiais de infantaria ou cavalaria ou do quadro do serviço geral do Exército, e 43 473, que dá nova redacção aos artigos 5.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 35 983, que altera as disposições relativas à ausência para o estrangeiro de indivíduos sujeitos a obrigações da Lei do Recrutamento e Serviço Militar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Proença Duarte.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: a imprensa desta manhã deu notícia de um acto de pirataria praticado no alto mar contra um barco da nossa marinha mercante, que, em viagem de rotina e missão pacífica, transportava algumas centenas de passageiros, nacionais e estrangeiros.
Esse acto, repugnante e ofensivo dos mais elementares princípios que orientam a vida dos povos civilizados, foi lamentavelmente comandado por um antigo oficial do nobre exército português, do qual ele foi irradiado pela indignidade da sua conduta moral e profissional.
O acto, que é ofensivo da nossa soberania, alarmou e provocou a mais viva repulsa da consciência nacional e por certo merecerá igual repulsa e reprovação de todos os povos civilizados.
Dele resultou, que já se saiba, a perda da vida de um elemento da tripulação, que nesse barco trabalhava pacífica e honradamente para ganhar a sua vida e prover ao seu sustento e dos seus.
E é precisamente contra um elemento vivo e itinerante da obra da reconstituição e restauração nacional que o País esforçadamente vem realizando que a fúria destruidora do espírito do mal se dirigiu, como se quisesse fazer desaparecer da vista do Mundo ou conspurcar esse testemunho da obra realizada.
Sr. Presidente: neste momento, em que a alma nacional se encontra altamente emocionada e magoada, tenho por certo que interpreto o sentimento de todos os portugueses de boa vontade, seja qual for o seu credo político ou religioso, afirmando aqui a sua repulsa e condenação desse acto de inqualificável indignidade.
Também tenho por certo que todos os que fazem parte desta Câmara se associam comigo a esse sentimento de repulsa e condenação que emerge da alma da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Confiemos, tenhamos como certo, que o Governo Português fará justo louvor aos tripulantes que no alto mar, naquele pedaço de território nacional que era e continuará a- ser o Santa Maria, cumpriram o seu dever, com os olhos postos na Pátria distante, reparará os prejuízos que sofreram e indemnizará condignamente a família de quem no cumprimento desse dever perdeu a vida.
Confiemos também em que o Governo, em tanto quanto esteja ao alcance da sua jurisdição, punirá severamente, com implacável severidade, os autores de um crime monstruoso, que, além de crime comum, é também crime de lesa-Pátria, e tomará as medidas necessá-
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rias para pôr as unidades da marinha mercante nacional ao abrigo de actos desta natureza da pirataria selvagem.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Homem de Melo: - Sr. Presidente: apenas duas palavras, tornadas porventura desnecessárias depois daquelas que a Assembleia acaba de ouvir ao nosso ilustre colega Artur Proença Duarte.
Mas quando hoje, pela manhã, com um sentimento de incredulidade ê depois de emoção, tive conhecimento dos factos a que aquele nosso colega se referiu, logo me decidi a tomar a palavra nesta Assembleia, para que a voz do mais novo Deputado da Câmara se fizesse ouvir. E como há circunstâncias em que o coração não carece de auxílio da inteligência para transbordar de indignação e de patriotismo, desse patriotismo que é apanágio de todos nós, resolvi também nada preparar, resolvi falar como se efectivamente só nesta altura me tivessem chegado as notícias que a imprensa matutina divulgou. É, pois, o coração, e só, que num grito de indignado protesto verbera o acto de pirataria praticado no mar das Caraíbas contra um navio português e se envergonha por saber que o chefe dos ladroes do mar pôde um dia estar sentado nestas cadeiras, fazendo parte da Representação Nacional. Os povos e os dirigentes enganam-se, por vezes, tragicamente.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: a recente nota do Episcopado da metrópole, tornada pública após a reunião em assembleia plenária no Seminário de Cristo-Rei, é um documento notabilíssimo, cuja importância transcendente justifica acentuado realce.
Ao recordarem aos fiéis que lhes estão confiados os evidentes desígnios de Deus sobre a Nação Portuguesa, os bispos da metrópole reafirmaram a sua crença na linha providencial da nossa história, traduzida numa missão secularmente confirmada pela Igreja e que hoje se realiza numa só pátria, espalhada por diversos continentes.
Os católicos de Portugal ficaram mais uma vez cientes de que não pode haver equívocos quanto à legitimidade da presença e da acção portuguesa no Mundo.
Os povos do Mundo, por seu turno, poderão encontrar em mais um testemunho pleno de autoridade a confirmação da justiça que assiste a Portugal.
Desejaria, Sr. Presidente, que as palavras iluminadas dos bispos de Portugal constituíssem, sobretudo, tema de meditação para as gerações novas, aquelas sobre quem recairá a glória e a responsabilidade de uma herança que não se compadece com a medíocre fascinação das transigências fáceis ou a traição da dúvida gerada na anarquia das ideias falazes.
Importa ter presente que não fomos os causadores da corrida colonial do século passado e não nos sentimos responsabilizados, de qualquer modo, pelo anti-colonialismo em que se perturba a nossa época.
Ainda que com as naturais imperfeições de quem não realiza o ideal - imperfeições essas que constituem, afinal, um tributo à autenticidade de toda a obra humana -, temos autoridade para identificar o sentido da nossa secular presença no Mundo com aqueles valores, que os bispos agora reafirmam, específicos da civilização cristã: respeito pela dignidade humana, restauração da lei natural, estabelecimento da autoridade, garantia do direito e da liberdade, promoção da economia e da cultura, supressão da superstição e do medo, confraternização das raças e das culturas, protecção dos fracos.
Nós não impusemos a outros povos uma nacionalidade. Oferecemo-la.
E mesmo perante grupos evoluídos encontramo-nos identificados em valores espirituais, que fomentaram uma íntima aproximação, que coduziram a uma integração pacífica.
Quando os reis de Portugal advertiam, em seus documentos, relativamente aos habitantes do ultramar - «São meus súbditos» -, reafirmavam aquele comando bem expresso na carta de D. Sebastião ao vice-rei da índia, D. Luís de Ataíde: «Fazei muita cristandade; fazei justiça».
Desde sempre as nossas práticas consagraram no ultramar o direito de petição ao rei, e no Oriente instituímos curadores encarregados da defesa oficiosa das comunidades gentílicas.
Assim, aos portadores de inconfessados interesses materiais ou aos ingénuos cultivadores de aspirações generosas mal amadurecidas poderemos responder, relativamente à pretensa libertação do nosso ultramar, com aquelas palavras que condensam um dos mais extraordinários discursos do Sr. Presidente do Conselho: «Vêm tarde: já está».
Não podemos calar perante um mundo que, por comodidade ou interesse, perde facilmente a memória, a justiça das nossas razões, aquela realidade de «caso único», a que, com acerto, se referia o Prof. Adriano Moreira.
Os que não acreditam que leiam a formosa carta de D. Manuel ao samorim de Calecute ou meditem naquela informação do Conselho da índia, do século XVII, por sinal ainda há meses recordada nos areópagos internacionais: «... a Índia e mais terras ultramarinas de cujo governo se trata neste Conselho não são distintas nem separadas deste reino, nem ainda lhe pertencem por modo de união, mas são membros do mesmo reino, como o é o do Algarve e qualquer das províncias do Alentejo e Antre Douro e Minho (...), e assim tão português é o que nasce e vive em Goa ou no Brasil ou em Angola como o que vive e nasce em Lisboa».
De resto, Sr. Presidente, se os Portugueses tivessem sido opressores, como lhes seria possível, com seus minguados recursos demográficos e materiais, manterem-se e penetrarem profundamente em tão vastos mundos?
Como se explicaria a resistência no Oriente, nos anos trágicos da dominação dos Filipes, perante as arremetidas de Ingleses e de Holandeses? E a epopeia do Brasil? E a restauração de Angola, obra dos colonos brasileiros? E o fracasso, em nossos dias, do satyagrahismo com que a União Indiana tentou abalar Goa? E a fidelidade das comunidades goesas, em países estrangeiros, a Portugal? E a paz das províncias de África, no continente pletórico de convulsões e açoitado por miragens desfraldadas por estranhos?
Os Portugueses em toda a parte souberam lançar aquela ponte que une verdadeiramente os homens: a fraternidade cristã.
O reconhecimento dos seus frutos estava bem patente nas palavras com que Gandhi despediu uns tantos que já nesse tempo falavam da emancipação de Goa:
A vossa petição poderia ser justa se as condições políticas e sociais em que vivem os povos dos dois lados fossem semelhantes. Mas os senhores são tão
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portugueses como aqueles que nasceram em Portugal.
Frequentam aí os estabelecimentos superiores de ensino. E lá, tal como na terra onde nasceram, ou nos outros territórios do ultramar português, sois magistrados, médicos, professores, advogados, funcionários superiores, em concorrência com os próprios europeus, que são, tantas vezes, vossos subordinados.
Como poderia eu escutar a vossa proposta, se para conseguir para o meu povo muito menos de que aquilo que vós tendes me bato há tantos anos?
Ide-vos embora. A minha campanha é honesta. A vossa não.
Sr. Presidente: não nos ficará bem invocar a abundância e a paz em que por exemplo vivem actualmente os naturais de Angola para nos apiedarmos hipocritamente da fome e da anarquia em que se debatem povos dos territórios vizinhos. Mas a constatação destas realidades dá maior autoridade à política que convém prosseguir, mesmo relativamente às populações menos evoluídas de Pátria Portuguesa.
Esperam-nos aqui particulares obrigações, que se, por um lado, se traduzem numa fidelidade a princípios que nunca negámos - não espoliação da propriedade indígena, liberdade de acesso à cultura, igualdade no exercício de funções ...-, impõem, por outro, o dever de defesa contra a mentira das seduções marxistas, as ambições de soberanias estranhas ou dos poderosos trusts internacionais que, «funcionando em regime económico de facto extraterritorial (...) e comando anónimo e irresponsável e fora de fronteiras políticas, criariam novas formas de associação do tipo explorado-explorador».
A mobilização que se exige da inteligência e da vontade de todos os portugueses bem poderá ser condição essência à sobrevivência da Nação.
Está muita gente convencida - escrevia há anos em lúcido ensaio o Dr. Alexandre Lobato - de que a expansão portuguesa em África foi obra só do Estado, e isso é uma tremenda ilusão. À medida que se forem descobrindo e estudando novos documentos, apurando séries de novos factos miúdos, aparentemente apagados, há-de verificar-se, cada vez com maior imperativo de conclusão, que a obra dos Portugueses em África é fundamentalmente, estruturalmente, a acção livre do colono anónimo, entregue a si, à sua prudência, à sua sorte, à sua argúcia, ao seu equilibrado senso das realidades. Daí a necessidade de prosseguir com o Negro uma política prática, de oportunidade, de transigência, de elasticidade, capaz de dar aos problemas as soluções convenientes e possíveis. Devido a isto, o Português, portador das mais radicadas energias da Nação, que levava em si e prolongava, integrou-se nos hábitos e ideais do meio, com a virtude de nem por isso perder, como bom cristão que era, a superior visão do seu portuguesismo.
Transposto esto sentido de responsabilidade individual paru o auxílio às missões católicas do ultramar, julgo ser oportuno repetir e louvar aqui as afirmações, do Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina proferidas na, conferência com que no passado domingo, em Coimbra, se encerrou a Semana de Formação Missionária:
Mas é necessário que o católico entenda que a coincidência da doutrina missionária católica com os altos interesses do Estado não transforme o auxílio e sustentação das missões em dever e encargo exclusivamente estaduais (...). Aqui, somado o interesse nacional ao interesse da confissão religiosa católica, mal se entende que a obra missionária não seja considerada da responsabilidade de todos e de cada um. E nunca foram tão necessários esse apoio e solidariedade.
Sr. Presidente: o maior património de qualquer nação é a sua própria história.
Ora a história de Portugal é principalmente a gesta do ultramar português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Que a gloriosa memória do Santo Condestável, de novo evocada pelos bispos e diante da qual a Nação voltará a ajoelhar rendidamente nestes tempos de comemoração, personifique a presença dos cavaleiros de Deus e heróis da Pátria, que exigem a continuidade de Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao plano de construções para o ensino primário.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigues Prata.
O Sr. Rodrigues Prata: - Sr. Presidente: a proposta de lei em debate merece, por fundadas razões, os mais sinceros louvores, e eu quero aproveitar a oportunidade que se me oferece ao intervir no debate para, com a maior justiça, apresentar aos ilustres e dinâmicos titulares das pastas das Obras Públicas e da Educação Nacional os meus melhores cumprimentos pelo muito brilho e alta competência com que têm exercido as suas espinhosas funções.
Na realidade, os Ministros e Subsecretários de Estado das Obras Públicas e da Educação Nacional podem sentir-se orgulhosos da obra já realizada; simplesmente, o País ainda espera muito da prodigalidade com que trabalham, da força e produtividade das suas iniciativas, do desassombro das suas afirmações, da coragem moral com que enfrentam as realidades, da frieza, objectividade e rapidez com que analisam os problemas que se lhes deparam.
Equacionado um problema, observados os erros prováveis, estudados os desvios possíveis, tenta-se encontrar a solução adequada, e nem sequer se hesita em confessar faltas próprias, se as houver, mesmo quando atribuíveis a causas imprevisíveis ou não consideradas em tempo devido.
Sr. Presidente: com o chamado Plano dos Centenários pretendeu-se dar um impulso forte à construção da rede de escolas primárias. Este plano era vasto, sem dúvida, e compreendia a construção de 7180 escolas, com 12 500 salas de aula. É que, já nessa altura, em 1940, se lutava com um déficit de salas de aula em relação ao número de lugares docentes em exercício, como dentro em pouco veremos.
A previsão lógica de um fatal acréscimo demográfico levantou o problema, e o plano, devidamente aprovado em Conselho de Ministros, entrou em execução.
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Para já, o que me parece digno de ponderação é que em 1960, por consequência vinte anos após a aprovação do Plano dos Centenários, se encontram construídos, ou ainda em construção, 3962 edifícios, com 8274 salas de aula, ou seja, respectivamente, 55 e 66 por cento do total previsto. Conhecem-se suficientemente bem as circunstâncias excepcionais, umas previsíveis, outras imprevisíveis, que impediram a nacional execução do Plano, e entre elas tomaram vulto os dificuldades decorrentes do último grande conflito armado de 1939-1945. No entanto, parece-me de realçar este facto para que se tente que o novo plano constante da proposta de lei em discussão possa ser executado dentro de moldes previstos e em prazos determinados.
reio que este será o pensamento das entidades responsáveis, mas o que se estabelece é que o Governo assegurará a execução, no menor prazo possível, do plano de construções para o ensino primário no continente e ilhas adjacentes.
Parece-me oportuna, neste momento, a afirmação de que confio plenamente na eficácia dos serviços do Ministério das Obras Públicas, e mais ainda na actuação de S. Ex.ª o Ministro Arantes e Oliveira; contudo, por olhar à aparente lentidão com que se executou o Plano dos Centenários, julgo que não será despropositado vincar que a efectivação total do plano deve realizar-se, como necessidade urgente, no mais curto prazo, e se esse prazo for superior a dez anos, correr-se-á o risco de o ver desactualizado, tal como agora se verifica com o plano antecedente.
A tarefa é pesada, quer no aspecto técnico, quer no aspecto financeiro, mais pela sua inegável projecção no futuro parece-me digna de se lhe não regatearem as verbas necessárias. Assim seja possível!
Que a sua concretização se não coaduna com excessivas demoras facilmente de demonstra observando O número de matrículas no ensino primário, que decorreu como segue:
Matrículas no ensino primário elementar
[ver tabela na imagem]
Da análise destes números, mesmo muito rápida, mas de qualquer modo sempre impressionante, facilmente se conclui que o acréscimo de matrículas no ensino primário não se encontra em paralelo com o acréscimo demográfico. Considere-se ainda que o acréscimo de matrículas verificado entre os anos lectivos de 1951-1952 e 1952-1953, da ordem dos 250 000, não se refere exclusivamente a matrículas de crianças em idade escolar. Inclui o número, aliás volumoso, dos adultos que, mercê da campanha em tão feliz hora iniciada pelo então Subsecretário da Educação, Dr. Veiga de Macedo, acorreram a escola e foram recuperados.
Assinale-se, no entanto, que a sensata e eficiente legislação dimanada do Ministério da Educação Nacional, de então para cá, conduziu a resultados nunca demasiado enaltecidos, que se concretizaram na baixa da taxa de analfabetismo, para os menores entre 7 e 11 anos, de 20,3 por cento em 1950 para 0,6 por cento em 1960, assim como no decréscimo sensível da taxa geral de analfabetismo.
Vale a pena reproduzir as variações das taxas citadas, ao longo dos anos, para melhor se avaliar do esforço despendido.
[ver tabela na imagem]
Propositadamente se alinharam as taxas de dez em dez amos, de acordo com os elementos obtidos na estatística da educação (publicação do Instituto Nacional de Estatística).
Perante os resultados obtidos, e que de modo nenhum podem ser apelidados de resultados de fachada, constata-se que de 1930 a 1960 o número de menores entre os 7 e os 11 anos ausentes da escola baixou de 73,1 para 0,6 por cento.
Sem a difusão de escolas não se me afigura fácil obter menor taxa do que a registada, mormente se considerarmos que, ano após ano, se tem conseguido obter taxa cada vez menor, não obstante o acréscimo populacional.
Todavia, os esforços do Ministério da Educação Nacional demonstram a sua intenção de reduzir ainda mais esta já tão baixa percentagem.
A diminuição da taxa geral de analfabetismo constitui igualmente um facto de incalculável valor, com poderosas incidências. Para mais completa elucidação, segue um quadro com a variação da taxa de analfabetismo, para o total da população maior de 7 anos, de acordo com os elementos publicados pelo Instituto Nacional de Estatística:
[ver tabela na imagem]
Creio ser curioso verificar que entre 1900 e 1920 a taxa de analfabetismo sofreu uma variação, para menos, de 8,3 unidades, isto é, de 11 por cento; entre 1920 e 1930 a variação, para menos, foi de 4,4 unidades, ou seja 6,6 por cento; de 1930 a 1940 o decréscimo foi
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de 12,8, que corresponde a 20,7 por cento; de 1940 a 1950 a variação foi de 9 unidades, ou seja mais de 17 por cento. E, muito embora não existam ainda elementos estatísticos exactos, determinados elementos conduzem a suspeitar que a taxa de analfabetismo em 1960 ande à volta de 20. Se assim for, a variação entre 1950 e 1960 será de 20 unidades, verificando-se uma variação, para menos, de cerca de 50 por cento.
Também esta taxa me parece difícil de fazer descer mais, pois teremos de contar com elevado número de unidades que, pela sua idade ou condições, são de muito difícil, se não impossível, recuperação.
Podemos assim concluir que a obrigatoriedade da frequência escolar, como consequência das providências tomadas pelo Decreto-Lei n.º 38 968 e posterior legislação, só, por um lado, reduziu ao mínimo ou anulou as desagradáveis e, porventura, humilhantes taxas de analfabetismo, por outro deu relevo não só à carência de pessoal docente com a habilitação específica, mas igualmente à de instalações apropriadas.
O trabalho realizado pode classificar-se de notável; todavia, há que concordar que os elementos-base para solução do problema são: escola, professor e aluno.
Alunos, tivemos já oportunidade de verificar que os há, graças a Deus, em número suficiente.
Professores, se não são ainda em quantidade bastante os qualificados, temos, pelo menos, a consoladora certeza de que em breve tal acontecerá. Não será tão rapidamente como seria desejável e necessário? Talvez. Mas reconheça-se que se não poupam esforços nem despesas para obviar a tão notória falta.
De resto, o número de agentes de ensino tem aumentado anualmente, como se pode verificar pelo quadro que segue, onde se separam os professores primários e os regentes escolares, para finalmente se observar o número total de agentes de ensino em serviço.
[ver tabela na imagem]
Daqui podemos tirar algumas conclusões: o ritmo de crescimento do número de professores do ensino primário foi, mais ou menos, constante de 1940 até hoje; esse ritmo de crescimento foi manifestamente insuficiente para suprir as necessidades, o que se constata em face do ritmo de crescimento, igualmente constante, do número de regentes escolares; no ano escolar de 1958-1959 verifica-se um decréscimo do número de regentes escolares em serviço (menos 86 unidades); finalmente ter uma noção do esforço despendido pela Direcção-Geral do Ensino Primário, que vem fazendo uma média anual muito superior a 1000 novas nomeações e colocações, com todo o complicado movimento burocrático que tal serviço acarreta.
Vejamos agora o terceiro elemento essencial para ser ministrado o ensino de base: edifícios e salas de aula.
Não focaremos, por agora, por desnecessário, o mínimo de condições tidas, pedagogicamente, como indispensáveis para um bom funcionamento e aproveitamento escolar. Tão-sòmente focaremos quantitativamente a sala de aula, melhor ou pior apetrechada, reunindo condições para nela se poder ministrar o ensino.
Com o intuito de destacar o déficit permanente e crescente deste elemento-base - a sala de aula - ordenámos, em quadro, os lugares docentes que funcionaram e as salas de aula existentes.
[ver tabela na imagem]
A partir de 1957 o déficit deixou de apresentar o valor de acentuado acréscimo que até essa data se observa, não porque o número de lugares se mantivesse ou decrescesse, antes, sim, porque o número de novas salas de aula colocadas ao serviço aumentou substancialmente.
Se atendermos a que a proposta de lei prevê a construção de 15 000 salas de aula, é intuitivo que importa sobremaneira que se acelere o ritmo de construção o suficiente e bastante para satisfazer as necessidades que resultam da obrigatoriedade escolar, legalmente imposta como o mínimo de educação e instrução. Recordemo-nos de que, em ligação com o ensino primário e, segundo julgo, em escolas primárias, estão em funcionamento 156 cursos complementares de aprendizagem agrícola, com cerca de 3500 alunos. E não nos esqueçamos de que S. Ex.ª o Ministro Leite Pinto já anunciou a sua intenção - à que chamou o seu sonho, e Deus permita possa vê-lo realizado tão depressa seja possível - de prolongar a base do ensino comum a todos os portugueses, tornando-a em todo o Portugal acessível a um maior número.
Lògicamente, haverá que apertar com rapidez e com eficiência as malhas da rede escolar oficial, sem desprezar nem minimizar a rede escolar particular, olhando hoje, com serenidade e firmeza, o dia de amanhã e todas as suas presumíveis exigências.
Analisei, embora resumidamente, as coordenadas que, em paralelo com a questão em causa, concorrem para a solução de um problema comum.
Analisarei agora o modo como se pretende resolver o caso particular da construção de escolas (salas de aula) e respectivos anexos.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Melo Machado: - Talvez conviesse explicar como é que, faltando tantas salas de aula, se pode albergar toda essa população escolar.
O Orador: - As salas de aula trabalham em regime de desdobramento. Onde devia funcionar só uma aula funcionam, por dia, duas ou três ao mesmo tempo.
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Há salas que funcionam simultaneamente: umas com a 3.º e 4.º classes e outras com a 1.ª e 2.ª
Tal como aconteceu para a execução do Plano dos Centenários, o actual plano de construções para o ensino primário fica a depender da actuação dos municípios. De acordo com a proposta de lei, foram previstas todas as dificuldades financeiras e até a debilidade económica das câmaras municipais; todavia, fixou-se a sua comparticipação em 50 por cento dos encargos de construção, atribuindo-se-lhe a responsabilidade de aquisição ou expropriação dos terrenos para a construção.
Concordo que se concedam facilidades para amortização da dívida que cada uma das câmaras, por motivo da execução do plano, venha a contrair com o Tesouro. Essas amortizações serão feitas em moldes tais que não afectem grandemente as múltiplas obrigações que cabem à administração municipal. Chega-se ao ponto de prever que os municípios executem as obras em regime de administração directa, obedecendo, naturalmente, tal previsão, ao respeito de um conjunto de condições técnicas perfeitamente lógicas e aceitáveis.
Não obstante o optimismo pelas novas facilidades que a proposta de lei prevê que venham a ser concedidas, não obstante termos de reconhecer que se avançou, consignando-se nova modalidade de reembolso ao Estado pelas comparticipações devidas pelos municípios, não quero deixar de exprimir claramente o forte receio que me invade de a execução do plano ser comprometida por as disponibilidades dos municípios não consentirem o seu normal desenvolvimento. Ainda há dois dias, aliás duas sessões, o ilustre Deputado Sr. Melo Machado classificou os orçamentos municipais de «esquelética magreza», e fê-lo com profundo conhecimento do problema. Esta é, de resto, a opinião geral. O ilustre Frof. Marcelo Caetano afirmou: «A insuficiência das receitas é um mal de que se queixam os municípios (qualquer que seja o seu nome) por esse Mundo além».
Sendo assim, e a admitirmos que uma grande parte das escolas a construir farão incidir 50 por cento da despesa de construção sobre orçamentos municipais cujas receitas mal chegam, quando chegam, para promover a satisfação de encargos permanentes e obrigatórios, não vejo como essas autarquias possam promover a parte primeira que permitirá a construção, isto é, a aquisição ou expropriação do terreno!
Pois se as obrigações resultantes do ensino primário e inerentes aos municípios, como seja o funcionamento das escolas, limpeza, iluminação, expediente, etc..., que se concretizam no pagamento dessas despesas e de tantas outras com as quais incentivam, promovem ou valorizam a formação dos seus povos, muitas vezes excedem a sua capacidade de realização, como podem os municípios com mais essa despesa?!
Não creio que de um momento para o outro se modificasse a mentalidade de tantos quantos, possuidores de terrenos, deviam ou podiam cedê-los para a construção de obras de eminente utilidade pública, como é o caso da construção de escolas.
O que me parece é que toma corpo a deformada noção de que câmara municipal é Estado; terreno para a câmara construir uma escola é terreno para o Estado, logo, porque o Estado é rico, vende-se pelo dobro do seu valor real.
Não discuto se às câmaras compete ou não a obrigação de comparticipar nestas despesas - matéria aliás muito discutível: limito-me a duvidar que as câmaras municipais possam cumprir a obrigação que lhes atribuem, e se não podem classifico de injusta a situação em que o Estado as coloca.
Concordo, sem hesitação, que se insista em fazer compreender que é aos munícipes de cada município que incumbe comparticipar activamente em determinados encargos, figurando entre eles, com papel relevante e primacial, os encargos educacionais.
Todavia, aprecie-se a real actividade municipal, considere-se a sua verdadeira situação financeira, reveja-se à luz da justiça a sua capacidade realizadora perante os montantes das suas receitas e despesas, valorize-se a sua actuação como autarquia local, e então, só então, se deverá preceituar quais as obrigações que lhe são confiadas.
Entretanto não resisto a apelar para os municípios, certo de que uma vez mais, como sempre, demonstrarão a unidade, real entre todos os portugueses! de boa vontade, colaborando nesta obra de excepcional importância, contribuindo com o seu espírito de sacrifício e e com a sua energia para o impulso e rapidez que se pretende imprimir ao plano de construções das escolas primárias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Humildemente peço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, que me relevem a extensão das minhas considerações, mas, apaixonado pelos problemas do ensino e por tudo quanto com os mesmos se relaciona, chego a perder a noção do tempo, correndo o sério risco de vos maçar.
Não desejava, no entanto, terminar antes de tecer alguns comentários sobre a feliz ideia expressa na proposta de fomentar o alojamento dos professores primários junta das escolas, nas localidades rurais, e lamentar profundamente que não houvesse possibilidade de construir, em anexo, a respectiva cantina, especialmente nos mesmos meios rurais.
Vejamos, ordenadamente, os dois casos.
A ideia da presença do professor no local da escola já foi encarada no Decreto n.º 2947; de Janeiro de 1917, e posteriormente abandonada. Agora que o Governo resolveu readoptar tal princípio e dele parte a iniciativa, cumpre-lhe zelar pelo respeito da pureza das suas intenções, não permitindo que as desvirtuem.
A acção formativa do professor primário no meio rural, na generalidade privado de elites, entregue a si próprio e aos mal-intencionados, é tão importante e susceptível de tão decisiva influência que julgo indispensável a sua total integração no meio onde vai exercer a sua missão. Alargam-se, desta forma, os limites da acção educativa, que ultrapassa o edifício da escola e inunda todo o aglomerado populacional; estimula-se a frequência escolar, activa-se a colaboração humana pelo contacto permanente, pelo convívio diário; reduzem-se ou anulam-se preconceitos, tantas vezes perturbadores das relações que devem unir a família e a escola; fomenta-se a fixação do professor ao local de trabalho.
Todas estas razões, e mais haverá, são mais que bastantes para justificar a medida que o Governo propõe.
Ninguém deixará de lhe reconhecer mérito, de a aceitar e de atribuir-lhe os imerecidos elogios.
No que diz respeito a cantinas para a assistência escolar, choca-me que se não tivesse podido prever a construção de cantinas, ainda que fosse só nos meios predominantemente rurais. E nestes meios que se encontram maiores dificuldades de levar a criança à escola, devendo-se a ausência, na grande maioria dos casos, a dificuldades de natureza económica.
Nem se me afigura necessário repetir as palavras esclarecedoras e esclarecidas do Dr. Rebelo de Sousa
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sobre tal problema. Recordarei simplesmente o que quanto à assistência escolar declarou o ilustre Subsecretário da Educação: «Também aqui não podemos declarar-nos satisfeitos com a obra já realizada».
Não me custa aceitar que o plano proposto representa um grande esforço; todavia, atrevo-me a fazer uma sugestão que, aliás, me foi sugerida. S. Ex.ª o Ministro Arantes e Oliveira relevar-me-á a ousadia.
O progresso da construção civil não permitirá que se implantem nos meios predominantemente rurais casas pré-fabricadas, de madeira? Não seria viável, nas regiões do interior, promover o fabrico dessas unidades, certamente por preço muito mais baixo e provavelmente de modo a consentir a construção da casa para o professor e até a cantina? Creio que não seria técnica neva, e nos países nórdicos, onde as temperaturas baixas são bastante mais rigorosas que no nosso país, gozam do favor e da preferência da população.
Sem estar perfeitamente conhecedor do problema, limito-me a fazer a sugestão e sentir-me-ia feliz se, de algum modo, pudesse contribuir para tornar exequível a construção de cantinas escolares. Madeiras não nos devem faltar. Técnicos, julgo que também não. Quando muito, o que pode acontecer é não estar aconselhada a utilização desta técnica de construção.
Seja como for, a sugestão aqui fica, cabendo aos responsáveis resolver como for mais conveniente.
Para promover mais eficiente assistência escolar é mister a mobilização de todas as boas vontades; que esta mobilização se realize no plano distrital, se não no plano concelhio, para que seja uma realidade no âmbito racional.
A generosidade do povo português nunca foi desmentida e não creio, Sr. Presidente, não creio que haja quem recuse as migalhas que lhe sobram para auxiliar as crianças que delas careçam.
O Sr. Peres Claro: - Muito bem!
O Orador: - São pequeninos nadas, por vezes com aspecto de obstáculo intransponível, que no fundo demonstram maior ou menor facilidade de obtenção. Quantas vezes as terras apresentam aspecto desolador porque só aguardam que apareça quem as trate, conveniente ente e lhes lance a semente!
Apareçam as iniciativas. Haja quem se disponha, com entusiasmo, com confiança, com fé, a receber alguns agravos e desgostos à mistura com a consolação de muitas, muito belas e tocantes atitudes. Eis um dos sectores de actividade do professor primário, personalidade cuja acção multifacetada o tornou credor da admiração e respeito de todos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: a proposta de lei em debate é uma perfeita demonstração de que os Ministérios das Obras Públicas e da Educação Nacional avaliaram com justeza a acuidade do problema da construção de escolas, de muitas escolas.
E a prova provada de que se encontra, em marcha, prestes a funcionar em pleno, o sistema que permitirá anular o atraso cultural que nos envergonhava.
O nosso progresso material está condicionado pela elevação da cultura do todo populacional, pela sua capacidade realizadora e de adaptação, pelas suas aptidões. Bem visto foi o problema pelo Ministério da Educação Nacional ao legislar de forma que dentro em breve deixe de haver portugueses sem a educação de base tida até agora como mínimo indispensável. Digo até agora ... porque espero - todos esperamos - que o Ministro Leite Pinto diga a sua última palavra.
Serviço inestimável presta o Ministério das Obras Públicas, colocando ao serviço da educação a sua técnica e a sua vontade.
Resta-nos apelar para o espírito do Ministro Pinto Barbosa, grande estadista e grande financeiro, a quem presto sinceras homenagens, tantas vezes coagido a dizer que não pela força imbatível que envolve a frieza das cifras, que tente uma vez mais resolver, com habilidosa técnica, apanágio da sua intervenção por ingrata obrigação das suas funções, o problema agudo das construções escolares para o ensino primário.
Em resumo e concluindo:
Voto na generalidade a proposta de lei, que reputo merecedora dos maiores louvores e digna de grandes sacrifícios para a sua rápida e integral execução. Porque a sua finalidade última é contribuir, com notável amplitude, em propósito de carácter eminentemente nacional, permito-me sugerir que não sofra demoras em ser executada, por virtude dos limites impostos pelas possibilidades financeiras dos municípios. Tais demoras só prejudicariam a extraordinária obra cultural que o Ministério da Educação Nacional está levando a cabo.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Brito e Cunha: - Sr. Presidente: já foi apreciado e estudado com bastante amplitude nesta Assembleia o plano de construções para o ensino primário e focados com muito interesse e grande pormenor os diferentes aspectos em que esta proposta de lei manifesta um decidido esforço na resolução do grave problema de construção de edifícios escolares para colmatar as faltas que se verificam, provenientes umas de não ter sido materialmente possível até agora substituir todas as salas onde o ensino primário ainda se ministra em péssimas condições pedagógicas, outras por ter tido de se atender à necessidade de criar novas unidades para responder ao constante aumento de população escolar, não só devida ao aumento efectivo da população, como resultante das medidas em boa hora tomadas para tornar obrigatório o 1.º escalão do ensino, aspectos não previstos na elaboração do Plano dos Centenários de 1941.
Bem merecia o diploma tal interesse e quase tudo se tem dito do que haveria para dizer; vacilei, por isso, em também me pronunciar, já que seria difícil trazer ao debate achegas de real valor.
Optei, no entanto, pela minha presença nesta tribuna mais para me poder associar ao cortejo de louvores que tem acompanhado . a iniciativa, do que pelo peso do contributo que o meu depoimento possa representar.
A transcendência do problema -ministrar o ensino em condições materiais condignas- bem merece a nossa colaboração, mesmo que ele não passe de reconhecimento do que já foi feito e de incentivo para que mais e melhor se venha a realizar.
A comparação, por um lado, dos objectivos do Plano dos Centenários e dos do actual plano de construções - actualização do primeiro se lhe chama, e bem -, a par dos meios de que um e outro dispôs e dispõe para a execução, parece-me a fórmula mais prática e objectiva de nos pronunciarmos.
O Plano dos Centenários previu, em 1941, na sua finalidade essencial, a construção em dez anos de 12 500 salas de aula, para este empreendimento se tendo calculado um dispêndio de 482 500 contos; admitia-se,
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assim, a construção média anual de 1250 salas de aula, com a despesa média anual de 48 250 contos e o custo também médio de 38 600$ por sala de aula.
À data da elaboração da proposta, isto é, vinte anos depois, estavam construídas 8274 salas de aula, número correspondente a dois terços da previsão; a média anual foi de 414 salas de aula, um terço da previsão, mas realizada a construção no dobro do tempo; nesta altura atingiu-se, porém, em regime de ponta, o ritmo de construção de 1000 salas por ano.
O plano de construções está elaborado para a construção de 15 000 salas de aula, considerada, após ponderado estudo e necessária cautela, a previsão das necessidades para o decurso do prazo de dez anos; não se garante a execução do plano neste prazo, mas assegura-se essa execução no menor prazo possível, o que só é de louvar, afirmação que, aliás, encontra perfeita base no esforço ultimamente desenvolvido.
Defronta-se, assim, o seguinte panorama: um projecto de construção de 15 000 salas de aula, à cadência anual, provável e desejada de 1500 salas de aula, perante a experiência de uma média de construção nas duas últimas décadas de 414 salas de aula com ponta recente de 1000 salas; pressupõe-se, portanto, o aumento de 50 por cento no ritmo da construção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para avaliar das possibilidades de ver coroada de êxito a iniciativa convém debruçarmo-nos sobre os motivos que, apesar de toda a manifesta boa vontade, impediram o cumprimento exacto do Plano dos Centenários no aspecto a que nos vimos a referir.
A secunda grande guerra mundial, a débil situação financeira de algumas câmaras municipais e as frequentes dificuldades na obtenção dos terrenos convenientes para as construções escolares, bem como de adjudicação das obras, são as principais razões que se invocam no relatório da proposta de lei.
Pondo de parte a primeira, ma esperança - que Deus confirme - de vermos afastado um novo conflito mundial no decurso dos próximos dez anos, analisemos os restantes.
O aspecto da precária situação financeira dos municípios já tem sido aqui tão frequente e tão profundamente debatido que nos dispensaria de sobre ele nos alongarmos; não quereríamos, no entretanto, deixar de referir que ele é, em nosso entender, pedra de toque, trave mestra em que se apoia a economia do plano das escolas, e que, a manter-se a situação actual, não: é com optimismo que encaramos a sua viabilidade prática.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - São cada vez maiores as solicitações para o agravamento, em valor e qualidade, dos encargos municipais; repare-se com atenção na evolução das curvas do aumento da receita e das necessidades a que as autarquias locais deveriam fazer face - e desejo referir-me apenas àquelas que não admitem dúvidas em matéria de competência municipal - para se verificar que não se tende para o equilíbrio, imas se agrava a cada momento o desfasamento que já de longe vem.
E não se tenham dúvidas de que, a manter-se a situação presente e a não se entrar abertamente na política do revigoramento financeiro das câmaras municipais, caminhamos decidida e conscientemente para o agravamento da situação.
Ora é dominados por este ambiente que, melhorando embora, em certos aspectos, o processo de colaboração municipal no empreendimento de construção de escolas primárias, se aumenta vultosamente os seus encargos.
De um plano de custo total de 500 000 contos em 1941 passa-se agora para um projecto no valor de 1 680000 contos; a um encargo anual incidente sobre as câmaras municipais do País previsto em 1941 em 25 000 contos corresponderá agora a comparticipação de 84 000 contos anuais.
Longe de nós pretender minimizar a importância e a projecção da obra, muito menos não ter na consideração devida o que representa de passo dado em frente a introdução no plano das obras de aproveitamento das construções escolares existentes e da política de construção de casas para professores.
Pretendemos apenas, ao fazer estas observações, não esquecer as realidades - a triste realidade que é a posição perante a qual as câmaras municipais são colocadas e que se traduz por um importante agravamento das suas responsabilidades.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se nos quisermos reportar apenas aos encargos com novas construções escolares, a comparticipação média anual das câmaras municipais para o período de tempo considerado será de 47 250 contos, ao qual deverá acrescer o da aquisição de terrenos.
Este foi calculado pela Câmara Corporativa em 250 000 contos, não sabemos sob que critério, nem baseada em que dados. Mas, aceitando-o coimo bom, mesmo porque a elasticidade das premissas assim o .aconselha, não deixaremos de apontar que ele representa perto de 25 por cento do valor das novas construções e eleva o encargo destas pedido às câmaras municipais anualmente para 72 250 contos e o encargo total anual para 109 000 contos; o encargo total pelo qual as câmaras municipais são chamadas a responsabilizar-se é superior a 1 000 000 de contos.
Duvidamos de que uma grande parte - estava quase tentado a dizer a maior parte - das câmaras municipais possa responsabilizar-se pela amortização de tão elevada quantia, dados os compromissos que sobre elas já pendem e se apresentam com todos os sintomas de aumento.
É fastidiosa tão longa citação de enumeras e de contas, mas parece ter ela a vantagem de dar uma noção da framideza que assume o encargo que as câmaras terão e suportar com o plano de construções. Essa observação leva-nos, naturalmente, a pensar u
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Pena é que não se trilhe desde já novo caminho, em afirmação do reconhecimento da debilidade financeira municipal e sua consequente projecção, com aspecto negativo, na execução dos planos; esse reconhecimento teria plena justificação e poderia traduzir-se per agora com a inclusão dos encargos de aquisições e expropriações de terrenos nas despesas a suportar, em duas partes iguais, pelo Estado e pelas câmaras municipais.
E, nestas condições, não teria qualquer repugnância em sugerir o alargamento ou a revisão das disposições constantes do n.º 3 da base XI, que facultam ao Ministério das Obras Públicas a chamada a si da aquisição ou expropriação de terrenos, com aspecto de generalidade ou quando as circunstâncias o justificassem; casos há em que daí só adviriam vantagens, dado o melindre que certas aquisições constituem para as autarquias locais.
Há um outro aspecto do problema de construção de escolas primárias que não tenho visto apreciado e nem, por isso, me parece de secundário interesse, embora se revista de carácter de pormenor; quero referir-me aos projectos-tipos dos edifícios escolares.
A expressão plástica dos edifícios escolares tem sido, sem dúvida, objecto de apreciação nesta Câmara e é unânime a opinião de dever corresponder a sua fisionomia ao meio ambiente; nem se compreende que, mesmo funcionalmente, um mesmo projecto possa servir indistintamente para as elevações de Trás-os-Montes, para a região marítima do Douro Litoral ou para a planície alentejana.
Diga-se, aliás, que este aspecto tem vindo a ser inteligentemente considerado pelos serviços.
Mas há mais. Não se aceita o critério de um único projecto-tipo do escola de uma, duas, quatro ou mais salas para a mesma região. Esta consideração tem, em nosso entender, grande relevância e o facto de só se dispor de um único projecto-tipo para cada região tem impelido, ou pelo menos protelado, a construção de muitos edifícios escolares.
É que dispor-se apenas de um projecto-tipo obriga à escolha de terreno para o projecto, quando, racionalmente, parece que deveria acontecer exactamente o contrário, quer dizer, adaptar ao terreno projecto conveniente.
Mormente nos meios rurais, onde tão difícil é quase sempre encontrar terrenos nas sedes dos núcleos escolares na posse de proprietários dispostos a deles se desfazerem, e nos casos de cedência graciosa não é legítimo perder a oportunidade de levantar uma nova construção apenas pelo facto de o projecto-tipo se lhe não adaptar, legítimo seria maior elasticidade neste campo, que apenas exige o estudo de projectos elaborados para as diferentes orientações.
Conheço as razões de ordem técnica que se podem contrapor a este alvitre, mas também não ignoro os argumentos para o defender; e quando em três anos lectivos não desceu praticamente o índice dos menores ausentes da escola, por falta de edifício escolar, quando se conhecem as condições dos edifícios em que tantas funcionam e se está perante um programa de construção de 15 000 salas de aula, talvez mereça a pena adoptar certa maleabilidade de processos, desde que não se infrinjam preceitos e regras fundamentais.
Verdade seja que as disposições insertas na base II muito podem contribuir para resolver dificuldades que até aqui surgiam com relativa frequência; mas nem por isso perdem em valor as observações atrás formuladas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: o plano de construção de escolas primárias, actualização do Plano dos Centenários e sua adaptação às necessidades presentes, nos objectivos que pretende atingir, só merece encómios e louvores, que ninguém regateará, muito menos nós, aos ilustres membros do Governo que o subscrevem.
Só pretendíamos ter a consciência mais tranquila sobre a sua viabilidade de execução e uma maior segurança nas bases em que o seu financiamento assenta.
Assiste-se, ultimamente, a um desejo muito sincero de valorização dos meios rurais; a casa, a água, agora a escola, amanhã a viação rural, têm sido objecto de diplomas que a esta assembleia foi, está a ser ou vai ser dado apreciar; o incremento da electrificação dos meios rurais foi incluído no II Plano de Fomento.
Tudo isto são sem dúvida elementos primários indispensáveis a uma melhoria das condições de vida da população, mas na execução dos planos que lhes dizem respeito interessam-se as câmaras num grau que a sua estrutura financeira não está preparada para suportar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Temo que a execução de planos de tal magnitude venha a ser fortemente influenciada pela impossibilidade manifesta de os cofres municipais poderem arcar com os encargos que lhes são pedidos.
Um esforço desta natureza e deste vulto deveria ser acompanhado, se não precedido, da revisão do regime financeiro das câmaras municipais, se o não quisermos ver votado ao insucesso.
Junto a minha voz a todas as que em uníssono, aqui e lá fora, vêm insistentemente pedindo que às câmaras municipais sejam atribuídos os meios que lhes permitam fazer face aos seus encargos, aliviando-as daqueles que não são manifestamente da sua competência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Só assim elas estarão também em condições de colaborar nos planos como este que se encontra em apreciação.
Só assim será também possível tomar a vida aliciante na vila e na aldeia, fixar aí os valores de que sob tantos aspectos necessita, até e sobretudo no político.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Antes, porém, convoco as Comissões de Obras Públicas e Comunicações e Política e Administração Geral e Local para quinta-feira, às 15 horas.
Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
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Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Américo da Costa Ramalho.
António Calheiros Lopes.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Coelho.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Pereira Jardim.
osé António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Rodrigo Carvalho.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA