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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 196
ANO DE 1961 8 DE FEVEREIRO
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 196 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 7 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 195.
Deu-se conta do expediente.
Remetidos pela Presidência do Conselho, foram recebidos na Mesa, para cumprimento do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 21, 22, 23 e 25, 1.ª série, do Diário do Governo, que inserem diversos decretos-leis.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cortês Lobão, que se referiu a mais um aniversário da revolução de 7 de Fevereiro: Jerónimo Jorge, sobre o assalto ao paquete Santa Maria; Paulo Rodrigues, também sobre o mesmo assunto; Proença Duarte, na mesma ordem de ideias; Alberto de Araújo, que fez considerações sobre idêntico assunto; Bagorro de Sequeira, acerca do assalto ao Santa Maria e sobre os acontecimentos ocorridos em Luanda no passado dia 4, e Cardoso de Matos, para se referir aos mesmos factos ocorridos na capital de Angola.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre o plano de viação rural.
Usou da palavra o Sr. Deputado Santos Bessa.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 17 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 20 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
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Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís da Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 195.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação ao referido Diário das Sessões, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Exposição
De Maria Augusta de Barbedo de Santiago Teixeira Botelho sobre uma intervenção do Sr. Deputado Melo Machado acerca da Cooperativa dos Produtores de Leite do Concelho de Mafra.
Telegramas
Do presidente da Câmara Municipal de Poiares de aplauso à intervenção do Sr. Deputado Augusto Simões a propósito da Comissão Reguladora das Moagens de Ramas.
Do presidente da direcção da Cooperativa Agrícola de Lacticínios do Faial apoiando o discurso do Sr. Deputado Camilo de Mendonça sobre a indústria de lacticínios.
De várias empresas de lacticínios dos Açores apoiando as afirmações do Sr. Deputado Vítor Galo sobre o mesmo assunto.
O Sr. Presidente: - Enviados pela Presidência do Conselho, e para os efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.ºs 21, 22, 23 e 25 do Diário do Governo, 1.ª série, de 25, 26, 28 e 30 do mês findo, que inserem, respectivamente, os Decretos-Leis n.ºs 43 485, que cria os aeroportos de Porto Santo e Funchal, este último a construir em Santa Catarina, freguesia e concelho de Santa Cruz, que constituirão fim único serviço externo da Direcção-Geral da Aeronáutica Civil, sob a designação de aeroporto da Madeira; 43 486, que estabelece preceitos a observar pelos organismos compreendidos no mapa 12 do preâmbulo do Orçamento Geral do Estado na elaboração dos seus orçamentos ordinários para aprovação superior e esclarece algumas questões conexas com a elaboração das contas dos mesmos organismos; 43 488, que autoriza o Ministro da Justiça a promover a elaboração de um projecto de reforma do Código Penal, podendo, para esse fim, nomear, em comissão, um professor de Direito, bem como os colaboradores que forem julgados necessários; 43 490, que dá nova redacção ao artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 43 341, que autoriza o Governo a participar no Fundo Monetário Internacional e no Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Cortês Lobão.
O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: pedi a palavra para Lembrar mais uma vez uma data que continua sempre presente nos nossos corações - 7 de Fevereiro de 1927.
Passa hoje mais um ano sobre esta data, que marcou o ponto de partida para o ressurgimento do País.
Data já esquecida por muitos, mas sempre lembrada por muitos mais e, principalmente, por aqueles que a viveram.
Recordar essa data é para nós ter presentes os sacrifícios de tantos bravos e mártires que deram o seu sangue e a sua vida para que a Pátria se salvasse.
Aqui estamos, pois, para lhes afirmarmos que o seu sacrifício não foi inútil e que a Pátria, agradecida, saberá honrar a sua memória, não consentindo que a demagogia vença.
Saberemos ser dignos desses bravos, preparando uma geração educada nos anseios de todos os homens de 28 de Maio de 1926, que é a grandeza nacional.
Não queremos trair esse compromisso, consentindo que homens indignos e responsáveis pela desordem, pagos por estrangeiros, vendam esta querida Pátria.
Não ... Não consentiremos esse crime.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - São traidores à terra onde nasceram, mas traidores houve sempre, e como traidores devem ser tratados.
Pena foi que estes tivessem subido tão alto. Que fossem tão generosos com eles.
Compreendemos e aceitamos a generosidade, sobretudo nas questões que dividem os homens, mas só quando essa generosidade pode servir os inteirasses superiores do Puís; doutro modo, tal generosidade pode servir para abrir caminho à perda da unidade, que conduz à perda total do esforço feito em 7 de Fevereiro, e, assim, trairmos os nossos heróis.
Ficou agora demonstrado o que afirmo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Acabamos de passar horas tristes, vendo homens nascidos em Portugal, esquecidos de que são portugueses, ligados a estrangeiros, negociando a sua Pátria...
Custa aceitar que isto seja possível, haver portugueses autores de actos tão miseráveis; homens que vestiram uma farda do honrado exército português trocarem essa farda por um fato de bandoleiros, onde não falta o tom carnavalesco.
Infelizmente é certo.
Mas o gesto desses traidores deve levar-nos a uma mais íntima união.
Perante a gravidade do momento presente, temos de afirmar ao País que hoje, aqui, não há lugar para os indecisos, para os comodistas.
É bem certa a afirmação feita de que: ... houve e há os que só quiseram dar-se e servir, os que serviram sem se dar e os que aparentaram dar-se e só procuraram servir-se.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O momento presente não permite hesitações, nem para esses tímidos que, gozando regaladamente a vida, a mais pequena ameaça se preparam para mudar de rumo.
O Sr. Carlos Moreira: - Fora com eles e quanto antes!
O Orador: - Afirmamos que nada poderá dividir-nos; nenhuma forca oculta quebrará esta unidade. Todas as arremetidas do mal se hão-de quebrar diante desta barreira.
Aos novos diremos que os acompanhamos nos seus confortantes escrúpulos, nos seus anseios de mais e melhor, mas deixai que a nossa experiência já vivida os possa ajudar a corrigir algumas precipitações.
Eles, como nós, só desejam o bem do País.
O futuro depende de vós, depende da vossa união.
Sr. Presidente: o momento é menos de palavras e mais de acção e por isso, cumprido este dever, termino dirigindo uma saudação aos homens do 7 de Fevereiro ainda vivos, que vivem e sentem o momento presente, sempre prontos a todos os sacrifícios...
O Sr. Carlos Moreira: - Muito bem!
O Orador: - ... aqueles homens de fé, que nunca quebraram e que estarão presentes se a Pátria deles necessitar.
Saúdo em especial o militar que foi um dos grandes chefes nesse movimento, o Sr. Coronel Passos e Sousa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Que esta data, mais uma vez hoje lembrada, neste momento difícil da nossa história, nos leve a uma completa união, tendo sempre presente que é principalmente connosco que devemos contar, mantendo coesa a nossa força, e assim havemos de vencer mais esta dificuldade, cumprindo o nosso dever perante a Pátria.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Jerónimo Jorge: - Sr. Presidente: não obstante o poder-se considerar como encerrado o triste episódio do Santa Maria, que nesta Casa foi inicialmente verberado por outros distintos colegas, julgo que os diversos aspectos de que ele se revestiu merecem mais algumas considerações.
Por mais subtil que se deseje ser na análise do ocorrido; por mais tolerante que seja a apreciação da proeza e das circunstâncias que a rodearam; por mais complacentemente que nos ocupemos do insólito assalto do paquete Santa Maria, do sequestro dos seus oficiais, tripulantes e passageiros, do assassínio e vias de facto cometidos contra os membros da sua tripulação - temos de concluir, na verdade, que a repugnante proeza excede tudo quanto se poderia imaginar.
Num momento em que a Nação inteira cerra fileiras, acima de divergências políticas, na defesa do património nacional; quando a unidade nacional é o penhor mais seguro e mais firme de que não nos será arrebatado nenhum pedaço do território de Portugal, já seria desvario acender o facho da discórdia. Mas neste caso há muito mais do que o esvurmar do ódio político. Há o propósito frio e deliberado não só de atingir o Governo da Nação, mas também de ferir o País na sua unidade, na sua dignidade, no seu prestígio.
Os assaltantes do Santa Maria, agindo na calada da noite contra uma tripulação indefesa, matando e ferindo cobardemente honrados marinheiros que apenas pensavam no cumprimento do seu dever, arrebatando à Nação um magnífico navio que nos orgulha em qualquer parte do Mundo, são o produto da desorientação mental e moral do Mundo de hoje, que já não faz distinção entre o bem e o mal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O facto ocorrido foi também mais um oportuno aviso da maneira de proceder dos inimigos de Portugal. É assim, insidiosamente, infiltrando-se no meio de nós, apresentando-se como inofensivos passageiros que querem partilhar da sorte comum no mesmo barco, que eles procedem. Esta demolição subterrânea das estruturas é o que poderíamos chamar a invasão vertical. Contra ela temos de estar precavidos, para que actos como este, e de que este é um símbolo frisante, não se repitam e sejam evitados a tempo.
Mas temos de proclamar também, com orgulho, que a traição não encontrou eco nos Portugueses. Do próprio bando de assaltantes quase todos eram estrangeiros. A tripulação manteve-se fiel ao seu capitão e à sua bandeira - apesar de tudo e contra tudo. A figura intrépida do piloto Nascimento Costa é um magnífico exemplo que se oferece a todos os nossos marinheiros como espelho da sua heróica devoção ao dever.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O País viveu angustiadamente horas trágicas! Ao seu lado e como expressão do mais alto
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interesse nacional, o Governo tomou todas as providências que se impunham com energia e dignidade modelares.
A Assembleia Nacional não pode deixar de lhe prestar a devida homenagem e de acompanhar o regozijo da companhia armadora do navio pelo regresso deste à sua posse - que afinal não foi mais do que a reposição do direito.
Este caso, bem como o acabado de ocorrer em Angola, são manifestações iniludíveis de uma conjura internacional contra a Nação Portuguesa.
Estamos perante uma grave ameaça à nossa existência de povo livre, ao nosso direito a vivermos em paz, à integridade do nosso território.
Mas não há conjuras que nos vençam se estivermos unidos num profundo sentimento de solidariedade colectiva e pusermos todas as nossas energias, toda a nossa vontade, todos os nossos recursos, ao serviço e defesa da Pátria.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Paulo Rodrigues: - Sr. Presidente: quisera, neste momento, juntar apenas uma palavra de congratulação às que aqui pude dizer há uma semana sobre o caso do Santa Maria.
Vivíamos nessa hora a angústia, o drama dos passageiros do navio e dos seus bravos tripulantes.
Conhecem-se agora, com segurança, os pormenores do assalto.
As assinaturas do bando não ficaram sómente nos vales encimados pelo carimbo da Junta Revolucionária Ibérica, que eram a bordo moeda corrente. Ficaram nos dezassete sinais de balas, todos à altura do peito, que marcam a ponte de comando do Santa Maria, onde morreu no seu posto o oficial de quarto, o heróico piloto Nascimento Costa; ficaram nas balas de duas rajadas, que enquadram as portas de um dos camarotes dos oficiais; ficaram nos sinais da louca perseguição pelos corredores do navio ao praticante, que, gravemente ferido, se arrastou desde a ponte para dar o alarme ao seu comandante.
A firmeza, a lealdade, a serena valentia do comandante, dos oficiais, dos tripulantes todos do Santa Maria deu a Portugal esta vitória: depois das agruras e das pressões de uma semana de cativeiro, no plebiscito organizado a bordo pelo almirante brasileiro, 363 dos 370 tripulantes do navio honraram as tradições de lealdade e disciplina, que são património dos verdadeiros marinheiros, do patriotismo nunca desmentido que é timbre da marinha portuguesa.
Deste lugar fiz apelo, há dias, às nações amigas de Portugal que estavam em posição de ajudar-nos a velar pela segurança de passageiros e tripulantes e pela reintegração do direito violado.
Congratulo-me, agora, por não nos ter faltado a solidariedade dessas nações amigas.
A Espanha vizinha, que em heroísmo e martírio venceu, há pouco mais de vinte anos, a sua guerra santa contra o comunismo internacional, conhece bem os homens que assaltaram o Santa Maria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Irmãos com casa separada na Península, a Espanha autêntica sabe tão bem como nós o que significa a traição iberista dos espanhóis que renegam a Espanha, dos portugueses que renegam Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A marinha americana sem se afastar da linha prudente de humanitarismo com que as forças de segurança da grande nação aliada sempre tratam os criminosos que têm, e enquanto têm, reféns indefesos em seu poder - viu coroados de êxito os seus objectivos: barrou aos piratas o acesso aos mares da América Central e empurrou-os para um porto de país amigo, onde o desembarque das vítimas e a apreensão do navio se pudessem fazer com segurança.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E o Brasil, na grandeza moral com que soube tratar o problema, deu ao Mundo exemplo de honrada fidelidade aos princípios que regem a comunidade internacional.
A justiça - independente e livre - da grande nação irmã disse a primeira palavra mandando restituir o navio aos seus legítimos proprietários e, certamente, dirá a última condenando, no processo crime em curso, os que forem penalmente responsáveis.
Foi o Governo Brasileiro, com o seu ilustre Chefe de Estado, que, para além do simples cumprimento de um mandato judicial, quis que se fizesse por acto expresso do Executivo a restituição ao Governo Português do navio que pertence à bandeira de Portugal.
Honra, pois, ao Brasil, ao seu Governo, ao seu Presidente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Honra aos Brasileiros, que, sem prejuízo das suas concepções próprias sobre o direito de asilo, apoiaram a decisão do Presidente Jânio Quadros, ao que se saiba com a única voz discordante de um senhor que, mais modesto nas suas aspirações do que aqueles que pretendiam apossar-se de um transatlântico, se fez fotografar quando desembarcava no porto do Recife, e conforme consta do Diário de Pernambuco; do dia 4, trazendo debaixo do braço uma pequena caravela - uma caravela cuja flagrante semelhança com a que desapareceu da biblioteca do Santa Maria é pura coincidência.
Risos.
O Orador: - Nunca será bastante a homenagem que se preste à colónia portuguesa no Brasil, aos portugueses do Recife, que, nesta hora grave, tão intensamente viveram, tão nobremente honraram, a sua condição de portugueses, e àqueles portugueses de Lisboa que se lhes juntaram - os homens da imprensa, da rádio e da televisão -, que com tão serena dignidade e valor profissional cumpriram o seu dever.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E, se não receasse deixar-me trair pela grande amizade que a ambos me liga, diria que todos nesta Casa nos sentimos felizes por serem nossos pares os dois portugueses que em Lisboa e no Recife por certo viveram mais intensamente o drama do Santa Marta.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Conforme expressamente declararam os seus responsáveis aos jornais brasileiros, a Junta Revolucionária Ibérica conduz agora no ultramar português as acções subsequentes da sua ofensiva.
A firmeza intransponível com que, lá e cá, temos de responder-lhes nem sequer nos fará esquecer a obrigação que temos, e que o País e esta cidade de Lisboa
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hão-de cumprir, de homenagear os tripulantes do Santa Maria, que todos eles - o que morreu no posto e os que regressam vivos - cumpriram heroicamente a sua missão.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Portugal inteiro, firmemente unido em redor do Chefe do Estado e do Presidente do Conselho, está seguro de que o Governo cumpriu e cumprira o seu dever.
O País dirá nesta hora a Sal azar que entendeu o seu aviso, que sente e sabe, com ele, que efectivamente chegaram os tempos em que já os Portugueses se dividem apenas entre os que servem a Pátria e os que a negam.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: na sessão de 24 de Janeiro e antes da ordem do dia usei aqui da palavra para afirmar que a consciência nacional condenava e repelia qualquer espécie de solidariedade com o acto de pirataria praticado contra um barco da nossa marinha mercante, o Santa Maria, que em viagem de rotina e missão pacífica sulcava os mares, contribuindo para o fortalecimento da economia nacional e para o prestígio do País.
Afirmei, então, que a repulsa e reprovação que desde logo se manifestara no País seria compartilhada por todos os povos civilizados.
Estava, então, em princípio de execução e de desenvolvimento um movimento de loucura determinada pelo ódio que não foi dominado por quaisquer inibições de ordem moral e patriótica.
Os factos posteriores confirmaram o que então afirmei sobre o sentimento de reprovação e repulsa desse acto por parte de todos os portugueses de boa vontade.
Na verdade todos esses portugueses, os residentes na metrópole ou no ultramar e ainda os residentes fora do território nacional, manifestaram desassombrada e vivamente a sua indignação patriótica e a sua solidariedade com o Governo da Nação.
A forma como foi liquidado esse lamentável incidente, com o contributo que para essa liquidação deram alguns povos que nele se viram envolvidos, atesta também que o acto desses tresloucados foi considerado atentatório da moral e da ordem jurídica internacional.
A opinião consciente e esclarecida do Mundo, manifestada através da imprensa internacional, revela que os países de formação ocidental e cristã condenaram igualmente essa conduta de alguns maus portugueses que se aliaram com estrangeiros para assaltar uma parcela do território nacional.
A benevolência de um país amigo e irmão, que correctamente se conduziu mais uma vez para com Portugal como era de esperar, concedeu asilo a esses maus portugueses que atentaram contra a ordem jurídica internacional e se tornaram também em criminosos de direito comum.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Esse direito de asilo, que numa interpretação muito benévola dos princípios de direito lhes foi reconhecido, não importa que se deixem impunes os crimes de direito comum em que incorreram todos quantos nele comparticiparam.
Um oficial de bordo foi cobardemente assassinado e feridos outros tripulantes.
Aqui quero prestar homenagem à memória desse ribatejano, o piloto João Nascimento Costa, que, no cumprimento íntegro do seu dever, sacrificou a vida pela defesa da dignidade da Pátria.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: chegaram anteontem à Madeira os primeiros passageiros do Santa Maria, que a população local acolheu jubilosar mente, depois dos dias de verdadeira ansiedade que todos vivemos com o brutal assalto àquela bela unidade da nossa frota mercante.
Todos os portugueses seguiram com emoção a sorte do navio, dos seus passageiros e dos seus tripulantes. Mas os que vivem debruçados sobre o mar, e para os quais as rotas marítimas são o caminho de todos os dias e a esperança de todas as horas, sentiram particularmente um acontecimento que tão profundamente feriu e emocionou a alma da Nação inteira.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O Santa Maria é sempre bem-vindo às águas da Madeira. Nós, que tantos anos sofremos o confronto dos navios portugueses com os belos barcos de outros países, sentimos orgulho quando agora as novas unidades da nossa frota mercante ancoram no porto do Funchal, pois honram o nosso país e são verdadeiramente dignas da nossa bandeira.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Com o Santa Maria dá-se a circunstância especial de ser um elo de ligação constante e permanente com as comunidades madeirenses da América Central, que têm hoje importância basilar no conjunto da economia da Madeira, pelo grande volume das suas remessas, em cambiais e divisas, e que são o produto do seu esforço e do seu trabalho honrado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Na sexta-feira última, às primeiras horas do dia, o Santa Maria devia ter chegado ao Funchal para desembarcar numerosos madeirenses, nomeadamente residentes na Venezuela, que vinham de visita à sua terra e às suas famílias, e, à tarde, levantar ferro, escalar Vigo e, finalmente, ontem de manhã entrar a barra de Lisboa.
O que devia ser uma manhã de alegria para centenas de famílias e de movimentos para o porto e para a cidade do Funchal transformou-se em mais um dia de expectativa e de dolorosa ansiedade, que só terminaram quando, na madrugada seguinte, se soube definitivamente que os passageiros e tripulantes daquele navio haviam desembarcado em terra brasileira e o Santa Maria ia ser restituído ao seu comando legítimo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Terminado o período de angustia que durante alguns dias dominou a vida portuguesa, cumpre-me agora, como Deputado e na interpretação do sentimento geral da população madeirense, exprimir o nosso sincero regozijo por o Santa Maria ter iniciado hoje a sua viagem, de regresso à Pátria, comandado, dirigido e tripulado apenas por portugueses. O Governo
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da Nação, em nota oficiosa, comunicou ao País a sua acção firme e pronta em tão delicadas circunstâncias em termos de só merecer elogios e louvores. Não havia apenas que ter em consideração a sorte dos passageiros e dos tripulantes do Santa Maria. Havia que fazer o possível também, para evitar o afundamento do navio, o que seria motivo de luto nacional e perda irreparável para a economia do País. Mais uma vez o nosso reconhecimento a Salazar e ao seu Governo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não podemos também deixar de nos associar ao júbilo da companhia armadora, do seu conselho de administração, dos seus funcionários, que formaram um só bloco em horas tão amargas e tão difíceis.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - São administradores da companhia armadora dois nossos ilustres colegas nesta Câmara: o Dr. José Soares da Fonseca e o Dr. João do Amaral. O País conhece já o que foi a acção infatigável do ilustre presidente do conselho de administração da Companhia Colonial de Navegação, que dia e noite, no seu gabinete de trabalho, junto dos seus colaboradores, sem um cansaço, sem um desfalecimento, sem uma hesitação, adoptou todas as providências necessárias para obter a restituição do navio, conservando uma lucidez de espírito e uma firmeza de ânimo que o impõem ao nosso sincero respeito e ao nosso profundo apreço.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Do outro lado do Atlântico estava o Dr. João do Amaral. Adivinhamos de longe a sua ansiedade, o melindre e a delicadeza da sua missão. E daqui o envolvemos - ele, que é um dos mais altos e belos espíritos desta Assembleia - num pensamento de viva solidariedade e admiração pelas horas que viveu e que são daquelas que não se esquecem nunca.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A esta hora o comandante Simões Maia faz já rumo a Portugal. Os que conhecem de perto a vida de bordo dos navios portugueses sabem as qualidades de ouro que distinguem essa nobilíssima classe dos oficiais da marinha mercante. Competência, modéstia, seriedade, dedicação integral à sua profissão e ao seu navio. Uma só política: a política do mar. Uma única bandeira: a bateira da sua Pátria. Não se conhecem a bordo divisões nem querelas. Oficiais e tripulantes constituem uma grande família, à qual a própria vida do mar fortalece o cumprimento do dever. E uma tradição de séculos deu-lhes uma ética própria, que é o mais sólido fundamento do seu patriotismo e do seu espírito de disciplina e de sacrifícios. Bem hajam os que assim honram em todas as longitudes dos oceanos a nação a que pertencem e que se esforçam sempre por assegurar aos seus passageiros um ambiente de calma e confiança, prodigalizando-lhes também todos os primores da gentileza e da hospitalidade.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: seja bem-vindo ao Tejo e a terras de Santa Maria o navio que no costado tem um nome tão caro aos sentimentos e à fé de todos os portugueses.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Bagorro Sequeira: - Sr. Presidente: é ainda sob a dolorosa impressão do aprisionamento do paquete Santa Maria, levado a efeito por um bando de assaltantes armados, sem lei e sem pátria, e ainda mal refeitos dos amargurados dias passados em angustiosa expectativa sobre o desfecho de tão criminoso acontecimentos, que durante longos doze dias sujeitou à mais impiedosa crueldade cerca de 1000 pessoas, passageiros e tripulantes do navio, que nos surgiu a notícia, tristíssima notícia, dos acontecimentos ocorridos na cidade de Luanda na madrugada do passado dia 4 do corrente e em que perderam a vida alguns componentes da força pública, que, no cumprimento do seu dever e decididamente, enfrentaram os agressores e firmemente restabeleceram a ordem e a tranquilidade na cidade.
E com a mais veemente repulsa e amargurada indignação que deploramos tais acontecimentos, que vieram perturbar e encher de luto a bela capital de Angola, tão ordeira e acolhedora, tão orgulhosa da ordem e da paz em que tem vivido e tem sabido construir o seu progresso, luto que atinge todo o ultramar português, luto que abrange todo Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É com a alma torturada por confrangedora tristeza e viva saudade que recordamos os 27 anos que ali passámos e convivemos na mesma perfeita comunhão de ideal e compreensivo entendimento com toda a sua população para o maior engrandecimento de Angola, essa maravilhosa e bendita parcela de Portugal, a que criámos tanto amor como à nossa terra natal, e que agora a maldição de alguns portugueses renegados, de mãos dadas com mercenários estrangeiros, todos criminosamente irmanados nos mesmos desígnios de maldade e ambição, perturbam e inquietam, arvorando a desordem e a traição, onde sempre prevaleceu a ordem, a paz e a lealdade à Mãe-Pátria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por isso, é para nós duplamente doloroso presenciar, ainda que de longe, os tristíssimos acontecimentos passados em Luanda, que devem ter levado a inquietação e a amargura a toda a sua laboriosa população, à qual daqui dirigimos uma afectuosa e fraterna saudação pela dignidade e portuguesismo do seu comportamento moral e cívico, em conjuntura de tão grande abnegação e tanto sacrifício. Sr. Presidente: de ânimo alevantado e consciência firme, preparemo-nos para dar réplica aos nossos inimigos no mesmo terreno em que nos atacarem e prestemos a última homenagem de respeito pelos que já morreram no cumprimento do seu dever.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Façamos ainda votos para que em toda a terra portuguesa haja ordem e paz para sempre.
Entretanto, sejamos firmes, com justiça, na repressão de todos os actos perturbadores da tranquilidade daquela nossa querida terra de Angola.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cardoso de Matos: - Sr. Presidente: como é do conhecimento desta Assembleia, desde a madrugada do último sábado produziram-se em Luanda, capital da portuguesíssima Angola, acontecimentos que, embora prontamente dominados, não deixaram de perturbar, episodicamente, a sua tranquila vida e foram causa
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imediata de destruição de vidas, ceifadas em cobardes golpes de traição.
A esses sacrificados portugueses, cujos vidas foram imoladas em holocausto da Pátria, rendo a minha sentida homenagem, que não é mais do que associar-me às que já lhes foram prestadas na terra onde tombaram em defesa de um ideal que está acima de todas as políticas: a Pátria.
E com mal contida emoção que invoco esses portugueses caídos ao serviço da Pátria, que os não esquece e cujos nomes gravará na listados que em sua defesa têm. generosamente dado as suas vidas através dos séculos, criando e mantendo a grandeza deste Portugal imorredouro.
Por razões óbvias não puderam ainda ser divulgados os nomes dos energúmenos - responsáveis como agentes directos dos distúrbios verificados. Mas desde já se sabe - e é do domínio público - que entre eles se encontravam, estrangeiros, que nem sequer conheciam a nossa língua. As armas usadas e a sua proveniência, a divulgação dos incidentes feita por emissoras estrangeiras antes mesmo de estes se terem verificado e a inexplicável permanência dos jornalistas estrangeiros são outros elementos que nos indicam, sem qualquer dúvida, a origem e a quem atribuir a responsabilidade concreta do que se passou. Não tardará a vir ao conhecimento geral todo o pormenor, agora ainda reservado por natural conveniência de defesa. Entretanto, porém, podemos afirmar, sem receio de desmentido, que não há portugueses envolvidos nessa escumalha. Não os há porque nenhum português digno desse nome, qualquer que seja a sua política, jamais fará causa comum com criminosos que apunhalam, a Pátria pelas costas na calada da noite.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É de sempre a existência de aventureiros mercenários, que se vendem a quem mais der. Em todas as épocas existiram traidores, filhos de Judas, que sempre tiveram o mesmo fim: afogados na lama onde viveram, ou se criaram, no desenvolvimento das suas raivas e despeitas.
Se amanhã vierem dizer-nos que algum elemento dos que tão torpemente agiram havia nascido português, lamentaremos mais os progenitores, cujo desgosto acompanhamos, certos de quanto sentem por terem perdido os seus filhos.
A reacção dos Angolanos foi calma. Souberam enfrentar os acontecimentos com elevação e ordem. Porém, essa calma e essa elevação estiveram estritamente ligadas à confiança que depositam nas forças encarregadas de manter e vigiar pelo sossego das suas vidas - das suas vidas de trabalho e progresso -, que nunca se identificarão com aventuras, menos ainda quando provindas do exterior.
É bom frisar, que o patriotismo indefectível dos Angolanos teve de ser reprimido, não obstante essa confiança, para impedir que imediata e definitivamente pusessem cobro a outras veleidades como as verificadas, no expandir de um sentimento unânime de repulsa pelo atentado à sua dignidade de portugueses.
Não é ainda ocasião para aclarar todos os pormenores. Contudo, sem quebra de sigilo, podemos bem afirmar a origem dos factos verificados. Só quem não queira ver, pela pior das cegueiras - a voluntária -, poderá duvidar de quem foram os verdadeiros responsáveis do que aconteceu em Luanda. Não são já os Portugueses que o têm afirmado só. Homens responsáveis, independentes, com visão clara, têm referido as ofensivas do comunismo em Africa, ao mesmo tempo políticas e económicas, servindo-se de todos os meios para atingir os seus fins: a subversão, o caos, a que procuram chegar por todos os processos.
Não há muito que aqui denunciámos as manobras deste inimigo da civilização levadas a efeito na O. N. U. perante a condenável passividade de nações que deviam ter tido a coragem de afirmar a verdade e não se acobertarem na defesa impensada de supostos interesses particulares, que nem a experiência de consecutivos desaires tem esclarecido serem enganosos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O inimigo é comum e há que ter coragem de o enfrentar sem concessões, que só lhe têm dado incitamentos a prosseguir na sua obra, que nem sequer tem genialidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É velha a estratégia: dividir para vencer.
Aqueles que não têm apoiado desassombradamente a razão que sabem termos só contribuem para o próprio mal, adiando a decisão que, por mais tardia, mais dolorosa se lhes tornará. E dizemos que se lhes tornará porque a nós, que não ignoramos o inimigo nem lhe voltamos a cara, não nos surpreende hoje, nem nos surpreenderá amanha. Continuamos a lutar contra ele com todas as nossas forças, certos de que não seremos vencidos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Honrando a memória dos que acabam de perecer em Angola ao serviço da Pátria, os portugueses de lá, os portugueses daqui e todos os portugueses espalhados pelo Mundo mais cerrarão as suas fileiras, mais se unirão no reafirmar de um ideal comum: a Pátria una e imperecível.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na sua defesa, apoiados na força que nos dá a razão que sabemos ter, apoiados na firmeza da vontade inflexível do Governo, recente e claramente exposta pelo seu Chefe, saberemos defender o nosso Portugal onde quer que ele se encontre.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ficaremos em Angola, como em Timor, como em qualquer outra província, onde quer que ela afirme a existência de Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se o progresso de Angola mais invejas suscita, mais ânimo teremos para a defender e para sempre lá ficarmos, vivos ou mortos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre o plano de viação rural.
Tem a palavra o Sr. Deputado Santos Bessa.
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente; desde há anos, quer nesta Câmara, quer em várias reuniões políticas, te-
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nho manifestado a necessidade de impulsionarmos o desenvolvimento das regiões rurais, base de uma política de promoção das populações que as habitam e que, na sua grande maioria, exercem a sua actividade na agricultura.
Por isso mesmo tenho registado com o maior aplauso a série de diplomas ultimamente publicados pelo Governo ou por ele enviados a esta Assembleia no sentido de intensificar a realização de obras rurais. Destaco especialmente os respeitantes ao abastecimento de água, ao fomento da habitação e à construção de escolas primárias, que a Câmara acaba de discutir e de aprovar. Todos eles terão notável repercussão na melhoria das condições de vida dos portugueses que habitam as zonas rurais, e, portanto, na sua valorização, e representam medidas de maior alcance político.
A série dos já publicados vem agora juntar-se este plano de viação rural, enviado pelo Governo à Assembleia, plano cuja execução terá notáveis repercussões políticas e económicas.
Não pude, por motivo de trabalho urgente, intervir na discussão dos outros diplomas. Mas não quero deixar de aproveitar esta oportunidade para felicitar o Governo pela orientação que vem sendo dada à realização dos trabalhos públicos, garantindo assistência técnica e cooperação financeira do Estado em muitos deles.
À acção do Fundo de Melhoramentos Rurais ficou o País devendo a realização de inúmeras obras que, embora de pouco vulto quando consideradas individualmente, constituíram manifesto progresso da zona rural. Foi com desgosto que se assistiu, nos últimos anos, ao quebrantamento do ritmo dos trabalhos impulsionados por ele. Em várias reuniões em que participámos ouvimos justificadas queixas dos presidentes das câmaras municipais a este respeito. Os benefícios materiais e a obra política, que se lhes devem são de incalculável valor e, por isso, torna-se necessário reforçar as suas dotações para que se mantenha o mesmo ritmo de há poucos anos.
O plano agora em discussão, embora diga respeito à viação rural, afirma no n.º 3 da sua base I que devem ser igualmente impulsionados os outros melhoramentos rurais não abrangidos neste plano e a que se refere o n.º 1 da mesma base. Embora pareça ilógico que ali se tenha, incluído este n.º 3, felicito por isso mesmo o ilustre Ministro das Obras Públicas porque isso demonstra, claramente, o seu desejo de que não sejam reduzidas as dotações próprias do Fundo de Melhoramentos Rurais, a cargo de quem está a realização de múltiplas pequenas obras de capital importância para a valorização da zona rural.
Temos registado o carinho com que o Sr. Engenheiro Arantes e Oliveira tem acompanhado todos estes anseios das populações rurais e quero aproveitar este ensejo para lhe agradecer, em nome dos municípios do distrito de Coimbra, a aprovação concedida, a dois pequenos planos de obras que, em reuniões presididas pelo Sr. Governador Civil, ali haviam sido elaborados. Refiro-me à 1.ª fase do plano de abolição das fontes de mergulho e ao plano de pequenos melhoramentos rurais. São de pouca monta as verbas consignadas, mas chegam para realizarmos as obras que nos conduzam à abolição das fontes de chafurdo e ao fornecimento de água potável às populações do meu distrito, e para levarmos a efeito pequenas reparações que são fundamentais à vicia daqueles povos. Já um dia aqui dissemos que o sumptuoso e monumental das nossas realizações não deveria fazer-se à custa do sacrifício do indispensável às populações rurais. E hoje, embora prestando homenagem às grandes realizações em obras de fomento e a certas obras de restauração de alguns dos nossos monumentos, continuamos a pensar do mesmo modo. As obras rurais de pequeno vulto não podem sofrer interrupção, nem o seu ritmo se pode quebrantar.
Não nos podemos esquecer de que 1 200 000 portugueses do continente vivem em 8000 pequenos núcleos sem acesso rodoviário praticável por automóvel e que 4000 povoações com mais de 100 habitantes também o não possuem.
Tenho a impressão de que alguns se esquecem disto quando consideram as dificuldades du assistência médica nessas zonas, o número arrepiante de casos de morte sem assistência, as nossas altas taxas de mortalidade materna, os nossos 60 por cento, aproximadamente, de partos sem assistência de médico nem de parteira, as nossas taxas de mortalidade infantil, etc.
Como se poderá resolver isto sem comunicações capazes e sem a melhoria das condições de vida daquela gente?
O problema dos comunicações é fundamental - e é-o não só do ponto de vista económico, como também do sanitário e assistencial. E é-o de tal modo que o Dr. Bridgman, director adjunto de saúde do Departamento do Sena e conselheiro da O. M. S., define assim a zona rural:
Toda a região situada a mais de meia hora de transporte de um aglomerado com carácter urbano e cuja população tem um género de vida orientada para a exploração do solo superficial.
Neste conceito de transporte estão incluídos, todo? os meios normalmente utilizáveis pelas pessoas que ali vivem ou por aquelas que demandam tais (regiões. A definição diz respeito à higiene e à assistência, particularmente à hospitalização dos doentes. Mas podemos generalizar, porque também em outros aspectos. da vida daquela gente o transporte conta substancialmente. Efectivamente, como hão-de transformar-se aqueles aglomerados enquanto não dispuserem de vias de comunicação? Como hão-de chegar lá o médico, a enfermeira e a parteira? Como hão-de transportar-se os doentes? Como hão-de fazer-se as vacinações preventivas? Como há-de fazer-se a higiene da habitação? Como hão-de chegar lá as alfaias e os adubos? Como há-de tornar-se progressiva a agricultura? Como hão-de escoar-se os produtos arrancados àqueles solos? Como. há-de, numa palavra, fazer-se a promoção das populações rurais?
Os concelhos de Pampilhosa, de Arganil e de Góis, do meu distrito, têm uma escassíssima rede de caminhos e de estradas. Entendo dever poupar a Câmara ao relato do que ali se passa em matéria de prestação de socorros médicos e de enterros.
O Sr. Augusto Simões: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Augusto Simões: - Tenho estado a ouvir com a maior atenção as considerações de V. Ex.ª e verifico que está a tratar do problema dos vivos, mas falta ainda o problema dos mortos. Ora pergunto: como é que hão-de ser transportadas da casa onde habitaram todas aquelas pessoas que morrem precisamente sem assistência, não havendo, estrada? Dando realce àquela afirmação que diz que ainda depois de morto são precisas quatro pessoas para transportarem o falecido, afirmo que neste caso são precisas mais de quatro, pois o morto tem de vir aos solavancos e às costas de quem o transporta. Aqui fica, pois, como acrescentamento ao sumário que V. Ex.ª está a apresentar, a pergunta: como hão-de transportar-se os próprios mortos?
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O Orador: - Agradeço as observações de V. Ex.ª, porquanto elas tocam um assunto da mais alta importância, especialmente nos concelhos de Pampilhosa e Góis e na zona norte do concelho de Arganil, que têm uma escassísima rede de estradas e caminhos e onde os problemas da assistência médica são de extraordinária, delicadeza. Entendo, porém, dever poupar a Câmara às descrições que o assunto merece no que respeita tanto aos vivos como aos mortos.
O Sr. Nunes Barata: - Já que falaram dos vivos e dos mortos, queria falar dos meio-vivos ou dos meio-mortos - os doentes.
Naquelas regiões da serra, onde não existe assistência, e onde as comunicações são meramente teóricas, as populações trazem os doentes em padiolas, em cortejos que confrangem qualquer observador, ainda que seja dos mais duros de coração, para a Pampilhosa, onde tomam uma carreira que demora três ou quatro horas a chegar a Coimbra.
O Orador: - Junto à observação de V. Ex.ª esta nota: um dia, estando naquela ridente povoação da Pampilhosa, 24 horas antes da minha partida veio o médico municipal despedir-se de mim, porque tinha de fazer uma visita a um doente. Fiz-lhe notar que ainda me demorava 24 horas, mas ele observou-me que não conseguiria regressar senão passado aquele tempo.
O Sr. Augusto Simões: - Isso não se passou no século passado, pois não?!
O Orador: - É com o maior agrado que me associo aos louvores já aqui emitidos pelas decisões tomadas pelo Governo em tal matéria e que junto os meus votos por que a obra se realize com a maior rapidez possível.
Este projecto de desenvolvimento e de beneficiação das redes de comunicação rodoviárias municipais do continente e ilhas visa exactamente a encurtar o tempo de realização desta fase.
Em vez dos dezoito anos previstos no II Plano de Fomento, a base I deste diploma afirma que o Governo promoverá a sua execução "no menor prazo possível".
Confiamos abertamente na sinceridade com que é emitido este desejo e nas nossas possibilidades para o realizar. Com isso se efectuará uma grande obra política no sentido mais nobre do termo.
Serão cerca de 6300 km de novas estradas e caminhos a garantir possibilidades de melhoria de vida a cerca de 4000 aglomerados populacionais; é a reparação de cerca de 6000 km de vias municipais a concluir ou a remeter em bom estado; é o revestimento conservador de todas estas vias que impeça a sua ruína precoce, como até aqui acontecia a muitos deles; é a aquisição do equipamento necessário à sua conservação e que ficará à disposição dos municípios. É, na verdade, um empreendimento digno dos maiores louvores.
Li atentamente o douto parecer da Câmara Corporativa, elaborado por quem tem perfeito conhecimento do estado em que se encontram as obrigações é as disponibilidades da maioria dos municípios.
Estes debatem-se com dificuldades financeiras crescentes - por virtude de sucessivas obrigações que lhes têm sido atribuídas pelo Estado. Nesta Assembleia, várias têm sido as vozes autorizadas que têm exposto essas dificuldades. Junto-me ao coro, no sentido de que os municípios sejam aliviados de obrigações que tolhem a sua capacidade para a realização de obras que são de vital importância para eles.
Há muitos serviços que pertencem ao Estado e que injustamente, a meu ver, pesam seriamente nos orçamentos dos municípios. O Governo devia rever este problema, aliviando os cofres municipais desses pesados encargos.
O Sr. Nunes Barata: - Muito bem!
O Orador: - Dou o meu apoio às considerações contidas no n.º 5 do douto parecer da Câmara Corporativa e referentes à compensação que, desde 1929, foi atribuída às câmaras municipais pela supressão dos impostos e taxas locais sobre o trânsito. Foi-me difícil entender aquele articulado, mas julgo ter conseguido apreender o que ali se diz, graças ao generoso auxílio de quem está perfeitamente dentro do assunto. Tal como aí se afirma, não se compreende que qualquer parcela, daquela compensação seja incluída na comparticipação dos 75 por cento do Estado.
O Sr. Nunes Barata: - Aproveito essa referência, aliás tão justa, de V. Ex.ª para formular um outro desejo. Na verdade, a legislação sobre essa matéria, além de francamente desfavorável às câmaras, é dúbia, o que tem levado a conceder outras isenções que não estavam no espírito da lei. Seria de desejar que esses aspectos fossem revistos e a legislação fosse clara, para que as câmaras soubessem aquilo que têm direito a cobrar, não levantando dificuldades à aplicação da lei pelos tribunais.
O Orador: - Congratulo-me com as declarações do Sr. Dr. Nunes Barata e formulo aqui os meus votos para que essa legislação seja clara e os dinheiros não se desviem dos cofres das câmaras.
O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!
Nem mesmo taxas que têm sido sucessivamente diminuídas - não sei os números - são aplicadas, porque se teima em inscrever no Orçamento Geral do Estado uma verba que é manifestamente insuficiente, fazendo-se por sistema um forçado rateio todos os anos. Parece, contudo, que o próprio Estado não se pode libertar das leis que cria.
É que há uma lei que preside à organização do orçamento, segundo a qual não se podem mencionar verbas reconhecidamente insuficientes, mas aquelas que sejam apropriadas. Devia, por isso, ser inscrito, parece, o montante necessário, e isso é o que se teima em não fazer!
O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª pelas achegas que traz às minhas pobres palavras.
O Sr. Augusto Simões: Nada tem V. Ex.ª que me agradecer.
O Orador: - Importa, prevenir o que aconteceu com a Lei n.º 2103, de 23 de Março de 1960, que estabelece as bases de abastecimento de água às populações rurais. Como já aqui disse, nem todas as verbas de Plano de Fomento estão a ser gastas, porque as câmaras não podem acompanhar a sua execução, em virtude de a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência não poder fazer empréstimos nas condições estabelecidas, por falta de regulamentação da mesma lei.
O Sr. Augusto Simões: - Apoiado!
O Orador: - É lamentável que se tenha volvido quase um ano sem que essa regulamentação se operasse! Em reunião recente com os presidentes dos municípios do
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meu distrito ouvi várias queixas a tal respeito, alguns deles lamentando na o lhes terem sido atendidos os seus pedidos nas condições estipuladas na lei.
Previ este projecto a concessão de uma comparticipação média de 75 por cento nas obras a realizar na viação rural. Parece-nos que nunca deveria ser inferior e que, em certos casos, deveria ser mesmo superior, atendendo à situação de certos municípios e à urgência de certas obras.
O Sr. Augusto Simões: - Apoiado!
O Orador: - Quanto à realização das obras, embora de acordo com o princípio de orientação geral de que devem sê-lo por empreitada, parece-me justo que a Câmara tome disposições que permitam a sua execução por administração directa com muito maior largueza do que até aqui. São muitos os casos em que se podem obter oferecimentos de trabalho e de materiais de particulares para a execução das obras - colaboração sempre preciosa debaixo de todos os pontos de vista. Julgamos da maior importância interessar nestes trabalhos o maior número possível de elementos da comunidade, e isto não se consegue com o regime de empreitadas.
Escuso de encarecer as vantagens políticas e económicas do sistema.
Por entro lado, tem-se reconhecido que as exigências burocráticas da empreitada acarretam demoras, críticas, má administração - é o caso das obras de pequeno vulto que não interessam aos empreiteiros e que, portanto podem ficar abandonadas por muito tempo.
A Câmara deve considerar estes aspectos quando estiver em discussão o n.º 2 da base XI, pois julgo-o indispensável para que o projecto não sofra atraso na sua execução, como parece ter acontecido em certos sectores ao II Plano de Fomento por virtude das exigências burocráticas do regime das empreitadas.
O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!
O Orador: - Antes de terminar quero dar o meu apoio às considerações expostas no douto parecer a respeito das características técnicas fixadas na legislação há quinze anos e a que se refere a base III.
As condições da :nossa vida transformaram-se durante este período - as exigências são hoje diferentes do que então era necessário. Os veículos pesados devem ter possibilidade de ir a toda a parte e os que agora existem não por em já aventurar-se em algumas das nossas estradas municipais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É de prever que a circulação se intensifique ainda mais e que as exigências venham a ser ainda maiores dentro de poucos anos. O que vai fazer-se agora, não deve sê-lo segundo as exigências legais que foram estabelecidas há quinze anos. A revisão e actualização tornam-se indispensáveis.
Eis, Sr. Presidente, as considerações que me merece esta proposta, à qual dou o meu voto na generalidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será amanhã, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 17 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Tarujo de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
O REDACTOR - Luís de Avilles.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA