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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 197
ANO DE 1961 9 DE FEVEREIRO
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 197 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 8 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 196.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Urgel Horta chamou a atenção do Governo para a falta de instalações da Faculdade de Ciências do Porto.
O Sr. Deputado Rodrigues Prata solicitou do Sr. Ministro das Obras Públicas a inclusão da um edifício para o Liceu de Portalegre no plano de construções para o ensino secundário.
O Sr. Deputado Silva Mendes falou sobre as relações luxo-congolesas, a acção da O. N. U. No Congo, o assalto ao Santa Maria e os acontecimentos de Luanda.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate na generalidade acerca do plano de viação rural.
Falou o Sr. Deputado Augusto Simões.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 50 minutou.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
ntónio Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Pirata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
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Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cirveira Pinto.
João liaria Porto.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão
Tose António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurério Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 81 Srs. Deputados.
Está aborta a sessão.
Eram 16 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 196.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação sobre o referido Diário das Sessões, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Exposição
Do Sr. Dr. Mário Teixeira Amarante sobre auxílio à lavoura..
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Urgel Horta.
O Sr: Urgel Horta: - Sr. Presidente: rendendo homenagem à verdade, que sempre orientou o proceder da minha vida, trago à Assembleia Nacional um esclarecimento, que circunstâncias particulares me impediram de fazer logo após a intervenção, em que me ocupei, da obra magnífica realizada no Porto pelo Sr. Ministro das Obras Públicas.
Inteiramente cabidas e merecidas são as expressões de homenagem a tão alta personalidade, qualidades e virtudes aliadas a um excepcional valor técnico, que lhe confere lugar destacado entre os estadistas de alta estirpe que têm sobraçado a pasta que o Sr. Eng.º Arantes e Oliveira tanto vem dignificando.
Ao referir-me, porém, ao valor que realmente encerra a construção do Palácio de Justiça do Porto, esqueci, por um lapso de memória, duas personalidades eminentes que a esse empreendimento dedicaram a maior atenção, o melhor carinho, o mais vivo interesse, resolvendo dificuldades quase insuperáveis e conseguindo fundos dentro das possibilidades do Ministério da Justiça para a sua edificação.
Foi o Prof. Cavaleiro de Ferreira, catedrático ilustre da Faculdade de Direito de Lisboa, jurisconsulto eminente e estadista de notável projecção, quem na 1.ª fase, como Ministro da Justiça, conseguiu pelos cofres do seu Ministério as verbas necessárias para iniciar a construção desse magnífico imóvel de que os departamentos de justiça do Porto tanto necessitavam.
Ao seu sucessor, o actual Ministro da Justiça, coube a tarefa de o continuar, vencendo todos os escolhos que se lhe depararam.
Foi o Prof. Antunes Varela, mestre eminente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, estadista de reconhecida envergadura, espírito do mais fino quilate, a quem me prendem sentimentos da mais sincera admiração e maior respeito, a personalidade destinada a continuar e a fechar a abóbada desse magnífico templo da justiça.
Aos dois homens públicos, tão respeitados e tão admirados, quero deixar aqui a expressão de agradecida homenagem que o Porto lhes deve, nesta envolvendo mais uma vez o Sr. Ministro das Obras Públicas, Eng.º Arantes e Oliveira.
Sr. Presidente: na multiplicidade de problemas de que nos temos ocupado na Assembleia Nacional avultam em parcela de notáveis dimensões os respeitantes à cidade e ao distrito que aqui representamos no cumprimento de um dever, correspondendo assim à confiança de todos quantos nos escolheram como defensor dos seus legítimos interesses e dos seus inalienáveis direitos.
Não tem sido tão útil e proveitosa como seria para desejar a nossa actividade, sempre desenvolvida em favor das justas aspirações e de fundamentados anseios que vivem no coração e na alma da população da nobre e leal cidade que é o Porto.
Podemos, contudo, afirmar, sem qualquer receio, que dentro das possibilidades inerentes à função temos a consciência de sempre haver cumprido, como dever que a própria função impõe aos aceitantes de mandato de tão elevada projecção.
As nossas intervenções, seja qual for o sector em que se coloquem, são inteiramente dominadas por um nacionalismo tão sincero como sentido, ao mesmo tempo que exteriorizam um vivo sentimento de servir, colocando em lugar próprio, lugar destacado, o bem e o progresso da comunidade. Hoje como ontem e como amanhã, fiel às doutrinas que abracei na mocidade, são os interesses da grei, na sua grandeza e na pleni-
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tude das suas necessidades, que comandam e orientam a nossa acção, desenvolvendo-a com toda a independência e com toda a liberdade, de harmonia com o nosso pensamento.
E porque assim é, Sr. Presidente, rectificando afirmações produzidas, trazemos aqui, ao seio da Representação Nacional, um problema de alto interesse, a que está particularmente ligado o futuro da juventude universitária, compreendendo no seu objectivo a série de considerações que nos propomos fazer, chamando para esse importante problema a atenção das entidades competentes.
São as Universidades, Sr. Presidente, institutos de alta formação técnica ou clássica e profissional, constituídas no seu todo por um conjunto de Faculdades, com estrutura definida e própria para o ensino e o estudo das ciências, das letras ou das artes, inerentes no exercício de múltiplas funções, nos variados sectores de actividade, com marcada projecção na vida dos povos.
É extremamente delicada a tarefa que lhes cabe, exigindo sacrifício dos mestres, vontade e atenção dos alunos, actualização de meios e instrumentos e instalações compatíveis com o ordenado exercício do magistério superior.
Este tem de ser orientado pela adopção de normas de disciplina, a manter escrupulosamente, com segurança e firmeza, em face do crescente aumento de frequência de alunos que de ano para ano se verifica, facto que envolve solução bastante delicada, como seja a das respectivas instalações. Desse problema queremos hoje ocupar-nos, focando especialmente o que se passa na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, onde o ensino, pela escassez de instalações convenientes, se faz com extraordinária dificuldade, que há necessidade de corrigir, para poder realizar na profundidade exigida a missão que lhe compete.
Não se comete qualquer exagero afirmando que a Faculdade de Ciências atravessa uma hora difícil, angustiante, como já ouvimos chamar-lhe, impossibilitando por vezes os mestres de normalmente exercerem o seu magistério, tão acanhadas, tão impróprias e tão reduzidas são no presente as suas acomodações à face de tão grande frequência.
O Sr. José Sarmento: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. José Sarmento: - Estou plenamente de acordo com V. Ex.ª, porque sei quais são as deficiências das instalações da Faculdade de Ciências do Porto, mas também quero aproveitar para destacar, aqui na Assembleia, que as condições da Faculdade de Ciências de Lisboa são muito piores. O edifício tem cerca de 80 ou 90 anos e a população escolar tornou-se talvez 40 vezes maior.
O Orador: - Muito bem!
Sr. Presidente: não se julgue que o problema, das instalações universitárias, na sua complicada solução, sòmente existe entre nós. Noutros países de civilização adiantada a sua amplitude e gravidade atinge um grau de dificuldade que pode, sem sombra de exagero, considerar-se trágico.
O que se passa, por exemplo, na Faculdade de Ciências de Paris, com uma frequência record, com tendência para o agravamento, de aproximadamente 60 000 alunos, é demonstração clara da importância e da gravidade que, lá como aqui, acusa o problema, que só poderá resolver-se pela acção combinada das Finanças com a Educação Nacional.
Mas, Sr. Presidente, esqueçamos neste instante o que se passa em Universidades estrangeiras, reportando-nos à afluência de estudantes às nossas Faculdades, motivo de sérias complicações, que pedem medidas a adoptar dentro das possibilidades de que dispomos.
A Faculdade, de Ciências do Porto, instalada em edifício de aspecto majestoso, com frente para a Praça de Gomes Teixeira, é instituto de investigação e de ensino para a obtenção das licenciaturas de Ciências Matemáticas, Físico-Químicas, Biológicas, Geológicas e Geográficas. Ali se estudam as cadeiras preparatórias para entrada na Faculdade de Engenharia, preparação feita em três anos.
É na Faculdade de Ciências que se frequentam as cadeiras de Física e Química Médica do l.º ano do curso médico, bem como as cadeiras de Química inerentes ao curso de Farmácia, que compreendem o curso de Química Geral, curso geral de Análise e curso complementar de Análise; as cadeiras de Matemática participantes da licenciatura conferida pela Faculdade de Economia; Matemáticas Gerais e Cálculo Diferencial e Integral; e, finalmente, as necessárias ao curso da Escola de Belas-Artes, à Arquitectura, Matemáticas, Gerais, Química Geral e Cálculo.
Como bem se depreende, pelo que acabamos de expor, é a Faculdade de Ciências, escola de alto expoente científico, com reconhecida importância, e notabilíssima influência na formação da juventude universitária, reflectindo-se, com generosa e proveitosa incidência, em todas as manifestações de actividade dos múltiplos sectores participantes na vida da Nação.
Procuremos agora, Sr. Presidente, através dos números, compreender e justificar a carência das instalações, que de ano para ano se agrava profundamente.
Assim, a Universidade do Porto tem, no ano lectivo de 1960-1961, inscritos nas suas Faculdades de Medicina, Engenharia, Farmácia e Economia, 2259 alunos.
No mesmo ano estão inscritos na Faculdade de Ciências, compreendendo alunos de outras Faculdades que a frequentam e os seus próprios alunos, 2301, ficando assim demonstrado que frequentam a Faculdade de Ciências mais alunos do que os que frequentam todas as outras Faculdades.
Para se verificar o aumento crescente dessa frequência basta observar que o número de matriculados em 1917-1918 era de 187, em 1950-1951 era de 1075 e em 1960-1961 atingiu um total de 2301, compreendendo neste os pertencentes a Medicina, Farmácia, Economia e Belas-Artes, que na Faculdade de Ciências são obrigados a frequentar cadeiras indispensáveis às suas licenciaturas.
Ora a este aumento de frequência tem de corresponder, evidentemente, um aumento de grandeza de capacidade nas suas instalações, com o respectivo pessoal e as necessárias dotações orçamentais.
Os números claramente o demonstram, no seu expressivo significado.
Vejamos agora o número de inscrições feitas nas sete secções da Faculdade de Ciências, compreendendo a de Matemáticas, com dois grupos, a de Física, a de Química, a de Mineralogia e Geologia, a de Botânica, a de Zoologia e Antropologia e a de Desenho.
No 1.º grupo da secção de Matemáticas (Matemáticas Gerais) estão inscritos 2157 alunos.
No 2.º grupo da secção de Matemáticas (Matemáticas Aplicadas) a inscrição é de 376 alunos, o que perfaz um total de inscrições nos dois grupos de 2533.
Na secção de Física a inscrição é de 1188 alunos.
Na das Químicas é de 1422.
Na de Mineralogia e Geologia é de 603.
Na de Botânica é de 367.
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Na do Zoologia e Antropologia é de 291.
Na de Desenho é de 664.
As cifras que acabo de indicar são eloquentemente expressivas e bem demonstrativas da necessidade que existe de dar solução ao problema, solução que, embora provisória, venha dar alívio ao peso das responsabilidades inerentes à falta de acomodações bastantes, onde possa convenientemente exercer-se a função do ensino.
A manter-se este statuo quo, mostrar-se-á excessivamente dura a tarefa imposta a mestres o assistentes, num dispêndio do esforço e do energia mal aproveitado o incompatível com a função do cargo que desempenham.
Evidentemente que os prejuízos resultantes da falta de sala, para aulas teóricas e de salas destinadas a trabalhos práticos faz-se sentir na insuficiência de preparação dos alunos, obrigados a trabalhar em péssimas condições de atenção e salubridade, visto os meios superlotados não poderem satisfazer aos requisitos exigidos pela higiene do trabalho, quer este seja físico ou intelectual.
Assim, no estado actual, torna-se praticamente impossível observar e manter a escolaridade marcada por lei, obrigando a reduções que originam graves prejuízos, prejuízos reflectidos no fraco rendimento do aluno, verificado pelos resultados dos seus exames.
Perante este panorama, é-se levado à redução de aulas teóricas e de trabalhos práticos, factores indispensáveis ao estudo de matérias, do tão marcada relevância, na preparação técnica e profissional dos futuros licenciados.
Com os próprios laboratórios sucede caso semelhante, obrigados como são a funcionar em turmas numerosas, desde as 8 horas às 18, em todos os dias úteis da semana.
Não há, nas condições actuais, possibilidades de organizar convenientemente horários de forma a poder ser ministrado ensino aos seus diferentes cursos.
O Sr. José Sarmento: - Se V. Ex.ª me desse licença, acrescentava, para mostrar também as más condições em que funciona a Faculdade de Ciências de Lisboa relativamente ao horário que V. Ex.ª referiu, que actualmente, nessa Faculdade, para se poderem realizar - e mal! - os cursos ali ensinados, o horário é das 8 horas da manhã às 8 horas da noite, com uma hora de intervalo, do meio-dia à uma da tarde.
O Orador: - Para resolver esses problemas seria, preciso na secção de Matemáticas mais uma sala para aulas teóricas, comportando um número nunca inferior a 100 alunos, e duas salas de trabalhos práticos, cada uma, delas comportando 50 alunos.
No grupo das Físicas seria necessário uma sala, para aulas teóricas e dois laboratórios de trabalhos práticos.
No grupo de Química, uma sala para aulas, um laboratório para química inorgânica, que presentemente funciona, no entressolo, antigo laboratório de análises, e um laboratório para o curso geral de Química.
No grupo de Mineralogia e Geologia seria suficiente um laboratório destinado a trabalhos práticos, com capacidade para 30 alunos.
Assim, ficariam provisòriamente resolvidas as dificuldade com que se luta na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto.
Sr. Presidente: sucintamente expostas as circunstâncias difíceis em que o ensino é ministrado na Faculdade de Ciências do Porto, pela falta de instalações suficientes, salas para aulas teóricas e práticas e laboratórios, pomos agora esta interrogação: como resolver o problema?
Coordenemos, pois, o que dissemos e vamos repetir.
A forma definitiva da sua resolução reside inteiramente na construção de um novo edifício, obedecendo às mais exigentes condições do ensino e da investigação, fazendo parte da projectada cidade universitária, na edificação da qual estão seriamente empenhados dois grandes amigos do Porto: o Sr. Ministro das Obras Públicas e o Sr. Ministro da Educação Nacional. Seria esta a solução óptima, mas quer-nos parecer que vem ainda muito distante a realização de tão grande empreendimento, até porque no projecto a efectivar para a construção dos diferentes edifícios constitutivos da futura cidade universitária outras Faculdades com necessidades semelhantes estão, para esse fim, colocadas em lugar superior à Faculdade de Ciências do Porto.
A outra solução, de natureza provisória, consistiria na instalação de uma ou até duas secções num edifício adaptado para tal fim, onde pudessem dignamente acolher-se. Para tal desiderato seria aceitável um magnífico palacete existente no Campo Alegre, hoje propriedade da Câmara Municipal do Porto.
Estamos absolutamente convencidos de que ofereceria extraordinária, vantagem a utilização desse imóvel, quer pelas suas dimensões, quer pela sua situação, quer ainda por dispor de terreno a utilizar para qualquer improvisação necessária, como seja a construção de pavilhões, de extrema utilidade em variadas circunstâncias.
O Sr. Santos da Cunha: - Venho a seguir com muita atenção as considerações de V. Ex.ª e tenho de as apoiar quanto às dificuldades que aponta no que respeita às instalações da Faculdade do Ciências.
Aguardei que V. Ex.ª sugerisse uma solução, e aquela, que aponta é a que me parece poder merecer alguns reparos.
A sedução conveniente seria adaptar a antiga Faculdade de Medicina, a uma, extensão da Faculdade de Ciências. E por duas razões fundamentais: pela sua proximidade e pela natureza do edifício, que já tem instalações paralelos -laboratórios, anfiteatros, etc. - com as da Faculdade de Ciências.
Creio que está feito um projecto e já foi posto a concurso para a obra de adaptação da Faculdade de Medicina a Faculdade do Letras.
Sem menosprezar a instalação da Faculdade de Letras, de que V. Ex.ª tem sido denodado paladino, parece que melhor se conciliava com a instalação provisória, tipo palacete, a nova Faculdade de Letras, que não precisa de estar próxima da Faculdade de Ciências.
É sempre tempo de rever o assunto e os Ministérios da Educação Nacional e das Obras Públicas poderão ainda evitar uma solução que se me afigura estar errada.
O Orador: - Agradeço a. V. Ex.ª as suas explicações o poderia até não discordar delas só não se desse o caso de estar já definitivamente assente uma solução, que consiste na adaptação do edifício da antiga Faculdade de Medicina a Faculdade de Letras, para o que estão já votadas as respectivas dotações.
O Sr. Santos da Cunha: - Não há ainda adjudicação da obra, pelo que o assunto poderia ser revisto.
O Orador: - Posta assim a questão, e dadas as explicações que acabo de prestar a V. Ex.ª, vou continuar.
Apraz-nos afirmar que, apesar das deficiências apontadas às velhas e acanhadas instalações da Faculdade de Ciências do Porto, existem, ao lado das faltas ou carências referidas, luminosas realidades, obra perfeita,
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património científico digno da mais franca admiração, amontoado pelas diversas secções através dos tempos em excelente ritmo de reconhecido progresso, numa actividade científica, útil, meritória e proveitosa a mestres e a discípulos.
Se há realizações incompletas por falta de investimentos, realizações que exigem beneficiação pelo primitivismo que acusam, não amolecendo esse facho energias ou vontades, também existem outras que não envergonham e são fonte generosa a prestigiar qualquer instituto científico a que pertencessem.
Guarda-se dentro da Faculdade de Ciências do Porto um património valiosíssimo, património moral, espiritual e científico, acumulado através de gerações, que os cientistas de hoje não deixarão perder, procurando, através de tudo, aumentá-lo, enriquecê-lo, como farol resplandecente que os ilumina e os guia na esteira de um passado magnífico, que orgulhosamente prosseguem.
Os mestres de hoje, detentores de uma sólida bagagem científica, revelando competência e dignidade na sua alta função, são legítimos continuadores desses velhos mestres dos tempos distantes da minha mocidade, uns e outros servindo a ciência, com a maior devoção e a maior nobreza.
O espírito que sincera e inteligentemente os anima é o mesmo que herdaram e transmitirão aos vindouros, ávidos no estudo consciente e sereno dos problemas actuais e na luta pelo engrandecimento da Faculdade, onde exercem proficientemente o seu magistério. O fundamento das suas aspirações ou dos seus anseios polariza-se na reparação das necessidades que o ensino e a ciência, nas suas exigências, acusam, pedindo actualização de meios e equipamentos, indispensáveis a uma sólida formação profissional, intelectual e moral.
Dar à Faculdade de Ciências do Porto, os elementos de que carece é prestar alto serviço à juventude, ao Porto e à Nação, cuja grandeza pode bem medir-se pelo grau de aperfeiçoado adiantamento e valor das suas escolas superiores, onde a mocidade forja o seu carácter, robustecendo a sua vontade e a sua inteligência, para, em seu labor, se tornar útil à sociedade, à família e à Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para o Governo, e especialmente para os Srs. Ministros das Obras Públicas e da Educação Nacional, grandes amigos do Porto e da sua Universidade, dirigimos o nosso apelo, pedindo solução para as prementes necessidades que a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto pretende ver realizadas.
E o Porto, como sempre, Sr. Presidente, mostrar-se-á reconhecido pela justiça usada no deferimento do pedido que ao Governo da Nação apresentamos, nesta hora magnífica, em que a fé e o amor os instituições vigentes se afervora com maior intensidade na alma do povo, que é a alma da Nação, na sua unidade e na sua grandeza.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bom, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Rodrigues Prata: - Sr. Presidente: uma vez mais o distrito de Portalegre solicita a atenção do Governo, por intermédio da sua representação nesta Assembleia, para um problema que ameaça tornar-se de difícil adiamento: o problema das instalações do seu liceu.
O Liceu Nacional de Portalegre, estabelecimento de ensino com tradições assentes em 110 anos de existência, funciona há mais de 60 anos no actual edifício, velho palácio residencial, que sucessivas beneficiações e adaptações modificaram de modo a servir os fins em vista.
Como é óbvio, não pode dispor o actual edifício das condições necessárias para um ensino eficiente. Durante alguns anos a frequência escolar permitiu que a habilidade dos reitores e a boa vontade do corpo docente fosse remediando a carência de salas de aula, de laboratórios, de recreios, em suma, das instalações necessárias e indispensáveis.
Em 1958, por deliberação de S. Ex.ª o Ministro Leite Pinto, a quem o distrito de Portalegre já tanto deve, foi criado o 3.º ciclo liceal no Liceu Nacional de Portalegre.
Esperava-se que tal benefício muito contribuísse para o acréscimo da população escolar do Liceu e, na realidade, no ano lectivo de 1058-1959, só no 6.º ano, registaram-se 30 matrículas. No ano lectivo corrente estão matriculados no 6.º ano do Liceu Nacional de Portalegre 50 alunos, para uma frequência total de cerca de 500.
A um acréscimo de frequência corresponde naturalmente uma maior dificuldade em superar a falta de instalações. Ainda há muito pouco tempo terminou no Liceu Nacional de Portalegre uma obra de ampliação do edifício, entrando em serviço efectivo quatro novas salas de aula devidamente apetrechadas. Para breve se aguarda o findar da construção do ginásio, de que o Liceu não dispunha.
Para que V. Ex.ª, Sr. Presidente, possa avaliar quanto se impunha a construção do ginásio, bastará dizer que as alunas recebem as suas sessões de educação física numa dependência do antigo quartel, pràticamente abandonado.
È inegável que a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais não se tem poupado a esforços e canseiras, colaborando com a reitoria, para fazer o melhor.
Todavia, parece-me de acentuar que a maior certeza futura será a constância do aumento de frequência e a previsão de que o actual edifício não poderá comportar, talvez já no próximo ano lectivo, os que quiserem matricular-se no Liceu Nacional de Portalegre.
Não quero exagerar, mas creio que as únicas salas até agora ainda, não utilizadas como salas de aula são: o gabinete do reitor, a sala do conselho escolar e o gabinete médico. A biblioteca já é uma sala de aula e o gabinete-laboratório de química funciona como sala de aula quando não está a funcionar como laboratório. A não existência de recreios com dimensões apropriadas para cerca de 500 alunos incita os alunos a procurarem a rua, com todos os inconvenientes daí resultantes. O não funcionamento da biblioteca impede uma acção docente eficaz na aquisição de hábitos de trabalho e de aproveitamento de tempo.
Enfim, parece-me que, perante o exposto, tudo nos indica que se deve apelar para o Ministério das Obras Públicas, a fim de S. Ex.ª o Ministro permitir que só inclua, no próximo plano de construções liceais a construção de um edifício novo para o Liceu Nacional de Portalegre.
Nem se diga que o actual edifício do Liceu seria desaproveitado, uma vez que a Escola do Magistério não funciona em condições óptimas e, mais ainda, o ciclo unificado, que todos aguardam seja uma realidade, poderia, dispor de um edifício próprio.
Eis, Sr. Presidente, porque aqui deixo o meu apelo para os Srs. Ministros da Educação e das Obras Públicas. Cumpre ao Governo administrar os bens pú-
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blicos, aplicando-os onde sejam mais necessários e urgentes.
O que hoje não é uma necessidade urgente sê-lo-á dentro de pouco tempo. Por isso mesmo solicito a inclusão de um novo edifício para o Liceu Nacional de Portalegre no plano de construções para o ensino secundário, consciente de que o meu distrito contribuirá, com a sua gratidão e com o seu trabalho, para o progresso da Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Silva Mendes: - Sr. Presidente: ao ler nos jornais da noite de ontem as referências que um ministro do Congo fez à amizade dos Portugueses e aos altos serviços que o nosso Governo e os nossos compatriotas têm prestado ao seu país, senti-me, mais uma vez, profundamente emocionado, como sempre me tenho sentido todas as vezes que os dirigentes daquela jovem nação se têm referido, em termos elogiosos e justos, à sua amizade pelo povo português.
Quando as nações da cortina de ferro nos atacam violentamente, secundadas por outras situadas em África e que não conhecem a história nem a forma de agir dos Portugueses para com os habitantes das suas províncias ultramarinas, é consolador e reconfortante constatar que os esclarecidos governantes de uma jovem nação africana nos fazem a justiça que merecemos e que outros nos negam, por ignorância ou maldade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os Congoleses conhecem-nos bem, sabem a consideração que temos pelos pretos e mestiços, reconheceu, que os portugueses brancos estabelecidos no Congo têm contribuído poderosamente para o seu desenvolvimento e progresso e que os portugueses pretos que para lá têm ido trabalhar são ordeiros, trabalhadores e honestos, contribuindo também com o seu esforço para o bem da jovem nação congolesa, pelo que desejam que se mantenha sempre viva a amizade que dura há séculos, desde que os Portugueses descobriram aquelas regiões, para lá levaram a sublime religião de Cristo e fizeram elevar à dignidade de príncipe da Santa Igreja Católica o primeiro bispo congolês.
Podem os actuais dirigentes do vasto Congo, desde a foz do Zaire aos mais afastados limites de Catanga, que estão animados do honesto e digno propósito de manter a ordem e do são desejo de promover, a civilização e progresso do seu país, ter a certeza de que têm em todos os portugueses amigos dedicados e eficientes, sempre prontos a ajudá-los eficazmente e - o que é mais - desinteressadamente, em todas as suas dificuldades.
Prouvera a Deus que as grandes nações da O. N. U., e até aquelas que apenas pesam nas suas decisões pelo número, pedissem, recebessem e acatassem, os conselhos que o Governo Português lhes podia dar e que, atendendo à longa experiência, de séculos que temos, seriam, com certeza, úteis para o Congo e para as nações ocidentais, empenhadas no progresso, desenvolvimento e paz naquela, vastíssima parcela do continente africano.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Infelizmente, a acção da O. N. U. não tem sido inteiramente profícua, pelo que pessoalmente me parecia mais razoável que desse por finda a sua missão, confiando ao Presidente da Republica e aos governantes que ele julgasse idóneos a resolução dos problemas que têm de ser resolvidos, limitando-se a O. N. U. a satisfazer, na medida do possível, os pedidos que lhe fossem feitos.
Darem os Belgas generosamente a independência ao Congo para terem os Congoleses de obedecer às ordens da O. N. U. - perdoem-me os dirigentes desse alto organismo, mas não me parece lógico nem conveniente.
Tenho a convicção de que, se fosse possível libertar o Congo de certas influências, os seus actuais dirigentes seriam capazes de encontrar finalmente a orientação que fosse mais conveniente aos superiores interesses do país.
Estou certo de que, se o conseguissem, todos os portugueses, como seus vizinhos e amigos, teriam com isso imenso prazer, por amizade pelos Congoleses, é verdade, mas também porque temos o maior interesse em que não exista na vizinhança, da, nossa Angola um foco de subversão e desordem que possa, servir de quartel-general aos que queiram espalhar a desordem naquela nossa província, às ordens do comunismo internacional, como há dias aconteceu.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: como estou no uso da palavra, e me referi à acção do comunismo, aproveito a ocasião para levantar a minha, indignada voz para verberar o cobarde, indigno e traiçoeiro procedimento dos Ga1vões, Delgados e companhia...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Pinto de Mesquita: - Nesta altura sobretudo os da companhia.
O Orador: - ...que não duvidaram de atacar um pacífico navio português e fomentar a desordem na maior e mais rica província portuguesa, às ordens e fazendo o ignóbil jogo do comunismo internacional, nesta hora grave em que todos os portugueses deviam estar estreitamente unidos para vencerem os ataques violentos, injustos e revoltantes de que estamos sendo vítimas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não deixarei também de patentear a minha comovida admiração por todos aqueles que perderam a vida no cumprimento dos seus deveres de verdadeiros portugueses no Santa Maria e em Luanda. Paz às suas almas leais e curvemo-nos comovidos em homenagem à coragem e honrada dedicação de que deram provas e tenha todo o Mundo a certeza do que por cada português, de qualquer cor, que seja capaz do atraiçoar a sua Pátria aparecerão centenas de milhares que serão capazes de sacrificar a sua vida para a defender, como eles o fizeram.
(Apoiados).
Não nos acobardamos nem perdemos a serenidade e a coragem e nunca nos disparemos a abdicar dos nossos direitos e dos nossos deveres pelo facto de se darem desordens em qualquer ponto dos territórios que constituem a Pátria Portuguesa.
Temos a certeza de que todos os povos, de vários raças e cores, que formam a Nação Portuguesa estão unidos e dispostos a apoiar o Governo na defesa da nossa independência colectiva; não nos assustamos nem abdicamos pelo facto de estrangeiros, ou vendidos ao estran-
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geiro, provocaram, desordens em qualquer ponto do território português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Temos a forni moral, a justiça e a razão e ainda a coragem necessária para nos mantermos firmes na defesa dos nossos direitos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Desejamos ardentemente viver em paz, não provocamos ninguém, somos um elemento de ordem, honestidade, boas intenções e desejos de colaborar para o bem da humanidade, mas, afirmo-o mais uma vez, também estamos dispostos a lutar e a fazer os maiores sacrifícios, se tanto for necessário.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não estamos obedecendo às ordens do quem governa Portugal; procedemos assim porque esta é a vontade unânime de todos os portugueses dignos desse nome, que estão dispostos a tudo o que seja necessário para cumprirem o seu dever de ocidentais e de guias dos povos que em nós confiam e que se sentem honrados por fazerem parte da Nação Portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Abandoná-los à sua sorte seria uma autêntica traição, de que não somos capazes.
Mantenhamo-nos, pois, unidos e encaremos o futuro com serenidade, coragem e confiança.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentada.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao plano de viação rural.
Tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Simões.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: a presente proposta de lei que estabelece o plano de viação rural, se é, como amplamente se reconhece no douto parecer da Câmara Corporativa que a apreciou e aqui igualmente se tem afirmado, uma consoladora demonstração de que o Governo olha com notável cuidado para o desenvolvimento dos meios rurais, afirma-se principalmente como um documento em que uma vez mais se define a construtiva política do Ministério das Obras Públicas no sentido de colmatar atrasos e saldar carências que tanto e tão impiedosamente vêm flagelando os nossos centros rurais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ao longo de decididos impulsos para fortalecer o nosso desenvolvimento até podermos atingir um nível de escala mundial, o Ministério das Obras Públicas tem-se afirmado como sendo o departamento do Estado no qual tem vivido mais fortemente radicada a ideia de trazer à Assembleia Nacional os diplomas que contêm as linhas mestras das suas preciosas iniciativas, tornando-as assim alvo de uma apreciação que só lhes aumenta o seu já indiscutível valor.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Entre todos esses diplomas legislativos avultam os que procuram definir novos estádios de engrandecimento rural e melhoramento da vida local, a que ninguém pode deixar de prestar a mais significativa das homenagens!
Na verdade, avaliando o Ministério das Obras Públicas até que ponto o actual sistema de carência financeira de autarquias tem tornado necessária a sua intervenção no desenvolvimento e equação dos maiores problemas da vida administrativa e reconhecendo que lhe tem cabido dominar, mais do que a qualquer outro departamento do Estado, em grandes sectores com esses problemas relacionados, mandou elaborar pelos seus técnicos, com, flagrante oportunidade, um importante e valioso conjunto de competentes estudos, mercê dos quais foi possível, no momento azado, apreciai com inteira justeza o estado de premência e o desenvolvimento dos problemas encarados e os pólos essenciais das suas mais cabidas soluções.
Recordo, Sr. Presidente, de entre todos esses estudos de que me foi dado tomar conhecimento, aqueles em que foram tratados os vários aspectos do abastecimento de água aos povos rurais e o respeitante à viação rural, que mais nos interessa no momento.
Através desses estudos, meticulosamente ordenados e cheios de profundidade, desvendam-se-nos esses grandes problemas em toda a grandeza do seu impressionante poderio.
Suponho que haveria grande vantagem em que esses estudos se tornassem mais conhecidos, não só dos restantes departamentos do Estado como ainda dos vários sectores da vida nacional. Muito lucro se retiraria de se conhecerem muitos dos seus pressupostos que hoje ou vivem no desconhecimento ou são minimizados com certo desdém, supondo-os ligados a coisas pequenas em demasia para poderem merecer as honras de serem, considerados no pio no das "grandes coisas" deste país.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As notas preambulares da proposta de lei de que nos ocupamos afirmam os ângulos mais salientes do valor desses estudos, que são, aliás, plenamente reforçados nas considerações de generalidade do douto parecer da Câmara Corporativa.
É, portanto, com base em tais pressupostos, Sr. Presidente, que procurarei fazer o meu singelo exame, depondo sobre alguns dos seus aspectos que reputo do maior interesse.
Coloca-nos essa proposta e o parecer da Câmara Corporativa perante o desolado panorama da deficiência da rede de viação rural, que vem sendo denunciado, não só nesta Câmara como por todo o País, desde há muitos anos e com a mais notável das persistências.
É na verdade significativo esse panorama, que, segundo os dados oficiais, se traduz na necessidade de se construírem cerca de 12 000 km de estradas e caminhos municipais para que as povoações com mais de 50 habitantes possam dispor do acesso de que necessitam na escala da exigência da vida dos nossos dias.
Perante tão simples enunciado logo emerge a importância singular da proposta de lei que agora nos ocupa.
Como se afirma que as executoras do plano de viação rural serão as câmaras municipais, importa fazer algumas considerações sobre a posição dessas autarquias perante os problemas que de tal plano emergirão.
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É já um estafadíssimo lugar-comum o afirmar-se que a situação financeira das câmaras municipais apresenta impressionantes aspectos de desoladora debilidade!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Está dito e redito que aos municípios se talhou e delimitou posição de tal maneira subordinada a artificiosos princípios de centralização e de telecomando que estes, vitimados pelas fortíssimas inibições emergentes de tal sistema, têm sido forçados a quedar-se em inércias de todo o ponto prejudiciais, deixando avolumar cada vez mais os grandes problemas que lhes cumpria resolver.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A despeito de andarem completamente denunciados todos os grandes inconvenientes desse sistema insuportável, aliás reconhecíveis nas grandes manifestações da vida nacional em que tanto se estão patenteando, ainda não foi possível encontrar-se a solução harmónica que se impunha.
Tem-se persistido na política de deixar que os municípios resolvam os problemas próprios e os alheios, contando apenas com uma estrutura financeira que até para os primeiros já é manifestamente insuficiente, mas conferindo aos segundos uma inteira prevalência.
Assim se tem complicado toda a vida local e desencorajado iniciativas que eram absolutamente indispensáveis.
Daqui resultou, como consequência necessária, uma grande parte dos atrasos a que se chegou, não só no capítulo da viação rural como ainda no do abastecimento de água, redes de esgotos, electrificação e outros importantes capítulos que têm decisiva importância nos meios rurais.
Desprovidos dos meios necessários ao normal desempenho das suas importantíssimas missões específicas e sendo forçados a suportar encargos relacionados com es grandes problemas nacionais, os municípios não tem podido corresponder ao irreprimível desenvolvimento das crescentes necessidades da vida local.
Na verdade, as suas ancilosadas finanças, submetidas às torturas do apertado regime tributário que se lhes traçou e mercê do qual têm estado ausentes das grandes fontes do rendimento nacional, mostram que dos 303 municípios em que está integrado o território nacional apenas 25 têm arrecadado receitas ordinárias anuais superiores aos 5000 contos, tendo 150 rendimentos de 1000 até 5000 contos; e, finalmente, que 128 não superam aquela importância de 1000 contos.
Se se considerar que destes últimos 29 não atingiram 500 contos e que dos 99 restantes muitos em muito pouco os ultrapassaram, teremos uma primeira visão das grandes razões que se têm denunciado e para as quais não foi ainda tentada a solução eficaz. Se se considerar ainda que no número tão grande das câmaras que sofrem de maior debilidade financeira se encontram aquelas que governam em regiões ainda não suficientemente desenvolvidas e que as suas receitas normais se encontram comprometidas em metade ou em um pouco mais só no pagamento das despesas com pessoal, encontraremos as grandes fontes dos denunciados atrasos, que, a não se eliminarem as causas que os originaram, se avolumarão cada vez mais até atingirem uma situação difícil de prever!
Mas, a par do pequeno volume das suas receitas, condicionado pelas restrições que o Estado lhes impõe para que não sofra diminuição a forte concentração fiscal que a seu favor decretou e teima em manter inalterado, sofrem ainda as câmaras municipais em geral e as mais modestas muito especialmente de um avantajado número de exigências que perturbam o normal e desejado ritmo da sua vida.
Bem conhecidas são elas para que se torne necessário enumerá-las.
Na verdade, a cargo das câmaras se tem deixado a satisfação de encargos que de nenhuma maneira lhes deviam pertencer, dado que eles não cabem na sua estrutura específica; são grandes necessidades nacionais que não podem ser desigualmente tratadas segundo o poderio financeiro das autarquias.
É entre todos o caso flagrantíssimo dos encargos com a hospitalização e tratamento de doentes pobres.
A luta contra o sofrimento e o melhoramento das condições dos doentes não podem ficar à mercê da pequenez das receitas municipais.
Onde quer que a doença se manifeste, há que combatê-la com a plena eficiência dos modernos métodos de luta de que a medicina dispõe.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ora, no estado actual deste importante problema, porque se está a exigir aos municípios uma percentagem muito avultada das suas minguadas receitas, restringe-se-lhes danosamente a sua capacidade de realização.
Mas às despesas com a saúde pública outras, muitas outras, acrescem, igualmente fora do âmbito das possibilidades da vida local.
O Estado isentou-se do pagamento de impostos aos municípios, mas exige que estes lhe paguem muitos e variados tributos e concorram com substanciais prestações para a manutenção dos serviços que vai criando.
Como exemplos típicos deste singular tratamento está o regime da instalação dos serviços de finanças, dos serviços de justiça e de mais alguns outros da estrutura do Estado.
São as câmaras que têm de providenciar para que em cada concelho a secção de finanças e a tesouraria da Fazenda Pública e os restantes serviços fiquem instalados e a funcionar da melhor maneira possível.
As câmaras municipais instalam-nos, mobilam-nos, dão-lhes energia eléctrica e o mais que é necessário e até tiveram de, ainda há pouco, montar telefone aos serviços de finanças!
Em contrapartida, quando nessas repartições se faz a cobrança dos adicionais que sobre as contribuições e impostos gerais da Nação pertencem aos municípios, e constituem até a fonte mais importante dos seus réditos, ali se cobra e desconta para os cofres do Estado, além de outras alcavalas de variada configuração, uma percentagem sobre os rendimentos ilíquidos arrecadados que varia entre 4 e 2 por cento segundo o volume dessas cobranças e a percentagem fixa de 5 por cento sobre a contribuição predial rústica que se destina ao conhecido Fundo de Cadastro, pelo qual se suportam os encargos das avaliações da propriedade rústica já feitas e a fazer.
Por outro lado, como já sucedera com o levantamento aerofotogramétrico do País, que foi pago pelos municípios segundo um sistema de repartição inexoravelmente fixado, também aos municípios tem cabido suportar os avultadíssimos encargos dos censos da população, o último dos quais ainda está em trabalho. Estas despesas bem demonstram a posição de forte sobranceria assumida pelo Estado perante os municípios, confirmada, aliás, quando nada lhes paga pelos muitos serviços que estes lhe prestam quer cobrando-lhe por sua vez avultadas taxas em conjunto com as suas receitas próprias, quer praticando as mais variadas missões que de todos os lados lhes são pedidas, como sejam as relacionadas com os
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serviços de estatística, emigração, recenseamento militar e eleitoral e as muitas notificações para o pagamento das multas aplicadas pela rede de malha estreita de fiscais que cobre todo o nosso território!
Tudo isto serve para demonstrar a profunda desigualdade de regimes que o Estado criou para si e impõe aos municípios.
Nessa desigualdade se afirma a já citada sobranceira que se traduz num impolítico espírito de latente animosidade que, em boa verdade, de nenhum modo se pode compreender.
Mas em muitas outras facetas tal sobranceria se reafirma.
Não (quero deixar de citar, por ser um típico exemplo de contundente unilateralidade, que a proposta de lei em apreciação mais evidencia, o já famoso regime de compensação que o Estado concede às câmaras municipais pela supressão dos impostos que estas lançavam sobre os veículos automóveis.
Não desconhece a Câmara esse singular regime, aqui já tantas vezes apreciado e comentado, mas não será descabido traçar-lhe as suas linhas uma vez mais!
Como é sabido, em 30 de Dezembro de 1929 entendeu o Estado dever publicar o Decreto 11.º 17 813, com o confessado fim de eliminar certos embaraços ao desenvolvimento das comunicações por estrada, em veículos automóveis.
Para tanto, nesse decreto, além de outras medidas, foi determinado que as câmaras deixassem de cobrar as taxas que lançavam sobre os veículos automóveis ou com eles relacionadas, passando a ser compensadas pela falta de tais rendimentos por uma verba a pagar pelo Estado segundo o número de automóveis, motociclos e camionetas registados em cada concelho.
Para o cálculo dessa compensação fixavam-se nesse decreto as seguintes importâncias a pagar por veículo:
Automóveis, 400$ em Lisboa e Porto e 300$ em cada um dos outros concelhos; camionetas, 600$ e 500$; motociclos, 150$ e 100$.
Mas, para o pagamento das compensações apurados para cada concelho, foi inscrita no Orçamento Geral do Estado uma verba global manifestamente insuficiente. Então, em vez de se reforçar essa verba, como seria prática normal, foi decidido proceder ao rateio daquela importância pelas câmaras.
Este processo veio a generalizar-se e tem sido seguido sem interrupções, pois nunca mais se inscreveu no capítulo respectivo do Orçamento Geral do Estado a verba necessária, mas sempre a de 10 600 contos.
Para coonestar a operação foram-se diminuindo as taxas de compensação por viatura e, assim, pelos sucessivos Decretos n.ºs 25 754, de 1935, 29 168, de 1938, e 31 172, de 1941, foram estas alteradas até se lhes fixarem quantias inferiores em cerca de 50 por cento às iniciais.
A despeito de tal diminuição de valores, nunca, contudo, as câmaras as viram aplicadas, porque a verba inscrita em orçamento manteve a sua expressão contra os princípios gerais que comandam a organização deste tão importante plano da vida nacional.
O grande aumento do número de viaturas automóveis verificado nos últimos lustros equacionado com a congelação do melhoramento da compensação oferecida pelo Estado permite aquilatar a tremenda diminuição de receita que o sistema trouxe às câmaras municipais.
Isto é, perante um maior desgaste das suas estradas e caminhos causado por uma densidade de trânsito que aumentou no ritmo impressionante que todos conhecem, os municípios não sentiram que as suas receitas pudessem acompanhar esse notável surto de progresso.
Daqui o elevadíssimo número de quilómetros para reparar ou para melhorar nos pavimentos das estradas e caminhos rurais, que tiveram de ser quase deixados ao abandono, a maior parte das vezes por falta de recursos das respectivas câmaras municipais!
Eu sei, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não estou a dar qualquer novidade a VV. Ex.ªs
Nesta sessão legislativa se tem tratado com abundante sentido das realidades o momentoso problema das finanças locais, e em tais termos que se me afigura não poder o Governo continuar a desconsiderá-lo.
É que, se o fizesse, comprometeria gravemente a resolução dos grandes problemas rurais que se mostra tão justamente empenhado em resolver com rapidez, no número dos quais se couta com grande premência o da viação rural.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na verdade, pretendendo o Estado, como afirma, que as grandes executoras do plano de viação rural sejam as câmaras municipais, não pode deixar de lhes criar as possibilidades necessárias de o fazerem com verdadeira eficiência e sem qualquer dos artifícios com que, no presente, se lhes vai dourando a miséria!
E nem suponho necessário enunciá-los aqui.
O Sr. Rodrigues Prata: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Rodrigues Prata: - Queria apresentar a V. Ex.ª os meus cumprimentos pela sua persistente acção a favor das câmaras municipais, embora não obtenha resultados.
O Orador: - Agradeço a V. Kxa. Embora tenha muito a sensação de que estou a pregar no deserto, estou convencido de que o problema tantas vezes há-de ser evidenciado que acabará por sor resolvido.
O Sr. Rodrigues Prata: - Água mole um pedra dura...
O Orador: - É que não basta estabelecer um sistema de comparticipações mais ou menos liberal para garantir a execução do plano.
Sabendo-se de antemão que os cofres municipais sofrem de uma anemia altamente inibidora, não é lícito havê-los como aptos a poderem fornecer a comparticipação que o desenvolvimento do plano exige e os recursos do Estado condicionam.
Como na discussão do II Plano de Fomento entendi dever afirmar, não é possível que, no condicionalismo agora vigente, dos cofres municipais possam sair os 210 000 contos que se lhes pedirão neste hexénio para que, juntos aos 630 000 contos com que o Estado contribuirá, se possa garantir o acesso de que tanto necessitam as 4000 povoações com mais de 100 habitantes que ainda se encontram isoladas!
Serão assim inevitáveis os atrasos, e então os dezoito anos previstos para a execução integral do plano que pretende beneficiar mais de 1 milhão de bons portugueses que nos meios rurais estão ainda privados de comunicações como que se se prolongarão indefinidamente ou, pelo menos, levará tanto tempo a realizar o plano que será praticamente frustrada a sua flagrantíssima justiça e singular utilidade nacional.
É por isso que, repito, Sr. Presidente, me não parece suficiente contar-se apenas, como se faz na proposta de lei, com a política mais ou menos liberal de comparticipações do Estado, que, a despeito de poderem ser efectivamente substanciais e variáveis na razão inversa das disponibilidades financeiras dos municípios que as vão receber, mesmo assim representarão sempre uma ré-
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ceita extraordinária que, para poder ser arrecadada em comparticipação, pressupõe o investimento prévio de recursos municipais, na maioria dos casos inexistentes.
Isto não envolve, evidentemente, menosprezo pela cabidíssima determinação de se nivelarem os recursos das autarquias locais com essa diferenciada comparticipação do Estado.
Por ela sempre tenho pugnado com o maior empenho.
È que, efectivamente, não me parecia que se justificasse o sistema do igualdade em que se tem vivido, o qual tem levado a situações de incompreensível superioridade para aqueles municípios económicamente mais favorecidos, por lhes conceder vantagens de toda a ordem e, entre elas, uma mais larga possibilidade de efectiva em as suas iniciativas.
A par das marcadas vantagens da diferenciação dos auxílios do Estado, muitas outras virtudes se encerram no articulado da proposta de lei, como sejam, por exemplo, a da determinação de se dever fazer o revestimento betuminoso dos novos pavimentos e todas aquelas que se somariam no n.º 6 do douto parecer da Câmara Corporativo, que, como ali se afirma, se justificam por si próprias, como resulta dos seus enunciados.
Sem intenção de a todas analisar, o que alongaria demasiadamente o meu trabalho, sempre referirei que me parece da mais alta vantagem a pretendida coordenação entre os planos de trabalho da Junta Autónoma de Estradas e os da viação rural, dada a manifesta interligação, que não pode ser iludida, entre as redes rodoviárias nacional e local.
Normalmente as vias municipais são condutores do tráfego para as grandes rodovias nacionais, de modo que de pouco serviria construir aquelas sem que houvesse possibilidade de as ligar com estas.
E a tal respeito ainda nos surge como da mais saliente utilidade, sob todos os pontos de vista, que nas direcções distritais da Junta Autónoma de Estradas fosse criado um completo parque de material e maquinaria para ser colocado em operante colaboração ao serviço das câmaras municipais do respectivo distrito nas condições mais favoráveis que seja possível conseguir.
Os municípios mais pobres, e por isso sem possibilidade de disporem, além dos serviços técnicos necessários, de todo o material de que carecem, encontrariam no material desses parques uma preciosa ajuda para o cumprimento das grandes tarefas da execução do plano agora encarado nas suas linhas mestras.
Esta iniciativa deverá ser futuramente considerada e legalmente fixada, porque da sua efectivação emergem benefícios sem conta.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Bastará considerar que, tendo uma grande parte das câmaras municipais de executar as suas obras de construção de estradas em regime de administração directa, para aproveitarem os preciosos auxílios da iniciativa local, se puderem contar com um fácil aprovisionamento das máquinas necessárias aos trabalhos e de bons técnicos para com elas trabalharem verão extremamente facilitadas as suas tarefas e poderão, por isso, poupar tempo na execução das obras, suprindo a falta de pessoal que por toda a parte se nota.
Sugere-me também um ligeiro comentário a ideia de se fazer uma conveniente classificação das estradas e dos caminhos municipais.
A proposta de lei prevê que a execução do plano de viação rural se subordinará à classificação das vias municipais aprovadas pelo Governo.
Para temperar a ideia tutelar que nesta base II tanto avulta, como, de resto, em toda a economia da proposta, suponho que se devia firmar o princípio de que a indispensável classificação das vias municipais haveria de ser feita em cada concelho pela respectiva câmara municipal, mas assistida e coadjuvada pelos técnicos dos organismos oficiais do distrito relacionados com o Ministério das Obras Públicas.
Isto porque há que fixar princípios e regras básicas em cuja aplicabilidade muito interessará ver colaborar as autarquias e os técnicos dos serviços do Estado.
Têm de se abandonar certas preconcebidas ideias que vigoram no presente segundo as quais, perante as grandes dificuldades da sua manutenção e conservação, se costuma, entregar às câmaras municipais estradas que estavam integradas na rede rodoviária do Estado e que chegaram a um grave estado de ruína.
O desenvolvimento da vida moderna e os seus muitos e muito fortes postulados impõem hoje regras muito diversas daquelas a que se tem obedecido.
Se é certo que os municípios não podem nem devem demitir-se de possuir uma rede de estradas e caminhos em que exerçam a sua tradicional jurisdição, satisfazendo as maiores necessidades locais de acesso, também é certo que muitas das estradas hoje havidas como municipais têm todas as características das nacionais e desempenham, como elas, um preponderante papel nas ligações interconcelhias ou inter-regionais.
Não se justifica, por isso, que servindo as exigências da generalidade do tráfego dos nossos dias essas estradas estejam a cargo das câmaras municipais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se têm valor de nacionais pelos serviços que prestam, como nacionais se devem classificar; para tanto, terá de se pôr de lado a ideia de que o Estado, como já tem a seu cargo muitos quilómetros de estradas principais e secundárias, não deve receber mais!
Sr. Presidente: pretendi evidenciar, ainda mais uma vez, a necessidade inadiável de ser dada ao grave problema das finanças dos corpos administrativos a pronta e cabida solução que há tanto tempo se espera.
É altamente pernicioso o regime de dilações em que se tem vivido, cuja inconveniência não pode ser atenuada com expedientes tutelares.
O Estado, que carece absolutamente da franca cooperação dos municípios e das restantes autarquias locais, só terá a ganhar quando estas tiverem uma estrutura financeira estável, por assente em sólidas bases de administração, em que sem artifícios as suas possibilidades se renovem.
De organismos com a vida permanentemente comprometida não é lícito esperar trabalho eficiente nem qualquer prestante ajuda.
Definem-se na presente proposta de lei princípios do mais transcendente valor, por concernirem à melhoria da vida nos centros rurais, cujas populações andam hoje açoitadas pela ideia do seu abandono.
É inegável que entre os elementos indispensáveis a esse melhoramento se conta em plano de muito destaque a existência de uma boa rede de comunicações.
O isolamento dos povos, estagnando toda a sua vitalidade, acaba por lhes produzir a morte.
O diploma apreciado reveste-se, portanto, de uma importância excepcional na medida em que prevê soluções para combater esse isolamento.
Todavia, é necessário que essas soluções não sejam frustradas com pressupostos sem cabimento, como são todos aqueles que atribuem às câmaras municipais possibilidades financeiras que elas efectivamente mão possuem!
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O saneamento e o robustecimento dos erários dos municípios impõe-se como medida de conteúdo em nada inferior ao idas grandes iniciativas nacionais.
O equilíbrio estável das suas finanças é, por isso, a base a partir da qual se deve estruturar toda a política rodoviária das câmaras municipais, permitindo até impor-lhes que, juntamente com a construção de novas vias, não deixem de tratar da reparação e conservação das existentes.
É por isso que, em meu juízo, antes de alcançado esse equilíbrio se não torna, também possível promulgar o Regulamento das Estradas e Caminhos Municipais, igualmente editado pelo Ministério das Obras Públicas e de que já foi dado a esta Câmara o devido conhecimento.
Documento de muito saliente valor, em que se definem princípios hoje de certa maneira inexistentes, ele pressupõe, não câmaras municipais de finanças cadavéricas, mas organismos económicamente robustos para suportarem os muitos encargos que vem criar.
A seu tempo, porém, se apreciará este projectado regulamento, que oferece muitos aspectos de saliente interesse.
E, Sr. Presidente, ao terminar as minhas considerações, quero deixar uma leve referência ao panorama rodoviário do distrito de Coimbra.
A despeito de não ser o meu distrito dos mais desfavorecidos no tocante à viação rural, mesmo assim tem necessidades de grande monta a satisfazer.
Há cerca de 4 anos, notava-se que nos seus 17 concelhos ainda existiam, em 2328 povoações, cerca de 600 que, com mais de 50 habitantes, se mantinham isoladas.
De então para cá as coisas sofreram sensível melhoria, mas está ainda muito longe a solução satisfatória que se deseja e se impõe.
Tem sido muito notável a acção das câmaras municipais e, em muitos concelhos, nomeadamente naqueles que se integram na área da comarca de Arganil e são os de Arganil, Góis e Pampilhosa da Serra, o integral devotamento das agremiações regionalistas aos problemas da viação local.
De salientar também os acessos construídos pelos serviços florestais, que têm produzido melhoramento de muita valia.
Mas nota-se uma extrema necessidade de grandes reparações concomitantemente com o desenvolvimento do plano de construções.
São volvidos dois anos consecutivos em que chuvas muito persistentes e abundantes comprometeram ou arruinaram os pavimentos das rodovias existentes.
Não têm as câmaras municipais do distrito de Coimbra possibilidades financeiras para a tudo acudirem.
Carecem, por isso, de substancial ajuda e auxílio do Estado, já que não têm processo de se ressarcirem de tão grandes prejuízos.
Nas reuniões que têm realizado, com inalterável regularidade, sob a égide do Sr. Governador Civil, as câmaras municipais deste distrito, reuniões em que, com alto espírito construtivo, se versam todos os problemas da vida local e se acertam colaborações e definem princípios de orientação do mais construtivo alcance, se tem reconhecido o somatório das grandes necessidades existentes.
Não as desconhece o Governo, a quem têm sido apresentadas por forma bem definida.
Merecem por isso ser devidamente consideradas, pois são justíssimas aspirações, a que a localização não furta valor, antes confere verdadeiro alcance nacional.
A nenhuma individualizarei neste momento, já que são todas da mesma flagrante necessidade.
E termino, Sr. Presidente, querendo fazê-lo como comecei.
Não pode deixar de se reconhecer o inteiro devotamento do Sr. Ministro das Obras Públicas e do Governo aos grandes problemas do muito sacrificado mundo rural.
A proposta de lei que nos foi submetida afirma-o categoricamente.
Esse devotamento, contudo, para ser eficaz, exige, como deixei dito, que sem tardanças se dignifique e consolide a posição dos municípios, aliviando-os da torturante debilidade financeira a que têm estado submetidos.
Não deixará o Governo de considerar esta situação, já que não pode prescindir da empenhada ajuda de tão categorizados fomentadores do engrandecimento nacional.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão com a mesma ordem do dia de hoje. Está encerrada, a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Pereira Jardim.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA