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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.° 202

ANO DE 1961 23 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VII LEGISLATURA

SESSÃO N.° 202, EM 22 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmo. Srs.

Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Simeão Pinto de Mesquita analisou a exposição do Sr. Ministro da Economia sobre o preço da electricidade a fornecer à cidade do Porto, lida em sessão da Assembleia Nacional de 17 de Janeiro último.
O Sr. Deputado Santos da Cunha usou da palavra para explicações sobre o mesmo tema.
O Sr. Deputado Nunes Barata tratou do problema dos cegos em Portugal.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei relativa ao plano de viação rural.
Falou o Sr. Deputado Virgílio Cruz.
O Sr. Presidente prorrogou o funcionamento efectivo da Assembleia Nacional por 30 dias.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Finto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Frata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António Munoz de Oliveira.

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Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Germano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José S Dares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís lavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Bosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Si. Presidente: - Estão presentes 87 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 25 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Simeão Pinto de Mesquita.

Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: na sessão do dia 17 de Janeiro, a que não assisti, foi lida larga exposição de S. Ex.ª o Ministro da Economia, dirigida a V. Ex.ª para conhecimento desta Assembleia. Reporta-se ela ao que eu havia dito a propósito da Lei de Meios na sessão de 15 de Dezembro sobre o seu despacho de 11 de Maio último, relativo ao preço da electricidade a fornecer à cidade do Porto por intermédio do seu serviço municipalizado.
Muito de caso reflectido, tenho demorado formular perante esta Assembleia as observações que essa exposição me sugeriu.
A emoção das horas que todos nós, governantes e governados, acabamos de viver, absorvendo a atenção geral perante inauditos e repelentes atentados contra a Pátria Portuguesa, é assaz justificativo - creio - da minha dilação.
Mas agora aproveitarei, Sr. Presidente, este remanso para regressar ao assunto electricidade.
Na exposição do Sr. Ministro - e tenho de concluí-lo porque ela me é encabeçada - sinto-me pecador entre as «entidades mais responsáveis a que caberia melhor», como lá se diz, «papel de se esclarecerem nos meios competentes, para depois elucidarem a população, do que tomarem a dianteira na defesa de causas, sem dúvida simpáticas, mas difíceis de sustentar».
Ora a principal culpa de sobre o assunto nada se haver dito antes da altura da minha suposta tardia intervenção resulta de o despacho em causa não ter merecido a publicidade do Diário do Governo ...

O Sr. Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - . ... ao contrário do que ocorrera com o que o precedeu, de 19 de Março.

O Sr. Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Mantendo-se assim sem divulgação, não foi possível tomar-se face a ele posição, pró ou contra, a não ser nas últimas semanas do ano findo. Seja, porém, como for, suponho que o Sr. Ministro me concederá, assim como concedeu tratar-se «de matéria simpática» - decerto para o público -, não ter sido esta, a da simpatia popular, a razão que me moveu a tratar do caso, e antes o fiz por inclinação natural de intervir a favor do que entendia ser defesa de interesses legítimos e justos, os quais, por isso, não admira se tornem simpáticos.
E que, de tradição familiar por larga experiência consolidada, sempre me senti alérgico, pelo menos tanto como o Sr. Ministro, a complacências de popularidade fácil e me repugnam, demagogias de qualquer ordem.
Perdoem-se-me estas considerações de índole pessoal, às quais, porque chamado a responder, me não posso esquivar.
Sr. Presidente: no trecho acima lido o Sr. Ministro inculca ter-se aberto este debate sem preparação suficiente.
Pelo que me toca, é possível.

O Sr. Augusto Simões: - Não apoiado!

O Orador: - O tempo urgia e «quem cala consente». Mal convalescente de uma gripe, socorri-me apenas do que era (genericamente notório e que tinha mentalmente à mão. Mas que mais seria preciso, se outra não era a minha intenção senão a de bradar um apelo magoado ao Sr. Ministro da Economia para que revisse as consequências da orientação definida no despacho em causa, e que tenho por nefastas?
E foi muito de caso pensado que dirigi nominalmente aquele apelo ao Sr. Engenheiro Ferreira Dias. Se, mais do que a ninguém, a cidade do Parto deve a S. Ex.ª - gostosamente de novo o declaro - o benefício das tarifas que frui!
Basta lembrar como em 1938, ocorrendo a circunstância da energia hidroeléctrica então sobrante, ele soube, ao intervir como presidente da Junta de Electrificação Nacional nas diligências para o fornecimento de energia à cidade, aproveitar a brecha feliz ocasio-

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nada pelo desentendimento, entre as empresas produtoras. Boa lição de como a livre concorrência ainda às vezes presta.
Inquestionavelmente, o agravamento das tarifas, consequente ao despacho de 11 de Maio, traz à cidade, como consumidora de energia, considerável gravame. A sua economia doméstica, desde a introdução das tarifas escalonadas, está toda estruturada no aproveitamento quase exclusivo da electricidade, pois já os blocos de casas pequenas e acedias se não edificam prevendo outro aproveitamento, para luz, cozinha, aquecimento, etc. Assim estruturada dizíamos, essa economia, como não a sentir afectada por uma imprevista elevação de preço da ordem dos 14 por cento?
E não é só o facto ocorrente, em si mesmo, é o precedente que estabelece de insegurança quanto à fé nos contratos de fornecimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ainda supomos que quanto a estes contratos o poder discricionário do Estado deverá durante a sua vigência intrometer-se só prudentemente e em casos que quase todos os interessados, porque os compreendem, aceitem.
Precisamente casos de força maior ou que caibam naquilo que a doutrina jurídica moderna - sob clima, de guerra - consagrou como de «imprevisão». O retraimento no uso doméstico, que dessa insegurança pode vir de futuro, e o seu desvio para outros meios de produção mais em conta ainda podem verificar-se como de maior prejuízo do que a real materialidade deste. E que certo movimento - nesse sentido já se tornou perceptível no Porto bem o traduz o sensibilíssimo registo do comércio de aparelhos e material relativos a electricidade doméstica; comércio que, como é óbvio, tomou o correspondente incremento: as casas destes artigos contam-se ali hoje quase como as mercearias.
Nestas circunstâncias é simples e humano que tal agravamento magoe. E não será salubre sinal de vida que, consequentemente, gritem aqueles a quem dói?
Ocorrendo de sorte haver entre os utentes do 3.° escalão munícipes da Invicta com voz nesta Assembleia, só de admirar seria que a propósito a não levantassem Decerto não careciam de mandato expresso dos demais consumidores para por eles falarem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aquela minha iniciativa, embora rápida, não representava, porém, simples grito magoado, mero reflexo sem finalidade ou desesperada manifestação de protesto. Não!
Cônscios da solidez das razões que assistem aos do Porto - e construtivamente até aos do resto do País - o nosso brado, o meu e o dos que me acompanham, não tinha outro significado - além de um apelo directo ao Sr. Ministro para que, revendo o problema, melhor o considerasse.
Precisamente aquilo que no meu tempo de Coimbra, o Dr. Guimarães Pedrosa no seu Administrativo qualificava de reclamação com natureza de jurisdição graciosa, a ser decidida discricionária, mas equitativamente, em contraposição à já infecta aos tribunais, «jurisdição contenciosa».
Na 5.ª ««lição do Manual de Direito Administrativo, p. (198, o Dr. Marcelo Caetano, tratando com mais tempestiva modernidade o assunto, recorda a propósito a velha fórmula clássica, que, sugestivamente, ao caso se aplica - apelar de Roma mal informada para Roma melhor informada. Precisamente este o meu objectivo.
Por isso me dirigi nominalmente ao Sr. Ministro, porque muito bem sabia a quem me dirigia.
Por um lado, ao ilustre economista da Linha de Rumo, que lêramos em tempo e voltamos agora a folhear. Nesse livro transparece, por detrás do exclusivo economista que se pretende, o verdadeiro cultor das letras e amador das artes -hoje fenómeno raro - entre puros técnicos -, que sabe animar as suas ideias com aliciante prosa, e contra cuja embaladora sedução se nos torna por vezes difícil alertar logo a indispensável frieza do nosso espírito crítico.
Bela ilustração - essa de quão bem se pode conseguir almofadar até a geometria abrupta das máquinas!
Ora, de uma inteligência isenta, lúcida e, por isso, compreensiva tudo se pode esperar, quando tocada par argumentas sérios.
Esta uma razão abstracta bastante para ter esperança no resultado do apelo. Mas temos mais.
E, a propósito, perdoe-se-nos que, por nosso lado, se volte também a aludir a factos historiados na exposição ministerial a que respondemos.
Ocorreu que, presidindo à Câmara do Porto o falecido Dr. Mendes Correia, como vereador da mesma fizéssemos parte de uma comissão chefiada pelo então também vereador Prof. Rosas da Silva e incumbida do estudo do projecto do contrato de fornecimento de energia eléctrica à cidade; nessa qualidade houvemos de tratar o assunto, como tratado foi, com o Sr. Eng. Ferreira Dias, presidente da Junta de Electrificação Nacional. Largas discussões construtivas correram sobre o esquema técnico-jurídico então elaborado por aquela Junta, determinadas sobretudo pelo condicionalismo da cidade. Tivemos ocasião de verificar então que S. Exa., não obstante a fama de dureza opiniativa de que vinha precedido, sabia aceitar as razões alheias quando pertinentes e sólidas, como convém em trabalhos de colaboração em que apenas o bem comum cumpre ter-se em vista.
Mutatis mutandis quanto às palavras, este ânimo colaborante, precisamente, foi proclamado na sessão da Câmara do Porto de 2 de Julho de 1938, onde se pôs em relevo, a propósito da minuta do contrato de fornecimento acabada de aprovar, «a utilidade altamente benéfica de colaboração da tecnicidade com os interesses legitimamente representados ...».
Do respectivo Boletim Oficial tal consta, a pp. 396 e seguintes, e no relato da mesma sessão se acha consignado, por intervenção do vereador ao tempo, que ora é o próprio orador aqui no uso da palavra, haverem-se alterado algumas disposições do projecto da Junta de Electrificação, já se vê com concordância dela, em atenção a circunstâncias justificadas. Afinal para alguma coisa serviram aquelas minhas palavras, que ao tempo poderiam ter passado por superfluidades enunciativas: poder agora certificar, e comprová-lo, que o então presidente daquela Junta não é irredutível nos seus juízos, desde que argumentos que verifique sólidos logrem convencê-lo.
Favorável ponto de partida de um apelo a rever o nosso caso. Assim o tentei na minha originária intervenção, pondo propositadamente à margem dela o seu aspecto contencioso, para apenas o querer encarar sob a espécie graciosa em que teimo confiar.
Por outro lado, logo ali postulei perfilhar, em princípio, a máxima equitativa e desejável da igualdade de preço da energia perante o consumidor e vinquei-o precisamente para de forma implícita me mostrar compreensivo das finalidades de justiça desinteressada que animavam o propósito do Sr. Ministro da Economia. Mas, como então também vinquei, isso não impede:
1.°- Que circunstâncias várias e deveras ponderosas interfiram, em casos com o do Porto, para se tempo-

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rizar, ao invés de uma aplicação imediata e rígida de tal princípio, com a agravante do recurso a meios que nós juristas qualificamos de oblíquos;
2.° Que não se acha demonstrado se nas circunstâncias actuais os preços da energia doméstica se devam tender a generalizar antes pelos das tarifas que os consumidores do Porto usufruem, ou agravarem-se para aquele nível para que tende o critério de S. Exa.
Feitas essas considerações preliminares, formas explícitas de consideração intelectual e moral que a nós, como ao País, e particularmente ao Porto, deve merecer a pesca do Sr. Ministro da Economia, e delimitados os intuitos da minha intervenção inicial sinto-me bem à vontade para regressar ao debate a que estou emprazado.
E logo começo por declarar que me não convenceram os argumentos largamente expendidos na exposição ministerial, nem que seja indispensável, como nesta se diz, a alternativa de que os cidadãos, do Porto tenham de pagar como contribuintes o que deixem de fazer como consumidores de energia.
Sr. Presidente: poderia contentar-me, como satisfazendo o essencial da orientação por mim perfilhada, com a bem concatenada análise do nosso colega; também Deputado pelo Porto, Dr. Santos da Cunha.
Sobre o assunto também se pronunciou fundamentadamente, com idêntica orientação, o Dr. Fernando Matos em sessão da Câmara do Porto, onde é vereador, como consta da imprensa. Também esta, a imprensa, e não apenas a do Porto, ao caso tem dado prestante atenção e fornecido luzes de que algo aproveitei; mas a ela me não referirei especificadamente, porque só a elementos oficiais me quero ater.
Ocorre-me, porém, acrescentar alguma coisa mais ao útil de todo esse contributo. Fá-lo-ei sobretudo naquilo em que a exposição ministerial mais particularmente visa o limitado conteúdo da minha intervenção inicial.
Remetendo, por razões de método, o caso do gás, com que abre a exposição ministerial, mais para diante, articulemos por pontos o essencial da matéria debatida, a fim de procurar maior concisão.
Primeiro ponto: enferma, a meu ver, o raciocínio conclusivo, expendido na exposição, de um vício fundamental que não é de agora e resulta de se ter encabeçado nas entidades distribuidoras o encargo resultante do indispensável apoio térmico. Digo indispensável porque, havendo quem teoricamente entenda ainda que esse recurso não era por ora de encarar à escala em que foi realizado, dentro da minha limitada competência, inclino-me a admitir que tal solução não peca por imprudenta, dada a nossa irregularidade climatérica.
No entanto, analisando as realidades, verifica-se que esse apeio térmico constitui basilarmente um elemento de produção; foi estabelecido para permitir satisfazer as eventuais deficiências de produção hídrica.
Logicamente deveria ser pago pelas empresas produtoras respectivas, e não pelas distribuidoras, como se acha determinado superiormente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É certo que no despacho de 19 de Março referido se cita outro anterior, de 25 de Fevereiro, a que se atribui a instituição de um fundo de apoio térmico alimentado por eventuais excessos de receita hidroeléctrica.
Não pude ler esse primeiro despacho, que, embora normativo, não foi publicado no Diário do Governo. Cingindo-mo apenas ao que o de 19 de Março dele refere, não penso que ele venha interferir no meu raciocínio Em primeiro lugar, tenho as minhas dúvidas de que esse despacho instituísse em termos de valor legalmente funcional o mencionado fundo de apoio. Em segundo lugar, são, tudo que há de mais vago e impreciso os eventuais excessos de receita a auferir das empresas hidroeléctricas que estas têm mil sabidos meios de mascarar. Finalmente, temos o» decisivos, confessos termos da própria exposição ministerial. Tudo isto nos leva a concluir que será praticamente só sobre os distribuidores de energia que recairá o encargo do apoio térmico.
Continuemos o nosso raciocínio.
Como ia dizendo, esse apoio térmico inscreve-se como supletivo de produção hídrica, quando esta falece.
Funciona precisamente, no plano do fornecimento ao consumo, como que um seguro para as empresas hidroeléctricas produtoras poderem honrar os seus compromissos.
Económica e logicamente, repito, parece impor-se que a elas se atribua o encargo correspondente ao benefício auferido; é como que mais um prémio de seguro que devam pagar, embora depois, equitativamente, o diluam em parte pela distribuição e consumo.
Isto salta claro até de que nós não podemos conceber um ciclo económico sem produção e consumo, sempre correlativos, e de que o podemos conceber sem a intermédia distribuição, como geralmente terá sucedido com a economia originária de quaisquer bens, inclusive com a electricidade; assim sucedeu com esta, mesmo entre nós.
Circunstâncias especiais e através de plano a que o Sr. Ministro não é estranho fizeram estruturar recentemente o nosso problema eléctrico nacional, como alhures, mediante uma espécie de coluna vertebral transportadora e distribuidora que articulasse a diversidade de produtores desordenadamente já existentes para imprimir a unidade de que era merecedora essa ancila doméstica, escrava tão submissa, a fada electricidade. A essa distribuidora unificante - a Companhia Nacional de Electricidade - foi principalmente atribuído, não por lógica, portanto, mas por facilidade, o encargo de também distribuir os encargos das térmicas de apoio, com o fim de o diluir em proporções empíricas no sentido do consumo. Isto, que briga com a lógica das realidades económico-jurídicas, vá se aceite como expediente de facilidade, mas com uma condição, de que nunca se converta em dogma e mais se não perca de vista a sua fraqueza originária.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ora, precisamente, foi partindo desta mal arrumada solução que se processaram dialècticamente os sucessivos despachos ministeriais de que promana o aumento tarifário em causa.
Que admira, pois, que, em boa lógica de funil, através dos despachos citados se tivesse chegado a tal conclusão! Encostados às tábuas dos seus recursos limitados, aos serviços eléctricos da Câmara - crismados para o efeito de distribuidores, a par de qualquer dos grandes - outro recurso não restaria senão o de endossar o encargo para os consumidores, aumentando-lhes as tarifas; que era precisamente o que se pretendia.
É que era o que se pretendia decorre sem eufemismos da nota que estamos comentando quando aí se conclui: «A desactualização das tarifas do Porto é, pois, o fundamento do problema agora levantado».
Dos argumentos invocados para sustentar o verificar-se tal desactualização se tratará adiante; por agora em lógica ligação com o ponto que vimos versando, o do primado fundamental dos fenómenos económicos da produção-consumo sobre os da distribuição,

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nos trasladamos ao segundo ponto, o da índole dos serviços municipalizados autónomos como distribuidores de energia.
Este segundo ponto foi focado pelo Sr. Dr. Santos da Cunha por fornia clara e incisiva.
Inserindo-o agora nas considerações presentes, ocorre-me lembrar que estes serviços autónomos municipalizados - o gás e electricidade, as águas e saneamento, por último os transportes colectivos - são em Portugal paradigma, que encontraram no Porto o seu ambiente próprio de realização.
Correntes da Inglaterra, desde a liberal época vitoriana, germinaram na cidadania da minha urbe, como que num reacordar de remotas formas de associação municipal. Assim, o serviço de electricidade, através da sua Câmara Municipal, é, na sua autonomia, como que virtual associação dos respectivos munícipes, e dizemos muito de propósito associação, corpo moral, e não cooperativa, porque nesta ainda há o propósito de auferir benefícios a distribuir, ao passo que naquela, de índole pública, não é de encarar a realização de lucros.

O Sr. Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Esta fórmula está prevista como viável para os concelho de Lisboa e Porto nos artigos 164.° e seguintes do Código Administrativo, mas só nesta cidade têm encontrado clima favorável a fazer-se em regime de exploração directa, preferindo-se na capital entregar ainda os respectivos serviços a empresas concessionárias.
E é de tal natureza o inveterado alheamento dos órgãos da administração pública por esta forma administrativa que por eles é vista geralmente como anómala. E a própria exposição ministerial como tal a considera.
Nesta incompreensiva corrente de ideias, lê-se no artigo 12.° do caderno de encargos da concessão à distribuidora - Companhia Nacional de Electricidade -, aprovado pelo Decreto n.° 36286, de 17 de Maio de 1947:

A concessionária é obrigada a fornecer energia eléctrica nas condições previstas neste caderno de encargos aos «concessionários» de grande distribuição e aos consumidores a abastecer directamente . . .

Tanto basta para, com propriedade jurídica, se ver que nem o serviço da Câmara do Porto, nem o de qualquer outra câmara municipal possivelmente grande distribuidora, se acham prevenidos expressamente a que possam receber a energia daquela entidade, a não ser que explorem o mesmo serviço através de um concessionário. Só por pura interpretação «além da lei» se pode admitir que os municípios que, como grandes distribuidores, explorem o fornecimento de energia por conta própria possam caber ou nos concessionários, como, aliás, é de uso entender-se, ou nos consumidores, a que também se refere o texto do artigo, quando a verdade é que não são propriamente nem uma nem outra coisa.
Este exemplo só o carreei para o debate por bem ilustrativo de como os altos compartimentos da Administração que não sejam os do Ministério do Interior - e nem sempre - andam geralmente alheados desta fisionomia particular da administração pública, que só é tida por anómala decerto por não ser a de Lisboa. Mas, porque o problema foi posto contra a natureza das coisas, colocando os serviços municipalizados na posição, que não têm, de concessionários, isso basta para se lhes atirar para cima com o gravame que se pretende.
Erro de consequência, neto já do erro de origem, salientado no primeiro ponto, de não se fazer recair o encargo da térmica de apoio sobre a produção das hidroeléctricas apoiadas.
E, por outro lado, porem-se os serviços municipalizados, para efeito de encargos térmicos, no mesmo plano das outras distribuidoras primárias parece representar clamorosa injustiça. De facto, os serviços são realmente, na hierarquia jurídica dos conceitos, não uns distribuidores, mas subdistribuidores, como os subarrendatários, os subenfiteutas, ou até, no campo mercantil, os retalhistas em face dos armazenistas. Bastará enunciar esta faceta da realidade, que ela falará por si, creio.
Justificar-se a situação acarretada ao serviço municipal pelo facto de este não ter a folga financeira que caracteriza as demais empresas, verdadeiramente empresas, é que não é de aceitar. Essa disparidade resulta de ser diversa a natureza económico-jurídica dessas entidades administrativas, é-lhes inerente.

O Sr. José Sarmento: - Muito bem!

O Orador: - A essa diferença deveria atender-se do início, e não ficar-se como que desagradàvelmente surpreendido por se dar.

O Sr. Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Nunca seria de aplicar, para todos os efeitos em pé de igualdade, ao serviço municipal um critério que, embora mais que discutível em lógica pura, como vimos, só por comodidade será admissível dentro de certos limites. Até neste campo das pessoas morais, «a pobreza avorrecida», a que se referia Camões; mas honesta! Ou seja, em palavras hoje correntes, a «situação de quase tangência» ou a «carência de folga» constantes da nota ministerial.
Pelo que acabamos de ver, facilmente se infere quanto seja vão pretender-se minimizar o caso «como não passando de uma anomalia local». Desde que ele emerge de situações jurídicas previstas na lei geral, para o direito a respectiva posição jurídica goza de plena generalidade, quer se levante a propósito de uma só câmara municipal, quer de quantas distribuam directamente a energia, desde que atinjam a categoria de grandes consumidores.
Terceiro ponto: tão-pouco nos parece de aceitar como argumento o da desvalorização do dinheiro. Cumpre recordar que o contrato actual, cujas tarifas o despacho afecta, não é o de 1938, que atravessou, aliás, quase incólume o período da guerra, fautora de depreciação, é o de 1954, e desde esse ano não consta que se tenha verificado sensível depreciação monetária. De resto, as empresas fornecedoras posteriormente não o denunciando a tempo, como podiam ter feito ao fim de cinco anos, deixaram-no prorrogar até 1965, decerto porque a equação financeira do negócio, tal qual, se lhes não antolhava como modificado desfavoravelmente, já se vê, para elas.
Falar a este propósito em depreciação monetária parece-nos por isso infundado. E mesmo que nos reportemos a 1939, há até a considerar que, segundo as circunstâncias do tempo, se previam grandes probabilidades futuras de tarifas mais baixas; essa mesma era a orientação governativa ainda definida em 1958. Assim, o argumento de o nível das tarifas não ter acompanhado a depreciação real da moeda deverá antes processar-se na variação em igual sentido ocorrida nos dois membros de uma fórmula algébrica.

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Quarto ponto: a alusão ao contrato vigente dos serviços com as suas fornecedoras de energia leva-nos logo a enfrentar os aspectos jurídicos do caso.
Muito de propósito quisemo-nos afastar deste aspecto, porque, como dissemos, a nossa intervenção pretendia se antes um apelo, embora justificado, do que uma crítica. O problema está posto contenciosamente, seria de mau gosto anteciparmo-nos a uma decisão judicial.
Mas qualquer que esta seja, mesmo dentro da jurisdição graciosa em que nos queremos manter, não deixa de ser chocante para a justificação do acto discricionário ter de recorrer-se a um diploma elaborado em 1942, expressamente com vista às circunstâncias da guerra, há muito ultrapassadas, e sem se tomar em considerarão o princípio consignado no final da base XXVI e da Lei n.° 2002, que é posterior, de 1944, que pressupõe, quanto a alteração de tarifas, a salutar audiência dos interessados, inclusive municípios e consumidores.
Parece que neste campo tudo aconselha o fundamental princípio do respeito pela fé dos contratos . . ., mesmo dos administrativos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quinto ponto: concretização de alguns números que interessam ao problema da alteração tarifária discutida.
Deles resulta de fornia nítida que a anomalia local notada e a relação ao caso da distribuição da energia ao Município do Porto se pretendeu corrigir com uma espécie de contra-anomalia discricionária deveras chocante, per lesiva.
É sabido que os encargos resultantes do apoio térmico, quando este teve de ser efectivamente prestado, foram, nas termos do artigo 4.° do actual contrato de fornecimento, sempre suportáveis para o serviço. A última vez que tal se deu creio ter sido em fins de 1958 e princípios de 1959; isto é, antes da pluviosidade dos dois últimos anos, que o Sr. Ministro qualifica de «lamentavelmente excessiva», é de crer só porque também pela sua pasta tutela a agricultura, pois que, quanto a electricidade hídrica, tem sido esta época a das vacas gordas, a dispensar de longe qualquer apoio térmico.

O Sr. José Sarmento: - Evidentemente!

O Orador: - Como se reconhece na exposição, a distribuição dos encargos resultantes ao apoio da Térmica da Tapada do Outeiro, cifrados em 30 000 contos, foram rateados por forma que, ficando a Companhia Nacional de Electricidade com um terço, os restantes dois termos tocassem às outras distribuidoras suas clientes.
Mas no sub-rateio entre estas últimas, e nas quais se contam, além da U. E. P., da Chenop, das Companhias Reunidas Gás e Electricidade e outras entidades, os serviços da Câmara Municipal do Porto, estes últimos, só por si, foram contemplados com um terço, ou sejam 10 000 contos, e todas as demais com o outro terço.
A anomalia desta distribuição logo à primeira vista salta em corpo inteiro, se a compararmos com os respectivos consumos.
Assim, pela última estatística publicada pelo Repartidor Nacional de Cargas, do ano de 1959, vê-se que a dita Companhia Nacional distribuiu 1227 milhões de kilowatts-hora de energia permanente aos grandes distribuidores interessados no apoio térmico. Destes couberam aos serviços municipalizados 270 milhões e os restantes 957 milhões aos demais.
Isto é: enquanto a estes, tudo folgadas empresas lucrativas, pagam o apoio térmico coimo um, aqueles, pobres serviços públicos sem folgas, terão que pagá-lo como quadro!
Basta, creio, a eloquência destes números para uma ponderada revisão do problema.

O Sr. José Sarmento: - Se V. Ex.ª me dá licença, acho esses números um pouco estranhos, porque, de facto, como V. Ex.ª nos informou, foram fornecidos à Companhia Nacional de Electricidade, para distribuir, 1227 milhões, e ao Porto couberam apenas 270 000.
De maneira que acho que essa percentagem está muito longe do modo como foram repartidos os encargos. E acho tão estranho que pergunto a V. Ex.ª se esses números teriam sido extraídos de qualquer publicação digna de crédito.

O Orador: - Devo dizer a V. Ex.ª que é do próprio Repartidor Nacional de Cargas que foram extraídos esses números.

O Sr. José Sarmento: - Acho estranho que, de consumos dessa ordem, a repartição seja feita dessa forma.

O Sr. Santos da Cunha: - Estranha V. Ex.ª e estranhamos todos.

O Orador: - A sua influência é por si bastante clara.
Sexto ponto: aspectos de ordem político-social a que não se pode fugir.
Já atrás referi quanto me repugnam processos demagógicos.
Coisa diferente é, porém, a defesa do respeito e consideração que merecem os legítimos interesses materiais quotidianos, que, como tais, se inserem nos hábitos de cada um como parte de si mesmo. Estão nesse caso as tarifas do Porto, às quais, aliás, cabe ao Sr. Ministro também a responsabilidade de nos ter habituado. Que se alterassem por razões de ordem imperiosa, ao alcance da compreensão de todos, vá. Mas não que se alterem com fundamento em razões de oportunidade tão discutível e com. viso a uma finalidade, embora abstractamente digna de respeito, mas que não pode deixar no seu radicalismo de só remotamente ser atingida.
E, demais, solução que acarreta sacrifício aos economicamente mais débeis para ir aliviar empresas poderosas e prósperas, cujos recentes vultosos lucros podem verificar-se na 3.ª série do Diário do Governo, por exemplo a U. E. P., no dia 8 de Abril, e as C. N. E. e Companhias Reunidas Gás e Electricidade, nos dias 21 e 28 de Maio, todos do ano findo. Já se vê que aqueles lucros nada me alarmam, pelo contrário; a constituição de avultados capitais nacionais é indispensável alicerce para o nosso desenvolvimento económico, sobretudo o ultramarino; sem eles força a ter de recorrer excessiva e perigosamente aos de fora.
Mas est modus ... E o que acontece com o Porto não está certo; presta-se a ser explorado social e politicamente, sem a menor vantagem . . . mesmo eléctrica.
Sétimo ponto: o caso do gás.
Argúi-me a nota ministerial de erro quando falei, a propósito do contrato de 1938, da supressão do gás, que só se ultimou de facto em 1941, com a falta de carvão determinada pela última guerra. Tudo está certo, e bem assim o estado de ruína em que se encontrava o aparelho industrial do respectivo serviço. Essa ruína vinha já do tempo da primitiva companhia concessionária, que, quando da primeira guerra mundial, empregou, por falta de carvão, lenha a fim de obter gás, o que arruinou completamente retortas, gasómetros, canalizações. Eu, no entanto, também não

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errei na minha afirmação, feita, aliás, só por lembrança.
É que é possível que esse problema se não formulasse na presença do Sr. Eng.° Ferreira Dias ao discutir-se então o projecto do contrato de fornecimento de energia aos serviços municipalizados, pois era-lhe marginal.
Na vereação ele foi, contudo, largamente versado e constituía uma séria preocupação do então presidente da Câmara, o saudoso Prof. Mendes Correia.
É que grande parte da economia doméstica da cidade dependia deste fornecimento, não já tanto o gás, em caminho de ser vencido pela luz eléctrica, mas os resíduos da destilação da hulha - o coque -, que era, como combustível, uma das fornias mais correntes de utilização nos fogões de cozinha.
Se trouxe a capítulo este ponto na minha intervenção inicial, foi porque ao tempo se apresentava a conveniência de liquidar de vez esse fornecimento, onerosíssimo para o serviço pelo apontado estado do aparelho de exploração, que bem caro e anacrónico se antolhava então reformar.
No entanto, a resistência dos utentes a ele habituados era considerável, tanto que nem as novas tarifas degressivas foram suficientes para os contentar, e o fornecimento de gás lá se foi arrastando, sobretudo por causa da sua utilização industrial pêlos ourives, até que a guerra acabou de vez com ele.
Invoquei o caso sobretudo como exemplo e lição de como é difícil alterar os hábitos populacionais inveterados. Ali, no gás, a ultima ratio da guerra a todos submeteu conformados; hoje, para o caso do agravamento das tarifas, já se não encontra equivalente, decisiva razão para a conformidade.
Do que disse quanto ao gás é possível que, espiolhando as actas camarárias da época, encontrasse prova documental que satisfizesse o Sr. Ministro. Achei que não valia a pena e ofereço para o caso, como testemunhas, os Srs. Dr. Vasco Mourão e Profs. Rosas da Silva e José Sarmento, este nosso ilustre colega na Assembleia Nacional, os quais comigo, serviram na supra referida vereação camarária.
Oitavo ponto e último, Sr. Presidente: nível relativo a outras localidades do preço da electricidade no Porto.
Sustenta o Sr. Ministro da Economia na sua. exposição lida a 17 de Janeiro a esta Assembleia, e o repete na nota que sincronizadamente fez publicar no jornal O Século, continuarem a ser as tarifas do Porto para uso doméstico, mesmo elevadas de $28 para $32, as mais baixas da Europa. Não entraremos nessa comparação europeia, para que não estamos assaz esclarecidos.
Só nos atemos ao que se verifica cá dentro de fronteiras. É certo que em Lisboa e na maior parte das terras do País é sensivelmente mais elevado o preço da energia do que o é no Porto.
Logo na nossa intervenção inicial o dissemos. Mas depois dela viemos a apurar, e, confessamos, para nós foi novidade, que muitas terras há, sobretudo na Beira, onde o seu preço se tarifou mais baixo ainda do que na nossa cidade. Isto desde Coimbra, onde o 3.° escalão é de $27, à Guarda - à sua Guarda, Sr. Dr. Soares da Fonseca -, onde é, creio, de $22. É de igual sorte as intermédias Gouveia, Mangualde, Nelas . . .

O Sr. Franco Falcão: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Franco Falcão: - V. Ex.ª referiu há pouco a Beira, e eu queria esclarecer o seguinte: há na Beira muitas câmaras municipais que pretendem electrificar
as suas freguesias e não o conseguem fazer porque não conseguem renovar os seus contratos de fornecimento, porque os concessionários impõem como condição o aumento das tarifas, que nem os municípios, normalmente de finanças débeis, nem os consumidores podem comportar.
Portanto, entendo que realmente se deve promover uma política não apenas de criação de novas fontes de energia eléctrica, mas também que a electricidade se torne extensiva a todos os pontos e a todos os lares.
Era isto que tinha a referir a V. Ex.ª

O Orador: - Em resposta a V. Ex.ª devo dizer que, inclusivamente, há concessionários que estavam prontos a fornecer a energia mais barata, mas que, superiormente, se lhes impôs que o não fizessem, isto em obediência ao critério geral estabelecido.

O Sr. Franco Falcão: - Não sei qual é o critério geral, mas o que posso esclarecer a V. Ex.ª é que o aspecto que referi, no meu aparte de há pouco, não se passa só com relação a um município, mas sim com referência a dez câmaras municipais.

O Orador: - Isto sem falar do ultramar, onde estou informado de que em Moçambique, na barragem do Revuè, a electricidade nas condições referidas é vendida pela empresa produtora à razão de $15. E ela ganha dinheiro!
Estas circunstâncias ajudam à explicação de um facto que, imagino, surpreendeu tanto o Sr. Ministro como a minha pessoa. O de neste capítulo nem a cidade de Lisboa, nem com ela a generalidade das terras com tarifas altas, terem marcado em relação aos beneficiados, como o Porto, com tarifas mais baixas, uniu atitude a prever quanto ao despacho, se não de aplauso, pelo menos de reserva emulativa.
E que, de facto, o público começa a reflectir uma consciência progressiva dos problemas da electricidade no plano da economia doméstica conjugados com o da economia nacional. Assim, pressente que no aumento das tarifas, embora em terra diversa da sua, sem razão forte a explicá-lo e com a agravante de esse aumento se sobrepor a um contrato, estão em causa não só as tarifas das terras que as que gozam similares, como sobretudo a antes apontada esperança para todos os demais de vê-las baixar!
Sr. Presidente: acabo de fechar o articulado definitório dos pontos que penso justificam as razões do apelo que em Dezembro formulei a favor da manutenção das tarifas do Porto.
Precisamente o fiz aflorando matéria de electricidade, para o que a atenção do público revela crescente sensibilidade. É indispensável já contar-se com a sua reacção ao tocar-se nela.
Nunca me esqueci da prestante explicação que o Sr. Prof. Ferreira Dias nos deu - a nós, leigos no assunto - sobre a energia reactiva, quando, em 1938, tivemos as reuniões na Câmara do Porto preparatórias do contrato a que atrás aludi. Então nos esclareceu S. Ex.ª das razões por que nunca se deve deixar de ter na devida conta em todos os esquemas eléctricos, cora ampla margem, a caprichosa acção dessa incómoda perturbadora.
A experiência da vida me tem mostrado quanto em matéria social, económica e política este conceito de energia reactiva pode exprimir bem adequadamente uma realidade que não é lícito omitir, com reacções porventura mais caprichosas e imprevisíveis, que, no seu determinismo físico, a sua congénere eléctrica.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Não será porventura este diálogo sine ira em que S. Ex.ª e eu nos acuamos empenhados precisamente ilustração dessa energia reactiva no campo da vida social?
É que os grandes problemas técnico-económicos de produção têm de ser orientados polifacetadamente em relação ao módulo humano, que não deve deixar de ser a sua finalidade e justificação. Em suma, têm de ser dirigidos em atenção à vida orgânica, psicológica e social que se destinam a servir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para isso carecem de tempo como ingrediente indispensável. Mas tempo, já se vê, fluente na continuidade concreta destes meios vivos; tempo bergsoniano, e não puro conceito intelectual, abstracção matemática que o reduz a como que uma quarta dimensão do espaço apenas.
Flagrante ilustração no mundo em que vivemos de se não ter em conta o concreto psicológico, político, social, com a sua retentiva de tempo real, é o que se passa, com a aparência de paradoxo, na Rússia Soviética! Enquanto, por um lado, mediante uma política de cientismo falónico, ela está a ponto, com os seus sputniks, de colocar vivo e recuperável um ser humano em órbita espacial, enquanto, repito, realiza prodígios destes, Dor outro lado, não consegue digerir o problema da crise agrária. É que, pelo que respeita à agricultura, ao colectivizar-se à bruta não se tomou em conta instituições consolidadas na natureza humana por milénios.
Abstraiu-se do tempo real, supondo-se que o instantâneo de um esquema abstracto bastava para tudo.
Sr. Presidente: este exemplo, o declinei apenas, como tipificação flagrante, no seu extremismo, da exactidão do princípio formulado quanto à força estratificadora do tempo na vida social.
Quanto aos condicionalismos complexos e dificuldade de preveni-los devidamente soube o Sr. Ministro, prudentemente, no próprio despacho de 19 de Março, a que o de 11 de Maio se subordina, precaver-se, pondo-o em vigor apenas em regime experimental.
E, pelo menos, algumas das razões atrás apontadas, ou outras, não serão por si justificação para o mesmo despacho, dentro do seu experimentalismo, ser reconsiderado?
Continuamos confiantes em que assim venha a suceder. E por isso não desistimos, nos termos logo de entrada postos, de apelar de Roma para Roma e para que se dê tempo ao tempo.
Precisamente a propósito de tempo, agradeço a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e à Assembleia a paciência com que me ouviram e termino.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Santos da Cunha: - Sr. Presidente: peço a palavra para breves explicações.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Santos da Cunha: - Sr. Presidente: o Sr. Deputado Pinto de Mesquita teve a gentileza de na sua intervenção se referir à que aqui efectuei, salvo erro, no dia 19 de Janeiro. O modo por que o Sr. Deputado Pinto de Mesquita tratou a questão do previsto aumento das tarifas da energia eléctrica da cidade do Porto deixou, certamente, em todos nós, uma magnífica impressão: pela soma de argumentos válidos que trouxe para a discussão do problema, pela lógica do seu trabalho e, até, pelo brilho literário da sua oração, que não precisa de pedir meças ao do da Linha de Rumo ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Agradecendo ao Sr. Deputado Pinto de Mesquita a amabilidade da sua referência e os termos generosos em que a fez, queria também salientar a surpresa com que tomei hoje conhecimento, pelos jornais, do relato da sessão da Câmara Municipal do Porto ontem realizada.
Nessa sessão o Sr. Vereador Engenheiro Barbot, que julgo ser o presidente do conselho de administração dos serviços municipalizados de gás e electricidade, referiu-se ao problema em termos de grande acerto e elevação. E quis também referir-se ao modo por que o caso tinha sido abordado nesta Assembleia.
Em comentário à intervenção do Sr. Vereador, o Sr. Presidente da Câmara, com geral estranheza nossa, entendeu fazer considerações, não propriamente sobre o problema em debate, mas sobre a maneira como ele teria sido tratado, quer na própria Câmara, quer fora dela. Na sua apreciação deve ter querido referir-se não só ao que aqui disse na acima citada sessão de 19 de Janeiro, mas ao que a imprensa de todo o País disse também. Fê-lo, porém, em termos que, pelo nosso lado, não podem passar sem reparo.
Entende o Sr. Presidente que o assunto não foi tratado como devia, pois o teria sido de maneira inconveniente e pouco hábil.
Ora, é bem evidente que nem eu, nem as outras entidades visadas, reconhecem ao Sr. Presidente da Câmara do Porto competência e autoridade para julgar os seus actos, e sobretudo se me situo na minha posição de Deputado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas o facto, apesar de insólito, é significativo. E o significado parece ser este: há um profundo divórcio entre o modo como a vereação da Câmara encara o problema do aumento tarifário da energia eléctrica na cidade e o ponto de vista pessoal do Sr. Presidente do Município. Esse divórcio verifica-se igualmente com o pensamento que aqui expressei como munícipe e como representante eleito dos munícipes, e, agora poderemos já dizê-lo, com o pensamento do Sr. Deputado Pinto de Mesquita.
Ora deste divórcio - de um lado vereação e representantes na Assembleia da cidade e do distrito e de outro o Sr. Presidente da Câmara -, nós, os políticos, saberíamos tirar as suas lógicas e naturais consequências.
No entanto, os técnicos parecem ter outras coordenadas para definirem a estabilidade das coisas e ... dos lugares.
Sr. Presidente: podem parecer duras estas palavras, mas nós vivemos tempos em que devemos a verdade à Nação e àqueles que nos elegem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não lucramos nada em deixar sem crítica aquilo que, em consciência, entendemos que não está bem, para que não medre o clima da impertinência e da irresponsabilidade, que julgo altamente lesivo do bem público na hora difícil que vivemos.
Sr. Presidente: a infeliz atitude do Sr. Presidente da Câmara pode levar os menos avisados a supor que

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da cadeira maior da edilidade do Ponto se não faz o avir a voz da justa e intimorata defesa dos seus anseios e legítimos interesses.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita:- No entanto, o presidente da Câmara do Porto, à parte esse ponto em que poderei estar de acordo com V. Ex.ª, tem realizado uma grande obra na cidade!

O Orador: - Isso é outro problema, que não autoriza S. Ex.ª a ter atitudes pouco simpáticas e indevidas.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: na sessão de 26 de Maio de 1959 apresentei nesta Assembleia Nacional um requerimento solicitando do Governo alguns elementos relacionados com a política de protecção aos cegos em Portugal.
Animava-me o propósito de, em face das respectivas respostas, avaliar do esforço dos Poderes Públicos para a resolução, em termos eficazes, das carências existentes neste sector, deduzindo desses elementos se seria ou não oportuno ventilar de novo o assunto nesta tribuna.
Ora, corridos que vão quase dois anos, ainda não recebi qualquer resposta ao requerido. Volto assim ao tema, lamentando o silêncio da Administração e endossando-lhe qualquer juízo menos actualizado que, sobre a matéria, possa emitir.
Sr. Presidente: não sei por que estranho desígnio, há problemas que aguardam durante décadas uma solução, sempre esperada, algumas vezes anunciada, mas nunca concretizada. Um espírito mau parece invadir sectores da actividade pública ou privada, traduzindo-se num jeito de confiar ao tempo questões que o tempo só agravará.
O caso dos cegos em Portugal parece constituir, a este propósito, um exemplo expressivo.
Naturalmente que seria injusto omitir o operoso esforço de sectores da iniciativa particular em favor dos nossos cegos. Exemplifico, mesmo sem o propósito de esgotar uma justa enumeração, com a egrégia memória de Branco Rodrigues, o labor da sempre benemérita Liga Portuguesa de Profilaxia Social, a presença da Associação Luís Braille, da Liga de Cegos João de Deus e da recente e esperançosa Fundação Sain. Mesmo instituições de carácter mais vincadamente público, como as Misericórdias de Lisboa e do Porto e o Instituto de Assistência aos Inválidos, ou de expressão autárquica, como a Junta Distrital de Coimbra, contam no seu activo um contributo igualmente prestimoso.
O problema, na generalidade e no plano nacional, continua, porém, a aguardar conveniente solução.
Será preciso invocar o testemunho de vozes bem mais autorizadas do que a minha, que, em vários locais e repetidas vezes, mesmo nesta Assembleia Nacional, têm reclamado a melhoria de uma situação ainda deprimente e angustiosa?
Quem pode negar a repercussão destes apelos na opinião pública, que, através de variados órgãos de expressão, mormente por intermédio da imprensa, reconhece a urgência em encarar o problema numa extensão e profundidade compatíveis com a sua importância?
Não terá sido o êxito, embora isolado, do Dia do Cego, em 1952, uma prova do carinho que os Portugueses dedicam aos cegos?
Urge, Sr. Presidente, que os cegos deixem de ser considerados, de qualquer modo, como seres marginais, impondo-se que, por eficaz apoio dos Poderes Públicos, conquistem 110 seio da comunidade nacional aquela posição que lhes confere a sua dignidade de homens e de cidadãos.

O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a fazer fé no recenseamento de 1950, existiam nessa data, no continente e ilhas adjacentes, 10 434 cegos, os quais se distribuíam pelos vários distritos nos termos seguintes:

[Ver Tabela na Imagem]

Não se pode minimizar a importância destes efectivos. O problema assume, contudo, aspectos mais delicados se considerarmos que, embora relativamente ao censo de 1940 o número total tenha diminuído, aumentaram, contudo, os valores nos grupos etários abaixo dos 20 anos.
Se desta notação global descermos a aspectos qualitativos que permitam indicar a condição social dos cegos, o panorama não é mais animador. Exemplifiquemos, embora aceitando o que possa haver de falível nestes elementos, com o nível cultural e a situação económica.
Dos cegos recenseados em 1950 apenas 29,5 por cento (3083) viviam do seu trabalho ou outros meios. Os restantes 70,5 por cento (7351) esmolavam, eram assistidos ou encontravam-se a cargo das respectivas famílias.
É o que resulta do seguinte mapa:

[Ver Quadro na Imagem]

Quanto a saber ler - e abstraindo mesmo de indagar qual a natureza desta possibilidade -, apenas 2688, ou

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seja cerca de um quarto dos 10 434, se confessavam possuidores de tais habilitações, conforme resulta mais claramente dos seguintes números:

[Ver Tabela na Imagem]

Pense, que uma política sistemática de recuperação e assistência aos cegos existentes no nosso país se deveria desenvolver em dois momentos:
1.º Avaliação, através de um recenseamento especial, do número de cegos e das suas condições de existência (nível económico, cultural, etc.).
2.º Medidas de conjunto que com eficácia os beneficiem na sua possível totalidade.
É - notório - e compreensível - que os recenseamentos gerais da população se revelem insuficientes relativamente É, todo um conjunto de elementos que seria mister conhecer.
Poderá, por exemplo, um plano de assistência e recuperação desenvolver-se no desconhecimento de elementos pormenorizados sobre:

A verdadeira, situação económica e nível cultural dos cegos?
As causas que explicam ou justificam a distribuição regional dos cegos?
A influência dos acidentes de trabalho, da sífilis, do sarampo, da escarlatina, das doenças oculares, etc.} nos casos de cegueira?

Realizada com êxito esta primeira tarefa de recenseamento, passar-se-ia a estruturar um plano de acção. Seria então oportuno considerar, além do mais, os seguintes aspectos:
1.° Criação de estabelecimentos de ensino para cegos, em número suficiente e de acordo com um critério equilibrado de distribuição regional.
Desta necessidade resultam, complementarmente, duas consequências:
Preparação de pessoal docente apto;
Utilidade prática do ensino ministrado.

A base XIII do Estatuto da Assistência Social refere, nas modalidades de assistência à segunda infância, os asilos-escolas de cegos.
Infelizmente, o número de a realizações entretanto concretizá-las neste sector está bem longe de satisfazer qualquer mínimo de exigências.
2.º Orientação na carreira dos cegos, obrigatoriedade de admissão de certa percentagem destes em determinadas actividades públicas e particulares e criação de centros de colocação.
Andou avisado o legislador quando, na base XXIX da Lei n.º 1998, estabeleceu que nos serviços do Estado e de empresas concessionárias de serviços públicos poderia ser condicionada a admissão de pessoal em empregos susceptíveis de serem desempenhados, por cegos ou outros diminuídos.
Simplesmente, que eu saiba, não se passou, até agora, deste princípio geral.
Os que se devotam ao estudo e melhoria da condição dos cegos têm elaborado longas listas de profissões, que por estes podem ser convenientemente desempenhadas. Contam-se por mais de 200 as actividades onde os cegos podem competir com operários fisicamente normais.
Quem não recorda aquele passo do famoso livro do Henri Ford (Minha Vida e Minha Obra) onde o grande revolucionário da indústria relata um episódio que poderia constituir motivo de meditação para todos nós?
«Um cego foi colocado na secção de contagem de parafusos e porcas para remessa às sucursais. Dois operários, fisicamente perfeitos, já se encontravam a trabalhar nesse serviço. Dois dias depois, o contramestre enviava uma nota à secção das transferências, pedindo a mudança de serviço dos operários sãos, pois que o cego fazia não só o seu próprio trabalho como o dos dois companheiros, normais».
3.° Criação nas vilas e cidades de uma rede de quiosques explorados por cegos.
4.° Esta possibilidade está, aliás, relacionada com outro aspecto de grande importância: a existência do uma lotaria especial, vendida por cegos e cuja receita se destinasse aos mesmos.
Quem não conhece a solução que a vizinha Espanha ensaiou e que, com tanto êxito, tem servido aí para a promoção humana e social dos cegos?
A comissão nomeada, em 1947, para o estudo da situação dos cegos em Portugal, encarou SL& possibilidades desta solução.
Tal caminho permitiria mesmo angariar meios para um fundo comum.
5.° Coordenação das actividades das instituições, públicas e particulares, existentes.
Conviria evitar conflitos positivos e negativos de actuação e dar-lhes participação, segundo as suas responsabilidades e eficácia, num fundo comum de apoio, proveniente da citada lotaria ou de outros meios reputados idóneos.
Sr. Presidente: ao insistir neste problema dos cegos, assaltam-me o pensamento algumas dúvidas, nada cómodas para o ânimo mais burguês.
Poderá, em face de carências tão evidentes, dar-se por satisfeito o nosso apregoado espírito de fraternidade cristã?
Estarão cumpridos os deveres de solidariedade social ou aquele mínimo de intervenção dos Poderes Públicos que se deve traduzir em termos de tornar possível a valorização de todos os portugueses, de forma que cada um preste à colectividade contributo compatível com as suas potencialidades?
Por mim penso que não.
E sempre que por estas ruas de Lisboa sinto a ironia de um destino implacável que condena, inexoravelmente, os cegos, só pelo facto de não terem vista, à condição de músicos, recordo aquela história dos livros escolares em que o palhaço, que no circo fazia rir as multidões, chorava angustiadamente no seu camarim.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa ao plano de viação rural.
Tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Cruz.

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O Sr. Virgílio Cruz: - Sr. Presidente: vai o Governo imprimir um novo e decisivo impulso ao desenvolvimento da rede - de comunicações secundárias - as estradas e os caminhos municipais -, ampliando, para isso, as dotações financeiras e a assistência técnica oferecida às autarquias locais.
Em todos os países as comunicações de transporte e relação são consideradas elementos fundamentais da sua estrutura económica e uma das poderosas alavancas motoras do bem-estar geral.
No ritmo acelerado da vida moderna e num mundo que evolui rapidamente, a situação dos povos isolados vai-se tornando cada vez mais difícil e até penosa. A situação destas aldeias agrava-se rapidamente, e em relação aos vizinhos que gozam de facilidades de comunicações o atraso dos que estão isolados aumenta de ano para ano.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A realização deste plano, que encara como objectivo imediato a atribuição de acessos rodoviários em condições de segurança, comodidade e economia a todas as povoações com mais de 100 habitantes, a sua execução no menor prazo possível, como diz o projecto da proposta de lei e como se torna necessário, irá traduzir-se brevemente - no ritmo do desenvolvimento das regiões rurais do País. Esta Câmara espera que o Governo execute o plano no menor prazo que lhe for possível e que acelere a realização do programa de viação rural, que é do maior alcance económico e social.
Além do grande benefício para a economia nacional que vai trazei- a execução do plano, há também que apreciar o seu alto interesse sob o aspecto humano e de justiça social. Vamos levar um grande benefício às regiões e às populações rurais, que têm sido, indiscutivelmente, as mais desfavorecidas do País.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: dentro de Portugal continental o movimento de pessoas e mercadorias apoia-se fundamentalmente, no sistema de transportes terrestres, cuja extensão de rede anda pelos 98 por cento de todas as nossas vias de transportes interiores, e dentro do sistema de transportes terrestres, as estradas são, pela densidade e extensão, o poderoso instrumento da expansão e fortalecimento da nossa economia, tanto regional como nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A rede de comunicações rodoviárias que interessa à ligação dos aglomerados populacionais é constituída pelas duas categorias principais de vias: as estradas nacionais, a cargo da Junta Autónoma de Estradas, e as estradas e caminhos municipais - vias secundárias -, a cargo dos municípios e com uma função complementar das estradas nacionais.
As carreiras de camionagem utilizam estradas nacionais e muitas vias municipais. As vias secundárias têm, dentro do sistema geral de comunicações, enorme importância, tanto pela extensão como pela função económica e social que desempenham.
No que respeita à extensão, elas totalizam já 13 500 km, o que equivale na actualidade a 80 por cento da extensão da rede de estradas nacionais, e quando estiverem construídas as estradas e caminhos municipais classificados, ou em vias de classificação, a extensão total das vias secundárias a cargo dos municípios subirá para a ordem dos 28 000 km, o que será muito superior à rede de estradas nacionais classificadas.
A função económica e social destas vias é relevante. As ligações das pequenas povoações aos centros de produção e consumo fazem aumentar o rendimento regional, permitem a drenagem fácil, rápida e mais económica dos produtos das zonas que vão servir, facilitam a chegada a esses lugares dos bens de consumo em melhores condições e preço, promovem o desenvolvimento de actividades económicas locais, fomentam a substituição de culturas pobres por outras mais remuneradoras, bem como a intensificação e a extensificação agrária, tudo isto com manifesto benefício local, regional e nacional.
Estas vias põem as populações rurais em contacto com os centros de maior cultura e mais elevado nível de vida, donde receberão com muito maior facilidade assistência médica, assistência técnica, religiosa, cultural e toda a ordem de benefícios do mundo civilizado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É preciso que a execução do plano de viação rural não seja prejudicada por falta de estradas nacionais de entroncamento; para isso é indispensável conseguir a perfeita articulação entre o plano rodoviário e as obras de viação rural e, nos casos em que os acessos às povoações a servir estejam dependentes de estradas nacionais a construir, deverá ser dada, pela Junta Autónoma de Estradas, prioridade a essas estradas nacionais onde as vias municipais vão entroncar.
A intensidade de tráfego, a envergadura dos veículos e as cargas que todas as rodovias suportam crescem de ano para ano; para que da execução do novo plano se tire toda a eficiência, será indispensável que a resistência dos pavimentos e as características do traçado atendam às previsões do tráfego que virão a suportar no futuro.
As características técnicas a que devem obedecer as vias municipais foram estabelecidas em Maio de 1945; as exigências decorrentes das novas condições de tráfego rodoviário podem aconselhar a revisão dessas características técnicas estabelecidas há quase dezasseis anos.
Não deverá construir-se agora por forma que em poucos anos se possa vir a criticar a falta de previsão.
Quanto ao aspecto económico, interessa não esquecer que uma obra só é realmente económica quando o for simultaneamente na construção e na conservação e que as economias de circulação, tanto em combustível como em desgaste de viaturas pesadas e ligeiras, são enormes quando se passa de estradas más para estradas boas; interessa pois que nas obras das novas construções e reparações de vias municipais se inclua sempre o revestimento definitivo dos pavimentos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: as vias municipais são como que as veias vitalizantes do meio rural, ligam as aldeias às estradas nacionais e às linhas de caminho de ferro, ligam os povoados entre si, permitindo entre estes e os centros mais importantes um tráfego motorizado e rápido; elas facilitam os contactos das zonas rurais com as de maior civilização e cultura.
O problema das vias municipais vem merecendo já desde há anos os cuidados do Governo. Através do Fundo de Melhoramentos Rurais, criado em 1931, o Estado tem impulsionado estas obras; começou por auxiliar os municípios com 50 por cento do seu valor e neste regime se rasgaram por todo o País muitos quilómetros de vias municipais com o auxílio entusiástico das populações beneficiadas, auxílio traduzido principalmente em trabalho braçal, transporte e oferta de terrenos. Nesta fase as pavimentações e reparações das vias antigas foram descuradas e em poucos anos muitos dos leitos das estradas feitas ficaram bastante arruinados.

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Para facilitar a pavimentação e reparação das vias municipais decidiu o Governo, em 1945, aumentar a comparticipação para 75 por cento do custo destas obras.
O facto de estas vias estarem sob a administração dos municípios e a escassez de dotações têm feito com que os trabalhos, tanto de construção como de reparação, decorram em ritmo lento.
Para levar a cabo os planos previstos e esperar a sua conclusão em prazo razoável, importava realizar muito mais e, sobretudo, muitíssimo mais depressa. Por isso vai o Governo imprimir um novo e decisivo impulso ao desenvolvimento da rede de viação rural, com dotações e assistência técnica em condições de coroar de êxito o grande esforço que se propõe fazer.
Visa o novo plano não só a construção, no menor prazo possível, das estradas e caminhos que dotarão satisfatoriamente de acessos para viaturas automóveis todas as povoações com mais de 100 habitantes e a reparação das estradas e caminhos existentes que se encontrem em mau estado, mas ainda a aquisição do equipamento necessário para a conservação das redes municipais; isto torna necessário construir 6300 km de novas vias e reparar 5900 km das já existentes. A estimativa dos encargos do plano acima definido ascendo a 2 520 000 contos, prevendo-se no plano o investimento do 840 000 contos, até fins de 1964, na construção do 2700 km de novas vias, na reparação do 2250 km das já existentes e na aquisição de equipamento destinado à conservação da rede.
Para a aquisição deste equipamento será facilitado às câmaras municipais um financiamento amortizável, que durante os anos do II Plano de Fomento poderá ascender ao montante de 5000 contos. Este empréstimo sem juro é pequeno, dá por concelho pouco mais de 16 contos; o que cria poucas possibilidades de as câmaras terem o equipamento indispensável. Há que contar com o desgaste deste material e com a necessidade de aumentar o seu volume como resultado da ampliação da rede. Na reparação dos pavimentos betuminados é indispensável uma actuação pronta, pois só assim se impede o alastramento rápido de qualquer sintoma de degradarão do leito da estrada.
A realização deste grandioso plano vai certamente traduzir-se a curto prazo no desenvolvimento de muitas zonas do País.
A rede de vias municipais vai ser muito alargada, e com o seu alargamento mais se fará sentir a necessidade de um serviço permanente de conservação. O Ministério das Obras Públicas, reconhecendo essa necessidade, tem, através do Fundo de Desemprego, auxiliado os municípios interessados na conservação permanente das vias a seu cargo, com participando nesses encargos com 50 por cento do custo do pessoal respectivo.
O problema da conservação das vias existentes tem merecido o carinho das câmaras e do Governo, o que vem melhorando um pouco o estado da rede. O número da câmara que têm criado serviços do conservação tem vindo a aumentar de ano para ano, como mostra o quadro que segue:

[Ver Quadro na Tabela]

(a) Inclui alguns caminhos vicinais

Vê-se pelo quadro que de 1955 para 1956 um pequeno aumento do número de cantoneiros foi acompanhado por uma grande subida das verbas de comparticipação; isto foi preciso para permitir aos municípios estender aos seus cantoneiros o benefício do abono de família; o Ministério das Obras Públicas, atento às dificuldades dos municípios e procurando sempre a boa solução dos problemas do social, tem suportado e suporta também 50 por cento dos encargos com o abono de família dos cantoneiros municipais.
Para se poder vir a dispor de um serviço de conservação como se torna necessário e para que ele abranja toda a rede municipal, as verbas destinadas à conservação terão de ser muito superiores às habitualmente despendidas, podendo em estimativa avaliar-se em 3000$/quilómetro de via municipal o que será necessário gastar em cada ano.
Os trabalhos de conservação permanente a que nos estamos a referir não são fiscalizados porque as câmaras municipais ainda não conseguiram dispor de organização para esse fim; sem fiscalização e orientação o serviço dos cantoneiros não dá todo o rendimento que poderia dar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há necessidade ale generalização c de reorganização destes serviços para assegurar eficiência e nível de actuação proporcionados à importância c à grandeza da rede, pois é de enorme utilidade a conservação das vias existentes e a construir.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: quanto a prazos de execução das obras, tem-se verificado que o ritmo dos trabalhos comparticipados é, de um modo geral, lento principalmente quando em regime de administração directa, por falta de organização e equipamento.
O regime de administração directa permite a mobilização do auxílio das populações locais em mão-de-obra, transportes e materiais de exploração local, o que, além do interesse económico que pode representar, também estimula o fenómeno salutar da cooperação dos munícipes na realização dos melhoramentos locais. Mas, dentro do ritmo que se deseja imprimir à execução do plano e para o nível de qualidade das obras que se pretende, o regime de administração dilecta poderá ser útil sòmente aos trabalhos de terraplenagem e nas obras de arte simples, ou quando o pequeno volume dos trabalhos a realizar não chegue para interessar empreiteiros idóneos; mas no que vai além disto a administração directa não se tem mostrado eficiente, porque as obras arrastam-se e tornam-se de fiscalização dispendiosa e difícil.

O Sr. Franco Falcão: - É que, se não for por administração directa, devido às dificuldades financeiras em que se debatem, as câmaras municipais não têm possibilidade de realizar as obras.

O Orador: - Mas, sob o ponto de vista que estou a expor, naquilo em que a cooperação local possa ser aproveitada deve ser aproveitada, mas quando as obras exigem equipamento pesado a administração directa tem dificuldades de meios.

O Sr. Franco Falcão: - Mas poderá passar a dispor dele se se quiser, porque há muitas câmaras que não podem realizai- obras se não for por administração directa. A separação que V. Ex.ª pretende é que será muito difícil, pela sua complexidade.

O Orador: - Para o nível de qualidade que se pretende dar às obras e que as solicitações de tráfego exigem, sem equipamentos não há possibilidade de as executar.

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O Sr. Franco Falcão: - É que as câmaras municipais, mesmo fazendo as obras por administração directa, arranjam uns empreiteiros que dispõem desse equipamento, e torna-se muito mais difícil desde que seja por arrematação.

O Sr. Augusto Simões: - Tenho estado a ouvir V. Ex.ª com toda a atenção na sua exposição, a todos os títulos brilhante. Quero, porém, afirmar que o que faz arrastar as obras das câmaras não é o sistema de administração directa; é, por um lado, o sistema de escalonamento de comparticipações, que não tem em atenção o volume das obras, pois é feito com escalões tão pequenos que não deixa, consequentemente, que elas prossigam continuadamente; por outro lado - e aqui é que está o busílis - e, a dificuldade maior reside na debilidade financeira, porque sem dinheiro não pode haver obras; assim, enquanto se não acudir à situação financeira das câmaras municipais, não se pode pensar na valorizarão do plano nem se pode supor que ele seja concluído.
Como as câmaras não têm possibilidades financeiras, a administração directa aparece como remédio para a sua extrema carência de meios.
E a todos os títulos necessário no sistema actual.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª o seu apontamento. Quanto às dificuldades financeiras das câmaras, se V. Ex.ª continuar a ouvir-me com a atenção com que me tem honrado, verificará que foco esse ponto na parte seguinte desta intervenção. Se a solução que aponto fosse aceite, creio que o problema financeiro das câmaras municipais ficaria bem encaminhado na parte relativa ao plano de viação rural.
A utilização de meios mecânicos acelera os trabalhos de terraplenagem e outros, tornando-os por vezes muito mais baratos.
Muitas empreitadas são de pequeno vulto, interessando só a tarefeiros mal equipados e morosos e por vezes imperfeitos na conclusão das obras.
Se foi possível lançar as empreitadas agrupando as obras das várias regiões vizinhas, isso levará os empreiteiros que disponham de organização idónea a interessar-se mais por estas obras.
Importa fomentar a organização de empresas bem equipadas, que possam baixar o custo unitário dos trabalhos pela utilização de meios mecânicos de grande rendimento.
O emprego destes meios mecanizados será mesmo uma necessidade para se poder levar a efeito no País, em prazo satisfatório, o volume de obras consideradas neste plano de viação rural e nos outros planos de obras em que o País está empenhado, porque a escassez de mão-de-obra que já se faz sentir em várias regiões rurais cria as condições que favorecem a mecanização de muitos trabalhos das estradas.
Além das dificuldades financeiras, que para muitos municípios constituirão grande obstáculo à marcha do plano, à aceleração do ritmo das obras impulsionadas por esta lei deparam-se ainda as dificuldades resultantes da falta de quadros técnicos municipais que garantam a conveniente orientação e fiscalização dos respectivos trabalhos. Como se sabe, a visita oportuna de um técnico às obras pode evitar que se estrague muito dinheiro, e será, por isso, da maior utilidade que as autarquias locais, ou individualmente, ou federadas, ou ainda- apoiadas na junta distrital, organizem serviços à altura das necessidades criadas pelo plano.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As populações interessadas e os próprios municípios têm muitas vezes lutado com sérias dificuldades para arranjar os projectos das obras. Com vista a atenuar estas dificuldades, a proposta em debate, depois de convertida em lei, permitirá que, mediante solicitação dos organismos locais interessados, a Direcção dos Serviços de Melhoramentos Rurais assuma a incumbência de promover a execução dos projectos; para satisfazer esta nova solicitação, os serviços respectivos terão de estar habilitados com pessoal técnico para fazer tais projectos ou para orientar e apreciar com oportunidade os projectos mandados fazer a técnicos estranhos aos seus quadros.
O novo plano corresponderá a uni ritmo de investimentos e de trabalhos muito superior ao dos últimos anos, e para se poderem cumprir as previsões nele estabelecidas será indispensável a perfeita conjugação dos esforços e recursos do Governo e das autarquias locais.
A comparticipação do Estado dentro do valor médio anual de 75 por cento do custo das obras poderá variar de 60 a 85 por cento, segundo a capacidade financeira, das câmaras e a natureza das obras a realizar. Apesar deste grande auxílio do Estado, muitos municípios, vergados ao peso de ^solicitações financeiras com melhoramentos locais inadiáveis e de vária ordem, dificilmente poderão suportar a parcela de esforço que ainda, lhes fica destinada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A execução do plano pede que as câmaras passem a despender 35 OOU contos por ano; esse esforço pedido aos municípios representa, como foi demonstrado há bem pouco tempo nesta Câmara pelo nosso ilustre colega Eng.° Amaral Neto com aquela verdade matemática e elegância de fornia que lhe são peculiares, quase o triplo do esforço financeiro que as câmaras municipais têm vindo a mobilizar ultimamente. E todo o receio reside na fraca possibilidade de os municípios rurais, já esgotados por encargos de vária ordem, se poderem agigantar a tão grande solicitação.
Sabemos que as câmaras têm contado muito com a cooperação dos povos, mas duvida-se de que essa cooperação seja susceptível de se expandir tanto como se faria mister.
A comparticipação vai, em certos casos, até 85 por cento, mas a verdade, porém, é que nem mesmo assim se resolve tudo.
Se no fim de 1964 o 1.° escalão do plano não estiver realizado, nisso terão tido forte peso as dificuldades financeiras dos municípios.
Nos 105 000 contos que o Estado dará anualmente para as estradas e caminhos municipais já estão incluídos os 35 000 contos que deviam pertencer às câmaras a título de compensação por estas terem suprimido, a partir de Dezembro de 1929, os impostos e taxas camarários sobre veículos automóveis.
Se o Tesouro pudesse chamar a si os 75 por cento dos encargos da realização do plano, visto ser já habitual entre nós comparticipar a construção de estradas e caminhos municipais nessa percentagem do seu custo, se isso fosse possível, os 35 000 contos de compensação às câmaras deveriam ser-lhes entregues. Isto, além de representar um acto de justiça, libertaria as câmaras municipais das preocupações financeiras com o plano de viação rural.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: nos serviços do Estado de que depende a execução deste plano e outras obras acentua-se a insuficiência núme-

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rica dos quadros técnicos para poderem corresponder às necessidades das obras que lhes estão confiadas, obras que, com o nosso desenvolvimento, crescem em número e volume de ano para ano, embora todos os departamentos da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização se não tenham poupado a esforços para bem cumprir as directrizes superiormente definidas.
Por esse zelo e esforço, sempre demonstrado, aqui deixo uma palavra de apreço e louvor ao ilustre director dos Serviços de Melhoramentos Rurais, engenheiro Germano Venade, bem como a todos os dedicados funcionários que nesses serviços trabalham sob a sua lúcida orientação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para que o grande aumento do volume de obras não produza atrasos na marcha deste e outros planos em curso, por carência de técnicos nos quadros do Estado, irá este problema certamente merecer do Governo a sua melhor atenção.
As vias rodoviárias são um poderoso nervo motor do progresso económico e social das nações.
Com a realização da importante infra-estrutura que representa este plano de viação rural muito terá a ganhar o binário agricultura-indústria, pois o plano propícia a elevação do nível das nossas populações rurais.
As estradas e caminhos municipais, à medida que forem sendo feitos, funcionarão como veias vitalizantes dos meios rurais.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Completam-se hoje os três meses assinalados pela Constituição para o funcionamento da Assembleia Nacional. Há, porém, que concluir a discussão da proposta de lei em debate; que apreciar as Contas Gerais do Estado, das províncias ultramarinas e da Junta do Crédito Público; a proposta de lei que aprova o Regulamento das Estradas e Caminhos Municipais; o projecto de lei do Sr. Deputado Santos Bessa sobre evicção escolar, e, se houver tempo, a proposta de lei de emparcelamento da propriedade rústica. É, assim, conveniente prorrogar o funcionamento da Assembleia por mais 30 dias, que naturalmente virão a sofrer uma interrupção, para que as comissões respectivas possam preparar-se e a Câmara Corporativa emitir parecer sobre aquele projecto de lei.
Nesta ordem de ideias, usando da faculdade que me confere o § único do artigo 4.° da Constituição, declaro prorrogado por um mês, a partir de hoje, exclusive, o funcionamento da Assembleia Nacional.
Vou encerrar a sessão.
A próxima será amanhã, com a mesma ordem do dia da sessão de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que faltaram, à sessão:

Adriano Duarte Silva.
Agnelo Ornelas do Rego.
Américo da Costa Ramalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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