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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 194
ANO DE 1961 2 DE FEVEREIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 194, EM 1 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 17 horas.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 193.
Leu-se o expediente.
O Sr. Deputado Aires Martins traçou o perfil de D. Nuno Alvares Pereira, a propósito da peregrinarão das suas relíquias por terras de Portugal.
No mesmo sentido, o Sr. Deputado Franco Falcão destacou especialmente o brilho das comemorações efectuadas em Cernache do Bonjardim.
Ordem do dia. - Começou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre o plano de viação rural.
Usou da palavra o Sr. Deputado Nunes Fernandes.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 55 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
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Frederico Bagorro de Sequeira
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Pedro Neves Clara.
Jorge Pé feira Jardim.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Hérnia no Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Veraneio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Talares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Ar antes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr Presidente: - Estão presentes 76 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 17 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 193.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação sobre o Diário, considero-o aprova-lo.
Deu-se conta do expediente
Expediente
Carta
Com assinatura ilegível, a apoiar as intervenções dos Srs. Deputados que sugeriram a extinção da Comissão Reguladora das Moagens de Ramas.
Exposição
Do Eduardo Henrique da Silva, acerca, da situação dos escrivães das execuções fiscais.
Telegramas
De Frederico Gorjão Henriques a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Vítor Galo acerca da reorganização da indústria de lacticínios.
Da empresa Burnay e outros a apoiar a doutrina do Decreto n.º 43 418 acerca da reorganização da mesma indústria na Madeira.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Aires Martins.
O Sr. Aires Martins: - Sr. Presidente: Portugal fora designado para as grandes realizações. Por cumprimento do imperativo geográfico, procurou e definiu as fronteiras do reino e, quando as circunstâncias o permitiram, ultrapassou os limites do território e exibiu significado de presença em todos os azimutes do globo t na maioria dos arranjos da humanidade, descobrindo terras e divulgando pormenores de civilizações ignoradas. Os Portugueses de outrora dilataram a fé e o império na prática, sublime do princípio de colaboração rigorosa, e perfeita do exercício de adoração da cruz e do manejo da espada. Toda a narrativa, mais ou menos longa, referida ao passado histórico e à epopeia gloriosa dos Portugueses utiliza o traço simbólico da verdadeira união entre a cruz e a espada.
O pensamento circunscreve a tarefa prodigiosa das viagens marítimas e das descobertas; explica, sobretudo, a obra colonizadora realizada nos espíritos, nos homens e nos bens, conseguida por esforços abnegados, sacrifícios admitidos, religiosidade praticada, conhecimentos ensinados, costumes exibidos, trabalhos realizados e progressos introduzidos, numa afirmação extraordinária do sentido com que os habitantes interpretaram, por vocação própria, a missão determinada para Portugal. Não admitiram receios, dúvidas ou desfalecimentos quando se lançaram na descoberta dos mares imensos, não respeitaram a ideia do sacrifício ou da descrença quando se orientaram para as terras distantes ou contactaram com os povos desconhecidos e atrasados do Mundo, não vacilaram nem desanimaram ao iniciarem a grande obra de aproximação dos homens que os ambientes, os costumes, a língua e o nível de cultura determinavam em condições de hostilidade; não desviaram o rumo por efeito de contemplação dos resultados alcançados e não hesitaram também no uso da força quando se tornara necessária para o benefício dos povos. Os Portugueses actuaram sempre com o coração perante os quadros necessitados e com energia em relação aos exaltados, numa prática reflectida e apropriada da bondade e da força.
Foi o princípio normal da actividade dos Portugueses.
Mal definidas ainda as fronteiras e não completadas as medidas de valorização e de estruturação da política, numa convergência difícil da história em que as circunstâncias comprometiam a condição de independência alcançada com sacrifícios em tempos anteriores, exactamente quando tudo parecia contribuir para a perda da liberdade e para o regresso à situação de povo subalterno, um mesmo homem, desdobrado em manifestações diferentes, por favor do destino e por influência de espírito superior, opera verdadeiros milagres, no jogo consciente da oração a da espada: Nuno Alvares Pereira foi fervoroso na oração, identificado no alcance da crença, valoroso na luta e herói no campo de batalha.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Muito novo demonstrou o poder das suas características de alma, precisamente quando D. Fer-
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nando decidiu entregar a responsabilidade do cargo de fronteiro de Lisboa ao prior do Crato, D. Pedro Álvares, que se fez acompanhar de seus valorosos irmãos, um dos quais seria o futuro condestável do reino. Na maneira como corresponderam às frequentes correrias tios Castelhanos os Portugueses criaram a situação de calma e de confiança,, praticaram atitudes e decisões corajosas e demonstraram superior espírito do patriotismo: D. Nuno Alvares Pereira foi figura central da cena. lusitana aio período de constante agitação e de evolução incerta que D. Fernando dispusera em condição delicada para a tranquilidade do povo e altamente perniciosa para o tesouro nacional; sòmente as instituições militares puderam beneficiar, por efeito de reformas extensas que resultaram da experiência obtida em circunstâncias movimentadas anteriores que tinham evidenciado a necessidade de efectivos e aconselhado medidas que, então adoptadas, fizeram entrar no serviço militar todas as classes populares, incluindo a mais inferior, que, par princípio estabelecido, era dispensada de o prestar, instituindo-se pela primeira vez em Portugal uma forma, de serviço militar obrigatório, que hoje constitui sistema generalizado de responsabilidade dos homens relativo ao programa de defesa e de soberania dos estados constituídos.
Por princípio de conveniência, as providências militares adoptam uma linha de evolução paralela com o desenvolvimento da política; ou elas não devessem assegurar o apoio da política, e significar, até, o seu prolongamento quando o recurso à guerra é a decisão obrigatória.
Falecia D. Fernando, D. Leonor manifestava inclinação condenável, D. João de Castela mostrava interesse decidido pelo governo de Portugal e, entretanto, o mestre de Avis era nomeado defensor e regente do reino; simultaneamente, as instituições militares experimentaram as transformações para determinarem a organização das forças combatentes e o ensino da arte militar. Foi na conjuntura desenhada da política e da actividade militar que se desenvolveu a movimentação intensa do quadro político da Península, considerada possível pelo propósito definido e pela insistência demonstrada pelo rei de Castela, que pretendia, firmar a condição de dependência do povo português, patrocinada por parte da nobreza; mas firmemente repudiada pela, alma. nacional. Verdadeiramente, a interpretação mais ajustada foi realizada por D. Nuno quando o mestre de Avis, em hora de feliz inspiração, lhe confiou a responsabilidade de fronteiro-mor do Alentejo, em circunstâncias que faziam incidir sobre esta região as maiores preocupações, devidas ao movimento de invasão que os Castelhanos realizavam, com o objectivo determinado da conquista de Lisboa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O cumprimento desta missão difícil e honrosa, caracterizada por riscos e dignidades, ofereceu oportunidade para consagração merecida do talento de N uno Alvares, plenamente evidenciado na, batalha dos Atoleiros, que, simultaneamente, foi uma demonstração de fé praticada no ambiente de emergência da batalha, do verdadeiro sentido das circunstâncias traduzido em medidas de ordem táctica, de espírito de confiança na ética dos Portugueses, de particular conceito de comando e de devotado sentimento patriótico. Quando o inimigo avançava sobre o dispositivo instalado dos Portugueses, definido em condição de manifesta, inferioridade em relação aos efectivos adversários, D. Nuno apeou-se, ajoelhou e rezou; adoptou providências reflectidas para melhoria do dispositivo, determinando inesperada atitude aos cavaleiros, que deveriam apear-se, apoiar as lanças no solo e incliná-las para a frente a fim de receberem, nesta posição, os cavalos inimigos. O desfecho significou a vitória dos Portugueses e as consequências confirmaram o prestígio do valoroso chefe, que ocupa, sem dúvida, a posição da figura mais evidente e grandiosa da Idade Média portuguesa e do mais notável capitão do seu tempo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Elas asseguraram a condição de confiança pelo futuro, firmaram os alicerces da posição de independência e representaram lambem argumentos de valor real, sob o ponto de vista táctico, para ajustamento das instituições políticas mundiais, contribuindo para a decadência da cavalaria e para o alvorecer da infantaria, já ensaiada em Crécy e Poitiers e, depois, confirmada em Granson e Marat.
Não se satisfez com os louros alcançados o glorioso comandante. Por fecunda intuição do seu génio, reflectiu sobre as condições do momento e pôs em prática providências convenientes para acautelar o resultado futuro. Nomeado condestável e empenhado na adesão de algumas praças que se mantinham opostas à causa do mestre de Avis, que era a causa de Portugal, recebe com serenidade impressionante a notícia de nova invasão do reino, concretizada pelo avanço de numeroso exército, bem equipado e possuído de modernos engenhos de guerra, que constituíam surpresa para os exércitos mais modestos da época. Foi difícil o encontro de ideias do rei e do condestável e tardou o estabelecimento do plano de luta que se tornava aconselhado contra os Castelhanos.
Todavia, estabelecida, a concordância de ideias numa prática que constitui imagem distante do sistema actual da unidade do comando, o chefe glorioso recuperou o tempo perdido no desenvolvimento de um plano que assombra: marchou ao encontro do inimigo no sentido de aproveitar da iniciativa das operações, procedeu ao reconhecimento do terreno, decidiu pela escolha de um quadro geográfico que garantia a segurança dos flancos e impedia, a actuação simultânea de todo o efectivo adversário, decidiu pela utilização de dispositivo apropriado e, de forma superior, fortaleceu a coragem e exaltou a disposição moral dos combatentes, cuja estrutura tem o significado de constante, que é a principal razão do valor dos exércitos.
Estavam tomadas as disposições necessárias quando as hostes inimigas apareceram no horizonte geográfico dos Portugueses. O choque seria uma realidade. Entretanto, por uma manobra de movimento do inimigo, que procurava desta maneira atenuar as circunstâncias de vantagem derivadas das características de posição dos Lusitanos, os Castelhanos contornaram o dispositivo nacional e procuraram atacar a retaguarda do conjunto português. D. Nuno Alvares Pereira, porém, observou o inimigo, seguiu o desenvolvimento da sua manobra e pressentiu os seus propósitos; correspondeu com nova atitude que determinava a mudança da frente. As direcções de combate tinham sido alteradas e o esquema dos exércitos tinha mudado as frentes num estilo pouco corrente de batalha que adoptou a designação de frentes invertidas. Efectivamente, a batalha de Aljubarrota travou-se no choque violento dos dois exércitos, que combateram com redobrada energia e desmedidos esforços dirigidos em sentido oposto àquele que tinham seguido nos movimentos de aproximação.
É sobejamente conhecida a representação descritiva desta batalha, que consolidou a posição de independência nacional e que foi possível por razão do glorioso chefe que providenciou em pormenor, comandou com coragem e que exibiu o quadro significativo
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de comandante destemido e de exemplo perfeito. Poderia, sem favor, situar-se o acontecimento como expoente último da sua virtuosa carreira das armas, mas o condestável queria completar a sua tarefa e definir em realidade a posição de Portugal: não hesitou em medir forças com o inimigo de novo, indo procurá-lo no seu próprio território. Com igual sentido militar e o mesmo espírito patriótico derrotou os Castelhanos em Valverde.
D. Nuno Álvares Pereira conquistou, muito justamente, a consideração de herói, defendeu o prestígio adquirido projectou-se como figura de primeira grandeza nas dimensões dos conceitos militares do tempo; em paralelo com todas as virtudes militares que beneficiavam o verdadeiro cavaleiro medieval, abrigava na alma, os sentimentos generosos e cristãos que lhe alcançaram a consagração da Igreja. Soube manejar a espada no campe de batalha e dedicou à cruz o melhor sentido no ambiente de oração e no recolhimento do claustro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No último domingo as relíquias do glorioso condestável iniciaram o movimento pelas terras de Portugal, numa manifestação de fé e de reconhecimento confiada ao patrocínio das autoridades eclesiásticas. Ficaria bem, certamente, no momento um apontamento de natureza militar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Com o significado de indiscutível simbolismo, as relíquias vão percorrer as mesmas terras que, em épocas anteriores, constituíram cenário para as práticas maravilhosas do herói e do santo precisamente em circunstâncias delicadas da vida portuguesa. A ideia é grande. O argumento de presença destes símbolos impressionantes e a contemplação reflectida dos cenários maravilhosos da cena portuguesa oferecem o quadro indispensável para o exercício de raciocínio dedicado ao julgamento do passado, ao exame do futuro e à consagração dos valores supremos.
Outrora, os dados referiam sòmente as fronteiras do território nacional europeu, os valores populacionais eram modestos, os meios possuíam valores limitados; hoje. os perigos e as ameaças estão localizados na proximidade imediata das vastíssimas fronteiras dos territórios portugueses distribuídos por todos os ambientes da terra, a população adquiriu nível de dezenas de milhões de almas e a luta actual mobiliza variedade grande cê meios e pratica variados progressos. Portugal saiu victorioso nas contingências do passado e justificou plano de prestígio reconhecido no confronto com as outras unidades do esquema político mundial.
Os quadros são diferentes em proporções. Todavia, possuem as mesmas características determinadas pelas dificuldades, pelas preocupações e pelas ameaças. Portugal recebeu do passado a honrosa herança de uma actuação de nobreza e interpreta-a com o argumento seguro
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A história exalta os factos e a alma guarda admiração pelos homens.
Ora, nenhum outro quadro poderia representar melhor argumento do (pie a passagem das relíquias do português glorioso que definiu posição de evidência no plano de valores dos tempos distantes medievais pelas terras do Portugal perante o sentido recolhido dos homens.
Certamente, símbolo tão maravilhoso constitui, por significado de presença, um convite à meditação dos Portugueses, exacta mente no momento em que perigos e ameaças de toda a ordem comprometem o estado de calma e o espírito de confiança lusitano e estabelecem coordenadas variadas para situações possíveis de cataclismo ou de epopeia. Tudo depende da maneira como os homens assimilarem a. lição que vai ser ministrada em todos os quadros geográficos nacionais. Esperanças justificadas admitem resultados compensadores do pensamento posto em prática, se todos os portugueses dedicarem especial reflexão ao exame das virtudes e dos traços morais daquela figura gigantesca, procurando adoptá-la como padrão das suas atitudes e manifestações; se cada casa ponderar o alcance das práticas de família que distinguem um lar por manifestações de nobreza, e dignidade; sobretudo, se a geração dos novos, que muito tem a beneficiar, dedicar raciocínio interessado sobre os feitos do jovem português que foi I). Nuno e atentar na formação de uma consciência nacional elevada e nos efeitos de uma linha de procedimento bem definida, em rectidão e verticalidade, perfeitamente exemplificada na vida primorosa do vulto glorioso que se exalta, sem exagero, perante os acontecimentos tristes do momento que se condenam, sem, limitações. D. Nuno Álvares Pereira representa o significado perfeito do exemplo que importa seguir e que a Igreja oferece à meditação dos homens, para efeito de uma lição viva que realiza a identificação de todos os portugueses para o movimento de recuperação do sentido histórico e garantia da eternidade de Portugal grande, digno e prestigiado no Mundo.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Franco Falcão: - Sr. Presidente: o ano de 1960, que acaba de findar, foi fértil em acontecimentos do maior relevo na vida nacional.
Com o seu decurso coincidiram o 6.º centenário do nascimento de D. Nuno Alvares Pereira, esse destemido soldado, que tornou ditosa a Pátria amada, e o 5.º centenário da morte do infante D. Henrique, esse sábio marinheiro, que impulsionou e abriu o caminho dos mares, por onde se expandiu o génio dos Portuguesas e difundiu a civilização ocidental.
As comemorações do segundo não diminuíram nem deixaram esquecer as homenagens devidas à invulgar personalidade do heróico construtor da independência nacional, mas antes dilataram as festividades e a« honras devidas a Nuno Álvares, para que à sua volta se criasse uma auréola de grandeza, de fé e de meditada preparação espiritual, que há-de conduzir à canonização do Beato Nuno.
Por isso, entre todas as solenidades realizadas ou a realizar, reveste-se de excepcional expectativa, para toda a cristandade lusíada, a grande peregrinação nacional com as relíquias do santo condestável, cujo itinerário teve início no dia 29 do corrente mês, de Janeiro pela área do Patriarcado de Lisboa, para que através do sacrifício, da oblação e da penitência, se abram de par em par as portas da igreja católica universal, e
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D. Nuno Álvares Pereira seja não apenas o santo de Portugal, mas o santo do mundo inteiro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Como português e como beirão, que sempre tem procurado moldar a sua alma nos ensinamentos da história, da gratidão e da justiça, eu não podia deixar transitar acontecimento de tão elevado sentido patriótico e espiritual sem que, aproveitando a minha presença nesta Câmara, invocasse a figura daquele que, firmando a independência de Portugal, construiu a verdadeira consciência da Nação, que tornou possível a gesta dos Descobrimentos e os feitos gloriosos dos Portugueses, que, através das armas, da administração e da diplomacia, enchem as mais famosas e eloquentes páginas da história universal.
Brilhantemente iniciadas foram as comemorações oondestabrianas em Cernache do Bonjardim, privilegiada terra beiroa que foi berço do santo condestável, situada no concelho que tem por sede a pitoresca e valiosa vila da Sertã - tão cheia de lendas e tradições -, cuja história é anterior à própria nacionalidade, e ocupa no presente um dos primeiros lugares no conjunto dos valores morais e populacionais do distrito de Castelo Branco.
Sr. Presidente: Cernache do Bonjardim, essa encantadora e histórica vila a que a. Divina Providência concedeu a graça de servir de berço a D. Nuno Alvares Pereira, esteve em festa nos dias. 4 e 5 de Junho, para, num gesto da maior justiça e da mais sentida gratidão, bem, próprio dos nobres predicados da sua virtuosa gente beiroa, iniciar com o maior esplendor as comemorações do 6.º centenário do nascimento do seu mais glorioso e ilustre filho.
E não seria possível dar maior brilho às comemorações condestabrianas do que aquele que soube imprimir-lhes, com tanta elevação e grandeza, a terra natal do santo condestável Nuno Álvares.
Com efeito, Cernache do Bonjardim, vestindo ás suas melhores galas, retocando cuidadosamente a sua natural beleza e dando mais vida e colorido ao imenso jardim com que a natureza prodigamente a dotou, soube com a maior galhardia glorificar a memória do santo guerreiro, dando a todas as festividades um oportuno e expressivo significado, com a presença honrosíssima de S. Ex.ª Venerando Chefe do Estado e de S. E. o Sr. Cardeal-Patriarca.
A grandiosa procissão que se realizou na noite do dia 4, presidida pela figura distinta e respeitável do Sr. Cardeal Cerejeira, e na qual foram conduzidas aos ombros de jovens escolares as relíquias do herói e santo, foi uma das mais impressionantes e ardentes manifestações de fé, que culminaram aquelas expressivas comemorações, que bem testemunharam a veneração dos Portugueses pelo Beato Nuno de Santa Maria, e foi luminoso caminho que se abriu para a projecção da sua santidade em todo o mundo católico.
A missa campal do dia 5, realizada em cenário de rara beleza e espiritualidade; a que não faltaram heróicos soldados do brioso exército português, foi acto da maior transcendência, onde o repicar celestial dos sinos e o toque marcial dos clarins se irmanavam apoteòticamente, nos mais puros sentimentos da Religião e da Pátria.
Cernache do Bonjardim. ao receber com o maior afecto e dignidade os Srs. Presidente Américo Tomás e Cardeal Cerejeira., dois chefes insignes, identificados nos mesmos ideais de valorização da grei e de expansão da doutrina de Cristo, demonstrou eloquentemente que os poderes espiritual e temporal, conjugados, sempre dominaram todo o pensamento e acção dos Portugueses e continuarão a ser a sua maior força na defesa de direitos sagrados e inalienáveis.
D. Nuno Álvares Pereira, a mais valorosa figura da história militar portuguesa, nasceu em 1360, nos Paços do Bonjardim, mandados edificar por seu pui, o grão-prior do Grato, D. Álvaro Gonçalves Pereira, e dos quais existem raros vestígios, pois as pedras das suas ruínas foram utilizadas na construção da igreja paroquial de Gernache, facto bem revelador da natural predilecção de Deus por tudo o que estivesse ligado à vida do santo condestável.
Ali viveu e se educou até à idade de 13 anos aquele que mais tarde viria a ser o grande condestável do reino de Portugal.
Nesta idade foi levado para a corte, que então se encontrava instalada em Santarém, começando a partir desse momento os seus triunfos, pois a rainha D. Leonor Teles, adivinhando-lhe superiores qualidades, nomeia-o para o seu serviço e o mestre de Avis arma-o esperançoso cavaleiro.
Mas a sua acção tornou-se cada vez mais notável em actos de bravura e de bondade, pelo que D. João I lhe concedeu terras e as honrarias de mordomo-mor, para seguidamente lhe entregar a chefia suprema de todo o exército, que o seu heroísmo de condestável colocou ao serviço da independência nacional.
A sua vida, que foi um modelo de valentia e de virtudes, é a expressão da própria vida da Pátria, pois a lição de Aljubarrota ainda se não perdeu e tem de viver agora mais acesa ainda na alma dos portugueses de lei, no momento em que o comunismo internacional se esforça tenazmente por atirar para a roleta das nações os nossos seculares e legítimos direitos de soberania.
A mesma decisão e os mesmos fervorosos sentimentos patrióticos que levaram D. Nuno a vencer nos Atoleiros, em Aljubarrota e em Valverde continuam a pulsar no coração dos Portugueses, e por isso não admitimos nem admitiremos ingerências estranhas e tendenciosas na vida política e administrativa do País, venham elas de espectaculares ditadores, que, arvorados em paladinos de uma falsa liberdade, apenas espalham o terror e a confusão, ou sejam instigadas por portugueses adulterados, que, vencidos pela vida ou dementados por fanatismos satânicos, não hesitam em atentar criminosamente contra o bom nome e a segurança da Pátria, colocando-se ao serviço de ideais que são a negação da sua própria condição de homens livres.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quanto mais os nossos inimigos e os pretensos destruidores da civilização ocidental se esforçarem por atingir a nossa integridade política e territorial, maior será a nossa reacção, mais vibrantemente responderá o nosso patriotismo e mais alerta estarão os nossos indefectíveis sentimentos de unidade, na defesa intransigente da soberania nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ainda ecoam, sob os céus de Portugal, os protestos da Nação inteira contra as torpes insinuações daqueles que, esquecendo as mais elementares regras de cortesia, se servem abusivamente de assembleias internacionais respeitáveis -onde apenas devem estar em jogo os mais elevados sentimentos de compreensão e concórdia - para nos dirigirem injúrias e acusações, que, por serem filhas da mentira, em nada abalaram o nosso prestígio, mas antes contribuíram para que os Portugueses demonstrassem a esses fantas-
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mas, e ao mundo inteiro, que aos rebeldes e aos traidores se não abrem as portas da Casa Lusitana.
O que eles pretendem fundamentalmente atingir não são apenas extensões territoriais que são pedaços invioláveis da Mãe-Pátria, mas, muito principalmente, querem liquidar os ideais de uma civilização de que os Portugueses foram os mais expressivos pioneiros.
A minha voz de português e de beirão, dessa Beira Baixa que através dos tempos sempre soube dar provas da maior lealdade e do mais puro portuguesismo, à qual a providência concedeu o grande privilégio de ver nascer nas suas muralhas gloriosas Nuno Alvares Pereira, não podia ficar indiferente a estes factos no momento em que pedi a palavra para invocar a memória desse herói e santo, cujo exemplo continua a inspirar e a fortalecer os sentimentos patrióticos dos Portugueses sempre que sejam ameaçados os sagrados direitos de Portugal.
Nuno Alvares, vencendo em Aljubarrota, inspirado pela chama do patriotismo e da fé, restituiu o corpo mutilado da Pátria à sua dignidade secular, deu personalidade à comunidade, lusíada e consolidou a independência nacional.
Hoje, que o inimigo universal tenta subverter terras e gentes cada vez mais vinculadas à Mãe-Pátria, temos de reacender nas nossas almas o heróico exemplo do santo condestável, lutando pela manutenção da independência que tão galhardamente nos legou e esforçando-nos por transmitir às gerações vindouras os territórios legitimamente recebidos dos nossos antepassados.
A espada gloriosa, de Nuno Alvares, dando à Nação a plena consciência do que fomos, tem de continuar a ser o símbolo vivo da eternidade da Pátria e da decisão inabalável de continuarmos livres.
Temos uma vida modesta, mas limpa e desafogada.
Vivemos com a tranquilidade de que «nada devemos» e, por isso, «nada tememos».
Não exercemos violências, nem represálias sobre quem quer que seja, nem tão-pouco perseguimos nacionais ou estrangeiros, pois os nossos actos sempre foram e continuam a ser ditados pelos mais elevados instintos da justiça e da caridade.
Não temos, assim, outras ambições que não sejam, as de continuarmos o nosso trabalho em paz, entregues a nós mesmos, na tarefa de engrandecimento do património nacional e na preocupação séria de contribuirmos para a união cada vez mais imperiosa de todas as nações livres, empenhadas na defesa e na consolidação da civilização ocidental.
Os protestos que de toda a terra portuguesa se levantaram contra, as injúrias que da tablado das Nações Unidas nos foram dirigidas pelos nossos mais cruéis inimigos e a indignação nacional contra a louca façanha de um grupo de piratas heterogéneos, que cobardemente assaltaram o indefeso paquete Santa Maria, constituíram uma decidida prova de vitalidade e de amor pátrio, que é sem dúvida a mais vibrante e apoteótica homenagem a Nuno Alvares, no ano em que o País comemora, entusiasticamente, o 6.º centenário do seu nascimento.
Esta espontânea manifestação de solidariedade bem podia servir de exemplo ao mundo livre para que os fogachos que o comunismo moscovita insiste em atear por todos os continentes não alastrem irremediavelmente, com o sopro venenoso dos ventos demagógicos, transformando-se em alteroso braseiro onde poderão ser consumidos os direitos que assistem a cada povo de ver respeitadas as suas instituições e de se governar pelos seus próprios sistemas políticos.
A figura admirável de Nuno Alvares, a quem o épico imortal chamou com inspirada propriedade o «pai da Pátria», será ainda a luz que levará os Portugueses a meterem a lança em África, se, como disse o santo guerreiro, em certo episódio da sua existência esplendorosa, «for necessário expor a vida em perigos em honra da Pátria e em defesa da Religião».
O santo condestável não foi apenas o guerreiro invencível nas armas, foi também o cavaleiro virtuoso do bem e do amor do próximo.
Audaz e destemido nos campos de batalha, cultivava em todos os actos da sua vida os mais nobres sentimentos da pureza e da caridade, auxiliando os humildes, e até os próprios inimigos de armas, quando a fome os atormentava e lhes fazia quebrar o ânimo.
Nunca entrava em combate sem que a sua alma fosse iluminada pela oração, ajoelhando perante a relíquia do Santo Lenho ou diante da imagem da Virgem Santíssima, que mandara pintar no seu pendão glorioso.
E na batalha de Valverde que mais fortemente se evidencia o fervor cristão de D. Nuno, quando os portugueses, desanimados ante a aproximação do inimigo, procuram debalde o seu chefe, que alguns companheiros vão finalmente encontrar entre dois penhascos rezando serenamente e tendo a dois passos o pajem de lança, que, preocupado, segurava o seu corcel de combate. Os cavaleiros querem interrompê-lo, mas desistem a um breve sinal, e o condestável acaba, com recolhida devoção, de rezar.
Ergue-se seguidamente triunfante e lança-se no mais aceso da luta, afirmando com confiante decisão: «Avante, avante, um contra quatro».
Despertados, por este grito sublime de fé e de esperança, os Portugueses levam de vencida o adversário, muito mais numeroso, experiente e forte.
Por isso, os seus triunfos considerava-os sempre obra da Divina Providência.
As suas vitórias, derrotando exércitos mais poderosos, foram não só fruto de uma inspiração sobrenatural de táctica militar, mas ainda verdadeiros milagres, que só por si bastariam para que a figura do guerreiro e do santo se tornasse célebre no altar do Mundo e digna do altar de Deus.
A batalha de Aljubarrota - diz Schoeffer - foi a acção mais memorável que se travou entre exércitos cristãos na Península. A superioridade incomparável das forças do partido vencido, a mocidade dos dois chefes vitoriosos oposta a tantos guerreiros assinalados, experimentados por anteriores campanhas, os curtos instantes que bastaram para decidir a acção (meia hora), a grandeza do prémio disputado (tratava-se de dois reinos e da independência de Portugal), todas estas circunstâncias asseguram à batalha de Aljubarrota o interesse da posteridade.
E o mesmo Schoeffer acrescenta que:
Louros imortais pertencem também ao vencedor de Valverde. Valverde soa tão tristemente aos ouvidos castelhanos, é invocado com tanto orgulho pelo Português como Aljubarrota.
É que em Valverde o seu coração estava ainda mais inflamado pela chama da piedade e pela protecção de Nossa Senhoria, cuja imagem cristalina tremulava ardentemente na bandeira da vitória.
D. Nuno Alvares Pereira, caritativo e bondoso, aliava à audácia do seu génio os mais sublimes sentimentos de humanidade.
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Cumprida a sua patriótica missão de assegurar e fortalecer a independência nacional, renuncia a todos os bens e riquezas, despreza prazeres e honrarias, para, na mais bela lição de humildade e de penitência, se recolher ao silêncio do claustro, no Convento do Carmo, que a sua vocação piedosa mandou construir.
E, para que a sua doação espiritual melhor pudesse agradar a Deus, escolheu o ofício de modesto porteiro e distribuía a sopa aos pobres na mesma caldeira de cobre que em campanha havia servido para o rancho nas suas valentes tropas.
No convento que construíra e onde se acolhera, no grau simples de obscuro irmão Donato, se passaram, em fervorosa devoção e sacrifício, os últimos anos de Frei Nuno de Santa Maria, que ali sucumbiu com a cabeça apoiada no peito soluçante de D. João I, esse rei bom e amigo, que o havia feito condestável do reino.
Assim partiu para a vida eterna um dos vultos mais célebres e notáveis da história de Portugal, levando gravado no coração o amor da Pátria, que corajosamente defendera, e na alma o nome de Deus, que sempre servira com suprema fidelidade e adoração.
O povo, que tanto o amava e tanto lhe devia, elevou-o logo às culminâncias da santidade quando ao chorar a perda do seu mais desvelado protector exclamava: «Morreu o santo, morreu o nosso santo».
A dívida nacional para com o santo condestável só será condignamente saldada quando nesta majestosa cidade de Lisboa, que teve a graça de o ver morrer santamente em seus braços, se erguer uma estátua evocativa da figura do herói...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Orador: - ... e se proceder à restauração do Convento do Carmo, em respeito à memória do Santo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Convento do Carmo, restituído ao seu antigo esplendor, seria o mais expressivo santuário da Pátria e da Igreja, donde irradiaria a luz resplandecente da canonização, e o caminho que, através da oração e da penitência, conduziria à consagração das virtudes do beato Nuno de Santa Maria e à sua veneração nos altares do Mundo inteiro.
A Nação Portuguesa, que tanto amou e à qual garantiu a suprema condição de povo livre, não pode esquecer toda a gratidão e todas as homenagens que são justamente devidas a D. Nuno Álvares Pereira, esse destemido e corajoso defensor da independência, que é honra e glória de Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.,
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vamos iniciar a discussão na generalidade da proposta de lei sobre o plano de viação rural.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes Fernandes.
O Sr. Nunes Fernandes: - Sr. Presidente: é, sem dúvida, do maior agrado desta Assembleia debruçar-se sobre problemas da maior oportunidade e actualidade com vista ao desenvolvimento económico e social da Nação.
Sente-se, efectivamente, por parte do Governo, o vincado desejo de estender ã, todos os recantos do País benefícios para as localidades mais desamparadas e tendentes a fixar nelas as respectivas populações.
Grave problema este, na verdade, que merece um aturado e carinhoso estudo.
Verifica-se com satisfação que, ultimamente, se encara o problema agrário e rural com a decisão de lhe dar a solução que se impõe.
É, com certeza, filiado nessa finalidade que surge o plano de viação rural, agora em discussão.
A primeira parte do relatório ou preâmbulo que precede a proposta de lei revela bem a honesta intenção do Governo de dar pronta solução aos diversos problemas rurais equacionados. Não lhe regatearei o meu louvor por isso, como homem que mergulha as raízes da sua ascendência na terra e que ainda vê nela o factor económico-social indispensável à manutenção do povo português.
E esse louvor não pode deixar de se dirigir, por forma especial, ao autor directamente responsável do projecto, o Sr. Ministro das Obras Públicas, pela clara e lúcida visão dos problemas a seu cargo e pelo conhecimento directo que deles tem nas saias viagens através de todo o País, apesar da sua precária saúde. É sempre uma presença reconfortante a sua para os ignorados servidores da Nação que sofrem as deficiências do meio, sem possibilidades de lhe darem solução imediata.
Quem nas montanhosas regiões do Norte do País se dispuser a praticar a heroicidade de deixar uma estrada nacional, nem sempre boa, é certo, pode apreciar a confrangedora situação a que chegaram as nossas vias rurais.
Numa boa parte delas nem sequer pode transitar o clássico carro de bois e existem muitas freguesias que ainda usam, exclusivamente, o dorso dos animais ou pessoas para o transporte dos produtos ou mercadorias.
Nas minhas andanças pela região da Beira-Douro, de alcantiladas depressões, deparo, constantemente, com este quadro desolador e não deixo, também, de sofrer as inclemências dos caminhos que trilho.
Nas povoações mais felizes, onde já pode ter acesso o veículo automóvel, constata-se que a circulação de tais veículos está impedida nas épocas invernosas, ou por falta de conservação daquilo que se fez, ou por não se ter completado a obra levada a cabo, revestindo o pavimento aberto.
E não se pode atribuir à Câmara Municipal a culpa deste descalabro.
O município em Portugal, salvo as excepções daqueles que possuem indústria de vulto, vive uma pobreza dourada, que não lhe permite acudir às necessidades mais prementes.
Não desejaria, na verdade, para mim o castigo de presidir a uma câmara para passar o dia a empregar palavras de paciência e formular desejos de melhores dias aos honrados representantes das freguesias; que me procurassem.
É que não compreendo que os encargos obrigatórios do município absorvam a quase totalidade das suas receitas e o deixem na impossibilidade, por isso, de exercer uma acção mais eficaz e de amparo aos munícipes, tanto no campo económico como no social.
Ora o munícipe rural, aferrado ainda a uma posição conservadora, em homenagem à tradição que cultiva, afirma a cada momento o seu lídimo portuguesismo e rejubila com as conquistas que no campo social e económico o Governo da Nação vai colhendo através de uma obra honesta, que só os cegos de espírito pretendem ignorar, sem a coragem de a contestar.
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Entretanto, é natural que essa fé viva que o anima vá enfraquecendo e o leve ao desânimo.
Consequentemente, é indispensável levar até ele a certeza de que não será esquecido e de que se trabalha no sentido de lhe proporcionar e valorizar a própria vida, tanto no campo social como no económico.
Será esse um grande passo em frente, até para se readquirir a fé viva nos destinos da Nação e reforçar-se a confiança no Estado Novo, que libertou aquela do caos político e trabalha, agora e sempre, para tornar mais produtivas as fontes de abastecimento da economia nacional.
Assim, pois, o projecto de lei em discussão é um marco de primeira grandeza para a vida das populações rurais, bem portuguesas.
E no dia em que se libertem os municípios de encargos indevidos e se lhes dêem outras condições de vida para poderem exercer a sua actividade com mais proveito e eficácia ter-se-á resolvido, disso não tenho dúvidas, um dos maiores problemas políticos e económicos da Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Boa e dedicada gente esta a da ruralidade portuguesa, sempre pronta ao sacrifício, no esforço continuado, para obter um pouco de comodidade a que têm direito.
No notável relatório a que já me referi não esqueceu o Sr. Ministro das Obras Públicas esta particularidade da nossa gente e fez referência especial ao desinteressado contributo que o munícipe rural nunca regateia as entidades administrativas quando por elas é solicitado.
Ainda, na sequência natural do que se vem expondo, nota-se no projecto em discussão um princípio de boa fé e sã justiça quando se dá a prioridade nas construções aos concelhos mais necessitados, quando se facilita a possibilidade do estudo de projectos, sem encargo imediato, e quando se mantém a mesma prioridade em presença de ofertas substanciais de contribuições das populações.
Efectivamente, se não fosse facultada a possibilidade de projectos sem encargos imediatos para o município, a presente lei seria ineficaz para uma boa parte das câmaras, precisamente as mais carecidas de vias de comunicação, por não terem disponibilidades financeiras para esses estudos.
Merece especial relevo a permissão dos trabalhos por administração directa, pois, se os municípios, na sua quase maioria, não possuem receitas para cobrir a sua parte na comparticipação, terão a riqueza dos braços e das boas vontades e sacrifícios dos seus munícipes, que, de bom grado, cobrirão a parte que à câmara pertencerá, e de que só ela deve beneficiar.
Há, porém, a meu ver, no projecto em discussão, uma omissão.
É a que diz respeito aos caminhos vicinais em que não é praticável o acesso de automóvel, facto esse apontado no parecer da Câmara Corporativa.
São eles muito frequentes nas regiões alcantiladas do Norte, havendo lugares onde o acesso só é possível em carro de bois.
Também a estes, depois de reconhecida a sua utilidade Económica, deve ser extensivo o benefício da lei, numa 2.º fase da sua execução.
Finalmente, afigura-se-me que há vantagem em rever o cadastro das redes rodoviárias de determinados concelhos, com vista a corrigir deficiências do conhecimento que algumas entidades administrativas possam ter tido das necessidades dos seus concelhos.
E quando faço esta anotação recordo-me de certo concelho, por o então presidente da câmara não ter organizado o conveniente cadastro das vias de comunicação concelhias e escalonado estas de harmonia com as necessidades mais prementes.
É que, às vezes, as leis da inércia, embora muito pouco frequentes, também assentam arraiais nos gabinetes das câmaras.
Teve o projecto ora em discussão o aplauso e aprovação da Câmara Corporativa, por corresponder a uma necessidade premente para o desenvolvimento social e económico da Nação, e não deixará de merecer igualmente o desta Assembleia, lídima representante do povo português, que se congratula vivamente com ele.
Não se põem reservas ou objecções de maior ao mesmo projecto, tal o cunho da sua actualidade.
Esta Câmara tem bem a noção do que representa para o progresso económico da Nação a existência do uma completa rede de estradas e outras vias de comunicação.
Ainda há menos de um ano o nosso ilustre colega Sr. Melo Machado, no seu oportuno e brilhante aviso prévio, tratou o problema das estradas nacionais, talvez influenciado pela série de reclamações que outros Srs. Deputados anteriormente formularam a propósito do precário estado das estradas nas suas regiões e da deficiente rede rodoviária.
O problema foi então tratado com o interesse e carinho que ele merecia.
Surge agora o projecto em discussão, que será o complemento de um esforço gigantesco a realizar para desenvolver este notável factor para a vida económica da Nação.
E se o aspecto económico é, na verdade, de considerar e não esquecer, não é menos de considerar o seu aspecto social.
Assiste-se já, com alarme, à fuga que as populações rurais estão a fazer para os grandes centros populacionais.
Se a alguns os move apenas o espírito da aventura, à maioria dessas populações apresenta-se apenas o desejo de melhorar o seu nível de vida, já que o meio onde nasceram e viveram não lhes proporcionou essas facilidades.
Nada têm que os possa reter nesse meio.
Falta-lhes, geralmente, a casa acolhedora, têm carência de alguns elementos de vida, o trabalho é árduo e duro através dos caminhos intransitáveis da região.
Quase se encontram bloqueados do resto do mundo, e aqueles que porventura produzem algo que vender vêem o seu produto desvalorizado pela impossibilidade de se libertarem da maldição do isolamento e pretendem procurar noutras paragens aquilo que lhes tem sido negado na sua própria terra.
O problema assume, já, em certas regiões, aspectos graves, que urge remediar, para que a terra continue a ter os seus cultivadores.
No crescente desejo da elevação do nível de vida do povo português terá o Governo de continuar a enfrentar essa série de problemas: o da habitação, o da assistência conveniente, o da educação e o das comunicações nos meios rurais, para que o rural, rodeado de benefícios e conforto adequados à sua função, possa dar à terra aquilo que ela dele espera, ou seja o seu generoso esforço, para que não sequem as fontes que alimentam um dos principais sectores económicos da vida portuguesa.
Ainda há poucos dias me veio às mãos um interessante livro do Dr. Sedas Nunes sobre problemas agrários e rurais. Teve ele oportunidade de transcrever as luminosas palavras do falecido Papa Pio XII sobre a necessidade de chamar a agricultura e a vida rural à
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primeira linha dos problemas da sociedade contemporânea.
E justificava essa necessidade pelos seguintes motivos básicos:
Primeiro, por uma razão de justiça para com o mundo rural, indevidamente esquecido; segundo, por uma exigência de equilíbrio no desenvolvimento simultâneo dos diversos sectores de actividade; terceiro, por causa das graves preocupações contemporâneas, de escala mundial, com o problema da alimentação; quarto, finalmente, porque a sociedade rural é depositária de valores que importa salvaguardar e manter.
É, pois, à custa de medidas governamentais que terá de se sustar a fuga dos campos e a perda da virtude da ruralidade.
Pressente-se que algo de novo vai surgir, mercê do cuidado com que o Governo está a encarar este grave problema.
A lei que se discute alinha nesta orientação, esperando-se, porém, que os prazos nela previstos para a sua execução sejam reduzidos.
E porque o projecto agora em discussão tem a marcada tendência económica e social que a ruralidade necessita, dou-lhe a minha plena aprovação na generalidade.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram, 18 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Henriques de Araújo.
Américo da Costa Ramalho.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Urgel Abílio Horta.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA