Página 351
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 191
ANO DE 1961 26 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 191, EM 25 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta, a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 190.
Leu-se o expediente.
O Sr. Deputado José Manuel da Costa evocou a figura e a acção do artista João Villaret em favor da cultura portuguesa.
O Sr. Deputado Brito e Cunha, depois de se ter associado às palavras proferidas na sessão anterior sobre o ataque ao navio anta Maria, referiu-se à Semana de Formação Missionária, cuja oportunidade salientou, e a Missão Católica Portuguesa em Paris, pondo em destaque a sua obra.
Ordem do dia. - Continuou o debate na generalidade da proposta de lei relativa ao plano de construções para o ensino primário.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Per es Claro e Augusto Simões.
O Sr. Presidente convocou para o dia seguinte, às 15 horas, as Comissões de Obras Públicas e de Política e Administração Geral e Local.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Página 352
352 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 191
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique das Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Finto.
João Maria Porto.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Ferreira Jardim.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Ferreira Paulo Rodrigues.
Laurénio Cota Morais dos Beis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Ferreira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário de Figueiredo.
Martinho ca Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Finto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 75 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o n.º 190 do Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer rectificação, considero-o aprovado.
Deu-se conta ao seguinte
Expediente
Telegramas
Do Grémio da Lavoura de Cabeceiras de Basto a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Camilo de Mendonça sobre a indústria de lacticínios.
De Serafim Morais condenando o assalto ao paquete Santa Maria.
Do professor Serafim Bravo Quadrado no mesmo sentido.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado José Manuel da Costa.
O Sr. José Manuel da Costa: - Sr. Presidente: esta minha intervenção, que é de louvor à beleza pura e de homenagem a um servidor do património espiritual português, tinha-a eu preparado para a nossa sessão de ontem, como seria normal e lógico.
Não quis, porém, que ela se conspurcasse no meio daquelas coisas torvas, hediondas e criminosas de que tivemos conhecimento e que tão justificadamente causaram o nosso ambiente emocional de repulsa, de condenação e de protesto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas tudo tem seu tempo e oportunidade. Não vamos esquecer-nos de nada do que é grave, perigoso e atentatório da honra e da vida da Nação, mas podemos, por uns momentos, arejar as nossas almas e os nossos corações com pensamentos belos, nobres e puros, e, ao evocar um semeador de beleza, também já assim condenamos todos os semeadores da torpeza, do ódio e das coisas feias que tanto nos magoam e entristecem.
Queira a Câmara acompanhar-me na altura da minha intenção de louvar um servidor da Pátria e desprender-se por uns momentos, por saúde de espírito, da baixeza das intenções daqueles que a estão traindo na livre largueza dos mares ou nos meandros de tenebrosas consciências.
Sr. Presidente: apagou-se agora em Portugal uma voz tão alta e tão notável que estou em dizer ter sido ela a transmissora de palavra viva que maior extensão e maior ressonância terá dado, até hoje, às formas imortais e puras de toda a poesia portuguesa, melhor dito: de toda a poesia luso-brasileira.
Calou-se para sempre a voz maravilhosa e privilegiada de João Villaret, sem dúvida o maior intérprete de todos os tempos daqueles criadores de beleza que adornaram a Nação de um conteúdo espiritual densíssimo de intemporais riquezas e de sublimes valores, ideais e transcendentes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Numa época eivada de materialismos vários, assustada de terrores efectivos e reais, dominada por exigências técnicas e pragmáticas, uma voz, alcançada pela graça de Deus, inundou o mundo lusíada, o mundo de língua portuguesa, de todos aqueles preciosos e inestimáveis dons do espírito que se foram avolumando, por mercê da criação do génio, nas páginas insuperáveis de uma literatura poética tão formosa e rica que não se arreceia de ser com qualquer outra confrontada.
A arte poética, essa impressionante poesia portuguesa, sempre ascendente desde os seus inícios ao tempo de hoje, como que renasceu, reviveu e se recriou, do silêncio dos livros e do esquecimento dos séculos, para a vida viva do nosso tempo, na esplendorosa voz de um jogral contemporâneo, em rajadas de talento, ousadias de cultura e nobilíssimas exaltações de valores imponderáveis, nacionais e estéticos.
Extinguiu-se a voz de oiro desse aedo cultíssimo e inimitável, que melhor do que ninguém ensinou poesia, na milagrosa interpretação da sua arte tão espontânea e pessoal, a todos os portugueses de aquém e de além-mar e aos Brasileiros, tão nossos irmãos em tudo que o são também no fervoroso culto da palavra que se espiritualiza e se diviniza na transcendência dos conceitos e das formas poéticas.
Página 353
26 DE JANEIRO DE 1961 353
Sr. Presidente: estou firmemente convencido de que não erro ao dizer que João Villaret foi um dos maiores actores portugueses de todos os tempos, mas estou seguro da certeza de que ele foi até hoje o maior declamador que jamais existiu ao serviço deste imortal e luminoso instrumento da expressão humana que é a língua portuguesa, «a última flor do Lácio».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por si só, esta razão explica suficientemente que o nome de João Villaret se pronuncie com admiração e com respeito nesta Casa, representativa de todos os portugueses e de todos os interesses da Nação. Mas eu vou mais longe, e com plena consciência da verdade afirmo que da posição cimeira a que ascendeu e pela intensidade com que propagou e difundiu todas as gamas da poesia nacional, João Villaret se elevou ao nível dos nossos maiores transmissores de cultura e se inscreveu no quadro dos nossos grandes educadores, pela acção profunda e constante que exerceu sobre as grandes massas populares, servindo com génio sempre igual todos esses impressionantes e prodigiosos meios de influência, de persuasão e de ensino que são o teatro, o cinema, a rádio e a televisão, tão pobres entre nós e tão ricos como eles eram logo com a presença de um homem da estatura intelectual de João Villaret.
A comoção nacional, aqui na metrópole, além no ultramar, no Brasil, causada pela morte de João Villaret, é um facto que havemos de assinalar, para além da profunda mágoa do seu desaparecimento, como circunstância rica de significado e de simbolismo. «Porque quem não sabe a arte não na estima», disse o Poeta, o povo português, que pranteou a morte de Villaret, provou claramente que ele lhe havia ensinado a saber e a estimar a arte, a arte dos poetas de Portugal, o amor das coisas do espírito, a tradição das nossas riquezas intemporais, a consciência das chamas e dos cantos de poesias que são inatas na alma do povo português.
Tudo isto João Villaret incendiava e fazia vibrar no coração e na inteligência dos seus auditórios, fossem eles exigentes e cultos ou simplesmente prontos e sensíveis à sedução da beleza e à magia da sua voz!
Se alguém realizou e difundiu verdadeira cultura popular, insinuante e desinteressada, em todo o mundo português, João Villaret poderia ter reclamado para si título autêntico de embaixador de todos os motivos de beleza e de arte que caracterizam e eternizam Portugal.
Sr. Presidente: ao evocar a personalidade incomparável e inolvidável de um genial artista português agora desaparecido e extinto para a vida mortal, não pensei que o elevaríamos nós, aqui, às glórias da imortalidade. Essa há-de dar-lha o povo português numa saudade intensa, que será tão grande como a própria poesia, e numa relembrança a que esse povo, que o ouviu, aplaudiu e agora chorou na sua morte, há-de, de certeza, dar grandeza igual à grandeza da sua própria alma.
Por mim, limito-me a evocar a memória de um dos mais impressionantes mestres de portuguesismo que a nossa pátria teve no nosso tempo e a associar pela minha voz esta Assembleia à emoção sentida pelo povo que o perdeu e à homenagem que a Nação deve prestar a quem tão luminosamente a serviu em alguns dos seus mais altos motivos e puros interesses de sentido cultural e de ordem espiritual. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Brito e Cunha: - Sr. Presidente: antes de entrar propriamente no assunto que é motivo da minha intervenção, não queria deixar de me associar às palavras que aqui ontem foram proferidas sobre aquilo que se passou com o barco português Santa Maria e de prestar a minha homenagem a todos aqueles portugueses que estavam, dentro do barco e que, com certeza, se portaram como portugueses. Entre eles, o comandante. E do Porto, é da minha terra. Não sabemos qual foi a sua acção; teve, com certeza, Sr. Presidente, uma atitude de português.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Carlos Moreira: - Mas há uma figura que merece bem todo o relevo: a daquele que, sendo piloto, morreu com dignidade na ponte do navio.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nas minhas palavras estava englobada toda a acção, toda a heroicidade, dos que lá estavam. Simplesmente, antes de sabermos exactamente o que se passou, eu queria referir-me só à maneira como todos eles, com certeza, se portaram, embora me tivesse referido especialmente ao comandante.
O Sr. Carlos Moreira: - Não tive outra intenção senão relembrar aquele que até hoje merece o maior relevo.
O Orador: - Sr. Presidente: acaba de se realizar em todo o País a Semana de Formação Missionária, com o objectivo fundamental de consciencializar os Portugueses das suas responsabilidades missionárias perante o ultramar português, criando clima favorável a um indispensável desenvolvimento das vocações missionárias e à sua preparação para obra eficiente de cristianização do Portugal de além-mar.
Em nenhum momento da nossa história poderia ser mais oportuna iniciativa desta natureza; por isso, daqui se louva o empreendimento e se deseja que dele resultem os melhores frutos.
Mas não era deste passo intenção minha referir-me especialmente à obra missionária no Portugal ultramarino; os portugueses que vivem espalhados pelo mundo merecem também a nossa atenção, não podem deixar-se isolados, entregues a si próprios, sujeitos a todos os perigos e tentações que em cada instante os solicitam.
O Sr. Pinho Brandão: - Muito bem!
O Orador: - Recordo que há exactamente um ano, nesta Assembleia, o Sr. Deputado Pinho Brandão chamava a atenção para a Missão Católica Portuguesa em Paris, justificou a sua necessidade e pediu para ela a atenção do Governo; julgo estar informado de nada nesse sentido se ter feito até agora.
Por isso me permito voltar ao assunto e sobre ele bordar algumas ligeiras e breves considerações.
Sr. Presidente: em princípios de 1958, o bispo auxiliar do Patriarcado, Sr. D.º José Pedro da Silva, responsável pela assistência religiosa aos emigrados portugueses, e Mgr. Jean Rupp, bispo auxiliar de Paris e delegado do Episcopado francês para os estrangeiros, acordaram na realização nesse ano de uma campanha pascal entre os 30 000 portugueses residentes em Paris, e para esse efeito para ali seguiu um padre da benemérita Congregação do Coração de Maria.
Foi ... e não voltou.
Página 354
354 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 191
E não votou, e por lá se demorou, e ainda lá se encontra, porque a .necessidade de assistência espiritual à enorme colónia portuguesa da capital francesa impunha-se por tal forma que não houve coragem de a abandonar.
O padre Monteiro Saraiva, sozinho durante oito meses, assistido depois pelo padre Paula, mais tarde pelo padre Vaz Pinta, sem alojamento próprio, o que os levou a instalarem-se na missão espanhola, criou a Missão Católica Portuguesa, que em dois anos realizou obra, notável, que, se é digna do nosso respeito e do nosso aplauso, é também merecedora da nossa colaboração.
Instalados hoje num modesto apartamento nas imediações da Igreja de S. Francisco Xavier, onde exercem a sua acção religiosa, em Patris, porque no Bispado de Versa-lhes é feita na igreja de Villiers-sur-Marne, há que os auxiliar, fornecendo-lhes os meios indispensáveis ao exercício do seu apostolado de que ainda não dispõem.
A Missão Católica Portuguesa começou por fazer um profundo inquérito aos portugueses vivendo no Arcebispado de Paris e no Bispado de Versalhes através dos seus párocos, localizando os núcleos, de portugueses ali residentes e informando-se das suas necessidades espirituais e materiais.
Do estudo passou-se à acção, visitando-se os emigrados, portugueses nas. barracas onde dormem, nos restaurantes onde comem, nos cafés onde se reúnem, nos estaleiros, oficinas e fábricas ande trabalham.
Recebidos, de entrada, com indiferença por uns, com desconfiança e reserva por outros, com simpatia por alguns porcos; foi-se provocando o degelo, e a persistência e a fé doer padres da Missão foram aos poucos impondo a cristalina finalidade dos seus objectivos.
Na Igreja de S. Francisco Xavier, diante de uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, que a piedade de alguns portugueses permitiu oferecer, assiste-se à missa, reza-se e canta-se, ouve-se a palavra do Evangelho.
À acção dos padres da Missão se deve que muitas mulheres portuguesas que cá ficaram não tenham perdido os maridos, que tantas famílias não tenham ficado sem pão; um grande número de trabalhadores tem sido colocado, por seu intermédio; na Prefeitura da Polícia e nos tribunais têm-se resolvido casos e ganho causas que se considera. Em perdidas; na cadeia e no hospital, quantos emigrantes não devem assistência e uma palavra de conforto, a fé em melhores, dias e a esperança de reabilitação aos padres da Missão!
A par cesta obra espiritual, moral e social, há que referir a acção de carácter patriótico levada a cabo pela Missão Católica de Paris entre os nossos emigrantes.
Atirados para um meio tão diverso daquele em que viviam, envolvidos, na barraca, na oficina e no café - todo o dia -, em ambiente de propaganda de ideias e princípios que renegam a Deus e desconhecem a Pátria, sem preparação intelectual e sem bagagem de defesa, tudo é propício à sua descristianização e à sua desnacionalização, ao desenraizamento das doutrinas e dos conceitos em que foram educados e criados.
E, repare-se, não são só companhias de ocasião, meros conheci mantos, encontros casuais, que os solicitam para esse campo: é campanha organizada e superiormente orientada, onde não faltam homens nascidos na mesma terra e falando a mesma língua a desviá-los do bem e a conduzi-los para o mal.
A Missão Católica Portuguesa de Paris, com a palavra de Deus, leva também o nome de Portugal aos emigrantes portugueses de Paris..
Mas a sua acção - se é muito grande - podia ser muito maior, se para isso dispusesse de meios indispensáveis. O apostolado em nossos dias, e então em Paris, não pode limitar-se ao púlpito, há que o prolongar e tem de usar de meios de atracção de que a Missão não dispõe. Nem sequer foi ainda possível alugar um salão que seja o centro de reunião e de festas dos nossos emigrantes.
E parece que, se na Rue Scribe se dispõe de uma Casa de Portugal onde se dá - e de forma notável - Portugal a conhecer aos Franceses e ao meio cosmopolita de Paris, se devia dispor também algures em Paris de uma Casa de Portugal onde se mantenha Portugal presente entre os portugueses que ali vivem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Isso tornaria possível alargar a acção da Missão, criando um centro que chamasse e atraísse com festas culturais e recreativas os portugueses, retirando-os aos domingos da rua e do café, impedindo os casos tão frequentes de desordens e de rixas, centro onde o emigrado encontrasse livros e o jornal de sua terra e até onde aprendesse a ler e a escrever, em cursos nocturnos, já que entre eles tantos analfabetos há, e onde se reunissem seus filhos e que organizasse as suas colónias de férias - iniciativa que tanto se faz sentir.
O efectivo da colónia portuguesa de Paris julgo que justifica plenamente o auxílio que se pediu ao Estado, pedido que agora se renova e a que - estou certo - todos nesta Assembleia se associarão.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É imensa a boa vontade dos padres da Congregação do Coração de Maria, tem sido grande o auxílio dos portugueses de Paris e dos portugueses de Portugal, mas não basta: ao Estado cabe completar esta obra.
O Governo não deixará de ouvir este apelo, de que o ilustre Ministro dos Negócios Estrangeiros será o intérprete, já que, como embaixador de Portugal em Paris, teve a oportunidade de conhecer a obra da Missão Católica Portuguesa e de lhe dar o seu caloroso apoio.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao plano de constituições para o ensino primário.
Tem a palavra o Sr. Deputado Peres Claro.
O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: quando os recursos são limitados e as necessidades muitas, a dificuldade maior está em saber por onde se há-de começar para se fazer a obra que se impõe. E, em boa verdade, ninguém poderá dizer que tal caminho teria sido melhor do que outro. Interromper um círculo vicioso para o transformar em linha recta, sem deixar de ser contínua, é acto que requer ponderação, sem dúvida, mas sobretudo coragem, porque cada um dos circunstantes poderá dizer - e com razão, tem de reconhecer-se - que o corte deveria ter sido dado mais aqui ou mais ali.
Quando, em 1928, o Governo do novo regime se debruçou sobre o problema do ensino primário, encontrou-se perante um círculo vicioso: lima percentagem de
Página 355
26 DE JANEIRO DE 1961 355
analfabetos vergonhosamente elevada e que era forçoso reduzir, levar até ao zero, se possível, para que a transformação do País pudesse assentar na sua base mais segura - a cultura dos seus filhos; a par desta imperiosa necessidade, u falta enorme de edifícios, como a carta escolar do País, então levantada, veio amplamente confirmar; finalmente, a existência de limitado número de professores e a impossibilidade de, em curto prazo, formar muitos mais, completava o quadro do problema do nosso ensino primário, desencorajado! para quem se propusesse resolvê-lo, pela magnitude de tarefas a ene e ia r, mas estimulante para a realização de um trabalho em profundidade e cujos resultados se fariam sentir nas raízes da sobrevivência da Nação.
Mas por onde começar? Parece que por construir escolas e formar professores. Mas casas fazem-se mais depressa do que mestres; todavia, mesmo assim, de um plano de 7180, chega-se ao fim de vinte anos com pouco mais de metade construídas. Que dizer dos mestres, se ao factor material há também a juntar o humano? ...
Quantas medidas se tomassem de obrigatoriedade ou extensão do ensino-base esbarrariam contra duas faltas essenciais: escolas e professores. Surgiu, porém, a Campainha Nacional de Educação, alargando a todos e obrigatoriedade de uma 3.ª classe primária. Foi uma espécie de palavra de ordem, como aquela que em tempos de guerra fez criar galinhas, em todos os vãos de escada. Improvisaram-se agentes de ensino, criaram-se situações de angústia a pais, a crianças de longa distância, a indivíduos já duros para a aprendizagem sistematizada mesmo dos rudimentos de uma instrução pensada para quem se prepara para entrar na vida.
Os casos, que continuam a correr nos tribunais, da falsificação de diplomas são a prova de que nalguma coisa se exagerou. Alguns despachos conciliatórios têm já atenuado, porém, uma ou outra aspereza.
Entretanto, foi fixado na 4.ª classe o limite mínimo de instrução obrigatória para ambos os sexos e os estudos há pouco concluídos anunciam para futuro próximo a obrigação das seis classes. E as salas e os professores para tais realidades ou tais planos?
Sr. Presidente e Srs. Deputados: o que fundamentalmente tem caracterizado a acção do actual Ministério da Educação Nacional é o estudo completo, sereno e lúcido, dos problemas que se lhe apresentam.
Criaram-se novas escolas do magistério primário, aumentou-se a capacidade de frequência das existentes, abriram-se novos caminhos de acesso à matrícula, facultando-os a regentes com serviço já prestado e a diplomadas pelas escolas técnicas, conseguiu-se uma melhoria sensível de vencimentos, que está já a chamar ao ensino maior percentagem de homens.
É-nos agora presente um outro plano de construções que abrange as 8300 escolas julgadas suficientes para, nos próximos dez anos, servirem a população escolar do País. Quer dizer: foram estudados e estão em execução u* três pontos (pie constituíam o círculo vicioso do nosso ensino primário: obrigatoriedade e extensão, professores e escolas.
Basta aguardar agora que o fermento levede. Mas, porque se trata de um problema verdadeiramente nacional, impõe-se que cada um de nós lhe dê o seu esforço, o facilite na medida do seu possível, vá mesmo mais além no desejo de colaborar.
O Ministério da Educação Nacional estudou e equacionou a totalidade de um problema que a Nação tem como vital para a sua sobrevivência, numa época em que o rude. esforço físico nem já aos animais é exigido, pois cada tarefa tem hoje a sua máquina, que o homem tem de compreender para a dirigir.
Se o problema é assim da Nação, não é só ao Ministério da Educação Nacional ou ao das Obras Públicas ou ao das Finanças que cabe resolvê-lo. É a toda a Nação.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: não sou eu quem venha aqui negar quanto se tem afirmado sobre a debilidade financeira das câmaras municipais para enfrentarem todos os problemas da sua obrigação. Mas também não venho pedir que as aliviem totalmente do encargo de construir e zelar pela conservação dos seus edifícios escolares.
Cada concelho, cada freguesia, tem de olhar com o carinho de que elas precisam para o problema da educação das suas crianças; é necessário que em cada centro as boas vontades se polarizem, para que a venda de um terreno não tenha de fazer-se por imposição, para que as obras de reparação do edifício escolar não tenham de esperar pelas demoradas formalidades orçamentais.
Se uma freguesia anseia pela construção da escola, onde os seus filhos poderão adquirir a instrução-base, que hoje todos reconhecem ser garantia de uma vida melhor, sem a incomodidade da distância, porque há-de a freguesia esperar, com os inconvenientes de toda a espera, que na sede do concelho, na sede do distrito, no departamento do Estado, se resolva quando e onde e como há-de ter a sua escola?
Não creio que a todos os recantos tenha chegado já o amolecimento causado pela certeza de que mais cedo ou mais tarde, no seu cuidado de a tudo e todos atender, a acção do Governo também há-de lá chegar.
Sem se desejar cair nos inconvenientes apontados à execução da Lei n.º 1754, de 1925, que permitia aos doadores de edifícios escolares escolherem a sua localização, sem se desejar ir ao extremo de provocar a doação, parece que seriam de utilidade medidas que despertassem na freguesia a consciência dos seus problemas e a vontade e as possibilidades de os resolverem mais por si.
Queixam-se as câmaras municipais da dependência em que vivem do Poder Central; mas não se queixam menos as freguesias das tendências absorventes das câmaras municipais.
E aqui fomos cair, naturalmente, na necessidade do Código Administrativo reformado, e daí concluir-se que a solução para certos problemas só pode ser plenamente encontrada quando todos os dados, mesmo os mais remotos, forem harmónicos.
O Sr. Melo Machado: - Muito bem!
O Orador: -Sr. Presidente e Srs. Deputados: se não houvesse entre nós certas concepções de urbanismo e soluções válidas para uns que o não são para outros, talvez a execução do plano de construções escolares em causa fosse menos onerosa e, portanto, mais rápida.
Vive-se entre nós a euforia do espaço, sem haver mão que trave o crescimento em extensão das povoações, atrás do qual têm de correr as redes de abastecimento de água, de fornecimento de energia eléctrica, de saneamento e também a rede escolar.
A nossa economia não permite tal esbanjamento de espaço nem tais corridas.
O desenvolvimento de muitas povoações está a fazer-se com o sacrifício de férteis campos, como se fôssemos ricos em terra arável, como se o nosso território não tivesse limites.
São moradias que se erguem isoladas todas à volta por área ajardinada e murada, como se estivéssemos em terra de inimigos; são bairros que se estendem por soalheiras encostas, polvilhados de casas, quando as condições higiénicas do lugar e a economia da construção aconselhariam o prédio de vários andares.
Página 356
356 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 191
É, enfim, um desvario de construções, que terá de ser pago imito caro, e já o è, porque num terreno que sairia barato com vários andares .se fazem apenas moradias ao rés do chão.
Por outro lado, dispondo-se as novas construções na periferia, passa-se a ter em certa altura uma povoação nova, onde as condições de habitabilidade suo boas, e uma povoação velha, que nada ganhou com a febril actividade construtora, e não sei se em futuro próximo não teremos transferências em massa de populações das zonas velhas para as zonas novas, criando-se assim cemitérios de povoações.
Lisboa constituirá, apesar de tudo, uma excepção, porque tem sido facultado à sua Câmara Municipal que adquira, r o centro da cidade, quarteirões de pardieiros, que, demolidos, fazem surgir núcleos modernos, os quais, se transformam a fisionomia da velha urbe, lhe dão sem dúvida, intramuros, condições de habitabilidade iguais às dos bairros extremos.
Se se estudasse forma de proporcionar as mesmas facilidades a outras câmaras municipais, se se procurasse, por meio, por exemplo, do próprio Banco de Fomento, auxi[...] empréstimos os proprietários de prédio; que o pudessem modificar ou reconstruir e não tivessem meios para isso, estou certo de que se faria grande economia nos nossos poucos haveres.
Para o caso em discussão - o das construções escolares - isso permitiria que, por aproveitamento integral de horas ou por ampliações, se utilizassem para a crescente massa escolar muitos dos edifícios já construídos e se pudesse traçar com mais segurança um plano de novas construções.
A continuar-se no caminho de até aqui, com as cidades ainda a definirem-se em zonas bem diferenciadas, comercial ou industrial de um lado e residencial do outro, ter-se-á algum dia de abandonar edifícios escolares já construídos, por falta de frequência, enquanto noutros lados um excesso de crianças não encontra bancos na escola ou não a tem mesmo.
E aí as teremos, e aí as continuaremos a ter, a calcorrear quilómetros para irem aprender as primeiras letras. Necessidade de mais cantinas, novos cuidados. E aqui fomos cair, naturalmente, na necessidade de uma revisão na nossa concepção de urbanismo para a resolução satisfatória do problema da nossa instrução primária e até do nosso ensino secundário.
Só com uma harmonia perfeita de todos os serviços - eu quereria, dizer: só com uma supervisão única dos problemas - será possível resolvê-los sem as perdas que uma nação pobre como nós não pode suportar.
Esta falta de planeamento em conjunto faz-me lembrar o ca 50 daquele traçado de barragens feito por engenheiros civis em aproveitamento de condições orográficas propícias, mas que põe depois os agrónomos em dificuldades para tirarem dele qualquer proveito.
Estará na nossa maneira de ser certa forma individualista de tratar os casos, mas os tempos não permitem que cada um seja como é. Cada um tem de ser cada vez mais - sem com isso perder a sua personalidade - uma parcela do todo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: são estas as considerações, que me foram sugeridas pelo plano de construções para o ensino primário que estamos a apreciar, plano ao qual dou a minha inteira concordância no sentido de, dom a maior rapidez possível, se completar a rede dos edifícios escolares, que outras tarefas nos esperam.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: a proposta de lei que nos cumpre apreciar sugere-me algumas considerações que venho fazer com a singeleza a que me habituei.
Estamos perante um conjunto de medidas do mais alto interesse nacional, que revelam o muito cuidado e o grande interesse que, compreensivamente, o Governo dedica aos problemas do ensino primário, havidos como dos mais importantes da estrutura da Nação. Não vou. Sr. Presidente, traçar aqui o quadro das grandes razões dessa importância, que são de todas nós sobejamente conhecidas.
Apenas, e como simples, apontamento, me parece cabido afirmar que tais, problemas são do mesmo teor dos que concernem à defesa nacional, havidos como os mais importantes de todos, aqueles com que a alta administração se encontra. Por isso se lhes tem de dedicar o especial e muito cuidado interesse que nos é demonstrado com a proposta, que se aprecia.
Fundamenta principalmente essa proposta a ideia de se colmatarem os atrasos verificados com a execução do Plano dos Centenários e de conferir à instrução primária o conjunto de melhoramentos de que ela tanto carece, facilitando, com o edifício apropriado, a actuação do professor e a situação do aluno. São objectivas da mais transcendente utilidade nacional. Para os alcançar conta-se com. o poder de realização do binómio Estado-câmaras municipais, encarado agora sob novos ângulos em relação às segundas.
Cumpre afirmar desde já que, a despeito das esperanças prenhes de optimismo de que as câmaras municipais venham a ser as colaboradoras eficientes de que o Estado necessita para o desenvolvimento e incrementação do novo plano, tal continuará a não ser inteiramente possível, porque as razões determinantes da aparente inércia de muitos dos municípios perante a construção d>aS escolas primárias ainda não foram abolidas.
Continuando sem solução os problemas cada vez mais prementes da pavorosa- situação financeira da grande maioria das câmaras municipais, não basta reduzir o montante das suas comparticipações anuais, no desenvolvimento do plano que se pretende incrementar. Haveria que, primeiramente, ter resolvido esse problema fundamental do robustecimento das finanças locais e, encontradas as suas soluções mais justas, estruturar então sobre elas a comparticipação que se entendesse que os municípios deviam e poderiam prestar.
Proceder como se procedeu é continuar a manter as mesmas causas do atardamento que se verificou no desenvolvimento do Plano dos Centenários, e que, se num ou noutro caso puderem ser atenuados com comparticipações mais suaves, não o serão na generalidade, pelos crescentes embaraços que as administrações municipais estão a sentir.
É que as câmaras municipais, como aqui tantas vezes se tem referido, sendo chamadas a colaborar num avultadíssimo número de encargos que lhes não pertencem, sem que se lhes tenha conferido possibilidade de o fazerem isentas das inconveniências conhecidas, acabam por não poder suportar mais despesas e, consequentemente, por ter de abandonar as suas missões específicas. Resulta daqui um cada vez mais acentuado desequilíbrio, cujos funestos resultados se verificaram já em muitos sectores da administração municipal, cada vez mais eriçada de dificuldades e de fortes inibições.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estranha-se, por isso, o tom de áspera desconfiança com que na proposta de lei se tratam as câmaras municipais, sem se ter em conta que a sua po-
Página 357
26 DE JANEIRO DE 1961 357
sição na orgânica nacional lhes concede jus a um tratamento semelhante ao que o Estado para si se reserva.
É a este respeito muito elucidativa a base XI, onde se estabelecem ordenamentos e sanções que chocam pelo descabimento, ao editarem uma subalternidade que a posição soberana dos municípios não pôde, em boa verdade, sofrer! E tudo isto porque à solução normal do problema prévio das finanças locais, a que já aludi, se substituiu uma solução parcial encontrada para o problema do desenvolvimento do novo plano de construções escolares.
Simplesmente, como esta solução parcial se encontra com outras soluções restritas, procuradas para outros grandes problemas nacionais em que as câmaras têm sido chamadas a colaborar, acabam umas por comprometer as outras porque, ao cabo e ao resto, todas elas se traduzem em solicitações à mesma bolsa, que, por desprovida dos meios indispensáveis, as não pode satisfazer.
Aqui residiu a razão da notada inércia dos municípios perante o Plano dos Centenários, que sofreu, por isso, um indesejado atardamente no tempo previsto para a sua realização.
Ora, se o plano de agora mão é menos ambicioso do que esse anterior e até, pelo contrário, se mostra bastante anais incisivo em certos aspectos da colaboração municipal, não se podem, logicamente, esperar as facilidades desejadas enquanto a esta não for conferida a normal possibilidade de ser eficiente sem quaisquer artificialidades.
Isto por se persistir em exigir às câmaras municipais uma avultada contribuição nos .grandes problemas nacionais, cuja solução em muito transcende o âmbito da própria vida local.
Sr. Presidente: depois das breves considerações que julguei oportuno fazer sobre a imposição das câmaras municipais perante o novo plano, e em que apenas aflorei alguns dos grandes aspectos ida falta de apropriada valorização das suas finanças, pela qual há tanto tempo se pugna e, infelizmente, sempre em vão, cumpre apreciar um pouco anais detalhadamente a proposta de lei na sua generalidade.
Como já afirmei, Sr. Presidente, os problemas do ensino primário são de importância muito transcendente, que em especial avulta na estrutura dos meios rurais, para a estabilização da qual contribuem de forma decisiva.
Como se conceitua com verdadeiro sentido das realidades no notável parecer da Câmara Corporativa que incidiu sobre a referida proposta de lei, o fim íntimo do ensino primário será dar a cada indivíduo o mínimo de instrução e sobre ele fazer incidir a acção educativa necessária à sua própria valorização e à sua integração conveniente no meio e no âmbito social e humano em que vive.
É, consequentemente, uma ampla missão formativa a dos professores primários, que, contactando com vidas que despontam para a vida, têm de ir forjando os caracteres e afeiçoando os sentimentos do importante capital humano que se lhes confia, para que o valorizem substancialmente.
Essa nobre missão tem de ser rodeada de quanto se torne necessário para ser tão rendosa nos seus resultados quanto o exige a própria estrutura da Nação.
Compreende-se, por isso, que a escolaridade obrigatória seja uma medida que não deve poder ser iludida facilmente, já que ela se insere no mesmo plano das medidas que concernem a tal estrutura.
E, sendo assim, mal se compreende que a solução dos problemas com ela relacionados, todos de puro âmbito nacional, ainda su não tenha deixado liberta
das contingências do poder financeiro dos municípios, que, repete-se, ainda não foi devidamente considerado!
Só ao Estado a solução de tais problemas haveria de competir, para que lhes pudesse ser concedido o mesmo poder de realização que se outorga, por exemplo, aos grandes problemas da defesa nacional, u que eles não são inferiores em premência..
Por isso a valorização da escola se impõe, para que o professor e o aluno possam cumprir as suas importantes missões, sem que qualquer delas se malogre, tornando infrutífero o esforço da grei.
Aplaudem-se, desta sorte, as novas preocupações de, concomitantemente com a construção dos edifícios escolares indispensáveis, se procurar também resolver a situação respeitante aos professores no tocante à sua habitação e dos alunos nos benefícios da cantina escolar.
A concretização da política de construção de casas para o professorado primário, que não é iniciativa nova entre nós, por já em 1917 ter sido considerada na legislação desse tempo, representa a satisfação de necessidade da maior relevância.
Quem conhece as nossas vilas e aldeias, em muitas das quais se nota .uma pavorosa falta de habilitações condignas, sente que se não pode deixar à [...] do acaso a acomodação dos professores.
Estes, obrigados, pelo império iniludível das suas funções, a uma acção de contínua presença no meio em que lhes compete ensinar, têm visto essa missão tremendamente dificultada por falta de alojamento de que necessitam.
Vivem então nas dramáticas circunstâncias que facilmente se adivinham, especialmente as numerosas professoras, que, como é natural, sentem muito mais intensamente do que os seus colegas masculinos as irreparáveis inconveniências da falta de um tecto em que confiadamente se possam abrigar.
No novo plano - bases XIX a XXII - se estatuem normas que possibilitam a construção de casas para professores em termos que, não tendo a amplitude que merece esta importante iniciativa, já representam, no entanto, um sugestivo aliciamento, que poderá produzir bons resultados, pelo menos nos meios de certo teor económico.
Naqueles, porém, onde a iniciativa local é inexistente e escasseiam as economias com poder de realização altruísta continuará o mesmo panorama de dificuldades.
Impunha-se então conferir à câmara municipal respectiva um mais decidido apoio financeiro, por forma a tornar possíveis as construções que se mostrassem de necessidade inadiável. Haveria assim um nivelamento que muito concorreria para igualizar as condições de vida do professorado primário, sem criar a ideia de existirem locais indesejáveis.
Por outro lado, como a aludida base XIX preceitua que só ao Governo competirá o reconhecimento da necessidade de tais construções, essa determinação pode não as facilitar, como facilmente se compreende.
Impunha-se conceder às câmaras municipais o poder de decidirem também sobre essa necessidade, o que não iria de nenhuma maneira de encontro à sua missão específica.
O novo plano não contempla, como o faz para as casas para professores, as construções das cantinas escolares.
Pressupõe assim, na base VII, que continuará a vigorar o regime segundo o qual o Estado construirá a cantina necessária, desde que as câmaras municipais ou alguma entidade singular ou colectiva garantam a sua manutenção em determinadas circunstâncias.
A Câmara Corporativa, considerando no seu douto parecer este muito importante aspecto da vida escolar,
Página 358
358 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 191
faz sobre ele muito valiosas considerações, que cumpre evidencia como merecem.
Na verdade, segundo a Câmara Corporativa entende, e muito bem, parece aconselhável estudar uma solução construtiva, em que se inclua, como medida de carácter geral, a cantina em conjunto com o edifício escolar.
Assim se poderão evitar muitos dos muito graves inconvenientes que ao presente se observam com o regime vigente.
Quem conhece a torturante desigualdade entre as crianças que frequentam escolas já dotadas com cantinas que, funcionando satisfatoriamente, fornecem, no todo ou em parte, alimentação, livros, vestuário e, por vezes, até assistência médica e medicamentos, e aquelas cujas escolas nada lhes concedem além do ensino, sente-se invadido por um forte sentimento de insubmissão!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Peres Claro: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Peres Claro: - Acontece até que crianças de várias escolas, que se servem de uma única cantina, têm de andar, às vezes, mais de um quilómetro para comerem o seu almoço.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª e sei que realmente é assim. Hás no caso que V. Ex.ª aponta ainda existe uma cantina. Mas naqueles casos em que nem sequer existe cantina?!
Nesses casos, as crianças de famílias económicamente débeis são obrigadas a aguentar o seu trabalho escolar diário quase sem alimentação.
V. Ex.ª sabe bem que não pode haver educação eficiente sem o estômago cheio.
Agradeço, no entanto, a achega que me trouxe.
E que, perante uma inquestionável igualdade de direitos, derivada de todas essas crianças serem valores do mesmo quilate do nosso capital humano, confrange que a ingente tarefa de receberem a luz do espírito tão desigual lies seja!
Torna-se, por isso, de verdadeira e imperiosa necessidade encarar bem de frente a sua desigual e injusta situação.
Nos meios económicamente mais evoluídos ou que têm a felicidade de possuir valores com abundantes bens de fortuna, não raro aparece quem se mostre disposto à benemerência da manutenção de uma cantina, e poucos ou nenhuns problemas de carência aparecem então, dado que até à respectiva câmara municipal não será difícil garantir, ela própria, a manutenção daquela.
Mas nos restantes meios mais empobrecidos, e são os que formam o maior número, a garantia de manutenção não surge, e com a sua ausência impossível se torna a criação da cantina.
E para esses casos que cumpre chamar a atenção do Governo, para que os considere e resolva com o mesmo espírito construtivo com que foi elaborada a proposta de lei que prevê as construções escolares.
Como bem nota a Câmara Corporativa, se, como regra geral, a cantina se incluir no conjunto do edifício escolar que vai erguer-se e o seu apetrechamento se fizer paralelamente ao apetrechamento deste, ao grave problema será dado um importante começo de solução.
Na verdade, embora sem a facilidade da manutenção garantida pela renda de dinheiro depositado ou pelo contributo da câmara municipal, não será impossível ao agregado local, no jeito da sã ajuda que tanto irmana as pobres gentes rurais, fornecer os géneros indispensáveis à confecção, ao menos, de uma sopa diária, que, com o auxílio que o Ministério da Educação Nacional pode e deve também conceder, será recebida como um bálsamo pelas pobres crianças que nada ou quase nada levaram de casa para se alimentarem nas horas de actividade escolar.
O Sr. Peres Claro: - O que V. Ex.ª está a dizer é apenas no sentido de que as populações deverão auxiliar a manutenção dais cantinas, ou que seja o próprio Governo a efectuar a sua construção?
O Orador: - A construção de uma cantina só se pode fazer desde que esteja assegurada a sua manutenção, mediante um depósito de 250 000$ ou com a garantia das câmaras municipais. E, então, a experiência ensinou-nos que, nos locais menos favorecidos, se as escolas tiverem uma cozinha e uma pequena copa, isso já permite que, com o auxílio local e um subsídio do Ministério da Educação Nacional, se possa dar ao menos, às crianças, uma sopa.
A boa gente mirai tem o culto do auxílio, e, por isso, não custaria muito a uns dar hortaliças, a outros os restantes géneros. Assim, com a construção da cozinha e da pequena copa, resolvia-se o problema, porque havia possibilidade de se confeccionar a sopa que seria depois distribuída nas antecâmaras da sala de aula ou nos (recreios cobertos.
Isto é, na verdade, um problema sobre a premência do qual não pode haver dúvidas. Ele é absolutamente oportuno e humano, pois estabelece a necessária solidariedade entre as crianças.
Ponto é que exista uma instalação onde, embora com muita modéstia e sem as galas de um edifício próprio, se possa cozinhar essa sopa e haja a louça e o talher indispensáveis a poderem toma-la as crianças a quem se destina.
É necessário, porém, que tal possibilidade seja devidamente considerada nos edifícios a construir ao abrigo da proposta de lei que nos ocupa.
Os projectos dos novos edifícios deverão, assim, prever a construção de uma cozinha e de uma copa incorporadas na edificação que, muito embora de dimensões restritas, permitam preparar refeições simples para a população escolar que vão albergar.
O Sr. Rodrigues Prata: - V. Ex.ª não acha que o local mais próprio para se servirem as refeições seja a cantina? Parecia-me mais educativo que se construíssem mais uns metros quadrados, do que as crianças comerem nos recreios.
O Orador: - Perfeitamente de acordo com V. Ex.ª, mas, como o bom é inimigo do óptimo e como o bom já seria muito, eu contentar-me-ia com o bom. A solução que V. Ex.ª preconiza seria óptima.
Como V. Ex.ª vê, toda esta proposta de lei é dominada pelo espírito de larga economia, aliás excessivo em relação àquilo que se tornava necessário ser dado, por se dirigir à estrutura da própria Nação.
Eu adiro à opinião de V. Ex.ª de corpo e alma, mas, dentro do espírito de economia desta proposta de lei, a sua ideia nunca terá audiência, infelizmente. E então, porque não podemos pedir o óptimo, pediremos ao menos o bom, ou o suficiente. Não quero dizer que as crianças comam ao ar livre. Quando fui presidente de uma câmara, nas escolas mais desfavorecidas mandava-se fazer uma cozinha e na antecâmara dessas escolas arranjavam-se umas mesas que serviam também de refeitório.
O Sr. Rodrigues Prata: - Fiz esta observação porque na minha intervenção de ontem preconizei a criação
Página 359
26 DE JANEIRO DE 1961 359
de cantinas, mas incluí tudo quanto era necessário à cantina: a cozinha e o refeitório. A copa seria um luxo.
O Orador: - Esta copa de que falo é uma arrecadação.
O Sr. Rodrigues Prata: - Fui ao ponto de sugerir que se construíssem em casas pré-fabricadas de madeira as escolas nos meios rurais, a fim de que houvesse disponibilidades para construir a respectiva cantina. Isto nos meios eminentemente rurais, que é onde são mais necessárias.
O Orador: - Continuo a aderir ao pensamento de V. Ex.ª e a dizer as mesmas razões. Simplesmente, parece-me um bocadinho mais fácil de resolver este problema se começarmos por pouco, porque se vamos pedir muito nada conseguiremos. Devo dizer que V. Ex.ª tem incontestavelmente razão, até porque a existência de uma cantina num meio mais evoluído impõe que nos menos favorecidos outras se construam. As crianças são as mesmas e com idênticas necessidades.
O Sr. Rodrigues Prata: - Mas talvez o poder económico dos meios eminentemente rurais justifique mais a construção.
O Orador: - De facto, quem é rico não precisa; quem precisa é o pobre.
Esta solução que se apresenta facilitada pelo seu baixo custo trará incalculáveis benefícios aos meios rurais, que, sendo reconhecidamente desfavorecidos, nunca terão a sorte de poder contar com uma cantina especialmente construída.
O Sr. Peres Claro: - Conheço até casos de refeições às crianças serem servidas nas sedes das juntas de freguesia.
O Orador: - Simplesmente, também não há unia sede de junta de freguesia ao pé de cada uma dessas escolas dos meios rurais mais desfavorecidos.
O problema é sempre o mesmo. VV. Ex.ªs gostariam de ver os problemas resolvidos tal como deveriam ser resolvidos.
Por isso, tenho a impressão, e a impressão que me ficou da experiência, de que não é possível resolver tudo. Logo, vamos ver se encontramos alguma resolução intermédia, pois que é sempre melhor ter alguma coisa do que não ter nada.
O Sr. Peres Claro: - Nisso concordo inteiramente com V. Ex.ª
O Sr. Rodrigues Prata: - E V. Ex.ª está convencido de que será muito difícil?
O Orador: - Não, na generalidade, mas eu também respondo a V. Ex.ª
Eu não queria desencorajar totalmente o plano, mas, na generalidade, estou convencido de que, como no Plano dos Centenários, hão-de continuar a verificar-se as mesmas dificuldades, porque a causa é a mesma, isto é, as autarquias locais não viram aumentados os seus proventos...
O Sr. Rodrigues Prata: - Antes pelo contrário!
O Orador: - Elas vão pôr agora à disposição do Estado os terrenos que este compra e as câmaras pagam.
E eu julgo que não interessa pretender tirar mais a uma bolsa vazia. O que interessava era enchê-la, e não esvaziá-la.
Julgo que é muito difícil, mas o tempo se encarregará de esclarecer o problema. Essa dificuldade é tão grande que equivale a uma impossibilidade.
Assim se acudirá à desventura de tantas crianças para as quais a complicada arte de saber ler e escrever se toma particularmente difícil, por ter de ser aprendida em permanente estado de necessidade alimentar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: depois destas singelas considerações, bastante mais longas do que inicialmente se desejava que fossem, urge terminar. No que deixo dito, e que resulta da apreciação que fiz à proposta de lei que se discute, transparece a aninha dúvida sobre se os municípios poderão corresponder à parte importante que lhes foi reservada no desenvolvimento deste vasto plano.
Tenho para mim que lhes será muito difícil essa correspondência, e baseio a minha presunção no conhecimento que adquiri das graves dificuldades da vida municipal, oriundas de cada vez maiores exigências de activa comparticipação aios grandes problemas nacionais, que em muito transcendem os limites da esfera da vida municipal.
Perante um plano de tamanha importância, cujos objectivos concernem aos melhores e mais valiosos interesses da estrutura da Nação, entendo que se haveriam de ter banido todas as artificialidades, para se ter podido planificar com solidez.
É tão valiosa em todos os graus da instrução a política do Ministério da Educação Nacional - que dois abnegados governantes servem com dedicação sem limitações - que mal se compreende que a possam perturbar, no sector do ensino primário, as fraquezas financeiras das câmaras municipais, havidas como coisa de somenos!
Não sucede, infelizmente, assim, sendo bem outra á realidade.
Pode, contudo, haver a segurança de que os municípios estarão galhardamente à altura das suas responsabilidades e aceitarão, até ao sacrifício, a quota-parte que lhes é atribuída nas grandes despesas de realização do plano agora concebido; a sua comparticipação, porém, a despeito do muito que muitos desejam colaborar, não pode exceder os limites das suas restritas possibilidades financeiras.
Impõe-se, por isso, aumentá-las por forma que, não só neste plano como em todas as grandes iniciativas do engrandecimento nacional, os municípios possam ocupar o lugar que lhes pertence.
Sr. Presidente: os ligeiros reparos que entendi dever fazer não significam qualquer minimização do muito valor da estrutura geral da proposta de lei que se apreciou. Dar-lhe-ei, por isso, muito gostosamente o meu voto na sua generalidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Convoco para amanhã, às 15 horas, as Comissões de Obras Públicas e de Política e Administração Geral e Local, para se ocuparem da proposta de lei sobre o plano de viação rural.
Página 360
360 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 191
Amanhã haverá sessão, tendo por ordem do dia a continuação da discussão na generalidade e, possivelmente, a discussão na especialidade da proposta de lei em debate.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Américo da Gosta Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Armando Cândido de Medeiros.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Coelho.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Rodrigo Carvalho.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA