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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 200

ANO DE 1961 18 DE FEVEREIRO

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 200 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 17 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos Srs.
António José Rodrigues Prata
António Calapez Gomes Garcia

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 66 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 199.

O Sr. Deputado José Manuel da Costa, enalteceu o exemplo de sacrifício do terceiro-piloto Nascimento Costa e sublinhou a recepção da gente portuguesa ao paquete Santa Maria.

No mesmo sentido falou o Sr. Deputado Camilo de Mendonça, que se referiu também ao reconhecimento devido aos agentes da ordem mortos em Luanda.

O Sr. Presidente exprimiu as condolências da Assembleia pelos portugueses que tombaram no Santa Maria c em Luanda e pediu à Câmara uns minutos de silenciosa concentração sobre a memória deles.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate na generalidade da proposta de lei relativa ao plano de viação rural. Usou da palavra o Sr. Deputado Amaral Neto. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas c 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Bartolomeu Gromicho.
António Galapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de A. Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagarro de Sequeira.
Jerónimo Henriques Jorge.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Marchante.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
Joaquim Pais de Azevedo.

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José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Manuel da Costa.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Dólares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 199.

Pausa.

O Sr Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação sobre aquele Diário, considero-o aprovado.

Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado José Manuel da Costa. Convido o Sr. Deputado a subir à tribuna.

O Sr. José Manuel da Costa: - Sr. Presidente: só desejava que as minhas palavras de hoje fossem tão puras como é puro o motivo que as inspira e determina!

Não direi uma palavra mais de condenação ou de repulsa pelo crime hediondo que se cometeu e já foi aqui verberado por todos nós. Silêncio, agora, sobre essa hera de treva da vida nacional, sobre esse momento de luto para a consciência dos países do Ocidente, sobre esse instante de eclipse nas sinuosas linhas de rumo da nossa civilização!

Silêncio agora sobre um acto nefando, que é símbolo trágico do desvairamento e de balbúrdia de um mundo que pretende construir-se sem Deus, sem lei e sem moral.

Quebre-se esse silêncio tão-só em glória e em memória de um jovem a cujo corpo mortal se estão agora abrindo as entranhas da Mãe-Pátria para o abraçar ao seu seio e assim, uma vez mais, se enriquecer da riqueza, lê um sangue que é o sangue generoso e fecundante de um herói e de um mártir.

Honra seja aqui prestada neste dia à memória eterna do bravo piloto Nascimento Costa, símbolo gentil de uma raça, de uma pátria, de um ideal e de uma geração.

O venerando Chefe do Estado, em homenagem póstuma, fê-lo cavaleiro da Torre e Espada, honraria e prémio de poucos..., que só se ganha nos extremos limites do dever ou na dávida integral do sangue e dae vida. O povo português, esse, o verdadeiro, o que não sabe abdicar de si mesmo nem trair as suas origens e raízes de comunidade organizada, esse tornou-o já cavaleiro do ideal, um ideal que já excede e ultrapassa as fronteiras da Mãe-Pátria, porque o piloto Nascimento Costa não morreu tão-sòmente por Portugal, morreu por um tipo de civilização e de cultura que têm por princípios essenciais e irredutíveis Deus, a Pátria e a família, princípios esses que eram precisamente o alvo maior do crime e foram também o alvo principal das balas que o prostraram para sempre.

Morreu no mar de todos os homens a defender uma liberdade, que é a de todas as nações, e a sustentar uma lei, que é condição essencial e primeira da dignidade e da honra dos povos livres. Morreu no mar, no mar que era a sua vida, e à sua terra o trouxeram os braços do Santa Maria, a fim de que sobre essa terra viesse pairar para sempre a chama da sua alma ardente, chama de serviço e de sacrifício, chama de educação e de exemplo, chama de acção e de resgate.

É conhecido, ainda quando difícil de entender, o conceito de que: "Não deu nada quem não soube dar tudo!". Nascimento Costa só teria para dar a sua vida de homem, a sua alegria de jovem pai de família, o seu dever de honrado piloto de um pacífico navio de comércio. Pois "deu tudo" num só instante, e logo se juntou o seu nome, desconhecido e simples, à grandeza dos nomes maiores que enchem oito séculos de história! Quem diz aí que a Pátria está amortecida e triste? Quem pode duvidar de uma geração que tem a alma deste tamanho e tem a vida pronta para a perder desde que saiba que lhe sobrevivem a honra e a glória dos mortos, a memória e o respeito dos vivos, a dignidade e a existência da Pátria, a paz e a misericórdia de Deus?

Ah! Sr. Presidente! Eu não sou da geração de Nascimento Costa! Dessa geração são os meus filhos, e isso me permite trazer aqui um depoimento de duplo significado. Quem dera que nestas duas gerações todos tivéssemos, os pais e os filhos, um tão sublime culto do dever e da honra como o tiveram Nascimento Costa ao fiar a sua vida e o pai de Nascimento Costa ao dar o seu filho, na profunda dor das suas lágrimas, mas no último orgulho do seu coração!

Sei a responsabilidade do que digo mas nos tempos apocalípticos que o Mundo vive e nas horas trágicas e delicadíssimas que nós vivemos não nos pode caber a vergonha de nenhuma cobardia, nenhuma dor nos pode refrear, nenhum acto nos pode tornar indignos das obrigações e das responsabilidades da hora presente. Nascimento Costa era um potencial de acção; foi porém a sua morte que o tornou exemplo, e se este exemplo não for meditado, vivido, sofrido e encarado de frente por todos nós, por cada um de nós, sem distinção e situações, de idades ou de credos, "nada nos salvará", e os egoísmos, as riquezas, as ganâncias, as vaidades e as hipocrisias, mesmo quando disfarçados de boas intenções, não tardarão em ruir por terra, pois do outro lado da trincheira se conta com tudo isso, e contra tudo isso só é sublimemente válido um exemplo colectivo que nasça e se inspire no exemplo de Nascimento Costa.

Sr. Presidente: ontem, luminosamente, no paquete Santa Maria a gente portuguesa esteve toda ela à roda de três grandes símbolos fecundos e estimulantes: o

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nome de Santa Maria, a vida de Salazar e o martírio heróico de Nascimento Costa. Toda a gente portuguesa esteve ali à volta da fé invencível, da acção inteira, intemerata e desinteressada do sacrifício puro, abnegado e redentor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A gente portuguesa esteve ontem onde devia e agora, neste preciso momento em que a terra portuguesa se embebe no sangue rico de Nascimento Costa, estejamos nós todos de pé em honra, louvor e glória do herói nobre e puro que no sacrifício ganhou para para si a imortalidade e nos deixou a nós a imperativa e tremenda responsabilidade do seu exemplo. Firmes e de pé; a posição dos homens quando aguardam as ordens de serviço, a posição dos homens quando olham para diante e não vêem limites à grandeza dos seus ideais e ao império do seu dever.

Curvemo-nos tão-só numa solidariedade de mágoa perante quem ficou com o prestígio de um grande nome, mas no vazio da presença física de um grande amor.

Vita mytatur, non tollitur, a vida muda, não se perde! Ascendeu a Deus em glória, a alma de um grande e jovem português e à terra está baixando o pobre despojo da sua vida breve. Honrou a Deus e à Pátria, mudou-se a sua vida, não a perdeu. Mas a nossa, essa perder-se-á se nos esquecermos do vigor e do rigor do seu exemplo, perder-se-á se em toda a longa e ameaçada terra portuguesa fraquejarem os ânimos, perderem coragem os corações ou se voltar a cara à onda de violência que se propõe correr sobre nós.

Portugal salva-se se todos os portugueses não se esquecerem nunca, mais do teu exemplo, Nascimento Costa. Este é a glória da tua morte, o símbolo da tua vida, a chama da tua alma, agora posta por Deus lá junto das estrelas que procuravas na ponte do teu navio e donde agora nos ensinas os caminhos agitados e ásperos que diante de nós se levantam.

A tua morte, é jovem vanguardista da Mocidade Portuguesa, que te ensinou e formou, é jovem piloto dos mares abertos e livres, é jovem cadete de um ideal em que se condensa, toda uma civilização de que somos hoje os mais arriscados garantes e responsáveis, a tua morte, Nascimento Costa, não há-de perder-se, porque tu estás lá, de ao pé de Deus, a ensinar-nos a verdade do caminho e o sentido da vida, daquele caminho e daquela vida que não trocamos nem traímos, mesmo quando o preço da lealdade seja o sangue das nossas feridas mortais, como pelo sangue tu foste fiel ao passado da Pátria, testemunho do seu presente ameaçado e sublime, e apóstolo do seu futuro de redenção e de liberdade nos ideais que seguimos e servimos: o único caminho, a única verdade, a única vida possíveis!

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!.

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Camilo de Mendonça: - Sr. Presidente: pedi a palavra, para, em breve apontamento, me associar às considerações que o nosso ilustre colega José Manuel da Costa acaba de proferir em homenagem a Nascimento Costa, o heróico rapaz que tombou no seu posto, oferecendo a vida no cumprimento do dever.

Nascimento Costa, como também Maciel Chaves, que anos antes igualmente oferecera o seu sangue em terras da índia, criaram-se e formaram-se nas fileiras da Mocidade Portuguesa, onde aprenderam o culto do dever e da honra, o sentido da lealdade e do patriotismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As suas vidas, generosamente dadas em cumprimento do dever, enchem-me de emoção e de saudade, mas também de orgulho - na medida em que como eles e tantos outros, servi e militei nas mesmas fileiras - e dignificam a instituição que os formou.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De facto, Sr. Presidente, quando uma organização como a Mocidade Portuguesa começa a aureolar-se com o sacrifício do sangue dos seus rapazes, a dar ao País a juventude dos seus filiados, dá-nos a certeza de que nem o seu labor foi infecundo, nem baldadas as esperanças que tenham sido depositadas na sua tarefa educativa.

Ali se aprendeu a servir um ideal, se formou uma sólida consciência nacional, se prepararam homens para as tarefas do futuro.

Pode o País estar seguro da sua devoção, de que o exemplo de Nascimento Costa, caído na ponte de comando do Santa Maria, há pouco menos de um mês, como o de Maciel Chaves, caído há anos em terras da índia, será seguido quando o dever o exigir e a Pátria o requerer.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Orgulhemo-nos destes exemplos, agradeçamos à Mocidade Portuguesa que os formou e fiquemos seguros de que o País pode contar com a sua juventude.

Sr. Presidente: o povo de Lisboa, o povo do País, com o seu sentimento vivo de justiça e a sua fina sensibilidade, recebeu ontem apoteòticamente o regresso a bom porto do Santa Maria. O povo de Lisboa está neste momento a prestar significativa e sentida homenagem a Nascimento Costa.

Pois bem, é neste momento que desejo recordar com a mesma emoção e igual sentimento de homenagem e respeito aqueles que, em terras da portuguesíssima Angola, deram a vida em defesa da ordem e da integridade da. Pátria, aqueles, brancos ou pretos, ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... da África ou da Europa, mas igualmente portugueses, que corajosa e decididamente enfrentaram os assaltantes e souberam bater-se e morrer no cumprimento do seu dever para com a função, e especialmente de fidelidade ao País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Creio, Sr. Presidente, poder interpretai-os sentimentos do País afirmando que as manifestações que neste momento estão a ser prestadas a esse heróico rapaz que foi Nascimento Costa corporizam e envolvem, por igual, as que devemos àqueles que em Luanda deram também a vida em defesa da ordem e da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A consciência nacional, vibrando em uníssono, exprimindo-se eloquentemente nas manifestações de pesar e de homenagem do nosso povo a Nascimento Costa, engloba, com a mesma emoção, com o mesmo vivo sentir, com o mesmo marcado reconhecimento, a homenagem nos agentes da ordem tombados dias depois em Luanda.

O sacrifício foi o menino, o heroísmo foi igual, uns e outro merecem o nosso reconhecimento, são devedores do preito da nossa homenagem, da gratidão da Pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Não podia, ST. Presidente, neste momento deixar de me associar os palavras do nosso colega José Manuel da Costa de homenagem a Nascimento Costa, nem deixar de fazer notar que ao prestar-lhe justa e devida homenagem a estamos também a prestar a todos quantos corajosamente deram a vida pela Pátria, independentemente do local ou posto.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: a esta hora vai a caminho do cemitério o cadáver do bravo Nascimento Costa, que tombou no seu posto a bordo do Santa Maria no cumprimento do seu dever. Outros, mais felizes do que ele, sobreviveram gravemente feridos, igualmente no cumprimento do seu dever.

Mas, quando reflectia sobre estes factos, ao velar esta noite, com alguns Srs. Deputados, o féretro do inditoso oficial da nossa marinha mercante, vendo desdobrarem-se junto do catafalco ondas sucessivas e intermináveis de povo humilde, ciciando preces e contendo lágrimas, lição comovente de civismo e de sensibilidade da nossa gente, lembrei-me de que, poucos dias após a sua morte, outros portugueses tinham sacrificado as suas vidas, longe dos seus lares, em defesa da ordem, da soberania nacional e da integridade da Pátria, na terra portuguesíssima de Luanda. A morte colheu-os igualmente firmes e intimoratos nos seus postos, na mesma atitude de bravura e de patriotismo. A todos a Nação envolve no seu respeito, na sua piedade, na sua admiração, no seu reconhecimento. E a Assembleia Nacional também!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Assim, em seu nome, exprimo às corporações a que pertenciam, aos seus familiares e, no caso do Santa Maria, à Companhia Colonial de Navegação as nossas profundas condolências.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - E peço à Câmara que, em homenagem a todos os que no Santa Maria ou no Portugal de além-mar perderam a vida ou foram gravemente feridos, pelo alto ideal da Pátria, me acompanhe, de pé, nuns minutos de silenciosa concentração sobre a memória, sagrada desses portugueses e sobre a lição a extrair dos seus sacrifícios e das obrigações que ela a todos impõe!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Câmara, de pé, guardou alguns minutos de silêncio.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao plano de viação rural.

Tem a palavra o Sr. Deputado Amaral Neto.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: já foram tão enaltecidas a utilidade e a valia desta proposta de lei, encontram-se já tão estabelecidos ,pelo comum assentimento dos oradores precedentes os merecimentos da sua articulação, tão minuciosamente atenta aos essenciais pormenores de uma estruturação eficiente, que, ao vir perante V. Ex.ª e a Assembleia no simples intuito de deixar uma palavra de homenagem e de parabém aos seus autores, me sinto deveras enleado no receio de só tomar o vosso tempo para nada trazer de novo ao debate.

Mal se prestam, aliás, a debate, no sentido de análise contraditória, diplomas como este e outros que o Governo, pela mão do ilustre Ministro das Obras Públicas, nos tem ultimamente dado o gosto de poder votar, pois vêm tanto ao encontro dos mais caros, desejos e das mais vívidas noções de necessidade e de urgência deste colégio de homens na sua maioria bem conscientes das privações desgostantes e retardadoras da ruralidade portuguesa - triste denominador comum, é certo, de todas as ruralidades, mas nas mais evoluídos em grau bem diverso! -, revelam tão boa vontade de atender aos nossos frequentes clamores e abundantes votos na matéria, que controvertia, mão há por onde estabelecer-se, e a análise crítica tem de agarrar-se somente, no articulado, a pormenores, algumas vezes para simples divergências de óptica, e, no fundo, à medida das providências, bem certa, desde logo, de que a esta última o que a limita e deixa, aquém das necessidades são circunstâncias mais fortes do que a vontade dos homens.

Palavra de homenagem e de parabém aos autores da proposta disse eu há instantes que queria deixar aqui, e essa a digo não só com sinceridade como com veemência. Um acto legislativo é decisão reflectida, no fundo da qual há-de estar longo esforço de apreensão das realidades, de avaliação de recursos, de estudo das soluções eficientes; e depois, é a conquista de uma razão sobre outras razões, que exige primeiramente crédito nas capacidades de realizar a decisão e, em seguida, envolve a habilidade de lhe conquistar o lugar que aos demais se não afigurará logo dever ser o mesmo que lhe atribui o legislador, na hierarquia das disposições a tomar e na ordem de prioridade da sua imposição.

Quero, Sr. Presidente e Srs. Deputados, com este esboço singelíssimo e grosseiro, dizer do meu convencimento de que nesta proposta de lei se projectam em grandeza inteira as consumadas qualidades de técnico e de político que para bem deste país, ao qual serve com tanto préstimo como discrição, concorrem na pessoa do Sr. Eng.º Eduardo de Arantes e Oliveira, continuador dos mais dignos de uma brilhantíssima tradição ministerial.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E pedindo licença para o recordar ao apreço que VV. Ex.ªs certamente lhe dispensam, e a Nação seguramente lhe deve, quero lembrar ainda, como será também de boa justiça alguma palavra de louvor para os seus directos cooperadores, os engenheiros das obras públicas, os do serviço que mais trabalhou para informar esta proposta de lei, como aos demais departamentos do Ministério, dos quais se pode dizer que, se fortes chefes os fortaleceram na boa acção, com as forças reencontradas souberam engrandecer-se no trabalho como no saber.

E ... perdoem-me, mas a escassez de outros temas faz-me demorar nos domínios do pessoal e do subjectivo. Ao contemplar esta nova série de provisões para um pouco de vida melhor noa nossos campos não podem deixar de assaltar-me as recordações dos primeiros anos, que acompanhei, da obra benemérita dos melhoramentos rurais, verdadeiramente uma das boas inovações do Estado Novo. Aconteceu-me, com efeito, fazer parte do grupo dos primeiros técnicos da Repartição dos Melhoramentos Rurais, criada por Duarte Pacheco, no seu acesso à pasta das Obras Públicas, pré-

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cisamente quando eu acabava de me formar em Engenharia, para ordenar a realização da feliz iniciativa do seu antecessor, Antunes Guimarães, que em apenas um ano ganhara a aceitação digna do seu merecimento e oportunidade e exigia, pois, serviços próprios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por motivos que não interessa referir - e se os referisse não diminuiriam ninguém - pouco por lá me demorei, mas, gostando do ofício e não sendo homem de grandes ambições, por vários anos prossegui, a título privado, a vida de estudo e delineamento de obras desta natureza. Poderia, assim, se achasse um momento adequado e a evocação necessária, demorar-me a referir a VV. Ex.ªs, com a simples autoridade da experiência vivida, a miséria infinita a que haviam chegado, antes da Revolução Nacional, os caminhos rurais deste País - como todos os outros, aliás -, o entusiasmo com que era encarada a sua reconstituição e expansão, as dúvidas restantes no espírito das populações, fartas de promessas e de ... "primeiras bandeirolas" em vésperas de actos eleitorais, a espontaneidade dos concursos oferecidos para as obras, o gosto com que as primeiras realizações eram recebidas, a calma segurança com que depressa os factos davam a força da certeza, e, portanto, da confiança às iniciais apreensões dos muitos desiludidos, a verdadeira revolução que se operou nas perspectivas e nas possibilidades da vida material das aldeias.

Já lá vai mais de um quarto de século, tudo neste domínio sedimentou na calma de uma rotina de que já nem se vê a novidade, aos desvanecimentos comovidos das primeiras satisfações sucedeu o clamor por mais e melhor, de que aqui trazemos todos os dias o eco, já nos esquecendo de ouvir nele a ressonância da grandeza de uma política; mas seja-me lícito recordar com emoção os primeiros passos incertos por um caminho que agora ainda se alarga mais e saudar as novas virtualidades, passando sobre o pormenor de não serem tantas como já quereríamos, para contemplar a substancialidade, deste outro impulso dado à materialização do sonho que abrasou os técnicos da minha geração, exaltados pelas possibilidades que então se lhes abriram, com tanta e tão grata surpresa deles como de toda a Nação!

É nestes sentimentos que dou o meu voto à proposta, na generalidade, e me associo aos que antes de mim a louvaram, na especialidade, pelos meus propósitos de individualizar o sector das comunicações municipais, de coordenar os respectivos planos de trabalho com os das estradas nacionais, de assegurar com efectividade a assistência técnica através dos serviços do Estado, libertando os municípios de um problema simples, mas frequentemente bem difícil de resolver, de abrir portas a futuras ampliações do auxílio financeiro do Tesouro nacional e, finalmente, de prover à conservação das estradas e caminhos rurais.

Sobre nenhum destes pontos me deterei, que já nada falta dizer deles, mas não quero perder a oportunidade de assinalar uma lacuna séria que ficará no texto e importará suprir logo que possível.

Quero referir-me ao próprio escopo da lei, precisamente limitado, logo de início, à construção das estradas e caminhos ainda necessários para que fiquem dotadas de acessos satisfatórios as povoações com mais de 100 habitantes.

Temo que algumas obras úteis de proveito incontestável essenciais à vida económica das populações, não menos importante do que a sua vida social, pois a suporta, fiquem por esta condição relegadas para programas tardios só por não haverem ao cabo dos seus traçados povoações com mais de 100 habitantes a abrirem-lhes o benefício do presente plano.

Bem sei, bem sei que o demais da obra dos melhoramentos rurais não foi esquecido pelo legislador, que entendeu prudente deixar dela lembrança expressa na proposta, marcando-a mesmo para objecto de prosseguimento activo. Bem o sei, mas sei também que tão boa vontade poderá não prevalecer sobre as contingências financeiras, e qualquer coisa me faz recear que nos orçamentos do Estado não possam ser inscritas as dotações para estes outros melhoramentos tanto em paralelo com os do plano de viação rural quanto os dois objectivos ficam inscritos no Diário do Governo...

Sei mais que já vem do Plano de Fomento este critério do serviço de povoações, mas ali figurava como base de programação, enquanto agora ficará com a força infinitamente superior de texto de lei, só modificável por outra lei.

Assim, estou receoso de que vá acontecer ficarem demorados projectos de estradas de penetração e de desenvolvimento económico consideráveis, primordiais para a mesma prosperidade das povoações e para a comodidade dos moradores nas suas labutas quotidianas, só por não poderem beneficiar das ensanchas mais folgadas deste plano de viação rural. A quem viva em regiões de população deusa poderá parecer ociosa a minha reserva, por dificilmente se lhe oferecerem hipóteses de caminhos de qualquer extensão sem que sirvam de acesso a povoações de 100 ou mais habitantes; mas no Centro e Sul do País, onde as populações agrícolas, se concentram em aglomerados mais numerosos, distantes entre si de vários quilómetros, e deles saem para trabalhar cada manhã campos intensamente explorados e abundantemente produtivos, a necessidade de abrir ou pavimentar caminhos de forte trânsito de produtos e mercadorias, só em função e benefício deste trânsito, surge frequentemente.

Dou como exemplo os ferazes campos do Ribatejo, espraiando-se largamente em torno das vilas e raras grandes aldeias, estas todas já servidas por estradas nacionais, onde a própria natureza aluvionária do solo, que faz a sua fertilidade, torna os leitos naturais dos caminhos inadequados ao trânsito pesado e as chuvadas fazem deles atoleiros penosos mesmo para os simples peões. O escoamento dos produtos e, a circulação dos trabalhadores criaram a necessidade de pavimentos modernos e dispendiosos, e para os fazer contava-se com os novos e maiores recursos agora vindos, mas verifica-se, com pena, que estes não lhes valerão. Do mesmo modo novas indústrias irão surgindo aqui ou além, matas ou pedreiras serão abertas a exploração em lugares ermos e os respectivos empresários e operários não podem esperar que a colectividade lhes abra caminhos como para os demais, porque nos termos destes não se encontram os indispensáveis 100 habitantes! Contudo, quem negará que se melhores caminhos são necessários aos povos para se servirem nas aflições e na vida social não menos lhes são necessários para a boa rentabilidade dos seus meios de subsistência?

Sei, até porque me foram já comunicadas, da seriedade das apreensões que à volta desta limitação do texto surgem já, e tenho-as por suficientemente fundamentadas; oxalá as cautelas do legislador e a compreensão dos responsáveis pela utilização dos dinheiros nacionais venham a desmentir estes receios!

Não encontro matéria de mais vulto a unhar na proposta para comentário; mas quero ainda associar-me a um reparo levantado pela Câmara Corporativa a en-

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tendimento que não deve deixar-se sem emenda. A lei estatutária do Plano de Fomento estipula, na sua base XIII, que reverterá para o Fundo de Melhoramentos Rurais, enquanto durar a execução do plano de viação rural, o reforço da importância a pagar aos municípios a título de compensação pelos impostos e taxas suprimidos em 1929. Mas determina mais que o dito Fundo de Melhoramentos Rurais incluirá as verbas provenientes desta compensação na comparticipação dos municípios.
Ora a Câmara Corporativa informa-nos, no seu valioso e elucidativo parecer, que nos últimos orçamentos do Estado o tal reforço, no montante de 35 000 contos, aparece englobado no total do subsídio do Tesouro para o plano de viação rural, e do mesmo modo o conta a proposta de lei.
Com razão se insurge aquele alto corpo consultivo contra a ideia de considerar incluída na contribuição do Tesouro uma verba por lei expressamente consignada comparticipação municipal, ideia que nem na elaboração do Plano de Fomento se continha.
Este com efeito, previu para o plano de viação rural comparticipações iguais do Estado e dos municípios, embora para a destes contasse por metade o valor dos tais 35 000 contos, ditos de reforço da famosa compensação.
De tudo temos de concluir que não é exacto o pressuposto informador da proposta de lei de que o Estado comparticipa por 75 por cento no plano de viação rural; o Estado concorre efectivamente com metade dos encargos, nos precisos termos do Plano de Fomento, e cede mais uma quarta parte, tirando-a de verdadeiras receitas municipais, de que se apropriou com mais arbitrariedade do que justiça.
Não tira esta rectificação méritos ou valor de oportunidade à proposta de lei, nem esquece o concurso de decididas boas vontades conjugadas no seu equacionamento financeiro; tão-sòmente procura recolocar no devido contexto alguns dos pontos mais importantes do diploma e recordar, para algum dia lhes ser prestada maior reparação, certos cortes de proventos outrora impostos aos municípios sem que razões bastantes os justificassem.
Com esta última nota fico certo de ter abusado da benevolência dos que me escutam, e, por isso, com vénia de V. Ex.ª, Sr. Presidente, termino, reiterando o meu voto favorável à proposta.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima será no dia 21, terça-feira com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Adriano Duarte Silva.
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Américo Cortês Pinto.
Américo da Costa Ramalho.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Coelho.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João de Brito e Cunha.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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