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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 210
ANO DE 1961 19 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 210, EM 16 DE ABRIL.
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Fernando Cid Oliveira Proença
Secretários: Exmos. Srs. António José Rodrigues Prata
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 45 minutos minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 309.
Deu-se conta do expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Agnelo do Rego, para enaltecer o portuguesismo dos Açorianos; Augusto César Cerqueira Gomes, que realçou o significado da entrada do Prof. Oliveira Salazar para a pasta da Defesa Nacional; Paulo Cancella de Abreu, sobre as cerimónias comemoralistas do cinquentenário da ordenação do Sr. Cardeal-Patriarca de Lisboa; Cardoso de Matos, acerca dos acontecimentos em Angola e das recentes medidas tomadas pelo Governo, e Peres Claro, sobre assuntos de interesse para a Lavoura alentejana.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre os pareceres relativos às Contas do Estado (metrópole e ultramar) e da Junta do Crédito Público.
Usou da palavra o Sr. Deputado Nunes Barata.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 35 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira..
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
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Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto cie Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Pais de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Gazeia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento dê Vasconcelos è Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel bolares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Miaria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 85 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das sessões n.º 209.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer qualquer reclamação, considero aprovado o r aferido número do Diário das Sessões.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Das associações económicas de Luanda a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Cardoso de Matos sobre a situação de Angola.
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Rodrigo Carvalho no debate sobre as contas públicas de 1959, na parle relativa às taxas camarárias sobre a indústria têxtil.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Agnelo do Rego.
O Sr. Agnelo do Rego: - Sr. Presidente: breves são as palavras que tenho a pronunciar, mas que considero exigidas pela ocasião que estamos vivendo.
Não há dúvida de que uma onda de subversão invadiu o Mundo, operando a coberto da névoa da desorientação que sobre ele estendeu. Dir-se-ia que uma nova torre de Babel provocou uma nova confusão das línguas. Os homens e as nações parece não mais só entenderem.
No meio da geral conturbação, alguns povos, embora em pequeno número, permanecem, todavia, serenos e clarividentes e pretendem ser - e são de facto - os fiéis continua dores e defensores do verdadeiro espírito europeu, ou seja dos valores eternos que fazem e autenticam a grandeza e o prestígio do velho continente, não estando, por conseguinte, dispostos, onde quer que muito legitimamente se encontrem, a demitir-se do seu dever.
Àquele número pertence, felizmente, a comunidade, una e indivisível, que constitui a Pátria Portuguesa...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ..., contra a qual, por isso, se movimenta, com particular intensidade - favorecida por incompreensões ou tibiezas que não eram de esperar -, a invasora onda subversiva.
A unidade de Portugal triunfará, porém, de todas «s arremetidas: formam-na a consciência e a vontade dos Portugueses das diversas parcelas da Pátria.
Nenhum de nós duvida de que assim seja, ainda que é sumamente agradável constatá-lo em relação a terras onde circunstâncias especiais poderiam ter posto mais à prova o sentido patriótico.
Exactamente por isto é que pedi a V. Ex.ª a palavra, a fim de dar pleno testemunho - como efectivamente dou -, com a mais legítima ufania, do indefectível portuguesismo do distrito de Angra, em que vivo, principalmente da heróica ilha Terceira de Jesus Cristo, que, nas suas forçadas relações com estrangeiros que ali estacionam em execução de cláusulas internacionais, tem, contudo, mantido a maior dignidade, sempre inspirada pelo sentimento da mais alta solidariedade nacional, bem consciente e viva neste momento histórico.
Em nome do bom povo daquele distrito - que coincide com o círculo que me elegeu Deputado a esta ilustre Assembleia, tão devotada e sapientemente presidida por V. Ex.ª - ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... tenho, pois, a honra de manifestar aqui toda a fé e toda a confiança que o anima nesta hora
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singular da Pátria: fé e confiança no bom senso de todos e na firme e decidida actuação do Governo e do seu glorioso Chefe.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Fé e confiança em Deus e na Padroeira, em cujos braços maternos nunca deixou de estar Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Cerqueira Gomes: - Sr. Presidente: quando, a meio da tarde da passada quinta-feira, chegou à velha cidade dos arcebispos e logo alastrou, como o clarão de um relâmpago, a grande nova de que Salazar havia tomado nas sua mãos lúcidas, firmes, honradas e apaixonadamente portuguesas...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ...o comando supremo da Defesa Nacional, uma profunda emoção sacudiu alvoroçadamente as almas daqueles que sentem e amam entranhadamente a Pátria na integridade do seu território, na autenticidade do seu génio, na grandeza da sua missão histórica, e vêem o seu alto património enredado nas ambições, nas cobiças, nas baixas competições e manobras em que se debate e suicida o mundo desvairado do nosso tempo.
Subitamente, o burgo tomou a feição rumorosa e festiva das grandes horas de vibração colectiva. As ruas encheram-se de gente. E nos rostos e nos comentários de todos transparecia a exaltação jubilosa da vitória - a vitória de uma batalha ganha para a Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Parecia que no céu de Portugal, onde, de há tempos, se acastelam nuvens sombrias de dúvida e de ameaça, raiava agora um luzeiro de confiança, de fé.
Espontâneamente, quase irresistivelmente - bastou que alguns lançassem a ideia-, uma grande multidão se aglomerou em frente do palácio do Governo Civil a manifestar calorosamente o seu aplauso ao venerando Chefe do Estado pela sua lúcida e patriótica decisão, o agradecimento a Salazar por mais este sacrifício ao serviço da Pátria, a confiança inabalável nos altos destinos de Portugal, a certeza do triunfo na ingente luta que travamos em defesa dos valores morais que professamos e de herança histórica de que somos depositários e queremos transmitir, íntegra e imaculada, às gerações do futuro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Merece aqui ser invocada e exaltada, pela sua imponência, o seu alto significado, o seu entusiasmo e a sua espontaneidade, essa grande manifestação de sadio e consciente patriotismo. E também me atreverei a quase repetir neste lugar algumas palavras que nela proferi, pobres por certo, mas oportunas e devidas.
Com o aspecto de uma simples remodelação ministerial, o acto que se consumou nas altas esferas do Poder teve a maior transcendência histórica.
Significa o nosso propósito de manter, com toda a firmeza e decisão, o nosso património nacional, resolução inabalável de dizer «sim» a oito séculos de história e dizer «não» à conjura que vai pelo Mundo desencadeada contra nós.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sim, a oito séculos de martírio e abnegações, de afirmação e de heroísmo, de força criadora e de beleza, de serviço dos valores do espírito e de constância no serviço de Deus.
Não à aliança turva e confusa do ódio e do imperialismo ideológico, económico e político do império vermelho e dos mandões de Moscovo, dos ressentimentos da víbora indiana, da avidez, da insconsciência suicida e do imperialismo económico-financeiro das plutocracias materialistas, conluiadas com alguns que, por paixão política e ambição do Poder, traem e entregam ignominiosamente os mais sagrados interesses da terra onde nasceram.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A direcção da Defesa Nacional nas mãos seguras de Salazar significa a aliança da razão e da força, da política e das armas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Superiormente tem Salazar conduzido a nossa política no plano internacional - porventura o aspecto onde mais alto tem planado o seu génio.
Salvou o País e, com ele, a Península e o Ocidente na hora difícil da guerra, de Espanha. Salvou-nos na grande conflagração mundial, mantendo-nos em paz. sem sacrifício nem da terra nem da honra. Salvou Goa da cobiça da política indiana, proclamando a nossa razão, respondendo com a nossa força, apelando para o mais alto tribunal internacional, donde saíram solenemente confirmados os nossos direitos históricos. E agora, perante um mundo em desvaire, tem defendido com dignidade, com lucidez e com firmeza o nosso património secular, numa posição que não é sòmente de salvaguarda dos supremos interesses da Nação e da sua vocação milenária, mas, ainda, de defesa dos nobres valores que informam a civilização ocidental e a Cristandade e de que, nesta hora alucinada, nós e ;i cavalheiresca Espanha somos o derradeiro bastião.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Agora, à direcção da política, Salazar agrega, o comando da força, para assim mais eficazmente lutar no meio de tantas adversidades.
A sua investidura constitui um alto motivo de confiança para todos nós. Confiança para os portugueses da metrópole, confiança para os portugueses das terras ultramarinas, que exultaram ao ouvi-lo proclamar que foi a sorte de Angola que o levou ao novo posto da comando e que era necessário «andar rapidamente e em força», e já proclamam o seu optimismo, ao verem concretizar-se progressivamente as promessas sagradas de Salazar.
Daqui em diante os nossos irmãos africanos vão sentir mais vivamente o nosso carinho, a nossa solidariedade, a nossa presença, e verão as forças da Nação, tensas, a acorrerem ao seu serviço.
Meditemos profundamente mais esta lição, mais este sacrifício de Salazar. Há mais de 30 anos que este homem se deu, numa renúncia total, ao serviço da Nação. Pois ainda agora, com os cabelos branqueados pelos anos, pelos trabalhos e pelas vigílias, assume abnegadamente mais este encargo, porque a Nação lhe impõe novo sacrifício.
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Meditemos, agradeçamos. Mas, sobretudo, saibamos colher a lição magnífica do seu exemplo, e, com entusiasmo, com amor, com disciplina, cooperemos com ele para salvar a herança nobilíssima desta doce pátria, nossa mãe e nossa, glória.
Saibamos todos ser dignos de Sal azar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: -Sr. Presidente: completou-se no dia 1 do corrente mês e comemorou-se no Domingo do Bom Pastor, com solenes cerimónias litúrgicas, o cinquentenário da ordenação sacerdotal do Senhor Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira.
As bodas de ouro sacerdotais do Eminentíssimo Prelado não podiam deixar de ser, e são, motivo de grande regozijo pira a Igreja, e não apenas para a Igreja, mas para os católicos, e não apenas para os católicos, mas para toda a Nação.
É que ninguém desconhece o somatório das suas inestimáveis virtudes, os fulgores do seu privilegiado talento e o profundo saber revelados em cada passo do curriculum de meio século de vida exemplar toda consagrada à Igreja, ao bem comum, à ciência e ao ensino; tudo isto estruturando uma vultosa obra espiritual e de culto materializada em realidades fecundas.
Seminários, igrejas, reorganização paroquial, dignificação do múnus sacerdotal e formação e impulso da Acção Católica Portuguesa são outros tantos padrões que assinalam a sua acção objectiva no Patriarcado, desde 1929, reveladora daquelas notáveis qualidades que, aliás, já o distinguiram como sacerdote desde 1911 e no episcopado, desde 1928, e também no professorado.
Todo um surto de benefícios culminado pela consagração simbólica no monumento a Cristo-Rei.
Obra portentosa, cuja finalidade e alcance o Estado tem sabido compreender e acarinhar com relevante e eficaz concurso, que se fazia mister empregar.
Justíssimas são, pois, as homenagens que, por motivo do seu julileu, o Sr. Cardeal tem recebido do próprio Sumo Pontífice, de todo o episcopado português, dos párocos e dos paroquianos do Patriarcado. E julgo saber que as suas bodas de ouro sacerdotais vão ficar assinaladas perpetuamente de um modo condigno, que certamente constituirá a consagração mais bela e, simultaneamente, mais grata ao seu espírito e ao seu magnânimo coração.
Entendi, pois, que a Assembleia Nacional não devia ficar silenciosa perante aquelas justas e expressivas manifestações, e, por isso, aqui presto a Sua Eminência as mais si r cera s e respeitosas homenagens, neste seu ano jubilar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cardoso de Matos: - Sr. Presidente: a situação do problema que há mais de um mês nos foi criado em Angola, em circunstâncias e com consequências que não é de irais destacar, impõe-me um dever, que entendo como obrigação: apelar de novo e sempre para todos os portugueses no sentido da conjugação incondicional de esforços que vão permitir-nos, assim o cremos, corresponder com dignidade e inteira justiça ao sacrifício que ali - nessa martirizada e heróica província - se está a fazer pela Pátria.
Um facto recente me cumpre destacar, não obstante a natural e justa repercussão que já teve: a remodelação ministerial, que levou à pasta da Defesa o Sr. Presidente do Conselho, à do Ultramar o Sr. Prof. Doutor Adriano Moreira, além de outras nos altos comandos do exército português.
Da boca do seu mais lídimo representante - que mais uma vez chamou a si o primeiro lugar nos sacrifícios pela Pátria, numa manifestação de admirável energia - ouviu Angola a palavra que esperava do Governo e dita por forma que a ninguém deixa dúvidas sobre os seus propósitos:
Um só dia pode poupar sacrifícios o vidas - é necessário não desperdiçar desse dia uma só hora.
E acrescentou Sua Excelência:
... para que Portugal faça lodo o esforço que lhe é exigido a fim de defender Angola e com ela a integridade da Nação.
A eloquência destas breves palavras resume em si todo um elevado propósito, que Angola compreendeu e a que se agarrou, crente da acção que se lhe seguirá e por que tanto ansiava.
Quase simultaneamente, os Srs. Ministros do Ultramar e do Exército e o Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas manifestaram o paralelismo dos seus propósitos, e imediatamente passaram à acção que concretizará a palavra de ordem: acudir a Angola num esforço conjunto de toda a Nação, sem regatear sacrifícios, inadmissíveis no estado de guerra, em que devemos considerar-nos em presença dos ataques impiedosos que nos foram desferidos.
No prosseguimento das resoluções manifestadas, intensificou-se o auxílio a Angola no campo militar - já que todas as medidas económicas que se tomaram não virão a ter significado real nem concretização útil em definitivo enquanto não for restabelecida a paz nos espíritos e a segurança para todos, brancos e pretos, permitindo o recomeço do trabalho, virtude maior dos portugueses de Angola, com o qual, quase exclusivamente, têm contado e lhes tem proporcionado o desenvolvimento que deram àquela nossa grande província.
Com a intensificação do envio de reforços por via marítima, que vai prosseguir; com a tentativa de criação de uma ponte aérea, que também esperamos se concretize em breve; com a redução das pelas burocráticas, enquanto se não eliminam, prometida pelo governador-geral - que nesta emergência tem procurado enfrentar a crise -, cremos não exagerar afirmando que a confiança foi restabelecida, onde estava prestes a desaparecer, mercê da, pelo menos, aparente apatia com que se encarava a difícil e precária situação de Angola.
oi um reanimar de esperanças a que é mister dar jus, intensificando os auxílios, conjugando esforços, aplicando todos os recursos, concitando todas as boas vontades - todas as boas vontades -, que, estou certo, não deixarão de manifestar-se assim que a metrópole alcançar mais a exacta noção da gravidade do momento e a consciência perfeita do quanto importa resolvê-lo.
Já aqui tivemos oportunidade de dizer que, sem as medidas militares que levem ao restabelecimento da tranquilidade, necessária ao prosseguimento do trabalho em Angola, nada se poderá fazer, e o que se fizer será em vão. E, portanto, o primeiro e o mais instante problema a resolver, mas há que não perder de vista, ao mesmo tempo, a situação económica e intensificar as medidas já preconizadas para a resolver.
A interligação dos problemas militar, económico, social e político é tão estreita e as causas e os efeitos
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de uns e de outros contendem entre si de tal forma que estamos tentados a chamar-lhe um único problema, embora com diversas faces.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Enquanto as Forças armadas, numa aplicação total dos seus recursos, procurarão substituir o pacífico trabalhador, obrigado a pegar em armas para não sucumbir aos selváticos ataques de que foi alvo, terão os economistas de encontrar soluções dos problemas não menos preocupantes que se lhes deparem; terão de criar as medidas indispensáveis à clarificação da situação cambial, imprescindível ao êxito de uma campanha, de investimentos em Angola que é mister fazer.
Conhecedores das dificuldades que se deparam, cremos, porém, nas possibilidades de sucesso que nos são oferecidas - sucesso esse que, certamente, se vai alcançar depois de consumadas as medidas previstas e concretizados os propósitos já manifestados.
De momento, a maior preocupação económica resulta da situação em que se encontram os distritos onde predomina o café - quase em regime de monocultura. Estamos a um mês da colheita, aproximadamente, e há que ter em atenção que não se pode dispensar o que ela representa para Angola: são dois terços da produção daquele produto, que representam cerca de 1 milhão de contos, e que urge não deixar perder.
Subordinadas como estão as soluções económicas ao restabelecimento da ordem, como já frisámos, repetimos a esperança de ver voltar em breve a tranquilidade a Angola.
O esforço a fazer é grande, é mesmo enorme a tarefa a cumprir. Mas quanto maior mais ela é digna de quem a levar a cabo, e, estamos certos, está em boas mãos e há-de consumar-se, como o esperam os portugueses de Angola, e todos os outros portugueses, que patriòticamente não permitirão divisões quando a Pátria tanto necessita da unidade e da força do conjunto de todos os seus filhos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Peres Claro: - Sr. Presidente: em Janeiro do ano passado, trouxe a esta Assembleia um problema que afligia a lavoura alentejanã e que estava já a causar à economia nacional prejuízos sensíveis - a presença da chamada «mosca mediterrânica» nos olivais e a necessidade imediata de lhe ser dado combate.
Quis o Sr. Secretário de Estado da Agricultura ter a gentileza de, passado tempo, me mandar fornecer nota da actividade desenvolvida, desde 1924, pelos serviços técnicos oficiais, na qual se verifica que, por falta de fundos e outras circunstâncias fortuitas, foram várias vezes interrompidos os estudos, a que a nossa entrada para a F. A. O., em 1953, deu a continuidade que se impunha e permitiu o intercâmbio de ideias, sempre necessário. Acrescentava essa nota, justificando afinal a minha intervenção: «Se, até à data, a divulgação dos métodos de luta à mosca da azeitona não foi empreendida, isso deve-se à circunstância de se ter considerado conveniente aguardar os resultados das investigações, que há poucos anos se iniciaram, acerca dos possíveis inconvenientes de ordem toxicológica que poderiam advir para os consumidores do azeite proveniente das zonas tratadas.
Das favoráveis conclusões, extraídas daquelas pesquisas, pode concluir-se que a situação se apresenta razoàvelmente esclarecida e esse o motivo porque só na próxima campanha se dará início à divulgação dos novos métodos de combate à mosca da azeitona. A luta será árdua, bem o sabe esta Secretaria de Estado, mas será vencida, se todos, olivicultores e técnicos oficiais, souberem compreender a sua missão e o largo alcance económico de tal empresa».
Devo acrescentar, e com muito agrado o faço, que de facto, e desde então, os serviços oficiais desenvolveram intensa actividade no combate à mosca da azeitona e com resultados que se podem considerar de muito satisfatórios. Bem haja, por isso, o Sr. Secretário de Estado da Agricultura.
Sr. Presidente: com a permissão de V. Ex.ª, desejava trazer aqui um outro caso de azeitonas e azeite, que pretendo apenas encarar, como me compete, sob o aspecto político.
Assisto anualmente na minha região aos leilões de lãs que o grémio da lavoura realiza, com visível proveito do produtor e do industrial, compreendendo ser aquela uma das actividades específicas dos grémios da lavoura. Porque não se faz o mesmo com as azeitonas? Porque se insiste em criar, extra grémios e em nada a eles sujeita, cooperativas de olivicultores?
Somos um país tão pequeno que os figurinos que importamos nos moldam fatos quase sempre desajeitados. Por isso se entendeu, ao que julgo, procurar figurino próprio, com tradições e moldes apropriados às nossas medidas. Daí a organização corporativa, que continua a apontar-se como a que melhor nos serve. Porquê então as cooperativas estimuladas para além dos grémios da lavoura? Se os grémios da lavoura falharam - e parece que dos grémios foram os que menos falharam -, porque se continua com eles? Eu ainda poderia perceber que numa região onde os olivicultores não estivessem agremiados e onde o lagar industrial ficasse a muitas léguas de distância se lhes estimulasse o engenho na procura de uma forma de associação em que, favorecendo-se, favoreceriam a própria economia nacional. Agora fomentar-se o aparecimento de cooperativas de olivicultores, paredes meias com o grémio, onde eles estão inscritos e com lagares industriais, não parece bem. E não parece bem até porque se ouve falar hoje muito em concentração industrial.
O nosso individualismo, o nosso feroz individualismo, não sei se alguma vez será capaz de domar-se a um plano económico de conjunto. Por culpa dele talvez, não temos uma ideia assente sobre aquilo que nos convém e vão-se improvisando soluções ao sabor dos pontos de vista de cada um. Será ideia generalizada, ao que julgo, a de que a concentração é a fórmula capaz de melhor servir os interesses gerais dos povos. Mas cada terra continua a pretender um hospital tão grande quanto possível; cada câmara a querer um matadouro tão apetrechado quanto necessário; cada um a querer explorar como lhe apraz a indústria que lhe apetece e forjando empenhes quando alguma dificuldade se lhe opõe. Por outro lado, as indústrias que, integrando-se num pensamento que supunham definitivo, se apetrecharam convenientemente, protestam contra o deferimento de pedidos que, têm como prejudiciais da própria economia geral e outras continuam a pedir um regulamento que se lhes promete e se lhes nega, como a dos proprietários de empresas tipográficas, por exemplo.
Mas de quem hoje quero aqui falar é dos lagareiros industriais.
Sr. Presidente: estimulados por um recrudescimento de plantações de olivais, a prometerem futuras grandes colheitas, os lagareiros industriais reapetrecharam-se, aumentando sensivelmente a capacidade de laboração
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das suas fábricas. De facto, de 38 000 t médias anuais de azeite entre 1918 o 1927, passou-se para 50 000 t em 1928 e 1937, para 57 000 t em 1938 e 1947 e 75 0001 em 1948 e 1957. Mas esses números, que só agora começam a manter-se acima das 100 000 t, não estão de acordo com o volume de plantações verificado, por causa de maus anos de safra, em que a mosca teve a sua parle muito importante. Daí estar a indústria de extracção lançada numa procura de azeitona que exagera os preços de compra, os quais não são compensados pela qualidade e quantidade de azeite. Pagam-se como boas as azeitonas más, como limpas as cheias lê impurezas, como enxutas as encharcadas. A consequência inevitável é a repetição dos prejuízos de ano para ano, maiores ou menores, de acordo com os caprichos da Natureza, e a situação piorará na medida em que, cada vez mais, as azeitonas forem apanhadas de empreitada. A capacidade de produção dos novos e melhorados lagares de hoje excede em muito a de 1927, e, não obstante, só em 1953 a colheita da azeitona permitiu uma produção de azeite superior à de 1927 em cerca de 30 por cento, o que até pode ser considerado apenas como resultado de uma melhoria nos processos de extracção.
O que se conclui, pois, é que o País possui hoje uma capacidade oleícola elevada, capaz de produzir até 150 000 t, que as colheitas não esgotam, não se vendo assim razoes para, ainda com dinheiros estaduais, se estar a fomentar a criação de cooperativas, sobretudo em regiões (e temos de considerar também as facilidades de transporte de hoje) onde provocam crise económica na indústria instalada. Além do que, estando-se na expectativa de um processo revolucionário de extracção, parecia aconselhável que não se financiassem nem se estimulassem, instalações que podem ser obsoletas daqui a poucos anos. Sem dúvida tine as cooperativas têm tido papel correctivo nos preços da azeitona, pagam aos sócios pelo rendimento certo do fruto j mas não as podemos entender entre os grémios da lavoura e a indústria estabelecida. Talvez que a atitude de certos produtores diga num só acto a gravidade de todo o problema. Quando a azeitona é boa, entregam-na ao lagar social; quando não presta, vendem-se aos lagares industriais, aproveitando-se da luta em que estes andam para poderem laborar a azeitona que justifique, ao menos, a maquinaria que têm.
Um outro caso que veio perturbar a trasfega do azeite foi o da liberalização do comércio entre armazenistas e retalhistas. Até há pouco, cada armazenista sabia de antemão quais os postos que tinha de abastecer, sabendo, portanto e também, as quantidades de azeite que tinha de adquirir no lagar. Agora, cada retalhista pode abastecer-se o ide quiser, no. armazenista que mais facilidades der, mas, como é exígua a margem de lucro do negócio, os armazenistas não entram em concorrência, retraem-se nas compras ao lagar, provocando-se assim uma incerteza de colocação de azeite, que prejudica lagareiros t armazenistas, sem qualquer benefício para o consumidor que paga o produto por tabela. Parece que uma resposta fácil a esta argumentação, é a de que a Junta Nacional do Azeite está em condições de adquirir toda a produção. Nào sei até que ponto é justo que a Junta concorra com os armazenistas, dentro dos limites do consumo. Sei, porém, que os lagareiros preferiam vender a pouco e pouco a produção aos armazenistas, que iam pagando à medida que a levantavam.
Outro problema poderia aqui ser levantado, interessando também, de outro modo, a economia nacional. É o da compra, dia a dia, do bagaço da azeitona, que novos processos de desodorização permitem ser misturado mais facilmente com o azeite, adulterando-o, portanto, e impedindo-o de atingir aquela excelência de qualidade necessária para uma exportação regular.
obre azeite mais poderia dizer, mas isto basta para se concluir como é complexo o conjunto de problemas que a ele dizem respeito e como, por isso, tem de ser cuidada e persistente toda a acção orientadora e fiscalizadora.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar) e as da Junta do Crédito Público relativas ao ano de 1959.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes Barata.
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: nos termos da Constituição Política, a organização económica do ultramar deve integrar-se na organização económica geral da Nação Portuguesa e comparticipar, por seu intermédio, na economia mundial.
Na era dos grandes espaços económicos assinalou-se certa antecipação da nossa parte, no domínio dos princípios, relativamente à instituição de uma unidade económica.
Assim, a análise da Lei Orgânica do Ultramar Português (bases LXXI e seguintes) permite concluir pela afirmação de princípios que visam objectivar tal desígnio (regime aduaneiro, circulação de pessoas, transferência, de capitais, condicionamento industrial e unidade monetária).
Ninguém desconhece, é certo, as dificuldades que encontra a realização integral desta união económica portuguesa. Territórios geogràficamente separados, com diferentes graus de desenvolvimento de estruturas, e onde, pelo menos às vezes, as economias podem ser concorrentes, indicam que tal união não é obra de momento, mas resultado de persistentes esforços. As realidades das grandes integrações, ou mesmo a consciência de um destino comum, aliam-se, porém, a circunstancias mais concretas (alargamento dos mercados, vantagem de localização, acréscimo da capacidade de contratar, etc.), tudo recomendando que se prossiga no caminho iniciado. O discurso do Ministro do Ultramar em Novembro de 1957 constituiu, a tal propósito, um testemunho oportuno.
Poderíamos, aliás, citar algumas disposições que se harmonizam com tal orientação:
O Decreto-Lei n.º 40 610, de 25 de Maio de 1956, sobre o movimento das pessoas dentro do território nacional;
O Decreto n.º 41 026, de 9 de Março de 1957, que instituiu, com as excepções aí consignadas, uma zona de comércio livre imediata entre as várias províncias ultramarinas; e, até,
As recentes reformas monetárias de Timor e do Estado da Índia.
A própria Lei 11.º 2094, relativa ao II Plano de Fomento, retomou, na base IX, alguns aspectos do problema:
I) A intervenção do Conselho Económico para a coordenação das economias da metrópole e do ultramar terá por objectivos principais:
a) Habilitar os Ministros competentes, por meio de parecer vinculante, a decidir sobre o condicio-
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namento das indústrias consideradas de interesse comum da metrópole e do ai lira mar;
b) Promover a execução do disposto nos artigos 158.º a 160.º da Constituição e nas bases LXXI a LXXIII da Lei Orgânica, do Ultramar Português.
II) A Presidência do Conselho, ouvido o Cônselho Económico, determinará quais as actividades, de entre as submetidas a regime de condicionamento industrial por força da Legislação vigente na metrópole e no ultramar, relativamente as quais as decisões ministeriais deverão ser precedidas do parecer do Conselho.
Sr. Presidente: num plano mais concreto, impõe-se, aliás, no ultramar, certas reformas ou ajustamentos compatíveis com as exigências do desenvolvimento económico ou até a justiça social. Exemplifico com o regime bancário do ultramar e a posição dos pequenos capitais nas sociedades anónimas.
Se compararmos as disposições da Lei n.º 2061 relativa ao regime bancário do ultramar - com as do Decreto-Lei n.º 41 403, de 27 de Novembro de 1957 (cf. também o Decreto-Lei n.º 42 641, de 12 de Novembro de 1959), sobre a reorganização do crédito e estrutura bancária da metrópole, poderemos concluir como as normas em vigor na metrópole respondem mais eficazmente a uma desejável participação das instituições bancárias no desenvolvimento económico do País. Isto, mesmo independentemente de outra questão de interesse fundamental para os bancos comerciais do ultramar: a possibilidade de realizarem operações cambiais.
A participação dos pequenos capitais no desenvolvimento de territórios ultramarinos constitui, por seu turno, desígnio bem louvável. É comum afirmar-se que um índice da capacidade de desenvolvimento, de uma colectividade reside no destino que dá às suas poupanças. A democratização do capital das sociedades anónimas ultramarinas exige uma propaganda persistente, aliada a fundadas garantias. Ainda aqui, conviria atender à legislação das sociedades anónimas, efectuando uma regulamentação que assegurasse, além do mais, os direitos dos pequenos accionistas.
Sr. Presidente: o que afirmei relativamente à unidade económica nacional não deverá entrar em conflito com uma justificada desconcentração administrativa. Apraz-me repetir as palavras que o Sr. Presidente do Conselho pronunciou nesta Assembleia, em Dezembro do ano findo:
É, aliás, fenómeno natural a tendência para o alargamento de funções em correlação com necessidades acrescidas e os meios de que se dispõe. Por outro lado, a vastidão dos territórios e até as distâncias que os separam, ao mesmo tempo que as particularidades de alguns dos seus problemas, hão-de ir impondo que mais vastos sectores da Administração sejam confiados aos órgãos locais, com o que pode ganhar-se em tempo e até, teoricamente ao menos, na justiça de apreciação das circunstâncias de lugar; no entanto, nada pode dispensar a competência de largas elites com que os serviços se enriqueçam.
Sr. Presidente: a análise do parecer sobre as contas públicas, na parte respeitante ao ultramar, fornece uma síntese bem expressiva do progresso económico-financeiro destas províncias de Portugal.
Quando por toda II parte se ergue uma conspiração de injustiça contra o nosso, país, tenhamos o bom senso de não nos deixarmos sugestionar por um espírito derrotista, que só a estranhos aproveitaria.
Perdoe-se-me, pois, que insista em alguns aspectos da vida económico-financeira de Goa, Angola e Moçambique, ou seja das três províncias onde, conforme acentuou o Sr. Presidente do Conselho no discurso já referido, tem sido mais relevante o desenvolvimento nos últimos anos.
Comecemos, pois, pelo Estado da índia.
A situação financeira de Goa reflecte notòriamente este surto de desenvolvimento.
As receitas ordinárias, que em 1938 atingiam 41 532 contos subiram para 264 575 contos vinte anos depois. Finalmente, em 1959, foram de 325 686 coutos. Assim, a um número-índice de 100, em 1938, correspondeu o índice de 784, em 1959!
O facto é bem expressivo, dispensando outros comentários.
Também o comércio externo acusa sensíveis melhorias. O mapa que se segue revela a recuperação operada nas exportações (em milhares de contos):
[ver tabela na imagem]
Ao incremento da indústria mineira deve Goa o relativo desafogo em que vive. A exportação de ferro, que em 1949 dava os primeiros passos, com um volume de 50 000 t, atingiu um 1960 mais de 5 000 000 t.
O mapa que se segue evidencia, nos anos a que respeita, o aumento de empregados e operários e as importâncias recebidas em ordenados e salários nas actividades mineiras:
[ver tabela na imagem]
Embora a progressiva mecanização tenha dispensado braços, não há dúvida de que a mineração contribui activamente para a entrada na circulação monetária e sua redistribuição pelas populações de apreciáveis quantidades de numerário.
Não será, aliás, despropositado atender à evolução dos meios de pagamento no período de 1953-1959. É o que consta do seguinte quadro (situação em 31 de Dezembro):
[ver tabela na imagem]
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O próprio sector agrícola, que até há anos representava o e: saneia! da actividade no Estado da índia, tem conhecido nos últimos tempos acentuados esforços de valorização.
Dos 229 200 contos despendidos com o I Plano de Fomento (1953-1958), destinaram-se, 121 600 ao aproveitamento de recursos e povoamento, dos quais 15 000 aos trabalhos de rega.
Dos 209 000 contos previstos para o II Plano de Fomento (1959-1964), 5000 destinam-se a cartografia geral, 10 000 a estações experimentais, 17 000 ao fomento agro-pecuário e 20 000 ao abastecimento de água.
O caminho a percorrer na valorização da agricultura compreende a revisão de estruturas, o benefício e defesa dos campos, o adestramento de agricultores a práticas mais eficazes, a renovação das sementes, a efectivação mais decisiva da assistência técnica. Convém ainda ter em conta a industrialização de produtos agrícolas e sua colocação nos mercados externos.
O mapa que se segue indica as principais colheitas (quantidades e valores) nos anos de 1958 e 1959:
[ver tabela na imagem]
Como se vê, a produção de arroz constitui a realidade mais notável do sector primário. No entanto, a estrutura da propriedade e a insuficiência nos processos de cultura afectam o rendimento dos arrozais.
Ora o arroz ocupa o primeiro lugar na economia alimentar de Goa. Daí o recurso à importação.
O quadro que se insere indica (em quantidade e valor) o arroz sem casca importado no período de 1956-1959:
[ver tabela na imagem]
Não parece difícil - e nesse sentido têm-se empregado ultimamente os melhores esforços - conseguir aumentar substancialmente a produção de arroz, de forma a obter-se a auto-suficiência da província. Seria mais uma conquista que pesaria benèficamente na balança comercial do Estado da índia.
Dos restantes elementos da produção agrícola, destacam-se o coqueiro, a arequeira e o cajueiro.
O coco oferece-se a uma industrialização que já hoje, embora em medida modesta, tem sua presença na balança comercial. Mas é sobretudo a castanha de caju, cujos valores de exportação foram de 11 200 contos em 1956, 9402 contos em 1957, 13 348 contos em 1958 e 12 473 contos em 1959, que garante ainda largas perspectivas a uma intensificação na produção e comercialização.
Mas o esforço de desenvolvimento económico de Goa deve concentrar-se igualmente na indústria transformadora. Hoje, além de poucas unidades, estas revelam uma feição quase sempre artesanal. Destaca-se, ainda assim, a assadura e empacotamento da castanha de caju, com a presença no comércio exterior já referida.
Ora, o incremento na indústria extractiva e a consequente distribuição de rendimentos oferecem perspectivas de mercado a um desenvolvimento de indústrias transformadoras.
O quadro que se segue elucida sobre as importações das três classes mais intimamente ligadas à indústria transformadora (em contos):
[ver tabela na imagem]
Aliás, uma intensificação na industrialização dos produtos agrícolas deverá constituir maior apoio do sector das exportações.
Tenho fé em que Goa conhecerá ainda melhores dias, pois todos os esforços e possibilidades se orientam em tal sentido. Será mais um vitória da persistência e fidelidade de todos os portugueses.
O Sr. Vasques Tenreiro: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Vasques Tenreiro: - Parece-me que, no que se refere à agricultura, de Goa, haveria toda a conveniência em tomar em consideração aqueles vastos territórios conhecidos pelas «novas conquistas» onde se pratica uma agricultura primitiva. Se st- deve incidir no arroz, das velhas conquistas, seria muito simpático que se tomassem medidas atinentes ao desenvolvimento das culturas alimentares precisamente nos territórios das novas conquistas. Referia-se V. Ex.ª ao arroz e às fruteiras. Mas há um vasto território onde se pratica a cultura itinerantes sendo, portanto, de toda a conveniência que se voltem os esforços dos técnicos para o desenvolvimento dessa agricultura, extremamente fruste.
O Orador: - Registo a nota de V. Ex.ª e, tanto quanto sei, penso que os serviços do Estado da índia se têm preocupado com esse aspecto.
O Sr. Vasques Tenreiro: - Agradeço a informação.
O Orador: - Eu é que lhe estou agradecido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: desde os bancos da escola que aprendemos constituírem Angola e Moçambique vastos territórios de potencialidade económica quase inesgotáveis.
Mais de 2 000 000 km2 forniam um conjunto que corresponde, na Europa, à área de Portugal, Espanha, França, Reino Unido, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Alemanha Ocidental e Suíça.
Cerca de 11 milhões de habitantes revelam, por outro lado, a situação de vastas regiões por ocupar, que necessariamente impõem a presença de populações pro-
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venientes dos outros territórios cie Portugal onde se verifiquem excedentes demográficos.
A densidade populacional de Angola andará à volta de 3,3 habitantes por quilómetro quadrado. A de Moçambique- subirá a 7,5 habitantes por quilómetro quadrado. Trata-se de regiões das mais despovoadas do continente africano. Embora a taxa de crescimento recente tenha acusado sensíveis melhorias (9 por cento em Angola e 11 por cento em Moçambique), estes territórios portugueses são um insistente apelo à nossa capacidade de povoadores.
Angola tem ocupado, entre os territórios da África, o primeiro lugar na produção da pesca, o segundo no café, o terceiro na criação de gado porcino, o quinto na produção de diamantes e sisal, o sétimo na criação de gado bovino e o oitavo na produção de manganês.
Moçambique é o décimo produtor mundial de chá (o terceiro do continente africano), o quinto produtor africano de açúcar e o sétimo de algodão e de carvão.
Tanto Angola como Moçambique, pela estrutura dos seus serviços de transportes e portos, constituem extraordinário apoio aos territórios vizinhos.
Creio, Sr. Presidente, que a consciência da gravidade da hora que passa, relativamente às ambições estrangeiras sobre os nossos territórios ultramarinos, melhor se compreende se tivermos em conta as possibilidades económicas que os mesmos oferecem.
Mas terá sido, acaso, o nosso esforço de valorização insignificante?
Permito-me, embora correndo o risco de repetir muitos números, procurar, responder como se segue, a tal questão:
Comecemos por Angola.
Atentemos, primeiramente, na situação financeira.
O mapa que se segue traduz a evolução (em contos) das receitas e despesas da província nos anos de 1957 a 1959:
[ver tabela na imagem]
Nestes valores estão incluídos os serviços autónomos. Para aferir da sua projecção em Angola, elaborou-se o seguinte quadro, relativo a 1959 (em contos):
[ver tabela na imagem]
Como também se acentua no parecer das contas públicas, os serviços autónomos acusam na África Oriental Portuguesa valores bem mais acentuados. Na África Ocidental Portuguesa haverá que ter ainda em conta os caminhos de ferro particulares.
Mas para o nosso problema reveste particular importância a evolução das receitas ordinárias; "mormente" nos capítulos que passam indicar mais concretamente o desenvolvimento económico da província.
O mapa que se segue ilustra (em milhares de contos) essa evolução:
[ver tabela na imagem]
Verifica-se, é certo, que nos últimos anos o movimento das receitas não tem conhecido aumentos notáveis, notando-se até regressões em alguns capítulos.
Será mais uma oportunidade para indagar da aptidão do regime tributário em vigor, e sobretudo da eficiência na liquidação dos impostos.
Também, não deixará de ter interesse uma referência à dívida pública da província. O quadro que se segue contém a sua evolução nos anos de 1957 a 1959 (em contos):
[ver tabela na imagem]
Finalmente, a circulação fiduciária no último dia de cada um dos três anos referidos atingia os seguintes valores (em contos):
[ver tabela na imagem]
Debrucemo-nos agora sobre alguns aspectos económicos:
1) Agricultura. - É indiscutível a importância deste sector na economia da província. Na impossibilidade de alinhar números que revelem, as produções efectivas dos principais sectores da agricultura angolana, reproduzimos, ao menos, um quadro dos sete principais produtos agrícolas exportados nos anos de 1958 a 1960.
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[ver tabela na imagem]
Isto sem referir outros produtos, cujos valores de exportação foram, em 1959, 09 seguintes:
[ver tabela na imagem]
Desta breve resenha pode concluir-se como alguns produtos (café, sisal, milho, algodão, açúcar e madeiras) representam um papel essencial na economia da província, enquanto que a outros se oferecem perspectivas de larga valorização (exemplo: tabaco).
2) Indústrias extractivas. - E um sector onde são vastos as possibilidades da província. Destes recursos poderemos, desde já, lançar mão para um maior incremento no desenvolvimento e melhoria da balança de pagamentos.
Os números que a seguir transcrevemos podem considerar-se quase desactualizados em alguns aspectos, relativamente a perspectivas próximas. De qualquer modo, incluímo-los como indicadores das realidades nos anos de 1958 a 1960.
[ver tabela na imagem]
Os principais produtos da indústria extractiva figuraram na exportação com os seguintes valores (em contos):
[ver tabela na imagem]
3) Indústria transformadora. - A industrialização é extraordinariamente desejável, não só como elemento fundamental para um aumento de rendimento, mas ainda como processo que faculte uma indispensável tarefa de povoamento.
A sua viabilidade dependerá, ainda aqui, além do mais:
1) Da existência de fontes de energia barata e volumosa;
2) De recursos em matérias-primas transformáveis e de assegurada rentabilidade;
3) De capitais suficientes;
4) De técnica e mão-de-obra eficiente;
5) De mercados seguros para a absorção dos produtos;
6) De sistemas de imposição ajustados às características dos países novos;
7) De ordenamentos jurídicos que permitam realizar um condicionamento ou uma reorganização reputados oportunos.
O mapa que se segue revela algumas das principais produções da indústria em Angola nos anos de 1958 a 1960:
[ver tabela na imagem]
As indústrias de consumo ocupam normalmente mais mão-de-obra do que as chamadas indústrias-bases. Ainda por razões de povoamento, a sua difusão será assim desejável.
As chamadas indústrias-bases são, porém, estruturais, para um país em fase de desenvolvimento.
4) Electricidade. - São vastas as possibilidades de Angola na produção de hidroelectricidade.
Os números que se seguem revelam a produção (unidade = 100 kWh) da província nos anos de 1953-1958, ou seja no período de execução do I Plano de Fomento:
1953 ................ 33 661
1954 ................. 38 678
1955 ................ 42 332
1956 ................ 63 218
1957 ................ 95 840
1958 ................ 117 442
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Num entretempo, e por conta do mesmo I Plano do Fomento, programaram-se e despenderam-se as seguintes verbas (em contos):
[ver tabela na imagem]
Mas os grandes aproveitamentos estão agora em curso, destacando-se o Cuanza, com o escalão de Cambambé, em cuja 1.ª fase se prevê uma produção anual da ordem dos 700 000 000 kWh.
5) Construção civil. - As estatísticas relativas à construção civil nas dez (Luanda. Benguela, Lobito, Moçâmedes, Nova Lisboa, Luso, Silva Porto, Carmona e Sá da Bandeira) principais cidades de Angola em 1959 salientam:
603 edifícios construídos, com 288 557 m2 de superfície coberta e 368 587 contos de investimento.
É um sector que tem especial sedução para alguns grupos de capitalistas e, por vezes, parece menos recomendável para o desenvolvimento económico.
Já, há anos, Hans Singer escrevia a este propósito:
Acredito que a abstenção de consumo ë consequente aplicação de recursos financeiros na expansão da propriedade imobiliária, como principal método de economizar, é a pior atitude possível num país que deseja desenvolver-se economicamente. A expansão dos mercados internos é reduzida pela abstenção ou pela desigual distribuição de rendas; as economias assumem uma forma que prejudica o investimento produtivo, em vez de promovê-lo.
É claro que em Angola há a ter em conta:
1) Que se traia de um país novo;
2) Situado nos trópicos;
3) Onde se quer realizar a instalação de grandes massas deslocadas da metrópole.
Esta característica do povoamento pode dar certa direcção nos investimentos.
Ainda aqui se podiam também reproduzir estas considerações de um ensaio publicado lia anos:
Anotemos, de passagem, que, dado o grau de especialização de mão-de-obra rural, ela tem maior adequação natural para os trabalhos ligados aos investimentos não lucrativos, de base (estradas, barragens, obras de irrigação e drenagem de terrenos, etc.), pelo que uma boa parte dos investimentos novos terá de dirigir-se para o sector do que chamamos infra-estruturas económicas.
(6) Transportes. - Os números seguintes dão mm a ideia da rede de comunicações em Angola no ano de 1959:
Quilómetros
Rede de estradas ........... 35 509
Rede fluvial ............... 1 200
Rede aérea (percursos
simples em exploração)...... 14 023
Rede ferroviária ........... 2 790
Os caminhos de ferro, por sua vez, distribuem-se assim:
Quilómetros
Caminho de ferro de Benguela ..... 1 348
Caminho de ferro de Moçâmedes .... 713
Caminho de ferro de Luanda ....... 606
Caminho de ferro do Amboim ....... 123
A exploração destes caminhos de ferro deu em 1959 as seguintes receitas:
Contos
Passageiros .............. 30 647
Mercadorias ..............471 303
Diversos ................. 15 753
correspondentes ao movimento que consta, deste quadro:
[ver tabela na imagem]
O confronto entre 1959 e 1960 revela o aumento de perto de 1 000 000 t em transporte de carga no caminho de ferro de Benguela, cujas receitas totais também subiram de 450 209 contos em 1959 para 593 471 contos em 1960.
Tal acréscimo deriva não só dos minérios de Catanga como da intensificação da exploração do ferro em Cuima e Cassinga.
Os 35 509 km de estradas atrás referidos classificam-se assim:
8 800 km de estradas de 1.ª classe.
9 718 Km de estradas de 2.ª classe.
1 560 km de estradas de 3.ª classe.
15 351 km de outras estradas.
Essas estradas teriam sido percorridas pelos seguintes veículos (números registados em 1959):
Ligeiros ............... 2 865
Pesados ................ 829
Motociclos ............. 552
Tractores............... 184
O total das embarcações entradas nos quatro principais portos em 1959 consta dos seguintes números:
[ver tabela na imagem]
Estas entradas apoiaram-se no movimento de passageiros e de carga expresso como se segue.
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[ver tabela na imagem]
Sr. Presidente: atentemos agora em alguns aspectos da vida de Moçambique.
Tal como fizemos para Angola, comecemos pelos indicadores financeiros, de que se dá, tílias, um estudo bem completo no parecer da autoria do nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia.
O seguinte quadro contém uma síntese das receitas e despesas nos anos a que se refere (1957 a 1959).
[ver tabela na imagem]
Como se vê, o aumento nas receitas e nas despesas tem sido mais pronunciado do que para Angola. Para tal facto concorrem sensivelmente os serviços autónomos, como se pode inferir dos seguintes números (em contos):
[ver tabela na imagem]
Os valores da receita ordinária nos três anos apresentaram a seguinte evolução (em contos):
[ver tabela na imagem]
Estes sintomas de expansão são, aliás, corroborados pela circulação fiduciária. É o que pode resultar da análise do quadro que se segue:
[ver tabela na imagem]
Finalizaremos a referência aos aspectos financeiros com a indicação da dívida da província em 31 de Dezembro de cada um dos anos que se mencionam:
[ver tabela na imagem]
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[ver tabela na imagem]
Em 1959 Moçambique contraiu, assim, dois empréstimos: um de 150 000 contos, outro de 30 000 contos.
O primeiro, no Ministério das Finanças e concedido por fracções, que serão levantadas no período de 1959 a 19G2 (63 000 coutos, como vimos, em 1959; o outro, no Conselho de Câmbios, levantado em fracções, segundo as possibilidades de crédito do mesmo Conselho (em 1959 utilizaram-se, como se verifica do quadro transcrito, 7000 contos).
Moçambique revela, proporcionalmente, mais do que Angola, a presença da agricultura e, sobretudo, dos serviços na sua estrutura económica. Queremos dizer igualmente que a projecção da indústria extractiva, e mesmo transformadora, é aqui menos sensível, sem isto significar serem pouco importantes as perspectivas que oferecem tais sectores. Por outro lado, o comércio reflecte dois condicionalismos da província: um território vastíssimo e uma população diminuta. Daqui uma pulverização de actividades, com acentuada presença de intermediários, e a fraca força económica das unidades de retalho.
Convém, por outro lado, salientar aquela nota que vulgarmente se destaca no confronto entre a ocupação de Moçambique e a de Angola- (mormente nas explorações agrícolas). Em Moçambique realiza-se mais acentuadamente através de grandes empresas, enquanto na África Ocidental Portuguesa se desenvolve largo esforço (a par, é certo, de empresas grandes) de actividades mistas e pequenas iniciativas individuais.
Na impossibilidade de alinhar números sobre á produção agrícola, socorremo-nos, ao menos, dos valores de exportação de alguns dos principais produtos, o que permite uma ideia da importância do respectivo sector na economia:
[ver tabela na imagem]
Dos produtos de consumo interno destacam-se o milho (produção em 1959: 150 000 sacos por parte, dos agricultores europeus e 60 000 por parte dos indígenas), o arroz, a mandioca e o amendoim.
É fácil asseverar que a produção agrícola de Moçambique se pode incrementar substancialmente. Algumas culturas, como o tabaco e o chá, deverão constituir elementos de apoio ao povoamento europeu.
Os efectivos pecuários da província, embora de importância, estão igualmente longe de esgotar as possibilidades que aqui se oferecem.
Eis os números de maior interesse, segundo o arrolamento de 1958:
[ver tabela na imagem]
Salientámos já a relativa modéstia das indústrias extractivas.
Esta é uma ideia que nos parece pacífica. Assim, por exemplo, no relatório da Associação Industrial Portuguesa de 1958 escrevia-se a tal propósito:
A exploração dos recursos minerais da província está longe de atingir o grau que seria de desejar. Praticamente só a produção de carvão, prestes a atingir a capacidade das instalações (300 000 t) desempenha um papel de relevo na economia da província, visto que a exploração de minérios radioactivos foi suspensa nas minas do Mavuse - as mais importantes - e a existência do petróleo em condições económicas constitui ainda uma incógnita. Note-se, entretanto, que a concessionária (Mozambique Gulf Oil Company) já gastou mais de 250 000 contos em pesquisas infrutíferas e que, de acordo com o novo contrato (...), será obrigada a gastar, juntamente com a Mozambique Pan American Oil Company - nova concessionária -, 85 500 contos em três anos e mais 57200 contos nos dois anos subsequentes. Moçambique receberá a renda anual de 2860 contos, pagos adiantadamente, enquanto durarem as pesquisas, e no caso de vir a ser encontrado petróleo contará com 12,5 por cento de todo o produto bruto e ainda 50 por cento dos lucros líquidos das empresas.
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A indústria transformadora de Moçambique concentra-se principalmente em duas zonas: Lourenço Marques e Beira.
Não é difícil verificar como a densidade de povoamento, as infra-estruturas ou a própria energia justificam tais localizações.
O seguinte quadro permite comparar as produções industriais nos anos de 1953 e 1958:
[ver tabela na imagem]
As potencialidades em energia eléctrica são vastas. As realidades actuais merecem, aliás, ligeira anotação.
Assim, a produção no período de 1953-1957 foi (em 1000 kWh):
1953 ................. 46 601
1954 ................. 50 786
1955 ................. 52 603
1956 ................. 81 841
1957 ................. 78 264
Com o aumento de potência da central do Mavuse, no Revuè, de 10 MW para 46 MW, iniciou-se em 1957 o fornecimento de energia à Rodésia. O número de unidades vendidas (KWh), que deveria atingir, pelo menos, 43,5 milhões em 1957 e 57,4 milhões em 1958, será, até fins de 1967, de 1150 milhões, traduzindo-se num resultado ilíquido de 260 000 contos (quase 25 000 contos anuais) para a província (cf. relatório da Associação Industrial Portuguesa citado).
Além da central do Mavuse, entrou em funcionamento este ano (1959) a de Chicamba Real, integrada no plano geral ide aproveitamento dos recursos hidráulicos da bacia hidrográfica, que elevará para 200 GWh a produção da energia no Revuè, quando toda a potência estiver instalada (1964). A albufeira criada em Chicamba Real, com os seus 1700 milhões de metros cúbicos de capacidade (quase o dobro da do Castelo do Bode, para utilizarmos um termo de comparação conhecido), será a maior em território português.
Os investimentos na 1.ª e 2.ª fases ascenderam a mais de 250 000 contos. O II Plano de Fomento atribui a esta rubrica 150 000 contos, que serão despendidos até 1962 em obras de ampliação.
Entre os escalões do Mavuse e de Chicamba Real admite-se ainda a possibilidade de construir outra albufeira em Tzate, permitindo obter uma potência adicional da ordem dos 700 MW (cf. Rui Martins dos Santos, Alguns Pólos do Desenvolvimento Económico Africano).
Mas a grande esperança de Moçambique é o aproveitamento do Zambeze, para cujos estudos se incluíram 100 000 contos no II Plano de Fomento.
Já em anteriores pareceres sobre as contas públicas do ultramar se calculava, relativamente ao escalão de Cahora Bassa, uma produção anual média de 20 000 GWh a 30 000 GWh.
Salientamos a importância do sector dos transportes e comunicações na economia de Moçambique. Torna-se, aliás, desnecessário referir aqui elementos relacionados com os serviços prestados pela província aos territórios vizinhos.
(Estas receitas, atingem anualmente um milhão de contos).
Sr. Presidente: procuraremos agora salientar, em números globais, algumas notas respeitantes à evolução comparada das duas grandes províncias portuguesas de África.
Recorremos para tal a indicadores relacionados com o movimento da população branca, os planos de fomento, as balanças comerciais, os montantes de investimento e os meios de pagamento.
Fixemo-nos, pois, embora sumàriamente, nestes aspectos:
a) Movimento populacional. - Todas as razões justificam uma presença muito mais volumosa de população branca na África Portuguesa.
No período de 1953 a 1959 o movimento populacional entro a metrópole e as duas províncias acusou os seguintes saldos, favoráveis a Angola e Moçambique:
[ver tabela na imagem]
Em contrapartida, nestes mesmos anos o número de emigrantes da metrópole, sem considerar os retornados, foi de:
1953................. 39 686
1954................. 41 011
1955................. 29 796
1956................. 27 017
1957................. 35 356
1958................. 34 030
1959................. 33 458
É, na verdade, de lamentar que tenhamos perdido todo este capital humano para o desenvolvimento de terras portuguesas!
b) Plano de Fomento. - Os investimentos despendidos por conta do I Plano de Fomento foram (em contos):
[ver tabela na imagem]
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Por sua vez, os investimentos programados no II Plano de Fomento atingem os seguintes montantes (em contos):
[ver tabela na imagem]
Embora estes índices não exprimam todo o esforço de fomento, são já ilustrativos da parte que o Estado planeou.
c) Balança comercial. - O valor das exportações e importações de Angola atingiu os seguintes montantes (em milhares de contos):
[ver tabela na imagem]
No que respeita a Moçambique, foram os seguintes (em milhares de contos) os valores da balança comercial:
[ver tabela na imagem]
d) Investimentos. - Não dispomos de elementos que permitam fazer uma avaliação segura dos investimentos realizados.
Procuraremos, porém, alinhar indicadoras que exprimam, ao menos, unia tendência. Recorremos para tal ;is importações (classe da «Importação de equipamentos»), ao valor dos prédios construídos nos principais centros e aos quantitativos de «Despesas extraordinárias».
Com as limitações que ainda aqui convirá ter presentes poderemos condensar os seguintes números (em milhares de contos) para Angola:
[ver tabela na imagem]
Reproduzimos igual tentativa em relação a Moçambique:
[ver tabela na imagem]
c) Meios de pagamento. - Ilustraremos esta referência com as indicações relativas à moeda em circulação e aos depósitos à ordem (tudo em milhares de contos) no último dia de cada um dos anos que se referem.
Eis os valores para Angola:
[ver tabela na imagem]
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E para Moçambique
[ver tabela na imagem]
Os números transcritos são bem eloquentes.
Quem se der, por outro lado, ao trabalho de os confrontar, por exemplo, com elementos relativos a 1938, o que facilmente se pode fazer recorrendo ao Anuário Estatístico do Ultramar, aperceber-se-á da importância do caminho percorrido nas últimas décadas.
Mas o que está feito é uma pálida imagem daquilo que se impõe realizar.
Permita-me, Sr. Presidente, que posse assim a debruçar-me sobre o futuro.
Angola e Moçambique, como territórios novos, apresentam perante o desenvolvimento económico características comuns a um tipo sui generis:
1.º Predomínio da agricultura e dos serviços, com uma incipiente industrialização;
2.º Reduzido rendimento por habitante ocasionado pelas debilidades estruturais e, em alguns sectores, por uma agricultura de produtividade baixa;
3.º Baixa taxa de formação de capital, com ausência de um sistema bancário que apoie a sua distribuição, e deficiente orientação nos investimentos;
4.º Povoamento reduzido, com inevitável projecção na amplitude do mercado interno. Coexistem, aliás, os dois sistemas de economia (de subsistência e de mercado);
5.º Porte influência das transacções externas - mercadorias e serviços - no desenvolvimento da economia local.
A preponderância de meia dúzia de produtos torna vulnerável a economia das províncias, acentuando mais a sua dependência.
Mas tanto Angola como Moçambique, repetimo-lo, se abrem à nossa capacidade de criadores de novos mundos.
Para que se fique com uma ideia, embora muito geral, das possibilidades imediatas do desenvolvimento de Angola, passamos a transcrever uma súmula, baseada em elementos oferecidos pela Direcção-Geral de Economia do Ultramar aquando das conversações luso-alemâs de Setembro de 1960 sobre actividades susceptíveis de financiamentos ou investimentos:
1) Produção de frutas destinadas aos mercados do Norte da Europa (ananases, abacaxis, bananas, citrinos e mangas) e de conservas de frutas (fomento da produção hortícola nas zonas de povoamento europeu com o objectivo de indústrias de conservas).
2) Criação de gado e produção de carne congelada para consumo local e, sobretudo, exportação.
3) Criação de caracul para aproveitamento das suas utilidades.
4) Indústria de lacticínios. - As importações anuais de lacticínios atingem 70 000 contos em Angola;
5) Montagem de rede frigorífica para apoio à produção e comercialização dos produtos resultantes do desenvolvimento do sector primário.
) Cultura da borracha. - Agora mais justificada com a instalação de uma fábrica de pneus.
7) Cultura do tabaco. - A metrópole importa anualmente do estrangeiro mais de 150 000 contos de tabaco.
8) Pesca. - Embora atingido por crises, este sector ocupa já grande relevo na economia de Angola.
A criação do Instituto da Pesca e outras medidas complementares integram-se num propósito de recuperação.
9) Indústrias extractivas. - Os elementos já atrás referidos revelam a importância dos diamantes, do ferro, do petróleo, do manganês e do cobre na economia da província.
Mas tudo isto constitui apenas uma parte dos seus enormes recursos.
O distrito de Cabinda, por exemplo, surge com algumas fundadas promessas. Por outro lado, as projectadas exportações de ferro nos próximos anos constituirão notável apoio à balança comercial.
10) Electricidade. - Os objectivos imediatos mais relevantes são Cambambe e Catumbela.
O Cuanza, em Angola, tal como o Zambeze, em Moçambique, constituirão dois notáveis pólos de desenvolvimento económico de todo o continente africano.
O potencial hidroeléctrico de Angola parece estar proporcionado com a grandeza da província.
11) Metalurgia. - Será oportuno salientar o que a propósito da electrossiderurgia se escrevia no Relatório Final Preparatório do II Plano de Fomento (vol. IX - ultramar):
Semelhante (antes chamara-se a atenção para o alumínio) é o aspecto económico do problema da siderurgia, que se deseja instalar na província de Angola para tratamento dos minérios da província, o que assegurará novo e forte consumo de energia eléctrica de Cambambe.
12) Indústrias químicas.-Azotados: favorecida pelo potencial hidroeléctrico da província e pelos mercados consumidores constituídos pelos próprios territórios africanos.
Petroquímica: baseada no aproveitamento dos resíduos da refinaria de Luanda.
Insecticidas.
13) Máquinas e equipamentos agrícolas.
14) Material de transporte. - Estaleiro para reparações; equipamento para. caminho de ferro; fábrica de bicicletas.
15) Produtos farmacêuticos. - Angola importa anualmente 80 000 contos destes produtos.
16) Lâmpadas eléctricas. - A importação anual anda por 7000 contos.
17) Aparelhagem de ar condicionado. - A importação atinge cerca de 8000 contos.
18) Indústria de contraplacados e folhados. - Baseadas nas riquíssimas madeiras tropicais.
19) Aproveitamento do sisal. - Fundado na grande produção local.
Também para Moçambique foi, por ocasião das referidas conversações, elaborada uma síntese em que igualmente nos baseamos para agora indicar sectores passíveis de investimentos ou financiamentos:
1) Exploração de recursos florestais, nomeadamente no Norte de Moçambique, e industrialização com base nos mesmos.
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2) Exploração de frutas, nomeadamente citrinos, ananases e bananas, para mercados estrangeiros.
3) Produção de conservas de frutas, sumos e concentrados para exportação.
4) Castanhas de caju: intensificação da produção e conveniente aproveitamento industrial com vista ao mercado externo.
5) Cultura do tabaco.
Na vizinha Federação das Rodésias, as exportações de tabaco rendem anualmente 2 250 000 contos.
6) Pecuária
7) Lacticínios: o mercado local importa anualmente cerca de 60 000 contos.
8) Indústria extractiva:
a) Berilo, columbite, tantalite, mica, lépidolite, pedras preciosas e diamantes;
b) Minérios de ferro;
c) Petróleo (prospecção e possível exploração).
9) Electricidade: para consumo local e exportação.
Permitam-me que abra aqui uma pequena pausa para voltar a referir o aproveitamento do Zambeze, para fins múltiplos.
Reproduzirei as palavras pronunciadas por um secretário provincial de Moçambique (cf. revista Garcia de Orta, vol. 8, n.º 3, p. 664):
Dentro de uns meses, quando muito dentro de poucos anos, vamos ser colocados diante da possibilidade única de erguer no coração da África Portuguesa um monumento à capacidade realizadora de um povo de vocação universal. Sabemos
desde já que, contrariamente ao que se afirmava e supunha (até com base em estudos efectuados no estrangeiro), a fronteira política do nosso território não coincide com a sua fronteira geológico-mineira, e jazigos variados aguardam o cantar mecânico das escavadoras e das perfuradoras. Sabemos já que dispomos na região, aguardando apenas o betão das barragens e o aço das turbinas, de cerca de 60 000 milhões de killowatts-hora, 30 vezes a produção actual da metrópole e da ordem de grandeza da produção total do T. V. A. Reconheceram-se centenas de milhares de hectares de terreno, próprios para culturas regadas, para pastagens, para florestas. Sabemos que é possivel levar, Zambeze acima, até à fronteira, barcos capazes de transportar econòmicamente matérias-primas ou mercadorias...
A transformação da bacia hidrográfica do Zambeze bem poderá nser uma das mais notáveis realizações do nosso século.
10) Indústrias metalomecânicas.
11) Equipamento agrícola e maquinaria.
12) Indústrias químaicas.
13) Produtos farmacêuticos. - O mercado total conduz à importação anual de mais de 50 000 contos destes produtos.
14) Equipamento de ar condicionado.
15) Dericados do sisal, com base na produção de cerca de 35 000 t anuais.
Sr. Presidente: poderemos, de resto, ser bem mais concretos.
O esforço de industrialização de Angola e Moçambique conhece realizações, em curso ou projectadas, de alta importância, as quais mobilizam enormes somas de capital.
Já no fim de 1960 se dava conta - ainda segundo elementos obtidos por intermédio da Direcção-Geral de Economia do Ultramar - dos seguintes empreendimentos:
[ver tabela na imagem]
Trata-se de empreendimentos que ultrapassam - e a enumeração não pretende ser em qualquer sentido exaustiva - mais de 7 500 000 contos, o que parece de alguma importância em qualquer parte do mundo!
Mas nós temos de intensificar a actuação em todos os sectores se queremos salvar o ultramar, ou seja subsistir como nação independente.
O apelo dirige-se muito particularmente aos capitalistas metropolitanos, para que dêem o seu concurso efectivo ao rápido desenvolvimento das terras portuguesas de África.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: ao dar o meu voto de aprovação às Contas Gerais do Estado para 1959, formulo o desejo de que a política portuguesa de valorização de Angola e Moçambique prossiga sem desfalecimento, tendo em conta:
1.º A realização progressiva da união económica portuguesa, a que comecei por me referir nesta intervenção;
2.º A desconcentração administrativa, nos termos previstos no discurso do Sr. Presidente do Concelho de Dezembro findo;
3.º A valorização dos serviços com técnicos adestrados e eficientes;
4.º Um acréscimo de povoamento europeu e mais larga assimilação das populações indígenas;
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5.º A mobilização de capitais, direcção dos investimentos e conveniente articulação de instrumentos de crédito;
6.º Um acréscimo do produto interno por uma maior rentabilidade das actividades existentes e intensificação de investimentos em sectores de indiscutível reprodutividade;
7.º A melhoria da balança comercial - principalmente para Moçambique - e da balança de pagamentos nomeadamente para Angola.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão, mas antes de o fazer convoco a Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social para o dia 20, às 15 horas e 30 minutos, e a Comissão de Educação Nacional, Cultura Popular e Interesses Espirituais e Morais para o mesmo dia, depois da sessão.
Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 13 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Artur Proença Duarte.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Carlos Coelho.
Fernando António Munoz de Oliveira.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Ramiro Machado Valadão.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA