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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 201

ANO DE 1961 22 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 201, EM 21 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata

SUMÁRIO: - O Sr.- Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.° 200.

Leu-se o expediente.

Para os efeitos do § 3.° do artigo 109.° da Constituição e remetidos pela Presidência do Conselho, foram recebidos na Mesa os n.°s 34 e 35 do Diário do Governo, que inserem diversos decretos-leis.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cota de Morais, que se referiu ao funeral do piloto do paquete Santa Maria João Nascimento Costa; Augusto Simões, para se congratular com a iniciativa do jornal Diário de Notícias promovendo os jogos desportivos do mundo português; Sousa Rosal, acerca de factos ocorridos num recente concurso para o Observatório Astronómico de Lisboa; Cancella de Abreu, sobre a da a bordo do paquete Santa Maria, no dia da sua chegada a Lisboa, do Sr. Presidente do Conselho, e Franco Falcão, acerca os problemas de interesse para a lavoura.
O Sr. Melo Machado interrogou a Mesa sobre a remessa de determinados elementos que em tempos requer eu à Secretaria de Estado da Agricultura.
O Sr. Presidente esclareceu que tais elementos não haviam ainda sido recebidos na Mesa.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei que insere o plano de viação rural.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Brito e Cunha e Neves Clara.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 30 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.

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Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
José Dias de Araújo Correia.
José Fumando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 79 Srs. Deputados.
Este aberta a sessão.

Eram 16 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.° 200.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja - fazer qualquer reclamação - sobre o Diário, considero-o aprovado.
Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama

Da Federação dos Grémios de Lavoura do Alto Alentejo a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Bartolomeu Gromicho no debate acerca da proposta de lei relativa ao plano de viação rural.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.° do artigo 109.° da Constituição, os n.ºs 34 e 35 do Diário do Governo, 1.ª série, respectivamente de 9 e 10 do corrente, que inserem o Decreto-Lei n.° 43 501, que cria vários corpos da Polícia de Segurança Pública nos comandos distritais de Lisboa, Santarém e Aveiro e aumenta de vário pessoal o quadro geral da mesma Polícia, a que se refere o mapa I do Decreto-Lei n.° 39 497, e o Decreto-Lei n.° 43 503, que atribui a um organismo dependente da Secretaria de Estado da Indústria, que funcionará junto da Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos e será designado por Comissão de Planeamento dos Novos Centros Produtores de Energia Eléctrica, o estudo da prioridade de realização de novas fontes produtoras de energia eléctrica.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Cota Morais.

O Sr. Cota Morais: - Sr. Presidente: apenas duas palavras para, como cumpre, comunicar a V. Ex.ª e aos Exmos. Colegas que, conforme o honroso mandato que nos foi cometido por esta Assembleia Nacional - o que muito reconhecidamente agradecemos -, os Deputados designados para a representar, Exmos. Srs. Almirante Sarmento Rodrigues, Comandantes Henrique Jorge e Teixeira da Mota, Dr. Colares Pereira e eu próprio, tomaram parte no funeral do piloto do Santa Maria João José do Nascimento Costa.
Foi com emoção, com sentida e profunda emoção, que assistimos a todas as homenagens prestadas à memória daquele distinto marinheiro, daquele heróico português. Num momento em que a segurança e a vida de cerca de 1000 pessoas dele dependiam, foi assaltado cobarde e vilmente por um grupo de facínoras sem lei nem pátria, tanto mais indigno quanto é certo estarem seguros de que nenhuma eficiente resistência imaterial lhes poderia ser aposta, por falta de qualquer armamento a bardo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Todavia, Nascimento Costa reagiu, como pessoa digna que põe o cumprimento do dever acima de tudo, reagiu como português, como verdadeiro português.
O sentimento de repulsa por esse inqualificável acto de banditismo, manifestado já pela voz de ilustres colegas nesta Assembleia, manifestado ainda por portugueses e estrangeiros que respeitam e consideram os princípios da honra e da dignidade princípios orientadores da conduta dos povos civilizados - verdadeiramente merecedores deste qualificativo -, o sentimento de repulsa por esse inqualificável acto de banditismo, repito, foi bem destacado e comovedoramente evidenciado pelas inúmeras pessoas - mais não poderiam ser - que, com grande tristeza, assistiram ao funeral.

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Foi o povo - a grande massa populacional - que espontaneamente, sinceramente, quis prestar justa homenagem a quem tão distintamente soube cumprir o seu dever. Foi também a grande massa populacional, o povo, representando todo o bom povo português, que na véspera, no dia da chegada do Santa Maria - o navio assaltado pelos piratas -, numa manifestação nunca vista, repleta de ardente entusiasmo e verdadeiro patriotismo, manifestou o seu júbilo pelo regresso daquele paquete e aproveitou a oportunidade para evidenciar ao Sr. Presidente do Conselho - a Salazar - o respeito e consideração em que é tido, o reconhecimento e gratidão pelo que tem feito, a esperança e, mais ainda, a certeza do que fará pelo nosso Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tivemos a honra de representar a Assembleia Nacional no funeral do heróico Nascimento Costa e confirmamos, mais uma vez, a convicção de que unidos e tendo sempre em vista o interesse nacional continuaremos a ser portugueses, verdadeiros portugueses de um Portugal respeitado e engrandecido.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: caminha a passos agigantados para o triunfo, que tão nitidamente já se desenha em todos os vastos horizontes da lusitanidade, a feliz iniciativa do jornal Diário de Notícias de promover a realização dos jogos desportivos do mundo português.
Nimbada pelo pensamento de ser uma competição dentro dos moldes clássicos do mandamento olímpico, essa ideia, que tanto aplauso tem recolhido nos mais variados sectores da vida nacional, merece que se lhe faça também aqui uma jubilosa referência, para afirmação de louvor e concordância que, certamente, se lhe não podem regatear.
É que nas jornadas da imponente manifestação lúdica que se prepara, para decorrerem na ambiência sem poluições em que o desporto puro gosta de viver, vai afirmar-se, entre portugueses de todas aquelas latitudes onde a bandeira das quinas é padrão da surpreendente gesta com que a alma lusíada preencheu tantas e tão fulgurantes páginas dá história, vai afirmar-se, dizia, uma confraternização que, sendo um legítimo motivo de orgulho nacional, será também mais um belo exemplo de paz e concórdia oferecido ao Mundo!
Anda a pobre humanidade tão açoitada hoje pelos gravíssimos desencontros dos grandes sentimentos e dos grandes valores morais havidos como imutáveis, por serem os fortes baluartes de uma civilização, que muita mercê se lhe faz quando se lhe patenteiam os nobres exemplos de compreensão, de respeito e de fraternidade que os Portugueses sempre têm oferecido e uma vez mais porfiam em oferecer com os jogos desportivos do mundo português.
Não se menosprezam no Mundo de hoje nenhuns dos nobres primados do desporto, aos quais se reconhece o valor de fomentarem o melhoramento do capital humano e propiciarem as relações entre os povos com segura afirmação das suas virtualidades.
Sob tal pensamento ainda há pouco se viram nos estádios olímpicos de Roma atletas lutando pela glorificação das suas pátrias, mas respeitando os seus contendores segundo o espírito de ampla compreensão, que é o sagrado e imutável princípio da boa ética do desporto.
A despeito de não termos podido ser dos melhores, ali estivemos, em reduzido número, modestamente representados, porque o desconhecimento dos valores que possuímos não consentiu que se fizesse o apuramento dos escóis que se deveriam ter mandado, com a preparação devida, à importante competição olímpica ...

O Sr. André Navarro: - Muito bem!

O Orador: - O convívio e o confronto entre os atletas que possuímos e podemos recrutar nas dilatadas parcelas do mundo português, que a pretendida realização dos referidos jogos amplamente permite, servirão de forma decisiva as grandes causas do nosso desporto, ao revelarem praticantes até agora ignorados, cujas vocações, se hão-de estimular, para o engrandecimento dos nossos pergaminhos desportivos e sociais, assim interna como internacionalmente.
E todos lucraremos com esses encontros, que trarão a esta magnífica Lisboa, capital nobre e donairosa a que o Tejo empresta iluminuras de precioso recorte, e certamente também a outras cidades do País, uma grande legião de portugueses de todas as partes em que no Mundo se projecta Portugal.
Não estará presente nesses encontros qualquer preconcebida ideia de derrubar as grandes marcas ou inferiorizar os conceituados nomes do desporto mundial; de nenhuma maneira!
Com os jogos desportivos do mundo português, em que devem ter acesso as representações dos melhores atletas lusíadas de todas as modalidades, daremos ao Mundo, uma vez mais, uma lição de unidade e de respeito pelos valores que ditam a grandeza da vida humana, ao mesmo tempo que fortaleceremos os laços que estreitam cada vez mais a forte e indestrutível comunidade dos Portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sendo, como é, em todos os seus aspectos e a todos os títulos, conforme com o melhor interesse nacional, a feliz iniciativa do jornal Diário de Notícias, que já recebeu a inteira adesão do Governo, que se mostra disposto a coadjuvá-la como merece, logrará um triunfo sem restrições, por abrir às grandes causas do desporto nacional as perspectivas de muita grandeza, que legitimamente lhe pertencem e de que, infelizmente, tão afastado tem andado.
É por isso que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, reconhecendo-lhe os altos méritos e a sua relevância nacional, esta Câmara não deixará de me acompanhar no caloroso aplauso que a tal iniciativa muito gostosamente dirijo.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente: na sessão de 26 de Abril do ano findo apresentei nesta Assembleia um requerimento solicitando do Ministério da Educação Nacional cópias de alguns documentos ou permitida a consulta referente ao processo do concurso documental para o cargo de 3.° astrónomo de 1.ª classe do Observatório Astronómico de Lisboa, aberto em 24 de Novembro de 1958 e que teve o seu termo com a portaria de 5 de Maio de 1960, publicada no Diário do Governo n.° 119, de 20 desse mês.
Ao Sr. Ministro da Educação Nacional são devidos, pelas facilidades concedidas, os meus agradecimentos.

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Pelo que me foi lícito conhecer, tinham fundamento os rumores que corriam, e foram ouvidos em distintas partes comentando o desvio da marcha do concurso do seu caminho natural, o que propiciava um desfecho que se tinha como injusto. E foi o que sucedeu.
Então foram os rumores que me levaram a requerer o que requeri, e hoje são os factos que me levam a tomar novamente algum tempo à Câmara para os assinalar, com o propósito de solicitar providências no sentido de pôr cobro ou dificultar práticas que se mostram contrárias à nossa ética política e a uma verdadeira selecção de valores que se propõem servir o Estado, contra as quais não há recurso, por mais ilógicas e inconvenientes que sejam.
Permitem elas ofender e menosprezar indestrutíveis mérito; que outra defesa não têm a não ser aquela que reside na consciência e no são critério dos homens seleccionados para julgar do valor alheio e no daqueles a quem por lei compete despachar sobre as conclusões apresentadas.
Todos nós sabemos da falibidade do homem, por mais bem formado que seja, quando levado pelo emocional, que descontrola insensivelmente e o pode encaminhar contra a razão, tantas vezes o encaminha mesmo contra aquilo que é o seu verdadeiro interesse.
É sempre perigoso dar a alguém o direito de julgar discrie onàriamente. É isto que pode suceder nos tribunais constituídos por júris com o fim de julgar méritos em concorrência para o acesso a determinadas funções públicas ao abrigo daquilo que é ou se supõe permitido pelo regulamentado.
Deliberar por escrutínio secreto e lavrar nas actas sentenças sem serem fundamentadas pode levar a despachos iníquos se não se quiser ir além da matéria das actas. Tudo isto aconteceu!
Vou tentar ser explícito, limitando-me aos factos documentados no processo do concurso de maneira impessoal.
O júri do concurso foi constituído por cinco membros (podia também ser por três ou quatro), sendo três escolhidos entre os sócios efectivos e eméritos ou correspondentes de 1.ª classe da Academia das Ciências de Lisboa repare-se que podia, ser um académico de zoologia, mineralogia, botânica, química ou física, sem ter sequer a cadeira de astronomia das nossas Universidades ou de outra escola equivalente), o director e o subdirector do Observatório Astronómico de Lisboa e o professor catedrático de Astronomia da Faculdade de Ciência de Lisboa. Não havendo professor com esse grau académico, como já sucedeu noutros concursos anteriores, o júri reunia, segundo o Regulamento do Observatório, com três ou quatro membros, e nunca se foi buscar esse vogal fora da Universidade de Lisboa. Nota-se na constituição e nomeação do júri já uma deficiência e um passo legalmente desnecessário.
O exame das actas impressiona pelo seu laconismo. Nelas não consta uma só palavra sobre a apreciação do mérito dos candidatos em presença, apesar do muito que sol citavam dizer, nomeadamente os valiosos documentos apresentados pelo concorrente classificado em 2.° lugar e que constam do processo. Os documentos correram pelas mãos de todos os membros do júri, como se diz na primeira acta, de 3 de Junho de 1959, e por proposta do Sr. Presidente, para que a estes os pudessem examinar mais detidamente e melhor se habilitarem a formar opinião sobre os candidatos».
Era de esperar, depois desta recomendação e por se tratar de um concurso documental, em que os documentos são indiscutivelmente a peça básica do concurso, se tivesse debatido na segunda e última sessão, de 18 de Março (e 1.960, onde se classificaram os candidatos, o valor dos documentos - e transmitido para a acta os argumentos apresentados e produzidos em resultado do estudo feito, como era óbvio, por parte de quem tinha autoridade e competência para o fazer.
Preferiu-se guardar segredo acerca do juízo que cada um tinha feito dos candidatos.
Durante a sessão e antes da votação, que foi por escrutínio secreto, limitou-se o júri ao ouvir ler a relação dos documentos dos dois candidatos e de um ou outro desses documentos quando relativamente a eles algum dos membros pedia quaisquer esclarecimentos».
As actas de júris, de reuniões científicas e de outras onde se tomem resoluções são instrumentos públicos através dos quais se julga do merecimento ou legalidade das deliberações havidas. Nelas são exaradas todas as ocorrências de uma reunião de membros qualificados para o efeito, devendo por isso conter todos os pormenores que possam esclarecer os que tenham posteriormente de se pronunciar sobre elas.
Pouco ou nada disto se fez!
O júri foi nomeado em Abril de 1959 e a sua primeira reunião para apreciar os méritos dos dois concorrentes foi no dia 3 de Junho desse ano. A segunda reunião efectuou-se nove meses depois, no dia 18 de Março de 1960. Julgou-se de consciência fechada, lançando friamente na urna esferas brancas e esferas pretas; deste modo se concretizou na acta a decisão de um concurso para um cargo importante, que tem andado legalmente equiparado, desde a fundação do Observatório, em 1861, aos professores catedráticos das nossas Universidades. Estou informado de que durante quase um século de brilhante actividade do Observatório de Lisboa foi a primeira vez que se fez um concurso para astrónomo de 1.ª classe em que o resultado decisório fosse por escrutínio secreto.
Passo agora a referir-me ao que consta do processo sobre o curriculum vitae dos candidatos, com o intuito de permitir um confronto, guiado pelo volume de trabalhos apresentados e pelo que deles disse quem tinha saber para tanto.
O astrónomo classificado em 2.° lugar, e preterido por maioria de um voto, é, além de licenciado em Ciências Matemáticas e engenheiro geógrafo (o primeiro diplomado em Portugal), como o classificado em 1.° lugar, oficial muito distinto da arma de artilharia, à qual prestou, quando esteve no serviço activo e na situação de reserva, uma louvada colaboração científica.
Pôs à disposição do júri 37 trabalhos, alguns com centenas de páginas, autênticos tratados, de carácter científico, técnico e cultural. No seu curriculum vitae, também impresso, pode-se apreciar em detalhe a obra extraordinária deste cientista, que, para melhor elucidação do júri, pôs ainda à sua disposição mais de uma dezena de publicações nacionais e estrangeiras onde se fazem desenvolvidas apreciações aos seus trabalhos impressos. Juntou ainda, 33 documentos, na sua maioria atestados dos serviços passados por observatórios astronómicos portugueses e estrangeiros, pela Faculdade de Ciências de Coimbra, onde regeu o curso prático de aperfeiçoamento de astronomia, pela Junta de Educação Nacional e Instituto para a Alta Cultura, como bolseiro no País e no estrangeiro, por várias vezes, louvores e condecorações, etc.
E não se diga que predomina apenas o valor quantitativo dos trabalhos deste concorrente, classificado em 2.° lugar, que conta já na sua efectividade de serviço prestado ao Estado mais de 43 anos, sendo 34 na categoria de observador-chefe e astrónomo dos observatórios de Coimbra e de Lisboa.

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O seu curriculum vitae, que lhe foi oferecido numa grande homenagem, a que se associou o Sr. Ministro da Educação Nacional, Prof. Eng.° Leite Pinto, propondo o oficial ato da Ordem da Instrução Pública, insere, com certo pormenor, as apreciações feitas pelas maiores sumidades de renome mundial da astronomia, da geodesia e ciências afins, Universidades, institutos, revistas, imprensa, etc., tanto do País como do estrangeiro.
Seria enfadonho mencionar tantas e tantas citações, mas entre dezenas delas não quero deixar de dar a conhecer algumas dessas críticas bastante honrosas, uma parte das quais partiu dos meios científicos estrangeiros.
Começarei pelo Observatório onde este concorrente presta actualmente serviço antes de o ter no seu quadro de pessoal. Em 1941 o conselho técnico desse estabelecimento científico, tendo feito uma proposta para as instâncias superiores para o concorrente ser dispensado de concurso, disse:
«... pelas suas faculdades de trabalho, pela sua dedicação à ciência que cultiva, pelo seu saber e pelos seus trabalhos efectuados em longos anos de serviço de observador, é pessoa sobre cujos merecimentos não tenho dúvidas e que seria uma excelente aquisição para o Observatório que tenho a honra de dirigir e não creio que haja actualmente em Portugal outra pessoa tão bem habilitada como ele para desempenhar o cargo de astrónomo de 2.ª classe, que agora está vago. E posso mesmo acrescentar que, se o requerente prestar as provas do respectivo concurso, será aprovado e preferido a todos os outros concorrentes, sejam eles quais forem, porque nenhum terá a vasta preparação teórica e a longa prática que o requerente tem.
Confirmou-se, na verdade, a opinião do Observatório, pois o candidato em causa ficou classificado em 1.° lugar nesse concurso.
A Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, na sua congregação de 31 de Julho de 1943, resolveu, par unanimidade, exarar na acta um voto de congratulação pelos excelentes resultados obtidos na «segunda operação internacional das longitudes» realizada em 1933 no Observatório de Coimbra, onde o concorrente desempenhava as funções de observador chefe de serviços.
Na bibliografia da Cartografia Mundial das Nações Unidas, com sede em Nova Iorque, 1945-1950, recebeu a alta distinção de ver o seu magnífico trabalho Determinação Radiotele gráfica das Longitudes e Problemas Correlativos seleccionado entre 213 publicações de vários países, sendo o único da autoria de uni português no domínio da astronomia, geodesia, cartografia e geofísica. O mesmo livro esteve exposto no Palácio Foz na exposição «30 Anos de Cultura Portuguesa - 1926-1956».
O astrónomo do Observatório de Paris Th. Weimer, aproveitando os resultados de um estudo realizado pelo concorrente, sob o título «Les occultations d'étoiles par la Lune dans l'étude des irregularités à courte période de rotation de la Terre» e as investigações sobre a mesma matéria, levadas a efeito por dois dos maiores astrónomos da actualidade, Sir Spencer Jones então astrónomo real de Greenwich, e Doutor N. Stoyko, actual director do Serviço International da Hora, o cientista que primeiramente determinou as irregularidades do curto período de rotação da Terra, apresentou no V Congrès International de Chronométrie, em Paris (1954), uma notável comunicação intitulada «Controle de la rotation de la Terre par le mouvement de la Lune».
Sobre o seu livro O Problema da Hora na Actualidade, que a crítica internacional considera uma obra-prima, o Doutor N. Stoyko disse: «... dans le présent mémoire l'auteur, qui est déjà connu par ses travaux sur l'astronomie méridienne et le service de l'heure, étude toutes les questions du service horaire moderne». A sua apreciação termina: «Tel qu'il est, ce mémoire constitue l'étude d'ensemble la plus moderne et la plus complete des questions, dout l'actualité est incontestable ...».
Referindo-se a este mesmo livro e ao outro que foi seleccionado pela Organização das Nações Unidas o director do Observatório de Madrid disse: «... representa una labor importante y constituye un estudio muy completo de los modernos procedimentos y instrumentos. Su anterior libro sobre determinación de la longitude me habia gustado tambien mucho y lo tengo sobre mi mesa como obra de consulta. Este que acabo de receber (referia-se a O Problema da Hora na Actualidade) me será de gran utilidade pues aqui se trata de montar un servicio horário moderno . . .».
Estas duas últimas publicações foram solicitadas para o ensino de astronomia e geodesia na Universidade de Córdova (Argentina) e na Faculdade de Ciências da Universidade de Madrid. O astrónomo do Observatório de Madrid J). Martin Lerón disse: «. . . su autoridad en los problemas de hora está fuera de toda duda. Yo con frequência consulto sus admi-rables obras».

O Prof. Granier, do laboratório de física da Universidade de Mompilher, referindo-se ao livro O Pró-blema da Hora na Actualidade, disse: «... Quoique ne conuaissant pás lê portugais, j e sais suífisament Tes-pagnol - j e viens de passer quelques jours à Salaman-que pour pouvoir apprécier vos travaux. Je vois en par-ticulier que vous avez réussi à exposer d'une manière Ia fois Tsimple et complete lês propriétés dês horloges à quartz, sujet qui m'ovai t passionné autrefois . . .».

O eminente construtor francês Edouard Beliii, que se ocupa principalmente de questões da alta técnica científica, disse: «II coustitue, à notre avis, un do-

-cument du plus haut intérêt, puisqu'il rassemble en iin ouvrage unique tous lês problèmes se rapportant à Ia mesure du temps et à notre connaissance, il n'existe pás encore d'ouvrage analogue . . .».

O Consejo Superior de Investigaciones Cientificas de Espanha disse: «... dificilmente se puede dar idea de Ia densidade, dei orden y claridad de datos contenidos en esta obra . . .».

O Dr. Elio Fichera Dell'0sservatorio Astronómico de Capodemonte-Napole, disse: «... Astrónomo presso l'0sservatorio Astronómico de Lisbona, é una persona-lità scientifica molte conosciceta nell campo interna-tionali, specialemente per i suoi lavori riguardante Pastronomia meridiana e geodetica . . .».

O antigo director do Observatório de Louren-ço Marques Dr. José Alberto Soares, referindo-se ao novo serviço da hora que ali estava instalando, disse: «... porquanto tudo o que se está fazendo é orientado e reformado pela tua magnífica publicação sobre o assunto . . .».

O falecido Prof. Doutor Pereira Dias, então director da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra, referindo-se ao livro que foi seleccionado pelas Nações Unidas, disse: «... perdurará na literatura científica do nosso tempo como guia utilíssimo a astrónomos e geógrafos . . .», terminando por felicitar o seu autor «pelo admirável impulso que esta sua obra veio dar aos estudos astronómicos do nosso país». Referiudo-

-se ainda a um outro trabalho do mesmo 'autor disse: «. . . é mais uma demonstração da .persistente activi-

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dade e superior competência que todos nós apreciámos enquanto exerceu o cargo de observador-chefe do Observatório Astronómico de Coimbra».
Muitas outras citações contém o curriculum vitae do concorrente 2.° classificado, mas torna-se difícil a sua criação, por ser uma, relação bastante extensa, e para não fatigar a Câmara, que deve já estar suficientemente elucidada sobre o autêntico valor do candidato preterido. Contudo devo dizer que entre as sumidades estrangeiras que fazem referência elogiosas ao seu labor científico podiam-se ainda mencionar Sir Frank Dyson, antigo astrónomo real do Observatório de Greenwich, Sir Spences «Tones, também astrónomo real do mesmo Observatório, Doutor E. Guyot, ex-director do Observatório de Neuchâtel, D. Ramón Aller, director do Observatório de Santiago (Espanha), engenheiro Decaux, director do Laboratoire National de Radioélectricité da França, engenheiro geógrafo G. Laulavère, da Associação Internacional de Geodesia e Geofísica, Doutor Paul Engi, da Comissão de Geodesia da Alta Escola Técnica de Zurique, e muitos outros, cujos nomes me dispenso de mencionar.
Afastado voluntariamente do serviço activo da sua arma, não se alheou da técnica científica do nosso exército, iniciando em 1930 uma série de publicações destinadas à preparação astronómica do tiro de artilharia.
Foi por este facto várias vezes louvado em Ordem do Exército, sendo os seus trabalhos «considerados extraordinários e importantes».
Possui a Ordem da Instrução Pública, medalha de serviços distintos do Exército, Ordem de Cristo e a Ordem de Avis.
Muitos são os artigos que tem publicado na imprensa, especialmente relacionados com a história da ciência, havendo também apresentado comunicações em congressos nacionais e estrangeiros. Tem realizado conferências sobre assuntos da sua especialidade e da história dos descobrimentos portugueses. Fez parte da delegação do Algarve para as comemorações henriquinas do ano findo.
À margem da sua ciência, muitos problemas de interesse nacional lhe têm merecido profunda dedicação. Já tive ocasião de ler nesta Assembleia algumas passagens do seu livro sobre o clima do Algarve, na parte que se refere à criação em Faro de um aeroporto alternante do de Lisboa, na sessão de 4 de Dezembro de 1952.
Para terminar este relato sobre uma parte da actividade do concorrente 2.° classificado resta-me abordar uma questão que não é de somenos importância para se ajuizar do resultado decisório do júri. É o facto de ter sido bolseiro no estrangeiro e no País pela Junta Nacional da Educação e pelo Instituto de Alta Cultura, havendo sempre divulgado, em publicações impressas subsidiadas por estes organismos, os conhecimentos que adquiriu no estrangeiro, e, publicamente, na imprensa e em conferências.
A condição de bolseiro obrigava-o ao cumprimento das leis e regulamentos da respectiva instituição, nunca perdendo de vista o princípio estabelecido que a aceitação ou obtenção de um subsídio representa antes uma obrigação que se contrai do que uma regalia que se alcança».
Nem todos têm presente esta obrigação.
É vasta a nossa legislação sobre preferências que há a conceder aos bolseiros do Estado. Várias vezes se diz: «Promover a melhoria das condições materiais, intelectuais e morais dos estudantes, professores e investigadores especialmente subsidiados pela Junta».
O júri do concurso parece que não considerou também o Facto de ter sido o 2.° classificado bolseiro, e de indiscutível probidade.
Apresentei a traços largos uma parte do curriculum deste concorrente; vou agora referir-me ao candidato 1.º classificado.
Do processo consta apenas, além das certidões exigidas pelo regulamento e de atestados por serviços e trabalhos executados no exercício das suas funções (sete documentos), dois folhetos dactilografados e de poucas páginas - um sobre um processo de determinação de latitudes baseado no método de Talcott e o outro sobre a construção de uma régua de cálculo para uso do Observatório.
Sobre eles não há no processo quaisquer indicações de que tivessem sido divulgados ou homologados por entidades categorizadas nem mesmo pelo próprio Observatório ou pelo júri nas suas reuniões.
Não se quer com isto minimizar o mérito deste candidato para o desempenho do lugar para que foi classificado, para o que não tenho competência nem motivo, mas apenas anotar que, segundo a prova documental e na ausência de opinião autorizada do júri, se tem como injusta a classificação relativa dos candidatos.
Evidencia-se, nitidamente, mesmo para leigos nos assuntos versados, que o mérito relativo dos dois candidatos não foi avaliado exclusivamente, como era forçoso, em face da prova feita com os únicos meios legais que era permitido comparecerem perante o júri.
A conduta excepcional escolhida, silenciando nas netas o parecer de quem tinha sido nomeado, designadamente, para se pronunciar sobre o mérito dos candidatos e a votação por escrutínio secreto, pode permitir a suposição de que impressões de outra origem influenciaram o ânimo do júri.
Razões de ordem moral ou política não foram certamente, dado o conhecimento público que se tem do comportamento irrepreensível do candidato preterido.
Remete-se assim para o campo fluido e vago das conjecturas, que podem levar ao campo delicado das relações pessoais, os motivos da preterição de um homem que durante 43 anos de serviço público não foi só um funcionário exemplar, dedicado e proficiente no desempenho das funções, como dizem os louvores públicos que lhe foram conferidos, mas também um cientista cujos trabalhos tiveram destacada projecção internacional, honrando e tornando conhecido o seu país nos meios científicos.
É fora de dúvida que estamos na presença de um sistema que permite actuar discricionàriamente e pode produzir prejuízos irreparáveis para os que são vítimas dele e pôr em causa, e até às vezes injustamente, a autoridade e o prestígio daqueles a quem está entregue a guarda e a defesa dos legítimos direitos. Preterir homens que são tidos nos meios competentes e havidos nas provas prestadas como os melhores, sem motivo confessado nos depoimentos e nas sentenças do processo que os condenam, esquecendo evidentes méritos e até indefectíveis dedicações e inestimáveis serviços, surpreende e susceptibiliza os meios onde são conhecidos e apreciados, fomentando um ambiente de incompreensão e insegurança que é bom clarear e tornar confiante, sobretudo neste momento difícil que vivemos, em que se tem de contar, essencialmente, com os homens da mais provada capacidade e devoção.
Os acontecimentos aconselham para tal estudar a maneira de introduzir nos regulamentos para acesso nos quadros dos servidores do Estado a obrigação de respeitar e assinalar, em documento próprio, determinadas preferências a fixar, de modo que a entidade competente para homologar tenha de conhecer os motivos que militam verdadeiramente a favor do mérito ou do demérito dos homens em ocorrência e que contribuíram para a formação do parecer formulado. Possibilita-se

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assim identificar o recto procedimento de quem decide e dar vida ao dignificante gosto pelo culto das responsabilidades, impedindo que elas se diluam e enjeitem. Dizer ao fim e ao cabo como Pilatos quando, após o julgamento de Jesus, pediu água e lavou as mãos em frente do povo: «Estou inocente do sangue deste justo; a vós pertence toda a responsabilidade», é argumento que pode impressionar multidões, mas que não convence os esclarecidos nem absolve dos feios pecados da injustiça e da ingratidão.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: apenas algumas palavras. Depois da oração formosíssima, emocionante e sentida que ouvimos pronunciar, no momento próprio, pelo Dr. José Manuel da Costa em homenagem à memória do piloto Nascimento Costa e depois das brilhantes e expressivas palavras do Eng.° Camilo de Mendonça dedicadas também aos que em Angola perderam a vida em defesa da ordem pública e da integridade do Império, e ainda após a palavra autorizada e expressiva do general Cota de Morais, que acabamos de ouvir, o que eu acrescentasse, mediante a minha palavra simples e descolorida, só vinha empanar «grandeza e o significado da consagração da Assembleia Nacional, da qual, além de V. Ex.ª, aqueles ilustres Deputados foram intérpretes.
Por isso, e crente de que vão também ser galardoados os que a morte poupou, mas derramaram o seu sangue ou mais se evidenciaram na resistência contra os aventureiros, apenas quero sugerir que na sua terra natal também tenham sepultura assinalada com epitáfio condigno os que em Angola perderam a vida em defesa da Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, relacionado ainda com os acontecimentos que na última semana tiveram o seu epílogo, deu-se um outro, inesperado, que, pela importância que revestiu e pelo seu transcendente, significado, merece ser referido e ficar assinalado nos anais da Assembleia Nacional.
Dominando a fadiga do trabalho e das vigílias, sobrepondo-se aos cuidados e dificuldades de toda a espécie que o prendem em cada dia, em cada hora e em cada instante, ao peso das responsabilidades, às contrariedades sem número e também, às desilusões, quebrando o ritmo de uma vida retraída de asceta, toda e sempre absorvida no pensamento e na acção postos ao serviço da Pátria, Salazar altera naquele dia todos, os seus hábitos e, contrariando os impulsos do temperamento, exponde a vida ao cansaço e à emoção, enfrenta todos os riscos, tudo despreza, e abandona o posto onde concentra toda a sua existência e actividade, verdadeiro observatório do Mundo, donde, com notável clarividência, contempla e medita e segue as suas convulsões, estuda os seus problemas e profetiza soluções que, tantas vezes, têm sido realidades, Salazar, dizia eu, surge de surpresa e, qual homem da rua, misturasse, confunde-se na multidão, e confiante, indefeso, sem guarda que sequer lhe facilitasse o acesso, caminha, com dificuldade, entre aclamações.
Abraçado, quase esmagado pela massa incontável e incontível do povo, onde encontra o orgulho da sua ascendência, alcança finalmente o único destino que o levara: rezar junto do corpo do herói e saudar a tripulação do Santa Maria, sem distinguir entre brancos e negros, entre postos ou cargos, desde o comandante ao mais humilde subordinado, e ser junto deles o intérprete da alma nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Em seguida sai como entrara, em apoteose simultaneamente de gratidão e desagravo, depois de deixar assinalada com mais uma pedra branca a sua gloriosa carreira pública, mediante uma exemplar lição de civismo, que para sempre há-de perdurar nos espíritos e sensibilizar os corações dos Portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sim, o nobilíssimo gesto de Salazar há-de ter sensibilizado profundamente o País inteiro, e eu, como um dos seus representantes e porque, como todos vós, sou acima de tudo português, saúdo-o respeitosa, grata e entusiàsticamente e confio em que Deus por largos anos há-de mantê-lo ainda como símbolo e penhor da integridade, da independência e da unidade da minha Pátria.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Franco Falcão: - Sr. Presidente: muito se tem falado e escrito sobre lavoura.
Muitos são os jornais, as revistas e as publicações da, mais variada espécie que se dedicam, com maior ou menor autoridade, com mais ou menos conhecimentos técnicos e económicos, aos apaixonantes problemas agrários.
Diz-se até que a agricultura está em foco ...
Efectivamente assim será! ...
Trata-se, no entanto, de um foco sem reflector ... Uma luz que se vai pouco a pouco amortecendo e que é preciso não deixar apagar.

O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!

O Orador: - Isto porque quase metade dos Portugueses vivem ainda hoje da exploração da terra, e é na terra que nascem, se desenvolvem e frutificam os produtos indispensáveis à alimentação.
Sem a existência de grande número de espécies agrícolas, não seria possível o funcionamento de certas modalidades industriais.
Não seria ainda possível a manutenção da máquina humana, nem tão-pouco a prática de homenagens gastronómicas, tanto em voga, onde aparecem as mais finas e saborosas iguarias, que muitos, na volúpia de uma fácil vida mundana, esquecem ou ignoram que, na sua quase totalidade, são o fruto do labor, das canseiras e, por vezes, de tantas desilusões daqueles que trabalham e lutam na dura arte de cultivar a terra.
As péssimas condições climatéricas, a deficiente cotação dos produtos, o crescente aumento do custo da mão-de-obra e a carestia de tudo o que o lavrador tem de comprar para fazer face às exigências de novas formas de exploração para que não estava preparado trouxeram a incerteza, o desânimo e a angústia à lavoura portuguesa.
A agricultura é hoje não só a «arte de empobrecer alegremente», mas também a arte de tudo poder perder-se, não apenas no domínio da produtividade, mas ainda na alucinação de falsas e perigosas construções de aliciantes tecnicismos político-económicos e de dissolventes sociologias.

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O lavrador vive atormentado por pesadelos, desânimos e preocupações de toda a espécie, suportando as pragas mais variadas, lutando contra as naturais inclemências do tempo e sujeitando-se às traiçoeiras alternativas dos mercados.
No entanto, apesar de todo o seu difícil calvário, continuar a amar a terra e a viver com todo o fervor da sua aluía uma profissão que tanto o amargura e faz sofrer!...
Deve-se fundamentalmente este estado de espírito não apenas a razões de ordem sentimental, mas também ao temperamento acomodatício do homem da terra, que, na modéstia do seu viver e na luta constante com os reveses da Natureza, se vai consolando cristãmente com o «pão nosso de cada dia», na esperança de alcançar mais favoráveis condições de vida e na certeza de contribuir para a felicidade e para o bem-estar da colectividade.
É que o lavrador não é egoísta nem é retrógrado!...
A despeito de todas as contingências da produção, não se deixa sugestionar pela mira de grandes lucros a que não esta habituado, pois estes constituem apanágio dos intermediários, que sem reservas nem escrúpulos beneficiam muitas vezes das fracas produções, da ruína e da desgraça da lavoura, para mais facilmente se lançarem na voragem de negócios obscuros, desorientando os mercados e tornando mais vasto e propício o seu campo de acção para a prática de manobras especulativas e para a satisfação dos seus desmedidos desejos de ganância.
Os lavradores, apesar de acusados injustamente de retrógrados por aqueles, que de agricultura apenas conhecem o pão na mesa, o vinho na garrafa e as batatas fritas, reconhecem e acreditam nas novas exigências da actividade agro-pecuária e sentem a ânsia de adoptar as técnicas e os sistemas culturais dos novos tempos, com vista à modernização da agricultura e ao consequente aumento da produtividade.

O Sr. Augusto Simões: - Muito bem!

O Orador: - Simplesmente, a sua situação financeira, extremamente débil, e o elevado preço das máquinas, das alfaias e dos adubos afastam a lavoura das novas transformações culturais, diminuindo, assim, as possibilidades de melhor produção e reduzindo a sua eficácia nos aspectos económico e social.
É preciso estabelecer-se uma prudente política de valorização dos produtos agrícolas ou, pelo menos, de desvalorização de produtos de outra origem, para que, ao mês aio tempo que se procure fixar o justo equilíbrio entre os diferentes sectores da economia, se não torne mais oneroso o custo de vida.
A lavoura, o comércio e a indústria constituem a base fundamental de toda a economia da Nação.
Cada um destes importantes sectores, cumprindo o seu dever de produzir riquezas, não tem de manifestar animosidades ou guardar desconfianças e egoísmos, sempre prejudiciais à marcha do progresso. Tímidos, partilhando entre si os insucessos ou triunfos, poderão contribuir decidida e eficazmente para a prosperidade da vida económica nacional.
Assim lavradores, comerciantes e industriais se compenetrem desta realidade e os governantes responsáveis não tomem medidas legislativas de proteccionismos unilaterais ou criem situações de inferioridade, que, regra geral, desgostam, revoltam e podem comprometer aquele sentido de unidade económica, absolutamente indispensável ao progresso e engrandecimento material da Nação.
«A lavoura, essa parente pobres, como muito judiciosamente lhe chamou, em magnífico e oportuno editorial, o importante jornal O Século, não aspira a riquezas que nunca possuiu.
Apenas deseja a graça de Deus, a boa vontade e o auxílio dos homens de governo, para que a pobreza se não transforme em indigência e novas perspectivas se abram no horizonte para que a lavoura portuguesa possa sobreviver, acompanhar a evolução de uma vida moderna cada vez mais exigente, suportar os reflexos da industrialização e enfrentar a concorrência dos mercados.
A lavoura, que há três anos consecutivos tem sido vítima das leis implacáveis da Natureza, sofrendo as maiores calamidades, suportando as mais alarmantes variações atmosféricas e as mais desorientadoras oscilações na sua vida funcional e económica, tem visto agravada a sua precária situação financeira por virtude das difíceis condições de trabalho e das adversidades do tempo, que têm penosamente comprometido o regular desenvolvimento das culturas.
Se contra as leis soberanas da Natureza não é possível lutar, há que temperar-lhe os efeitos, promovendo medidas que defendam o sector, agrário das garras da usura, porque a lavoura endividada não pode progredir.
Justifica-se o empréstimo para valorização de terrenos e melhoria das instalações agro-pecuárias, mas este não tem razão de ser para fazer face às despesas normais da exploração.
Estas têm de ser cobertas com os lucros da empresa, sob pena de em caso contrário se cavar cada vez mais fundo a ruína de um sector, que é ainda hoje o fundamento de toda a nossa vida e o grande esteio da economia do País.
Mas quererá tudo isto significar que o Governo se tem mantido indiferente aos angustiantes problemas com que se debate a lavoura nacional?
Seria flagrante injustiça e feia ingratidão não reconhecer a benéfica e profícua acção governativa exercida no sentido de facilitar e de entusiasmar toda a actividade ligada à terra.
Neste aspecto merecem principal relevo as providências referentes a hidráulica agrícola, assistência técnica à lavoura, povoamento florestal e, finalmente, a Lei de Melhoramentos Agrícolas, diploma da maior relevância, superiormente interpretado e orientado pela Junta de Colonização Interna, que ao serviço do fomento e do progresso da agricultura tem desenvolvido uma acção digna dos mais rasgados e merecidos aplausos.
Consciente desta afirmativa, quero aproveitar esta oportunidade para aqui deixar expressa uma palavra de sincero louvor à inteligência, ao aprumo, ao zelo e à sábia direcção do seu ilustre presidente, Sr. Engenheiro Agrónomo Vasco Leónidas, e de muito apreço pelos distintos técnicos que com a maior dedicação e competência servem a nobre causa da lavoura nacional.
A este importante pilar da reorganização agrária do País me referirei mais circunstanciadamente, quando nesta Câmara tomar posição acerca de alguma das propostas de lei elaboradas sobre emparcelamento, colonização e arrendamento da propriedade rústica, as quais; embora constituindo uma transformação nas estruturas tradicionais por força de imperativos de ordem política, económica e social, demonstram que o Governo está atento a todos os movimentos e disposto a todos os sacrifícios, para a satisfação plena de todos os problemas de reconhecido interesse geral.
Por hoje apenas me deterei no discutido problema das obras de hidráulica agrícola, apreciando parti-

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cularmente o regadio da campina de Idanha-a-Nova, que constitui o objectivo e o propósito desta intervenção.
A obra em referência, que custou mais de 130 000 contos, é constituída pela elegante Barragem do Marechal Carmona e por uma rede de rega com a área de cerca de 8000 ha.
Esta área não tem sido totalmente utilizada em regime de regadio com bons resultados, nem poderá certamente vir a sê-lo, por virtude de nós trabalhos preliminares de concepção da obra não terem sido organizados os convenientes e aturados estudos topográficos, geológicos e agronómicos, absolutamente indispensáveis ao bom êxito do empreendimento.

O Sr. Pinto de Mesquita: - E até estudos jurídicos.

O Orador: - Tem V. Ex.ª razão. Com efeito, grande volume de capitais foi investido, acalentadoras perspectivas de desenvolvimento agro-pecuário foram sonhadas, e, no entanto, tendo sido a obra de rega da campina entregue à associação de regantes por auto de 19 de Abril de 1952, continua ali a pairar a mais completa desorientação, mormente no que se refere ao útil aproveitamento da água, aos métodos de técnicas culturais e à determinação das espécies mais adequadas a uma mais equilibrada rentabilidade.
A área regada, anualmente não excedeu ainda os 4000 ha, pelo que os objectivos que se pretendia atingir com a realização da obra estão longe de serem alcançados.
Os capitais investidos no regadio nunca poderão ser devidamente compensados, se este continuar entregue aos seus próprios destinos e não lhe fôr dispensada toda a assistência técnica agronómica e financeira por que espera ansiosamente para poder prestar a prevista e desejada função útil.
Torna-se necessário e urgente elaborar plano» que estabeleçam para cada tipo de terra as culturas técnica e economicamente mais aconselháveis, atendendo a que os 8000 ha da campina apresentam características agro-lógicas diferentes, pois foram inicialmente consideradas terras de primeira classe 426 ha, terras de segunda classe 1037 ha e terras de terceira classe 6537 ha.
Este quadro, suficientemente elucidativo, indica que grande parte da campina da Idanha é constituída por terras fracas, delgadas e declivosas, onde a água da rega, em vez de produzir qualquer benefício, apenas arrasta consigo terras e fertilizantes, agravando deste modo o fenómeno da erosão e tornando ainda anais pobres e magras as terras regada.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!

O Orador: - Para obviar a este inconveniente, os proprietários estão a plantar em certas áreas regadas espécies florestais, pelo que é legítimo perguntar se para regar eucaliptos valeria a pena investir tão volumosos capitais ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso não parece aconselhável a realização de novos regadios, enquanto os existentes não estiverem a produzir todos os resultados que justifiquem os pesados encargos e os duros sacrifícios financeiros exigidos pelas grandes obras de hidráulica agrícola.
Não sou contra o regadio.
Considero que a água è elemento indispensável à existência e desenvolvimento de todos os seres vivos.
Simplesmente, entendo que para o bom sucesso das obras de rega se devem elaborar rigorosas plantas de solos e fazer reflectidos estudos prévios acerca das condições climáticas, agrológicas e de exploração, pois que com tais empreendimentos se alagam grandes extensões de terras e submergem por vezes muitos lares e até povoações com a construção das albufeiras, se perdem muitos terrenos com canais, condutas e edificações ë se ferem, em suma, interesses e arriscam capitais que interessa acautelar.

O Sr. Pinto de Mesquita: - E ressuscitar a enfiteuse, embora sob forma moderna.

O Orador: - Tudo depende do arranjo jurídico que se fizer. No regadio da campina da Idanha, tudo caminha praticamente às cegas, pois ainda se não saiu da clássica sementeira do milho e das tradicionais culturas de sequeiro.
Efectivamente, as culturas que predominam na zona beneficiada são as seguintes:

Culturas regadas:

Hectares
Milho ........ 3 000
Méloal e melancial ... 250
Horta ....... 120
Forragens ..... 260
Batata ....... 20
Diversas culturas.... 100

Culturas de sequeiro:

Trigo ......... 1 800
Centeio ........ 140
Aveia .......... 120
Cevava .......... 30
Forragens ....... 70

Existem ainda na zona beneficiada cerca de 95 ha ocupados de vinha, e em 1959, data a que se reportam estes elementos, 40 há-de viveiros florestais.
A área ocupada por estes viveiros foi recentemente aumentada em mais de 300 ha, devendo anotar-se que se auguram os melhores resultados para o posto dos serviços florestais ali instalado há cerca de quatro anos, embora não seja possível desde já tirar conclusões válidas para a maior parte das terras da zona dominada.
Aproximadamente 1200 ha ficam anualmente na campina em regime de pousio, por virtude de afolhamentos e sistemas de rotações em que as técnicas se mostram bastante antiquadas, não só devido à falta de oportunos e úteis ensinamentos, mas ainda pela impossibilidade de adaptação ao regadio de uma parte apreciável da área regada.
A sacarina, o tabaco, as culturas têxteis e núcleos de gado bovino, leiteiro e de engorda, juntamente com a instalação de uma central de lacticínios, estou certo de que seriam soluções que em grande escala contribuiriam para um melhor rendimento daquela zona, aumentando assim as riquezas da região e tornando mais compensador o trabalho insano do proprietário regante.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, verifica-se que, por falta de uma apropriada disciplina nos métodos de aproveitamento do regadio, se insiste em plantar oliveiras, condenadas ao malogro por excesso de humidade, quando deveria promover-se a plantação de frondosos pomares, principalmente de citrinos, que naquela área encontram excepcionais condições de fertilidade e qualidade.

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O proprietário da campina tem bem acesa no seu espírito uma vontade forte de progredir e de arrancar à terra tudo o que ela possa ùtilmente proporcionar.
O seu desânimo resulta, em muitos casos, da falta dos indispensáveis recursos financeiros, que lhe permitam fazer uma exploração economicamente mais reprodutiva e lhe possibilitem os meios de poder renovar e modernizar as arcaicas e deficientes instalações agro-pecuárias.
No que se refere à assistência financeira, não se compreende que os proprietários da campina de Idanha-a-Nova se encontrem em manifesta situação de inferioridade em relação aos demais lavradores do País, pois não beneficiam das vantagens e facilidades concedidas pela Junta de Colonização. Interna, pelo simples motivo de desenvolverem a sua actividade agrícola em zona de rega. Este facto, além de representar uma flagrante desigualdade, constitui sério entrave à expansão de iniciativas e de investimentos absolutamente necessários à ambicionada intensificação cultural.
As precárias condições agrológicas e climatéricas da zona beneficiada, que, aliás, se reflectem nos resultados pouco lisonjeiros do posto experimental de culturas regadas da campina, exigem estudos profundos acerca das espécies culturais mais adequadas ao regadio, uma eficiente assistência técnica e financeira aos proprietários e a certeza da colocação dos produtos a preços remuneradores para que as respectivas explorações possam prosperar.

O Sr Pinto de Mesquita: - Não há incremento do elemento humano!

O Orador: - Exactamente! Para satisfação destes legítimos anseios, a Associação de Regantes e Beneficiários de Idanha-a-Nova, reunida em assembleia geral em 30 de Março do ano passado, animada pelo desejo de bem cumprir o seu mandato e de colaborar com os serviços agrícolas, enviou a S. Ex.ª o Secretário de Estado da Agricultura uma bem fundamentada exposição, na qual é apontada a fornia lenta e deficiente por que está a fazer-se o aproveitamento do regadio.
A exposição em causa - que deve certamente estar a despertar as melhores atenções e estudos nos respectivos serviços oficiais - afirma a necessidade de um melhor aproveitamento da obra no âmbito nacional e, exprimindo o pensamento e o sentir de todos os regante, declara, confiada e disciplinadamente, que estes não esperam do Estado o papel que lhes compete, mas unicamente a colaboração indispensável para que a obra, cuja iniciativa e execução lhes pertence, possa alcança os resultados que honestamente dela podem esperar.
As justas reivindicações formuladas visam o progresso económico e social de uma importante e vasta zona agrícola do País; por isso devem merecer a maior atenção e carinho do Governo, e particularmente do Sr. Eng.° Quartin Graça, ilustre Secretário de Estado da Agricultura, que, com acertada visão, com o brilho da sua inteligência e a larga experiência de técnico dos mais consagrados, tem realizado ao serviço da agricultura nacional uma obra da maior repercussão para a vida do País.

O Sr Proença Duarte: - Muito bem!

O Orador: - Pena é que o seu apaixonante interesse o esclarecido conhecimento dos problemas da terra se encontram limitados pela gerência restrita de uma Secretaria de Estado e se não dispersem com absoluta autonomia e largueza de acção por um Ministério da Agricultura ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - . . . onde S. Ex.ª poderia mais exuberantemente evidenciar o seu grande talento e a lavoura portuguesa se sentiria mais amparada, mais prestigiada e mais firme no trabalho profícuo de engrandecimento e valorização da economia nacional.
Por isso me abalanço a sugerir mais uma vez, nesta Câmara, a restauração do Ministério da Agricultura.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A petição dos regantes da campina da Idanha, apesar de repleta de lamentações sinceras e de sugestões revestidas da maior actualidade, embora denunciando muitos aspectos da situação de incerteza e desalento com que se debate a lavoura daquela zona, não refere ainda tudo quanto é preciso realizar para um melhor aproveitamento dos produtos da terra, para o progresso daquela importante e vasta região beiroa e para a prosperidade das suas populações.
A política de «bem-estar rural», inscrita na Lei de Meios para 1961 com o salutar objectivo de levar as luzes do progresso a todos os pontos do País e melhorar as condições de vida a todos os portugueses, constitui fundada esperança de que, além de solucionar os problemas de natureza agrícola do. concelho de Idanha-a-Nova, outras providências serão tomadas a bem do desenvolvimento de uma extensa e valiosa zona, que, sendo atravessada por uma estrada internacional, apresenta condições desportivas de caça e pesca e encerra valores históricos, paisagísticos e etnográficos que poderão assegurar-lhe um lugar de grande mérito no conjunto económico e turístico nacional.
A planificação de unia política de «bem-estar rural» só alcançará pleno êxito desde que se promova em ritmo mais acelerado a electrificação geral do País.
É essa electrificação que aguarda impacientemente toda a zona de rega da campina da Idanha, para que nela se possam instalar pequenas e grandes indústrias que tornem mais fácil a transformação e a colocação dos produtos agrícolas, impulsionando assim a prática de outras culturas de mais segura rentabilidade e mais apropriadas às condições agro-climatéricas do regadio.
Não faz sentido que a populosa e pitoresca freguesia de Ladoeiro, situada em pleno coração da campina e onde se encontra instalada a sede da Associação de Regantes, permaneça mergulhada na mais desoladora escuridão e que as assembleias gerais daquele importante organismo oficial se realizem à luz pálida e bucólica dos candeeiros de petróleo.
Todavia, a electrificação não deve circunscrever-se apenas à área limitada da campina, mas antes deve estender-se às valiosas freguesias de Zebreira e Salvaterra, que outrora foram povoações de um prosado florescente, como o atestam os seus curiosos pelourinhos ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... a Segura, fronteira aberta ao tráfego rodoviário e graciosa aldeia raiana, que, vaidosa, vê rolar a seus pés as águas cristalinas do Erges, o qual, ao mesmo tempo que divide territórios nacionais, constitui refrescante traço de união entre Portugal e Espanha - duas valorosas e vigilantes sentinelas peninsulares, empenhadas nos mesmos sentimentos de defesa dos valores tradicionais e morais.
Também as típicas aldeias de Rosmaninhal e Toulões, que fazem parte da mesma espinha dorsal, constituída

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pela estrada fronteiriça que, através da campina, se dirige para o país vizinho, aspiram do mesmo modo a usufruírem dos benefícios da electricidade, por forma a despertarem das trevas em que vivem e a poderem contactar com o mundo civilizado, através da música e da palavra, transmitida pela rádio ou das imagens levadas pela televisão.
A electricidade constitui assim para aquela vastíssima região uma das suas mais justificadas aspirações, pois dela depende em grande parte o seu progresso e o bem-estar das suas laboriosas populações.
Temos de dispensar todo o carinho e desvelo às nossas aldeias, pois é nelas que se encontram os mais fortes exemplos de lealdade e se radicam os mais nobres sentimentos de pureza e abnegação do povo português.
Sr. Presidente: ao pintar, com a maior honestidade e realismo, o panorama da Barragem Marechal Carmona, convém, todavia, salientar que, embora a obra realizada não tenha ainda produzido quaisquer resultados económicos lisonjeiros, revela, pelo menos, o mérito de no aspecto social ter melhorado a situação dos trabalhadores, dando-lhes possibilidades de melhor nível de vida, por virtude de um substancial aumento de salários e melhor certeza de emprego, pois desapareceram as crises cíclicas de trabalho, que, ao contrário, se transformaram em permanente falta de mão-de-obra, o que nas épocas de mais intensivo labor nos campos cria ao proprietário as mais sérias apreensões.

O Sr. Ernesto Lacerda: - Apoiado!

O Orador: - Daqui resulta que sobretudo o médio e o pequeno proprietário luta com as maiores dificuldades financeiras, pelo que, em presença das fracas produções verificadas e da baixa cotação dos produtos agrícolas, não pode fazer face ao crescente aumento dos encargos e à constante alta de preços de tudo o que tem de comprar para o amanho da terra, limitando assim as iniciativas e os investimentos necessários à desejada intensificação cultural e ao previsto aumento da produtividade.
Esperam os proprietários regantes da campina, desejosos de contribuírem para a solução dos prementes problemas de ordem social e económica e de colaborarem com o Governo da Nação na grande obra de ressurgimento material do País, que sejam atendidas as suas legítimas aspirações, como é de justiça.
Com efeito, a Barragem Marechal Carmona só poderá levar na água derramada pelas suas majestosas comportas através da imensa campina de Idanha-a-Nova a certeza de uma efectiva utilidade desde que se organizem planos estruturais de culturas, se garanta aos proprietários a colocação dos produtos a preços remuneradores, se lhes conceda uma assídua assistência técnica no aspecto agronómico e pecuário e se lhes faculte a indispensável assistência financeira que lhes permita modernizar a exploração agrícola e criar iniciativas capazes de extraírem do regadio os resultados que se previram nos trabalhos preliminares que justificaram a concepção e execução da obra.
Sr. Presidente: o futuro da nossa agricultura será o que for o futuro de Portugal.
E o futuro de Portugal será heróico e glorioso, como foi no passado, firme e resoluto, como é no presente, pois Deus continuará a abraçar e a proteger os nossos destinos e a lição de Salazar há-de continuar a defender a honra e a dignidade dos Portugueses na salvaguarda inflexível da soberania, nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Melo Machado: - Peço a palavra, para interrogar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Melo Machado: - Peco a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o favor de me informar se já chegou à Mesa o resultado de um requerimento que fiz ao Sr. Secretário de Estado da Agricultura para que me fossem fornecidas as conclusões de um inquérito feito à Cooperativa dos Produtores de Leite de Mafra.
Se não chegou, peço a V. Ex.ª o obséquio de insistir pela sua remessa, e lamento que aquele Sr. Secretário tenha uma certa relutância em mandar esses elementos, que me são indispensáveis.

O Sr. Presidente: - Informo V. Ex.ª que esses ciumentos ainda não chegaram à Mesa.

O Sr. Melo Machado: - Muito obrigado a V. Ex.ª

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta do lei sobre viação rural.
Tem a palavra o Sr. Deputado Brito e Cunha.

O Sr. Brito e Cunha: - Sr. Presidente: «A intensificação do progresso das regiões rurais do País - especialmente das que se encontram mais atrasadas - constitui instante problema que não poderia deixar de estar presente nas preocupações do Governo.
É este o sentido das propostas de lei sucessivamente apresentadas à Assembleia Nacional em relação com aspectos muito importantes deste problema e de que são exemplos mais recentes as respeitantes à pequena distribuição de energia eléctrica, ao fomento de habitação rural, ao abastecimento de água das populações rurais e à construção de escolas primárias.
Através destas e de outras providências tem o Governo procurado imprimir forte impulso ao desenvolvimento social e económico da zona rural, valorizando a sua contribuição para o progresso do País no seu conjunto e contrariando, através da melhoria das condições de vida das respectivas populações, a sua tendência para afluírem aos centros urbanos mais importantes em busca das felicidades que o atraso dos meios rurais tem ainda forçosamente de negar-lhes».
É com estas palavras que abre o relatório do plano de viação rural; embora longa a transcrição, nela vimos vantagem, por definir orientação a que muito nos apraz fazer justiça e encerrar doutrina que, por mais de uma vez, tem por nós sido defendida nesta Assembleia.
O facto tem sido citado nesta tribuna, mas nem por isso deixarei de o referir nem quereria eximir-me a dever que reputo obrigação: o de assinalar a constância posta pelo Governo em abordar, em diplomas do maior interesse e projecção para a vida nacional, os problemas-chave da vida das populações rurais, o carinho que tem posto no seu estudo, a cadência da sua publicação, a regularidade com que têm sido submetidos à apreciação da Assembleia Nacional.
É digno de registo, merece ser salientado, o manifesto propósito em se apreciar em todos os aspectos a economia das populações rurais, estruturando-os através de uma série de medidas que se completam, inte-

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grando as necessidades da vida rural num conjunto de disposições todas tendentes a melhorar os condições da vida rural.
É a distribuição de energia eléctrica, indispensável aos usos, domésticos e ao fomento da indústria caseira e da pequena indústria; é o incremento da habitação rural, com unidades capazes de substituir a velha casa sem requisitos de qualquer espécie e de absorver as necessidades exigidas, pelo aumento sempre crescente da população; é o abastecimento de água às povoações rurais, melhoramento que está na base da sua higiene e do seu conforto; foi ainda há pouco o plano de construções para o ensino primário, cuja importância se torna desnecessário encarecer e que, aliás, ficou bem vincada pelo interesse que nesta Assembleia provocou; é, agora, o plano de viação rural.
A sequência desta cadeia de medidas legislativas, a regularidade com que vêm sendo apresentadas e o prazo de tempo relativamente curto em que têm sido concebidas demonstram de maneira insofismável a preocupação do Governo em dotar as populações rurais com as condições indispensáveis à sua ascensão na escala dos valores sociais e à conquista dos meios indispensáveis a uma vida digna na sociedade portuguesa e de maior produtividade para a economia nacional, dentro de um plano que se reconhece fazer parte de um todo, corresponder a uma ideia e traduzir uma política.
A essa política desejo eu prestar a minha homenagem, pelo alto sentido que revela de reconhecimento dos valores que no campo e na aldeia vivem e ali labutam e da intenção de os elevar ao nível a que têm legítimo direito de aspirar; como pretendo juntar a minha voz às que nesta tribuna se têm levantado, vozes de louvor para o Governo que assim procede, destacando a actuação do ilustre titular da pasta das Obras Públicas, a quem se ficará a dever grande parte de tais iniciativas.
Não se nega que não seja de agora e já de longe venha essa política, bastando relembrar que são de 1931, por isso já velhas de 30 anos, as disposições estabelecendo a colaboração técnica e financeira do Estado nas obras de melhoramentos rurais.
Mas haverá que reconhecer estarem essas medidas desactualizadas, quanto mais não fora no montante da comparticipação concedida pelo Estado às autarquias locais para tal efeito; o próprio relatório da proposta de lei reconhece a limitação havida na obra realizada, em face da envergadura do programa e da modéstia das dotações que tem sido possível atribuir-lhe.
É para remediar tal situação e acelerar o ritmo de valorização dos centros rurais que se publica o plano de viação rural.
Muito embora lastimando e lamentando não se poder ir mais longe ainda, há que louvar abertamente a iniciativa, pela eficiência que se espera dela virá a resultar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É que tudo quanto represente benefício para as populações rurais, tão minguadas de amparo, tem de merecer o nosso aplauso e o nosso incentivo.
Encontram-se ainda pràticamente isoladas e carecidas dos mais rudimentares meios de progresso grandes massas da população portuguesa. Não queremos - ao tal afirmar - pretender que tenham sido esquecidas, não se fazendo favor em reconhecer o esforço já realizado mas também não há motivo para esconder que assim é: o próprio relatório da proposta se refere ao «atraso dos meios rurais», onde não se encontram as facilidades que os meios urbanos podem proporcionar.
Esta seriedade de processos, a objectividade destas afirmações, o reconhecimento de nossas insuficiências, nunca foram ocultados: é o próprio Governo que o afirma, e esta é a sua e a nossa força, a daqueles que o seguem e o apoiam.
Já se fez muito - muito mais há a fazer; há 30 anos eram uns os problemas - em 30 anos, nem todos os que existiam se ressolveram; por acréscimo, juntaram-se às necessidades primeiras novas necessidades de uma população sempre crescente e de novos anseios e de novas perspectivas de vida, de maiores comodidades, de melhores condições de vida.
Tudo isto se afirma categoricamente, porque nada há a ocultar.
O que interessa é poder dizer-se, sem receio de contradita, que, partindo-se do inexistente, se realizou o que as nossas possibilidades permitiram; e ainda é sobretudo saber-se que se vive em regime que - por muito que as alfurjas se mancomunem para dizer o contrário - preparou ambiente propício, mais do que isso,, criou clima de insatisfação para tudo o que se encontra realizado, - por serem muito maiores e mais vastas as nossas aspirações.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Este o dever que nos assiste de registarmos o que muito de bom e de eficiente se tem feito, o direito de que dispomos e que não cedemos para afirmar que pretendemos mais e melhor - razão e motivo - para, deste passo e em relação à proposta de lei que apresenta o plano de viação rural, nos regozijarmos pelo que até agora foi executado, nos felicitarmos pelo que se prevê, nos lamentarmos por ser ainda tão longo o caminho a percorrer, para poder percorrer em razoáveis condições de comodidade os maus caminhos das nossas vilas e aldeias já abertos e ainda não dotados de pavimentação definitiva, por ser tão demorado ainda o prazo que ante vemos para poder calcorrear as estradas municipais a abrir e a rasgar.
Sr. Presidente: o plano de viação rural é um elo da cadeia que há-de permitir a valorização dos meios rurais.
Regozijamo-nos que neste sentido se providencie, porque na realidade se impõe elevar as populações rurais a um nível que ainda por elas não foi atingido: primeiro que tudo por razões de equidade e de justiça, mas ainda por ser no campo e na aldeia que residem e resistem virtudes, qualidades e latentes resistências à desmoralização e à desnacionalização.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ligar a nossa gente à terra, arreigá-la, consolidá-la, mantê-la, no amanho do solo, é tarefa ingente, mas para isso é necessário tornar aliciante a vida que ali se vive. Sabe-se como o nosso povo se agarra à courela, o prazer que tem em cultivar a horta e comer os frutos do seu pomar.
Serviram estes princípios de norma à defesa do critério da casa individual, com o seu palmo de quintal - princípio que não foi ainda destronado, muito embora circunstâncias especiais tenham justificado outras soluções.
Para que assim aconteça, a estrada e o caminho são elementos fundamentais, não só para servirem os aglomerados habitacionais já existentes como para fomentarem a construção fora dos centros urbanos e ainda para justificarem explorações agrícolas, que, de outro modo, não têm finalidade, por falta de interesse de ordem económica.
O plano de viação rural vem dar, em larga medida, satisfação a estas exigências.

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Como seus objectivos fundamentais apontam-se a construção da rede de estradas e caminhos municipais necessária para garantir o acesso a aglomerados populacionais com mais de 100 habitantes que dele ainda não disponham; a conclusão das estradas e caminhos municipais já abertos, mas ainda não dotados de pavimento definitivo, capaz de assegurar o tráfego de viaturas automóveis; a conservação em bom estado das estradas e caminhos municipais já construídos e dos que por força das disposições do plano de viação rural venham a ser construídos.
Da grandeza deste programa pode dar noção a extensão de estradas e caminhos de acesso a povoações com mais de 100 habitantes ainda a construir totalmente, calculada em 6300 km, e a das mesmas vias já terraplenadas mas que se encontram por pavimentar, com 5900 km, num total de 12 200 km; e o seu custo, computado em 2 500 000 contos !
Não se refere o relatório, nem penso que os haja - nem seria fácil que já existissem -, a dados concretos sobre o quantitativo a despender na conservação das estradas e caminhos municipais já abertos e em serviço. Mas todos nós conhecemos o mau estado de grande parte deles, e, se não podemos fazer o cálculo exacto do custo de obra de tanto vulto, não nos será difícil admitir como será elevada e sua ordem de grandeza.
Para o período de seis anos, correspondente ao II Plano de Fomento, há uma previsão de despesa de 840 000 contos, ou sejam 140 000 contos anuais, a que corresponde uma comparticipação do Estado media anual de 105 000 contos, nesta se incluindo aquilo a que se chama «a compensação dada pelo Estado por virtude da supressão dos impostos locais sobre o trânsito».
A melhoria é manifesta, se tivermos presente que a dotação dos melhoramentos rurais vinha anteriormente sendo processada na ordem dos 40 000 contos - como já se observou aquando da apreciação do II Plano de Fomento. Mas, se a conclusão da rede de vias municipais é indispensável, não é de menor relevo a conservação das artérias já existentes, para que não deixem de exercer a função para que foram criadas e não se perca o esforço feito com a sua construção; o plano de viação rural tem, neste aspecto, um papel de grande transcendência, já que as câmaras municipais se manifestam impotentes para conservarem em estado razoável a sua rede de estradas e caminhos municipais.
Por isso, não consideramos de menor envergadura o aspecto de reparação e de conservação, em relação à construção das estradas e caminhos municipais, e nesta ordem de ideias nos permitimos formular o voto de que, sem prejuízo das dotações previstas para a construção, às medidas preconizadas para garantir uma eficiente conservação das redes de vias municipais correspondam dotações orçamentais com valor suficiente para poder tornar transitáveis grande parte das vias municipais que ainda o não são.
Prestar-se-á neste capítulo um alto serviço à economia nacional, e os povos de tantos lugares e aldeias dos nossos concelhos verão satisfeita uma das suas maiores aspirações, porque há longo tempo se vem pugnando, sem que para elas até agora se tenha podido encontrar solução.
É ainda de registar a inclusão no diploma a que nos vimos referindo do princípio da aquisição de material de reparação de estradas «a atribuir às câmaras municipais ou federações de municípios que disponham de serviços de conservação devidamente organizados».
A dotação a este fim destinada, de 5000 contos, afigura-se muito modesta, mas de esperar é que com o tempo ela venha a ser reforçada por forma a permitir
àqueles municípios cujas disponibilidades não permitam a aquisição de material desta natureza equipar-se devidamente por forma a permitir-lhes uma acção eficiente.
Sr. Presidente: já aqui se acentuou que diplomas desta natureza não são de molde a debate, no sentido de análise contraditória, dado o aspecto objectivo de que se revestem.
Nem por isso, no entretanto, seria curial deixar de se lhes fazer a devida e justa referência e glosar a importância dos objectivos que pretendem atingir. Não foi outra a nossa intenção.
Por uma questão de coerência, não quereríamos também encerrar estas breves considerações sem mais uma vez - e não sem certo receio de sermos censurados por exagerar as intervenções neste sentido - insistir na importância que o desafogo das finanças municipais tem na execução do plano de viação rural.
Às câmaras municipais têm-se, sem dúvida - é justo reconhecê-lo -, criado grandes possibilidades no desenvolvimento da rede de emergia eléctrica, no fomento de habitação rural, no aumento da distribuição de água, na construção de escolas, agora na construção e na reparação e conservação das estradas e caminhos municipais.
Mas ao mesmo tempo que lhes são dadas grandes facilidades para a resolução de tão importantes problemas é-lhes solicitada uma colaboração financeira que aumenta, constantemente e à medida que se consideram novas actividades ou se alarga à sua capacidade de acção, sem que, em contrapartida se elevem as suas receitas e se lhes retirem encargos que não são de sua competência imediata.
Não me demorarei a analisar este ponto, tantas vezes ele aqui tem sido versado; mas não estarei tranquilo quanto aos resultados das medidas legislativas promulgadas em benefício dos municípios enquanto não vir encarado o robustecimento dos seus orçamentos, através das suas receitas próprias.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Neves Clara: - Sr. Presidente: ao subir a esta tribuna trago comigo a coerência de uma atitude que nunca negou aplausos a medidas do Governo destinadas a promover o desenvolvimento e bem-estar de populações economicamente mais desfavorecidas. E quando os benefícios se destinam ao meio rural, «uma das mais preciosas reservas de energias físicas e espirituais», como observou Pio XII em 1957, em que cerca de metade da população activa trabalha, e sofre, vive em condições que o confronto com a vida da cidade deveria conduzir ao desespero, mas que aceita, fatalista, o seu destino e morre santamente, sentimos a alegria reconfortante de que pouco a pouco se vai contribuindo para a diminuição dos sacrifícios, num caminho para um nível de vida que o progresso possibilita, os sentimentos aspiram, a economia recomenda e a justiça exige.
Ao mandar para a Câmara este e outros diplomas de valorização do meio rural português o Ministro das Obras Públicas transcende-se nas suas qualidades de técnico distinto para se apresentar como um verdadeiro economista que é. Numa consciência perfeita das condições em que trabalha grande parte da população activa do País e dos embaraços de uma actividade que contribui com cerca de 23 por cento para a formação do produto nacional bruto, o Sr. Eng. Arantes e Oliveira, ao valorizar o sector mais numeroso, rapidamente contribuirá para um urgente aumento do nosso índice

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do rendimento per capita, cuja marcha nos não honra e no qual poderosamente influi a classe rural.
Não nos têm faltado estudos profundos em que se analisam até ao âmago as questões fundamentais da nossa agricultura: dimensões de exploração, tratamento de solos, adaptação de sementes, estudos de cultura, escolha de pecuária, modernização das técnicas, colocação de produtos, industrialização de produção, ele. Fala-se nos excelentes serviços prestados pelos actores agrícolas e nas máquinas que se deslocam os locais de trabalho como colaboradores do esforço humano e origem de melhor rendimento de exploração; simplesmente, essas excelentes máquinas auxiliares, quando não indispensáveis a novas culturas, muito embora se situem na tão lamentada lavoura, não goram, como as suas irmãs destinadas à indústria, de igual protecção de natureza fiscal e negam as suas características de velocidade por não haver possibilidade de deslocação através de caminhos cuja construção se perde, como a própria actividade que servem, na noite dos tempos.
Louvemos, portanto, o diploma, que, não contemplando por estar fora do seu âmbito, todos os problemas que dificultam a mecanização da lavoura, a serve grandemente na medida em que permite melhor aproveitamento do pessoal e utilização total da máquina, numa rapidez de trabalho e de melhor escoamento dos produtos agrícolas.
Dizia Ataturk que «a actividade e a força da vida económica são proporcionais ao grau e à situação dos meios de comunicação», e no relatório final preparatório do II Plano de Fomento, também ao ocupar-se de transportes, faz-se a observação de que o há que ter atenção à influência directa e indirecta que o desenvolvimento de tais actividades tem na expansão de outros sectores»; temos, portanto, outras tantas razões para classificarmos de medida eficazmente económica, no mais lato sentido, aquela que se contém na proposta de lei que discutimos, com um reflexo pulverizado para tido o País a servir a produtividade da agricultura.
Este é o primeiro aspecto que nos ocorre na análise do problema. Outro, de não menos importância, situa-se no campo social e de justiça; outra vez Pio XII, ao referir-se à mensagem cristã, afirma que deve ser «a alma de uma civilização rural que integre os progressos válidos devidos aos meios técnicos ...». Vai, nos seus efeitos, o diploma permitir que a civilização avance nas regiões mais atrasadas, não será um avanço no sentido de transformar o País numa grande cidade, seguindo o fatalismo filosófico de que a civilização não para enquanto não tiver transformado a terra inteira numa cidade imensa; será, antes, um dique a opor ao êxodo rural, alimentado pelo conforto de uma vida, pelo abandono da esperança e por uma miragem de uma vida citadina em que as luzes parecem traduzir a opulência de uma sociedade.
Estabelecer-se-ão ligações exógenas que permitirão a difusão da cultura, levarão ao campo os benefícios do progresso sem a colectivização do homem, a que a cidade o condena; dar-se-lhe-á a consciência da sua personalidade, garantir-se-lhe-á a desproletarização como base económica, prestar-se-lhe-á justiça à sua condição humana.

O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!

O Orador: - Passamos a vida a proclamar, em frase que só vai tornando lugar-comum, que o homem é a maior riqueza de uma nação. Para que os actos não desmintam os conceitos impõe-se que se resolva o problema de isolamento dos aglomerados em que por esse País se vive. O homem que não pode ter a assistência módica eficiente; que a falta de contacto leva ao esquecimento das letras gordas e que serviram para tornar animadoras as percentagens do analfabetismo; que figura no recenseamento e que na maior parte das vezes só adquire consciência da sua condição quando lhe dão um número no quartel; que, não tendo água nem esgotos, escolas nem estradas, energia eléctrica ou máquinas, tem o justo direito de receber essas manifestações do progresso, para que não fuja do meio onde interessa permaneça, mas que as condições de vida incitam à emigração.
Só lamentamos a lentidão como se vai executar o plano estabelecido. No preâmbulo de projecto admite-se como provável o prazo de dezoito anos, relacionando a sua execução com o proposto no II Plano de Fomento. Se atendermos a que o montante da obra atinge o valor de 2 520 000 contos, queremos encarar «o menor prazo possível» da base I como uma esperança de que não iremos exceder o prazo acima apontado. Se assim não suceder, se estivermos a projectar para um futuro mais distante, será inglório o esforço e inútil a tentativa; com efeito, os factores influentes no problema são de tão variada importância que as considerações hoje julgadas legítimas estarão ultrapassadas na altura.
Ora, parece-nos que se não deve troçar das necessidades dos que precisam; acenar-lhes com uma promessa e dilatar a sua realização pela vida de duas ou três gerações é política mefistofélica, contrária à nossa ideologia. Infelizmente, já temos assistido à promulgação de diplomas que, pelo cuidado e inteligência postos na sua elaboração, pelos fins que pretendem atingir, têm merecido o nosso aplauso; tem acontecido, porém, que a escassez de verbas atribuídas, comprometendo a sua realização, desacredita a Administração e transforma-a em autora de política demagógica, contrária àquilo que andamos apregoando.

O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!

O Orador: - Deixar cair no cesto das impossibilidade a execução do plano de viação rural, quando o País sente a sua urgente necessidade; ter de aceitar o inconveniente das grandes concentrações industriais à volta das cidades por falta de facilidades de transportes nas zonas mais afastadas e onde a melhoria do nível de vida o aconselha; desejar chaminés de grande altura e fomentar condições industriais sem atender a que o País não é uma quinta, mas património de todos os cidadãos, que pagam as suas contribuições e que devem, pelo menos, beneficiar de uma localização proporcionadora de uma distribuição justa da riqueza, que evita a fuga do campo, com todos os seus inconvenientes de natureza higiénica, social e política; desmentir com factos de que acima de todas as concepções económicas está o homem, na pluralidade dos seus direitos, é desservir o presente e comprometer o futuro.
Por tudo façamos um voto que é uma exigência de quem nos honrou com o seu mandato: inscrevam-se verbas no Orçamento Geral do Estado, sacrifique-se com austeridade o supérfluo que nos não honra, finquem-se os pés na verificação da nossa posição e olhe-se o futuro com a preocupação de que temos pressa em recuperar o atraso com que não nos devemos conformar.
A proposta conta com a colaboração das câmaras municipais e nesse sentido a Câmara Corporativa dá o seu apoio, louvando o critério que permite a «participação dos beneficiários directos na execução e nos encargos das obras ou trabalhos que lhe dizem respeito». Em tese, não podemos negar o apoio a tão sensato modo de encarar o problema; a realidade, porém, não nos permite alimentar grandes esperanças na efectivação de uma

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valiosa ajuda. A roupa é pouca e quando se pretende tapar a cabeça destapam-se os pés; o erário municipal não vê crescer em ritmo semelhante ao do aumento dos encargos as suas receitas. Ao invés, parece que se aliaram os poderes contrários no sentido de que as dificuldades cresçam de ano para ano; as populações vão sentindo cada vez mais as necessidades do progresso e a própria expansão económica do País vai exigindo maior capacidade de realização às autarquias locais. A conservação das instalações de determinados serviços públicos, os encargos com os doentes pobres e com a construção e conservação das escolas a electrificação rural e pública, o abastecimento de água, o aumento de ordenados do funcionalismo, para só falar nas últimas medidas em que a Administração Central contou com a colaboração local, são outras dores de cabeça que os heróicos magistrados municipais têm de resolver, numa ginástica de administração de que resultam processos não canónicos para os quais existe censura cuidadosa e pronta.
Supomos que os municipalistas, cheios de razão na defesa das suas damas, já vão ficando pelo caminho e na desoladora convicção de que a perdidos por um ..., perdidos por cem têm razão os presidentes das câmaras quando, correndo o risco de sanção moral dos superiores hierárquicos, desequilibram os seus parcos orçamentos para que as suas gentes, esquecidas pelas grandes iniciativas industriais, possam ter um mínimo de condições que transformem a província de lugar aprazível de férias em locais onde o trabalho permita o bem-estar dos seus naturais.
Ao terminarmos estas considerações reiteramos a admiração, mais uma vez, ao Ministro das Obras Públicas, que, confiante na certeza e justiça de uma política, presta na execução do seu programa de governo um bom serviço ao País e à sua gente, agradecida e trabalhadora.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima será amanhã, quarta-feira, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que faltaram, à sessão:

Adriano Duarte Silva.

Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Cruz.
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Augusto César Cerqueira Cromes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Purxotoma Bamanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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