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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 208
ANO DE 1961 13 DE ABRIL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 208 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 12 DEI ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 17 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 207.
O Sr. Presidente comunicou que recebeu da Câmara Corporativa o parecer sobre o projecto de lei relativo a períodos de evicção escolar por virtude de doenças infecto-contagiosas.
O Sr. Deputado Pinto de Mesquita requereu ao Ministério da Economia informações sobre preços de vinhos verdes e de uma exportação do vinhos para França.
O Sr. Deputado Franco Falcão ocupou-se de problemas de urbanização em Lisboa.
O Sr. Deputado Silva Mendes tratou de problemas de S. Martinho do Porto.
O Sr. Deputado Urgel Horta referiu-se à acção médico-sanitária dos Portugueses em África e à figura do Dr. Aires Pinto Ribeiro.
O Sr. Deputado Alberto Cruz expôs a situação dos operários cortadores de pêlo na cidade de Braga.
O Sr. Deputado José Sarmento fez várias considerações sobre a política internacional e suas repercussões no nosso pais.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre os pareceres relativos às Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar) e da Junta do Crédito Público de 1959.
Falou o Sr. Deputado Vítor Galo.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 10 minutos.
CAMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 40/III, acerca do projecto de lei n.º 44 (períodos de evicção escolar por virtude de doenças infecto-contagiosas).
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 17 horas e 5 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Finto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
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Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Gosta.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Gosta.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues..
Júlio Aberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Agnelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 83 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 17 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 207.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação sobre o Diário, considero-o aprovado.
Está na Mesa o parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de lei do Sr. Deputado Santos Bessa relativo a períodos de evicção escolar por virtude de doenças infecto-contagiosas. Vai baixar às comissões de Trabalho, Previdência e Assistência Social e de Educação Nacional.
Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Pinto de Mesquita.
O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Desejando, antes do encerramento da presente sessão legislativa, realizar unia curta intervenção sobre a actual crise de preços ao produtor que os vinhos verdes atravessam, em chocante disparidade com os preços de venda ao público, sobretudo quando engarrafados, e tendo tido conhecimento, por outro lado, de uma exportação para França de vinho da área da Junta Nacional do Vinho, a fazer por esta, pretendo obter, com a devida urgência, através do Ministério da Economia, da dita Junta Nacional, informações sobre o condicionalismo da respectiva operação, a fim de melhor aferir possíveis incidências sobre o mercado dos vinhos estranhos àquela área.
O Sr. Franco Falcão: - Sr. Presidente: não causará por certo a ninguém qualquer espécie de surpresa que um modesto Deputado da província se abalance a abordar problemas referentes à estética e ao desenvolvimento urbanístico desta histórica, mas sempre remoçada, cidade de Lisboa.
Reconheço que me faltam qualidades técnicas e literárias para dar a esta intervenção aquele brilho e o suficiente impressionismo capazes de convencerem em presença dos argumentos aduzidos.
Resta-me a certeza de que acima de sugestivas imagens de retórica paira com significativa objectividade a concretização serena e construtiva de factos positivos, onde as intenções se radicam nos princípios inflexíveis do amor da Pátria.
Ligam-me à capital desta grande e gloriosa Pátria Portuguesa não apenas deveres do mais puro portuguesismo, mas também razões da mais sentida afectividade e do mais consolador sentimentalismo, pois nesta encantadora Lisboa iniciei a minha carreira académica e tenho consumido grande parte da minha vida...
Com efeito, nesta formosa e fidelíssima metrópole fiz o meu curso liceal, concluí a licenciatura em Direito, exerci funções públicas e me encontro, presentemente, no cumprimento de um mandato político que tenho procurado exercer no interesse do bem comum e ao serviço incondicional da Nação.
Por todas estas razões, trago Lisboa sempre gravada na alma, porque no seu constante progresso e no evoluir do seu viver recordo com saudade os despreocupados anos da minha juventude e os saudosos tempos em que o Chiado era o passeio favorito, onde, sem atropelos nem magotes de compactas massas humanas, se exibia a elegância alfacinha e em que para se arrumar um automóvel não era preciso andar em permanente gincana.
Lembro ainda os bons tempos em que os automobilistas e os passeantes manifestavam natural jovialidade, em vez de se mimosearem com sortido vocabulário de piropos grotescos, sempre que são contrariadas as suas furiosas vertigens volantescas ou vagamente feridos certos personalismos enfatuados, e em que os cívicos não
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comandavam o trânsito empoleirados e colocados em invulneráveis pedestais, que, elevando-os a reinantes alturas, parece por vezes ameaçarem o mar e o mundo, fazendo contrastar a elegância da farda com a deselegância de modos.
É assim o ambiente das grandes capitais, onde a par do crescimento material, do constante fervilhar de atractivos e da volúpia de vãs tentações, a vida se torna cada vez mais vertiginosa, mais frívola e mais egoísta.
Indiferente às maldades e cobiças de um mundo ateu e confuso, Lisboa continua a ser a dama requintada, que, fazendo com a maior dignidade as honras da Casa Portuguesa, abre, senhoril e afável, as suas portas de par em par, para com a maior cortesia receber os inúmeros estrangeiros que a visitam, atraídos pelas suas encantadoras belezas e pela dome paz que o nosso país lhes assegura e oferece.
Todavia, há nesta formosa cidade, cada vez miais ciosa do seu aspecto cosmopolita e do seu progressivo desenvolvimento urbanístico, certas coisas que destoam e impressionam talvez até mais os olhares e a mentalidade do provinciano calmo e habituado a dar a salvação quando se cruza com o seu semelhante do que o próprio Alfacinha, que se habituou a acotevelar-se nas ruas, nos teatros, nos autocarros e nos eléctricos ou a estudar à mesa dos cafés os boatos e as anedotas que no dia seguinte há-de levar à repartição, à oficina ou aos diferentes locais de trabalha.
Entre as dissonâncias que mais ferem a sensibilidade e mais fortemente negam a nossa consumada tradição artística figuram as variadas aberrações arquitectónicas, que tornam incaracterísticas muitas das artérias e praças da nossa formosa capital.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não há dúvida de que em muitos casos a construção de características genuinamente portuguesas se transformou em amontoados de arranha-céus estilo «favo de abelha», onde, em verdadeiras colmeias de seres humanos, vive a burocracia fugida u dureza dos meios rurais.
O mármore e o granito, invocados com tanta elevação poética, estão ultrapassados, no tempo e no espaço, pelo ferro e pelo cimento armado, com que se criou uma nova técnica arquitectónica para fazer gaiolas e jardins suspensos da Babilónia, onde o espírito comercialista para muito acima da arte e do bom gosto.
O estilo, tal como os usos e costumes, é elemento primordial de identificação dos povos e imprime-lhes verdadeira personalidade.
Temos o nosso estilo arquitectónico próprio, e por isso bastaria apenas enquadrá-lo racionalmente no espírito das concepções modernistas, para que, sem sairmos da construção de recortes tipicamente portugueses, seja possível conceber blocos caracteristicamente aceitáveis e adaptáveis ao nosso meio, em vez de verdadeiras fileiras de caixotes de importação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O urbanismo deve ser uma arte, e não lima fábrica de série, onde apenas se traçam avenidas e fabricam casas, sem qualquer preocupação de estética ou de afirmação de nacionalidades.
Cada povo tem o seu estilo próprio, pelo que a sua evolução e progresso urbanístico não pode fazer-se à custa da total negação ou do simples alheamento dos valores tradicionais.
Assim o tem entendido a actual Câmara Municipal de Lisboa, que, estando a dotar a cidade de admiráveis melhoramentos, tem procurado fazer reviver todas as tradições, oferecendo assim aos estrangeiros, a par do maior conforto moderno, um ambiente tipicamente português.
A edilidade citadina, presidida pelo espírito dinâmico do Sr. Brigadeiro França Borges, tem realizado unia obra de extraordinária envergadura, pelo que conquistou a confiança e a simpatia dos Lisboetas e tem merecido a mais viva admiração de todo o público em geral.
O Sr. Brigadeiro França Borges, figura nobilíssima de militar destemido e de nacionalista fervoroso e abnegado, tem realizado à frente dos destinos da primeira câmara municipal do País uma obra de renovação e ao mesmo tempo de recuperação tradicional verdadeiramente notável.
Sem pretender ferir a sua modéstia, desejo deixar aqui bem sublinhado o muito apreço em que tenho as suas altas qualidades e a grande admiração que me merece a sua obra realizada nesta grandiosa cidade de Lisboa, que é a cabeça e o coração deste Portugal hospitaleiro e cavalheiresco, que temos de defender palmo a palmo da ingratidão, do ódio e da inveja, de modo a honrarmos o nosso passado histórico e a mantermos íntegros, no presente e no futuro, os nossos legítimos direitos de soberania.
A cidade de Lisboa, que é a alma da Nação Portuguesa, donde partiram as naus que levaram aos quatro cantos do Mundo o espírito cristão e civiliza dor dos Portugueses, tem atravessada um extraordinário surto de progresso, que a torna cada vez mais tentadora e apetecida por nacionais e estrangeiros.
Onde ainda não há muito tempo eram quintas rústicas, olivais frondosos, ou magras terras, de semeadura, surgiram, como que por encanto, novas zonas urbanísticas de surpreendente aspecto cosmopolita.
A diligente acção camarária, ao mesmo tempo, que procura dar à cidade nova um desenvolvimento arejado e moderno, tem, com o melhor bom senso, procurado remediar erros e evitar mutilações, na preocupação séria de manter quanto possível o aspecto tradicional e típico da velha urbe, tornando-a assim cada vez mais encantadora e cheia de interesse.
Deste modo, foi possível libertar a Avenida da Liberdade das caricaturais escadinhas e dos ridículos recantos de namorados existencialistas, restituindo aquela tão discutida e famosa artéria citadina à nobreza do seu classicismo, ao encanto das suas pedrinhas brancas e pretas, à harmonia dos seus jardins, à poesia dos seus lagos e figuras decorativas e à formosura do seu traçado austero e artístico.
Honra à coragem do Município, que, indiferente a modernismos informes e alheio à crítica de modernistas excêntricos, soube enfrentar uma situação que constituía, um lamentável atropelo à arte e enchia de tristeza a maioria dos Lisboetas, orgulhosos de possuírem uma das mais famosas avenidas do continente europeu.
Louvor e justiça ao conceituado periódico da tarde Diário Popular, que, ao lançar com desassombrado bairrismo e a maior oportunidade o grito de alarme «Salve-se a Avenida», despertou a consciência citadina e estimulou a atenção da edilidade, que prontamente mandou proceder aos meticulosos trabalhos de reintegração - e a Avenida salvou-se...
Mas, Sr. Presidente, há ainda que salvar Lisboa de muitas outras monstruosidades, pelo que é necessário libertá-la de azinhagas inestéticas, apertadas e perigosas, onde o trânsito constitui um traiçoeiro atentado à vida e a solitária escuridão representa um permanente pesadelo para a moral de quantos por essas impudicas vielas têm de transitar.
Encontra-se, por exemplo, neste caso, a chamada, pomposamente, Rua do Fidié, traçada nos tempos saudosos das carrocinhas e que, por incumbência especial
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e assídua observação directa, constitui o tema que sugeriu esta minha despretensiosa intervenção.
A referida rua, a que mais propriamente poderá chamar-se «inconcebível azinhaga», encontra-se localizada ao fundo dos aprazíveis jardins do Campo Grande, e, portanto, fazendo parte do próprio corpo da capital, pelo que representa uma lamentável deformidade que não se coaduna com a obra de valorização urbanística levada a efeito, nem tão-pouco com as exigências de um trânsito cada vez mais intenso e acelerado.
A Rua do Fidié representa, efectivamente, um embaraço grave para a circulação- de veículos e oferece um constante perigo para os peões, pelo que a sua urgente substituição por um amplo e moderno arruamento, digno da majestade da nossa querida capital, se impõe, não só como motivo de embelezamento daquela vasta zona, mas ainda como razão de maior comodidade para o público, pois seria a mais útil e directa ligação entre as populosas áreas de Benfica e do Lumiar com o aeroporto e o elegante Bairro de Alvalade.
Acresce que já ali se encontram erguidos alguns edifício de grande utilidade e de magnífica apresentação arquitectónica, que só por si bem justificam a imediata abertura de uma larga artéria que torne mais fácil o acesso e mais atraente o conjunto urbanístico daquela zona.
Entra estas edificações, destaca-se o esplêndido Colégio de Santa Doroteia, instalado em majestoso prédio, onde, com o maior sacrifício, foram investidos volumosíssimos capitais.
O Colégio de Santa Doroteia é um valioso estabelecimento de ensino que muito honra a capital, pois é, sem dúvida, um dos mais modernos e bem apetrechados colégio de educação feminina do País, onde se ministra o ensino singular e geral dos liceus, nas melhores condições pedagógicas, e, ao mesmo tempo, se cuida meticulosamente da formação das raparigas, nos aspectos moral e religioso.
Ali existe a consciência de que a função das escolas não deve ser unicamente instruir, mas principalmente educar, formando o carácter daquelas que se destinam ao serviço exclusivo de Deus ou que virão a ser as mães de amanhã, procurando, por forma elevada, robustecer-lhes a alma, tornar-lhes mais generoso o coração e abrir-lhes mais francamente a inteligência, à luz radiante da verdade e do dever, do bem e da caridade.
Hoje mais do que nunca se torna necessário cuidar intensivamente da educação da juventude, para que a sua vida seja bem vivida e os bons exemplos lhe iluminem o raciocínio e frutifiquem em actos de dignidade, de humildade e de fé, na salvaguarda dos valores morais e dos inquebrantáveis direitos de nacionalidade. Quase em frente do moderno e Sumptuoso Colégio de Santa Doroteia ergue-se um magnífico edifício de linhas sóbrias e harmoniosas, onde se encontra instalada a Escola de Enfermagem e Serviço Social de S. Vicente de Paulo.
Esta escola, verdadeiramente modelar no seu género, além do curso geral de enfermagem, ministra ainda o ensino primário e secundário até ao 2.º ano e possui anexas uma casa de trabalho, creche e dispensário materno-infantil e policlínico, funcionando todas as suas secções com grande frequência e os melhores resultados educativos e técnico-sociais.
Todo o movimento para estes frequentadíssimos estabelecimentos de ensino tem de fazer-se através da perigosíssima Rua do Fidié, onde as muitas pessoas que por ali têm de transitar estão sempre na contingência de serem esmagadas entre qualquer veículo e os velhos muros carcomidos ou sofrem o risco de serem desrespeitadas por algum dos muitos vadios que aproveitam todas as circunstâncias e momentos para atentarem contra a honra alheia.
Aquela arcaica e condenável azinhaga, estrangulada entre dois muros arrepiantemente mutilados, onde algumas das suas profundas e horríveis feridas se encontram manchadas pelo sangue de vidas preciosas, não pode manter-se por mais tempo a torcer ferros e chapas de veículos, a desafiar vidas humanas, a perturbar a circulação de uma vasta zona citadina e a ferir a estética da nossa linda capital.
O Sr. Cortês Pinto: - Muito bem!
O Orador: - Estou certo de que a digna Câmara Municipal, cuja obra realizada merece os mais entusiásticos aplausos, logo que se aperceba da verdade dos factos que acabo de referir, tomará as necessárias e urgentes medidas, tanto mais que, segundo me consta, estão elaborados os competentes projectos dos novos arruamentos que farão desaparecer aquela vergonhosa azinhaga, que, como diria o afinado espírito crítico de Leitão de Barros, através dos seus bem humorados «Corvos», consegue ser mais estreita do que as camionetas que por ela têm de passar.
Sr. Presidente: ao versar problemas relacionados com o urbanismo, não quero terminar sem fazer uma referência, ainda que resumida, ao Colóquio sobre Urbanismo, recentemente realizado no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, por feliz iniciativa da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização.
Não me permite o tempo regimental de que disponho fazer uma análise circunstanciada do que foi esse valioso certame, que reuniu para cima de 350 personalidades ligadas à técnica da construção e do qual saíram trabalhos de reconhecido mérito, que, em elevada escala, poderão contribuir para disciplinar e valorizar os métodos da urbanização.
A realização de colóquios desta natureza reveste-se de grande interesse, pelo que devem promover-se com maior assiduidade, procurando-se, ao mesmo tempo, dar a maior difusão às teses apresentadas.
Temos de criar uma mentalidade urbanística verdadeiramente nacional.
Com base neste princípio, impõe-se que se estabeleçam planos gerais de urbanização extensivos, com apurado sentido de unidade, a todas as zonas do País.
Os nossos aglomerados populacionais não podem continuar a ser concebidos ao acaso, mas, antes, têm de ser ordenados em obediência a regras de estética urbanística que lhes imprimam melhores condições de vivência e mais atraente aspecto de concepção e arranjo.
Deste modo, torna-se necessário organizar com a maior celeridade planos de urbanização que abranjam não apenas cidades, mas se tornem extensivos às vilas, às aldeias e ao próprio campo, mormente no que se refere, neste último caso, à fixação e ordenação de zonas industriais, por forma que se torne cada vez mais apetecível e fascinante o solo de Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Silva Mendes: - Sr. Presidente: S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas tem sido tantas vezes elogiado que se torna impossível dizer alguma coisa de novo a respeito das superiores qualidades de inteligência e carácter do Sr. Engenheiro Arantes e Oliveira.
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Limito-me, por isso, a declarar que gostosamente junto a minha débil voz ao coro de louvores que, de norte a sul do País, se ergue manifestando a admiração e reconhecimento do povo português por tão insigne e sensato estadista.
Durante o tempo em que servi o Governo, como governador civil, conheci outro grande Ministro, uma verdadeira águia de rasgados voos e alta capacidade - o meu grande e sempre lembrado amigo engenheiro Duarte Pacheco -, mas a este faltava, talvez, o inato espírito de justiça e sensatez que caracteriza o actual Ministro e que lhe tem permitido fazer de cada subordinado um amigo dedicado e um colaborador sempre ansioso por agradar e ajudar o seu chefe supremo na sua grandiosa obra de ressurgimento nacional.
A S. Ex.ª deve o distrito de Leiria, e em especial o concelho de Alcobaça, inesquecíveis benefícios, mas nesta minha intervenção quero referir-me especialmente à importantíssima dragagem da baía de S. Martinho do Porto, sem a qual a sua formosíssima praia desapareceria dentro de poucos anos.
Venho por este meio agradecer publicamente, em meu nome pessoal e no das populações interessadas, esse valiosíssimo serviço, aliás muito justo e inadiável.
Muito obrigado, Sr. Ministro, mas como depois de uma obra realizada e uma aspiração satisfeita aparecem sempre outras aspirações e outras necessidades a satisfazer, eu também venho fazer novos pedidos a favor de S. Martinho do Porto, que merece a atenção do Governo, especialmente agora, quando os turistas estrangeiros estão afluindo a Portugal cada vez em maior número. Aquela encantadora praia reúne condições excepcionais para atrair os banhistas e visitantes, com a saia linda concha, pontos de vista magníficos e, acima de tudo, a sua praia, tão airosa como outra tão bela não existe em Portugal e que propriamente em belezas naturais não ë excedida, nem talvez mesmo igualada, pela famosa concha de S. Sebastian.
As crianças tomam banho e brincam na praia sem que os pais tenham receio de que lhes aconteça qualquer desastre, devido a não haver ali as andas alterosas que, às vezes, se quebram noutras praias do litoral. É a praia da qual o rei artista D. Carlos disse as seguintes e sugestivas palavras: «Tenho viajado muito em Portugal e no estrangeiro, mas não conheço nada mais lindo do que S. Martinho do Porto».
Há, porém, um inconveniente grave para o qual desejo chamar a esclarecida atenção de S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas, certo de que, mais uma vez, se dignará atender os pedidos dos interessados, que são os habitantes e banhistas que frequentam aquela linda praia, pedidos que podemos e devemos considerar de interesse nacional, pela repercussão que a sua satisfação terá na expansão e desenvolvimento do turismo no nosso país.
Refiro-me no prejuízo que causa à baía o rio de Salir, que nela desagua e que, arrastando nas suas águas areias e terras barrentas, contribuí poderosamente para o seu assoreamento e depósito de lodo e lixos, que tanto prejudicam a beleza da praia, obrigando a comissão de turismo a gastar anualmente avultadas quantias para a conservar limpa.
Também as águas do rio causam enormes prejuízos e preocupações aos proprietários de viveiros de lagostas, que até, em certas ocasiões, se vêem obrigados a rebocá-los para fora da baía, evitando assim a morte dos crustáceos, devido ao grande volume de águas barrentas que para lá são arrastadas e que, além deste grande inconveniente, chegam a turvar as águas salgadas, apresentando um aspecto desagradável a quem quer tomar banho.
Como remediar estes inconvenientes?
Apontam-se as suas causas, que são as seguintes: o ribeiro de Salir e os seus afluentes atravessam pequenos vales ladeados por montes e cabeços, onde, antigamente, só havia matos e arvoredos, mas que têm sido arroteados em anos sucessivos.
Quando chove torrencialmente, as terras dessas alturas são arrastadas pelas águas e levadas para os terrenos planos, assoreando os leitos do rio e ribeiros e provocando inundações.
Para se defenderem, pelo menos em parte, dessas inundações, os proprietários lavram esses leitos no Verão, para que, quando chegam as chuvas torrenciais, as areias e terras barrentas sejam arrastadas para o mar.
É uma prática indefensável, mas difícil de reprimir enquanto não forem tomadas providências que visem a defender os proprietários, tais como arborizações adequadas, construção de motas e outras que as técnicas competentes devem aconselhar.
Além das medidas que atrás indico, é preconizada, há largos anos e por técnicos competentes, uma solução, reputada radical, que a população de S. Martinho do Porto há muitos anos solicita e que constitui o principal pedido nesta minha intervenção, que é o desvio do rio de Salir para o mar, antes de atingir a baía e através das dunas.
Seria uma solução cara, mas que se tornaria barata por evitar que a baía necessitasse de ser dragada frequentemente, como actualmente acontece.
Calcula-se que esse desvio não ficaria mais caro do que uma dragagem eficiente, como a que foi feita nos últimos dois anos e que aqui estou a agradecer a S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas, rogando-lhe, com o máximo empenho, .que se digne mandar proceder ao estudo do meu pedido com a urgência que seja possível. Falha-me a competência para me pronunciar a respeito do mérito ou demérito do pedido que, por este meio, tenho a honra de transmitir a S. Exa., mas, se os estudos provarem a sua viabilidade e o trabalho for executado, será mais um serviço valiosíssimo que o Governo e, em especial, o Sr. Ministro das Obras Públicas prestarão aos povos interessados, ao turismo nacional e, portanto, a toda a Nação.
Outras medidas podem e devem ser tomadas para tornar mais atraente a permanência em S. Martinho, mas essas devem ser da iniciativa da Câmara Municipal, Junta de Freguesia e particulares.
Refiro-me à aprovação do plano de urbanização; arborização das dunas, onde, dentro de alguns anos, poderia haver uma mata encantadora e um parque de campismo apreciado e frequentado por nacionais e estrangeiros; arborização de propriedades particulares, e construção de um hotel, etc.
Tenho a certeza de que o Governo ciaria a essas iniciativas o valioso auxílio que sempre dá, dentro das suas possibilidades legais e financeiras, a tudo o que represente progresso e benefício para a Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: a obra sanitária, de verdadeira e profunda acção- médico-social, realizada no ultramar português e os seus reconhecidos valores humanos, são o tema desta minha intervervenção.
Sr. Presidente: na hora em que Portugal vive derramando sangue dos seus filhos, enfrentando orgulhosa
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e altivamente a conjura internacional, ameaçadora da sua independência, desprezando ou negando a verdade da nossa obra em favor da civilização, em favor da humanidade, obra que abraçamos e defendemos desde os alvores da nacionalidade, nesta hora, há que prosseguir serenamente, resolutamente, com firmeza, na rota do caminho traçado e seguido durante oito séculos da nossa existência, vivida como Nação livre e soberana.
Não transigiremos nem abdicaremos perante a desordem e a vassalagem em que pretendem lançar-nos aquele; a quem falta autoridade para o fazer, e falta ainda o conselho e o juízo sábio da História que nós escrevemos, fundamentada na epopeia gloriosa de factos, que enchem e iluminam as suas numerosas páginas, nas quais vive e palpita o heroísmo e a glória de um povo educado no respeito pelo direito que governa o Mundo, de respeito pela humanidade, nas suas conquistas e nas suas liberdades, conscientemente, e através de tudo, definidas por nós.
Saberemos resistir firmemente a todos os ataques, repelir todas as afrontas, responder a todas as violências, afirmando os nossos direitos de Nação una, independei te, soberana, que através de gerações e de séculos desempenhou uma missão civilizadora, isenta de racismos, mas sublimada em sentimentos de fraternidade, agora esquecida por muitos, que não possuem espírito para a compreender, fingindo ignorá-la.
Há que agir dentro dos princípios fiéis à nossa tradição, dentro da dignidade e da honra, a que sempre rendemos culto, defendendo-nos das injustiças que nunca praticamos, e, sem trair nem mentir, levamos a a todos os continentes, sob a protecção divina, a seiva criadora e redentora de uma doutrina, com todos os seus princípios de tolerância, de bondade, de protecção, de caridade e de assistência, prestada e realizada devotadamente, não contando os sacrifícios, num desprendimento total da própria vida, salvando a do semelhante.
Hoje e sempre, neste capítulo como em tantos outros, demos lições de magnífico exemplo, lutando pela conservação da saúde humana, através de uma acção sanitária de grande alcance, fosse qual fosse a raça, adoptando perante o indivíduo branco, negro ou amarelo o cuidado e o rigor que a medicina e a assistência impõem aos seus praticantes.
É sobre este aspecto médico-sanitário que pretendemos, na hora em que campeia a mentira e o ódio, pervertendo caracteres, demonstrar o muito que se tem realizado em favor do nativo africano, assegurando-lhe a saúda na luta contra a doença, proporcionando-lhe, através dos meios rigorosamente científicos, as condições de robustez e resistência orgânica compatíveis com o exercício do trabalho, fonte resolutiva de dificuldades que o agregado familiar acusa em toda a parte.
Sr. Presidente: desde os tempos longínquos das descobertos e das conquistas que os Portugueses, sob a bênção da cruz, símbolo da fé emancipadora do espírito cristão, não esqueceram, como exemplar manifestação de fraternidade humana, o estabelecimento de hospitais e postos de assistência, numa demonstração de amor ao semelhante, actividade sanitária e acção espiritual, elementos perfeitamente identificados com a doutrina e a missão que a Providência nos outorgou.
A nossa acção sanitária no ultramar não se mede pela grandeza das suas instalações, já hoje em franco desenvolvimento. Mede-se, sim, pelo valor pessoal, pelo valor humano, daqueles que a praticam, numa acção protectora, orientadora e educativa, que desde remotas eras soubemos realizar.
E dentro de relevantes conceitos morais sempre seguidos, o conceito moderno da luta pela saúde contra a doença vem sendo promovido e traduzido em resultados de alta valorização individual e social.
Sr. Presidente: a criação, no alvorecer deste século, do Instituto de Medicina Tropical, inicialmente chamado Escola de Medicina Tropical, é facto que muito nos honra e enobrece, marcando na vida médico-sanitária das nossas províncias africanas acontecimento digno de ser lembrado no seu verdadeiro significado de manifesto interesse pelos problemas de saúde das populações indígenas africanas. Grande, notável, generosa, tem sido a actividade desse Instituto de alta e especializada cultura médica, por onde passaram mestres ilustres, que, na investigação e no ensino das matérias indispensáveis ao exercício da actividade médica ultramarina, souberam granjear respeito e admiração bem merecidos.
E hoje, como no passado, os eminentes cientistas que ali exercem o alto encargo da investigação e do ensino, obreiros de uma tão grande como nobilitante causa, continuam honrando a nossa actividade em terras distantes, prestigiando a escola onde proficientemente se estudam todas as matérias inerentes ao conhecimento especializado das doenças específicas dos indígenas, doenças próprias dos países quentes.
Depois de haver cursado as Faculdades de Medicina e Cirurgia e completado a especialização no Instituto de Medicina Tropical, ingressa nos quadros dos serviços do ultramar essa plêiade admirável de rapazes que, inteligente e conscientemente, de olhos postos no futuro da Pátria, no desenvolvimento do nosso ultramar, deixam a metrópole e vão fazer a ocupação sanitária das nossas províncias, dando ao serviço de assistência médica o desenvolvimento compatível com as necessidades requeridas pelo indígena africano, a quem nunca faltou a protecção que bem merece.
Pode afirmar-se que todos os médicos que ali se destinam souberam sempre cumprir, obedecendo escrupulosamente à doutrina em que se fundamenta o exercício da profissão, e perante a Assembleia Nacional lhes queremos manifestar o preito de justa gratidão que bem merecem.
As circunstâncias especiais em que presentemente vivemos impõem-nos o grato dever de envolver a todos no mesmo sentimento, mas seja-nos permitido destacar quem, mercê de qualidades e virtudes demonstradas como homem e como médico, atingiu, por direito de conquista, a mais elevada posição na hierarquia dos serviços de saúde ultramarina.
Quero, Sr. Presidente, pôr em destaque nesta hora, em que a gratidão é palavra vã e a razão e a justiça sentimentos perdidos e até escarnecidos no convívio das sociedades novas, a afirmação de que tais virtudes, com seu cortejo de predicados morais, viveram e continuarão vivendo no espírito dos que, como o médico Aires Pinto Ribeiro, atravessaram a existência fazendo larga sementeira de caridade e de bondade, no exercício da sua profissão, que aceita e pratica o nivelamento espiritual do homem, não atendendo à cor, à raça ou à riqueza.
Meia dúzia de palavras vamos proferir, lembrando essa figura insigne de médico que, em período que ultrapassou 35 anos, fez em terras de África, que tanto amou, uma obra de assistência de alta finalidade, onde o espírito científico vivia em plano de igualdade com o apostolado humano, a que ele se entregou generosamente, numa actividade onde brilhava a sua formação espiritual, que a técnica profissional jamais deformou.
Hoje, mais que nunca, homens de tão alta envergadura, como foi o Dr. Aires Pinto Ribeiro, que soube mandar, sabendo obedecer aos princípios em que fomos educados e pelos quais tanto nos empenhamos, lutando
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pelo bem do semelhante, pela causa do pobres e dos humildes, a quem dedicadamente serviram, merecem bem ser lembrados pelo exemplo que nos legaram.
O Dr. Aires Pinto Ribeiro, que se entregou inteiramente à vida de médico em terras de além-mar, pode e deve ser considerado como varão ilustre, que acima da Pátria coloca Deus e ao serviço de Deus e da Pátria terminou os seus dias em perfeita serenidade de consciência, após uma vida de trabalho exaustivo em holocausto da grei portuguesa.
Foi longa e proveitosa a sua actividade no desempenho de missões que lhe foram confiadas, cumprindo dedicadamente as obrigações inerentes aos problemas da saúde e da higiene, pelos quais tanto lutou, num apostulado constante em defesa dos que sofrem, dominados pela miséria e pela doença.
No desempenho da sua profissão, confundindo sentimentos de humanidade e caridade com as suas obrigações de clínico, nunca soube distinguir o pobre e o fraco do rico e do poderoso, grande divisa e símbolo de uma vida a praticar o bem.
Na ilha de Moçambique, onde iniciou a sua carreira de médico do ultramar, em Angoche, em Lourenço Marques, na chefia dos serviços de saúde de Moçambique, em Macau, onde exerceu chefia idêntica, e, finalmente, em Lisboa, como inspector superior dos Serviços de Saúde do Ultramar, o Dr. Aires Pinto Ribeiro nunca perdeu o sentido que sempre havia orientado o seu espírito, cumprindo e prestigiando a lei nas suas funções administrativas, sempre dentro de um critério social e humanitário digno do maior respeito.
Poderia ter legado aos seus pares uma obra compendiada do mais alto merecimento, visto possuir dotes excepcionais para o fazer, mas a sua obsessão pela clínica, em que consumia todo o seu tempo, não lhe dava o repouso e a tranquilidade necessários para lançar no papel toda a vasta soma de conhecimentos adquiridos em largos anos de actividade.
Os seus relatórios são modelo de clareza e de expressão, e através desses documentos se pode avaliar a exaustividade do seu labor.
Bastaria o seu Programa de Acção Sanitária e Profiláctica, publicado em 1956, quando director dos Serviços de Saúde de Moçambique, magnífico documento das directrizes a seguir para revigoramento e desenvolvimento das populações nativas, para conceder ao Dr. Aires Pinto Ribeiro um dos mais categorizados lugares no exercício da profissão médica.
Como definição clara do que poderiam e deveriam ser os serviços de saúde de Moçambique, dentro da organização de que dispunham, através de medicamentos, actos cirúrgicos, agentes físicos e conselhos e imposições higiénicos, afirmava o Dr. Aires Pinto Ribeiro:
Com estes meios podem os serviços de saúde exercer uma larga e útil acção em proveito da humanidade sofredora; mas não podem, de maneira efectiva e durável, curar e, ainda menos, evitar as doenças que os factores da miséria social geram e mantêm. Com efeito, o tratamento curativo e profiláctico destas doenças ultrapassa os meios de acção dos serviços de saúde, porque depende de toda a organização social: económica, administrativa, educativa, etc.
São, na verdade, de uma extraordinária eloquência estas afirmações, que definem, com todo o merecimento, dificuldades quase insuperáveis que ele venceu na prática do sacerdócio médico.
Para orientar em profundidade a sua acção, estudou as condições sociais em que viviam as populações nativas de Moçambique, mergulhadas numa ignorância que ele aponta como fonte de miséria e de doença, ignorância que, esclarecida, evitaria muitas e graves enfermidades.
A sua actividade não tinha limites, e o inquérito feito acerca da alimentação do indígena, numa pormenorização inteligente, demonstra o merecido interesse pela saúde do indivíduo.
Teve manifestações de extraordinário alcance, como foi a referente à água, como objectivo de higiene corporal, ao qual juntou a campanha em favor da limpeza do indígena, providenciando, através das autoridades administrativas, para que, dentro dos meios necessários, se ensinasse o processo simples de fazer sabão, cujo uso constituiu o mais eficaz e o mais económico método de limpeza.
Semelhante campanha, de efeitos magníficos, realizou-se à sombra de um conceito, afirmando que com mais asseio há mais saúde e menos doenças, o que é verdade incontroversa.
Neste pormenor, como em tantos outros de igual projecção, mostrou o Dr. Pinto Ribeiro o seu fino e desenvolvido espírito de observador, ligando às coisas que para muitos seriam pequenas a importância que não possuem outras apresentando extraordinário volume.
A nosologia da província ordenou-a o ilustre médico em duas categorias: doenças incidentais, como as doenças infecciosas que surgem episodicamente na vida do indivíduo, matam ou curam, não deixando geralmente taras orgânicas que venham prejudicá-lo, e doenças de acção permanente, aquelas que, durante largo período da vida, contribuem para o depauperamento da raça, sendo em muitos casos motivo de invalidez e noutros, por enfraquecimento do indivíduo, factores de aumento de receptividade para determinadas enfermidades graves.
Pertencem a esta, categoria a aucilostomose, a bilharziose vesical, as boubas, a lepra, às quais podemos juntar a sífilis e a tuberculose, que nos grandes aglomerados populacionais grassam já com certa intensidade.
Doenças parasitárias unias, microbianas outras, foram estudadas e tratadas pelo Dr. Aires Ribeiro, tirando do facto os melhores resultados, visto ter melhorado o aspecto físico da população, diminuído a morbilidade e a mortalidade, aumentado a natalidade, tornando fecundas mulheres que o não eram e diminuindo a mortalidade fetal.
São expressivos na simplicidade dos números os resultados colhidos na sua actividade clínica, verificados através de quadros, onde as percentagens falam com a maior clareza e a maior evidência.
A obra realizada pelo Dr. Aires Pinto Ribeiro é extraordinária, não cabendo o seu exame numa intervenção que não tem outro motivo a justificá-la senão a pública valorização da tarefa realizada em África por Portugal, tarefa que não nos envergonha e nos enobrece, excedendo em muito o que fizeram outras nações, dominadas apenas pelo egoísmo da ganância e da cobiça.
Não é na verdade este o lugar mais próprio para a exposição do que este homem realizou em terras africanas, equacionando e resolvendo dentro das suas atribuições problemas de assistência médica, de higiene, habitação, limpeza e vestuário, de alimentação, de protecção à economia familiar, e tantos outros, postos com evidente clareza e propriedade, por quem soube compreender as necessidades de uma população filha de Deus como nós o somos e que ele amou dentro das máximas do Evangelho.
Sei bem, Sr. Presidente, que estou a alargar demasiadamente as minhas considerações, mas nesta hora em que o mundo adverso, onde reina a mentira e a
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inveja, tem os olhos postos em nós, é preciso falar alto, numa demonstração de verdade que não admite tibiezas, pelo muito que fizemos, e continuamos fazendo, em favor dos portugueses africanos, a que estamos intimamente ligados pelo coração e pela alma.
Outros capítulos constitutivos do programa de acção sanitária e profiláctica, de que nos estamos ocupando, tratam com invulgar desenvolvimento e propriedade da ocupação sanitária, da assistência materno-infantil e da assistência aos alienados, exercida com o mesmo cuidado que lhe é dedicado na metrópole.
E ao lado desta acção, no combate às doenças parasitária, não suo esquecidas a sífilis, a tuberculose, a lepra, o sezonismo e a doença do sono, nem os meios para às atacar.
Toda esta acção profiláctica e curativa está bem dentro do âmbito da medicina, mas há que educar os indivíduos, quer pela palavra, quer pela escrita, visto que as regre s da higiene só poderão ser cumpridas por quem vive en certo nível e tenha possibilidades económicas dentro dos preceitos indicados.
É a educação remédio certo e resolutivo na grande maioria dos problemas de saúde, visto que em toda a parte a ignorância gera a pobreza, e da associação das duas resulta muitas vezes a doença.
Realizando uma grande parte do seu programa, sem vaidade, nem alardes, teve apenas a preocupação da melhoria da saúde para os povos de além-mar.
Muito lhe ficaram devendo a medicina tropical, exercida com a maior dignidade; a enfermagem, que ele carinhosamente protegeu e ensinou, e os doentes do nosso ultramar, que ocuparam totalmente o seu espírito e foram sua preocupação constante durante os 35 anos da sua actividade.
É curioso, Sr. Presidente, o que ele disse no discurso da sessão inaugural do I Congresso Nacional de Medicina Tropical, realizado em Lisboa de 24 a 29 de Abril de 1952, apreciando a obra efectivada pelo almirante Sarmento Rodrigues, nosso colega nesta Assembleia, durante a sua governação da província da Guiné, para o bem-estar físico e social dos seus naturais.
A súmula das medidas tomadas pelo ilustre marinheiro e homem público - generalização da assistência médica às populações, incitação e encorajamento ao combati; de doenças endémicas: a dracuntose, ancilostomose, febre-amarela e varíola; a vulgarização do uso de fossus sanitárias; a canalização de águas e levantamento de fontanários; a drenagem e enxugo dos pântanos; a construção de edifícios para moradias, enfermarias e postos sanitários; a recuperação de terras invadidas pelo mar; a difusão do uso do arado e do carro cie bois; a selecção de sementes para melhoria das colheitas; a construção de celeiros; a plantação e protecção às árvores úteis; a fomentação da criação de animais, domésticos; a construção de tanques carracicidas; melhoria das vias de comunicação terrestres, marítimas e aéreas, foram providências de alto valor social e económico que se reflectiram na valorização da saúde dos habitantes da Guiné e que muito honraram e dignificaram a tarefa ali realizada pelo almirante Sarmento Rodrigues.
Quem assim falou tinha autoridade especial para o fazer, visto ter do conceito moderno de saúde uma noção exacta.
Sr. Presidente: todos os Ministros que sobraçaram a paste do Ultramar e todos os governadores sob as ordens de quem serviu o Dr. Aires Pinto Ribeiro lhe renderem os louvores que lhe eram devidos.
Louvores que exprimiam a mais justa admiração e apreço pelo homem e pelo médico que, no desempenho das sues funções, soube agir sempre dentro do melhor espirite de colaboração, demonstrando altas qualidades de inteligência, de competência e dedicação pela causa que abraçou e defendeu, a causa da saúde pública, até ao limite das suas forças.
Eu, Sr. Presidente, como Deputado, como médico, e muito especialmente como português, que acima de tudo coloca e defende os gloriosos destinos da Pátria, rendo, na hora amarga em que vivemos, a mais sincera e expressiva homenagem a quem durante a sua vida soube generosamente cumprir o seu dever, nessa homenagem envolvendo todos os médicos que serviram no ultramar. E o Dr. Aires Pinto Ribeiro, médico notável que na eternidade goza o destino que Deus lhe deu, cumpriu e trabalhou sempre a bem da Nação.
Assim, Sr. Presidente, quero dignificar e honrar a memória de tão ínclito varão e de tão insigne português, que, como tantos outros, bem mereceu da Pátria.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O. Sr. Alberto Cruz: - Sr. Presidente: mais uma vez, e em poucas palavras, vou expor um caso que afecta a economia de Braga e cria um problema social de muito desagradáveis consequências.
Há muitos anos já, nasceu em Braga, por iniciativa de um industrial espanhol da Catalunha, já falecido, a indústria de cortadoria do pelos, continuada depois por seu filho, que goza na cidade de Braga das maiores simpatias, pelas suas qualidades morais e ainda pelas suas iniciativas industriais.
Essa indústria iniciou-se, pois, em Portugal na cidade de Braga e durante muito tempo teve lá a maior e mais bem apetrechada fábrica do género.
Em 15 de Setembro de 1943, pelo Decreto-Lei n.º 33 049, foi criada, em regime de monopólio, a Cortadoria Nacional do Pêlo, L.da, com sede em S. João da Madeira e uma secção em Braga. No decorrer dos anos foram inúmeras as tentativas de extinção dessa secção de Braga, prevista sòmente para quando se organizasse a concentração da indústria de chapelaria, com uma grande unidade em Braga e duas em S. João da Madeira, absorvendo aquela os operários da secção da cortadoria do pêlo, se, de facto, se justificasse a sua extinção. Mas a indústria de chapéus em Braga desapareceu e um silêncio profundo sobre o assunto faz prever não existirem prenúncios da sua ressurreição.
No dia 29 do corrente mês fecha definitivamente a secção de Braga da Cortadoria, facultando-se aos seus operários a sua transferência para S. João da Madeira, para o que lhes são concedidas grandes facilidades.
Quero esclarecer a Assembleia de que trabalham nessa indústria 112 operários, sendo 108 mulheres, das quais só 20 são solteiras, e destas só 2 não têm família a seu cargo. 24 das operárias são viúvas e muitas casadas têm os maridos doentes ou desempregados, pois vivem todas ou quase todas no infeliz bairro das extintas fábricas de chapéus. Neste bairro, a miséria trouxe consigo o alcoolismo e a doença, e é essa a razão do número apreciável de viúvas que tem de trabalhar para sustentar ou ajudar a sustentar o agregado familiar. A grande maioria tem idade superior a 45 anos, o seu trabalho tem sido reduzido a três dias semanais por largos períodos e o salário máximo auferido é de 18$ diários.
Já o relatório do referido Decreto-Lei n.º 33 049, de Setembro de 1943, o acentuava e reconhecia ser difícil ou impossível a transferência destes operários para S. João da Madeira.
Não vale a pena enumerar as razões de toda a ordem que obstam a essa forçada deslocação. E também não quero alongar-me em mais considerações.
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O que cruamente expus é suficiente para VV. Ex.ªs avaliarem da premente necessidade de acudir a esses pobres operários, que aguardam com ansiedade solução para a sua cruciante situação.
Enviaram uma exposição pormenorizada a S. Ex.ª o Ministro das Corporações, sempre solícito na defesa dos fracos e na aplicação da justiça social que informa a doutrina, do Estado.
E urgentíssimo achar solução que atenue a desgraça dessa, gente, e por isso termino com o pedido expresso pelos mesmos operários no final da sua exposição: ou manter em laboração a, secção de Draga, sob qualquer regime que não conduza, ao seu imediato encerramento, ou, se isso for impossível, que a entidade patronal assuma as responsabilidades do desemprego forçado de todos os operários que não podem deslocar-se para S. João da Madeira, com todas as consequências legais ou morais.
Ao ilustre Ministro das Corporações confio a solução urgentíssima do caso, que deve merecer todo o carinho, por se tratar de tão humildes operários, que auferem salários de miséria e aguentam a sua triste sorte com a maior resignação.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Sarmento: - Sr. Presidente: como português e ocidental, não posso calar mais tempo a minha indignação e repulsa pelos miseráveis e traiçoeiros ataques que, dos mais variados países, nos têm sido dirigidos. Como Deputado pelo círculo de Vila Real, sinto que atraiçoaria á boa gente da minha região se nesta Assembleia não proclamasse, em nome dela e no meu, que estamos prontos a todos os sacrifícios para repelir, por todos os meios ao nosso alcance, tudo aquilo que possa atingir a integridade da nossa pátria.
Portugal, no decorrer da sua tão longa e maravilhosa história, atravessou períodos críticos em que grande foi a risco de afundamento nacional; no entanto, todos eles foram atravessados e o povo português continua hoje firme e decidido a manter a integridade nacional. Tenho, por isso, a certeza, de que nesta viragem da história universal Portugal resistirá mais uma vez à grande crise que agora se inicia.
As crises do passado português foram principalmente motivadas por males internos, que dificultavam a aglutinação de todos os portugueses contra os inimigos da Pátria. Apesar disso, com a ajuda, de Deus e da parte sã da Nação, conseguimos vencê-los. Hoje a situação é bem diferente.
Por um lado, ainda existem traidores, e dos piores, que preconizam, aliados com os inimigos da Pátria, atentados terroristas como armas de guerra psicológica. Nesses atentados já se sacrificaram, com a mais requintada crueldade e hediondas mutilações, crianças e mulheres.
Perante tais processos, tenho a certeza de que todos os portugueses, que não sejam profissionais do crime ou sádicos tarados, se unirão num só bloco em volta do Governo na defesa da Pátria. Assim, tenho a certeza, poderemos vencer a grande crise que agora se desenha.
Felizmente há já muito que a lepra dos preconceitos democráticos (parlamentarismo, partidarismo, sufrágio universal, descontinuidade governamental, etc.), que vão desagregando as nações ocidentais, foi entre nós banida. Durante perto de um século, teimosamente tentámos cingir-nos a esse conjunto de ideias a priori que constitui o modelo democrático. A experimentação demonstrou, à custa das ruínas provocadas e do sangue vertido, que esse modelo não corresponde a qualquer possível realidade.
Por isso com lógica o abandonámos e enveredámos por uma senda assente em realidades político-sociais baseadas na experimentação, e não em ideias a priori vazias de significado real.
Estamos, portanto, em melhores condições para resistir ao embate ideológico do mundo comunista do que certas grandes e poderosas nações que, corroídas pela lepra dos preconceitos democráticos, abdicam e entregam Iodas as suas posições-chaves ao mundo comunista.
Sr. Presidente: o que se passa neste momento em todo o Mundo, e em particular naquelas partes que mais nos interessam, obriga-nos a profunda, reflexão.
De um lado vê-se um conjunto de povos comunistas unidos para a conquista do Mundo através da destruição da civilização ocidental. Se actualmente divergências existem entre eles, reduzem-se sobre a escolha do processo mais eficaz para a destruição do mundo ocidental. Um preconiza a guerra, o outro considera-a inútil. Infelizmente, se os grandes do mundo ocidental não arrepiarem caminho, o domínio mundial, sem guerra, pelo mundo comunista será em breve um facto.
E o que se vê do outro lado?
Um conjunto dividido de grandes nações orientadas por ideais democráticos que lhes não permitem enfrentar e deter a onda comunista. Dessas nações destacam-se, pela sua riqueza económica e pelo seu poderio militar, os Estados Unidos. Qual tem sido a eficiência da sua actuação na chefia da defesa da civilização ocidental? Infelizmente para nós, e para todo o mundo não comunista, toda a sua política tem tido como consequência um avanço do mundo comunista sobre as posições ocidentais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quais as causas de tais fracassos?
Deficiências natas do povo americano.? Não me parece; todos os povos têm qualidades e defeitos, e as qualidades dos Americanos superam bem os seus defeitos. Atribuo em grande parte as causas desse fracasso aos preconceitos democráticos que estão na base da sua formação.
Como luminosamente foi destacado há dias pelo Sr. Deputado Armando Cândido, dessa política resultam a entrega à Rússia, logo a seguir à guerra, das posições-chaves da defesa da Europa, depois foi a entrega do continente asiático à China comunista, em seguida a entrega do Norte de África à influência comunista, depois o abandono da Hungria, em seguida as incríveis complacências é sucessivas abdicações perante o momento fidelista, inicialmente acarinhado pelos próprios Americanos. E agora, para cúmulo da sua inacreditável política externa, o ataque feito na O. N. U. a Portugal, coligando-se com o seu maior inimigo, a Russia. E de facto de pasmar tanta falta de visão e deslealdade perante um aliado e amigo. Julgarão os Estados Unidos que a entrega do Centro de África, com o seu litoral, à influência comunista poderá deter a onda do imperialismo russo? Quanto mais se lhe der para devorar mais se estimula a vontade de comer.
O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!
O Orador: - Julgarão ainda os Estados Unidos que as bases que temporariamente lhes cedemos nos Açores já perderam todo o seu valor estratégico e que a posição da Península nada representa para a defesa do mundo ocidental?
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O procedimento da O. N. U. em relação às nossas províncias ultramarinas fomenta e origina, directa ou indirectamente, os morticínios do Norte de Angola. Poderemos nós calar perante tais crimes e complacências e considerar amigos aqueles que concorreram para tal? Ao menos os Russos, por serem inimigos declarados, nunca nos enganaram.
Sr. Presidente: a lepra dos preconceitos democráticos que correi as nações ocidentais instalou-se também nessa incrível organização, foco de perturbações, que é a O. N. U. Ela transformou-se num parlamento mundial em que os vícios do parlamentarismo, com todas as suas corrupções, baixezas e compromissos vergonhosos, se estadeiam à luz do dia. Grande parte dos seus membros representam países artificialmente formados, ainda há pouco tempo saídos do estado selvagem, sem civilização e sem história. Se um indivíduo para exercer os seus direitos políticos deve atingir a maioridade, como se justifica que os tais países acabados de nascer possam logo ter representação na O. N. U. em igualdade de votos com países de civilização multissecular? Não admira, pois, que a O. N. U. se tenha transformado num dos piores parlamentos do Mundo e num foco de perturbações.
Sr. Presidente: vou terminar. Tenho esperança que em breve, perante o descalabro do mundo ocidental, uma onda de bom senso ilumine as suas grandes nações e que estas, arrepiando caminho, saibam defender eficazmente a civilização cristã. Até lá, a Portugal e à Espanha, intemeratos defensores da civilização ocidental, compete-lhes aguentar firmes e sem desfalecimentos. Oxalá que o acordar do Ocidente se não faça esperar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar) e as da Junta do Credito Público relativas ao ano de 1959.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Galo.
O Sr. Vítor Galo: - Sr. Presidente, prezados colegas: não poderia, é por de mais evidente, como primeiras palavras, deixar de consignar aqui a expressão da minha mais sentida consternação pelo que se tem passado na O. N. U. e fora dela relativamente à integridade de Portugal. ])e consternação, sim, pois, em boa verdade, ou os países que nos têm atacado, por palavras ou por incitações, ou por umas e outras, não estão à altura da sua missão de nação (não devendo, então, ter-lhes sido outorgado o estatuto da independência - com toda a longa teoria de responsabilidades daí decorrentes - nem o ingresso na referida O. N.º U.), ou, embora tendo dado já algumas provas de maturidade, ai ida que professando discutíveis ideais ou desígnios, estão ignorantes (ou portam-se como tal) de toda uma das mais belas páginas da História da Humanidade, que Portugal escreveu e mantém galhardamente, através dos séculos, por obra constante dos seu» santos e heróis, dos seus sábios e estadistas. Páginas que, inconfessàvelmente, voltam, sem embargo de serem património de todos, porque Portugal oferece sempre à Humanidade o fruto intacto do seu labor honrado e exemplar; páginas que voltam, mas que todo este admirável e portentoso alvoroço que se ergueu do Minho a Timor se encarregou de repor sob os olhos de todos os cantos do Mundo. Infelizmente, não estamos em tempo que nos permita dizer pura e simplesmente; «Deixemos passar a caravana!».
É que toda a prudência (que se chama também «sabedoria») terá de ser o nosso alimento do dia a dia, porque as armadilhas sucedem-se. Mas os Portugueses de todo o Mundo saberão vencê-las - na inspiração do exemplo soberbo, nobre e tenaz dos patriotas insignes que têm esmaltado e esmaltam ainda a nossa história!
Sr. Presidente: dizia-me, há pouco um amigo (pie muito prezo que uma proposta de lei de meios, ou uma apreciação das Contas Gorais do Estado, quando na sua discussão, ambas permitem que se fale de tudo, desde que concernente ao bem comum. Ou seja: porque se está - quando o país é, como o nosso, um país de bem - no pressuposto de que uma lei de meios é proposta e votada, unicamente tendo-se em vista as superiores interesses da comunidade ou porque se sabe de antemão que a execução orçamental se processou exactamente no mesmo sentido.
Posto o que irei permitir-me considerar uns casos que suponho terem algum interesse para o bem comum. Antes, porém, direi que começo por dar às Contas do Estado de 1959 (metropolitanas e ultramarinas) o meu voto de aprovação, mus termos exactos que a nossa apreciação foram dados nos sempre substanciais e magníficos pareceres de que foi relator ilustre o nosso prezado colega Eng.º Araújo Correia.
Sr. Presidente: o erguimento da economia nacional encontrará, sem dúvida, um dos seus fulcros de base na reorganização e no fomento das nossas indústrias. Neste binário estão couve libradas enormes esperanças - até porque servirá de sólido apoio a muito daquilo que desejamos seja concedido ao teor da vida nacional. Ora acontece que os problemas que envolverão o fomento económico pela via industrial - independentemente de este partir da reorganização das industriais existentes ou da criação de novas indústrias, ou das duas simultaneamente - são tão grandes, incluindo o «caso social», que se torna imperativo que o que está decidido fazer-se, em matéria de reorganização e de fomento e criação, seja feito com a máxima, urgência. Mesmo para que mais rapidamente possamos enfrentar os restantes problemas (volto a dizer: incluindo os «sociais»), que rodearão o erguimento económico do País, dado que tudo tem como um dos seus objectivos mais agudos o opormos resistência adequada às arremetidas da concorrência estrangeira na decorrência da integração de mercados em que estamos envolvidos ou em que nos iremos envolver - para já, a Associação Europeia de Comércio Livre. Temos de arrumar muito do que respeita intrinsecamente às questões fabris, para podermos enfrentar melhor (e a curto prazo) tudo quanto, em matéria de tensões sociais, possa emergir daquelas questões. E referir-me-ei a certas conclusões extraídas do Colóquio sobre a posição de Portugal (perante a cooperação das economias europeias, promovido pela Associação Industrial Portuguesa.
Quem assistiu a esse Colóquio teve ensejo de apreciar um curto mas notável trabalho do Sr. Dr. Sedas Nunes, categorizado assistente do Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (trabalho a que deu o título de «Dois Aspectos da Modernização da Economia Nacional»). Nesse trabalho lê-se: «O desenvolvimento industrial do País é susceptível de, só
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por si, provocar alterações sensíveis nos condicionalismos básicos de que a coesão social depende». Realmente, assim é. E temos de concordar com a sua asserção de que o processo de industrialização, quando no seio do regime de livre empresa, não pode deixar de ser acompanhado, em termos de causa e efeito, «por uma difusão de espírito aquisitivo e de aspirações ao bem-estar material» - exactamente, Sr. Presidente., uma difusão que vai atingir iodas as camadas sociais, «Sendo as mais modestas influenciadas pelo contrato directo ou indirecto com os padrões de existência, em via de elevação incessante, das mais favorecidas». Vejamos, porém, que, ao mesmo tempo (assevera o Sr. Dr. Sedas Nunes), as nenessàriamente fortes exigências de poupança e de investimento que não deixarão de se impor à economia nacional, com vista ao seu próprio desenvolvimento, postas ao lado de certas deficiências estruturais - tudo isso leva, sem dúvida, a admitir que a expansão do consumo, popular dificilmente poderá acompanhar o crescimento das aspirações das correspondentes camadas sociais. «É lícito, então, prever um processo de acumulação de insatisfações notoriamente desfavorável á coesão social. Mas sucede que os imperativos da reorganização vêm ainda, segundo parece, afectar mais intensamente esses condicionalismos...» - e são apontados vários argumentos e problemas para os quais me permito chamar a esclarecida, atenção dos prezados colegas que a possam dedicar a esse trabalho do Sr. Dr. Sedas Nunes que não citarei agora para não me alongar. Conclui o autor dizendo que, como é óbvio, cabem à política industrial e à política social papéis fundamentais no campo da resolução de tantos e tão agudos problemas. «Quanto à política industrial, o seu papel cumprir-se-á através, principalmente, da orientação e, coordenação dos estudos e projectos de reorganização de indústrias...».
Ora, Sr. Presidente, no que se refere a tais estudos e projectos e para que mais rapidamente nos ponhamos em condições de enfrentar os próprios casos dos problemas sociais, decorrentes principalmente da reorganização industrial, preciso se torna que estudos, relatórios e inquéritos não se façam esperar e que muito urgentemente passem a constituir uma das estruturas postas ao serviço do Governo para as suas providências decisivas. E não resisto à tentação de citar aqui o que, na sua lapidar Linha de Rumo, escreveu o Sr. Prof. Eng.º Ferreira Dias Júnior, ilustre Ministro da Economia: «Tem mais de um século a ideia de fazer em Portugal inquéritos industriais; e, embora retomada frequentes vezes, neste longo período, com o Louvável intuito de orientar a política industrial do Estado, não creio que. dela tenha, saído até hoje um resultado francamente útil». Isto foi escrito em 1945. E vemos uma história dos inquéritos, desde 1814, ano este em que se tentou o primeiro inquérito com aspecto oficial, executado pela Real Junta de Comércio, Agricultura, Fabricos e Navegação, seguindo-se-lhe outras tentativas ou ordens de inquérito em 1839, 1852, 1800, 1881, 1889-1890, 1907-1912, 1916-1926, 1931 e 1941. E já em 1954, quando se publicou o Decreto-Lei n.º 39 634 (que regulamenta a Lei n.º 2052, a. chamada «lei de condicionamento industrial»), nele se fala. ainda da «ausência de inquéritos e outros elementos indispensáveis de estudo».
Pois bem, Sr. Presidente: o Conselho Económico, na sua reunião de 3 de Março último, ocupou-se já dos trabalhos preparatórios do III Plano de Fomento - e bem fez pensando neste assunto, mesmo sabendo-se que estamos ainda, praticamente, a uns quatro anos do termo da execução do II Plano. Encontramo-nos, como se sabe, em trabalhos de realização e publicação de inquéritos industriais, por distritos. Certamente iremos ficar com elementos mais vastos, que constituirão campo exploratório de maior interesse do que tudo quanto havia ou há para estudo de medidas algo adequadas às circunstâncias - embora o número de anos que decorrerão desde o ano de início ou de incidência dos inquéritos até à publicação das grandes sínteses em escala nacional não seja nada pequeno (nunca menos de cinco ou seis anos, talvez, o que é muito em conjuntura grave como a que estamos a atravessar). Claro que se dirá que, não havendo quase nada com relevância anteriormente, tinha de ser assim - o que fará dizer-se também, desde já: é pena que assim seja, pois estamos todos lançados numa corrida tremenda!
O primeiro distrito a ser inquirido foi o de Beja - incidindo o inquérito sobre o ano de 1957. E a respectiva publicação traz a data de Novembro de 1958. Por sua vez, o último distrito cujo inquérito está publicado é o de Braga e incidiu sobre o ano de 1959, trazendo a respectiva publicação a data de Janeiro já deste ano de 1961. Falta a publicação dos inquéritos dos distritos de Aveiro, do Porto e de Lisboa, os quais, havendo incidido, ao que se julga saber, sobre o ano de 1959, estarão publicados, pelo menos os do Porto e de Lisboa, lá para fins de 1961, se não em princípios de 1962 - e talvez só para 1963 venham a ser publicados os anunciados volumes que conterão os resultados e quadros-resumos à escala nacional, extraídos dos volumes distritais. Isto é: entre o primeiro ano (incidência de inquérito no distrito de Beja) e o último (resultados e quadros-resumos) teremos uma meia dúzia de anos.
E vejamos uns inconvenientes disso. O inquérito industrial ao distrito de Bragança incidiu sobre o ano de 1958, mas podia ter incidido sobre o de 1957, como aconteceu a outros (Beja, Castelo Branco, Évora, Faro, Portalegre e Setúbal). E que teria sucedido se, em vez de 1958, tivesse sido 1957 o ano escolhido? Sucederia, pelo menos, o seguinte, desde que tomemos o volume Estatística das Instalações Eléctricas de 1958: no que respeita à energia hidroeléctrica nesse ano, o distrito de Bragança - o distrito considerado «o mais pobre» do continente - tem a posição absoluta e relativa que iremos ver. Se considerarmos os níveis de consumo e de consumidores de energia eléctrica (com exclusão da energia produzida particularmente), teremos os seguintes quadros:
Consumo em 1958
[ver tabela na imagem]
Número de consumidores em baixa tensão em 1958
[ver tabela na imagem]
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Tudo isto é de baixo nível - o se nos reportarmos especialmente ao número de consumidores, então veremos que é exactamente o mais baixo de todos os distritos do continente.
Até aqui vemos o distrito de Bragança ocupar o lugar que lhe costuma estar atribuído, com enervante regularidade, no quadro das coisas económicas em geral. Mas - e queria chegar a este ponto - se passarmos à produção, teremos:
Potência instalada (serviço público) em 31 de Dezembro de 1958
[ver tabela na imagem]
Isto é: por distritos, o de Bragança ocupava exactamente o 2.º lugar, logo a seguir ao de Santarém.
Produção (por centrais de serviço público), em 1958
[ver tabela na imagem]
Nos casos ligados à produção o distrito de Bragança ocupava o 1.º lugar (produção) e o 2.º (potência instalada) quanto aos distritos continentais. Os 19,3 e 17,5 por cento representam marcas notáveis - dado que o distrito de Bragança em mais nada de peso tem esta percentagem ou ocupa um 1.º ou 2.º lugar, salvo em prédios rústicos, nalgumas espécies de árvores de fruto, de gado, no centeio e na batata. E, evidentemente, salvo nos casos das suas gentes, casos com os quais faz brilhante figura na primeira linha do fidalgo trato do cavalheirismo nacional - honra seja reconhecida e dada ao distrito. Sou insuspeito, pois nasci no distrito de Leiria ... Ora vejamos o que no conjunto dos elementos inquiridos ficaria a ser um factor de perturbação, quando se quisesse comparar o distrito de Bragança com outro ou outros distritos do continente, se o ano da incidência do inquérito tivesse sido o de 1957, em vez do de 1958. Para já: a potência instalada e a produção de energia eléctrica eram naquele distrito inexpressivas. É que exactamente em 1958 entrou em marcha o aproveitamento hidroeléctrico do Picott (Miranda do Douro, distrito de Bragança), aproveitamento que forneceu á base das considerações feitas ate aqui quanto ao teor eléctrico desse distrito (potência instalada, produção e consumo). Mas vejamos o resto que decorre do caso.
Tomemos os inquéritos já publicados (que incidem sobre os mós de 1957, 1958 e 1959 e que respeitam a todos os distritos do continente, com excepção dos de Aveiro, Porto e Lisboa). E, para facilitarmos as considerações, tomemos todos os estabelecimentos industriais inquiridos (com unia ou mais pessoas no trabalho, em cada estabelecimento). E suponhamos, também para a mesma facilidade de considerações (e até porque não seria possível fazer-se de modo diferente), que
todos os distritos haviam sido inquiridos com incidência no mesmo ano - o de 1958. Virá:
Inquéritos publicados (todos os estabelecimentos)
Capital fixo existente no fim do ano
[ver tabela na imagem]
Mas se tirássemos ao capital fixo existente no distrito de Bragança o que respeita ao aproveitamento do Picote - isto é: 652,5 milhares de contos -, então o quadro passaria para:
[ver tabela na imagem]
o que daria uma ideia diferente do que se passava em matéria de capital fixo existente, desde que se tivesse feito incidir (como poderia ler acontecido) o inquérito sobre o ano de 1957, e não sobre o de 1958.
Considerando apenas o próprio distrito de Bragança, teríamos:
Capital fixo existente: Milhares de contos
Com o Picote .............. 837,3
Sem o Picote .............. 184,8
o que poria esse capital fixo existente, sem o Picote, em apenas 22,1 por cento do total considerado em 1958.
Tudo isto nos daria, prestados colegas, se considerássemos mesmo tudo o mais que decorre dos inquéritos - nos valores absolutos e nas expressões relativas -, nina panorâmica económica, em 1957 muito diferente da de 1958. E as considerações que foram feitas para o capital fixo existente poderiam fazer-se para os valores bruto e líquido da produção, para o número de pessoas no trabalho e dias de trabalho havidos, para as produções bruta e líquida por estabelecimento, por dia de trabalho, por pessoa e por unidade de capital fixo existente, para a remuneração ilíquida por estabelecimento, por pessoa, e por dia de trabalho, etc. - para tudo, enfim, aquilo que nos pode dar a nota mais ou menos saliente da produção e da produtividade. Isso, Sr. Presidente, nos dará também a ideia do quanto de perturbação pode um simples desfasamento de um ano provocar no observador interno ou externo das questões da economia regional em face da economia nacional, ou da economia nacional em face da economia conjunta dos agrupamentos internacionais em que estejamos integrados.
Nenhuma, porém, destas perturbações nos conjuntos se verificaria se, do início à publicação final dos inquéritos em resultados e quadros-resumos à escala nacional, em vez de levarmos cinco ou seis anos, levássemos apenas um ano - ou, o que poderia dar uma panorâmica lambem homogénea, se os inquéritos se realizassem efectivamente na consideração do mesmo ano (tão próximo quanto possível da actualidade), embora fossem publicados com um atraso de um ou dois anos.
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A homogeneidade por simultaneidade do tempo daria outro valor às observações à escala nacional, como é óbvio.
Apontei o caso do distrito de Bragança porque este se prestou bem a estas considerações - infelizmente, porque foi na sua condição de distrito pobre que a tal se prestou (prouvera a Deus que irão!). Porque, se é verdade que num distrito altamente industrializado o caso não deixaria de ficar um tanto diluído no conjunto geral dos elementos inquiridos - já o mesmo se não dá com um distrito fracamente industrializado, fracamente dotado com outra massa passível de inquirição.
Sr. Presidente: cabe aqui uma sugestão: a de que o sempre prestimoso Instituto Nacional de Estatística seja dotado de meios suficientes para ter um repositório permanente de elementos e de sínteses de inquéritos e expressões dinâmicas das evoluções supervenientes de qualquer ordem. O actual inquérito industrial, como ponto de partida já para aquele repositório e para aquelas sínteses dinâmicas, teria sido de muitíssimo maior utilidade, mesmo com as demoras com que se arrasta (e se arrasta, não por falta de competência técnica, mas sim de meios materiais, pode dizer-se), se fosse realizado há anos. Ter-se-ia, pelo menos, feito já uma síntese que proporcionasse uma visa o panorâmica do conjunto, mas sem as premências angustiantes do momento que passa. E hoje - e sempre que necessário - seria anais fácil uma útil actualização de números ou curvos de qualquer espécie, para ficarmos à altura das circunstâncias. Hoje, quando já se desenvolvem as forças, as tensões (e grandes que elas são!), da cooperação das economias europeias (de que somos uma das rodas - grande ou pequena, não importa - sujeitas a todos os impulsos dessa cooperação), quando, essas forças, essas tensões, se desenvolvem, ainda estamos muito longe da conclusão dos inquéritos industriais aos- principais distritos, Lisboa e Porto, estando talvez próxima a do de Aveiro. Melhor dizendo: longe da sua publicação.
De resto, vou chamar em meu auxílio pensamentos e expressões do nosso ilustre colega Eng.º Araújo Correia, pensamentos e expressões que corroborarão, felizmente, o meu ponto de vista.
No parecer sobre as contas de 1950, diz o nosso prezado colega Eng.º Araújo Correia: «As funções confiadas ao Instituto Nacional de Estatística tornam-se cada vez mais importantes e de alta projecção no futuro desenvolvimento económico do País. É indispensável dotar convenientemente os seus serviços, de modo a aperfeiçoar os elementos estatísticos em que se baseiam hoje as estimativas do produto nacional bruto, do rendimento nacional, da despesa nacional e todas as indispensáveis à boa administração pública.» ... «É certo que a maior parte dos governos dos países civilizados baseiam hoje a sua administração em elementos que lhes são fornecidos por departamentos altamente especializados na colheita e manipulação da estatística. É deveras complicada a matéria, e os problemas de colheita e de interpretação requerem pessoas estudiosas, imparciais e treinadas convenientemente. Há necessidade de evitar a contínua rotação de elementos de trabalho que, uma vez quase treinados e conhecedores dos problemas, deixam o serviço para obterem mais rendosas colocações fora dele. O problema tem pois, de ser ponderado e visto à luz da economia nacional.»...«... parece ser de interesse reforçar as dotações da estatística». E, a terminar a alínea dedicada, ao Instituto Nacional de Estatística. «São, sem dúvida., altamente reprodutivas as verbas gastas no seu aperfeiçoamento, quanto mais não seja pela segurança com que podem ser delineadas medidas de governo».
Ora, Sr. Presidente, em 1955 os encargos com o Instituto Nacional de Estatística foram de 13 386 contos. E, como em 1956 os vimos em 14 266 contos, parecia que se enveredava por um desenvolvimento dos encargos (desenvolvimento que seria muito louvável). Mas logo em 1957 desceram para. 10 453 contos, o que certamente deve ter alarmado o nosso ilustre colega Eng.º Araújo Correia, que escreveu no relatório das respectivas contas públicas: «Considerando os elementos ao dispor deste Instituto, pode dizer-se que ele tem produzido obra muito útil». Nesta frase vai louvor e vai também a ideia, de que poderia dar-se ao Instituto elementos de acção -pessoais e materiais- mais amplos. E quando escreveu: «Recomenda-se o auxílio indispensável no sentido, de aumentar as possibilidades de obter os resultados satisfatórios de um inquérito industrial como o que foi iniciado pelo Instituto...» (estava-se na inquirição dos primeiros distritos do continente) - quando escreveu isto, o relator deve ter reparado já na circunstância (que ainda hoje em praticamente nada se modificou) de as despesas que se têm feito com o Instituto virem sendo as mesmas de há muitos anos para cá.
Ora, em boa verdade, Sr. Presidente, no capítulo da qualidade, ninguém pode ter dúvida quanto ao pessoal que trabalha, no Instituto Nacional de Estatística. Sobejas provas dessa qualidade temos tido. Mas em matéria de quantidade de pessoas e de meios materiais postos à sua disposição, já aqui me parece que estamos em falta. Dizem-no, inclusivamente, os espaços em branco que notamos em inúmeras folhas fundamentais das estatísticas mundiais ou simplesmente europeias - estas últimas emanadas de organismos em que Portugal está integrado há bastantes anos. Assim, tenho a honra de, como Deputado e até, se tal me é permitido, pela Corporação da Indústria (uma corporação que, mesmo pelas injunções da recente criação do Conselho Técnico da Indústria, cujas funções consultivas serão de grande e imediato alcance, e pela atribuição à Corporação de fartíssima parte da competência que cabia ao extinto Conselho Superior da Indústria, é talvez a corporação que terá de estar mais atenta às «tensões sociais» a que já me referi), tenho a honra - dizia - de expressar o voto esperançoso e muito caloroso de que o Governo ponha (para mais agentes e mais meios materiais convenientes e adequados à urgência requerida pelas circunstâncias) à disposição do Instituto Nacional de Estatística os fundos
necessários.
Sr. Presidente, prezados colegas: falar das Contas Gerais do Estado é pressupor - ou, antes, é ter no pensamento- as do ultramar; e falar destas é trazer prementemente ao nosso pensamento essa admirável província de Angola, cujas provações são provações de todo o País. E falar de Angola, ou das suas contas, é fazer vir, por sua vez, ao nosso pensamento essa grande riqueza que é o seu café, cujas terras de cultura foram imensamente envolvidas pelos trágicos acontecimentos que nos têm trazido amargurados - ainda, que sempre confiados na- justiça imanente da Providência e da própria História, que cedo nos dará razão quanto à fé imensa que temos no reconhecimento final e firme dos direitos morais e de qualquer outra ordem que assistem àquela jóia das glórias nacionais de continuar a ver-se contida na pátria que tem como símbolo sagrado a bandeira das quinas - a nossa bandeira. E falar-se do café de Angola é trazer, finalmente, ao nosso pensamento os problemas que; estão a envolver essa famosa rubiácea - que é bem um suporte magnífico das receitas gerais angolanas, para as suas finanças, para a sua balança comercial e para os movimentos do seu corpo cambial.
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Como profissão de fé inquebrantável na maneira séria como as contas ultramarinas têm sido conduzidas e conferidas, na sua execução e na sua prestação ao visto competente - aqui sou a expressar o meu grato voto de conformidade às contas ultramarinas de 1959 (aliás, o dera já - e às da metrópole - logo no limiar destas minhas modestas considerações). E, a par disso, vou permitir-me abordar algumas das facetas que apresentam as "coisas do café angolano", fazendo-o porque, repito, considero este produto como um dos factores fundamentais da fortuna, de Angola e, portanto, como um dos factores da possibilidade de esta grande parcela portuguesa ter contas de alto interesse. E, posto isto, entrarei na matéria.
Sr. Presidente: a sessão que se realizou nesta Assembleia em 24 de Fevereiro último foi preenchida, entre o mais, pela questão do café de Angola, tratada pelo nosso ilustre colega Dr. Bagorro de Sequeira, que à mesma soube dar o tom suficiente do alarme que está a causar no espírito de todos aquilo que se passa com, exactamente, o mais representativo produto das exportações portuguesas - considerados todos os mercados - de há boa dezena de anos: o café angolano.
Porque assim é, vou permitir-me dar à generosa atenção de todos os meus prezados colegas algo do bastante que tenho aprendido com a convivência íntima que de há mais de vinte anos tenho com João Ildefonso Bordalo, grande defensor dos interesses angolanos, citado na oportuna e útil intervenção a que aludi, e cujo substancial livro Em defesa da Economia Nacional é, principalmente, um livro de imenso e útil combate a favor do café de Angola.
Sr. Presidente: ocorre-me perguntar se a economia cafeeira angolana, nos aspectos fundamentais da exportação do produto,- está em condições desafogadas. Responder-se-á, sem dúvida, que não está. Muito longe disso, até. Os números que irei citar o confirmarão.
Realmente, Angola tem exportado o seu café verde para todo o Mundo segundo o quadro a seguir:
Toneladas
Média anual de 1951 a 1954 ...... 57 325
Média anual de 1955 a 1958 ...... 76 146
1959............................. 89 186
o que nos diz que houve um aumento na tonelagem exportada de 56 por cento de 1951-1954 para 1959. Vejamos, porém, os respectivos valores. São eles:
Milhares de contos
Média anual de 1901-1954...... 1 472
Média anual de 1955-1958...... 1 468
1959 ......................... 1 390
o que revela ter havido uma diminuição de cerca de 6 por cento, quanto a valores, de 1951-1954 para 1969. E isto quer dizer que o preço de cada tonelada exportada desceu drasticamente no decurso daqueles períodos. Desceu exacta e sucessivamente de 25,7 contos por tonelada para 19,3 e para 15,6! Uma descida no preço unitário da ordem dos 40 por cento! Mas, se a posição geral do caso é desagradável, não menos o é quando se considera, o caso especial da metrópole perante o café verde que compra em Angola. De facto, as vendas de café verde por Angola, à metrópole mostram-nos o seguinte quadro:
Toneladas
Média anual de 1951-1954... 9 595
Média anual de 1955-1958... 9 991
1959 ...................... 9 710
isto é: um aumento entre os períodos extremos, de apenas 1 por cento. Contudo, os valores dão-nos, para os mesmos períodos:
Milhares do contos
Média anual de 1951-1954 .. 164
Média anual de 1955-1958 .. 168
1959 ...................... 144
o que significa uma descida nos valores de mais de 12 por cento. E isso diz-nos que a tonelada de café verde foi exportada por Angola para a metrópole a um preço médio que passou de 17,1 contos para 14,8.
É claro que podemos ir mais longe nestas considerações, entrando no campo das chamadas a razões de trocas gerais e especiais (nestas últimas utilizando exactamente o termo café verde). Se considerarmos o valor de todas as mercadorias exportadas e importadas por Angola, virá:
Exportações totais de Angola para todo o Mundo:
Milhares de contos
Média anual de 1951-1954 ... 3 108
Média anual de 1955-1958 ... 3 286
1959 ....................... 3 587
isto é: houve um acréscimo, entre os períodos extremos, de uns 15 por cento.
Importações totais por Angola de todo o Mundo:
Milhares de contos
Média anual de 1951-1954 ...... 2 499
Média anual de 1955-1958 ...... 3 281
1959 .......................... 3 768
o que significa ter havido, entre os períodos extremos, um acréscimo de uns 51 por cento. E ficaremos a saber que o coeficiente de cobertura das importações pelas exportações desceu de 124 por cento para 95 por cento. Porém, se entrarmos em linha de conta com a tonelagem movimentada, teremos:
Valor de 1 t exportada por Angola:
Contos
Média anual de 1951-1954 .. 6,2
Média anual de 1955-1958 .. 4,9
1959 ...................... 3,6
o que nos diz ter havido uma descida, entre os períodos extremos, de 42 por cento, algo promovida pelas grandes exportações que têm sido feitas ultimamente de minério de ferro, cujo preço unitário é, como se sabe, baixo.
Valor de uma tonelada importada por Angola:
Contos
Média anual de 1951-1954 ..... 6,6
Média anual de 1955-1958 ..... 7,5
1959 ......................... 8,7
isto é, um aumento, entre os períodos extremos, de cerca de 32 por cento! Então, o coeficiente de cobertura de 1 t importada por 1 t exportada desceu de 74 para 42 por cento.
E, nesta ordem de ideias, passemos às exportações e importações angolanas com referência à metrópole. Teremos:
Exportações totais de Angola para a metrópole:
Milhares de contos
Média anual de 1951-1954 .. 609
Média anual de 1955-1958 .. 615
1959 ...................... 653
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o que dá um aumento, entre os períodos extremos, de uns 7 por cento.
Importações totais por Angola da metrópole:
Milhares de contos
Média anual de 1951-1954.... 1204
Média anual de 1955-1958.... 1504
1959 ....................... 1754
a significar um aumento, entre os períodos extremos, de uns 46 por cento! O coeficiente de cobertura das importações pelas exportações desceu de 51 para 37 por cento.
Ora, Sr. Presidente, perante tudo isto, como responde a metrópole? Bebendo café? Não! Bebendo, sobretudo, sucedâneos! Vejamos se assim é ou não. Os números têm, muitas e muitas vezes, o mérito da qualidade a juntar-se à secura da mera quantidade... Há disposições superiores que determinam - não é apenas consentir, mas sim obrigar - que, na metrópole, os retalhistas de mercearia e equiparados tenham sempre à venda o chamado lote popular, com apenas 20 por cento de café, ficando os restantes 80 por cento preenchidos por sucedâneos (em que pontificam a cevada, a chicória e o grão preto)! Tudo isto a lembrar-nos essas bebidas suspeitosas que bem conhecidas se tornaram (e ainda o são ...) com os nomes de: café das senhoras, café da saúde, café dos pobres - que, em matéria de café, brilhavam pela quase nula presença deste (é o caso do lote popular de agora...).
Portanto, prezados colegas, o que acabei de referir diz-nos claramente que os sucedâneos estão em festa - estão em apoteose! Cabe à Junta de Exportação do Café - que tem ligações com os Ministérios do Ultramar e da Economia - tratar do café e deixar os sucedâneos entregues aos cuidados de qualquer outra entidade que nada tenha com o café! Que diríamos nós se víssemos a Junta Nacional do Vinho promover qualquer «arranjo» que obrigasse as casas de venda de vinhos a terem, para poderem vender o vinho, uma mistura que o menos que tivesse fosse vinho? Bem me parece que a economia angolana merece de todos nós um esforço decidido em seu favor. E tratar-lhe com amor o seu café pode representar bem a medida desse esforço. Principalmente porque o quadro de mercados consumidores do café angolano tem uma diversificação geográfica pouco acentuada e, sem dúvida, desagradável. Realmente, o café de Angola tem o seguinte quadro de mercados, em percentagem e na respectiva evolução:
[ver tabela na imagem]
Isto é: dos mercados indicados todos desceram, com excepção do conjunto Estados Unidos-Holanda - conjunto este que de ss por cento no 1.º quadriénio passou para 81 por cento de todo o café exportado por Angola em 1959! Uma descida enorme do conjunto metrópole-resto do Mundo, que de 45 por cento no 1.º quadriénio passou para uns simples 19 por cento em 1959! Suponho que é de alarmar esta fraquíssima diversificação dos mercados consumidores do café de Angola. É que, no caso especial dos Estados Unidos, bem sabemos que este grande mercado adquire café Robusta (de longe o de maior produção em Angola), porque este lhe fica mais barato para a formação de lotes. Ficou-lhe esse hábito sobretudo de quando, por forte injunção interna dos preços máximos (ceiliny prices), nos princípios da década de 50, eram os distribuidores norte-americanos obrigados a comprar mais barato para não se ultrapassar a margem de lucro permitida entre o café em verde e o torrado - pois os maiores, importadores são os torrefactores e distribuidores. Tudo até porque o café Robusta entra nos lotes com cafés mais caros sem lhes alterar o aroma e outras características, dada a sua completa neutralidade. E que esse hábito muito aproveitou a Angola, aí estão as compras estado-unidenses de café angolano, que bem o demonstram: nos oito anos de 1944 a 1951, a média anual de café verde vendido por Angola aos Estados Unidos foi de 11 056 t; e nos oito anos seguintes (1952 a 1959) essa média passou para 33 619 t. Em 1959 o total foi de 53 099 t. Que lhe fica mais barato até o diz o bem conhecido, slogan usado durante anos na sua propaganda do café português pela Junta de Exportação do Café em revistas norte-americanas da especialidade: «Os cafés africanos portugueses baixarão o custo dos lotes», slogan que (como já a cantar-se vitória, certamente porque se considera o nosso Robusta angolano o melhor do Mundo - e parece que é verdade) vejo agora mudado (suponho que a partir de 1958) para outro, que é: «Prefira, importe, compre e beba o café português de Angola, Cabo Verde, etc.», slogan, este último, que não sei se será melhor do que o anterior, mas que talvez seja, porque não seria de ânimo leve que se deixaria uma fórmula que. já tinha muitos anos (e tudo levando a crer que muito felizes) por outra que não difere de tantas e tantas outras que andam por esse mundo dedicadas aos mais variados produtos, uns de qualidade, outros sem qualidade nenhuma.
Posto isto, Sr. Presidente, bastará que, num daqueles aparatosos auxílios que os- Estados Unidos muitas vezes promovem, surja um crédito especial para compensação de preços (artificializando-se, mesmo, o preço médio do café Arábica da América Latina até ao preço real do Robusta, africano) - bastará isso para que a corrente aquisitiva cesse quanto aos últimos, ficando o café de Angola (e outros produtos africanos, evidentemente) sem esse enorme mercado. E ocorrerá perguntar: terá essa operação de pan-americanismo algo de fantasioso, do ponto de vista financeiro? Veremos que não.
Realmente, se tomarmos como suficiente o ano de 1959, veremos que os Estados Unidos compraram 23 261 milhares de sacos de 60 kg de café verde, dos quais 20 185 milhares aos produtores latino-americanos, pagando-lhes 975 milhões de dólares, e 3030 milhares aos produtores africanos, pagando-lhes 119 milhões de dólares.
Pois bem: o preço de cada saco adquirido em 1959 pelos Estados Unidos aos produtores da América Latina foi de 48,3 dólares e o de cada saco africano foi de 39,3 dólares. Isto é: uma diferença a mais de 9 dólares em cada 60 kg latino-americanos do que nos africanos. Logo, se os Estados Unidos tivessem adquirido todo o café para seu consumo em 1959 à América Latina, teriam despendido a mais uns 27 milhões de dólares, o que, francamente, não representa uma ténue sombra de obstáculo a que se promova qualquer programa governamental de Washington a favor dos cafés latino-americanos, com repúdio dos cafés africanos, incluindo o angolano.
Vem isto de agora a propósito de duas necessidades: a da diversificação do mercado do café angolano, com
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orientação predominante para os mercados europeus - que, como escreveu João Ildefonso Bordalo, constituem o natural hinterland do café Robusta -, e, no âmbito dessa diversificação, pelo que se refere ao aspecto quantitativo, um consumo mais amplo pela metrópole do altamente precioso produto de Angola que é o seu café.
Sr. Presidente: e é assim tão importante o café para a economia angolana? Como se comporta esse produto, em termos de influência específica, no conjunto geral das exportações de Angola? Tomemos o ano de 1959 e os dois quadriénios de 1951-1954 e 1955-1958. Virá:
[ver tabela na imagem]
Este quadro coloca Angola nos níveis de dependência cafeeira em que se encontram os mais representativos produtores de café da América Latina. Realmente; reportando-nos apenas aos anos de 1958 e 1959, virá:
[ver tabela na imagem]
O quadro que acabo de referir tem outro ângulo para ser considerado - ângulo que nos faz reverter ao que há pouco disse quando, pelas altas tensões políticas (e também sociais) que o decréscimo do café pode promover nestes países da América Latina, os Estados Unidos 1 ajam por conveniente auxiliá-los, começando nova orientação das suas importações dos produtos tropicais, d) que se destaca o café.
Vou terminar - mas não o faço sem pedir a todos muita desculpa pelo tempo que lhes ocupei. O assunto, porém, era e é respeitável, e não sei se não viria a perder clareza se encurtasse a exposição.
Sr. Presidente: de tudo quanto decorreu das palavras que proferi sobre as contas do Estado em discussão, uma coisa quero voltar a destacar: a minha aprovação, a par da minha confiança indefectível nos destinos eternos da nossa pátria (que é metrópole e é ultramar)!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Américo da Gosta Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino Teixeira da Mota.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Fernando António Munoz de Oliveira.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Sá Alves.
João Maria Porto.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Pereira Jardim.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Hermano Saraiva.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel Tarujo de Almeida.
Ramiro Machado Valadão.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
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CÂMARA CORPORATIVA
VII LEGISLATURA
N.º 40/VII
Projecto de lei n.º 44
Períodos de evicção escolar por virtude de doenças infecto-contagiosas
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca do projecto de lei n.º 44, emite, pelas suas secções de Interesses de ordem espiritual e moral e de Interesses de ordem cultural (subsecção de Ensino), sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
1. O relatório que antecede o projecto de lei n.º 44 é suficientemente esclarecedor quanto ao objectivo que o autor, o Sr. Deputado José dos Santos Bessa, teve em vista com a sua apresentação: actualizar algumas disposições do Regulamento dos Serviços da Direcção-Geral de Saúde Escolar, do Ministério da Educação Nacional, aprovado pelo Decreto n.º 23 803, de 28 de Abril de 1934, em especial as que respeitam aos períodos de afastamento da frequência escolar dos alunos, ou seus familiares coabitantes, atacados de certas doenças infecto-contagiosas, e bem assim quanto a obrigatoriedade de notificação de tais casos pelos médicos assistentes, como referem os artigos 38.º, 39.º, 40.º e 41.º do citado regulamento.
2. Na verdade, bem se justifica unia actualização daqueles preceitos, conhecido o progresso da medicina e muito em especial a descoberta e generalização de medicamentos activos e eficientes: muito grande foi também o avanço na prevenção de algumas daquelas doenças, não só pela descoberta de novas vacinas, mas também pela melhoria verificada na preparação e nas técnicas de aplicação de muitas outras.
Todas estas circunstâncias bem nos evidenciam a imperiosa necessidade de modificar, actualizando-as em face dos mais recentes conhecimentos epidemiológicos, as disposições de um regulamento que em breve passará a contar 27 anos.
3. Muitas diligencias têm sido feitas no sentido de serem actualizados os períodos de evicção e de outras disposições complementares, não só, como refere o relatório do projecto, as que foram realizados pela Sociedade Portuguesa de Pediatria, mas também por outras entidades. Convém recordar que no I Congresso Nacional de Protecção à Infância, realizado em Lisboa em Novembro de 1952, foi apresentada e votada uma tese que, ao referir-se à necessidade de revisão das disposições sobre evicções escolares, dizia: «Não me deterei na profilaxia das doenças infecto-contagiosas de evolução aguda senão para chamar a atenção de quem do direito para a necessidade de estudo da revisão dos períodos de afastamento dos escolares afectados por determinadas doenças, períodos instituídos pelo Decreto n.º 23 807, de 28 de Abril de 1934, que se não compadecerão decerto com as aquisições posteriores da medicina».
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4. Deve, porém, registar-se que o problema não tem sido esquecido pelo Ministério da Educação Nacional, que, há alguns anos já, encarregou uma comissão de estudar a remodelação dos serviços de saúde escolar, estudo en que foi previsto se incluísse uma completa revisão das disposições atrás citadas. Esta comissão entregou oportunamente o seu relatório, do qual fazia parte um pormenorizado estudo de actualização das evicções escolares, podendo até dizer-se, por ter feito parte da comissão o Sr. Deputado autor do projecto de lei, que as directrizes técnicas constantes do seu artigo 1.º quase inteiramente coincidem, neste aspecto, com o relatório da comissão incumbida do estudo pelo Ministério da Educação Nacional.
5. A indicação das medidas a adoptar nas escolas, sempre que surjam casos de doença contagiosa, foi estabelecida, supomos que pela primeira vez na nossa legislação, pelo Decreto de 19 de Setembro de 1902, que regulamentou a inspecção sanitária escolar; os seus artigos 369.º, 374.º, n.º 6.º, e 376.º passaram a indicar quais as entidades que deveriam intervir: médicos escolares - ao tempo designados por inspectores sanitários -, delegados e subdelegados de saúde, tendo sido estabelecidos também os períodos de duração do impedimento à frequência das escolas no caso de doença transmissível.
Posteriormente, o Regulamento de Sanidade Escolar, aprovado pelo Decreto n.º 5168, de 6 de Janeiro de 1919, fixou vários preceitos quanto ao serviço dos médicos escolares e dos médicos municipais (estes mais designadamente para estabelecimentos de ensino primário foz a das cidades de Lisboa, Porto e Coimbra), determinando o seu artigo 15.º que passariam a caber aos médicos escolares, «no que diz respeito aos serviços dos estabelecimentos de ensino, atribuições análogas às dos delegados e subdelegados de saúde».
Neste mesmo ano foi publicado o Decreto n.º 6137, de 29 de Setembro, que no seu artigo 41.º veio determinar que «os alunos que forem atacados de doença contagiosa não poderão ser readmitidos na escola sem consentimento da autoridade sanitária».
6. Aos interesses epidemiológico e profiláctico geral que oferecem as escolas por poderem constituir meio de larga difusão de doenças - verdadeiro problema de saúde pública - acrescem, sem dúvida, e por forma relevante, os prejuízos que advêm para o aproveitamento escolar, em consequência de um afastamento das actividades por largo período, que, actualmente, e em relação a muitas situações, é considerado desnecessário. Estas razões, não só em relação aos alunos, quando doentes, mas também aos seus familiares que frequentem ou tenham contacto com actividades escolares, constituem, a nosso ver, plena justificação do projecto de lei que a esta Câmara compete apreciar.
7. Mas a participação das doenças que presentemente se consideram como de conveniente conhecimento da medicina escolar não representa mais do que um aspecto particular de uma outra obrigação que, igualmente, e desde longa data, é imposta a todos os médicos: a participação de doenças cujo conhecimento oportuno interessa aos serviços de saúde pública. Bastará enunciar que das treze doenças referidas no artigo 1.º do projecto de lei nove estão incluídas também no grupo das que, obrigatoriamente, todos os clínicos têm o dever de participar aos funcionários de saúde dos respectivos concelhos, sendo de salientar ainda que o conhecimento das demais quatro doenças oferece sempre interesse aos serviços sanitários.
8. Parece, assim, aconselhável fazer uma resumida referência a esta antiga participação, que está na base da notificação a que o projecto de lei se refere e que foi pela primeira vez enunciada no Decreto de 3 de Dezembro de 1868, a bem conhecida reforma do bispo de Viseu, na disposição seguinte:
Art. 44.º Todo. o facultativo clínico que observar qualquer caso de moléstia contagiosa, epidémica ou suspeita, dará parte do facto ao respectivo administrador do concelho e, em Lisboa e Porto, aos comissários de polícia civil.
Trinta anos depois, o Decreto de 13 de Setembro de 1899, confirmando aquela obrigatoriedade de participação, estabelece, pela primeira vez, a pena de desobediência qualificada para o seu não cumprimento.
Dois anos mais tarde, Ricardo Jorge, no grande diploma reformador da saúde pública que foi o Regulamento Geral dos Serviços de Saúde e Beneficência Pública, de 24 de Dezembro de 1901, ainda hoje parcialmente em vigor, mantém a obrigatoriedade da participação e define quais as doenças que passam a ser notificadas - artigo 60.º -, como também precisa melhor, como obrigação dos subdelegados de saúde - artigo 74.º, n.º 14.º - e dos facultativos municipais
- artigo 68.º, n.º 7.º-, a «fiscalização das aulas públicas e particulares». Idêntica obrigação dos médicos municipais consta do artigo 150.º, n.º 4.º, do actual Código Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31 095, de 31 de Dezembro de 1940. Na nova Reorganização Geral dos Serviços de Saúde Pública, também da autoria do Prof. Ricardo Jorge - Decreto n.º 12 477, de 12 de Outubro de 1926 -, repetem-se os princípios anteriores, modificados, porém, quanto a dois dos seus aspectos: as doenças a participar passarão a constar de tabelas regulamentares e modificou-se a penalidade anteriormente estabelecida pelo não cumprimento desta obrigação.
ouco depois, o Decreto n.º 13 166, de 28 de Janeiro do ano seguinte, de 1927, veio regulamentar a reorganização geral, e no seu artigo 3.º já mencionava quais eram as doenças de declaração obrigatória, recomendando às autoridades sanitárias competentes para darem conta à Direcção-Geral de Saúde das infracções que chegarem ao seu conhecimento.
A actualização da tabela passa desde então a fazer-se por portarias, de que se referem as seguintes:
Portaria n.º 8102, de 11 de Maio de 1935;
Portaria n.º 9041, de 20 de Julho de 1938;
Portaria n.º 10 169, de 22 de Agosto de 1942;
Portaria n.º 13 031, de 5 de Janeiro de 1950;
Portaria n.º 16 523, de 27 de Dezembro de 1957;
Portaria n.º 18 143, de 21 de Dezembro de 1960.
Resta apenas acrescentar duas referências mais a esta fastidiosa enumeração: em primeiro lugar ao Decreto-Lei n.º 32 171, de 29 de Julho de 1942, que, em especial, e pela primeira vez, estabelece o prazo em que a participação deve ser feita - 48 horas - e modificou, agravando-a, a penalidade pela omissão da participação, e finalmente a Lei n.º 2036, de 9 de Agosto de 1949, que, como proposta de lei, foi objecto de parecer desta Câmara de que foi relator o então bastonário da Ordem dos Médicos, Prof. Manuel Cerqueira Gomes.
Para pôr em relevo com mais pormenor as disposições desta lei, que promulgou as bases da luta contra as doenças contagiosas, transcrevemos algumas das suas disposições:
BASE IV
1. As pessoas afectadas de doença contagiosa não devem tomar contacto directo com o público du-
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rante o período de contágio ou praticar actos de que possa resultar a transmissão da doença;
2. As autoridades sanitárias poderão determinar que, enquanto existir perigo imediato de contágio, as referidas pessoas não possam frequentar escolas, espectáculos ou locais de trabalho, nem utilizarem estabelecimentos públicos ou particulares, casas de meios de transporte em comum ou ainda exercer profissões que favoreçam a difusão da doença.
BASE IX
1. Ao Ministério do Interior (actualmente da Saúde e Assistência), sobre proposta da Direcção-Geral de Saúde; compete aprovar a tabela das doenças contagiosas de declaração obrigatória.
2. Os médicos que no exercício da sua profissão tenham conhecimento ou suspeita de casos de doença contagiosa deverão comunicá-lo no prazo de 48 horas ao delegado ou subdelegado de saúde da respectiva área.
3. Para os efeitos do disposto no número anterior, os médicos deverão utilizar os sobrescritos, cartões ou impressos de modelo especial fornecidos pela Direcção-Geral de Saúde, sendo isenta de franquia a sua expedição pelo correio.
9. Com esta extensa citação pretendeu-se mostrar a necessidade de enquadrar a obrigatoriedade de participação a que o projecto de lei se refere, filiando-a como medida de interesse sanitário geral, com especial aplicação à saúde escolar. É que, conhecendo nós os prazos de participação de doenças constantes da tabela oficial e sua obrigatoriedade, não deveremos deixar de considerar as normas estabelecidas, após tão longa evolução, nem deixar de lhes fazer no futuro diploma uma ligeira referência.
10. Levanta-se ainda, segundo pensa a Câmara, um outro problema, quanto à entidade a quem deverá ser feita a participação, que, em toda a legislação atrás citada, se dirige apenas ao médico sanitário ou ao médico escolar. Entende-se preferível continuar a manter idêntico critério e não criar problemas de ordem deontológica com participações a entidades não médicas.
11. Não deverá causar estranheza a circunstância de neste parecer se fazer referência repetidas vezes não só aos médicos escolares, mas também aos agentes regionais e locais de saúde pública - delegados e subdelegados de saúde e médicos municipais.
É que pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 37 869, de 29 de Junho de 1950, os lugares de médicos escolares passaram a constituir quadros privativos de cada localidade, tendo o mapa anexo àquele diploma fixado o seu número, excluídas as ilhas adjacentes, em 61 para os estabelecimentos de ensino artístico, liceal e técnico, e em 23 para os serviços do ensino primário e serviços especiais. Os primeiros distribuem-se por todas as capitais de distrito e pelas cidades e vilas de Guimarães, Covilhã, Figueira da Foz, Póvoa de Varzim, Santo Tirso, Chaves e Lamego: os do segundo grupo foram destinados, 19 para Lisboa, 3 para o Porto e 1 para Coimbra. Uma tal distribuição dá-nos a ideia da grande percentagem da população escolar primária que fica a cargo das autoridades sanitárias (cerca de 80 por cento) e também do elevado número de estabelecimentos de ensino técnico e de um ou outro liceu, cujos problemas de saúde escolar estão ao cuidado daquelas autoridades.
Deste modo se mostra, inequivocamente, a larga actividade que, em relação à medicina escolar, fica reservada aos delegados e subdelegados de saúde e médicos municipais, orientação aliás preconizada no III Congresso Internacional de Higiene Escolar a que- se refere o relatório do projecto de lei, realizado em Paris em Julho de 1959: Ali, o chefe de gabinete do Ministro da Saúde Pública e da População, Dr. Rouquet, salientou o interesse da mais perfeita colaboração entre os serviços médicos dependentes do Ministério da Educação Nacional e os do seu Ministério, considerando-a indispensável para uma boa actuação na defesa da saúde, particularmente na profilaxia das doenças infecto-contagiosas.
12. Fez a Câmara a apreciação geral do projecto de lei, que afinal não corresponde a bases gerais dos regimes jurídicos, como refere o artigo 92.º da Constituição Política, mas antes a simples-actualização de matéria regulamentar. Consequentemente, a serem estabelecidas em lei normas com frequente necessidade de revisão, pensa a Câmara que se poderão vir a criar no futuro dificuldades na sua actualização por parte do Ministério da Educação Nacional. Por isso entende necessário, e até indispensável, introduzir uma nova disposição no articulado por forma a permitir, no futuro, e sempre que as entidades competentes o entendam conveniente, uma possibilidade de actualização das matérias mencionadas no artigo 1.º do projecto de lei n.º 44.
E porque é por demais evidente o interesse em conjugar os serviços da medicina escolar com os do Ministério da Saúde e Assistência, entende, mais, a Câmara que a portaria de actualização das disposições sobre evicções escolares deverá ser publicada conjuntamente pelos Ministérios da Educação Nacional e da Saúde e Assistência, tarefa aliás muito facilitada em virtude de já existir, criada pela Portaria n.º 17 058, de 10 de Março de 1959, uma comissão interministerial permanente com vista a evitar a descoordenação das actividades entre departamentos paralelos daqueles dois Ministérios.
13. Pelos fundamentos expostos, a Câmara Corporativa é de parecer que o projecto de lei n.º 44 merece, na generalidade, a sua aprovação.
II
Exame na especialidade
As disposições constantes do artigo 1.º do projecto de lei n.º 44, se bem que correspondam ao estado actual dos conhecimentos epidemiológicos das doenças nele referidas e sua prudente e cautelosa aplicação ao sector da medicina escolar, deverão, a nosso ver, incluir mais algumas doenças - lepra, tinha, tracoma e tuberculose contagiante -, dispondo-se todas, para uma melhor sistematização, pela sua ordem alfabética e aproveitando-se ainda o ensejo para introduzir ligeiras modificações quanto ao procedimento a adoptar em relação a algumas doenças. Por isso se proporá nas conclusões deste parecer uma nova redacção, considerando especialmente as Normas sobre Profilaxia das Doenças Transmissíveis publicadas em Washington, em 9.ª edição, de 1960, com a participação da Organização Mundial de Saúde.
Relativamente ao artigo 2.º do projecto lei, julga-se necessário harmonizar os preceitos respeitantes à notificação referidos neste artigo com as disposições em vigor para a declaração obrigatória das doenças infecto-contagiosas. De desejar será até que, no futuro, a tabela das doenças de participação obrigatória e a relação das doenças que justificam as evicções escolares
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sejam inteiramente coincidentes. Assim, pensa a Câmara que convirá ter em consideração:
a) Que o prazo para a participação das doenças a que se refere o projecto deverá ser fixado em 48 horas a partir da observação pelo médico assistente;
b) Que a participação deverá ser feita ao médico escolar ou, na sua falta, ao delegado ou subdelegado de saúde da respectiva área;
c) Que convirá usar para as participações o mesmo modelo especial de impresso-carteira criado pela Direcção-Geral de Saúde;
d) Que à falta de participação deve corresponder a aplicação das disposições do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 32 171, de 29 de Julho de 1942.
Seria, também, de prever a isenção de franquia para o envio, pelo correio, das participações, se esta facilidade fosse possível à face do que dispõe o artigo 97.º da Constituição Política.
Entende-se de manter o § único do artigo 2.º do projecto de lei respeitante à diligência para o esclarecimento de dúvidas de diagnóstico.
De acordo com as considerações feitas na apreciação, na generalidade, sobre a fixação de períodos de evicção escolar, julga-se também necessária, com vista a prever a hipótese de futuras revisões, a inclusão de um novo artigo.
Na verdade, havendo, sem dúvida, necessidade de frequenta revisão das disposições que ficarão consignadas na futura lei, convirá que esta preveja o regime normal de actualização dos seus preceitos.
III
Conclusões
Pelo que atrás se referiu, a Câmara Corporativa é de parecer que o projecto de lei n.º 44 deve ter a seguinte redacção:
Artigo 1.º Sempre que se registe um caso de doença infecto-contagiosa, das que são seguidamente mencionadas, entre o pessoal docente ou discente de estabelecimentos de ensino ou seus familiares, a profilaxia daquelas doenças obriga a um afastamento da frequência ou actividade no respectivo estabelecimento por período variável, conforme as circunstâncias, devendo, em relação ao demais pessoal, os médicos escolares adoptar, de acordo com os directores dos respectivos estabelecimentos de ensino, as medidas julgadas convenientes:
a) Difteria. - Para os atingidos, a evicção deverá terminar quando forem apresentados dois boletins de cultura negativa dos exsudatos nasofaríngeos, executadas depois da cura e separadas por um intervalo de dois dias, pelo menos; nos casos em que, passadas três semanas depois da cura, as culturas ainda sejam positivas, o regresso à escola só será permitido depois de executada uma prova de virulência com resultado negativo.
Para os alunos coabitantes: 1) Se demonstram que estão correctamente vacinados ou protegidos pelo soro ou têm reacções de Schick negativas, serão admitidos nos estabelecimentos escolares logo que tenham duas culturas negativas dos exsudatos nasofaríngeos, executadas com dois dias de intervalo; se não fizeram culturas dos exsudatos, seis dias após o isolamento. 2) No caso de não estarem imunizados, de terem reacções de Schick positivas ou de não terem feito esta reacção, serão admitidos quando tenham duas culturas negativas, com dois dias de intervalo, a partir do 6.º dia depois do último contacto; se a cultura for positiva, a admissão só poderá dar-se depois de uma prova de virulência negativa.
Para o pessoal coabitante: se não apresentar angina suspeita - sem evicção; caso contrário, depois de duas culturas negativas, como acima se referiu.
b) Disenteria bacilar. - Para os atingidos, até se conseguir a cura. Coabitantes, sem evicção.
c) Encefalite infecciosa aguda. - Para os atingidos, até à cura. Para os alunos e pessoal coabitantes, sem evicção.
d) Escarlatina. - Para os atingidos que foram sujeitos a conveniente tratamento antibiótico, logo que sejam dados como clinicamente curados; se houver complicações sépticas, enquanto elas persistirem (a descamação e a glumérulo-nefrite não contam para o isolamento); quando não tenha eido feito tratamento antibiótico correcto, três semanas de evicção.
Para os alunos coabitantes: uma semana aipos o início do isolamento.
Para o pessoal coabitante: uma semana após o isolamento; se tratar o doente, será o período de evicção mais prolongado, sendo fixado pelo médico, consoante as circunstâncias.
e) Febres tifóide e paratifóide. - Para os atingidos, até que duas análises de fezes sejam negativas, com, pelo menos, dois dias de intervalo após a cura.
Os que permanecerem portadores devem ficar sob vigilância das autoridades sanitárias do cais.
Coabitantes, sem evicção.
f) Lepra. - Para os atingidos, até seis meses depois do desaparecimento da contagiosidade, comprovado por repetidos exames bacteriológicos negativos.
Quando o doente seja professor ou funcionário de qualquer categoria a evicção deve manter-se até dois anos após o desaparecimento da contagiosidade, devendo depois fazer exames periódicos frequentes, pelo menos, de seis em seis meses.
g) Meningite cérebro-espinal epidémica. - Para os atingidos, logo após a cura. Para os alunos coabitantes: até 24 horas após o início da quimioterapia preventiva. Para o pessoal coabitante: se não tem angina suspeita, sem evicção; se for portador de germes, até 24 horas após o início da quimioterapia preventiva.
h) Poliomielite. - Para os atingidos, após uma semana de doença ou depois de terminado o período febril, se este se prolongar por mais tempo.
Os alunos e o pessoal coabitante devem ser submetidos a vigilância.
i) Rubéola. - Para os atingidos, após a cura. Para os alunos e pessoal coabitantes, sem evicção.
j) Sarampo. - Para os atingidos, uma semana, a contar do início do exantema.
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Para os alunos coabitantes: 1) Se já sofreram de sarampo ou se recebem dose suficiente de gamaglobulina nos cinco ou seis dias que se seguiram à exposição, sem evicção. 2) Caso contrário, evicção do 8.º ao 14.º dias após a exposição ao contágio.
Para o pessoal, sem evicção.
l) Tinha. - Para os atingidos, exceptuadas as micoses dos pés e das unhas, até à cura.
Para os alunos e pessoal coabitantes, sem evicção.
m) Tosse convulsa. - Para os atingidos, três semanas de evicção após o início da doença.
Para os alunos coabitantes: 1) Se já sofreram de tosse convulsa, ou se estão correctamente vacinados e fizeram um reforço vacinai recente, sem evicção; 2) Para os outros, duas semanas a partir do último contacto.
Para o pessoal coabitante, sem evicção.
n) Tracoma. - Para os atingidos, enquanto apresentarem lesões agudas.
Para os alunos e pessoal coabitante, sem evicção.
o) Trasorelho. - Para os atingidos, até ao desaparecimento da tumefacção das glândulas salivares, em regra, nove dias.
Para os alunos e pessoal coabitantes, sem evicção.
p) Tuberculose. - Para os atingidos com formas comprovadamente contagiantes, até ao desaparecimento da contagiosidade. Em todas as demais formas da doença, vigilância.
Para os alunos e pessoal coabitantes, sem evicção.
q) Varicela. - Para os atingidos, até à cura, habitualmente uma semana após o começo da erupção, e com queda das crostas.
Para o pessoal coabitante, sem evicção.
r) Varíola. - Para os atingidos, até à cura, com queda das crostas.
ara os alunos e pessoal coabitantes: 1) Se estão correctamente vacinados há menos de três anos, sem evicção, logo que sejam revacinados; 2) Se não estão vacinados, ou foram vacinados há mais de três anos, dezasseis dias após o início do isolamento, e depois de correctamente vacinados ou revacinados.
Art. 2.º Além da participação das doenças de declaração obrigatória constantes da tabela oficial em vigor, os médicos devem participar, no prazo de 48 horas, aos médicos escolares ou, na sua falta, às respectivas autoridades sanitárias os casos de doença contagiosa constantes do artigo anterior de que sofram os alunos das escolas e de que tomarem conhecimento no exercício da sua clínica. Para as participações serão adoptados os modelos da Direcção-Geral de Saúde.
§ único. Em caso de dúvida quanto ao diagnóstico, será solicitada conferência com o médico escolar, a realizar no prazo de três dias.
Art. 3.º O médico que omitir a participação a que sê refere o artigo 2.º ficará incurso nas penalidades do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 32 171, de 29 de Julho de 1942.
Art. 4.º Sempre que as entidades competentes considerem necessária a revisão do regime dos períodos de evicção escolar, a actualização das disposições do artigo 1.º desta lei deverá ser feita em portaria dos Ministros da Educação Nacional e da Saúde e Assistência.
Palácio de S. Bento, 7 de Abril de 1961.
António Avelino Gonçalves.
António da Silva Rego.
Maria Luisa Ressano Garcia.
Armando Estado da Veiga.
Adriano Chuquere Gonçalves da Cunha.
Mário dos Santos Guerra.
Manuel Gonçalves Martins.
Domingos Cândido Braga da Cruz, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA