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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 211
ANO DE 1961 20 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 211, EM 19 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente informou estar na Mesa, acompanhada do respectivo parecer da Câmara Corporativa, uma proposta de lei relativa ao arrendamento da propriedade rústica e que a mesma ia baixar às Comissões de Legislação e Redacção, de Política e Administração Geral e Local, de Finanças, e de Economia.
O Sr. Deputado Nunes Barata leu e mandou para a Mesa um requerimento.
O Sr. Deputado Melo Machado manifestou o seu regozijo pela solução que o Sr. Secretário de Estado da Agricultura deu ao problema da Cooperativa dos Produtores de Leite de Mafra.
O Sr. Deputado Armando Cândido pôs em destaque o valor da comunidade luso-brasileira.
O Sr. Deputado Urgel Horta tratou dos problemas de ordem económico-social e sanitária relacionados com as minas de lousa de Valongo.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa, acompanhada do respectivo parecer da Câmara Corporativa, a proposta de lei relativa à reforma da previdência e que a mesma ia baixar à Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social.
Ordem do dia. - Continuou o debate sobre as Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar) e as contas da Junta do Crédito Público referentes a 1959.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Franco Falcão e Nunes Fernandes.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 25 minutos.
CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 41/VII, acerca do projecto de proposta de lei n.º 507 (arrendamento da propriedade rústica), e parecer n.º 39/VII, acerca do projecto de proposta de lei n.º 526 j VI (reforma da previdência social).
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo,
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
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António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Aberto Lopes Moreira.
Carlos Coalho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Nines Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Noel Peres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: -Estão presentes 91 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está na Mesa, acompanhada do respectivo parecer da Câmara Corporativa, uma proposta de lei relativa ao arrendamento da propriedade rústica. Vai baixar às seguintes comissões: de Legislação e Redacção, de Política e Administração Geral e Local, de Finanças e de Economia.
Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Nunes Barata.
O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
«Quem estiver atento ao movimento urbanístico de Lisboa verificará a habitualidade com que se vão demolindo na cidade prédios de boa construção e satisfatório estado de conservação, para em seu lugar se erguerem outros onde, por vezes, no mesmo espaço se multiplica o número de fogos.
Os novos inquilinos passam a pagar rendas de milhares de escudos, quando mós prédios anteriores as mesmas se situavam nas centenas de escudos.
Creio que a explicação deste afã destrutivo, logo compensado por um (proliferar de autênticas gaiolas, tem uma explicação: a especulação que em matéria de construção civil se instalou há anos em Lisboa.
Os habitantes das casas demolidas, gentes de recursos modestos, recebem uma indemnização, para depois passarem a viver o calvário de quem procura casa compatível com seus recursos e desesperadamente vai parar a um quarto sublocado.
Continuo, aliás, sem compreender como num país onde se impõe uma política de formação de capital e direcção reprodutiva nos investimentos se permitem estas especulações, donde resulta uma perda no capital imobiliário nacional, causada por demolições injustificadas, e um desvio de dinheiro para sectores onde o mesmo não realiza eficazmente aquela aceleração no desenvolvimento económico-social que urge levar a cabo.
Consciente das graves consequências a que conduz tal anarquia, requeiro que o Governo me esclareça:
1.º Se tem alguma política definida nesta matéria;
2.º Se projecta através de legislação genérica fixar directrizes a que a Câmara Municipal de Lisboa deva eficazmente sujeitar-se e sujeitar os aventureiros da construção civil;
3.º Se pretende realizar, através do controle do crédito ou da orientação dada aos organismos públicos e semipúblicos que concedem crédito para a construção civil, uma política que obste a tais especulações, favoreça, sim, a construção civil nas modalidades de ajuda social e evite, de qualquer modo, que os recursos financeiros da Nação sejam ingloriamente delapidados numa sucessão de demolições e novas construções, quando há sectores de reprodutividade essencial que aguardam enormes investimentos».
O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: tomou hoje posse uma comissão administrativa nomeada para a Cooperativa dos Produtores de Leite
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de Mafra. Não posso deixar de me regozijar com o facto, não por outro motivo que não seja o interesse que efectivamente tinha na moralização da administração daquele organismo. Sabem VV. Ex.ªs que a razão por que levantei nesta Assembleia a questão dos produtores da Cooperativa dós Produtores de Leite de Mafra proveio de ter recebido pelo correio um panfleto cujas afirmações me pareceram moralmente gravíssimas e desprestigiantes para a organização corporativa. Não tenho, nunca tive, já agora nunca terei, quaisquer espécies de interesses em Mafra. Não conheço quase ninguém em Mafra é não conheço as pessoas que intervieram no assunto. Simplesmente pus a questão nestes termos: em vista do panfleto que era distribuído, tinham de ser castigados ou os caluniadores ou os prevaricadores. O Sr. Secretário de Estado da Agricultura mandou realizar um inquérito, feito por um magistrado que pediu ao Ministério da Justiça, por consequência uma pessoa fora do meio local, económico e burocrático, que deu a sua opinião, que eu transmiti a VV. Ex.ªs, uma vez que me foi facultado o exame desse processo. Depois determinou-se ainda outro inquérito, que, desta vez, foi feito pela inspecção da própria Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas.
Cumpre-me, Sr. Presidente, prestar a aninha homenagem à inspecção da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas pela coragem, pela isenção e pelo espírito de justiça que pôs na resolução desse inquérito. E eu sei que não era muito fácil ter essa coragem ou esse espírito de isenção; e isso demonstrasse por uma simples frase que vem logo no começo das conclusões que me foram enviadas e que diz: «Do exposto desta informação deduzo o seguinte: serem impertinentes e assumirem aspecto de bluff as intimidações feitas aos funcionários da inspecção pelo presidente-gerente».
Também estes inquiridores foram de opinião de que se não devia realizar a assembleia geral, por não estar em condições de satisfazer o papel que lhe competia, em termos tais que a última reunião da assembleia geral que se realizou veio perfeitamente a confirmar.
E VV. Ex.ªs podem ainda ouvir o que dizia o último inquérito:
Assembleia geral. - A sua elevada constituição, 2711 sócios, na sua maior parte incultos e analfabetos e com forte participação do sexo feminino, que só ruidosamente se tem manifestado, alimentado e explorado por propagandas e campanhas tendenciosas e violentas, feitas e travadas pelos componentes da direcção e do conselho fiscal, não oferece presentemente condições que a acreditem para o exercício das suas funções. As suas demonstrações públicas de falta de civilidade, de ódio e de paixões pessoais, por haverem ultrapassado o meio em que se desenvolvem, têm sido altamente desprestigiantes para os serviços do Estado e para a organização, a ponto d e já terem provocado a intervenção da Assembleia Nacional no assunto. Afigura-se-me, por isso, inconveniente a reunião da assembleia geral enquanto não for remodelada a sua constituição por limitação de presença dos associados a determinado número dos seus representantes por eles designado, a exemplo do que se pratica nos grémios da lavoura.
Disse o Sr. Inquiridor, e disse muito bem, porque as suas afirmações ficaram bem demonstradas pela última assembleia geral realizada. Suponho, Sr. Presidente, que, efectivamente, não havia outra solução a tomar quando este inquérito apresenta conclusões deste género, que vou ler a VV. Ex.ªs
Como sabem, digladiavam-se a direcção e o conselho fiscal, e eu disse aqui que se castigasse quem o merecesse, isto é, a direcção ou o conselho fiscal.
As conclusões foram as seguintes:
Conselho fiscal. - Foi sòmente a partir de 1 de Agosto de 1958 que o seu presidente iniciou a sua violenta campanha contra o presidente da direcção. A maneira rude e contundente que tem empregado nas suas críticas e a sua larga divulgação por meio de folhetos impressos, indiscriminadamente distribuídos, além de revelar ódio pessoal, serviu para estabelecer confusão no espírito da massa associativa e afectar o prestígio dos serviços e da organização.
No entanto, com justiça cabe dizer terem fundamento, na sua maior parte, as críticas que o conselho fiscal tem feito acerca da realização de determinados actos administrativos - nada menos de 60 -, cuja síntese consta de fls. 28 a 37 desta informação.
Quer dizer, o dilema que eu tinha posto foi cortado, pois quem tinha razão era o conselho fiscal. É o que diz a inspecção.
Quanto à gerência, diz-se o seguinte:
Gerente. - Este cargo está sendo exercido pelo presidente desde 1954, pelo qual aufere a remuneração de 5 000$, sem sujeição a horário de trabalho. As suas deslocações para Mafra e seu regresso a Lisboa são feitas numa viatura do organismo.
A desorganização que se verifica nos serviços deve ter origem na sua falta de conhecimentos técnicos básicos, indispensáveis para o exercício do cargo de gerente, cujas atribuições são bem diferentes das de director.
Parece que continuo a ter razão, embora se afirme que nos últimos dois anos o aumento de despesas foi de 1000 contos.
Tenho aqui muitos números que não quero ler a VV. Ex.ªs, porque seria fastidioso e incómodo, e também porque não vale a pena. O Sr. Subsecretário de Estado da Agricultura tomou a única resolução que poderia tomar e que foi absolutamente justa e indispensável.
Há ainda aqui uma nota muito curiosa sobre fiscalização, onde se diz:
Fiscalização. - A inspecção afigurou-se exagerado o respectivo quadro do pessoal, o que parece comprovar-se pela comparação com o que existe nas Cooperativas de Loures e Sintra.
No que respeita à sua actuação, é elucidativo o respectivo parecer dos serviços da Direcção-Geral, em que se afirma que nos dois últimos anos a percentagem de leite impróprio para consumo fornecido pela Cooperativa de Mafra é bastante superior à das outras cooperativas.
Em percentagem, ao leite classificado como impróprio couberam: a Loures, 0,6 por cento; a Sintra, 1 por cento; a Mafra, 3,7 por cento.
Informaram também os serviços que a Cooperativa de Mafra, apesar de ter numerosos empregados encarregados de efectuar a fiscalização, não tem tirado grandes resultados destes serviços. É mesmo a cooperativa que está a trabalhar em piores condições.
Eu não digo nada. Nunca disse nada que não fosse colhido nos documentos oficiais. Não conheço as pessoas
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nem me interessa o assunto senão pelo respeita que deve haver pela administração destes organismos, onde se englobam os interesses de milhares de pessoas.
Finalmente, e em último lugar, «o presente trabalho é completado pela informação destes serviços n.º 65. Nela se finalisa a situação económica e financeira, resultados de exercícios, preços, actividade do organismo, etc., e se deduz numa apreciação muito desfavorável que, pelo exposto, julgo plenamente confirmada acerca do critério que tem presidido à sua administração».
Por consequência, Sr. Presidente, dou-me por tranquilo com a minha consciência pelo facto de ter trazido a es a Assembleia um caso que era, na verdade, escandaloso. Posso dizer que sou por vezes interpelado na rua a respeito de Mafra. Em face destes argumentos, que são es argumentos oficiais, e dos números que eu não li, porque não vale a pena, estou muito satisfeito de o ter trazido a esta Assembleia e de poder afirmar a VV. Ex.ªs que ele acaba de ser resolvido pela única forma possível.
Estamos todos de parabéns, o Sr. Secretário de Estado da Agricultura, a Cooperativa de Mafra e, porventura, as entidades que por bem intervieram no assunto.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: não é a primeira vez que me ocupo do Brasil nesta Assembleia. Filiei aqui do grande país irmão nas sessões de 3 e 4 de Março de 1952. No dia 7 de Dezembro de 1954 tomei parte na discussão sobre o Tratado de Amizade e Consulta Luso-Brasileiro. Em 1956, a 24 de Janeiro, usei da palavra sobre a visita a Portugal do então Presidente eleito do Brasil, Dr. Kubitschek de Oliveira.
A minha paixão pelo Brasil é uma paixão de inteligência. Não se limita às raízes sentimentais. Estudei o Brasil para o compreender e compreendi o Brasil para o afirmar.
Este é o pórtico por onde farei passar tudo quanto vou dizer.
Estive no Brasil na altura em que se esboçava a campanha para a eleição do Presidente da República que deveria suceder a, Kubitschek de Oliveira. Políticos e não políticos escreviam e riscavam nomes no cartaz dos futures candidatos. Uns votariam no marechal Lott, outros iriam às urnas por Jânio Quadros. Alguns inclinavam-se para Ademar de Barros, sem faltar quem se lembrasse do marechal Dutra, o único, entre todos, que conheci pessoalmente, numa cerimónia realizada no Ministério da Fazenda.
A pugna começava a acender-se por todo o Brasil, mas, a falar verdade, a mim, como português, não me interessava qualquer das hipóteses, pois contava e sempre contei que, fosse qual fosse o candidato vencedor, Portugal constituiria sempre um caso à parte, um caso definitivo no consenso da política brasileira.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Até no avião em que regressei a Portugal, um brasileiro de S. Paulo, acérrimo partidário de Jânio, se travou de razões com um jornalista do Rio, ferrenho defensor de Lott. Os argumentos, de parte a parte, chegaram a tal ponto de vivacidade, que me vi obrigado a intervir algumas vezes para que a disputa não ganhasse asas mais possantes do que as do próprio aparelho em que seguíamos.
Fiquei, todavia, com uma impressão, para não dizer com uma certeza: Jânio ganharia o prélio eleitoral.
Percebera, durante os meus breves contactos com os vários sectores da opinião pública brasileira, aliás sem a preocupação de os auscultar ou de os procurar para o efeito, que existiam preferências diversas e todas elas volumosas a propósito da escolha do futuro Presidente da República, mas que sobrelevava a todas as correntes de vontade a que pretendia a eleição de alguém que viesse a exercer maior domínio no curso da vida interna, fazendo com que o poder da Administração descesse ao pormenor, quase como o poder doméstico no minucioso arrumo da casa que governa.
Kubitschek de Oliveira seria então o homem das grandes linhas gerais, dos grandes planos de desenvolvimento, dos largos horizontes para as largas projecções, o homem que batalha na esfera dos poderosos acontecimentos nem sempre inteligíveis pelos que desejam o fontanário na sua praça, o seu campo bem regado, o seu jardim bem florido.
Certo dia, ao passar pelo edifício onde se encontra instalada uma das Universidades do Rio, VI escrito em grande letreiro sobre a porta de entrada:
Os estudantes desta Universidade estão em greve, porque foram proibidos de pensar.
Mais adiante, num dos escaparates recheados de livros, revistas e jornais que se topam nas ruas e avenidas do Rio de Janeiro, comprei o último número da revista Escândalo.
Aquilo não era liberdade de pensar, era licença - incrível licença de pensar.
Na tarde desse mesmo dia cruzei com o barbudo Fidel Castro, na Avenida Atlântica, acolitado por três fiéis pistoleiros. E ao entardecer do dia seguinte, com a sua farda de guerrilheiro, as suas barbas parangonescas e a sua palavra sem represas, o mesmo Fidel, perante muita gente aglomerada no largo fronteiro ao edifício da Universidade em greve, disse tudo o que quis, torrencialmente.
Fiquei sem saber se o letreiro que tinha lido era um dístico ironicamente composto ou um protesto de irreverência juvenil tendenciosamente formulado.
Mas o problema não era comigo e só me cumpria anotar na memória, como anotei, esta série de episódios como se anota num álbum unia série de paisagens.
Afinal, o Dr. Jânio Quadros foi eleito. E o Presidente dos Estados Unidos do Brasil. Pelo lugar que ocupa, é um dos mais altos expoentes da comunidade luso-brasileira. O novo Presidente da República do Brasil não pode deixar de sentir o peso desta inegável realidade.
Com isto quero dizer que, se a política interna do Brasil é matéria vedada à nossa intromissão, a política externa da grande nação irmã tem para nós, Portugueses, interesse de especial natureza.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Portugal não deve agredir o Brasil por força de quaisquer dos imperativos da sua política interna.
Também o Brasil não deve agredir Portugal por causa dos ideais que informam o seu sistema de governo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Temos uma base comum, uma base que não cede nem se presta a dissídios sobre a estrutura dos regimes políticos vigentes tanto num país
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como no outro - a base em que as gerações e o tempo assentaram a comunidade luso-brasileira.
Estes são os argumentos irremovíveis; estas suo as verdades imutáveis.
Passámos em política interna por muitas experiências até chegarmos ao resultado que supomos o melhor.
O Brasil, com a sua «americanidade telúrica e a sua latinidade medular», como se diz, lapidarmente, no livro Actualidade e Permanência do Luso-Brasilismo, está, por sua vez, no caminho das experiências ou na meta dos resultados.
Cada qual experimenta como pode e escolhe como deve. O certo é que, se consideramos o Brasil na sua unidade geográfica e política, o Brasil não terá mais do que cumprir as normas da mais natural reciprocidade, considerando Portugal no seu todo, desde o Minho a Timor, no seu todo feito de terras, mar e gente, no seu todo espalhado pelo Mundo, que não é para ser dividido por cores ou raças, nem por limites desenhados e impostos por qualquer ditador ou sociedade de ditadores estranhos à nobre condição da nossa independência e ao histórico conteúdo da nossa unidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nem o Brasil ganharia em contribuir para a diminuição da nossa área territorial e humana, porque, na medida em que o fizesse, ele também se diminuiria irremediavelmente, pela simples razão de que tudo o que afectasse a integridade do Brasil- afectaria ao mesmo tempo a integridade de Portugal.
Este conceito de integridade enche um conceito de grandeza.
O Mundo anda repartido em blocos.
A Rússia tem os seus satélites.
A China Vermelha, só por si, é um bloco imenso e talvez não precise da Rússia nem de satélites.
Fora da O. N. U. existem alianças defensivas e ofensivas como nunca.
Tão depressa a América do Norte se reúne com os outros países das Américas para salvar a paz no continente americano como toma parte activa na organização de um conjunto de países para a defesa do Sueste Asiático.
Conferências de Bagdade, de Bandung, do Cairo, de Casa Branca, a Europa dos Seis, dos Sete...
Uma autêntica febre de organização por blocos, gerada pela descrença na suprema organização das nações ditas unidas!
Os comunistas, por exemplo, executam metodicamente o seu plano e avançam sem cessar, até mesmo quando sé contentam com a política da metade para a outra metade.
O Vietname do Norte é uma seta apontada ao Vietname do Sul. Tal como na Coreia. Tal como amanhã no Laos.
Como poderão o Brasil e Portugal fragmentar o poder da sua força, o argumento da sua coesão?
A comunidade luso-brasileira só existirá verdadeiramente e só poderá constituir uma força à altura dos graves acontecimentos actuais se continuar com as suas posições na Europa, na América do Sul, em África, no meio do Atlântico, na Ásia e na Oceânia.
Assim, os outros países, as outras comunidades, os outros blocos, darão mais valor e reconhecerão mais poder a Portugal ou ao Brasil, porque continuarão á ficar sabendo que onde um estiver na balança das forças internacionais o outro também lá se encontrará.
Não se vê, serenamente, outra política, outro caminho, outro destino.
Vozes: - Muito bem!
Orador: - Trocar alianças de séculos e de sangue por qualquer aliança de ocasião ou de negócio seria fazer com que depois, volvido o momento ou esgotado o negócio, se deplorasse o erro mortal sobre um negro conjunto de ilusões e destroços.
Portugal não o quer, e penso que não será outra a vontade brasileira.
Assim, e quando falo da nossa posição em face do Brasil, falo também da posição do Brasil perante nós, porque não sei falar só do Brasil ou só de Portugal quando tenho de falar de Portugal ou do Brasil perante o Mundo.
Isto é assim e não pode deixar de ser assim; no entanto, vejo toda a conveniência nas seguintes observações :
Sei que na América do Sul a ideia e a prática de asilo político possui conteúdo muito vasto e margens muito amplas. Tem-se por lá a noção de que o facho do ideal político é uma espécie de tocha sagrada que pode pegar fogo a todos os arraiais contrários, sem que por isso possa ser acusado, de incendiário. Não discuto aqui nem a ideia nem a prática - só discuto o excesso do excesso.
Os assaltantes do paquete Santa Maria não eram portugueses portadores de uma atitude de rebelião contra o Governo do seu país. Constituíam um bando internacional que usou todos os processos de pirataria para atacar e tomar pela força das armas um pedaço flutuante de Portugal. Mataram, roubaram, sequestraram à velha moda dos Culis. Existiam portugueses no bando. Mas esses portugueses eram e são confessadamente terroristas. O seu chefe mandara lançar bombas na Espanha.
Terroristas não são políticos: são réus com lugar reservado nas prisões e com o destino afecto aos tribunais comuns.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Assim não percebo como o Brasil concedeu asilo político a um bando internacional de terroristas que não passam de perigosos delinquentes sob à alçada dos órgãos judiciários normais encarregados de fazer cumprir a lei criminal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Demais a mais não se tratava, nem se trata, de um grupo ou de uma facção partidária constituída unicamente por portugueses que se tivessem batido lealmente contra o Governo da sua pátria.
Pouco depois da minha chegada ao Rio de Janeiro, alguns dias após ter descido de outro avião o ex-general, ex-nacionalista e ex-candidato à Presidência da República Humberto Delgado, dizia-me um brasileiro: «Este caso Delgado não dá filho»!
Queria aquele meu amigo brasileiro dizer, com a sua pitoresca expressão, que a estada de Delgado no Brasil não criaria ambiente nem teria consequências morais ou políticas que pudessem, de qualquer modo, arrefecer ou prejudicar as relações entre Portugal e o Brasil.
Na verdade e no fundo, o caso Delgado tem-se dissolvido em si mesmo. Simplesmente, o ex-candidato Delgado e pretenso candidato a candidato perpétuo juntou-se criminosamente ao bando de criminosos internacionais em questão e permite-se, a ele e aos do seu bando, atacar Portugal, servindo o Brasil de reduto intangível. E o mais impressionante ainda - esmagadoramente impressionante - é que os criminosos fazem
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parte do D. R. I. L. (abreviatura já tristemente conhecida do Directório Revolucionário Ibérico de Libertação) e atacam na sombra, sinistramente, o próprio país que lhes dá guarida, como se demonstra pelas recentíssimas confissões de um malfeitor, de nacionalidade estrangeira, a quem o D. R. I. L. pagou para praticar actos de terrorismo contra a Embaixada do Brasil em Portugal, com o propósito de perturbar as fraternais relações entre os dois países.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por aqui poderá ver o Brasil quais são os seus amigos verdadeiros, que lhe dão palmas sinceras, e o j que escondem os punhais para se servirem deles depois das palmas que duo.
Outra nota:
Verifiquei e verifico que se exploram no Brasil e em relação a Portugal estas palavras vazias: ditadura de Salazar.
Eu próprio encontrei aqui e ali, à venda, no Rio de Janeiro, brochuras inflamadas por fora e por dentro contra essa imaginária ditadura.
Mas Portugal tem a sua Constituição, o Poder encontra-se limitado pela moral, existem tribunais que julgam com plena independência, tanto que revogam por vezes decisões do Governo e impedem a execução de outras, anda-se à vontade na rua, trabalha-se em sossego, cada qual pensa como quer, circulam pelo País algumas publicações em que os seus autores discordam do regime, e Salazar, essa decantada figura de ditador, não passe, afinal, de um humaníssimo governante, pleno das dádivas do bom senso e da inteligência, profundamente culto e profundamente cristão...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... tão grande na simplicidade do saber como na bondade do querer.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se alguns brasileiros tivessem visto Salazar ainda há poucos dias, no meio de dezenas de milhares de portugueses, misturado naturalmente com o povo, quando da chegada do paquete Santa Maria, talvez se convertessem, e uma vez convertidos talvez se penitenciassem.
Que não admitimos a liberdade de perturbar a opinião pública, a licença de promover a desordem nas almas e nas ruas?
Mas isto não é ditadura, ou, melhor, será a natural ditadura das experiências muito caras que temos vivido e não queremos jamais tornar a viver.
Em todo o caso, e seja como for, temos em Portugal uma forte, uma irreprimível ditadura - a ditadura da amizade pelo Brasil.
Outra palavra que está tomando vulto no Brasil é esta de colonialismo.
Mas que espécie de colonialismo?
Sé o Brasil está contra o colonialismo traduzido na opressão 3 exploração das massas nativas - estamos com o Brasil.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se o Brasil não admite despotismos de uma raça contra outra - não deixamos de estar com o Brasil.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se o Brasil não tolera privilégios ou realezas de cor - ainda continuamos a estar plenamente com o Brasil.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas se o Brasil, por hipótese inadmissível, supusesse que o Portugal da Europa escravizava e explorava as populações do Portugal de além-mar - não concordaríamos com o Brasil.
Mas se o Brasil chegasse a ponto, o que julgo fora de toda a lógica das possibilidades, de apoiar ou de promover a partilha de Portugal pelos inimigos que o atacam - não estaríamos com o Brasil.
E se o Brasil, porventura, contra todas as previsões, preferisse negar-se a si próprio, como o melhor exemplo dos processos de colonização portuguesa - então o Brasil é que não estaria consigo próprio.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: contei alguns factos, algumas certezas, e fiz algumas reflexões.
Guardei a esperança para o fim.
Espero, na verdade, que o Brasil continue a ser a pujante afirmação de um povo que se repartiu por duas pátrias sem deixar mutilada a árvore comum.
Espero que o Brasil continue a ser tão português como Portugal é tão brasileiro diante dos perigos que sobressaltam o Mundo.
Espero que o Brasil de hoje possa construir livremente o Brasil de amanhã, dominando as suas distâncias como nós dominamos o mar que dele nos separa.
Espero que o Brasil continue, sem embargo, a sua e nossa mensagem étnica, como nós a pretendemos continuar no Portugal do outro lado do mar que povoámos de almas e preces.
Espero que as fronteiras do Brasil permaneçam tão sagradas como as nossas.
Espero que no vasto território do Brasil, na terra aproveitada ou na imensidade a aproveitar, nos meios plenos de civilização ou nos conjuntos populacionais mais atrasados, alguns deles só agora conhecidos, nunca se possa acender qualquer foco de perturbação provocado pela cobiça ou pela inveja alheia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Espero que o Brasil nunca deixe de distinguir - como disse um grande brasileiro - entre o ideal humano de liberdade para todos os povos e a exploração comunista que transformou a questão do colonialismo em arma de propaganda contra as nações ocidentais.
Espero que o Brasil, em face da presente conjura afro-asiática, sinta, pelas suas raízes ancestrais, pela inteligência dos seus homens do Governo e pela intuição do seu grande povo, que não se trata só de uma guerra movida a Portugal.
Espero que o Brasil jamais possa enfileirar ao lado dos que pretendem aproveitar o momento para servirem a avidez dos seus interesses, pois quem ganharia a partida nas áreas roubadas a Portugal seria a Rússia e a China Vermelha, pelo reforço dos seus princípios ideológicos, militares, étnicos e económicos.
Espero que a política externa brasileira não se deixe seduzir por qualquer processo de imediatismo fácil, quando é certo que hoje e no futuro poderá contar com a presença amiga de Portugal em pontos vitais para a segurança do próprio Brasil, como seja o de Angola,
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que a ambição de estranhos à comunidade luso-brasileira está, neste momento, tentando assaltar e tomar por todos os meios e por todas as formas.
Espero - espero, sim, como quem junta a sua fé às verdades o aos desígnios da história - que o Brasil nunca deixe de compreender que a sua experiência de civilização nos trópicos se funda na experiência lusíada, ou, antes, que a sua experiência é a nossa experiência de Brasileiros e Portugueses no seu mais belo prolongamento e na sua mais transcendente lição.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: pretendemos na curta más precisa intervenção que estamos iniciando tratar a situação em que se encontram as minas de lousa de Valongo, em face dos seus problemas de ordem económico-social e de ordem Sanitária, estes intimamente ligados à silicose, doença de mineiros que trabalham em meios poeirentos em que a sílica prevalece como elemento causador de tão grave doença.
Não é novo o tema que vamos tratar, visto já o havermos trazido à Assembleia Nacional na presente Legislatura. Analisado na sua generalidade, tivemos então ocasião de apontar a gravidade de que se reveste, pedindo a adopção de medidas protectoras para quantos empregam a sua actividade em labor de consequências tão perigosas.
Na verdade, este vasto síndroma, abrangendo as pneumoconioses, nas suas. diversas formas, silicoses, antracoses, sideroses e outras, precisa, ser encarado na objectividade da sua prevenção, tentando combater o grau de malignidade que esse quadro clínico atinge, compreendendo medidas curativas e profilácticas, tendentes a evitar ou atenuar todo o cortejo de sofrimento a que dão causa.
Acusa dimensões de extraordinário volume este problema, que, envolvendo questões médicas de extraordinária delicadeza, é, quer sob o aspecto social, quer sob o aspecto económico, forte motivo a arrastar o indivíduo e a família para a ruína, para a miséria e para a morte.
Não tem a intervenção que estamos realizando o largo objectivo de analisar profundamente, nos seus múltiplos aspectos, toda a variedade de pneumoconioses, mas apenas ocupar-nos da silicose, que, ao lado da siderose, é onusa de doença, com prognóstico sombrio para os atacados por esse agente física, portador de inúmeras desgraças.
Tem a silicose a sua origem no ambiente de poeiras em que os operários trabalham, onde as partículas de sílica, com dimensões extraordinariamente reduzidas, penetrando no aparelho respiratório, acumulando-se depois nas paredes dos linfáticos, onde sofrem a transformação em sílica coloidal, originam lesões anátomo-patológicas, modificadoras da estrutura orgânica do pulmão, ponto de partida para graves consequências.
A sintomatologia silicósica, que a princípio toma aspectos de benignidade, vai a pouco e pouco evoluindo, com alterações de intensidade, reflectidas na tosse e continuadas por dispneia e cianose, mascarando as mais das vezes a tuberculose, que chega a atingir cifras muito elevadas, 70 por cento, em indivíduos silicósicos.
Exige a silicose, no seu diagnóstico, exame aturado e profundo, utilizando para tal finalidade todos os recursos de que a medicina dispõe, embora a terapêutica mais actualizada se mostre insuficiente na redução da sintomatologia que a silicose ocasiona, atingindo pulmões, coração e vasos na sua acção destruidora.
Posto assim o problema, que pede a adopção de medidas drásticas, em certos aspectos, seja-nos permitido tratar particularmente do que presentemente se passa na indústria de lousas de Valongo, arredores do Porto, indústria onde trabalham aproximadamente 1500 operários, submetidos a riscos graves ligados às doenças profissionais, auferindo salários incompatíveis com as necessidades familiares, vivendo-se em clima de confusão, industrial que se torna necessário disciplinar e esclarecer nos diferentes ramos de tão importante actividade.
Seja no aspecto social, seja no aspecto económico, temos de encarar os jazigos de lousa no justo valor de exploração ou produção e exportação realizada em diversos períodos, o que se demonstra no gráfico e nos quadros que temos presentes e que acompanharão esta exposição.
Os seus números, extraídos do Boletim do Comércio Externo do Instituto Nacional de Estatística, demonstram a importância da indústria louseira.
Assim, no decénio de 1950-1959 exportaram-se 72 989 t de lousa, no valor de 180 287 000$, o que dá uma média anual de 7298,9 t e 18 028,7 contos, respectivamente.
Neste mesmo, período foi atingido o máximo em 1951, com o valor de 32 290 contos, a um preço médio de 3 567$ por tonelada. Os anos de 1953 e 1954 foram anos de grave crise, sendo o de 1953 o pior do seu decénio, pois só se registou uma exportação de 5648 t, no valor de 10 540 contos, o que dá como preço médio 1 866$ por tonelada.
Pelos gráficos conclui-se que, embora em quantidade a exportação se haja mantido quase estacionária, exceptuados os anos de 1952 e 1953, em valor sofreu grandes oscilações, visto que, enquanto o parâmetro de dispersão definido pelo desvio entre os dois valores extremos foi cerca de 50 por cento, em relação à média das quantidades exportadas foi de 22 750 contos, ou seja mais de 120 por cento em relação ao valor.
Estes números traduzem factos que é necessário evitar, combatendo todas as atitudes tendentes a diminuir valores que devem ser conservados e defendidos.
Uma conclusão, a mais importante, é a organização da indústria dentro de princípios que o nosso interesse e as condições actuais do mercado impõem.
São as nossas lousas de qualidade reconhecidamente superior à das de outros países, não podendo nem devendo inferiorizar-nos em face da concorrência internacional ou das relações entre produtores e exportadores.
A pulverização ou dispersão da indústria não pode manter-se, visto de tal facto resultar um aviltamento de preços que afecta o interesse geral, representado pelo operário, pelo industrial e pelo próprio Estado.
Impõe-se a reorganização que ao Ministério da Economia compete fazer, de forma a impor disciplina à indústria e ao comércio da lousa, dentro de preceitos regulamentares semelhantes aos usados ou seguidos em quase todos os sectores de actividade industrial.
Há que rever este problema, encarando a sua concentração, como necessidade premente ao bem da comunidade.
Urge trabalhar no sentido de tirar o máximo proveito de uma riqueza, que vem sendo desbaratada em manifesto prejuízo da região, do País e, muito especialmente, do operário, que carece ser protegido da acção deletéria da silicose, síndroma tão complexo como grave nas suas incidências orgânicas.
A situação verdadeiramente desordenada e confusa em que tem vivido a indústria louseira não pode manter-se, impondo a urgência de providências legais que,
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evitando o desemprego, não possam dar causa ao enfraquecimento da indústria, fundamentado até em faltai de mão-de-obra.
Cabe uma grande parcela de culpa do que se está passando no grau de responsabilidade inerente às entidades patronais e seguradoras da silicose, responsabilidade que se torna necessário compreender e garantir.
Problema de tão extraordinária delicadeza há que encará-lo de frente, procurando-lhe a melhor solução, que impõe sacrifícios a que não pode fugir-se.
A defesa da vida humana não tem preço. Perante essa extraordinária valorização, o maior capital de um povo e da humanidade, são bem aceites todas as medidas de segurança compatíveis com a defesa da existência do indivíduo.
O contrato colectivo de trabalho, com o aumento de salários, esquecido o problema da silicose, não é justo nem é humano, sendo irrealizável perante as circunstâncias em que vivemos.
Há que resolver estes dois problemas, encarando-os em conjunto, como um todo defensor do operário e defensor da empresa, olhando a vida através da graça concedida pela Providência criadora do universo, dando ao homem o lugar que por direito divino lhe pertence.
Mas um acordo, para ser firme e justo, impõe a organização económica da indústria, dentro de um sistema rígido de segurança colectiva, olhando com clarividência AO bem comum, no combate à anarquia em que a exploração da indústria louseira vem vivendo e que pode afundá-la.
O Sr. Ministro das Corporações é um estadista altamente digno, inteiramente ao serviço da Nação.
Estamos absolutamente convencidos de que deve ter maduramente cogitado sobre problema de tanta relevância e projecção como este é e são outros de igual valia que se lhe apresentam.
Pode confiar-se na sua acção, sempre orientada pelos princípios em que o seu magnífico espírito se formou, num ambiente onde a caridade e a justiça vivem sinceramente irmanadas na prática, das melhores virtudes.
São reconhecidamente difíceis as circunstâncias em que o problema se agita. Não sendo fácil a solução, confiamos na vontade e na inteligência do Ministro a quem tal tarefa cabe.
Sr. Presidente: a responsabilidade das doenças profissionais, silicose à frente; a reorganização da indústria em princípios de concentração, quer no ramo da produção, quer no ramo comercial, obedecendo à indispensável rentabilidade, base económica necessária à segurança e à higiene do trabalho, e ainda o reajustamento de salários, de harmonia com as necessidades do operário, são condições precisas ao desenvolvimento e ao progresso de uma indústria de tão saliente projecção na vida do trabalhador mineiro e do industrial orientador desta actividade.
Tomando por base estes princípios, após a limagem de certas arestas, filhas de incompreensões, egoísmos ou ambições insólitas, teremos realizado magnífica tarefa, levando a tranquilidade e o bem-estar a todos quantos prestam o seu concurso à indústria louseira, tornada útil (c) progressiva, a bem da comunidade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
[ver tabela na imagem]
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QUADRO I
Produção de ardósia.
[ver tabela na imagem]
(a) Annuaire Statistique de la France, anos de 1955 e 1956.
(b) Anuàrio Statistico Italiano, anos de 1955 e 1956.
Itália
Ardósia em bruto e em pedra exportada no ano de 1955:
[ver tabela na imagem]
(a) Somente ardósia em pó.
Fonte: Statistica Annuale del Commercio con l'Estero.
França Ardósia trabalhada exportada em 1956:
28 278 quintais, no valor de 84 266 milhares de francos.
Fonte: Statistique Mensuelle du Commerce Extérior de la France.
QUADRO II
Produção de ardósias para cobertura (a)
[ver tabela na imagem]
(a) Statistical Yeabook of United Nations, ano de 1956.
O Sr. Presidente: - Antes de passar, à ordem do dia, comunico à Assembleia que está na Mesa, acompanhada do respectivo parecer da Câmara Corporativa, a proposta de lei referente à reforma da previdência. Vai baixar à Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social.
Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gemais do Estado, (metrópole e ultramar) e as contas da Junta do Crédito Público referentes a 1959.
Tem a palavra o Sr. Deputado Franco Falcão.
O Sr. Franco Falcão: - Sr. Presidente: alcançada a etapa final da VII Legislatura, é esta a última vez que no seu decurso tenho a honra de usar da palavra do alto desta gloriosa tribuna.
E, porque neste mesmo lugar iniciei a minha modesta actividade parlamentar, quero terminar como comecei, apresentando a V. Ex.ª cumprimentos do maior respeito e da mais profunda admiração.
O brilho e a autoridade que a fulgurante inteligência, o acertado senso político e o distinto aprumo de V. Ex.ª têm dispensado nesta Câmara e ao País como chefe insigne do Poder Legislativo granjearam-lhe um nome do maior relevo na vida política e no conjunto dos grandes valores nacionais.
Por outro lado, as elevadas qualidades de que V. Ex.ª é possuidor, aliadas a uma forte personalidade e espírito de tolerância, criaram dentro, desta Câmara um salutar ambiente de solidariedade e de camaradagem, ao mesmo tempo que se radicou um franco sentimento de consideração e carinho pelo seu presidente, cuja bondade e simpatia conquistaram um lugar de especial afecto no coração de cada um de nós.
Pára V. Ex.ª, Sr. Presidente, vão. pois as minhas melhores homenagens e os votos sinceros para que Deus guarde V. Ex.ª por muitos e largos anos.
Também aos Srs. Deputados eu quero apresentar os meus cordiais cumprimentos e manifestar-lhes o meu profundo reconhecimento pela paciência e atenção que se dignaram dispensar às minhas pobres e descoloridas intervenções.
Não quero fazer qualquer excepção, que seria certamente esmagada pelo espírito de compreensiva convivência e justo sentido das responsabilidades e pelo exacto conhecimento das normas de conduta social, que, ao longo da presente legislatura, sempre dominaram as boas relações, firmaram amizades e tornaram útil a nossa acção no cumprimento do honroso mandato que a Nação nos confiou.
Aos dignos representantes da imprensa desejo do mesmo modo endereçar as melhores saudações e agradecer-lhes a fidelidade com que sempre souberam relatar e interpretar a minha acção política, tornando extensivo este meu agradecimento aos conceituados jornais que dignamente representam, pela forma amável e generosa como se dignaram sempre acolher nas suas honradas colunas, a minha actividade parlamentar, que, em obediência ao nobre mandato que me foi confiado, tenho procurado desempenhar com isenção, honestidade e espírito construtivo.
Aproveito este grato ensejo para manifestar à imprensa, portuguesa a minha maior admiração pela forma verdadeiramente exemplar como tem sabido repudiar as afrontas que têm sido dirigidas à nossa integridade territorial e o modo como tem sabido nobremente acompanhar os portugueses de lei nas suas dores e nas suas amarguras causadas pelos ataques desencadeados cinicamente contra o prestígio, a segurança e a unidade da Nação Portuguesa.
A nossa imprensa bem pode considerar-se a mais digna e séria de todo o Mundo.
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Consciente da sua nobre missão de informar com plena verdade, de exteriorizar as alegrias e as tristezas dos Portugueses e de defender pela palavra escrita os valores sagrados da Pátria, não se deixa seduzir, pelo interesse material ou pela maldade da notícia especulativa de sensação.
Por outro lado, não dá guarida a despeitados, nem a traidores, nem tão-pouco alberga ou alimenta ideais onde a liberdade se transforma em tirania, o respeito pelo indivíduo degenera em escravatura e os princípios da paz entre os homens, do bem e da honra são substituídos pela luta e pela ambição, pelo ódio e pelo crime, pela ignomínia e pela aventura de fanáticos aventureiros.
Bem merece a imprensa portuguesa a maio confiança, respeito e admiração, sobretudo aquela que, acima de cores ou credos políticos, tem sabido colocar os altos interesses de Portugal.
Sr. Presidente: a forma clara e precisa como são apresentadas ao País as Contas Gerais do Estado e a publicidade que honestamente lhes é dada para que a Nação seja suficientemente esclarecida acerca da forma como é administrado o seu património constituem a melhor prova do equilíbrio e da prosperidade da nossa bem dirigida política financeira.
Esta certeza incontestável demonstra à evidência que, a despeito das convulsões do Mundo, dos encargos impostos por virtude de inquietantes ameaças de ambiciosas inimigos ou de falsos amigos e da execução de grandiosos planos de fomento, a administração pública portuguesa continua a ser um modelo de estruturação, de ordem e de unidade.
A técnica usada, a perfeita ordenação de receitas e despesas e a compreensiva distribuição pelos diferentes sectores da vida económica e administrativa tornaram as contas públicas acessíveis a todas as inteligências, até mesmo àquelas que por vezes se encontram toldadas por abjectas paixões políticas ou por simples factores de ordem psicológica, onde, acima da justiça e da equidade, pairam a deformação moral, o negativismo e a má-língua.
No momento em que as contas públicas são presentes à apreciação e aprovação desta Câmara, é sempre grato enaltecer a figura prestigiosa do Sr. Presidente do Conselho, que foi o grande iniciador dos equilíbrios orçamentais e, ao mesmo tempo que traçou o caminho seguro das finanças portuguesas, definiu e assegurou as posições políticas que tornaram possível a grande tarefa em marcha de renovação e valorização da vida económica, social e política do País.
Na inteligente e ponderada sequência da política financeira iniciada por Salazar o Sr. Prof. Pinto Barbosa tem, com a maior fidelidade e abnegação, continuado a apresentar gerências baseadas nos salutares principios da verdade e da honestidade, pelo que conquistou há muito a confiança geral da Nação.
Não obstante as flutuações conjunturais, continuamos a ter contas públicas, sadias, moeda valorizada e orçamentos equilibrados, que nos permitiram dar observância ao I Plano de Fomento, garantem a execução do II Plano - no qual serão investidos 30 milhões de contos - e entusiasmaram os estudos já iniciados para a elaboração do III Plano de Fomento.
A gerência das Contas Gerais do Estado submetidas à apreciação e votação desta Câmara acusa que as despesas ordinárias foram cobertas com tranquilizadora margem pelas receitai da mesma natureza.
Verifica-se, por outro lado, que o excedente das receitas sobre as despesas ordinárias cobriu a diferença entre as receitas e as despesas extraordinárias.
Assim, os resultados orçamentais em causa oferecem um saldo efectivo de 30 917 000$, pois que o total das receitas gerais soma 9 777 575 000$ e o quantitativo geral das despesas acusa a cifra de 9 746 658 000$.
Verifica-se, deste modo, que a política dos saldos positivos continua a dominar toda a orgânica financeira da administração pública.
O bem elaborado relatório sobre as contas públicas insere uma perfeita e realista apreciação de toda a actividade económica e financeira do País.
As contas e os relatórios constituem documentos preciosos, acessíveis pela sua clareza e publicidade a todos quantos desejarem conhecer a forma como se processa a vida financeira nacional, e, por isso, não me deterei em circunstanciada e minuciosa análise, acerca de cada um dos seus capítulos.
Verifica-se que continua a dominar a maior prudência na distribuição das receitas, tendo em vista o princípio de que as verbas mais aplicadas podem comprometer a satisfação imediata de necessidades que, pela natureza de que se revestem, exigem a maior urgência na sua pronta e cabal resolução.
Nota-se ainda, por outro lado, um evidente progresso no sector industrial, que não foi, infelizmente, acompanhado pelo sector agrícola, por virtude, principalmente, das péssimas condições climatéricas, o que se traduziu em desfavorável crescimento do rendimento nacional.
Por todas as razões aduzidas, é-me extremamente agradável, na qualidade de representante da Nação, que se orgulha de ver progredir esta abençoada terra portuguesa, dar com a maior confiança a minha total aprovação às Contas Gerais do Estado.
Sr. Presidente: se a conquista no campo das finanças exigiu esforços, sacrifícios e forte espírito de unidade de todos os portugueses, temos de redrobar esses sentimentos de unidade é de patriotismo em relação ao sector da economia.
No momento em que a cobiça nos ronda a porta e os mercados internacionais se preparam para enfrentar uma luta de sobrevivência económica, temos de mobilizar todos os nossos recursos.
Não podemos ficar indiferentes ao combate, sob pena de cairmos num trágico isolacionismo ou sermos vencidos no campo raso dos mercados, o que viria contrariar o temperamento combativo, realizador e heróico de que os Portugueses sempre souberam dar provas em todas as emergências da história.
Temos de, a todo o custo, aumentar a produtividade nacional em todos os campos e dar aos produtores e comerciantes francas possibilidades de vida desafogada, para que as iniciativas não faltem.
A competição com os mercados internacionais constitui elemento de ascensão à escala de país evoluído e é condição decisiva para o equilíbrio da nossa balança comercial.
Que todos os produtores e comerciantes se convençam desta transcendente verdade e os responsáveis pela governação amparem, facilitem e estimulem todas as pequenas ou grandes iniciativas.
Mas não basta procurarmos reunir as condições de ingresso e de expansão nos mercados de cooperação europeia.
Para o completo triunfo de toda a nossa economia é mister que se aumente o poder de compra interno e se promova o desenvolvimento de mercados tipicamente portugueses.
Possuímos grandes extensões espalhadas por todas as parcelas do nosso território que é necessário explorar e aproveitar para que de todas as nossas vastas riquezas possamos tirar o maior rendimento em benefício da colectividade e. da melhoria de condições de vida de todos os portugueses de aquém e de além-mar.
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As províncias da metrópole e do ultramar, irmanadas há 500 anos nos mesmos anseios de progresso nacional, têm de constituir um bloco cada vez mais forte de prosperidade económica, social e moral, pelo que não devem existir limitações nem entraves à livre circulação de portugueses, de capitais e de mercadorias entre todas as valorosas parcelas do nosso território.
A nossa capacidade realizadora e produtora tem-se revelado dia a dia capaz de competir com o que de melhor se produz e fabrica lá fora.
Temos, por isso, de entusiasmar os mercados internos e dar justa preferência a tudo o que é nosso.
Julgar de melhor qualidade e de mais sugestiva apresentação o que vem do estrangeiro, apenas porque é estrangeiro, não passa de simples snobismo, de espaventosa megalomania ou de inferiores instintos derrotistas, que, embora não afectem as mentalidades bem formadas, causam pena e entristecem.
A Associação Industrial Portuguesa, cuja acção ao serviço do desenvolvimento económico nacional é digna dos mais entusiásticos louvores, não se tem poupado a esforços no sentido de uma intensiva divulgação dos produtos nacionais, quer através da organização de feiras que atraem ao nosso país comerciantes e industriais de todo o Mundo, quer através da imprensa, quer ainda na elaboração de programas de informação e propaganda transmitidos pela rádio, onde as suas válidas intenções são bem expressas no já conhecido e patriótico slogan que, em momento de feliz inspiração, lançou: «Ajude-se a si mesmo preferindo sempre os artigos nacionais».
Este despertar de consciências, tão oportuno e significativo na hora difícil que atravessamos, deve estar sempre bem presente no pensamento dos Portugueses.
A justa compreensão do seu significado deve viver não apenas na mente do comprador, que por vezes é vítima da sugestão ou da ignorância daquilo que compra, mas deve, sobretudo, estar bem viva na consciência do vendedor, que, reconhecendo nos artigos nacionais indiscutíveis méritos de qualidade, os deve apontar de preferência, porque são o fruto do esforço e do trabalho da nossa gente.
Ainda há dias entrei numa casa comercial da Baixa com a intenção de comprar um chapéu que estava exposto na respectiva montra sem qualquer indicação visível de preço.
Fiquei verdadeiramente suspenso quando o caixeiro me pediu a afrontosa quantia de 360$, acrescentando seguidamente com ar superior que se tratava de artigo italiano...
Em presença de tão eloquente reclamo, limitei-me a curvar-me com a maior reverência perante aquela preciosa peça de vestuário e a declarar que isso era preço de chapéu de senhora com plumas à século XVII, pelo que preferia um chapeuzinho bem português de Braga ou de S. João da Madeira, que em nada ficaria ofuscado ao lado de um puro Borsalino.
Temos de ordenar e moralizar os diferentes sectores da nossa economia, por forma a obter-se uma franca e ampla conjugação de esforços que garanta a justa compreensão entre produtores, estimule a iniciativa dos comerciantes e crie a indispensável confiança entre o público consumidor.
Na vida económica, tal como acontece na vida política, é necessário expurgar o ambiente de tudo o que possa ser nocivo à ordem e à disciplina e propício à subversão dos claros objectivos visados.
Assim como na vida política dos povos aparecem os perturbadores da ordem, os falsificadores de liberdades e os vendilhões de pátrias, também na vida económica abundam os especuladores, os açambarcadores e os mixordeiros, três classes de traficantes que atentam criminosamente contra a bolsa, contra o regular abastecimento e contra a saúde e a vida dos consumidores.
A estes verdadeiros desorientadores do equilíbrio entre a produção e o consumo há ainda a juntar a nefasta e larga rede dos intermediários.
Estes, quando, por falta de escrúpulos, baseiam toda a sua acção em actos manifestamente ilícitos, são os mais perigosos inimigos do progresso e da tranquilidade económica da Nação.
À custa da ruína do proprietário inocente ou alquebrado no aspecto financeiro servem-se de todos os expedientes para dar largas aos seus desejos de ganância, com fins de pura especulação e de exploração do próximo.
Enriquecer depressa, e à custa de todas as manobras é o lema que norteia em muitos casos, esta categoria de figurantes do tablado da vida mercantilista.
São aceitáveis os meios de fortuna alcançados com o auxílio e a colaboração do público consumidor, mas é crime repugnante pretender obter-se um rápido enriquecimento violando legítimos interesses ou atentando contra a vida desse mesmo público.
Por isso, incumbe às leis penais redobrar de violência na aplicação das respectivas sanções nos casos de delitos contra a economia. A acção dos tribunais, usando da maior severidade contra aqueles que vendem gato por lebre ou burro por vaca, não só exerce medidas de repressão contra os criminosos e de prevenção para o público, mas ainda libertam o comércio honesto da existência de concorrentes desleais, repelentes e desonestos.
A fiscalização não pode cessar, pois o público precisa de ser não só defendido da especulação e da adulteração dos produtos alimentícios, mas ainda de sor suficientemente informado e esclarecido do preço das mercadorias expostas nas montras dos estabelecimentos comerciais, sem necessidade de ter de interpelar os caixeiros, tanto mais que, se uns são atenciosos e amáveis, outros parece que apenas estão ao balcão para vender um antipático mau humor de despedir fregueses.
Os artigos expostos integram-se no âmbito da clássica figura jurídica da «oferta ao público», que, como norma de direito substantivo, tem de ser respeitada e coercivamente imposta.
O Decreto-Lei n.º 41 204, de 24 de Julho de 1957, considera como contravenção punível com a pena de multa de 200$ a 500$ «a falta da afixação de etiquetas nos artigos».
A benevolência da sanção imposta faz com que alguns comerciantes não. cumpram aquele imperativo legal e outros, mais tímidos ou sagazes, usem de autênticos sofismas, dando-se ao trabalho de, com a maior perspicácia e desfaçatez, voltarem às avessas todas as etiquetas apostas nos diferentes artigos expostos, para que o público não possa aperceber-se dos preços por que é oferecida a mercadoria.
O mesmo decreto, que se ocupa ainda «das infracções contra a saúde pública e das infracções antieconómicas», define o conceito de crime de açambarcamento e de especulação e estatui as diversas penalidades para cada uma destas espécies de delitos, que dia a dia se vão multiplicando, certamente por virtude da excessiva brandura dos sistemas punitivos.
É preciso reagir com prontidão e eficácia contra os oportunistas e contra aqueles que, sem respeito pelo seu semelhante, apenas vivem dominados pela ânsia insaciável de lucros.
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Nesta arriscada época em que vivemos, caracterizada por uma profunda perturbação dos espíritos, torna-se necessário contrariar tudo p que possa contribuir para a desorientação do público, agravar as relações entre os indivíduos ou comprometer os bons costumes.
Eu não sei explicar como por vezes certos artigos manufactura-los são oferecidos ao público com descontos que vão até 50 por cento, quando a margem legal de lucro está fixada em 10 por cento nas vendas por grosso e em 15 por cento nas vendas a retalho para os produtos ou mercadorias não tabeladas.
O lucro é legítimo, na medida em que se integra nos princípios básicos da honestidade e da moral, e justifica-se como factor de vida e de estímulo para a produção e para o trabalho.
É preciso libertar a sociedade da complexa cadeia de especuladores, açambarcadores, intermediários e mixordeiros, não só em defesa da clame consumidora, mas ainda em nome do prestígio e do bom nome do comércio honesto, ao qual desejo expressar a minha maior admiração.
Sr. Presidente: toda a vida económica portuguesa se encontra em plena evolução.
Para que a sua marcha não seja entorpecida, impõe-se, por um lado, manter sempre pronta a ofensiva contra os oportunistas prevaricadores e, por outro lado, evitar prevaricadores ou situações de desigualdade que façam quebrar o verdadeiro sentido de cooperação e de unidade económica, absolutamente indispensáveis ao progresso geral do País.
Continuamos a ser um povo predominantemente agrícola e continuaremos a sê-lo através dos tempos, no cumprimento de uma tradição que traçou os nossos próprios destinos.
Deste modo, da prosperidade da agricultura depende fundamentalmente a prosperidade económica da Nação.
A boa ou a má situação financeira da agricultura tem influência decisiva nos sucessos ou insucessos da vida comercial e reflecte-se por forma particular na capacidade de venda do comércio dos centros essencialmente agrícolas onde ainda se não ouviu a sirene da industrialização.
Por isso D. Dinis, com aquela consciência que lhe mereceu o cognome de Rei Lavrador, formulou com superior visão o pensamento que ainda hoje tem entre nós a maior actualidade quando disse: «O lavrador é o nervo da Nação».
Como forma de atenuar os efeitos resultantes das, oscilações da vida agrícola, em grande escala provocadas pelas leis da Natureza, contra as quais o homem nada pode, torna-se necessário impulsionar muito a sério a criação de indústrias complementares da lavoura.
A industrialização é hoje em Portugal uma evidente e consoladora realidade.
A constante ascensão da nossa vida industrial e financeira parece estar a ultrapassar aquele limite de progresso económico que nos há-de garantir um lugar de relevo ao lado dos países desenvolvidos.
É necessário que os capitais se não acumulem nos bancos, se não dissipem em simples vaidades ou não vagueiem tímida e criminosamente por outros países, mas antes se movimentem e arrisquem no levantamento de novas iniciativas que, tornando as economias privadas riais reprodutivas e capazes de cumprirem com a sua função social e económica, possam dar um efectivo contributo para a renovação e engrandecimento material desta heróica e honrada Nação Portuguesa.
O total aproveitamento e a adequada transformação no próprio território nacional de tudo o que produzimos é condição indispensável para reduzirmos quanto possível os nossos contigentes de importação, contribuindo assim para o equilíbrio das balanças comercial e de pagamentos.
Para que não se perca o notável ritmo de melhoria de toda a nossa vida económica é mister que se intensifique a criação de novos núcleos fabris e se cuide com real interesse da sua racional pulverização, com vista a uma melhor utilização e total consumo das matérias primas produzidas nas diferentes zonas do País, para que não se verifique o paradoxo de termos de importar manufacturados com o que nós próprios produzimos.
A descentralização industrial, ao mesmo tempo que cria melhores condições de vida, de trabalho e de progresso para as populações beneficiadas, contribui para aumentar a cotação dos produtos regionais, torna mais fácil a sua colocação interna e mais acessível a concorrência no âmbito dos mercados externos.
Não posso, todavia, deixar de manifestar a minha sentida mágoa pelo facto de, ao percorrer com assiduidade os 260 km que me separam desta maravilhosa Lisboa, verificar que apenas nas proximidades dos grandes centros urbanos, e principalmente em redor desta tentadora capital do País, se erguem novas e admiráveis unidades fabris, com um total alheamento das necessidades e do aproveitamento dos recursos dos meios rurais.
A melhoria das condições de vida e de progresso que resulta da nossa indiscutível evolução económica tem de estender-se a todos os portugueses e a todos os recantos do território nacional.
A Nação Portuguesa tem de continuar no tempo e no espaço a dar provas da sua superior vitalidade, pois os Portugueses, unidos à volta dos sagrados ideais da Pátria, sempre souberam cumprir com os seus indefectíveis deveres de dignidade, de fé e do mais acendrado patriotismo.
Que a guerra fria que perturba o Mundo não faça esfriar os ânimos e que as manobras de falsos doutrinadores não vençam os espíritos fracos ou façam adormecer os cépticos, porque os factos da história da humanidade sempre se repetiram através dos séculos e, por isso, as forças do bem hão-de, mais uma vez, triunfar sobre as forças do mal, voltando a tranquilidade a iluminar os corações e a reinar a paz na Terra, aos homens de boa vontade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Fernandes: - Sr. Presidente: é já tradição desta Casa, ao discutir as Contas Gerais do Estado, os Srs. Deputados aproveitarem esta oportunidade para tratar dos mais variados problemas que as mesmas contas suscitam.
E esses aspectos surgem com uma extraordinária acuidade, dada a forma clara, precisa e eficiente como o ilustre relator da Comissão das Contas Públicas trata e desenvolve os múltiplos problemas relacionados com as finanças e economia nacional.
Para esta Assembleia, como para toda a Nação, bastará apenas ler esse notabilíssimo relatório para se concluir seguramente que a vida económico financeira do Estado se encontra entregue em boas e honradas mãos, que sabem, no momento oportuno, remover dificuldades e esclarecer situações num desejo permanente de equilíbrio que honra os nossos governantes.
Foi por isso que o ilustre relator não esqueceu apontar que:
A vida de um país e a sua projecção no consenso mundial derivam fundamentalmente da pró-
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pria força e da coesão interna, de um trabalho metódico e produtivo, da seriedade do esforço de conjunto, do bem-estar do seu povo.
E para concluir:
O prestígio do País será no futuro, como o foi no passado, aquilo que o País quiser que seja.
Depende de nós próprios o nosso bem-estar, não depende dos outros.
Estas palavras foram escritas numa época em que ainda as força do mal se não tinham concitado contra uma nação que sabe escolher o melhor rumo e vive a sua vida honestamente, sem invejas, sem malquerenças e, sobretudo, sem criminosas ambições, que quebrariam uma honrada linha de rumo que os ventos maléficos de vários quadrantes pretendem destruir.-
Ainda não será desta vez que isso possa acontecer, e Portugal continuará a dar lições a muitos chamados grandes em volume, mas pequenos nas acções que aviltam e desprestigiam.
De todo este desconcerto internacional avulta, para nossa satisfação moral, a sombra imensa que Portugal projecta no Mundo, baseada na verdade e na justiça, na paz que gozamos e na humanidade dos nossos dirigentes, que sabe dignificar o valor humano e criar-lhe um ambiente propício ao seu prestígio e desenvolvimento.
Entretanto, algum benefício resultou, para a Nação deste desconcerto e ataque à nossa integridade nacional, pois que, à parte os desvairados que se hipotecaram a uma nação que não pratica a ideologia que exporta pura fora de fronteiras, todos os portugueses, dos mais variados campos ideológicos, cerraram fileiras contra caluniosas acusações e se dispõem a responder a elas com a sua fé e o seu vivo patriotismo, para que Portugal continue nos quatro cantos do Mundo, onde o sangue de seus filhos criou direitos incontestáveis e deveres que nunca foram esquecidos e que praticam na sequência histórica dos mesmos empreendimentos.
Das necessidades emergentes de tal situação resulta, naturalmente, que a Nação sofre no seu revigoramento económico e atrasa a realização de obras e melhoramentos que viriam contribuir para uma mais rápida e perfeita situação de bem-estar e de progresso, já que não podemos aplicar as duas mãos à charrua e às máquinas industriais, porque uma delas está empenhada na defesa do território nacional.
O notável relatório das contas que se apreciam dá nota desta dificuldade e preconiza o investimento produtivo e de grande reprodução, arredando-se para melhores dias obras de fraca projecção económica.
Haverá, possivelmente, que modificar planos previamente estabelecidos, no sentido de dar prioridade aos empreendimentos susceptíveis de maior produtividade no plano económico, para que o ritmo do seu progresso hão sofra atrasos de maior.
Entretanto, existem problemas relacionados com a economia nacional que não podem ser desprezados e esquecidos nesta luta ingente pelo bem-estar das populações e do princípio da boa e sã justiça distributiva, que o mesmo é dizer, da justiça social.
O problema agrário, não obstante os esforços já despendidos, continua sem solução definitiva e conveniente.
Assim é que a agricultura, se mantém em estado de alarme, pela diminuta valorização do produto, que já não comporta o pagamento de salários mais elevados.
O Sr. Sequeira de Medeiros: - Muito bem!
O Orador: - Nas regiões nortenhas repetiu-se no corrente ano a angustiosa situação dos produtores de batata, que não conseguem comprador, e quando este aparece só oferece preços aviltantes, que nem chegam a pagar a despesa com a sua produção.
Contudo, não me consta que o retalhista tivesse baixado o seu preço de venda ao público, ou tal baixa é tão reduzida que passa despercebida.
Daqui deriva que o ciclo económico se encontra viciado e que os organismos responsáveis talvez não tenham procurado as medidas necessárias para evitar esse
mal.
O produtor, entretanto, continua a ser a única vítima do vício existente, pois vê arrebatado das suas mãos o justo e com pensador preço do seu labor, para o deixar na mão de intermediários sem escrúpulos.
E seria com esse justo preço que ele se abalançaria a uma cuidada cultura da terra e se habilitaria a pagar melhor salário, contribuindo, desta forma, para atenuar o grave problema, económico-social da fuga dos trabalhadores do campo.
Já é frequente verificar-se, com desgosto, que muitos trabalhos agrícolas deixam de fazer-se e que muitas propriedades ficam sem cultura.
Pela Junta Nacional das Frutas foi anunciada 'a construção de armazéns próprios para o armazenamento da batata, com vista à sua conservação e a evitar o aviltamento do preço.
Entretanto, na região do Norte do distrito de Viseu, grande produtora de batata, nada se fez em tal sentido, e o produtor continua à mercê do primeiro aventureiro que lhe ofereça preços de miséria, que muitas vezes nem cobrem as despesas realizadas.
Na minha região a batata está a vender-se no produtor à razão de cerca de $60 o quilograma, e, não obstante a insistência das autoridades locais, foram apenas retirados pelos organismos responsáveis 19 vagões dos 300 ou 400 que lá existem.
Se não acodem com decisão e imediatamente a esta desventurada região, é inevitável a perda do produto e um prejuízo superior a 3000 contos, a sofrer por quem já vive de crédito.
A agiotagem, em tal situação, se encarregará de destroçar esta já tão débil economia regional, avolumando os processos executivos nos tribunais, como já se verifica.
E todo este negro quadro se reflecte na vida económica da Nação e nos seus dirigentes, embora à burocracia, entravadora de tantas iniciativas, caiba um grande quinhão na responsabilidade do que se passa.
Não tenho, Sr. Presidente, receio de que o Governo tome as medidas adequadas à solução dos problemas que lhe são postos e fico certo de que quando as decreta está animado do bom propósito da sua aplicação imediata.
Entretanto, como tenho notado em muitos departamentos públicos, a tal burocracia, ou órgãos executivos, começa o seu trabalho de arranjar dificuldades, de maneira a entravar a execução das normas superiormente ordenadas e a tirar a estas o efeito político, social e económico que elas teriam se porventura fossem desde logo cumpridas.
Tremo quando um problema de interesse local inicia a ronda dos serviços e das repartições e acaba por se perder muitas vezes em qualquer ignorado gabinete,
se não houver o cuidado, sempre dispendioso, de os dirigentes locais acompanharem o mesmo através desta emaranhada burocracia.
Quero crer que, no caso exposto, como o tempo urge, tal não se dará e que os serviços respectivos se esforçarão por levar um pouco de tranquilidade ao espírito
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alarmado e inquieto desses ignorados produtores, bons í» leais colaboradores do Estado Novo. Não têm eles possibilidades de outras actividades compensadoras, tanto mais que continua, a meu ver, a cometer-se o erro da centralização industrial à volta de Lisboa, que, embora dê satisfação à comodidade dos dirigentes dessas indústrias, não dá ao resto do País facilidades de desenvolvimento e provocará, assim o creio, preocupações de ordem social e económica, cujas repercussões se poderão sentir em breve.
Congestionamento populacional, crise de habitação e, sobretudo, graves problemas morais e sociais a reflectirem-se na família, ainda o melhor esteio de uma sociedade organizada.
É tempo de encarar o problema, frontalmente e seguir rumos diferentes daqueles que até ao presente têm sido estabelecidos.
Entretanto, para que o aspecto económico do País se modifique e se oriente em ordem ao bem-estar das populações impõe-se, pelo menos, aproveitar os recursos locais e tirar deles o proveito que resulte de tal aproveitamento.
O turismo está na primeira linha do meu pensamento, desde que ele se não confine apenas a uma região privilegiada e se estenda até onde existam motivos de atracção.
Ora o Norte do País foi bafejado pela Natureza, para nele se exercer uma forte acção das entidades responsáveis e chamar assim até lá todos quantos nos visitam.
A panorâmica da região é incontestavelmente das mais interessantes de Portugal.
Bastará uma digressão pelo vale do Douro, derivando para a Beira-Douro, percorrer os arredores de Lamego e lá se cuedar para apreciar os seus monumentos artísticos e históricos para se reconhecer a necessidade imperiosa de criar ali uma região de turismo e patentear ao viajante uma parcela do território cheia de encantos e atractivos.
E se tal se fizer já se terá conseguido a possibilidade do desenvolvimento económico desta esquecida região de turismo nacional.
Claro que para tal se impõe a abertura de novas vias de comunicação, canalizadoras dos que viajam e fomentadoras da economia regional, que redundará na melhoria da própria economia nacional.
Será fastidioso repetir aqui o que já expus em anteriores intervenções sobre as necessidades rodoviárias da região da Beira-Douro e, também, a propósito da criação da região turística centralizada em Lamego.
Quero crer que os investimentos que o Governo viesse a fazer na execução destes problemas seriam compensados, a breve prazo, pelo desenvolvimento económico que
daí resultaria e> de que o Estado não deixaria de ser o maior beneficiário.
Como disse no princípio destas ligeiras considerações, a leitura do notável relatório do ilustre Deputado Eng.º Araújo Correia sugere-nos uma grande série de problemas, todos eles aliciantes e dignos de serem tratados e estudados.
Lamento não ter possibilidades de um estudo mais desenvolvido e dar assim a minha achega para um conveniente ajustamento dos princípios que informam a economia nacional, na sua aplicação às regiões mais desfavorecidas.
Assim, a terminar estes ligeiros apontamentos, quero aproveitar o ensejo para apresentar as minhas vivas felicitações ao ilustre relator e dar a minha aprovação às contas em discussão, esperando que o Governo, acompanhado da generosidade do povo português, saberá vencer as dificuldades que porventura se lhe deparem.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima será amanhã, com a mesma ordem do dia da de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Fernando António Munoz de Oliveira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
Jorge Pereira Jardim.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Manuel José Archer Homem de Melo.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Ramiro Machado Valadão.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
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Proposta de lei a que o Sr. Presidente se referiu no decorrer da sessão:
Proposta de lei
1. A necessidade de criar a& condições propícias à intensificação do aproveitamento agrícola do continente português, imposta pelo ritmo do desenvolvimento demográfico, chamou a atenção do Governo para o problema do arrendamento da propriedade rústica.
Na realidade, verifica-se que a propriedade arrendada, mercê dos defeitos de certas cláusulas dos contratos, nomeadamente das que respeitam ao prazo do arrendamento, se mantém num estado improgressivo, incompatível com as, necessidades do momento presente. O problema agrava-se pela elevadíssima percentagem de propriedade submetida ao regime de arrendamento.
Assim, pôde verificar-se que a área arrendada atinge 26,7 por cento no distrito de Santarém, 30 por cento no de Setúbal, 35,9 por cento no de Évora e 39,3 por cento no de Portalegre. Nas regiões de pequena propriedade, ao norte do Tejo, estas percentagens são ainda mais elevadas, excedendo por vezes 60 por cento, como sucede na Cova da Beira.
2. A enfiteuse caiu em desuso e não parece fácil fazer renascer esse instituto jurídico a que se ficou devendo o aproveitamento de muitas terras improdutivas. O arrendamento e- a parceria constituem, por isso, os únicos recursos de que hoje podem lançar mão os que, tendo faculdades para explorar a terra, não dispõem dos capitais indispensáveis à sua aquisição.
Nota-se, todavia, uma tendência acentuada para o desaparecimento da parceria, e nalguns países legislou-se no sentido de converter em arrendamento os contratos de parceria.
Tudo parece indicar que o arrendamento, cuja importância os números atrás citados deixam antever, há-de tender para se desenvolver, com todos os malefícios e entraves para a valorização da terra e elevação do nível de vida das populações rurais.
Urge, por isso, tomar medidas que eliminem os graves inconvenientes económicos e sociais do arrendamento ainda recentemente verificados nos inquéritos feitos em execução do despacho de 25 de Agosto de 1958 do Secretário de Estado da Agricultura, e em que se atribui à desactualizarão das disposições legais reguladoras do arrendamento rústico a principal causa de certos aspectos da crise com que se debate a lavoura.
Efectivamente, dominam entre nós, sobretudo ao norte do Tejo, os arrendamentos a curtíssimo prazo - um ano renovável; são mais raros os arrendamentos por prazos de três e quatro anos e só excepcionalmente se fazem contratos de arrendamento por mais de quatro anos.
Na generalidade dos casos, o proprietário quando arrenda as suas terras deixa de interessar-se pelo progresso da exploração e contenta-se em realizar o contrato em condições que lhe assegurem a conservação do seu património, evitando, quanto possível, as possibilidades da sua desvalorização pelo arrendatário.
Este, por sua vez, não tendo garantias de estabilidade na exploração das terras arrendadas, tem a preocupação dominante de reduzir ao mínimo o montante dós capitais a investir na cultura, de modo a tirar delas, no mais curto período, o máximo rendimento sem se preocupar com o futuro. Por isso, do arrendamento a prazos curtos e curtíssimos resulta uma completa paralisação, se não mesmo um retrocesso, na natural e indispensável valorização da terra.
São na verdade frequentes os casos em que o arrendatário conduz a exploração em termos de deixar as terras empobrecidas e exigindo apreciável dispêndio de tempo e dinheiro para regressarem ao anterior nível de produtividade.
3. Nas regiões de grande propriedade, especialmente ao sul do Tejo, são notórios os inconvenientes da propriedade arrendada. Nas épocas de crise de trabalho são os proprietários cultivadores directos, por viverem os problemas da terra e do trabalho rural, quem tomam sobre si, por vezes com sacrifício, encargos que, na verdade, deveriam ser também compartilhados pelos proprietários absentistas, uma vez que dos respectivos arrendatários não é exigível utilização de mão-de-obra além da indispensável à realização dos trabalhos agrícolas.
Os inconvenientes da menor absorção de trabalho pela propriedade arrendada serão consideràvelmente atenuados se o prazo de arrendamento for suficientemente largo para que a exploração da terra não represente apenas acidental transacção. Por outro lado, é indispensável assegurar ao senhorio e ao arrendatário unia real e efectiva compensação pelas despesas resultantes da realização de trabalhos que, conduzindo a maior rendimento, valorizam a propriedade.
A Lei n.º 2017 estabelece a obrigação de o arrendatário compensar o senhorio pelos encargos dos melhoramentos úteis por este realizados; com o mesmo critério de justiça, é indispensável assegurar ao arrendatário compensação pelos que, de sua iniciativa e com os recursos próprios, venha a realizar.
O arrendatário, em regra, evita a execução de trabalhos altamente reprodutivos, com receio de que, uma vez realizados, apareça um concorrente oferecendo ao senhorio renda mais elevada, e este receio é legítimo, porquanto muitos arrendatários têm sido prejudicados em consequência das suas bem orientadas iniciativas.
É, portanto, de esperar que o alargamento do prazo do arrendamento e a garantia de indemnização por benfeitorias executadas pelo arrendatário afastem todos os receios deste e o estimulem a interessar-se pela valorização das terras arrendadas, realizando pequenos melhoramentos que, absorvendo mão-de-obra, contribuam para o aumento das produções.
4. O arrendamento nas zonas de pequena propriedade, ou, melhor, o arrendamento de pequenas e pequeníssimas propriedades, onde o arrendatário e a família executam todos ou quase todos os trabalhos culturais, apresenta, em relação ao arrendamento de grandes propriedades, aspectos distintos, que convém pôr em foco.
Pelo que respeita à renda, e com base em numerosos estudos monográficos realizados pela Junta de Colonização Interna em várias regiões do País, pode verificar-se que, normalmente, a renda da grande propriedade não atinge a renda justa; por outro lado, a renda da pequena propriedade ultrapassa o que seria razoável.
Ao contrário do que sucede com os arrendamentos da grande propriedade, os de pequenos prédios realizam-se geralmente pelo prazo de um ano renovável, mas são frequentíssimos os casos de o arrendatário permanecer na propriedade dez e mais anos, com uma continuidade quê chega ao ponto de a exploração se manter duas gerações nas mãos da mesma família.
São bem conhecidos os verdadeiros prodígios operados pelo homem na transformação da terra e é notável a obra de valorização realizada por pequenos arrendatários que transformam magras courelas, onde se diria impossível a realização de cultura intensiva, em magníficos hortejos a que não falta o regadio.
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For outro lado, na maioria dos casos, e apesar de os contratos lê arrendamento serem anuais, o pequeno arrendatário não regateia à terra o seu trabalho e o da família, dedicando todo o tempo disponível, dia e noite, ao amanho e melhoramento de uma terra que lhe não pertence.
A família do pequeno arrendatário não «contabiliza» o trabalho próprio e, assim, em muitos pequenos arrendamentos a renda excede o rendimento líquido que seria apurado se nos encargos da exploração o trabalho da família fosse valorizado ao preço corrente.
5. Pelo que respeita à forma dos contratos, é geralmente sabido que, na grande maioria, são feitos a de palavra», verbalmente.
Procurou-se, por isso, respeitar os usos tradicionais, que dispensavam a forma escrita, e procurou-se também evitar que pudesse ser decretada a nulidade total dos contratos com fundamento na ilegalidade de algumas das suas cláusulas, contribuindo, assim, quanto possível, para a certeza dos vínculos entre senhorio e arrendatário.
Esta orientação impunha:
a) Quanto à forma, que a falta de título escrito não acarretasse a invalidade do contrato;
b) Quanto ao fundo, que a nulidade de qualquer cláusula acessória não determinasse a invalidade total do contrato.
Adoptou-se, por isso, quanto à forma, sistema paralelo ao dos arrendamentos urbanos para habitação: a falia de forma escrita não anula o contrato que não deva sei registado, mas torna aplicarei o regime supletivo legal. Se o contrato está sujeito a registo ou se as partes não se conformam com as cláusulas típicas da lei, devem usar a forma escrita.
6. A duração do contrato e a sua prorrogação podem ser registadas pelos contraentes desde que não estipulem, para o período inicial, duração inferior a seis anos; assim se assegura maior estabilidade- ao arrendatário na exploração dos terrenos arrendados.
7. Quanto à forma de fixação da renda, determina-se que seja estabelecida em géneros de produção corrente, sistema que oferece a vantagem de a conservar actualizada.
O pagamento efectuar-se-á, normalmente, a dinheiro, aos pregos correntes da região, não podendo o senhorio exigir que seja paga em espécie mais de um quarto de cada um dos produtos em que a renda tiver sido fixada.
8. Em obediência ao conceito de renda justa, a que se pretende que os contratos fiquem subordinados, permite-se a redução da renda quando, por virtude de acidentes meteorológicos ou geológicos excepcionais, ou de pragas, resultarem prejuízos inevitáveis com reflexos na perda de culturas ou na capacidade produtiva das terras.
Por outro lado, a renda pode ser aumentada quando o prédio for onerado com encargos resultantes da intervenção de entidades de direito público, ou quando o senhorio nele fizer benfeitorias que sejam susceptíveis de aumentar a produção.
9. O subarrendamento total é, de futuro, proibido, mesmo que tenha sido autorizado pelo senhorio no contrato ou posteriormente.
Quanto aos subarrendamentos totais existentes, prevê-se que o subarrendatário substitua o arrendatário decorrido que seja um ano sobre a entrada em vigor das disposições deste diploma.
Os subarrendamentos parciais só serão permitidos, no futuro, desde, que a área subarrendada não ultrapasse um quarto da área do prédio è o senhorio os autorize expressamente; os do passado caducarão se não obtiverem confirmação, igualmente especificada, dentro do prazo estabelecido.
10. As obras e melhoramentos a realizar no prédio arrendado durante a vigência do arrendamento suscitam problemas graves, visto que é preciso evitar, por um lado, que, sob o pretexto do arrendamento, a propriedade deixe de ser beneficiada pelo senhorio e, por outro lado, que o arrendatário &e sirva dos melhoramentos que realize por sua iniciativa para conseguir uma retenção injusta do prédio ou até para obrigar o senhorio a aliená-lo. Do mesmo modo, não é justo que o arrendatário seja, contra sua vontade, colocado perante completa modificação do regime de exploração do prédio, com vista no qual contratou.
Por isso se consigna que o senhorio possa realizar, de sua iniciativa, as benfeitorias necessárias ou úteis, devendo reflectir-se na renda as que aumentem a capacidade produtiva dos terrenos arrendados, visto que de outra forma não só desapareceria o estímulo para a sua realização, como ainda o arrendatário se locupletaria total e injustamente com a maior valia delas resultante.
Quanto às benfeitorias realizadas pelo arrendatário, a regra geral é que só quando autorizadas expressa e especificadamente pelo senhorio dão direito a indemnização.
Esta regra não se aplica a certas obras (enxugo, rega, defesa contra a erosão) quando tenham obtido parecer favorável da comissão arbitrai.
As indemnizações devidas não poderão ser superiores à maior valia que a propriedade obteve e o seu pagamento poderá ser facilitado por empréstimo do Estado.
Em caso algum é permitido o levantamento das benfeitorias no termo do contrato de arrendamento, visto que assim exige o interesse da propriedade.
11. A transmissibilidade do arrendamento tem oscilado entre dois pólos: a intransmissibilidade por morte do senhorio e do arrendatário e a plena transmissibilidade, consagrada no artigo 1619.º do Código Civil.
Não é legítimo equiparar, para tal efeito, as mortes do senhorio e do arrendatário. A transmissão da propriedade do prédio, alterando em regra, unicamente o titular do direito de receber a renda, pode perfeitamente deixar subsistir o arrendamento existente. Ao contrário, o arrendatário traz ao contrato todo um conjunto de circunstâncias pessoais - qualidades de trabalho, experiência, honorabilidade, etc.-, tornando a sua. posição contratual intransmissível. Aliás, basta pensar nas contingências a que a sucessão do* arrendatário daria lugar - herdeiros testamentários, partilha do arrendamento, etc. - para se julgar preferível a intransmissibilidade.
12. A Lei n.º 2030 repudiou a ideia de indemnização a pagar ao arrendatário pelo senhorio expropriado e atribuiu tal obrigação ao expropriante.
O mesmo se propõe neste diploma, tanto para expropriações totais como para a parte respectiva das parciais, não se fixando rigidamente o limite da indemnização devida ao arrendatário, por o arrendamento rústico não ser indefinidamente renovável, como o urbano.
Se a expropriação é parcial, atribui-se ainda ao arrendatário escolha entre a resolução do contrato e a diminuição da renda, porque pareceu injusto vinculá-lo
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a um contrato cujo objecto foi modificado, possivelmente em condições que, a existirem de início, conduziriam à sua não aceitação.
13. Procura-se manter as relações entre arrendatários e senhorios dentro dos usos patriarcais característicos da vida nos campos e que, infelizmente, se vão perdendo.
Para o efeito, certas divergências que, porventura, surjam entre senhorios e arrendatários, quando não sanadas por acordo mútuo, serão resolvidas por comissões arbitrais, constituídas por representantes dos interessados e presididas por delegados da Junta de Colonização Interna.
As comissões arbitrais são vantajosas na medida em que podem tomar conhecimento das questões de facto mais perfeitamente que os tribunais, mas não devem sobrepor-se a estes em matéria de direito.
14. A aplicação do novo sistema legal aos contratos de pretérito foi regulada de forma a conseguir-se uniformidade de regimes futuros. Assim, aos contratos verbais aplicar-se-á decorridos que sejam doze meses, a partir da data da sua publicação. Os contratos escritos continuarão vigorando até ao termo do prazo convencionado, considerando-se, porém, as suas cláusulas alteradas findos os referidos doze meses, na medida em que contrariarem o disposto na nova lei.
15. Referência especial cabe também à disposição que se refere ao âmbito de aplicação da lei, e isto no que toca aos arrendamentos para a realização fortuita de culturas.
Analisadas as soluções possíveis, optou-se por não excluir tais arrendamentos da presente lei, com a única excepção de os mesmos não ocuparem mais de um quinto da área do prédio respectivo e de não serem continuados anualmente no mesmo terreno.
16. Crê-se que estas medidas contêm virtualidades capazes de atenuar os principais inconvenientes notados até agora no arrendamento da propriedade rústica.
Importa, todavia, ir mais além, dando maior estabilidade na profissão agrícola às famílias que vivem em explorações do tipo familiar e económicamente viáveis.
17. Para este efeito, instituem-se agora entre nós os arrendamentos familiares protegidos, cujos resultados na vizinha Espanha são de tal forma vantajosos sob os aspectos económico, social e agrário que é lícito formular as mais optimistas previsões.
A sua concessão depende de se verificar o condicionalismo respeitante à teoria da. unidade económico-agrícola (rendimento que permita manter a família rural num nível de vida conveniente, mercê sómente do trabalho agrícola, etc.) e o regime jurídico do arrendamento familiar protegido é, nos seus traços fundamentais, o seguinte:
a) O arrendamento é em regra sucessivamente renovável, havendo nova fixação de renda de seis em seis anos;
b) Como única excepção ao regime de renovação, admite-se a hipótese de o senhorio desejar explorar o prédio por conta própria;
c) O titular do arrendamento familiar protegido tem direito de opção na compra do prédio arrendado, e poder-lhe-á ser concedido um empréstimo, ao juro anual de 2 por cento, ao abrigo da Lei dos Melhoramentos Agrícolas.
Nestas condições, o Governo tem a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei:
TITULO I
Do arrendamento da propriedade rústica
BASE I
1. O contrato de arrendamento de prédios rústicos só carece de ser reduzido a escrito se o respectivo prazo for superior a seis anos.
2. Na falta de título, entender-se-á que o prédio é arrendado pelo prazo fixado no n.º 1 da base III.
3. Só podem provar-se por escrito as estipulações que importem alteração ao regime supletivo do contrato.
BASE II
1. Os arrendamentos sujeitos a registo devem constar de escritura pública, mas a sua falta não impede que o contrato subsista, para todos os efeitos, pelo prazo referido no n.º 1 da base III.
2. Estão sujeitos a registo os arrendamentos de prédios rústicos por prazo excedente a seis anos.
BASE III
1. O prazo convencionado para a duração do arrendamento de prédios rústicos não será, em regra, inferior a seis anos, sem prejuízo do disposto no artigo 1601.º do Código Civil.
2. O prazo de duração dos contratos poderá, porém, ser reduzido, por despacho do Secretário de Estado da Agricultura, sob proposta da Junta de Colonização Interna.
BASE IV
1. A renda anual será fixada em géneros das principais produções dos prédios arrendados, mas o pagamento efectuar-se-á normalmente em dinheiro.
2. Os preços a praticar na conversão da renda em dinheiro serão os constantes das estivas camarárias na época em que o pagamento deva ser efectuado, ou, no caso de estas não existirem, os preços correntes na região.
3. O senhorio pode exigir em espécie até um quarto do montante dá renda, desde que avise o rendeiro com a antecedência de um ano e se trate de géneros normalmente produzidos na propriedade arrendada.
4. Não obstante todas as cláusulas em contrário, fica interdita a inclusão na renda de qualquer serviço que não deva ser prestado na ou em benefício directo da propriedade arrendada.
BASE V
1. O arrendatário tem direito a redução da renda relativa ao ano em curso quando circunstâncias imprevisíveis e de força maior, como inundações, ciclones, outros acidentes meteorológicos ou geológicos ê pragas da natureza excepcional, provoquem a perda de mais de metade das colheitas.
2. Se estes acidentes afectarem de maneira duradoura a capacidade produtiva da propriedade arrendada, b arrendatário tem direito a uma redução da renda em cada um dos anos seguintes até que sejam realizados os trabalhos necessários para restabelecer o nível da produtividade anterior.
3. Na determinação da redução da renda deverá tomar-se em consideração, se for caso disso, a influência da eventual incúria do arrendatário no montante dos prejuízos por virtude de não ter procedido oportunamente à limpeza de valas e aquedutos ou às suas pequenas reparações, bem como dos muros de suporte, impostas pela sua normal conservação.
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4. O pedido da redução da renda deverá ser formulado pelo rendeiro no senhorio dentro dos trinta dias seguintes a ter cessado a causa que deu origem aos prejuízos.
5. Se o senhorio e o arrendatário não chegarem a acordo sol ire a redução da renda nos sessenta dias seguintes ao da formulação do respectivo pedido, qualquer deles poderá recorrer para a comissão arbitrai do arrendamento rústico, que resolverá em última instância.
6. A falta do pagamento da renda na data do seu vencimento, por não ter sido fixada a redução devida, nos termos dos números anteriores, não pode ser motivo de rescisão do contrato.
BASE VI
1. Quando o prédio foi onerado com encargos resultantes da intervenção do Estado, das autoridades administrativas ou de empresas concessionárias de serviço público per forma a atingir a sua capacidade produtiva ou o seu valor, como unidade económica, poderá proceder-se à revisão da renda e, em caso de desacordo, esta será fixada, sem recurso, pela comissão arbitrai do arrendamento rústico.
2. O pedido de revisão será formulado e decidido nos termos dos n.ºs 4 e 5 da base anterior, sendo igualmente aplicável na presente hipótese a doutrina consignada no n.º 6 da mesma base.
BASE VII
1. Salvo convenção em contrário, o prédio considera-se arrendado, com todas as partes integrantes, mas as máquinas, alfaias, gados e demais coisas acessórias só se consideram compreendidos no arrendamento se tiverem sido expressamente mencionados em contrato escrito.
2. A locação das coisas móveis será regulada de harmonia com a expressa estipulação das partes, ou, na sua falta, sob as condições a que estiver sujeito o arrendamento do respectivo prédio.
BASE VIII
1. São nulas as cláusulas por virtude das quais:
a) O arrendatário se obrigue a vender as colheitas, no todo ou em parte, a entidades certas e determinadas;
b) O arrendatário se obrigue ao pagamento de prémios de seguro de imóveis, de despesas de grandes reparações respeitantes aos imóveis ou às benfeitorias, salvo se forem consequência de acto ou facto do próprio arrendatário, bem como da contribuição predial dos prédios compreendidos no arrendamento;
c) Qualquer dos contraentes renuncie ao direito de pedir a rescisão imediata do contrato, nos casos de violação das obrigações legais ou contratuais.
2. A nulidade das cláusulas abrangidas nas alíneas a) e b) do número anterior determinará a nulidade do contrato quando, introduzidas de boa fé, tiverem funcionado como motivo decisivo do acordo das partes; a da alínea c) não determina a nulidade do contrato.
BASE IX
1. O arrendamento caduca no caso da expropriação total do prédio.
2. O arrendamento de prédios rústicos é considerado como encargo autónomo para efeito de o arrendatário ser indemnizado pelo expropriante. Esta indemnização será calculada em função do rendimento líquido auferido pelo arrendatário da superfície a expropriar e do tempo máximo por que o contrato ainda deva vigorar obrigatoriamente.
3. No caso de expropriação parcial de que resulte acentuado desequilíbrio na estrutura da exploração, o arrendatário poderá optar pela resolução do contrato ou pela diminuição proporcional da renda.
BASE X
1. O arrendamento não caduca por morte do senhorio, nem por transmissão da propriedade, quer por título universal, quer por título singular.
2. Falecendo o arrendatário, o arrendamento caducará no fim ido ano cultural que estiver em curso, ou imediatamente, se o senhorio indemnizar os herdeiros do arrendatário das perdas e danos causados pela imediata resolução do contrato.
3. Os arrendamentos de bens de menores só caducam se, atingida a maior idade, os desejarem explorar por contra própria.
BASE XI
1. O senhorio só poderá executar na propriedade arrendada obras destinadas a conservar ou aumentar a capacidade produtiva da terra ou a facilitar a sua exploração, podendo exigir do arrendatário um aumento de renda proporcional ao benefício que dessas obras resultar.
2. O senhorio indemnizará o arrendatário pelos prejuízos que lhe causar durante a execução das obras ou melhoramentos da sua iniciativa.
3. Na falta de acordo sobre o aumento da renda ou a indemnização atrás referidos, a Comissão Arbitrai do Arrendamento Rústico resolverá sem recurso, a pedido de qualquer das partes.
BASE XII
1. Quando as obras e melhoramentos importem alteração sensível do regime de exploração normal do prédio arrendado, ou quando o arrendatário se não conforme com o aumento da renda, fixado nos termos da base anterior, poderá rescindir o contrato.
2. A rescisão efectuar-se-á de pleno direito no fim do ano cultural em que tenha início a realização das obras ou lhe tenha sido notificado o montante do acréscimo da renda.
BASE XIII
1. O arrendatário deverá pedir autorização ao senhorio para realização de quaisquer melhoramentos de sua exclusiva iniciativa e em relação aos quais pretenda ser indemnizado ao deixar a exploração das terras arrendadas.
2. No caso de recusa ou na falta de resposta nos 60 dias seguintes à apresentação do pedido e quando os melhoramentos visarem a rega, o enxugo ou a defesa contra a erosão, poderá o arrendatário recorrer para a comissão arbitrai do arrendamento rústico.
BASE XIV
1. Quando do termo do contrato de arrendamento, o arrendatário que tiver realizado, com o consentimento escrito do senhorio, melhoramentos nas propriedades arrendadas tem direito a indemnização.
2. Esta indemnização é igualmente devida em relação às obras de rega, de defesa e de enxugo que o arrendatário realizar com base em decisão da comissão arbitral do arrendamento rústico.
BASE XV
1. O montante da indemnização a que se refere a base anterior será igual ao valor, à data da saída do arrendatário, dos investimentos realizados, se esse valor
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não exceder a mais-valia que a propriedade tiver obtido, ou igual à mais-valia, se esta for inferior ao referido valor.
2. Na falta de acordo, o montante da indemnização será estabelecido, sem recurso, pela comissão arbitrai do arrendamento rústico.
BASE XVI
O Estado poderá conceder empréstimos, nas condições da base V da Lei n.º 2017, de 25 de Junho de 1946, aos senhorios para indemnizarem, os arrendatários pelas benfeitorias por estes realizadas, bem como aos arrendatários para executarem os melhoramentos ou benfeitorias referidas na base XIII.
BASE XVII
1. O arrendatário tem direito, até à data do termo do contrato, de retirar dos prédios arrendados todas as máquinas e acessórios que por ele tenham sido montados e em relação aos quais o senhorio não seja obrigado a indemnizá-lo, nos termos das bases anteriores.
2. Os melhoramentos ou benfeitorias não podem, ser levantados pelo arrendatário, mesmo que tenham sido realizados sem autorização do senhorio.
BASE XVIII
No caso de não renovação do contrato, o arrendatário é obrigado a executar as práticas normais que visam o contínuo cultivo da propriedade, sendo por elas indemnizado pelo senhorio, ou a permitir que este as execute.
BASE XIX
1. O subarrendamento total é proibido, ainda quando autorizado pelo senhorio.
2. Nos arrendamentos de pretérito, os subarrendatários de todo o prédio considerar-se-ão substituídos aos arrendatários na data em que a presente lei for aplicável aos respectivos contratos, nos termos da base XXIII.
3. O subarrendamento parcial só é permitido, mediante autorização escrita do senhorio, para cada subarrendamento, não podendo a parte subarrendada ultrapassar um quarto da área do prédio.
4. Os subarrendamentos parciais existentes à data da entrada em vigor da presente lei sem que o senhorio tenha dado o seu consentimento por escrito em relação a cada um deles caducarão se este consentimento não for dado dentro do prazo de doze meses.
5. A cessão do arrendamento é considerada sublocação.
BASE XX
1. É proibido ao senhorio e ao arrendatário sublocador receber dos arrendatários, a qualquer título, recompensa ou remuneração, alguma, além da renda., sob pena de três meses de prisão e restituição em dobro da quantia recebida.
2. Compreende-se nesta disposição o pagamento de quaisquer despesas que não sejam consideradas como renda pelo n.º 21.º do artigo 173.º do Código da Contribuição Predial.
BASE XXI
1. Durante o período de vigência do arrendamento, e sem prejuízo da obrigação de reparação, se a ela houver lugar, o senhorio poderá promover a rescisão do respectivo contrato nos seguintes casos:
a) Se o arrendatário tiver faltado ao cumprimento de alguma das cláusulas contratuais;
b) Se a exploração agrícola tiver sido conduzida em termos de prejudicar a produtividade das terras arrendadas;
c) Se o arrendatário não tiver velado pela boa conservação do solo e dos bens cuja exploração lhe foi confiada ou causar prejuízos graves nos que, não sendo objecto de contrato, existam nos prédios arrendados.
2. Para obter o despejo, fundado na resolução do arrendamento, são competentes os meios dos artigos 970.º e seguintes do Código de Processo Civil, sem necessidade de aguardar o fim do prazo do contrato ou da renovação.
BASE XXII
1. As divergências que surjam entre o senhorio e o arrendatário serão decididas por uma comissão arbitral do arrendamento rústico, constituída, em cada concelho, por um representante da Junta de Colonização Interna, que presidirá, e por dois proprietários e dois arrendatários designados pelo Conselho Regional da Agricultura.
2. Compete, ainda, à comissão arbitrai do arrendamento rústico:
a) Fixar o montante dos prejuízos provocados nos prédios e coisas acessórias pela acção ou negligência do arrendatário;
b) Decidir, quando necessário, sobre as benfeitorias a efectuar pelo senhorio ou pelo arrendatário;
c) Fixar o montante das indemnizações, nos casos em que forem devidas;
d) Fixar a nova renda, nos casos em que seja pedida a revisão;
e) Decidir sobre os prejuízos referidos na base V.
3. A comissão decide exclusivamente questões de facto, sendo nulas e de nenhum efeito todas as deliberações que envolvam matéria de direito.
4. Os tribunais poderão conhecer das questões de facto referidas no n.º 2 desta base se a comissão não deliberar no prazo de 90 dias, a contar da data da entrada da petição na Junta de Colonização Interna, organismo que promoverá a convocação da respectiva comissão arbitrai de arrendamento rústico.
. A comissão funcionará no grémio da lavoura ou numa das Casas do Povo do concelho, conforme por ela for resolvido, ou, na sua falta, na câmara municipal, sendo o respectivo expediente assegurado pelas mesmas entidades.
BASE XXIII
1. Esta lei é aplicável aos arrendamentos de pretérito, verbais ou escritos, passados doze meses, a contar da data de sua publicação, salvo o disposto na base XV, que é de aplicação imediata.
2. Tratando-se de contratos escritos, continuarão vigorando até ao termo do prazo por que tenham sido estipulados, aplicando-se-lhes, porém, o regime previsto na base VIII assim que tiver decorrido o prazo estabelecido no n.º 1 desta base.
BASE XXIV
1. Não são abrangidos pelas disposições da presente lei:
a) Os arrendamentos de propriedade rústica que, pelos rendeiros, seja destinada a fins não agrícolas;
b) Os arrendamentos de jardins e pastagens, salvo, quanto a estas, se representarem a forma normal de exploração da propriedade;
c) Os contratos de caça e pesca;
d) Os arrendamentos em que o Estado intervenha como arrendatário;
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e) Os que digam respeito à realização fortuita de culturas, continuando o senhorio a fruir as terras nos períodos em que não estão ocupadas por estas culturas, quando as parcelas arrendadas no mesmo prédio não abranjam mais de um quinto da respectiva superfície.
2. Os senhorios e arrendatários são obrigados a remeter às secções de finanças respectivas, até 30 de Junho de cada ano, a relação dos terrenos que deram de arrendamento ou subarrendamento nos termos da alínea e) do número anterior, com indicação do nome do arrendatário, duração do arrendamento, área arrendada, renda ajustada e demais condições contratuais.
TITULO II
Dos arrendamentos familiares protegidos
BASE XXV
1. Com o fim de assegurar a continuidade de unidades económicas familiares em regime de arrendamento e de garantir a estabilidade na profissão agrícola, o Governo pode atribuir a qualidade de «arrendamento familiar protegido» às explorações agrícolas arrendadas em que se verifiquem as seguintes condições:
a) Darem rendimento que permita manter a família do agricultor-rendeiro em conveniente nível de vida;
b) Assegurarem ao longo do ano o regular emprego da família, sem que o recurso a trabalho de estranhos exceda, em média, um terço das necessidades totais da exploração;
c) O empresário e mulher não exercerem outras actividades lucrativas que os impeçam de prestar à exploração agrícola assistência assídua;
d) Possuir o empresário instrução e preparação profissional suficientes para bem gerir a exploração agrícola reveladas pela gerência exercida num período não inferior a cinco anos;
e) A exploração não ser constituída por um número de prédios ou partes de prédio que contrarie as normas que vierem a ser definidas pura a região, pela Junta de Colonização Interna, em matéria de emparcelamento da propriedade rústica.
2. Excepcionalmente, pode ser dispensada a verificação de todas ou algumas das condições referidas no número anterior quando cumulativamente se verifiquem as seguintes circunstâncias:
a) Terem-se fixado nas terras que exploram os cultivadores com suas famílias;
b) Ter sido fornecido pelo cultivador actual ou pelos seus ascendentes consanguíneos ou afins, em linha recta ou até ao 3.º grau da linha colateral, todo o capital investido no desbravamento, benfeitorias e exploração das terras referidas;
c) Ditar de há vinte anos, pelo menos, o início da exploração na forma indicada na alínea anterior.
3. A faculdade outorgada no número anterior subsiste nos casos em que seja posto termo judicial à exploração posteriormente à data deste diploma, contanto que seja solicitado o título de arrendamento familiar protegido no prazo de dois anos, a contar da mesma data.
BASE XXVI
O título de arrendamento familiar protegido é dado por portaria do Secretário de Estado da Agricultura, a requerimento do interessado e mediante parecer fundamentado da Junta de Colonização Interna.
BASE XXVII
O contrato respeitante a um arrendamento familiar protegido, seja qual for o prazo estipulado, considera-se sucessivamente renovado desde que o arrendatário se não tenha despedido ou o senhorio o não despedir, pela forma designada na lei, com a antecedência de um ano.
BASE XXVIII
1. O senhorio só pode opor-se à renovação se pretender explorar o prédio, pelo prazo mínimo de seis anos, por conta própria ou por seus descendentes e não possuir outros bens que excedam o valor dos bens arrendados.
2. O senhorio que se opuser à renovação do contrato e que, no decurso dos seis anos seguintes, mesmo por motivos imprevistos, resolva explorar a terra em condições diferentes das indicadas terá de oferecer o arrendamento ao arrendatário cessante.
3. O arrendatário cessante tem, neste caso, direito a haver uma indemnização correspondente a 15 por cento da renda relativa aos anos que esteve impossibilitado de continuar o arrendamento, e as condições do novo contrato serão fixadas pela comissão arbitral do arrendamento rústico.
BASE XXIX
A natureza e o montante da renda anual podem ser revistos de seis em seis anos, a pedido de qualquer das partes, e, não havendo acordo quanto aos termos da revisão, haverá recurso para a comissão arbitrai do arrendamento rústico.
BASE XXX
Será retirado o título de «arrendamento familiar protegido» quando deixar de se verificar qualquer das condições referidas na base XXV.
BASE XXXI
1. Os titulares de «arrendamentos familiares protegidos» têm direito de opção na compra dos prédios arrendados, salvo se a venda tiver por fim pôr termo a uma indivisão.
2. Quando o contrato de arrendamento não tenha sido renovado, com fundamento no disposto na base XXVIII, o arrendatário cessante mantém durante os seis anos seguintes o direito de opção na compra dos bens abrangidos pelo contrato.
BASE XXXII
Ao arrendatário que pretenda fazer uso do direito de opção poderá, a seu pedido, ser concedido pelo Estado, através do Fundo de Melhoramentos Agrícolas, um empréstimo para compra dos prédios arrendados.
BASE XXXIII
É aplicável aos contratos de «arrendamento familiar protegido» o disposto no título I, salvo no que contraria as bases específicas relativas a esta espécie de arrendamento.
O Secretário de Estado da Agricultura, Luís Quartin Graça.
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CÂMARA CORPORATIVA
VII LEGISLATURA
PARECER N.º 41/VII
Projecto de proposta de lei n.º 507
Arrendamento da propriedade rústica
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei 11.º 507, elaborado pelo Governo sobre o arrendamento da propriedade rústica, emite, pela sua secção de Interesses, de ordem administrativa (subsecções de Política e administração geral, Justiça e Finanças e economia geral), à qual foram agregados os Dignos Procuradores Aníbal Barata Amaral de Morais, António Martins da Cunha Melo, António Pereira Caldas de Almeida, António Teixeira de Melo, António Trigo de Morais, Eduardo José Fins Pinto Bartilotti, Fausto Silvestre, João Valadares de Aragão e Moura, João Rafael Mendes Cortes, Joaquim Soares de Sousa Baptista, José Bulas Cruz, José Infante da Câmara, José de Mira Nunes Mexia, Manuel Cardoso e Rafael da Silva Neves Duque, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
SUMÁRIO
Arrendamento da propriedade rústica
I
Apreciação na generalidade
1. Economia do projecto.
2. Vantagens e inconvenientes do arrendamento rústico.
3. Expansão do contrato no estrangeiro e em Portugal.
4. Necessidade de rever o seu regime jurídico.
5. O problema no momento actual. A autonomia do direito agrário.
6. Arrendamento de coisas produtivas e não produtivas.
7. Aluguer de coisas móveis produtivas.
8. Arrendamento e parceria. Âmbito do projecto.
II
Exame na especialidade
§ 1.º Arrendamentos sujeitos à nova lei
9. Conceito de arrendamento agrícola.
10. Contratos de caça e pesca.
11. Presunção do fim agrícola. Arrendamentos do Estado.
12. Contratos mistos de arrendamento e parceria.
§ 2.º
Forma
13. Soluções contraditórias nas bases I e II do projecto.
14. A regra da consensualidade.
15. Arrendamentos sujeitos a registo.
§ 3.º
Prazo
16. As soluções da base III do projecto.
17. Regime do Código Civil, do Decreto n.º 5411 e do anteprojecto do futuro código, quanto a prazos mínimos.
18. Soluções das leis estrangeiras.
19. Vantagens e inconvenientes da fixação de um prazo mínimo.
20. Solução preferível nas explorações de índole patronal.
21. Intervenção do Secretário de Estado da Agricultura na redução dos prazos.
22. Renovação dos contratos.
23. Limite máximo do prazo.
§ 4.º
Caducidade
24. Razão de ordem.
25. Arrendamentos feitos pelo usufrutuário, pelo fiduciário e, de uma maneira geral, pelos administradores de bens alheios.
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26. Arrendamentos de bens de menores.
27. Momento em que deve caducar o arrendamento.
28. Morte do senhorio ou do arrendatário e transmissão da propriedade.
29. Expropriação do prédio.
§ 5.º
Rendas
30. Razão de ordem.
31. Fixação e forma do pagamento da renda.
32. Redução da renda.
33. Revisão da renda.
§ 6.º
Partes integrantes, coisas acessórias e locação de móveis
34. Partes integrantes e coisas acessórias.
35. Locação de coisas móveis.
§ 7.º Cláusulas proibidas
36. Proibições da base VIII e do n.º 4 da base IV do projecto.
37. Direitos banais.
38. Pagamento das contribuições e dos prémios de seguro.
39. Despesas de grandes reparações.
40. Renúncia ao direito de pedir a rescisão do contrato.
41. Consequências da nulidade.
§ 8.º
Benfeitorias
42. Economia do projecto.
43. Benfeitorias feitas pelo senhorio.
44. Benfeitorias feitas pelo arrendatário.
45. Levantamento de benfeitorias.
46. Empréstimos do Estado.
§ 9.º
Despesas de cultura
47. Avanço à cultura.
48. Despesas de cultura de que não beneficia o arrendatário.
§ 10.º
Subarrendamento e cessão do direito ao arrendamento
49. Alterações propostas.
50. Subarrendamento total.
51. Subarrendamento parcial.
52. Cessão do direito ao arrendamento.
§ 11.º
Crime de especulação
53. A doutrina na da base XX do projecto.
51. Inadmissibilidade da doutrina.
§ 12.º
Rescisão do contrato
55. Condição resolutiva tácita.
56. Exploração inconveniente do prédio.
§ 13.º
Comissões arbitrais
57. Doutrina da base XXII e sua crítica.
58. Solução aconselhável.
§ 14.º
Arrendamentos familiares
59. Arrendamentos a cultivadores directos na Itália, na Espanha e no anteprojecto do Prof. Galvão Teles.
60. Termos em que podem ser admitidos os arrendamentos familiares.
61. Conceito de arrendamento familiar.
62. Duração do contrato e caducidade por morte do arrendatário.
63. Não produção ou perda casual dos frutos.
64. Benfeitorias.
65. Direito de preferência.
§ 15.º
Disposições transitórias
66. As bases XIX e XXIII do projecto e solução adoptada.
III
Conclusões
67. Contraprojecto da Câmara Corporativa.
Apreciação na generalidade
I
Apreciação na generalidade
1. Economia do projecto. - O projecto de proposta de lei n.º 507, sobre o regime do contrato de arrendamento da propriedade rústica, integra-se num conjunto de medidas de reorganização agrária, relacionadas em certa medida com o II Plano de Fomento, do qual fazem parte, entre outros, o projecto de proposta de lei n.º 508, de revisão do regime jurídico da colonização interna, e o projecto de decreto-leá 11.º 509, sobre emparcelamento da propriedade rústica, já com pareceres desta Câmara, além do Decreto-Lei n.º 42 665, de 20 de Novembro de 1959, que promulgou o novo regime das obras de fomento hidroagrícola.
Trata-se, na verdade, de aspectos capitais de unia reforma que atingirá institutos de direito público e de direito privado, pertinentes ou ligados à vida rural, com o objectivo expressamente manifestado de proporcionar uma maior rendabilidade do trabalho e do capital, de criar condições vantajosas para uma intensificação, em larga escala, do aproveitamento das terras, e de proporcionar aos trabalhadores do campo um nível de vida mais elevado e uma maior independência económica.
2. Vantagens e inconvenientes do arrendamento rústico. - O problema da admissibilidade do contrato de arrendamento de prédios rústicos destinados à produção não está posto em causa, nem parece que seja oportuno trazê-lo à discussão.
Não ficam, em todo o caso, deslocadas algumas breves palavras sobre o assunto.
Crê a Câmara Corporativa que nem juridicamente, nem socialmente, se poderá prescindir de um instrumento de direito que permita a constituição de empresas agrícolas em terrenos alheios, tornando possível a uma única entidade, singular ou colectiva, coordenar os factores da produção, dirigir as actividades agrárias e, em princípio, suportar os riscos da exploração 1.
Esse instrumento, pondo de lado a parceria, nem sempre adaptável a certas culturas e incapaz, por isso mesmo, de satisfazer integralmente as necessidades do comércio jurídico, há-de ser o arrendamento.
É por seu intermédio que todos os proprietários que não possuem capital suficiente, ou não têm capacidade técnica ou jurídica para a direcção de uma empresa agrícola, ou que são obrigados a dedicar-se a outras actividades, podem continuar com o domínio das propriedades que herdaram ou que adquiriram.
É por meio do arrendamento, por outro lado, que se torna possível o acesso à vida dos campos dos que não podem adquirir a terra e se lhes dá aquela independência económica e jurídica que não podem ter os simples assalariados de uma exploração alheia.
É por seu intermédio, ainda, que se podem corrigir defeitos da estrutura agrária, criando-se unidades económicamente mais convenientes, quer pela exploração unitária de parcelas pertencentes a vários proprietários, quer pela divisão da grande propriedade em diversas explorações 2.
1 Vide Carrara, I Contralli Agrari, 3.ª ed., 1954, p. 170.
2 Vide Prof. Castro Caldas, Formas de Exploração da Propriedade Rústica, pp. 180 o segs., Prof. Henrique de Barros, Economia Agrária, III., pp. 605 e segs., e Eng.º António Poppe Lopes Cardoso, Subsídios para a Regulamentação do Arrendamento Rústico.
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Tem inconvenientes essa forma de exploração?
Sem dúvida.
O arrendamento, escreveu-se entre nós, «facilita, provoca até, o absentismo dos proprietários, com todos os conhecidos inconvenientes deste fenómeno social» 1.
mporta não pôr, porém, o problema em termos demasiadamente pessimistas.
O locador não é necessàriamente um absentista. Na sua pureza, o absentismo supõe o absoluto desinteresse pela terra, o que é raro verificar-se 2.
Por outro lado, como disse recentemente esta Câmara, «o proprietário absentista, instalado no País ou no estrangeiro, acalenta frequentemente o sonho de poder passar os últimos dias da vida no seu torrão natal. A sua pequena propriedade representa, assim, um vínculo que ele não veria sem desgosto ou mesmo revolta ser destruído.
Esse proprietário (modesto operário, pequeno comerciante ou funcionário que se viu forçado a abandonar a sua terra) não é, muitas vezes, um desinteressado da pequena propriedade que teimou em conservar, por vezes com sacrifício, através da vida - como o revela a circunstância de ter renunciado a aliená-la, não obstante o magro rendimento que normalmente dela aufere. Ora a necessidade de rodear, a legislação sobre a reorganização agrária de um adequado ambiente de compreensão e simpatia aconselha que sé tomem em conta e respeitem os sentimentos legítimos daqueles que dela podem ser vítimas» 3.
De uma maneira geral é de reconhecer que as críticas que são dirigidas ao arrendamento ou dizem respeito ao absentismo, e não atingem o contrato senão em limitadas proporções, ou encobrem objectivos mais profundos: os vícios do capitalismo e os abusos da propriedade privada.
Afirmar-se, na verdade, que deve desaparecer a figura do senhorio só porque este recebe as rendas sem cultivar a terra é afirmar, no fundo, que devem desaparecer todas as fornias de propriedade privada. O que colhe os dividendos de uma empresa que não administra, o que corta os cupões dos títulos de crédito, é, usando de uma expressão corrente, o mais contemplativo dos capitalistas, «que muchas veces ni sabe las finalidades de las acciones que tiene depositadas, ni mucho menos las características más essenciales de las empresas que representan y se limita a cortar o cobrar el cupón, sin preocuparse de los obreros y empleados que trabajan y llevam la gestion y administración de los respectivos negócios» 4.
Outras são, porém, ainda as razões invocadas contra o contrato de arrendamento rústico. Enumeremos algumas, as mais importantes:
a) Torna instável a a população rural, obrigada a mudar de local de trabalho e até de moradia pelos acasos da renovação ou da não renovação dos contratos»;
1 Prof. Henrique de Sarros, ub. cit., p. 602: «Na prática todavia - diz-se mais adiante -, o para a grande maioria dos arrendamentos ... é inteiramente justo dizer que os proprietários de terras arrendadas são, ou acabam por tornar-se, absentistas integrais».
2 «Devemos dizer - escreve a Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Alta em exposição enviada a esta Câmara - ser da nossa observação directa aqui e sem recurso a estatísticas talvez até não existentes que essa espécie de proprietário é muito menos generalizada do que frequentemente se afirma ...».
3 Parecer n.º 82/Vil, sobre emparcelamento da propriedade rústica, n.º 73.
V. Ascaya, Arrendamentos Rústicos, p. 7, e Luis Martin-Ballestero y Costea, Del concepto legal de arrendamento rústico al pago de la renta en espécie, em Temis, I, p. 82.
b) É factor de «relações de dependência que restringem a liberdade de iniciativa, e porventura até a liberdade pessoal, de muitos cidadãos prestimosos»;
c) Dificulta a realização e conservação de benfeitorias;
d) Dificulta a obtenção de capital conveniente à exploração;
e) Contribui para o aumento do custo da produção.
Nenhum destes inconvenientes, procedentes em maior ou menor escala, mas sempre em escala diminuta, pode. considerar-se decisivo no sentido da condenação do contrato, e podem todos eles atenuar-se mediante uma regulamentação apropriada. E depois, sempre é certo que todos esses inconvenientes aparecem com muito maior acuidade em relação ao pessoal assalariado, do qual se não poderá facilmente prescindir em regime de conta própria.
Num dos mais recentes relatórios publicados pela Junta de Colonização Interna (1959), relativo à reforma agrária na Bélgica 1, enquanto se nota que a forma de exploração por conta própria mostra tendência para diminuir naquele país, escreve-se:
Nos países de agricultura evoluída e com predomínio da empresa familiar parece hoje tomar corpo e generalizar-se cada vez mais o conceito de que o arrendamento, quando devidamente organizado, deve ser encarado como uma estrutura com apreciáveis vantagens económicas sobre a conta própria, por permitir maior elasticidade à exploração.
De facto, acrescenta-se:
a) Pode constituir obstáculo à excessiva divisão das explorações, uma vez que, pelo falecimento do empresário, não há que partilhar a terra entre herdeiros ...
b) Permite vencer mais facilmente o período crítico que coincide com a transmissão das funções de gerência para um herdeiro ...
De resto, com as suas vantagens e os seus inconvenientes, é de reconhecer que sem um cataclismo social que permitisse tirar as terras aos seus. actuais proprietários para as entregar, gratuitamente, em domínio pleno, aos rendeiros, a figura jurídica do arrendamento não poderá acabar. E diz-se gratuitamente, porque, tratando-se de transmissões onerosas, sempre as amortizações dariam à exploração uma fisionomia paralela, se não perfeitamente igual à dos actuais arrendamentos, condenados os locatários a desviar dos resultados da exploração, para pagamento do preço da aquisição, importantes verbas, normalmente até superiores às actuais rendas.
E, que se considere como sistema teoricamente ideal o de exploração da terra por empresas familiares em conta própria, sempre nos encontraríamos em face de uma situação que não podia manter-se sem uma reforma profunda de variadas instituições de direito privado, impedindo-se as partilhas mortis causa, proibindo-se as vendas ou quaisquer alienações que conduzissem ao parcelamento ou à concentração da propriedade, etc. E não
1 Aspectos da Agricultura Belga - Principais Medidas de Intervenção no Campo da Estrutura Agrária, pelo Eng.º António José Cortês Lobão, p. 46. Cita-se em abono desta tese Denis R. Bergmann, «Les unités économiquement viables en agriculture», in Revista Fatis, v, n.ºs 5 e 6.
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seria muito fácil ao legislador dominar «o feroz individualismo do homem do campo» 1.
3. Expansão do contrato no estrangeiro e em Portugal. - Não admira, pois, que o arrendamento seja, em toda a parte onde é admitida a propriedade privada das terras, uma forma comum da sua exploração.
Em 1950, em Inglaterra 60,4 por cento da área cultivada era explorada em regime de arrendamento. Em Espanha, em 1953, cerca de 20 por cento das empresas agrárias existentes revestiam essa forma e 10 por cento a de parceria 2. Na Alemanha Federal também 20 por cento da área cultivada estava arrendada. Na Bélgica, na Holanda e no Luxemburgo as áreas eram, respectivamente, em 1950, de 66,7 por cento, 57,2 por canto e 26,9 por cento. Na Áustria, no mesmo ano, era cê 4,88 por cento (25,3 por cento, incluindo formas mistas de conta própria e arrendamento). Na Suíça, em 1937, 20 por cento. Na Itália, no mesmo ano, 28,5 por cento, em arrendamento, e igual percentagem em parceria. Na França, em 1946, 33,5 por cento, em arrendamento, e 10,5 por cento em parceria 3.
Trata-se, pois, de um sistema generalizado em todo o mundo capitalista, excepção feita, segundo cremos, para a Noruega 4.
Em Portugal, não obstante não se encontrar concluído o cadastro geométrico do País, para se poder avaliar eu dados estatísticos precisos a importância do arrendamento, é possível apresentar alguns números esclarecedores.
O engenheiro Lopes Cardoso 5, com base no «Inquérito às Explorações Agrícolas do Continente (I. N.º E.)», chegou às seguintes conclusões: 22,4 por cento das explorações agrícolas de Portugal continental estão totalmente arrendadas ou nelas predomina o arrendamento, sendo na Estremadura e no Douro Litoral que se atingem os números mais elevados (34 por cento e 35 por cento, respectivamente) 5 e 6. Em regime de parceria são exploradas 4,8 por cento das empresas.
Não se conhecem dados completos quanto às áreas sujeitas a arrendamento ou parceria 7.
Os números referidos permitem já avaliar a importância entre nós destes contratos, e especialmente a do arrendamento rústico. Trata-se, pois, de uma realidade indiscutível. Pode pensar-se numa nova regulamentação; não pode levantar-se, porém, o problema da sua abolirão, por que isso importaria não apenas uma re-
1 Pode ler-se a sugestiva crítica do Prof. Castro Caldas, ob. cit., pp. 160 e seg.
2 Em 1927 o arrendamento em Espanha incidia sobre 82,9 por cento da área cultivada.
3 Números extraídos do estudo citado do Eng.º Lopes Cardoso, a pp. 18 e seguintes. Nele se encontram ainda referências aos Estados Unidos, à Guatemala, ao Canadá, ao Brasil, à Venezuela, ao Japão, à Dinamarca e à Suécia.
4 O artigo 48.º da Lei Agrária, de 18 de Março de 1955, dispõe: «O proprietário é obrigado a habitar a sua propriedade e a valorizá-la, ele mesmo, convenientemente, como exploração agrícola; a título excepcional, o Conselho Agrícola Provincial pode, temporàriamente, isentar o proprietário da obrigação de habitar a propriedade ou permitir que durante um certo tempo a exploração seja confiada a outro». (Tradução do Eng.º Lopes Cardoso, cb. cit., p. 35).
5 Ob. cit, pp. 30 e segs.
6 No Algarve a percentagem, dado o predomínio da parceria, firma-se em 7,4 por cento.
7 São citados alguns elementos pelo Prof. Henrique de Barros, ob. cit., pp. 599 e 600. Também no relatório que precede o projecto em apreciação se indicam as seguintes percentagens: 26,7 por certo no distrito de Santarém, 30 por cento no de Setúbal, 35,9 por cento no de Évora e 39,3 por cento no de Portalegre. E reconhece-se que as percentagens são ainda mais elevadas nas regiões de pequena propriedade, ao norte do Tejo, excedendo, por vezes, 60 por cento, como sucede na Cova da Beira.
forma da nossa estrutura agrária - essa é desejável -, mas também uma profunda remodelação da nossa estrutura social, que poderia atingir mortalmente á propriedade privada.
4. Necessidade de rever o seu regime jurídico. - A necessidade de revisão entre nós do regime deste contrato é facto também indiscutível.
Não se desconhece que os problemas jurídicos da terra estão sendo objecto em todo o mundo de uma especial atenção por parte dos legisladores. Os conceitos clássicos, individualistas, do direito de propriedade e da autonomia da vontade no domínio contratual, nascidos da filosofia do século XVIII e inspiradores do regime vigente em Portugal do arrendamento rústico, não podem resistir às grandes modificações económicas e sociais dos tempos modernos.
Por toda a parte se anseia pela revisão dessas velhas ideias mestras do direito privado, e entre nós são disso reflexo os trabalhos preparatórios de um novo Código Civil. «O que ontem constituía justo motivo de exaltação do diploma (Código de 1867), escreve o Prof. Antunes Varela, - o espírito profundamente liberal e individualista de que vinha imbuído - converteu-se nos dias de hoje, em face das renovadoras aspirações da comunidade, numa razão de decrepitude dos textos legislativos que nos regem. Ao direito de cunho individualista e igualitário que Seabra ofereceu ao Governo em 1867 tem hoje de substituir-se um direito de feição eminentemente social de profunda expressão comunitária» 1.
É, por um lado, o direito de propriedade como direito absoluto, tal como o definiu o Code Napoléon 2, inspirador de todos os códigos latinos do século XIX (vide em especial o artigo 2167.º do nosso Código Civil, embora distanciado daquele mais de 60 anos), que dá lugar, com a criação de restrições ao seu exercício, das mais variadas índoles, às novas concepções da propriedade como função social 3. E por outro lado, a liberdade contratual, expressa no artigo 672.º do nosso Código Civil, que cede terreno dia a dia, com o incremento das disposições imperativas, de interesse e ordem pública, em todos os campos jurídicos.
Dado este movimento de ideias, não pode deixar de se encarar como oportuna a revisão do regime do arrendamento, ainda hoje sujeito, praticamente, às disposições do Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, e do Código de 1867, facto que poderá ter assinaláveis reflexos na vida social e económica do País.
5. O problema no momento actual. Autonomia do direito agrário. - Estranha-se, porém, que no projecto enviado pela Secretaria de Estado da Agricultura a esta Câmara não tenham sido tomados em consideração os trabalhos já publicados de elaboração do projecto do nosso Código Civil, não só respeitantes especialmente ao arrendamento agrícola, mas, de uma maneira geral, ao contrato de locação 4.
1 Discurso proferido na sessão de encerramento nos trabalhos da comissão revisora do anteprojecto do direito das sucessões, no Boletim do Ministério da Justiça n.º 63.
2 Art. 544: La propriété est le droit de jouir et disposer des choses de la manière la plus absolue, pourvu qu'on n'en fasse pas un usage prohibé par les lois ou par les règlements.
3 Cf. artigo 31.º, alínea a), da Constituição Política o artigos 11.º, 12.º e 13.º do Estatuto do Trabalho Nacional, este último segundo a redacção do Decreto-Lei n.º 24 424, de 27 de Agosto do 1934.
4 Prof. Galvão Teles, Dos Contratos em Especial, I e II - «Compra e venda e locação» (anteprojecto de dois capítulos do futuro Código Civil português), 1948, e «Contratos civis» (projecto completo de um título do futuro Código Civil português) e respectiva exposição de motivos, 1954.
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Discute-se um instituto que, embora tenha dentro do direito privado um assento próprio, como contrato em particular, não pode deixar de ficar dominado, na sua regulamentação específica, pelos princípios jurídicos que vierem a inspirar o futuro Código Civil, designadamente em matéria de direito de propriedade e de liberdade negocial.
Nos problemas postos não predominam simplesmente aspectos agrários. É um erro supô-lo, o um erro que pode ter consequências graves. Se se encarar apenas o aspecto agrário dos problemas, descurando a satisfação do outros interesses de ordem social que o direito privado procura acautelar, pode isso conduzir - é-se levado a dizer que conduz necessariamente - a soluções indesejáveis.
O direito, disse o Prof. Galvão Teles, teve de intervir e limitar a liberdade jurídica para restituir aos fracos a sua perdida liberdade de facto, defendendo-os na luta desigual, impondo maior justiça nas relações entre as partes, transformando numa palavra o contrato, de instrumento de predomínio, em equilibrada conciliação de interesses, ao serviço individual dos contraentes e ao serviço geral da colectividade.
A ideia de Bem-comum penetra o contrato; o espírito institucional perpassa-o; modela-o, hoje, uma ânsia maior e mais pura de justiça.
O trilho assim aberto tem também os seus perigos. É um pendor por onde se pode resvalar facilmente e já se tem resvalado, caindo na asfixia completa ou quase completa da liberdade contratual e no consequente definhamento do contrato, como corpo mirrado ,a que falta o sopro vital do fecundante estímulo da iniciativa e interesses privados. Se ao contrato se tira a substância volitiva que o tonifica e rejuvenesce, ele morre, esmagado pelo peso do intervencionalismo das leis, da administração pública, dos tribunais, e nós cidadãos perdemos um dos mais seguros baluartes e defesas da nossa individualidade, e connosco perdi; a economia nacional e internacional o motor mais potente da sua propulsão.
Por isso na feitura do meu projecto procurei estabelecer um ajustado doseamento das disposições imperativas, que excluem a liberdade contratual, e das supletivas, que a facultam.
Foi meu lema o seguinte: cumpre salvaguardar, quanto possível, a liberdade contratual, que só deve ser limitada até onde o impuserem, as exigências supremas do bem comum e da justiça.
É este o parecer ponderado e eloquente do relator deste capítulo do projecto do futuro Código Civil; mas não é essa, como se verá, a orientação do projecto em discussão, nem sempre isenta do risco de transformar a boa harmonia entre senhorios e arrendatários, quase membros da mesma família, da velha, família patriarcal, como é comum nas regiões do Norte, numa luta inglória pela defesa de interesses materiais, ou os caseiros em novos servos da gleba, perpetuamente ligados à terra que uma vez cultivaram como rendeiros.
O individualismo puro, a plena liberdade contratual, outrora considerados factores indiscutíveis da justiça social, deram de si fracas provas, e pode agora um socialismo exagerado, produto de uma análise unilateral e puramente agrária dos problemas, conduzir ainda a piores resultados, sem se conseguirem sequer os fins pretendidos, hoje latentes em todas as reformas e a que se fez já referência: uma maior justiça distributiva dos rendimentos da empresa para elevar o nível de vida dos que trabalham a terra e um mais fácil acesso à propriedade.
Não ignora a Câmara Corporativa que em certos sectores se revela alguma tendência para a autonomia, doutro do direito privado, de tudo o que respeita à vida agrícola, o que poderia justificar, mesmo num momento em que se prepara um novo Código Civil, a publicação de um diploma legislativo sobre arrendamento. Permitir-se-ia, porventura, um estudo mais apropriado dos problemas e talvez um passo mais largo contra o individualismo jurídico do século XVIII.
Já se escreveu em Espanha:
La tarea (autonomia do direito agrário) se impone como una necesidad, pues ahora las varias leyes referentes a la tierra y a la agricultura son frecuentemente reformadas, provienen de distintos critérios, de diferentes épocas, a menudo se contradicen o crean problemas de interpretación casi insolubles o se interfieren en sus fines. La legislación agraria aparece así confusa, en ocasiones, caótica, falta de consistência, carente de doctrina unitária y por ello resiste a los mejores intentos de perfeccionamento 1.
A questão é da maior complexidade.
Não são hoje apenas as matérias relacionadas com a estrutura económico-agrária que pretendem a sua independência. Numa época que se aponta como de crise do direito privado, muitas outras matérias tradicionalmente integradas na codificação global do direito civil aspiram a uma codificação autónoma, tais como o casamento, o contrato de trabalho, o arrendamento urbano, o contrato de seguro e, de uma maneira geral, a propriedade.
Importa, porém, ser cauteloso. Pode justificar-se em períodos de grandes remodelações legislativas, em momentos de grandes mutações ideológicas, o domínio da lei extravagante, para melhor se abrir o caminho à experiência. Mas quando se não discutam já os princípios-base, quando si; assentou numa certa estrutura social o económica, as leis deslocadas dos grandes corpos legislativos são, em princípio, inconvenientes, por conterem, ou poderem conter, orientações contraditórias com as daqueles.
Repete-se, pois: É um erro supor que pela circunstância de ter o arrendamento de prédios rústicos reflexos na vida agrícola, na produtividade das terras e no nível de vida dos que nela trabalham, deve a sua regulamentação ser obra exclusiva de técnicos rurais e de economistas e obra separada das grandes compilações do direito privado. Como é óbvio, não pode deixar de ser predominantemente obra de juristas. Só assim se não cairá em perigosas concepções unilaterais, longe quantas vezes dos mais elementares princípios em que assenta a nossa organização social e que são sustentáculo da nossa própria civilização.
É preciso não esquecer que a ciência do direito não é simplesmente uma ciência de conceitos e de abstracções - a doutrina jurídica - nem simplesmente uma arte de interpretar as leis. O direito é também um ramo da sociologia que estuda, qualifica e aprecia os fenómenos jurídicos e suas repercussões sociais em qualquer domínio, seja ele o económico, o político ou o moral.
1 F. «Revisão do Código Civil Português», conferência pronunciada na Universidade de Múrcia, 1955, parte final.
1 F. Cerrilho Quilez., «La codificación del derecho agrário espanol», na Revista de Derecho Privado, 36, p. 914.
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Trata-se, portanto, de um estudo em que não podem deixar de intervir os juristas, porque estão em causa precisamente problemas políticos e morais, e não simplesmente económicos. Há que chegar, pois, ao ponto de equilíbrio e de justiça social, fixar a meta conveniente na evolução natural dos institutos que, como o da propriedade privada, marcam uma civilização que se não pretende abolir.
El sistema de reformas parciales - escreve Ortega Pardo - no puede ser recomendado sino para necessidades urgentes, que no puedan esperar a ser satisfechas el largo período que una reforma general requiere. Con este método, al no mudar los principios generales y fundamentales de los Códigos, se destruye la sistemática del Derecho privado introduciendo en él la mayor desarmonia. Siguen [...] actualidad las palabras que en el ano 33 escribió el gran civilista espanol Castan: «Cada reforma ocasional, a trueque de introducir un cierto progreso, presenta el peligro de desorganizar el Derecho y producir nuevas antinomias. Solo una reforma orgánica y unitaria puede sentar las bases de um Derecho Civil acomodado a las exigências de nuestra época 1.
Todas estas considerações conduzem a Câmara Corporativa à convicção de que o projecto de alteração do regime do contrato de arrendamento rústico, instituto puramente de direito privado, deveria ser estudado e preparado para ser integrado no futuro Código Civil no ambiente calmo das Faculdades de Direito, encarregadas ca sua elaboração, e não numa secretaria de Estado.
Mas será esta razão bastante para que se negue o acordo à discussão do projecto?
Parece que não.
Dá-se a circunstância, em primeiro lugar, de estarem convocados para a sua apreciação vários membros da Comissão do Código; dá-se também a circunstância de já estar publicado um anteprojecto sobre o arrendamento rústico que pode ser aproveitado e confrontado com a actual proposta; dá-se ainda a circunstância de não ficar o Governo, com a publicação de uma lei especial, inibido de integrar e regular no futuro código o mesmo contrato, aproveitando algumas lições da experiência, e, por último, parece de toda a conveniência, em face de um projecto de técnica legislativa e de soluções tão discutíveis, que a Câmara Corporativa preste desde já a sua informação ao Governo.
6. Arrendamento de coisas produtivas e não produtivas. - Dentro da generalidade que a esta Câmara cabe em primeiro lugar apreciar, importa dizer ainda alguma coisa acerca do campo de aplicação do regime proposto.
Que ele se refere aos contratos de arrendamento de prédios rústicos, di-lo expressamente a base I e a epígrafe do título I. Na base XXIV exceptuam-se, porém:
a) Os arrendamentos de propriedade rústica que, pelos rendeiros, seja destinada a fins não agrícolas;
b) Cs arrendamentos de jardins e pastagens, salvo, quanto a estas, se representarem a forma normal de exploração da propriedade;
c) Os contratos de caça e pesca;
d) Os arrendamentos «m que o Estado intervenha como arrendatário;
e) Os que digam respeito à realização fortuita de culturas, continuando o senhorio a fruir as terras nos períodos em que não estão ocupadas por estas culturas, quando as parcelas arrendadas no mesmo prédio não abranjam mais de um quinto da respectiva superfície.
Mostra-se o intuito de subtrair ao regime do projecto todos os arrendamentos que não tenham rigorosamente a natureza agrária, os quais ficarão sujeitos a um regime geral - o do contrato de locação - ou a um outro regime especial, tal como acontece com os arrendamentos do Estado (senhorio ou inquilino), por força do artigo 12.º do Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919 1.
Corresponde, fundamentalmente, assim, o contrato visado, ao denominado no anteprojecto do futuro Código Civil, locação de coisas produtivas, que tem a sua regulamentação especial nos artigos 69.º a 85.º
Esta distinção entre locação de coisas produtivas e não produtivas é tradicional no direito germânico 2, foi discutida na Itália, durante a preparação do Código Civil de 1942 3, e foi a solução consagrada neste código 4 e nas legislações mais modernas 5.
Independentemente da análise das cinco alíneas da base XXIV, o que se fará no estudo da especialidade, parece desde já à Câmara Corporativa ide apoiar a distinção, e a consequente especialização do contrato rural.
Embora mostrem certas disposições do Decreto n.º 5411 que estava no pensamento do legislador, ao fixar, nos artigos 61.º e seguintes desse diploma, o regime especial dos arrendamentos de prédios rústicos, a ideia de que o contrato teria sempre como objecto prédios destinados à cultura, o certo é que no § 1.º do seu artigo 1.º se dá um conceito de prédio rústico puramente formal e jurídico - o maior valor da parte rústica, quando o contrato abranja também uma parte urbana. Fixou-se, portanto, o legislador na doutrina consagrada no Código Civil (artigo 374.º), de que
1 «La revisión del Código Civil Português, aportación para la reforma espanola», no Boletim da Faculdade de Direito, vol. XXIV. Veja-se, no mesmo sentido, Prof. Vaz Serra, «A Revisão Geral do Código Civil - Alguns Factos e Comentários», no mesmo Boletim, vol. XXII.
1 Cf. artigo 1604.º do Código Civil e artigos 8.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 25 547, de 27 de Junho de 1935.
2 §§ 535.º e 581.º do Código Alemão e artigos 253.º e 275.º do Código Suíço das Obrigações.
3 Vide Barrara, ob. cif., pp. 170 e segs.
4 Artigo 1615.º: «Quando la locazione ha per oggetto il godimento di una cosa produttiva, mobile o immobile, l'affituario deve ...».
5 Vide, por todos, o Código Civil Grego de 1941, artigos 619.º e seguintes, e o artigo 1.º, n.º 2, do regulamento espanhol para a aplicação da legislação sobre arrendamentos rústicos, aprovado pelo Decreto de 29 de Abril de 1959, que preceitua: «A los efectos de la legislación especial de arrendamientos rústicos, tendrán la consideración de arrendamientos todos los actos y contratos, cualquiera que sea su denominación, por los que voluntária y temporalmente una parte ceda a otra el disfrute de una finca rústica o de alguno de sus aprovechamientos, mediante precio, canon o renta, ya sea en metálico, ya en espécie o en ambos casos a la vez, y con el fin de dedicarla a la explotación agrícola o ganadera». Adiante se citarão as leis de outros países (França, Holanda, Bélgica, etc.) que seguiram a mesma orientação.
6 Vide o artigo 62.º (ao arrendatário de prédios rústicos é obrigado a cultivá-los ...»), o § único deste mesmo artigo («esta disposição é aplicável ao arrendamento de prédios urbanos quando tenham parte rústica que à data do arrendamento esteja cultivada ou que o arrendatário se tenha obrigado a cultivar»), o artigo 63.º («... nunca se presumirá que fosse feito por menos tempo que o necessário para uma sementeira e colheita, conforme a cultura a que lenha sido aplicado»), o artigo 64.º («o arrendatário não podo exigir diminuição de renda com o fundamento de esterilidade extraordinária, ou de perda considerável dos frutos pendentes ...») e o artigo 65.º («... a haver do senhorio o valor das benfeitorias agrícolas ...»).
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prédio rústico é sempre, mesmo para efeitos de arrendamento, qualquer porção delimitada do solo ou do terreno.
Os inconvenientes deste sistema, quer na ordem económica, quer na jurídica, suo evidentes.
Na ordem económica, porque não há razões para estabelecer um regime especial para os contratos que tenham por objecto coisas não produtivas, embora de natureza rústica. É que esse regime especial justifica-se pelo destino da coisa, e não pela sua natureza intrínseca. É o seu destino - a cultura - que permite a fixação da renda em géneros, que determina regras particulares quanto à sublocação, quanto à forma do contrato, quanto ao tempo de duração, quanto à diminuição de rendas, ao reembolso das benfeitorias, à caducidade, à renovação, etc.
Juridicamente, o sistema vigente só tem trazido dificuldades. Servirá de exemplo o caso do arrendamento de campos para fins desportivos. Arrendamento de prédio urbano? Arrendamento ide prédio rústico? Parece, em rigor, que não se trata nem de um nem de outro; mas como tem de se lhe aplicar um dos regimes - o regime geral sobre contrato de locação não é suficiente - as opiniões divergem 1.
Por isto parece à Câmara Corporativa que deve manter-se a orientação do projecto - especialização do contrato de arrendamento para fins agrícolas.
Claro que não se discutem os casos especiais que já têm regulamentação própria na nossa lei, como os arrendamentos de bens do Estado, ou o arrendamento de terrenos beneficiados por obras de fomento hidroagrícola ou sujeitos à acção da Junta de Colonização Interna. Esses estão evidentemente de parte.
Pode e deve, porém, discutir-se o problema dos arrendamentos familiares, como tipo especial de arrendamento agrícola, admitido com autonomia em algumas legislações estrangeiras e a que o projecto se refere no título II (bases XXV e seguintes).
O Código Civil Italiano distingue entre arrendamento a cultivador não directo (artigos 1628.º e seguintes) e a cultivador directo (artigos 1647.º e seguintes), considerando como arrendamento a cultivador directo aquele que tem por objecto um prédio que o arrendatário cultiva predominantemente com trabalho próprio ou de pessoas de sua família. No primeiro caso, o arrendatário é um empresário capitalista; no segundo, um empresário trabalhador.
Em Espanha, também o artigo 83.º do Regulamento de 29 de Abril de 1959, sobre arrendamentos rústicos, prevê, como já previa o artigo 4.º da Lei de 23 de Julho de 1942, um regime proteccionista para o. arrendamento cuja renda anual não exceda 40 q métricos e a exploração se faça por modo directo e pessoal pelo arrendatário, isto é, «cuando las operaciones agrícolas se realicen materialmente por éste ... o por los familiares, en su más amplio sentido, que con él convivan bajo su dependencia económica, no utilizando asalariados más que circunstancialmente por exigências estacionales del cultivo, y sin que en ningún caso el número de obrados de estos asalariados exceda del veinticinco por ciento del total que sea necessário para el adecuado laboreo de la finca».
Desde já pode a Câmara Corporativa afirmar que, dadas as vantagens sociais da empresa familiar, se compreende e se justifica para ela um regime jurídico próprio. «A pequena empresa privada simples, do tipo familiar, escreveu o Prof. Castro Caldas, é a mais perfeita organização, a mais lógica, de entre todas as fornias de aplicação do trabalho na agricultura» 1.
Os termos, porém, da distinção e o regime «particular da empresa familiar só se poderão apreciar no estudo da especialidade 1.
7. Aluguer de coisas móveis produtivas. - O projecto não se pronuncia sobre o contrato de aluguer de coisas móveis produtivas, salvo quando estas constituam partes integrantes ou acessórias do prédio arrendado.
Efectivamente, o n.º 2 da base VII, que adiante será considerado, manda aplicar à locação de coisas móveis, não havendo expressa declaração em contrário, a as condições a que estiver sujeito o arrendamento do respectivo prédio», o que mostra querer referir-se - como, de resto, se deduz também do número anterior - apenas ao aluguer outorgado pelo proprietário da terra.
Nada se diz, pois, quanto ao aluguer por parte de terceiro, ao qual não pode ser aplicado, evidentemente, o regime de um arrendamento a que é inteiramente estranho.
Quer no Código Italiano de 1942 (artigo 1615.º), quer no anteprojecto do Prof. Galvão Teles (artigo 69.º), os princípios, sobre locação de coisas produtivas aplicam-se genericamente às coisas moveu. E no Código Grego, os artigos 638.º e seguintes não só prevêem a aplicação das mesmas disposições ao aluguer, como estabelecem princípios particulares para a locação de animais.
Não estaria fora das possibilidades da Câmara Corporativa sugerir uma solução paralela. É, porém, tecnicamente muito difícil apresentar um contraprojecto, orientado nesse sentido, sem se fixar previamente o regime geral do contrato de locação. E, quanto a este, não pode a Câmara pronunciar-se, pois se afastaria dos objectivos e da economia do projecto do Governo.
Ficará, assim, em branco esta matéria, embora se reconheça que o aluguer de coisas móveis produtivas e ate, em certos casos, o aluguer de utensílios ou alfaias agrícolas, podem e devem aproximar-se, sob certos aspectos, do arrendamento rural.
8. Arrendamento e parceria. Âmbito do projecto. - Quanto à amplitude do projecto em discussão, um problema tem ainda de ser apreciado por esta Câmara, embora pareça que ele não resulta necessariamente do texto apresentado.
Trata-se do problema do contrato misto de arrendamento e parceria.
Todos os artigos do projecto visam directa ou indirectamente o arrendamento. Seria, portanto, lógico que, havendo simultaneamente arrendamento e parceria, se aplicasse àquele o novo regime e a este o seu. regime próprio. Havendo conflito entre os dois regimes, como no que respeita à forma, ao prazo de duração, etc., não seria possível outra solução que não fosse a da subordinação da parceria ao arrendamento, para assim se respeitar o novo diploma.
Todavia, a Secretaria de Estado da Agricultura afirmou em publicação oficial 3 que «o caseiro, tão generalizado no Norte do País, não é juridicamente considerado um rendeiro propriamente dito, pois trabalha, ou um regime de parceria ou misto de arrendamento e par-
1 Pode ver-se sobre a questão que apresentamos, a título de exemplo, a Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 84. p. 20, a Revista dos Tribunais, ano 72, p. 162, e o Acórdão da Relação de Coimbra de 15 de Janeiro de 1957, nesta Revista, ano 75, p. 122.
1 Ob. cit., p. 89. Pode ler-se nessa e páginas seguintes a defesa da empresa de tipo familiar. Veja-se ainda Prof. Henrique de Barros, ob. cit., III, p. 612.
2 Nos artigos 75.º, § 4.º, e 82.º do anteprojecto do Prof. Galvão Teles também se prevêem regimes particulares para os arrendamentos a cultivadores directos em matéria de não produção ou perda casual de frutos e de benfeitorias não autorizadas.
3 «A importância, dos problemas agrícolas para o País - Os projectos de lei sobre a reorganização agrária».
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ceria - arrendamento quanto às culturas arvenses e de parceria e quanto à vinha e arvoredos, por exemplo. Portanto, o diploma, que se destina ao arrendamento propriamente dito, não visa esta modalidade de exploração da terra».
Sérias objecções sugere imediatamente este passo da referida publicação.
Em primeiro lugar, passaria a haver no País, e com carácter geral, dois regimes distintos para o contrato de arrendamento rural: um para o de simples arrendamento e outro para o caso de este ser acompanhado de parceria, a que se juntariam outras formas mistas de exploração da terra, como as que aliam a conta própria ao arrendamento. Quer dizer: teríamos uma solução juridicamente inaceitável e lògicamente contraditória, pois se deixaria, afinal, inteiramente desprotegido um dos tipos, bem generalizado no nosso país, de contrato rural.
Em segundo lugar, todos os objectivos económico-sociais pretendidos estariam praticamente condenados ao insucesso, pois ficariam em absoluto dependentes da vontade á as partes. É fácil, na verdade, acrescentar ao contrato um regime de parceria para algum dos produtos da terra. Seria, é certo, o que na terminologia do direito se chama uma fraude à lei, mas seria uma fraude juridicamente inatacável, o que quer dizer que se manteria para futuro o regime actual do arrendamento, sempre que os interessados o quisessem, ou os senhorios o imputassem.
Julga a Câmara Corporativa interpretar o pensamento daquela Secretaria de Estado, implícito na passagem transcrita, no sentido de que se visa com o projecto, especialmente ou mesmo exclusivamente, o caso particular do Alentejo ou da grande propriedade. Reatar-se-ia uma antiga tradição do nosso direito, expressa nos alvarás de 21 de Maio de 1764, de 20 de Junho de 1774 e de 27 de Novembro de 1804, a que adiante se fará de novo referência. Não poderia, porém, evitar-se, neste caso, uma contradição manifesta entre esse pensamento e o relatório do projecto, que refere especialmente, para certos efeitos (cf. n.º 4), «o arrendamento nas zonas de pequena propriedade, ou, melhor, o arrendamento de pequenas e pequeníssimas propriedades».
É de notar ainda que a afirmação feita na mesma publicação de que é no Norte do País que está generalizado o sistema misto de arrendamento e parceria não traduz fielmente a realidade. O sistema, assim como o misto de arrendamento, conta própria e parceria, está generalizado a todo o continente, como pode ver-se dos seguintes dados, referentes ao número de empresas agrícolas 1.
[Ver Tabela na Imagem]
1 Colhidos em Eng.º Lopes Cardoso, ob. cit., p. 33.
Excluídas, portanto, as explorações em conta própria e em regime puro de parceria, a percentagem dos contratos mistos em que intervém a parceria acentua-se, sobretudo, nas províncias do Sul. - Baixo Alentejo, Alto Alentejo e Algarve -, e não nas províncias do Norte, feita excepção para Trás-os-Montes e Alto Douro.
Por último, se é exacto, como é notado pelos economistas, que a injustiça da renda é tanto maior quanto menor for a propriedade e mais intensiva a produção, na orientação da Secretaria de Estado da Agricultura prescindir-se-ia dos benefícios da nova legislação precisamente onde esses benefícios mais seriam necessários.
Crê, por tudo, a Câmara Corporativa que, a publicar-se desde já um diploma legislativo sobre o arrendamento da propriedade rural, se lhe deve atribuir a generalidade que parece ter o projecto trazido à sua apreciação. Todos os contratos de arrendamento ficarão sujeitos à mesma disciplina, sejam ou não acompanhados, em relação a certos produtos da terra, do regime de parceria.
II
Exame na especialidade
§1.º
Arrendamentos sujeitos à nova lei
9. Conceito de arrendamento agrícola. - Parece ser tecnicamente mais aconselhável começar o exame na especialidade pela base XXIV, a última do título I, por ser aquela que fixa o campo de aplicação do Regime proposto e a que fornece, consequentemente, os elementos necessários para se definir o arrendamento agrícola.
O problema de saber se devem integrar-se conceitos nos diplomas legislativos é um problema que a Câmara Corporativa entende não merecer discussão neste caso. Basta a circunstância de se pretender regular com autonomia no nosso direito unia figura nova - como já se salientou, o regime actual dos arrendamentos de prédios rústicos diz respeito à locação não só de coisas produtivas como não produtivas- para convir defini-la, tanto mais que será possível, com unia simples noção, evitar a enumeração casuística da base XXIV, pouco própria de uma lei, que deve limitar-se às bases gerais dos institutos jurídicos.
A base que se propõe em substituição da XXIV do projecto, e que deve figurar como base I, é a seguinte:
BASE I
1. O arrendamento de prédios rústicos para fins agrícolas, pecuários ou florestais consiste na transferência para o locatário, por certo tempo e mediante determinada retribuição, do uso e fruição da coisa, nas condições de uma exploração regular.
2. Se o arrendamento recair sobre prédio rústico e do contrato e respectivas circunstâncias não resulta o destino atribuído ao prédio, presume-se tratar-se de arrendamento agrícola. Exceptuam-se os arrendamentos em que o Estado intervém como arrendatário, os quais se entendem sempre celebrados para fins de interesse público.
3. Os contratos mistos de arrendamento e parceria ficam sujeitos às disposições desta lei sempre que não seja possível a aplicação conjunta dos respectivos regimes.
Quanto ao n.º 1 desta base, inspira-se a Câmara Corporativa no conceito dos artigos 1.º do Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, e 1595.º do Código Civil, com
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uma limitação: visam-se agora apenas os contratos que se destinam a fins agrícolas, pecuários ou florestais, pois é esse o objectivo do projecto do Governo, claramente expresso na base XXIV.
Ficam desta maneira excluídos, sem necessidade de um preceito especial, os arrendamentos previstos na alínea c) desta base - os destinados a fins não agrícolas - relativamente aos quais se não justifica um regime particular, como o do projecto, todo ele inspirado na protecção devida à agricultura e à defesa daqueles que a ela dedicam a sua actividade profissional.
Estão também excluídos, e pelas mesmas razões, os arrendamentos de jardins e pastagens, salvo, quanto a estas, se representam a forma regular de exploração do prédio, como se diz na alínea b) da mesma base. Para tanto se referem expressamente na base proposta os fins pecuários.
E estão, por último, excluídos os arrendamentos que têm por objecto a realização fortuita de culturas, desde que se suponha, como se supõe no texto ora sugerido, uma exploração regular do prédio. Este requisito encontra-se formulado no artigo 619.º do Código Grego de 1941 e é, de per si, bastante para afastar aquelas cedências fortuitas a que a alínea e) da base XXIV do projecto do Governo deve querer referir-se.
É de salientar, de resto, que esta última alínea se encontra redigida em termos equívocos e de difícil compreensão. A área arrendada, diz-se, não deverá abranger «mais de um quinto da respectiva superfície». Mas superfície de quê? Do prédio, tal como se encontra inscrito na matriz predial? Tal como se encontra registado na Conservatória do Registo Predial? Com a unidade de facto que apresenta no momento do arrendamento?
Eliminada esta alínea, eliminado fica o n.º 2 da mesma base, que é seu complemento.
Note-se que, independentemente da eliminação da alínea, a doutrina do n.º 2 encontrar-se-ia sempre deslocada numa lei sobre arrendamentos. O seu fim é essencialmente de ordem fiscal, e, portanto, deverá constar, de preferência, de um diploma de índole fiscal da iniciativa do Ministério das Finanças, não se reincidindo nos erros das nossas leis do inquilinato, erros só justificáveis, e em certa medida, em atenção às condições e à época em que foram publicados 1.
10. Contratos de caça e pesca. - A alínea c) da base XXIV refere-se, para efeitos do regime novo, aos contratos de caça e pesca.
O Governo deve querer referir-se aos contratos de cedência temporária, e mediante certa retribuição, do direito de caçar e pescar em terrenos coutados, já que nos terrenos livres não existem direitos exclusivos transmissíveis por contrato, ao contrário do que sucede na generalidade das legislações estrangeiras.
1 Em França, na Holanda e na Alemanha fazem as leis distinção entre arrendamentos de exploração agrícola e arrendamentos de pequenas parcelas de terreno, ora para subtrair inteiramente estes últimos do regime daqueles, ora para os subtrair parcialmente, designadamente quanto a prazos mínimos de duração dos contratos.
No decorrer deste parecer se verificará que tal distinção assenta numa base justa, não se impondo sempre o regime particular do arrendamento agrícola aos arrendamentos de terras isoladas. Mas o problema apresenta, no seu aspecto jurídico, as maiores dificuldades de solução, e delas são reflexo as dúvidas assinaladas na doutrina daqueles países. (Vide, em França, Ourliac e Juglart, Fermage et Métayage, pp. 7 e 17). Parece, por isso, preferível à Câmara Corporativa não aceitar a distinção, que seria fatalmente fonte de constantes incertezas e conflitos, e deixar todos os arrendamentos agrícolas sujeitos ao mesmo regime. Servirá de justificação o facto de se não adoptarem medidas tão violentas como as que vigoram naqueles países.
Parece de toda a evidência que a concessão de tais direitos não importa o arrendamento do prédio, sobretudo se se aceita o conceito de arrendamento agrícola expresso na primeira base proposta por esta Câmara.
Os contratos de caça são, mais rigorosamente, contratos inominados, sui generis, a que se aplicam, por analogia, as disposições do arrendamento ou da compra e venda. Mas que sejam havidos como contratos de arrendamento, eles não têm por objecto o prédio rústico em si, mas um direito sobre o prédio, e, portanto, não se podem confundir com os arrendamentos agrícolas 1.
uestão discutida pelos juristas tem sido a de sabei-se o arrendamento agrícola de terrenos coutados importa a cedência da caça 2. Mas não é esse o problema, que se resolveria com a base XXIV, nem parece à Câmara Corporativa que ele deva ter na lei uma solução expressa 3. Trata-se sempre de uma questão de interpretação da vontade, e que deve ser resolvida ou pelo contrato ou pelos usos da terra, nos termos gerais do artigo 704.º do Código Civil, não se esquecendo que o arrendatário é obrigado a servir-se do prédio «tão-sòmente para uso convencionado ou conforme com a, sua natureza» (Decreto n.º 5411, artigo 22.º, n.º 3.º).
11. Presunção do fim agrícola. Arrendamentos do Estado. - Desde que se fixa um regime especial para os arrendamentos agrícolas, torna-se forçoso estabelecer na lei uma presunção quanto u natureza do arrendamento. Há que resolver os casos omissos, pois pode não constar do título o destino atribuído ao prédio, e há que evitar fugas voluntárias ao regime do arrendamento agrícola, precisamente com a omissão desse destino.
No anteprojecto do Prof. Galvão Teles estabelece-se, no artigo 73.º, que «se o arrendamento recair sobre prédio rústico, e do contrato e respectivas circunstâncias não resultar a sua finalidade, o arrendatário só poderá aplicar o prédio a fins agrícolas». Isto importa a sujeição do contrato ao regime especial do arrendamento de coisas produtivas.
Aproveita-se quase textualmente este princípio no n.º 2 da base I sugerida por esta Câmara, e apenas se exceptuam os arrendamentos em que o Estado intervém como arrendatário, os quais se entendem sempre celebrados para fins de interesse público.
Admite-se, assim, a solução da alínea d) do projecto do Governo. Porque se considera essencial dizê-lo? É possível que não. Mas não deixa de ser conveniente afastar quaisquer dúvidas que possam surgir em relação aos contratos celebrados pelo Estado para fins de cultura, embora se vise a organização de serviços de natureza pública. Mesmo presumindo-se que o Estado, quando arrenda um prédio rústico, não tem em mira um lucro, embora o destine à instalação de viveiros, de campos experimentais ou postos agrários, trata-se de uma disposição que se aceita como interpretativa do n.º 1 desta base.
O Código Civil, no artigo 1604.º, sujeitava, quanto à forma, os arrendamentos dos bens do Estado, à legislação administrativa. Esta disposição foi substituída pela do artigo 12.º do Decreto n.º 5411. Não só quanto à forma, mas também quanto ao fundo, se mandou apli
1 Vide Profs. Pires do Lima o Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, 5.ª edição, I, p. 824, nota I, e p. 526, nota 4, e autores citados.
2 Vide a longa indicação do autores e de decisões jurisprudenciais em Carrara, I contratti agrari, p. 218.
3 Dada pela lei espanhola de 15 de Março de 1935, e pelo Regulamento do 29 de Abril do 1959, no sentido da exclusão da caça.
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car a lei administrativa, e ampliou-se o campo de incidência do artigo aos arrendamentos em que o Estado figurasse como arrendatário 1.
Trata-se, pois, de um preceito - o da base XXIV do projecto e o da base I da proposta desta Câmara - que tem as suas raízes na nossa lei.
O seu alcance não é, porém, o mesmo.
Segundo o regime vigente, a aplicação da legislação administrativa não impede a aplicação das leis do inquilinato e do arrendamento rústico. Estas vigoram em tudo e que não contrarie o direito público, ao passo que no projecto do Governo se afasta inteiramente o regime do contrato agrícola, devendo aplicar-se aos arrendamentos do Estado o regime geral do contrato de locação, em tudo o que não estiver previsto no direito administrativo.
É assim que a Câmara interpreta o pensamento do Governo, que integra, por tudo o que se disse, a solução mais aceitável.
12. Contratos mistos de arrendamento e parceria. - O n.º 3 da base que a Câmara Corporativa sugere refere-se aos contratos mistos de arrendamento e parceria.
Já se indicaram, na apreciação da generalidade do projecto, as razões por que
não deve aceitar-se a solução proposta pela Secretaria de Estado da Agricultura.
Crê essa Câmara que o preceito sugerido é suficientemente claro. As disposições próprias da parceria, como as que dizem respeito à partilha dos frutos ou às indemnizações (cf. artigos 1301.º e 1302.º do Código Civil), são sempre aplicáveis. Serão, pelo contrário, inaplicáveis as respeitantes à forma do contrato, ao tempo de duração, etc., por não ser possível a aplicação conjunta de dois regimes diferentes.
Reconhece-se que não ficam resolvidas todas as dúvidas. Assim, por exemplo, o artigo 1303.º do Código Civil manda aplicar como direito subsidiário, na parceria rural, as disposições dos artigos relativos aos direitos e obrigações dos locadores e arrendatários. Quais as disposições a aplicar desde que se cria um regime especial para o arrendamento agrícola? O regime geral? Este regime especial?
Não pode esta Câmara pronunciar-se sobre um assunto estranho ao projecto, como é o da parceria, que não constitui para a nossa lei sequer uma forma de locação
É de presumir que, pela equiparação dos dois contratos no futuro Código Civil, estas e outras questões fiquem resolvidas. Por agora, a Câmara Corporativa limita-se a apontar a omissão.
§ 2.º
Forma
13. Soluções contraditórias nas bases I e II do projecto. - Referem-se à forma do contrato de arrendamento rural as duas primeiras bases do projecto.
Tem de reconhecer a Câmara Corporativa, depois de feitos todos os esforços para apreender o significado exacto dessas bases, que elas são entre si contraditórias.
À primeira vista parece que se quis consagrar a seguinte doutrina: os arrendamentos por seis anos não carecem de ser reduzidos a escrito. E dizemos por seis anos, e não por prazo inferior a seis anos, porque a base III estabelece como prazo mínimo normal de vigência do contrato precisamente seis anos 1. Se o prazo for superior a seis anos, os arrendamentos terão de ser lavrados em documento autêntico, pois tais arrendamentos estão sujeitos a registo (n.º 2 da base II), e os arrendamentos sujeitos a registo devem constar de escritura pública (n.º 1 da mesma base).
Ora, entre estas duas hipóteses - seis anos, mais de seis anos - não é possível uma situação intermédia, a que caberia o escrito particular, e, todavia, essa terceira situação está clara e inequivocamente prevista nos dois primeiros números da base I. No primeiro afirma-se, na verdade, que carece de ser reduzido a escrito - não a escritura pública - o contrato, «se o referido prazo for superior a seis anos». Logo, há contratos de prazo superior a seis anos que podem ser feitos por escrito particular. Quais?
Por seu turno o n.º 2 supõe também, a contrario sensu, que, havendo título escrito 2, pode o prédio ser arrendado por prazo superior ao indicado na alínea anterior.
No relatório que precede o projecto do Governo não se encontram elementos que permitam esclarecer o texto.
Julga a Câmara Corporativa que não há razão para uma terceira categoria intermédia de arrendamentos a que caiba a forma escrita (documento particular) por razões que adiante se indicarão, e isso importa uma modificação completa da redacção dada à base I, como se proporá.
14. A regra da consensualidade. - Como princípio geral aplicável aos arrendamentos por seis anos, ou por prazos inferiores quando autorizados pelo Secretário de Estado da Agricultura, estabelece o projecto a regra da consensualidade.
É esse o regime actual.
Segundo o princípio-regra do artigo 686.º do Código Civil, aplicável aos arrendamentos de prédios rústicos, a validade dos contratos não depende de formalidade alguma externa. A este princípio só fazem excepção os arrendamentos para comércio, indústria ou profissão liberal e os sujeitos a registo, relativamente aos quais a alínea h) do artigo 88.º do Código do Notariado exige escritura pública 3. Estão sujeitos a registo, nos termos da alínea k) do artigo 2.º do Código do Registo Predial, os arrendamentos por mais de quatro anos, bem como as respectivas transmissões e sublocações.
Pondo de parte, portanto, os arrendamentos para comércio ou indústria, que não interessam, e os arrendamentos ad longum tempus, a que adiante se fará referência, vê-se que, no nosso direito, a regra é a da consensualidade. E trata-se de uma regra tradicional, pouco ou quase nada discutida, ao contrário do que sucede com o arrendamento urbano, sujeito desde o Código Civil a muitas e variadas soluções legais quanto à forma 4.
1 Exceptuam-se disposição deu lugar a sérias dúvidas que não interessa agora apreciar. Pronunciou-se sobre elas a Procuradoria-Geral da República, em 27 de Agosto de 1020, e várias vezes os nossos tribunais foram chamados a intervir, sem que se tivesse chegado a uma jurisprudência uniforme. Também muitos diplomas especiais têm regulado não só os arrendamentos de bens do Estudo, como os arrendamentos do Estado na posição de locatário, sobre tudo em relação a prédios urbanos.
1 Exceptuou-se nessa base o caso certamente raro, e que não interessa agora considerar, de haver autorização do Secretário de Estado da Agricultura.
2 A referência à falta de título deve evidentemente entender-se como feita à falta de titulo escrito ou titulo bastante, nos termos do número anterior.
3 Cf. artigos 87.º, 79.º e 86.º da Lei n.º 2080, de 22 de Junho de 1948.
4 Código Civil, Decreto de 12 de Novembro de 1910, artigo 2.º, Decreto n.º 4499, de 27 de Junho de 1918, Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, artigo 44.º, e Lei n.º 2030 de 22 de Junho de 1948, artigo 36.º
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Nem todos os países a têm, porém, admitido, e, nos tempos presentes, nem todos os autores nacionais, podendo mesmo assinalar-se uma certa tendência para transformar o arrendamento num contrato formal 1.
Não vê a Câmara Corporativa que existam motivos ponderosos para afastar a solução vigente.
No relatório do projecto (n.º 5) invoca-se, no sentido da consensualidade, o respeito pelos usos tradicionais. E uma razão de relevo, pois não é de prever que uma nova orientação venha modificar esses usos, já que não é fácil estabelecer sanções que não recaiam, afinal e injustificadamente, sobre os próprios arrendatários.
O exemplo da Espanha é para nós eloquente. Pelo artigo 5.º da Lei de 15 de Março de 1935, todo o arrendamento de prédio rústico, qualquer que fosse o seu valor, devia ser reduzido a escrito que contivesse os onze requisitos referidos na mesma disposição. Pois, porque se continuaram a celebrar verbalmente os contratos, sem se respeitar a lei 2, o diploma de 23 de Julho de 1942 veio considerar, com eficácia retroactiva, válidos todos os arrendamentos, qualquer que fosse a forma de celebração, atribuindo-se embora a cada contraente o direito de exigir da outra parte a outorga em documento público ou particular 3.
É de recordar também a razão invocada por esta Câmara em relação aos arrendamentos de prédios urbanos, e que se resume na facilidade de prova da existência do contrato, desde que se não saia para fora das disposições supletivas da Lei ou dos usos e costumes locais 4.
Pelo exposto, sugere a Câmara para a base I, que figurará como base II, a seguinte redacção:
BASE II
1. O arrendamento a que se refere a base anterior, e que se denomina rural, não necessita de ser reduzido a escrito.
2. Só podem, porém, provar-se por escrito as estipulações que importem alteração do regime supletivo do contrato ou dos usos e costumes locais.
3. Os arrendamentos reduzidos a escrito só podem ser alterados por documento de igual força.
O n.º 2 desta base corresponde ao n.º 3 da base I do projecto, que teve a sua fonte no n.º 3 do artigo 36.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.
O n.º 3 tem por fonte o artigo 38.º. da mesma lei e constitui natural complemento da disposição do número anterior.
Estes dois artigos da Lei n.º 2030 foram propostos por esta Câmara no parecer acima citado 5, e deles
1 A obrigatoriedade de forma escrita existo nos seguintes países: Alemanha Federal, Itália, Suécia, Suíça, Uruguai, Malásia, Peru, Dinamarca, Japão e Ceilão, além de alguns Estados da América do Norte. Em França, os arrendamentos rústicos devem, em princípio, ser reduzidos a escrito (Ordonnance de 4 de Dezembro de 1944, artigo 20.º). Não se trata, porém, de um requisito - a forma - essencial à validade do contrato. A sua falta importa considerar-se o arrendamento celebrado por nove anos, o que representa, de resto, a aplicação do direito comum (v. Planiol et Ripert, Traité, x, 2.ª edição, p. 424). É semelhante a solução da Argentina: os contratos não reduzidos a escrito consideram-se celebrados «según los precettos legales».
2 V. Zulueta, Derecho Agrário, p. 68.
3 Doutrina mantida pelo Regulamento de 29 de Abril de 1959 (artigo 5.º).
4 Parecer n.º 15, de 5 de Fevereiro de 1943. n.º 2 (Diário das Sessões, suplemento n.º 83).
Cf., quanto ao n.º 8, o § 4.º do artigo 1.º de projecto Sá Carneiro, se fez uma justificação em termos que, mutatis mutandis, cabem perfeitamente ao arrendamento rústico: «Como se disse, é fácil, em regra, a prova do contrato porque li á factos que inequivocamente revelam a sua existência. Já não pode, porém, dizer-se o mesmo em relação às cláusulas acima referidas. Não há nada de exterior que as revele e há algumas de importância decisiva para a vida jurídica do contrato, como as que autorizam a sublocação, as que fixam uma duração ao arrendamento superior à dos usos locais, as que fixam domicílio especial para o pagamento das rendas, etc. A Câmara Corporativa é de parecer que., nestas condições, deve impor-se sempre o regime supletivo legal aos contratos verbais, com o que não só se evitam as contingências da prova testemunhal, como se obrigam os interessados a reduzir a escrito o contrato sempre que pretendam modificar aquele regime. As mesmas considerações levam à doutrina de que para os próprios contratos escritos deve exigir-se a forma escrita para quaisquer alterações ou aditamentos ao regime supletivo legalmente estabelecido».
15. Arrendamentos sujeitos a registo. - Como se viu, os arrendamentos sujeitos a registo já hoje carecem de ser reduzidos a escritura pública. É a doutrina da alínea h) do artigo 88.º do Código do Notariado.
Não traz, assim, o projecto, na primeira parte do n.º 1 da sua base II, qualquer alteração ao regime vigente.
Na segunda parte deste número fixa-se como sanção para a falta de escritura a mesma que se encontra estabelecida para os arrendamentos urbanos no n.º 2 do artigo 37.º da Lei n.º 2030. A disposição deste número foi sugerida por esta Câmara no parecer citado e nele se encontram expostas com desenvolvimento as razões que a levaram a aceitar a redução imperativa do prazo convencionado.
Dessa exposição, um pouco longa, reproduz-se o seguinte:
Desde que se admite o contrato verbal e desde que a prova do arrendamento passa a poder fazer-se quase só através do recebimento das rendas e do facto de habitação, não há motivo para destruir toda a juridicidade do acto apenas porque oralmente se convencionou que o contrato duraria por quatro ou mais anos.
É precisamente a propósito de hipóteses como esta que o comum da doutrina alude à figura da redução dos negócios jurídicos, atribuindo-lhe este alcance: se o negócio a que os contraentes dão vida só parcialmente infringe a lei, importa aproveitar dele o que não vai de encontro à mesma lei. Quer dizer: o negócio passará a valer menos, reduz-se nos seus efeitos, até se acomodar dentro dos limites que lhe são permitidos. Mantém-se, é claro, o mesmo tipo de figura negociai. E nisto se distingue precisamente a redução da conversão dos negócios jurídicos.
Em termos mais ou menos explícitos acordam os autores, todavia, em não admitir a redução do negócio se este resultado chocar com a vontade presumível de uma ou de ambas as partes. O contrato deverá ser totalmente nulo, afirma-se, se, não podendo valer em toda a linha, puder razoavelmente presumir-se que as partes teriam preferido não celebrar negócio algum a ter de contentar-se com uma simples validade parcial. É, porém, um ponto em que os autores e as legislações enveredam por duas posições antagónicas. Uns afirmam, em princípio, a invalidada de todo o acto e só permitem a redução se puder presumir-se que
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os interessados não teriam deixado de celebrar o contrato reduzido. É a posição do Código Civil Alemão (§ 139.º) e a de quase todos os tratadistas tudescos.
A doutrina tradicional considera, porém, como regra a validade da parte no negócio não afectada (utile per inutile non vitiatur), com ressalva dos casos em que se demonstre que as partes teriam preferido a nulidade total. É esta a posição do Código Austríaco (§ 878.º) e a do Código Suíço das Obrigações (artigo 20.º). E é esta também a solução que foi dada a este problema rio projecto de Pinto Loureiro.
Padece, no entanto, à Câmara Corporativa que não deve, nesta matéria de arrendamentos sujeitos a registo, aceitar-se qualquer destes dois pontos de vista, e antes impor júris et de jure a redução do negócio, como o fazia o Código Civil, no § único do artigo 1601.º, no caso de o usufrutuário ter arrendado por tempo que exceda o seu usufruto. E que há fortíssima presunção, não obstante a eficácia do contrato ficar limitada quanto ao tempo, de que os contraentes não deixariam de o celebrar; e permitir a prova do contrário seria admitir uma fonte de dividas e de conflitos. De resto, mesmo supondo-se falta de vontade de manter o arrendamento no caso de redução, o que só muito excepcionalmente anoitecerá, os inconvenientes nunca serão grandes porque o inquilino tem sempre a faculdade, dentro de um prazo curió, de pôr termo ao contrato.
Mas há ainda razões especiais para, dentro do sistema sugerido pela Câmara Corporativa, aceitar sempre a redução.
A estipulação de um prazo longo funciona como uma daquelas cláusulas do negócio que não deveu, poder ser provadas senão por escrito. Ora, a lógica desta solução leva a considerar como inexistente a própria cláusula, e não o contrato, se este não consta do documento exigido por lei. É preciso também não deixar aberta uma porta a fraudes destinadas a afastar o regime legal do arrendamento e a protecção devida aos arrendatário! Na solução, pelo menos aparente, do projecto, bastaria celebrar o contrato por escrito particular (para se evitarem dificuldades futuras de prova) e atribuir-lhe a duração de cinco anos, para que, cor siderado inexistente o acto, o senhorio pudesse a lodo o momento obter o despejo do prédio por meio de uma acção de reivindicação.
Esta tese da redução do negócio jurídico não tem sido admitida em Itália, nem pela doutrina nem pela jurisprudência. «As cláusulas do contrato - escreve-se - estão intimamente ligadas umas às outras, de modo a formarem um todo incindível, não podendo mudar-se uma sem se mudar a vontade contratual». E exemplifica-se com a renda. Esta pode ter sido fixada em razão da duração do contrato, e não deve, portanto, subsistir o contrato com a mesma renda se for alterada a cláusula do prazo 1.
A resposta a esta razão está dada no passo transcrito do parecer desta Câmara. E aos argumentos apresentados acresce, agora, um outro: não é conveniente estabelece para o arrendamento rústico uma solução diferente da estabelecida para o arrendamento urbano. O problema é o mesmo, e onde existe a mesma razão de ser deve existir a mesma disposição.
O n.º 2 da base II da proposta contém doutrina nova, ampliando para seis anos o prazo de quatro da lei vigente. A alínea k) do artigo 2.º do Código de Registo Predial, como se viu já, considera, na verdade, sujeitos a registo os arrendamentos por mais de quatro anos, bem como as respectivas transmissões e sublocações 1.
A Câmara Corporativa nada tem a opor à modificação proposta, e julga que duas considerações a podem justificar.
Em primeiro lugar, desde que se reconheça haver - adiante se ventilará o assunto - certas vantagens de ordem técnica e de ordem social nos arrendamentos a prazo longo, não convém estabelecer uma disciplina apertada e onerosa para os arrendamentos que ultrapassem prazos demasiadamente curtos. O preço e os incómodos de um a escritura e de um registo podem pesar decisivamente na economia dos contraentes, sobretudo tratando-se de pequenos arrendamentos familiares. Mantendo-se o prazo de quatro anos do Código de Registo Predial, seria certo que, salvo casos raros, não se constituiriam voluntariamente arrendamentos por prazos superiores.
Em segundo lugar, desde que venham a estabelecer-se prazos mínimos de duração do contrato, prazos que não poderão ser reduzidos por vontade dos contraentes, atenua-se sensivelmente o perigo da falta de publicidade dos arrendamentos. A situação do longo prazo, que agora é excepcional, torna-se normal, e não deixarão, por isso, os terceiros adquirentes dos prédios - a esses se refere especialmente o registo - de se informar acerca das condições dos arrendamentos, para não serem surpreendidos na sua boa fé ou nas suas expectativas.
Aceitando-se, pois, a doutrina do projecto, sugere-se uma base, que figurará como V na contraproposta desta Câmara, com a seguinte redacção:
BASE V
1. Estão sujeitos a registo os arrendamentos cujo prazo de durarão é superior ao referido no n.º 1 da base III.
2. Os arrendamentos sujeitos a registo devem constar de escritura pública; mas a falta desta não impede que o contrato subsista pelo prazo de seis anos.
§ 3.º
Prazo
16. As soluções da base III do projecto. - Estabelecem-se nesta base os seguintes princípios: o prazo para a duração do arrendamento não será, em regra, inferior a seis anos, sem prejuízo do disposto no artigo 1601.º do Código Civil; este prazo poderá ser reduzido por despacho do Secretário de Estado da Agricultura, sob proposta da Junta de Colonização Interna.
A disposição do artigo 1601.º do Código Civil está mal citada, pois foi substituída pela disposição do artigo 9.º do Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, já também modificada, quanto aos arrendamentos urbanos, pelos artigos 41.º e 42.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.
No parágrafo seguinte (4.º) se ventilará o problema da caducidade dos arrendamentos feitos por administradores de bens dotais, usufrutuários ou fiduciários.
1 [...], ob. cit., p. 274.
1 É este o regime tradicional no nosso direito. Alterou-se apenas, em 1959, quanto aos arrendamentos com antecipação de renda, que estavam sujeitos a registo, pela legislação anterior (Código Civil, artigo 1662.º, Decreto n.º 6411 e Código de Registo Predial de 1931), desde que fossem estipulados por mais de um ano.
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Por agora vão-se apreciar simplesmente as questões do prazo mínimo do contrato, da sua renovação tácita ou convencional, da conveniência da intervenção do Secretário de Estado da Agricultura e do prazo máximo de duração dos arrendamentos.
17. Regime do Código Civil, do Decreto n.º 5411 e do anteprojecto do futuro código, quanto a prazos mínimos. - O Código Civil estabelecia, genericamente, para o contrato de locação, o princípio de que tal contrato pode fazer-se pelo tempo que aprouver aos estipulantes, salvas as disposições relativas aos administradores de bens dotais, usufrutuários vitalícios ou fiduciários 1, ou relativas aos arrendamentos de bens de menores (artigos 1600.º a 1602.º). Especialmente para o arrendamento de prédios rústicos, estabelecia supletivamente o artigo 1628.º que «não tendo sido declarado o prazo do arrendamento, entender-se-á que este se fizera pelo tempo costumado na terra, e, em caso de dúvida acerca de qual é o costume, por não ser uniforme, nunca se presumirá que fosse feito por menos tempo que o necessário para lima sementeira e colheita, conforme a cultura a que tenha sido aplicado».
O Decreto n.º 5411 substituiu estes artigos, mas não prescreve doutrina nova. Nas disposições dos artigos 9.º e 11.º confirma as excepções previstas nos artigos 1600.º a 1602.º, e na do artigo 63.º reproduz textualmente o artigo 1628.º do Código Civil.
O anteprojecto do Prof. Galvão Teles limita-se a prever, no artigo 70.º, que leis especiais venham a fixar períodos mínimos de duração do contrato; e o autor, depois de, na exposição de motivos, declarar que «foi neste espírito de prudente conciliação de interesses, com os olhos postos nas exigências da produção mas também no respeito dos direitos individuais, que se gizou a rede de preceitos da secção viu do projecto», diz: «no entanto previu-se no artigo 70.º que leis especiais, limitando a- liberdade de convenção, fixem um período mínimo de duração do contrato, a fim de que o rendeiro, gozando de maior estabilidade, se sinta estimulado a explorar a terra mais racionalmente ë a benfeitorizá-la: pois saberá ter tempo para colher ele próprio os benefícios desse dispêndio de dinheiro ou trabalho. Deixou-se a matéria para leis especiais porque depende de estudos técnicos e porque não se pode fixar para todo o País um só limite de duração, antes se tem de estabelecer vários, em harmonia com as condições mesológicas» 2.
Supletivamente estabelece-se no mesmo anteprojecto a seguinte disposição:
Art. 72.º Quando o contrato de arrendamento, agrícola seja omisso sobre á sua duração ou estabeleça como tal um lapso de tempo indeterminado, observar-se-ão os usos e, no silêncio destes, as regras seguintes:
1.ª Se o prédio está sujeito a rotação de culturas, o contrato reputa-se celebrado pelo tempo
1 Por manifesto lapso do legislador, os fiduciários suo designados neste artigo por fidcicomissários, o mesmo acontecendo no artigo 9.º do Decreto n.º 5411.
2 Pp. 53 e 54. «A preocupação principal do legislador - escreve ainda - deve ser a de estimular a boa gestão económica da coisa e o seu melhoramento, para que ela se valorize e produza mais, com proveito de ambas as pautes e da economia nacional. Mas é claro que os preceitos orientados nesse sentido devem procurar o justo equilíbrio entre os interesses do locatário e os do locador, dando a ambos os necessários meios de acção, protegendo e compensando as suas iniciativas. Não se pode por exemplo, a pretexto de que o rendeiro está em contacto com a terra e em melhores condições de benfeitorizá-la, outorgar-lhe prerrogativas excepcionais, anómalas, que vão. ferir gravemente o direito, de propriedade».
necessário para que o rendeiro possa iniciar e concluir o ciclo normal das mesmas culturas;
2.ª Na hipótese inversa, o arrendamento considera-se feito pelo tempo necessário para a colheita de frutos.
Reproduz-se quase textualmente, nesta disposição, o artigo 1630.º do Código Italiano de 1942, artigo que não tem merecido críticas no seu país e que apenas tem levantado ligeiras dúvidas de interpretação 1.
18. Solução das leis estrangeiras. - Contra a orientação do nosso direito positivo, em quase todos os países que ultimamente têm legislado sobre a matéria, manifesta-se a tendência marcada no sentido da fixação de um prazo mínimo de duração do arrendamento agrícola, prazo que varia entre os três e os doze anos, e que vai excepcionalmente até aos dezanove.
Tem especial importância para nós o conhecimento da legislação espanhola, por ser aquela que, seguramente, mais influência exerceu na elaboração do projecto em apreciação.
Pelo artigo 9.º do Regulamento espanhol de 29 de Abril de 1959, a duração mínima dos contratos de arrendamento de prédios destinados à agricultura, cuja renda -anual, em dinheiro, em espécie, ou em ambas as coisas, seja igual ou superior a 5000 pesetas, é fixada em seis anos, conferindo-se ainda ao arrendatário o direito de prorrogar o contrato, por sua exclusiva vontade, por um período de outros seis anos. Quando a renda não atinja 5000 pesetas, o prazo mínimo é fixado em três anos, tendo o arrendatário direito a prorrogações sucessivas até quinze anos. É também de três anos, segundo o mesmo artigo, o prazo mínimo nos arrendamentos de prédios cuja principal exploração seja pecuária, não havendo, neste caso, direito a prorrogações 2. Exceptuam-se, nos termos do artigo 84.º, n.º 1, daquele diploma, os prédios cuja renda não exceda 40 q de trigo, cultivados pelo arrendatário por modo pessoal e directo (arrendamentos familiares protegidos). Neste caso, o rendeiro pode prorrogar o contrato .por períodos de três anos até um máximo de quatro períodos 3.
A legislação espanhola caracteriza-se, pois, pelo seguinte: prazos mínimos variáveis de três a seis anos; direito dos rendeiros a uma ou mais prorrogações e protecção especial dos pequenos arrendamentos e dos arrendamentos familiares.
Na Bélgica, o artigo 6.º da Lei de 7 de Março de 1929 estabelece para os arrendamentos agrícolas o prazo mínimo de nove anos, podendo haver renovações por prazos inferiores. Prevêem-se várias excepções, entre as quais a de se permitir que no contrato se atribua ao arrendatário a faculdade de pôr termo ao arrendamento antes do fim do prazo, e ao senhorio a mesma faculdade quando queira explorar directamente o prédio, ou ceder a exploração aos seus descendentes.
O Código Grego de 1941 contém os seguintes princípios: o arrendamento não pode ser feito por prazo inferior a quatro anos; se lhe é fixado um prazo mais curto, será válido por aquele tempo (artigo 634.º). Senão se fixar prazo, o contrato termina em qualquer altura, desde que expire aquele prazo por denúncia de qualquer das partes, feita pelo menos nos seis meses an-
1 V. Garrara, ob. cit., p. 254.
2 Cf. artigo 6.º da Lei de 1 de Agosto de 1943.
3 Caduca o direito à prorrogação de todos os arrendamentos para fins agrícolas quando o proprietário se proponha cultivar o prédio directamente, por si ou por seu cônjuge, ascendentes, descendentes ou irmãos (artigo 11.º do mesmo diploma).
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teriores ao termo do período agrícola do prédio arrendado (artigo 635.º).
É de salientar, neste código, o período mais curto e a ausência de prorrogações legais.
Em França, o artigo 21 da Ordonnance de 4 de Dezembro do 1944 não admite arrendamentos por prazo inferior a nove anos, excepto se se tratar de arrendamentos de pequenas parcelas de terreno, e não propriamente de explorações agrícolas, podendo, todavia, atribuir-se ao locador o direito de rescindir o contrato ao expira cada período de três anos, para instalar um filho no prédio. Ao fim dos nove anos é conferido ao arrendatário o direito de renovar o arrendamento por outros nove anos.
A doutrina não tem recebido com aplauso esta orientação, considerada demasiadamente socializante. «Tem o inconveniente, diz-se, de não distinguir entre os bons rendeiros e os medíocres, dando-se-lhes uma posição privilegiada, em prejuízo, muitas vezes, dos mais jovens, que encontrarão dificuldades em encontrar terras para explorar, o que pode acentuar a fuga dos campos» 1.
Na Holanda, a Lei de 12 de Novembro de 1941 estabelece os seguintes períodos mínimos: doze anos para as fazendas agrárias (edifícios e terrenos de cultura) e seis anos para as terras isoladas.
Também a lei alemã de 20 de Junho de 1952 fixa para os mesmos dois casos dezoito e nove anos 2.
Na Itália não se fixaram prazos mínimos. O artigo 1628.º do Código Civil de 1942 limitou-se a preceituar que, «se as normas corporativas estabelecerem um período mínimo de duração dos contratos, os arrendamentos dos prédios rústicos estipulados por um prazo inferior consideram-se celebrados por aquele períodos. Remete, assim, a lei para os acordos económicos e contratos colectivos.
Tem para nós este regime o seguinte interesse: num país em que as condições particulares de cada região variam consideràvelmente, procurou evitar-se uma lei geral, que conduziria necessariamente, em alguns casos, a soluções injustas e económicamente inconvenientes.
É esta a orientação, como se disse acima, do anteprojecto Io futuro Código Civil.
19. Vantagens e inconvenientes da fixação de um prazo mínimo. - O movimento legislativo que se assinalou no número anterior, no sentido da fixação de um prazo mínimo, corresponde na doutrina a uma linha de pensamento que no relatório que precede o projecto trazido a esta Câmara se traduziu nos seguintes termos:
Este (o arrendatário), por sua vez, não tendo garantias de estabilidade na exploração das terras arrendadas, tem a preocupação dominante de reduzi.- ao mínimo o montante dos capitais a investir na cultura, de modo a tirar delas, no mais curto período, o máximo rendimento, sem se preocupar com o futuro. For isso, do arrendamento a prazos curtos e curtíssimos resulta uma completa paralisação, se não mesmo um retrocesso, na natural e indispensável valorização da terra.
São, na verdade, frequentes os casos em que o arrendatário conduz a exploração em termos de deixar as terras empobrecidas e exigindo apreciável dispêndio de tempo e dinheiro para regressarem ao anterior nível de produtividade.
Com outras palavras, numa exposição adicional enviada a esta Câmara pelo Secretário de Estado da Agricultura, consideram-se também «evidentes as vantagens do prazo mínimo para o proprietário e para o rendeiro, porque a estabilidade é preferível à insegurança, para a produção agrícola, porque a continuidade é mais eficaz do que a aventura, e para os direitos e obrigações dos contratantes, que terão assim possibilidade de melhor serem conhecidos e respeitados».
m resumo: o arrendatário, com a garantia do prazo mínimo, empregará com mais facilidade capitais e esforços na empresa agrícola e usará métodos de cultura mais eficientes, sem o receio de ser privado do produto do seu trabalho ou do seu dinheiro e sem a preocupação de tirar apressadamente das terras, esgotando-as, o máximo da sua produtividade. Com os prazos longos desenvolve-se a mecanização e introduzem-se benfeitorias, arroteando-se terras incultas, plantando-se árvores, pesquisando-se águas, fazendo-se vedações e drenagens, etc.
Estas vantagens são, em si, crê esta Câmara, indiscutíveis. Não podem, verdadeiramente, ser negadas.
Mas serão inteiramente concludentes? Não representarão mais a observação unilateral do problema sem se apreciarem outras razões de ordem social susceptíveis de transformar aquelas pretensas vantagens em inconvenientes graves, ou então não se observará o problema apenas em relação ao que se passa em certas regiões do País, descurando a situação de outras?
Já se conhecem as cautelas tomadas pelo legislador italiano e pelo autor do nosso anteprojecto do futuro Código Civil.
Também na publicação da Secretaria de Estado da Agricultura a que acima se fez referência 1 se manifestou claramente o propósito de não aplicar o novo regime nas províncias do Norte, ou seja nas províncias de propriedade muito dividida e das pequenas explorações familiares, onde é vulgar o regime misto de arrendamento e parceria, onde o rendeiro é substituído pelo caseiro de terras.
Em sentido paralelo se pronuncia também a Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Alta 2 ao propor que o prazo mínimo seja apenas aplicado aos contratos anuais de renda superior a 6000$.
E era também esta a orientação do nosso direito anterior ao período liberal. Não se admitiam regimes especiais em utilidade da agricultura senão em favor da numerosa classe dos colonos do Alentejo 3.
Estes, em face dos alvarás de 21 de Maio de 1764, de 20 de Junho de 1774 e de 27 de Novembro de 1804, gozavam, quanto a prazos e quanto à sua estabilidade, de regalias maiores dos que as constantes do projecto.
Eram elas:
I) Os colonos não podem ser despedidos a arbítrio do senhorio; excepto:
1.º For não pagarem as rendas;
2.º For deixarem arruinar os edifícios ou destruir os arvoredos;
3.º For deixarem as herdades de cavalaria (alvarás de 21 de Maio de 1764 e 20 de Junho de 1774);
1 Planiol et Ripert, Traité, 2.ª ed., vol. X, p. 465.
2 Podem ainda citar-se os seguintes países que fixaram prazos para os arrendamentos agrícolas: Dinamarca, oito anos; Uruguai, Argentina, Suécia e Haiti, cinco anos; Egipto e Suíça, três anos.
1 «A importância do problema agrícola para o País».
2 Exposição enviada ao relator deste parecer.
3 Vide Coelho da Bocha, Direito Civil, § 847.º
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4.º Por não terem feito as benfeitorias» que a herdade admite (alvará de 27 de Novembro de 1804, § 2.º);
5.º Se o senhorio quer ir viver nelas e cultivá-las por sua, conta (idem, § 4.º).
II) Têm direito a ser restituídos se o senhorio, tendo-os despedido com o fundamento de a cultivar por sua conta, depois as deixa de. cavalaria ou arrenda a outro (alvarás de 29 de Junho, § 2.º, e de 27 de Novembro, § 4.º);
III) O colono que arrenda mais terras do que pode cultivar para as sublocar ou deixar incultas pode ser despedido e castigado com prisão (alvará citado, § 6.º);
IV) Se a renda for pequena, pode aumentar-se por arbítrio de louvados, mas só de nove em nove anos (citado alvará de 28 de Novembro, § 3.º 1.
Em circunstâncias normais, portanto, os colonos do. Alentejo tinham assegurada a sua estabilidade nas terras, e só podiam ser delas despedidos se o senhorio as quisesse cultivar por conta própria, e só de nove em nove anos podia ser aumentada a renda por decisão de louvados.
Nunca esta legislação excepcional foi aplicada nas regiões de pequena propriedade.
Contra, porém, a tese que parece a esta Câmara ter sido seguida pela Secretaria de Estado da Agricultura na citada publicação, açora a mesma Secretaria de Estado, na exposição enviada em resposta à exposição da Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Alta, escreve:
Mas afinal não serão os pequenos arrendatários os que mais precisam de continuidade? Ou será que se pretende chegar a essa continuidade pela benevolência dos proprietários?
Decididamente, não se compreende que os pequenos rendeiros sejam subtraídos aos direitos e às garantias de uma legislação do arrendamento rústico.
Sem menosprezar o valor indiscutível das razões que, em princípio, justificam o prazo longo dos arrendamentos, julga a Câmara Corporativa que há nesta passagem não decididamente um erro, mas uma visão bastante deformada das realidades.
Em utilidade da agricultura, como diziam os antigos textos, e em utilidade do próprio agricultor, dirá esta Câmara, não deve confundir-se o pequeno com o grande arrendatário, pela mesma razão por que não deve confundir-se o empresário familiar com o empresário patronal ou capitalista.
Naquilo que verdadeiramente interessa - obter vantagens de ordem económica pelo emprego de métodos mais eficientes de exploração da terra -, nem o pequeno arrendatário nem a economia colherão benefícios apreciáveis. Por longo que fosse o prazo de arrendamento - e o de seis anos é um gota de água -, os pequenos rendeiros não arrotearão terras incultas, não plantarão árvores que não lhes sejam fornecidas pelos senhorios, não pesquisarão águas, não farão vedações ou drenagens, não mecanizarão a agricultura, pela simples razão de que os pequenos arrendatários não têm capitais para isso, nem recorrerão facilmente ao crédito por melhores que sejam as condições oferecidas. O seu instinto, produto de uma cultura multissecular, ensina-lhes que as terras não são suas ...
Mas estes factos não se limitam a restringir as vantagens para a agricultura resultantes dos longos prazos. Há que atender cautelosamente, também, para a posição do proprietário, preso a um contrato ad longum tempus. Que incentivo terá para beneficiar ele o prédio? A simples expectativa de um aumento proporcional da renda (cf. base XI do projecto), obtido por acordo ou pelo recurso à Comissão Arbitrai de Arrendamentos Rústicos, crê a Câmara Corporativa que não será suficiente para o lançar no empreendimento. As terras constituem tradicionalmente um mau emprego de capital. O que é preciso., portanto, é chamar o dono à terra, e não afastá-lo. O absentismo puro quase não existe na pequena propriedade. É conveniente que se não fomente com medidas aparentemente justas, anãs que podem ser, no fundo e em muitos casos, profundamente inconvenientes.
Isto no que respeita aos interesses da agricultura. Há, porém, uma palavra a dizer ainda, como se anunciou, pelo que respeita aos interesses do arrendatário neste caso particular da pequena propriedade, ou, melhor, em relação às empresas familiares.
Segundo o projecto, o prazo mínimo de seis anos não é uma faculdade concedida ao rendeiro; é uma obrigação imposta a ambos os contraentes. E nada há a dizer da solução quando se trate de empresas patronais. O proprietário também deve ter o direito de, por longo prazo, não curar de escolher um novo arrendatário e de não suportar os inevitáveis prejuízos e incómodos das mudanças. A situação é paralela à da colocação de capitais a juros, e nunca se duvidou de que os prazos convencionados o são tanto em benefício do devedor como do credor 1.
Atenda-se para o caso particular das empresas familiares.
Nestas é com os braços da família que o caseiro conta para o amanho das terras. Mas a família modifica-se. Há a mulher - braço imprescindível de uma empresa familiar agrícola - que morre, há filhos que nascem, filhos que se casam e querem fazer terras por sua conta, genros ou noras que vêm juntar-se ao agregado familiar, etc. Tudo são circunstâncias que obrigam, quantas vezes, o rendeiro a abandonar a terra que já não pode cultivar ou a procurar novas explorações, maiores ou mais pequenas, anãs que se adaptem às suas possibilidades.
Estabelecido imperativamente um prazo de seis anos para o arrendamento, os pequenos agricultores, sem capitais para pagarem aos senhorios as indemnizações pela falta de cumprimento do contrato, ver-se-ão obrigatoriamente vinculados a uma terra que já não podem, cultivar em boas condições.
Esperar, com sacrifício, pelo termo do prazo?
Mas como todos os rendeiros estão na mesma situação, só por mera coincidência encontrarão, findo o prazo, explorações convenientes e disponíveis. E o sacrifício, na maioria dos casos, terá de continuar. Não se ficará desta forma muito longe da velha servidão da gleba da época feudal 2!
No n.º 2 da base III do projecto estabelece-se que o prazo de duração dos contratos poderá ser reduzido por despacho do Secretário de Estado da Agricultura, sob proposta da Junta de Colonização Interna.
É-se tentado, ao ler esta disposição, a supor que foram estes ou outros casos, igualmente atendíveis, os que se pretenderam visar.
1 Coelho da Bocha, loc, cit.
1 Cf. artigo 1641.º do Código Civil.
2 Em França, a Ordonnance de 4 de Dezembro de 1944 prevê (artigo 24.º), em certa medida, estes casos. O arrendatário pode pedir a resolução do contrato no caso de morte de uma pessoa de família indispensável à exploração, equiparando-se à morte qualquer incapacidade grave e permanente; esta pode dizer respeito ao arrendatário. O direito de resolução é atribuído ainda se o arrendatário adquire um prédio que quer explorar directamente.
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Parece, porém, que não é, verdadeiramente, esse o objectiva do preceito, pois se diz no relatório enviado pela Secretaria de Estado, a que se tem feito referência, «que a duração de seis anos não é uma regra rígida, pois se admite a possibilidade de os contratos vigorarem por um prazo menor se os condicionalismos regionais aconselharem semelhante providência».
E mais adiante acrescenta-se: «E as críticas resultam, afinal, do receio da Federação na acção dos órgãos estaduais, tanto na resolução dos pedidos de redução, dos contritos (em que labora num erro ao supor que são da iniciativa dos particulares) ...».
Trata-se, portanto, de uma intervenção de carácter objectivo, por meio de normas gerais e abstractas (embora fixadas em despacho !), e não de uma intervenção destinada a resolver casos concretos, que continuarão, pelo visto, sem solução 1.
Daquelas observações ao regime dos arrendamentos familiares pode aproximar-se a crítica da doutrina francesa, a que atrás aludimos. A estabilidade dos arrendamentos pode afastar, por um lado, novas candidaturas às actividades agrícolas, fomentando a fuga para as cidades; por outro lado, é injusta a concessão do privilégio da continuidade enquanto se não puder distinguir entre o bom rendeiro e o medíocre 2.
Dir-se-á:
Nos termos da base XXI do projecto, o senhorio poderá promover a rescisão do contrato se «a exploração agrícola tiver sido conduzida em termos de prejudicar a produtividade das terras arrendadas», ou «se o arrendatário não tiver velado pela conservação do solo e dos bens cuja exploração lhe foi confiada».
Parece, assim, que cessa a protecção do prazo em relação aos rendeiros inconvenientes. Todavia, não é verdadeiramente assim. Entre os maus agricultores, aos quais se podia aplicar a doutrina daquela base, e os bons há a longa teoria dos medíocres, cujos actos de insuficiente administração rural escapam, pela sua própria natureza, à observação dos tribunais e ao seu julgamento. Parece claro que os meios facultados pela base XXI só terão viabilidade em casos flagrantes e clamorosos.
Ao lado das críticas a que se vem aludindo, e que mais especialmente atingem os arrendamentos familiares, outras têm sido apresentadas pelos autores ou chegado a esta Câmara, ou ao relator deste parecer, através de inúmeras representações.
Importa fazer às mais importantes a devida referência.
Diz-se, por exemplo: os benefícios de ordem económica apresentados ficarão necessàriamente limitados
1 Adiante se apreciará o preceito nos seus dois sentidos possíveis.
2 São dignas de nota estas palavras de Ourliac e Juglart dirigidas a toda a lei que vise estabilizar exageradamente os arrendamentos:
«Enfin, une autre critique peut être faite; la loi veut stabiliser les situations acquises, perpétuer les fermiers sur les fonds qu'ils cultivent; elle concède un privilège à ceux qui sont en place, aux leati possidentes. Mais ce privilège peut aller à la routine et à la vieillesse; ce faisant, on écarte délibérément les jeunes ménages qui voudraient s'établir et qui, trouvant toutes les terres occupées, n'auront de recours que d'aller à la ville. Ou préfère la stabilité au mouvement, le conservantisme à l'esprit d'entreprise. Le symptôme, a-t-on dit, est grave, car il a la marque d'une économie vieillie, d'une société qui se sclérose et va vers sa décadence. On ressuscite le jus perpetuum et le régime de socialisme d'état du Bas-Empire romain; ce faisant, on vá même contre le désir des fermiers. Les fermiers d'aujour-d'hui désirent être les propriétaires de demain. Ils seront déçus s'ils ne trouvent au terme de leurs afforts «qu'une propriété mutilée, amputée de beaucoup de ses avantages, amputée même de ses droits essentiels». Iei encore l'avenir jugera» (ob. cit., p. 70).
aos primeiros anos de vigência do contrato ou da sua renovação. Aproximando-se o fim do prazo, volta-se à situação actual, à tendência para esgotar a terra, tirar dela todos os benefícios imediatos, em prejuízo da sua produtividade futura. Já não interessam as benfeitorias e os melhoramentos.
É uma consideração procedente. Não se negam os benefícios ao prazo mínimo; mas limitam-se acentuadamente esses benefícios, sobretudo se não se tomarem medidas quanto à renovação dos contratos.
Diz-se ainda: as rendas, com o decurso do tempo, e consequente variação do valor, quer dos géneros, quer do dinheiro, tornam-se instáveis e podem resultar daí prejuízos para qualquer dos contratantes, senhorios ou arrendatários.
No projecto procura-se garantir a estabilidade da renda, fixando-a obrigatoriamente em géneros. Com este ou outro sistema de maior liberdade contratual, não se vê que dentro do prazo relativamente curto de seis anos possam resultar prejuízos apreciáveis para qualquer das partes.
Diz-se mais: os prazos longos interessam quando voluntariamente aceites, e não quando impostos. De resto, é vulgar o rendeiro manter-se nas terras durante muitos anos e até durante gerações.
Não parece bem visto o problema. Não é somente o facto da continuidade que interessa. Interessa sobretudo estar assegurada essa continuidade, para que o rendeiro possa com confiança dedicar-se à exploração da terra.
Também não pode atribuir-se grande importância à razão de que o proprietário, em face de prazos longos, exigirá rendas mais elevadas. O facto pode não ser exacto. Não há, pelo menos, motivos para o considerar exacto, a não ser que se suponha, desde logo, que os prazos mais longos vão influir favoravelmente na produção. Mas, se é este o fundamento real, nada há que objectar. Beneficia-se a economia em geral, beneficia-se o senhorio e beneficia-se o arrendatário. Não pode desejar-se outra coisa.
20. Solução preferível nas explorações de índole patronal.- Expostas as .principais razões com que se têm defendido os prazos mínimos e exposta a crítica a que podem estar sujeitos, delas poderá extrair-se uma lição: a de que não deve, em princípio, recear-se a fixação de um prazo obrigatório para ambas as partes nas explorações de carácter patronal ou capitalista. As objecções, as grandes objecções apresentadas, visam apenas as explorações de índole familiar.
Quanto a estas, efectivamente, o problema é mais grave, e as críticas .expostas são muito sérias; mas não é esta a altura de a Câmara Corporativa se pronunciar sobre elas.
Porquê?
Os arrendamentos familiares elevem constituir, como constituem em Itália e em Espanha, aqui a título transitório 1, um tipo especial de arrendamento agrícola, sujeito a medidas especiais de protecção para as famílias empresárias.
No projecto, com o nome infelicíssimo de arrendamentos familiares protegidos, importado de Espanha, cria-se, à sombra aparente das leis daqueles dois países, uma figura nova, juridicamente incompreensível, socialmente inconveniente e constitucionalmente
1 Vide o preâmbulo da lei de 15 de Julho de 1954.
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impossível - um direito real de gozo subtraído ao proprietário, em benefício do rendeiro -, a que a Câmara Corporativa não pode dar o seu apoio.
Mas a Câmara aplaude, como adiante se dirá, a criação de um regime especial proteccionista de todos os arrendamentos familiares, tal como se fez em Itália e transitoriamente em Espanha, e não apenas daqueles que sejam considerados dignos de especial protecção por portaria do Secretário de Estado da Agricultura.
Será, pois, ao fixar-se esse regime que a Câmara se pronunciará acerca dos prazos respectivos, aceitando apenas, por agora, o princípio geral, aplicável aos arrendamentos não familiares, do prazo mínimo de seis anos proposto pelo Governo.
Há um certo sentimento de que o prazo é curto em relação à grande propriedade, e talvez o prazo de nove anos previsto nas leis do século, XVIII para as alterações da renda fosse preferível. Mas como se trata de uma lei nova, a promulgar depois de mais de um século de liberalismo económico, é prudente uma certa reserva.
21. Intervenção do Secretário de Estado da Agricultura na redução dos prazos. - Já se disse que esta intervenção podia ser interpretada em dois sentidos: intervenção como julgador em face de um conflito entre o proprietário e o arrendatário, ou intervenção como legislador, fixando regras especiais para determinadas regiões ou regras especiais para casos abstractamente designados.
A Câmara Corporativa não concorda com nenhuma destas soluções, sendo, de resto, de reconhecer que, sobretudo a primeira, deve considerar-se constitucionalmente inviável. A actividade judicial pertence exclusivamente aos tribunais, e não ao Governo. O artigo 116.º da Constituição dispõe, na verdade, que a função judicial é exercida pelos tribunais ordinários e especiais. E não há dúvida de que se estaria em face de um acto de natureza jurisdicional, em que o Secretário de Estado, como juiz, interviria para dirimir conflitos de interesses entre senhorios e arrendatários, depois de a Junta de Colonização Interna, como tribunal, ter organizado o respectivo processo, ouvido as testemunhas oferecidas por ambas as partes e providenciado acerca dos demais termos. Quanto à segunda, é de salientar também que a fixação por via de regulamentos delegados de normas de carácter substancialmente legislativo não é de constitucionalidade incontroversa.
A questão não tem, porém, o interesse que poderia ter no sistema projectado na proposta governamental. Desde que se crie para o arrendamento familiar um regime próprio, com princípios gerais e abstractos, a intervenção do Secretário de Estado da Agricultura torna-se dispensável em qualquer caso.
Mais equilibrada do que a solução da projecto seria a sugerida pela Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Alta: .entregar a resolução dos casos particulares às comissões arbitrais a criar pelo mesmo diploma.
Esta solução teria, no entanto, um outro gravíssimo inconveniente: o de, na falta de normas gerais que indicassem rigorosamente os casos em que era possível reduzir o prazo do arrendamento, se cair no puro arbítrio, variável de terra para terra, de comissão para comissão, e na perigosíssima incerteza do direito. Antes normas injustas, mas certas, do que a incerteza quanto à lei em que se vive.
22. Renovação dos contratos. - Não são suficientemente explícitas as disposições do projecto quanto à renovação do contrato. Apenas se lhe referem, incidentalmente, a base XVIII e o n.º 2 da base XXI. No relatório fala-se em prorrogação, admitindo-se (n.º 6) que os contraentes estipulem prazo inferior a seis anos, o que, aliás, se não encontra expresso no texto.
De uma maneira geral, os problemas que devem ser explicitamente resolvidos são estes:
a) Findos os seis anos, poderá voluntariamente prorrogar-se o arrendamento por qualquer prazo, ou só por outros seis anos?
b) Qual o prazo de renovação tácita?
E apenas seguro, embora também o texto o não diga, que não é obrigatória a renovação. Nesta parte afastou-se o projecto de alguns dos seus modelos estrangeiros. E parece que bem. Só como medida de carácter transitório, em épocas de crise, ou também com limitação de prazos, paxá não se cair na perpetuidade do contrato, se compreenderia, de alguma maneira, a renovação obrigatória.
Mas quanto aos outros dois problemas?
No n.º 6 citado do relatório admite-se claramente unia prorrogação por prazo inferior a seis anos, ao dizer-se: «a duração do contrato e a .sua prorrogação podem ser reguladas pelos contraentes desde que não estipulem, para o período inicial, duração inferior a seis anos» 1.
Não considera a Câmara Corporativa conveniente a solução sugerida, e parece-lhe que ela está em contradição com os princípios informadores da reforma, embora esteja em harmonia com as soluções do direito actual. É que, decorridos os primeiros seis anos, voltar-se-ia, pura e simplesmente, ao regime anterior, o que significaria que todos os benefícios da estabilidade desapareceriam em curto espaço de tempo. Não se pretenderá, certamente, assegurar esses benefícios apenas aos rendeiros que entram de novo e se descurem os interesses dos que há mais de seis anos exploram a terra. Nas regiões do País onde há, de facto, uma grande estabilidade de caseiros, como no Norte, os benefícios para a economia nacional praticamente desapareceriam.
Somente parece de admitir, numa solução,, em alguma medida paralela à actual e a algumas leis estrangeiras, que a prorrogação tenha um prazo inferior ao inicial. Propõe-se o de três anos como prazo mínimo de renovação expressa e como prazo de renovação tácita 2.
As leis têm também resolvido diferentemente um outro problema: qual a maneira de evitar a renovação tácita? Hoje essa matéria está regulada no Código de Processo Civil, ao qual se deverá fazer referência.
Em harmonia com o exposto, é de parecer a Câmara Corporativa que deve incluir-se no projecto uma base - a III - redigida nos seguintes termos:
BASE III
1. Os arrendamentos rurais não podem ser celebrados por menos de seis anos. Se for estabelecido prazo mais curto, valerão por aquele prazo.
1 É possível que haja influência do direito vigente em Portugal, expresso no artigo 30.º do Decreto n.º 5411. Qualquer que seja o prazo do arrendamento, a renovação será nos prédios rústicos por um ano. Cf. artigo 1618.º do Código Civil.
2 No Código Grego, embora se prescreva o prazo mínimo de quatro anos para os arrendamentos de bens produtivos, entendem-se os contratos renovados apenas por um ano (artigo 633.º). Também a lei belga de 7 de Março de 1929 admite prorrogações por prazos inferiores, ao inicial (nove anos), ao passo que na França a renovação é imperativa e sempre por nove anos. Em
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2. Findo o prazo referido no número anterior, ou o convencionado, se for superior, presume-se renovado o contrato por mais três anos, e assim sucessivamente, se o arrendatário se não tiver despedido ou o senhorio o não despedir, no tempo e pela forma designados no Código de Processo Civil.
3. A renovação contratual nunca poderá ser feita por prazo inferior a três anos.
23. Limite máximo do prazo. - O anteprojecto do futuro Coligo Civil veio suprir uma lacuna grave do nosso direito, estabelecendo prazos máximos para o contrato de arrendamento. A lacuna é grave porque, sem limites máximos, são possíveis fraudes juridicamente inatacáveis. Não pode, por exemplo, um pai vender bens a filhos sem consentimento dos outros filhos. Como impedir, porém, que se faça um arrendamento por prazo tão longo que se dissimule uma efectiva venda?
Num inquérito recente feito pela Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, para servir de base ao estudo da regulamentação dos direitos reais no novo Código Civil, verificou-se que no concelho de Alpiarça tinham sido celebrados, em 1945, um arrendamento por 452 anos, em i.950, um por 500 anos, em 1952, um por 450 anos, e eu 1954, um por 1000 anos 1!
As soluções do anteprojecto (artigos 7.º e 71.º) são as constantes da seguinte base, que se sugere:
BASE IV
1. Os arrendamentos não podem celebrar-se por mais de 30 anos; quando estipulados por tempo superior, ou como contratos perpétuos, são reduzidos àquele prazo.
2. Exceptuam-se os arrendamentos para fins silvícolas, os quais podem ser celebrados pelo prazo máximo de 99 anos. Se forem convencionados prazos superiores, serão reduzidos àquele limite.
Estas soluções são também as do Código Italiano de 1942 (artigos 1573.º e 1629.º). Em França, invocando-se o decreto de 18-29 de Setembro de 1790, a doutrina e a jurisprudência admitem o limite máximo de 99 ano». Também pelas nossas Ordenações (liv. 3, tít. 47, pi., e tít. 48, § 8.º), os arrendamentos de bens de raiz feitos por mais de 10 anos importavam alienação do domínio útil 2.
Ultimamente tem sido discutida a questão de saber quais as consequências que devem resultar da estipulação de um prazo superior ao fixado na lei. Poderia defender-se a sanção da nulidade como juridicamente a mais lógica 3. Seria, porém, uma pena demasiadamente grave e em desarmonia com o que se estabelece para a violação dos prazos mínimos, e, aí, inevitavelmente, para não fazer recair a sanção sobre o arrendatário. Melhor parece, pois, a solução de reduzir o prazo ao seu limite máximo.
Espanha tem-se admitido renovações por prazos inferiores aos iniciais.
No anteprojecto do Prof. Galvão Teles entendem-se prorrogados os contratos pelo prazo por que tenham sido celebrados, mas a prorrogação será apenas por um ano se esse prazo for mais longo (artigo 56.º, § 8.º).
1 Boletim do Ministério da Justiça n.º 59, p. 273.
2 O alvará de 8 de Novembro de 1757 veio, posteriormente, atribuir a esses contratos a natureza de arrendamentos revogáveis ao fim do prazo estipulado (vide Coelho da Bocha, ob. cif., § 839.º).
3 É a solução dominante na jurisprudência francesa. Baseiam-se as decisões dos tribunais no facto de se tratar da violação de uma norma de interesse e ordem pública. (Cf. o artigo 10.º do Código Civil Português).
A excepção relativa aos terrenos destinados a fins silvícolas justifica-se por si. Trata-se de uma cultura a longo prazo 1.
§ 4.º
Caducidade
24. Razão de ordem. - A matéria da caducidade do arrendamento referem-se as bases III, ma sua alusão ao artigo 1601.º do Código Civil, IX e X do projecto. A primeira diz respeito aos arrendamentos feitos pelo administrador de bens dotais, usufrutuários e fiduciários; os outros prevêem os casos de expropriação, de morte do senhorio ou do arrendatário e de arrendamento de bens dos menores. São estes os problemas que seguidamente vão ser versados.
25. Arrendamentos feitos pelo usufrutuário, pelo fiduciário e, de uma maneira geral, pelos administradores de bens alheios. - A referência feita na base III ao artigo 1601.º do Código Civil é, como já se disse, incorrecta. Este artigo foi substituído, quer quanto aos arrendamentos urbanos, quer quanto aos rústicos, pelo artigo 9.º do Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919. Este deveria ser, portanto, o artigo citado, e não um artigo revogado do Código Civil.
Mas parece dever ir-se mais longe.
O problema da caducidade foi largamente estudado nesta Câmara a propósito dos arrendamentos urbanos. Em consequência desse estudo 2 foram sugeridas duas bases, que constituem hoje, com ligeiras alterações de forma, os artigos 41.º e 42.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948. Convirá, portanto, antes de tudo, verificar se se justificam para os arrendamentos agrícolas as mesmas soluções, e, se tal acontece, são aqueles, e não já o artigo 9.º do Decreto n.º 5411, que devem citar-se.
Preceituam os dois artigos:
ARTIGO 41.º
1. O proprietário de prédio dado de arrendamento pelo usufrutuário pode, findo o usufruto, obter o despejo com fundamento na resolução do contrato.
2. A extinção do usufruto, por motivo de renúncia do usufrutuário ou por confusão do usufruto com a propriedade, não produz a resolução do contrato.
ARTIGO 42.º
1. O disposto no artigo anterior é aplicável a todos os casos em que o prédio tenha sido dado de arrendamento por administradores legais de bens alheios ou pelo fiduciário.
2. Exceptuam-se os arrendamentos feitos pelo cônjuge administrador dos bens do casal, salvo tratando-se de bens dotais. Neste caso, a dissolução do casamento ou a separação de pessoas e bens importa sempre resolução do arrendamento, mesmo que a mulher tenha outorgado no contrato ou dado o seu consentimento.
O primeiro caso previsto é o do usufruto. Em todas as disposições citadas (Código Civil, Decreto n.º 5411 e Lei n.º 2030) se admite, em princípio, a caducidade
1 No Código Italiano de 1865, que teve por fonte o Código Sardo (artigos 1718.º e 1720.º), a excepção dizia respeito a todas as terras incultas quando se impusesse ao arrendatário a obrigação de as cultivar. Procurava-se (no Código Sardo) criar uma figura que substituísse a enfiteuse, então abolida. O problema não se põe, pois, entre nós.
2 Parecer citado.
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do arrendamento pela extinção daquele direito. Apenas na Lei n.º 2030, por sugestão desta Câmara, se exceptuam os casos de renúncia e de confusão do usufruto com a propriedade.
Nem a regra nem as excepções parecem dever afastar-se nos arrendamentos rústicos.
Quanto à regra, escreveu-se no citado parecer:
É esta, num ponto de vista jurídico e lógico, a melhor doutrina. A figura do usufruto é ainda, no nosso direito, não obstante se afastar já muito da sua tradição romanista de mera pensão alimentar, a de um jus in re aliena. O usufrutuário não goza senão temporariamente do uso e da fruição da coisa. Pode, nestas condições, arrendar o prédio, percebendo os respectivos frutos civis; mas o que não se concebe é que possa, sem lhe atribuir também o abusus, que modificaria estruturalmente tal figura jurídica, constituir sobre a coisa encargos, ónus ou simples direitos que ultrapassem no tempo os limites daquelas faculdades. Não está, neste caso, preponderantemente em causa o regime do arrendamento, mas o próprio usufruto, que é preciso guardar na sua pureza para que possa continuar a desempenhar a função social a que se destina 1.
Quanto às excepções, elas também foram justificadas nos seguintes termos, inteiramente aplicáveis aos arrendamentos rústicos:
Outra dúvida diz respeito à caducidade ou não caducidade do arrendamento se o usufruto se extinguir por confusão entre as posições de usufrutuário e de proprietário. A circunstância de ser neste caso feito o arrendamento pela pessoa que vem a ser investida na propriedade do prédio e a analogia com o que se dispõe no § único do artigo 1555.º do Código Civil podem conduzir a uma. solução que tem sido já sancionada pela jurisprudência: a de não considerar caduco o arrendamento pela verificação do facto que deveria extinguir o usufruto se não estivesse já extinto por confusão. Quer dizer: o titular do usufruto e senhorio, por passar, em certo momento, à ser também proprietário, ficaria sujeito para sempre à renovação imposta pelo arrendatário. Não parece ser esta a solução mais aceitável. Tem, ou pode ter, todos os inconvenientes que normalmente resultam da aplicação retroactiva de uma lei. O contrato é feito pelo usufrutuário (que ainda não é proprietário) com um certo ânimo, com a ideia em certo regime - neste caso com a convicção da caducidade do arrendamento pelo termo do usufruto -, e essa convicção, muitas vezes determinante do contrato, deve respeitar-se. Também o problema da renúncia tem sido levado aos tribunais. Agora a questão põe-se inversamente. Enquanto o usufruto só se extingue normalmente pelo termo do prazo ou pela morte do usufrutuário, a renúncia deste pode atingir a justa expectativa do arrendatário e, mais do que isso, pode transformar-se essa renúncia num processo fraudulento de obter o despejo antes do termo normal do usufruto. Por isso, parece de aceitar a doutrina do § único do artigo 9.º do projecto Pinto Loureiro, que preceitua: «A extinção do usufruto ou do fideicomisso em consequência da renúncia do respectivo titular não produz resolução do contrato».
O segundo caso previsto é o do fiduciário, também referido em todos os textos citados. Deste não pode também duvidar-se. Escreve-se no citado parecer:
Há, mais uma vez, que procurar soluções que não contrariem a estrutura de outros institutos; deixar-se-ia de respeitar a vontade testamentária se ao fiduciário fosse permitido criar encargos futuros sobre os bens. E que não se transmitiriam afinal ao fideicomissário os bens recebidos, mas alguma coisa diferente; em vez de um prédio, ele receberia uma renda, alterando-se a vontade do próprio testador.
Temos, por último, os arrendamentos feitos por administradores legais de bens alheios. A estes, na sua generalidade, não se refere o artigo 1601.º do Código Civil, nem o artigo 9.º do Decreto n.º 5411. Mas já se refere a eles o artigo 42.º da Lei n.º 2030, proposto por esta Câmara e sugerido pelo autor do referido projecto 1.
A justificação foi feita nos seguintes termos, que tanto podem dizer respeito aos arrendamentos urbanos como rústicos:
A posição de um administrador não difere, no aspecto que interessa, da do usufrutuário. E certo que o administrador não percebe os rendimentos em proveito próprio, pois age em nome e por conta do proprietário, o que não acontece com o usufrutuário, que age em seu nome próprio e por conta própria. E, porém, de atender à natureza muito especial que o arrendamento reveste desde 1919. Só formalmente se pode continuar a afirmar que se trata de um acto de mera administração, atribuindo-se-lhe a plenitude dos- seus efeitos actuais, porque a realidade, dada a renovação imposta ao senhorio, é muito diferente, e é sobre a realidade que o legislador tem de assentar as suas soluções, se não quiser, perigosamente, desvirtuar o sentido de outros institutos.
A referência à legislação de 1919 deve substituir-se, neste caso dos arrendamentos rústicos, pela referência às novas exigências quanto a prazos.
O n.º 2 do artigo 42.º da Lei n.º 2030 exceptua os arrendamentos feitos pelos cônjuges administradores dos bens do casal, salvo tratando-se de bens dotais. Na sua primeira parte aceitou aquela lei e ampliou a doutrina ao artigo 10.º do Decreto n.º 54112; quanto à excepção, consagrou a solução admitida desde o Código Civil.
m e outro princípio estão justificados no mesmo parecer, nos seguintes termos:
Entende a Câmara Corporativa que essa natureza (muito especial da administração do património dos cônjuges) justifica um desvio à doutrina do § 2.º, mantendo-se o estado jurídico actual, e reconhecendo-se, por consequência, os arrendamentos mesmo para além do termo definitivo da
1 Em Espanha o artigo 9.º, n.º 4, do Regulamento de 29 de Abril de 1959 também determina expressamente, como já o fazia o artigo 9.º da Lei de 15 de Março de 1935, a caducidade do arrendamento, subsistindo apenas durante o ano agrícola.
1 Projecto apresentado pelo Deputado Sá Carneiro, artigo 3.º, § 2.º, no Diário das Sessões n.º 68, de 24 de Dezembro de 1946.
2 «Artigo 10.º O cônjuge administrador dos bens do casal pode, sem outorga do outro cônjuge, dar ou tomar bens de arrendamento quando este hão seja sujeito a registo».
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administração de um dos cônjuges, pela dissolução do casamento ou separação. O arrendamento feito, pois, pelo cônjuge administrador deve corresponder, para todos os efeitos legais, ao arrendamento feito pelo próprio proprietário. Assim o impõe a necessária unidade familiar.
Quanto aos arrendamentos de bens dotais, escreve-se no mesmo parecer:
O acto de o prédio arrendado ser dotal traz aspectos novos à questão. É que, mesmo quando feito a arrendamento pelo marido com outorga da mulher, ou até pela mulher com consentimento do marido, ou só, quando administradora, pode duvidar-se, dado o regime particular deste contrato e a disposição do artigo 1156.º do Código Civil S se o arrendamento deve ou não caducar. Não é, portanto, a circunstância de ser feito o arrendamento pelo marido sem outorga da mulher que interessa a este caso; é o facto de os bens serem dotais e impor aquele artigo que, dissolvido o matrimónio ou havendo separação, seja o dote restituído livre de quaisquer encargos ou ónus reais. Julga a Câmara Corporativa que é preferível neste caso manter a doutrina vigente, ou seja a da caducidade. Este artigo 1156.º, pela sua letra, apenas se reportará aos arrendamentos sujeitos a registo, únicos considerados ónus reais 2, mas está já no espírito do artigo 9.º do Decreto n.º 5411 a ideia da caducidade do vínculo contratual em qualquer hipótese. As razões em que a Câmara Corporativa se funda são ainda as já invocadas na análise de outros problemas. É que não deve o regime do contrato de arrendamento afectar a índole e o fundamento de outros institutos ou de outros negócios jurídicos, e afectar-se-iam, sem dúvida, a razão de ser do regime dotal e as suas finalidades se fosse dado ao marido onerar, passe o termo, com arrendamentos perpétuos os bens dotais, da mulher.
A razão não é tão forte se se encarar apenas o aspecto dos prazos mínimos nos arrendamentos rústicos. Mas não deixarão de existir, na essência, os mesmos fundamentos.
As transcrições que se fizeram mostram, pois, que, em. vez de artigo 1601.º do Código Civil, ou do artigo 9.º do Decreto n.º 5411, que o veio substituir, se devem citar no novo diploma os artigos 41.º e 42.º da Lei n.º 2030.
26. Arrendamentos de bens de menores. - No n.º 3 da base X e o projecto admite-se uma excepção aos princípios da caducidade dos arrendamentos feitos por administradores legais de bens alheios. Quanto a bens de menores, diz o referido número, os contratos só caducarão se, atingida a maioridade, os senhorios desejarem explorar os prédios por conta própria.
Segundo o regime actual (artigo 11.º do Decreto n.º 5411), á aplicável a esses arrendamentos o disposto nos artigos 243.º, n.º 6.º, 263.º, 264.º, 265.º e 266.º do Código Civil. Isto quer dizer que os tutores dos menores (ou interditos) só podem arrendar por tempo que não exceda três anos e que os arrendamentos por tempo superior terão de ser feitos em hasta pública 1, com autorização do conselho de família, contanto que o prazo não exceda as épocas da maioridade. A este prazo estão, também sujeitos os pais quando exerçam o poder paternal.
A regra é sempre, portanto, a da caducidade dos arrendamentos logo que os menores perfaçam 21 anos de idade.
Justificar-se-á a nova doutrina proposta?
No relatório que precede o projecto não se justifica a inovação. Nas exposições que foram enviadas a esta Câmara há quem discorde, com o fundamento de que os menores se podem encontrar perante situações a de gritante injustiça» 2, e há quem apenas pretenda uma redacção mais clara, apara não dar a ideia do arrendamento perpétuo 3».
Parece à Câmara Corporativa, pelas razões expostas acerca de outros administradores de bens alheios, que não se justifica uma excepção que deixe os menores inteiramente desprotegidos nas mãos dos seus representantes legais. Resultarão daí alguns inconvenientes? É natural. Mas já se mostrou que os interesses económicos não podem ser sempre atendidos; é preciso cuidar de todos os aspectos dos fenómenos jurídicos e das suas repercussões sociais noutros campos 4.
27. Momento em que deve caducar o arrendamento. - No n.º 2 da base X apenas foi considerada a hipótese da morte do arrendatário, preceituando-se que o «arrendamento caducará no fim do ano cultural que estiver, em curso, ou imediatamente, se o senhorio indemnizar os herdeiros do arrendatário nas perdas e dano» causadas pela imediata resolução do contrato». O problema deve, porém, ser tratado com outra generalidade, pois diz respeito a todos, os casos de caducidade. Depois se verá se se impõem quaisquer desvios no caso particular da morte do arrendatário.
Em relação aos arrendamentos urbanos a Lei n.º 2030 estabeleceu, no n.º 4 do artigo 43.º, o prazo de um ano, dentro do qual, &e não se convencionar voluntariamente a prorrogação, o senhorio pode intentar a acção de despejo fundada na resolução do contrato. No projecto, e quanto à hipótese da morte do arrendatário, considerasse caduco o arrendamento no fim do ano cultural que estiver em curso, ou imediatamente, se o senhorio indemnizar os herdeiros do arrendatário das perdas e danos causados pela imediata resolução do contrato.
A solução da Lei n.º 2030 não se adapta aos arrendamentos rústicos. O despedimento não deve, evidentemente, fazer-se, em regra, no meio de um ano agrícola. Isso não pode convir nem ao proprietário nem ao arrendatário. Parece, assim, justificar-se a primeira parte
1 «Artigo 1156.º Dissolvido o matrimónio, ou havendo separação, será o dote restituído à mulher, ou a seus herdeiros, com quaisquer outros bens que direitamente lhes pertencerem, livres de quaisquer hipotecas ou ónus reais que neles ou nos seus rendimentos tenham sido impostos durante o matrimónio, ficando os bens livres do respectivo ónus dotal só por falecimento de qualquer dos cônjuges».
2 Pelo novo Código do Registo Predial desapareceu a categoria genérica le ónus reais; mas isso não modifica o sentido do argumento.
1 Alterado pelo artigo 1438.º do Código de Processo Civil, que admite, ao lado do arrendamento feito em hasta pública, o arrendamento por negócio particular ou por proposta em carta fechada.
2 Digno Procurador Aníbal Barata Amaral de Morais.
3 Conselho Regional de Agricultura da X Região Agrícola (Santarém).
4 Em, Espanha, segundo o artigo 9.º, n.º 5, do Regulamento de 29 de Abril de 1959 (cf. artigo 9.º da Lei de 15 de Março de 1985), não podem os pais ou tutores arrendar os prédios de seus filhos ou pupilos por prazo que exceda o que lhes falta para chegar à maioridade, salvo, quanto aos primeiros, se estiverem judicialmente autorizados e, quanto aos segundos, se estiverem autorizados pelo conselho de família.
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da proposta do Governo: caducidade, em princípio, no fim do ano cultural 1.
Mas justificar-se-á a segunda?
O Conselho Regional de Agricultura da X Região Agrícola (Santarém) entende dever limitar-se a faculdade conferida aos senhorios de rescindirem imediatamente o contrato ao caso de os arrendatários não deixarem a descendentes directos». E possível que estivesse no pensamento deste Conselho o caso particular dos arrendamentos familiares, e quanto a esses entende, sem hesitação, a Câmara Corporativa que não deve facultar-se ao senhorio a revogação antes do termo do ano agrícola. Julga mesmo, como adiante se dirá, que a caducidade pode protelar-se para momento posterior.
Quanto às empresas de natureza patronal justifica-se também mal a referida faculdade, que aparece com o aspecto de represália, sem sentido económico o u moral. Acresce que a necessidade da fixação da indemnização, tal como se prescreve no projecto, importa difíceis averiguações, que devem, sempre que possível, evitar-se.
Entende, nestes termos, a Câmara Corporativa que, por agora, isto é, como princípio aplicável aos casos de caducidade já referidos, deve admitir-se, sem excepção, o da caducidade no fim do ano agrícola. Deixa-se para diante a apreciação dos casos particulares da morte do arrendatário e dos arrendamentos familiares.
A fixação do momento da caducidade relacionado com o ano agrícola também foi objecto de crítica: a Em grande parte do País, escreve-se, é da maior importância a sementeira de forragens e ervagens, quase sempre praticada bastante antes do fim do ano cultural, e, se é de aceitar, obrigatoriamente, a resolução do contrato antes do seu termo, nunca o poderá ser. em termos- tais que provoque uma solução de continuidade à normal exploração agrícola» 2.
Está-se, parece, a pôr em relevo um aspecto que não é especial da caducidade, mas comum a todos os casos em que se verifique a substituição do arrendatário. A atender-se à razão exposta, só deviam admitir-se arrendamentos perpétuos, e mesmo nestes não deixariam de surgir dificuldades ou inconvenientes. Adiante se fará a devida referência aos denominados avanços às culturas.
Em face do exposto, entende a Câmara Corporativa que deve substituir-se a referência ao artigo 1601.º do Código Civil pela seguinte base:
BASE VI
1. São aplicáveis aos arrendamentos rurais os artigos 41.º e 42.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.
2. Os arrendamentos só se consideram, porém, resolvidos, em qualquer caso, no fim do ano agrícola em curso.
28. Morte do senhorio ou do arrendatário e transmissão da propriedade. - Segundo o disposto no artigo 1619.º do Código Civil e no artigo 34.º do Decreto n.º 5411, que substituiu aquele, «o contrato de arrendamento cuja data for declarada em documento autêntico ou autenticado não se rescinde por, morte do senhorio ou do arrendatário, nem por transmissão da propriedade, quer por título universal, quer por título singular», salvo o disposto nos artigos subsequentes (expropriação por utilidade pública ou execução).
Por argumento a contrario parece poder entender-se que os arrendamentos cuja data não conste de documento autêntico ou autenticado se extinguem pela morte de qualquer dos contraentes ou pela transmissão do prédio. Trata-se, todavia, de uma interpretação da lei muito discutível.
Nos códigos mais modernos distinguem-se, em regra, os casos de morte do senhorio ou transmissão da propriedade e de morte do arrendatário.
A morte do senhorio e a transmissão do prédio não importam caducidade na generalidade das legislações 1.
Em caso de morte do rendeiro, diz já o Código Grego (artigo 632.º), os seus herdeiros têm, o direito de denunciar o contrato. O senhorio goza de igual direito «se os herdeiros (do arrendatário) não oferecem garantias de uma exploração conveniente do prédio».
No Código Italiano de 1942 (artigo 1627.º), no caso ainda da marte do arrendatário, atribui-se o direito a qualquer das partes de denunciar o contrato no prazo de três meses, para terminar no fim do ano agrícola. Em especial quanto aos arrendamentos familiares, o locador pode substituir-se imediatamente aos herdeiros na exploração do prédio (artigo 1650.º).
No direito espanhol distingue-se também entre arrendamentos ordinários e familiares protegidos. Quanto aos primeiros, extingue-se o contrato por morte do arrendatário, salvo no caso de os herdeiros serem o cônjuge, parentes em qualquer grau da linha recta ou até ao segundo grau da linha colateral, os quais podem optar pela rescisão do contrato ou sua continuação (Regulamento de 29 de Abril de 1959, artigo 18.º). Quanto aos segundos, não se extingue o vínculo pela morte do cultivador, considerando-se transmitido ao familiar cooperador indicado pelo de cujas no seu testamento; na falta de indicação, os familiares cooperadores, no prazo de dois meses, a contar do falecimento do arrendatário, elegerão por maioria entre eles o que haja de continuar como titular do arrendamento; quando não se faça a eleição naquele prazo, indicará o proprietário entre os familiares cooperadores o sucessor 'no arrendamento (citado Regulamento, artigo 86.º).
Em França a Ordonnance de 4 de Dezembro de 1944 (artigo 24.º) atribui aos herdeiros do arrendatário, no caso de morte deste, o direito de pedir, nos seis meses seguintes, a rescisão do contrato. O senhorio só a poderá pedir se o rendeiro não deixar cônjuge, ascendentes ou descendentes com mais de 16 anos que habitem ou cultivem o prédio arrendado 2.
Uma coisa parece razoável à Câmara Corporativa. É que em relação aos arrendamentos familiares podem admitir-se efectivamente desvios à regra da caducidade, atendendo-se a que a entidade arrendatária é, de facto, mais uma entidade colectiva - a família - do que a pessoa do arrendatário.
Quanto aos arrendamentos comuns, os que têm agora de ser apreciados, parece à Câmara Corporativa que, de todas as soluções referidas, a preferível é a italiana. E tecnicamente mais perfeito atribuir o direito de renunciar do que considerar ipso jure rescindido o contrato, o que pode não convir a ninguém. A solução
1 Cf. artigos 1627.º, § 2.º, do Código Italiano de 1942, 632.º do Código Grego, 9.º do Regulamento espanhol de 29 de Abril de 1959, e 24.º da Ordonnance francesa de 4 de Dezembro de 1944.
2 Digno Procurador Aníbal de Morais.
1 Vide Código Italiano, artigo 1599.º, e, na Espanha, a Lei de 23 de Julho de 1942 e o Regulamento de 29 de Abril de 1959, artigo 24.º
2 Uma lei de 30 de Agosto de 1947 restringe ainda mais os direitos do senhorio se o arrendatário morreu pela França. Nestes exageros da lei francesa tem a doutrina visto um verdadeiro direito dinástico. Vide Savatier, La nature juridique ... du droit à un bail rural, p. 45, cit. por Ourliac, ob. cit., p. 101.
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grega tem o inconveniente de dar relevância a um facto difícil de observar - estarem ou não os herdeiros do arrendatário em condições de explorar convenientemente o prédio.
Sugere-se, pois, a seguinte base em substituição da base X de projecto:
BASE VII
1. Os arrendamentos não caducam por morte do senhorio nem pela transmissão do prédio, seja qual for a natureza dessa transmissão.
2. Falecendo o arrendatário, o senhorio ou os herdeiros daquele podem, dentro dos três meses segui ates, denunciar o contrato, por meio de notificação judicial. A denúncia só produz os seus efeitos no fim do ano agrícola que estiver em curso no termo do prazo referido.
29. Expropriação do prédio. - O princípio de que, expropriado o prédio por utilidade pública, o arrendamento caduca e que o arrendatário tem direito a ser indemnizado encontra-se estabelecido no artigo 1620.º do Código Civil. Esta disposição passou, sem qualquer alteração, para o artigo 35.º do Decreto n.º 5411. A Lei n.º 2030, por seu turno, considera os arrendamentos comercial; industriais ou destinados ao exercício de profissões liberais como encargos autónomos para o efeito de o arrendatário ser indemnizado pelo expropriante. Quer dizer: ao lado da indemnização global para o proprietário, correspondente ao valor real do prédio (propriedade perfeita), atribui a lei ao inquilino, como direito próprio, uma indemnização que não poderá exceder 40 por cento, 30 por cento ou 20 por cento do valor do prédio ou apenas o valor das obras feitas, conforme os casos (artigo 10.º, n.º 2). Não há, portanto, qualquer espécie de responsabilidade por parte do senhorio. Toda ela fica a cargo da entidade expropriaste 1.
É este o sistema que o projecto pretende aplicar aos arrendamentos agrícolas.
Não é a solução adoptada nos países estrangeiros.
Em Itália o arrendatário não tem, em princípio, direito a qualquer indemnização do senhorio, porque ele não pode responder por actos de que não foi parte, nem do expropriante, porque o interesse público exige que se pague apenas o valor do prédio. Apenas se confere ao arrendatário o direito de obter o recebido pelo senhorio e título de indemnização pelo valor dos frutos pendentes ou das colheitas inutilizadas (artigo 1638.º).
Em Espanha a indemnização fica a cargo do senhorio (artigo 30.º, n.º 2, do Regulamento de 29 de Abril de 1959). Essa indemnização é fixada num terço da indemnização abonada ao proprietário sempre que o arrendatário esteja, por si ou ascendentes, há mais de dez anos no prédio.
O sistema proposto pelo Governo é justo. Não se diminuem os direitos do proprietário, que recebe sempre o valor integral do seu prédio; não se prejudica o arrendatário, que recebe uma compensação por todos os prejuízos sofridos. Parece apenas que a indemnização «calculada em função do rendimento líquido auferido pelo arrendatário da superfície a expropriar e
1 Não foi, porém, a Lei n.º 2030, como se deduz do relatório, que criou o sistema. Já a Lei de 26 de Julho de 1912 (artigo 17.º), o Decreto de 15 de Fevereiro de 1013 (artigo 2.º, § 3.º), a lei n.º 438, de 15 de Setembro de 1915 (artigo 1.º), o Decreto 1.º 5411, de 17 de Abril de 1919 (artigo 54.º), e a Lei n.º 1652, de 4 de Setembro de 1924 (artigo 1.º, § 2.º), previam essa indemnização em benefício dos estabelecimentos comerciais e industriais instalados no prédio, por conta do expropriante.
do tempo máximo por que o contrato ainda deva vigorar obrigatoriamente», ou seja uma indemnização com base nos lucros futuros, é excessiva e destoa dentro do sistema da nossa lei, expresso em todos os campos em que há lugar à fixação de perdas e danos. Se o arrendamento tem a duração de 30 anos, deverá a indemnização calcular-se multiplicando o rendimento líquido anual por 30? E se se tratar de um arrendamento para fins silvícolas celebrado por 99 anos?
Parece à Câmara Corporativa que se exagerou a medida de protecção devida ao arrendatário. Nunca a indemnização deve ultrapassar os prejuízos efectivamente sofridos, ou seja o montante exigível nos termos da base XV (do projecto), acrescido do valor dos frutos pendentes ou das colheitas inutilizadas, como razoavelmente se estabelece no Código Italiano.
O n.º 3 da base IX, referindo-se à expropriação parcial do prédio, reproduz a doutrina do artigo 30.º, n.º 1, do Regulamento espanhol de 1959, com algumas alterações, que não parece à Câmara Corporativa deverem aceitar-se. O «acentuado desequilíbrio na estrutura da exploração» é fórmula imprecisa, susceptível de dúvidas, além de traduzir uma solução pouco justa.
Desde que, em consequência da expropriação, haja diminuição do rendimento por diminuição da área cultivável, deve poder diminuir-se a renda. Não importa que haja «desequilíbrio na estrutura», o que juridicamente não se sabe bem o que é. A lei espanhola fala, com muito mais rigor, em «perda de parte do domínio do prédio».
E parece neste caso, quer o arrendatário opte pela rescisão, quer pela diminuição da renda, que não deve perder o direito à indemnização que lhe é facultada em caso de expropriação total, embora relativa neste caso apenas à área expropriada.
A base IX deve, pois, dar-se a seguinte redacção:
BASE VIII
1. A expropriação por utilidade pública do prédio importa a caducidade do arrendamento.
2. Sendo a expropriação total, o arrendamento é considerado como encargo autónomo para o efeito de o arrendatário ser indemnizado pelo expropriante. Esta indemnização não pode exceder o valor dos frutos pendentes ou das colheitas inutilizadas, acrescido das importâncias a que se refere a base XVI.
3. Havendo expropriação parcial do prédio, o arrendatário, independentemente dos direitos facultados no número anterior em relação à parte expropriada, pode optar pela resolução do contrato ou pela diminuição proporcional da renda.
§ 5.º
Renda
30. Razão de ordem. - Referem-se à renda as bases IV, V, VI, XI e XII do projecto. Na primeira determina-se a forma da sua fixação e do seu pagamento; na segunda atribui-se ao arrendatário o direito de redução quando haja perda de mais de metade das colheitas por circunstâncias imprevisíveis e de força maior e regula-se o seu exercício; na terceira faculta-se o direito à revisão da renda quando o prédio for onerado pelo Estado, autoridades administrativas ou empresas concessionárias de serviço público, por forma a atingir a sua capacidade produtiva; nas restantes confere-se ao senhorio o direito de aumentar a renda quando executar na propriedade obras destinadas a con-
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servar ou aumentar a capacidade produtiva da terra ou a facilitar a sua exploração 1.
Lògicamente devem apenas ser apreciados neste parágrafo os quatro primeiros problemas - fixação, forma de pagamento, redução e revisão das rendas -, deixando-se o último para o momento em que se versar a questão das benfeitorias.
Também não se fará agora a análise do n.º 4 da base IV, que proíbe a inclusão na renda de qualquer serviço que não deva ser prestado na ou em benefício directo da propriedade arrendada. E matéria a relacionar com outras proibições, inspiradas igualmente em motivos de interesse e ordem pública e que constam da base viu do projecto. Adiante se lhe fará, pois, referência.
31. Fixação e forma de pagamento da renda. - Preceitua a base IV do projecto, no seu n.º 1, que ca renda anual será fixada em géneros das principais produções dos prédios arrendados, mas o pagamento efectuar-se-á normalmente em dinheiro». Este advérbio normalmente está relacionado com a possibilidade, conferida no n.º 3 da mesma base, de o senhorio poder exigir em espécie o pagamento da renda até um quarto do seu montante.
Afasta-se profundamente o projecto da nossa tradição jurídica no que respeita à fixação imperativa da renda em géneros.
O artigo 1603.º do Código Civil admite, em termos gerais 2, que o preço da locação ou renda consista «em certa soma de dinheiro ou em qualquer outra coisa que o valha, contanto que seja certa e determinada».
Esta regra foi alterada, em relação aos prédios urbanos, pelo Decreto de 12 de Novembro de 1910 (artigo 6.º) e, posteriormente, pelo Decreto n.º 5411 (artigo 37.º), exigindo ambos que a renda seja sempre satisfeita em dinheiro. Ainda o Decreto n.º 9496, de 14 de Março de 1924 (artigos 1.º e 2.º), veio acrescentar que as rendas dos prédios urbanos seriam sempre fixadas em dinheiro e moeda portuguesa correntes à data do pagamento.
Quanto aos prédios rústicos, o Decreto n.º 5411 manteve o princípio geral do Código Civil, estabelecendo, porém, de novo, que, «consistindo a renda em frutos», e não tendo sido paga no devido prazo, será satisfeita em dinheiro pelo preço corrente no tempo do vencimento, com juros desde a mora 3.
Posteriormente a 1919, e em consequência da grande desvalorização da moeda e desactualizarão das rendas em dinheiro, foram publicados vários diplomas legislativos que, com o objectivo de uma actualização, modificaram sensivelmente a forma de pagamento das rendas dos prédios rústicos. Fixaram-se, imperativamente, percentagens em géneros e em dinheiro a pagar pelo arrendatário. Nesta orientação, podem citar-se a Lei n.º 1368, de 21 de Setembro de 1922, a Lei n.º 1645, de 4 de Agosto de 1924, a Lei n.º 1883, de 22 de Julho de 1924, o Decreto n.º 12 339, de 18 de Setembro de 1926, e, finalmente, o Decreto, ainda teoricamente em vigor, n.º 20 188, de 8 de Agosto de 1931, que fixou regras diferentes para os arrendamentos anteriores a 1930, conforme a renda tivesse sido fixada exclusiva ou principalmente em trigo (artigo 1.º) ou em dinheiro (artigo 3.º) 1.
À parte, portanto, certos regimes transitórios, mantém-se em vigor o Código Civil. A renda pode ser fixada em dinheiro ou em géneros e, salvo o disposto no artigo 66.º do Decreto n.º 5411, de sentido muito duvidoso, deve ser paga na forma convencionada.
Não diferem estruturalmente deste critério as soluções das leis estrangeiras. A legalidade da fixação livre da renda em géneros ou dinheiro, com uma ou outra possibilidade conferida ao arrendatário ou ao senhorio de substituir os géneros por dinheiro ou vice-versa, com ou sem a limitação da renda aos produtos do prédio arrendado, com ou sem a possibilidade de se integrarem nela coisas não fungíveis ou serviços pessoais, é admitida na generalidade dos países estrangeiros.
Excepção há uma: a do artigo 3.º da lei espanhola de 23 de Julho de 1942 e a do artigo 7.º do Regulamento de 29 de Abril de 1959, que impõem, qualquer que seja a cultura do prédio, a fixação da renda em determinada quantidade de trigo, para se efectuar o pagamento em dinheiro ou em quantia correspondente ao preço daquele cereal no dia em que a renda deva ser satisfeita 2.
Foi nestas disposições que se inspirou seguramente o Governo.
Não parece à Câmara Corporativa que o regime daquelas leis espanholas seja aconselhável. Nem mesmo em Espanha ele têm sido acolhido com louvores unânimes, e lá verificavam-se, em 1942, circunstâncias excepcionais, que não se verificam hoje em Portugal, e que o poderiam então justificar.
A fixação do padrão-trigo para o pagamento das rendas obedeceu a duas causas: uma foi a desvalorização da peseta, que já se acentuava naquela data (1942).
Mas o escudo em Portugal é das moedas menos desvalorizadas do mundo, e não deve ver-se no projecto do Governo um prognóstico sombrio.
Outra causa, e esta mais importante, era a de ter acabado a Espanha de conceder, em 1942, largas prorrogações dos contratos 3 e de impor, consequentemente,
1 O caso especial de expropriação parcial do prédio (base IX, n.º 3) já ficou atras estudado.
2 Já era assim no nosso antigo direito. Vide Coelho da Bocha, ob. cif., § 833.
3 Esta inovação tem dado lugar a dúvidas, pois parece incompreensível que ao arrendatário seja lícito, com a simples mora de um dia, substituir os géneros por dinheiro, e não tenha essa faculdade, dado o regime do artigo 702.º do Código Civil, quando se prontifique a efectuar o pagamento dentro do prazo convencionado. Não interessa aqui o estudo, da questão.
1 Quanto às rendas estipuladas em trigo, têm sido .publicadas disposições especiais no nosso direito. O Decreto-Lei n.º 30 579, de 10 de Julho de 1940, estabeleceu que «serão liquidadas e pagas pelo seu equivalente em escudos ao preço da tabela oficial».
Este regi-me foi reafirmado em várias campanhas cerealífera?, entre outros, pelos Decretos-Leis n.ºs 32 189, de 11 de Agosto de 1942 (artigo 35.º), 32 898, de 9 de Julho de 1943 (artigo 17.º), 34737, de 6 de Julho de 1945 (artigo 15.º), 36469, de 15 de Agosto de 1947 (artigo 15.º), 36993, de 31 de Julho de 1948 (artigo 15.º), 38850, de 7 de Agosto de 1952 (artigo 1.º), e 39 742, de 31 de Julho de 1954 (artigo único).
2 O Código Italiano de 1942 permite II fixação da renda em géneros produzidos pelo prédio (artigo 1639.º), devendo, neste caso, o pagamento ser efectuado nos termos convencionados. Nos acordos económicos colectivos e nos contratos colectivos tem-se introduzido em Itália alguns desvios à regra daquele artigo: a renda deve ser estabelecida em géneros e, se se convencionar dinheiro, não deve a quantia ser fixa, mas designada com referência a determinada quantidade de produtos, como, por exemplo, o valor de 100 quintais de trigo.
Nos arrendamentos a cultivadores directos (familiares) a regra é a de que a renda deve ser fixada em géneros, com a obrigação para p arrendatário de entregar os géneros ou o seu valor em dinheiro. E esta a solução que mais se aproxima da lei espanhola de 1942.
Em França, o artigo 22.º do Ordonnance, de 4 de Dezembro de 1944, atribui ao arrendatário a faculdade de escolher, no momento da conclusão do contrato, o pagamento em dinheiro ou em géneros.
3 Cf. as 1.ª e 2.ª disposições adicionais e transitórias da Lei de 23 de Julho de 1942 e, posteriormente, as Leis de 4 de Maio de 1948 e de 15 de Julho de 1954. Cf. ainda os artigos 10.º e 91.º do Regulamento de 1959.
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graves prejuízos aos proprietários 1. E foi-se buscar o padrão-trigo porque se tratava de um género com preço oficial, e, portanto, insusceptível de acentuadas oscilações.
Pois eu Portugal sugere o Governo o prazo mínimo de seis anos, o que .pouco ou nada representa em confronto com os prazos de vigência dos arrendamentos «n Espanha e das sucessivas prorrogações impostas.
Não há, portanto, entre nós, razoes que possam justificar o sistema da lei espanhola de 1942. A moeda pode, é certo, desvalorizar-se no decurso dos seis anos de vigência do contrato; mas também podem desvalorizar-se ou valorizar-se os géneros. E para evitar o inconveniente pouco sensível (assim se espera) das oscilações do valor da moeda, cair-se-ia num inconveniente muito mais grave - o da incerteza do montante da renda, fomentando-se com isso conflitos e desinteligências entre senhorios e arrendatários.
As vantagens da certeza das prestações fez vigorar entre nós durante séculos o princípio, consagrado hoje no artigo 727.º do Código Civil, de que, consistindo a obrigação em moeda corrente, satisfaz o devedor pagando a mesma soma numérica, ainda que o valor da moeda tenha sido alterado depois do contrato. Só a guerra de 1914 e a grande desvalorização que se lhe seguiu levou o legislador a admitir, a título muito excepcional, casos de actualização das prestações pecuniárias. Mas o princípio do Código Civil manteve-se, e dificilmente se poderá compreender que se procurem conservar actualizadas as rendas em dinheiro, através de um expediente legislativo, e não se adapte igual critério para os empréstimos, para os seguros de vida e para todas as demais prestações em moeda corrente.
Não deixa de ter o seu valor o confronto com o que se passa com os arrendamentos de prédios urbanos. As rendas, unia vez fixadas, só podem ser alteradas por vontade unilateral, de cinco em cinco anos (Lei n.º 2030, artigos 50.º e 52.º). Pois aqui o prazo normal dos conte .tos passará a ser quase o mesmo. Para quê actualizações?
á ainda outros aspectos da questão que devem ser considerados.
As estivas camarárias, a que se refere o n.º 2 da base IV, podem não existir, e, efectivamente, não existem em muitos concelhos, o que, de resto, se prevê no próprio projecto. Podem estar mal feitas e desactualizadas, o que é vulgar, e podem os preços dos géneros, a que subsidiariamente se atenderá, oscilar de momento para momento, de mercado para mercado, muito mais sensivelmente do que o próprio escudo.
Por outro lado, a obrigatoriedade para o arrendatário, e parece que é essa a solução proposta, de pagar a renda em dinheiro, embora fixada em géneros, pode apresentai reais inconvenientes. Os rendeiros, sobretudo os pequenos, os familiares, não têm correntemente disponibilidades em dinheiro. Só o podem obter com a alienação dos frutos. Como as Tendas são pagas ordinariamente no fim das colheitas, a oferta maciça de géneros nesse momento tenderia a provocar perturbações de ordem económica e rebaixamento de preços, sem vantagens paia nenhum dos contraentes. Não se percebe, por exemplo, como poderiam todos os caseiros do Minho alienar, pelo S. Miguel, o milho necessário à satisfação das rendas em dinheiro.
Por último, entende a Câmara Corporativa que deve chamar a atenção do Governo para o seguinte:
Quando após a grande queda do escudo em 1919 se generalizou a prática dos arrendamentos de prédios» urbanos em moeda-ouro ou em moeda estrangeira, o Governo, na defesa do prestígio da moeda portuguesa, promulgou o Decreto n.º 9496, de 14 de Março de 1924, impondo a fixação das rendas em escudos. Revela-se agora, precisamente, a tendência oposta ao criar-se, parece que por falta de confiança na moeda nacional, a moeda-género. Quer dizer: em 1924 lutava-se contra essa desconfiança, que podia ser a motivo de agravamento cambiais, como se diz no relatório do decreto dessa data; agora parece querer levar-se ao País a descrença na estabilidade do escudo.
Entende, pois, a Câmara Corporativa que são de rejeitar, por contrários aos interesses nacionais, os três primeiros números da base IV do projecto.
Não deixa, porém, a Câmara de considerar oportuno esclarecer a doutrina dó artigo 1603.º do Código Civil, limitando os termos demasiadamente latos do texto vigente.
Na doutrina, as opiniões divergem profundamente nesta matéria 1. Há, no entanto, uma tendência compreensível para afastar, ao lado dos serviços pessoais, a que adiante se fará referência, as coisas não fungíveis ou os géneros não produzidos normalmente no próprio prédio. Quanto a estes últimos, é preciso, porém, atender a que não deve ficar vinculado o arrendatário a uma mesma cultura, o que aconteceria se os frutos ficassem adjudicados ao cumprimento da obrigação. A renda deve ser fixada, quando em géneros, tendo-se em vista sòmente os normalmente produzidos pelo prédio.
Nestas condições, sugere a Câmara Corporativa a seguinte base, em substituição da base IV do projecto:
BASE IX
A renda pode ser fixada em dinheiro ou em géneros, desde que estes sejam normalmente produzidos pelo prédio.
32. Redução da renda. - A base V do projecto admite a redução da renda quando circunstâncias imprevisíveis e de força maior provoquem a perda de mais de metade das colheitas e regula a forma processual de a obter.
Não é esta a solução do direito vigente. Pelo artigo 64.º do Decreto n.º 5411, «o arrendatário não pode exigir diminuição da renda com o fundamento de esterilidade extraordinária, ou de perda considerável dos frutos pendentes, por qualquer caso fortuito, salvo se outra coisa tiver sido estipulada». Com ligeira alteração na forma, este artigo reproduz a doutrina do artigo 1630.º do Código Civil.
Em pura lógica jurídica a solução vigente está certa. Como regra em todo o contrato de locação, o proprietário apenas se obriga a entregar a coisa em estado de prestar o uso para que foi destinada e a conservá-la no mesmo estado durante o contrato (Decreto n.º 5411, artigo 15.º, n.ºs 1.º e 2.º, e Código Civil, artigo 1606.º, n.ºs 1.º e 2.º). Não é, pois, obrigado, em princípio, a garantir a sua frutificação ou uma frutificação normal. Os riscos devem correr, pois, por conta do empresário, que é, na hipótese, o locatário do prédio.
Todavia, há muito que se nota na doutrina uma certa reacção contra a aplicação severa de tais princípios e de tais conclusões em matéria de arrendamentos agrícolas e até, em menor escala, em matéria de arrendamentos urbanos.
1 Vide Luis Martin-Ballestero y Costea, Del concepto legal de arrendamento rústico al pago de la renta, en espécie, em Temis, I, pp. 67 e seguintes.
1 Vide Garrara, ob. cit., pp. 222 e seguintes.
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Pothier, há mais de dois séculos, no seu Traité du contrat de louage desenvolveu largamente a tese, que com a crise do liberalismo as legislações mais modernas vieram a adoptar, de que «lorsque le conducteur n'a pas été privé absolument de la jouissance de la chose, mais que, par un accident imprévu, sa jouissance a souffert une altération et une diminution très considérable, il peut demander une diminution proportionnée dans le loyer, depuis le temps que sa jouissance a souffert cette diminution» 1.
Para a aplicação do seu princípio Pothier considerava indispensáveis três condições:
1.ª Que a causa da perda fosse de força maior e imprevisível;
2.ª Que a perda atingisse os frutos ainda pendentes;
3.ª Que o dano fosse considerável.
Dadas estas condições, não é difícil justificar a doutrina. Do ponto de vista jurídico, não deve poder transformasse um contrato comutativo, em que há equivalência de interesses, num contrato aleatório, assegurando-se sempre a um dos contratantes, ao senhorio, a satisfação dos seus direitos, embora com o sacrifício integral dos interesses do outro. Por outro lado, uma solução rígida pode conduzir à redução do potencial económico do arrendatário, obrigado a satisfazer, sem compensações nos réditos, os seus compromissos contratuais, com possível lesão dos interesses da economia nacional.
Claro que não se justifica o benefício do cultivador se tiver havido culpa da sua parte, ou se os frutos já estavam colhidos quando pereceram. Não deve, neste último caso, o senhorio suportar as consequências da demora na alienação ou no pagamento dá renda. A causa do prejuízo deixa de ser inteiramente fortuita ou de força maior para ser, pelo menos em alguma medida, imputável ao arrendatário 2. Nas legislações mais modernas, como já se disse, aceita-se a doutrina de Pothier. Podem citar-se, como exemplos, a espanhola, a grega e a italiana.
Na primeira (Regulamento de 29 de Abril de 1959, artigo 8.º) 3, limita-se a possibilidade de redução da renda ao caso da perda dos frutos provir de causa insusceptível de seguro 4. Poderá então haver redução ou remissão integral das obrigações do arrendatário se se verificar um caso fortuito extraordinário. Na hipótese de caso fortuito ordinário, só poderá haver redução até 50 por cento se houver perda total das colheitas de um ano. Em ambas as hipóteses é preciso que a perda atinja os frutos ainda pendentes, ou, quando colhidos, se verifiquem estas duas condições: não terem saído do prédio e não terem decorrido mais de quinze dias sobre a colheita.
No Código Grego (artigo 627.º) admite-se a redução proporcional das rendas, se os frutos, antes ou depois a colheita, sofrerem uma diminuição substancial por caso de força maior, salvo se os riscos estiverem cobertos pelo seguro.
No Código Italiano de 1942 (artigos 1635.º, 1636.º, 1637.º e 1648.º) estabelece-se, fundamentalmente, quanto aos arrendamentos ordinários, o regime sugerido por Pothier. Se o prazo do arrendamento é plurianual e se se perder, por caso fortuito, pelo menos, metade da produção ainda pendente, o arrendatário pode pedir a redução da renda, salvo se a perda tiver compensação nas colheitas seguintes. A redução é fixada, para este efeito, no fim do prazo do arrendamento. Se o arrendamento é anual e a perda for superior a metade, pode o arrendatário pedir uma redução não superior a 50 por cento. Quanto aos arrendamentos a cultivadores directos (familiares) os tribunais podem, mesmo que o arrendatário tenha assumido a responsabilidade pelo risco (caso fortuito), em atenção às suas condições económicas, permitir o pagamento das rendas em prestações.
As soluções do Código Italiano inspiraram o artigo 75.º do projecto do Prof. Galvão Teles, que a Câmara Corporativa, atentas as razões que a seguir expõe, entende dever substituir a base V do projecto do Governo.
O n.º 1 desta base torna dependente o direito de reduzir a renda da verificação de «circunstâncias imprevisíveis e de força maior, como inundações, ciclones, e outros acidentes metereológicos ou geológicos e pragas de natureza excepcional». Não está redigido este número em harmonia com a terminologia corrente. As inundações, os ciclones e outros acidentes metereológicos ou geológicos não são, em rigor, casos de força maior, mas casos fortuitos, por se tratar do desenvolvimento de forças naturais a que é estranha a acção do homem. Do ponto de vista legal o que interessa, porém, é a ausência de culpa por parte de qualquer dos contraentes, a não imputabilidade do facto ao senhorio ou ao arrendatário, e não, ser o caso previsível ou imprivisível, fortuito ou de força maior.
O n.º 2 da mesma base parece ser inútil. A sua doutrina está contida no número anterior, pois não é praticamente viável a determinação antecipada das perdas sofridas. Só teria utilidade a disposição se os casos fortuitos previstos rio n.º 1 se tivessem de verificar no ano em. que houve perda dos frutos; mas não é isso o que se lê neste número, nem é isso o que convém.
O que pode justificar-se é a atribuição ao arrendatário do direito de pedir a rescisão do contrato na hipótese de o acidente afectar de maneira duradoira a capacidade produtiva do prédio, pois seria para ele uma situação muito onerosa ver-se constrangido, enquanto não terminasse o arrendamento, a pedir todos os anos uma redução da renda. A situação não deixa também de ter uma certa semelhança com a da expropriação parcial do prédio, e neste caso permite-se a rescisão (n.º 3 da base IX do projecto do Governo e n.º 3 da base viu do contraprojecto desta Câmara).
O n.º 3 não está em plena harmonia com os princípios correntes de técnica jurídica. Se houver incúria do arrendatário, não há caso fortuito ou de força maior. Por outro lado, mostraria ingenuidade do legislador a pretensão de resolver, com dois ou três exemplos e uma vaga afirmação de princípio, alguns dos mais graves e complexos problemas do direito privado - o problema da imputabilidade e o do nexo da causalidade 1. Note-se que a simples graduação da culpa fora dos moldes tradicionais, em razão da a influência da eventual incúria do arrendatário», constitui, de per si, um enigma insolúvel.
1 N.º 143.
2 Não deixa, porém, a Câmara Corporativa de chamar a atenção para a solução espanhola adiante referida.
3 Cf. o artigo 8.º da Lei de 15 de Março de 1935.
4 Trata-se, como dizem os autores, de uma medida destinada a fomentar o seguro, mas que, entre nós, e dadas as disposições dos artigos 447.º e 448.º do Código Comercial, poderia conduzir, praticamente, à inutilização do benefício.
1 Vide, entre outros autores, Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, pp. 363 e seguintes; Prof. Vaz Serra, Nexo Causal, no Boletim do Ministério da Justiça n.º 84; Prof. Galvão Teles, Manual de Direito das Obrigações, i, pp. 189 e seguintes; Prof. Gomes da Silva, O Dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, pp. 142 e seguintes, e Dr. Pereira Coelho, O nexo de causalidade na responsabilidade civil, no Boletim da Faculdade de Direito, suplemento n.º 9, pp. 65 e seguintes, e O problema da causa virtual na responsabilidade civil.
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O n.º 4 estabelece um prazo de caducidade de difícil justificação, tanto mais que os prejuízos podem só verificar-se muito tempo depois de ter cessado a causa que lhes deu origem.
O n.º 3 é inaceitável. Ver-se-á adiante se a criação de comissões arbitrais de arrendamento rústico se justifica. PDT agora bastaria notar que as questões cuja apreciação se atribui em última instância a essas comissões não, como já se disse, das mais graves, das mais difíceis, das mais discutidas, no direito. As afirmações feitas pela Secretaria de Estado da Agricultura no comentário ao parecer da Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Alta, de que «quanto à composição cãs comissões arbitrais (base XXII) não se deve perder de vista que só decidem sobre questões de facto» e que «a competência dos tribunais comuns continua intangível quanto a questões de direito», são, pelo menos nesta parte, inexactas.
É, por um lado, o prestígio do próprio direito e, por outro, a necessária confiança dos interessados na justiça do Estado, problema de política judiciária do maior relevo, que exigem a intervenção de um juiz togado.
Por último, o caso previsto no n.º 6 deve ficar sujeito aos princípios gerais, para evitar até que, por fraude, e arrendatário protele sistematicamente o pagamento de metade da renda.
Entende, pelo exposto, a Câmara Corporativa que deve substituir-se a base V por outra que contenta a doutrina do artigo 75.º do projecto do Prof. Galvão Teles, com excepção do § 4.º, por tratar de matéria a incluir na regulamentação dos arrendamentos familiares, e com inclusão, no n.º 1, da solução que acima ficou justificada quanto à possibilidade, em certos casos, de rescisão do contrato.
A base proposta terá a seguinte redacção:
BASE X
1. Se, por causa não imputável a qualquer das partas, o prédio não produzir frutos ou os frutos pendentes se perderem em quantidade não inferior, no todo, a metade dos frutos que normalmente produz, ou que produziu, o arrendatário pode pedir uma redução equitativa da renda, que não exceda metade do seu quantitativo, e ainda a rescisão do contrato, se tiver ficado afectada de maneira duradoura a capacidade produtiva do prédio.
2. À falta de produção ou perda dos frutos não é, todavia, de atender se ou na medida em que for compensada pelo valor da produção do ano ou dos anos anteriores, no caso de contrato plurianual, ou por indemnização recebida ou a receber pelo arrendatário em razão da mesma falta ou perda.
3. As cláusulas derrogadoras do disposto no n.º 1 são [...] enquanto fizerem recair sobre o arrendatário os prejuízos resultantes de facto que as partes, dada as circunstâncias, não possam razoavelmente ter como provável.
33. Revisão da renda. - A base VI do projecto faculta a revisão das rendas o quando o prédio for onerado com encargos resultantes da intervenção do Estado, das autoridades administrativas ou de empresas concessionárias de serviço público por forma a atingir a sua capacidade produtiva ou o seu valor como unidade económica».
Falando a base em ónus e referindo-se à hipótese de ser atingida a capacidade produtiva do prédio, parece ter querido prever o caso de diminuição da sua rendabilidade, para conferir ao arrendatário, nesse caso, o direito de pedir a redução da renda. Todavia, o relatório que precede o projecto supõe precisamente a hipótese inversa, ao dizer: «Por outro lado, a renda pode ser aumentada quando o prédio for onerado com encargos resultantes da intervenção de entidades de direito público ...».
Crê a Câmara Corporativa que estavam sobretudo no pensamento do Governo as benfeitorias introduzidas pela Junta de Colonização Interna, e especialmente as obras de rega e de beneficiação sujeitas ao pagamento de taxas anuais designadas legalmente por ónus 1.
Não deixa, porém, de existir uma certa antinomia, pelo menos aparente, entre o relatório e o texto, como parece também não haver razões para não admitir as duas situações, isto é, quer o aumento a pedido do senhorio, quer a redução a pedido do arrendatário, à semelhança do que se estabelece no artigo 1623 do Código Italiano.
Mas não se deve ir mais longe, como, de resto, não vai o projecto, neste domínio da revisão das rendas. É muito duvidoso que, em relação aos arrendamentos rurais, se justifiquem medidas diferentes das que se encontram na lei ou das que venham a ser admitidas no futuro Código Civil quanto ao princípio rébus sic stantibus (teoria da imprevisão) ou quanto à excessiva onerosidade da prestação 2.
A não adopção de medidas gerais em matéria de arrendamentos rústicos não importa, porém, necessariamente, a não adopção de medidas especiais. Elas têm
1 Vide Decreto-Lei n.º 42 665, de 20 de Novembro de 1959, artigos 45.º e 51.º
2 Vide Prof. Vaz Serra, Caso fortuito e teoria da imprevisão no Boletim da Faculdade de Direito, X, pp. 197 e seguintes, e Resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias no Boletim do Ministério da Justiça n.º 68, e Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, pp. 40 e seguintes.
O artigo 7.º, n.º 6, do Regulamento espanhol de 29 de Abril de 1959 faculta ao senhorio e ao arrendatário, decorrido um ano de vigência do contrato, o direito de pedir ao tribunal a revisão da renda convencionada e a sua fixação de futuro. Tem-se duvidado se o exercício deste direito em Espanha, já atribuído pelo artigo 7.º da Lei de 1935, depende da superveniência de circunstâncias extraordinárias que importem um aumento ou diminuição da produtividade da terra. Vide, sobre a questão, Cerillo Quilez, La revision de rentas de fincas rústicas, na Revista de Derecho Privado, XXXIX, p. 533.
Embora também muito discutido o fundamento jurídico da revisão (vide a larga exposição de doutrinas em Martin Blanco, El derecho de revision de renta en los arredamientos rusticos, pp. 51 e seguintes), todos, no fundo, aceitam como base o princípio rebus sic stantibus, acompanhado da conveniência de manter a reciprocidade de direitos ou equivalência de prestações, no decorrer do contrato.
Em França a doutrina considera a revisão como uma aplicação da teoria da imprevisão (cf. o Regulamento de 9 de Junho de 1927 e a Lei de 13 de Abril de 1946).
Em Itália só é permitida a revisão, pelo Código Civil, no caso especial do artigo 1623.º, a que se fará no texto referência. Noutros casos, entende-se aplicável o princípio geral do artigo 1467.º, que admite, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, que esta peça. a resolução do contrato. Porém, em aplicação desta regra, tem sido publicada neste país legislação especial, de carácter transitório, a partir do D. L. C. P. S. de 1 de Abril de 1947, prevendo não só modificações na expressão quantitativa nominal da prestação pecuniária, em atenção à variação do valor da moeda (adeguamento), mas ainda modificações intrínsecas das rendas, por razões de equidade (perequazione).
Na Alemanha, pela Lei de 25 de Junho de 1952, a conclusão de um contrato de arrendamento rústico deve ser comunicada à autoridade agrária competente, que poderá modificar a renda, se entender que ela não está em proporção com os rendimentos que se podem obter. E permitida a alteração posterior quando se verifiquem alterações substanciais na» circunstâncias que determinaram o contrato.
Na Argentina, a Lei de 8 de Setembro de 1948 permite ao Governo, como medida de carácter geral, proceder à revisão das rendas quando haja desequilíbrio entre o custo da produção e o valor dos produtos.
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sido admitidas em todos os Estados sempre que se verifiquem circunstâncias excepcionais, e entre nós pode citar-se, como exemplo, o Decreto n.º 20 188, de 8 de Agosto de 1931, acima referido, relativo aos arrendamentos anteriores a 1930. E os casos previstos na base VI do projecto são indiscutivelmente de atender, quer quanto à posição do senhorio, quer quanto à posição do arrendatário.
A redacção é que carece de ser alterada.
Em primeiro lugar, não se trata, em rigor, de intervenção do Estado, mas de intervenção do Governo. Em segundo lugar, é de referir, à semelhança do artigo 1623.º do Código Italiano de 1942, a publicação de disposições legais que afectem a cultura das terras e a sua rendabilidade, como a proibição de produzir os géneros que estavam na base da exploração agrária. Em terceiro lugar, é necessário prever expressamente tanto o aumento como a diminuição dos réditos, como parece estar, e bem, nos objectivos do Governo.
Na última parte do n.º 1 da base proposta atribui-se ainda à comissão arbitrai do arrendamento rústico a fixação em última instância da nova renda.
O problema da criação destas comissões será versado adiante. Por agora, assinala-se que na generalidade dos países em que é admitida a revisão se atribui sempre a competência para julgar aos tribunais comuns, embora por vezes assistidos pelos técnicos especializados em questões agrárias.
Assim, pelo Regulamento espanhol de 1959 (artigo 51.º) a jurisdição para conhecer de todas as questões que surjam em matéria de arrendamentos rústicos, incluindo as de revisão (n.º 5 do mesmo artigo), pertence, quando o valor não seja superior a 500U pesetas, aos Juzgados Municipales y Comarcales, com apelação, em certos casos, para os Juzgados de Primera Instancia, que resolvem definitivamente. Nos demais casos conhecerão das questões os Juzgados de Primera Instancia, com recurso para a Audiência Territorial correspondente.
Na França, pela Ordonnance de 4 de Dezembro de 1944, há em cada cantão um tribunal paritaire, presidido pelo juiz de paz, e em cada arrondissement um tribunal presidido por um juiz de direito.
Na Alemanha, pela Lei de 25 de Julho de 1952, também a revisão das rendas é obtida por via judicial.
Na Itália foram criadas, em 1948, para a fixação das rendas (Lei n.º 1140, de 18 de Agosto, artigo 4.º) secções especializadas, constituídas pelo presidente do tribunal, por dois juizes togados e por oito peritos nomeados pelo presidente. Estas secções especializadas visam substituir as antigas comissões arbitrais, criadas pelo artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 277, de 1 de Abril de 1947.
Em Portugal foram criadas comissões arbitrais para resolver as dúvidas e divergências entre senhorios e arrendatários, em 1931 (artigo 4.º do Decreto n.º 20 188, de 8 de Agosto). Essas comissões são constituídas por três vogais, sendo um, o presidente, nomeado pelo governador civil nas sedes de distrito e pelo administrador do concelho nesta circunscrição e os outros escolhidos um por cada parte, devendo o engenheiro agrónomo da região ser escolhido para presidente, sempre que possível.
Este decreto, como se viu já, respeita apenas aos arrendamentos de prédios rústicos anteriores a 1930, e caiu complemente em desuso, deixando de si tristes recordações 1.
Parece que o bom senso aconselha a que se não reincida no erro. Tanto aqui como no caso acima analisado da perda dos frutos se podem suscitar problemas de direito que os técnicos ou os representantes dos senhorios e rendeiros não estão habilitados a resolver, nem, e isso é muitíssimo importante, as suas decisões oferecem confiança aos interessados.
A Câmara Corporativa, por estas razões, entende que a base VI deve ser substituída por outra, assim redigida:
BASE XI
Se, em consequência de nova lei, ou de providências tomadas pela Administração, ou por empresas concessionários de serviço público, for alterada a rendabilidade do prédio, qualquer dos contraentes pode pedir, conforme os casos, o aumento ou a redução equitativa da renda.
§ 6.º
Partes integrantes, coisas acessórias e locação de móveis
34. Partes integrantes e coisas acessórias. - A base VII do projecto contém a mesma doutrina que, com carácter geral, se propõe no artigo 9.º do anteprojecto sobre coisas do futuro Código Civil,, assim redigido:
1. São coisas acessórias, ou pertenças, as coisas móveis que, não constituindo parte integrante, estão afectadas por forma duradoira ao serviço ou ornamentação de uma outra coisa.
2. Os actos ou contratos que têm por objecto a coisa principal não abrangem, salvo convenção em contrário, as coisas acessórias 1.
O objectivo especial que se teve em vista com a redacção deste artigo foi o de eliminar a distinção pouco clara entre pertenças e coisas acessórias, largamente admitida por autores nacionais e estrangeiros 2, e que tem reflexos na nossa- lei (artigo 15.º, n.º 1.º, do Decreto n.º 5411). Desde que a coisa móvel não esteja materialmente ligada à coisa principal, mas apenas com ela relacionada pelo seu destino económico, deixa de ser uma parte integrante e não a acompanha, em princípio, na sua vida jurídica (venda, doação, arrendamento, etc.). Estão neste caso as máquinas, quando não fixadas no prédio, as alfaias agrícolas, o gado, etc., havidos já como pertenças, num sentido lato da palavra, ou como coisas acessórias 3.
Em face da referência às pertenças no artigo 15.º, n.º 1.º, do Decreto n.º 5411 (cf. artigo 1606, n.º 1.º, do Código Civil), expressão equívoca que, em rigor, não deve designar, neste caso, senão as partes integrantes, um dos sentidos que a palavra, comporta, tem a sua utilidade a inclusão no novo diploma do n.º 1.º da base VII 4.
1 Quanto à forma por que foi recebido o diploma, são esclarecedoras as considerações de Júlio Augusto Martins in O Decreto n.º 20 188, na Gazeta da Relação de Lisboa, ano 46, p. 209.
1 Pires de Lima, Das coisas, no Boletim do Ministério da Justiça n.º 91.
2 Vide Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, I, pp. 265 e seguintes.
3 Parte integrante, diz Manuel de Andrade, «são coisas móveis por natureza que foram unidas ou afixadas com carácter de permanência a um prédio rústico ou urbano para lhe aumentar as utilidades, conservando, no entanto, uma individualidade própria e distinta do prédio» (ob. cit., p. 236).
4 As pertenças refere-se também o artigo 17.º do anteprojecto do Prof. Galvão Teles, assim redigido: «A coisa deve ser entregue com suas pertenças, se a convenção ou os usos não estabelecerem o contrário». Este artigo foi redigido sem ainda a comissão ter tomado deliberações sobre os conceitos de parte integrante, pertença e coisa acessória.
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A Câmara Corporativa limita-se a sugerir duas alterações.
Por um lado, não devem figurar exemplos nos preceitos legislativos. São sempre perigosos e, em boa técnica, dispensáveis. Note-se, a propósito, que a citação das máquinas como coisas acessórias pode não ser correcta. Os motores eléctricos, ligados ao prédio, são partes integrantes, e não coisas acessórias.
Não é conveniente, por outro lado, afastar inteiramente os usos e costumes locais. A Câmara não está habilitada a prestar esclarecimentos acerca do direito costumeiro vigente em todo o País; mas está certa de que em algumas regiões, designadamente onde predominam as empresas familiares, o fornecimento de certas alfaias agrícolas pelos proprietários é de uso corrente, e não se põe de parte a hipótese de, para certos fins, ser mesma de uso a entrega de animais.
Ora a abolição desses costumes pode conduzir a confusões e incertezas. Por isso mesmo, em Itália, onde o problema tem sido estudado, a doutrina- inclina-se para esta solução: se existir um uso, respeita-se esse uso como reflexo da vontade das partes, mas só no caso de as coisas acessórias existirem no prédio no momento da celebração do contrato 1.
Também, como se viu, no anteprojecto do Prof. Galvão Teles se referem os usos em contrário.
35. Locação de coisas móveis. - O n.º 2 da base VII refere-se à locação de coisas móveis; mas não tem o preceito, cor 10 já se acentuou (n.º 7), a amplitude que podia e devia ter num diploma mais geral sobre o contrato de locação. Só pode referir-se aqui às coisas móveis que acompanham o prédio arrendado e pertencentes ao dono e o mesmo prédio.
Embora assim limitadas, as consequências da disposição não deixam de ser importantes. Aplicar-se-ão, por exemplo, quanto ao aluguer das alfaias os prazos mínimos fixados para o arrendamento, se nada se tiver estipulado em contrário por documento escrito.
A Câmara Corporativa aceita esta doutrina, apenas com uma objecção: devem igualmente respeitar-se, neste caso, os usos e costumes locais quando contrários ao estabelecido supletivamente na lei.
Deve, nestes termos, a base ficar assim redigida:
BASE XII
1. O prédio ou prédios presumem-se sempre arrendados com todas as suas partes integrantes; mas, salvo usos e costumes em contrário, as coisas acessórias só se consideram compreendidas no arrendamento se tiverem sido expressamente mencionadas em documento escrito.
2. À locação das coisas acessórias é aplicável, salvo estipulação ou uso e costume em contrário, o regime do respectivo arrendamento.
§ 7.º
Cláusulas proibidas
36. Proibições da base VIII e do n.º 4 da base IV do projecto. - Às proibições das três alíneas da base viu do projecto deve acrescentar-se, como se notou já, a proibição do n.º 4 da base IV. São sempre, em qualquer caso, motivos de interesse e ordem pública que justificam essas proibições, e o declarar-se ou não, na lei ou no contrato, que as respectivas obrigações são assumidas por cinta da renda, se poderia interessar para definir as consequências do seu não cumprimento, não interessa para, em princípio, se declarar a sua validade ou nulidade. E se se conclui pela nulidade, deixa praticamente de interessar a sua integração, que seria puramente teórica, na renda. Não há, na verdade, que definir consequências do não cumprimento de obrigações nulas. Por isso se vão apreciar e estudar em conjunto, as duas bases.
Os problemas previstos são os seguintes:
a) Obrigação de vender as colheitas a entidades certas e determinadas;
b) Obrigação de prestação de serviços que não devam ser prestados no prédio ou em benefício directo dele;
c) Obrigação de pagar prémios de seguros de imóveis ou a contribuição predial;
d) Obrigação de fazer despesas de grande reparação respeitantes aos imóveis ou às benfeitorias;
e) Renúncia ao direito de pedir a rescisão imediata nos casos de violação das obrigações legais ou contratuais.
37. Direitos banais. - A Câmara Corporativa nada tem a opor à doutrina da alínea a) da base viu. Sòmente lhe parece estranho que o projecto se refira apenas a um de entre muitos direitos banais, em que o nosso antigo direito era fértil, e que desapareceram com a publicação do Código Civil, na defesa da liberdade das pessoas e dás coisas.
Direitos banais são todas aquelas restrições impostas em benefício pessoal do senhorio, vestígios do antigo poder feudal, que revelam no contrato a desigualdade de posições dos sujeitos, tais como o não poder o caseiro ter engenhos para moer azeite, nem forno para cozer pão ao povo, nem poder vender os géneros a certas pessoas, ou enquanto não se acharem vendidos os do senhorio, etc. 1
Em matéria de enfiteuse todas estas limitações se consideraram abolidas pelo artigo 1657.º do Código Civil, que proíbe a estipulação de encargos extraordinários ou casuais «a título de lutuosa, laudémio ou qualquer outro» 2.
A estabelecer na futura lei qualquer princípio a este respeito - não faltará quem o considere inútil em face dos princípios gerais do Código -, convém, pois, que ele seja genérico, e não diga respeito apenas a um certo direito, o que poderia ocasionar dúvidas de interpretação.
Nesse princípio se devem abranger os serviços ou servidões pessoais, como o dar ao senhorio certos dias de trabalho, fazer-lhes carretos, etc., como se preceitua no n.º 4 da base IV do projecto ao proibir a inclusão na renda de qualquer serviço que não deva ser prestado na ou em benefício directo da propriedade arrendada.
Estas proibições carecem, no entanto, como outras a que adiante se fará referência, de um certo entendimento.
É evidente que o arrendatário, pelo facto de ser arrendatário, não está inibido de contratar com o senhorio e de se obrigar perante ele, como qualquer outra pessoa, à prestação de serviços pessoais. A sua situação de rendeiro não cria incapacidades, e, portanto, as obrigações de prestação de facto que, pelo contrato de mandato ou procuradoria, podem ser assumidas por qualquer
1 Vide Garrara, ob. cit., pp. 283 e seguintes.
1 Vide Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, 4.º ed., n, p. 79.
2 Cf. o n.º 2.º do artigo 10.º do anteprojecto do futuro Código Civil, sobre enfiteuse, de Pires de Lima, no Boletim do Ministério da Justiça n.º 66.
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pessoa também podem ser assumidas pelo arrendatário. Não há dúvida, assim, que é legal a obrigação de fazer carretos, como é legal a obrigação, assumida pelo caseiro, de vender ou de não vender os géneros a certo indivíduo.
O que não deve ser legal é o arrendatário poder assumir tais obrigações na qualidade de arrendatário, isto é, por força de uma cláusula que integre o próprio contrato de arrendamento.
Esta diferença tem uma grande, importância no ponto de vista jurídico. E que, tratando-se de um acto jurídico autónomo, independente do arrendamento, nunca a falta de cumprimento da obrigação assumida pode reflectir-se neste contrato - tudo se passa nos domínios exclusivos do contrato de mandato -, ao passo que, se se tratasse de uma cláusula da locação, poderia, e deveria, o não cumprimento importar a possibilidade de rescisão deste negócio jurídico.
Ora o que se pretende evitar é esta consequência e não criar limitações injustificáveis.
38. Pagamento das contribuições e dos prémios de seguros. - Refere-se a estas obrigações a alínea b) da base VIII. O encargo do pagamento dos prémios de seguros de imóveis e da contribuição predial dos prédios compreendidos no arrendamento não poderá ser atribuído, sob pena de nulidade das respectivas cláusulas, aos arrendatários.
Quanto às contribuições dispõe hoje o artigo 24.º do Decreto n.º 5411 que «o arrendatário só é obrigado a satisfazer os encargos do prédio nos casos em que a lei expressamente o determine, e ainda nesta hipótese serão pagos esses encargos por conta da renda, salvo se outra coisa tiver sido estipulada». Reproduz este texto, com algumas alterações de forma, o artigo 1609.º do Código Civil, revogado expressamente pelo artigo 120.º daquele diploma.
O sentido exacto desta disposição é muito duvidoso. Se, por um lado, parece poder deduzir-se que só em casos expressamente previstos pode o senhorio transferir para o arrendatário o encargo do pagamento da contribuição, que é indiscutivelmente um encargo do prédio, o Código da Contribuição Predial, de 5 de Junho de 1913, em duas disposições admite inequivocamente, e com carácter geral, a legalidade da cláusula de transferência da obrigação. São elas as dos artigos 30.º, § 3.º, e 173.º, n.º 2.º, que não podem considerar-se revogadas pelo artigo 24.º citado, pois este limita-se a reproduzir a doutrina do Código Civil, que é muito anterior ao Código da Contribuição Predial 1.
E, além disso, a disposição do artigo 30.º citado foi mandada aplicar aos arrendamentos rústicos pelo artigo 10,º do Decreto n.º 9040, de 9 de Agosto de 1923. Em face daquele artigo, o proprietário, em princípio, deveria ser tributado pela importância da renda e o arrendatário pela diferença entre esse imposto e o rendimento colectável. O § 3.º admite, porém, que o arrendatário, por convenção, fique com o encargo de pagar a contribuição correspondente do prédio 2.
Num outro aspecto do problema, ainda a considerar em face da lei actual, parece dever distinguir-se entre a contribuição fixada à data do contrato e quaisquer novos impostos ou novas taxas resultantes de leis posteriores. A. certeza da renda, exigida pelo artigo 1.º do Decreto n.º 5411, não obsta à legalidade do pagamento da primeira - ela já está fixada -, mas não se adapta à obrigação do pagamento de impostos ou de taxas não conhecidas à data do arrendamento.
Estas dúvidas, que a doutrina e a jurisprudência não conseguiram afastar, são por si uma lição. Se não existem razões fortes ou vantagens apreciáveis para o comércio jurídico em se admitir, como cláusula do contrato de arrendamento, a obrigação para o arrendatário de pagar as contribuições - e efectivamente elas não existem -, é preferível deixar essa matéria ao domínio do contrato de mandato e ao seu regime especial, sem ingerência ou reflexos na vida do arrendamento.
É neste sentido que a Câmara Corporativa se pronuncia, em harmonia com a proposta do Governo.
A Federação dos Grémios da Lavoura da. província do Baixo Alentejo entende que há vantagens efectivas na admissibilidade da cláusula, escrevendo: «Acontece em muitos casos o senhorio residir longe do concelho a que pertence a propriedade e o rendeiro que lá reside, ou vai frequentemente, pouco lhe custa prestar esse serviço ao senhorio ... Não se vê que inconvenientes possa ter uma disposição que, sem prejudicar o rendeiro, pode facilitar as relações deste com o senhorio».
Como se salientou já, ao versar-se o problema dos serviços pessoais, uma coisa é a obrigação resultante de uma cláusula do contrato de arrendamento, outra a obrigação emergente de um contrato de mandato ou procuradoria. Por ser aquela nula, não fica inibido o senhorio de encarregar o rendeiro, por mandato, do pagamento da contribuição. Simplesmente trata-se de um novo contrato, completamente autónomo e diferente do primeiro, sobre o qual não exerce qualquer influência.
A questão dos prémios de seguros não difere estruturalmente desta e deve, por isso, ter a mesma solução.
39. Despesas de grandes reparações. - Nos termos ainda da alínea b), são nulas as cláusulas que imponham ao arrendatário o pagamento das despesas de grandes reparações respeitantes aos imóveis ou às benfeitorias, salvo se forem consequência de acto ou facto do próprio arrendatário.
Algumas objecções podem ser feitas a esta disposição.
Ela levantará perante os tribunais um problema sério, como seja o de distinguir as grandes reparações das pequenas. Para o direito, as reparações são todas iguais, desde que não se lhes fixem previamente as dimensões ou o custo 1.
Por outro lado, não se vê bem por que razão não deve poder o arrendatário tomar sobre si, em termos gerais, o encargo das reparações dos imóveis e das benfeitorias.
É possível que o Governo tenha relacionado esta proibição com o preceito da base V e tenha tido em vista sòmente as reparações extraordinárias resultantes de factos acidentais que tenham afectado a produtividade das terras, e não as reparações naturais, ordinárias, embora de grande volume. Sugere esta interpretação até a circunstância de se ter previsto o caso de
1 Sobre o problema podem ver-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Dezembro de 1959, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 93.º, p. 174, a anotação de Pires de Lima, a p. 188 do mesmo volume, esta Revista, ano 72.º, p. 342, e Dr. Pinto Loureiro, Tratado da Locação, vol. I, pp. 120 e seguintes.
2 Cf. artigo 28.º da Lei n.º 1368, de 21 de Dezembro de 1922.
1 O caso não seria, todavia, inédito. O artigo 3.º do Decreto n.º 23 925, de 29 de Maio de 1934, manda aplicar às correntes de água navegáveis ou flutuáveis o regime de aproveitamento das correntes não navegáveis nem flutuáveis quando se trate de pequenos aproveitamentos. Também o Código Italiano se refere em algumas disposições a pequenas reparações (artigos 1576.º e 1609.º). Porém, em matéria de arrendamentos rústicos, adoptou já a distinção, muito mais rigorosa, entre reparações ordinárias e extraordinárias. As primeiras estão a cargo do senhorio; as segundas a cargo do lavrador (cf. artigo 1621.º).
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culpa do arrendatário, o que se relaciona com a doutrina do n.º 3 da mesma base.
Tratar-se-á, portanto, de um caso excepcional, de um risco que se pretende que corra sempre por conta do proprietário, como dono da coisa, e em caso nenhum por conta do arrendatário, que é titular de um contrato comutativo, e não aleatório.
É nesta sentido que a Câmara Corporativa dá o seu apoio ao princípio proposto.
40. Renúncia ao direito de pedir a rescisão do contrato. - E considerada ainda nula, nos termos da alínea c) da mesma base, a cláusula pela qual algum dos contraentes renuncie ao direito de pedir a rescisão do contrato nos casos de violação das obrigações legais ou contratuais.
Trata-se de uma doutrina evidente, já que a norma que faculta o direito de pedir a rescisão é de interesse o ordem pública (cf. artigo 3.º do Decreto n.º 5411) 1.
41. Consequências da nulidade. - No n.º 2 da base viu consagra-se como regra o princípio de que a nulidade das cláusulas não afecta a validade do contrato. Aplica-se a conhecida doutrina da redução dos negócios jurídicos, a que já se fez referência a propósito da falta de requisitos formais (n.º 15), e que se consagra, neste domínio das cláusulas acessórias, no artigo 11.º Io anteprojecto do Prof. Galvão Teles.
Porém, quanto às cláusulas previstas nas alíneas a] e ò) do n.º 1.º, não aceita o Governo a doutrina nos mesmos termos, pois admite a nulidade de todo o negócio quando tais cláusulas, introduzidas de boa fé, tenham funcionado como motivo decisivo do acordo das partes. É a lição, em tese geral, dos Códigos Austríaco e Suíço, já citados.
É muito duvidoso que deva aceitar-se a excepção.
Desde que a cláusula sobre reparações diga respeito exclusivamente às circunstâncias fortuitas que tenham afectado a capacidade produtiva das terras, crê a Câmara Corporativa que só muito raramente ela se poderá considerar determinante da vontade. E os casos muito excepcionais não justificam medidas especiais de protecção, sobretudo quando a boa fé tem necessariamente por base, como neste caso, um erro de direito - o da nulidade da cláusula.
Os estados psicológicos ou éticos são difíceis de provar perante os tribunais, pois não se revelam exteriormente. É por essa razão que a sua relevância tende a ser afastada e que o direito se mostra acentuadamente formalista.
Entre os outros casos previstos, há apenas dois que merecem alguma atenção: o pagamento das contribuições e o pagamento do seguro. Mas esses casos só merecem atenção na medida em que a nulidade das respectivas cláusulas pode conduzir a uma diminuição efectiva da renda. Crê, por isso, a Câmara Corporativa que a solução, em homenagem ainda ao princípio utile per inutile non vitiatur, deve ser outra. O contrato continuará válido e à renda estipulada acrescerá a importância das contribuições e dos prémios de seguro que ficaram irregularmente a cargo do arrendatário. Não se poderá já razoàvelmente dizer, nestas condições que deixaria o contrato de ser realizado se se conhecesse o direito ou que o mandato teria funcionado com motivo decisivo do acordo das partes.
É de notar ainda que, em geral, têm muito maior relevo para o senhorio os serviços pessoais proibidos no n.º 4 da base IV do projecto, e quanto a esses não se fazem as mesmas reservas.
Em harmonia com o exposto, a Câmara Corporativa sugere em substituição da base viu a seguinte:
BASE XIII
1. Consideram-se não escritas as cláusulas em virtude das quais:
a) O arrendatário se obrigue, por qualquer título, ao cumprimento de serviços que não devam ser prestados em benefício directo do prédio ou se sujeite a encargos extraordinários ou casuais não compreendidos na renda;
b) O arrendatário se obrigue a pagar prémios de seguros de imóveis, contribuições prediais ou à reparação dos prejuízos a que se refere a base X; c) Qualquer dos contraentes renuncie ao direito de pedir a rescisão do contrato nos casos de violação das obrigações legais ou contratuais.
2. Se os prémios de seguro ou as contribuições acresciam à renda estipulada, será esta aumentada das respectivas importâncias.
§ 8.º
Benfeitorias
42. Economia do projecto. - A matéria de benfeitorias mereceu do Governo especial atenção. A ela se referem, no projecto apresentado à apreciação desta Câmara, sete bases: duas, as XI e XII, às benfeitorias feitas pelo proprietário e cinco, as XIII, XIV, XV, XVI e XVII, às feitas pelo arrendatário.
Não é de estranhar esse interesse. É que das benfeitorias úteis resulta, conceitualmente, um aumento da produtividade. Ao lado, portanto, do interesse das partes, senhorio e rendeiro, o problema assume aspectos de interesse nacional 1.
Há, pois, que fomentar os melhoramentos, quer permitindo-se ao senhorio o aumento da renda, quer atribuindo-se ao arrendatário o direito a indemnizações, quer concedendo-se empréstimos do Estado. É esta a orientação e a economia do projecto.
A Câmara Corporativa analisará separadamente os dois aspectos referidos: benfeitorias feitas pelo senhorio e benfeitorias feitas pelo arrendatário.
43. Benfeitorias feitas pelo senhorio. - Não há na nossa legislação actual qualquer disposição que directa ou indirectamente atribua ao senhorio o direito de realizar no prédio arrendado obras destinadas a aumentar a sua. capacidade produtiva. Apenas resulta dos n.ºs 2.º e 3.º do artigo 15.º e do artigo 17.º, ambos do Decreto n.º 5411 (cf. n.ºs 1.º e 2.º do artigo 1606.º do Código Civil), que ele é obrigado a conservar o prédio arrendado em condições de permitir o uso para que foi destinado e a fazer os reparos urgentes e indispensáveis. Quanto ao mais (benfeitorias úteis ou voluptuárias) nem é obrigado, nem goza do direito de as fazer.
A solução do projecto é diferente: o senhorio passa a gozar do direito de executar na propriedade arrendada não só as obras que sejam necessárias à conservação do prédio (benfeitorias necessárias) como as que aumentem a sua rendabilidade ou facilitem a sua exploração, com a possibilidade de exigir do arrendatário um acréscimo da renda proporcional ao benefício que dessas obras resultar.
1 Vide Dr. Pinto Loureiro, ob cif., I, p. 184, e Júlio Martins, Direito de despedir o rendeiro por falta de pagamento de renda. na Revista dos Tribunais, ano 42.º, p. 161.
1 Prof. Henrique de Barros, ob. cit., III, pp. 659 e seguintes.
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Não se trata, porém, de uma faculdade que possa ser exercida discricionàriamente pelo senhorio, pois que a base XXII atribui competência à comissão arbitral do arrendamento rústico para «decidir, quando necessário, sobre as benfeitorias a efectuar pelo senhorio ou pelo arrendatário». Isto quer dizer que, não sé conformando o arrendatário com as obras projectadas pelo senhorio, deve a questão ser levada à referida comissão, que resolverá em única e última instância 1.
O sistema sugerido, salvo pelo que respeita à substituição dos juizes togados por técnicos agrários e representantes dos senhorios e arrendatários, é o que vigora na Itália e em Espanha e o que é proposto pelo Prof. Galvão Teles no seu anteprojecto.
Pelo Código Italiano (artigo 1632.º), se qualquer dos contraentes, senhorio ou arrendatário, quiser fazer melhoramentos que transformem profundamente a produção e o outro se opuser, pode recorrer aos tribunais. Estes, se entenderem que tais melhoramentos são úteis, poderão autorizá-los. A renda poderá, neste caso, ser aumentada em proporção do aumento de rendimento (artigo 1633.º), tendo-se em atenção os eventuais benefícios recebidos do Estado ou de outras, entidades públicas. Estes princípios não podem ser afastados pelos contraentes (artigo 1634.º).
Em Espanha o sistema é semelhante. O artigo 22.º do Regulamento de 29 de Abril de 1959 preceitua que nenhum dos contraentes pode realizar, por si, melhoramentos no prédio; eles poderão, todavia, ser feitos por acordo ou, na falta de acordo, por decisão do juiz ou do tribunal competente. Quando os melhoramentos tenham sido da iniciativa do senhorio e tenham aumentado a produtividade do prédio, este terá direito a um aumento proporcional da renda, podendo, todavia, o arrendatário rescindir o contrato se este aumento for superior a 10 por cento ou se as obras importarem transformação total ou parcial da cultura.
Pelo anteprojecto do Prof. Galvão Teles o senhorio que se proponha fazer benfeitorias tem de obter o consentimento escrito do arrendatário (artigo 78.º). Feitas as benfeitorias, o locador tem direito a um aumento proporcional da renda (artigo 80.º).
Todas estas soluções se aproximam, e a Câmara Corporativa nada tem a opor à doutrina do n.º 1 da base XI do projecto, conjugada com a do n.º 2 da base XXII, alínea b). Procuram satisfazer-se os interesses da economia do País, e não se descuram os interesses do arrendatário, facultando-se-lhe a possibilidade de rescindir o contrato sempre que não se conforme com o aumento da renda ou com as alterações do regime de exploração.
É mesmo oportuno lembrar, a propósito, a disposição de sentido paralelo que, por sugestão desta Câmara, foi introduzida no artigo 69.º, alínea c), da Lei n.º 2030, relativamente a prédios urbanos. Na contraproposta da Câmara Corporativa inclui-se como fundamento de despejo «propor-se o senhorio efectuar obras de ampliação do prédio das quais resulte poder ser aumentado o número de inquilinos». Não se duvida hoje da importância que esta disposição teve para o aumento do número de habitações e para a resolução do problema arquitectural da cidade de Lisboa.
É possível que alguns benefícios se colham também com a solução agora proposta. Não tão grandes como no inquilinato urbano, pois a terra e os escassos réditos que dela se colhem não atraem tanto os capitais, nem se vive, nos arrendamentos rústicos, na dependência de uma legislação limitativa das rendas a impulsionar as obras, como acontecia em 1947 em matéria de arrendamentos urbanos. Mas, pelo menos, não devem criar-se embaraços irremovíveis ao senhorio que voluntariamente queira beneficiar as suas terras. O pouco que se consiga sempre se converterá em benefício nacional.
Nada tem também a Câmara a opor à disposição do n.º 2 da mesma, base,- cuja doutrina já se encontra na segunda parte do n.º 3.º do artigo 15.º do Decreto n.º 5411, nem à do n.º 1 da base XII. A forma razoável de evitar que as obras acarretem, pelo aumento da renda, encargos insuportáveis para o arrendatário, ou o obriguem. a fazer explorações incompatíveis com as suas possibilidades, é permitir, na verdade, a rescisão do contrato. A doutrina, do n.º 2 da base XII está, por seu turno, em harmonia com o que se disse já em matéria de caducidade (n.º 27).
Não concorda, porém, esta Câmara, por razões já apresentadas (n.º 32 e 33), que às comissões arbitrais de arrendamento rústico sejam atribuídas funções de decisão nesta matéria, e muito menos em última instância. O problema da criação e das funções de tais comissões será adiante ventilado.
Pelo exposto, propõe a Camara Corporativa em substituição das bases XI e XII as seguintes:
BASE XIV
1. O senhorio só pode fazer no prédio benfeitorias úteis ou voluptuárias com consentimento do arrendatário ou autorização judicial.
2. O senhorio indemnizará o arrendatário pelos prejuízos que lhe causar a execução das obras.
3. Se, em consequência das benfeitorias, aumentar a produtividade do prédio, o senhorio pode exigir um acréscimo proporcional da renda.
BASE XV
1. Quando os melhoramentos importarem alteração sensível do regime da exploração do prédio, ou o arrendatário se não conformar com o acréscimo da renda, este poderá pedir a rescisão do contrato.
2. A rescisão só produzirá os seus efeitos no fim do ano agrícola em que se iniciarem as obras ou o arrendatário tiver conhecimento do aumento da renda.
44. Benfeitorias feitas pelo arrendatário. - Em matéria de arrendamentos rústicos, estabelece-o artigo 65.º do Decreto n.º 5411 que «nos arrendamentos por menos de vinte anos o arrendatário tem direito, depois do despejo, a haver do senhorio o valor das benfeitorias agrícolas, tanto necessárias como úteis, ainda que não fossem expressamente consentidas, salvo havendo estipulação em contrário». Reproduz-se neste artigo a disposição do artigo 1615.º do Código Civil, com omissão do seu § único, que preceituava: «Neste caso, porém, o valor das benfeitorias e os juros dele serão pagos pelo aumento do rendimento anual que delas resultou no prédio em que foram feitas 1.
1 Parece não ser bom isto o que se diz no n.º 10 do relatório que precede o projecto. Mas é seguramente isto o que resulta do texto. Há, pois, uma certa divergência entre o relatório e o texto, cuja causa não é perceptível.
1 Parece que o legislador pretendeu com este princípio não onerar o proprietário, em qualquer caso, com encargos superiores ao aumento efectivo do rendimento. Quer dizer: só através desse aumento se pagariam ao arrendatário as benfeitorias e os juros a que tivesse direito.
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Desta disposição e de outras do mesmo diploma se poderão deduzir os seguintes princípios, hoje vigentes:
a) O arrendatário pode fazer benfeitorias no prédio, quer estas sejam necessárias ou úteis, desde que não altere a sua natureza ou o fim a que se destinam (cf. artigos 17.º e 22.º, n.º 3.º, do Decreto n.º 5411);
b) Só o arrendamento for superior a vinte anos, o arrendatário não tem direito a qualquer indemnização, não tendo sido as benfeitorias expressamente consentidas. Esta doutrina resulta, a contrario do artigo 65.º citado. Deve ter partido o legislador do pressuposto de que, pelo decurso do tempo, o arrendatário se pôde ressarcir do custo das benfeitorias 1;
c) Se o arrendamento for inferior a vinte anos, o arrendatário tem direito a uma indemnização pelas benfeitorias, tanto necessárias como úteis, mesmo que estas não tenham sido expressamente consentidas, salvo havendo estipulação em contrário (artigos 65.º e 17.º do citado decreto);
d) Tratando-se de benfeitorias voluptuárias, não há em nenhum caso direito a indemnização (a estas se não se refere o artigo 65.º), podendo, todavia,' o arrendatário levantá-las se não houver detrimento para o prédio (cf. artigo 500.º do Código Civil);
e) O montante da indemnização corresponderá ao custo das benfeitorias, se este não exceder o valor do benefício ao tempo da entrega do prédio. Caso contrário, será este o valor considerado (cf. artigo 499.º, § 4.º, do Código Civil).
As bases XIII, XIV e XV do projecto governamental, aceitando, embora, a orientação geral da nossa legislação, afastam-se dela em alguns pormenores.
Resulta daquela primeira base, embora não explicitamente formulado, o princípio de que o arrendatário pode, mesmo sem consentimento do proprietário, realizar melhoramentos no prédio. O consentimento por escrito apenas condiciona o direito à indemnização. Havendo recusa do proprietário, poderá recorrer-se para a comissão arbitral, se os melhoramentos visarem a rega, o enxugo ou a defesa contra a erosão. O suprimento corresponde, nestes casos, e nos termos da base imediata, ao consentimento, para o efeito de se poder pedir a respectiva indemnização.
Fixou-se o Governo numa posição modesta em confronto com a das leis italiana e espanhola, salvo pelo que respeita à possibilidade de introduzir melhoramentos sem autorização judicial, e, em certa medida, ficou mesmo aquém do disposto no artigo 65.º do Decreto n.º 5411, relativamente aos arrendamentos por menos de vinte anos.
Na verdade, o artigo 1632.º do Código Italiano permite o recurso aos tribunais em qualquer caso em que o arrendatário pretenda fazer benfeitorias no prédio. Somente se exije a prova de certas condições, designadamente capacidade técnica e económica para o empreendimento e possibilidade, pela duração do contrato, de se aproveitar ainda o arrendatário dos respectivos benefícios. O proprietário tem a possibilidade, uma vez autorizada a obra, de se substituir ao arrendatário, fazendo-a por sua conta. O arrendatário, por seu turno, feitas as obras à sua custa, tem direito a uma indemnização findo o arrendamento (artigo 1633.º).
Também pelo regulamento espanhol de 1959 o arrendatário está inibido de fazer obras destinadas ao aumento da produtividade da terra sem obter previamente autorização do proprietário ou do juiz ou tribunal competente (artigo 22.º, n.º 1). Uma vez feitas, porém, as obras, fica o arrendatário com direito de pedir a respectiva indemnização quando entregar o prédio.
Nos três sistemas referidos há de comum o seguinte: as benfeitorias úteis feitas pelo arrendatário não podem impor-se ao proprietário para efeitos de indemnização se não foram autorizadas por este ou pelo tribunal (no projecto pela comissão arbitral) 1.
Mas diferem sob vários outros aspectos, que interessa analisar.
Deverá, em primeiro lugar, permitir-se ao arrendatário fazer os melhoramentos (benfeitorias úteis) sem autorização do proprietário ou do tribunal, sujeitando-se a não receber qualquer indemnização?
Como vimos, por argumento a contrario, pode deduzir-se do artigo 65.º do Decreto n.º 5411 que o arrendatário goza dessa faculdade, pois só se fez depender, do consentimento o direito de exigir uma indemnização nos arrendamentos por menos de vinte anos. Esta doutrina, embora em contraste com a de algumas legislações estrangeiras 2, tem sido recebida com aplauso em obras de economia agrária 3, o que é compreensível, pela importância que as benfeitorias podem ter para a economia nacional.
Embora juridicamente discutível tal tese, pois o prédio é do proprietário, e não do rendeiro, a aceitação da solução italiana e espanhola pode entre nós ter o aspecto de um retrocesso, que a Câmara Corporativa entende não dever sustentar 4. O que se impõe é apenas um limite às alterações facultadas ao arrendatário, não se lhe dando em caso nenhum poderes superiores aos que tem um usufrutuário. Ele deve respeitar a substância e o destino económico do prédio 5. Embora o valorize, não deve poder, por exemplo, transformar um campo de cultura num campo de jogos ou num jardim. Fará justificar esta solução basta lembrar que o usufrutuário tem o direito de arrendar o prédio, e não deve poder atribuir pelo arrendamento mais direitos dos que ele próprio tem.
Uma segunda questão é esta:
Nas legislações estrangeiras que citámos, o recurso aos tribunais é sempre permitido, ao passo que no projecto só se admite esse recurso, para o efeito, claro, de se poder pedir a indemnização, se os melhoramentos visarem a rega, o enxugo ou a defesa contra a erosão (n.ºs 1 e 2 das bases XIII e XIV).
1 Vide Dr. Pinto Loureiro, ob. cit., III, p. 60, e Alexandre de Seabra, Das benfeitorias nos prédios arrendados, no Direito, ano 11.º, p 2.
1 A Ordonnance de 17 de Outubro de 1945 afasta-se, em França, desta orientação. Qualquer que seja a causa por que cessou o contrato, o arrendatário que, pelo seu trabalho, valorizou o prédio, tem direito a uma indemnização (artigos 85.º e seguintes). Este aspecto do problema tem de ser considerado adiante em relação aos arrendamentos familiares.
2 Ao contrário, a lei belga de 6 de Março de 1929 autoriza o rendeiro a construir e a plantar, desde que as obras sejam úteis e conformes ao destino dos bens. Em França, a Ordonnance, citada, de 17 de Outubro de 1945, também não estabelece qualquer limitação ao direito de o arrendatário introduzir benefícios no prédio (artigos 35.º e seguintes).
3 Vide Prof. Henriques de Barros, ob. cit., III, p. 659.
4 É por isso que lhe parece não dever aceitar-se a doutrina do anteprojecto do Prof. Galvão Teles, que colocou também o arrendatário, quanto a benfeitorias, na dependência de autorização do senhorio ou do tribunal.
5 Cf. artigos 1.º e 8.º do anteprojecto do futuro Código Civil. Vide Pires de Lima, Do ususfruto, uso e habitação, no Boletim do Ministério da Justiça n.º 79.
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Parece à Câmara Corporativa que não há razão para limitar a estes três casos as possibilidades do recurso aos tribunais (ou às comissões arbitrais). Porquê só obras de rega, de enxugo ou de defesa contra a erosão, e não quaisquer outras, como as que transformem terrenos de cavalaria em terrenos de cultura, ou quaisquer das referidas no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 43 355, de 24 de Novembro de 1960?
No relatório que precede o projecto não se faz referência à questão, e a Câmara Corporativa não encontra motivos que possam justificar a restrição proposta, embora suponha que o Governo tivesse tido em consideração a importância excepcional daqueles melhoramentos para a economia do País.
Quanto à indemnização, crê esta Câmara, salvo ainda pelo que respeita à intervenção das comissões arbitrais, que as soluções das bases XIV e XV são, de uma maneira geral, de aceitar.
A indemnização só se justifica se o proprietário, não o senhorio, como se diz na base XIII 1, consentir ou esse consentimento for suprido por via judicial, por se reconhecer que os melhoramentos são de utilidade manifesta para o prédio e para a produção, como se preceitua no artigo 1632.º do Código Italiano. Convém, porém, para evitar encargos insuportáveis, que, sendo as benfeitorias autorizadas pelo tribunal, possam os proprietários pagar em prestações a respectiva indemnização, se ela ultrapassar três vezes o valor da renda anual. A fixação do número de prestações é que terá de deixar-se ao arbítrio do tribunal.
Nos termos expostos, devem as bases XIII, XIV e XV do projecto ser substituídas pela seguinte base:
BASE XVI
1. As benfeitorias úteis ou voluptuárias podem ser feitas pelo arrendatário independentemente do. consentimento do proprietário, salvo se afectarem a substância do prédio ou o seu destino económico.
2. Havendo consentimento por escrito do proprietário, ou tendo este sido judicialmente suprido, o arrendatário, findo o contrato, tem direito a exigir daquele o valor das benfeitorias úteis.
3. O suprimento judicial só pode ser concedido se o tribunal reconhecer que os melhoramentos são de utilidade manifesta para o prédio e para a produção.
4. O valor das benfeitorias, para efeitos do n.º 2, é calculado pelo custo delas, se não exceder o valor do benefício à data da cessação do arrendamento. No caso contrário, não poderá o arrendatário haver mais do que esse valor.
5. Se a importância da indemnização ultrapassar três vezes o valor da renda anual, o senhorio pode requerer ao tribunal o pagamento em prestações.
6. O arrendatário não goza do direito de retenção.
Nega-se ao arrendatário o direito de retenção para que não possa protelar-se, findo o contrato, a sua posse.
A doutrina do n.º 4 também se encontra consagrada no § 1.º do artigo 39.º do anteprojecto do Prof. Galvão Teles.
45. Levantamento de benfeitorias. - Os dois números da base XVII compreendem-se mal.
As máquinas e acessórios que tenham sido montados no prédio, como se diz no n.º 1, passam juridicamente à categoria de partes integrantes, conforme o consenso geral dos autores e deixam, por isso, de ser coisas acessórias. Por outro lado, essas máquinas e acessórios são verdadeiras benfeitorias, quando montados no prédio, e caem consequentemente sob a alçada do n.º 2 da mesma base. Ora as duas regras são contraditórias. Enquanto que pela primeira, essas benfeitorias podem, ser retiradas se o arrendatário não tiver direito à indemnização referida nas bases anteriores, pela segunda este não as pode levantar, mesmo que tenham sido realizadas sem autorização do senhorio.
É difícil apreender o pensamento do Governo, que só será formalmente lógico se se atribuir a cada um dos números campos distintos de aplicação. Mas quais?
É certo que na base VII do projecto há também uma referência a máquinas e demais coisas acessórias; mas aí, sem dúvida, em oposição às partes integrantes previstas na primeira parte do n.º 1 da mesma base, ao passo que aqui o sentido daquelas palavras parece ser diferente, desde que se supõe que essas coisas estão montadas no prédio e, portanto, ligadas a ele.
Não vê a Câmara Corporativa melhor solução quanto ao levantamento de benfeitorias do que a consagrada no Código Civil em matéria de posse (artigos 499.º e 500.º) 1. Embora o arrendatário não seja um possuidor em nome próprio, a sua situação é análoga, e não podem razoavelmente justificar-se soluções diferentes para um e outro caso. É nessa orientação, que é também a do anteprojecto do Prof. Galvão Teles (artigo 39.º, § 3.º), que a Câmara Corporativa entende dever substituir-se a base XVII do projecto por estoutra:
BASE XVII
O arrendatário pode levantar, até ao termo do contrato, as benfeitorias úteis ou voluptuárias que haja feito no prédio, podendo fazê-lo sem detrimento. Cessa, neste caso, em relação às benfeitorias úteis levantadas, o direito que o n.º 2 da base anterior lhe confere.
A doutrina desta base afasta-se sensivelmente da solução do projecto, que é justificada no relatório nos seguintes termos: «Em caso algum é permitido o levantamento das benfeitorias no termo do contrato de arrendamento, visto que assim o exige o interesse da propriedade».
A fórmula em caso algum não é inteiramente exacta, porque o n.º 1 da base admite o levantamento quando o proprietário não seja. obrigado a indemnizar o rendeiro.
Por outro lado, desde que não haja detrimento, não se vê que seja afectado o interesse do proprietário. Se houver lugar a indemnização, deixa o senhorio de a pagar, podendo aplicar as importâncias respectivas no melhoramento do prédio e podendo o arrendatário transferir os benefícios para outras terras; se não há lugar a indemnização, não deve, podendo a benfeitoria ser retirada sem detrimento, aceitar-se um tão nítido caso de locupletamento à custa alheia. É por isso mesmo que parece não dever atender-se à falta de autorização do senhorio para a feitura das benfeitorias.
É de recear, por último, que o regime apertado do projecto e a perspectiva de um prejuízo certo por
1 Se o arrendamento tiver sido outorgado, por exemplo, por um usufrutuário, é evidente que não deve poder pedir-se a este, que pode não ter qualquer interesse nas obras, a indemnização, nem no proprietário da raiz, se não deu o seu assentimento.
1 Cf. artigos 42.º e 45.º do anteprojecto do futuro Código Civil, do Prof. Luís Pinto Coelho, sobre a Posse, no Boletim do Ministério da Justiça n.º 88.
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parte do arrendatário o desanimem e o convençam, em muitos casos, a não fazer os melhoramentos. Os prejuízos para a propriedade serão então maiores.
46. Empréstimos do Estado. - A base XVI do projecto permite ao Estado conceder empréstimos, nas condições da base V da Lei n.º 2017, de 25 de Junho de 1946, aos senhorios para indemnizarem os arrendatários pelas benfeitorias por estes realizadas, bem como aos arrendatários para executarem os melhoramentos ou benfeitorias referidos na base XIII.
Com a publicação do Decreto-Lei n.º 43 355, de 24 de Novembro de 1960, tornou-se dispensável esta base.
Segundo a alínea a) do artigo 2.º deste diploma, são possíveis os empréstimos para aquisições, pelo senhorio, das benfeitorias realizadas pelos rendeiros e, segundo o artigo 11.º do mesmo decreto-lei, é facultado o pedido para melhoramentos «aos rendeiros que demonstrem, por documento autêntico, estarem autorizados por quem de direito a realizar as benfeitorias para que solicitam assistência financeira».
A base XVI do projecto, embora deslocada num diploma sobre arrendamento, ainda se podia justificar se houvesse conveniência em alterar a legislação sobre melhoramentos agrícolas. Para confirmar simplesmente o que já está legislado não se justifica.
Entende, por isso, a Câmara Corporativa que ela deve ser eliminada.
§ 9.º
Despesas de cultura
47. Avanço à cultura. - Segundo a base XVIII do projecto, no caso de hão renovação do contrato, o arrendatário é obrigado a executar as práticas normais que visam o contínuo cultivo da propriedade, sendo por elas indemnizado pelo senhorio, ou a permitir que este as execute.
Esta doutrina, nos termos em que está formulada, é um tanto enigmática, e não se duvida de que poderá suscitar dificuldades de aplicação.
Parece, pelo menos em parte, não obstante a redacção equívoca, que se quer visar o chamado avanço à cultura, ou seja, na definição do Prof. Henrique de Barros, a «fracção do capital circulante que se mantém «cativo» quando cessa o arrendamento» 1.
Assim, e para citar um exemplo, a estrumação. A fertilização da terra não visa exclusivamente, os frutos que se pretendem imediatamente obter. Repercute-se para diante, beneficiando também nos anos seguintes as respectivas colheitas.
Torna-se, pois, necessário regular, numa base de justiça e no interesse geral da agricultura, a sucessão das gestões agrárias, destrinçando os proveitos obtidos pelos anteriores e pelos posteriores agricultores.
Acontece, porém, que suo tantas as hipóteses, tantas as diferenças assinaladas de terra para terra, de região para região, de cultura para cultura e até de época para época, que a destrinça não pode assentar numa base segura. São os próprios economistas rurais que reconhecem a delicadeza do problema e a impossibilidade de se lhe dar uma solução uniforme que seja justa e equitativa para todos os casos.
Há a considerar, na verdade, e procurando já focar o problema em síntese, para o simplificar, pelo menos, os seguintes casos:
a) Actos que se destinam directa e imediatamente às colheitas do próprio ano, como as sachas, as mondas e as regas, mas com alguma influência nas colheitas futuras;
b) Actos que visam não só a produção do próprio ano, essa mesmo especialmente, mas também as posteriores, como a estrumação e a adubação;
c) Actos que interessam apenas às produções futuras, como a substituição da vinha morta, a enxertia, o corte de matos, a sementeira de erva para o inverno, o alqueive, etc.
Em todos estes casos há Tinia sequência de proveitos, unia cadeia de interesses, que não podem subordinar-se às datas precisas em que começa e em que acaba um contrato de arrendamento.
Quanto aos actos previstos nas duas primeiras alíneas, parece evidente à Camará Corporativa que não devem prescrever-se medidas especiais e, sobretudo, que não devem impor-se indemnizações a pagar pelo proprietário ao rendeiro.
Por princípio, o locatário deve conduzir a exploração em termos de não prejudicar a produtividade das terras e velar pela boa conservação do solo e dos bens cuja exploração lhe foi confiada. É a solução das alíneas b)) e c) da base XXI do projecto, inspirada, sem dúvida, no preceito do artigo 62.º do Decreto n.º 5411, que obriga o arrendatário a cultivar o prédio por forma a não o prejudicar 1.
Se o arrendatário cumpre, portanto, uma obrigação legal, fertilizando a terra e conservando-a em condições de assegurar uma boa produtividade futura, não pode arrogar-se - isso seria juridicamente ilógico - o direito a uma indemnização. Não há que considerar o benefício para o proprietário ou para os rendeiros seguintes se o rendeiro cessante, efectivamente, se limita u cumprir uma obrigação que lhe é imposta por lei.
Não deve esquecer-se, por outro lado, que, nas condições normais da exploração, quando o arrendatário recebe as terras para as cultivar beneficia dos avanços à cultura dos anteriores arrendatários, e só quando as terras andam mal feitas é que pode haver algum prejuízo, que, em geral, é compensado com diminuição de renda no primeiro ou primeiros anos de arrendamento.
Compensação paralela e sugestiva era admitida no nosso antigo, direito, por inspiração do artigo 1778.º do Código Civil Francês e está hoje consagrada pelos costumes em várias regiões do nosso país em relação às palhas e estrumes. Escreve Coelho da Rocha que «na saída, ainda que não haja ajuste, deve (o arrendatário) deixar as palhas e os estrumes em compensação dos que tinha recebido na entrada; ou por estimação, não os tendo recebido, se o senhorio os quer» 2.
As razões expostas justificam, pois, que o arrendatário, sendo obrigado a assegurar a produtividade futura do prédio, de forma a entregá-lo tal como o recebeu, não deva ter direito a qualquer indemnização. O contrário até pareceria uma lembrança ao rendeiro da possibilidade de descurar as suas obrigações, atribuindo-se-lhe, se as cumprisse, um direito adicional. Legalizar-se-ia a incúria contra a letra e o espírito de outras disposições legais.
48. Despesa de cultura de que não beneficia o arrendatário. - Em relação à terceira categoria de casos - os previstos na alínea c) no número anterior -, todas as razões apresentadas levam igualmente à con-
Ob. cit., III, p. 659.
1 Cf. artigo 627.º do Código Civil.
2 Ob. cit., § 843.
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clusão, embora, evidentemente, sem o mesmo relevo, de que não deve haver lugar a qualquer indemnização. Esta deve ficar limitada às benfeitorias úteis, e não às destinadas à conservação e frutificação normal do prédio, nos termos expostos no parágrafo anterior.
Mas, em compensação, também parece ser de justiça que o rendeiro não fique obrigado à prática desses, actos, devendo ser substituído pelo proprietário ou pelo novo arrendatário em sua representação, como é de uso, pelo menos, no Norte do País.
Já se apontaram casos nítidos de benefícios de cultura de que nenhum proveito tira o rendeiro prestes a sair. É, por exemplo, a enxertia, é o corte de inatos no Verão, é a sementeira de erva para o gado, etc.
Entende, porém, a Câmara Corporativa que nas regiões onde existem usos locais, esses usos devem ser respeitados, porque são, em geral, inspirados em razões seguras de justiça na destrinça dos direitos e das obrigações dos sucessivos rendeiros.
Nestes termos, deve a base XVIII ser substituída por outra, com a seguinte redacção:
BASE XVIII
1. A não renovação do contrato não dispensa o arrendatário do cumprimento da obrigação de assegurar para futuro a produtividade normal do prédio.
2. Exceptua-se do disposto no número anterior a prática de actos que já não podem trazer qualquer proveito ao arrendatário cessante, salvo uso ou costume local em contrário.
§ 10.º
Subarrendamento e cessão do direito ao arrendamento
49. Alterações propostas. - Dos cinco números da base XIX do projecto do Governo, só três merecem neste momento a atenção da Câmara Corporativa - o 1, o 3 e o 5. Os outros dois estão deslocados. Estabelecendo o regime dos subarrendamentos de pretérito, contêm princípios de direito transitório a integrar ou a aproximar da base XXII. Não convém juntar matéria condenada, por sua natureza, a unia próxima caducidade, com princípios definitivos da lei.
Segundo a base XIX, não são permitidos para futuro os subarrendamentos totais (n.º 1); os subarrendamentos parciais só são permitidos havendo autorização escrita do senhorio, não podendo a parte subarrendada ultrapassar um quarto da área do prédio (n.º 3); a cessão do direito ao arrendamento é equiparada à sublocação (n.º õ).
Este regime difere profundamente do regime vigente.
O Código Civil (artigo 1605.º) admitia livremente a sublocação, salvo se houvesse cláusula em contrário no respectivo contrato. Somente se responsabilizava o locatário para com o senhorio pelo pagamento da renda e mais obrigações derivadas da locação.
O Decreto n.º 5411 reproduziu no artigo 31.º esta disposição, com ligeiras alterações de fornia, acrescentando-lhe, porém, um parágrafo a equiparar, para todos os efeitos legais, à sublocação a cessão do direito ao arrendamento. Em artigo novo - o 33.º - fixou-se o regime da sublocação, atribuindo-se ao arrendatário ou sublocatário que sublocar todo ou parte do prédio arrendado o exercício de todos os direitos concedidos ao senhorio, ao mesmo tempo que se considera adstrito á todas as obrigações que a este são impostas.
Em matéria de arrendamentos rústicos é este o regime que ainda hoje se encontra em vigor 1.
50. Subarrendamento total. - A solução da liberdade da sublocação do nosso direito não é pacificamente aceite nem pelos autores nem pelas leis, e é curioso notar que, segundo o artigo 1865.º do projecto primitivo do nosso código, não era permitido o subarrendamento sem consentimento do senhorio. Foi a comissão revisora que entendeu dever substituir essa disposição por outra que conferisse maior liberdade ao arrendatário 2.
A solução do projecto do nosso Código Civil foi a adoptada no Código Italiano de 1942 (artigo 1624.º) 3. Quanto aos arrendamentos a cultivadores directos (familiares), o subarrendamento consentido era considerado como locução directa entre senhorio e subarrendatário (artigo 1649.º); em rigor, pois, como uma cessão de direito no arrendamento. Estas duas disposições do Código Italiano foram revogadas pela Lei de. õ de Abril de 1945 (n.º 156), que proibiu para futuro todos os contratos de cessão do arrendamento, de subarrendamento ou de subconcessão (artigo 1.º).
A evolução legislativa, em França é paralela a esta. Enquanto que o Estatuto de 1943 (artigo 10.º) exigia, apenas o consentimento do senhorio e a Ordonnance de 17 de Outubro de 1945 admitia igualmente a sublocação (artigo 25.º), a Lei de 13 de Abril de 1946 (artigo 25.º) veio proibir os contratos de subarrendamento ou de cessão do direito ao arrendamento. De salientar apenas o facto de esta medida não ter sido acolhida sem reservas pela crítica 4.
A proibição do subarrendamento é também a solução espanhola. O Regulamento de 29 de Abril de 1959 (artigo 4.º), embora admita, quando consentida pelo senhorio, a cessão, total ou parcial, e mesmo o subarrendamento quando diga respeito a aproveitamentos secundários ou por prazos inferiores a um ano e se destine a plantações complementares de rotações de culturas, proíbe, efectivamente o subarrendamento total do prédio.
Entre nós o Prof. Henrique de Barros 5 é francamente favorável à proibição do subarrendamento. Considera esse contrato como um «processo de criar uma classe de intermediários puramente parasitária, vivendo à custa do senhorio e do inquilino, e sem nenhum benefício social».
Numa das exposições enviadas a esta Câmara pela Secretaria de Estado da Agricultura também se salienta, no sentido da proibição, que não deve ser considerada «a exploração da terra como actividade ocasional susceptível de ser negociada, mas como profissão que tem de ser exercida, exclusivamente, pelos que para ela têm vocação e se dedicam inteiramente à terra que exploram».
Em relação aos prédios urbanos, também o problema foi discutido nesta Câmara a propósito do projecto que se transformou na Lei n.º 2030. Reconheceu-se que a sublocação tem sido «fonte de conflitos e flagrantes injustiças, tendo o sistema actual, cheio de imperfeições técnicas e jurídicas, permitido criarem-se à sua sombra situações socialmente parasitárias, em que indivi-
1 Quanto aos arrendamentos urbanos tem havido profundas alterações legislativas. Referem-se especialmente- à sublocação de prédios urbanos o artigo 82.º do Decreto n.º 5411, que revogou o artigo 32.º do Decreto n.º 4499, de 27 de Julho de 1918, o artigo 7.º da Lei n.º 1662, de 4 de Setembro de 1924, e os artigos 59.º e seguintes da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.
2 Sessão de 26 de Março de 1862, Actas, p. 245.
3 Igualmente foi adoptada pelo Código Grego (artigo 624.º).
4 Vide Ourliac, ob. cit., p. 58.
5 Ob. cit., vol. III, p. 572.
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duos sem outra espécie de trabalho que não seja o pagamento da renda ao senhorio auferem lucros por vezes consideráveis, negociando com objecto que lhes não pertence». Apesar de tais razões, esta Câmara não votou a proibição por dois motivos: por um lado, considerou a solução lesiva da liberdade contratual; por outro lado, atendeu a que há casos em que ao senhorio convém delegar no arrendatário a possibilidade de sublocação.
A questão é, sem dúvida, melindrosa, sobretudo no campo do arrendamento rústico, e são disso reflexo não só as reservas da doutrina francesa ao ver atribuída, sem uma lazão decisiva, a natureza pessoal ao contrato, como as inúmeras excepções consagradas pela legislação espanhola, e até a admissibilidade do subarrendamento pai ciai no projecto do Governo.
Valerá a pena tentar a nova solução? Valerá a pena sacrificar um ou outro caso em que, sem qualquer prejuízo para a economia e até com proveito para todos, os prédios poderiam ser subarrendados, só para eliminar uma classe havida como parasitária?
A Câmara Corporativa não tem objecções sérias a apresentar e, por isso, aceita a proposta do Governo. Mas prevê que o tempo revelará a necessidade, se não de se revogar o princípio, pelo menos de se criarem excepções, que esta Câmara não está neste momento habilitada a sugerir.
Os termos em que se encontra redigida a base parecem excluir da proibição aqueles casos em que não há juridicamente um subarrendamento. Não se deve impedir, na verdade, que o arrendatário chame alguém, por qualquer título, a comparticipar nos lucros ou nas perdas da exploração. Neste sentido se têm pronunciado a doutrina e a jurisprudência italianas 1, não obstante a forma imperativa da Lei de 5 de Abril de 1945. Não há efectivamente razões para aplicar, neste caso, o mesmo regime proibitivo, já que os arrendatários continuam libados à exploração da terra, e não surge, portanto, a figura indesejável que se pretende afastar.
51. Subarrendamento parcial. - A única excepção expressamente prevista na base XIX à proibição do subarrendamento contém-se no seu n.º 4. É admitido o subarrendamento parcial, quando autorizado pelo senhorio, se a parte subarrendada não ultrapassar um quarto da área do prédio.
Parece à Câmara Corporativa que as razões por que se proíbem. os subarrendamentos totais conduzem, logicamente, I proibição dos subarrendamentos parciais, qualquer que seja a área do prédio. Por isso em Itália eles foram igualmente proibidos pela lei de 1945.
Circunstâncias especiais podem, todavia, justificar a solução do projecto. Designadamente nas regiões da grande propriedade é difícil, a não ser em regime de subarrendamento, obter a pequena courela ou o pequeno quintal, onde o rendeiro possa cultivar as novidades que satisfaçam as suas necessidades pessoais.
Aceita-se, portanto, a proposta do Governo.
52. Cessão do direito ao arrendamento. - O n.º 5 da base XIX considera como sublocação a cessão do arrendamento. Ao falar a proposta em cessão do arrendamento usa de uma expressão corrente no nosso direito e consagra formalmente a doutrina que se contém no § único do artigo 31.º do Decreto n.º 5411. Diz-se formalmente, porque o seu conteúdo é diferente, dado que, nos termos desse artigo, a sublocação é permitida, ao passo que agora se pretende proibir a cessão do direito ao arrendamento.
Pondo de lado a redacção deste n.º 5, juridicamente pouco correcta, porque a cessão não pode ser considerada como sublocação - é coisa diferente -, importa precisar a natureza especial de cada uma destas figuras, para saber se a ambas se deve aplicar o mesmo regime proibitivo.
Esta distinção não tem tradições romanistas. Parece que foi apresentada pela primeira vez no projecto do Código de Napoleão, quando se atribuíram ao arrendatário as faculdades de sublocar e de ceder o seu direito ao arrendamento. Más embora sem tradições, não há dúvida de que reflecte duas situações inconfundíveis.
Na cessão há uma transferência de direitos; o arrendatário deixa de figurar na relação jurídica, desaparece, sendo substituído pelo cessionário, que entra na posição jurídica do primitivo locatário. Na sublocação, pelo contrário, o arrendatário mantém-se; não cede o seu direito; não se deixa substituir; continua a ser, perante o senhorio, o único contraente. Na sublocação subsistem, pois, dois contratos de arrendamento, sendo o primeiro arrendatário senhorio em relação ao segundo, não &e criando quaisquer laços jurídicos entre o verdadeiro senhorio e o segundo arrendatário.
Em face desta diversidade de situações é legítima a questão de saber se devem ser equiparados os dois actos para o efeito - único que agora interessa - da proibição.
Logo que se referiram os dois casos no projecto do Código Civil Francês, surgiram críticas fundadas à sua equiparação. A sublocação deveria ser permitida mesmo sem consentimento do senhorio, visto continuar o arrendatário a ser para o locador o verdadeiro e único locatário. Quanto à cessão, essa deveria ser proibida, porque não é normalmente indiferente para o senhorio a pessoa do arrendatário, como não são indiferentes as suas qualidades pessoais, a sua aptidão para a lavoura e o seu crédito. No contrato de arrendamento deverá sempre considerar-se implícito o intuitus personae, inibitório de uma transmissão sem o consentimento do senhorio 1.
Foram estas considerações que mais tarde inspiraram a solução do artigo 1594 do Código Italiano de 1942. Enquanto, por este artigo, o arrendatário tem a faculdade de sublocar, desde que não haja estipulação em contrário, não pode ceder sem consentimento do senhorio. Em matéria de arrendamentos rústicos, o artigo 1624.º, como já se disse, exigiu igualmente o consentimento, mas manteve a distinção entre as duas figuras, estabelecendo que a faculdade de ceder importa a de sublocar, enquanto a de sublocar não importa a de ceder. A razão da diferença é ainda a mesma.
Em face de um regime de proibição de sublocar, que é o regime em causa, a questão da equiparação das duas situações põe-se em termos diferentes, mas põe-se igualmente a questão.
Em Espanha, por exemplo, enquanto se proibiu a sublocação de prédios rústicos, sómente se proíbe a cessão, total ou parcial, do aproveitamento ou dos aproveitamentos principais, se o não consente expressamente o senhorio (artigo 4.º do regulamento citado).
Em França, por seu turno, não obstante se proibir a cessão, salvo, com consentimento do senhorio, em benefício de filhos ou netos do arrendatário (artigo 25.º da Ordonnance de 17 de Outubro de 1945) - o que
1 Vide Garrara, ob. cit., p. 203, nota 2.
1 Todavia, o artigo 1717.º do Código Francês sancionou, a doutrina do projecto, que passou deste código para o Código italiano de 1866.
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já assinala uma certa diferença -, tem-se entendido que essa proibição não abrange a cessão gratuita, por ela não manifestar o efeito de especulação contra a qual se pretende lutar 1.
E esta mesma doutrina já tem sido sancionada por tribunais portugueses, na interpretação do § único do artigo 31.º do Decreto n.º 5411 2.
Crê a Câmara Corporativa que, quer no ponto de vista económico, quer no jurídico, se continua a impor, dentro da base da proibição do subarrendamento, a distinção entre as duas figuras jurídicas.
A sublocação dá lugar a uma classe parasitária, mas não a cessão do direito ao arrendamento, visto, neste caso, o arrendatário demitir de si todos os seus direitos contratuais, que são transmitidos ao novo arrendatário. Pode haver, em certos casos, especulação, tratando-se de uma cedência onerosa. Mas essa especulação não é,, de per si, razão bastante para. se proibir o negócio. A doutrina francesa, muito sensatamente, e reagindo contra a sua própria lei, aparentemente clara, tende a aproximar esta cessão do traspasse de um estabelecimento comercial. Em ambos os casos se considera de justiça que o arrendatário beneficie da mais valia que resulta da sua própria actividade. Não importa que seja um estabelecimento ou seja uma exploração agrícola. Se, findo o contrato, neste último caso, há direito a uma indemnização por benfeitorias, deve poder o arrendatário traspassar os seus direitos onerosamente.
Claro que deve exigir-se sempre o1 consentimento do senhorio. Não se lhe pode impor um arrendatário que lhe não agrade, um cultivador indesejável.
A Câmara Corporativa, em face do exposto, entende que a base XIX do projecto deve passar a ter a seguinte redacção:
BASE XIX
1. É proibido o subarrendamento total.
. O subarrendamento parcial é permitido, quando autorizado, para cada caso, pelo senhorio, desde que a área subarrendada não ultrapasse, no seu todo, uma quarta parte da área do prédio ou prédios que constituem objecto do arrendamento.
3. A cessão do direito ao arrendamento é também permitida quando autorizada pelo senhorio.
§ 11.º
Crime de especulação
53. A doutrina da base XX do projecto. - A base proposta pelo Governo tem como fonte inspiradora o artigo 110.º do Decreto n.º 5411, de 17 de Abril de 1919, cuja doutrina foi reafirmada pelo artigo 85.º, n.º 1.º, alínea b), da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948. Alterou-se apenas, nesta data, a classificação do respectivo crime, que passou a ser havido como crime de especulação.
O n.º 1 da base corresponde ao corpo do artigo, com uma simples alteração: reduziu-se a pena para três meses de prisão. O n.º 2 corresponde ao § único; mas agora fizeram-se alterações substanciais que dificultam a compreensão do preceito.
Na verdade, pelo § único do artigo 110.º consideram-se compreendidas na proibição do corpo do artigo a indemnização a título de contribuição, as despesas de porteiro, iluminação e limpeza de. escadas, e tudo quanto é considerado como renda pelo n.º 21.º do artigo 173.º do Código da Contribuição Predial. Segundo este número, é considerado como renda para fins fiscais II tudo quanto o senhorio recebe do arrendatário, ou este satisfaz em vez dele, por efeito directo ou indirecto da cedência dos seus prédios e dos serviços que porventura o senhorio nele tenha estabelecido, quer estes serviços sejam especiais para o arrendatário, quer comuns a outros arrendatários do mesmo ou diversos prédios, e ainda que aproveitem também, ao próprio senhorio». Significa, portanto, o § único, que se o senhorio receber, além do que é civilmente a renda, o que for considerado como tal para efeitos fiscais, comete o crime previsto nesse artigo.
Ora o n.º 2 da base XX, tal como se encontra redigido, diz precisamente o contrário, pois considera compreendido na disposição do número anterior o pagamento de quaisquer despesas que não sejam consideradas como renda pelo n.º 21.º Como neste número é considerado como renda tudo o que o senhorio recebe do arrendatário ou este satisfaz em nome dele, não há possibilidade de aplicar em qualquer caso a sanção do n.º 1 da base. Tudo está compreendido no n.º 21.º
Há, sem dúvida, aqui um manifesto lapso. Deve ter-se pretendido referir as despesas que sejam consideradas como renda, e não as que não sejam, consideradas como renda.
54. Inadmissibilidade da doutrina. - Interpretada, porém, a base nestes termos, não parece à Câmara Corporativa que ela deva aceitar-se.
A doutrina do artigo 110.º do Decreto n.º 5411, no período de crise que se seguiu à primeira grande guerra, teve em vista impedir a elevação fraudulenta das rendas. Aplicou-se e aplica-se sómente aos arrendamentos paia habitação, cujos aumentos eram, e ainda são hoje, em alguma medida, proibidos. Os arrendamentos para comércio ou indústria ou para o exercício de profissões liberais não ficaram sujeitos à mesma disciplina. Trata-se, portanto, por um lado, de uma medida especial de protecção do direito à habitação, e, por outro lado, destina-se a- evitar que se aumentem por fraude as rendas quando a lei impõe a renovação dos arrendamentos nas mesmas condições contratuais.
A Câmara Corporativa não encontra razões que justifiquem a generalização do princípio e a sua aplicação ao arrendamento agrícola. A renda tem de ser paga em géneros ou dinheiro (base IX da contraproposta da Câmara); consideram-se, além disso, não escritas as cláusulas que obriguem o arrendatário ao cumprimento de serviços que não devam ser prestados em benefício directo do prédio, ou o sujeitem a encargos extraordinários ou casuais não compreendidos na renda, ou o obriguem a pagar prémios de seguro de imóveis ou contribuições (base XIII). Parece, pois, que está previsto tudo o que deverá pré ver-se, e estabelecidas as respectivas sanções.
Mas a tudo acresce que a fixação da renda é, neste caso, inteiramente livre, o que não acontecia «em 1919 com os prédios urbanos; e se é livre, é absurdo que o senhorio não possa receber indirectamente aquilo que pode fixar directamente. Parece claro que só num regime de renda fixa se justificam medidas de natureza das do artigo 110.º citado, destinadas a evitar fraudes à lei em prejuízo do arrendatário.
Se as novas exigências do senhorio aparecessem com carácter obrigatório, ainda se compreenderia qualquer providência legislativa para as evitar; mas não só não há obrigatoriedade, como não se vê, na vida jurídica corrente, que o arrendatário possa ser compelido indirecta ou moralmente a satisfazer obrigações a que não
1 Vide Ourliac, ob. cit., p. 58.
2 Vide Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 72, p. 809.
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se sujeitou no contrato. É preciso atender a que, findo o prazo de arrendamento, a fixação da renda e o despedimento do arrendatário são inteiramente livres, pelo que se não descobrem elementos coactivos.
Pelo exposto, é de parecer a Câmara Corporativa que deve ser eliminada esta base, pelo que não se pronuncia sobre alguns outros lapsos que nela se contêm 1.
§ 12.º
Rescisão do contrato
55. Condição resolutiva tácita. - A possibilidade da rescisão do arrendamento por qualquer das causas previstas nas três alíneas da base XXI do projecto assenta em princípios tradicionais do nosso direito.
A primeira - ter o arrendatário faltado ao cumprimento de alguma das cláusulas contratuais - é unia das causas de rescisão de todo o contrato bilateral, prevista no artigo 709.º do Código Civil e designada correntemente por condição resolutiva tácita. Nos termos deste artigo, se algum dos contraentes deixar de cumprir, pela sua parte, poderá o outro contraente ter-se igualmente por desobrigado.
A legislação especial que desde 1918 regulamentou o arrendamento urbano, levada pela necessidade de assegurar, contra possíveis fraudes, o direito à habitação sem aumento de encargos, veio, neste domínio, afastar, na sua aplicação, a condição resolutiva tácita, substituindo-a pela enumeração taxativa dos fundamentos do despejo, isto é, por referências especiais às obrigações legais ou contratuais cuja falta de cumprimento importa a possibilidade para o senhorio de rescindir o contrato 2.
Não há razão, porém, para seguir orientação paralela em Matéria de arrendamentos agrícolas. Desde que se trate de obrigações legitimamente assumidas pelo arrendatário, e já se estabeleceram fortes limitações neste domínio, deve permitir-se a rescisão do contrato se tais obrigações forem violadas. Parece ser esta a orientação geral das legislações, que, especialmente no caso da falta de pagamento da renda, admitem sempre e expressamente a imediata rescisão do contrato 3.
56. Exploração inconveniente do prédio. - As alíneas b) e c), embora digam respeito, a primeira, à exploração agrícola em si, e a segunda à conservação dos bens arrendados ou que se encontrem no prédio, não diferem r os seus objectivos e nos seus fundamentos. Ambas procuram obviar a que o rendeiro possa, sem uma pronta sanção, prejudicando os interesses do senhorio, prejudicar os interesses gerais da economia.
É já tradição do nosso direito admitir em tais casos o despejo imediato. Permitia-o o artigo 1627.º do Código Civil, um disposição que passou para o artigo 62.º do Decreto n.º 5411, assim redigido:
O arrendatário de prédios rústicos é obrigado a cultivá-los de modo que não sejam deteriorados, aliás pode ser despedido e responde por perdas e danos.
Este artigo, em boa interpretação, parece abranger todos os princípios contidos nas alíneas b) e c) da base XXI.
No estrangeiro também é esta a doutrina que se encontra sancionada nas mais modernas Legislações. Em Espanha, «por exemplo, o artigo 28.º do Regulamento de 23 de Abril de 1959 permite a rescisão se o arrendatário causar danos ao prédio, ou abandonar total ou parcialmente a cultura, ou tiver deficiências na exploração que sejam exigíveis a todo o bom cultivador. Em Itália, o artigo 1618.º do Código de 1942 permite a rescisão do contrato se o arrendatário não destinar ao serviço do prédio os meios necessários à sua gestão, ou se não observar tis regras da boa técnica. Na Inglaterra, pelo artigo 57.º do Agricultural Holding Act, de 1948, ao proprietário tem direito a receber do rendeiro, ao terminar o contrato, uma compensação por motivo de delapidação, deterioração ou estragos ocorridos na propriedade em consequência do não cumprimento por parte do rendeiro do seu dever «lê cultivar em obediência às normas do bom agricultor» 1.
Porque a considera, pois, na boa orientação, não tem a Câmara Corporativa qualquer oposição a fazer à doutrina da base XXI do projecto, limitando-se a sugerir algumas alterações de forma e a omissão da referência ao Código de Processo Civil.
A base deverá ter a seguinte redacção:
BASE XX
O senhorio pode obter o despejo imediato do prédio arrendado, sem prejuízo do direito à reparação por perdas e danos, nos seguintes casos:
a) Se o arrendatário tiver faltado ao cumprimento de alguma obrigação contratual ou legal;
b) Se o arrendatário prejudicar a produtividade do prédio;
c) Se o arrendatário não tiver velado pela boa conservação dos bens, ou causar prejuízos graves nos que, não sendo objecto do contrato, existam nos prédios arrendados.
As alterações de forma sugeridas são de justificação evidente. Poder-se-ia ir mais longe, eliminando a alínea b), cuja doutrina, em bom rigor, se contém na primeira parte da alínea c). A lei não deixará, porém, de ficar, assim, mais acessível.
ão é, todavia, necessário dizer (n.º 1) e repetir (n.º 2) que o direito de rescisão se pode exercer durante o período de vigência do arrendamento. Basta falar em despejo imediato, que tudo fica esclarecido.
A referência ao Código de Processo Civil é inútil, e, nos termos em que é feita, equívoca. O processo não é o do artigo 970.º (cessação do arrendamento no fim do prazo estipulado), mas o do artigo 977.º (despejo imediato). Mas, pomo se disse, não é necessário neste caso fazer qualquer referência, porque tal processo,, o do artigo 977.º, é directamente aplicável.
§ 13.º
Comissões arbitrais
57. Doutrina da base XXII e sua crítica. - Segundo a base XXII do projecto do Governo, todas às divergências que surgirem entre o senhorio e o arrendatário serão
1 São de salientar a subordinação do regime proposto a uma lei fiscal, vício que já vem de 1919, mas que é intolerável, e a referência a quantias, quando se deveria aplicar, evidentemente, a toda e qualquer prestação, mesmo que não fosse pecuniária. A referência a quantias no artigo 110.º do Decreto n.º 5411 compreende-se por a renda, no arrendamento urbano, ser sempre fixada em dinheiro.
2 Vejam-se, hoje, os §§ 1.º, 3.º, 6.º. 7.º e 9.º do artigo 5.º da Lei n.º 1662, de 4 de Setembro de 1924, os artigos 979.º e 990.º do Código de Processo Civil e o artigo 67.º da Lei n.º 2030.
3 É de salientar, em sentido diferente, o artigo 28 da Ordonnance francesa, de 17 de Outubro de 1945, aplicável por força do artigo 23.º Só se admite a rescisão se houver reiterados retardamentos do pagamento da «renda, não devidos a casos de força maior.
1 Citado pelo Prof: Henrique de Barros, ob. cit., p. 654.
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decididas por uma comissão arbitral constituída, em cada concelho, por um representante da Junta de Colonização Interna, que presidirá, e por dois proprietários e dois arrendatários designados pelo Conselho Regional da Agricultura.
Esta comissão, nos termos da mesma base, resolverá apenas as questões de facto. Já se mostrou, porém, ao fazer-se a análise de algumas bases do projecto, que também poderá e terá de resolver, e em última instância, o que é gravíssimo, questões de direito.
Parece que estas divergências resultam de se não ter apercebido o relator do projecto das dificuldades do problema, julgando possível a uma comissão de técnicos rurais pronunciar-se, sem, recurso, acerca da sua própria competência em matéria de facto. Não há hoje questão mais discutida perante os tribunais. Ela surge sempre que se organiza o questionário, limitado à matéria de facto, e sempre que se aprecia a competência do Supremo Tribunal de Justiça, limitada às questões de direito.
Quem poderá informar as comissões do que é a matéria de Jacto, da sua competência, e do que é a matéria de direito, da competência dos tribunais comuns, quando os próprios juristas lutam com as maiores dificuldades?
E quem as poderá informar de que se trata, efectivamente, de um contrato de arrendamento, pressuposto da sua competência?
A Câmara Corporativa, ao pronunciar-se sobre alguns dos problemas referidos no n.º 2 desta base, teve já oportunidade de mostrar, por esta e outras razões, a sua completa discordância com a solução proposta (n.ºs 32, 33, 43 e 44).
Há, por um lado, que prestigiar o direito, não deixando a sua aplicação nas mãos de quem não tem cultura jurídica, e há, por outro lado, que ter confiança na justiça. Este,, coimo já se disse, é um problema de política judiciária do maior interesse. Importa fazer intervir juizes togados, e não técnicos rurais, que serão úteis como peritos, mas que não são certamente desejáveis como julgadores.
Seria inexplicável que as nossas leis de processo exigissem,, em regra, a intervenção, no julgamento da matéria de facto, de três juizes de carreira, e prescindissem da intervenção de juristas nas questões suscitadas em matéria de arrendamentos agrícolas!
Já se fez alusão também ao que se passa nos países estrangeiros e ao fracasso, entre nós, da tentativa de criação de tribunais arbitrais pelo Decreto n.º 20 188, de 8 de Agosto de 1931.
Na Espanha, como já se viu, todas as questões entre senhorios e arrendatários são decididas pelos Juzgados Municipales y Comarcales ou pelos Juzgados de Primera Instancia, com recurso, respectivamente, para estes tribunais ou para a Audiência Territorial (artigo 51.º do Regulamento de 29 de Abril de 1909).
Na França, os tribunais paritaires, juntos de cada cantão ou de cada arrondissement, são presididos, respectivamente, pelo juiz de paz ou pelo presidente do tribunal civil ou por um dos juizes designados por ele (artigos 2.º e 3.º da Ordonnance, de 4 de Dezembro de 1944).
Na Itália foram criadas secções especializadas junto dos tribunais comuns, constituídas pelo presidente do tribunal, por dois juizes togados e por oito peritos nomeados pelo presidente (artigo 4.º da Lei n.º 1140, de 18 de Agosto de 1948). Estas secções vieram substituir as comissões arbitrais agrárias, que eram já presididas pelo presidente do tribunal ou por um juiz seu delegado (cf. artigo 9.º da D. L. T. n.º 277, de 1 de Abril de 1947). Esta lei de 1947 também criou as chamadas comissões técnicas provinciais, destinadas a fornecer, primeiro às comissões arbitrais, depois às secções especializadas l, elementos objectivos destinados à fixação justa das rendas (artigo 2.º) 2. Segundo, porém, a jurisprudência da Corte di Cassazione, os critérios normativos estabelecidos pelas comissões técnicas provinciais não são vinculativos para as secções especializadas agrárias.
A criação de comissões técnicas em Portugal, em 1931, constituiu, como se mostrou, um erro, e é preciso não o cometer de novo. E esta a opinião da Câmara Corporativa.
58. Solução aconselhável. - O que se disse não impede que se pense em qualquer outra solução que permita levar aos tribunais um conhecimento mais exacto dos problemas agrários.
Mas qual?
Criação de tribunais especiais presididos por juizes togados?
Criação de comissões destinadas à prestação de informações técnicas?
Obrigatoriedade de escolha de peritos especializados?
Crê a Câmara Corporativa que, das três soluções possíveis, a que melhor se justifica é a última. A criação de tribunais especiais não se impõe, dado, por um lado, o reduzido movimento judicial neste campo e, pôr outro, a natural simplicidade das questões que normalmente são levadas à apreciação dos órgãos jurisdicionais do Estado. Mais razão haveria para a criação de tribunais especiais para o julgamento das questões de águas, muito mais complexas do que as relativas aos arrendamentos agrícolas.
A criação de comissões técnicas especializadas também se não justifica, não só pelas mesmas razões, mas ainda porque a sua intervenção iria demorar e complicar os julgamentos, quer na forma sumária, quer ordinária, dos respectivos processos.
A terceira solução é a que se harmoniza com a doutrina do artigo 595.º do Código de Processo Civil, segundo o qual, havendo exames ou vistorias que exijam conhecimentos técnicos, o perito do tribunal deverá ser nomeado de entre os funcionários dos respectivos serviços. Bastará, portanto, à semelhança do que se faz em matéria de águas, impor a escolha entre técnicos especializados.
Embora prejudicada assim a. questão, dir-se-á, todavia, que nunca faria sentido, a admitirem-se comissões arbitrais, que os representantes dos proprietários e dos arrendatários fossem designados oficialmente pelo Conselho Regional de Agricultura. Para que fosse efectiva a representação, e não puramente simbólica, importava que fossem os organismos corporativos da lavoura e do trabalho a eleger aqueles representantes 3.
Pelo exposto, entende a Câmara Corporativa que a base XXII do projecto deve ser substituída por outra, com a seguinte redacção:
BASE XXI
Nas questões entre senhorios e arrendatários, em que haja de proceder-se a exame ou vistoria, o juiz nomeará sempre para perito um engenheiro agrónomo ou silvicultor, conforme a natureza do arrendamento.
1 Obrigatoriamente desde a Lei n.º 321. de 8 de Junho de 1949.
2 Mantidas pela Lei n.º 1140, de 18 de Agosto de 1948, e pela Lei n.º 321, de 3 de Junho de 1949.
3 A eleição deveria caber ao Conselho Geral da Federação dos Grémios da Lavoura e ao Conselho da Federação das Casas do Povo.
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§ 14.º Arrendamentos familiares
59. Arrendamentos a cultivador directo na Itália, na Espanha e no anteprojecto do Prof. Galvão Teles. - Os arrendamentos a cultivador directo, designados em Espanha por arrendamentos familiares protegidos, tiveram neste país o seu regime especial a partir da Lei de 21 de Julho de 1942 1, e em Itália com a publicação do Código Civil, aprovado pelo Decreto de 16 de Março do mesmo ano. Em Portugal, no anteprojecto do Prof. Galvão Teles também se propõem normas especiais para os arrendamentos a cultivadores directos, em matéria de não produção ou perda casual de frutos (artigo 75.º, § 4.º) e de benfeitorias não autorizadas (artigo 82.º).
No relatório que precede o projecto do Governo anuncia-se com entusiasmo a nova instituição, «cujos resultados na vizinha Espanha - escreve-se - são de tal forma vantajosos, sob os aspectos económico, social e agrário, que é lícito formular as mais optimistas previsões».
A Câmara Corporativa não acompanha o Governo no seu optimismo. A Espanha parece estar há muito cansada dos exageros a que a guerra civil a levou em matéria de arrendamentos agrícolas, e são as próprias leis que anunciam a alteração próxima das medidas excepcionais que foram tomadas desde 1935.
O carácter transitório da lei de 1942 que criou os arrendamentos familiares protegidos está expresso no seu próprio preâmbulo:
En tanto el normal desenvolvimiento de la economia nacional no permite acometer, con garantias de acierto, el problema agrário, açude a regular las situaciones jurídicas actualmente planteadas.
O objectivo dessa lei é
adaptarse a las circunstancias dei momento tendiendo a evitar que un simultáneo desenlace de las relaciones arrendaticias produzca un desiquilibrio en la contratación con el conseguiente perjuicio para nuestra economia agrícola.
Em 1948, a Lei de 4 de Maio, ao conceder novas prorrogações dos contratos, realçou o carácter transitório dos novos regimes, ao dizer, igualmente, no seu preâmbulo:
Persistiendo en la actualidad las causas que aconsejan demorar la finalización de aquellas situaciones arrendaticias hasta el momento que la contratación deje de estar afectada por las mismas y por la coyuntura económica derivada de la última guerra mundial, parece conveniente mantener el referido aplazamiento por el tiempo que prodencialmente se estima suficiente para que remitan aquellas circunstancias y se restablezea a normalidad.
Por último, o preâmbulo da Lei de 15 de Julho de 1954 depois de referir a situação excepcional que jusficou o aparecimento dos arrendamentos familiares protegidos, pôs, com toda a clareza, a posição do Governo Espanhol nessa matéria:
La necesidad de corrigir los errores provocados por la subversión política que padeció el campo durante los anos de mil novecientos treinta y uno a mil novecientos treinta y seis; los danos materiales producidos durante la guerra de Liberación, y las dificultades de todo orden que se oporían a la recuperación de nuestra agricultura, unidas al espiritu de justicia social inspirador de nuestro Movimiento, han venido a consolidar, durante cerca de quince anos, una posición jurídica de excepción, que ha tipificado, a través de una serie de leyes, el llamado arrandamiento protegido.
Superadas las circunstancias desfavorables, y próximo el vencimiento de la última prorroga concedida por la Ley de cuatro de mayo de mil novecientos cuarenta y ocho, ha llegado el momento de poner fin a esta situación provisional, orientando su resolución definitiva de modo que se evite el planteamiento de problemas económicosociales que perturban la explotación de las fincas, al mismo tiempo que se cumplen, conforme a su propio espiritu, los preceptos establecidos por nuestras leyes fundamentales como normas rectoras de la política agraria del Movimiento.
Quer dizer: «Superadas las circunstancias desfavorables ... ha llegado el momento de poner fin a esta situación provisional». É esta a posição actual do Governo Espanhol, expressa em textos legislativos e produto de uma experiência de quase vinte anos.
Não se encontra também nos juristas espanhóis nenhuma espécie de apoio ao regime vigente. Antes se nota um certo desprezo pelo estudo daquilo que é havido como transitório 1.
O Regulamento de 29 de Abril de 1959 mantém, como se disse, o regime transitório dos arrendamentos familiares. É preciso notar, porém, que, como se diz no preâmbulo daquele diploma, «no ha llegado el momento de promulgar una nueva Ley que regule el disfrute y cultivo de la tierra ajena de forma más acorde con la tendência económica y social del momento presente, pero dada la gran conveniência de eliminar las dificultades aludidas, resulta procedente arbitrar un médio para que el derecho vigente resulte de más fácil y compreensible aplicación, lo que se puede conseguir elaborando un texto único convenientemente sistematizado». Trata-se, pois, e por enquanto, de uma espécie de consolidação do direito vigente, e não de uma nova lei sobre o arrendamento rústico.
60. Termos em que podem ser admitidos os arrendamentos familiares. - Reduzido às suas legítimas proporções o problema dos arrendamentos familiares, a Câmara Corporativa reconhece, como já teve ocasião de o dizer (n.º 6), certas vantagens e uma certa justiça na criação de um regime especial para esses arrendamentos.
São duas as razões em que se funda: em primeiro lugar, a empresa agrícola de tipo familiar é, em muitos casos, a forma mais perfeita de exploração da terra; em segundo lugar, é devida, naturalmente, especial pro-
1 Pelo Regulamento de 29 de Abril de 1959, ao lado dos arrendamentos protegidos em geral (artigos 83.º a 90.º) foram considerados também os arrendamentos especialmente protegidos (artigos 91.º a 109.º). São especialmente protegidos os arrendamentos contraídos anteriormente a 1 de Agosto de 1942 que, por aplicação de preceitos legais, ainda subsistiam em 1959. Às disposições que lhes respeitam não têm para nós qualquer interesse.
1 A título de exemplo, podem ver-se estas sugestivas palavras do catedrático de Direito Civil Luís Martin-Ballestero y Costea:
Nada hay que se deprecie tanto como lo que se sabe pasajero y circunstancial. Recordad la vieja confesión del gitano que disculpaba su ignorância sobre los mandamientos de la
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tecção ao pequeno agricultor, que é precisamente aquele que cultiva a terra apenas com o auxílio do seu agregado familiar. Na Itália assim se tem considerado o problema, não tendo os artigos 1647.º a 1654.º do Código Civil merecido críticas à doutrina.
Mas da admissão de um regime especial para os arrendamentos a cultivadores directos à admissão do sistema proposto pelo Governo vai uma grande distância. O que se sugere no projecto, nas bases XXVI e seguintes, não é o estabelecimento de um novo regime para certos contratos, mas a atribuição ao Secretário de Estado da Agricultura da faculdade, praticamente discricionária, de conceder a requerimento dos interessados, e mediante parecer fundamentado da Junta de Colonização Interna, o título de arrendamento familiar protegido a alguns arrendatários.
Se não fosse já de si inadmissível a ingerência do Governo na vida jurídica privada, criando, por seu arbítrio, situações particulares, individuais, bastaria tratar-se, na interpretação mais plausível dos textos propostos, da atribuição ao rendeiro de um direito real de gozo, parcela do direito de propriedade, para que tal acto, por inconstitucional, se não devesse admitir. Rigorosamente, tratar-se-ia de um confisco, proibido pela Constituição.
É certo que não pode com segurança dizer-se, em face de textos de técnica jurídica tão defeituosa, que assim é ou que assim não é. Se, por um lado, as bases XXV, XXVI, e XXXI aparentam ter-se pretendido instituir, em princípio, um direito perpétuo, e, portanto, uma forma de propriedade imperfeita, na terminologia do nosso código, a base XXX, por outro lado, pelo menos aparentemente, sugere a rescisão automática do contrato por morte do arrendatário, pois em relação aos seus herdeiros não se verifica a condição da alínea d) do n.º 1 da base XXV - gerência exercida num período não inferior a cinco anos.
Estaria naturalmente indicado à Câmara Corporativa o seguinte caminho: tentar uma interpretação lógica que coduzisse a uma solução constitucionalmente possível. Em face, porém, de disposições como a do 11.º 3 da base XXV, essa claríssima, que faculta ao Secretário de Estado da Agricultura, por meio de portaria, contra todas as regras, a possibilidade de inutilizar decisões jurisprudenciais, não há, verdadeiramente, que procurar lógica ou constitucional idade nos princípios. Há que reconhecer que o Governo, num momento infeliz, pretendeu consagrar, em matéria de arrendamentos familiares, uma doutrina inaceitável.
E a questão assume aspectos de excepcional gravidade, sabendo-se que está pendente do Supremo Tribunal de Justiça a apreciação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 39 917, de 20 de Novembro de 1954, que pretendeu resolver, por via administrativa, o caso dos arrendamentos da Quinta da Torre e Foros de Fernão Ferro. Estes arrendamentos, nos termos dos n.08 2 e 3 da base XXV, conjugados com a base XXIII, a que adiante se fará referencia, ficariam na situação criada por esse decreto, mesmo que tal diploma viesse a ser considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal de Justiça!
Ley do Dios: «Mire, Padre - decia -, como me he oído que los van a cambiá ...». No nos detengamos por ello demasiado en la letra do algunas decisiones legales y jurisprudenciales de estos inestables anos pasados.
La nueva y vigente Ley de Arrendamientos rústicos liquida en sus artículos primero y segundo aquela etapa calificada do provisional y que comenzó al terminar nuestra guerra; y para ello senala un término definitivo de los contratos vigentes, variable según las fincas ... («Del concepto legal de arrendamiento rústico al pago de la renta en especia», in Temis, I, 1957, pp. 67 e seguintes).
A Câmara Corporativa sente-se impedida, dadas tais circunstâncias, de discutir o problema, entendendo que, sem mais considerações, devem ser eliminadas as bases propostas. Lembra apenas que, nos termos do artigo 8.º do Código Civil, até as leis com eficácia retroactiva devem respeitar os direitos declarados por sentença.
Certos objectivos de ordem social que estão latentes no projecto do Governo ficam certamente prejudicados. Mas isso é fatal, porque não é através do contrato de arrendamento, instituto de direito privado que se limita a fixar o regime das relações entre senhorios e arrendatários, moldadas em cânones irrevogáveis do direito civil, que poderão conseguir-se todas as vantagens económicas ou sociais a que o Governo legitimamente aspira. Outras medidas, no campo do direito público, deverão ser tomadas, e, para exemplo, temos já o Decreto-Lei n.º 43.355, de 24 de Novembro de 1960, a que se fez alusão acima (n.º 46).
61. Conceito de arrendamento familiar. - O que deverá entender-se por arrendamento familiar, ou a cultivador directo, para o efeito de o sujeitar, agora sem intervenção do Governo, a um regime particular?
O artigo 1647.º do Código Italiano considera como tal o arrendamento quando o arrendatário cultiva o prédio com trabalho predominantemente próprio ou de pessoas de sua família.
É esse também o critério aceite no anteprojecto do Prof. Galvão Teles.
As leis espanholas vão um pouco mais longe. Consideram como protegidos os arrendamentos em que a renda anual não é superior a 40 q de trigo, e, além disso, quando a exploração se faz por modo pessoal e directo. Entende-se por exploração pessoal e directa aquela em que as operações agrícolas se realizam materialmente pelo arrendatário ou pelos seus familiares, no sentido amplo desta expressão, não se utilizando assalariados senão em circunstâncias ocasionais, e nunca em número superior a 25 por cento do total necessário à exploração dos prédios (Regulamento de 195,9, artigo 83.º).
Embora com mais alguns pormenores, o critério da legislação espanhola não difere estruturalmente do do Código Italiano. Simplesmente se entendeu que a renda superior a 40 q não pode ser paga por terras exploradas em regime familiar.
Como em Portugal não se fixam as rendas com referência a certas culturas, impõe-se a adopção do sistema italiano e do projecto do Prof. Galvão Teles, redigindo-se uma base nos termos seguintes:
BASE XXII
Quando o arrendamento tiver por objecto um ou mais prédios que o arrendatário explore, exclusiva ou predominantemente, com o seu próprio trabalho ou de pessoas do seu agregado familiar, são aplicáveis imperativamente as disposições das bases seguintes.
Os problemas a discutir, e que já foram na sua quase totalidade referidos, são estes:
1. Duração do contrato;
2. Caducidade por morte do arrendatário;
3. Não produção ou perda casual dos frutos;
4. Indemnização por benfeitorias não autorizadas;
5. Direito de preferência.
62. Duração do contrato e caducidade por. morte do arrendatário. - O prazo mínimo de seis anos proposto
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pelo Governo para os arrendamentos agrícolas, e com o qual a Câmara Corporativa concordou em relação aos arrendamentos de índole capitalista ou patronal (n.º 20), justifica-se mal, como houve ocasião de o dizer, em matéria de arrendamentos de índole familiar. Há a considerar, neste caso, o interesse dos rendeiros, que não devem ficar vinculados a prazos longos, e há a considerar o interesse dos proprietários, quando, por se tratar, em regra, de pequenas explorações agrícolas, o interesse geral da economia não justifica a longa duração dos contratos.
Julga por isso a Câmara Corporativa que a solução que melhor se adapta aos arrendamentos a cultivadores directos será a de se fixar, como limite mínimo de duração do contrato, o prazo de um ano.
Quanto à caducidade por morte do arrendatário, já se viu que as soluções variam muito nas leis estrangeiras. No n.º 2 da base VII do contraprojecto desta Câmara adoptou-se, como regra, a solução italiana, e que é a seguinte: dentro dos três meses seguintes à morte do arrendatário pode o senhorio, e podem os herdeiros daquele, denunciar o contrato.
Tratando-se de arrendamentos a cultivadores directos, as soluções variam ainda mais. O Código Italiano apenas faculta ao senhorio, neste caso, o direito de se substituir imediatamente aos herdeiros do arrendatário na exploração do prédio (artigo 1650.º). No direito espanhol estabelece-se imperativamente a transmissão do direito ao arrendamento para a pessoa designada pelo de cujus no seu testamento ou para a pessoa eleita pelos familiares cooperadores, na falta de designação testamentária, ou para as pessoas indicadas pelo proprietário, na falta de eleição (Regulamento de 1959, artigo 86.º).
Parece à Câmara Corporativa que, tendo sido tomadas providências para evitar que se mantenham arrendamentos em condições inconvenientes para o senhorio (n.º 56), não se justifica a solução do Código Italiano. Também não lhe parece conveniente o regime complexo da legislação espanhola. Em matéria de arrendamentos familiares, e atendendo-se à razão, já referida, de que a entidade arrendatária é, de facto, mais uma entidade colectiva - a família - de que a pessoa do arrendatário (n.º 28), a única solução que se justifica é a da cessação do direito do senhorio de denunciar o contrato, se a família quiser continuar a cultivar as terras, até ao fim do prazo to arrendamento.
Deve, nestas condições, integrar-se no projecto uma base com a redacção seguinte:
BASE XXIII
1. É de um ano o prazo mínimo de duração dos arrendamentos a que se refere a base anterior.
2. O prazo de renovação legal é igualmente de um ano, mesmo que tenha sido estipulado prazo superior para o arrendamento.
3. O senhorio não goza nestes arrendamentos do direito conferido no n.º 2 da base VII.
63. Não produção ou perda casual dos frutos. - Já acima (n.º 321 se fez referência à doutrina do § 4.º do artigo 75.º do anteprojecto do Prof. Galvão Teles, que consagra, fundamentalmente, a solução do artigo 1648.º do Código Italiano. Estabelece-se nesse parágrafo que se o locatário explorar a coisa, exclusiva ou predominantemente, com o seu próprio trabalho ou de pessoas de sua família, e se tiver assumido o risco da falta de produção ou perda de frutos, o tribunal, quando se verifique essa falta ou perda e embora se tenha convencionado o contrário, pode autorizá-lo a pagar a renda em prestações.
Trata-se de uma medida de equidade, que não merece discussão, e que poderá integrar-se na base seguinte:
BASE XXIV
Se o arrendatário tiver assumido o risco da falta de produção ou perda de frutos referida no n.º 1 da base X, o tribunal, quando se verifique essa falta ou perda, e embora se tenha convencionado o contrário, pode autorizá-lo a pagar a renda em prestações.
64. Benfeitorias. - Segundo o artigo 82.º do anteprojecto do Prof. Galvão Teles, o direito à indemnização por benfeitorias necessárias ou úteis, feitas pelo arrendatário, existe sempre, mesmo que tais benfeitorias não tenham sido autorizadas pelo senhorio, tratando-se de arrendamentos familiares. O princípio inspira-se no artigo 1651.º do Código Italiano e justifica-se pela protecção especial que é devida aos cultivadores directos. Deve, pois, introduzir-se no projecto uma base com a seguinte redacção:
BASE XXV
O direito conferido pelo n.º 2 da base XVI não depende, nesta espécie de arrendamentos, do consentimento do proprietário.
65. Direito de preferência. - A base XXXI do projecto do Governo confere ao titular do a arrendamento familiar protegido» o direito de opção na compra dos prédios arrendados, a salvo se a venda tiver por fim, pôr termo a uma indivisão».
Desde que seja abolido o arrendamento familiar como tipo de direito real, ou, na terminologia do nosso Código Civil, como tipo de propriedade imperfeita, para o considerar como figura corrente de direito pessoal, embora sujeito a um regime particular, o problema dá admissibilidade do direito de opção, em certa medida, fica prejudicado, já que esse direito é, no sistema da nossa lei, conferido, em princípio, como meio de pôr fim a formas de propriedade parcelada, consideradas inconvenientes no ponto de vista económico e social.
Mas não fica inteiramente afastado o problema.
No direito francês, por exemplo, e não obstante certa reacção da doutrina 1, a Ordonnance de 17 de Outubro de 1945 (artigos 1.º e seguintes) e a Lei de 13 de Abril de 1946 admitem, em qualquer caso, o direito de opção. Também está consagrada a mesma solução no artigo 16.º do Regulamento espanhol de 29 de Abril de 1959.
Em Portugal, o direito de preferência é conferido, nos arrendamentos para comércio, indústria ou profissão liberal, no artigo 66.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948. E no projecto Sá Carneiro, que se transformou nessa lei, procurou atribuir-se, com forte oposição desta Câmara, o mesmo direito aos arrendatários de prédios urbanos para habitação.
São do respectivo parecer estás passagens, que, mutatis mutandis, cabem perfeitamente aos arrendamentos agrícolas:
É de parecer a Câmara Corporativa que esta inovação não deve ser aprovada.
O direito de preferência, quando direito real de aquisição, implica uma séria restrição ao direito de propriedade e, além disso, embaraça gravemente o comércio jurídico. Por isso, esse direito tem carácter muito excepcional em todos os sistemas legislativos, sendo admitido apenas naqueles
1 Vide Ourliac, ob. cit., p. 105.
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casos em que, acima de um interesse privado a satisfazer, há o interesse público em pôr termo a uma situação inconveniente sob o ponto de vista económico ou social. É deste meio que, em geral, as legislações se servem para reagir contra os condomínios e as figuras chamadas entre nós propriedades imperfeitas ou contra certos ónus ou restrições que prejudicam o livre ou melhor aproveitamento das coisas.
A nossa lei, em confronto com as legislações estrangeiras, é já bastante fértil neste domínio dos direitos de preferência. Haverá razões para ir mais longe ainda? Pensa a Câmara Corporativa que não.
Anteriormente ao Código Civil, e à parte o exercício dos direitos de avoenya, de carácter puramente familiar, apenas se admitia um caso de direito dê .preferência ou de opção: o conferido aos senhorios directos em relação às alienações do domínio útil (Ordenações, liv. IV, tít. 38). O Código criou vários: no artigo 1560.º, em matéria de alienação de quotas de coisas indivisíveis; nos artigos 1678.º e 1703.º, em relação às alienações de quinhões. Em leis posteriores, tanto públicas como privadas, têm sido criados a todo o propósito direitos reais de preferência, dos quais alguns se encontram hoje regulados no Código Civil, onde foram introduzidos pela reforma de 1930.
A linha geral do pensamento do legislador tem-se mantido, no entanto, fiel ao princípio acima enunciado, de que só interesses económicos ou sociais, e portanto. a inconveniência de certas situações jurídicas, justificam a atribuição de direitos de preferência como meio de lhes pôr termo.
A doutrina nova do artigo 16.º é realmente inconveniente sob vários aspectos.
Em primeiro lugar, e ao contrário do que acontece nos casos de preferência admitidos pelo Código Civil, não há nos arrendamentos uma situação anómala que à lei caiba permitir, mas não proteger. O arrendamento importa uma situação normal, porque todos carecem de uma habitação e nem todos possuem ou podem possuir uma casa. E, pois, uma situação que o legislador não tem de contrariar, porque não é socialmente inconveniente, e o direito de preferência conferido sómente para proteger interesses privados não tem justificação. Não se esqueça de que ele constitui uma grave restrição ao direito de propriedade e de que todas as restrições ou são impostas pelo interesse público ou pelas relações de vizinhança. Não há outras no nosso direito.
Mas os inconvenientes sobressairiam ainda sob outros aspectos: o proprietário teria de obter, para que pudesse alienar o prédio sem o perigo de uma acção de preferência, uma renúncia por escrito do arrendatário. Não renunciando o arrendatário, seria preciso notificá-lo judicialmente. Ora tudo isto demoraria, e às vezes há urgência em efectuar uma transacção; as notificações custam dinheiro, e só um prédio pode ter dez ou vinte inquilinos; as preferências diminuem o valor da propriedade e os capitais destinados a construções precisam de ser protegidos e não afugentados.
A razão que se vê invocada em França, no sentido da opção, é esta: deve preferir-se na alienação aquele que tem cultivado a terra, e não o comprador eventual, que não pretende senão colocar os seus capitais.
Há muito de forçado nesta argumentação. Aquele que pretende adquirir a terra não é, necessariamente, um absentista a colocar capitais; pode ser também um cultivador. Por outro lado, o rendeiro que se propõe comprar o prédio pode pretender, afinal, transformar-se num capitalista e abandonar a sua exploração. Casos destes são correntes em todas as formas de empresas agrárias.
O direito de opção só poderia justificar-se na medida limitada em que se proporcionasse o acesso à propriedade dos que se dedicam à vida agrícola. Ora esse acesso não depende da aquisição de certas, e determinadas terras, mas de quaisquer terras; e há-as sempre em condições de serem adquiridas.
Assente em que a figura do arrendamento agrícola não é uma figura inconveniente, mas necessária, não se justifica, pois, o direito de opção para lhe pôr termo.
§ 15.º
Disposições transitórias
66. As bases XIX e XXIII do projecto do Governo e soluções a adoptar. - Começar-se-á, no campo das disposições transitórias, com a análise do n.º 2 da base XIX e da base XXIII.
A solução dada aos subarrendamentos totais de pretérito é, formalmente, a melhor. Mas é melhor nos casos em que, por haver renovação dos contratos, se imponha a aplicação do novo regime. Quer dizer: o princípio do n.º 2 da base XIX está certo; mas não está certa, como se vai ver, a doutrina da base XXIII, a que ele se reporta. A substituição do arrendatário pelo subarrendatário deve ter lugar quando haja prorrogação do contrato (renovação), e não passados os doze meses referidos no n.º 1 da base XXIII.
Esta base XXIII é, sob vários aspectos, das mais infelizes do projecto.
Há, quanto aos arrendamentos escritos, manifesta discordância entre os seus. dois números. Pelo primeiro, e salvo pelo que respeita à base XV, aplicar-se-á o novo regime passados doze meses 1, a contar da data da publicação da nova lei. Porém, nos termos do segundo, já não se aplicara o novo regime passados os doze meses, salvo quanto ao que se contém na base viu, mas só no termo do prazo por que tiverem sido estipulados.
Não vê a Câmara possibilidade de conciliar os dois preceitos, com os quais, de resto, não pode concordar, em tudo o que neles pode conduzir à aplicação retroactiva da nova lei.
No n.º 1 há duas afirmações de retroactividade: por um lado, manda aplicar-se o novo regime decorridos doze meses, mesmo que o contrato não tenha entretanto caducado; em segundo lugar, manda aplicar-se imediatamente a doutrina da base XV.
O primeiro princípio não tem uma excepcional gravidade, embora seja juridicamente inconveniente. E não tem excepcional gravidade porque só se aplicaria aos arrendamentos celebrados por prazos superiores a um ano, visto os outros ficarem naturalmente sujeitos à nova lei, quando se verificasse a renovação antes de decorridos os doze meses.
A aplicação imediata da base XV pode já ter uma certa gravidade. Refere-se essa base ao montante da indemnização devida pelo senhorio quando o arrendatário realizar, com o consentimento deste, melhoramentos na propriedade arrendada. Esta base, de per si, não tem interesse prático na medida em que se limita a fixar o montante da indemnização, quando devida; mas já tem o maior interesse se se relacionar com a base
1 O Governo, ao fixar o prazo de doze meses, não deve ter notado que esse prazo não corresponde ao de um ano. Sendo os meses sempre computados em 30 dias, 12 meses são 360 dias, e não um ano.
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anterior, e dela se poder depreender, contra o estabelecido a contrario sensu no artigo 65.º do Decreto n.º 5411, que há lugar a indemnização nos. arrendamentos por prazos superiores a vinte anos.
Já acima se disse que pelo facto de o Governo ter tomado num caso particular medidas de excepção, está pendente no Supremo Tribunal de Justiça a apreciação de constitucionalidade ou inconstitucionalidade dessas medidas, constantes do Decreto-Lei n.º 39 917, de 20 de Novembro de 1954.
Ora, entende a Câmara Corporativa que nem deve neste caso pronunciar-se sobre um problema em discussão nos tribunais, nem pode dar o seu acordo a que se reincida numa doutrina tão discutível como é a da constitucionalidade do referido decreto-lei, ou, o que é o mesmo, a da constitucionalidade do n.º 1 da base XXIII.
Respeitam-se mais os princípios da não retroactividade das leis no 11.º 2. Apenas se manda aplicar retroactivamente o regime previsto na base viu, e mesmo esse sómente guando tiver decorrido o prazo de doze meses referido no número anterior. A base VIII do projecto do Governo corresponde à base XIII do contra projecto desta Câmara. Dizem respeito essas bases aos direitos banais, às servidões pessoais, ao pagamento dos prémios de seguro e das contribuições, ao encargo de reparação de prejuízos a que se refere a base X e à renúncia ac direito de pedir a rescisão do contrato nos casos de violação das obrigações legais ou contratuais.
Quase todas as cláusulas proibidas são já irrelevantes em face do direito actual. E quanto às permitidas não se vê que haja motivo de tal forma grave que justifique a aplicação retroactiva da nova lei decorridos os doze meses. Se houvesse motivos efectivamente graves, então justificar-se-ia a aplicação imediata do nove regime, e não apenas decorrido aquele prazo.
Quanto aos subarrendamentos parciais, o n.º 4 da base XIX do projecto do Governo estabelece a seguinte doutrina: se o senhorio não tiver dado o seu consentimento, esses subarrendamentos caducarão se o consentimento não for dado dentro do prazo de doze meses.
Não parece ser razoável a solução. Em face de situações consumadas, legais à data em que foram constituídas, é preferível mante-las a atribuir eficácia retroactiva à nova lei.
Os subarrendamentos de pretérito devem ficar, pois, em princípio, sujeitos ao regime dos próprios arrendamentos, o que quer dizer, por outras palavras, que só a partir da renovação destes contratos se lhes deve aplicar a nova lei, com as suas exigências quanto a consentimento e áreas. Diz-se que devem ficar, em principio, sujeitos àquele regime, porque pode ter sido estipulado, contratualmente, um regime de caducidade diferente para o subarrendamento. Neste caso, para a aplicação da nova lei, não é necessária a renovação do arrendamento: basta que haja lugar à renovação do subarrendamento.
Pelo exposto, entende a Câmara Corporativa que deve substituir-se a base XXIII por outra com a seguinte redacção:
BASE XXVI
1. Aos arrendamentos ou subarrendamentos de pretérito só se aplicam as disposições desta lei se houver, depois da sua publicação, renovação dos contratos.
2. Os subarrendamentos totais serão havidos, para todos os efeitos, havendo renovação, como contratos de cessão do direito ao arrendamento, assumindo o subarrendatário, em relação ao senhorio, u posição de arrendatário directo.
III
Conclusões
67. Contraprojecto da Câmara Corporativa. - Em harmonia com as razões expostas, é de parecer a Câmara Corporativa que o projecto de proposta de lei n.º 507 deve ser substituído por outro com a seguinte redacção:
TITULO I
Do arrendamento rural
BASE I
1. O arrendamento de prédios rústicos para fins agrícolas, pecuniários ou florestais consiste na transferência para o locatário, por certo tempo e mediante determinada retribuição, do uso e fruição da coisa, nas condições de uma exploração regular.
2. Se o arrendamento recair sobre prédio rústico e do contrato e respectivas circunstâncias não resulta o destino atribuído ao prédio, presume-se tratar-se de arrendamento agrícola. Exceptuam-se os arrendamentos em que o Estado intervém como arrendatário, os quais se entendem sempre celebrados para fins de interesse público.
3. Os contratos mistos de arrendamento e parceria ficam sujeitos às disposições desta lei sempre que não seja possível a aplicação conjunta dos respectivos regimes.
BASE II
1. O arrendamento a que se refere a base anterior, e que se denomina rural, não necessita de ser reduzido a escrito.
2. Só podem, porém, provar-se por escrito as estipulações que importam alteração do regime supletivo do contrato ou dos. usos e costumes locais.
3. Os arrendamentos reduzidos a escrito só podem ser alterados por documento de igual força.
BASE III
1. Os arrendamentos rurais não podem ser celebrados por menos de seis anos. Se for estabelecido prazo mais curto, valerão por aquele prazo.
2. Findo o prazo referido no número anterior, ou o convencionado, se for superior, presume-se renovado o contrato por mais três anos, e assim sucessivamente, se o arrendatário se não tiver despedido ou o senhorio o não despedir, no tempo e pela forma designados no Código de Processo Civil.
3. A renovação contratual nunca poderá ser feita por prazo inferior a três anos.
BASE IV
1. Os arrendamentos não podem celebrar-se por mais de 30 anos; quando estipulados por tempo superior, ou como contratos perpétuos,, são reduzidos àquele prazo.
2. Exceptuam-se os arrendamentos para fins silvícolas, os quais podem ser celebrados pelo prazo máximo de 99 anos. Se forem convencionados prazos superiores, serão reduzidos àquele limite.
BASE v
1. Estão sujeitos a registo os arrendamentos cujo prazo de duração é superior ao referido no n.º 1 da base III.
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2. Os arrendamentos sujeitos a registo devem constar de escritura pública; mas a falta desta não impede que o contrato subsista pelo prazo de seis anos.
BASE VI
1. São aplicáveis aos arrendamentos rurais os artigos 41.º e 42.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948.
2. Os arrendamentos só se consideram, porém, resolvidos, em qualquer caso, no fim do ano agrícola em curso.
BASE VII
1. Os arrendamentos não caducam por morte do senhorio nem pela transmissão do prédio, seja qual for a natureza dessa transmissão.
2. Falecendo o arrendatário, o senhorio ou os herdeiros daquele podem, dentro dos três meses seguintes, denunciar o contrato, por meio de notificação judicial. A denúncia só produz os seus efeitos no fim do ano agrícola que estiver em curso no termo do prazo referido.
BASE VIII
1. A expropriação por utilidade pública do prédio imporia a caducidade do arrendamento.
2. Sendo a expropriação total, o arrendamento é considerado como encargo autónomo para o efeito de o arrendatário ser indemnizado pelo expropriante. Esta indemnização não pode exceder o valor dos frutos pendentes ou das colheitas inutilizadas, acrescido das importâncias a que se refere a base XVI.
3. Havendo expropriação parcial do prédio, o arrendatário, independentemente dos direitos facilitados no número anterior em relação à parte expropriada, pode optar pela resolução do contrato ou pela diminuição proporcional da renda.
BASE IX
A renda pode ser fixada em dinheiro ou em géneros, desde que estes sejam normalmente produzidos pelo prédio.
BASE X
1. Se, por causa não imputável a qualquer das partes, o prédio não produzir frutos ou os frutos pendentes se perderem em quantidade não inferior, no todo, a metade dos frutos que normalmente produz ou produziu, o arrendatário pode pedir uma redução equitativa da renda, que não exceda metade do seu quantitativo, e ainda a rescisão do contrato, se tiver ficado afectada de maneira duradoura a capacidade produtiva do prédio.
2. A falta de produção ou perda dos frutos não é, todavia, de atender se ou na medida em que for compensada pelo valor da produção do ano ou dos anos anteriores, no caso de contrato plurianual, ou por indemnização recebida ou a receber pelo arrendatário em razão da mesma falta ou perda.
3. As cláusulas derrogadoras do disposto no n.º 1 são nulas enquanto fizerem recair sobre o arrendatário os prejuízos resultantes de facto que as partes, dadas as circunstâncias, não possam razoavelmente ter como provável.
BASE XI
Se, em consequência de nova lei, ou de providências tomadas pela Administração, ou por empresas concessionárias de serviço público, for alterada a rendabilidade do prédio, qualquer dos contraentes pode pedir, conforme os casos, o aumento ou a redução equitativa da renda.
BASE XII
1. O prédio ou prédios presumem-se sempre arrendados com todas as suas partes integrantes; mas, salvo usos e costumes em contrário, as coisas acessórias só se consideram compreendidas no arrendamento se tiverem sido expressamente mencionadas em documento escrito.
2. À locação das coisas acessórias é aplicável, salvo estipulação ou uso e costume em contrário, o regime do respectivo arrendamento.
BASE XIII
1. Consideram-se não escritas as cláusulas, em virtude das quais:
a) O arrendatário se obrigue, por qualquer título, ao cumprimento de serviços que não devam ser prestados em benefício directo do prédio ou se sujeite a encargos extraordinários ou casuais não compreendidos na renda;
b) O arrendatário se obrigue a pagar prémios de seguros de imóveis, contribuições prediais ou à reparação dos prejuízos a que se refere a base x;
c) Qualquer dos contraentes renuncie ao direito de pedir a rescisão do contrato nos casos de violação das obrigações legais ou contratuais.
2. Se os prémios de seguro ou as contribuições acresciam à ronda estipulada, será esta aumentada das respectivas importâncias.
BASE XIV
1. O senhorio só pode fazer no prédio benfeitorias úteis ou voluptuárias com consentimento do arrendatário ou autorização judicial.
2. O senhorio indemnizará o arrendatário pelos prejuízos que lhe causar a execução das obras.
3. Se, em consequência das benfeitorias, aumentar a produtividade do prédio, o senhorio pode exigir um acréscimo proporcional da renda.
BASE XV
1. Quando os melhoramentos importarem alteração sensível do regime da exploração do prédio, ou o arrendatário se não conformar com o acréscimo da renda, este poderá pedir a rescisão do contrato.
2. A rescisão só produzirá os seus efeitos no fim do ano agrícola em que se iniciarem as obras ou o arrendatário tiver conhecimento do aumento da renda.
BASE XVI
1. As benfeitorias úteis ou voluptuárias podem ser feitas pelo arrendatário independentemente do consentimento do proprietário, salvo se afectarem a substância do prédio ou o seu destino económico.
2. Havendo consentimento por escrito do proprietário, ou tendo este sido judicialmente suprido, o arrendatário, findo o contrato, tem direito a exigir daquele o valor das benfeitorias úteis.
3. O suprimento judicial só pode ser concedido se o tribunal reconhecer que os melhoramentos são de utilidade manifesta para o prédio e para a produção.
4. O valor das benfeitorias é calculado pelo custo delas, se não exceder o valor do benefício à data da cessação do arrendamento. No caso contrário, não poderá o arrendatário haver mais do que esse valor.
5. Se a importância da indemnização ultrapassar três vezes o valor da renda anual, o senhorio pode requerer ao tribunal o pagamento em prestações.
6. O arrendatário não goza do direito de retenção.
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BASE XVII
O arrendatário pode levantar, até ao termo do contrato, as benfeitorias úteis ou voluptuárias que haja feito no prédio, podendo fazê-lo sem detrimento. Gessa neste caso, em relação às benfeitorias úteis levantadas, o direito que o n.º 2 da base anterior lhe confere.
BASE XVIII
1. A não renovação do contrato não dispensa o arrendatário do cumprimento da obrigação de assegurar para futuro a produtividade normal do prédio.
2. Exceptua-se do disposto no número anterior a prática de actos que já não podem trazer qualquer proveito ao arrendatário cessante, salvo uso ou costume local em contrário.
BASE XIX
1. É proibido o subarrendamento total.
2. O subarrendamento parcial é permitido quando autorizado, para cada caso, pelo senhorio, desde que a área subarrendada não ultrapasse, no seu todo, uma quarta parte da área do prédio ou prédios que constituem objecto do arrendamento.
3. A cessão do direito ao arrendamento é também permitida quando autorizada pelo senhorio.
BASE XX
O senhorio pode obter o despejo imediato do prédio arrendado, sem prejuízo do direito à reparação por perdas e danos, nos seguintes casos:
a) Se o arrendatário tiver faltado ao cumprimento de alguma obrigação contratual ou legal;
b) Se o arrendatário prejudicar a produtividade do prédio;
c) Se o arrendatário não tiver velado pela boa conservação dos bens, ou causar prejuízos graves nos que, não sendo objecto do contrato, existam nos prédios arrendados.
BASE XXI
Nas questões entre senhorios e arrendatários, em que haja de preceder-se a exame ou vistoria, o juiz nomeará sempre para perito um engenheiro agrónomo ou silvicultor, conforme a natureza do arrendamento.
TITULO II
Do arrendamento familiar
BASE XXII
Quando o arrendamento tiver por objecto um ou mais prédios que o arrendatário explore, exclusiva ou predominantemente, com o seu próprio trabalho ou de pessoas do seu agregado familiar, são aplicáveis imperativamente as disposições das bases seguintes.
BASE XXIII
1. É de um ano o prazo mínimo de duração dos arrendamentos a que se refere a base anterior.
2. O prazo de renovação legal é igualmente de um ano, mesmo que tenha sido estipulado prazo superior para o arrendamento.
3. O senhorio não goza nestes arrendamentos do direito conferido no n.º 2 da base VII.
BASE XXIV
Se o arrendatário tiver assumido o risco da falta de produção ou perda de frutos referida no n.º 1 da base X, o tribunal, quando se verifique essa falta ou perda, e embora se tenha convencionado o contrário, pode autorizá-lo a pagar a renda em prestações.
BASE XXV
O direito conferido pelo n.º 2 da base XVI não depende, nesta espécie de arrendamentos, do consentimento do proprietário.
TITULO III
Disposição transitória
BASE XXVI
1. Aos arrendamentos ou subarrendamentos de pretérito só se aplicam as disposições desta lei se houver, depois da sua publicação, renovação dos contratos.
2. Os subarrendamentos totais serão havidos, para todos os efeitos, havendo renovação, como contratos de cessão do direito ao arrendamento, assumindo o subarrendatário, em relação ao senhorio, a posição de arrendatário directo.
Palácio de S. Bento, 6 de Abril de 1961.
Afonso de Melo Pinto Veloso.
Afonso Rodrigues Queiró.
Guilherme Braga da Cruz.
Joaquim, Trigo de Negreiros.
José Pires Cardoso.
João Mota Pereira de Campos.
José Augusto Vaz Pinto.
José Gabriel Pinto Coelho.
Adelino da Palma Carlos.
António Jorge Martins da Moita Veiga.
Eugênio Queirós de Castro Caldas (assino vencido quanto à matéria referente ao título II «Dos arrendamentos familiares protegidos» do projecto do Governo, pelo que subscrevo a seguinte declaração de voto:
1) Procurei mostrar que existem fortes motivos de carácter social e económico para estabelecer eficaz defesa da família rural e da exploração agrícola entregue à empresa familiar, garantindo direitos e obrigações de proprietários e de empresários nas suas relações jurídico-agrárias, na protecção a certos «arrendamentos familiares». Por isso julgo insuficientes as soluções propostas pela Câmara, que retiram ao Governo a possibilidade de intervir em matéria essencial para comandar indirectamente as transformações necessárias à modernização da agricultura portuguesa.
2) Um dos pontos em que insisti foi a necessidade de defender empresas familiares econòmicamente viáveis e bem geridas, garantindo estabilidade aos empresários e o direito de opção, em certas condições, na compra dos prédios arrendados. Embora reconheça que a proposta do Governo não satisfaz ao consignar na base XXVI o sistema de atribuição do título de arrendamento familiar protegido, o certo é que a Câmara Corporativa se desinteressou de estudar outro sistema, acabando por sugerir uma solução que neutraliza a proposta do Governo.
3) Na verdade, o direito do arrendatário de exigir no termo do contrato o valor das benfeitorias não cura as feridas que resultam da liberdade reservada ao proprietário de promover, no fim do contrato, o despedimento. Há problemas
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humanos que o dinheiro não resolve, e um deles é o das famílias rurais que fizeram uma exploração agrícola sobre terras incultas que desbravaram, e que aspiram a viver na «sua» terra do mesmo modo como um comerciante- pode manter-se ao balcão do «seu» comércio. O problema da vincula cão dos agricultores à terra por eles e seus antepassados cultivada e benfeitorizada é uma das mais fortes características do povo português e apresenta raízes de carácter não sómente material, mas afectivo ou sentimental, que deram já seguras provas em todos os continentes.
4) Afirmei conhecer 242 casos, que interessam a 6613 rendeiros, que reclamaram- ao Governo que estude o seu problema. São semelhantes aos 2 casos que deram origem à promulgação do Decreto n.º 39 917, de Novembro de 1954 (arrendamentos de Cabanas e Fernão Ferro). A Junta de Colonização Interna resolveu 45 desses casos comprando as propriedades para as vender, com espera de pagamento e juro módico, aos rendeiros que pretendam tornar-se proprietários. Parece evidente que a base XXV, n.º 2, da proposta do Governo se destina a contemplar os 200 casos não resolvidos e outros que possivelmente existem sem que os conheça.
Todavia, ao contrário do Decreto n.º 39 917, segundo o qual foi imposta a expropriação, a proposta garante, com muitas reservas, a continuidade do contrato e o direito de opção na compra em certas condições, só a propriedade vier a ser vendida.
Talvez a proposta do Governo fosse bastante para convencer os proprietários interessados nos 200 ou mais casos a seguirem o exemplo dos 45 que aceitaram a aspiração dos rendeiros, mas a Câmara Corporativa rejeitou a solução.
5) Chamei a atenção para a impossibilidade de manter na situação actual os arrendamentos a longo prazo feitos para colonização de incultos e que já caducaram. Tudo se encontra em condições apropriadas para o desenvolvimento de especulações altamente lucrativas quando se pretende que a Junta de Colonização compre propriedades por valores anormais, locupletando-se alguns à custa do sacrifício de todos e dos rendeiros. É exemplo evidente desta situação o caso da expropriação dos chamados «foros de Cabanas», referido no parecer, em que a sentença da 1.ª instância, anulada por acórdão da Relação de Lisboa, está pendente de decisão do Supremo Tribunal de Justiça. «Conforme se lê no referido acórdão, «os actuais proprietários compraram a Quinta, da Torre (1870 ha) por 8000 contos, venderam 1440 ha por 8500 contos e algumas courelas por 600 contos. A sentença recorrida fixou em 11 000 contos a indemnização a conceder pela área de 360 ha - inferior à quinta parte da propriedade».
A executar-se a sentença, os proprietários actuais lucrariam em pouco tempo (a compra foi recente e já vinha de muito longe o conflito com os rendeiros) nada menos do que 12 100 contos. A Junta de Colonização Interna oferece pelos 360 ha em litígio a importância de 1563 contos, o que lhes permite o lucro de 2663 contos, que já representa seguramente muito mais do que teriam obtido se fossem agricultores). Francisco Pereira de Moura (vencido quanto à matéria dos «arrendamentos familiares protegidos», bases XXV e seguintes do projecto do
Governo, sendo o que segue o sentido e os fundamentos do meu voto:
Ao regime geral e único do arrendamento rústico que se continha no texto apresentado a discussão, contrapôs a Câmara um regime também geral, mas em que se atende à diversidade manifesta das situações estruturais com que se depara no País: e assim, às disposições dirigidas a regular o arrendamento de índole predominantemente patronal ou capitalista, vieram somar-se as bases XXII e seguintes no contraprojecto da Câmara, as quais visam a atenuar certa dureza, aceitável no caso anterior, mas que não teria cabimento quando aplicada às pequenas explorações e courelas predominantemente familiares, ou até meramente complementares da actividade económica da família. E funda-se esta destrinça em tais razões de justiça social e de defesa da economia familiar, em geral bem débil, que tem de considerar-se um progresso, relativamente ao texto inicial.
Apenas acontece que a designação adoptada pela Câmara para o seu título II - «Arrendamentos familiares» - se presta a evidente confusão com a do projecto do Governo, também parti o título II - «Dos arrendamentos familiares protegidos»; e não só as designações, como também alguma parcela dos argumentos e citações do § .14.º da discussão na especialidade do parecer, reforçam o perigo dessa confusão. Ora, entendo que se trata de matérias substancialmente diversas, que nem sequer colidem e não se substituem, portanto. Pois o regime dos arrendamentos familiares protegidos, visionado pelo Governo, tem como suporte a exploração familiar, sem dúvida, mas com a condição adicional de ser econòmicamente viável, e mais, oferecendo razoáveis garantias de progresso; é o que concluo do n.º 1 da base XXV do projecto e do § 17.º do respectivo relatório, cumprindo destacar em especial a alínea d), onde se impunha a condição de «possuir o empresário instrução e preparação profissional suficientes para bem gerir a exploração agrícola ...». E sendo assim, não me parece possível procurar qualquer fórmula de compromisso que abranja estes casos e também os de todas as restantes explorações familiares, na sua maioria reconhecidas como de insuficiência ou complementaridade económica e correspondendo a atrasos estruturais e a vícios graves da nossa agricultura.
A ter sido aceite esta visão do problema, levantar-se-iam ainda dificuldades sérias na elaboração do parecer. Deveria, efectivamente, esta matéria ser encarada no mesmo texto legal que o contrato de arrendamento, essa essencialmente de direito privado, e agora posta pela Câmara em termos de correcta conjugação com os textos do novo Código Civil? Ou haveria de concluir-se que se tratava de matérias cindíveis - por o «arrendamento protegido» assentar em preocupações que ultrapassam os interesses privados e ter de comportar garantias e privilégios para certos arrendatários (renovação dos contratos, direito de opção, etc.), certamente envolvendo também sacrifícios para alguns proprietários -, deixando-se portanto para tratamento à luz do direito público?
Inclino-me para a última das hipóteses definidas. Mas entendo que a Câmara não deveria apresentar o seu parecer como que ignorando a autenticidade do problema que o Governo lhe
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trouxe. Neste sentido, além da eliminação de alguns comentários que parece atingirem a concepção básica em causa (e é o caso do estudo sobre a experiência espanhola), a própria Câmara teria de explicar claramente que deixou em suspenso um capítulo do projecto, e que esse capítulo é muito importante. Sem dúvida que não lhe cumpre substituir-se aos departamentos oficiais no estudo técnico de uma proposta suficientemente documentada para merecer discussão; mas, em meu entender, incumbia-lhe o dever de convidar o Governo a remeter, em breve prazo, novo texto em que se abordasse amplamente essa política de saneamento social e fomento económico mediante os arrendamentos familiares protegidos, e a desenvolver sobretudo nas zonas de colonização do Sul do País, e quando estio face a face, de um lado, grandes proprietários ou empresas capitalistas, de outro famílias de rendeiros cultivadores directos - pois esse será um dos elementos importantes da até agora malograda reorganização ou reforma de que a agricultura portuguesa bem precisa).
João Faria Lapa.
Aníbal Barata Amaral de Morais (votei vencido as bases XVI e XXV, por entender que o proprietário só deve ser obrigado ao pagamento de benfeitorias que expressamente tenha consentido.
Penso que são de evitar, quando possível, motivos de dissenção entre proprietários e rendeiros, e não será o recurso aos tribunais, com certeza, a melhor forma de o conseguir.
Por outro lado, a posição que se cria ao proprietário, para além do atropelo de um direito, que constitucionalmente e graças a Deus ainda se lhe reconhece, pode trazer-lhe situações extremamente difíceis, como as de o compelir, violentamente, à alienação de bens. Com efeito, o pagamento coercivo de benfeitorias, sem a contrapartida de garantia de um crédito para as realizar, é susceptível de conduzir à venda forçada da propriedade e sua consequente desvalorização ou a um encargo superior às suas possibilidades económicas. Lamentavelmente, serão os pequenos proprietários, com poucos recursos e, por isso, limitado crédito, as principais vítimas do sistema, e não são eles, em Portugal, os que têm menos amor ao seu património.
Vejo, ainda, com apreensão que um rendeiro, autorizado, por sentença judicial, à realização de certas benfeitorias, consideradas, em dado momento, econòmicamente desejáveis, pode encontrar-se, no termo do arrendamento, perante a situação de só receber uma parte, ou mesmo nada, do montante dos investimentos feitos, quer porque o resultado destes não correspondeu à expectativa - pouco valorizando o prédio arrendado -, quer mesmo porque não originaram qualquer maior valia do objecto do arrendamento).
António Martins da Cunha Melo (perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Aníbal Barata Amaral de Morais).
António Pereira Caldas de Almeida (perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Aníbal Barata Amaral de Morais).
António Teixeira de Melo (perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Aníbal Barata Amaral de Morais).
Fausto Silvestre.
João Valadares de Aragão e Moura (perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Aníbal Barata Amaral de Morais).
Joaquim Soares de Sousa Baptista.
José Bulas Cruz.
José de Mira Nunes Mearia (perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Aníbal Barata Amaral de Morais).
Manuel Cardoso (perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Aníbal Barata Amaral de Morais).
Fernando Andrade Pires de Lima, relator.
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Proposta de lei a que o Sr. Presidente se referiu no decorrer da sessão:
Proposta de lei
Relatório
Objectivos gerais da proposta
I PARTE
A Lei n.º 1884, de 16 de Março de 1935
C - Suas características gerais.
A Lei n.º 1884 - seu alcance fundamental.
Seus princípios essenciais.
Síntese das suas disposições.
O espírito realista que presidiu à organização da previdência social.
II - Execução da Lei n.º 1884.
Antecedentes. A legislação de 1919 relativa aos seguros sociais obrigatórios.
As associações mutualistas.
Aplicação dos métodos corporativos.
Regulamentação das Caixas Sindicais de Previdência.
Regulamentação das Caixas de Reforma ou de Previdência. Adopção do regime de capitalização.
nclusão do abono de família nas caixas de previdência.
Federações de serviços.
Conselho Superior da Previdência Social.
Outros diplomas regulamentares.
Caixas Sindicais e Caixas de Reforma ou de Previdência.
Movimento de constituição das caixas de previdência.
Âmbito das instituições de previdência.
II PARTE
Situação actual das caixas de previdência
III - Estrutura administrativa.
Caixas constituídas e em organização.
Federação de Caixas de Previdência - Serviços Médico-Sociais.
Federação de Caixas de Previdência - Habitações Económicas.
Federação de Caixas de Previdência - Serviços Mecanográficos.
IV - Campo de aplicação.
Definição tendencial e sua realização concreta.
Trabalhadores abrangidos pelas caixas.
V - Eventualidades cobertas e esquemas de beneficias.
Modalidades de previdência ë abono de família.
Seguro-doença.
Seguro-invalidez.
Reforma por velhice.
Subsídio por morte.
Abono de família.
VI - Financiamento e aplicação de valores.
Receitas normais das caixas.
Valores das caixas e sua aplicação.
III PARTE
As reformas propostas
VII - Sua necessidade no aspecto administrativo - Descentralização dos seguros de prestações imediatas - Centralização dos seguros a longo prazo.
Conflitos de competência.
Carácter pessoal das prestações do seguro-doença.
Necessidade da organização regional das caixas de seguro-doença e de abono de família.
Coordenação das actividades e compensação de encargos do seguro-doença.
Distinção de caixas para .a realização dos seguros imediatos e dos seguros diferidos.
Pluralidade das caixas e conhecimento da evolução do seguro-reforma.
Necessidade de compensação nacional nos seguros a longo prazo.
As caixas regionais do seguro-doença e abono de família como elementos de ligação entre a Caixa Nacional de Pensões e os beneficiários.
Vantagens da criação de uma caixa única de pensões.
Centralização dos seguros a longo prazo e diferenciação profissional.
Intervenção dos organismos corporativos no funcionamento das caixas de previdência.
VIII - Revisão necessária do regime financeiro - Capitalização e repartição.
Problemas levantados pelo actual sistema financeiro.
Capitalização e repartição.
Crescimento dos valores afectos às reservas matemáticas. Seus inconvenientes.
O sistema de capitalização e a desvalorização monetária.
Possibilidade de regime misto.
Solução adoptada.
Insuficiência das actuais pensões.
Período de contribuição para fixação das pensões.
Várias hipóteses de solução relativas ao seguro-reformas.
Interesse dos critérios (técnicos e financeiros defendidos.
IX - Características gerais das reformas propostas e seus efeitos.
Caixas de Previdência e Abono de Família e Caixas de Pensões.
Consequências imediatas.
Confronto com os princípios da Lei n.º 1884.
Futuros reflexos das reformas propostas.
Internamento hospitalar.
Maternidade.
Tuberculose.
Aplicação de capitais de reserva da previdência em ordem à resolução do problema habitacional.
Desenvolvimento do seguro-invalidez.
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X - Descrição na especialidade.
Classificação das instituições de previdência.
Normas aplicáveis às Caixas Sindicais de Previdência.
Fundamento de algumas disposições inovadoras.
Normas aplicáveis às Caixas de Reforma ou de Previdência e disposições gerais e transitórias.
IV PARTE
Dois problemas de base
XI - Previdência social e assistência social.
Relações entre a previdência e a assistência. Sua distinção.
Outras características diferenciais.
Carácter supletivo da actuação directa do Estado no campo da assistência e da organização da assistência perante a previdência social.
Responsabilidades das instituições de previdência pelos encargos da assistência. A previdência e a assistência no desenvolvimento das suas realizações. Cooperação entre a previdência e a assistência.
XII - Limites da previdência social.
Importância da (reforma no aperfeiçoamento e na expansão da previdência.
A acção do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência na organização e desenvolvimento da previdência social.
O Plano de Formação Social e Corporativa e a divulgação dos princípios da previdência.
Expansão da previdência e possibilidades da economia nacional. A realização da política social e a situação dos trabalhadores rurais.
Os perigos inerentes aos sistemas de segurança social integral. A organização da previdência e o respeito devido ao espírito do iniciativa e à personalidade do homem.
A segurança social perante a vida natural do homem e a origem e o desenvolvimento da família.
Nota final.
Proposta de lei
CAPITULO I
Classificação e regime geral das Instituições de previdência
CAPITULO II
Das Caixas Sindicais de Previdência
CAPITULO III
Das Caixas de Reforma ou de Previdência
CAPITULO IV
Disposições gerais e transitórias
Mapas anexos ao relatório
Objectivos gerais da proposta
1. A presente proposta de lei visa a remodelação da estrutura e do regime financeiro da previdência social dos trabalhadores portugueses.
Ao elaborá-la, atendeu-se principalmente à experiência que a execução da Lei n.º 1884, de 16 de Março de 1935, permitiu recolher na criação e no desenvolvimento das instituições de previdência.
Das reformas sugeridas espera-se obter, além do aperfeiçoamento dos serviços das caixas e de maiores garantias da sua estabilidade, a melhoria do seu esquema de benefícios e a possibilidade de alargamento do seu campo de aplicação, de harmonia com o disposto no artigo 48.º do Estatuto do Trabalho Nacional.
Atenuando a rigidez da capitalização actual e alargando a aplicação do princípio da compensação geral de encargos, rasgam-se mais amplas perspectivas a novas actividades da previdência. Será possível, em especial, garantir o internamento hospitalar e instituir o seguro-maternidade e o seguro-tuberculose.
A reorganização projectada facilitará ainda a cooperação entre as caixas de previdência e as instituições de assistência, públicas ou privadas, bem como entre aquelas e as Casas do Povo para protecção dos trabalhadores rurais e suas famílias.
A sua execução representa vultoso empreendimento, a realizar, com firme determinação, durante um período considerável. Mas, uma vez aprovadas as suas bases gerais, abrir-se-ão mais vastas possibilidades à previdência social, dando-se-lhe o lugar que verdadeiramente lhe cabe nos programas sociais do Governo e da organização corporativa.
I PARTE
A Lei n.º 1884, de 16 de Março de 1935
I
Suas características gerais
2. A Lei n.º 1884, de 16 de Março de 1935, é o diploma fundamental da organização da previdência social imposta pelo espírito renovador da Constituição Política de 1933. Dessa lei se partiu para a construção gradual e metódica da previdência, em condições de segurança e de continuidade. Sem se desprezarem as instituições já existentes, delineou-se, para ser executado em ritmo acomodado às possibilidades do País, um programa concreto de realizações que hoje vigorosamente se afirmam como efectivo resultado de vinte anos de fecunda actuação. O reconhecimento desta obra grandiosa é tributo de justiça devido a quantos, desde o início, lhe deram o seu esforço, a sua inteligência e. a sua vocação social. Obra nova, produto de espírito novo, é possível que alguns ainda a não compreendam. No entanto, constitui esplêndida realidade, a comprovar a eficácia dos princípios essenciais da Lei n.º 1884, aliás já consignados na Constituição Política e no Estatuto do Trabalho Nacional.
3. Dado o alcance desses princípios, convém fazer-lhes breve referência.
1.º Orientação superior do Estado:
Nos termos do artigo 41.º da Constituição, «o Estado promove e favorece as instituições de solidariedade e previdência, cooperação e mutualidade». Pelo disposto no § 2.º do artigo 48.º do Estatuto do Trabalho Nacional, os patrões e os trabalhadores devem concorrer para a formação dos fundos necessários aos organismos
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de previdência, e nos termos que o Estado estabelecer expressamente, ou sancionar quando da iniciativa dos interessados». Destes preceitos decorre a consagração do princípio da orientação superior do Estado, em matéria de previdência, no exercício das funções, que lhe cabem, de promover a justiça social e a melhoria da situação das classes menos favorecidas, de fazer respeitar os direitos naturais e de assegurar a defesa da família.
2.º Intervenção directa dos organismos corporativos:
A Constituição (artigo 17.º) inclui a solidariedade de interesses entre os objectivos a alcançar pelos organismos corporativos. Por outro lado, o Estatuto do Trabalho Nacional, no artigo 34.º, declara matéria obrigatória dos contratos colectivos de trabalho a relativa à «comparticipação das entidades patronais e dos empregados ou assalariados nas organizações sindicais de previdência», e, no § 1.º do artigo 48.º, confere aos organismos corporativos «a iniciativa e a organização das caixas e instituições de previdência».
3.º Organização de instituições autónomas com carácter obrigatório:
Além das disposições já citadas, é de invocar o § 3.º do artigo 48.º do Estatuto do Trabalho Nacional, que atribui de direito aos representantes de ambas as partes interessadas «a administração das caixas e fundos alimentados por contribuição comum». A autonomia das instituições de previdência, além de mais conforme à natureza dos interesses que lhes incumbe defender, faculta aos próprios interessados a participação activa no funcionamento das mesmas instituições, o que se reveste do maior, significado, mormente numa época, como a presente, em que se revelam, por esse mundo fora, tendências perigosas para soluções estatizadas nos domínios da previdência e da assistência social.
4.º Realização progressiva.
Não sendo viável instituir, de uma só vez e para todas as classes, a previdência social, entendeu-se que a organização desta deveria desenvolver-se «conforme as circunstâncias o forem permitindo» (artigo 48.º do Estatuto do Trabalho Nacional), tendo em atenção as possibilidades nacionais e as de cada grupo de interessados.
Esta progressiva realização da previdência social admite mais do que um sentido: o do campo de aplicação, tendencialmente orientado para o. enquadramento de todos os trabalhadores; o das eventualidades a cobrir, e o do próprio esquema de prestações a fixar em cada eventualidade.
4. A economia da Lei n.º 1884 pode, em síntese, traduzir-se nos termos seguintes.
Enuncia-se o princípio do reconhecimento legal das instituições e prevê-se um plano de previdência social, plano a estabelecer pelo Governo. Mantêm-se, de acordo com a legislação preexistente, as Associações de Socorros Mútuos e as instituições dos servidores do Estado e dos corpos administrativos, criadas ao abrigo de diplomas especiais, e reconhecem-se duas no vás «categorias de instituições:
1) a das promovidas pelos organismos corporativos - entre as quais se distinguem, pelo campo de aplicação sindical, rural (no sentido agrícola) e marítimo (no sentido piscatório), as Caixas Sindicais de Previdência, as Casas do Povo e as Casas, dos Pescadores;
2) a das Caixas de Reforma ou de Previdência, concebidas de forma semelhante às Caixas Sindicais e destinadas a incluir as caixas de pessoal das empresas, constituídas ao abrigo da legislação anterior, e as instituições de previdência dos trabalhadores que não pudessem organizar-se mediante convenções colectivas de trabalho.
Indicadas as várias categorias reconhecidas, consignam-se as regras fundamentais de organização das caixas das novas categorias, além das normas de dependência administrativa e outras disposições comuns a todos ou a determinados tipos de instituições.
As Caixas Sindicais de Previdência e as Caixas de Reforma ou de Previdência, suas similares, tinham já sido bem caracterizadas pelo Estatuto do Trabalho Nacional, no respeitante ao campo de aplicação (os trabalhadores em geral), às eventualidades a cobrir (doença, invalidez, desemprego e pensões de reforma), à administração (representantes dos patrões e dos trabalhadores interessados) e ainda no referente às fontes de financiamento (contribuições patronais e do pessoal, nos termos estabelecidos ou sancionados pelo Estado).
Prevê-se o alargamento da acção das caixas a outras eventualidades mediante autorização do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, e reserva-se para diploma especial a protecção no desemprego. Relativamente ao regime financeiro, adopta-se o sistema de capitalização, através da constituição da reserva matemática.
Da proposta do Governo que deu origem à Lei n.º 1884 constava, entre as modalidades normais das caixas de previdência, embora sujeita a prévia autorização, a concessão de suprimentos para a realização do salário familiar. Em consequência da discussão na Assembleia Nacional, foi eliminada aquela referência explícita ao que mais tarde viria a ser o regime do abono de família.
5. Ficou assim delineado um sistema integral de organização da previdência social, sob a orientação superior do Estado, pela criação progressiva de instituições de inscrição obrigatória dos trabalhadores, ligadas estreitamente à organização corporativa e sujeitas à directa interferência desta. Sistema destinado a englobar todos os trabalhadores portugueses, desde logo compreendeu estruturas distintas, segundo os meios sociais e económicos das actividades urbanas, das populações rurais e da gente do mar, com base em instituições autónomas, financiadas obrigatòriamente pelos trabalhadores e respectivas empresas e geridas pelos representantes das partes interessadas, para cobertura, a título normal, de certos riscos, sem prejuízo de ulterior extensão a novas modalidades.
Deixou a lei para regulamentação posterior a definição dos esquemas de benefícios correspondentes a cada eventualidade, estabelecendo, porém, o princípio do limite superior de pensões e subsídios, como regra comum para as instituições de 1.ª, 2.ª e 3.ª categorias.
II
Execução da Lei n.º 1884
6. À data da promulgação da Lei n.º 1884, a previdência social no nosso país quase se reduzia à estéril tentativa dos seguros sociais obrigatórios, improvisados pelos Decretos n.ºs 5636, 5638 e 5640, de 10 de Maio de 1919, numa ambiciosa construção que, desligada das realidades, não logrou eficiência prática
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Dominada pelo espírito da mais ampla generalização, quer no referente ao campo de aplicação do seguro social, quer no tocante às eventualidades protegidas, abrangendo a doença, a invalidez, a velhice e a sobrevivência, e afectada, além do mais, pela impreparação dos agentes e pela força das circunstâncias de ordem social e económica,, e também de ordem política, só como experiência negativa a legislação de 1919 se poderia considerar antecedente do novo sistema a instituir.
7. Abandonada aquela construção, primeiramente pelo desaparecimento do Ministério do Trabalho, em 1925 (Decreto n.º 11 267, de 25 de Novembro), e mais tarde - e de forma expressa - pelo Decreto n.º 15 431, de 7 de Maio de 1928, foram entretanto regulamentadas as Associações de Socorros Mútuos nos Decretos n.ºs 19 281 de 29 de Janeiro de 1931, e 20 944, de 27 de Fevereiro de 1932, ainda hoje em vigor, cujas disposições só viriam a ser postas em prática depois de criado, em 1933, o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência e já sob o influxo da Lei n.º 1884. Essas associações que tinham a seu favor a espontaneidade da sua constituição, vencido o alheamento característico do regime liberal, obtiveram reconhecimento legislativo através dos Decretos de 10 de Fevereiro de 1890 e de 28 de Fevereiro de 1891, este refundido por novo decreto, de 2 de Outubro de 1896. As condições em que emergiram essas mutualidades e o ambiente agitado pelos partidarismos da época impediram naturalmente a necessária subordinação a normas de ordem técnica, cuja observância só a porfiada actuação dos serviços do Estado, m> clima político de renovação corporativa, tornou possível.
Na legislação mutualista de 1931-1932, previu-se a regularização idas caixas de reforma e pensões, criadas por iniciativa das empresas para protecção do respectivo pessoal. Já, de resto, os diplomas de 1919 tinham declarado inalienáveis e sujeitos à jurisdição do Estado os fundos daquelas caixas, que viriam a constituir o núcleo inicial das actuais instituições de previdência de 2.ª categoria. Ressalvaram-se também naquela legislação as organizações privativas dos funcionários e demais pessoal ao serviço do Estado, criadas ao abrigo de diplomas especiais e com estatutos aprovados pelo Governo. Pertencem à 4.º categoria das instituições de previdência,, actualmente reconhecidas.
8. Aproveitada a lição decorrente do inêxito dos seguros sociais obrigatórios, o espírito realista, que inspira a obra de restauração nacional, e a concepção corporativa consagrada na Constituição Política imprimiram à Lei n.º 1884 um estilo de firme e escalonada realização, através de instituições adequadas, na estrutura e nas finalidades, aos diversos meios sociais e profissionais. «Tem-se, se não por errada, ao menos por demasiado dispendiosa e pouco eficiente» -afirmava-se no preâmbulo da proposta respeitante à Lei n.º 1884 - «a imposição de formas rígidas e igualitárias a toda a população, som se atender às diferenças de nível económico e soe ai que tão profundamente fazem divergir a vida real ca Nação do somatório estatístico dos indivíduos. A vantagem incontroversa dos métodos corporativos resulta exactamente da solução parcelar dos problemas, pela sua estreita adaptação aos agrupamentos naturais, com necessidades, condições de vida e possibilidades económicas sensivelmente distintas. E nessa orientação que se procurará, portanto, ir estendendo a número cala vez maior de indivíduos das classes mais necessitadas os benefícios e hábitos da previdência, através de plano metódico e equilibrado de realizações em que o aspecto social se desenvolve sem contudo ultrapassar os limites das possibilidades económicas».
9. Logo em 12 de Outubro de 1935 são regulamentadas, através do Decreta n.º 25 935, as Caixas Sindicais de Previdência, englobando estas obrigatoriamente a totalidade dos patrões e dos trabalhadores sujeitos a contrato colectivo de trabalho em que se hajam fixado condições de contribuição para fins de previdência.
Apontadas como o tipo mais perfeito e completo das instituições de previdência (visto serem produto de contratos colectivos de trabalho em que, partindo das condições económicas das várias actividades, se disciplinam as relações entre patrões e trabalhadores e se dá expressão à solidariedade corporativa), regulamentam-se as Caixas Sindicais, sob o signo da solução parcelar e diferenciada dos problemas sociais, segundo regras comuns de possível aplicação pavcial em cada caso. Concretizam-se os esquemas de benefícios na doença, na invalidez e na velhice, acrescidos da atribuição de um subsídio por morte, e confia-se à acção assistencial, mediante a constituição, nas caixas, de fundos de assistência, a eventual concessão de benefícios complementares, à margem dos compromissos normais das instituições.
Adopta-se, por forma rígida, no funcionamento das Caixas Sindicais, o sistema de capitalização, prescrevendo-se a obrigatoriedade de inserir nos respectivos regulamentos as tabelas de encargos de subsídios e pensões, instruídas com os cálculos que serviram de base à sua elaboração e com a taxa de capitalização escolhida. No mesmo sentido se impõe a organização de novas tabelas, em prazo a fixar por despacho ministerial, sempre que se verifique não assegurarem os prémios em vigor a plena garantia dos benefícios. Prevê-se ainda, para os beneficiários que abandonem a caixa, o resgate da reserva matemática, reduzido embora ao correspondente à importância com que os mesmos tiverem contribuído, e consigna-se que o fundo de reserva matemática, destinado a garantir os compromissos assumidos pelas instituições, será constituído anualmente.
10. Em 27 de Dezembro de 1937 - Decreto n.º 28 321 - regulamentam-se, em moldes análogos aos das Caixas Sindicais, as Caixas de Reforma ou de Previdência, que fundamentalmente se distinguiam daquelas apenas em que a sua criação dependia de requerimento dos interessados, constituídos em comissão organizadora.
Impõe-se a reorganização, em conformidade com as disposições do novo diploma, de todas as instituições que, por sua natureza ou fins, por ele devessem considerar-se abrangidas, o que visava as caixas de empresa já existentes.
Em 29 de Agosto de 1940, através do Decreto n.º 30 711, atribui-se também ao Governo a iniciativa da criação de Caixas de Reforma ou de Previdência e precisa-se o alcance da obrigatoriedade de inscrição dos trabalhadores pertencentes a profissões integradas nas mesmas caixas. Estes princípios vieram a ser desenvolvidos no Decreto-Lei n.º 32 674, de 20 de Fevereiro de 1943, que previu ainda o alargamento de âmbito de quaisquer Caixas Sindicais e de Reforma ou de Previdência e fixou as condições da intervenção do Estado na regularização técnica das mesmas caixas e das Associações de Socorros Mútuos. O mesmo decreto-lei estabeleceu as penalidades aplicáveis aos dirigentes de Instituições irregulares de previdência social e as normas para a regularização ou dissolução destas.
O Decreto-Lei n.º 33 533, de 21 de Fevereiro de 1944, disciplina a actuação das comissões organizadoras das Caixas Sindicais e de Reforma ou de Previdência, estabelece novas regras de depósito de contribuições e revê as penalidades aplicáveis às direcções e entidades contribuintes.
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11. Em 29 de Dezembro de 1945, pelo Decreto-Lei n.º 35 410, inclui-se nos fins estatutários daquelas caixas a concessão do abono de família, o qual fora instituído pelo Decreto-Lei n.º 32 192; de 13 de Agosto de 1942, e reformado pelo Decreto-Lei n.º 33 512, de 29 de Janeiro de 1944, para ser realizado por caixas privativas, que deveriam proteger progressivamente todos os trabalhadores de conta de outrem na indústria, no comércio, nas profissões livres ou ao serviço de quaisquer associações. Remodela ainda o mesmo diploma de 1945 a forma de pagamento das contribuições para as Caixas de Previdência e de Abono de Família.
Estas providências, embora na altura não tivesse sido apreendido por muitos o seu alcance, dada a viragem que traduziam na organização administrativa do abono de família, vieram com o andar dos tempos a evidenciar-se em toda a extensão e de tal maneira que hoje, em face da experiência, se não discutem já as vantagens das soluções então perfilhadas.
12. Poucos meses depois, em 25 de Abril de 1946, com o Decreto-Lei n.º 35 611, surge novo tipo de instituições de previdência social: as federações de serviços, destinadas à execução, segundo planos de conjunto, de funções especializadas de interesse comum das Caixas Sindicais e de Reforma ou de Previdência. Em consequência deste diploma são criadas as seguintes federações de caixas de previdência: Serviços Médico-Sociais, Habitações Económicas, Serviços Mecanográficos e D. I. C. I. (Divulgação, Informação e Cooperação Internacional). Esta última foi dissolvida por portaria de 15 de Junho de 1950, com o fundamento de que, competindo à Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, por força do Decreto n.º 37 836, de 24 de Maio do mesmo ano, a divulgação e informação em matéria de previdência social, ficaria para a Federação apenas a incumbência da representação internacional das instituições federadas, a qual se entendeu poder ser assumida pelas próprias caixas.
No mesmo decreto-lei é revista a regulamentação dos investimentos. Sobre a matéria vieram ainda a ser publicados os Decretos-Leis n.ºs 36 781, de 8 de Março de 1948, 37 440, de 6 de Junho de 1949, e 40 246, de 6 de Julho de 1955.
13. Com o intuito de proporcionar melhores condições para o estudo dos problemas da previdência, o Decreto-Lei n.º 35 896, de 8 de Outubro de 1946, cria o Conselho Superior da Previdência Social, órgão técnico de carácter consultivo, destinado a coadjuvar o Governo na resolução das questões do seguro social e das que com este mais intimamente se relacionem.
Na primeira sessão daquele Conselho, em 23 de Dezembro de 1946, o Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência. Social apresentou a exposição publicada sob o título «A Segurança dos Trabalhadores através do Seguro Social», em que os princípios e realizações da previdência no nosso país e os problemas do seu ulterior desenvolvimento são objecto de extenso e ponderado exame.
No período de mais intensa actividade daquele órgão foram tratadas questões de alto interesse respeitantes ao âmbito da previdência e do abono de família, às relações entre as caixas de previdência e as Casas do Povo, às Casas dos Pescadores e ao esquema do seguro-doença, ao subsídio por morte e às pensões de sobrevivência, tendo algumas propostas do Conselho alcançado consagração legislativa, designadamente no Decreto-Lei n.º 37 426 e nos Decretos n.ºs 37 749 e 37 762, a que adiante se faz referência.
14. Em 28 de Junho de 1947, por despacho do Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, determina-se a ampliação do esquema do seguro-doença das caixas de previdência, passando a considerar-se modalidades essenciais a assistência médica e farmacêutica, em ordem à elevação do nível de saúde dos segurados e pessoas de família a seu cargo, mediante a consignação de certa parcela das contribuições normais, sem prejuízo da acção extraordinária de assistência, a que poderiam ser reservadas outras receitas.
Mais tarde, no Decreto-Lei n.º 37 426, de 23 de Maio de 1949, foi prevista a Caixa Auxiliar de Previdência. Destinava-se essa instituição a assegurar a conservação dos direitos correspondentes às inscrições canceladas nas caixas de previdência por falta de contribuições durante mais de um ano. Tal encargo veio, porém, a ser cometido às próprias caixas em que se encontram canceladas aquelas inscrições (Decreto-Lei n.º 39 365, de 21 de Setembro de 1953). O mesmo diploma conferiu ao Governo a faculdade de prescrever normas sobre a inscrição e a transferência dos beneficiários das caixas.
Em 1950, pelos Decretos n.08 37 749 e 37 762, de 2 e 24 de Fevereiro, respectivamente, é regulamentado o esquema de benefícios das Caixas Sindicais e de Reforma ou de Previdência nas eventualidades de morte e de doença.
É ainda de referir que o Decreto-Lei n.º 38 775, de 5 de Junho de 1952, alterado pelo Decreto-Lei n.º 40 775, de 8 de Setembro de 1956, regulou a continuação facultativa de inscrição nas caixas de previdência, a restituição de contribuições indevidamente pagas às mesmas instituições e a designação dos membros dos corpos directivos nas caixas privativas do pessoal de uma empresa ou grupo de empresas.
15. Embora as Caixas Sindicais e as Caixas de Reforma ou de Previdência hajam constituído distintas categorias, a regulamentação inicial revela pronunciada tendência para a assimilação do segundo tipo ao primeiro. Na evolução legislativa mais se acentua tal assimilação, havendo, porém, que distinguir, na categoria das Caixas cie Reforma ou de Previdência, dois tipos bem caracterizados: o das caixas destinadas à inscrição dos trabalhadores de conta de outrem e o das referentes às profissões livres, diversificadas pelo facto de nas últimas as suas receitas não provirem de entidades patronais contribuintes, o que lhes confere diferentes possibilidades de acção e de organização e justifica regime especial.
16. Pelo mapa n.º 1, anexo, poder-se-á verificar o movimento de constituição de Caixas Sindicais e de Caixas de Reforma ou de Previdência.
Logo em 1936 se constituem duas caixas sindicais, e uma terceira em 1937. Tem início em 1938 a constituição de Caixas de Reforma ou de Previdência. De então até 1948, vai crescendo o número de instituições, procedendo-se nos dois últimos anos desse período à extinção de doze caixas, na generalidade pela fusão com outras da mesma categoria. De 1949 a 1955, a situação mostra-se estável: constituem-se mais quatro Caixas de Reforma ou de Previdência e extingue-se uma, também por fusão. Finalmente, no ano de 1956, reduz-se o número das caixas existentes: extinguem-se sete, criando-se, por união, três novas caixas. No corrente ano extinguiu-se ainda, por integração noutra, a Caixa do Pessoal da Indústria de Fósforos, com o que se deu satisfação aos interessados, a quem naturalmente preocupava a situação deficitária da instituição extinta.
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17. No que respeita ao seu âmbito, as Caixas Sindicais de Previdência e as Caixas de Reforma ou de Previdência com entidades patronais contribuintes podem ser: profissionais, cuja esfera de aplicação se define pelas profissões exercidas ou pelas actividades económicas servidas; regionais, que abrangem todos os trabalhadores de determinada circunscrição territorial, actualmente o distrito; e de empresa ou grupo de empresas. A 3 caixas profissionais podem ainda distinguir-se, pela área de jurisdição, em caixas nacionais e locais, abrangendo estas um só ou mais de um distrito.
Tomando em conta estas distinções, regista-se nos mapas anexos n.ºs 2 e 3 o movimento de constituição das caixas de previdência.
Pelo mapa n.º 2 verifica-se, até 1943, entre as caixas de âmbito profissional, o predomínio das caixas locais. Desde então até 1948, cresce o número de caixas nacionais, diminuindo o das locais, pela extinção de dez, de 1947 a 1948. Entre 1949 e 1955 não há qualquer movimento nas caixas profissionais, sendo de empresa ou sem entidades patronais contribuintes as instituídas no mesmo período. Relativamente às caixas regionais, o seu III mero mantém-se desde 1947. A reorganização iniciada em 1956 abrange caixas de previdência de todos os tipos considerados.
No mapa n.º 3, em que se distinguem as caixas profissional?, segundo as categorias de Caixas Sindicais e de Reforma ou de Previdência, verifica-se que a predomínio das caixas locais sobre as nacionais respeita às caixas da 1.ª categoria, mostrando as de 2.ª, logo de início, tendência para abranger na sua acção todo o País. Este facto parece directamente relacionado com a origem de uma e outra categoria de instituições. Porque as caixas sindicais nascem de convenções colectivas, o seu âmbito está em correlação com o dos organismos nelas intervenientes, em geral, Sindicatos de área distrital. Já entre as Caixas de Reforma ou de Previdência, as relativas às profissões livres correspondem a Sindicatos ou Ordens de âmbito nacional e as demais ou são caixas de empresa ou devem a sua origem à iniciativa do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência.
II PARTE
Situação actual das caixas de previdência
III
Estrutura administrativa
18. A fim de se dar uma ideia geral da estrutura das Caixas Sindicais e de Reforma ou de Previdência que no fim de 1955 se encontravam constituídas ou em organização, faz-se o seu registo no mapa anexo n.º 7. Neste mapa se indicam o ano da constituição de cada caixa, sede, área de jurisdição, modalidades abrangidas, idade e período de garantia do seguro de reformas, quantitativo do subsídio regulamentar por morte, taxas de contribuição e número de contribuintes e beneficiários.
Verificou-se no ano findo a união da Caixa Sindical d) Pessoal da Panificação com a da Moagem e Massas, a da Caixa dos Bordados da Madeira com a dos Operários do Funchal e a da Caixa de Previdência dos Empregados de Escritório com a do Pessoal dos Organismos Económicos, bem como a fusão de uma caixa de empresa na Caixa de Previdência dos Técnicos o Operários Metalúrgicos e Metalomecânicos.
No tipo das caixas sem entidades patronais contribuintes englobam-se, no mapa n.º 7, duas caixas de trabalhe dores subordinados, de características especiais: a do pessoal de uma casa agrícola e a dos funcionários da Câmara Municipal de Lisboa. Abrange a primeira, no seu esquema, apenas o subsídio de doença, e destina-se a segunda unicamente à concessão de subsídio por morte. As demais caixas daquele tipo são caracteristicamente de profissões liberais.
As caixas dos restantes tipos são destinadas à inscrição do pessoal subordinado das empresas do comércio e da indústria. Na sua maioria estas instituições cobrem as modalidades de doença, invalidez, velhice, morte e abono de família. Tal é, em 1955, a situação verificada em 51 caixas, englobando 634 784 beneficiários, no total de 63 instituições, constituídas e em organização, e de 673 817 beneficiários (vide mapas n.ºs 8 e 9).
As Caixas de Previdência do Pessoal da Indústria de Cimentos e da Indústria Carbonífera encontram-se agrupadas em federações, designadas precisamente «Cimentos» e «Carvões». Estas federações, previstas na regulamentação inicial, ao abrigo do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 1884, compreendem ás caixas do pessoal das empresas da mesma natureza ou afins, sem prejuízo da sua personalidade jurídica e autonomia administrativa, e assumem normalmente a orientação do conjunto das actividades das caixas federadas, podendo ficar a seu exclusivo cargo uma ou outra modalidade.
19. São já de natureza diferente as federações de serviços, criadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 35 611, as quais visam a realização de obras sociais ou actividades específicas das caixas interessadas. Encontram-se em funcionamento três federações deste género: a dos Serviços Médico-Sociais, a das Habitações Económicas e a dos Serviços Mecanográficos.
A mais importante, pelo seu campo de acção, é a Federação de Caixas de Previdência - Serviços Médico-Sociais, cujo fim é o de assegurar o nível básico das prestações do seguro-doença. Encontra-se, assim, no centro dos problemas relativos à definição do esquema daquele seguro.
A Federação, com os estatutos aprovados em 15 de Junho de 1946, foi inicialmente constituída pelas duas caixas de maior população - Caixas Sindicais de Previdência dos Profissionais do Comércio e do Pessoal da Indústria Têxtil. Sucessivamente, foi-se registando a inclusão de outras instituições. As caixas integradas eram 34 em 1954, passando para 32 em 1955, em consequência da união de algumas instituições.
A população protegida pela Federação, que em 1946 era de cerca de 19 000 pessoas, passou em 1955 e 1956, respectivamente, para cerca de 900 000 e 1 060 000, compreendendo 430 000 e 508 000 beneficiários e cerca de 445 000 e 553 500 familiares. A partir de 1953 o número de familiares que beneficiam da acção médico-social do organismo passou a ser superior ao número de segurados.
Também o mapa n.º 12 revela que em 1955 o número de consultas ultrapassou 2 milhões, e que foram prestados cerca de 4 300 000 serviços de enfermagem, a par de 400 000 outros serviços. No mesmo ano a Federação despendeu mais de 84 500 contos, dos quais cerca de 90 por cento com encargos de acção médico-social e 10 por cento em despesas de instalação, apetrechamento e administração. Em 1956, encontravam-se ao serviço da Federação 1233 médicos e 715 enfermeiros. Para se avaliar a importância da acção da previdência na melhoria do nível sanitário do País, adiante se fará referência nos elementos globais relativos ao seguro-doença, que incluem, por isso, a actividade da Federação e a exercida directamente pelas caixas.
20. A segunda das Federações referidas - Habitações Económicas - destina-se à construção de casas
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económicas e de renda económica pela aplicação dos capitais da previdência.
Foi esta Federação constituída em 1946 t até final do ano de 1955 tinham sido aprovados planos de financiamento no montante de 331 000 contos para a construção de cerca de 3600 fogos. (Excluem-se os prédios construídos directamente pelas caixas).
Vem ainda a Federação prestando às caixas federadas a assistência que em assuntos de sua especialidade elas lhe solicitam, incluindo designadamente a avaliação de imóveis de rendimento para efeitos de aquisição.
21. A última das Federações indicadas - Serviços Mecanográficos -, criada em 1947, tem por objectivo a execução dos trabalhos mecanográficos que interessem às instituições. O Decreto-Lei n.º 39 365, de 21 de Setembro de 1953, confiou-lhe também a tarefa da organização do ficheiro central de inscrições canceladas, à qual veio a acrescentar-se o serviço de compensação, entre as várias caixas, dos créditos resultantes das transferências dos beneficiários. Para 11 instituições, a que correspondiam 249 000 beneficiários, realizou esta Federação, no ano de 1955, como se vê pelo mapa n.º 17, os serviços de registo vitalício das remunerações dos beneficiários e elaborou mapas para balanços técnicos e de outros elementos estatísticos (salários médios, categorias profissionais, etc.). Ainda no mesmo ano, o ficheiro central de inscrições canceladas teve o movimento correspondente a no 500 beneficiários, de 23 instituições de previdência, e foram realizadas transferências respeitantes a 7000 inscritos, bem como serviços diversos que provocaram a utilização de 30 000 fichas. A experiência adquirida em mecanografia facilitará consideràvelmente os trabalhos de execução da reforma que é objecto desta proposta.
IV
Campo de aplicação
22. Pelo princípio da realização progressiva da previdência, que também foi adoptado para o abono de família, o campo de aplicação destes dois sistemas de protecção social tende a abranger a generalidade dos trabalhadores, embora circunscrevendo-se, no que toca ao abono de família, ao conceito de trabalhador subordinado ou de conta de outrem.
Em concreto, porém, aquele campo de aplicação é delimitado pelo âmbito que para as caixas constituídas fixam os respectivos estatutos e que sucessivos despachos ministeriais têm alargado, já directamente, já indirectamente, pela extensão a outras empresas ou a outros profissionais, das cláusulas de convenções colectivas ou das disposições de despachos de regulamentação do trabalho.
Foi relativamente ao abono de família que, logo de início, pela constituição de caixas regionais, se obteve maior aproximação do campo de aplicação tendencial. Apenas nos distritos de Lisboa e Porto, em que se observou rigorosamente a regra do enquadramento progressivo na definição do âmbito das caixas regionais respectivas, se encontram ainda à margem da organização do abono de família alguns sectores profissionais, o que é mais saliente em Lisboa por virtude da integração, em 1947, da sua caixa regional na 'Caixa Sindical de Previdência dos Profissionais do Comércio. Desde então, neste distrito, o alargamento do campo de aplicação do abono de família seguiu o da previdência, estando assim excluídas daquele benefício algumas profissões, como as da construção civil e alfaiataria, entre outras.
23. As várias caixas de previdência abrangem, de uma forma geral, os trabalhadores ocupados na satisfação de necessidades normais das empresas interessadas.
Em conformidade com o proposto pelo Conselho Superior da Previdência Social, no seu parecer n.º 3, esclarecido por despacho de 18 de Dezembro de 1953, classificam-se como adventícios, para efeitos de não serem abrangidos pelas caixas de previdência, os trabalhadores que sejam chamados a realizar serviços não exigidos pelas necessidades normais das empresas e que não exerçam em regra profissão por conta de outrem, ou sejam trabalhadores agrícolas ou domésticos, ou, ainda, que regularmente se ocupem em .actividades não enquadradas nas caixas.
Situam-se, porém, no círculo dos beneficiários os sócios das empresas que, ao serviço destas e subordinados às respectivas direcções ou administrações, desempenham, mediante remuneração, as profissões abrangidas pelas caixas. Mas é de notar que tal doutrina não tem sido pacificamente aceite pela jurisprudência, tornando-se, por isso, necessária uma disposição legal que afaste quaisquer dúvidas.
Questão debatida tem sido a da possibilidade de inscrição, como beneficiários das caixas de previdência, dos trabalhadores de conta própria. Admitidos, como regra geral, a título facultativo, pelos regulamentos das primeiras Caixas Sindicais, esses trabalhadores passaram, após o Decreto-Lei n.º 32 674, de 20 de Fevereiro de 1943, a ser obrigatoriamente considerados beneficiários das mesmas caixas. Formou-se, todavia, jurisprudência contrária à sua inclusão obrigatória nas Caixas Sindicais de Previdência. Em face disso suspendeu-se, desde 29 de Junho de 1949, tal inclusão relativamente a algumas instituições, até que, por despacho ministerial de 29 de Abril de 1952, foi a suspensão tornada extensiva a todas as caixas, tanto sindicais como de reforma ou de previdência. O mesmo se determinou quanto à inscrição dos cônjuges dos proprietários dos estabelecimentos comerciais e industriais e dós parentes dos mesmos proprietários que nos respectivos estabelecimentos exerçam funções profissionais sem remuneração.
V
Eventualidades e esquemas de benefícios
24. Além dos riscos de doença, invalidez e velhice previstos na Lei n.º 1884, e do risco de morte, incluído, logo nos primeiros decretos regulamentares, entre as eventualidades protegidas pelas Caixas Sindicais de Previdência, inscreveu-se entre as modalidades normais daquelas caixas a concessão do abono de família (Decreto-Lei n.º 35 410, de 29 de Dezembro de 1945).
Embora o abono de família possa ser considerado prestação de previdência social, ampliando-se o conceito do risco protegido, de forma a compreender, não apenas cada eventualidade de per si, mas, em geral, a situação de insuficiência dos proventos do trabalho perante as necessidades vitais do trabalhador e sua família, na nossa legislação o regime do abono não se confunde com o da previdência social, tendo obedecido a razões de ordem meramente administrativa a integração daquele nas modalidades regulamentares das caixas de previdência.
Consta do mapa n.º 4 o movimento de constituição de caixas e de integração do abono de família.
Deve esclarecer-se que nesta proposta se acentua a integração administrativa do abono e da previdência, sem alteração fundamental do sistema vigente, continuando aquele a ser regulado por legislação privativa.
Na regulamentação das caixas de previdência foram desde começo previstas normas comuns para a concessão dos benefícios correspondentes às modalidades normais
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dos seguros doença, invalidez, velhice e morte, estabelecendo-se os limites mínimos dos respectivos períodos de garantia e os quantitativos máximos das prestações. Aquelas normas encontram-se actualmente compreendida: no modelo geral do regulamento, aprovado por despacho de 30 de Abril de 1954, para as caixas de previdência com entidades patronais contribuintes.
A seguir se descrevem a evolução e a situação actual das modalidades de previdência exercidas pelas caixas, com especial menção das relativas aos trabalhadores por conta de outrem. Far-se-á também breve referência às prestações do abono de família.
25. De início, a cobertura do risco-doença pelas caixas limitava-se à concessão de subsídio pecuniário, como indemnização do salário perdido, a partir do terceiro dia de impedimento, e à prestação de assistência médica, incluindo a visita no domicílio, quando necessária. Embora a concessão de assistência médica estivesse grevista independentemente do subsídio pecuniário, este era, no esquema primitivo, a principal prestação do seguro-doença, sendo a assistência médica benefício acessório e servindo fundamentalmente para comprovação das baixas que dão direito ao subsídio.
À margem dos compromissos regulamentares, foram as caixas desenvolvendo as prestações de assistência médica e medicamentosa, segundo as possibilidades dos seus fundis de assistência, estabelecendo-se tal variedade de esquemas, que se mostrou conveniente a fixação de certas negras comuns. A sobreposição do âmbito territorial das várias caixas levou à constituição, em 1946, da Federação - Serviços Médico-Sociais, cujo esquema de prestações se procurou servisse de paradigma aos serviços próprios das caixas não federadas.
Pelo despacho de 28 de Junho de 1947, já (referido, incluiu-se no esquema regulamentar de benefícios das caixas de previdência, através do fundo de assistência ordinária, a concessão de assistência médica e farmacêutica. Esta veio a ser regulamentada peão Decreto n.º 37 762 de 24 de Fevereiro de 1950, que concretizou o esquema do seguro-doença, nos impedimentos de duração não superior a duzentos e setenta dias, continuando a cobertura dos casos de doença prolongada, além daquele período, aia dependência das possibilidades de actuação extraordinária de cada caixa.
Como se regista no mapa n.º 10, despenderam as caixas de previdência, no ano de 1955, em subsídios na doença, 76 335 contos e, em acção médico-social, 145 458 contos, no total de 221 793 contos. A assistência extraordinária custou 27 818 contos no mesmo ano. Conforme evidencia o mapa n.º 13, naquele ano, o número de consultas foi de cerca de 3 milhões, tendo sido prestados quase 6 milhões de serviços de enfermagem e diversos elementos auxiliares (radiografias, análises, etc.) em número superior a meio milhão.
Calculadas as mesmas despesas em função dos salários sobre que incidiram as contribuições, conforme estudo feito em relação a quarenta e sete das caixas interessadas, verifica-se sensível diversidade de instituição para instituição. Efectivamente, as despesas com o subsídio pecuniário variaram entre 0,21 e 3,11 por cento em 1954, e entre 0,47 e 3,38 por cento em 1955. As despesas com a acção médico-social, seguindo aquele estudo, apresentara valores que vão de 1,51 a 8,22 por cento em 1954 e de 0,30 a 9,48 por cento em 1955.
Nos mesmos anos, umas e outras despesas representam, no seu conjunto, percentagens de 1,4 e de 2,9 sobre os salário;) normais, respectivamente para o subsídio pecuniário e para a acção médico-social.
O regime do subsídio por doença é praticamente uniforme nas caixas de previdência, com excepção das caixas da indústria de cimentes, em que o período de concessão do subsídio atinge doze meses. Em relação, porém, às prestações de assistência médica e medicamentosa, verificam-se maiores divergências confere as várias instituições, de acordo com as respectivas possibilidades ou com a extensão dada aos seus serviços quando à margem da Federação.
26. Na generalidade, as caixas de previdência garantem o pagamento de pensões vitalícias aos seus segurados que venham a encontrar-se definitivamente incapacitados para o exercício da profissão, excluídos os casos de acidente de trabalho ou doença profissional. A Caixa de Previdência dos Profissionais de Espectáculos cobre apenas a incapacidade para todo e qualquer trabalho. Exige-se também a comprovação de impossibilidade geral do exercício de qualquer profissão nos casos de continuação facultativa de inscrição e mós de inscrição cancelada. Não garantem o seguro de pensões três caixas de previdência sem entidades patronais contribuintes.
O período de garantia das pensões de invalidez e de velhice é, na maioria das caixas, de dez anos, estabelecendo-se em dez caixas o de cinco e, em duas apenas, o de quinze anos. Geralmente as pensões de invalidez, como as de velhice, correspondem a 20 por cento do salário médio ao fim de dez anos de contribuição, aumentando seguidamente 2 por cento por cada novo ano até ao máximo de 80 por cento. O cálculo do salário médio reporta-se ao último período de quarenta anos de contribuição. Nas caixas em que se fixou o período de garantia de cinco anos é maior o factor de crescimento das pensões até àquele máximo, adoptado por forma geral.
Verificando-se a invalidez para qualquer profissão sem que o segurado conte nas suas inscrições dez anos de contribuição, ser-lhe-á efectuado o reembolso das contribuições pagas em seu nome para efeitos de pensão de invalidez e velhice.
Em virtude da exigência do período de garantia, que em geral é de dez anos, os problemas da execução do seguro de invalidez só podiam ser postos em fase ulterior à da constituição das caixas, acrescendo o facto de as primeiras pensões a conceder respeitarem a curtos prazos de inscrição, dos quais resultam pensões reduzidas.
Em relação a 1955, como se vê no mapa n.º 10, despenderam as caixas de previdência 17 980 contos em pensões de invalidez. Mais de metade dessa importância refere-se a pensionistas de caixas de empresa já existentes à data da Lei n.º 1884.
27. A regulamentação inicial atribuía às caixas de previdência vincadas características de caixas de pensões: ao lado da pensão de invalidez, incumbia-lhes o pagamento de pensões de reforma por velhice.
A excepção de duas caixas, a dos Trabalhadores do Porto de Lisboa e a do Pessoal da Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal, em 1955 previam a concessão de pensões de velhice as mesmas caixas que se destinavam a atribuir pensões de invalidez, sendo comuns a uma e outra modalidades as regras respeitantes aos períodos de garantia e à formação e limite das pensões.
Na maioria das caixas, a idade estabelecida para a reforma é a dos 65 anos. Das caixas existentes em 1955, cinquenta e uma adoptaram essa solução, fixando-se em duas caixas, para o efeito, a idade entre 60 e 70 anos, conforme as situações, e nas oito restantes a idade de 70 (vide mapa n.º 8). No caso de inscrições canceladas, a idade de reforma não será inferior a 70 anos, nem à idade de admissão acrescida de dez anos. Tal como se prescreve em relação à invalidez, a verificação da idade
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de reforma sem que haja sido vencido o período de garantia dá lugar a reembolso de contribuições.
A experiência das caixas de previdência, no respeitante às pensões de reforma por velhice, como em relação às de invalidez, é ainda bastante limitada, em consequência da Deduzida antiguidade dais inscrições em curso. Acresce que o início da concessão dag pensões depende da vontade dos interessados, a quem os quantitativos que elas no presente podem alcançar não convidam à cessação do exercício profissional.
No ano de 1955 foram pagas pelas caixas de previdência pensões de velhice no montante de 12 673 contos, dos quais 6259 se reportam a duas caixas já existentes à data da Lei n.º 1884.
28. As caixas de previdência concedem subsídio por morte, pago por uma só vez aos familiares do beneficiário falecido, desde que estivessem a cargo deste e com ele convivessem. As regras a que deve obedecer a concessão dos subsídios encontram-se uniformemente estabelecidas pelo Decreto n.º 37749, de 2 de Fevereiro de 1950. Das caixas existentes em 1954, só não compreendiam a modalidade de morte as dos Empregados da Assistência, dos Profissionais de Espectáculos, dos Empregados do Banco de Angola e da Casa Agrícola Santos Jorge.
É geral o período de garantia de três anos de contribuição, variando, porém, o montante do subsídio entre dois e doze meses do salário médio do segurado nas caixas de previdência do pessoal de conta de outrem, como se regista no mapa n.º 7.
Cancelada a inscrição do beneficiário, o subsídio não sofrerá alteração se o cancelamento for motivado por invalidez; em caso contrário, será apenas igual a dois meses do salário médio, sujeito a redução proporcional ao tempo de actividade do segurado a que não correspondeu pagamento de contribuições. Se a morte do segurado sobrevier antes de se vencer o período de garantia da concessão do subsídio, os familiares interessados terão direito ao reembolso das contribuições pagas em nome do falecido para a modalidade morte.
As caixas de previdência das profissões livres asseguram subsídios variáveis desde um mínimo obrigatório até um máximo de subscrição facultativa, segundo consta do referido mapa n.º 7.
Como se vê no mapa n.º 10, as caixas de previdência despenderam, no ano de 1955, mais de 8000 contos em subsídios por morte. Registam-se nesse mapa algumas caixas, constituídas ou em organização, que, ao abrigo de regulamentos anteriores à Lei n.º 1884, mantêm pensões de sobrevivência em relação a certos grupos fechados de beneficiários nelas inscritos.
A concessão de tais pensões foi ressalvada pelo artigo 21.º da mesma lei e limitada às caixas que à data desse diploma as tivessem estabelecido. A sua inclusão no esquema normal das caixas de previdência está estreitamente ligada aos problemas respeitantes à execução do seguro de reforma e seu regime financeiro. Com efeito, as pensões de sobrevivência, quer nos seus quantitativos, quer na sua cobertura, inserem-se no esquema das pensões de reforma, medindo-se por uma fracção destas e determinando a correspondente capitalização.
29. Nos termos da legislação em vigor, os benefícios do regime do abono de família concretizam-se em subsídios pecuniários mensais, calculados em proporção, quer ao número de dias de trabalho efectivamente prestado pelos beneficiários, exigindo-se um mínimo de vinte dias para o pagamento por inteiro, quer ao nível da remuneração mensal do beneficiário, em sistema de escalões, quer ainda ao número de familiares a seu cargo. A lei prevê também outros auxílios em dinheiro (subsídios de casamento, de nascimento de filhos, de renda de casa, de aleitação e de funeral) e em espécie (vestuário e senhas de refeições económicas).
Funciona o regime de abono em sistema de compensação, a qual se efectua, primeiramente em cada caixa, mediante contribuição uniforme cobrada das entidades patronais em percentagem das remunerações dos trabalhadores. Em segundo grau, compensam-se os saldos de gerência das caixas por intermédio do Fundo Nacional do Abono de Família, regulado pelo Decreto n.º 37 739, de 20 de Janeiro de 1950.
Por despacho de 1 de Maio de 1955 foi determinado que:
Em nome da justa repartição dos encargos sociais do abono de família pelas actividades económicas, se adopte o princípio de igualdade da taxa de contribuições obrigatórias para todas as entidades patronais.
Em nome da natural solidariedade do mundo do trabalho e das melhores conveniências do agregado nacional, se estabeleça, como regra, o princípio da igualdade dos escalões do abono para o maior número possível de trabalhadores, independentemente da pluralidade das respectivas caixas.
Assim se alargou à generalidade das caixas a vantagem do princípio da compensação entre as contribuições das várias empresas nelas inscritas, tornando possível que ao mesmo nível de salários corresponda o mesmo escalão de abono para todos os trabalhadores com encargos familiares idênticos. Este despacho fixou uma tabela de abonos uniforme para todas as instituições e uniformizou em 7 por cento dos ordenados ou salários a taxa de contribuição para abono de família.
Pára se medir a projecção social do regime do abono, basta ler o mapa anexo n.º 18. Por ele se verifica que em 1955 concediam abono de família setenta e três instituições, das quais dezoito eram caixas privativas e caixas de previdência as restantes. No mesmo ano, estavam inscritos, para efeito de abono de família, quase 800 000 beneficiários, a que correspondiam mais de 681 000 familiares com direito a abono, dos quais cerca de 592 000 descendentes. Também no mesmo ano as referidas instituições despenderam em abonos e subsídios 421 442 contos. Desde a instituição do abono de família até ao presente, foram pagos abonos num total superior a 4 000 000 de contos.
Os subsídios concedidos às caixas pelo Fundo Nacional do Abono de Família desde a sua criação excedem 400 000 contos, tendo sido em 1955 e 1956 de mais de 100 000 contos (mapa n.º 19).
VI
Financiamento e aplicação de valores
30. As receitas normais das caixas de previdência destinadas à inscrição dos trabalhadores de conta de outrem provêm de contribuições obrigatórias dos beneficiários e das respectivas empresas. As caixas das profissões livres só recebem contribuições dos segurados. Umas e outras contam, entre as receitas normais, com os rendimentos da aplicação dos seus fundos. Algumas caixas beneficiam ainda do produto de taxas especiais.
As contribuições dos trabalhadores suo cobradas por meio de desconto feito nos respectivos salários ou ordenados pelas entidades patronais. Compete às mesmas entidades depositar essas contribuições juntamente com aquelas que constituem seu encargo. Na generalidade
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das caixas de previdência de trabalhadores subordinados, o montante das contribuições orça por 20,5 por cento idas remunerações normais: 7 por cento destinam-se ao financiamento do abono de família.
Registam-se nos mapas n.ºs 8 e 9 as várias taxas de contribuição, vigentes em 1955, exclusivamente referidas às modalidades de previdência. Verifica-se disparidade, quer nas percentagens globais, quer na sua distribuição entre os segurados e as empresas. Vigoram contribuições por idades em duas caixas, a que correspondem [...] segurados.
Numa destas caixas, a dos Empregados do Banco de Angola, distribui-se a contribuição em partes iguais pelos segurados e pela empresa; na outra, a do Pessoal da Companhia Portuguesa Rádio Marconi, cabem aos segurados 4 por cento das remunerações, contribuindo a empresa com o remanescente, entre 6,74 e 17,30 por cento, conforme as idades.
Nas restantes praticam-se taxas globais, que vão de 10,5 a 12,5 por cento em doze caixas, de 13,5 a 15,5 por cento em trinta e sete e de 16,5 a 20 por cento em doze instituições, nas quais estão inscritos, respectivamente, 90 820, £44 675 e 37 071 beneficiários. A estes correspondem, em três caixas, as contribuições de 4,5 e 5 por cento; em onze, as de 6,5 e 7 por cento, e, em quarenta e sete, a de 5,5 por cento. O número de beneficiários de cada um destes grupos e, respectivamente, de 4626, 55 600 e 612 340.
31. A Lei n.º 1884 previu a representação dos valores da reserva matemática e do fundo de reserva das caixas de previdência apenas em moeda, títulos do Estado ou por ele garantidos, imóveis para instalação ou rendimento e em casas económicas. Desde a regulamentação inicial, ficou dependente de despacho do Subsecretário de Estado das Corporações a escolha entre estes modos de aplicação.
Como se vê do mapa n.º 13, só em 1939 começou o investimento em imóveis. Em 1946, quando os valores das caixas haviam ultrapassado meio milhão de contos, o Decreto-Lei n.º 35 611, de 25 de Abril, admitiu ainda, o investimento em casas de renda económica como contributo para a resolução do problema habitacional. Em cada um dos anos seguintes praticamente duplicou o volume de valores aplicados em imóveis.
Em 1947, os valores das caixas de previdência atingiam cerca de 1 200 000 contos.
O Decreto-Lei n.º 36 781, de 8 de Março de 1948, permitiu que os capitais das caixas passassem também a ser representados por acções e obrigações de empresas que ofereçam segurança e se proponham actividades ou fins que o Conselho de Ministros reconheça essenciais para a economia nacional.
No final daquele ano, os valores das caixas atingiam 1 500 000 contos, encontrando-se investidos em obrigações de empresas 86 000 contos.
O volume de disponibilidades das caixas e o ritmo do seu crescimento mostravam a necessidade de fazer submeter a sua aplicação a planos aprovados pelo Governo bem como a de lhes proporcionar modalidades de investimento em títulos do Estado com garantia de rendimento não inferior à taxa prevista nos estudos actuariais. Assim, o Decreto-Lei n.º 37 440, de 6 de Junho de 1949, autorizou a emissão de certificados especiais de dívida pública, não negociáveis nem convertíveis, mas resgatáveis pelo valor nominal, destinados à colocação daqueles capitais, e os respectivos investimentos passaram a enquadrar-se em planos de conjunto que tomam em conta, além das condições de segurança e rendimento, os interesses gerais da economia da Nação. Aqueles certificados especiais têm sido emitidos à taxa de 4 por cento.
No final de 1949, o conjunto dos valores das caixas atingia 2 milhões de contos, dos quais se encontravam investidos: em títulos do Estado, 42,8 por cento; em
imóveis, 34,2 por cento; em obrigações de empresas, 7,7 por cento, e em acções, 1,9 por cento.
Em 29 de Dezembro de 1952 - eram então os valores das caixas superiores a 3 milhões de contos - a Lei n.º 2058, que aprovou o Plano de Fomento, em execução, atribuiu ao Governo, através do Conselho Económico, competência para promover o investimento em títulos ou certificados da dívida pública ou na subscrição directa de acções e obrigações de empresas interessadas naquele Plano.
Quanto às aplicações na construção de casas económicas, o Decreto-Lei n.º 40 246, de 6 de Julho de 1955, subordinou-as a planos aprovados pelo Ministro das Corporações e Previdência Social, incumbindo a distribuição e a administração dos respectivos bairros aos serviços do mesmo Ministério. Estes outorgarão por parte das instituições nos contratos a celebrar com os serviços do Ministério das Obras Públicas, por intermédio dos quais aquelas construções devem efectuar-se.
No referente aos valores consignados aos fundos de assistência e de obras culturais e sociais, poderão ser autorizados os investimentos, que se mostrem consentâneos com os objectivos desses fundos.
De 1949 para cá, os valores das caixas vêm aumentando em cerca de meio milhão de contos anuais. No começo do ano corrente, aqueles valores atingiam 5 450 000 contos, encontrando-se invertidos, em títulos do Estado, em imóveis, em obrigações e em acções, respectivamente, 50,9, 15,5, 18,7 e 11 por cento.
III PARTE
As reformas propostas
VII
Sua necessidade no aspecto administrativo
Descentralização dos seguros de prestações imediatas
Centralização dos seguros a longo prazo
32. Caracteriza-se a actual organização das caixas de previdência por uma estrutura administrativa de múltiplas instituições, que, na sua maioria, cobrem o mesmo complexo de modalidades, segundo esquemas análogos. Distinguem-se as caixas apenas pelas condições da sua criação e pelos títulos definidores da população abrangida. Os seus âmbitos sobrepõem-se territorialmente, abarcando todo o País vinte das trinta caixas que se não circunscrevem ao pessoal duma empresa ou grupo de empresas.
Os variados títulos de integração nas caixas de previdência - integração essa definida, ora pelas convenções colectivas de trabalho ou pelas portarias da criação das caixas, ora pela representação sindical dos trabalhadores ou pelas suas profissões, ora pela inscrição gremial ou pela actividade das empresas- conduzem a numerosos conflitos de competência entre as instituições e impõem a intervenção frequente de despachos para resolver esses conflitos, já pela formulação de critérios de aplicação geral, já mediante decisões tomadas no plano casuístico. As dúvidas respeitantes ao âmbito das instituições reflectem-se perniciosamente nas relações das caixas com as empresas e com os beneficiários, provocando, por vezes, atrasos na entrega das contribuições ou dos benefícios, com deploráveis consequências. Tudo isto tem afectado, frequentemente, o prestígio das caixas e originado diversas perturbações, cujas causas se torna urgente eliminar através de medidas apropriadas.
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33. A acção médico-social da maioria das caixas encontra-se centralizada numa federação de serviços de âmbito nacional.
A criação da Federação não conseguiu obstar a que se mantivessem serviços próprios de carácter médico-social por parte das caixas, ou porque estas não chegaram a federar-se ou porque a acção daquela não pôde ainda tornar-se extensiva a todo o País.
Das modalidades praticadas, só as respeitantes aos benefícios diferidos podem dispensar o contacto directo com os segurados. Já as referentes aos benefícios imediatos, designadamente a concessão de assistência médica e medicamentosa, requerem aproximação entre os serviços das caixas e os beneficiários, até como garantia duma continuada e eficaz acção esclarecedora e educativa.
Vários inconvenientes derivaram também de se haver cindido o serviço das prestações do seguro-doença: a assistência médica ficou entregue à Federação, enquanto o subsídio pecuniário permaneceu a cargo directo das caixas, o que provoca, como a experiência tem evidenciado, perturbadoras duplicações de trabalho, de registos e de ficheiros.
Por outro lado, a natureza dos serviços de saúde, essencialmente ligados à pessoa do beneficiário, conduziu inevitavelmente à Federação a descentralizar a sua organização própria, sem possível utilização dos serviços locais das instituições.
A eficiência da Federação dos Serviços Médico-Sociais exigiria ainda a integração nas suas funções do processamento e concessão do subsídio por doença. Neste caso converter-se-ia a Federação em verdadeira caixa nacional do seguro-doença e ficaria evidenciado o sentido da evolução da estrutura da previdência, que só o actual regime de processamento dos subsídios não deixa entrever: a organização centralizada do seguro-doença e a extrema dispersão do seguro a longo prazo. Ora, tudo parece indicar que o caminho seja precisamente o contrário: descentralização nos seguros imediatos e concentração nos seguros diferidos.
34. As caixas existentes obedecem, em geral, a um regulamento-tipo que a todas atribui funções, estruturas e esquemas idênticos. Em face desta circunstância, poderia ter-se sido tentado a constituir uma caixa única para o todo País, para todas as actividades e para as diversas modalidades da previdência. A realidade, contudo, mostra que as experiências já feitas no domínio das grandes concentrações ou planificações de âmbito nacional não têm, em regra, provado bem. Antes vêm sendo causa de embaraços e de preocupações. Compreende-se que assim seja no respeitante às modalidades do seguro a curto prazo, pois o beneficiário não está em condições de poder conhecer ou sentir a acção duma caixa situada a grande distância. Esta caixa, por sua vez, tende naturalmente a não tomar na devida conta os problemas, próprios de cada beneficiário ou, se os considera, nem sempre pode, por falta de contacto ou de elementos, adoptar a melhor solução para os interesses em causa. As relações que assim se estabelecem tomam quase exclusivamente aspectos formais e burocráticos e desenvolvem-se em ambiente de desconhecimento, quando não de desconfiança mútua.
É sobretudo no campo da acção médico-social que mais imperioso se torna fomentar a intimidade entre a instituição e o beneficiário, pois aqui os aspectos humanos assumem a maior relevância. Este objectivo só pode atingir-se através de caixas regionais destinadas ao seguro de doença e à concessão do abono de família. De resto, por esta forma poder-se-á proceder a uma fiscalização mais eficiente e a mais pronta e perfeita identificação, dos beneficiários ë contribuintes.
35. É evidente que a organização do seguro-doença não dispensa, antes implica, a coordenação das actividades médico-sociais e a compensação de encargos das várias instituições. Para tanto se prevê a criação de um órgão central - Federação de Caixas de Previdência e Abono de Família - que assumirá, com real vantagem, em assuntos de interesse comum, a representação das caixas, sem quebra da autonomia que a estas se reconhece.
Poder-se-á objectar que no estabelecimento das bases dá previdência social se concebeu maior diferenciação de instituições, atendendo às diversas possibilidades de cada sector profissional. À mesma contribuição deveriam corresponder, nesse pensamento, prestações diferentes, desde que, por exemplo, as taxas de invalidez de certos grupos fossem notavelmente superiores às dos demais. Seria o princípio da diferenciação, erigido em absoluto, contrapondo-se ao da compensação social dos riscos, que se julga inerente a qualquer organização de previdência social.
verdade é que o princípio da diferenciação não está em causa, nem o nega sequer a compensação que se pretende estabelecer, na qual os benefícios prometidos se mantêm condicionados pelas diferenças profissionais expressas no quantitativo das remunerações, base da contribuição.
A natureza profissional deixou de constituir rigorosamente uma das características das caixas, pelo recurso a sucessivos alargamentos de âmbito, que em muitos casos se verificaram pouco depois de constituídas. O princípio, consagrado a partir de 1944 nos próprios regulamentos das Caixas Sindicais, de enquadramento obrigatório de todo o pessoal ao serviço das empresas abrangidas, sejam quais forem as profissões desempenhadas, retirou de modo geral às caixas de previdência o primitivo carácter profissional.
Tal orientação impunha-se, quanto mais não fosse, pela necessidade de evitar que uma empresa estivesse dependente de múltiplas caixas de previdência.
A concentração efectuada em caixas de âmbito nacional só torna possível a participação dos trabalhadores e das empresas de distritos diversos daquele onde a caixa tem a sede, mediante custosas deslocações, impondo a opção entre a conveniente participação dos interessados na administração das caixas e a necessária economia de despesas administrativas. A caixa regional representa a fusão de várias caixas sindicais no nível distrital, mantendo todas as virtualidades de uma organização igualmente acessível aos mais directos interessados.
36. Não parece oferecer qualquer vantagem manter na mesma instituição modalidades de índole tão diferente como as do abono ide família e as do seguro-doença, seguro de prestações imediatas, por um lado, e, por outro, as respeitantes aos seguros diferidos. Os seguros a longo prazo, como os de invalidez e de velhice, têm de guardar, com todas, as cautelas, os necessariamente volumosos saldos de gerência. Os seguros de prestações imediatas vivem no difícil equilíbrio do dia a dia, sob a pressão de crescentes necessidades e exigências e o consequente agravamento das despesas. Será difícil aos segurados compreenderem uma instituição que em relatórios de gerência revela a posse de grandes reservas, embora destinadas a cobrir compromissos futuras, e que, na satisfação das necessidades presentes, lhes põe naturalmente várias restrições de ordem financeira.
Tal confusão está mesmo bastante generalizada e tem-se apoderado de muitos espíritos, que não se dispõem a descer à análise meticulosa das questões. É sabido que os incompreensões e as injustiças de que têm
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sido VI a mas as caixas de previdência repousam muito na suposição de que é possível consumir as reservas destinadas à satisfação de encargos futuros na melhoria ou extensão das prestações imediatas. Constitui, assam, ameaça para a segurança financeira dos seguros a longo prazo esta visão simplista e defeituosa, sugerida pelo actual sistema administrativo das caixas - que abrangem com juntamente o abono de família e a protecção na doença, bem como ia concessão de pensões na invalidez era velhice.
Pelo exposto, caminha-se agora para a atribuição a instituições diversas da responsabilidade da cobertura daqueles dois tipos de riscos sociais, tão diferentes em muitos dos seus aspectos.
37. A integração do seguro de pensões em numerosas caixas suscita consideráveis dificuldades para o necessário conhecimento da evolução do mesmo seguro. Com efeito, dada a generalização atingida pela previdência social, os encargos das reformas devem «sobretudo ser apreciadas, não isoladamente, mas em conexão estreita com os índices de natureza demográfica e económica do conjunto das diversas actividades do comércio e da indústria.
Pelo contrário, cada caixa de previdência dirigida a um só grupo de profissões, a uma única actividade económica ou exclusivamente ao pessoal de uma empresa, apresentará características próprias, desconhecidas ou mal antevistas no geral.
A apreciação financeira da situação de cada instituição de previdência, atenta ainda a sua autonomia neste campo, não poderá fazer-se com base em previsões que valem para o conjunto, mas que não são, em regra, válidas para cada uma das parcelas. A distribuição por idades da população activa da indústria têxtil não é, por certo, a mesma que a do pessoal da metalurgia, nenhuma delas possivelmente se devendo considerar amostra casual da população portuguesa do comércio e da indústria. O crescimento da população não irá reflectir-se na mesma medida em cada caixa de previdência. Por outro lado, compreende-se bem que o acréscimo do nível técnico de determinada actividade tenha grande influência na caixa respectiva e só indirecta e amortecida repercussão em qualquer outra.
Desta maneira, a pluralidade das caixas, no plano dos seguros a longo prazo, não só dificulta e desvaloriza as previsões técnicas, afectando porventura, em maior no menor grau, a segurança das instituições, como impede, ao mesmo tempo, a utilização dos índices gerais do carácter demográfico e económico, que justamente não podem ser ignorados pela previdência social generalizada a grandes estratos da população.
38. No domínio do seguro a longo prazo, as despesas presentes ou futuras hão-de equilibrar-se, dentro dos princípios financeiros que regem cada instituição, com as receitas presentes ou futuras. Quando o equilíbrio se mostra prejudicado tem de se corrigir o defeito mediante o acréscimo de receita ou o cerceamento das prestações. Pelo contrário, quando as receitas potenciais superam os compromissos regulamentares já os benefícios poderão ser melhorados ou ampliada a assistência extraordinária.
Esta tem sido a linha de conduta seguida sempre que os balanços anuais das caixas denunciam desvios susceptíveis de correcção. Quando, todavia, as causas que pesam nu vida financeira da instituição assumem carácter permanente não há senão que reconhecer a inviabilidade de manter a autonomia daquela e, logicamente, impõe-se a fusão da caixa de débeis possibilidades com outra mais forte.
Como quer que seja, e até porque não pode promover-se indiscriminadamente a fusão de instituições de previdência, o panorama de hoje revela a existência irredutível de caixas pobres e de caixas ricas. Estas, colocadas em posição sólida em consequência de sucessivos e substanciais saldos de gerência; aquelas, com o futuro difícil ou comprometido, sobretudo quando se mostram ultrapassadas as próprias bases técnicas em que assentam os compromissos.
Isto evidencia a necessidade de se adoptar um sistema de compensação nacional para os encargos dos seguros a longo prazo.
39. Não se nega a possibilidade teórica de instituir para o seguro diferido um sistema de compensação nos moldes do que já existe para o seguro-doença (acção médico-social), através da Federação - Serviços Médico-Sociais, ou para o abono de família, através do Fundo Nacional do Abono de Família. Mas da mesma maneira que estes casos exigiram a formação de um organismo ou fundo encarregado da compensação, também agora se tornaria necessário criar um instituto, federação ou fundo centralizado, que periodicamente corrigisse, na ordem financeira, a situação particular de cada caixa e avaliasse as condições gerais de todo o seguro de pensões.
Tal sistema de compensação levaria, na prática, a instituir um organismo central que funcionalmente se não distinguiria de uma caixa nacional de pensões, paru os trabalhadores por conta de outrem. Situação semelhante se verifica, de resto, quanto à compensação efectivada pelo Fundo Nacional do Abono de Família, perante o qual as caixas regionais se apresentam, em certos aspectos, como meras tesourarias. Sublinhe-se, porém, que a existência destas caixas, mesmo assim, se justifica plenamente, até porque são imprescindíveis para a atribuição do direito ao abono, a acção educativa e disciplinar e as relações com os beneficiários, contribuintes, entidades locais e organismos corporativos.
A natureza e o estilo do trabalho próprio de uma caixa de pensões são, pelo contrário, bem diferentes. Aqui a tarefa de maior relevo há-de consistir sempre na conservação dos documentos que, uma só vez na vida dos beneficiários (excluídos ainda assim aqueles que prematuramente desaparecem), são utilizados para comprovar o direito à pensão e fixar o seu montante.
O contacto com o beneficiário não tem de manter-se com a mesma insistência e os mesmos cuidados exigidos pelas caixas de doença ou de. abono de família. Apenas de ano a ano se faz, quanto à caixa, a prova de vida do pensionista. Acresce que, na projectada estrutura da previdência, a organização passa a contar com uma rede de instituições locais - as caixas do seguro-doença e de abono de família, através das quais mais fàcilmente serão asseguradas as relações dos beneficiários e contribuintes com a instituição incumbida dos serviços de pensões.
A admitir a existência de múltiplas caixas de reformas ficariam estas, na realidade, sem conteúdo útil, já que as suas funções se repartiriam, consoante a sua natureza, pela caixa regional e pelo serviço central de compensação.
40. Segundo a legislação vigente, as pensões de invalidez ou de velhice são determinadas pelo número de amos de contribuição pana o seguro, e não para esta ou aquela caixa. O beneficiário, quando, por virtude de mudança de local de trabalho ou de profissão, ou mesmo de empresa, se vê obrigado a abandonar uma caixa e a inscrever-se noutra, tem vantagem em promover a, transferência das reservas matemáticas que cobrem os direitos adquiridos na primeira instituição. Isto obriga,
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porém, a dispendioso e incómodo serviço de transferência, cuja necessidade se não verificará numa caixa nacional de pensões.
Além disso, é muito elevado o número de cancelamentos de inscrição, bem superior ao que se supunha à data da promulgação do Decreto-Lei n.º 39 365, de 21 de Setembro de 1953, que veio regular os direitos resultantes de inscrições canceladas.
Estas inscrições não só proporcionam direitos próprios, como interferem ainda nos direitos que provêm das inscrições correntes. Por isso, desde a publicação daquele diploma, nenhuma pensão deve ser concedida sem averiguação da existência de inscrição ou de inscrições canceladas do mesmo titular, para o que se constituiu o ficheiro central de inscrições canceladas.
Com a caixa nacional criam-se condições que permitirão abandonar as operações de cancelamento, o que redunda em grande simplificação administrativa e apreciável economia.
41. Poder-se-á dizer que a formação de uma caixa nacional de reformas obedece a uma excessiva preocupação de centralização e que se integra nas modernas tendências de nivelamento dos direitos de carácter social. A verdade, porém, é que a presente remodelação reflecte o propósito de descentralizar e de aproximar mais o trabalhador da sua instituição, e não implicará alteração na já relativa uniformidade do esquema das prestações. A existência de caixas regionais assegurará a necessária ligação entre os beneficiários e a caixa nacional de pensões. Aquelas poderão mesmo receber as folhas de férias e conferi-las, a fim de se evitarem desdobramentos de serviços e gastos inúteis.
A centralização é, de facto, inconveniente nas actuais caixas de âmbito nacional, que abrangem todas as modalidades do seguro e do abono de família. Aí tem ela sido origem de incompreensões e atritos, que se agravam pela circunstância de quase todas essas caixas terem sede em Lisboa, onde escapam, como é natural, ao espírito de observação e de crítica que tão benèficamente caracteriza os meios mais pequenos. Por outro lado, como se notou, as caixas existentes apresentam, por via de regra, idênticos esquemas de benefícios. Deve dizer-se, porém, que tal uniformidade não significa que se tivesse procurado imprimir à política do seguro social rumo diferente daquele que o legislador de. 1935 (Lei n.º 1884) lhe dera. Inicialmente privilégio de alguns, o seguro social tende a transformar-se em direito de todos os trabalhadores. A necessidade de alargar o seu campo de acção, bem como e sobretudo razões puramente económicas, obstaram a que, no esquema do seguro, se usasse com largueza da diferenciação de direitos e benefícios, consoante as profissões ou as actividades, tanto mais que isso poderia suscitar incompreensões entre os operários, impressionados pelo facto de o tratamento variar de empresa para empresa, de profissão para profissão e até, dentro de cada empresa ou de cada categoria profissional, de beneficiário para beneficiário. Mas a uniformização adoptada não teve em vista anular as naturais diferenciações profissionais. Nem as anulou, pois elas se mantêm principalmente através da hierarquia dos salários e dos ordenados, a qual, por isso mesmo, no nosso sistema de previdência, se reflecte no próprio nível das prestações, proporcionais em regra à base de incidência dos descontos.
Aliás, sempre que o nível económico o justifique e as entidades interessadas acordem na satisfação dos encargos correspondentes, permitir-se-á a atribuição ou a manutenção de benefícios suplementares que naturalmente não devem integrar-se no mecanismo geral da compensação dos encargos.
42. Interessa ainda salientar que a nova estrutura que se propõe facultará mais directa intervenção dos organismos corporativos no funcionamento das instituições de previdência. Na verdade, a organização regional das caixas dê previdência permitirá a representação dos segurados e contribuintes, através dos respectivos organismos corporativos, mais fácil e eficazmente do que nas actuais caixas de âmbito nacional, embora estas se classifiquem de caixas profissionais.
E assim como a organização corporativa compreende vários organismos articulados em ordem à corporação, de igual modo o sistema proposto liga as caixas regionais a organizações mais amplas: a Federação de Caixas de Previdência para a coordenação e a compensação geral do seguro-doença, e a Caixa Nacional de Pensões para os seguros de invalidez e velhice. Em todas estas instituições se assegurará a participação dos vários organismos corporativos interessados, observando-se uma ordem natural em que a unidade resulta organicamente da diversidade.
VIII
Revisão necessária do sistema de financiamento.
Capitalização e repartição
43. Aludiu-se já ao património das instituições de previdência, que, como se sabe, constitui reserva necessária para fazer face aos compromissos relativos a pensões de invalidez e velhice e a subsídios por morte, assumidos pelas caixas perante os seus segurados em contrapartida das contribuições arrecadadas. Neste aspecto, a previdência funciona como simples depositária de valores que, no final de contas, pertencem aos beneficiários.
É certo que, na época em que estiverem a ser pagas as pensões garantidas pelas actuais reservas, a previdência, caso se mantivesse o mesmo sistema financeiro, estaria recolhendo outras contribuições, porventura mais vultosas. Na técnica seguida, ela distribuirá sempre o produto acumulado de contribuições recebidas, aumentado pelo mecanismo dos juros compostos, e arrecadará sempre novas contribuições consignadas a prestações futuras. Caracteriza-se, com efeito, o sistema financeiro actual pela constituição das reservas impostas por todos os compromissos tomados. Os fundos constituídos levantam, todavia, pelo seu volume e ritmo de crescimento e pelo condicionamento próprio, delicados problemas de ordem financeira e administrativa.
Não é, por isso, de estranhar que, perante as dificuldades que esse sistema começou a evidenciar com a generalização do seguro social, se passasse, a breve trecho, a admitir um método financeiramente menos complexo, caracterizado pela distribuição ou repartição entre os inválidos e os velhos existentes' em cada período das receitas arrecadadas nesse mesmo período. Quer dizer: também entre nós se reflectiu a corrente de opinião que ao tradicional sistema de capitalização contrapõe o de repartição, na realidade já utilizado nos seguros a curto prazo.
44. Tem-se atribuído ao regime de repartição, além da vantagem da sua simplicidade, porque dispensa cálculos complicados e afasta as preocupações inerentes ao investimento dos capitais e à administração do património acumulado, a de que permite organizar, com relativa rapidez, um sistema de segurança social e, principalmente, a de que torna possível a adaptação dos recursos da previdência às variações do custo de vida.
Como inconvenientes é usual apontar àquele método o de que funciona com dificuldade no início da execução da legislação relativa à segurança social, o de que pode criar um risco sério para os segurados e ainda
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o de que, bem vistas as coisas, se não apresenta com a simplicidade que se alega, uma vez que os encargos podem variar no tempo, dada a sua sensibilidade à evolução demográfica.
A favor da capitalização aduz-se que o sistema é mais vantajoso, no aspecto financeiro, para os segurados, visto que estes beneficiarão dos juros dos capitais acumulados. Além disso, ele dá, pela formação de uma reserva matemática, maior garantia ao beneficiário contra as contingências do futuro e amolda-se à pluralidade das instituições do seguro social. Por outro lado, diz-se ainda, a acumulação de expressivos capitais que ele proporciona poderá ser aproveitada no fomento da economia nacional e até no desenvolvimento dos programas sociais.
Pelo que respeita aos argumentos que geralmente se alinham contra este sistema, têm-se salientado as dificuldades a, que pode dar lugar quando se institui a previdência, pois os interessados só decorridos longos anos virão a beneficiar do seguro, e ainda os riscos que o entesoura mento de volumosos capitais é susceptível de acarretar para a economia do País se eles não forem aplicados ou não puderem ter aplicação reprodutiva. O sistema é sobretudo acusado de ficar exposto a todos os riscos inerentes às operações a longo prazo (baixa da taxa de juro, aumento de impostos, mau investimento) e, em particular, à desvalorização da moeda.
Não interessa, nem isso se compadece com a natureza deste relatório, proceder agora à pormenorizada análise da argumentação a favor ou contra os dois sistemas, ata porque o problema vai perdendo muito do seu alcance prático, pela possibilidade de soluções intermédias destinadas a conciliar o que num e noutro há de mais aproveitável para a consolidação da política da segurança social e de mais conforme às condições financeiras, económicas e demográficas de cada país.
De resto, estes dois sistemas, como se salienta numa revista estrangeira da especialidade, «vão hoje sendo entendidos como devendo necessariamente acumular certas reservas. A diferença entre ambos estará em que o da repartição exige a formação de uma reserva para ocorrer aos gastos imprevistos e para atenuar as oscilações da sua estrutura financeira e a sua correspondente liquidez. Por seu turno, o sistema da capitalização vai constituindo reservas matemáticas para cobrir, em capital, os seus compromissos. A distinção consiste, pois, na importância dos fundos de reserva e na função que se lhes atribuir».
45. Padece, não obstante, conveniente fazer alusão, em breves palavras e com um ou outro ligeiro comentário, ao assunto visto à luz da conjuntura da previdência social portuguesa.
O sistema de repartição exige não só a perenidade da instituição seguradora como a estabilidade numérica da população segurada. Com efeito, o desaparecimento duma caixa de empresa, como consequência da liquidação desta, deixaria completamente desprotegidos os beneficiários da última geração se a instituição não tivesse, nessa altura, constituídas as suas reservas matemáticas. Isto é, uma caixa de empresa, cuja perenidade não pode ser garantida, só deve funcionar em regime de capitalização. Mas ainda que o seguro respeite a, uma actividade que se supõe perene, o regime da capitalização terá de ser o escolhido, desde que se admita a possibilidade de redução da mão-de-obra utilizada, como resultado, por exemplo, de forte acréscimo de produtividade. Em dado momento, as contribuições poderiam não ser suficientes para suportar o encargo originado pelos elementos activos da geração passada, por hipótese mais numerosos.
Ora estas características de perenidade e estabilidade só são de considerar ou na população total da Nação, ou em largo e bem demarcado sector dessa população, por exemplo todo o pessoal das actividades fabris ou comerciais. Qualquer ramo do comércio ou da indústria encontra-se sujeito à eventual concorrência de novas actividades afins, mais perfeitas, mais produtivas ou apenas mais modernas.
O sistema de repartição supõe, assim, uma generalização que, frequentemente, os seguros sociais não podem alcançar logo de início, tantas são as dificuldades de carácter técnico, financeiro, económico e até político inerentes à montagem de uma organização vastíssima que englobe centenas de milhares ou milhões de segurados, contrarie hábitos e opiniões, fira interesses variados e passe, de um dia para o outro, a exigir contribuições a uma grande massa de trabalhadores e empresários sem preparação nem predisposição para aderirem a novos conceitos de política social.
Tal foi, por certo, a ordem de considerações que, sem apoio de qualquer experiência ou, pior, com a experiência negativa de 1919, levou o legislador de 1935 a optar, com notável sentido das realidades, pela estruturação gradual e compassada de pequenas caixas, iniciando uma tarefa que só vinte anos mais tarde viria a mostrar-se praticamente concluída nas suas grandes linhas.
Bem se compreende, à luz destes pressupostos, que não houvesse então sequer que pôr o problema do regime financeiro a perfilhar. Só o rumo escolhido estava, na verdade, em condições de servir as importantes mas longínquas finalidades antevistas e que a evolução dos acontecimentos provou serem perfeitamente conciliáveis com as melhores conveniências de uma política social bem definida e bem orientada.
Só agora, com o seguro a abarcar largos sectores da população, se pode concluir que, reconhecendo-se embora no sistema de capitalização o único processo viável para a implantação e consolidação do seguro na fase inicial, ele principia já a evidenciar uma das suas mais salientes desvantagens: o enorme volume dos valores afectos às reservas matemáticas. A manterem-se as condições e as perspectivas do momento presente, as reservas continuariam a crescer por bastante tempo até chegarem, em moeda actual, à casa das dezenas de milhões de contos.
Embora, nos termos da legislação em vigor, o sentido geral da aplicação destas disponibilidades seja definido pelo Conselho Económico, avaliam-se bem as dificuldades que para o Governo e para as instituições advêm de tão extensos investimentos - nem sempre possíveis e, quando possíveis, nem sempre ao nível da taxa técnica de rendimento - e da administração de tamanho e tão variado património.
Ao sistema, interpretado na sua pureza, falta mesmo a imprescindível elasticidade, porque, atentas as condições do mercado financeiro, ou outras, como a da mão-de-obra, nem sempre será aconselhável inverter tão elevadas somas nos tipos de aplicação ajustados a cada instituição de previdência.
Seria estranho, de resto, que os aspectos financeiros acabassem por sobrepor-se às preocupações sociais das caixas, sua razão de ser, afastando-as da sua finalidade e criando, porventura, nos dirigentes, condenáveis deformações.
46. Acresce que grande parte desses valores há-de estar inevitavelmente representada em títulos de crédito, sujeitos às mais que prováveis degradações mone-
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tárias. O facto demonstra quão real é o perigo que ameaça o equilíbrio financeiro do sistema, o qual, uma vez afectado, só pode ser restabelecido com o recurso, nem sempre praticável mas sempre inconveniente, a uma destas duas melindrosas soluções, ou até em maior ou menor grau, a uma e outra, conjuntamente: aumento das contribuições ou redução dos benefícios prometidos..
Ao organizarem-se, no fim do século passado, os primeiros seguros sociais a estabilidade monetária constituía um facto relativamente tranquilizador que levou à adopção dos princípios do seguro privado. Hoje, porém, o processo inflacionista é quase geral e, dada a interdependência cada vez mais acentuada das economias dos diversos países, ser-nos-á difícil fugir a todas as repercussões da conjuntura externa. Isto aconselha a que se não pratique, de futuro, entre nós, na sua integridade, um sistema financeiro exposto a tais riscos.
Não se pensa, todavia, ir abertamente para o pólo oposto, estruturando a nossa previdência segundo os cânones da repartição pura. Por outras palavras, não se julga aplicável o sistema em que, ano a ano, se consignassem todas as receitas às despesas da instituição. Tal regime significaria que as contribuições de cada gerência seriam as necessárias e suficientes à satisfação dos encargos dessa gerência. Estes encargos seriam diferentes conforme se seguisse um de dois caminhos: ou conceder a todos os velhos, logo de início, sem atenção a qualquer prazo de garantia, as prestações normais do seguro-velhice, ou graduar essas prestações em função da antiguidade no seguro. No primeiro caso, as despesas seriam manifestamente incomportáveis; no segundo, as contribuições, de começo reduzidas, ir-se-iam agravando a ponto de poderem exceder o dobro das correspondentes às do sistema de capitalização, já que, neste, boa parte das receitas provém de rendimentos do património próprio. Em qualquer das hipóteses, embora mais acentuadamente, como se compreende, no segundo caso referido, o sistema de repartição, aplicado no seu rigor, conduziria a indesejáveis flutuações na contribuição global a exigir, em cada ano, à população activa em favor dos inválidos e velhos.
É, pois, visível a desvantagem, até nos aspectos psicológicos e políticos, de um regime financeiro susceptível de originar constante variação nas contribuições, o que, nos períodos de maior depressão económica, se poderia revestir de aspectos particularmente graves.
47. For isso mesmo, e por outras razões que se julga desnecessário referir, se procura, através desta proposta, aproveitar o que nos dois sistemas há de relevante para a solução dos problemas que as realidades denunciam no seguro social português. Entre um e outro são possíveis inúmeras soluções de capitalização moderada, ou de repartição com capitais de reserva, em que as reservas a constituir ficam em correlação com as quotizações fixadas. Deve mesmo dizer-se que, entre nós, já não se realiza o regime da capitalização pura. Na verdade, as actuais reservas são de considerar deficitárias, dadas as condições e as tendências demográficas do País.
A evolução da mortalidade apresenta-se favorável nos últimos decénios, o que, na lógica do método de capitalização extrema, levaria à adopção de bases técnicas muito mais exigentes do que as utilizadas hoje e, consequentemente, ao agravamento das contribuições.
48. Nesta linha de ideias, perfilha-se na proposta uma orientação que conduz à substituição das gerências anuais por mais largos períodos, durante os quais se mantém constante a contribuição para a previdência. Besta igualdade dos prémios dentro de cada período resulta, decerto, uma acumulação de capitais, quer para compensação de encargos entre períodos consecutivos, quer mesmo com carácter permanente, para moderação das contribuições futuras.
Trata-se, pois, de um regime misto que procura atenuar as desvantagens e aproveitar as vantagens dos dois sistemas: o da capitalização extrema e o da repartição integral. No novo regime, o plano previamente estabelecido para a acumulação de reservas pode ser alterado sempre que os interesses do seguro ou as conveniências nacionais o imponham, e isso lhe confere uma maleabilidade que o actual sistema não possui.
As razões apresentadas justificam os novos critérios que vão presidir à vida financeira das instituições de previdência. Outro motivo, porém, se apresenta a indicar como melhor o rumo escolhido: a necessidade instante de alterar à distribuição em vigor da taxa global, por forma a consignar ao seguro-doença maior parcela de receitas. Só essa alteração - desde que se ponha de parte a hipótese de acréscimo das contribuições das empresas ou dos trabalhadores - permitirá, com efeito, promover a melhoria dos esquemas e, nomeadamente, o alargamento da assistência médica e cirúrgica e a instituição dos novos seguros de tuberculose e de maternidade.
49. Observada a composição por idades da população portuguesa, verifica-se que as pessoas de mais de 65 anos - idade de reforma prevista nos regulamentos da generalidade das caixas - representam, aproximadamente, 13 por cento da população de idades entre os 20 e os 65 anos. Nesta conformidade, se houvesse a pretensão de reformar todos os velhos trabalhadores com a pensão de 100 por cento do salário auferido à data da reforma o encargo exprimir-se-ia em cerca de 13 por cento da totalidade dos salários.
É de esclarecer que tal resultado foi obtido com base na presente distribuição por idades da população portuguesa, em que é manifestamente baixa a percentagem dos indivíduos com mais de 65 anos, em consequência, sobretudo, dos elevados índices de natalidade de há vinte e trinta anos e da expressiva redução da mortalidade infantil verificada nos últimos tempos.
Este panorama tende, porém, a modificar-se entre nós, já porque são hoje menores as taxas de natalidade, já porque os índices de mortalidade se vão reduzindo, em todas as idades, mercê de causas conhecidas, entre as quais a própria acção social da previdência e da organização corporativa. Dadas estas tendências demográficas, se, no futuro, se pretendesse garantir igual pensão de 100 por cento a todas as pessoas de mais de 65 anos, ter-se-ia que pedir à população activa um encargo da ordem dos 25 por cento dos salários ou ordenados. Se a pensão a atribuir fosse de 80 por cento dos salários percebidos à data da reforma, a contribuição elevar-se-ia a cerca de 20 por cento sobre a generalidade das remunerações.
No regime actual, garante-se a pensão de 80 por cento do salário ou ordenado médio dos últimos quarenta anos de desconto para a previdência. Neste esquema o custo das pensões de velhice diminui sensivelmente, na medida em que estas são aferidas pela média das remunerações dos últimos quarenta anos da actividade profissional do trabalhador, e não em função do salário recebido na data da passagem à reforma.
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Reconhece-se que as pensões calculadas nos termos dos preceitos vigentes carecem de expressão social condigna e podem até, em muitos casos, convencer da inutilidade dos esforços, e dos sacrifícios feitos ao longo dos anos. Em face das sensíveis depreciações monetárias registadas nos últimos decénios, tem de admitir-se, na verdade, que ao fim de quarenta anos o montante da pensão de reforma não apresenta nível de aceitável suficiência perante as condições de vida do momento. Este aspecto torna-se mais delicado quando se tem presente que o salário ou ordenado vai em regra aumentando no decurso da carreira profissional do trabalhador De resto, a posição económica deste tende a melhorar com o andar dos tempos, por virtude do acréscimo da produtividade e da realização de mais justa distribuirão dos rendimentos.
50. Parece, assim, preferível tomar para medida das pensões um período consideràvelmente mais curto. Não contém, contudo, ir para a atribuição de pensões determinadas com base no salário praticado à data da reforma, porque isso permitiria abusos e fraudes e prejudicaria o trabalhador no caso de a sua capacidade de. ganho ter sido afectada pela idade ou pelo estado de saúde.
A seguir-se na regulamentação da futura lei a orientação preconizada, não será possível, como bem se compreende, que as pensões de reforma alcancem 80 por cento dos salários. As reais possibilidades da economia nacional não o consentiriam, e nem mesmo noutros países mais ricos e de maior desenvolvimento industrial e chegou tão longe na concessão de pensões por velhice. Repare-se que, para um esquema de pensões de 80 por cento, calculadas com base na média do 3 salários de um reduzido período de contribuições, seria preciso onerar os trabalhadores e as entidades patronais respectivas com uma quota aproximada de 20 por cento sobre as remunerações auferidas, o que provocaria o aumento dos diferentes descontos destinado à previdência e abono de família para uma taxa sobra os salários de mais de 35 por cento.
Admita-se, por hipótese, uma reforma de 50 por cento do ultimo salário. Embora à primeira vista possa causar estranheza, a verdade é que neste caso a pensão se concretizaria, em regra, num montante superior à pensão calculada com base na média dos salários dos últimos quarenta anos. De qualquer forma, e independentemente da solução que venha a ser perfilhada, não deixará d 3 se garantir aos actuais beneficiários o direito a uma pensão nunca inferior à que derivaria das disposições legais ou regulamentares agora vigentes.
51. Importa agora saber se uma repartição muito pronunciada, para melhorar ou alargar os benefícios dos seguros imediatos, não virá, mais tarde, a criar situações difíceis que imponham contribuições excessivamente onerosas. A questão ganha maior interesse quando se reflecte que a experiência aconselha algumas modificações no esquema vigente das pensões de reforma.
Partindo de elementos fornecidos pela actual estrutura das caixas, elaboraram os Serviços Actuariais do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, a título dê indicação geral, um quadro em que se apresentam dois exemplos de possível programa de financiamento do seguro-velhice com referência ao actual montante dos valores daquelas instituições e a um esquema de pensões entre o mínimo de 30 e o máximo de 50 por cento do salário ou ordenado médio no último período da actividade profissional. Figuram-se no quadro seguinte a hipótese de a idade de reforma se fixar nos 65 anos e a de essa idade coincidir com os 70 anos.
[Ver Tabela na Imagem]
Nota. - Em sistema de repartição pura, a quota-limite corresponderia, ceiem paribus, a 13,4 e a 8 por cento, respectivamente para as idades de reforma aos 65 e aos 70 anos.
Observa-se que estas quotas se referem unicamente ao seguro-velhice, devendo, portanto, ser acrescidas da parcela destinada ao seguro-invalidez, que é de computar em 2 por cento dos salários, embora neste domínio as previsões não se apresentem com o mesmo grau de confiança. O esquema actual deste seguro, que comporta apenas o pagamento de pensões, custa em regime de capitalização 2 por cento dos salários.
Como se vê pelo exame do quadro, o presente património das instituições de previdência permite antever a diminuição para 3 por cento da taxa atribuída ao seguro-velhice, a qual oscila agora, nas diferentes caixas, entre 4 e 6 por cento. Esta taxa, no caso de a idade de reforma ser a dos 65 anos, deve manter-se estável pelo período de vinte anos, passando depois a sofrer acréscimos sucessivos, até atingir cerca de 5 por cento, por volta de 1986. Se se admitir a reforma aos 70 anos, a taxa de 3 por cento perduraria por vários decénios.
Examinou-se também a hipótese de, em vez de se determinar a pensão com base em 50 por cento do salário do último período de contribuição, se estabelecer a pensão de 60 por cento do salário e se fixar a idade de reforma aos 70 anos. Os estudos realizados permitem concluir que é financeiramente aceitável este arranjo. O mapa seguinte elucida convenientemente sobre os aspectos desta hipótese relativos à estabilidade da quota, que se manteria durante cerca de trinta anos, e à acumulação de valores que implicaria até 1986:
[Ver Tabela na Imagem]
Nota. - Em repartição pura, a quota-limite corresponderia a 9,6 por cento do salário médio do ultimo período da actividade profissional do segurado.
Entre outras diversas hipóteses de solução já estudadas para efeitos da futura regulamentação deste diploma, figura ainda a relativa a um esquema de seguro-velhice com pensão de 20 por cento ao fim de dez anos de contribuição, acrescida de 2 por cento até ao limite de 70 por cento do salário ou ordenado médio do último período da actividade profissional. É de admitir que esta hipótese venha a ter, em relação às anteriores, a preferência dos interessados no caso de vir a ser oferecida à sua opção. O mapa seguinte mostra não só a acumulação de valores que neste esquema se
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registaria até 1989, bem como a estabilidade da quota ao longo do período considerado:
[Ver Tabela na Imagem]
Nota. - Em repartição pura, a quota-limite do seguro-velhice corresponderia a 11,1 por cento do salário médio do último período da actividade profissional do segurado.
52. Estas considerações terão mostrado que, através dos critérios técnicos e financeiros, cuja consagração legal se pretende, é possível alargar e melhorar a acção da previdência social por forma que ela passe a satisfazer maior número de necessidades presentes e futuras dos trabalhadores. A concessão, no campo do seguro-doença, das vantagens já referidas reflectir-se-á principalmente no nível de vida dos segurados e fomentará ainda uma maior produtividade do trabalho nacional.
Inútil se torna dizer que os estudos tendentes à alteração do sistema financeiro da previdência obedeceram à instante preocupação de encontrar soluções baseadas na ciência actuarial e nos ensinamentos da nossa e da alheia experiência. E seguramente se acredita que, a haver-se pecado, foi por excesso de prudência, que não por desmedido optimismo, tanto mais que o desenvolvimento dos programas sociais do Governo e a evolução das condições gerais da produção, estimulada durante os próximos anos por novo Plano de Fomento, devem melhorar as possibilidades financeiras da previdência social, mediante acréscimo das receitas, estabelecidas com base nas remunerações do trabalho.
IX
Características gerais das reformas propostas e seus efeitos
53. Em consequência do exposto, propõe-se a reorganização das caixas de previdência, distinguindo-as, conforme as eventualidades cobertas, em Caixas de Previdência e Abono de Família para os seguros a curto prazo e Caixas de Pensões para os seguros diferidos.
Estabelece-se o princípio da unidade de instituição para a concessão de todas as prestações do seguro-doença e dá-se às caixas respectivas uma organização regional, atentas as características peculiares dos benefícios. Como se pretende fugir a soluções geométricas, porventura contrárias aos interesses em jogo, mantém-se a possibilidade do funcionamento de caixas de actividades e de empresa para o seguro de prestações imediatas e o abono de família, sempre que as circunstâncias o aconselhem.
54. Para assegurar a concessão de pensões e subsídios por morte aos inscritos nas Caixas de Previdência e Abono de Família que devam ser abrangidos naquelas modalidades, prevê-se a criação de uma caixa nacional de pensões. E garante-se, através de uma federação com fins essencialmente coordenadores e de compensação, a uniformidade fundamental das prestações daquelas caixas e a sua compensação financeira. Esta orgânica não prejudicará a autonomia das caixas de previdência, que serão competentes para a gestão do seguro-doença.
A criação de Caixas Regionais de Previdência e Abono de Família permitirá estreitar mais a cooperação da previdência do pessoal do comércio e da indústria com as Casas do Povo, especialmente na assistência médico-social aos trabalhadores rurais. Doutro modo, esta assistência tornar-se-ia, na verdade, dificilmente praticável e levaria ainda a onerosas duplicações de serviços, quando não a perigosos desvios do princípio corporativo. A próxima instituição das Federações das Casas do Povo e a coincidência do facto com a presente reforma da previdência em base regional obedecem, além do mais, ao empenho de realizar praticamente também neste domínio uma protecção mais eficiente aos trabalhadores do campo e suas famílias.
Pela concentração do seguro de pensões dos beneficiários das Caixas de Previdência e Abono de Família cessará o movimento tão perturbador, como dispendioso, de transferências de beneficiários, causa de constantes demoras e atritos no esclarecimento da posição de cada um, quantas vezes na própria altura em que se pretende provar o direito às prestações. Facilita-se, pela via mais simples, a constituição do ficheiro dos segurados da organização, que hoje não possui senão um conjunto de ficheiros de inscrições, em que a cada beneficiário pode corresponder mais de uma inscrição. Com a nova estrutura será mais fácil proceder às necessárias averiguações e estudos quanto às características das populações abrangidas, segundo a idade, o sexo, os salários, as profissões, as taxas de invalidez, morbidez e morte, etc., deixando o seguro de socorrer-se, como faz há vinte anos, da experiência de outros países para as suas estimativas financeiras.
55. A reorganização projectada mantém nas suas linhas gerais a construção estabelecida pelo Estatuto do Trabalho Nacional e pela Lei n.º 18&4, isto é, um sistema de instituições autónomas, de obrigatória comparticipação das entidades patronais e dos trabalhadores, geridas pelos representantes de umas e outros, com activa intervenção dos organismos corporativos e sob a orientação superior do Estado.
A estruturação de caixas diferenciadas pelas modalidades de previdência permitirá continuar a realização progressiva da previdência social em função das possibilidades dos vários meios sociais e profissionais. Como a inscrição nas Caixas de Previdência e Abono de Família não implicará necessariamente a inscrição na caixa de pensões, será possível estender a aplicação do seguro de doença e do abono de família aos trabalhadores para os quais não esteja indicada igual extensão dos benefícios diferidos. Verifica-se, com efeito, que algumas actividades profissionais não atingem o nível económico mínimo que um seguro a longo prazo pressupõe.
O sistema proposto está em plena conformidade com o seguinte passo do relatório do primeiro decreto regulamentar, de 12 de Outubro de 1935:
Normalmente as Caixas Sindicais devem visar a reforma dos trabalhadores, mas é preciso não esquecer que a reforma só é tecnicamente viável em relação aos indivíduos que exerçam a profissão com certa estabilidade e estejam em condições de pagar regularmente a respectiva quotização. Quando assim não possa acontecer, forçoso é que as Caixas Sindicais limitem a sua acção a objectivos mais elementares, mas de reconhecida utilidade.
56. Crê-se que os valores já capitalizados garantem à organização a desejável solidez financeira, conside-
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rando-se conveniente moderar o actual ritmo de capitalização, tanto mais que o seguro na doença começa a lutar com grandes dificuldades.
Todas as reformas em perspectiva serão orientadas no sentido de fazer desenvolver os esquemas de prestações das caixas, evitando, todavia, qualquer agravamento dos encargos financeiros das empresas e dos trabalhadores.
Tal melhoria deverá abranger, em regime de comparticipação, a extensão dos benefícios da acção médico-social aos familiares dos segurados e a ampliação efectiva do esquema de medicamentos.
Salienta-se ainda a possibilidade futura de conceder internamento hospitalar, pelo menos em cirurgia e porventura um regime de comparticipação, em colaboração com as instituições ou estabelecimentos de assistência social ou de saúde, quer públicos, quer particulares, bem como a de instaurar o seguro-maternidade e o seguro-tuberculose, destinando-se este inicialmente à cobertura da perda do salário.
57. Passa, com efeito, a garantir-se aos beneficiários da previdência protecção quando, por infortúnio, tenham de entrar no hospital. Admite-se, porém, que o internamento geral seja incomportável para as instituições de previdência. Por isso é de supor que as caixas cubram apenas, e de início, o internamento para efeitos de cirurgia geral. Para tanto, celebrar-se-ão contratos com os estabelecimentos hospitalares, oficiais ou privados, aos quais a previdência pagará, na medida do possível e de que vier a ser acordado, os serviços prestados aos seus beneficiários.
Deve esclarecer-se que o internamento hospitalar já se encontrava previsto, mas as condições de admissão e os prasos respectivos ficaram dependentes (n.º 2 do artigo 9.º do Decreto n.º 37 762, de 24 de Fevereiro de 1950) da promulgação de diploma especial, que a situação financeira do seguro-doença não tem facilitado.
58. A protecção na maternidade depende igualmente da reorganização das instituições de previdência e do estabelecimento da compensação entre as caixas interessadas. Também neste aspecto as vantagens sociais da reforma se mostram relevantes, sobretudo quando se sabe da falta de amparo eficaz às futuras mães e até de inúmeros abusos de que elas são vítimas por não poderem dar o rendimento normal no trabalho.
A protecção às grávidas e às parturientes apenas se exerce no actual sistema da previdência pela sua equiparação a beneficiárias ou a familiares doentes. A necessidade do uma actuação especial que, com frequência, impõe o internamento hospitalar ou uma terapêutica apropriada que o esquema de prestações vigente não comporta; a inadaptação ao rigor dos prazos regulamentares e as exigências de ordem psicológica que ao comum dos doentes são estranhas constituem, no seu conjunto, circunstâncias que aconselham uma organização específica da assistência à futura mãe, a exemplo, de resto, do verificado noutros países.
Por outro lado, as medidas de protecção, estabelecidas já em 1937 pela Lei n.º 1952 e ampliadas por convenções colectivas ou despachos de regulamentação que se estendem a largo campo de trabalhadores, no sentido de garantia do contrato de trabalho e concessão de subsídio à parturiente, enfermam de graves defeitos que é necessário remediar. A protecção na maternidade reveste-se, pois, do mais largo alcance social. As prestações a conceder ao abrigo do novo seguro, quando criteriosamente atribuídas, sobrelevam mesmo às de outras modalidades de amparo, pois traduzem acção preventiva de incalculáveis repercussões. Nem se esquece que a situação demográfica portuguesa não pode ser apreciada apenas por saldos fisiológicos, que são reflexo dos altos índices de natalidade de há trinta anos. Há que ter em conta, na verdade, que nas últimas décadas a fertilidade tem diminuído sistematicamente e que é ainda grande a mortalidade infantil, embora em acentuado decréscimo.
59. Poder-se-á ainda oferecer ao Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos uma colaboração relevante, já que ele não se encontra em condições de efectivar o internamento ou o isolamento dos trabalhadores tuberculosos e garantir ao mesmo tempo recuperação pecuniária do salário ou do ordenado, perdido. Por outro lado, e isto exprime uma realidade pungente, muitas vezes os trabalhadores não aceitam a sanatorização, ou regressam prematuramente à sua actividade profissional, para não deixarem a família abandonada à sua sorte e talvez na miséria por falta do salário. A previdência propõe-se preencher tão séria lacuna, concedendo, por período necessariamente longo, durante o internamento do trabalhador, bem como no decurso de comprovado tratamento ambulatório, subsídio pecuniário que auxilie a manutenção das pessoas a seu cargo. Só assim, de resto, poderá ter completo êxito qualquer campanha de combate ao terrível flagelo.
Não será descabido aproveitar o ensejo para se referir que a previdência social vem participando, directa e indirectamente, na luta contra a tuberculose.
Independentemente da concessão de subsídios aos doentes, nos termos regulamentares, da acção médico-social exercida nos postos clínicos, da protecção de vária ordem dada a muitos tuberculosos, através dos fundos de assistência das caixas, tornam-se cada vez mais salientes os benéficos efeitos que, para a elevação do nível sanitário das classes trabalhadoras, derivam da melhoria das condições de vida provocada pelas múltiplas actividades sociais prosseguidas pelas instituições de previdência e de abono de família.
60. Reafirma-se ainda o propósito de utilizar mais largamente os capitais de reserva da previdência para resolução do problema habitacional. Neste aspecto, reproduzem-se agora princípios básicos preconizados na proposta de lei relativa à cooperação das caixas de previdência e das Casas do Povo no combate à crise de alojamento em meios urbanos e em regiões rurais. No relatório dessa proposta fundamentaram-se amplamente os pontos de vista que determinaram a adopção de medidas de tão grande interesse para a política da habitação, à qual se julga ter aberto rumos mais naturais e consentâneos com as realidades sociais e familiares. É obedecendo ao mesmo pensamento e em reforço dele que, no preceito da proposta relativo aos investimentos, novamente se prevê que os valores das caixas de previdência poderão ser aplicados na construção de habitações económicas e na concessão de empréstimos aos segurados e às empresas, bem como às Casas do Povo, para atender às necessidades de habitação dos trabalhadores.
61. O plano de organização parcelar das instituições de previdência impôs o conceito de invalidez profissional. Ao contrário, a extensão dos benefícios aos segurados que abandonem a profissão, pela continuação facultativa e pela conservação dos direitos emergentes de inscrições canceladas, conduziu ao conceito de invalidez geral. O número amplo de profissões integradas em cada uma das caixas e a comunicabilidade das inscrições, através da transferência dos direitos e do regime comum das inscrições canceladas, reclamam, porém, o alargamento do conceito de invalidez profissional
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e a restrição do de invalidez para toda e qualquer profissão.
Pretende-se, na verdade, definir um conceito de invalidez mais ajustado à realidade social, que tome em conta todos os factores humanos e até económicos em presença e abranja, na sua efectivação prática, o grupo de profissões compatíveis com a formação e as habilitações próprias da profissão habitualmente exercida pelos segurados. Quer dizer: nem pode cair-se no exagero de apenas proteger a invalidez para toda e qualquer profissão, desprezando legítimas posições sociais e profissionais, nem deverá caminhar-se, em sentido contrário, tão longe que se garanta pensão de invalidez aos trabalhadores ainda em condições de exercerem actividades compatíveis com a sua preparação e o seu nível social.
Mostra-se, no entanto, ainda necessária uma melhor definição de invalidez, no que respeita ao grau de incapacidade para o trabalho e à sua duração provável, embora a legislação vigente já admita a revisão das pensões por virtude da recuperação física do segurado, bem como o exercício da actividade do pensionista na mesma ou noutra profissão, sem redução das pensões no caso de insuficiência dos proventos auferidos em tal exercício.
Interessa, por outro lado, promover a articulação do seguro de invalidez com o seguro-doença, dando possibilidade de recuperação aos segurados e garantindo, na medida do possível, a sua readaptação e reclassificação profissionais.
O próprio custo das pensões dependerá, em medida apreciável, do nível do seguro contra a longa doença e das possibilidades de recuperação dos inválidos pensionistas.
Compreende-se, porém, que os aspectos aflorados neste número hajam de merecer mais desenvolvida análise quando se proceder à regulamentação do diploma ora proposto, na parte relativa ao seguro de invalidez.
X
Descrição na especialidade
62. No primeiro capítulo desta proposta trata-se das normas relativas à classificação das instituições de previdência social e do regime aplicável a cada categoria.
Em relação à Lei n.º 1884 verifica-se coincidência quanto ao número de categorias de instituições e quanto à previsão de um plano de previdência social.
Constituem mera actualização da referida lei, em conformidade com disposições regulamentares posteriores, a unificação do regime das Caixas Sindicais e das Caixas de Reforma ou de Previdência, quando destinadas aos trabalhadores subordinados, e a inclusão das Casas do Povo entre as instituições de previdência. Faz-se alusão ao Conselho Superior da Previdência Social, cuja audiência se torna obrigatória antes de se tomarem decisões que revistam maior interesse para o seguro social.
Representam novidade a classificação, em categoria autónoma, das Caixas de Reforma ou de Previdência das profissões exercidas sem dependência de entidades patronais e a caracterização das Associações de Socorros Mútuos pela voluntariedade de inscrição.
Reconhece-se expressamente a natureza especial das Casas do Povo e das Casas dos Pescadores como organismos corporativos com funções institucionais de previdência social. Neste campo, concluiu-se ser mister, sem prejuízo das restantes funções específicas daqueles organismos, dar-lhes feição previdência! cada vez mais acentuada. No que se refere às Casas do Povo, a criação das suas federações deve abrir maiores possibilidades à execução deste pensamento, embora se saiba que o problema dos recursos financeiros apresenta aqui as maiores dificuldades e deve ser tratado com especial delicadeza. Nem por isso a questão está esquecida: encontrou-se já um começo de solução, através do auxílio do Fundo Nacional do Abono de Família, mas não se desistirá de procurar para aqueles organismos de cooperação social mais vastas disponibilidades materiais.
Faz-se também referência explícita à intervenção das Corporações na organização da previdência, atribuindo-se-lhes o lugar que lhes pertence em tudo aquilo que coincide com a interpretação e defesa dos interesses de cada actividade económica ou agrupamento profissional.
Não parece, finalmente, necessário justificar a definição que se dá às Associações de Socorros Mútuos: instituições de previdência de inscrição facultativa, capital indeterminado, duração indefinida e número ilimitado de sócios, tendo por finalidade o auxílio recíproco. Na Lei n.º 1884 estas instituições não tinham ficado nitidamente diferenciadas das Caixas de Reforma, o que se faz agora de maneira mais precisa.
63. Respeita o capítulo II às normas fundamentais de constituição e organização das Caixas Sindicais de Previdência.
Consagra-se de novo o princípio expresso na Lei 1884. já previsto no artigo 48.º do Estatuto do Trabalho Nacional, de que o desemprego involuntário será incluído no esquema da previdência social, logo que o Governo o determine.
São inovadoras as seguintes disposições:
A) Sobre esquema de benefícios:
1) A previsão expressa do seguro-maternidade,
2) e a do seguro-tuberculose.
B) Sobre o investimento e disposição de valores:
1) A aplicação em empréstimos aos segurados ou respectivas empresas Dará efeito de solução do problema habitacional.
2) A concessão de empréstimos às Casas do Povo, destinados à construção de habitações para os trabalhadores rurais.
3) A dependência de autorização ministerial para a alienação de imóveis ou títulos.
Os preceitos referentes à concessão de. empréstimos vêm confirmar a orientação da proposta de lei relativa à cooperação da previdência no combate à crise de alojamentos.
C) Sobre isenções fiscais:
1) A do imposto sobre aplicação de capitais em relação aos empréstimos aos segurados, empresas e Casas do Povo para a construção de habitações. Este preceito reproduz disposição da proposta de lei atrás referida.
2) A do imposto sobre as sucessões e doações respeitante às acções e obrigações de empresas ou entidades classificadas pelo Conselho Económico para efeitos de inclusão nos planos de fomento.
3) A do imposto sobre as sucessões e doações e da sisa pela aquisição de prédios destinados à habitação dos trabalhadores.
4) A da contribuição predial pelos mesmos prédios.
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D) Sobre a estrutura administrativa e a organização das caixas:
1) A distinção de duas espécies de Caixas Sindicais, segundo as modalidades de prestações imediatas e a longo prazo.
2) A estrutura regional das Caixas de Previdência e Abono de Família e a sua articulação com uma caixa nacional de pensões, bem como o enquadramento daquelas numa federação com funções de coordenação e de compensação financeira.
3) O princípio da unidade de instituição relativamente a cada segurado para a concessão de todas as prestações do seguro-doença.
4) A cooperação das Caixas Regionais de Previdência e Abono de Família na acção médico-social em benefício dos trabalhadores rurais e na protecção às suas famílias.
E) Sobre contribuições:
1) A sua revisão periódica com base em balanços técnicos elaborados, pelo menos, de cinco em cinco anos.
2) O prazo de prescrição de cinco anos para a dívida de contribuições.
3) O prazo de prescrição de um ano para o direito de reclamar à restituição de contribuições indevidamente pagas às caixas.
4) O juro de mora sobre as contribuições em dívida.
64. A magnitude e a acuidade do problema habitacional, como já se salientou neste relatório e principalmente no preâmbulo da proposta de lei sobre a cooperação da previdência na política do fomento da habitação, justificam que as caixas concedam empréstimos aos Beneficiários, às empresas e às Casas do Povo para a construção de casas, e intensifiquem a acção exercida e em curso na construção de casas económicas ou de renda económica, conforme planos a aprovar pelo Governo, domo é regra geral do investimento daqueles valores.
Estende-se à alienação de todos os imóveis e títulos das caixas: a obrigatoriedade de prévia autorização ministerial, presentemente estabelecida só para a alienação dos bens que estiverem afectos aos fundos de reservas matemáticas ou de reserva.
Quanto às isenções previstas, têm como fundamento o interesse social das aplicações dos valores das caixas, já pela natureza dos compromissos a garantir, já pelas superiores conveniências nacionais a que obedecem os planos de investimento.
Por outro lado, deve frisar-se que a revisão periódica das contribuições é medida essencial à reforma do sistema financeiro que com esta proposta se pretende tornar possível.
Obedece às necessidades de segurança das caixas e das entidades contribuintes o estabelecimento dos prazos de prescrição para a dívida de contribuições e para o direito a reclamar a sua restituição. O primeiro, de cinco anos, é o fixado pelo Decreto-Lei n.º 38 538, de 24 de Novembro de 1951, em relação às caixas de abono de família. O segundo, de um ano, corresponde ao período de garantia regulamentar da concessão de benefícios de seguro-doença.
Finalmente, o agravamento das contribuições mediante jure de mora, além de traduzir o equitativo ajustamento das sanções a aplicar às entidades patronais em transgressão, mostra-se justificado pela experiência do regime de multas em vigor, que não estimula os devedores a regularizarem prontamente a sua situação, uma vez expirado o prazo normal de pagamento.
65. Insere o capítulo III as regras de constituição e organização das Caixas de Reforma ou de Previdência. Mantém-se praticamente o regime estabelecido na Lei n.º 1884 para as instituições da 2.ª categoria, com as alterações resultantes das disposições relativas às Caixas Sindicais que, a exemplo da mesma lei, se tornam comuns às caixas de 1.ª e 2.ª categorias.
Inclui o capítulo IV, além de disposições transitórias, outras de carácter geral aplicáveis a várias categorias de instituições. Nele se definem os princípios referentes ao exercício irregular da previdência social, nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 32 674, de 20 de Fevereiro de 1943. Mantêm-se, além do regime vigente sobre a impenhorabilidade e a prescrição de pensões e subsídios, as regras de dissolução e liquidação das instituições, e as disposições especiais aplicáveis às caixas de empresas concessionárias de serviços públicos.
É revogada, em face da amplitude da presente reorganização, a Lei n.º 1884, conservando-se, porém, transitoriamente, em vigor, a legislação complementar desse diploma em tudo o que não seja contrariado pelas disposições da proposta.
IV PARTE
Dois problemas de base: Previdência social e assistência social-Limites da segurança social
XI
Previdência social e assistência social
66. Pelos fins de defesa dos indivíduos e das famílias perante as necessidades da vida, a previdência social e a assistência social têm íntimas ligações, verificando-se em muitos casos a possibilidade de concorrência ou duplicação de esforços que devem ser harmonizados dentro de uma fórmula compreensiva.
Ao tratar-se de uma reforma das instituições e do regime financeiro da previdência social, orientada pelo propósito de atenuar a capitalização vigente, será da maior importância considerar tais relações tendo em atenção as responsabilidades que, na expansão das realizações da assistência, têm sido legalmente acrescentadas aos fins institucionais das caixas de previdência.
Nem pela natureza das necessidades a cobrir, nem pelos meios que fundamentalmente utilizam, se diferenciam as actividades da previdência social das da assistência. Uma e outra destinam-se a acudir a deficiências dos indivíduos e das famílias, pela prestação de benefícios adequados à satisfação das necessidades verificadas. Distinguem-se pelas formas de organização, aparecendo como elemento característico da previdência o método do seguro.
Ao invés da assistência, a previdência não toma, em princípio, a cobertura dos riscos já verificados, mas, também em princípio, não condiciona as suas prestações ao estado de necessidade económica das pessoas protegidas.
Na previdência, o beneficiário, observadas as condições regulamentares, constitui um direito às prestações, atendendo-se, em maior ou menor medida, à antiguidade da inscrição ou ao montante das contribuições.
67. Outras distinções se devem assinalar relativamente ao campo de aplicação e ao sistema de financia-
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mento. A assistência faz incidir a sua acção directa, de modo especial, nos sectores econòmicamente débeis da população. Ainda quando presta serviços a indivíduos ou grupos dotados de alguns recursos, limita-se a suprir a insuficiência da economia familiar em face das suas necessidades.
O campo de aplicação da previdência social abrange a deficiência económica avaliada em proporção dos encargos futuros. Protege não propriamente os econòmicamente débeis, mas os econòmicamente inseguros, os que podem ver-se afectados nas vicissitudes da vida por insuficiência dos recursos provenientes do seu trabalho perante as suas necessidades e de sua família. No respeitante às caixas de previdência, o seu campo de aplicação abrange, em realização progressiva, todos os trabalhadores subordinados; ainda quando restringe a sua protecção por um nível superior de remunerações não toma em conta os proventos resultantes de outras fontes de rendimento.
Quanto ao financiamento, é clara no nosso regime a distinção entre a previdência e a assistência pelo que toca u comparticipação das receitas do Estado. Os fundos das instituições de previdência são constituídos essencialmente por contribuições de origem privada, satisfeitas pelos trabalhadores e pelas suas entidades patronais.
68. Não pertence a assistência ao foro exclusivo do Estado: pelo seu fundamento supremo e pelas condições humanas do seu eficiente exercício, grande parte dela cabe, eminentemente, às vocações e iniciativas particulares.
A actuação directa do Estado na assistência é supletiva das actividades privadas, como supletiva é, no campo comum de acção, a organização da assistência social perante as realizações da previdência.
Ao desenvolvimento da previdência e à sua extensão a novos riscos e a novos sectores populacionais poderá corresponder igual redução dos encargos da assistência.
Como se expõe no parecer da Gamara Corporativa referente à proposta de lei sobre o Estatuto da Assistência Social, e algumas das necessidades do País em matéria de assistência não devem ser objecto da assistência social senão transitoriamente, ao menos em parte. Trata-se de riscos a que todo o homem está sujeito em dadas circunstâncias de meio social e profissão e que, portanto, devem ser cobertos pela técnica do seguro. Mas, como esses riscos são corridos por um trabalhador - e não é justo que só ele suporte os seus encargos quando toda a sociedade beneficia do seu trabalho e lhe deve solidariedade e apoio -, o seguro não só é obrigatório, como é custeado por um prémio, cuja importância é paga em parte pelo patrão, em parte pelo segurado e, em certos sistemas, ainda em parte pêlo Estado. Evitam-se assim as repercussões sociais dos danos individuais e o remédio de um socorro dado por esmola, nem sempre oportunamente, a quem tem direito, como homem e trabalhador, a encarar com segurança as contingências naturais da vida. O desemprego, a invalidez, a velhice, a doença, os acidentes no trabalho - continua o mesmo parecer - são riscos que devem estar cobertos pela previdência social».
No nosso regime o Estado não assume, em relação à previdência, qualquer encargo directo.
Se pode falar-se em acção supletiva do Estado quanto à previdência, essa função será exercida precisamente pela comparticipação do Estado na assistência social.
69. Segundo o Estatuto, da Assistência Social (Lei n.º 1998, de 15 de Maio de 1944), a acção supletiva do Estado perante a assistência e a desta perante a previdência social reflectem-se na fixação das responsabilidades pelos encargos da assistência.
Essas responsabilidades são atribuídas: em primeiro lugar à economia familiar dos assistidos, dentro das suas posses, averiguadas por inquérito, e às garantias de previdência corporativa e de seguro, dentro das normas estatutárias ou das responsabilidades legais ou contratuais; na falta ou insuficiência daquela economia e destas garantias, aos parentes com obrigação legal de alimentos e aos averiguados responsáveis pelo nascimento de ilegítimos, dentro das suas posses, reconhecidas por inquérito; e, finalmente, na falta ou insuficiência de uma e outra ordem de responsáveis, aos serviços ou instituições que prestaram a assistência, quer por força das suas receitas próprias, quer por força dos subsídios do Estado, através das dotações destinadas à assistência, ou de outras entidades oficiais, mediante receitas ou donativos eventualmente recolhidos com esse destino (Bases XXI e XXII).
Nesta graduação de responsabilidades descrevem-se, de modo positivo, os limites da assistência social e da intervenção que nesta deve ter o Estado.
É evidente que ao afirmar a responsabilidade dos necessitados ou das suas famílias pela sua própria assistência se estabeleceu uma regra negativa de aplicação da assistência social. Não parece legítimo extrair dela o conceito de assistência social como redistribuição obrigatória do rendimento nacional a fim de satisfazer as necessidades de subsistência individual e familiar. No entanto, parece ter sido essa a tendência que praticamente veio a exprimir-se, em relação às instituições de previdência, nas leis complementares daquele estatuto, sobretudo na Lei n.º 2036, de 9 de Agosto de 1949, referente à luta contra as doenças contagiosas.
Esta lei indica como responsáveis pelos encargos de assistência aos doentes contagiosos: os assistidos, seus cônjuges, descendentes e ascendentes; as Caixas Sindicais de Previdência e as Caixas de Reforma ou de Previdência e ;suas Federações, relativamente aos beneficiários e familiares; o Estado e os estabelecimentos ou serviços que prestem a assistência.
Limitam-se as responsabilidades dos assistidos e suas famílias pelas suas possibilidades económicas; circunscrevem-se as responsabilidades do Estado pelas dotações expressamente consignadas à luta contra as doenças contagiosas e à assistência aos doentes, e as dos estabelecimentos e serviços de assistência pelas suas receitas próprias. Mas quanto às caixas de previdência, impõe-se-lhes o encargo de manterem serviços próprios de assistência aos beneficiários e familiares afectados de doenças contagiosas ou o pagamento dos tratamentos prestados pelos estabelecimentos ou serviços de assistência àqueles beneficiários, e prescreve-se para elas a obrigação de alterarem o seu esquema de seguro de modo a ficarem habilitadas a cobrir, sem aumento das taxas de contribuições das empresas e dos trabalhadores, ou seja, sem aumento das suas receitas próprias, o risco inerente àquele encargo (Base XXIV).
As obrigações que a Lei n.º 2036 estabeleceu, com prejuízo dos próprios esquemas institucionais das caixas , de previdência, foram atenuadas pelo Decreto n.º 37 762, de 24 de Fevereiro de 1950, que, integrando no esquema legal dás caixas as prestações médicas e farmacêuticas, deixou para diploma ulterior as condições de admissão e os prazos de internamento dos beneficiários.
Foi também neste sentido de moderação que a Lei n.º 2044, de 20 de Julho de 1950, referente à luta contra a tuberculose, condicionou os encargos das instituições de previdência com a assistência especializada aos beneficiários e seus familiares, na medida em que a assistência aos tuberculosos estiver prevista nos respectivos regulamentos.
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Com igual espírito se preceituou no § 7.º do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 39 805, de 4 de Setembro de 1954, sobre a responsabilidade dos encargos com a assistência hospitalar, que, de um modo geral, essa responsabilidade pode ser directamente exigida às instituições de previdência, conforme o disposto nos seus regulamentos, sem prejuízo dos acordos celebrados entre as mesmas instituições e os estabelecimentos hospitalares.
70. É essencial ter presente os princípios que regulam as relações entre a previdência e a assistência social para se poderem obter todos os efeitos que se têm em vista com a reforma agora proposta. Obedecem as instituições de previdência a métodos próprios e desenvolvem o esquema das suas prestações, apoiadas nas possibilidades da economia das empresas e dos trabalhadores a que se estende a sua protecção, assumindo perante estes últimos obrigações exigíveis nos termos dos seus regulamentos, e só nos termos dos seus regulamentos. A progressiva cobertura assegurada pelas caixas em relação aos diversos riscos e encargos sociais reduz correlativamente as insuficiências que à assistência incumbiria atender.
Não poderia a organização da assistência desenvolver-se, na realidade, se tivesse de implicar a insegurança da previdência social.
As instituições de previdência, no desempenho dos seus fins estatutários, asseguram prestações que de facto se não distinguem de muitas das concedidas pela assistência social. Para tal desempenho pode incumbir-lhes organizar serviços, como meio necessário da realização dos seus fins. A possibilidade de duplicação de instalações e serviços congéneres das instituições de previdência e das de assistência requer uma coordenarão que compete superiormente ao Estado, a qual, porém, não poderá ir ao ponto de lesar certos interesse especiais dignos de atenção ou estiolar legítimas e benéficas emulações. Nessa coordenação é principie fundamental favorecer o desenvolvimento da previdência e dos organismos de feição corporativa, nos termos expressos no Estatuto da Assistência Social (Base VI, n.º 2.º) e decorrentes do texto constitucional e que, por isso mesmo, terá de inspirar a nossa política social e corporativa.
71. Conforme se conclui no já citado parecer da Câmara Corporativa, aã política da assistência social não pode andar separada ou sequer alheada da política da previdência social. A previdência é a fórmula de justiça que o trabalhador reclama. Só ela fará com que a solução das dificuldades a que todos, por humana fraqueza, estamos sujeitos se torne, para aqueles que ganham um salário insuficiente ou estejam impedidos de granjeá-lo, certeza resultante do exercício de um direito conquistado pelo trabalho - em vez de hipotético deferimento de uma súplica atendida como por favor».
Parece, pois, evidente que uma íntima e bem orientada cooperação entre as instituições de previdência social e de assistência, ou outros serviços ou entidades, deverá assentar no respeito pela competência e natural autonomia das instituições e organismos, evitando interferências ou absorções, mormente quando se possa correr o risco de procurar a solução de problemas de carácter geral à custa dos recursos afectos, pela lei e pelos princípios, a fins específicos, e provenientes, na realidade, de remunerações do trabalho.
Interessa, deste modo, que tal cooperação seja efectuada per acordos entre as instituições interessadas, ao nível da sua autonomia administrativa, devendo ser ainda, nessa matéria, predominantemente supletiva a acção directa do Estado.
Na proposta apresentada apenas se consideram os problemas de coordenação no plano das instituições. Trata-se, fundamentalmente, de estabelecer a organização das caixas de previdência, e são esses problemas os consentâneos com o âmbito do diploma. Nesse sentido, confere-se à Federação de Caixas de Previdência e Abono de Família a representação destas últimas nos acordos a realizar com as instituições e estabelecimentos de assistência para a utilização recíproca de serviços e instalações, o que há-de, sobretudo, ser fruto de uma cada vez mais estreita aproximação entre as entidades e serviços com responsabilidades na matéria.
De qualquer maneira, tanto o espírito da projectada reforma da previdência, como as soluções que nela se preconizam abrem às relações entre o seguro social e a assistência amplas perspectivas e possibilidades que, decididamente, se espera ver aproveitadas em todo o seu alcance.
XII
Limites da previdência social
72. A regulamentação da lei que resultar desta proposta é que permitirá estabelecer, gradualmente e com maior precisão, os diversos esquemas de benefícios. Mas do que ficou exposto pode seguramente concluir-se que a remodelação agora sugerida representa um grande passo no sentido do aperfeiçoamento e da expansão da previdência.
Não faltará, porém, quem pense que se podia ir mais longe na protecção ao trabalhador e à sua família. Alguns, porventura, dirão mesmo que devia adoptar-se um sistema de segurança social generalizada, abrangendo toda a população e cobrindo integralmente todos os riscos sociais, para que os homens, certos de terem sido eliminados todos os eventuais estados de necessidade, deixassem de ter preocupações quanto ao futuro. Pelo contrário, outros inclinar-se-ão a supor que se caminha depressa de mais e que a previdência social estende o seu campo de aplicação para além dos limites aconselháveis sem que, ao menos, os seus princípios fundamentais hajam sido eficazmente divulgados e apreendidos pelos interessados e pela população em geral.
Convém, pois, apresentar sobre o assunto, embora sucintamente, alguns esclarecimentos.
73. Bem avisadamente andaram os presidentes do Instituto Nacional do Trabalho de Previdência ao empenharem-se, com energia, na estruturação e no alargamento do sistema da previdência social. Mal se compreenderia, na verdade, que se hesitasse em dar início à execução dos princípios essenciais do Estatuto do Trabalho Nacional. E seria inglório tentar a divulgação da previdência e das suas finalidades sem paralelamente sé criarem as instituições destinadas a dar efectivação prática ao seguro social. Se tivesse de se aguardar que todos se encontrassem devidamente informados e esclarecidos acerca da previdência, não seria possível organizar tão cedo um sistema de amparo ao trabalhador com a amplitude e a eficiência que caracterizam o que já existe entre nós.
Dispondo de um escol de homens de ideal e de vontade, o Instituto Nacional do Trabalho e Previdência lançou-se à tarefa de dar vida à doutrina social e corporativa da Constituição Política e do Estatuto do Trabalho Nacional.
E fê-lo, quer no respeitante à política social do trabalho, encarada no seu conjunto, quer no referente ao delineamento da organização corporativa, quer ainda no tocante à estruturação da previdência dos trabalhadores. Se governar é escolher, e escolher em tempo opor-
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tuno, pode afirmar-se que os presidentes do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência souberam escolher os melhores rumos e, consideradas as circunstâncias especiais de cada momento, os melhores métodos de acção, mesmo quando o ambiente parecia menos propício a grandes empreendimentos.
Isto tinha de ser dito, ao definirem-se as bases gerais da reorganização das instituições de previdência social, como preito de justiça a uma política vigorosa e clarividente e aos homens que a tornaram realidade - tanto mais que também agora se tiveram sempre presentes as lições do passado e o espírito que, desde início, vem presidindo à definição e à execução dos programas sociais do Governo.
Desta vez pode contar-se com a existência de um instrumento jurídico do maior interesse para a disseminação dos princípios e o conhecimento das realizações da previdência. Trata-se ido Plano de Formação Social e Corporativa, instituído pela Lei n.º 2085, de 17 de Agosto do ano findo, de cuja execução se espera obter uma mais perfeita compreensão dos objectivos e das possibilidades das instituições de previdência social, por parte das entidades patronais e dos trabalhadores. Umas e outros serão chamados a prestar activo concurso à execução do Plano, especialmente para efeito de se estreitarem as relações entre os órgãos directivos e administrativos das caixas e os respectivos beneficiários, se elucidarem estes quanto aos seus direitos e deveres e aos fins da previdência, se procurar a melhor aplicação das normas regulamentares às circunstâncias de cada caso, e se empreender vasta acção de sentido educativo junto de todos os que têm quaisquer obrigações de carácter social.
Para tanto, torna-se mister revigorar entre os responsáveis a noção dos seus deveres. Confia-se principalmente em que os funcionários do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência prossigam naquele estilo de actuação, caracterizado pela coragem, pelo desinteresse e pela consciência da necessidade de instaurar nos corações e nas inteligências, nas leis e na vida, o verdadeiro espírito da fraternidade humana, dentro da caridade e da justiça.
74. Mas ter-se-á sido excessivamente modesto nas medidas propostas?
Julga-se ter ido, no momento, até onde era possível e conveniente.
Quando se procede à remodelação da previdência é necessário não perder a noção das realidades e dos interesses gerais dos trabalhadores e do País.
Seria, antes de mais, imprudente não atender às possibilidades efectivas da economia nacional. Sendo a previdência um regime destinado a realizar, por forma criteriosa, melhor distribuição dos rendimentos, importa não esquecer que não pode distribuir-se o que não existe. Esta tarefa redistributiva ao pode realizar-se, na amplitude desejável, na medida e à medida do acréscimo da riqueza.
Por outro liado, se na realização de uma política social não devem agravar-se injustiças relativas entre as diversas classes de trabalhadores, também neste domínio não poderá ignorar-se a situação dos trabalhadores rurais, por ora sem direito, não obstante a já notável acção das Casas do Povo, a pensões de reforma, nem a outras modalidades dê protecção social já asseguradas, em maior ou menor escala, aos empregados e operários do comércio e da indústria.
75. À previdência total seria a imprevidência geral. A previdência não deve transformar-se numa organização que garanta todos os benefícios, cubra todas as eventualidades e se substitua plenamente ao homem na preparação e defesa do seu futuro. Ela não pode, na verdade, conduzir à destruição do espírito de iniciativa e da noção da responsabilidade pessoal.
Mal iria aos governantes se, irreflectida e indiscriminadamente, se dispusessem a pôr em prática uma política de segurança social extrema que acabasse por substituir o homem e a família na resolução de todos ou quase todos os seus problemas. Que este perigo existe, prova-o até o facto de entre nós se evidenciar uma forte propensão para reclamar das instituições de previdência não apenas o que está previsto nos seus regulamentos, mas tudo o que os segurados, e até os não segurados, necessitem para si e para os seus. Tal estado de espírito, bem mais generalizado do que pode supor-se, tem de ser combatido, não só por ameaçar a estabilidade financeira das instituições, mas, sobretudo, porque, logicamente, levaria à defesa ou à adopção de perigosos conceitos de segurança social: o homem ficaria privado dos melhores estímulos para trabalhar e produzir, para prever e poupar, para se valorizar e construir por si o seu próprio futuro. Substituir em tudo e para tudo o homem pela organização, quer esta se chame Estado, corporação, ou sistema de segurança social, equivaleria a aniquilar ou ferir gravemente a pessoa humana e a pôr em prática princípios de sentido socialista, repelidos pela concepção cristã da vida. Será sempre contrariar a natureza e atentar contra a personalidade humana pretender transferir para a sociedade, no domínio do económico ou do social, a direcção e a segurança completa de cada um.
76. A generalização da previdência a todos os riscos e dificuldades poderia ainda afectar seriamente o sentido da família e da responsabilidade mútua nas relações sociais. A família vive muito, como unidade moral, dos sacrifícios que, sobretudo os pais, aceitam por natural dedicação aos filhos e a outros membros do agregado familiar. Se tais sacrifícios se suportam por amor, é no aceitá-los e vivê-los dia a dia que este amor se alimenta, revigora e enobrece. Eliminar em toda a extensão o sentimento destas responsabilidades não deixaria, por isso mesmo, de atingir as condições e as formas da vida do lar e de enfraquecer os laços afectivos que dão grandeza à instituição.
Sabendo-se que na vida de família se encontra a raiz mais profunda das virtudes sociais e dos sentimentos altruístas, bem se compreenderá como a instauração de um sistema de segurança integral pode contribuir para agravar o movimento que vem arrastando as sociedades contemporâneas para o afrouxamento da solidariedade na família e da cooperação entre os homens. Por estranho paradoxo, o sistema teoricamente mais, solidário poderá, na realidade, produzir na vida das relações humanas, em maior ou menor grau, efeitos contraditórios, criando um ambiente social desprovido precisamente de espírito de verdadeira solidariedade.
«A segurança social» - como advertiu já Pio XII - «não pode ser outra coisa que uma segurança numa e cem uma sociedade que tome em conta a vida natural do homem e a origem e o desenvolvimento da família, como o fundamento sobre o qual se apoia a própria sociedade para exercer regularmente e seguramente todos os seus encargos e obrigações».
77. Tem-se a consciência de que neste preâmbulo se debateram, com maior ou menor desenvolvimento, os assuntos de mais relevante interesse, quer para o conhecimento das fases e do sentido da evolução da nossa
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previdência social, quer para a exacta interpretação do pensamento informador da presente proposta de lei. Certo é que outros temas poderiam ter. sido analisados e que vários aspectos referidos no relatório eram susceptíveis de mais larga explanação. Houve, todavia, o propósito de não tornar excessivamente extenso um trabalho que bem se desejaria pudesse ser apreciado, sem grande esforço, pela maioria dos interessados - e tantos são - no aperfeiçoamento e expansão da previdência social. Como, por outro lado, a proposta é desde já submetida ao parecer da Câmara Corporativa, não deixará esta, por certo, aliás no pendor das suas tradições, de completar e desenvolver as considerações feitas, enriquecendo-as com novos subsídios ou pontos de vista. Nem deve esquecer-se que a proposta tem de limitar-se a preconizar o estabelecimento das bases gerais do regime jurídico da previdência social Há-de ser, por isso, na regulamentação dessas bases que se oferecerá ensejo para apreciar muitas outras questões ligadas à previdência.
De qualquer forma, a natureza deste trabalho não se compadeceria com exame mais minucioso das matérias versadas, nem com o debate de outras mais ou menos relacionadas com a segurança social. Julgou-se, com efeito, que, sem prejuízo para a unidade deste relatório e para a perfeita elucidação dos critérios agora perfilhados, se poderia dispensar a apreciação das questões relativas aos conceitos de risco social, à evolução dos diversos sistemas da previdência, aos movimentos internacionais referentes à segurança social, às modernas orientações sobre emprego e sobre a organização do mercado do trabalho e aos problemas dos acidentes de trabalhos e doenças profissionais nos seus diferentes aspectos lê prevenção, reparação, recuperação, e do enquadramento jurídico do respectivo seguro. Seria ainda o caso do problema da posição que, no sistema corporativo português, cabe ao Estado e às Corporações perante a previdência social.
Não obstante estas lacunas, que se aceita existirem no presente relatório, julga-se ter exposto, com simplicidade e clareza, as questões de mais flagrante actualidade ou de maior relevância para a consolidação e desenvolvimento da previdência social.
E se é certo ter sido feito aturado esforço para reproduzir, com fidelidade, o pensamento desta proposta, não menos certo é que, nos morosos e delicados estudos dos problemas da nossa previdência, se pôs - e há-de continuar a pôr-se - não só o melhor espírito objectivo e a mais viva preocupação de encontrar acertadas soluções, como ainda toda a devoção que merece uma causa de não alto interesse para o País e que tanto se identifica com a da própria justiça social.
É, pois, nesta orientação que o Governo tem a honra de submeter à apreciação da Assembleia Nacional a seguinte proposta de lei.
Proposta de lei
CAPÍTULO I
Classificação e regime geral das instituições de previdência
BASE I
1. São reconhecidas quatro categorias de instituições de previdência social, nos termos seguintes:
2. A 1.ª categoria compreende as instituições de previdência de inscrição obrigatória idos trabalhadores de conta de outrem, as quais se classificam nos seguintes tipos:
a) Caixas Sindicais de Previdência.
b) Casas do Povo.
c) Casas dos Pescadores.
3. À 2.º categoria pertencem as Caixas de Reforma ou de Previdência, considerando-se como tais as instituições de inscrição obrigatória das pessoas que, sem dependência de entidades patronais, exercem determinadas profissões, serviços ou actividades.
4. Pertencem à 3.ª categoria as Associações de Socorros Mútuos, considerando-se como tais as instituições de previdência de inscrição facultativa, capital indeterminado, duração indefinida e número ilimitado de sócios, tendo por base o auxílio recíproco.
5. Constituem a 4.º categoria as instituições de previdência do funcionalismo público, civil ou militar e demais pessoas ao serviço do Estado e dos corpos administrativos, criadas ao abrigo de diploma especial.
BASE II
1. As Caixas Sindicais de Previdência e as Caixas de Reforma ou de Previdência regem-se pelas disposições da presente lei.
2. As Casas do Povo e as Casas dos Pescadores são organismos corporativos que se constituem ao abrigo de legislação especial e em cujos fins institucionais se inclui o de realizar os objectivos da previdência social em benefício dos trabalhadores por eles representados e das demais pessoas residentes na respectiva área que, nos termos da mesma legislação, devam equiparar-se àqueles trabalhadores.
3. As Associações de Socorros Mútuos regulam-se pelas normas da legislação aplicável às associações mutualistas e as instituições da 4.º categoria continuam a reger-se pelos respectivos diplomas especiais, sem prejuízo da sua gradual integração no plano de previdência social a que se refere a base seguinte.
BASE III
1. Compete ao Governo ordenar no plano nacional as realizações da previdência social e determinar os seus objectivos, bem como sancionar a actuação das Corporações para a organização e aperfeiçoamento das instituições de previdência.
2. Ouvido o Conselho Superior da Previdência Social, poderá ser ordenada ou permitida a mudança de categoria de qualquer instituição de previdência ou ainda a sua união ou fusão com outras, quando se verifiquem vantagens de ordem social ou económica.
CAPITULO II
Das Caixas Sindicais de Previdência
BASE IV
1. As Caixas Sindicais de Previdência destinam-se a proteger na doença, na maternidade, na invalidez e na velhice e ainda por morte do chefe de família os trabalhadores e os familiares a seu cargo.
2. A protecção na tuberculose será objecto de regime especial, competindo de início às Caixas Sindicais de Previdência a concessão de subsídios pecuniários aos seus segurados nos impedimentos resultantes daquela doença.
3. Constitui também objectivo normal das Caixas Sindicais de Previdência a promoção do salário familiar pela concessão de abono de família.
4. Entre os fins de previdência das mesmas instituições será incluída a protecção no desemprego invo-
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luntário, nos termos que forem determinados pelo Governo.
5. Poderão ainda estas caixas prosseguir outros objectivos de previdência quando devidamente autorizadas pelo Ministro das Corporações e Previdência Social, ouvido o Conselho Superior da Previdência Social.
BASE v
A criação das Caixas Sindicais de Previdência compete:
a) Às Corporações, bem como aos Grémios e Sindicatos Nacionais e suas Federações ou Uniões, por meio de convenções colectivas de trabalho.
b) Ao Ministério das Corporações e Previdência Social, por sua iniciativa ou a requerimento dos interessados ou dos organismos corporativos seus representantes.
BASE VI
As Caixas Sindicais de Previdência têm personalidade jurídica e consideram-se legalmente constituídas depois de aprovados por alvará os seus estatutos.
BASE VII
1. As Caixas Sindicais de Previdência abrangerão obrigatoriamente, como segurados, os trabalhadores das profissões interessadas nas convenções colectivas de trabalho ou definidas nos diplomas da sua criação.
2. O âmbito das Caixas Sindicais de Previdência criadas a requerimento dos interessados será o estabelecido nos respectivos estatutos.
3. A obrigatoriedade de inscrição como segurados é extensiva aos sócios das empresas que, ao serviço destas, mediante remuneração e subordinados à administração respectiva, exerçam profissões abrangidas pelas caixas.
4. Ouvido o Conselho Superior da Previdência Social, poderá ser determinado o alargamento do âmbito das Caixas Sindicais de Previdência, quando o justiquem motivos de ordem suciai ou económica.
BASE VIII
1. As receitas normais das Caixas Sindicais de Previdência serão constituídas por contribuições dos segurados e das suas entidades patronais, sancionadas ou estabelecidas pelo Governo e periodicamente revistas com base nos balanços actuariais, ouvido o Conselho Superior da Previdência Social.
2. A dívida de contribuições às Caixas Sindicais de Previdência prescreve pelo lapso de cinco anos, a contar do último dia do prazo estabelecido para o seu pagamento.
3. Prescreve pelo lapso de um ano o direito a reclamar a reposição de contribuições indevidamente pagas às mesmas caixas pelos segurados ou pelas entidades patronais.
BASE IX
Serão fixados limites máximos às pensões e subsídios a conceder peias Caixas Sindicais de Previdência.
BASE X
1. As Caixas Sindicais de Previdência gozam das seguintes isenções:
a) Da contribuição industrial.
b) Do imposto sobre a aplicação de capitais, secção B, e do imposto sobre a aplicação de capitais, secção A, este em relação, aos capitais mutuados nos termos da lei de cooperação das instituições de previdência e das Casas do Povo na construção de habitações económicas.
c) Do imposto do selo, incluindo o de averbamento, nos seus diplomas, estatutos ou regulamentos, livros de escrituração, atestados, certidões, certificados, guias de depósito ou de pagamento e recibos de contribuições e quotas que tenham de processar no exercício das suas funções, bem como de quantias que devam ser cobradas simultaneamente com as multas, e nos recibos que os segurados ou beneficiários passarem por quaisquer quantias recebidas no uso dos seus direitos.
d) Do imposto sobre as sucessões ou doações, quanto a mobiliários e imobiliários paxá instalação da sede e serviços de utilidade social e casas económicas para habitação de trabalhadores e quanto aos títulos referidos nas alíneas a) e b) da base XVI assentados às caixas, bem como quanto à transmissão de quaisquer valores mobiliários ou imobiliários resultante da união ou fusão prevista no n.º 2 da base III.
e) Da sisa pela aquisição de prédios, na parte destinada à sua instalação e à de serviços de utilidade social e casas económicas para habitação de trabalhadores.
f) Da contribuição predial devida pelos prédios referidos na alínea anterior, nos termos da legislação referida na alínea b).
2. É aplicável aos títulos referidos na alínea d) desta base o disposto no § 3.º do artigo 84.º do Decreto n.º 31 090, de 30 de Dezembro de 1940, salvo se com a sua alienação se tiver em vista proporcionar habitação a trabalhadores.
3. As Caixas Sindicais de Previdência, quando instaladas em edifício próprio, gozam da regalia de despedir no fim do arrendamento qualquer dos seus inquilinos, se necessitarem da parte por eles ocupada para as suas instalações ou serviços.
BASE XI
Haverá duas espécies de Caixas Sindicais de Previdência:
a) Caixas de Pensões, destinadas a proteger os segurados ou seus familiares na invalidez, velhice e morte.
b) Caixas de Previdência e Abono de Família, destinadas a proteger os segurados e seus familiares na doença e na maternidade e à concessão de abono de família.
BASE XII
1. As Caixas de Previdência e Abono de Família serão organizadas em base regional, sem prejuízo da manutenção de caixas privativas do pessoal de uma empresa ou grupo de empresas, ou de certo ramo de actividade económica, quando, mediante parecer do Conselho Superior da Previdência Social, se verifique oferecer tal enquadramento vantagens sociais.
2. O âmbito das Caixas Regionais de Previdência e Abono de Família será referido às profissões exercidas pelos trabalhadores da sua área e o das caixas de actividade ou de empresa compreenderá o pessoal normalmente ao serviço das empresas interessadas.
3. Os trabalhadores a quem deva ser aplicável o regime de abono de família e a quem não tenham sido tornados extensivos os demais benefícios das caixas de previdência serão inscritos, para efeito da concessão de abono de família, nas caixas regionais da área das empresas a que prestam serviço.
BASE XIII
1. As Caixas de Previdência e de Abono de Família constituirão uma federação nacional, destinada a coordenar a acção médico-social e a promover a compensação financeira dos seguros de doença e de maternidade.
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2. Todas as prestações do esquema do seguro de doença das mesmas caixas serão concedidas por uma só instituição a cada segurado e seus familiares.
3. Quando se mostre conveniente que alguma caixa, quer regional, quer de actividade, quer de empresa, se incumba de conceder aquelas prestações aos segurados de outra caixa, serão celebrados entre as instituições interessadas os. necessários acordos, sujeitos a homologação ministerial, sob proposta da federação prevista no n.º 1 desta base.
4. À Federação das Caixas de Previdência e Abono de Família competirá a representação das mesmas caixas nos acordos a efectuar com os serviços de saúde e as instituições ou estabelecimentos de assistência social para a utilização recíproca de serviços ou instalações.
BASE XIV
1. A concessão de pensões aos segurados das Caixas de Previdência e Abono de Família incumbirá a uma instituição de âmbito nacional, que se denominará Caixa Nacional de Pensões.
2. A Caixa Nacional de Pensões assegurará um esquema de prestações comuns a todos os segurados das Cais as de Previdência e Abono de Família que nela devam ser inscritos, sem prejuízo do possível estabelecimento de esquemas superiores em benefício dos segurados de algumas daquelas caixas, mediante a corresponde ate contribuição complementar.
BASE XV
1. As Caixas Sindicais de Previdência terão, além dos fundos disponíveis correspondentes aos seus objectivos estatutários, um fundo de reserva destinado, nas Caixas de Previdência e Abono de Família, a garantir a instituição contra qualquer emergência imprevista, e, nas Caixas de Pensões, a assegurar a cobertura actuaria] dos seus compromissos.
2. As Caixas de Previdência e Abono de Família terão ainda um fundo de assistência, constituído mediante receitas independentes das contribuições ordinárias e que se destinará a permitir a prestação de socorros extraordinários aos segurados e seus familiares.
3. As Caixas de Pensões elaborarão balanços actuariais pelo menos de cinco em cinco anos.
BASE XVI
1. Os valores das Caixas Sindicais de Previdência só poderão ser representados em dinheiro ou aplicados em:
a) Títulos do Estado ou por ele garantidos.
b) Acções ou obrigações de empresas ou entidades que o Conselho Económico julgue oferecerem a necessária segurança e revestirem interesse essencial para a economia da Nação.
c) Imóveis para instalação ou rendimento.
d) Investimentos de carácter social, através da construção do habitações económicas e da concessão de empréstimos aos segurados e às respectivas empresas, bem cone o às Casas do Povo, para atender às necessidades de habitação dos trabalhadores e suas famílias.
2. Para os fundos de assistência podem ser autorizadas outras formas de aplicação consentâneas com os seus objectivos.
3. O limite máximo dos valores globalmente aplicados nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 desta base será, de 50 por cento do total, podendo autorizar-se que [ara a fixação do montante a aplicar em investimentos de carácter social se considerem os valores prováveis a acumular no período máximo de cinco anos.
4. As aplicações previstas nesta base e a alienação dos imóveis e dos títulos das caixas dependem de autorização do Ministro das Corporações e Previdência Social.
BASE XVII
1. A gerência das Caixas Sindicais de Previdência será confiada a uma direcção assistida de um conselho-geral, cujos presidentes serão nomeados pelo Ministro das Corporações e Previdência Social.
2. Os vogais dos mesmos corpos directivos representarão em número igual os segurados e as entidades patronais, incumbindo a sua designação aos respectivos organismos corporativos de entre os seus associados inscritos na instituição.
3. Nas caixas privativas do pessoal de uma empresa ou grupo de empresas caberá a estas a designação directa dos seus representantes.
4. Os membros das direcções e dos conselhos-gerais são civil e criminalmente responsáveis pelas faltas e irregularidades cometidas no exercício das suas funções.
BASE XVIII
As Caixas Regionais de Previdência e Abono de Família cooperarão com as Casas do Povo e suas federações na organização da assistência médico-social aos trabalhadores rurais e na protecção às famílias dos mesmos trabalhadores, devendo celebrar-se entre umas e outras os convenientes acordos para utilização recíproca dos respectivos serviços.
BASE XIX
1. A falta de cumprimento das obrigações impostas pelos estatutos das Caixas Sindicais de Previdência às entidades patronais constitui transgressão punível com multas de 100$ a 3.000$, salvo se mais. graves sanções estiverem previstas por lei.
2. Sem prejuízo do disposto no número anterior, as contribuições, em dívida às Caixas Sindicais de Previdência, a partir da data em que tenham expirado os prazos estabelecidos para o seu pagamento, serão acrescidas de juro de mora, a cargo das entidades responsáveis, nos termos que forem determinados pelo Governo, revertendo a importância do juro para as caixas a que as mesmas contribuições forem devidas.
3. O julgamento das transgressões referidas no n.º 1 desta base é da competência dos tribunais do trabalho e as multas correspondentes reverterão para o fundo de assistência da caixa interessada.
CAPITULO III
Das Caixas de Reforma ou de Previdência
BASE XX
As Caixas de Reforma ou de Previdência destinam-se a proteger os segurados ou seus familiares na invalidez e na velhice e por morte do chefe de família.
BASE XXI
1. As Caixas de Reforma ou de Previdência terão, além da reserva matemática, destinada a assegurar a cobertura actuarial dos seus compromissos, um fundo de garantia para prevenir qualquer emergência imprevista.
2. Podem ainda as mesmas caixas ter um fundo de assistência, nos termos previstos no n.º 2 da base XV.
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BASE XXII
1. A gerência das Caixas de Reforma ou de Previdência será confiada a uma direcção assistida de um conselho-geral, cujos membros serão designados pelos segurados ou pelos organismos corporativos que os representem.
2. Nas Caixas de Reforma ou de Previdência para classes representativas de interesses espirituais poderão os respectivos superiores hierárquicos designar os presidentes daqueles corpos directivos.
BASE XXIII
É aplicável às Caixas de Reforma ou de Previdência o disposto nas bases VI, IX, X e XVI, na alínea b) da base V e nos n.ºs 5 da base IV, 2 e 4 da base VII e 3 da base XV.
CAPITULO IV
Disposições gerais e transitórias
BASE XXIV
1. É vedada a constituição e funcionamento de quaisquer sociedades, associações, caixas, fundos ou instituições que, sem autorização do Governo, se comprometam, mediante pagamento regular ou irregular de quantias fixas ou variáveis, a conceder benefícios pecuniários ou de outra natureza, no caso de se verificarem factos contingentes relativos à vida ou saúde dos interessados, à sua situação profissional ou aos seus encargos familiares.
2. Os directores, gerentes ou administradores das instituições irregulares referidas nesta base incorrem na pena de multa até 5.000$, sem prejuízo da aplicação de outras sanções previstas .por lei. As instituições mencionadas, quando não seja possível regularizá-las de acordo com a presente lei, serão dissolvidas.
BASE XXV
As pensões ou subsídios devidos aos segurados ou sócios das instituições de previdência social e seus familiares não podem, ser cedidos a terceiros nem penhorados, mas prescrevem a favor das respectivas instituições pelo lapso de um ano, a contar do vencimento ou do último dia do prazo de pagamento, se o houver.
BASE XXVI
1. As instituições de previdência compreendidas na 1.ª, na 2.ª e na 3.ª das categorias referidas na base I estão subordinadas ao Ministério das Corporações e Previdência Social e sujeitas à fiscalização dos serviços respectivos, deles recebendo as instruções e directivas convenientes ao seu aperfeiçoamento e consolidação.
2. As mesmas instituições são obrigadas a prestar àquele Ministério os elementos estatísticos ou informações por ele requisitados.
BASE XXVII
1. As Caixas Sindicais de Previdência só se dissolvem por fusão com outras.
2. Em caso de dissolução das instituições da 2.ª e 3.ª das categorias referidas na base I serão os seus haveres, pagas as dívidas ou consignada a quantia necessária para o seu pagamento, divididos entre os segurados ou sócios, na proporção das reservas matemáticas, com ressalva do disposto nos números seguintes.
3. Se as reservas matemáticas não forem praticamente determináveis, os haveres da instituição serão partilhados pelos segurados ou sócios na proporção das contribuições ou quotas por eles pagas, ou, se estas forem desconhecidas, em quinhões iguais.
4. Não se encontrando segurados, sócios ou pensionistas com direito à partilha, serão aqueles haveres aplicados, ouvido o Conselho Superior da Previdência Social, a favor de outras instituições de previdência, conforme se mostrar socialmente miais vantajoso.
BASE XXVIII
A designação dos vogais dos corpos directivos das Caixas Sindicais ide Previdência e a dos membros dos das Caixas de Reforma ou de Previdência continua sujeita à homologação do Ministro das Corporações e Previdência Social.
BASE XXIX
1. Nas Caixas Sindicais de Previdência do pessoal das empresas concessionárias de serviços públicos a integração das pensões de reforma e de previdência constitui encargo inerente à exploração desses serviços.
2. As caixas de previdência do pessoal dos caminhos de ferro serão reguladas por diploma especial.
BASE XXX
1. Fica revogada a Lei n.º 1884, de 16 de Março de 1935.
2. As Caixas Sindicais de Previdência e as .Caixas de Reforma ou de Previdência e respectivas Federações actualmente constituídas continuam a reger-se pela legislação complementar da referida Lei n.º 1884 em tudo aquilo que não contrarie as disposições do presente diploma.
BASE XXXI
O Governo publicará os regulamentos necessários à boa execução desta lei, competindo ao Ministro das Corporações e Previdência Social determinar as convenientes aliterações dos estatutos e regulamentos das Caixas Sindicais e de Reforma ou de Previdência e respectivas Federações actualmente constituídas, bem como a criação de novas caixas, nos termos da legislação aplicável.
Lisboa, 28 de Maio de 1957. - O Ministro das Corporações e Previdência Social, Henrique Veiga de Macedo.
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Indicação dos mapas anexos ao relatório
1 - Movimento de constituição de Caixas Sindicais de Previdência e Caixas de Reforma ou de Previdência.
2 - Movimento de constituição das caixas de previdência de âmbito profissional e regional, de empresa e sem entidades patronais contribuintes.
3 - Desdobramento das caixas de âmbito profissional, por Caixas I Sindicais de Previdência e Caixas de Reforma ou de Previdência.
4 - Movimento de constituição de caixas e integração do abono de família.
5 - Número de beneficiários e receitas das Caixas Sindicais do Providência e das Caixas de Reforma ou de Previdência.
6 - Despesas das Caixas Sindicais de Previdência e das Caixas de Reforma ou de Previdência.
7 - Caixas de previdência existentes em 1955 (sede, área de jurisdição, esquema, taxa de contribuições e número de beneficiários e contribuintes).
8 - Número de caixas em 1955 (condensação do mapa n.º 7).
9 - Número de beneficiários em 1955 (condensação do mapa n.º 7).
10 - Receitas e despesas das caixas de previdência no ano de 1955.
11 - Actividade dos Serviços Médico-Sociais - Federação de Caixas de Previdência.
12 - Movimento da acção médico-social no período de 1950 a 1955.
13 - Valores das caixas de previdência.
14 - Títulos do Estado ou com garantia do Estado - Desdobramento do mapa n.º 13.
15 - Imóveis - Desdobramento do mapa n.º 13.
16 - Acções e obrigações em 31 de Dezembro de 1956 - Desdobramento do mapa n.º 13.
17 - Actividade dos Serviços Mecanográficos - Federação de Caixas de Previdência.
18 - Abono de família.
19 - Fundo Nacional do Abono de Família.
20 - Esquema geral da organização da previdência social obrigatória e do abono de família.
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MAPA N.º 1
Movimento de constituição de Caixas Sindicais de Previdência e Caixas de Reforma ou de Previdência
[Ver Tabela na Imagem]
.. Movimento ou valor nulo.
Nota. - Não inclui as caixas em organização.
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MAPA N.º 2
Movimento de constituição das caixas de previdência de âmbito profissional e regional, de empresa e sem entidades patronais contribuintes
[Ver Tabela na Imagem]
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MAPA N.º 3
Desdobramento das caixas de âmbito profissional, por Caixas Sindicais de Previdência e Caixas de Reforma ou de Previdência
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Em 31 de Dezembro
Movimento ou valor nulo.
Nota. - Não inclui as caixas em organização.
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694 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 211
MAPA N.º 4
Movimento de constituição de caixas e integração do abono de família
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Inclui as caixas em organização.
Movimento ou valor nulo.
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MAPA N.º 5
Número de beneficiários e receitas das Caixas Sindicais de Previdência e das Caixas de Reforma ou de Previdência
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Inclui: regularização de contribuições, anuidades de retroacções, multas, arredondamentos, etc.
X Valor Ignorado.
Observação. - Até 1949, inclusive, o presente mapa foi extraído da publicação 25 Anos de Administração Pública-Ministério das Corporações e Previdência Social. A partir de 1950 o movimento registado inclui apenas as caixas constituídas e em organização, referidas no mapa n.º 7.
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MAPA N.º 6
Despesas das Caixas Sindicais de Previdência e das Caixas de Reforma ou de Previdência
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Inclui despesas com aplicação do valoras, com conservação do propriedades e regularização de contribuições. Movimento ou valor nulo.
Observação. - Até 1949, inclusive, o presente mapa foi extraído da publicação 25 Anos de Administração Pública - Ministério das Corporações e Previdência Social. A partir de 1950 o movimento registado inclui apenas as caixas constituídas e em organização, referidas no mapa n.º 7.
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MAPA N.º 7
Caixas de previdência existentes em 1955
[Ver tabela na Imagem]
(a) Tem prestações médicas.
(b) 9 por cento a cargo do grémio o 3 por cento a cargo da entidade patronal. Movimento ou valor nulo.
Abreviaturas:
D. - Doença.
I. - Invalidez.
V. - Velhice.
M. - Morte.
AF. - Abono de família.
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MAPA N.º 7 (continuação)
Caixas de previdência existentes em 1955
[Ver tabela na Imagem]
(a) Subsídio Igual à pensão anual de beneficiário constituída à data da morte.
(b) Contribuições por idades.
(c) Elementos concentrados na Cimentos - F. C. P.
(d) Elementos concentrados na Carvões - F. C. P.
(e) Contra-seguro de quotas pagas.
(f) Funeral 500$; subsidio de 3 a 15 contos.
.. Movimento ou valor nulo.
Abreviaturas:
D. - Doença.
I. - Invalidez.
V. -Velhice.
M. - Morte.
AF.- Abono de família.
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MAPA N.º 8
Número de caixas em 1955
[Ver tabela na Imagem]
(a) Inclui duas caixas em organização.
(b) Inclui uma caixa em organização.
(c) Além do subsídio, concede 500$ para funeral.
.. Movimento ou valor nulo.
Nota. - Com ressalva do anotado em (a) e (b), o presente mapa não abrange as caixas em organização.
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MAPA N.º 9
Número de beneficiários em 1955
[Ver tabela na Imagem]
(a) Inclui duas caixas em organização.
(b) Inclui uma caixa em organização.
.. Movimento ou valor nulo.
Nota. - Com a ressalva do anotado em (a) e (b), o presente mapa não abrange as caixas em organização.
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MAPA N.º 10
Receitas e despesas das Caixas Sindicais de Previdência e das Caixas de Reforma ou de Previdência no ano de 1955
(Valores em escudos)
[Ver tabela na Imagem]
(a) Refere-se à Caixa de Previdência dos Empregados da Assistência.
(b) Refere-se à Caixa de Previdência do Pessoal da Marinha Mercante Nacional.
(c) Compreende: 3 640 184$ da Caixa de Previdência do Pessoal do Serviço de Transportes Colectivos do Porto; 929 849$ da Caixa de Reforma do Pessoal da Indústria dos Tabacos; 4 656 9440 da Caixa de Previdência do Pessoal da Companhia Carris de Ferro de Lisboa.
(d) Compreende: 3 162 194$ da Caixa de Previdência do Pessoal do Serviço de Transportes Colectivos do Porto; 3 097 359$ da Caixa de Previdência do Pessoal da Companhia Carris de Ferro de Lisboa.
(e) Compreende: 2 198 070$ da Caixa de Previdência do Pessoal do Serviço de Transportes Colectivos do Porto; 73 000$ da Caixa de Previdência do Pessoal da Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte de Portugal.
(f) Refere-se à Caixa de Previdência do Pessoal da Câmara Municipal de Lisboa. (g) Por falta de elementos actualizados, os valores relativos a Caixa de Providência do Pessoal da Companhia dos Caminhos de Ferro do Norte do Portugal são os de 1954.
.. Movimento ou valor nulo.
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MAPA N.º 11
Actividade dos Serviços Médico-Sociais - Federação de Caixas de Previdência
[Ver tabela na Imagem]
(a) Englobam as desposas de 1946.
.. Movimento ou valor nulo.
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MAPA N.º 12
Movimento de acção médico-social no período de 1950-1955
[Ver tabela na Imagem]
(a) Inclui consultas em regime livre.
(b) Inclui tratamentos em regime livre.
(c) Este valor não confere com o indicado no mapa n.º 10, em virtude de neste só incluírem as despesas efectivamente verificadas e naquele as quotas pagas à Federação pelas caixas.
.. Movimento ou valor nulo.
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MAPA N.º 13
Valores das caixas de previdência
(Em contos e em referência a 31 de Dezembro)
[Ver tabela na Imagem]
.. Movimento ou valor nulo.
Observação. - Até 1947, inclusive, o presente mapa foi extraído da publicação 25 Anos de Administração Pública - Ministério das Corporações e Previdência Social. A partir de 1948 o movimento registado inclui apenas as caixas constituídas e em organização. A partir do mesmo ano o total não corresponde à soma das parcelas, em virtude de na 1.º coluna estarem incluídas as obrigações de empresas que tom garantia do Estado.
Nota. - Valores de compra.
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MAPA N.º 14
Títulos do Estado ou com garantia do Estado-Desdobramento do mapa n.º 13
(Valores em contos)
[Ver tabela na Imagem]
(a) Inclui os valores da Caixa de Previdência do Crédito Predial Português, em regularização. Movimento ou valor nulo.
Nota. - Valores de compra.
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MAPA N.º 15
Imóveis
Desdobramento do mapa n.º 13
(Valores em contos)
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Valor de 1955.
.. Movimento ou valor nulo.
Observação.- Até 1947, inclusive, o presente mapa foi extraído da publicação 25 Anos de Administração Publica - Ministério das Corporações e Previdência Social. A partir de 1948 o movimento registado refere-se apenas a caixas constituídas e em organização. Só a partir de 1950 é possível indicar o valor dos imóveis de utilidade social, que nos anos anteriores estão incluídos na rubrica de «Renda livre».
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MAPA N.º 16
Acções e obrigações em 31 de Dezembro de 1956
Desdobramento do mapa n.º 13
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Tem a garantia do Estado.
(b) 370 000 obrigações, no valor de 370 000 contos, tem a garantia do Estado.
... Movimento ou valor nulo.
Nota. - Valores de compra.
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MAPA N.º 17
Actividade dos Serviços Mecanográficos - Federação de Caixas de Previdência
[Ver Tabela na Imagem]
(a) Foi também efectuada neste ano a planificação dos seguintes trabalhos:
I - Registo mensal de ordenados ou salários dos beneficiários;
II - Folhas de lerias pré-feitas;
III - Processamento do abono de família;
IV - Conta corrente com os contribuintes;
V - Posição vitalícia dos beneficiários;
VI - Colecção de mapas para os balanços técnicos.
(b) Numero de contribuintes.
(c) Foram também efectuados neste ano os trabalhos de reorganização e planificação no sistema Powers.
(d) Número de entidades.
(e) Número de fichas trabalhadas.
.. Movimento ou valor nulo.
[Ver Tabela na Imagem]
(a) De 21 de Novembro a 31 de Dezembro.
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MAPA N.º 18
Abono de família
[Ver Tabela na Imagem]
... Movimento ou valor nulo.
X Movimento ou valor ignorado.
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MAPA N.º 19
Fundo Nacional do Abono de Família
(Valores em contos)
[Ver Tabela na Imagem]
Movimento ou valor nulo.
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MAPA N.º 20
ESQUEMA GERAL DA ORGANIZAÇÃO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL OBRIGATÓRIA E DO ABONO DE FAMÍLIA
[Ver Diagrama na Imagem]
Âmbito nacional A
Âmbito regional B
Âmbito local... C
Funções de Coordenação
Compensação
Cooperação
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CÂMARA CORPORATIVA
VII LEGISLATURA
PARECER N.º 39/VII
Projecto de proposta de lei n.º 526/VI
Reforma da Previdência Social
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 526, elaborado pelo Governo sobre a reforma da previdência social, emite, pela sua secção de Crédito e seguros (subsecção de Seguros), com os Dignos Procuradores, agregados, Afonso de Melo Pinto Veloso, Afonso Rodrigues Queiró, António Avelino Gonçalves, António Jorge Martins da Mota Veiga, António Sebastião Goulard, António da Silva Rego, António Vitorino França Borges, Armando Gouveia Pinto, Augusto Cancella de Abreu, Domingos Cândido Braga da Cruz, Fernando Andrade Pires de Lima, Francisco Manuel Moreno, Guilherme Braga da Cruz, João Militão Rodrigues, João Ubach Chaves, Joaquim Trigo de Negreiros, Jorge Augusto da Silva Horta, José Albino Machado Vaz, José de Almeida Ribeiro, José Augusto Vaz Pinto, José Gabriel Pinto Coelho, José de Mira Nines Mexia, José Pires Cardoso, José Seabra Castelo Branco, Luís de Castro Saraiva, Luís Gordinho Moreira, Manuel Alberto Andrade e Sousa, Manuel Duarte Gomes da Silva, D. Maria Luísa Ressano Garcia, e Pedro António Monteiro Maury, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
SUMÁRIO
PARTE I
Apreciação na generalidade
INTRODUÇÃO
§ 1.º Objecto e alcance da proposta (n.ºs 1 e 2).
§ 2.º O relatório da proposta. Os trabalhos preparatórios (n.ºs 3 e 4).
§ 3.º Metódo a seguir na apreciação da proposta (n.ºs 5 e 7).
CAPÍTULO I
Os sistemas de protecção contra os riscos sociais no limiar da segunda guerra mundial
§ 1.º Antecedentes históricos (n.º 8).
§ 2.º O seguro social obrigatório:
A) Preliminares (n.ºs 9 a 11).
B) Campo de aplicação (n.º 12).
C) Eventualidades cobertas (n.º 13).
D) Prestações (n.º 14).
E) Receitas (n.º 15).
F) Equilíbrio financeiro (n.º 16).
G) Estrutura administrativa (n.º 17).
§ 3.º A assistência social (n.ºs 18 e 21).
§ 4.º O seguro facultativo (n.ºs 22 e 23).
§ 5.º Síntese deste capítulo (n.º 24).
CAPÍTULO II
A política contemporânea de segurança social
§ 1.º A guerra e o movimento no sentido da segurança social (n.º 25 a 30).
§ 2.º O conceito de segurança social (n.ºs 31 e 32).
§ 3.º Princípios fundamentais da segurança social:
A) Razão de ordem (n.º 33).
B) Campo de aplicação (n.ºs 34 a 37).
C) Eventualidades (n.ºs 38 e 39).
D) Prestações (n.ºs 40 a 44).
E) Receitas (n.ºs 45 a 48).
F) Equilíbrio financeiro (n.º 49).
G) Estrutura administrativa (n.ºs 50 a 55).
H) Síntese dos princípios da segurança social (n.º 56).
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§ 4.º Segurança sooi-al e economia nacional (n.º 57):
A) Efeitos económicos da recolha de contribuições (n.ºs 58 e 59).
B) Efeitos económicos da acumulação de fundos (n.º 60).
C) Efeitos económicos da outorga das prestações (n.ºs 61 a 63).
CAPÍTULO III
O sistema português
§ 1.º Elementos. Princípios orientadores (n.ºs 64 e 65).
§ 2.º O sector da previdência social obrigatória:
A) Preliminares (n.º 66).
B) Campo de aplicação (n.ºs 67 a 70).
C) Eventualidades e prestações (n.ºs 71 a 75).
D) Receitas. Custo do sistema (n.ºs 76 a 80).
E) Equilíbrio financeiro (n.ºs 81 e 82).
F) Estrutura administrativa (n.ºs 83 a 86).
§ 3.º Os sectores da saúde e assistência (n.ºs 87 a 91).
§ 4.º O sector do seguro facultativo (n.ºs 92 e 93).
§ 5.º A coordenação superior do sistema (n.º 94).
§ 6.º Síntese deste capítulo (n.º 95).
CAPÍTULO IV
A proposta de lei
§ 1.º Preliminares (n.º 96).
§ 2.º Campo de aplicação (n.ºs 97 e 98).
§ 3.º Eventualidades (n.ºs 99 a 102).
§ 4.º Prestações (n.º 103).
§ 5.º Receitas (n.º 104).
§ 6.º Equilíbrio financeiro (n.º 105).
§ 7.º Estrutura administrativa (n.º 106).
§ 8.º Conclusões sobre a apreciação na generalidade (n.º 107).
PARTE II
Exame na especialidade
CAPÍTULO I
Classificação e regime geral das instituições de previdência
Base I (n.ºs 108 a 111).
Base II (n.ºs 112 a 114).
Base III (n.ºs 115 e 116).
CAPÍTULO II
Das caixas sindicais de previdência
Base IV (n.ºs 117 a 119).
Base V (n.º 120).
Base VI (n.º 121).
Base VII (n.º 122).
Base VIII (n.º 123).
Base IX (n.º 124).
Base X (n.º 125).
Base XI (n.º 126).
Base XII (n.º 127).
Base XIII (n.º 128).
Base XIV (n.ºs 129 a 132).
Base XV (n.º 133).
Base XVI (n.º 134).
Base XVII (n.º 135).
Base XVIII (n.º 136).
Base XIX (n.º 137).
CAPÍTULO III
Das caixas de reforma ou de previdência
Bases XX a XXIII (n.º 138).
CAPÍTULO IV
Disposições gerais e transitórias
Base XXIV (n.º 139).
Base XXV (n.º 140).
Base XXVI (n.º 141).
Base XXVII (n.º 142).
Base XXVIII (n.º 143).
Base XXIX (n.º 144).
Base XXX (n.º 145).
Base XXXI (n.º 146).
PARTE III
Conclusões
PARTE I
Apreciação na generalidade
Introdução
§ 1.º
Objecto e alcance da proposta
1. É intento do Governo, segundo as palavras com que abre o relatório do projecto de proposta de lei em exame, efectuar «a remodelação da estrutura e do regime financeiro da previdência social dos trabalhadores portugueses».
A enunciação deste programa assinala os dois temas principais que constituem o objecto da proposta, e desde logo permite entrever ia importância de que a mesma se reveste. Mas a apreensão do seu integral significado e alcance requer anais algumas explanações.
2. A reforma da estrutura do seguro social vigente - que, em síntese, se faz consistir na descentralização administrativa dos seguros a curto prazo, através de caixas regionais, e na concentração dos seguros diferidos numa instituição nacional -, bem como a mudança do regime de equilíbrio financeiro - mediante a introdução de um sistema de capitalização mitigada no financiamento das pensões -, representam meios técnicos que o Governo pretende utilizar no conseguimento de determinados fins político-sociais, em matéria de previdência obrigatória.
Ora, são esses fins que, na realidade, exprimem o alcance da proposta, sendo certo que, para atingi-los, poder-se-ia eventualmente recorrer a processos técnicos diferentes.
Do relatório da proposta depreende-se que as finalidades em vista com as reformas sugeridas são essencialmente as seguintes:
a) Alargar o campo de aplicação do sistema de previdência - isto é, o número e o âmbito dos seus beneficiários;
b) Ampliar o esquema de eventualidades cobertas - em especial com a instituição do seguro-maternidade e a protecção na tuberculose;
c) Melhorar o nível e a eficiência dos benefícios - designadamente através do internamento hospitalar, da articulação do seguro-doença com o de invalidez e da valorização das pensões de reforma.
De todas estas finalidades, apenas a segunda aparece referida no articulado da proposta (base IV).
A explicação do facto estará, porventura, em se haver entendido constituírem matéria regulamentar as normas
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destinadas à concretização daqueles objectivos, tendo em vista o princípio consignado no artigo 92.º da Constituição, segundo o qual as leis devem restringir-se à aprovação das bases gerais dos regimes jurídicos.
Deixando para outra oportunidade à apreciação deste critério, cumpre por agora salientar quanto a simples indicação de tais finalidades revela ter a proposta um alcance bem mais largo do que aquele que poderia inferir-se do seu objecto imediato.
Por outras palavras: o projecto do Governo não visa simplesmente a remodelar certos aspectos técnicos do seguro social, mas, com base nestes, procura obter melhorias substanciais em todos os capítulos do nosso sistema de previdência obrigatória.
Deve acrescentar-se que as medidas preconizadas, embora interessando ao conjunto da organização da previdência, e, portanto, «a todos os trabalhadores portugueses», consoante se lê no preâmbulo da proposta, dizem sobretudo respeito ao sector das caixas de previdência - isto é, aos trabalhadores da indústria, comércio e serviços.
§ 2.º
O relatório da proposta. Os trabalhos preparatórios
3. A proposta vem acompanhada de extenso e fundamentado relatório, no qual se expõem, com esclarecido critério, es princípios legais e o sentido de evolução do sistema de previdência vigente, bem como as razões justificativas das reformas apresentadas.
Representou aquele relatório valioso contributo para o estudo que à Câmara Corporativa coube realizar. De grande utilidade se mostrou igualmente a consulta dos trabalhos preparatórios da proposta, cuja elaboração foi essencialmente cometida à Direcção-Geral da Previdência e Habitações Económicas, com activa participação dos respectivos serviços actuariais.
O exame desses trabalhos revela terem os mesmos sido precedidos de longa e fecunda actividade doutrinária por parte do Conselho Superior da Previdência Social, criado em fina de 1946 1.
Elaborou o Conselho, por iniciativa própria ou a solicitação do Governo, diversos estudos de relevante interesse para o aperfeiçoamento e consolidação do sistema português de seguro social. Apreciável número deles obtive consagração legislativa 2. Da execução dos respectivos diplomas se entendeu dever depender a ulterior revisão global da orgânica administrativa e do regime financeiro da previdência 3.
Em fins de 1952 estavam praticamente concluídos pelos serviços da referida Direcção-Geral os estudos de maior importância para a reforma em perspectiva, quer quanto ao alargamento do esquema de eventualidades - nomeadamente à maternidade e à tuberculose -, quer no tocante à remodelação da estrutura administrativa e do regime financeiro.
Mas a elaboração do projecto de diploma, de que resultou a proposta de lei em apreciação, só em 1957 veio a ultimar-se 4.
1 Decreto-Lei n.º 35 896, de 8 de Outubro desse ano. Além de funções consultivas do Governo, em matéria de seguro social, ao Conselho foi atribuída competência para «promover, por iniciativa própria, o exame das questões que interessem ao aperfeiçoamento e ao desenvolvimento da organização da previdência social em todos os seus aspectos e propor as providências que julgar convenientes» [decreto citado, artigo 2.º, alínea b)].
No período inicial a que nos (repontamos o Conselho era presidido pelo Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Sócial e tinha a seguinte composição: vice-presidente, Dr. Manuel Hebe o de Andrade; vagais, director-geral da Previdência u Habitações Económicas, inspector judiciário, chefe dos serviços actuariais, inspector-chefe da previdência social, representantes das Juntas Centrais das Casas do Povo e das Casas dos Pescadores e cinco pessoas de reconhecida competência nas matérias de previdência social (decreto citado, artigo 3.º). O Conselho foi recentemente reorganizado pelo Decreto-Lei n.º 43 183, de 23 de Setembro de 1960, passando a denominar-se Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica.
2 Referem-se, entre outros, os seguintes diplomas: Decreto-Lei n.º 37 426, de 23 de Maio de 1949 (regime de transferências e seguro continuado); Decreto n.º 37730, de 20 de Janeiro de 1950 (reorganização do Fundo Nacional do Abono do Família); Decreto n.º 37 749, de 2 de Fevereiro do mesmo ano (remodelação do regime do subsídio por morte); Decreto-Lei n.º 37 750 e Decreto n.º 37 751, de 4 do mesmo mês e ano (reorganização das Casas dos Pescadores); Decreto n.º 37 762, de 24 de Fevereiro desse ano (remodelação do regime do seguro-doença).
3 Em Janeiro de 1951 o vice-presidente do Conselho Superior da Previdência apresentou ao Ministro das Corporações algumas dúvidas e sugestões quanto à orientação a seguir na revisão dos problemas do nosso seguro social. Aí se focavam, entre outros, os aspectos referentes aos métodos de financiamento (sugerindo-se uma fórmula que já se aproximava da contida na actual proposta de lei), à inscrição dos trabalhadores independentes, ao esquema de eventualidades e benefícios (alvitrando-se o alargamento à doença prolongada e à tuberculose) e à estrutura administrativa (propondo-se já nesse momento a separação entre os seguros a longo prazo e os de curto prazo, assim como a centralização dos (primeiros numa caixa nacional e a descentralização dos segundos em caixas regionais e de empresa).
Por um discurso do então Ministro das Corporações, com data de 4 de Fevereiro de 1952 (publicado mo Diário das Sessões n.º 223, ano de 1953, pp. 997 e seguintes, em anexo I à resposta ao aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Cerqueira Gomes), depreende-se que em fins daquele ano de 1951 fora constituída, «com carácter particular», uma comissão destinada a examinar «alguns aspectos fundamentadas da previdência social». Acrescentava-se, porém, que até a data do discurso «nenhuma reunião se fez a convite dos membros da comissão», e que em Agosto de 1952 se nomeara outra comissão (esta com caracter oficial), a qual apresentou a (primeira parte dos seus trabalhos.
4 Posteriormente à apresentação da proposta (28 de Maio de 1957), tem o Ministério das Corporações e Previdência Social publicado numerosos diplomas sobre previdência social, os quais, sem prejudicar o conteúdo daquela proposta, documentam assinalado esforço no sentido do desenvolvimento do sistema português de seguro obrigatório. A lista dos mais importantes é a seguinte: Decreto-Lei n.º 41286, de 23 de Setembro de 1957 (regula a constituição, atribuições e funcionamento das Federações de Casas do Povo) ; Decreto-Lei n.º 41 595, de 23 de Abril de 1958 (inclui no esquema normal de prestações do seguro-doença das caixas sindicais e das caixas de reforma ou de previdência o internamento hospitalar para cirurgia geral) ; Decreto-Lei n.º 41677, de 14 de Junho de 1958 (aprova, para ratificação, a convenção geral entre Portugal e a França sobre segurança social) ; Decreto-Lei n.º 41 890, de 30 de Setembro de 1958 (torna extensivo ao provimento dos cargos de presidentes da direcção das caixas sindicais e das caixas de previdência com entidades patronais contribuintes o disposto no Decreto-Lei n.º 37 743, de 23 de Janeiro de 1950) ; Portaria n.º 17 118, de 11 do Abril de 1959 (aprova as normas da Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais) ; Portaria n.º 17 668, de 11 de Abril de 1960 (prorroga por um ano a Campanha referida na Portaria n.º 17 118) ; Decreto-Lei n.º 43 183, de 23 de Setembro de 1960 (reorganiza o Conselho Superior da Previdência Social, que passa a denominar-se Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica) ; Decreto-Lei n.º 43 184, da mesma data (altera o regime do abono do família para os trabalhadores por conta de outrem); Decreto-Lei n.º 43 186, da mesma data (regula as condições em que as instituições de previdência podem afectar os seus capitais à concessão de empréstimos aos beneficiários ou sócios para construção ou aquisição de habitações próprias) ; Decreto-Lei n.º 43187, da mesma data (altera o regime legal sobre alienação, troca ou oneração dos valores das instituições de previdência) ; Decreto n.º 43 189, da mesma data (aprova a tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais) ; Portaria n.º 17 963, da mesma data (regula a concessão de subsídios de casamento, nascimento e aleitação aos beneficiários das caixas de abono de família e das caixas de previdência com abono integrado) ; Portaria n.º 17 964, da mesma data (amplia o esquema da assistência farmacêutica pela Federação de Caixas de Previdência - Serviços Médico-Sociais) ; Portaria n.º 17 965, da mesma data (fixa o quantitativo das pensões mínimas de velhice a pagar pelas caixas sindicais e pelas caixas de reforma e de previdência) ; Portaria n.º 17 966, da mesma data (torna extensiva aos reformados, por invalidez ou velhice, das caixas sindicais e das caixas de reforma e previdência; a assistência médica e medicamentosa assegurada aos restantes beneficiários) ; Portaria n.º 17967, de mesma data (manda constituir a Federação de Caixas de Previdência - Obras Sociais).
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4. Não se estranhe ter a proposta sido precedida de tão dilatada preparação.
A previdência constitui, sem dúvida, o sector mais melindroso e complexo de toda a legislação social. As suas técnicas não têm longas tradições em nenhum país e continuam, hoje ainda, a alimentar divergências e dúvidas entre os especialistas.
E, para além das técnicas, põem-se graves problemas de natureza ética, política, económica e social, que o ordenamento da previdência - sobretudo quando visto à luz das modernas concepções de segurança social - necessàriamente suscita.
Compreende-se assim que a revisão de um sistema de seguro social seja, em nossos dias e em qualquer país, tarefa de extrema complexidade e, por isso mesmo, de longa gestação. Haja em vista, por exemplo, os casos da Inglaterra e da Suécia. Naquela, as propostas apresentadas em 1942 no relatório Beveridge sòmente em 1945 começaram a converter-se, com diversas modificações, em diplomas legislativos, cuja publica, cão se escalonou até 1948. Na Suécia, a recente reforma do sistema nacional de pensões (portanto de âmbito restrito) levou nada menos de onze anos a estudar e a submeter ao referendo 5.
A demorada elaboração da proposta de lei sujeita ao exame da Câmara Corporativa revela, pois, além do mais, o cuidado e a ponderação que o Governo pôs na sua feitura.
Já, todavia, pode parecer susceptível de reparo que, muito embora o Governo tenha dado ampla divulgação à proposta 6 e haja decorrido longo tempo sobre a data dá sua apresentação, poucas ou nenhumas observações ou alvitres, dignos desse nome, chegassem, entretanto, a esta Câmara ou viessem à luz da publicidade.
Também esta atitude não deve causar admiração. Afirmou-se, com inegável procedência, que se «toda a gente fala da previdência social com a mesma desenvoltura com que trata de outros graves problemas da vida social, ... poucos são ainda os que se debruçaram sobre ela para poderem equacionar os problemas ... Quando se procura a razão da queixa e o processo de resolução ficam silenciosos ou tentam uma vaga explicação»7.
Acrescente-se não ser o facto privativo do nosso país. O carácter acentuadamente técnico de que em regra se revestem os estudos sobre seguro social, não obstante as suas incidências profundamente «humanas», explica que, cada vez mais, em toda a parte, semelhantes estudos tendam a ficar relegados aos especialistas.
Nota, com razão, Lucas Beltrán que só excepcionalmente algum autor,- como Beveridge, consegue fazer vibrar a opinião pública com os seus trabalhos nessa matéria 8.
§ 3.º
Método a seguir na apreciação da proposta
5. A necessidade e oportunidade das reformas preconizadas na proposta vêm amplamente justificadas no relatório ministerial.
Aí se põem em foco, com base em abundantes elementos de facto revelados pela experiência, os inconvenientes do sistema actual, seja no aspecto das limitações do esquema de eventualidades e benefícios, seja no tocante à complexidade da orgânica administrativa, seja ainda na rigidez dos métodos de financiamento, impeditivos de melhorias nas prestações, sobretudo nos seguros a longo prazo.
Poderia a Câmara Corporativa limitar-se a apreciar a proposta em idêntico plano - verificando a procedência dos inconvenientes apontados e examinando depois a aptidão e suficiência das medidas propostas para ocorrer a tais inconvenientes.
Em suma, poderia a Câmara efectuar o seu estudo exclusivamente à luz da experiência nacional do funcionamento do sistema, isto é, das circunstâncias de ordem interna que, ao cabo de 25 anos, tornam necessária uma reforma da previdência social.
Sucede, porém, que este quarto de século não foi um período qualquer da existência dos povos. Durante ele, assistiu a humanidade a um dos maiores cataclismos da história, gerador de extensas e profundas transformações em todos os sectores da vida.
Nos domínios económico e social, as estruturas nacionais - não apenas dos países que intervieram no conflito, mas, por inevitável contágio, de todos os mais - sofreram o impacto da humana reacção contra as misérias e sofrimentos causados pela guerra.
O traço mais saliente dessa reacção, no aspecto económico, foi, sem dúvida, a tendência generalizada para a intensificação dos ritmos de crescimento. Semelhante política mostrou-se decisivamente favorecida pelos progressos espectaculares das técnicas da produção e dos transportes, e pela descoberta de uma nova fonte de energia - a energia nuclear.
Por seu turno, no terreno social, ao acréscimo da produtividade e das riquezas e à recordação das privações e angústias do tempo da guerra, correspondeu uma fortíssima aspiração de melhoria do nível de vida das populações, essencialmente através de duas ordens de medidas:
a) A distribuição equitativa dos resultados da produção, de modo a fazer deles participar, em maior proporção, as camadas sociais riais desfavorecidas;
b) A protecção eficaz contra as eventualidades susceptíveis de pôr em risco a vida e a conservação dos meios de existência.
Os progressos da industrialização e o fenómeno da concentração das instalações fabris perto dos grandes centros, provocando a criação de um crescente proletariado urbano e a dispersão das famílias, contribuíram para tornar particularmente sentida por essas camadas sociais a necessidade de protecção económica contra as contingências da vida. À relativa estabilidade oferecida pelo meio familiar e pelas comunidades rurais substitui-se a insegurança do meio industrial, em que o operário para viver depende exclusivamente do seu braço e do seu salário.
Mas o problema da insegurança da vida e dos meios de existência, no mundo de hoje, não é de modo nenhum privativo do trabalhador subordinado. O pequeno proprietário ou explorador rural, o artífice, o modesto capitalista, comerciante ou industrial, o profissional livre, o artista - e até as pessoas que conseguiram alcançar fortuna - estão igualmente sob a ameaça da instabilidade das condições económicas gerais, da incerteza sobre o futuro valor das suas poupanças, dos próprios riscos que para a vida humana representam certas formas do progresso técnico. Ninguém
5 Ver, a este respeito, Bureau International du Travail, Informations sociales, 15 de Março de 1958, pp. 250 e 251.
6 Recorda-se que na altura da publicação da proposta o Ministro das Corporações tomou a iniciativa de promover várias reuniões com dirigentes corporativos e representantes da imprensa e da rádio, durante as quais foi lido e apreciado o relatório da proposta (ver Ministério das Corporações e Previdência Social, Reforma da Previdência Social, edição da Junta da Acção Social, pp. 21 e seguintes).
7 Discurso do Ministro das Corporações e Previdência Social, no Diário das Sessões, citado, p. 997, col. 2.ª
8 Lucas Beltrán, in Moneda y crédito, Madrid, Março de 1959, p. 122.
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pode, nas condições actuais da existência, considerar-se econòmicamente imune contra as contingências do futuro.
Em especial, no aspecto das eventualidades capazes de pôr em risco a vida e a integridade física - por outras palavras, no capítulo da defesa da saúde - o extraordinário encarecimento dos meios de combate à doença, com as novas técnicas de diagnóstico e terapêutica, constitui, por si só, factor importantíssimo de insegurança económica, pois a generalidade das pessoas não pode, hoje em dia, suportar, ao menos sem penoso sacrifício dos seus meios de subsistência, as despesas de uma doença grave ou prolongada.
Assim se compreende que, em nenhuma época como a presente, as aspirações de segurança social se manifestem por forma tão intensa e, sobretudo, tão universalmente sentida.
Como disse Walter Eucken, «a exigência de segurança é um problema universal. Em cada época a insegurança revela-se de maneira distinta. Mas, hoje, a necessidade de segurança cresceu em medida desconhecida até agora na história. E é problema que não afecta esta ou aquela camada social, mas sim todos os grupos, simultânea ou alternadamente, interessando em maior ou menor escala a toda a gente».
Pode acrescentar-se - reproduzindo afirmações do bispo de Bérgamo ao encerrar a XXIII Semana Social dos Católicos Italianos - que o sentido da história se desenvolvi na direcção da segurança social e que será inútil qualquer oposição ao gradual reconhecimento do direito que todos têm de ver garantido o necessário para que a sua vida exterior seja conforme à sua dignidade interior 9.
6. Cabe agora perguntar; porquê estas reflexões sobre o fenómeno da segurança social a propósito do método a seguir na apreciação da proposta de lei em causa?
A resposta é simples. Aquele fenómeno deu lugar, na generalidade dos países, a novas concepções em matéria de protecção contra os riscos específicos da vida social -, que não podem ignorar-se ou esquecer-se ao estudar os problemas suscitados pela revisão de um dos sectores directamente responsáveis por essa protecção.
Assim, para além do exame da proposta sob o ângulo restrito do condicionalismo de ordem interna que porventura a justifica, importa verificar em que medida a forte corrente, que hoje em dia agita as políticas nacionais no sentido da a segurança social», eventualmente aconselha a revisão dos métodos e finalidades que informam a proposta do Governo.
O relatório ministerial, embora reconhecendo os perigos inerentes aos sistemas de segurança social integral (n.º 75), considerou «dispensável» mais larga referência ao movimento internacional da segurança social (n.º 77).
Não o entende assim esta Câmara, e antes crê haver todo o interesse - sem embargo de as dificuldades da sua tarefa se verem assim extremamente acrescidas - em que a proposta seja também examinada à luz dos modernos conceitos da segurança social, sem dúvida um dos grandes imperativos do nosso tempo, a cuja força actuante não podem furtar-se as políticas nacionais, e, portanto, também a do Estado Português.
Isto, evidentemente, sem perder de vista os princípios ético-políticos que orientam o nosso sistema, bem como as possibilidades do País.
Já em Fevereiro de 1946 o Presidente do Conselho afirmava:
A política social que nos surge como marca inconfundível da época presente postula melhor aproveitamento e mais justa distribuição das riquezas, e nem um nem outra serão possíveis sem sujeição a planos, que em muitos casos transcenderão o nacional para se situarem no domínio mundial 10.
7. A conveniência de integrar o estudo da proposta no quadro mais vasto que acaba de delinear-se impõe determinada razão de ordem na sequência deste parecer.
Assim, num primeiro capítulo serão expostos, sucintamente, os sistemas de protecção contra os riscos sociais no limiar da segunda guerra mundial, que constituíram os antecedentes da política contemporânea de segurança social.
A explanação das linhas gerais desta política e dos princípios basilares que a informam será dedicado o capítulo seguinte.
Num terceiro capítulo far-se-á breve análise a apreciação do sistema português.
Por último, à luz do resultado desses estudos, será então possível abordar, num quarto capítulo, os problemas de carácter geral suscitados pela proposta de lei.
CAPÍTULO I
Os sistemas de protecção contra os riscos sociais no limiar da segunda guerra mundial
§ 1.º
Antecedentes históricos
8. A acção, individual ou colectiva, no sentido de ocorrer às consequências dos riscos sociais - a doença, a invalidez, a velhice, a morte e tantos outros - é de todos os tempos.
O espírito de caridade e de solidariedade humana - que o cristianismo elevou a regra fundamental da vida - e, por outro lado, o instinto natural de previsão, desde sempre conduziram os homens, os grupos e o próprio Estado a procurarem meios de protecção contra as vicissitudes da existência.
A beneficência, o socorro mútuo, a poupança privada, a assistência pública, representam as formas atra-
9 W. Euckem, Fundamentos de Política Económica, espanhola, Madrid, 1956, p. 444; S. E. Rev.ma Mons. Adriano Bernareggi «Cristianesimo Soei ale», Discorso di Chiusura, in Atti delia XXIII Settimana sociale dei cattoUoi itaUani, Bo-logna, 1949, pp. 243-244. No mesmo sentido: VV. Bõpke, économii mondiale aux xixº et XXº siècles, Genève, 1959, pp. 11 e seguintes; e Bureau International du Travail, L'OIT face à Vévolution du monde, Bapport du direoteur general à Ia 42&me çjessian de Ia Conférence Internationale du Travail, Ge neve, 1958, p. 72. Cf. infra, n.ºs 34 e seguintes.
10 Salazar, Discursos e Notas Políticas, vol. IV, p. 206. Dois anos antes -Maio de 1944 - dissera: «Parece-me seguro que na resolução de imotos problemas que interessam à vida de coda nação se não de fazer sentia: as ideias dominantes e as realidades, sobretudo económicas e sociais, que a guerra revelar e a paz confirmará. A interdependência dos povos e o peso das grandes economias nacionais já no passado vedavam a muitos deles a pretensão de uma unha autónoma de se conduzir à margem das ideias e dos processos correntes. Assim será mais acentuadamente amanhã, se à colaboração espontânea nascida do jogo dos simples interesses particulares acrescer oraria fórmula qualquer de mais estreito entendimento ou cooperação no estudo e satisfação das necessidades do Mundo». (Discursos, IV, p. 56).
E em Dezembro de 195S reafirmava o mesmo pensamento: «O período que aí vem passar-se-á sob o signo do económico e do social - isto e, vai assistir-se a um esforço gigantesco para o desenvolvimento e criação de novas riquezas e um esforço igualmente sério para uma distribuição equitativa» (vol. V, p. 521)
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vês das quais, ao longo da história, se foi dando realização prática a esse mesmo anseio que, em nossos dias, inspira a política de «segurança social» - expressão nova de um velho ideal.
Durante séculos, esses processos de auxílio ou prevenção foram valendo aos males e insuficiências dos indivíduos. Mas a situação modificou-se, rápida e profundamente, com o advento do industrialismo e do capitalismo liberal, no decurso do século XIX.
As condições de existência da nova classe operária, que ia absorvendo camadas cada vez mais extensas da população, a frequência das crises económicas e tecnológicas, que lançavam milhares de famílias no desemprego e na miséria, o aumento generalizado dos acidentes e da morbilidade, por efeito das más condições de higiene e segurança do trabalho, da alimentação insuficiente, da habitação indigna de seres humanos - tudo isso evidenciou, então, a insuficiência das formas tradicionais de auxílio para combater esses males.
O próprio erário público não dispunha, na generalidade dos países, de recursos para dotar suficientemente as verbas da assistência oficial.
O Estado viu-se assim obrigado a intervir por outros meios. O primeiro de que lançou mão foi o da afirmação legal do principio da responsabilidade patronal, para o caso dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais.
Por outro lado, ao movimento associativo das classes trabalhadoras correspondeu uma expansão do mutualismo na protecção contra os riscos sociais.
As associações operárias de socorros mútuos revelaram-se, no entanto, impotentes para resolver satisfatòriamente as situações de carência que se deparavam aos trabalhadores e suas famílias. Em primeiro lugar, os sócios eram quase sempre uma minoria em relação ao número total de assalariados. Depois, o equilíbrio financeiro das associações não assentava, regra geral, em bases técnicas e, ao cabo de algum tempo, por virtude do acréscimo de. encargos, a maior parte delas via-se impossibilitada de solver os seus compromissos.
Em contrapartida, tais associações tiveram o enorme mérito de introduzir dois princípios fundamentais que, mais tarde, haveriam de estar na base do seguro social. O primeiro foi o da necessidade de intervir antes da verificação dos riscos, criando os meios necessários para lhes fazer face - ao contrário do espírito de reparação que inspirava a beneficência e a assistência. O segundo consistiu na apreciação objectiva dos factos que condicionavam a concessão dos socorros, instituindo a certeza de um direito, e não apenas uma mera expectativa sujeita a avaliações discricionárias 11.
Apesar das suas. deficiências iniciais, o movimento mutualista foi subsistindo, alargou-se mesmo a outras classes da população, e adquiriu estabilidade no aspecto financeiro quando passou a trabalhar de acordo com as técnicas do seguro, mediante o recurso à ciência actuarial (seguro social facultativo).
Não conseguiu, porém, salvo raras excepções, superar a sua primeira fraqueza - a da reduzida proporção dos associados relativamente à população total e mesmo ao conjunto da classe trabalhadora.
Tal circunstância, aliada ao propósito de aliviar o erário público dos encargos crescentes com a assistência, levou o Estado a adoptar uma segunda ordem de medidas neste campo - compelindo ao seguro certas classes da população para determinadas eventualidades.
Assim surgiu o seguro social obrigatório, que havia de constituir, até nossos dias, a forma mais eficiente e generalizada de defesa contra os riscos sociais 12.
§ 2.º
O seguro social obrigatório
A) Preliminares
9. O seguro social obrigatório utiliza fundamentalmente as técnicas do seguro privado: predeterminação dos riscos e das prestações, adequação das receitas aos encargos segundo as regras do cálculo actuarial, reconhecimento do direito aos benefícios verificadas as condições previstas, independentemente da situação económica do segurado.
Distingue-se do seguro contratual principalmente em não fazer variar o prémio (contribuição) consoante a avaliação individual do risco, pois a extensão do sistema a largas camadas da população, isto é, a própria natureza social do seguro, permite compensar entre si os riscos desfavoráveis e favoráveis e, assim, tipicizar as contribuições de modo genérico para todos os sujeitos à obrigação do seguro.
Os primeiros seguros sociais obrigatórios foram, como é sabido, instituídos na Alemanha, de 1883 a 1889. Apesar das condições particularmente favoráveis que então reunia este país - designadamente a prosperidade da sua economia e a rede excepcional de associações de socorros mútuos, na sua maioria de base corporativa -, deve-se à férrea energia do chanceler Bismarck a determinação de instaurar com carácter obrigatório regimes de seguro colectivo contra os riscos sociais.
Abrangiam tais regimes, inicialmente, a doença, os acidentes de trabalho, a invalidez e a velhice. No que se refere aos beneficiários, eram restritos aos trabalhadores da indústria. Mais tarde, em 1911, foi criado o seguro por morte e codificada a legislação alemã sobre seguros sociais.
Nesse ano de 1911, um outro país -: a Inglaterra - introduziu o seguro contra o desemprego, para certo número de ramos industriais. Foi o segundo passo decisivo na história do seguro social obrigatório.
De então até ao limiar da segunda guerra mundial não mais cessaram de expandir-se, na generalidade dos países com certo grau de desenvolvimento económico e social, os regimes de previdência obrigatória, principalmente sob a influência do modelo germânico.
As diversidades nacionais traduziam-se, não tanto nos princípios e processos técnicos, em que se verificava apreciável unidade, mas antes nos tipos de eventualidades cobertas, no âmbito dos beneficiários e no nível das prestações. Para essas diversidades contribuíam factores próprios de cada país - maxime o volume do rendimento nacional, a estrutura, da economia predominantemente industrial ou agrícola, o desenvolvimento do sindicalismo, bem como as tradições históricas e os princípios ético-políticos dominantes 13.
10. No campo internacional, iniciou-se, a partir de 1919, uma actividade sistemática com vista à progres-
11 Ver, a este respeito, Augusto Venturi, I fondamenti scientifici della sicurezza sociale, Milano, 1954, pp. 54 e 55.
12 Sobre todo este número podem consultar-se: Paul Durand, La politique contemporaine de sécurité sociale, Paris, Dalloz, 1958, pp. 31 e seguintes; J. Doublet et G. Lavau, Sécurité sociale, Paris, Presses Universitaires de France, 1955, pp. 15 e seguintes; A. Venturi, ob. cit., pp. 1-78.
13 A. Venturi, ob. cit., pp. 79-101; Cari A. Farman, «Lê développement dans le monde des prestatione de sécurité sociale», in Bulletin de VAssociation Internationale de Ia Sécurité Sociale, Novembro de 1956, pp. 467 e seguintes.
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siva melhoria das condições de vida e de trabalho das classes operárias, na qual vieram naturalmente a incluir-se as questões ligadas ao seguro social.
Coube semelhante missão à Organização Internacional do Trabalho, criada pelo Tratado de Versalhes.
Nas suas sessões de 1921, 1925, 1927, 1933, 1934 e 1935, a assembleia dos países membros daquela Organização - a Conferência Internacional do Trabalho - aprovou cinco convenções e quatro recomendações sobre reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais (com base no princípio da responsabilidade patronal), assim como doze convenções e oito recomendações em matéria de seguros sociais obrigatórios - na doença, invalidez, velhice, morte e desemprego -, para os assalariados da agricultura, indústria e comércio, e ainda para os profissionais livres e trabalhadores domiciliários e do serviço doméstico 14.
A influência que estes instrumentos internacionais exerceram no progresso das legislações positivas sobre seguro social foi, sem dúvida, relevante, quer nos países que ratificaram uma ou mais dessas convenções, quer mesmo nos restantes.
11. Na expansão do seguro social cumpre também não esquecer a influência da doutrina social católica, em especial da contida sobre a matéria nas encíclicas Rerum Novarum (1891), de Leão XIII, e Divini Redemptoris (1937), de Pio XII.
Na primeira, o Santo Padre aponta a necessidade de «prover de modo especial a que em nenhum tempo falte trai alho ao operário; e que haja um fundo de reserva destinado a fazer face não sómente aos acidentes súbitos e fortuitos, inseparáveis do trabalho industrial, mas ainda, à doença, à velhice, e aos reveses da fortuna» 15.
Na Divini Redemptoris, Pio XII fala da necessidade, para assegurar a justiça social, de criar «instituições de segures públicos ou privados para o tempo da velhice, da doença e do desemprego». E na alocução de 13 de Julho de 1943 aos trabalhadores, sobre a questão social, afirma ser «dever do Estado promover o bem comum com instituições sociais, tais como as sociedades de segures e previdência social» 16.
Também o Código Social de Malines, no seu artigo 137., alínea b), reconhece: «O regime legal dos seguros saciais tende a implantar-se. É necessário que ele se generalize ...» 17.
B) Campo de aplicação
12. O processo histórico que conduziu à instauração do seguro social obrigatório fez com que a generalidade das legislações, no limiar da última guerra, considerassem como sujeito, por natureza, da obrigação do seguro o trabalhador subordinado, isto é, o trabalhador por conta de outrem.
Dentro dessa qualificação geral, os trabalhadores da indústria foram a categoria desde início abrangida pelo seguro e, por isso, a que sempre manteve, em todos os países, mais larga proporção de beneficiários.
Seguiram-se-lhes os empregados dos serviços públicos e do comércio.
Relativamente aos trabalhadores da agricultura, a penetração do seguro social foi muito mais lenta, por várias razões. Primeiro, porque se entendeu estarem porventura menos sujeitos a determinados riscos - v. g., o desemprego ([salvo o sazonal), os acidentes, as doenças profissionais. Segundo, porque se confiava na protecção contra a falta de meios de existência que, de modo geral, proporcionavam as tradições comunitárias e a maior estreiteza dos laços familiares nos meios rurais. Enfim, porque as formas dominantes da relação de trabalho e a estrutura rudimentar das empresas agrícolas tornavam assaz difícil a cobrança de contribuições devidas pelos patrões e pelos trabalhadores, em razão da variabilidade dos períodos de trabalho prestado.
A estas razões podia acrescentar-se a escassa resistência económica da maioria das explorações agrícolas para suportarem contribuições que abrangessem todos ou mesmo parte dos ramos do seguro obrigatório.
Tais fundamentos explicam que, em 1939, a quase totalidade dos sistemas nacionais não incluísse no seu âmbito os trabalhadores agrícolas.
As dificuldades de inscrição dos trabalhadores domiciliários, e bem assim dos ocasionais, quer por não fazerem parte, em princípio, dos quadros das empresas, quer pela instabilidade dos períodos de ocupação, conduziram igualmente a excluir uns e outros da tutela do seguro.
Não menos importante era o problema dos trabalhadores independentes (artífices, profissionais livres, pequenos proprietários ou exploradores agrícolas, pequenos comerciantes e industriais, etc.). A natureza da relação jurídica, considerando-os estranhos à categoria de trabalhadores subordinados, implicou, por via de regra, o seu afastamento do seguro social nas legislações anteriores à guerra, não obstante se reconhecer que, na maioria dos casos, as condições económicas e sociais daqueles trabalhadores eram idênticas, se não piores, dado o baixo nível e a instabilidade dos seus rendimentos, do que as dos empregados e operários. Mas as dificuldades encontradas em efectivar a respectiva contribuição para o seguro, agravadas pelo facto de, na falta de auxílio do Estado, os independentes terem de suportar a totalidade da contribuição, levaram a maioria das legislações a mantê-los fora do âmbito do seguro social.
O critério das possibilidades económicas implicava ainda - em cerca de uma quarta parte dos sistemas nacionais por alturas da guerra - a exclusão dos trabalhadores subordinados com remunerações superiores a determinadas importâncias.
A razão do facto estava em se considerar que a obrigação do seguro só se justificava relativamente aos trabalhadores mais modestos, presumindo-se que os restantes tinham possibilidade de, por seus próprios meios, prover à cobertura dos riscos sociais 18.
14 São is seguintes as convenções referidas no texto: n.º 12 (reparação dos acidentes de trabalho na agricultura), adoptada na sessão de 1921; o.08 17 (reparação dos acidentes de trabalho), 18 (doenças profissionais) e 19 (igualdade de tratamento nos acidentes de trabalho), adoptadas em 1925; n.ºs 24 (seguro doença na indústria) e 25 (seguro doença na agricultura), adoptadas em l927; n.ºs 35 a 40 (seguros velhice, invalidez e morte, na agricultura, indústria, comércio, profissões livres, trabalhadores domiciliários e domésticos), adoptadas em 1933; n.01 42 (doenças profissionais revisão) e 44 (seguro-desemprego), adoptadas em 1934; e n.3 48 (conservação de direitos às pensões pelos migrantes), aprovada em 1935. Ver Conférence Internationale du Travail. Comentions et recommendations, B. I. T., Genève, 1949.
15 Leão XIII, Rerum Novarum, ed. União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 57.
16 «Divini Eedemptoris», in A Igreja e a Questão Social, 3.ª edição. União Gráfica, Lisboa, 1945, p. 227; Encycliques et Messages Sociaux, Textes choisis et préface par Henri Guitton, Paris, Daloz, 1948, p. 224.
17 Código Social de Malines, pulo Cardeal Merdur, tnidiujuo do Silva Dias, Pro Domo, Lisboa, 1945, p. 105.
18 Sobre a matéria deste número veja-se: A. Venturi, ob. cit., pp. 165 e seguintes; P. Durand, ob. cit., pp. 54 e seguintes.
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C) Eventualidades cobertas
13. 1) A eventualidade - ou risco social 19 - de acidente de trabalho foi a primeira a ser objecto de seguro e a mais difundida nas legislações. Em 1939, nada menos de 58 países possuíam regimes da protecção contra aquele risco. Muitos mantinham ainda o primitivo sistema da responsabilidade patronal, embora prevendo a transferência, - facultativa em alguns deles, obrigatória na maioria - para entidades seguradoras de carácter privado (empresas de fins lucrativos, mútuas, etc.) admitidas a tomar esse seguro.
Era, porém, nítida, já então, a tendência para integrar aquele risco no regime próprio dos seguros sociais.
2) O seguro contra as doenças profissionais representou o lógico complemento da defesa contra os sinistros no trabalho, mas a sua introdução foi posterior.
3) No capítulo dos riscos profissionais, o desemprego involuntário, nas suas várias modalidades (friccional, tecnológico, sazonal), foi dos últimos a ser objecto de seguro social e o que menos se generalizou. Em 1940 apenas 21 países tinham legislação que abrangia esse risco, e em 7 deles o regime era o de seguro facultativo subsidiado pelo Estado.
4) Dos riscos não profissionais, a doença é certamente o de mais fundas e extensas repercussões, quer pelo seu objecto específico - ameaça contra a vida e a integridade física -, quer pelas consequências económicas, quer ainda pela sua frequência.
Por isso, o seguro-doença foi o primeiro ramo organizado em bases técnicas a estender-se à generalidade dos países. De início restrito à indemnização pecuniária pela perda do salário, foi-se pouco a pouco alargando às próprias prestações sanitárias, tendo em vista reduzir, na medida do possível, os encargos do seguro com os subsídios em dinheiro.
O seguro-doença incluía normalmente todas as formas ou estados mórbidos, excepto os provenientes de acidente de trabalho e moléstia profissional, cuja protecção cabia ao respectivo sector. É excepcional o caso de se criar um ramo de seguro para determinada doença, como sucedeu em Itália com a tuberculose.
5) O seguro-maternidade abrange as consequências da gravidez, parto e puerpério, pressupondo a existência de normas de protecção do trabalho feminino, designadamente quanto à dispensa do serviço durante certo período, antes e depois do parto.
Na maior parte das legislações, o seguro-maternidade ligou-se ao de doença, dadas as suas afinidades técnicas, sobretudo no aspecto das prestações.
6) Ao passo que os riscos até agora enunciados têm, em princípio, consequências de duração temporária, a invalidez representa um estado de incapacidade permanente, embora porventura não definitivo.
Na generalidade dos regimes de seguro social, o conceito de invalidez indemnizável reportou-se, não à simples perda da integridade física ou mental, nem à impossibilidade de exercício da profissão ocupada no momento da verificação do risco, mas à incapacidade genérica para desempenhar qualquer actividade profissional correspondente às aptidões do segurado (elemento qualitativo), considerando-se em estado de invalidez se essa capacidade genérica ficou reduzida de metade, para algumas legislações, ou de dois terços para outras (elemento quantitativo). Estas percentagens referem-se, em princípio, à remuneração normal de um trabalhador da categoria profissional a que o segurado pertencia.
7) No que respeita à velhice, o seguro visou, não a reconhecer direito ao repouso, como já se tem sustentado, mas a compensar a redução ou perda da capacidade de ganho resultantes da idade.
É óbvio que tal redução ou perda não se verifica, para todas as pessoas, no mesmo momento. Mas os inconvenientes práticos de fazer depender a determinação desse risco, em relação à totalidade dos trabalhadores idosos, da avaliação do grau de incapacidade - problema que o seguro invalidez não pode evitar, mas que no caso da velhice seria de solução prática incomportável - fizeram com que todas as legislações fixassem um limite de idade, a partir do qual a incapacidade se presume.
Na fixação deste limite, a maior parte dos sistemas legislativos adoptava os 65 anos para os homens e os 60 anos para as mulheres. Alguns países estabeleciam idades mais elevadas - 67 e 70 anos para os homens, 62 e 65 anos para as mulheres.
Em nenhum país o limite de ida d a implicava, porém, a reforma compulsiva, salvo para os funcionários públicos.
8) O seguro por morte tem por fim ocorrer às consequências de ordem económica que o falecimento do chefe de família acarreta para as pessoas que vivam a seu cargo e estejam nas condições previstas na lei.
Aquelas consequências são de dupla natureza: por um lado, acarretam um dano emergente, constituído pelas despesas imediatamente ocasionadas pelo falecimento, e, por outro, um lucro cessante, representado pela perda de rendimentos que a morte do segurado determina para os seus familiares.
9) Por último, os encargos de família (casamento; nascimento, sustento e educação dos filhos) - considerados como eventualidade generalizada que afecta os meios de existência e é, portanto, susceptível de se acomodar à mecânica do seguro social - foram, na ordem cronológica, o último ramo deste seguro a ser incluído nos sistemas nacionais.
Em 1939, apenas quatro países possuíam um regime legal genérico de concessão de abonos de família: a Bélgica, a França, a Espanha e a Nova Zelândia 20.
D) Prestações
14. Relativamente aos benefícios concedidos quando da verificação dos riscos sociais, o exame do direito comparado anterior à guerra pode reduzir-se aos seguintes pontos: natureza das prestações, método da sua determinação, condições de outorga, possibilidade de revisão de prestações subjectivadas.
1) Quanto à natureza das prestações, é próprio do seguro que estas consistam essencialmente em dinheiro (prestações pecuniárias ou económicas) para todos os riscos.
19 Acerca dos conceitos de «risco social» e «encargo social» consultem-se: P. Durand, ob. cit., pp. 14-16; Doublet et Lavau, ob. cit., p. 11.
A expressão «risco social» parece poder ser entendida - e como tal é empregada no texto - em sentido suficientemente amplo de modo a abarcar todas as eventualidades ou contingências específicas da vida social capazes de afectar a saúde e a suficiência dos meios de existência e, portanto, também os chamados «encargos sociais», como, por exemplo, os encargos familiares. A expressão «encargos sociais» não tem significado unívoco - é utilizada frequentemente para indicar o custo que os sistemas de protecção contra os riscos sociais representam para as empresas ou para a economia geral. Parece, pois, preferível não usar tal expressão como referida às eventualidades cobertas pelo seguro social. Ver a este respeito: G. Mazzoni, «Le caractère relatif de da distinction entre, risque et besoin», Bulletin de l'Association Internationale de la Sécurité Sociale, Junho-Julho de 1953, pp. 307 e seguintes; Venturi, ob, cit., p. 115.
20 Veja-se, a propósito de todo este número: B. I. T., La sécurité sociale, Genève, 1958, pp. 32 e seguintes: A. Venturi, ob. cit., pp. 115-163.
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Pelo que toca à doença, à maternidade, aos acidentes de trabalho e às doenças profissionais, o seguro social foi conduzido, como já se aludiu, à atribuição simultânea de prestações em espécie - «bens» e «serviços». Destes últimos, os mais importantes são os de assistência médica. A concessão de o bens» respeitou sobretudo à administração de meios terapêuticos (v. g., medicamentos, aparelhos de prótese). Como exemplo de prestações em espécie a mistas», refere-se o internamento em estabelecimentos hospitalares e análogos, que alguns países começavam então a incluir nos seus esquemas de seguro obrigatório.
2) Na determinação da medida das prestações em dinheiro, utilizou-se um de dois critérios principais:
a) Manter quanto possível o nível de vida do segurado;
b) Garantir apenas o «mínimo vital», em função dos orçamentos familiares-tipo ou do standard dos trabalhadores não qualificados.
O primeiro critério foi, pode dizer-se, o adoptado pelo comum das legislações antes da guerra e implicava, naturalmente, prestações proporcionais aos ganhos do segurado. Regra geral, consistiam em percentagem dos ordenados ou salários, salvo para os encargos familiares, em que o abono era fixado em determinado quantitativo por pessoa a cargo, embora normalmente este variasse consoante os escalões de remuneração de trabalhadores.
Quanto ao segundo critério, apenas se conhece um país - a Nova Zelândia - que praticava, anteriormente a 1939, um regime de prestações uniformes. Mas o seguro neo-zelandês abrangia já a totalidade da população estava, como veremos, articulado com um sistema geral de assistência pública.
Pelo que toca aos benefícios em espécie, a sua fixação assente vá fundamentalmente em critérios respeitantes ao equilíbrio financeiro do seguro e, na maioria dos casos, imitavam-se à assistência médica.
3) Das condições gerais de atribuição dos benefícios, referem-se as três mais significativas:
a) Exigência do pagamento de certo montante de contribuições ou das correspondentes a determinado período;
b) Limite de duração das prestações temporárias (em dinheiro e em espécie);
c) Obrigação de o segurado participar no custo de algumas prestações sanitárias.
Todas estas condições se fundavam essencialmente em motivos de ordem financeira e, sobretudo a última, também na necessidade de prevenir abusos por parte dos beneficiários.
4) Por último, quanto às possibilidades de revisão de prestações já subjectivadas, o problema interessa concretamente às de natureza vitalícia (pensões de invalidez, velhice e sobrevivência).
Em duas hipóteses pode justificar-se essa revisão. A primeira, para o caso das pensões por acidente de trabalho e invalidez, é a da modificação sensível do grau de incapacidade do segurado, de modo a impor o reajustar lento ou a suspensão da pensão até aí recebida. A segunda interessa a todas as pensões e é a da diminuição do seu valor real por efeito da depreciação da moeda.
A faculdade de revisão, no primeiro caso, foi acolhida pela generalidade das legislações. Quanto ao segundo, antes da guerra sòmente uma lei inglesa de
1923 (Workmen's Compensation Act) admitiu essa faculdade dentro de certos limites21.
E) Receitas
15. Na determinação dos meios financeiros destinados a fazer face às prestações do seguro, importa considerar, essencialmente, dois aspectos: a origem e a base de incidência.
1) Pelo que toca às fontes de receita, os sistemas de seguro social, no período a que nos reportamos, distinguiam, de um lado, o ramo dos acidentes e doenças profissionais, regra geral sustentado apenas pelos empresários; de outro lado, as restantes formas de seguro, em que os meios financeiros eram fornecidos por patrões e trabalhadores, normalmente em partes iguais e, por vezes, com a participação do Estado.
A quotização dos segurados, além de ser, pode dizer-se, da própria essência do seguro, considerou-se indispensável para que o trabalhador tivesse a consciência de participar no custo de uma organização de que ele era o destinatário.
A contribuição patronal entendeu-se necessária para a obtenção de recursos suficientes, dadas as escassas possibilidades económicas dos empregados e operários, sobretudo dos de mais modestas remunerações. Além de que o empresário era também indirectamente interessado na melhoria de condições de saúde dos seus trabalhadores, as quais naturalmente se reflectiam na produtividade do trabalho.
Enfim, a participação do Estado foi justificada por duas ordens de razões:
1.ª A necessidade de fazer face a eventuais deficits do sistema, sobretudo no capítulo das pensões, em que mais dificilmente se justificava a intervenção patronal;
2.ª O interesse que o Estado tinha no desenvolvimento do seguro social, como processo de melhorar o nível sanitário e produtivo da população trabalhadora e de aliviar os encargos com a assistência e a saúde públicas.
A maior parte dos sistemas legislativos antes da guerra adoptava a fórmula tripartida na origem das receitas.
2) Relativamente à base de incidência, o método tradicional das legislações, naquele período, era o de contribuições ou quotas sobre as remunerações do trabalho, na forma de percentagens.
O único país que adoptava então a fórmula de um imposto sobre o rendimento com destino ao seguro social era a Nova Zelândia.
Na maioria dos sistemas legislativos, as quotizações sobre ordenados e salários tinham um limite máximo ou plafond, ao qual eram também referidas as prestações pecuniárias 22.
F) Equilíbrio financeiro
16. Os métodos técnicos utilizados para assegurar o equilíbrio entre o fluxo de receitas e o de despesas, actuais e futuras, do seguro social podem assim classificar-se:
a) Repartição:
1) Pura ou ex post;
2) Antecipada ou ex ante.
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21 Sobre este número: Venhuri, ob. cit., pp. 181 e seguintes; B. I. T., ob. cit., pp. 35 e seguintes; F. Durand, ob. cit., pp. 259 e seguintes.
22 Veja-se: B. I. T., «Les problèmes généraux de l'assurance sociale», Etudes et documente, série M, n.º 1, Genève, 1925, pp. 65 e seguintes; B. I. T., La sécurité sociale, cit., pp. 128 e seguintes; Venturi, ob. cit., pp. 202 e seguintes; P. Durand, ob. cit., pp. 817 e seguintes.
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b) Capitalização:
1) Individual;
2) Colectiva.
c) Sistemas mistos.
a) O sistema de repartirão ex post, que consiste em distribuir por todos os segurados, no fim de cada exercício, o encargo dos benefícios já concedidos, foi o inicialmente adoptado palas associações de socorros mútuos de base empírica.
As manifestas desvantagens de semelhante método levaram, desde cedo, a calcular ex ante o custo provável das prestações e mais despesas no exercício futuro, e a repartir esse custo pelos contribuintes. Se, findo o exercício, se verificava ter o cálculo pecado por defeito, procedia-se a uma revisão das quotas para o período seguinte, de modo a preencher o déficit, ou reduziam-se as prestações vindouras. Na hipótese contrária, o excesso de receitas servia para constituir um fundo de reserva destinado a cobrir futuras insuficiências.
Este método foi adoptado, com base na técnica actuarial, pela generalidade dos sistemas, para a cobertura dos riscos a curto prazo, isto é, a que correspondiam prestações temporárias ou pagas por uma só vez. Era o caso da doença, da maternidade, da incapacidade temporária por acidente de trabalho ou enfermidade profissional, do desemprego, dos encargos familiares.
O método da repartição considerou-se, porém, inadequado para a cobertura de eventualidades a longo prazo que exigiam prestações vitalícias - pensões por acidente, doença profissional, invalidez, velhice, sobrevivência.
Nestes casos, como o montante global das prestações vai subindo de ano para ano, dado o natural acréscimo do número de pensionistas, acréscimo que tende a manter-se durante longos períodos, o sistema da repartição implicaria agravamentos constantes das contribuições para fazer face às despesas crescentes.
b) O método da capitalização propõe-se obviar a tal inconveniente. As contribuições vão-se acumulando durante período relativamente longo, de modo a formar um capital. Este cresce por virtude das novas contribuições e do juro dos dinheiros já arrecadados. Ao verificar-se a eventualidade, aquelas contribuições e os rendimentos do capital constituído vão ocorrer ao pagamento das pensões. As contribuições podem ser inscritas numa conta individual para cada segurado, determinando-se em face dela o montante da respectiva pensão (capitalização individual), ou reportar-se, em conjunto, a cada geração de segurados (capitalização colectiva).
Este sistema, que implica para cada segurado o estabelecimento de um período mínimo de capitalização durante o qual não se abre o direito às prestações (período de garantia), tem, em contrapartida, a vantagem de manter indefinidamente estável a contribuição para o seguro.
E, nos países com penúria de capitais para o seu desenvolvimento económico, proporciona a disponibilidade de valores susceptíveis de favorecer esse desenvolvimento, mediante aplicações reprodutivas.
Como principais inconvenientes apontam-se-lhe dois. Primeiro, quando aplicado a grandes massas de população, a dificuldade e o extremo melindre na administração dos vultosíssimos capitais acumulados. Segundo, a quebra progressiva do valor real desses dinheiros e, correlativamente, das prestações que eles se destinam a assegurar, por efeito do inevitável fenómeno da depreciação monetária, particularmente sentido nos nossos tempos após as duas guerras mundiais.
c) Procurou-se obviar aos defeitos da repartição e da capitalização mediante fórmulas mistas, que combinavam, em proporção maior ou menor, elementos de ambos os sistemas.
Mas a generalidade das legislações, por alturas da última guerra, ainda adoptava essencialmente a capitalização para o financiamento dos seguros diferidos 23.
C) Estrutura administrativa
17. O último ponto a examinar, nesta rápida síntese do seguro social obrigatório ao eclodir a segunda guerra mundial, é o que respeita aos órgãos a quem os sistemas legislativos confiavam a gestão do seguro.
Convém referir o exame a um duplo critério: o da natureza jurídica e o do campo de acção.
1) Sob o ponto de vista da natureza jurídica, os órgãos administrativos do seguro social podiam ser:
a) Empresas privadas:
De fins lucrativos;
Mútuas;
b) Instituições autónomas de direito público;
c) Estado e autarquias locais.
a) A gestão por empresas privadas de fins lucrativos sómente se verificou, com certa generalidade, nas legislações que tornavam obrigatória a transferência da responsabilidade por acidentes de trabalho e doenças profissionais para companhias de seguros.
Fora deste caso, não há exemplo de empresas privadas a administrar seguros sociais, salvo o das approved societies inglesas, às quais o National Insurance Act de 1911 confiava a gestão daqueles seguros, sistema que acabou em 1946 com a legislação publicada após o relatório Beveridge.
As sociedades mútuas de seguros (entre empresas ou entre trabalhadores) conheceram sucesso, sobretudo nos países anglo-saxões, como oportunamente se anotou, mas a sua acção dizia sobretudo respeito ao seguro social facultativo, 4» que adiante faremos referência.
b) Era da própria essência do seguro social obrigatório, tendencialmente dirigido à totalidade da população trabalhadora, que a sua administração fosse confiada a entidades de direito público - na maior parte dos casos organismos autónomos a quem o Estado atribuía certa fracção dos seus poderes.
Isto não impedia que a iniciativa da criação desses organismos pudesse provir dos próprios interessados ou dos seus corpos representativos. E também se mostrava princípio geralmente aceite o de na sua administração participarem representantes dos interessados, designadamente das empresas e dos trabalhadores.
Alguns autores distinguiam, nesses organismos, dois tipos: os de natureza corporativa e os de natureza institucional.
O primeiro era, sobretudo, o tipo das comunidades ou corporações alemãs (Genossenschafte, Koerperschafte), de patrões ou de trabalhadores, que, nos fins do século passado, constituíam larga rede de associações mútuas de seguros e às quais Bismarck cometeu, como referimos, a administração dos seguros sociais, tornando obrigatória a filiação.
O segundo representava o tipo comum à generalidada dos países. A instituição surgia por acto estadual, se bem que mediante iniciativa particular, è detinha
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23 A. Venturi, I fondamenti scientifici della sicurezza sociale, cit., pp. 217 e seguintes; Bené Monin, Problèmes de la retraite - Débat capitalisation-repartition, Paris, 1958; P. Durand, ob. ct., pp. 306 e seguintes.
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autonomia administrativa, embora dos seus corpos directivos fizesse parte um representante do Estado.
c) Enfim, podia o próprio Estado ou as autarquias locais assumir directamente a gestão do seguro social.
Semelhante fórmula representou, no entanto, caso esporádico na evolução do sistema. Além da Bulgária antes de 1914, a administração estadual sómente foi adoptada em alguns países para os riscos de invalidez e velhice (Alemanha) e desemprego (Inglaterra).
2) No ponto de vista do campo de acção, os órgãos gestores do seguro tinham, consoante os casos, por base:
a) A profissão;
b) O ramo de actividade;
c) A empresa;
d) A circunscrição territorial.
Os dois primeiros tipos eram igualmente susceptíveis de abrangrer uma ou mais circunscrições ou todo o país.
A adopção de um ou outro destes tipos de estrutura dependeu, sobretudo, de circunstâncias inerentes ao processo histórico de desenvolvimento do seguro social em cada país.
As instituições de base profissional ou por actividades foram as que tiveram prevalência, além do mais porque sobre essa base se haviam constituído, nos países da Europa Ocidental, as associações precursoras do seguro obrigatório 24.
§ 3.º
A assistência social
18. Ao lado do seguro social obrigatório, a assistência social (do Estado, das autarquias locais, de instituições públicas e particulares) desempenhou, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX e até nossos dias, uma função de particular relevo na protecção contra os riscos sociais.
Nos países anglo-saxões, manteve-se o princípio de que a assistência aos necessitados incumbia sobretudo ao Estado e às autarquias (caso das poor laios inglesas), ao passo que nos países latinos a acção pública se limitou integrar a assistência de origem privada.
Noutros países - como, por exemplo, nos Estados Unidos e a América do Norte, na Austrália, na Nova Zelândia na União da África do Sul -, a assistência pública foi erigida em sistema básico de defesa contra a generalidade dos riscos sociais.
Mas, na maior parte dos sistemas legislativos em que se expandiu o seguro obrigatório, a assistência, tanto oficial como particular, assumiu apenas carácter supletivo e complementar, quer no aspecto do campo de aplicação - visando a proteger camadas sociais ainda não, ou não inteiramente, abrangidas pelo seguro -, quer no aspecto das eventualidades - procurando ocorrer a contingências ainda não incluídas nos esquemas do seguro social, ou insusceptíveis de se acomodarem ao respectivo mecanismo.
19. No que se refere ao âmbito dos beneficiários da assistência, pode dizer-se que ele abrange, em princípio, todos os que se mostrem carecidos de auxílio.
Esta constitui, aliás, a característica essencial da assistência e a que mais nitidamente a distingue daquilo que constitui a essência do seguro social.
Como já se frisou, o seguro reconhece um direito às prestações, uma vez verificados os eventos previstos nos termos regulamentares, independentemente da situação económica dos segurados. A assistência, inspirada tradicionalmente no espírito de caridade e socorro, considera beneficiários, exclusivamente, as pessoas em relação às quais verifique não disporem de meios suficientes para ocorrer às consequências dos riscos sociais (means test). E, por outro lado, não reconhece um direito aos benefícios que outorga.
20. A assistência procura ocorrer à generalidade dos riscos sociais, embora possa atribuir a uma ou outra entidade ou instituição ramos diversos da sua actividade protectora.
No tocante às prestações assistenciais, podem elas dividir-se em duas grandes categorias: o internamento em estabelecimentos próprios (hospitais, sanatórios, manicómios, orfanatos, hospícios, asilos, etc.) e a assistência domiciliária.
Esta última concede prestações em espécie (alimentação, vestuário, funeral, sepultura, etc.) ou subsídios em dinheiro.
A atribuição das prestações assistenciais está, porém, sujeita à condição geral acima referida: a efectiva necessidade delas por parte do assistido, mediante prévia apreciação discricionária pela entidade assistente.
Para os subsídios pecuniários a sua concessão é, em diversos países, ainda objecto de verificação a posteriori - a do efectivo dispêndio do dinheiro na satisfação das necessidades para que o subsídio foi solicitado.
Uma forma de prestação pecuniária da assistência pública, que teve sucesso em diversos países, foi a das chamadas pensões não contributivas, introduzidas pela primeira vez na Dinamarca em 1891 e sete anos mais tarde na Nova Zelândia.
Tratava-se, na maior parte dos casos, de pensões de reforma por velhice, pagas pelo Estado aos indivíduos que preenchessem determinados requisitos. Mas nem neste caso se podia falar «m direito à assistência, pois o princípio do means test continuava a ter inteira aplicação.
O sistema das pensões não contributivas foi pouco a pouco desaparecendo das legislações. Na Dinamarca e na Noruega substitui-se-lhe um regime de seguros obrigatórios. Na Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia cedeu o passo a sistemas modernos de segurança social.
21. Os meios financeiros da assistência publica são, como é óbvio, as receitas gerais do Estado ou das autarquias, bem como as provenientes de taxas, impostos ou donativos especialmente destinados a fins assistenciais.
Os organismos de assistência particular têm receitas próprias, essencialmente constituídas por comparticipações e importâncias pagas pelos assistidos ou pelas entidades que legalmente a estes se substituam; rendimentos de bens próprios; donativos e subsídios do Estado, das autarquias e de outras entidades públicas os particulares.
As verbas inscritas nos orçamentos do Estado e mais órgãos da assistência pública, assim como as possibilidades financeiras das instituições particulares, condicionam, naturalmente, o volume global das prestações a conceder e a medida de cada uma destas 25.
§ 4.º
O seguro facultativo
22. No quadro dos sistemas de garantia contra os riscos sociais, e com respeito ao período considerado, o
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24 Sobre esta matéria: A. Venturi, ob. cit., pp. 225 e seguintes; B. I. T., «Les problèmes généraux», cit., pp. 88 e seguintes.
25 P. Durand, ob. cif., pp. 49 e seguintes; Venturi, ob. cit., pp. 34 e seguintes; B. I. T., La sécurité sociale, cit., p. 11; Doublet et Lavau, ob. cit., pp. 3 e seguintes.
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seguro social de natureza facultativa desempenhou, na generalidade dos países, tal como a assistência social nos países latinos, uma função adjuvante e complementar do seguro obrigatório.
a) A sua estrutura, revestia normalmente a forma de mutualidades, cujo âmbito associativo era muito variado.
Aqui interessam-nos especialmente as instituições de que faziam parte patrões e trabalhadores ou só trabalhadores - de uma empresa, de várias empresas, de todo um ramo da actividade económica, de uma ou mais profissões.
A criação dessas instituições obedecia a um duplo objectivo: proteger grupos não incluídos no seguro social ou aos quais este cobria apenas algumas eventualidades; melhorar as prestações concedidas pelo seguro obrigatório.
b) Dentro do próprio seguro obrigatório, também o direito comparado revelava formas de inscrição facultativa.
Na verdade, com frequência as leis previam que determinadas categorias de pessoas não incluídas obrigatoriamente no seguro ou que, por virtude da modificação do seu status profissional ou social, deixavam de estar sujeitas a essa obrigação, pudessem continuar inscritas a título facultativo, mediante determinadas condições quanto ao futuro esquema de eventualidades e benefícios e ao pagamento de contribuições!
Por vezes essa faculdade dizia respeito aos próprios beneficiários obrigatoriamente inscritos, e tinha em vista conceder-lhes prestações superiores às do esquema-base obrigatório.
Os grupos de pessoas admitidas ao seguro continuado a título facultativo variavam muito de país para país. A categoria mais frequentemente visada por esse regime era a dos trabalhadores independentes com rendimentos inferiores a certo limite.
O caso de mais ampla aplicação do sistema de adesão facultativa no domínio do seguro social obrigatório era o da lei alemã sobre pensões de invalidez, velhice e sobrevivência, que admitia a inscrição voluntária a todos os nacionais residentes no país ou no estrangeiro de idade não superior a 40 anos.
c) À terceira e última modalidade de seguro social facultativo era a respeitante à transferência não obrigatória da responsabilidade patronal por acidentes de trabalho e doenças profissionais, a que já noutro lugar aludimos e se adoptava em certo número de países.
23. As instituições de seguro facultativo cobriam normalmente um ou mais dos riscos objecto do seguro obrigatório, e as suas prestações tinham análoga natureza.
No que respeita aos meios financeiros, a fonte por excelência era a quotização dos associados.
Em alguns países, as associações de seguro facultativo, que reunissem certas condições, recebiam subsídios do Estado. Era, por exemplo, o caso das caixas de seguro contra o desemprego na Suíça, que, segundo uma lei de 1943, uma vez reconhecidas como de utilidade pública, podiam ter subvenções do Governo Federal.
Quanto ao regime financeiro, a generalidade destas instituições, dado o seu limitado campo de aplicação e a variabilidade do número de associados, forçosamente havia de adoptar o sistema da capitalização individual 26.
24. Convém agora resumir as características dominantes do sistema de protecção contra os riscos sociais no limiar da segunda grande guerra, que se percorreram ao longo deste capítulo.
a) Quanto às farinas gerais de organização:
I) Na maior parte dos países, designadamente nos países latinos: sistemas de seguro social obrigatório, completados pela assistência social e pelo seguro facultativo.
II) Nos países anglo-saxões: em regra, sistemas de assistência pública, a que se adicionavam instituições de seguro voluntário.
b) Quanto ao campo de aplicação:
Países do grupo I - limitação do seguro obrigatório a determinadas classes da população, normalmente aos trabalhadores por conta de outrem.
Países do grupo II - protecção não limitada, a determinados grupos sociais, mas restrita, em princípio, às pessoas necessitadas, mediante a verificação da carência (means test).
c) Quanto às eventualidades:
Países do grupo I - predeterminação e definição legal dois tipos de eventualidades e riscos cobertos pelo seguro obrigatório; variabilidade da extensão do esquema de eventualidades, conforme os países.
Países do grupo II - protecção pela assistência da generalidade dos riscos sociais, sob a condição do estado de (necessidade do interessado.
d) Quanto às prestações:
Países do grupo I - fixação regulamentar das prestações a conceder, uma vez verificados os riscos nas condições previstas; ligação estreita entre contribuições pagas e benefícios; limite de duração das prestações temporárias (especialmente nos casos de doença e desemprego) ; impossibilidade de revisão das prestações vitalícias subjectivadas, para efeito de reajustamento ao valor da moeda.
Países do grupo II - indeterminação dos benefícios, regra geral outorgados conforme as necessidades do assistido e as possibilidades financeiras da assistência.
c) Quanto aos meios financeiros:
Países do grupo I - quotizações (percentagens) sobre ordenados e salários, pagas por patrões e trabalhadores, em partes iguais ou na maior parte pelos primeiros; participação do Estado no custo do sistema ou no de alguns ramos do seguro.
Países do grupo II - receitas gerais do Estado e das autarquias; ou imposto especial para a assistência pública.
f) Quanto ao equilíbrio financeiro:
Países do grupo I - capitalização pura nos seguros a longo prazo; repartição ex ante, com pequenas reservas, nos restantes ramos do seguro.
Países do grupo II - repartição dos encargos por toda a população mediante os impostos.
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24 A. Venturi, ob. cif., pp. 112-114 e 178-179; P. Durand, ob. cit., pp. 67 e seguintes.
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g) Quanto à estrutura administrativa:
Países do grupo I - multiplicidade de instituições de base profissional, económica ou empresarial, para, todos ou para alguns ramos do seguro.
Países do grupo II - gestão dos serviços de assistência pública pelo Estado e pelas autarquias.
CAPITULO II
À política contemporânea de segurança social
§ 1.º
A guerra e o movimento no sentido da segurança social
25. Noutro lugar (supra, n.º 5) já se aludiu à extraordinária mutação do clima económico-social gerada pela guerra de 1939-1945, e às profundas e extensas aspirações de segurança social que ela veio suscitar em todos os povos e em todas as latitudes.
Podem encontrar-se sinais precursores deste movimento, antes do conflito, nos trabalhos de alguns especialistas e nas legislações de dois países - os Estados Unidos e a Nova Zelândia. O primeiro, em 1935, e o segundo, em 1938, haviam promulgado novos sistemas de protecção social. Pela sua inspiração e pelas técnicas utilizadas, mais do que pela extensão das garantias instituídas, tais reformas constituíram uma antecipação das concepções sistemáticas que iriam surgir neste domínio após a guerra.
O Social Security Act americano de 1935, embora não abrangesse no seu âmbito os agricultores, os trabalhadores independentes e os funcionários públicos e, nas eventualidades, não cobrisse a doença nem a invalidez, ficou assinalado por ser o primeiro diploma a consagrar a expressão «segurança social», e por ter o mérito de se integrar num conjunto de medidas de combate ao desemprego e de incentivo ao desenvolvimento económico.
O sistema neo-zelandês, a que já no capítulo anterior se fizeram algumas alusões, veio estender a protecção a to ia a colectividade nacional e ao conjunto dos riscos sociais. Financiado por um imposto de 7,5 por cento sobre o rendimento, que permitia efectuar uma larga compensação nacional, não punha limite de duração às prestações temporárias (doença, maternidade e desemprego).
26. Cita-se, porém, como primeira afirmação solene do princípio da segurança social, a mensagem do presidente Roosevelt ao Congresso dos Estados Unidos, em 6 de Janeiro de 1941, sobre as quatro liberdades essenciais em que devia assentar o mundo futuro - entre as quais figurava a libertação da necessidade (freedom from want).
Em 12 de Agosto desse mesmo ano era assinada a Carta do Atlântico, cujo ponto 5.º consignava o propósito de a estabelecer a mais completa colaboração entre todas as nações no domínio económico, a fim de assegurar melhores condições de trabalho, uma situação económica mais favorável e a segurança social».
E o ponto 6.º preconizava «o estabelecimento de uma paz que proporcione a todas as nações os meios de viver em segurança no interior das suas fronteiras, e conceda ar s habitantes de todos os países a garantia de poderem acabar os seus dias ao abrigo do medo e da miséria».
A Conferência Internacional do Trabalho, na sessão realizada em Nova Iorque em Outubro seguinte, aprovou uma resolução sobre as bases da reconstrução social no pós-guerra, a qual deveria assentar «na melhoria das condições de trabalho, no progresso económico e na segurança social».
Foi, contudo, na 1.ª Conferência Interamericana para a Segurança Social, realizada em Setembro de 1942, em Santiago do Chile, que se formulou, pela primeira vez, um conceito preciso, embora genérico, de segurança social. A declaração votada nessa conferência afirma: «Todas as nações devem criar, manter e acrescer o valor intelectual, moral e físico das suas gerações activas, preparar o caminho das gerações vindouras e sustentar as gerações eliminadas da vida produtiva. É este o significado da segurança social: uma economia genuína e racional dos recursos e valores humanos».
Extraordinária ressonância teve, dois anos depois, a célebre Declaração de Filadélfia, adoptada na sessão de Abril-Maio de 1944 da Conferência Internacional do Trabalho, sobre os princípios que devem inspirar a política social dos estados membros.
Depois de asseverar, na sua base II, que «uma paz duradoura não pode assentar senão na base da justiça social», a Declaração reconhece a obrigação solene de rada país promover a efectivação de programas tendentes a realizar, entre outros objectivos, «a extensão das medidas de segurança social com vista a garantir um rendimento de base a todos aqueles que tiverem necessidade dessa protecção, assim como cuidados médicos completos» [base III, alínea f)].
Nessa mesma sessão histórica, aprovou a Conferência duas recomendações: uma sobre a garantia dos meios de existência (n.º 67) e outra acerca das prestações médicas (n.º 69).
A primeira declarava que «todo o regime de garantia dos meios de existência deveria aliviar a necessidade e prevenir a indigência, restabelecendo em nível razoável os meios de existência perdidos por efeito da incapacidade de trabalho (incluindo a velhice), da impossibilidade de obter um emprego remunerado ou da morte do chefe da família». E enumerava depois as eventualidades e prestações que aquele regime deveria incluir.
A segunda recomendação estabelecia os princípios gerais em matéria de serviços médicos curativos e preventivos, designadamente no que toca ao campo de aplicação desses serviços (que deveriam englobar todos os membros da comunidade nacional), à sua administração e coordenação com os serviços gerais de saúde, e ao seu financiamento.
27. Entretanto, aparecera em Inglaterra o célebre relatório apresentado ao Parlamento, em Novembro de 1942, por Sir William Beveridge 28.
O relatório Beveridge pode considerar-se o primeiro plano de segurança social (plan for social security, conforme a sua própria designação) estruturado segundo as concepções modernas. Foi precedido de inquéritos sistemáticos, efectuados em todo o país de 1935 a 1939, os quais revelaram a dispersão orgânica e a complexidade administrativa do sistema anterior, a par de insuficiências de defesa contra os riscos sociais em extensas zonas da população.
Era objectivo final do plano Beveridge o de instituir garantias eficientes em todas as contingências susceptíveis de provocar interrupção ou perda da capacidade de ganho - to make want under any circumstances unne-
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27 Por exemplo: A. C. Pigou, Económics of welfare, Londres, 1930; Joseph Cohen, «Social Security and Social Movements, Sociology and social research, Março-Abril de 1939, pp. 312 e seguintes.
28 Social insurance and allied services, Report by Sir William Beveridge, London, H. M. Stationery Office, 1942.
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cessary. E acrescentava-se: «Um momento revolucionário na história do Mundo é ocasião para modificações profundas, não para remendos» 29.
Tendo em vista a consecução daquele objectivo, propunham-se essencialmente cinco ordens de medidas:
a) Generalização quanto às pessoas, estendendo a todos os membros da colectividade a protecção contra os riscos sociais, por forma a dar realização efectiva ao princípio da solidariedade nacional e à política de redistribuição de rendimentos;
b) Alargamento do esquema de eventualidades, de modo a incluir, além das previstas no regime anterior (doença, maternidade, invalidez, velhice, morte, desemprego), também os encargos familiares (casamento; nascimento, sustentação e educação dos filhos) e a situação das mulheres casadas;
c) Fixação de prestações mínimas iguais para cada grupo da população, classificada em seis classes conforme a sua situação social: trabalhadores por conta de outrem; patrões e trabalhadores por conta própria; donas da casa; pessoas em idade activa sem ocupação remunerada; pessoas que ainda não atingiram a idade activa sem pessoas que já a ultrapassaram;
d) Unificação administrativa de todos os serviços de segurança social, sob a direcção de um único departamento (Ministério da Segurança Social). Instauração para as prestações sanitárias de um serviço nacional de saúde e reabilitação subordinado ao Ministério da Saúde;
e) Unificação das contribuições para todo o esquema, incluindo o serviço de saúde, numa taxa global, paga semanalmente mediante a aposição de um só selo num único documento (all benefits in the form of a single stamp on a single document).
O relatório Beveridge suscitou extraordinário movimento de interesse na opinião mundial e exerceu profunda influência na revisão das legislações dos diversos países, assim como na própria actividade dos organismos internacionais 30.
28. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Novembro de 1948, insere no seu artigo 22 os seguintes princípios: a Toda a pessoa, enquanto membro da sociedade, tem direito à segurança social; e deve poder obter a satisfação dos direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, tendo em conta a organização e os recursos de cada país».
Esta declaração tem o interesse de pôr justamente em relevo uma ideia que está na base da moderna concepção de segurança social: a de que esta deve realizar-se graças ao esforço de toda a colectividade, através de um vasto sistema de compensação nacional, sem contudo perder de vista as possibilidades de cada país e a necessidade da cooperação entre os Estados.
29. Sob a influência deste largo movimento de ideias, as legislações da generalidade dos países sofreram, a partir da guerra, remodelações mais ou menos extensas no capítulo da protecção contra os riscos sociais.
Referem-se algumas das mais significativas.
A Bélgica foi o primeiro país a introduzir modificações sensíveis na sua legislação, até aí essencialmente baseada sobre os seguros sociais de natureza facultativa. Um decreto-lei de Dezembro de 1944 instituiu o seguro obrigatório na doença o na invalidez, alargou o regime do abono de família, e lançou as bases do seguro contra o desemprego. A protecção na velhice e ma sobrevivência foi revista e ampliada em 1955 (para os assalariados), 1956 (para os trabalhadores independentes) e 1957 (para os empregados)31.
A Inglaterra deu, como já se disse, execução à generalidade das propostas contidas no relatório Beveridge, através de leis publicarias em 1945 (abono de família), 1946 (seguro nacional « serviço nacional de saúde) e 1948 (assistência nacional), posteriormente modificadas por diversas vezes 32.
Em França publicam-se, de 1945 a 1948, os textos basilares que instituíram um vasto sistema de segurança social para os trabalhadores por conta de outrem e respectivos familiares, na agricultura, indústria, comércio e serviços, assim como para diversas categorias de trabalhadores independentes. Diplomas posteriores ampliaram e aperfeiçoaram o sistema: em 1953 e 1956 para as pensões de invalidez, velhice e sobrevivência; em 1951 para a assistência no desemprego, e em 1955 para o seguro-doença. Em Dezembro de 1956 um código da segurança social compilou todas as disposições publicadas desde 194533. Vários decretos de Maio de 1960 introduziram importantes alterações ao regime vigente.
Na Itália, logo em 1944 se constituiu unia comissão para a reforma da previdência e da assistência social. A legislação vigente de seguro social foi objecto de várias remodelações por diplomas de 1950 (maternidade), 1952 (invalidez, velhice è sobrevivência), 1954 (doença) e 1955 (abono de família) 34.
A República Federal da Alemanha procedeu, a partir de 1952, à revisão e ampliação das suas leis de seguro social, designadamente no que respeita à maternidade (1952), aos subsídios familiares (introduzidos em 1954), ao desemprego (1956) e às pensões de invalidez, velhice e sobrevivência, cujo regime foi reformado em Fevereiro de 1957 e estendido aos agricultores por conta própria em Julho desse mesmo ano 35.
A Áustria promulgou em Setembro de 1955 unia reforma geral do seguro social, abrangendo os acidentes de trabalho, a doença e a maternidade (subsídios e amplas prestações sanitárias), a invalidez, a velhice e a sobrevivência. Anteriormente, diplomas de 1949 haviam reorganizado o abono de família e o seguro-desemprego.
Duas leis austríacas de Dezembro de 1957 instituíram um regime de seguro-pensões para os trabalhadores por
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29 Social insurance and allied serviços, pp. 6 e 9.
30. As propostas do/relatório alcançaram, de modo geral, consagração legislativa em Inglaterra, através de diplomas publicados de 1945 a 1948. A principal divergência consistiu em mão se ter aceite a constituição do Ministério da Segurança Social, mantendo-se a separação entre os serviços administrativos das prestações de seguro (Ministiry of National Insurance) e os de assistência (National Assistance Board).Ver P. Durand, ob. cit., pp. 386-588.
31 Istituto Nazionale della Previdenza Sociale, Sintesi dei principali sistemi previdenziali del mondo, Roma, 1960, p. 15; U. S. Department of Health, Education and Welfare, Social security programa throughout the world, 1958, Washington, U. S. Government Print Office, 1958, pp.- 2, 34, 60, 70 e 78; Doublet et Lavau, ob. cit., pp. 552 e seguintes.
32 B. T. T., Systèmes de securité sociale, Grande-Bretagne, Genève, 1957; Sintesi dei principali sistemi previdenziali del mondo, pp. 45 e seguintes; Social security programa throughout the world, pp. 28, 58, 66, 76 e 91; Doublet et Lavau, ob cit., pp. 537 e seguintes.
33 Doublet et Lavau, ob. cit., pp. 38 e seguintes; Sintesi dei principali sistemi previdenziali del mondo, pp. 35 e seguintes; Social security programa throughout the world, pp. 12, 40, 62, 72 e 81.
34 Doublet et Lavau, ob. cit., pp. 561 e seguintes; Social security programa throughout the world, pp. 16, 46, 64, 73 e 85.
35 Doublet et Lavau, ob. cit., pp. 546 e seguintes; Social security programa throughout the world, pp. 12, 40, 62, 72 e 82; B. I. T., informations sociales, 15 de Setembro de 1957, pp. 252 e seguintes; 1 de Maio de 1957, pp. 398 e seguintes.
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conta própria na indústria e na agricultura. E em Setembro de 1958 outra lei modificou o seguro doença e aumentou as respectivas prestações 36.
Na Suiça, leis federais de 1946, 1951 e 1952 alteraram os regimes, respectivamente, do seguro-invalidez, velhice e sobrevivência, do seguro-desemprego e do abono de família para os trabalhadores agrícolas.
Em Dezembro de 1956 foi ampliado o sistema do seguro-pensões (velhice e sobrevivência) e em 19 de Junho de 1959 as câmaras federais aprovaram uma nova lei sobre o seguro-invalidez, que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1960 e consagra primordial interesse à readaptação dos inválidos 37.
Os países escandinavos (Dinamarca, Noruega e Suécia), que possuíam já sistemas bastante completos de segurança social, essencialmente baseados em regimes de assistência pública, introduziram diversas melhorias nos seu esquemas de eventualidades e prestações. Assim, por exemplo, a Dinamarca reviu todo o seu regime de pensões em 1956 e, recentemente, em 1959 e em Junho de 1960. Nesta última data foi também alterado seguro-doença. A Noruega procedeu igualmente a remodelação do seu regime de subsídio na doença (1956) e de pensões (1957). A Suécia submeteu ao referendo uma reforma de seguro-pensões em 13 de Outubro de 1957 38.
A Rússia modificou por diversas vezes, depois da guerra, o seu sistema unitário de segurança social, cuja direcção central e financiamento incumbem ao Estado, em conexão com os imperativos dos planos de desenvolvimento económico. Foram especialmente revistos os regime; de pensões por acidentes de trabalho, doenças profissionais, invalidez, velhice e morte, em 1956 39.
A Grécia promulgou em 1951 uma lei geral de segurança social, modificada em 1953. E dois anos depois publicou nova lei sobre o seguro-doença e a defesa da saúde dos trabalhadores agrícolas 40.
Os Estados Unidos reajustaram, frequentemente o seu Social Security Act de 1935. Os principais diplomas posteriores são de 1939, 1946, 1950, 1952, 1956, 1958 e 1960. Ao lado dos regimes de seguro, que respeitam, sobretudo, à velhice e sobrevivência, o sistema abrande uma vasta rede de serviços de assistência pública - para o desemprego, invalidez e encargos de família - e de serviços públicos de saúde 41.
A Mova Zelândia, precursora, como vimos (supra, n.º 24), dos modernos sistemas de segurança social com a sua lei de 1938, modificou esta por diversas vezes, no sentido do aperfeiçoamento das suas disposições e do alargamento e actualização dos benefícios. A última reforma é de 1956 e diz respeito aos acidentes de trabalho e doenças profissionais 42.
O Brasil publicou, em 1 de Maio de 1954, um decreto contendo o regulamento geral das instituições de seguro social, com vista a uniformizar o seu regime administrativo. E está actualmente em estudo um projecto de lei que prevê medidas de coordenação e colaboração entre os diversos organismos de previdência, que ficariam subordinados ao Ministério do Trabalho 43.
Por último - last but not least -, a Espanha, cujas leis fundamentais de previdência social datam de 1938 (abono de família), 1939 (velhice e invalidez) e 1942 (doença e maternidade), introduziu em 1954 um regime de seguro contra o desemprego tecnológico. Um decreto de 18 de Outubro de 1957 alargou as prestações do seguro-doença aos trabalhadores ocasionais na agricultura e pecuária. E um decreto de 5 de Setembro de 1958 instituiu o Serviço Nacional da Segurança Social Agrícola.
Recentemente, o Governo Espanhol incumbiu o Instituto Nacional de Prevision de elaborar um plano geral de segurança social, no qual será inteiramente reestruturado o sistema vigente 44.
30. No campo internacional, a elaboração de normas, jurídicas sobre II segurança social coube à Organização Internacional do Trabalho.
Nas suas 34.ª e 35.ª sessões (Genebra, 1951 e 1952) a Conferência Internacional do Trabalho redigiu e aprovou uma convenção (n.º 102) acerca da norma mínima da segurança social.
Aí se regulam as prestações básicas que os países que ratificarem a convenção devem assegurar, nas seguintes eventualidades': doença, maternidade, desemprego, acidentes de trabalho e doenças profissionais, velhice, invalidez, sobrevivência e encargos de família.
Prevê-se, além disso, a igualdade de tratamento para os residentes não nacionais, bem como os casos de suspensão das prestações, a origem dos meios financeiros e, ainda, a participação de representantes das pessoas protegidas, das entidades patronais e das autoridades públicas, na administração dos regimes de segurança social.
Em 1 de Janeiro de 1961, a convenção tinha sido ratificada por dez países: República Federal da Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Grécia, Israel, Itália, Noruega, Inglaterra, Suécia e Jugoslávia 45.
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36 Social security programa, pp. 2, 32, 60, 70 e 77; Sintesi dei principali sistemi previdenziali del mondo. pp. 11 e seguintes; B. I. T., informations sociales, 15 de Junho de 1958, pp. 545 e seguintes, e 1 de Maio de 1959, pp. 376 e seguintes.
37 Doublet et Lavau, ob cit., pp. 59 e seguintes; Social security programa throughout the world, pp. 26, 56, 66, 75 e 89; Sintesi dei principali sistemi previdenziali del mondo, pp. 72 e seguintes; B. I. T., informationa sociales, 15 de Maio de 1957, pp. 450 e seguintes, e 15 de Fevereiro de 1959, pp. 165 e seguintes; Arnold Saxer, «La loi fédérale suisse sur l'assurance-invalidité», Revue Internationale du Travail, Janeiro de 1960, pp. 52 e seguintes.
38 Doublet et Lavau, ob. cit., pp. 572 e seguintes; Social security programa throughout the world; Sintesi dei principali sistemi previdenziali del mondo, pp. 30, 53, 69 e seguintes;. B. I. T., Informations sociales, 15 de Novembro de 1956, 15 de Março de 1957, 15 de Abril de 1958 e 1 de Fevereiro de 1961.
39 Doublet et Lavau, ob. cit., pp. 558 e seguintes; Social securty programa throughout the world, pp. 28, 56, 76 e 90; Sintesi dei principali sistemi previdenziali del mondo, pp. 77 e seguintes.
40 B. I. T., Informationa sociales, 15 de Novembro de 1951, pp. 402 e seguintes; 1 de Março de 1954, pp. 238 e seguintes; e Série légialative, 1955, Grè. 4.
41 B. L T., Systèmes de sécurité sociale, Etats-Unis, Genève, 1954 Doublet et Lavau, ob. cit., pp. 585 e seguintes; Social accunty programs throughout the world, pp. 30, 58, 68 e 91; Sintesi dei principali sistemi previdenziali del mondo, pp. 66 e seguintes; B. T. T., Informations sociales, 1 de Dezembro de 1356, pp. 518 e seguintes, e 1 de Novembro de 1958, pp. 386 e seguintes.
42 B. I. T., Systèmes de sécurite social, Nouvelle-Zélande, (renove, 1950; Doublet et Lavau, ob. cit., pp. 590 e 591; Social security programa throughout the world, pp. 20, 50, 64, 74 e 87; Sintesi dei principali sistemi previdenziali del mondo, pp. 57 e seguintes.
43 Carmelo M. Lago, Planificacion de la seguridad social, Organización Iberoamericana de Seguridad Social, Madrid, 1959, pp. 168-170.
44 Doublet et Lavau, ob. cit., pp. 566 e seguintes; B. I. T., Informations sociales, 1 de Abril de 1958, p. 304; 1 de Maio de 1959, p. 381; Carmelo M. Lago, ob. cit., p. 166.
45 Ver: B. I. T., Conférence Internationale du Travail, 34 ème session, rapport IV (1), Objectifs et normes mínima de la sécurité sociale, Genève 1950; e rapport IV (2), Genève, 1951; idem, 35ème session, Norme minimum de la sécurité sociale, rapport V a), (1),Genève, 1951, e rapport V, a), (2), Genève, 1952.
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Outro instrumento jurídico internacional sobre a matéria é o projecto do código europeu de segurança social, cuja proposta de elaboração foi apresentada pela Comissão dos Problemas Sociais, criada pela Assembleia Consultiva do Conselho da Europa na sua primeira sessão (Agosto-Setembro de 1949).
Dificuldades de ordem política, mais do que de natureza técnica, por virtude da necessidade de harmonização prévia das políticas económicas e sociais dos países da O. E. C. E., têm impedido a publicação do código 46.
Cumpre referir ainda a fecunda actividade doutrinal e informativa da Associação Internacional de Segurança Social (A. I. S. S.), com sede em Genebra, que agrupa as organizações nacionais gestoras de um ou mais ramos de segurança social: instituições públicas, mutualidades, departamentos ministeriais. Conta actualmente, em 62 países - entre os quais Portugal -, 160 organismos membros, representando perto de 350 milhões de pessoas abrangidas por regimes de protecção contra riscos sociais.
O seu objectivo essencial é o de promover, no plano internacional, o desenvolvimento da segurança social e o aperfeiçoamento dos seus métodos técnicos e administrativos.
§ 2.º
O conceito de segurança social
31. Percorridos os marcos mais salientes que assinalam a génese e o desenvolvimento da política contemporânea com vista u «segurança social», importaria agora extrair, da mole já imponente de doutrinação 47 e de realizações, certos princípios fundamentais que exprimissem as grandes linhas de rumo dessa política.
Isso se tentará fazer no parágrafo seguinte. Antes, porém, parece conveniente utilizar aquelas mesmas ideias e factos para atribuir um sentido unívoco à expressão «segurança social» - ao menos para os efeitos do presente trabalho -, sendo certo que frequentemente a ela se ligam os mais diversos significados.
A «segurança social» define-se pelo seu fundamento (ético-político), pelos seus fins (sociais) e pelos meios (técnicos) adequados à realização desses fins.
O fundamento ético-político da segurança social assenta, como escreve Venturi, no reconhecimento do dever que incumbe à sociedade de intervir, a favor do indivíduo e da família, quando se verifique desequilíbrio grave entre as necessidades individuais e familiares e os meios de as satisfazer - causado por eventualidades ou riscos que determinem uma de duas ordens de consequências:
a) Interrupção, redução ou cessação dos réditos que proporcionam os meios de existência;
b) Necessidade de suportar encargos para os quais o rédito normal deve presumir-se insuficiente 48.
Aqueles «riscos» ou «eventualidades» devem ser típicos, isto é, definidos com precisão, nos seus elementos estruturais, pelo sistema jurídico.
A categoria acima agrupada sob a alínea a) dizem respeito os eventos seguintes:
1.º Causadores de interrupção dos réditos - doença; maternidade; acidente ou doença profissional de que resulte incapacidade temporária sem desvalorização; desemprego;
2.º Causadores de redução dos réditos - acidente de trabalho ou doença profissional de que resulte desvalorização; morte do chefe de família quando as pessoas a seu cargo tenham outras fontes de rendimento;
3.º Causadores de cessação dos réditos - invalidez; morte do chefe de família quando as pessoas a seu cargo não possuam outros meios do subsistência.
A categoria sob a alínea b) abrange: o tratamento da doença e a reabilitação; o casamento; a maternidade; a sustentação e educação dos filhos, bem como a sustentação de outros familiares a cargo do chefe de família.
Os fins da segurança social estão em relação directa com os seus fundamentos e visam:
a) À prevenção dos riscos;
b) À reparação ou eliminação das respectivas consequências.
Por último, os meios a utilizar pela segurança social hão-de, lògicamente, ser aptos à consecução daqueles fins: meios de prevenção e meios de reparação ou eliminação.
Os meios de prevenção próprios da segurança social abrangem todas as medidas directamente ligadas à profilaxia das doenças; à organização de serviços de medicina do trabalho; à prevenção de acidentes e doenças profissionais.
Os meios de reparação ou eliminação das consequências dos riscos sociais consistem, por um lado, em «rendimentos de substituição» - prestações em dinheiro - e, por outro lado, em prestações em espécie - bens, serviços - essencialmente destinadas ao tratamento da doença e à reabilitação dos doentes.
32. Se se encarar a política de segurança social sob o ângulo mais restrito do trabalho - considerado como fonte por excelência de obtenção dos meios de vida -, pode dizer-se que essa política se define em três bases:
1.ª A segurança social significa, em primeiro lugar, a segurança do trabalho, isto é, a garantia do direito no trabalho e da estabilidade no emprego. Pressupõe uma organização da economia e do mercado do trabalho capazes de promover o equilíbrio regular entre a oferta e procura de mão-de-obra - o que implica, além do mais, a existência de uma rede completa de estabelecimentos de orientação e formação profissional, assim como de serviços de colocação.
2.ª Não basta garantir a segurança do trabalho. É preciso que o emprego proporcione remuneração adequada às necessidades do trabalhador e da sua família.
O salário suficiente representa, pois, outra condição basilar de toda a política de segurança social.
3.ª Assegurado o emprego e o salário, importa depois velar pela conservação da capacidade de trabalho e de ganho, através dos meios preventivos enunciados, e ocorrer às consequências da interrupção, redução ou perda dessa capacidade, bem como à necessidade de suportar encargos incomportáveis para os réditos normais, mediante as formas de reparação também já referidas.
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46 Cf. Doublet et Lavau, ob. cit., pp. 626 e seguintes; A. Venturi, ob. cit., p. 250; Paul Durand, ob. cit., pp. 422 e seguintes.
47 É hoje muito vasta já a bibliografia, em quase todos os países, acerca da problemática da segurança social. Pode ver-se uma resenha actualizada, embora incompleta, dos mais importantes estudos sobre a matéria, no trabalho de Carmelo M. Lago, já citado, Planificación de la seguridad social, pp. 227 a 242. Foi também recentemente publicada uma bibliografia exaustiva pelo «Department of Health, Education and Welfare», Basic Readinqs in Social Security, Washington, 1960.
48 Neste sentido: A. Venturi, 06. cit., pp. 265 e 266.
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Em sentido estrito, a política de segurança social tem especificamente em vista este terceiro e último elemento - como resulta do que acima se expôs -, embora na sua concepção actual o não restrinja ao trabalhador 49.
§ 3.º
Princípios fundamentais da segurança social
A) Razão de ordem
33. Caracterizados os elementos definidores do conceito de segurança social, cumpre agora enunciar os princípios gerais que exprimem as grandes linhas de orientação da política de segurança e se inferem da doutrina e das tendências dominantes nos sistemas legislativos.
Para esse efeito seguir-se-á lima razão de ordem paralela à adoptada no capítulo I deste parecer, abordando sucessivamente: o campo de aplicação da política de segurança, as eventualidades cobertas, o esquema do prestações, a origem dos meios financeiros, os métodos de equilíbrio financeiro e, por último, os sistemas de administração.
B) Campo de aplicação
34. Neste primeiro aspecto, o princípio que se infere do direito comparado, a partir da guerra, e corresponde aliás ao próprio conceito de segurança social há pouco definido, é o da tendência para a generalização do âmbito dos beneficiários - com vista a abarcar progressivamente toda a colectividade nacional.
É o chamado princípio da universalidade.
A mesma regra implica, ainda, que a protecção se estenda não apenas aos nacionais, mas também aos estrangeires residentes no país, sem discriminação.
Considera-se, assim, como sujeito do direito à segurança social, não o trabalhador - mas o homem.
Decerto que o trabalho é a forma essencial de obtenção dos meios de existência, e, por isso, a segurança social de ré ser, antes de tudo, como acima se frisou, a segurança do trabalho - quer dizer, a garantia da conservação da capacidade de ganho pelo exercício de uma actividade profissional, ou da reparação das consequências da perda ou redução dessa actividade.
Mas, hoje, em dia, por virtude da extrema complexidade e instabilidade da vida, a insegurança económica, até há pouco considerada como inerente apenas ao trabalhador subordinado, estendeu-se a extensas camadas de população - consoante já noutro lugar se pôs em foco.
Pelo que toca especialmente à defesa da saúde, o fenómeno assume ainda maior acuidade, pois à quebra dos meios de existência alia-se aqui a ameaça contra a vida e a integridade, física.
Por outro lado - diz-se - a limitação do sistema de segurança aos trabalhadores por conta de outrem cria, de certo modo, um privilégio de classe, nefasto ao são equilíbrio social e às próprias necessidades da economia.
No aspecto social, tal privilégio introduz uma forma discriminatória, que favorece a proletarização do trabalhador independente, do artífice, do pequeno proprietário - desprotegidos contra as contingências da vida e cujos recursos não são, de modo geral, superiores aos de muitos assalariados. Contribui-se, assim, para a dissolução progressiva das classes médias, ao invés da política que se afigura como a mais conveniente, se se quiserem contrariar as tendências colectivizantes da nossa época.
Sob o ponto de vista económico, o restringir-se a segurança social a uma parcela da população, que suporia o custo do sistema, não permite efectuar uma compensação nacional desse custo, nem uma justa e eficaz distribuição de rendimentos. Só estendendo a todos o direito à segurança, pode exigir-se que todos também contribuam, conforme as respectivas possibilidades, paxá assegurar o funcionamento do sistema.
A generalização da segurança traduz ainda, na ordem política, uma forma concreta de realização do princípio da solidariedade nacional.
Dir-se-á que, para as situações não abrangidas por um sistema de segurança de base laborai, existem a assistência e o seguro facultativo. Mas aquela tem o próprio limite das suas possibilidades financeiras e está na dependência de apreciações discricionárias: não garante o direito a uma protecção suficiente. Além de que a exigência de provar a necessidade do auxílio, sobre ser para muitos uma humilhação, constitui, no fundo, um incentivo à imprevidência e um obstáculo u poupança. Por seu turno, o seguro facultativo pressupõe um forte instinto de previdência que não está, em parte alguma, generalizado.
O princípio da universalidade deve, porém, entender-se em termos hábeis. Antes do mais, representa essencialmente um ideal para que se caminha, sem querer significar que em todos os países ele possa vir a ser rapidamente atingido.
Na sua realização tendencial, esse princípio pode comportar duas fases ou prosseguir um de dois objectivos, correspondentes aos dois conceitos, há pouco examinados (n.ºs 31 e 32), da política de segurança social:
a) Abranger no sistema todos os que desempenhem uma actividade profissional (trabalhadores por conta de outrem e por conta própria) e respectivas famílias;
b) Incluir todos os residentes, independentemente da situação económica ou modo de vida.
Entre estas duas modalidades, a» diferenças de ordem quantitativa não são muito relevantes, pois a primeira deixa de fora estratos somais relativamente pouco numerosos. E note-se que a protecção contra certas eventualidades - desemprego, acidentes de trabalho, doenças profissionais - é, por natureza, (restrita aos trabalhadores dependentes.
35. Há, no entanto, um ramo da segurança relativamente ao qual o princípio da universalidade exprime uma solicitação imperiosa dos nossos tempos. É o que se refere à prevenção, tratamento e reabilitação, no caso de doença. Numa palavra - à defesa da saúde.
A doença põe em risco a integridade física, e o direito a esta representa uma garantia individual que a generalidade das constituições políticas explicitamente consagra. Por isso, o direito à saúde, que é afinal simples reflexo do próprio direito à vida e à integridade pessoal, inscreve-se, na actualidade, como num dos direitos fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça,
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49 Cf. infra, n.º 34. Sobre o conceito e os elementos da segurança social podem ver-se: P. Durand, ob. cit. pp. 14 e seguintes; Alan B. Fisher, Progrès économique et sécurité sociale, tradução francesa, Paris, De Médicis, 1947, pp. 33 e seguintes; Doublet et Lavau, ob cit., pp. 5 e seguintes; André Getting, La sécurité sociale, Paris, P. U. F., 1957, pp. 11-13; F. Netter, Notions essentielles ce sécuríté sociale, Paris, Sirey, 1951, pp. 20 e seguintes; B. I. T., La, sécurité sociale, Genève, 1958, pp. 18 e 14; Eveline M. Burns, Social security and public policy, New York, 1956, pp. 4 e 5; José Gascon y Marin, Los planes de seguridad social, Madrid, 1944, p. 19; Carmelo M. Lago, ob. cit., pp. 15 e seguintes; P Laroque, «Le plan français de sécurité sociale», Revue Française du Travail, Abril de 1946, pp. 9 e seguintes; e «De l'assurance sociale à la sécurité sociale», Revue Internationale du Travail, Junho de 1948, pp. 623-625.
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de religião, de credo político, de condição económica e social» 50.
«Todos os homens - escreve o falecido reitor da Universidade Católica de Milão, Fr. Dr. Agostino Gemelli - são iguais perante a doença; todos têm o mesmo direito aos meios necessários para defender a saúde; todos têm idêntico direito a utilizar os meios de prevenção» 51.
A regra da universalidade implica, pois, neste aspecto, a extensão progressiva dos serviços sanitários de um sistema de segurança a toda a população.
Levanta-se aqui o problema da medicina colectiva ou social. Não se compadece, evidentemente, com a índole nem com o âmbito deste parecer o debate do assunto. Mas vale a pena ouvir, a tal respeito, embora referidos especialmente ao caso italiano, os luminosos ensinamentos do Prof. Gemelli, a quem acompanhamos de perto nas linhas seguintes.
Não é necessário planificar a medicina - diz Gemelli - para fazer com que ela corresponda às exigências do nosso tempo; mas também não se deve considerar a profissão médica como a entendia a concepção individualista do século passado.
Nos dias de hoje a medicina colectiva desenvolveu-se extraordinariamente, em detrimento da medicina individual. Os progressos do diagnóstico e da terapêutica, exigindo a cooperação de técnicas especializadas e cada vez mais complexas, colocaram o médico isolado em condições de manifesta inferioridade nos meios de acção. A medicina passou a ser essencialmente uma actividade de grupo e o hospital assumiu posição de primeiro plano na organização sanitária.
Estas profundas transformações dos conceitos da saúde como direito fundamental do indivíduo, que à sociedade cumpre garantir, e da medicina como técnica de equipa, implicam novos deveres por parte dos doentes, dos médicos e da própria comunidade.
Quanto aos doentes, é necessário educá-los. Todos, seja qual for a sua condição social, devem persuadir-se de que no hospital podem encontrar tudo o que é necessário para o seu tratamento eficiente. A ideia do médico pessoal ou familiar - cuja escolha tantas vezes se baseia em factos completamente estranhos à competência profissional - tende gradualmente a desaparecer. No hospital, o doente não é entregue aos cuidados de certo médico, porque dele lhe fizeram boas referências, mas a um corpo clínico designado mediante severas provas de aptidão e dirigido por profissionais experimentados. O elemento de confiança, que a moderna medicina psicossomática põe em relevo, nada tem a ver com o médico pessoal.
No que respeita aos médicos, cumpre reconhecer que nas Faculdades de Medicina não se ensina a função social do médico nem a sua contribuição para a segurança social. Cada médico sómente considera a sua actividade individual em face do doente, e um dos males da medicina contemporânea está em que, para a maior parte dos médicos, o enfermo é um «cliente». As exigências da vida reclamam que o médico tenha todos os dias certo número de «clientes». Importa reformar estas concepções. É necessário abrir aos jovens licenciados possibilidades de justa retribuição e garantias de acesso. Naturalmente, não poderão comprar logo um
automóvel ou viver com largueza. Mas uma carreira hospitalar convenientemente organizada proporciona um futuro - que o sistema tradicional não garante.
Enfim, há deveres essenciais da comunidade social em matéria de defesa da saúde. O princípio já acima se assinalou: - todas as pessoas, seja qual for a sua situação social ou económica, são iguais perante d doença; todas têm o mesmo direito ao uso dos meios de tratamento e de prevenção.
Para realizar este objectivo - conclui Gemelli - torna-se imprescindível, antes do mais, pôr em funcionamento uma rede hospitalar e de dispensários suficiente. Isso exige meios financeiros vultosos - e cumpre não perder de vista as possibilidades consentidas pela economia nacional. Mas é evidente que, no terreno da defesa da saúde, mais do que em qualquer outro, se torna mister dar expressão prática ao preceito da solidariedade entre todos os elementos da Nação 52.
Não se diga que tudo isto equivale a «socializar» a medicina, a transformar o médico num funcionário ao serviço da comunidade. Medicina colectiva não é sinónimo de colectivização da assistência médica. Função social da medicina não significa burocratização da clínica. De modo nenhum se pretende que o Estado integre a classe médica num serviço público, nem que se impeça a livre escolha do médico pelo doente. Pretende-se, isso sim, sejam criadas as condições necessárias para que todos - independentemente da sua fortuna ou posição social - possam tornar efectivo o direito à saúde, tendo ao seu dispor uma organização que assegure, não apenas a prevenção sistemática das doenças, mas também, aos que a ela quiserem, recorrer, meios completos e eficientes de tratamento e de recuperação para a vida activa. Trata-se de dever indeclinável da sociedade para com o indivíduo.
Nada disso, porém, contende com a livre escolha do médico, nem com o recurso à medicina curativa privada para todos aqueles que continuem a dar-lhe preferência.
36. Exposta a doutrina, vejamos agora as realizações 53.
O primeiro país a dar efectivação completa ao princípio da universalidade para todos os riscos sociais foi a Inglaterra, através das leis baseadas no relatório Beveridge, a que se aludiu.
Alguns anos antes (1938), como também vimos, já a Nova Zelândia tinha estendido a todos os residentes (excepto para o subsídio pecuniário na doença) a protecção contra os riscos sociais.
Nos restantes países, a tendência para a generalização do âmbito de beneficiários varia consoante as eventualidades cobertas, e a natureza - em dinheiro ou em espécie - das prestações.
a) Assim, no que respeita às prestações sanitárias na doença e maternidade, o sistema está generalizado a toda a população nos seguintes países: Austrália, Canadá (hospitalização) Islândia, Noruega, Suécia e Rússia.
Para os subsídios pecuniários nas mesmas eventualidades, nenhum país (nem a Inglaterra ou a Nova Zelândia) aplicou por ora o princípio da universalidade. A concessão do subsídio é normalmente restrita aos trabalhadores por conta de outrem (empregados e assalariados). Sòmente a Inglaterra abrange, neste aspecto, os trabalhadores independentes, mas o seguro é
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50 Preâmbulo da Constituição da Organização Mundial de Saúde, aprovada em 22 de Julho de 1946 pela Conferência Internacional da Saúde e ratificada por Portugal por Carta de 18 de Junho de 1948 (Diário do Governo n.º 151, 1.ª série, de 1 de Julho de 1948).
51 Fr. Agostino Gemelli, «La difesa della salute in un sistema di sicurezza sociale», Atti della XXIII Settimana Sociale dei Cattolici Italiani, Bologna, 1949, p. 227.
52 Fr. Agostino Gemelli, ob. cit., pp. 209 e seguintes.
53 As referências pormenorizadas ao nosso país constam do capítulo III deste parecer.
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voluntário para os que aufiram rendimentos superiores a determinado montante.
Em 1959, cerca de 350 milhões de pessoas beneficiavam, nos diversos países, de regimes de protecção na doença e aã maternidade.
b) Invalidez, velhice e sobrevivência. - A concessão de pensões nestes riscos está alargada a todos os residentes nos seguintes países: Austrália, Canadá (só velhice), Dinamarca (só velhice e invalidez), Finlândia (invalidez, velhice e subsídio por morte), Inglaterra, Islândia; Israel (sem invalidez), Holanda (velhice), Nova Zelândia, Noruega, Suécia e Suíça (sem invalidez).
A protecção é comum a todos os trabalhadores, incluindo os independentes: na Áustria, Bélgica, Checoslováquia, França, República Federal da Alemanha, Luxemburgo, Estados Unidos da América e Uruguai.
São excluídos os trabalhadores rurais na maior parte dos países da América Central e do Sul, na Grécia, Japão e Turquia. Na Rússia estão fora do sistema geral os trabalhadores ocupados nas cooperativas agrícolas (kolkhoses), ou seja a grande maioria dos trabalhadores rurais. Sei em 1958 foram estabelecidas normas para a constituição de caixas de socorros mútuos nos kolkhoses.
No conjunto mundial, o número de pessoas ao abrigo de regimes de protecção na invalidez, velhice e morte, andava, em 1959, ao redor de 200 milhões.
c) Riscos profissionais (acidentes de trabalho e doenças profissionais, desemprego). - Nestes sectores o princípio da universalidade sómente rege, como já se notou, para os trabalhadores por conta de outrem.
Relativamente aos acidentes e doenças profissionais, algumas legislações não incluem os trabalhadores agrícolas: v. g. Argentina, Bolívia, Canadá, Grécia, Estados Unidos, Venezuela e Vietname.
Pelo que toca ao desemprego, dos vinte e seis países que têm um sistema de cobertura deste risco, excluem os trabalhadores agrícolas os seguintes: Canadá, República Federal da Alemanha (contratados a longo prazo), Grécia, Japão, Luxemburgo, Espanha, Suíça, União da África do Sul e Estados Unidos da América.
d) Encargos familiares. - O sistema está generalizado a toda a população nos seguintes estados: Austrália, Canadá, Dinamarca (com limite de rendimento), Finlândia, Islândia, Irlanda, Nova Zelândia, Noruega, Suécia, Rússia e Inglaterra.
Abrandem todos os trabalhadores, incluindo os independente: Bélgica, República Federal da Alemanha, Luxemburgo, Holanda e Uruguai.
Dos trinta e oito países com regimes de abono de família, comente quatro, além de Portugal, excluem os trabalhadores agrícolas: Argentina, Marrocos, Polónia e Vietnane 54.
37. Do rápido escorço que acaba de fazer-se, a propósito da execução do princípio da universalidade, verifica-se que a maior parte das exclusões (não referindo certos tipos mais restritos, como os trabalhadores domésticos e os ocasionais) diz sobretudo respeito a duas categorias: os trabalhadores independentes (incluindo, designadamente, pequenos proprietários, rendeiros e parceiros rurais, pequenos artífices, comerciantes e industriais; artistas; profissionais livres) e os trabalhadores da agricultura.
As razões do facto continuam a ser as mesmas que já referimos a propósito dos sistemas de seguro social obrigatório (supra, n.º 12), embora a partir da guerra o número de países que praticavam uma ou outra daquelas exclusões tenha vindo progressivamente a reduzir-se.
No caso dos trabalhadores autónomos, à inexistência de um salário e à impossibilidade de quotizações bipartidas, acresce frequentemente a própria resistência dessa classe a sujeitar-se à inclusão obrigatória no sistema de segurança social 55.
C) Eventualidades
38. Ao definir o conceito de segurança social, frisou-se ser da sua essência a garantia contra determinados eventos típicos ou riscos, cuja classificação sistemática também se deixou feita (supra, n.º 32).
Sem dúvida que a política de segurança deve visar progressivamente à protecção contra todas essas eventualidades. E nem é outra a tendência revelada pelo direito comparado.
Daqui se deduz um segundo princípio fundamental dessa política - o princípio da compreensividade.
Além daqueles riscos fundamentais, outros certamente podem e devem porventura vir a ser acolhidos num sistema completo e orgânico de segurança social.
Para tanto, é mister, porém, tratar-se de eventos que reunam as condições de generalidade e tipicidade próprias dos riscos sociais, cabendo ao sistema jurídico definir os caracteres próprios de cada novo risco a englobar no sistema de segurança.
39. Pode fazer-se uma ideia de conjunto da tendência para a realização do princípio da compreensividade, por parte dos sistemas legislativos, através do quadro que seguidamente se insere.
Nele se compara, para os diversos riscos, o número de países com regimes de protecção, em 1940 e em 1960 56.
QUADRO I
[Ver Tabela na Imagem]
D) Prestações
40. Pelo que toca às prestações em espécie, ou, mais concretamente, às prestações sanitárias, quer de carácter preventivo (medicina preventiva geral, me-
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54 Sobre a matéria deste número: Social security programa, cit., Sintesi dei principali sistemi, cit.; Doublet et Lavau, ob. cif., pp. 531 e seguintes; B. I. T., Annuaire des Statistiques du Travail -, 1960, pp. 464 e seguintes.
55 Ver a respeito do princípio da generalização da segurança social: P. Durand, ob. cit., pp. 244 e seguintes; A. Venturi, ob. cit., pp. 827 e seguintes; A. Zelenka, Princípios fundamentales de la seguridad social, Organización Iberoamericana de Seguridad Social, Madrid, 1959, pp. 12 e seguintes; Cari H. Farman, «Le développement dans le monde des prestations de sécuritá sociale», Bulletin de l'Association Internationale de la Sécurité Sociale, Novembro de 1956, pp. 467 e seguintes, e Outubro-Novembro de 1957, pp. 454 e seguintes.
56 Social security programa, cit., p. v. Ver também: A. Venturi, ob. cit., pp. 278 e seguintes; Carl A. Farman, art. cit., e A. Zelenka, art. cit., log. cit.; B. I. T., Information» Sociales; Annuaire des statistiques du travail, 1960.
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dicina do trabalho, profilaxia de acidentes e doenças profissionais, etc.), quer de natureza reparadora (tratamento de doenças e reabilitação) - nenhuma dúvida de que a regra atrás examinada da tendência para a universalidade da sua concessão implica que elas sejam iguais (no sentido de igualdade de direitos) para todas as pessoas abrangidas pelo sistema de segurança social.
São expressos neste sentido os preceitos já referidos da Recomendação de Filadélfia e da Convenção sobre a norma mínima de segurança social, aprovadas pela Conferência Internacional do Trabalho.
Nos termos deste último instrumento, as prestações médicas devem compreender, pelo menos (artigo 10.º):
a) Em caso de doença:
1) Medicina geral e visitas domiciliárias;
2) O tratamento de especialistas, nos hospitais ou fora deles;
3) Os produtos farmacêuticos essenciais, sob receita médica;
4) A hospitalização, .quando necessária.
b) Em caso de gravidez e parto:
1) Os cuidados pré-natais e a, assistência durante o parto e o puerpério, por, médico ou parteira diplomada;
2) A hospitalização, quando necessária.
Acrescenta-se que o beneficiário ou o chefe de família podem ser obrigados a participar no custo dos serviços médicos, dentro de limites razoáveis, e que as prestações devem tender a preservar, restabelecer ou melhorar a saúde da pessoa protegida, assim como a sua aptidão para o trabalho (artigo citado, n.ºs 2 e 3).
Os beneficiários dos sistemas de segurança social têm direito a prestações médicas correspondentes, pelo menos, àquele esquema, nos seguintes países: Austrália, Áustria, Bélgica, Bulgária, Canadá (hospitalização), Checoslováquia, Chile, Dinamarca, Espanha, França, República Federal da Alemanha, Grécia, Hungria, Inglaterra, Islândia, Irlanda, Itália, Japão, Luxemburgo, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Polónia, Roménia, Rússia, Suécia, Suíça e Jugoslávia.
Em oito destes países, como vimos, as prestações sanitárias são comuns a toda a população.
41. No que se refere aos benefícios pecuniários, já o problema apresenta outras dificuldades.
A prestação uniforme para cada tipo de risco, e para a totalidade dos beneficiários ou para certos grupos em que estes sejam classificados (sistema inglês), tem de calcular-se, conforme é sabido, em função do mínimo vital, tomando por base determinados orçamentos familiares-tipo ou outros elementos.
Como mérito desta fórmula costuma apresentar-se o de estimular a poupança e o recurso ao seguro facultativo para melhorar o «mínimo nacional».
Em contrapartida dir-se-á que dada a variedade infinita de réditos da população activa de qualquer país e o carácter sempre um tanto teórico com que se avalia o «mínimo vital», é perfeitamente possível que a prestação correspondente ao mínimo fixado seja porventura superior aos ganhos médios de determinados indivíduos ou grupos - designadamente se estes viverem em regime de subemprego, como sucede, com frequência, no trabalho rural.
A prestação de segurança «social» transforma-se então num incentivo à ociosidade - é «anti-social».
Por isso a Convenção Internacional sobre a norma mínima de segurança social inclinou-se para o sistema das prestações em função aos ganhos (artigo 65.º).
Não obstante aqueles inconvenientes} o sistema foi, como vimos, consagrado pela legislação inglesa, embora mitigado através do agrupamento da população em seis classes.
Para as pensões de velhice, o sistema da pensão nacional mínima, independentemente do rendimento ou situação social, foi perfilhado pela Nova Zelândia, Canadá, Finlândia, Dinamarca, Israel, Holanda, Noruega e Suíça. Nestes três últimos países, porém, o quantitativo da pensão varia consoante o volume de contribuições pagas.
Deve acrescentar-se que, na Inglaterra, a lei de 1959 sobre o seguro nacional prevê a concessão de pensões complementares da pensão mínima nacional, variáveis em função das quotizações pagas pelo segurado.
As objecções postas à prestação pecuniária uniforme não têm a mesma relevância em matéria de encargos de família. Aqui o regime generalizado é o de abonos, por cada familiar a cargo, de montante igual para todas a» classes de beneficiários. Considera-se que o abono se destina a fazer face a despesas essenciais, cujo custo não apresenta diferenças sensíveis de classe para classe.
42. O princípio genérico que, em matéria de prestações, cumpre extrair do conceito de segurança social e das tendências da legislação contemporânea - é o da eficácia.
Significa o princípio da eficácia que os benefícios concedidos devem corresponder, em qualidade e quantidade, às necessidades dos beneficiários, proporcionando uma protecção adequada e suficiente. Obstáculos de ordem económica ou financeira podem impedir a aplicação integral daquele princípio, mas, sob o ponto de vista social, é preferível sacrificar a inclusão de um certo risco no sistema de segurança do que conceder prestações inadequadas ou insuficientes.
O mesmo princípio implica quê as prestações se mantenham enquanto persistirem as consequências do risco a que respeitam, sob reserva apenas das condições necessárias (período de espera, por exemplo, na doença) para prevenir abusos.
Lê-se a este respeito em estudo recente: «Se o sistema abrange subsídios de doença - que argumentos de ordem social podem justificar a sua supressão a partir de certo momento, ainda que o interessado continue impossibilitado de trabalhar e sofra de incapacidade permanente, sendo certo que a sua situação económica e a da família pioram à medida que a incapacidade se prolonga? A introdução do seguro doença conduz logicamente ao alargamento da protecção mediante pensões de invalidez» 58.
Põe-se aqui o, problema da doença longa e o da sua articulação com a invalidez, tanto no aspecto da indemnização pecuniária como no dos serviços de tratamento e reabilitação.
A tendência para eliminar o limite de duração nas prestações temporárias, nomeadamente nos serviços médicos e no subsídio de doença, é característica comum às legislações recentes de segurança social.
Estão neste caso a Austrália, a Bulgária, o Canadá (hospitalização), o Chile (para a tuberculose e doenças cardiovasculares), a França, a Inglaterra, a Nova Ze-
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57 Ministry of Pensions and National Insurance, Provision for old age. The future development of the national Insurance scheme, London, H. M. Stationery Office, Cmnd. 538; Revue Internationale du Travail, «L'évolution du systeme national de pensions en Grande-Bretagne», Maio de 1960, pp. 527 e segs.
58 A. Zelenka, ob. cit., p. 12.
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lândia, a Noruega (para certo número de doenças), a Roménia, a Suécia, a Suíça (tuberculose), a Rússia e a Jugoslávia.
43. Outra linha geral de orientação do direito comparado nesta matéria, também inspirada no princípio da eficácia, é a que visa a atribuir natureza familiar à maior parte das prestações, sobretudo às pensões. O quantitativo destas faz-se variar conforme a composição do agregado familiar do pensionista.
No capítulo das pensões de velhice nota-se, além disso, o pendor dos sistemas legislativos para estimularem o prolongamento da vida activa, mediante o carácter não compulsivo da reforma e a concessão de melhorias substanciais nos elementos de formação das pensões a partir de determinada idade.
Por outro lado, em relação à generalidade das prestações, verifica-se a tendência para não fazer depender, rigidamente, a sua atribuição do pagamento anterior de um dado volume de contribuições, mas tão-sòmente de determinado prazo de inscrição ou, em alguns sistemas, apenas de certo tempo de residência no país.
O fundamento do direito aos benefícios passa, assim, a residir essencialmente no trabalho, isto é, no exercício de uma actividade profissional,, ou na simples residência, e não já na entrada de receitas - ao contrário do que sucedia no regime de «seguro», o qual fazia depender a prestação do prévio desembolso da contraprestação correspondente.
44. O mesmo princípio da eficácia das prestações aponta outro traço dos modernos sistemas de segurança. E o da conservação do valor real dos benefícios perante es variações do custo da vida.
O princípio diz, sobretudo, respeito, como noutro lugar se referiu, aos benefícios vitalícios ou de longo prazo (pensões) já subjectivados.
A regra do ajustamento automático ou semiautomático das pensões em curso ao poder de compra da moeda - normalmente em função de índices do «custo da vida» - tem obtido consagração cada vez mais generalizada.
A introdução desta fórmula é facilitada nos sistemas financiados pelo imposto, e bem assim quando o regime financeiro é o de repartição ou um regime misto em que a repartirão predomina.
Em todos estes casos, porém, é obviamente necessário acrescer as receitas na proporção do aumento da despesa.
No sistema de capitalização pura, a revalorização dos benefícios, sem agravamento de contribuições, sómente é viável na medida em que o rendimento dos capitais acumulados, graças à natureza das suas aplicações, acompanhe a variação dos preços. Fora desta hipótese, aliás difícil de se verificar em escala apreciável, apenas por meio de fontes de receita estranhas ao sistema (v. g. subvenções do Estado) será possível, naquele regime, reajustar as pensões ao valor da moeda.
Na actualidade, aplicam regras de adaptação automática (Indexação) das pensões ao custo da vida os seguintes países: Bélgica (desde 1905: índice dos preços de retalho), Chile (desde 1952: índice dos salários), República Federal da Alemanha (desde 1957: Índice dos salários), Finlândia (desde 1956: Índice dos preços), França (desde 1948: índice dos salários) e Holanda (desde 1956: índice dos preços e dos rendimentos). Estão em estudo projectos de indexação na Inglaterra (em função dos salários e dos preços) e na Suécia (em função dos ganhos).
O princípio da revisão por efeito de variações sensíveis do custo da vida foi também inscrito na Convenção Internacional sobre a norma mínima de segurança social (artigo 65, n.º 10) 59.
E) Receitas
45. Nesta matéria, e pelo que toca à origem dos meios financeiros da segurança social, o princípio geral dos modernos sistemas legislativos é o da solidariedade ou compensação nacional do custo do sistema.
O princípio foi naturalmente levado às suas últimas consequências nos países em que o sistema de segurança, ou um dos seus ramos, se estendeu à totalidade da população: todos contribuem, directamente, por meio de taxas ou contribuições especiais, ou indirectamente, através dos impostos gerais, para o financiamento do sistema.
Se a protecção contra os riscos sociais se limita à população trabalhadora, as receitas são, como é óbvio, principalmente constituídas por contribuições das empresas e dos empregados e operários, e ainda dos trabalhadores por conta própria, quando ao abrigo do sistema.
Ao lado das contribuições, a participação do Estado encontra-se, na quase totalidade dos países, normalmente ligada a um ou outro ramo do sistema de segurança.
46. Relativamente à base de incidência dos meios financeiros, a fórmula tradicional da percentagem sobre os ordenados e salários tende a perder importância, à medida que o ordenamento da segurança social vai alargando o seu campo de aplicação.
Quando todos ou determinados ramos de eventualidades abrangem o conjunto do agregado nacional - designadamente no caso das prestações sanitárias - os sistemas de financiamento praticados pelas legislações são essencialmente dos seguintes tipos:
Taxa uniforme, per capita, para todos, ou para cada agrupamento de beneficiários; Imposto especial sobre o rendimento; Receitas gerais do Estado.
O regime das quotizações sobre salários e ordenados - próprio doa sistemas de seguro social restrito aos trabalhadores subordinados - tem sido objecto de variadas críticas.
Diz-se, em primeiro lugar, que ele representa uma forma de injustiça social, na medida em que, gravando com uma taxa proporcional os ganhos dos trabalhadores, vai onerar em maior grau os de salários mais baixos, em virtude do princípio da utilidade marginal. Tem assim o inconveniente dos impostos degressivos, o qual se torna ainda mais saliente quando existe um limite superior (plafond) para a incidência das contribuições.
Depois, quanto às empresas, invoca-se a circunstância de as levar a reduzir o pessoal para diminuir os encargos sobre o custo de produção constituídos pelas taxas sobre os salários. E, por outro lado, esses mesmos encargos obstam frequentemente a que as empresas melhorem as remunerações dos seus trabalhadores.
Alega-se, ainda, que o sistema implica uma desigualdade de tratamento entre os vários ramos da actividade
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59 A este respeito: E. Liefmann-Keil, «L'indéxation des prestations de sécurité sociale», Revue International du Travail, Maio de 1959, pp. 528 e seguintes; B. I. T., Objectifs et normet minina de sécurité sociale, Rapport IV (1), Conférence Internationale du Travail, 34 eme session, Genève, 1950.
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económica, onerando em medida maior aqueles que exigem mais larga proporção de mão-de-obra.
Enfim, a contribuição sobre os salários vai integrar-se nos elementos do custo de produção e, por consequência, tende a repercutisse sobre os preços, desde que as condições do mercado o não impeçam. Então o peso financeiro do sistema de segurança social vem a ser, em última instância, suportado pelos consumidores, de que os trabalhadores são a grande maioria. O inconveniente acentua-se sobretudo no caso de se tratar de bens de consumo inelástico, isto é; destinados a satisfazer necessidades primárias ou generalizadas.
Quanto ao sistema da taxa uniforme, per capita, deve dizer-se que nele resulta ainda mais nítido o inconveniente da degressividade, apontado à contribuição sobre os salários. Tal sistema implica, logicamente, a concessão de prestações também uniformes. É, como se viu, o sistema inglês.
A fórmula do imposto pessoal sobre rendimento pode, como adiante se verá (§ 4.º deste capítulo), proporcionar melhor justiça distributiva, na repartição dos encargos da segurança social, e satisfazer mais amplamente os objectivos de redistribuição dos rendimentos. Mas a sua aplicação só se mostra admissível, à face dos princípios, desde que as prestações financiadas por esse sistema sejam comuns à generalidade da população.
Adoptam o financiamento pelo imposto sobre o rendimento, para um ou mais ramos da «segurança social, os seguintes países: Austrália, Canadá, Checoslováquia, Dinamarca, Finlândia, Holanda, Noruega, Nova Zelândia e Suécia.
Por último, o financiamento por força exclusiva das receitas gerais do Estado tem o grave defeito de nele se perder a noção do custo do sistema, dando lugar à permanente insatisfação dos destinatários e à tendência para se exigirem benefícios cada vez maiores.
O problema da incidência das contribuições, para a segurança social assume aspectos particulares em relação aos chamados trabalhadores independentes.
Dada a impossibilidade de quotização bipartida e a ausência de ordenado ou salário, a fórmula geralmente adoptada é a de uma taxa sobre o rendimento, determinado pelos métodos usuais do direito fiscal ou por outro processo (República Federal da Alemanha, Estados Unidos, Israel, Suíça). Alguns países admitem a inscrição, à escolha do segurado, em um dos vários escalões de rendimentos previstos, aos quais correspondem prestações pecuniárias proporcionais.
Quando o sistema abrange os trabalhadores rurais e equiparados, o método de financiamento apresenta também sérias dificuldades. A propósito dos seguros sociais tivemos ocasião de abordar o problema (supra, n.º 12).
As legislações posteriores à guerra mantiveram, naquele sector, as fontes tradicionais, designadamente: quotas dos segurados, fixas ou variáveis com o salário; contribuições dos patrões, em regra percentagens sobre o rendimento colectável ou o valor locativo das propriedades; subvenções do Estado; taxas sobre certos produtos agrícolas.
47. Pelo que toca ao nível das contribuições, dir-se-á que ele depende:
a) Do esquema de eventualidades;
b) Do nível das prestações;
c) Das possibilidades económicas de cada país e das respeitantes às actividades abrangidas.
O princípio orientador na matéria deve ser o de procurar uma distribuição equitativa do custo do sistema.
Cumpre ter sempre presente que o funcionamento da segurança social não deve criar obstáculos ao desenvolvimento da economia e do rendimento nacionais, dos quais depende a sua própria base financeira.
Ao delinear o esquema de eventualidades, ao estabelecer as condições e o montante dos benefícios, assim como ao determinar o nível das receitas e, consequentemente, o regime financeiro, deverá - como recomenda Zelenka - conceder-se às considerações de ordem económica tanta relevância como às de natureza social.
O melhor sistema não é necessariamente aquele que concede prestações mais vantajosas, mas sim aquele que outorga os máximos benefícios compatíveis com as exigências da economia geral e as de cada sector interessado 60.
48. Para concluir estas considerações esquemáticas sobre o problema das receitas da segurança social, incluem-se seguidamente dois quadros estatísticos.
O primeiro indica as percentagens sobre ordenados e, salários, em países que adoptam aquele método de financiamento. Todos eles, excepto dois (Itália e Portugal), adicionam a essas receitas participações do Estado. Em alguns, tal participação tomou mesmo à sua conta um ramo completo do seguro (v. g., serviços de saúde, invalidez, desemprego).
QUADRO II
Receitas da segurança social
(a) Não inclui o financiamento do seguro de acidentes de trabalho o doenças profissionais, a cargo exclusivo do empresário.
(b) Não inclui os acidentes de trabalho e doenças profissionais, nem as receitas paru os montepios laborales e para o regime de plus familiar. Neste último as percentagens vão de 10 a 30 por conto dos salários.
Fontes: Istituto Nazionale della Previdenza Sociale, Sintesi dei principali sistemi previdenziali del mondo, cit.; Doublet et Lavau, ob. cit., pp. 546 e seguintes.
O segundo quadro revela qual o peso que as receitas da segurança social representam sobre o rendimento nacional, em certo número de países.
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60 Sobre os vários problemas concernentes às receitas da segurança social ver, entre outros: B. I. T., Le financement de la sécurité sociale, Conférence Regionale Européenne, 1955, Rapport III, Genève, 1954; A. Zelenka, Princípios fundamentales, cit., pp. 14 e seguintes; H. Fars, Aspects financiers des assurances sociales, Congrès de l'Institut International des Finances Publiques, 6ème session, 1950, pp. 269 e seguintes; P. Durand, Le financement de la sécurité sociale en France, Congrès cit., p. 339; e La politique contemporaine, cit., pp. 276 e seguintes; B. I. T., La sécurité sociale, cit., pp. 128 « seguintes; Doublet et Lavau, ob. cit., pp. 307 e seguintes; A. Venturi, ob. cit., pp. 380 e seguintes; Association Internationale de la Sécurité Sociale, La sécurité sociale des travailleurs indépendants, Xème Assemblée Générale, Vienne, 1951, Rapport II, Genève, 1952; Revue Internationale du Travail, «La sécurité sociale dans l'agriculture», Fevereiro e Março de 1950.
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QUADRO III
[Ver Quadro na Imagem]
(a) Inclui as receitas do Estado e dos serviços autónomos destinadas à saúde, providência e assistência.
Fonte: B. I. T., Le Coût de la Sécurité Social, Genève, 1958, pp. 161 e seguintes. As cifras deste quadro devem - como recomenda o B. I. T. - ser consideradas com as reservas inerentes a todas as comparações estatísticas internacionais, em virtude de os cálculos incidirem sobre dados que frequentemente não são da mesma natureza. Quanto a Portugal, é de notar que nas receitas da segurança social não se incluíram, por exemplo, as dos serviços e organismos autónomos oficiais de saúde e assistência fora da alçada do respectivo departamento, nem as do Fundo de Desemprego e as relativas às instituições particulares de assistência e associações de socorros mútuos. Em contrapartida, o montante do rendimento nacional português utilizado para 1954 (produto nacional bruto ao custo dos factores) é inferior ao que resulta do apuramento posteriormente publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.
F) Equilíbrio financeiro
49. Nesta matéria, o princípio geral que em nossos dias tende a inspirar os sistemas de segurança é o da solidariedade entre as gerações, em paralelismo com a regra de solidariedade nacional que caracteriza a recolha de meios financeiros 61.
Nos sistemas tradicionais de seguro social, prevalecentes no limiar da última guerra, viu-se ser ainda dominante o regime da capitalização.
A evolução posterior, pondo em foco os perigos deste redime em face de depreciações monetárias rápidas e acentuadas - como aquelas que as consequências do conflito provocaram em grande número de países -, conduziu os técnicos e os governos a procurarem orientar o financiamento dos sistemas de segurança social para o método da repartição.
O problema interessa especialmente, como também se observou, às prestações de velhice, invalidez e sobrevivência.
A tendência parece ser para o abandono da capitalização pura, sem limites no tempo - que punha exclusivamente a cargo de cada geração de segurados a constituição das suas próprias pensões -, estabelecendo-se planos de repartição, com a formação de certo volume de reservas, que garantam durante períodos razoàvelmente longos (cinco a dez anos, em média) a execução dos compromissos assumidos - presentes e futuros -, tendo em conta as perspectivas da evolução demográfica.
Antes do termo de cada período, os cálculos actuariais são revistos no sentido de se prever quais as alterações necessárias - nas receitas ou nas despesas (esta última hipótese de carácter mais teórico do que prático) - para manter o equilíbrio financeiro no período imediato.
A conveniência de não provocar agravamentos bruscos de contribuições de um período para outro aconselha a fazer os cálculos com a prudência e a margem necessárias para que a formação das reservas compense em cada período, quanto possível, a necessidade de tais agravamentos. Não poderão, todavia, evitar-se as dificuldades inerentes à revisão de contribuições em períodos de depressão económica, precisamente quando mais intenso se torna o recurso ao seguro, pela maior incidência de certos riscos (v. g. desemprego, doença).
Trata-se, em suma, de regime misto entre o do prémio constante e o da repartição simples, que admite gama extensa de soluções intermédias, conforme se procure maior estabilidade dos prémios, ou contribuições mais baixas no período inicial.
O problema põe-se, tanto nos sistemas cujos meios financeiros provêm de percentagens sobre réditos do trabalho, como nos que são financiados por meio de impostos especiais sobre o rendimento. Esbate-se apenas nos casos - aliás raros - em que o sistema de segurança está integrado, na sua totalidade ou maior parte, no orçamento do Estado.
Note-se, por último, que, na escolha do método de equilíbrio financeiro, as razões de decidir não podem ser exclusivamente de ordem técnica ou de índole social, mas devem ter em vista, acima de tudo, as circunstâncias de natureza política, económica, e - até psicológica, próprias de cada país - v. g. extensão do sistema de segurança, grau de desenvolvimento económico, situação do mercado de capitais, necessidade de financiar planos de fomento, etc.
Na actualidade, apenas quatro países praticam, na Europa e Médio Oriente, o método da capitalização pura, sob a forma a colectiva» - a Bélgica, o Luxemburgo (artífices), a Turquia e Portugal.
A repartição - simples ou com pequenas reservas - é adoptada nos países cujos sistemas de previdência são exclusiva ou predominantemente financiados pelas receitas estaduais - Dinamarca, Irlanda, Polónia, Checoslováquia, U. R. S. S., Inglaterra, Austrália, Canadá e Nova Zelândia -, bem como na França, Áustria, Islândia e Jugoslávia.
Nos restantes, funcionam regimes mistos, com as características genéricas acima resumidas e com maior ou menor predomínio de um ou outro dos dois métodos clássicos. Na República Federal da Alemanha, por exemplo, o equilíbrio financeiro é assegurado durante períodos de dez anos, devendo poder dispor-se, no fim de cada período, de montante igual às despesas de um ano. Fórmulas semelhantes vigoram na Itália, Suíça, Luxemburgo (operários), Israel, Irão, Espanha, Grécia, Japão e Estados Unidos 62.
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61 Ver, por exemplo, Hans Achinger e outros, Los seguros sociales, tradução espanhola, Ediciones Rialp, S. A. Madrid, 1956, p. 243; Venturi, ob. cit., p. 395.
62 É abundantíssima a bibliografia sobre as questões que suscita o regime financeiro. Citam-se apenas: A. Zelenka, «Quelques remarques sur le regime financier», Conférence International des Actuaires et Statisticiens de la Sécurité Sociale, Bruxelles, 1956, tomo III pp. 376 e seguintes; e «Gestione finanziaria dell' assicurazione pensioni», Previdenza sociale, Novembro-Dezembro de 1958; René Monin, Problèmes de la retràite - Débat capitalisation répartition, Paris, 1958; B. I. T., Sécurité sociale, cit. pp. 118 e seguintes; Institut International de Finances Publiques, Aspects financiers des assurances sociales, 6ème session, Mónaco, Setembro de 1950; P. Burand, ob. cit., pp. 306 e seguintes; Doublet et Lavau, ob. cit., pp. 331 e seguintes; A. Venturi, ob. cit., pp. 399 e seguintes; Association Internationale de la Sécurité Sociale, L'Asaurance-vieillesse, 6 ème Assemblée Générale, Londres, Maio de 1958, Rapport III, Genève, 1958, pp. 80 e seguintes.
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C) Estrutura administrativa
50. O primeiro problema que se põe, em matéria de estrutura administrativa de um sistema moderno de segurança social, é o do lugar que nela cabe às formas de organização tradicionalmente utilizadas na defesa contra os riscos sociais - o seguro obrigatório, a assistência social, o seguro facultativo -, cujas linhas genéricas examinámos no capítulo anterior deste parecer.
Para alguns, semelhantes formas são as mesmas a que a política de segurança social terá de recorrer para aplicar aos fins próprios dessa política os meios técnicos adequados.
Segundo esta tese, a segurança social deverá realizar uma sistematização orgânica desses métodos, integrando num plano de conjunto os sistemas de seguro e de assistência. O seguro social obrigatório será o instrumento fundamental de efectivação da política de segurança. A assistência, designadamente na sua forma pública, representará o método supletivo e complementar dessa política-visando a ocorrer a casos especiais que se mostrem carecidos de auxílio, por não haver direito às prestações do seguro obrigatório, ou por se tratar de contingências não cobertas por este 63.
Outra tese, mais recente, entende que a política de segurança social, para corresponder verdadeiramente ao fundamento e aos fins que informam o seu actual conceito, deve realizar-se através de um ordenamento unitário - essencialmente diverso dos métodos clássicos do seguro e da assistência.
Quanto ao seguro social - diz-se -, embora tendo de comum com ele a função de cobrir as consequências de determinados riscos, a política de segurança distingue-se sobretudo pela posição que no seu ordenamento assume o Estado. Enquanto, no seguro, o Estado se limita a usar do seu poder de império para tornar obrigatória a formação de organismos e a inscrição de contribuintes e beneficiários, pertencentes a determinados grupos sociais, a quem incumbe normalmente o financiamento e a gestão do sistema, a segurança social impõe ao Estado muito mais largas responsabilidades.
Diferenças ainda mais fundas separam, na tese em exame, a segurança da assistência pública. Ao passo que a outorga dos benefícios assistenciais pressupõe prévia avaliação das necessidades do requerente através de acto administrativo discricionário e depende das possibilidades financeiras da entidade requerida, na segurança social o Estado assume obrigações definidas para com os indivíduos, aos quais é reconhecido o direito a determinadas prestações, uma vez verificados os eventos previstos.
Para esta concepção, a política de segurança social, na sua pureza, não utiliza como instrumentos de realização nem o seguro obrigatório nem a assistência pública. Tendencialmente dirigida ao conjunto da colectividade nacional, exige, logicamente, a criação de um serviço público instituído pelo Estado e financiado pelo imposto, sem embargo de o mesmo poder ser gerido por instituições dotadas de autonomia administrativa.
A colectividade nacional assumiria, nesta concepção, a natureza de uma grande mutualidade seguradora, e a atribuição das prestações far-se-ia na base de princípios de justiça distributiva, e não de justiça comutativa, como no seguro 64.
51. Mais do que duas teses em presença, crê-se que estas fórmulas representam, antes, duas fases na evolução da política de segurança social.
A primeira é a que corresponde às realidades presentes, na quase totalidade dos países.
A segunda pressupõe: 1.º a possibilidade de aplicar todos os ramos da segurança ou, ao menos, um deles, à generalidade da população; 2.º a concessão das prestações independentemente do tempo ou volume de contribuições pagas; 3.º o financiamento do sistema pelas receitas públicas ou por um imposto especial; 4.º a administração pelo Estado ou por organismos de direito público.
O único país em que pode dizer-se haver sido instituído um sistema de segurança, para o conjunto dos riscos sociais, sob a forma de serviço público, foi a Inglaterra. E certo que, tanto no relatório Beveridge como na legislação que se lhe seguiu, se fala em «seguro nacional» (national insurance). Mas - nota justamente Alan T. Peacock - é difícil encarar o sistema inglês como de genuíno «seguro», pois, «não existindo qualquer ligação directa entre prémios e riscos, ele assume, antes, a natureza de um serviço público financiado por um pooltax e pelos impostos gerais» 65.
Nos restantes países, sómente pode falar-se em «serviço público» quanto aos ramos da segurança social que reunam os requisitos acima enunciados.
Estão neste caso, para os serviços de saúde, os países, atrás referidos, em que as prestações médico-sociais são comuns à generalidade da população, sem outra condição que não seja o eventual pagamento de certos bens ou serviços prestados: Austrália, Canadá (hospitalização), Islândia, Noruega, Nova Zelândia, Rússia e Suécia.
No que respeita às pensões, têm serviços públicos de «pensões nacionais», além da Inglaterra: o Canadá, a Dinamarca, a Finlândia, Israel, a Nova Zelândia e a Suécia. Na Holanda, Noruega, Suíça e na lei inglesa de 1959 sobre pensões complementares o sistema é mais propriamente de «seguro nacional», pois o quantitativo das pensões varia proporcionalmente ao número de anos de contribuição.
Nenhum país estabeleceu, para o subsídio de doença, o regime de serviço público nem o de seguro nacional. A fórmula generalizada continua a ser, na maior parte das legislações, como se referiu, o seguro obrigatório para determinados grupos sociais (trabalhadores por conta de outrem, em todos ou só alguns ramos de actividade; trabalhadores independentes). Em certo número de países, aquele subsídio é concedido principalmente sob o regime de assistência pública 66.
52. A propósito das várias formas de organização dos sistemas de segurança, e quanto ao emprego do mé-
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63 Neste sentido: B. I. T., Approaches to social security, Genève, 1948, pp. 83 e seguintes; Gascon y Marin, ob. cit., log. cit.; P. Laroque, Revue Internationale du Travail, Junho, 1948, cit. É também a orientação de Beveridge, National insurance and allied services, Report, cit., pp. 120 e 121: «A Plan for social security is outlined below, combining three distinct methods: social insurance for basic needs; national assistance for special cases; voluntary insurance for additions to the basic provision».
64 É a tese sustentada por A. Venturi, ob. cit., pp. 270 a 274, e 596 e seguintes. Em sentido semelhante: P. Durand, ob. cit., pp. 162 a 165; Manuel de Torres, Teoria de la política social, Madrid, Aguilar, 1949, pp. 212 e seguintes; Prof. Eugenio Minoli, «Dal principio assicurativo contratuale alla sicurezza sociale», Atti della XXIII Settimana Sociale dei Cattolici Italiani, Bolonha, 1949, pp. 56 e seguintes; J. Perez Leñero, Fundamentos de la seguridad social, Biblioteca de Ciências Sociales, Madrid, 1956, pp. 147 e seguintes.
65 Alan T. Peacock, «The finance of British national insurance», Institut International de Finances Publiques, 6ème session, Mónaco, Setembro de 1950, p. 341.
66 Sobre este número: Social security programa, cit., passim.
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todo do «seguro social», tem-se levantado o problema de saber se determinadas prestações são susceptíveis de se acomodar tecnicamente ao mecanismo do seguro.
A questão interessa especialmente às prestações médicas.
Afirma-se que a transformação estrutural da medicina na actualidade, o encarecimento e complexidade crescentes dos meios de prevenção, tratamento e recuperação e, além disso, as modificações profundas que a própria morbilidade acusa em nossos tempos (rápida cura de certas doenças até há pouco mortais, intensificação extraordinária de enfermidades outrora raras) fazem com que seja cada vez de mais difícil aplicação, na outorga de prestações sanitárias, o método do seguro social, que exige um mínimo de previsibilidade de eventos e de gastos.
Em estudo publicado pela Associação Internacional de Segurança Social67 observa-se que ca administração dos cuidados médicos pelo seguro social dá frequentemente lugar a particularismos que não se coadunam com a orientação da política da saúde em geral. Gomo o seguro não dispõe, em regara, da totalidade dos meios sanitários, os seus serviços clínicos têm o carácter de serviços incompletos, que não abarcam o complexo da, protecção sanitária do segurado. A integração das prestações médico-sociais no seguro pode ser muito útil a este, mas nem sempre está em condições de permitir que os respectivos serviços possam caminhar no mesmo ritmo da medicina moderna, particularmente no domínio da investigação e da terapêutica, pelo facto dê estas exigirem despesas de equipamento elevadas e quadros especializados».
Por seu turno, o relatório sobre o seguro-doença aprese atado à 13.ª assembleia geral daquela Associação (Londres, Maio de 1958), insere os seguintes passos (f. 3): «O acréscimo constante das despesas do seguro-doença provoca, de um lado, a desproporção entre os direitos dos segurados e as taxas das contribuições e, de outro lado, a tendência para uma intervenção crescente do Estado. Em virtude destes factos, a noção de seguro esbate-se e o direito às prestações funda-se cada vez mais na necessidade destas. (... Os dados do problema das prestações sanitárias são, na maior parte, exteriores ao seguro social, e isso explica que este não possa tomar, por si próprio, as providências requeridas para obter soluções satisfatórias».
Os receios suscitados quanto à perspectiva de acréscimos constantes do custo das prestações médicas, e à consequente imprevisibilidade de gastos, levou a Repartição Internacional do Trabalho a empreender, em data recente, cuidadoso estudo do problema.
As conclusões do trabalho - que abrangeu quinze países, da Europa, Américas e Oceânia, com variados sistemas de segurança social - são esclarecedoras. Apontam-se as mais significativas:
1) Salvo em dois dos países estudados - França e Itália -, a evolução da despesa global com as prestações sanitárias não revelou tendência expansiva, e sim acentuada estabilização. Na Inglaterra, a curva é nitidamente descendente nos últimos anos;
2) Em todos os países examinados - quer o sistema fosse o de seguro social completado com a assistência pública, quer o de serviço nacional de saúde - o custo dos cuidados médicos por habitante, expresso em percentagem da capitação do rendimento nacional por pessoa activa, situou-se entre 1,75 e 2;
3) Em percentagem do montante do rendimento nacional o custo global das prestações sanitárias, em nove dos quinze países referidos, variou entre 3,6 e 4,5;
4) Tais encargos revelaram-se proporcionalmente mais onerosos nos países com serviços médico-sociais pouco desenvolvidos, chegando, por vezes, o custo por habitante a ser mais elevado do que naqueles que dispunham de estrutura sanitária completa;
5) Os serviços de internamento hospitalar são, de longe, os mais dispendiosos, representando cerca de metade do custo total. Nos países com regimes de seguro social restrito aos trabalhadores dependentes, as contribuições patronais e operárias não podem suportar por si só o financiamento daqueles serviços;
6) A limitação no tempo do direito às prestações sanitárias não parece trazer baixa sensível do seu 67a.
Os resultados deste estudo servem, antes do mais, para pôr em relevo um princípio fundamental, em matéria de serviços sanitários, que anda frequentemente esquecido. É que o custo desses serviços não é um custo novo, quando eles passam a ser prestados por intermédio de um sistema de seguro social ou de um serviço público de saúde. Na hipótese de tais organizações não existirem, é sempre a economia nacional que, em última análise, tem de suportar - através das famílias, das empresas, da assistência particular e pública - os encargos com o tratamento dos seus doentes e inválidos. Simplesmente, dada a tradicional insuficiência destes meios de combate à doença, o respectivo custo exprime-se, sobretudo, por elevadas quebras de produtividade - resultado do número maior de dias de trabalho perdido, do baixo rendimento dos trabalhadores deficientemente tratados, do peso morto de milhares de indivíduos não recuperados para a vida activa.
O maior custo monetário dos sistemas de seguro ou de serviço público é afinal mera aparência, pois a falta desses regimes pode ficar na realidade muito mais cara à economia nacional.
Do mencionado estudo internacional cumpre, ainda, concluir não serem razões de ordem financeira que tornam, porventura, inadequado o método do seguro na cobertura das prestações sanitárias. E, acima de tudo, o imperativo do nosso tempo, atrás posto em relevo (supra, n.º 35) - de a sociedade dever assegurar a todos condições idênticas de defesa da saúde e de combate à doença -, que parece conduzir à preferência pelo sistema do serviço público na concessão daquelas prestações.
Isto, porém, não significa que o serviço público de saúde implique a gestão estadual, antes tudo aconselha seja confiado a organismo administrativa e financeiramente autónomo, em cujos corpos gerentes haja representantes de contribuintes e beneficiários. Para tanto, deverá o serviço ser sustentado por receitas próprias, provenientes de imposto especialmente afecto
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7. Z. Petrovic, «La coordination et la collaboration entre les diférentes branches de la sécurité sociale», Bulletin de l´Association Internationale de la Sécurité Sociale, Novembro de 1956, pp. 461 e seguintes.
67a B. I. T., Le coût des soins médicaux - Etudes et documents, nouvelle série, nº 51, Genève, 1959, pp. 94, 96 a 98, 160-161 e 187 a 192. Ver também: Laura E. Bodsner, «Quelques observations sur les causes du déficit des services de soins medicaux», in Bulletin de l'Association Internationale de la Sécurité Sociale, année XIII, Avril-Mai 1960, pp. 228 e seguintes.
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a esse fim, além da participação, em certa medida, dos utentes no custo dos serviços, prestados.
Mas a organização de um serviço público de saúde reclama, necessariamente, a disponibilidade de meios materiais e humanos - instalações, equipamento, pessoal médico e auxiliar - em condições e volume suficientes para atender a toda a população do País. E assenta no pressuposto de que a economia nacional pode suportar o esforço financeiro correspondente.
Enquanto tais condições não se verificarem, deverão manter-se os serviços sanitários do seguro social, pois este constitui ainda o método técnica e socialmente mais apropriado para o alargamento progressivo daqueles serviços ao comum da população, procurando entretanto coordenar-se, por forma eficiente, a actividade dos sectores responsáveis pelo seguro e pela saúde pública.
Não seria admissível, à face dos princípios, a integração dos serviços médicos do seguro social, como tais, no departamento responsável pela saúde pública, só6 pena de se confundirem prémios de seguro e receitas do Estado, com todos os inconvenientes de ordem financeira e social daí resultantes.
O funcionamento de um serviço nacional de saúde implica, por definição, o abandono do regime do seguro, devendo, consequentemente, as prestações sanitárias deixar de fazer parte do respectivo esquema.
Adiante (n.º 94) ter-se-á ocasião de examinar mais detidamente o assunto à face do caso português.
53. Do exposto resulta que, no estádio presente dos sistemas nacionais, a política de segurança social utiliza, essencialmente, três formas ou métodos de realização:
a) O seguro social obrigatório;
b) A assistência social;
c) O serviço público.
Nos países em que predomina o primeiro método - países latinos, Alemanha Ocidental, Suíça, Áustria, Grécia - a assistência social (pública e particular) assume função integradora e supletiva.
Podem ainda aditar-se o "seguro social facultativo o, como instrumento complementar daquela política na generalidade dos países, e o regime da "responsabilidade patronal" para os acidentes de trabalho e doenças profissionais, nos países em que não é ainda obrigatória a transferência para o seguro (v. g., Bélgica, Irlanda, Líbano, Síria, Paquistão, Portugal, e diversos da América Latina).
No emprego dos referidos processos de organização, a política de segurança deve orientar-se por outro princípio fundamental, que hoje se tornou também uma constante da legislação e da prática na generalidade dos países.
Esse princípio é o da unidade.
Representa lógico corolário, não apenas do conjunto de princípios anteriormente examinados - universalidade do sujeito, compreensividade do objecto, eficácia das prestações, solidariedade nacional dos meios financeiros no espaço e no tempo -, mas, acima de tudo, do próprio conceito de segurança social, como sistema unitário de meios e fins.
Só uma acção coordenada, dentro de um plano de conjunto, pode assegurar a articulação harmónica dos meias aos fins da política de segurança, e a execução progressiva dos princípios que a norteiam.
Desta regra essencial da unidade decorrem duas consequências principais:
A primeira é a de que as diversas formas de organização ou meios de ordem superior que estruturam o sistema de segurança - o seguro social, a assistência, o serviço público - devem ser partes integrantes de um todo, e isso impõe a coordenação estreita dos respectivos planos de acção.
A segunda consequência é a de que, dentro de cada um daqueles sectores, a estrutura administrativa deve obedecer também ao critério da unidade orgânica e da acção coordenada.
Importa examinar mais de perto cada uma destas duas ordens de consequências.
54. O processo histórico de formação dos modernos sistemas de segurança social, tal como o percorremos sumariamente no capítulo I deste parecer, explica que, em certos países, a direcção superior dos sectores do seguro social obrigatório, da assistência e dos serviços públicos conexos se mantenha distribuída por departamentos independentes.
E o sistema ainda prevalecente nos países latinos, entre os quais Portugal, e também na Grécia, Turquia, Irão e Israel.
A coordenação entre os vários departamentos obtém-se normalmente, com maior ou menor eficiência; através de dispositivos legais que visam a estabelecer a ligação de certos serviços e a evitar sobreposições de esferas de acção, ou mediante acordos-entre os serviços e organismos interessados.
A fórmula de uma comissão interministerial foi proposta no relatório Beveridge para assegurar a coordenação entre o Ministério da Segurança Social, responsável pela administração dos subsídios e pensões, e o Ministério da Saúde Pública, a que ficava confiado o serviço nacional de saúde.
A separação entre o departamento encarregado do serviço de prestações pecuniárias, incluindo as de natureza assistencial, e o sector das prestações médicas foi a fórmula adoptada, não só pela Inglaterra, mas por alguns dos países que organizaram serviços de saúde completos para o comum da população (Austrália, Nova Zelândia, Rússia).
Noutros países preferiu-se a solução, sem dúvida mais perfeita, de confiar o conjunto dos serviços de segurança social a um só Ministério, responsável por toda a política social. E, por exemplo, o caso da Áustria (Ministério Federal da Administração Social), do Canadá (Ministério da Saúde e Bem-Estar), do Chile (Ministério da Saúde, Previdência e Assistência), da Dinamarca (Ministério dos Assuntos Sociais), do Egipto (Ministério dos Assuntos Sociais), do Equador (Ministério da Protecção Social e do Trabalho), dos Estados Unidos da América (Departamento da Saúde, Educação e Previdência), da Holanda (Ministério dos Assuntos Sociais e Saúde Pública), da Islândia (Ministério dos Assuntos Sociais), do Japão (Ministério da Saúde e Bem-Estar), do .Peru (Ministério da Saúde, Previdência e Assistência Social), da Noruega e da Suécia (Ministérios dos Assuntos Sociais) 6S.
55. O outro plano em que se projecta o princípio da unidade administrativa é o que respeita a cada sector individualmente considerado.
Como se viu, tanto as instituições de seguro social como as de assistência particular tiveram, na maioria dos casos, origem associativa. As primeiras, sobretudo, nasceram por iniciativa de organizações profis-
88 Veja-se: W. Beveridge, Social insurance and allied services, cit., pp. 6, 11, 22 e 23, 67 e seguintes, 145 p. seguintes: P. Durand, ob. cit., pp. 382 e seguintes; A. Venturi, ob. cit., pp. 406 e seguintes; Social securíty programs, cit.: Z. Petrovic, "La coordination entre les différentes branches de la sécurité sociale", cit., pp. 458 e seguintes.
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sionais 01 patronais, de mutualidades, e, ao longo dos anos, conservaram na essência idêntico campo de acção. Mesmo quando provieram de acto dos poderes públicos, frequentemente o Estado lhes atribuiu também índole profissional ou lhes fixou o âmbito de toda lima actividade económica. E ainda, por vezes, essas instituições administravam apenas um ou outro ramo do seguro.
Semelhante processo histórico deu lugar à multiplicidade dos organismos, dificultando os esforços no sentido de imprimir unidade à política de segurança e integrar o sistema num plano de conjunto.
Pelo que toca em especial ao seguro obrigatório, os inconvenientes de o sistema assentar exclusivamente em instituições de base profissional ou por sectores de actividade são, sobretudo, de ordem técnica e de ordem social.
Antes do mais, a organização profissional ou económica impede a compensação dos bons e maus riscos, que é da essência do seguro. Assim, umas instituições terão de suportar, em certas profissões e indústrias, riscos mais frequentes ou onerosos, o que exige maiores receitas dó que nas restantes - porventura excessivas para os segurados - ou a diminuição dos benefícios, sem o que a instituição estará condenada ao déficit.
Ora, estas consequências são contrárias ao sentimento de igualdade de sacrifícios e vantagens que está na base de uma sã justiça social.
Para obviar a tal inconveniente, utiliza-se, por vezes, o sistema da compensação financeira entre instituições, ou o do alargamente do respectivo âmbito a categorias profissionais ou actividades diferentes - o que equivale, na prática, a desvirtuar o princípio do campo de acção profissional ou económico.
Do ponto de vista administrativo, a organização deste tipo acarreta a fragmentação da actividade sanitária do seguro social e a sobreposição de instalações e serviço:;. Isso contraria a gestão económica do sistema, dá lugar a conflitos de competência entre as instituições e estimula a fraude por parte dos beneficiários.
A disparidade de contribuições e benefícios entre instituições tem ainda outro efeito nefasto: o de provocar deslocações de trabalhadores para certas zonas, sem correspondência com acréscimos de procura de mão-de-obra nas actividades aí instaladas. E, por exemplo, um dos factores do êxodo rural, quando as instituições próprias os meios agrícolas concedem benefícios inferiores às dos meios urbanos.
Estas circunstâncias, além de outras, levaram a considerar preferível, para o seguro obrigatório, uma organização de base que obedeça a um princípio unitário e de compensação intersectorial.
Nesse sentido, a fórmula geralmente tida por mais satisfatória é a do âmbito geográfico, sem prejuízo da coordenarão orgânica do sistema no seu conjunto.
A natureza própria das prestações a curto prazo (serviços sanitários, subsídios de doença, maternidade, desemprego e abono de família), exigindo contactos frequentes e directos entre a entidade que concede a prestação e o beneficiário, impõe uma acentuada descentralização dos serviços.
A descentralização, porém, não deve obstar, por um lado à unidade administrativa dos vários ramos do seguro (sem prejuízo da respectiva contabilidade separada) e, por outro lado, à Compensação geral do custo do sistema. Estes dois aspectos têm de ser coordenados ao plano nacional.
No tocante ao seguro-pensões (invalidez, velhice, sobrevivência), o contacto com os interessados é necessário no momento da subjectivação do direito à pensão.
Já o pagamento periódico desta pode ser assegurado a distância (cheque, vale do correio, etc.).
Nas pensões de invalidez, exige-se ainda, de vez em quando, a verificação do estado do inválido e, nas de velhice, a prova de vida, em regra feita mediante a apresentação do pensionista.
Trata-se, no entanto, de contactos relativamente pouco frequentes, susceptíveis de serem assegurados pelos mesmos órgãos periféricos que administram os outros ramos do seguro.
A compensação nacional do custo do sistema implica, neste sector dos seguros diferidos, não só a existência de um órgão integrador no plano nacional, mas a própria centralização dos meios financeiros.
Escusado acentuar que semelhante organização não proíbe, antes aconselha, que as instituições territoriais disponham de certa autonomia administrativa e financeira, sem embargo da necessária observância dos princípios da unidade orgânica e da compensação nacional. E que nos respectivos corpos gerentes, assim como nos do órgão central, intervenham delegados dos contribuintes e beneficiários, designados pelos seus organismos representativos.
A estrutura que acaba de resumir-se diz naturalmente respeito à organização básica do seguro social, destinada à concessão de benefícios generalizados e, por isso mesmo, correspondentes a certos níveis considerados mínimos. Acima destes, deve reconhecer-se às empresas e aos organismos económicos e profissionais o direito de criarem instituições de inscrição obrigatória, com vista a melhorar os esquemas de base, observadas as condições legais..
A tal respeito é eloquente o caso inglês, posto em relevo na proposta de lei apresentada ao Parlamento sobre as pensões de velhice, de que resultou a citada lei de 1959 sobre o seguro nacional. Foi extraordinário o desenvolvimento, em Inglaterra, nos últimos anos, das instituições de base empresarial ou corporativa (ocupational schemes), criadas por iniciativa dos interessados para completar o esquema nacional de
No que se refere aos sectores da assistência social e dos serviços públicos de segurança, quando existam, é evidentemente válido o mesmo princípio, da unidade de direcção e coordenação, sem prejuízo da necessária autonomia que deve ser reconhecida às respectivas instituições e organismos, e da ampla descentralização dos que se destinem a assegurar as prestações sanitárias 6e.
H) Síntese dos princípios da segurança social
56. A semelhança do que se fez no final do capítulo I, a propósito dos sistemas de protecção social no limiar da última guerra (supra, n.º 24), julga-se útil resumir neste momento as tendências gerais em que se enquadra a moderna política de segurança social:
a) Quanto ao campo de aplicação:
Tendência para a progressiva generalização dos sistemas de segurança social a todos os residentes no país ou, pelo menos, a todos os que exerçam uma actividade profissional (trabalhadores por
89 Ver: B. I. T. La sécuríté sociale, cit., pp. 145 e seguintes; P. Durand, ob. cit., pp. 242 e seguintes e 349 e seguintes; Alan B. Fisher, ob. cit., pp. 133 e seguintes; Revue Internationale du Travail, "Les tendances de la sécurité sociale", cit., Julho de 1949, pp. 41 e seguintes, A. Venturi, ob. cit., pp. 412 a 414; Ministry of Pensiona and National Insurance, Provision for Old Age, cit., pp. 7-8. "
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conta de outrem e independentes) e respectivos familiares (princípio da universalidade); Carácter mais imperioso daquela tendência no tocante à defesa da saúde (prestações sanitárias).
b] Quanto às eventualidades:
Tendência para cada sistema nacional abranger na protecção todos os riscos específicos da vida social (princípio da compreensividade);
Manutenção da regra da definição legal dos tipos de eventualidades abrangidas pelo sistema de segurança (tipicidade).
c) Quanto às prestações:
Seja qual for a sua natureza, devem assegurar uma protecção adequada e suficiente (princípio da eficácia).
Aplicações deste princípio:
1) Quanto às prestações em geral - tendência para não limitar a sua duração enquanto se mantiverem as consequências da eventualidade a que respeitam, e para não condicionar rigidamente a concessão ao pagamento anterior de certo volume ou tempo de contribuições;
2) Quanto às prestações médicas - organização de serviços de defesa da saúde (prevenção, tratamento e [reabilitação) completos, eficientes e iguais para todos os grupos sociais abrangidos pelo sistema ;
3) Quanto aos subsídios em dinheiro - tendência para que eles representem certas fracções dos réditos anteriores à verificação do risco, quer em função do salário, quer de classes de rendimento;
4) Quanto às pensões - regra idêntica à dos subsídios em dinheiro ou, em certos países, fixação de pensões mínimas nacionais uniformes; tendência geral para atribuir carácter familiar às pensões e para admitir o reajustamento das subjectivadas às variações sensíveis do custo da vida.
d) Quanto aos meios financeiros:
Propensão para substituir o sistema das quotizações sobre salários por impostos especiais sobre o rendimento, quando um ou mais ramos da segurança se estendam à generalidade da população (princípio da solidariedade nacional).
e) Quanto ao regime de equilíbrio financeiro:
Tendência para passar do regime de capitalização pura ao de repartição mitigada, mediante prémios escalonados por períodos relativamente longos - cinco a dez anos (princípio da solidariedade entre as gerações).
f) Quanto à estrutura administrativa:
1) Nas formas gerais de organização - evolução previsível no sentido de os regimes de seguro social, até agora dominantes na maior parte das legislações, e os de assistência pública, prevalecentes noutros países, cederem gradualmente o lugar à organização de serviços públicos, na medida em que seja possível alargar um ou mais ramos de eventualidades e prestações ao comum da população, sem dependência do pagamento anterior de certo volume ou tempo de contribuições e da situação económica dos beneficiários. Aquela evolução é anais instantemente -reclamada no caso das prestações médicas e pensões de velhice;
2) Na orgânica institucional - tendência generalizada para a unificação administrativa e a coordenação central do sistema, quer no sector sob a forma de serviço público, quer nos de seguro social ou assistência pública, com ampla descentralização, sempre que necessário (princípio da unidade); No sector do seguro obrigatório, o princípio implica a unificação das instituições na base geográfica, coordenando-se, no plano nacional, a administração e o custo do sistema - sem prejuízo da criação de instituições de base empresarial ou corporativa destinadas a melhorar os esquemas da organização nacional ou a enquadrar certos grupos sujeitos a condições particulares.
§ 4.
Segurança social e economia nacional
57. Todo o sistema de segurança social, na medida em que determina, por um lado, a absorção de amplos meios financeiros e, por outro, a outorga de prestações (dinheiro, bens, serviços) igualmente vultosas, exerce profunda influência sobre a economia nacional, quer no aspecto da produção, quer no da distribuição e consumo da riqueza.
Importa, por isso, examinar, ainda que de modo sumário, as relações entre a política de segurança social e a economia - tendo em vista o sistema de economia de mercado.
Convém focar, separadamente, os efeitos económicos:
a) Da recolha de contribuições;
b) Da acumulação de fundos;
c) Da outorga das prestações.
A) Efeitos económicos da recolha de contribuições
58. 1) No aspecto da incidência dos meios financeiros, põe-se em primeiro lugar a que respeita u s quotizações sobre salários pagas pelos trabalhadores.
O encargo constituído por essas quotas equivale, no fundo, a um imposto sobre o rendimento e pode, em maior ou menor grau, ser transferido para a empresa, consoante as condições do mercado de trabalho e a posição relativa das organizações sindicais (patronais e operárias).
Se a procura exceder a oferta de mão-de-obra, ou os organismos representativos dos trabalhadores dispuserem de maior força contratual, é de prever que uma parte, ao menos, das contribuições operárias seja repercutida sobre as empresas.
No caso contrário, não haverá transferência, e o encargo, será integralmente suportado pelos trabalhadores - aliás, a hipótese que mais frequentemente se verifica.
Relativamente às contribuições sobre salários a cargo das empresas, podem elas repercutir-se sobre os trabalhadores, implicando uma diminuição dos salários ou impedindo a sua melhoria, assim como podem incorporar-se no custo de produção e assumir, neste caso, a natureza de um imposto indirecto sobre o consumo. O primeiro efeito está condicionado pelos mesmos factores acima examinados para as contribuições opera-
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rias. O segundo traduz-se por uma maior ou menor elevação dos preços de venda, consoante as condições do mercado dos respectivos produtos e a elasticidade da procura. Em semelhante caso, a entidade que, de facto, paga as contribuições para a segurança social é o consumidor.
Este último fenómeno, dada a sua generalidade, requer, porém, mais algumas reflexões.
De modo esquemático, pode dizer-se que, se se trata de produtos de procura rígida (bens primários ou de consumo generalizado) e não sujeito a tabelamento, o peso daquelas contribuições é, em princípio, integralmente suportado pelo comprador, mas o consumo desses bens não sofre redução sensível.
Se, ao invés, a procura reveste certa elasticidade, são de esperar contracções do consumo e, então, uma parte do ónus cãs quotizações ficará a cargo das empresas que não consigam escoar suficientemente a sua produção. Numa segunda fase, pode o fenómeno repercutir-se sobre os trabalhadores, se as empresas não conseguirem reajustar os seus custos sem reduções sensíveis nos efectivos de mão-de-obra.
Esta última consequência é, no entanto, susceptível de ser compensada, em certa medida, por virtude dos acréscimos de consumo que o fluxo das prestações de segurança social proporciona ao mercado.
2) A outra forma, hoje progressivamente adoptada, de recolha de meios financeiros para a segurança social, é, como vimos, a do imposto especial sobre o rendimento.
Na parte a cargo dos beneficiários, as repercussões desta modalidade de financiamento não divergem muito das das quotizações sobre salários. Vão incidir principalmente sobre a procura de certos bens e serviços, na medida em que o imposto provoque redução dessa procura pelos contribuintes. De outro lado, porém, a outorga d 3 prestações fará incrementar o consumo de outros bens e serviços. O resultado final será uma alteração das curvas de oferta e procura, com os inerentes reflexos na produção.
Relativamente às empresas, o imposto sobre o rendimento com destino à segurança social, se incidir em rendimentos líquidos, ou seja, nos lucros efectivamente realizados não constitui elemento do custo marginal e, portanto, não irá repercutir-se sobre os preços. Somente a longo prazo e dadas certas circunstâncias - v. g., tributação desigual de lucros entre vários ramos de actividade de molde a provocar transferências de capitais - aquele imposto pode, através de uma redução da oferta nas actividades desfavorecidas, provocar encarecimento dos preços de venda.
Já um imposto, não sobre rendimentos líquidos, mas sobre lucros presumidos, é susceptível de repercutir-se sobre os preços e ter, por consequência, os mesmos inconvenientes que acima apontámos às contribuições patronais sobre os salários.
59. Considerando agora a economia nacional no seu conjunto, deve dizer-se que a recolha de meios financeiros tem, como pressuposto e como limite, o nível do rendimento nacional.
O ónus representado pelas contribuições para a segurança social não deve acarretar obstáculo ao regular desenvolvimento do produto nacional, sendo certo constituir este a própria fonte onde se alimenta e sistema de segurança.
Designadamente, não poderá aquele ónus, pelo seu nível excessivo, contrariar o espírito de iniciativa do empresário, a justa compensação do capital, a formação da poupança e o estímulo ao aperfeiçoamento da organização técnica e económica das empresas, no sentido do acréscimo da produtividade e da redução dos custos.
A percentagem que as receitas da segurança social representam sobre o rendimento nacional pode variar, e varia efectivamente, de Estado para Estado, conforme resulta das cifras que noutro lugar se inseriram (supra, n.º 48). Isso deponde, essencialmente, do grau de desenvolvimento, económico de cada país e da extensão dos respectivos programas de segurança social. Mas, no fundo, o que interessa é que essa percentagem não se agrave em ritmo mais acelerado do que o correspondente ao acréscimo do produto. E, quanto ao seu valor absoluto, é evidente que os países com baixo rendimento nacional não podem aplicar a fins de segurança a mesma proporção desse rendimento que os países ricos e económicamente evoluídos.
A política de segurança deve, pois, ser concebida e executada de modo a acompanhar, e não a preceder, a elaboração e aplicação dos planos de desenvolvimento económico.
B) Efeitos económicos da acumulação de fundos
60. O problema da aplicação dos valores acumulados pela segurança social e dos seus efeitos na economia põe-se exclusivamente em países que conservam o regime financeiro da capitalização pura, ou outro com forte proporção de reservas.
Os reflexos económicos desses capitais consistem, de modo geral, em pressões deflacionistas, sendo certo implicarem uma poupança forçada e uma recolha de meios de pagamento em montante superior ao representado pela outorga das prestações.
Isso sucede nomeadamente na parte em que tais dinheiros estejam investidos em acções e obrigações de empresas privadas, pois à produção acrescida que esses capitais promovem não corresponde, caeteris paribus, incremento generalizado de meios de pagamento.
Somente na medida em que os mesmos fundos, quando aplicados em títulos do Estado, sejam utilizados por este em despesas de consumo, pode aquele efeito deflacionista ser contrariado.
É claro que semelhante efeito tem inconvenientes para a regular expansão económica quando ultrapasse certos limites ou se mantenha por períodos longos, como é próprio dos regimes de capitalização. Mas, por outro lado, não deve esquecer-se que, nos países com penúria de capitais e necessidades prementes de desenvolvimento económico, a acumulação de fundos da segurança social permite, em apreciável medida, financiar programas de fomento, e, portanto, repercutir-se favoravelmente em toda a economia nacional.
Em contrapartida, torna-se necessário evitar que a desacumulaçao de reservas, resultante da tendência, hoje marcada, para substituir aqueles regimes por outros em que predomina a repartição, seja feita bruscamente, a fim de prevenir reflexos inflacionistas - regra geral mais nefastos do que os contrários.
C) Efeitos económicos da outorga das prestações
61. Resta aludir aos influxos que a concessão das prestações de segurança social determina na economia.
Enquanto a recolha e aplicação dos meios financeiros se repercute mais directamente no domínio da produção de bens e serviços e no do volume de emprego, o recebimento de prestações - em dinheiro e em espécie - tem efeitos simultaneamente sobre a produção, a distribuição e o consumo.
E no aspecto da produção que principalmente incidem as críticas sobre os reflexos danosos da segurança
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para o desenvolvimento da economia e para o equilíbrio social.
Afirma-se que, quanto mais se alarga a protecção contra os riscos sociais, mediante amplos benefícios dispensados pelos sistemas de segurança, tanto mais se contribui para debilitar a iniciativa, enfraquecer o sentido da responsabilidade individual perante as vicissitudes da vida, estiolar o sentimento de previdência e o espírito de poupança.
A degradação destas qualidades - acrescenta-se - é fatal para a economia, porque conduz inevitavelmente à diminuição do rendimento nacional. E os primeiros a sofrer as consequências serão precisamente os que se procura defender através da segurança social.
Mas o argumento não convence. Como nota o Prof. Francesco Vito, o rendimento- nacional depende, sem dúvida, da iniciativa individual, do gosto pelo risco, do espírito de aforro - mas depende também de outras qualidades do homem. E, nestas, destacam-se as que dizem respeito à conservação da capacidade de trabalho, ao estado de saúde e à libertação da incerteza sobre o dia de amanhã.
E mister não esquecer que o nível da produtividade, e portanto também o do rendimento nacional, está em relação directa com as energias físicas e morais de cada povo.
Ora um sistema de segurança social visa, justamente, não só a libertar o homem da preocupação de que os seus meios materiais desçam abaixo do limite compatível com a dignidade humana ou a própria existência, mas ainda a defender a saúde, proteger a maternidade, tratar a doença e recuperar os indivíduos para a vida "activa.
Se o primeiro objectivo pode, nalguns casos, ser acompanhado de consequências negativas, não há razão para supor - e a experiência assim o demonstra - que os resultados positivos de um sistema equilibrado de segurança não compensem largamente aquelas consequências.
Diz-se, por vezes, que nos países menos desenvolvidos é necessário aplicar o máximo volume de capitais em a investimentos produtivos". Esquece-se que o homem é o "capital" mais precioso. Os investimentos na saúde, assim como na. instrução, não são apenas o pressuposto do desenvolvimento dos recursos naturais - são condição essencial para o incremento da capacidade produtiva.
Ouçamos as palavras do Prof. Vito: "A segurança social não é inimiga do progresso económico, nem representa obstáculo à formação1 do rendimento nacional. Pode eventualmente agir de modo desfavorável sobre o comportamento de alguns indivíduos; mas correctivos oportunos permitem neutralizar tais efeitos. E repare-se, afinal, que o espírito de iniciativa, a energia para afrontar os riscos e a propensão para o aforro requerem, eles próprios, um mínimo de segurança" 70.
Deve acrescentar-se que, no concernente ao espírito de poupança individual, a experiência do comum dos países onde vigoram sistemas completos de segurança social demonstra não terem esses sistemas obstado à formação regular do aforro. Este depende sobretudo da confiança na estabilidade da moeda.
62. Vejamos agora os efeitos da outorga das prestações de segurança social sobre a distribuição dos bens económicos.
Na medida em que o valor dessas prestações é recebido, na sua maior parte, por grupos sociais de baixa capitação de rendimentos, cuja contribuição para a segurança foi de montante sensivelmente menor, pode supor-se que o sistema é susceptível de determinar uma redistribuição vertical (ou pessoal) de riqueza, em benefício daqueles mesmos grupos.
Para isso, porém, seria necessário que os encargos da segurança sobre a produção não viessem a repercutir-se sobre os preços dos bens de consumo, pois, de outro modo, as classes mais desfavorecidas vêem o benefício resultante das prestações anulado, no todo ou em parte, pelo agravamento do custo da vida - o que equivale a elas próprias pagarem, por via indirecta, o custo dessas prestações.
Nesta hipótese, que é, aliás, a que mais frequentemente se verifica, haverá, sobretudo, uma redistribuição horizontal, dentro de cada grupo (dos activos para os inactivos, dos sãos para os doentes, dos solteiros para os que têm encargos de família, etc.), ou, mais propriamente, oblíqua, na medida em que não sejam de todo eliminadas certas transferências entre grupos com diferentes escalões de rendimentos. Semelhante redistribuição, embora socialmente útil, não modificará por forma sensível o panorama da repartição dos rendimentos.
Não é outro, como se viu, o resultado das contribuições patronais sobre os salários, na medida em que elas se incorporam no custo de produção e no preço pago pelo consumidor. O financiamento mediante uma contribuição sobre os lucros líquidos das empresas pode, de algum modo, impedir aquela consequência.
A incidência de taxas sobre produtos agrícolas com destino à segurança social apresenta a mesma desvantagem de se traduzir por acréscimos dos preços, com a agravante de ir onerar, em regra, bens de procura rígida e generalizada, cujos consumidores são, na grande maioria, as classes de menores rendimentos.
Em França, onde a segurança social é custeada essencialmente por intermédio de contribuições salariais e taxas sobre produtos da terra, as estatísticas revelam não se haver obtido sensível redistribuição de rendimentos entre a classe trabalhadora e as restantes. Como se lê num estudo recente, "os limites à generalização da segurança social, a não progressividade das quotizações, a existência de um plafond para estas, a participação crescente do Estado no financiamento de certos regimes ..., têm tido como consequência a manutenção, senão o abaixamento, da parte do rendimento nacional distribuído aos trabalhadores a partir da guerra" 71.
Também em Inglaterra, não obstante a generalização do sistema de segurança social, o financiamento mediante taxas fixas, embora diferenciadas por agrupamentos da população, não tem determinado uma apreciável redistribuição vertical. Esta conseguiu-se, sobretudo, por meio da política fiscal e dos impostos progressivos sobre o rendimento 73.
70 Prof. Francesco Vito, "Sicurezza sociale e reddito nazio-nale", Atti delia, XXIII Settimana sociale dei cattolici italiani, cit., pp. 90 a 93.
71 Doublet et Lavau, ob. cit., p. 444. No mesmo sentido: Raymond Barre, Economie politique, Paris, Presses Universitaires de France, 1956, vol. n, pp. 228 e seguintes; Alain Barrère, Politique financière, Paris, Dalloz, 1959, pp. 511 e seguintes.
72 Veja-se Alan T. Peacock, Incarne reãistribution and social policy, London, Jonathan Cape, 1954, p. 157, que apresenta o seguinte quadro relativo à "Working class", com rendimentos anuais até 499 libras:
Milhões de libras
Anos Taxas pagas Benefícios recebidos Resultado liquido
1938 ................. 499 417 62
1947.................. 1 589 1 374 311
1948 ................. 1 757 1 446 311
1949 ................................................ 1 791 1 652 139
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Cumpre, .pois, concluir que o efeito de redistribuição da segurança social, com os métodos clássicos de financiamento, opera principalmente no sentido horizontal, dentro de cada grupo, e só em medida muito limitada provoca transferências entre os vários escalões sociais de rendimentos.
63. Por último, as prestações sociais exercem uma influência apreciável sobre a orientação do consumo.
Os subsídios em dinheiro e as pensões substituem, em certa medida, os salários e têm, naturalmente, a mesma aplicação destes, isto é, a de se destinarem a despesas de consumo.
As prestações em espécie, especialmente as de carácter sanitário, vão em grande parte favorecer a procura de certos produtos - v. g. medicamentos, aparelhos de prótese e ortopedia, artigos para radiografias e análises, etc.
Além disso, as prestações médico-sociais constituem um factor de acréscimo das despesas com serviços clínicos, embora aqui também com um efeito simultâneo de redistribuição horizontal dentro da classe médica.
No ponto de vista geral, a acção estimuladora do consumo global que as prestações sociais proporcionam é factor importante de estabilidade da economia 73.
CAPITULO III
O sistema português
€ 1.º
Elementos. Princípios orientadores
64. O sistema português de protecção contra os riscos sociais (na metrópole) compõe-se essencialmente de quatro elementos:
a) Uma organização de seguro social obrigatório - a previdência social 74 ;
b) Um sector de serviços oficiais de sanidade geral e acção hospitalar;
c) Uma organização de assistência social (oficial e particular) ;
d) Um conjunto de instituições de seguro facultativo, no qual se pode incluir o regime de responsabilidade patronal pelos riscos profissionais.
65. Este complexo de elementos - correspondente às várias formas de organização dos sistemas de segurança soe ai referidas no capítulo anterior - , embora acuse, entre nós, como se verá, deficiências de coordenação orgânica, obedece na sua contextura a determinados princípios comuns de natureza ético-política - designadamente no que diz respeito à posição do Estado, dos corpos sociais e dos indivíduos no sistema de segurança.
Tais princípios podem assim enunciar-se, sumariamente:
1.º A defesa contra os riscos específicos da vida social incumbe, em princípio, à. iniciativa privada dos indivíduos, das famílias, dos corpos sociais -, que a lei considera como ao mais fecundo instrumento do progresso e da economia da Nação" (Estatuto do Trabalho Nacional, artigo 4.º).
2.º Ao Estado incumbe, porém, suprir e integrar as faltas e insuficiências da acção privada nesse domínio, - cabendo-lhe, designadamente, "coordenar, impulsionar e dirigir todas as actividades sociais" (Constituição, artigo 6.º, n.º 2.º), "definindo e fazendo respeitar os direitos e garantias impostos pela moral, pela justiça ou pela lei" (idem, artigo 6.º, n.º 1.º), entre os quais "o direito à vida e integridade pessoal" e "o direito ao trabalho" (idem, artigo 8.º, n.ºs l.º e l.º -A). No mesmo sentido, compete ao Estado "defender a saúde pública", assegurar a "defesa da família", "proteger a maternidade" e "zelar pela melhoria, das condições das classes sociais mais desfavorecidas, procurando assegurar-lhes um nível compatível com a dignidade humana" (idem, artigo 6.º, n.08 3.º e 4.º, e artigos 12.º e 14.º, n.º 2.º).
3.º A larga acção supletiva, coordenadora e directiva do Estado, embora confira natureza pública aos serviços e organismos por ele criados, não implica necessariamente a gestão oficial. For um lado, a lei atribui aos interessados o financiamento e a participação na vida administrativa das instituições de previdência, mesmo quando criadas por iniciativa estadual. Por outro lado, considera dever fundamental do Estado o de autorizar, promover e auxiliar a formação de organismos de natureza privada com fins complementares de previdência ou assistência (Constituição, artigos 16.º e 41.º; Estatuto do Trabalho Nacional, artigo 48, § 1.º; Lei n.º 1884, artigo 9.º e 12.º; Estatuto da Assistência Social, base III).
Destes princípios, mormente do segundo, infere-se que, no sistema português de protecção contra os riscos sociais, cabem ao Estado funções de primacial relevo em tudo quanto importe ao conjunto do agregado nacional.
Ë assim que, na organização da previdência social, o Estado impõe a obrigatoriedade do seguro (Estatuto do Trabalho Nacional, artigo 48.º, § 2.º; Lei n.º 1884, artigo 3.º); toma a iniciativa da criação ou do alargamento de âmbito de certas instituições (Decreto-Lei n.º 32 674, de 20 de Fevereiro de 1943, artigo 1.º; Decreto-Lei n.º 23 051, de 23 de Setembro de 1933, artigo 1.º, § 2.º; Decreto n.º 37 751, de 4 de Fevereiro de 1950, artigo 1.º); orienta e fiscaliza superiormente a actividade de toda a organização (Lei n.º 1884, artigo 14.º).
Em matéria de saúde e assistência social - o Estado dirige a respectiva política, toma a seu cargo os serviços de sanidade geral e outros que o interesse público aconselhe a manter sob a sua alçada, como a organização hospitalar de base, e orienta, tutela e inspecciona todos os organismos, instituições e serviços de saúde ou assistência (Estatuto da Assistência Social, bases III e XXXI; Lei n.º 2011, de 2 de Abril de 1946, base XIX).
A posição assumida pelo Estado Português no conjunto das actividades ligadas à segurança social traduz-se, na prática, por uma acentuada relevância dos serviços, organismos e instituições do sector público e semipúblico (seguro social), em confronto com os de natureza particular, se se tomar por base a importância dos meios materiais disponíveis, que naturalmente se reflecte no valor das prestações outorgadas.
Assim, no sector do seguro social, enquanto as instituições de previdência obrigatória - excluindo as do funcionalismo público - arrecadaram, em 1959, receitas no montante de 2 259 348 contos e gastaram em benefícios concedidos e outras despesas 1 248 172 con-
73 Doub et et Lavau, ob. cif., pp. 442 e 443; Revue Internationale du Tracail, "StabilLté economique et eécurité sociale", Maio de lí58, pp. 489 e seguintes.
74 A expressão "previdência social" foi utilizada pelo legislador de 1 )33-1935 para distinguir o regime então instaurado do de "seguros sociais obrigatórios", de 1919, que na maior parte nunca chegou a ter execução. Mas o termo possui um sentido lexicológico mais amplo do que o de "seguro", pois abrange, além da "repararão", a própria "prevenção" dos riscos. No direito positivo português, tem, contudo, o significado restrito de "seguro social".
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tos, as de seguro social facultativo (associações de socorros mútuos) tiveram no mesmo ano 97 769 contos de receita e 81 640 contos de despesa 75.
No sector da saúde pública e assistência social, as despesas de funcionamento e investimento dos vários departamentos do Estado naquele ano (segundo o mapa n.º 15, anexo ao Relatório da Conta Geral do Estado de 1959) somam 701 700 contos. Adicionando-se a esta cifra os recursos próprios dos organismos e estabelecimentos oficiais de saúde e assistência não incluídos no orçamento do Estado (356 418 contos, segundo a previsão para 1960), atinge-se valor superior a 1 milhão de contos, ao passo que os réditos privativos das instituições particulares de assistência andam ao redor das quatro centenas de milhares de contos 70.
§ 2."
O sector da previdência social obrigatória A) Preliminares
66. A organização de previdência social, cujas bases foram lançadas em 1933 pelo Estatuto do Trabalho Nacional (artigos 34.º, 48.º e 49.º), e completadas, dois anos depois, pela Lei n.º 1884, de 16 de Março de 1935, abrange três ramos77:
1) Indústria, comércio e serviços;
2) Agricultura;
3) Pesca.
Como era natural, pretendeu-se que a previdência obrigatória constituísse a base por excelência do sistema de protecção contra os riscos sociais, à semelhança do que sucedia na generalidade dos países.
A assistência social deveria assumir, em relação à previdência, uma função supletiva e complementar (Estatuto da Assistência Social, base vi, n.º 2).
São estes os princípios legais, mas, na prática, apenas os sectores do comércio, indústria e serviços acusam expansão satisfatória do seguro social, com um índice de cobertura da respectiva população activa de cerca de 70 por cento. Na pesca, a notável obra de protecção realizada, que abarca praticamente toda a comunidade piscatória, utilizou sobretudo fórmulas assistenciais. Na agricultura, os obstáculos que, em toda a parte, dificultam a sua inclusão na previdência obrigatória revelaram-se, entre nós, particularmente acrescidos, não permitindo que o índice de cobertura da população rural pelas Casas do Povo tivesse ido além de um quinto, nem que os respectivos benefícios se situassem, na maior parte dos casos, acima de níveis modestos. Tudo isso se verá melhor na alínea seguinte.
B) Campo de aplicação
67. Indústria, comércio e serviços. - O princípio legal é o de que a previdência obrigatória deve abranger tendencialmente, "em realização progressiva", todos os trabalhadores, quer por conta de outrem, quer por conta própria. É o que expressamente se consagra no artigo 48.º do Estatuto do Trabalho Nacional.
Os familiares a cargo do chefe de família são igualmente incluídos para efeitos de assistência médica e medicamentosa (Decreto n.º 37 762, de 24 de Fevereiro de 1950, artigo 15.º, e Portaria n.º 17 964, dê 23 de Setembro de 1960).
Em 31 de Dezembro de 1959, o número global de beneficiários das caixas sindicais e das caixas de reforma ou de previdência era de 863 723 e o de familiares de 833 5097S.
Que proporção representam estas cifras em referência ao total da população activa nos três ramos acima considerados ?
O quadro seguinte fornec"e alguns dados elucidativos:
QUADRO IV
População segurável e população segura (1959)
(Estimativa)
[... ver tabela na imagem]
Trabalhadores Familiares
Ramos do actividade Seguráveis - Milhares Seguros - Milhares Percentagens Seguráveis- Milhares Seguros- Milhares Percentagens
Agricultura, silvicultura e pecuária 1279 251 19,6 1868 316 16,9
Pesca _ 55 _ _ _
_
Indústrias, comércio e serviços 1 239 864 69,7 1 350 834 61,8
Fonte: Instituto Nacional de Estatística, Recenseamento Geral da População, 1950, t. m, vol. 1.º; Anuário Demográfico, 1959; Organização Corporativa e Previdência Social, 1959.. As estimativas sobre a população segurável suo provisórias e baseiam-se no censo de 1950, considerando as categorias sócio-profissionais de "empregados", "assalariados", "isolados" e "pessoas a cargo do chefe de família". Tomou-se uma taxa de crescimento da população de 1950 para 1959 idêntica à da população total. Na realidade, esta taxa deve ser um pouco superior nas indústrias e serviços e inferior no sector primário, por efeito das deslocações da população activa deste para aqueles, numa economia em expansão como a portuguesa. A categoria ((isolados" supôs-se coincidir em larga medida com a de "trabalhadores independentes" ou "por conta própria", abrangida em princípio pelo seguro (artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 32 674, de 20 de Fevereiro de 1943). A estimativa sobre o número de familiares segurados no sector "agricultura, silvicultura e pecuária" assentou nos escassos dados de que foi possível dispor e deve considerar-se com as necessárias reservas. Na "pesca", a população activa registada pelo censo (32 336) é sensivelmente inferior ao número de sócios efectivos das Casas dos Pescadores- (54 690 em 1959). A razão da divergência parece estar no facto de muitos indivíduos se dedicarem temporariamente à pesca e terem sido imputados pelo censo a outras actividades. Não se dispõe de elementos relativos ao número de familiares neste sector.
Tomando por base este apuramento, conclui-se que o número de empregados e assalariados das indústrias, comércio e serviços, abrangidos pela previdência obrigatória em 1959, representava 69,7 por cento do total daqueles sectores (ou 79,4 não incluindo a categoria a isolados").
Relativamente às pessoas de família a cargo, a percentagem baixa para 61,8 (ou 70,4, excluindo os familiares dos "isolados").
Estão fora da previdência, por despachos ministeriais, os trabalhadores considerados adventícios, os in-
73 Instituto Nacional de Estatística, Organização Corporativa e Previdência Social, 1959, cit. Além dos familiares abrangidos pelas caixas sindicais e de previdência (para efeitos de acção médico-social), há 147 502 pessoas beneficiadas com abono de família pelas respectivas instituições.
75 Instituto Nacional de Estatística, Organização Corporativa e Previdência Social, 1959. Não se incluem as receitas e despesas das Casas do Povo e das Casas dos Pescadores (82 240 contos, no total), nem as do seguro de acidentes de trabalho (331 422 contos de prémios).
78 Receitas próprias dos organismos e serviços autónomos e não autónomos de saúde e assistência integrados nos vários Ministérios, segundo o mapa n.º 2 do preâmbulo do Orçamento Geral do Estado para 1960 e o desenvolvimento anexo respeitante aos Hospitais Civis de Lisboa. Não compreende o Fundo de Desemprego nem os corpos administrativos. Para as instituições particulares de assistência: elementos fornecidos pela Direcção-Geral da Assistência relativamente a 1958, últimos apurarados. Neste ano somaram 414 575 contos.
77 Excluindo o do funcionalismo público, que se rege por diplomas especiais;
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dependentes e ainda os familiares do patrão que trabalhem sob as ordens deste, mas não remunerados79.
Quanto aos trabalhadores independentes, deve acrescentar-se que algumas categorias das chamadas profissões liares (médicos, advogados, engenheiros, despachantes de alfândega) encontram-se abrangidas por instituições de previdência obrigatória.
68. Agricultura. - Em 1959 existiam 555 Casas do Povo, com 250 786 sócios efectivos (trabalhadores rurais e equiparados) e 182 620 sócios contribuintes (produtores agrícolas) 80.
Aqueleis 251 000 beneficiários representavam, com respeito à população activa segurável, no sector primário, em 1959, segundo o quadro acima, uma proporção de apenas 19,6 por cento. Quanto aos familiares, a percentagem desce para 16,9 por cento.
Acresce que mais de metade dos sócios efectivos (54,6 por cento) está concentrada em quatro distritos - Braga, Portalegre, Évora e Beja.
O regime legal em vigor considera como beneficiários, não apenas os trabalhadores rurais por conta de outrem, mas também os que a deles se não diferenciem nitidamente em situação material ou modo de vida V e ainda <_:os que='que' rendimentos='rendimentos' seus='seus' diversa='diversa' do='do' suficientes='suficientes' artigo='artigo' assegurar='assegurar' serem='serem' situação='situação' agrícolas='agrícolas' por='por' daqueles='daqueles' para='para' lhes='lhes' _30710='_30710' não='não' _='_' _1.º.='_1.º.' ser='ser' trabalhadores='trabalhadores' os='os' e='e' bens='bens' produtores='produtores' p='p' decreto-lei='decreto-lei' l.º='l.º' contribuintes='contribuintes' n.º='n.º' possam='possam' comum='comum'>
Quer dizer: aqui a previdência protege, em princípio, também os trabalhadores por conta própria, embora mediante prévia consideração das suas condições económicas.
Às famílias dos beneficiários pode igualmente ser extensiva a assistência médica prestada pelas Casas do Povo 81.
69. Pesca. - As 28 Casas dos Pescadores existentes em 31 de Dezembro de 1959 tinham 54 690 sócios efectivos (pescadores ou equiparados, por conta de outrem ou por sua conta) e 4317 sócios contribuintes - os armadores ou proprietários de embarcações de pesca.
Como, à face das disposições vigentes, nenhum pescador pode exercer o seu mister sem estar inscrito na Casa do respectivo centro piscatório, a organização abrange, neste domínio, praticamente toda a população trabalhadora.
70. Co: no há pouco se frisou, excepto nos ramos da indústria, comércio e serviços, e sem embargo dos esforços perseverantes do Governo e da organização corporativa, o campo de aplicação do seguro obrigatório permaneça ainda distante, não apenas do correspondente ao princípio dá universalidade, mas sequer do âmbito tendencialmente marcado pelo Estatuto do Trabalho Nacional.
Nos sectores secundário e terciário, embora os resultados obtidos possam considerar-se, em larga medida, satisfatórios, estão ainda fora do seguro, além dos trabalhadores independentes, diversas manchas de empregados e assalariados.
As dificuldades, quanto aos independentes, são conhecidas e já por diversas vezes assinaladas ao longo deste parecer. Adiante teremos ocasião de apreciar a fórmula que a proposta de lei sobre a reforma da previdência adopta a tal respeito.
Pelo que toca aos trabalhadores subordinados, os obstáculos à cobertura integral têm principalmente derivado ou de se tratar de actividades não organizadas corporativamente, ou de profissões cujo regime de trabalho não foi objecto de regulamentação, ou, .enfim, de condições desfavoráveis resultantes de irregularidade do emprego (trabalhadores ocasionais ou adventícios). Também a este propósito a proposta de lei encerra algumas orientações que a seu tempo serão examinadas.
Na agricultura o panorama é ainda bastante sombrio. Embora o sistema abranja aqui uma fracção (entre nós apreciável) de trabalhadores por conta própria - artífices e pequenos produtores rurais -, menos de um quinto da população activa agrícola se encontra ao abrigo do seguro, e apenas piara uma parte das eventualidades.
Não renovaremos a enunciação dos óbices que em toda a parte se opõem ao seguro social da gente do campo (supra, n.º 12). Tais dificuldades mostram-se entre nós agravadas pela extrema pulverização da propriedade em certas zonas e pelo baixo rendimento unitário médio das explorações em todo o País, não falando já do nível dos salários e da irregularidade do emprego de grande parte dos trabalhadores agrícolas.
Acresce que, à face da legislação vigente, o alargamento do campo de aplicação da previdência ao sector agrícola está, no fundo, dependente da ampliação da rede de Casas do Povo, embora o diploma que regulou a organização de federações destes organismos (Decreto-Lei n.º 41 286, de 23 de Setembro de 1957) admita, "sempre que circunstâncias especiais o aconselhem D, a possibilidade de as federações serem incumbidas de realizar os objectivos legais das Casas do Povo fora das zonas onde estas existem (artigo 6.º).
Como sair do ponto em que nos encontramos P Adiante tentaremos debater o problema.
Quanto ao sector da pesca, as perspectivas são incomparavelmente mais animadoras. Aqui a evolução deverá ser, simplesmente, no sentido de se adoptarem fórmulas próprias do seguro, em lugar de benefícios ainda em parte de carácter assistência!.
C) Eventualidades e prestações
71. Indústria, comércio e serviços. - O regime geral das instituições de previdência adopta, quanto a estes ramos, o seguinte esquema de eventualidades: doença, invalidez, velhice, morte e encargos de família62.
O artigo 48.º do Estatuto do Trabalho Nacional e o artigo 4.º da Lei n.º 1884 referiam também o desemprego involuntário, mas o § 2.º deste artigo acrescentava que a protecção contra esse risco deveria fazer-se anos termos determinados em diploma especial".
Este diploma nunca chegou a ser publicado. O "auxílio" aos desempregados continuou até hoje a ser feito, segundo o regime instaurado por decreto de 193283, através de um fundo administrado pelo Comissariado do Desemprego, organismo autónomo integrado no Ministério das Obras Públicas.
79 Ver, sobre o assunto, relatório da proposta de lei, n.º 23.
10 Instituto Nacional de Estatística, Organização Corporativa e Previdência Social - 1959, cit.
81 Regulamento do Fundo de Previdência das Casas do Povo, aprovado por despacho do Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social de 14 de Dezembro de 1940 (Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, ano VII, II º 23), artigo 6.º
82 Lei n.º 1884, artigos 4.º e 10.º; Decreto n.º 87749, de 2 de Fevereiro de 1950; Decreto-Lei n.º 35410, de 29 de Dezembro de 1945, artigo 1.º
83 Decreto n.º 21 699, de 19 de Setembro de 1932, e legislação complementar. Ver Auxilio aos Desempregados, edição da Imprensa Nacional, Lisboa, 1989.
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O Fundo de Desemprego é constituído:
1) Pela taxa de 3 por cento sobre quaisquer remunerações pagas na indústria, comércio e serviços, cabendo 1 por cento ao patrão e 2 por cento ao pessoal;
2) Pela taxa de 2 por cento sobre a importância da contribuição predial paga pelos proprietários rústicos e urbanos81.
As receitas globais do Fundo, em 1959, .foram de 277 779 contos, números redondos.
Relativamente à maternidade, a lei equipara o parto à doença para efeitos de assistência médica (Decreto n.º 25 935, artigo 7.º, § único), ficando o pagamento do salário a cargo da entidade patronal (Lei n.º 1952, artigo 17.º, e convenções colectivas de trabalho).
Quanto à sobrevivência, o artigo 22.º da Lei n.º 1884 tão-sòmente previa que as instituições existentes, cujo esquema incluísse aquela eventualidade, continuassem a conceder as respectivas pensões. Estão neste caso apenas cinco caixas de previdência - do pessoal ferroviário, da marinha mercante, aos transportes colectivos do Porto e dos empregados da assistência - em relação aos trabalhadores que já tinham direito aos respectivos benefícios quando da reforma dos regulamentos, nos termos da citada Lei n.º 1884.
Enfim, os riscos ;de acidentes de trabalho e doenças profissionais continuam também fora do seguro social, a coberto do regime da responsabilidade do patrão, facultativamente transferível para o seguro comercial, ou, na hipótese negativa, com a obrigação de caucionar essa responsabilidade, salvo prova de capacidade económica para tomar o risco por conta própria (Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, artigos 11.º e 12.º).
72. Ao esquema normal de eventualidades, que acaba de resumir-se, correspondem as seguintes prestações:
a) Em, dinheiro - prestações em relação com os ordenados e salários, e, nas reformas, também com o tempo de contribuição, pela forma seguinte:
Doença - subsídio igual a 60 por cento do salário, durante 270 dias. Condições .de atribuição: um ano de inscrição e pagamento de contribuições correspondentes a oito dias no terceiro mês anterior à baixa; período de espera de seis dias úteis 85.
Invalidez - pensão de 2 por cento do ordenado ou salário médio por cada ano de contribuição, com o limite de 80 por cento. Condições: período de garantia de dez anos; revisão por virtude de modificação do estado físico ou de ocupação remunerada; reembolso das contribuições para os que se invalidem antes de completado o período de garantia; inexistência de pensões mínimas.
Velhice - pensão aos 65 ou 70 anos, conforme as instituições, calculada nos mesmos termos da de invalidez. Condições: período de garantia e faculdade de reembolso idênticos à invalidez; prova anual de vida; pensão mínima de 300$ mensais, não podendo exceder 60 por cento do salário médio dos últimos 15 anos de contribuição; manutenção do abono de família recebido quando da passagem à situação de pensionista; recusa do direito à pensão mínima quando
84 Decreto n.º 21 699, artigos 1.º, 20.º e 22.º Da taxa de 2 por por cento sobre as remunerações do pessoal, 0,5 por cento reverte para o fundo "Contribuições de doentes" das caixas de previdência (Decreto-Lei n.º 37 246, de 23 de Maio de 1949, artigo 6.º).º
85 Decreto n.º 37762, de 24 de Fevereiro de 1950, artigos 3.º e 4.º
o beneficiário receba proventos suficientes de outra profissão86.
Morte - subsídio igual, em regra, a seis meses da remuneração média dos últimos dez anos, pago por morte do segurado, por uma só vez, às pessoas indicadas na lei. Período de garantia de três anos 87.
Encargos de família - abono por cada descendente ou ascendente a cargo, pago mensalmente conforme as tabelas de cada instituição, em regra diferenciado por grupos de remunerações; subsídio de casamento (500$), nascimento (200$) e aleitação (50$ por filho durante os primeiros oito meses) 88.
Além das prestações correspondentes ao esquema, normal de eventualidades, as instituições de previdência exercem uma acção de assistência, concedendo subsídios pecuniários para melhorar os benefícios regulamentares, ocorrer a eventualidades fora do esquema ou auxiliar pessoas que não possam inscrever-se como beneficiários. A concessão destas prestações depende da verificação de situações de comprovada necessidade, que as direcções das instituições julguem atendíveis (Decreto n.º 25935, artigo 80.º; Decreto n.º 28 321, artigo 83.º).
. Em 1959, as instituições de previdência e abono de família pagaram 918 324 contos de subsídios pecuniários, assim distribuídos 89:
QUADRO V
[... ver tabela na imagem]
Designação Contos
Subsídios de doença ............. 114 717
Subsídios por morte ..... 16 289
Pensões de invalidez e velhice 159 006
Pensões de sobrevivência 26 602
Abonos de família 564 551
Acção assistencial 37 159
Total 918 324
b) Em espécie (acção médico-social):
Na doença - assistência médica (clínica geral e especialidades), medicamentos e elementos de diagnóstico; internamento hospitalar para cirurgia geral. Condições: as mesmas do subsídio, sem período de espera; limite de 270 dias para a assistência medicamentosa; comparticipação do segurado nos medicamentos manipulados e especialidades, bem como no internamento hospitalar.
Na maternidade - assistência médica e medicamentosa durante o parto.
Na invalidez e velhice - assistência médica e medicamentosa aos reformados nas mesmas condições dos restantes beneficiários 90.
86 Decreto n.º 25935, artigo 40.º; Decreto n.º 28321, artigo 39.º; Portaria n.º 17965, de 23 de Setembro de 1960.
87 Decreto n.º 37 749, de 2 de Fevereiro de 1950; despacho ministerial de 9 de Julho de 1958.
88 Decreto-Lei n.º 33 512, de 29 de Janeiro de 1944; Portaria n.º 17 963, de 23 de Setembro de 1960.
89 Instituto Nacional de Estatística, Organização Corporativa e Previdência Social - 1959, cit.
90 Decreto n.º 37762, artigos 2.º e 6.º a 14.º; Decreto n.º 41 595, de 23 de Abril de 1958. Nos termos deste último diploma, celebrou-se um acordo entre à Federação de Caixas de Previdência - Serviços Médico-Sociais e a Direcção-Geral da Assistência, com data de 30 de Maio daquele ano, a que também aderiram 66 estabelecimentos particulares (entre 14& solicitados para o efeito). Pela cláusula III do acordo, "o número
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752 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 211
No mesmo ano de 1959, o valor das prestações médico-sociais outorgadas pelas instituições de previdência, federadas e não federadas, atingiu 181570 contos. O número de consultas foi de 3 209 075 e o de tratamentos 6 270 951 91.
73. Agricultura. - O esquema obrigatório abrange: 1) assistência médica; 2) subsídio pecuniário na doença; 3) subsídio por morte.
A assistência médica inclui as visitas domiciliárias, o parto, os tratamentos e as intervenções de pequena cirurgia. Não tem limite de duração.
O subsídio na doença, com um período de espera de três dias, é de 40 por cento do salário nos primeiros trinta dias e de 30 por cento nos sessenta dias imediatos.
Quando as condições económicas do beneficiário o justifiquem e as possibilidades financeiras da instituição o permitam, isto é, em regime já não de seguro mas de assistência, prevê-se a melhoria daquelas percentagens até 60 e 40 por cento, respectivamente.
O subsídio por morte foi fixado no mínimo obrigatório de 150$.
Para além deste esquema, as Casas do Povo podem outorgar outros benefícios, designadamente subsídios de invalidez, mas em regime assistencial, ou seja, na dependência das condições económicas da instituição e o interessado 92.
Por despacho ministerial de 19 de Março de 1958, foi homologado um acordo geral, entre a Junta Central das Casas do Povo e a Federação dos Serviços Médico-Sociais, pari, a coordenação dos serviços de assistência médica das Casas do Povo e das instituições de previdência da indústria, comércio e serviços abrangidas por aquela Federação.
Nos termos desse acordo, umas e outras instituições poderão utilizar, reciprocamente, conforme se mostre mais conveniente, as respectivas instalações e serviços clínicos e administrativos. A Federação comparticipará no funcionamento dos serviços das Casas do Povo de que aproveite, mediante contribuição em dinheiro ou em espécie, designadamente mobiliário e material sanitário ou químico-farmacêutico.
Em Dezembro de 1960 vigoravam 208 acordos com diversas Casas do Povo, distribuídos por 18 distritos, em execução laqueie acordo geral. Em consequência desses acordos, e número de sócios efectivos daqueles organismos e respectivos familiares com assistência médica elevava-se, na referida data, a 429 615 93.
O custo da assistência sanitária e dos subsídios pecuniários concedidos pelas Casas do Povo foi, em 1959, de 22 918 contos, assim discriminado:
QUADRO VI
[... ver tabela na imagem]
Designação Contos
Assistência médica ............... 8 028
Subsídios de doença ............. 3 387
Subsídios por morte.............. 2 536
Subsídios de invalidez........... 8 280
Outros subsídios ................ 338
Total ........................... 22 918
total de diárias a pagar pela Federação não deverá exceder, em cada ano, vinte vezes o número de doentes que no mesmo ano tenham sido internados". A concessão de medicamentos manipulados e esp3cialidades é regulada pela Portaria n.º 17 964, de 23 de Setembro de 1960. Segundo informação prestada pela Direcção-Geral ca Previdência, algumas caixas não federadas concedem também internamento hospitalar para fins diversos da cirurgia geral, incluindo a sanatonzação, no que despenderam, em 1959, um total de 2765 contos. A concessão de assistência médica II farmncêutica aos reformados está prevista na Portaria n.º 17 966, do 23 de Setembro de 1960.
74. Pesca. - Em princípio, o esquema de eventualidades e prestações previsto nas disposições legais em vigor não é obrigatório. Depende, na sua extensão e nos seus quantitativos, das possibilidades financeiras das instituições94. Mas a lei reconhece, em contrapartida da obrigação de inscrição e de quotizações, o direito a determinadas espécies de benefícios: é o caso das prestações sanitárias, das pensões de reforma (pescadores do bacalhau e arrasto) e do abono de família (pescadores do bacalhau, arrasto, atum e cetáceos).
As prestações normalmente concedidas abrangem: assistência médica; subsídios de natalidade, de doença e por morte; pensões de invalidez e reforma; abonos de família.
O custo global destes benefícios, no ano de 1959, alcançou 12 456 contos.
Por seu turno, a Junta Central das Casas dos Pescadores concedeu, no mesmo ano, benefícios assistenciais no valor de 4047 contos, além de 4853 contos de abonos de família e 1116 contos de pensões de reforma 95.
75. Descrito sumariamente o plano de eventualidades e prestações do seguro obrigatório, convém fazer neste momento o resumo das suas lacunas mais salientes.
Quanto às eventualidades, e pelo que toca ao sector da indústria, comércio e serviços, o esquema pode considerar-se relativamente satisfatório. As faltas dizem respeito à maternidade (subsídio), ao desemprego, à sobrevivência (salvo os casos especiais mencionados) e aos acidentes de trabalho e doenças profissionais. Na agricultura e na pesca, os riscos cobertos sob a forma de seguro são bastante mais restritos, embora na pesca os benefícios concedidos para além do esquema normal sejam apreciáveis.
Cumpre fazer decididos esforços no sentido de ir estendendo progressivamente a estes dois sectores o regime do seguro obrigatório, em lugar da protecção outorgada com carácter assistencial. Como se dizia no parecer desta Câmara sobre a proposta de lei relativa ao Estatuto da Assistência Social, aã previdência é a fórmula de justiça que o trabalhador reclama. Só ela fará que a solução das dificuldades a que todos por humana fraqueza estamos sujeitos se torne ... certeza resultante do exercício de um direito conquistado pelo trabalhador - em vez de hipotético deferimento de uma súplica atendida como por favor" 96.
91 Instituto Nacional de Estatística, Organização Corporativa e Previdência Social, 1959, cit.
98 Decreto-Lei n.º 30710, de 29 de Agosto de 1940, artigo 9.º; Regulamento do Fundo de Previdência das Casas do Povo, artigos 2.º, 3.º, 11.º e seguintes; Regulamento dos Serviços de Invalidez das Casas do Povo (Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, ano IX, n.º 6, e ano XIII, n.º 8).
93 Informações prestadas pela Direcção-Geral da Previdência e Habitações Económicas com base em elementos fornecidos pela Junta Central das Casas do Povo. Segundo a mesma fonte, encontram-se concluídos os estudos para, no distrito de Bragança, se abranger toda a população rural pelo regime dos referidos acordos. Pêra o efeito vão funcionar nesse distrito 121 postos clínicos da Federação e das Casas do Povo.
94 Lei n.º 1953, base n, alínea c); Regulamento aprovado pelo Decreto n.º 37 751, artigo 10.º
95 Instituto Nacional de Estatística, Organização Corporativa e Previdência Social - 2959, cit.
98 Diário das Sessões, n.º 48, de 25 de Fevereiro de 1944. p. 106.
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Relativamente às prestações, convém apreciar separadamente: 1) os subsídios; 2) as pensões; 3) as prestações médico-sociais.
1) Os reparos que podem fazer-se aos subsídios concedidos pela previdência social dizem respeito não propriamente aos seus quantitativos - pois eles dependem do nível de salários -, mas às condições da sua atribuição, designadamente aos limites de duração do subsídio de doença.
Gomo se viu, a tendência geral do direito comparado é para a manutenção do subsídio enquanto durarem as consequências do risco, pois de outro modo o seguro não atinge o seu objectivo social, sendo certo que, à medida que a doença se prolonga, cada vez são mais precárias as condições de existência do segurado e da família.
O problema interessa sobretudo às doenças de longa duração, como a tuberculose, o reumatismo, as doenças cardiovasculares. Implica logicamente a articulação do seguro-doença com o de invalidez. Verificada a impossibilidade de cura e a incapacidade permanente para o exercício da profissão, o segurado deve passar a beneficiar de uma pensão de invalidez.
A solução está naturalmente na dependência dos meios financeiros, e em especial da possibilidade de aplicar a estas prestações maior percentagem das receitas.
2) Nas pensões, o sistema português de seguro social revela as insuficiências que o relatório da proposta de lei põe excelentemente em relevo97.
O esquema em vigor, na generalidade dos casos, não consente que as pensões alcancem aquele nível mínimo considerado necessário para assegurar ao pensionista uma fracção razoável dos seus ganhos anteriores, de modo a proporcionar-lhe meios de vida suficientes.
Também aqui o problema está estreitamente cingido ao regime financeiro e será abordado na devida altura. For agora apenas se dirá que o método da capitalização pura e a desactualização das bases técnicas adoptadas quando da instauração do sistema - relativamente aos índices de mortalidade e invalidez e aos da evolução demográfica - não consentem melhorias de pensões, e as próprias reservas matemáticas constituídas, não obstante o seu volume, revelar-se-iam insuficientes se se fizesse a revisão daquelas bases.
Outra lacuna a apontar ao sistema de pensões é a falta de norma geral que admita a possibilidade do seu reajustamento às variações sensíveis do custo da vida, hoje tendência generalizada na legislação estrangeira (supra, n.º 44). A modificação do regime financeiro sugerida na proposta de lei poderá, eventualmente, como teremos ensejo de ver, facilitar a resolução do problema.
3) Relativamente às prestações sanitárias, as deficiências avultam sobretudo em dois aspectos:
1.º Insuficiência de meios terapêuticos, sobretudo no que respeita à hospitalização;
2.º Baixo limite de duração da assistência farmacêutica.
De modo geral, pode dizer-se que estas deficiências resultam principalmente de duas causas:
Escassez de disponibilidades financeiras; Deficiência de coordenação entre o seguro e os serviços oficiais de saúde.
Quanto ao primeiro factor, e pelo que respeita à previdência do comércio, indústria e serviços, a escassez provém, não tanto do nível das quotizações, mas, sobretudo, do regime financeiro adoptado, que não consente aplicar à cobertura das prestações sanitárias maior parcela de receitas. Como se verá, esta parcela situa-se, na generalidade das caixas,, ao redor de 3 por cento dos salários, ao passo que nos países com. miais largos benefícios médico-sociais as receitas inerentes são muito superiores. Em França, por exemplo, andam perto dos 8 por cento das remunerações, e em Espanha dos 7 por cento. Noutros países é o Estado que participa de modo substancial no custo do seguro-doença, como sucede na Bélgica, onde tal comparticipação atinge 50 por cento do total das quotizações dos segurados, além da contribuição patronal.
A revisão em perspectiva do método de financiamento do seguro social português, que é um dos objectivos da presente proposta de lei, permitirá decerto ocorrer a este instante problema.
Já na previdência da agricultura a questão repousa decisivamente na falta de contribuições suficientes. O regime de acordos entre a Federação dos Serviços Médico-Sociais e as Casas do Povo (supra, n.º 73) irá, sem dúvida, consentir apreciáveis melhorias, anãs tem a natural limitação de ser, em princípio, inaplicável aos meios estritamente rurais, onde não haja beneficiários do seguro na indústria, comércio e serviços.
Quanto ao segundo factor -7- dificuldades de conexão entre os departamentos da previdência e da saúde -, adiante se dirá como o problema deve, no parecer desta Câmara, ser encarado (infra, n.º 94).
D) Receitas. Custo do sistema
76. Indústria, comércio e serviços. - As contribuições para a previdência são constituídas por percentagens sobre os ordenados e salários, cujo total, na maior, parte das instituições, é de 20,5, cabendo à empresa 15 e os restantes 5,5 ao trabalhador.
O conjunto das instituições de previdência e de abono de família cobrou, .em 1959, um total de 1 704 365 contos de contribuições98.
Não existe qualquer participação directa do Estado nestes sectores. Indirectamente, porém, pode dizer-se que o Estado participa no custo do sistema através da manutenção dos serviços de orientação superior e fiscalização das instituições de previdência-designadamente dos que constituem a Direcção-Geral da Previdência e Habitações Económicas e o Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica, cujos orçamentos de despesa para 1961 não excedem, no total, 5748 contos.
77. Agricultura. - As receitas das Casas do Povo têm essencialmente três origens: 1) quotas dos sócios contribuintes e efectivos; 2) subsídios do Fundo Comum das Casas do Povo; 3) subsídios, donativos e outros rendimentos.
As quotas dos contribuintes -produtores agrícolas - incidem sobre o rendimento colectável que serve de base à contribuição predial, segundo taxas variáveis} conforme a região. lio Sul são normalmente progressivas e vão de 1 por cento a 7 por cento daquele rendimento. No Norte e em zonas agrícolas pobres a percentagem pode não exceder 0,5 por cento.
As taxas são determinadas, em regra, por acordos entre os grémios da lavoura e as Casas do Povo, sujei-tos à homologação ministerial.
As quotas dos sócios efectivos - trabalhadores rurais e equiparados- revestem, pode dizer-se, carácter simbólico e situam-se entre 1$50 e 3$ mensais.
97 Relatório citado, n.º 49.
98 Instituto Nacional de Estatística, Organização Corporativa e Previdência Social - 1959, cit.
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O Fundo Comum destina-se especialmente a participar no custo da acção de previdência e é alimentado: 1) pelo produto de taxas sobre o trigo, o vinho, o arroz, o azeite, a cortiça, a resina e a lã; 2) pela dotação do Estado per cada Ca"a do Povo que se constituir - 20 000$; 3) por uma contribuição anual do Fundo de Desemprego; 4) pelos donativos, heranças ou legados que lhe sejam atribuídos 99.
Em 1959, as receitas de quotização somaram 30 141 contos.
As receitas do Fundo Comum, no mesmo ano, foram de 12 096 contos 10º.
78. Pesca- Os meios financeiros das Casas dos Pescadores sã D essencialmente constituídos por: 1) quotas dos sócios 2) subsídios dos organismos representativos de empresas de pesca; 3) produto de quinhões e partes de pesca; 4) subsídios do Estado -Ministério da Marinha - para fins de previdência; 5) dotação do Estado - 20.000$- por cada Casa dos Pescadores que se constituir.
As quotas dos sócios contribuintes são proporcionais à tonelagem, das embarcações ou navios utilizados na pesca. As dos pescadores e equiparados são pagas, em regra, sob a forma de percentagem do produto da venda do pescado, cobrada pela autoridade fiscal.
Em 195!), os réditos globais das Casas dos Pescadores somaram 18 541 contos. E a Junta Central arrecadou 21 462 contos (receitas gerais, serviço de abono de família e fundos de reforma).
79. Que observações suscitam os métodos de percepção de meios financeiros do nosso sistema de previdência?
No que respeita ao sector da indústria, comércio e serviços, o problema que pode pôr-se é o de saber se deve manter-se o sistema das contribuições sobre os salários, ou se, dados os inconvenientes noutro lugar apontados (supra, n.º 46), deverá encarar-se a sua modificação.
A fórmula do imposto sobre o rendimento tem, como se referiu (n.º 58), a vantagem de dificultar a repercussão sobre os preços e, portanto, sobre o consumidor. Não cria obstáculos à elevação de salários. E facilita a inclusão no seguro dos trabalhadores por conta própria. Mas, como também se fez notar, a sua adopção sómente se - afigura legítima - dado tratar-se de imposto - quando o sistema de segurança ou,, pelo menos,, uri dos seus ramos se estenda à generalidade da população - e não é esse ainda o caso português.
Na agricultura e na pesca, o sistema vigente já perfilha em regime indirectamente orientado para a tributação do rendimento, embora utilizando índices manifestamente deficientes, como a contribuição predial (agricultura) ou .os resultados brutos da exploração (pesca).
Na agricultura, principalmente, urge rever o sistema actual, que dá lugar a disparidades de critérios e a injustiças, procurando ao mesmo tempo caminhar para um sistema de compensação nacional, não apenas entre a lavoura, mas entre esta e os restantes sectores, à medida que se amplie o campo de aplicação do seguro social agrícola a uma ou mais eventualidades.
As possibilidades económicas, sempre mais escassas e contingentes, das explorações agrícolas, não poderão, certamente, dispensar essa compensação intersectorial - aliás da maior justiça, sendo certo que a agricultura compra à indústria e ao comércio os produtos já sobre-carregados, em certa medida, com os encargos para a previdência.
Quanto aos trabalhadores por conta de outrem, não parece, porém, viável outra fórmula que não seja a percentagem sobre os salários, a qual, aliás, já constitui, na sua essência, como também se observou, um imposto sobre o rendimento. O inconveniente da degressividade, que a percentagem uniforme suscita, poderia atenuar-se mediante taxas variáveis por escalões.
80. Importa aludir agora ao outro ângulo do problema dos meios financeiros - o do seu nível ou quantitativo -, por outras palavras, ao custo do sistema.
Vimos noutro lugar (n.º 48, quadro II) quais as percentagens sobre ordenados e salários, com destino ao seguro social, praticadas em certo número de países da Europa e da América. Todas elas se situavam em níveis bastante mais altos do que o nosso - na maior parte para cima dos 30 por cento das remunerações, sem tomar em conta a participação do Estado.
Mostrou-se depois (quadro III) qual a proporção que as receitas totais para a segurança social (incluindo as próprias do Estado) representavam sobre o rendimento nacional. Também aí a posição portuguesa -7,2 por cento - estava em plano sensivelmente inferior ao da generalidade dos países. Q facto explica-se, não apenas pela taxa moderada das contribuições sobre os salários, mas pelo campo de aplicação bastante circunscrito do nosso seguro obrigatório - além das limitações resultantes da circunstância, oportunamente referida (nota ao mesmo quadro), de, no cômputo daquelas receitas, segundo a fonte citada, se haverem omitido parcelas importantes.
A actualização da aludida percentagem, com referência a análogas bases de cálculo, revela que, entre 1954 e 1959, ela se manteve ao redor dos 7,2, o que significa não ter o ritmo de acréscimo das receitas da segurança social excedido, entre nós, o do produto nacional bruto ao custo dos factores, no período indicado.
Já o mesmo não sucede com a capitação por habitante, em Portugal, das mencionadas receitas, a qual regista, nesse período, um aumento de 360$30 para 455 $60, em virtude de o crescimento demográfico ter sido mais lento do que o do produto 101.
Pode ainda calcular-se, dentro do País, qual a percentagem que as receitas para a previdência obrigatória representam sobre o produto de cada um dos sectores respectivos.
As cifras, em relação ia 1959, apresentam os seguintes resultados:
QUADRO VII
Produto nacional e contribuições, para a previdência
[... ver tabela na imagem]
Sectores
Milhares de contos
Percentagem de 2/1
1 - Produto bruto ao custo dos factores
Preços correntes (a)
8 - Contribuição para as instituições de previdência e abono de família (b)
Indústrias, comércio e serviços (c) 37 894 1 704 4,5
Agricultura 14 381 42 0,3
Pesca 670 40 6
A) Estatísticas Financeiras - 1959 (Instituto Nacional de Estatística),
(b) Organização Corporativa e Previdência Social - 1969 (Instituto Nacional de Estatística.)
c) Excluindo administração pública e defesa e "serviços de saúde e educação".
Decreto-Lei n.º 28 859, de 18 de Julho de 1938, artigo 5.º; Decreto-Lei n.º 30 710, artigos 8.º, 4.º, 13.º e 17.º
100 Instituto Nacional de Estatística, Organização Corporativa e Previdência Social - 1959, cit.
(c) Excluindo "administração pública e defesa" e "serviços de saúde e educação".
101 Ver B. I. T., Lê côut de la sécurité sociale, cit. p. 168.
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20 DE ABRIL DE 1961 755
Na agricultura, a baixíssima percentagem apurada resulta, antes do mais, da escassa rede de Casas do Povo e do consequentemente diminuto campo de aplicação da previdência obrigatória, em correspondência com o nível também minguado das prestações.
A pesca é a actividade com percentagem mais elevada, o que não significa de modo nenhum alta, mas corresponde sobretudo ao seu campo de aplicação generalizado.
O sector das actividades secundárias e terciárias não sé pode dizer que esteja a suportar, neste aspecto, um peso de encargos parafiscais excessivo. Ao contrário, e como aliás se confirma pelos mais índices atrás recolhidos, esse peso é relativamente modesto em confronto com a generalidade dos países.
Cabe aqui uma observação importante a respeito deste confronto. Num momento em que, na Europa, se assiste a uma tendência, cada vez mais traduzida em fórmulas concretas, para estreitar a cooperação económica - relativamente à qual o nosso país assumiu já posição definida, através da adesão à Associação Europeia de Comércio Livre - não parece fácil subtrair-mo-nos a uma aproximação maior também no aspecto dos encargos sociais.
É de prever que o movimento de integração europeia implique, mais tarde ou mais cedo, uma política de harmonização de custos, cujas incidências, no aspecto da segurança social, se afiguram inevitáveis.
Assim, pois, não apenas imperativos de ordem interna afirmam a necessidade de alargar o campo de aplicação e o nível das prestações de segurança social, mas também as coordenadas da política económica externa parece assinalarem idêntico rumo.
E) Equilíbrio financeiro
81. No sistema português de seguro social, os problemas respeitantes aos processos técnicos de equilíbrio financeiro interessam apenas aos sectores secundário e terciário.
Na agricultura e pesca, o regime de financiamento assenta essencialmente em fórmulas de repartição. Como o princípio aí dominante é o de limitar os benefícios às possibilidades das instituições, o equilíbrio entre receitas e despesas obtém-se empiricamente, ajustando em cada ano o montante global das prestações a conceder ao nível das receitas previstas.
No concernente aos ramos da indústria, comércio e serviços, a quota global de 20,5 por cento dos salários distribui-se, em regra, assim102:
Doença:
Subsídio ............. 1,0
Acção médico-social ........ 3,0
Contribuições de doentes ..... 0,5 0,5
Abono de família .............. 7,0
Reformas .............. 7,0
Morte .................. 1,0
Administração ............. 1,0
A doença (prestações em dinheiro e em espécie) e o abono de família são financiados pelo método de repartição ex ante, com um pequeno fundo de reserva para o subsídio de doença, de montante aproximado às despesas de um ano. No abono de família funciona um sistema de compensação nacional, através do Fundo
Nacional de Abono de Família, que permite ocorrer a eventuais déficit s.
Deve acrescentar-se, quanto à doença, que, não obstante a percentagem geral das receitas que lhe está afecta ser a indicada acima, o custo deste seguro varia sensivelmente de instituição para instituição, por efeito sobretudo de circunstâncias inerentes às profissões e actividades abrangidas e ao esquema de benefícios médicos. O relatório ministerial refere variações entre 0,21 e 3,11 por cento dos salários para o subsídio, e entre 0,3 e 9,48 por cento para as prestações sanitárias, em 1955.
Às reformas por invalidez e velhice e ao subsídio por morte aplica-se ainda o regime de capitalização pura, à taxa técnica de 4 por cento ao ano. É o sistema que resulta do disposto na Lei n.º 1884 (artigos 6.º e 11.º). O prémio médio de 7 por cento dos salários para as pensões desce para 6 por cento quando a reforma é aos 70 anos.
Em certo número de instituições, que adoptaram planos de reforma mais favoráveis, o prémio é naturalmente superior [v. g., carvões (9,3 por cento), cimentos (10,8 porcento), descasque de arroz (9 por cento)-, jornalistas (9,7 por cento), Carris de Ferro de Lisboa (12 por cento)]103.
Os valores acumulados somavam, no final de 1959, a quantia de 8 570 919 contos. A sua aplicação era a seguinte104:
QUADRO VIII
Valores das instituições de previdência (Em 31 de .Dezembro de 1959)
Designação
Contos
1. Títulos do Estado ou com garantia do Estado 3 895 830
2. Acções de empresas 1 140 207
3. Obrigações de empresas 1 544 027
4. Imóveis 993 561
5. ...ordem 399 435
6. Outros 597 850
Total 8 570 919
82. O relatório da proposta de lei insere, a respeito dos métodos de equilíbrio financeiro,- um esclarecido estudo, quer sobre as razões ponderosas que levaram, quando da instauração do sistema de previdência social em 1935, a adoptar o regime de capitalização para as prestações vitalícias, quer sobre os inconvenientes que, na fase actual do sistema, teria a manutenção de tal regime na sua pureza.
As conclusões desse estudo afiguram-se inteiramente procedentes.
Não só as bases técnicas em que então se fez repousar o esquema - designadamente os índices de mortalidade e natalidade - se mostram hoje inteiramente desactualizadas pelo alargamento progressivo da duração média da vida e pela baixa dos índices de natalidade, como ainda o regime de capitalização pura não permite a
102 Os Seguros Sociais em Portugal, edição do Ministério das Corporações e Previdência Social, 1959, pp. 18 e 22.
108 Os Seguros Sociais em Portugal, cit., p. 22.
104 Instituto Nacional de Estatística, Organização Corporativa e Previdência Social -1959, cit., pp. 55 e 67. Segundo informação prestada pela Direcção-Geral da Previdência, a designação "Outros" do quadro acima engloba, fundamentalmente: numerário em caixa, contribuições do mês de Dezembro, cheques a depositar, contribuições em dívida,. juros e dividendos a receber, bem como o valor não amortizado de móveis, utensílios 3 semoventes.
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melhoria do nível das pensões indispensável fará assegurar um mínimo de protecção social na invalidez e na velhice.
Quando nos referirmos concretamente às reformas sugeridas pela proposta de lei, no capítulo seguinte deste parecer, teremos oportunidade de apreciar a solução encarada a tal respeito.
F) Estrutura administrativa
83. Industria, comércio e serviços. - Os princípios consignados no Estatuto do Trabalho Nacional - segundo os }uais a previdência social deveria erguer-se "em realização progressiva", sobre a "organização do trabalhou (artigo 48.º), designadamente através de contratos colectivos (artigo 34.Q) - conduziram, logicamente, à estrutura diferenciada do sistema, por sectores profissionais: "caixas sindicais", quando resultantes de convenção colectiva de trabalho, e "caixas de reforma ou previdência", para os trabalhadores de determinada profissão, ramo de actividade ou empresa, em zonas não organizadas corporativamente.
Em 31 de Dezembro de 1959 existiam 68 dessas instituições, além de 16 caixas de abono de família, ou seja um total de 84 organismos.
Gomo se vê do relatório da proposta de lei, a primitiva estrutura de base sindical foi-se pouco a pouco desfigurando, em virtude de sucessivos alargamentos de âmbito e fusões, e passou a assentar de preferência na categoria económica, isto é, no ramo de actividade, o qual naturalmente englobava múltiplas profissões. Por sua vez, o campo de acção, inicialmente distrital, am^ liou-se, em grande número de caixas, a todo o País ou a vários distritos. E criaram-se mesmo caixas indiferenciadas, de âmbito regional.
As caixas de empresa (31 actualmente) têm naturalmente tstrutura pluriprofissional.
Além disso, duas federações de caixas (cimentos e carvões) e quatro federações de serviços comuns (Serviços MédicD-Sociais, Habitações Económicas, Serviços Mecanográficos e Obras Sociais) completam o sistema do seguro obrigatório na indústria, comércio e serviços """
10.;
84. Agricultura. - Cada Casa do Povo tem o seu âmbito circunscrito, em princípio, a uma freguesia rural, mau excepcionalmente pode abranger mais de uma freguesia106.
O Deere ;o-Lei n.º 41276, de 23 de Setembro de 1907, previu a criação de federações de Casas do Povo, em regra distiitais, tendo em vista, entre outros fins, o de firmar a acordos com os diferentes serviços do Estado, as autarquias locais, os organismos e instituições de previdência e assistência particular, em ordem à plena realização dos fins das Casas do Povo".
Como organismo coordenador no plano nacional existe a Junta Central das Casas do Povo, que o De-creto-Lei i..º 34 373, de 10 de Janeiro de 1945, instituiu com aquela finalidade, e ainda com a de administrar os diuheiros do Fundo Comum.
85. Pe.íca. - A esfera de acção das Casas dos Pescadores é a da capitania ou delegação marítima do respectivo centro piscatório (Lei n.º 1953, base i).
A coord mação superior destes organismos e a gerência do Fundo Comum foram confiadas à Junta Central
das Casas dos Pescadores, à qual também incumbe a organização dos serviços de reformas e "abono de família dos pescadores107.
86. Pelo que respeita ao sector da indústria, comércio e serviços, a evolução verificada na estrutura das instituições, péla multiplicidade de grupos profissionais incorporados nas diversas caixas segundo os mais variados critérios108, não favoreceu a realização satisfatória dos princípios da unidade e da simplificação administrativas, que, como vimos, orientam hoje em dia os modernos sistemas de segurança social.
Lê-se a tal respeito no relatório da proposta de lei:
Os variados títulos da integração nas caixas de previdência ... conduzem a numerosos conflitos de competência entre as instituições e impõem a intervenção frequente de despachos para resolver esses conflitos, já pela formulação de critérios de aplicação geral, já mediante decisões tomadas no plano oasuístico. As dúvidas respeitantes ao âm-. bito das instituições reflectem-se perniciosamente nas relações das caixas com as empresas e com os beneficiárias, provocando, por vezes,, atrasos na entrega das contribuições ou dos benefícios, com deploráveis consequências. Tudo isto tem afectado, frequentemente, o prestígio das caixas e originado diversas perturbações, que se torna necessário eliminar através de medidas apropriadas109.
Além disso, e designadamente no seguro-doença - que exige, por natureza, estreitos contactos entre a instituição e o beneficiário -, as caixas de âmbito nacional ou pluridistrital convertem a organização numa entidade estranha e distante, e amiúde provocam queixas e incompreensões. O problema tem especial acuidade nas prestações sanitárias.
Pelo que toca ao seguro-pensões, as mudanças de actividade profissional ou económica, ou até de local de trabalho, levantam inúmeros problemas de transferência de reservas matemáticas e outros, que complicam em extremo a vida administrativa das caixas.
Já tivemos ensejo de pôr em relevo (supra, n.º 55) os inconvenientes, verificados na generalidade doa países, de fazer assentar a estrutura de todo o sistema de seguro obrigatório no critério profissional ou da actividade económica - o qual parece ter antes o seu lu-§ar próprio como fórmula integradora e complementar o ordenamento nacional de base geográfica. A proposta de lei contém a tal respeito uma solução que a seu tempo será examinada. " No sector rural, o princípio da unidade administrativa pôde ter realização mais satisfatória, dada a estru-
108 Veja-íe o relatório da proposta de lei (n.08 18 a 20) e mapas anexos n.08 1 a 4. A Federação Obras Sociais foi criada pela Portaria n.º 17 967, de 23 de Setembro de 1960.
108 Deere :o-Lei n.º 28859, artigo 2.º
107 Lei n.º 1953, base v; Decreto-Lei n.º 37 750, artigo 2.º
108 Pode citar-se, como exemplo, entre outros, o da Caixa de Previdência dos Operários Metalúrgicos e Metalomecânicos, cujo âmbito é um mosaico variegado de profissões, a maior parte das quais nada tem a ver com a metalurgia ou o trabalho de metais. Nos termos do artigo 2.º do regulamento da Caixa, esta abrange "os empregados, técnicos e operários ao serviço de entidades que explorem no continente as indústrias metalúrgicas e metalome-cânicas, mineiras, de brinquedos e utilidades, de refinação de açúcar, de escovas e vassouras, extractivas e transformadoras de lousa, de broxas e pincéis, de oleados e pergamóides, de limpeza d" chaminés, de prótese ortopédica, o pessoal representado pelo Sindicato Nacional dos Carpinteiros Navais, Calafates e Ofícios Correlativos do Distrito e Porto de Lisboa, o das empresas que tenham ao seu serviço trabalhadores representados pelo Sindicato Nacional dos Electricistas, bem como todos os que estejam ou venham a estar abrangidos por despacho ministerial proferido nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 32 674, de 20 de Fevereiro de 1943".
109 Eelatório cit., n.º 32.
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tura territorial das Casas do Povo e a afinidade estreita das actividades agrícolas. A criação de um organismo central coordenador e, mais recentemente, a possibilidade da constituição de federações distritais, permitem corrigir muitas das dificuldades que, neste aspecto, se suscitaram na organização de previdência do comércio e da indústria. Falta, todavia, estabelecer -i necessária coordenação entre a agricultura e aqueles sectores, num plano orgânico e solidário de segurança social - embora sem prejuízo das necessidades e limites próprios da sociedade rural.
Na organização de previdência da pesca não se levantam problemas de unificação administrativa, e até os de eventual coordenação com os mais sectores apresentam aqui aspectos diferentes, dado o carácter muito peculiar das actividades e meios piscatórios.
§ 3.º
Os sectores da saúde e assistência
87. O Estatuto da Assistência Social (Lei n.º 199S, de 15 de Maio de 1944) consagra o princípio de que "as actividades de assistência serão exercidas em coordenação com as de previdência, por forma a favorecer o desenvolvimento desta ..." (base VI, norma 2.ª).
Daqui resulta que a organização de assistência desempenha, em relação à de seguro social obrigatório, uma função complementar - visando a proteger camadas sociais não abrangidas pelo seguro ou a cobrir eventualidades e encargos que excedam os esquemas da previdência obrigatória.
A outra regra fundamental nesta matéria é a de que, embora o Estado tome, em princípio, a iniciativa no desenvolvimento da política assistencial, a sua função na prestação da assistência e normalmente supletiva das iniciativas particulares (Estatuto, base III).
O mesmo preceito admite, no entanto, que em determinados sectores a posição do Estado seja dominante, quer por se tratar de serviços que necessariamente lhe pertencem - é o caso da defesa da saúde pública, por força de disposição constitucional -, quer pela complexidade e superior interesse público de outros serviços, como por exemplo os da organização hospitalar de base (Lei n.º 2011, de 2 de Abril de 1946).
A actividade sanitária destina-se a assegurar os serviços de salubridade e higiene geral, e, bem assim, a organizar a profilaxia e a luta contra II s doenças sociais mais generalizadas - v. g., a tuberculose, o sezonismo, o cancro, as doenças infecciosas, as doenças e anomalias mentais (Estatuto, bases III e VII).
A organização hospitalar visa as actividades curativas e reabilitadoras da doença, especialmente sob a forma de internamento e concentração de meios terapêuticos. A complexidade, extensão e custo de uma estrutura hospitalar de base, estendida a todo o País, aconselhou a cometer ao Estado, na maior parte, a iniciativa e a manutenção de uma organização dessa natureza (Lei n.º 2011, base XIX).
Para além destes objectivos de interesse geral, vigora o princípio, acima expresso, da intervenção supletiva ido Estado e das autarquias na protecção contra os riscos sociais, por intermédio de actividades de natureza assistencial.
88. No que respeita ao campo de aplicação, o sector da defesa sanitária e o da acção hospitalar do Estado têm a natureza de serviços oficiais e, como tal, dirigem-se à generalidade dos indivíduos, independentemente da sua condição económica ou social. A obrigação de pagar, no todo ou em parte, o custo da assistência prestada não retira aos serviços aquela natureza.
A actividade assistencial stricto sensu também, em princípio, não visa grupos sociais determinados, ao contrário do que sucede no seguro. A necessidade de provar a carência do auxílio solicitado, que é própria daquela actividade, nada tem a ver com o campo de aplicação da assistência, mas sim com os requisitos de outorga das respectivas prestações.
Aqui, pois, tem aplicação legal o princípio da universalidade, o que não quer dizer que tenha aplicação efectiva.
Na realidade, quanto aos serviços de sanidade geral, é ainda sensível a carência de meios de acção (em pessoal e material) com que lutam, designadamente os que dependem da Direcção-Geral de Saúde, não obstante as respectivas dotações orçamentais terem vindo a ser reforçadas de ano para ano. Em 1958 gastaram-se 39126 contos 112. O orçamento para 1961 inscreve 49 521 contos.
Relativamente à rede hospitalar do Estado, também são conhecidos os limites que impedem, na prática, a utilização desses serviços pelo comum da população do País.
O número de camas dos hospitais civis existentes em 31 de Dezembro de 1959 era de 20 879, o que corresponde a cerca de 23 camas por 10 000 habitantes. Se se considerar a totalidade de camas no conjunto dos estabelecimentos de saúde do País, nesse ano - 47 108 -, aquela média sobe para 52, quando já em 1951 a Itália dispunha de 80, a França de 112 e a Inglaterra de 117 113.
Com respeito aos médicos, basta referir o número dos que se encontram ocupados em estabelecimentos 1 oficiais - 1586 - para imediatamente se avaliar a extrema carência dos serviços112. Claro que o número total de médicos no País é bastante superior. Mas a sua distribuição apresenta-se irregularíssima - 67 por cento estão concentrados nos distritos de Lisboa, Porto e Coimbra, onde a média é de 1 clínico para 660 habitantes, ao passo que no resto do País há 1 médico para 2800 pessoas. As condições actuais da medicina hospitalar não estimulam, antes contrariam, a modificação desse estado de coisas. Além disso, fora dos grandes centros, verifica-se sobretudo carência de médicos especializados, embora também de clínicos gerais, e aqueles faltam igualmente nas principais cidades113.
Pelo que toca à enfermagem, a míngua de pessoal é, porventura, ainda mais flagrante. A média geral cifra-se em uma unidade por 1600 habitantes, registando-se concentração paralela à dos médicos nos três distritos mencionados.
89. No capítulo das eventualidades a que ocorre o conjunto dos sectores da saúde e assistência, pode dizer-se que estes abarcam, em princípio, a protecção contra a generalidade dos riscos sociais, sem a predeterminação típica que caracteriza o seguro.
Como diz o Estatuto, aã assistência social propõe-se valer aos males e deficiências dos indivíduos, sobretudo pela melhoria das condições morais, económicas ou sanitárias dos seus agrupamentos naturais" (base I).
110 Assembleia Nacional, Parecer sobre as Contas Gerais ao Estado, 1958, vol. I, p. 275.
111 Anuário Estatístico de 1959, pp. 51 e 53; Dr. Miller Guerra "A Política da Saúde", Boletim da Assistência Social, ano 16.º, Julho a Dezembro de 1958, p. 335.
112 Dados fornecidos pela Direcção-Geral da Assistência, em relação a 1957.
113 Dr. Miller Guerra, artigo citado, pp. 305 e seguintes.
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As prestações assistenciais são, na essência, dos mesmos tipos das do seguro social - em espécie e em dinheiro. Idas, no .sistema português de assistência, as primeiras têm, de longe, a função primordial.
Consistem aquelas prestações em: 1) serviços de profilaxia (vacinações, medidas de higiene geral); 2) internamento em estabelecimentos de prevenção, tratamento ou reabilitação (hospitais, maternidades, sanatórios, manicómios, etc.); 3) internamento em estabelecimentos de assistência especializada (creches, orfanatos, asilos, recolhimentos, etc.); 4) serviços de assistência médica e medicamentosa (postos de consulta, clínicas, dispensários); 5) outras prestações em espécie (lactários, refeitórios, auxílios em vestuários, etc.).
Quanto às normas a que obedece a atribuição das prestações, importa referir as duas mais salientes.
A primeira diz respeito à preferência a dar às prestações de natureza preventiva ou recuperadora sobre as meramente curativas (Estatuto, base I, n.º 1.º).
A segui da refere-se à necessidade de inquérito assistencial (base VI, n.º 4.º), destinado não só a verificar o grau de insuficiência económica do assistido (means test), mas a adaptar as prestações ao condicionalismo próprio de cada caso.
As despesas efectuadas em 1958 pelos organismos e estabelecimentos oficiais e pelas instituições! particulares de saúde e assistência (excluindo, portanto, os gastos directos do Estado) foram as seguintes 114:
Contos
Organismos e estabelecimentos oficiais 603 768
Instituições particulares 425 798
l 029 566
90. Às receitas da organização portuguesa de saúde e assistêii3Ía já se fez alusão, ao referir a posição relativa do Estado e das actividades particulares nesses sectores (supra, n.º 65).
91. Resta aludir à estrutura administrativa da mesma organização, designadamente no aspecto da sua coordenação e direcção superiores.
As instituições e estabelecimentos de assistência particular - entre os quais se destacam as Misericórdias, de tradições seculares no País.- regulam-se por estatutos, compromissos e regulamentos aprovados pelo Governo. As Misericórdias competem funções de coordenação da assistência local, mormente no campo da assistência materno-infantil e hospitalar (Estatuto, base XVII).
No plano nacional e para os ramos principais da assistência, a acção dos organismos particulares é coordenada por institutos oficiais com autonomia administrativa 115.
Os serviços, institutos e estabelecimentos de saúde e assistência pública dependem das Direcções-Gerais de Saúde e da Assistência, conforme se trate de assegurar a coordenação da actividade sanitária e profiláctica, ou de dirigir e coordenar a acção dos estabelecimentos hospitalares e mais instituições de assistência.
Pelo Decreto-Lei n.º 41 825, de 13 de Agosto de 1958 (artigo l.º, foi criado o Ministério da Saúde e Assistência, para o qual foram transferidos os serviços de saúde pública e assistência, até então dependentes do Ministério do Interior.
E o Decreto-Lei n.º 42 210, de 13 de Abril de 1959 (artigo 3.º), instituiu o Conselho Coordenador do Ministério da Saúde e Assistência, presidido pelo Ministro.
Deve acrescentar-se que muitos serviços, estabelecimentos e actividades sanitárias, assistenciais e de previdência, no domínio oficial, estão dispersos por vários Ministérios.
Citam-se, entre outros: no Ministério da Justiça - a Federação das Instituições de Protecção à Infância; no Ministério do Interior - os partidos médicos municipais e os serviços de assistência e previdência da Guarda Nacional Republicana e da Polícia de Segurança Pública; no Ministério das Obras Públicas - o Comissariado do Desemprego; no Secretariado da Defesa Nacional - os Serviços Sociais das Forças Armadas; no Ministério da Educação Nacional - os serviços de saúde escolar, a Obra das Mães pela Educação Nacional, o Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, o Instituto Português de Oncologia, o Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto e o Instituto Dr. António Aurélio da Costa Ferreira; no Ministério do Exército- os hospitais militares; no Ministério da Marinha - o Hospital da Marinha; no Ministério do Ultramar - o Hospital do Ultramar e o Instituto de Medicina Tropical.
Além disso, referimos há pouco a acção de assistência das instituições de seguro social obrigatório, para além dos seus esquemas regulamentares. E pode ainda dizer-se que os organismos corporativos (grémios, sindicatos, suas federações e uniões) possuem, no geral, fundos destinados à concessão de subsídios assistenciais.
§4.º
O sector do seguro facultativo
92. Ao lado das instituições de seguro obrigatório, em que se pretende assentar a estrutura fundamental do sistema português de protecção contra os riscos sociais, e da, organização de saúde e assistência, que representa o seu complemento de mais larga extensão, cumpre referir o sector das instituições de seguro facultativo - as associações de socorros mútuos.
A sua acção reveste inegável interesse, justamente na medida em que tais instituições desempenham uma dupla finalidade - melhorar, para certas pessoas abrangidas pela previdência obrigatória, o esquema-base de eventualidades e prestações que esta proporciona; garantir protecção contra determinados riscos sociais a pessoas não sujeitas à obrigação do seguro.
Vimos nos capítulos anteriores o desenvolvimento que lá fora tiveram as instituições de seguro facultativo, nomeadamente sob a forma de mutualidades.
Entre nós, as associações de socorros mútuos têm dilatadas tradições - o seu primeiro diploma regulador data de 1890 -, mas nunca lograram grande projecção no País 116.
Em 31 de Dezembro de 1959 existiam 201 instituições deste tipo, abrangendo 511 375 filiados.
As suas receitas - essencialmente constituídas por quotizações e rendimentos de bens próprios - são, todavia, escassas, não tendo ultrapassado 97 769 contos naquele ano.
114 Elementos fornecidos pela Direcção-Geral da Assistência. Não suo ainda disponíveis os apuramentos relativos a 1959.
115 Instituto Maternal, Instituto de Assistência à Família, Instituto de Assistência aos Menores, Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, Instituto de Assistência aos Inválidos, Instituto de Assistência Psiquiátrica, Instituto de Assistência aos Leprosos e Instituto do Sangue (Decreto n.º 35 108. de 7 de Novembro de 1945, artigos 118.º e 114.º; Decretos-Leis n.ºs 36 450, 41 498 e 41 759).
116 Regem-se actualmente pelo Decreto n.º 19 281, de 29 de Janeiro de 1931, e legislação complementar.
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O regime financeiro das associações baseia-se predominantemente na capitalização. Os valores acumulados somavam, na referida data, 774 854 contos, a maior parte - cerca de 60 por cento - aplicados em títulos.
Relativamente às prestações concedidas - em que se destacam as pensões de sobrevivência, com um total de 25 554 contos - o seu quantitativo global, em 1959, foi de 59 556 contos, assim distribuídos 117:
QUADRO IX
[... ver tabela na imagem]
Designação Contos
Assistência médica e medicamentos 15 539
Subsídios pecuniários (doença, morte, funeral etc.) 16 100
Pensões (invalidez, velhice, sobrevivência e outras) 27 917
Total 59 556
As associações de socorros mútuos estão subordinadas ao Ministério das Corporações e Previdência Social e sujeitas à fiscalização do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência (Lei n.º 1884, artigo 14.º).
93. Ainda, no que se refere ao seguro facultativo, importa aludir ao instituto do "seguro continuados.
Aos beneficiários da previdência social obrigatória que, por terem deixado de exercer determinada profissão, por mudança de residência ou local de trabalho, ou por outro motivo, deixem de estar sujeitos à obrigação do seguro, é facultada a continuação deste para os riscos de invalidez, velhice e morte 118.
Os indivíduos que requeiram o seguro continuado obrigam-se ao pagamento das contribuições totais: correspondentes às modalidades em que ficam inscritos.
O regime do seguro facultativo incorporado nas próprias instituições de seguro obrigatório é, como vimos, fórmula adoptada em diversos sistemas legislativos para abranger na protecção do seguro certas categorias sociais difíceis de sujeitar à obrigatoriedade - como, por exemplo, os trabalhadores independentes ou aqueles cujos rendimentos excedam determinado limite (supra, n.º 22).
O desenvolvimento do espírito de previdência, que a utilização das formas de seguro facultativo necessariamente pressupõe, constitui um problema de educação quê, aliás, não tem sido descurado 118a.
§ 5.º
A coordenação superior do sistema
94. Foram oportunamente examinadas as fórmulas segundo as quais o problema da coordenação superior dos sistemas de segurança social tem sido resolvido nos diversos países (supra, n.º 54).
Entre nós, o princípio está consignado em vários diplomas, destacando-se no Estatuto da Assistência Social a base vi, norma 2.ª, já citada, segundo a qual a as actividades de assistência serão exercidas em coordenação com as de previdência, por forma a favorecer" o desenvolvimento desta ...".
O problema assume particular acuidade no que toca às prestações médicas.
A organização médico-social do seguro obrigatório tem, na orgânica vigente, o seu complemento nos serviços oficiais, de saúde e nos estabelecimentos de assistência particular. Em diversos aspecto:" - salvo no do internamento - as duas organizações são, de certo modo, concorrentes.
A ausência de articulação entre elas pode, efectivamente, dar lugar a abusos e fraudes por parte dos beneficiários, a conflitos de competência, a desperdício de recursos e meios de acção -numa palavra, a mau rendimento das duas organizações, que, neste aspecto, visam idêntica finalidade - a defesa da saúde.
O diploma legal que regulamentou o seguro-doença (Decreto n.º 37 762, de 24 de Fevereiro de 1950) estabeleceu, a tal respeito, regras concretas de coordenação dos serviços de previdência e de assistência, com base em um sistema de acordos entre os dois departamentos, para efeitos de consultas médicas, elementos de diagnóstico e internamento hospitalar [decreto citado, artigos. 7.º,n.º 1.º, alínea 6), 9.º e 10.º, alínea a)].
Na prática, porém, apenas em matéria de internamento para cirurgia geral foi possível celebrar o acordo de âmbito geral já referido entre os Serviços Médico-Sociais e a Direcção-Geral da Assistência.
A experiência do sistema pode considerar-se satisfatória, pois a percentagem de doentes internados relativamente aos pedidos de internamento subiu de 44,7 no 2.º semestre de 1958 (período inicial do acordo) para 70,6 em 1959 e 79,7 em 1960. Os casos de não internamento resultaram de falta de vagas nos hospitais 119.
Várias disposições legislativas, além das referidas acima, têm procurado instaurar diferentes formas de coordenação entre os sectores da previdência e os da saúde e assistência 120.
Nenhuma delas, no entanto, se mostrou exequível para alcançar o objectivo em vista.
A solução, por vezes preconizada, de integrar no Ministério da Saúde e Assistência os serviços médico-sociais das instituições de previdência não é de seguir - desde que do esquema do seguro social façam, parte as prestações sanitárias.
O seguro pressupõe - repete-se - a predeterminação dos grupos sociais abrangidos e o pagamento de prémios destinados especificamente a assegurar determinados benefícios. A integração do seguro-prestações médicas no âmbito de um departamento do Estado, cuja actividade, no aspecto sanitário, visa o conjunto
da população do País, significaria, necessariamente, como já atrás se frisou, a confusão entre as receitas do
117 Instituto Nacional de Estatística, Organização Corporativa e Previdência Social - 1959, pp. 82 e 83.
118 Decreto-Lei n.º 38 775, de 5 de Junho de 1952.
118a A este propósito não deve deixar de assinalar-se o esforço formativo e de divulgação que vem sendo realizado pelos órgãos executivos do Plano de Formação Social e Corporativa - a Junta de Acção Social, o Centro de Estudos Sociais e Corporativos e o Instituto de Formação Social e Corporativa- através dos meios de acção a que se refere a base X da Lei n.º 2085, de 17 de Agosto de 1956.
119 Informações prestadas pela Direcção-Geral da Previdência e Habitações Económicas. As cifras são as seguintes:
[... ver tabela na imagem]
Anos Pedidos de internamento Doentes internados Percentagem
1958 (2.º semestre) 1 778 795 44,7
1959 5 397 3 809 70,6
1960 7 563 6 030 7907
120 Citam-se, entre outras: Estatuto da Assistência Social, alínea c) da base XXI e n.º 2 da base XXII; Decreto-Lei n.º 32 674, de 20 de Fevereiro de 1943, artigo 31.º; Decreto-Lei n.º 85 108, artigos 12.º, § único, 15.º, n.º 13.º e § 5.º, 24.º, § 2.º, 27.º, 29.º, 34.º e 68.º Lei n.º 2036, de 9 de Agosto de 1949, bases XVI e XXIV; Lei n.º 2044, de 20 de Julho de 1950, bases III, IV, n.º l, e XIV; Decreto-Lei n.º 89 805, artigo 1.º, § 7.º, e Decreto-Lei n.º 41 286, de 23 de Setembro de 1957, artigo 5.º, n.º 4.º
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seguro e as receitas gerais do Estado afectas àquele departamento.
Os segurados passariam a ter a convicção - que, aliás, corresponderia à realidade - de que uma parte das suas contribuições teria como destinatários outras pessoas. Sentir-se-iam lesados na sua bolsa e nos seus direitos, sobretudo na hipótese - também muito verosímil nas condições actuais - de estes direitos se não poderem efectivar por carência de instalações, de pessoal, ou por outras dificuldades.
Uma fórmula intermédia, também frequentemente defendida, consistiria em transferir para o departamento da Saúde os serviços médico-sociais da previdência - mas não as competentes receitas. As caixas pagariam àquele departamento (ou às instituições dele dependentes) os serviços prestados aos seus beneficiários, desce que respeitassem a eventualidades abrangidas pelo seguro.
Semelhante fórmula, que implicaria o pagamento, total ou parcial, por cacto médico" ou a unidade de serviço" (consulta, tratamento, análise, radiografia, intervenção cirúrgica), ainda que na base de tabelas moderadas, tem-se revelado, na maior parte dos países que a adoptaram, incompatível com uma sã administração financeira do seguro social.
Conforme se lê no aludido relatório sobre o seguro-doença apresentado à Assembleia de Londres da Associação Internacional de Segurança Social, "são principalmente os regimes que aplicam o sistema do pagamento indirecto ou do reembolso, e não dispõem de instituições próprias para prestação dos serviços médicos, quis ficam expostos, durante períodos mais ou menos longos, a estados de desequilíbrio financeiro 121.
O pagamento, pelo seguro, de serviços prestados aos segurados por estabelecimentos públicos ou particulares de saúde deve, pois, ser regulado por acordo entre os sectores eu organismos interessados, no qual se definam, além do mais, os limites dos direitos dos beneficiários, e: II obediência às disposições legais e regulamentares que regem os esquemas do seguro.
O método dos acordos pode também servir para efectivar outra forma de colaboração entre os dois sectores, adoptada em alguns países: a da participação da previdência em investimentos destinados a construir e apetrechar serviços dependentes do departamento da Saúde, designadamente os da rede hospitalar. A essa participação deverá, logicamente, corresponder a representação da previdência na administração dos estabelecimentos assim instalados.
Dir-se-á que todos estes problemas desapareceriam se os cuidados médicos, em lugar de serem concedidos como prestações de um seguro, passassem a ser assegurados através de um serviço público, embora com gestão autónoma (cf. supra, n.ºs 51-52).
Para tanto, porém, seria necessário observar, pelo menos, ais condições já atirais referidas: l.ª, que esse serviço fosse comum a toda a população, sem dependência de status social ou económico; 2.ª, que fosse custeado por imposto especial, pois não se afigura socialmente recomendável que o devesse ser por força das receitas gerais do Estado; 3.ª, que a economia nacional pudesse suportar o esforço financeiro correspondente.
A primeira condição pressupunha a existência de um equipamento médico-sanitário suficiente e apto para atender à t necessidades de todo o agregado nacional.
A segunda condição implicava que do esquema de benefícios do seguro social deixassem de fazer parte as prestações médicas. Haveria então que resolver,
entre outras, duas questões basilares: a da indemnização a pagar ao seguro pela transferência das suas instalações médico-sociais para o serviço nacional; e a do controle das baixas, para efeito de processamento do subsídio de doença ou de maternidade, por meio de articulação entre as instituições de previdência e o serviço de saúde.
Enfim, a condição posta em terceiro lugar suscita o problema do custo do serviço nacional de saúde a criar.
Não é possível, com base nos elementos estatísticos existentes, organizar uma estimativa rigorosa a tal respeito.
A própria determinação da despesa global, actualmente realizada com o conjunto das prestações sanitárias, apenas pode fazer-se por aproximação, dada a carência de dados suficientes.
Computa-se aquela despesa ao redor de 1 250 000 contos anuais, com a seguinte distribuição (números redondos):
Contos
Estado e organismos oficiais de saúde122 650 000
Seguro social obrigatório123 200 000
Instituições particulares e associações de socorros mútuos124 400 000
1 250 000
A esta cifra corresponde o custo, por habitante, em 1959, de 138$. Tal encargo representa, em função do rendimento médio por pessoa activa, estimado para o mesmo ano em 16 840$, a percentagem de 0,8.
Relativamente ao montante do produto nacional ao custo dos factores, no referido ano, aquele custo global situa-se em 2,2 por cento.
Ora, do estudo internacional atrás mencionado (n.º 52), acerca do custo dos cuidados médicos em quinze países, apurou-se que a respectiva capitação oscilava entre 1,75 e 2 por cento do rendimento médio por pessoa activa e o total das despesas entre 3,6 e 4,5 por cento do rendimento nacional.
Quer dizer: o custo das prestações sanitárias em Portugal não excede cerca de metade do daquele conjunto de países.
Evidencia-se, ainda, que a incidência do sector do seguro social neste custo é apenas de 16 por cento. Se se considerarem sómente os serviços médico-sociais da Federação e das caixas não federadas, aquela percentagem desce para 14,6.
Dada a reduzida proporção das prestações sanitárias da previdência na despesa global, pode admitir-se que
121 A. I. S. S., L'Assurance-maladic, "Rapport", cit., p. 19.
122 Nus despesas do Estado consideraram-se as realizadas directamente com serviços de saúde pelas Direcções-Gerais de Saúde e da Assistência, num total de 44 605 contos, segundo o Orçamento Geral do Estado para 1960. Quanto aos organismos oficiais, utilizaram-se as previsões de despesa dos serviços e estabelecimentos de carácter sanitário dos vários Ministérios, segundo o mapa n.º 2 do preâmbulo daquele orçamento e os desenvolvimentos anexos relativos à Misericórdia de Lisboa (na parte imputável a actividades sanitárias) e aos Hospitais Civis. O montante global apurado foi de 605 659 contos. Não compreende os corpos administrativos.
128 I. N.º E., Organização Corporativa e Previdência Social - 1959, cit. Inclui, além das caixas de previdência e sua federação, as Casas do Povo, as Casas dos Pescadores e a Junta Central das Casas dos Pescadores. O total dos gastos em 1959 foi do 199 655 contos.
124 Relativamente às instituições particulares de saúde e assistência, as despesas realizadas com auxílios em espécie, incluindo a acção médico-social e hospitalar e a parte proporcional nas despesas de carácter administrativo, segundo elementos fornecidos pelo Ministério da Saúde e Assistência para 1958, somaram 379 373 contos. No tocante às associações de socorros mútuos, a despesa realizada em 1959 com assistência médica e farmacêutica, conforme o quadro IX (supra, n.º 92), foi de 15 539 contos.
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os desperdícios provenientes de eventuais sobreposições de serviços vão, sobretudo, incidir nos dois outros sectores - o que confirma que a necessidade de coordenação se faz sentir, em primeira linha, dentro de cada sector.
Do exposto parece poder concluir-se que o custo de um serviço nacional de saúde em Portugal - partindo do princípio de que seria necessário duplicar as despesas actuais para trazer as prestações desse serviço ao nível internacional - deveria situar-se à volta de 2 500 000 contos, isto é, em cerca de 4 por cento do produto nacional.
Supõe-se não ser viável ir a curto prazo para tal solução, salvo quanto ao sector da medicina preventiva e sanidade geral, em que nada obsta se mantenha e aperfeiçoe o regime de serviço público já em vigor, sob a alçada do Ministério da Saúde e Assistência.
No mais, enquanto a fórmula da organização nacional de saúde nos aspectos curativo e recuperador não for exequível, o que se mostra sem dúvida imperioso e urgente é coordenar de modo eficaz os departamentos responsáveis pelos serviços sanitários oficiais e pelo seguro-prestações médicas.
A instauração de um só Ministério para todos os sectores da política social ou, pelo menos, da segurança social poderia revelar-se porventura como solução mais orgânica e eficiente, à semelhança do que acontece em grande número de países (cf. supra, n.º 54).
Afastada, por ora, esta via, torna-se, pelo menos, indispensável criar um órgão, ao nível ministerial, encarregado de definir as directrizes gerais da política de coordenação e assegurar a sua execução efectiva.
Ao nível dos serviços, aquela política deverá realizar-se, sobretudo, através de acordos negociados entre os departamentos, organismos e instituições interessados, desenvolvendo-se e aperfeiçoando-se a prática já em vigor, de harmonia com as directrizes que vierem a ser estabelecidas na matéria.
§ 6.º Síntese deste capítulo
95. Antes de passar à apreciação da proposta de lei sobre a reforma da previdência social, importa fazer a síntese dos principais pontos em que o sistema português reclama estudos e providências adequados à sua necessária expansão e aperfeiçoamento, com particular referência ao sector do seguro obrigatório, tendo em vista as observações formuladas ao longo do presente capítulo.
A] Quanto ao campo de aplicarão da previdência social:
1) Não obstante os esforços realizados, sobretudo a partir da guerra, o seguro social obrigatório, na metrópole, apenas nos sectores da indústria, comércio e serviços atingiu expansão satisfatória.
2) A insuficiência de protecção pelo seguro reveste especial acuidade no sector primário (agricultura, silvicultura e pecuária), onde o índice de cobertura é apenas de um quinto.
3) Nos sectores secundário terciário há, sobretudo, que encarar o efectivo alargamento do seguro aos trabalhadores por conta própria.
B) Quanto às eventualidades:
4) Na indústria, comércio e serviços, a previdência obrigatória não inclui a maternidade (salvo para as prestações médicas durante o parto), a sobrevivência (excepto em casos especiais), o desemprego, os acidentes de trabalho e as doenças profissionais. 5) Na agricultura e na pesca, o esquema é mais restrito e a sua organização baseia-se essencialmente em moldes assistenciais.
C) Quanto às prestações:
6) Na indústria, comércio e serviços, é pelo que toca às prestações em dinheiro, os principais reparos dizem respeito: ao limite de duração do subsídio de doença; à falta de articulação entre a doença e a invalidez; às bases de cálculo das pensões; à natureza puramente individual destas; e à impossibilidade do seu reajustamento perante variações sensíveis do custo da vida.
7) Quanto às prestações médico-sociais, e para os mesmos sectores, as observações consistem: na falta de uma organização de medicina preventiva, especialmente de medicina do trabalho; na carência de hospitalização em clínica médica e especialidades; nos limites de duração da assistência medicamentosa.
8) Na agricultura: escassez acentuada de todos os benefícios, nomeadamente das prestações médicas (não incluem medicamentos, elementos, de diagnóstico, nem internamento) e do subsídio por morte; curto limite de duração do subsídio na doença; concessão das restantes prestações sob a forma de assistência.
D) Quanto aos meios financeiros:
9) Na agricultura: insuficiência do actual nível de quotizações; necessidade de revisão do sistema de contribuição patronal.
10) No que se refere ao custo do sistema relativamente ao rendimento nacional: posição favorável do País em relação à maior parte das nações .da Europa Ocidental; conveniência de atender, neste aspecto, às implicações do movimento de integração europeia.
E) Quanto ao equilíbrio financeiro:
11) Na indústria, comércio e serviços: necessidade de substituir a capitalização, como método de financiamento das pensões, por um regime misto, que permita distribuir parte apreciável das receitas e melhorar o esquema de eventualidades e benefícios, sem comprometer o equilíbrio do sistema e as necessidades da economia nacional.
F) Quanto à organização administrativa:
12) Na indústria, comércio e serviços: necessidade de unificar o sistema e ocorrer aos inconvenientes da organização de essência profissional ou económica, através de instituições de base geográfica (distrital para as prestações temporárias; nacional para as pensões).
13) Posição complementar das instituições de natureza empresarial ou corporativa, sem prejuízo da compensação geral do custo do sistema.
G) Quanto à coordenação superior do sistema:
14) Indispensável assegurar, por forma eficaz, a coordenação orgânica entre os principais sectores que integram o sistema português
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de protecção contra os riscos sociais: a previdência, os serviços oficiais de saúde (sanidade geral e organização hospitalar) e a assistência stricto sensu. O problema reveste particular importância no que respeita às prestações médico-sociais. Sugere-se a criação de um órgão, ao nível ministerial, encarregado de estabelecer as directrizes e assegurar a execução da política coordenadora. Ao nível dos serviços, a coordenação deverá efectivar-se principalmente através de acordos entre os departamentos e organismos interessados.
CAPITULO IV
A proposta de lei
§ 1.º Preliminares
96. É chegado o momento de nos debruçarmos sobre o projecto de proposta de lei a que respeita o presente parecer.
Num plano de generalidade, importa apreciar em que medida ele vem ao encontro das necessidades reveladas pela sistema português de protecção contra os riscos sociais, tendo em vista a análise que acaba de fazer-se e as solicitações do nosso tempo postas em relevo no capítulo sobre a problemática da segurança social.
Nessa apreciação seguir-se-á uma razão de ordem paralela a dos capítulos anteriores.
§ 2.º
Campo de aplicação
97. A primeira observação geral diz respeito ao campo de aplicação da proposta, e é a seguinte: todo o conjunto de medidas projectadas refere-se principalmente ao sector da previdência obrigatória na indústria, comércio e serviços.
Há, é certo, algumas alusões às Casas do Povo e às Casas dos Pescadores, na classificação das instituições de previdência [base I, n.º 2, alíneas a) e 6)] e na sua definição (base II, n.º 2), bem como à cooperação a prestar pelas caixas regionais de previdência às Casas do Povo (base XVIII).
Nenhuma providência concreta se encara, porém, quanto à necessidade de alargar, directamente, é âmbito da previdência à nossa gente do campo.
Ao meio rural interessam, sobretudo, por corresponderem às necessidades mais instantemente sentidas, a concessão de prestações médicas e o seguro-invalidez.
A referida base XVIII fala, como se disse, de cooperação a prestar pelas caixas regionais "na assistência médico-social aos trabalhadores rurais e na protecção às famílias dos mesmos trabalhadores, devendo celebrar-se entre umas e outras os convenientes acordos para utilização recíproca dos respectivos serviços".
Mas esta fórmula não parece conter solução inteiramente satisfatória para o problema - a menos que as caixas de previdência passem a instalar serviços médicos em zonas onde não tenham beneficiários ou estes sejam escassa minoria relativamente aos trabalhadores agrícolas.
As duas organizações - caixas de previdência e Casa do Povo - têm, no regime actual e no da proposta, campos de aplicação diferentes e, por isso, - repete-se - tais acordos não podem, sem forçar o enquadramento e os princípios vigentes, estender-se aos meios estritamente rurais.
Não menos premente é o problema da invalidez do trabalhador campesino. O meritório esforço realizado neste capítulo pelas Casas do Povo tem os estreites limites já assinalados.
É certo que - como se referiu - as federações de Casas do Povo podem, nos termos da respectiva lei orgânica, realizar por si os objectivos destes organismos nas zonas onde eles não existam (cit. Decreto-Lei n.º 41286, artigo 6.º). Mas semelhante fórmula - além de ser susceptível de contrariar o alargamento da rede de Casas do Povo, uma vez que os serviços das federações se lhes substituem para todos os fins - tem o grave óbice de não favorecer a compensação financeira entre o sector agrícola e os restantes (indústria, comércio, serviços), efectuada através das caixas regionais de previdência e da instituição central de pensões - compensação que, conforme se frisou (n.º 79), parece indispensável para suprir as limitadas possibilidades da economia agrária, além de representar um imperativo de justiça distributiva e de solidariedade nacional.
Julga-se, assim, ser solução mais prática e eficaz a de integrar progressivamente os trabalhadores rurais e equiparados nas caixas regionais de previdência para o seguro-prestaçôes médicas e, logo que possível, na Caixa Nacional de Pensões para o de invalidez.
Não constituiria impedimento a essa integração o facto de ela se fazer apenas nas referidas modalidades, por isso que, tanto as instituições regionais como a nacional, deverão ter, para cada ramo de seguro, contabilidades separadas.
O enquadramento dos trabalhadores agrícolas na organização geral de previdência, longe de tolher, antes estimularia o desenvolvimento da rede de Casas do Povo, pois estas seriam os órgãos periféricos das caixas regionais e da caixa central para a verificação dos direitos dos beneficiários, cobrança de receitas e concessão das prestações. E, do mesmo passo, libertar-se-iam aqueles organismos da maior parte das preocupações financeiras que os assoberbam, facultando-lhes mais largas perspectivas no prosseguimento dos seus restantes objectivos institucionais.
Acresce que tal enquadramento é condição sine que non da futura inclusão, adiante preconizada (infra, n.º 102), dos riscos de acidentes e doenças profissionais no sistema da previdência social, pois o regime actual do seguro privado já abrange, para esses riscos, os trabalhadores do campo.
Restringindo-se o seguro, na fase inicial, apenas às prestações sanitárias e à invalidez, o seu custo não acarretaria acréscimo incomportável de encargos para a lavoura. Apontou-se, no capítulo anterior (n.º 80) o encargo diminuto que o sector agrícola - no seu conjunto, é claro - tem suportado para a previdência. Não deve esquecer-se, como já se salientou, que o custe do seguro social não é um custo novo, pois de qualquer modo - directamente, pelo encargo que muitos patrões agrícolas decerto têm suportado e continuariam a suportar, ou indirectamente, através da parte que nas contribuições do Estado e das câmaras se destina à assistência - sempre a lavoura teria de arcar, em grande parte, com as consequências da enfermidade ou da invalidez dos seus trabalhadores.
Logo que os resultados da execução destas medidas e do novo regime financeiro da previdência o permitissem, seria do maior interesse encarar o alargamento do esquema de prestações em benefício da população rural, designadamente no que se refere ao abono de família.
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98. Outro problema relativo ao campo de aplicação diz respeito aos chamados trabalhadores independentes ou, para usar a terminologia da proposta (base I, n.º 3), das a pessoas que, sem dependência de entidades patronais, exercem determinadas profissões, serviços ou actividades».
A fórmula encarada para a inclusão destas categorias no seguro é a da criação de um tipo especial de instituições - caixas de reforma ou de previdência - com um esquema de eventualidades limitado à invalidez, velhice e morte (base XX).
A questão interessa aqui especialmente aos trabalhadores por conta própria na indústria, comércio e serviços. No meio agrícola, como é sabido, os trabalhadores autónomos, cujo teor de vida se não distinga do comum dos rurais, estão, em princípio, ao abrigo das Casas do Povo, e assim continuariam amanhã no âmbito das caixas regionais de previdência.
Ora, tivemos ocasião de referir (supra, n.º 34), quanto, hoje em dia, é precária a situação dos pequenos artífices, industriais, comerciantes e outras pessoas que trabalham por sua conta nos sectores secundário e terciário.
Sem dúvida que a protecção contra a invalidez, a velhice e a morte já constitui para esses grupos sociais inestimável benefício. E, sob tal aspecto, a medida preconizada na proposta só merece aplausos.
Mas, como também nos foi dado observar, o risco que, nos tempos actuais, mais frequentemente se verifica, e constitui gravame quase sempre incomportável para a economia familiar dessas classes - além de ameaçar a própria vida -, é p risco de doença e, neste, sobretudo, o custo dos cuidados médicos.
Nenhum programa de seguro social, por muito limitado que seja, pode actualmente prescindir da cobertura da doença, ao menos no aspecto curativo.
Parece, pois, deverem os trabalhadores independentes ser admitidos ao seguro-doença nas caixas regionais na modalidade de prestações em espécie, pagando a respectiva capitação ou, de preferência, uma quota em função dos rendimentos sobre que descontem - para as reformas.
§ 3.º
Eventualidades
99. A proposta contém a este respeito as seguintes providências, quanto aos trabalhadores por conta de outrem:
a) Inclui desde já a maternidade no esquema normal dos seguros a curto prazo (base IV, n. l);
b) Prevê um regime especial para a protecção da tuberculose (base IV, n.º 2);
c) Projecta a inclusão do desemprego involuntário nos termos que vierem a ser determinados (base IV, n.º 4).
No concernente à maternidade, que já beneficiava de serviços médicos durante a gravidez e o puerpério, pretende-se agora conceder subsídio pecuniário nos mesmos termos do de doença - o que se afigura inteiramente desejável.
Quanto à tuberculose, deve esclarecer-se que não se trata de doença excluída do actual esquema de eventualidades. As caixas de previdência concedem subsídios e prestações sanitárias aos tuberculosos nos termos regulamentares, além de outros benefícios por força dos respectivos fundos de assistência.
Encara-se no projecto a concessão de subsídios pecuniários nessa doença, certamente por tempo superior aos 270 dias do regime actual.
Do relatório da proposta (n.º 59) vê-se que, em matéria de cuidados sanitários para além dos limites vigentes, se conta com a colaboração do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos.
Sem dúvida que desta coordenação de esforços, ha medida em que seja possível efectivá-la por forma satisfatória para ambos os sectores, sómente poderão advir vantagens.
Pela Lei n.º 2044, de 20 de Julho de 1950, que aprovou as bases da luta contra a tuberculose,, os encargos da assistência, prestados pelos estabelecimentos e serviços dependentes daquele Instituto aos beneficiários das caixas de previdência, serão regulados por acordo entre o mesmo organismo e as instituições interessadas (base XIV n.º 4).
Encontra-se em vias de conclusão o primeiro acordo celebrado nos termos deste preceito, o qual visa, fundamentalmente, os serviços de vacinação, radiorrastreio e tratamento em regime ambulatório. Não inclui, por ora, a sanatorização, nem a recuperação profissional do doente 125.
A concessão de subsídio pecuniário aos tuberculosos representa benefício de fundamental relevância, pois, como se nota no relatório ministerial, «muitas vezes os trabalhadores não aceitam a sanatorização ou regressam prematuramente à sua actividade profissional, para não deixarem a família abandonada à sua sorte e talvez na miséria por falta de salário.
A única dificuldade está em que, na tuberculose, o tratamento incompleto ou deficiente pode dar lugar à reactivação da doença e, por isso, sem uma conexão estreita entre as duas ordens de benefícios o subsídio e a .acção médica - não são de esperar resultados satisfatórios. Ora, pelo sistema projectado, enquanto o subsídio passará a constituir um direito do beneficiário e a ser garantido enquanto durar a doença, a concessão das prestações sanitárias, para além dos limites do acordo em perspectiva, continua a ficar dependente das possibilidades dos fundos de assistência das instituições.
Torna-se, assim, necessário encarar, logo que possível, o alargamento deste regime, por forma a garantir, sob as condições convenientes para prevenir abusos, o tratamento e a recuperação completos do trabalhador.
100. A inclusão do desemprego involuntário nas eventualidades a cobrir pelo seguro social constava já, como vimos, das primeiras leis que introduziram o sistema vigente.
Projecta-se agora dar realidade a um propósito que data de um quarto de século.
Da ineficácia e completa desactualização do regime actual, como sistema de «combate ao desemprego», não pode sequer duvidar-se.
O próprio relatório do diploma que criou o Comissariado do Desemprego (o citado Decreto n.º 21 699, de 1932) dizia textualmente:
O presente decreto não se destina a criar uma nova modalidade permanente de utilização da mão-de-obra. Condensa meia dúzia de tentativas para atenuar a crise da hora que passa ...
Pela forma como organizou o Comissariado, quis o Governo vincar-lhe a natureza de órgão transitório; e a sua mais alta e delicada missão será ir preparando, desde o primeiro dia do seu funcionamento, as condições da sua extinção ...
125. Informações prestadas pela Direcção-Geral da Previdência e Habitações Económicas. Segundo a mesma fonte, algumas caixas não federadas têm concedido sanatorizações dentro das possibilidades dos seus fundos de assistência, no que despenderam, em 1959, cerca de 167 contos.
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Isto es ire via-se em 1932 ... Passou a crise que o diploma í e destinava >a combater, passaram vinte e nove anos e o I órgão transitórios transformou-se em permanente ...
E fácil mostrar, em poucas linhas, como essa ameia dúzia, de tentativas», aliás ditadas por um pensamento sempre actual o de «dar trabalho» aos desempregados, em vez de «subsídios», deixaram de ter significado como meios de protecção contra o desemprego.
O decreto de 1932 classifica todos os trabalhadores em quatro grupos: I) empregados de comércio e escritório; II) trabalhadores de qualquer ofício, exceptuada a construção civil; III) pessoal da construção civil; IV) trabalhadores rurais e outros sem profissão definida 126.
A respectiva colocação, quando desempregados, deve ser feita nas seguintes actividades:
Operários e aprendizes do grupo III e trabalhadores urbanos do grupo IV - Obras de melhoramentos urbanos e de águas e saneamento;
Rurais do grupo IV - Arborização de serras e dunas, correcção florestal de bacias hidrográficas e regularização de correntes; arborização e policiamento de estradas; obras de melhoramentos rurais.
Quanto aos desempregados dos grupos I e II, apenas se admite, em princípio, a possibilidade da sua requisição, por serviços públicos ou empresas privadas, em regime de «trabalho subsidiado» 127.
Daqui se infere imediatamente que só quanto aos grupos III e IV se prevê a ocupação em determinados trabalhos públicos. Fará os restantes fica apenas a expectativa da requisição.
Ora, relativamente à abertura de trabalhos públicos, nenhuma dúvida de que, por seu intermédio, é possível promover a elevação do nível de emprego. Mas o que já não pede aceitar-se é que, tratando-se naturalmente de obras de interesse geral, elas sejam custeadas, embora parcialmente, por descontos sobre os salários - principal fonte de receita do Fundo de Desemprego -, em vez de sê-lo pelas receitas gerais do Estado. Acresce que os principais contribuintes daquele Fundo - os trabalhadores dos grupos I e II - pouco ou nada beneficiam do sistema.
Demais, nenhumas garantias existem de que a comparticipação em obras vá efectivamente ocupar os desempregados dos grupos III e IV, pois nem sempre há trabalhos públicos a efectuar nas zonas onde o desemprego se verifica.
Quanto aos «subsídios de trabalho», o número de indivíduos a beneficiarem deles, em 31 de Dezembro de 1959, era apenas de 3897, e o montante dos subsídios não excedia 36 277 contos 128.
Nesse mesmo ano, a receita global do Fundo de Desemprego atingiu 277 779 contos, e as despesas de comparticipações em obras foram de 132 734 contos 129.
A fórmula do «subsídio de trabalho» suscita também as mais fundadas objecções. E que, de duas uma: ou a ocupação do trabalhador corresponde a uma necessidade real do serviço ou da empresa requisitante, e então deve aquele ter direito à remuneração integral paga pela entidade que o ocupa, ou não corresponde e, nesse caso, trata-se de uma fórmula artificial de resolução do problema - que pode ter muito de beneficência mas é com certeza antieconómica.
Para além destes meios de acção comparticipação em obras públicas e subsídios de trabalho sabe-se que o Comissariado tomou a meritória iniciativa de manter centros de trabalho e aperfeiçoamento profissional, com os quais despendeu, em 1959, perto de 4243 contos, e entregou ao Instituto de Assistência à Família e ao Fundo Comum das Casas do Povo, para assistência a desempregados e subsídios de invalidez a trabalhadores rurais, 30 855 contos.
Mas o sistema repousa essencialmente nas duas fórmulas acima enunciadas, cuja ineficácia, no ponto de vista do combate ao desemprego, e cuja inconveniência no aspecto de justa distribuição dos encargos, se revelam evidentes a todas as luzes.
Deve concluir-se daí que a solução consiste em instaurar, tão rapidamente quanto possível, um seguro social contra o desemprego, conforme se prevê na proposta de lei?
Vimos noutro lugar (supra, n.º 13) que o seguro-desemprego se desenvolveu sobretudo durante os anos de depressão económica que se seguiram à crise mundial de 1929-1930. Depois da guerra, apenas cinco países - Austrália (1944), Grécia (1945), Japão (1947), Uruguai (1944) e Espanha (1954) - introduziram aquele seguro. E no conjunto dos seguros sociais representa, ainda hoje, o ramo menos praticado - apenas por 26 países.
Como se lê numa publicação recente da Repartição Internacional do Trabalho, o seguro-desemprego é um dos mais difíceis de organizar e administrar. Pressupõe, como condição prévia, a existência de um serviço de emprego e colocação eficiente e experimentado, a articular estreitamente com o seguro. Exige, depois, um trabalho de verificação sistemática, em cada caso, das condições de atribuição das prestações, bem como da subsistência do estado de desemprego involuntário, a fim de evitar a fraude e o estímulo à ociosidade.
Por outro lado, tem pouca utilidade se a grande massa da população activa é de trabalhadores não diferenciados. A maioria dos países em que funciona aquele seguro tem uma economia essencialmente industrial com uma mão-de-obra altamente qualificada 13º.
Deve ainda dizer-se que o seguro-desemprego não pode ocorrer a todas as formas de desocupação, designadamente à do desemprego maciço ou generalizado, imputável à insuficiência ou instabilidade da procura global em relação à oferta de bens de consumo e de equipamento.
O seu campo de acção deve restringir-se às restantes formas de desemprego -friccionai e estacionar, bem como ao subemprego que caracteriza os países pouco industrializados em que a densidade da população, com referência à superfície de terras cultiváveis, é excessiva - como sucede em certas regiões do nosso país.
De qualquer maneira, um seguro contra o desemprego não pode funcionar isoladamente. Implica, antes do mais, o planeamento de uma política de desenvolvimento económico com vista a assegurar altos níveis de emprego. E requer, além disso, como há pouco frisámos, a organização de serviços de estudo do mercado do trabalho, de formação e reeducação profissional e de colocação, eficientes, distribuídos por todo o Pais e. intimamente coordenados com o seguro.
A necessidade desta coordenação levou, em certos países, a atribuir ao próprio serviço de emprego a verificação do direito aos benefícios do seguro e o pagamento dos subsídios.
Em suma, crê-se que a criação do seguro contra o desemprego, entre nós, pressupõe, numa primeira fase, a organização, sob a alçada do Ministério das Corporações e Previdência Social, dos serviços acima enuncia-
126 Decreto n.º 21 699, artigo 44.º
127 Decreto n.º 21 699, artigo 47.º
128 Elementos fornecidos pelo Comissariado do Desemprego.
129 Idem.
13. B. I. T., La sécurité sociale, cit., p. 95.
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dos, nos quais se deve transformar, quanto antes, o actual Comissariado do Desemprego.
Numa segunda fase, que não deveria ser retardada, proceder-se-ia à instauração do seguro, tendo, em vista, além do mais, a articulação estreita com aqueles serviços, nos termos acima referidos 131.
101. Relativamente à sobrevivência, nenhuma alusão contêm as bases da proposta de lei.
Apenas no relatório ministerial se observa que a inclusão de pensões de sobrevivência no esquema normal das caixas cesta estreitamente ligada aos problemas respeitantes à execução do seguro de reforma e seu regime financeiro» (n.º 28, in fine).
Compreende-se perfeitamente a prudência com que o Governo se propõe encarar este aspecto do seguro social. As pensões de sobrevivência, pelo número de eventuais destinatários e pela duração dos benefícios, são prestações de custo elevado.
E já se acentuou, neste trabalho, ser preferível sacrificar um ou outro ramo de eventualidades do que conceder prestações insuficientes ou inadequadas (supra, n.º 42).
Por outro lado, os problemas de ordem moral suscitados pelas pensões de sobrevivência, sobretudo os respeitantes às viúvas dos segurados, requerem também ponderada e cuidadosa regulamentação.
Nenhuma destas dificuldades, porém, é intransponível, e sem dúvida que a protecção das famílias cujo sustento depende exclusivamente do trabalho do seu chefe é objectivo do mais largo alcance social.
Espera-se, pois, que a revisão do regime financeiro da previdência portuguesa permita encarar, em, futuro próximo, a inclusão da sobrevivência nas eventualidades cobertas pelo seguro social.
102. A proposta é por igual omissa quanto ao problema dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, com vista à sua integração naquele seguro.
O regime vigente, como atrás se aludiu, funda-se ainda no princípio da responsabilidade patronal, com a transferência facultativa para companhias privadas de seguros.
Na prática, essa transferência acha-se feita em relação à grande maioria dos casos.
A importância total de prémios líquidos pagos às empresas seguradoras no ano de 1959, para a cobertura daqueles riscos, foi de 331 422 contos 13a.
Já na altura da segunda guerra mundial, como se viu (supra, n.º 13), a tendência das legislações nacionais era no sentido da integração do seguro-acidentes nos sistemas de seguros sociais. Actualmente, na Europa, só a Bélgica (apenas para os acidentes), a França para os trabalhadores da agricultura, a Irlanda e Portugal, que saibamos, mantêm o regime do seguro privado de carácter facultativo. Noutros países (Dinamarca, Finlândia, Holanda e Espanha) o seguro é compulsivo, mas pode ser efectuado em empresas privadas ou em mútuas das entidades patronais. Nos restantes países - a grande maioria - o sistema exclusivo é o do seguro social obrigatório.
131 Veja-se, sobre toda esta matéria: B. I. T., Lês systèmes da'assurance-chômage, Genève, 1955; Social security programt throughout the world, p. xvn; Dr. António Júlio de Castro Fernandes, A Segurança dos Trabalhadores através do Seguro Social, Lisboa, 1947, p. 77; Dr. Luís Vaz de Sousa, Desemprego e Seguro Social, comunicação ao IV Congresso da União Nacional, separata do Boletim da Assistência Social, Janeiro-Junho, 1957.
132 Anuário Estatístico de 1959, p. 94.
As razões aduzidas para dar preferência a esta última fórmula são as que seguidamente se resumem.
A tomada do risco por sociedades comerciais com fins lucrativos encarece naturalmente o custo do seguro. E, como diz Venturi, à consciência pública parece chocante que um regime de protecção social, tornado coactivo pelo Estado em benefício de grupos económicamente débeis, constitua objecto do comércio de seguros 133.
Alega-se, em contrário, que, tratando-se de riscos que acarretam responsabilidade civil, cujo ónus recai sobre o empresário, eles escapam por natureza ao âmbito do seguro social. Mas o argumento envolve uma petição de princípio, pois o problema que se põe é justamente o de saber se a regra da responsabilidade objectiva do empresário pelos riscos profissionais é de conservar como fundamento da protecção do trabalhador contra tais eventualidades, ou se, dada a natureza inquestionavelmente social daqueles riscos, a sua cobertura deve passar a fazer-se em regime de seguro social obrigatório.
Nenhuma dúvida pode, na verdade, suscitar-se quanto ao carácter social dos riscos de acidentes e doenças profissionais, dada a sua generalidade, a sua estreita conexão com as condições de execução do trabalho na economia contemporânea e os seus efeitos no ponto de vista da privação ou redução dos meios de existência.
A única dificuldade que, em alguns países, se experimentou, quanto à integração daqueles riscos no seguro social, foi a resultante do nível geralmente mais elevado das prestações atribuídas pela lei aos sinistrados, relativamente aos demais beneficiários do seguro. A evolução posterior, no sentido de melhorar e tornar mais eficientes os benefícios da previdência obrigatória, esbateu em grande parte tais diferenças.
Mas a protecção social daqueles riscos não envolve apenas o aspecto da indemnização pelas suas consequências, e sim, simultaneamente, o problema da prevenção dos sinistros e doenças, e o da reabilitação profissional dos sinistrados.
O primeiro destes problemas está directamente relacionado com a estruturação de uma rede de serviços de medicina do trabalho nas empresas.
Em Portugal continuamos, nesta matéria, salvo iniciativas isoladas de alguma empresa mais importante, praticamente no zero.
A medicina do trabalho tem, aliás, campo de acção bastante mais vasto do que o da prevenção dos acidentes e doenças profissionais. Visa, de modo geral, a proteger os trabalhadores contra todas as ameaças à sua saúde, resultantes do trabalho ou das condições em que este se efectua, e a velar pela adaptação física e mental do operário à tarefa que lhe é destinada 134.
Por outro lado, a protecção contra os acidentes e as doenças do trabalho requer, simultaneamente, o funcionamento de serviços de reabilitação e reeducação profissional, a fim de restituir à vida activa, na mesma ou noutra profissão, o trabalhador diminuído por efeito da doença ou do sinistro sofridos.
Também, neste aspecto, a acção do Estado e das companhias seguradoras tem sido, entre nós, praticamente inexistente.
Quanto ao sector oficial, a Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, pela qual ainda hoje se rege a matéria de acidentes e doenças profissionais, mandava criar,
133 Venturi, ob. cit., p. 74.
154 Veja-se B. I. T., L'organisation dês services de médecine du travail dans Ventreprise, Conférence Internationale du Travail, 43 eme session, Eapport IV, Genève, 1959.
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em anexe aos tribunais do trabalho, «um serviço especial de readaptação» (artigos 41.º a 43.º). Nunca se cumpriu este programa.
Sabe-se estar em vias de realização, pela Misericórdia de Lisboa, a construção e o apetrechamento de um centro de readaptação de diminuídos físicos, que constitui a primei] a achega de vulto para tão agudo problema.
Quanto às companhias seguradoras, não consta que, até ao presente, tenham promovido, ao menos com carácter de generalidade, a reabilitação dos sinistrados a quem pagam indemnizações ou pensões 135.
Há, pois, necessidade de rever o sistema e, através do a argumento da previdência social, bem como da organização de serviços de prevenção e recuperação eficientes proporcionar às vítimas de acidentes e doenças profissionais a protecção a que têm direito, e à economia nacional maior produtividade do trabalho - evitando a perda de inúmeros dias de labor, e trazendo para a vida activa tantos inválidos recuperáveis. Crê-se que só uma organização obrigatória, de natureza pública eu quase pública, como a da previdência, poderá mobilizar os meios técnicos e financeiros necessários para assegurar, à escala nacional, a consecução de tais objectivos.
No aspecto da reparação, cumpre ainda notar que um sistema de compensação nacional, como o inerente à previdência obrigatória, fará decerto baixar o custo administrativo do seguro contra aqueles riscos. Os mesmos serviços que concedem os subsídios ou as prestações sanitária:, nas restantes eventualidades passam a concedê-los lambem nos casos de acidentes e doenças do trabalho.
Enfim, dir-se-á que, no sentido da integração dos acidentes e doenças profissionais na previdência social, se pronunciou já a Câmara Corporativa, ao emitir parecer sobre o Estatuto da Assistência Social.
Aí se escreveu: a O desemprego, a invalidez, a velhice, a doença, os acidentes no trabalho, a falta do chefe de família, são riscos que devem estar cobertos pela presidência social 13º.
§ 4.º
Prestações
103. Toda a revisão da matéria de prestações do seguro obrigatório foi, de modo geral, deixada pela proposta para os diplomas que hão-de regulamentar as bases da lei.
Apenas em relação à tuberculose se prevê a concessão de subsídios pecuniários.
Ora, como vimos noutro lugar (supra, n.º 42), o problema das doenças prolongadas - com a inerente necessidade de alargar os limites de duração do subsídio pecuniário e das prestações em espécie - é hoje uma constante da generalidade dos sistemas de segurança social.
138 É claro que as observações formuladas no texto visam a falta de uma organização permanente e generalizada de medicina do trabalho e de prevenção de acidentes e doenças, e não esquecem que a Penaria n.º 17 118, de 11 de Abril de 1959, do Ministério das Corporações e Previdência Social, aprovou as normas da «Campanha Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais» - iniciativa de inegável interesse, mas, por natureza, transitória. O n.º 1 da referida portaria fixou para a campanha a duração de um ano, prorrogado por igual período pela Portaria n.º 17 668, de 11 de Abril de 1960. No que respeita às companhias de seguros deve também referir-se a recente criação, pelo respectivo grémio, de um centro de prevenção de acidentes.
136 Diário das Sessões n.º 48, de 25 de Fevereiro de 1944, p. 105.
Esse problema implica, por seu turno, consoante também se observou, o da articulação do seguro-doença com o de invalidez.
O relatório ministerial contém a este propósito considerações muito esclarecidas e pertinentes, que mostram bem como o Governo tem nítida consciência do problema.
Espera-se que, na futura regulamentação da lei, e sobretudo após os resultados da execução do novo regime financeiro (infra, n.º 105), seja possível encarar a protecção generalizada dos casos de doença longa e a sua conexão com o seguro na invalidez.
Igualmente se confia em que, nessa regulamentação, possam ser atendidas outras necessidades de revisão do sistema de prestações, que se deixaram assinaladas no capítulo in deste parecer - nomeadamente as que dizem respeito às pensões de reforma.
Que é esse o pensamento do Governo infere-se, sem sombra de dúvida, do relatório da proposta, designadamente do que se lê nos n.ºs 56 a 61.
§ 5.º
Receitas
104. A este respeito, consta do relatório da proposta o seguinte passo (n.º 56):
Todas as reformas em perspectiva serão orientadas no sentido de fazer desenvolver 03 esquemas de prestações das caixas, evitando, todavia, qualquer agravamento dos encargos financeiros das empresas e dos trabalhadores.
As palavras que acabam de sublinhar-se suscitam algumas dúvidas e requerem certa interpretação.
Como se verá melhor do parágrafo seguinte, a proposta encara a modificação do regime de equilíbrio financeiro, mediante a substituição do sistema de prémio médio, próprio da capitalização pura, por outro de prémio escalonado por períodos, com base nos balanços técnicos (base VIII).
Ora tal sistema não é, em princípio, compatível com quotizações invariáveis, embora porventura as reservas constituídas e a evolução dos dados demográficos e outros, em que assentam as previsões, consintam, de um período para o seguinte, a manutenção dessas quotizações. Mas a hipótese mais verosímil é a da sua alteração, em face dos resultados das gerências e das perspectivas futuras.
Assim, o referido passo do relatório deve entender-se no sentido de que, em futuro imediato, isto é, nos próximos cinco ou dez anos, se prevê não ser necessário qualquer agravamento de contribuições, dado o volume de reservas acumuladas e a prudência com que certamente serão calculadas as novas bases técnicas do seguro-pensões.
§ 6.º
Equilíbrio financeiro
105. Do relatório da proposta de lei (n.ºs 43 a 52), mais do que das suas normas (cf. base VIII), infere-se qual a mudança que se pretende introduzia no regime de equilíbrio financeiro do sistema português de previdência.
Em síntese, pode dizer-se que à capitalização pura, a prémio constante, implicando crescimento das reservas ainda por largos anos até se atingir o estado estacionário, se projecta substituir um sistema misto, que permita distribuir imediatamente maior parcela do produto das contribuições, mantendo ao nível actual, ou até
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reduzindo em certa medida, o volume de capitais acumulados.
Trata-se de uma fórmula de capitalização mitigada ou de repartição por períodos, mediante contribuições revistas no termo de cada período, cuja concretização se deixou também para disposições complementares da lei.
Ao percorrerem-se as linhas gerais dos modernos sistemas de segurança social, no capítulo II deste parecer, houve ensejo de observar que é justamente aquele o sentido em que, na actualidade, tendem a orientar-se as legislações nacionais nos países em que o seguro não é financiado exclusiva ou predominantemente pelas receitas públicas.
Em algumas reformas recentes do regime de pensões, como as dos Estados Unidos, da República Federal da Alemanha e da lei inglesa de 1959 sobre o sistema nacional de pensões, prevêem-se expressamente os índices de acréscimo das contribuições entre os vários períodos.
A solução concreta do problema é em extremo complexa, pois, acima dos dados técnicos, estão os problemas de ordem política, económica e social que a revisão do regime financeiro .da previdência forçosamente suscita.
No aspecto político-económico, é indispensável conciliar a necessidade de maior repartição de benefícios e de desmobilização parcial de reservas com as repercussões na procura global, sobretudo de bens de consumo, resultante de acréscimos de poder de compra dos beneficiários, que podem provocar pressões inflacionistas.
A paragem ou diminuição do volume de capitais acumulados tem, por seu turno, reflexos na programação económica, pois não será possível continuar a dispor na mesma medida desses capitais como fonte de financiamento de futuros planos de fomento. E necessário que isso não afecte o ritmo de desenvolvimento do País, a fim de que o volume da oferta global possa acompanhar as consequências do incremento da procura acima previsto.
Em contrapartida, os factores de ordem político-social que conduzem à remodelação do regime financeiro merecem consideração relevante, pois dizem respeito à garantia de meios de existência suficientes e dignos a massas crescentes de trabalhadores, que atingem a idade da reforma ou se invalidam de modo irrecuperável para a vida activa.
A conveniência de tomar como base de cálculo das pensões o último período, da actividade profissional, - e não além de dez anos, a fim de que aquelas representem efectivamente uma parcela razoável dos ganhos anteriores - implica dever repartir-se mais ampla proporção das contribuições e das reservas.
Vem depois o problema de manter, na medida do possível, o poder de compra das pensões já em curso. Um sistema de capitalização atenuada, na medida em que desde logo distribui parte apreciável das receitas, as quais vão subindo em valor nominal à medida que a moeda porventura se deprecie, permitirá, em maior ou menor grau, ajudar à resolução daquele problema.
Trata-se de aspecto de primacial interesse, que não deixará certamente de ser também considerado na futura regulamentação da caixa nacional de pensões, em conformidade com a preocupação hoje dominante nesse sentido na maior parte dos países.
Ao mesmo tempo, o sistema misto que se projecta irá permitir dispor de maior parcela de receitas para ocorrer às eventualidades a curto prazo, designadamente à doença e à maternidade.
Na doença, e quanto às prestações em dinheiro, espera-se seja possível, como há pouco aludimos, pôr a coberto do seguro não apenas a tuberculose, mas outras enfermidades de duração prolongada.
Relativamente às prestações médicas (preventivas, curativas, recuperadoras), admite-se que o novo regime financeiro permita também o indispensável alargamento de benefícios.
Também a propósito de todas estas questões fundamentais, e não obstante tratar-se dê uma das duas pedras angulares da reforma - a revisão do método de equilíbrio financeiro -, nenhuma disposição ou princípio genérico se coutem nas bases da proposta donde se possa inferir qual a fórmula que concretamente irá adoptar-se a tal respeito.
O próprio relatório ministerial limita-se a debater, aliás com muita proficiência, o problema, e a pôr diversas hipóteses de solução, sem contudo se pronunciar concretamente por nenhuma delas.
Quando do exame na especialidade, ter-se-á ocasião de voltar ao assunto.
§ 7.º
Estrutura administrativa
106. A profunda remodelação que, sob este aspecto, a proposta visa a introduzir na orgânica do sistema português de previdência, para os sectores da indústria, comércio e serviços (bases I, XI a XIV e XX a XXIII), está amplamente fundamentada no relatório, e com ela concorda, na generalidade, a Câmara Corporativa.
Trata-se, em suma, de substituir a actual estrutura, na sua maior parte baseada, por motivos de ordem histórica já referidos, no critério profissional ou no de grupos de actividades económicas mais ou menos afins, por outra fundada essencialmente no critério geográfico.
Pretende-se assim dar realização aos princípios da unidade orgânica e da simplificação administrativa, que, como se viu, representam em nossos dias coordenadas dominantes dos sistemas de segurança social.
Para os trabalhadores subordinados, e quanto às eventualidades a curto prazo - doença, maternidade, encargos de família -, adopta-se a fórmula da caixa regional, que normalmente terá por base o distrito. Para os riscos diferidos - velhice, invalidez, morte - constituir-se-á uma caixa nacional.
As duas organizações - regional e nacional - serão convenientemente articuladas, de modo que o pagamento de pensões, a verificação do estado de invalidez e a prova de vida sejam feitos por intermédio da instituição regional ou, eventualmente, da agência local respectiva. A caixa nacional terá, sobretudo, função centralizadora, a fim de evitar as operações de transferências e cancelamentos, e, bem assim, as sobreposições de benefícios.
Por seu turno, no domínio que lhe é próprio - o dos seguros imediatos -, a actividade das caixas regionais será coordenada por uma federação nacional, que, além do mais, ficará incumbida de promover a compensação nacional do custo do sistema, mediante a ventilação de saldos de gerência.
Relativamente aos trabalhadores independentes, prevê-se a criação de outro tipo de instituições, cujo âmbito de acção será variável, consoante os grupos sociais abrangidos, e cujo esquema de eventualidades apenas compreende os riscos a longo prazo - invalidez, velhice e morte.
Já noutro lugar se fez alusão à necessidade de proteger esta categoria de trabalhadores também quanto à doença, no que se refere não ao subsídio mas às prestações médicas (supra, n.º 98). Os trabalhadores por conta própria deviam ser abrangidos pelas caixas régio-
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nais, pagando a contribuição correspondente ao custo daquelas prestações, sobre a mesma base de rendimentos que servir de incidência à quota para o seguro-pensões.
Outra observação suscitada pela estrutura em projecto diz respeito à conveniência de se estabelecer a coordenação, não prevista na proposta, entre a caixa nacional de pensões e as caixas de seguros diferidos não integradas no esquema nacional, a fim de salvaguardar os direitos de beneficiários que devam transitar de uma para outra categoria de instituições.
Nenhum, outro reparo de ordem geral suscita a orgânica em perspectiva, cujas linhas fundamentais coincidem com as que, em páginas anteriores, vimos corresponderem às tendências dominantes do direito comparado e às necessidades sentidas pelo sistema nacional de previdência.
Escusado salientar que aquela estrutura não deve impedir a subsistência ou a criação de instituições de previdência obrigatória, de base corporativa ou empresarial, destinadas a melhorar os benefícios do esquema geral, ou a enquadrar certos grupos sujeitos a condições particulares.
§ 8.º
Conclusões sobre a apreciação na generalidade
107. Do que fica exposto neste capítulo, conclui-se inserir a proposta de lei em apreciação, de uma maneira gera, providências que correspondem a necessidades sentidas com vista ao futuro aperfeiçoamento e expansão do seguro obrigatório em Portugal.
Tais providências afiguram-se, no entanto, incompletas em vários aspectos, de que se salientam os seguintes:
a) Quanto ao campo de aplicação - a proposta é restrita fundamentalmente aos sectores da indústria, comércio e serviços. Nenhuma medida de ordem geral se encara com respeito à necessidade de alargar, directamente, a protecção contra os riscos sociais aos trabalhadores da agricultura pelo menos nos dois aspectos que correspondem às necessidades mais instantemente sentidas pela nossa gente do campo - a concessão de prestações médicas e a de pensões de invalidez. Idêntica observação, relativamente àquelas prestações, se formula para os trabalhadores por conta própria;
b) Quanto às eventualidades cobertas-não inclui a sobrevivência, nem os acidentes de trabalho e doenças profissionais. A integração destes riscos no âmbito do seguro social deve ser encarada progressivamente, à medida que as circunstâncias o permitam, assim como a organização de serviços de medicina do trabalho e de reabilitação, até agora inexistentes;
c) Quanto às prestações - nenhum princípio geral se insere no tocante à doença longa e à sua articulação com a invalidez, assim como à revisão das bases de cálculo das pensões, à natureza familiar que deve procurar atribuir-se na determinação destas, e ainda à possibilidade do seu reajustamento perante variações sensíveis do custo da vida;
d) Quanto ao método de equilíbrio financeiro - não se refere explicitamente, nas bases da proposta, qual a fórmula que vai adoptar-se, designadamente a duração dos períodos de equilíbrio, no decurso dos quais serão mantidas estáveis as contribuições;
e) Quanto à estrutura administrativa - não admite a possibilidade de inclusão, nas caixas regionais e na caixa nacional de pensões, dos trabalhadores rurais e equiparados e dos independentes, ao menos para os efeitos acima referidos;
f) Quanto à coordenação superior do sistema - nenhuma regra geral ou princípio director se insere na proposta a tal respeito.
As observações que acabam de resumir-se -e as mais que, ao longo deste parecer, se deixaram anotadas - em nada diminuem o mérito, a oportunidade e o alcance do projecto do Governo, os quais a Câmara Corporativa teve "ensejo de pôr no devido relevo em diversos passos do presente trabalho.
Tais reparos apenas pretendem exprimir, tão fielmente quanto possível, as aspirações dos corpos sociais e das actividades representadas nesta Câmara, quanto ao futuro desenvolvimento do nosso seguro obrigatório e à necessidade da sua integração num plano orgânico e coordenado de protecção contra os riscos sociais, no qual os vários sectores interessados - previdência, saúde, assistência - tenham o seu lugar precisamente definido, e que permita ir alargando e aperfeiçoando o sistema vigente, em ritmo paralelo com o crescimento económico do país.
Assim, e na convicção de que o Governo não deixará de ter em conta as observações formuladas, a Câmara Corporativa dá a sua aprovação, na generalidade, à proposta de lei em causa.
PARTE II
Exame na especialidade
CAPITULO I
Classificação e regime geral das instituições de previdência
BASE I
108. Faz-se nesta base a classificação das instituições de previdência em quatro categorias.
A 1.ª categoria compreende, segundo o preceito, as instituições de previdência, de inscrição obrigatória, dos trabalhadores por conta de outrem, as quais se subdividem nos seguintes tipos:
a) Caixas sindicais de previdência;
b) Casas do Povo;
c) Casas dos Pescadores.
A primeira observação que cumpre formular diz respeito à referência aos «trabalhadores por conta de outrem», como critério definidor desta categoria de instituições.
Por um lado, o facto de na categoria em causa se incluírem as Casas do Povo e as Casas dos Pescadores torna semelhante referência pouco rigorosa, pois destas instituições fazem parte, como beneficiários, nos termos da lei, não apenas os trabalhadores por conta de outrem, mas também trabalhadores independentes (pequenos produtores agrícolas, artífices, marítimos que trabalham por sua conta) [Decreto-Lei n.º 30 710, artigo 1.º, § 1.º; Lei n.º 1953, base III, alínea b)]. E o n.º 2 da base II da proposta confirma aquele mesmo âmbito.
Por outro lado, sugeriu-se neste parecer (supra, n.º 98) a conveniência de vir a ser determinada a inscrição, nas caixas regionais, de trabalhadores por conta
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própria, da indústria, comércio e serviços, para o efeito da atribuição das prestações sanitárias do seguro-doença.
O segundo reparo tem em vista o adjectivo «sindicais», nas caixas referidas sob a alínea a).
No sistema da proposta, tal expressão afigura-se inadequada. As caixas sindicais da organização vigente receberam essa designação pelo facto de terem a sua origem em convenções colectivas, negociadas entre dois organismos «sindicais», e por ser, consequentemente, «sindical», isto é, «profissional», o seu âmbito.
Mas, na economia da proposta de lei, semelhante termo deixou de justificar-se quando aplicado a caixas de âmbito regional ou nacional. Parece, pois, preferível eliminá-lo.
109. Tais considerações levam a propor se adopte como critério para a classificação desta 1.ª categoria de instituições, não a natureza da relação jurídica de trabalho, mas, antes, o conjunto de eventualidades cobertas, de modo que a essa categoria corresponda o esquema geral da organização de previdência obrigatória.
Para isso, a alínea a) da disposição em exame deverá ser desdobrada nos dois tipos a que se refere a base XI da proposta, limitando-se, para os seguros a longo prazo, a uma só - a caixa nacional a instituição destinada a assegurar o esquema de base.
Em face do exposto, o n.º 2 passaria a ter a seguinte redacção:
2. A 1.ª categoria compreende as instituições de inscrição obrigatória, destinadas a assegurar o esquema geral de eventualidades e prestações da organização de previdência, e classificadas nos seguintes tipos:
a) Caixas de previdência e abono de família;
b) Caixa Nacional de Pensões;
c) Casas do Povo;
d] Casas dos Pescadores.
A definição do campo de aplicação dos dois primeiros tipos será feita na devida altura.
110. O n.º 3 desta base ocupa-se da 2.a categoria de instituições, a qual seria formada pelas «caixas de reforma ou de previdência, considerando-se como tais as instituições de inscrição obrigatória das pessoas que, sem dependência de entidades patronais, exercem determinadas profissões, serviços ou actividades».
A aplicação do critério classificador acima perfilhado leva logicamente a reservar esta 2.a categoria de instituições para os esquemas especiais de seguros a longo prazo, destinados a determinadas profissões, serviços ou actividades, cujo condicionalismo particular aconselhe a situar fora do regime geral das instituições da 1.ª categoria.
Propõe-se o seguinte texto para este n.º 3:
à 2* categoria pertencem, as caixas de reforma ou de pensões, considerando-se como tais as instituições de inscrição obrigatória destinadas a garantir esquemas especiais de seguros diferidos em benefício de pessoas que exerçam determinadas profissões, serviços ou actividades e não devam ser abrangidas por instituições da 1.ª categoria.
111. Quanto aos n.ºs 4 e 5 da base em apreciação, nenhuma observação sugerem.
BASE II
112. O n.º 1 desta base deve passar a ter uma redacção que se harmonize com as emendas sugeridas para a base I.
Ficaria assim:
As caixas de previdência e abono de família, a Caixa Nacional de Pensões e as caixas da 2.º categoria regem-se pelas disposições da presente lei e pelos regulamentos que vierem, a ser publicados em sua execução.
113. Relativamente ao n.º 2, é mister prever a possibilidade de os trabalhadores rurais, e equiparados, virem a ser obrigatoriamente abrangidos pelas caixas regionais de previdência, para o efeito da concessão de uma ou mais espécies de prestações do esquema normal de eventualidades, designadamente das prestações sanitárias, conforme noutro lugar (supra, n.º 97) se propôs.
Nesse sentido, deveria acrescentar-se o seguinte:
A realização dos mencionados objectivos poderá ser assumida, no todo ou em parte} pelas caixas regionais de previdência, previstas na base XIII, determinando-se, para esse efeito, à medida que for julgado conveniente, a inclusão dos referidos trabalhadores e equiparados em uma ou mais das modalidades de seguro do esquema daquelas instituições.
114. Quanto ao n.º 3, a frase final «sem prejuízo da sua gradual integração no plano de previdência social a que se refere a base seguinte»- parece dever entender-se como referida apenas às instituições da 4.º .categoria, exprimindo assim uma orientação inteiramente desejável.
No tocante às associações de socorros mútuos, o que resta fazer e se disse, a propósito dessas instituições, no capítulo III (n.º 93) é sobretudo fomentar a educação do espírito de previdência, a fim de que nas associações se inscrevam, voluntariamente, todos os que não estão abrangidos pelo seguro obrigatório, ou aqueles que, já sendo beneficiários deste seguro, desejem melhorar as respectivas prestações.
Como também se frisou, o seguro obrigatório deve assegurar, em princípio, apenas benefícios têm-se em vista as prestações pecuniárias que permitam manter certos níveis mínimos de existência, conforme a condição de cada beneficiário. Acima desses mínimos, deve haver a possibilidade de recurso ao seguro facultativo, que assim desempenha uma utilíssima função complementar na medida em que esta não seja preenchida por instituições de previdência obrigatória de base corporativa ou empresarial (infra, n.ºs 127, 130 e 131).
BASE III
115. Consigna-se no n.º 1 o princípio fundamental de que «compete ao Governo ordenar no plano nacional as realizações da previdência social e determinar os seus objectivos, bem como sancionar a actuação das corporações para a organização e aperfeiçoamento das instituições de previdência».
No ponto de vista doutrinário nada há a observar. A posição do Governo no ordenamento da previdência está de harmonia com os princípios ético-políticos do Estado Português, que atrás examinámos (n.º 65).
Escusado será acrescentar que semelhante competência deve ser exercida dentro dos princípios definidos na lei, isto é, mediante diplomas regulamentares, ou no uso da faculdade legislativa do Governo, através de decretos-leis.
Convém, no entanto, aproveitar a disposição para incluir uma referência largamente justificada na parte geral deste parecer à necessidade de coordenação das realizações da previdência com as dos mais sectores responsáveis pela execução da política de segurança social.
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Pelo que diz respeito à intervenção das corporações, está a mesma prevista na base V da Lei n.º 2086, de 22 de Acosto de 1956, que diz serem a atribuições da corporação ... e) promover a organização e o desenvolvimento ia previdência ...».
Julga-se mesmo preferível a fórmula desta lei, embora amolada a todos os organismos corporativos; atento o disposto na alínea a) da base V da proposta.
Este n.º 1 parece deslocado. A importância de que se revestem os princípios nele contidos aconselha a que passe a constituir a base I, sob o título «Disposições gerais ».
Alvitre-se, pois, a redacção seguinte:
BASE I
Compete ao Governo regular, no quadro nacional, os objectivos e as realizações da previdência, coordená-los, num plano de conjunto, com os restantes sectores da política de segurança social, designadamente os da saúde e assistência, bem como sancionar a intervenção dos organismos corporativos a organização e desenvolvimento das instituir coes de seguro obrigatório.
No tocante ao problema da coordenação intersectorial, a que se refere esta base na redacção agora proposta, entende- se ser aqui a altura própria para concretizar a sugestão feita oportunamente (n.º 94, in fine) da criação, ao nível ministerial, de um órgão encarregado de definir e assegurar a execução da política coordenadora.
Propõe-se para esse órgão a designação de «Conselho de Segurança Social a, em correspondência com o texto desta base I e a terminologia adoptada no presente parecer.
As funções de superior orientação da política coordenadora, que são cometidas ao conselho, levam, naturalmente, s. colocá-lo sob a chefia do Presidente do Conselho de Ministros.
Em fase do exposto, preconiza-se a introdução de uma nova base - II -, com o seguinte texto:
BASE II
1. A coordenação prevista na base anterior será orientada pelo Conselho de Segurança Social, constituído pelo Presidente do Conselho de Ministros, que presidirá, e pelos Ministros da Presidência, Finanças, Corporações e Previdência Social e Saúde - e Assistência.
2. Sempre que os assuntos submetidos à apreciação do Conselho interessem a outros Ministérios, serco convidados a participar nos trabalhos os respectivos Ministros.
3. A competência e as regras de funcionamento do Conselho serão definidas em diploma especial.
116. Relativamente ao n.º 2 da base III da proposta, o seu conteúdo não suscita qualquer observação, mas crê-se nada ter a ver com o n.º l, e antes dever incluir-se como n.º 6 da base I, que passaria a III.
CAPITULO II
Das caixas sindicais de previdência
BASE IV
117. De acordo com o que se sugeriu a propósito da base i, o título do capítulo II, que antecede esta base IV, deveria passar a ler-se:
Das caixas de previdência e abono de família e da Caixa Nacional de Pensões.
Pelas mesmas razões, o n.º 1 ficaria assim:
1. As caixas de previdência e abono de família destinam-se a proteger os segurados e os familiares a seu cargo na doença e na maternidade, bem, como a promover o salário familiar pela concessão de abono de família.
118. Quanto ao n.º 2, o «regime especial» de protecção à tuberculose, a que alude o preceito, deve ser objecto de diploma legal, que poderá consistir em simples decreto regulamentar..
Neste n.º 2 a designação «caixas sindicais» deverá ser substituída por «caixas de previdência e abono de família».
O n.º 3 é de eliminar em vista do aditamento introduzido no n.º 1.
Relativamente ao n.º 4, que passa a n.º 3, a inclusão do desemprego involuntário no esquema da previdência deve igualmente ser objecto de diploma legal.
Propõe-se o seguinte texto:
3. Entre os fins de previdência dás mesmas instituições será incluída a protecção no desemprego involuntário, nos termos que forem determinados em diploma especial.
O n.º 5 (agora 4) não suscita qualquer objecção.
119. A alteração sugerida para o n.º 1 desta base implica o aditamento de um novo preceito, que passaria a constituir a base VI, definindo o objecto próprio da caixa nacional de pensões:
BASE NOVA
A Caixa Nacional de Pensões destina-se a proteger, na invalidez, na velhice e por morte, os segurados e seus familiares.
BASE V
120. O corpo desta disposição (que tomaria o n.º VII) deverá dizer «caixas de previdência e abono de família e Caixa Nacional de Pensões», em lugar de «caixas sindicais».
Na alínea a) confere-se às corporações, bem como aos restantes organismos corporativos, competência para criar aqueles dois tipos de caixas por meio de convenções colectivas de trabalho.
Duas observações. A primeira é a seguinte: como, pela base VI da proposta, as caixas só se consideram constituídas depois de aprovados, por alvará, os seus estatutos, e como a competência para tal aprovação pertence «o Governo, não parece exacto dizer-se que a «criação cabe às corporações e aos mais organismos corporativos mas tão somente a «iniciativa» dessa criação.
A segunda observação diz respeito à referência às «convenções colectivas de trabalho» como meio de criação de caixas. A fórmula não parece entender-se como referida à estrutura regional de base, em que se pretende integrar as caixas de previdência, completada, no plano nacional, com uma caixa de pensões.
A convenção, colectiva destina-se, em princípio, a regular condições de trabalho e tem, como âmbito próprio, o dos organismos profissionais que nela outorgam.
Decerto que, por meio de convenções colectivas, se poderá ir alargando o círculo de beneficiários das caixas regionais, mas, nessa hipótese, não é a convenção que cria a caixa: esta já existe, e a convenção limita-se a promover a integração na caixa de novos grupos de trabalhadores
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Ao contrário, na criação de instituições de previdência de base corporativa - abrangendo certos ramos profissionais ou económicos, podem as convenções colectivas desempenhar uma função muito importante.
Além disso, é manifesto que, atento o seu âmbito, tanto a criação da Caixa Nacional de Pensões, como a da federação de caixas de previdência e abono de família, a que se refere a base XIII, devem pertencer ao Ministério das Corporações e Previdência Social.
Do que fica descrito, resulta dever a base V (agora VII passar a ter a redacção seguinte:
1. A iniciativa da criação das caixas de previdência e abono de família compete:
a) Às Corporações, bem como aos Grémios e Sindicatos nacionais e suas Federações e Uniões;
b) Aos interessados, quando não existam organismos corporativos que os representem, ou a instituição diga respeito ao pessoal de uma empresa ou grupo de empresas?
C) Ao Ministério das Corporações e Previdência Social.
2. A criação da Caixa Nacional de Pensões e da federação referida na base XIV incumbem ao Ministério das Corporações e Previdência Social.
BASE VI
121. Nota-se apenas a necessidade de substituir «caixas sindicais de previdência» por «caixas de previdência e abono de família e Caixa. Nacional de Pensões», e incluir a federação prevista na base XIII da proposta.
BASE VII
122. Quanto ao n.º 1:
De harmonia com as observações feitas em base? precedentes, o texto deste número seria alterado pela seguinte forma:
1. As caixas de previdência e abono de família e a Caixa Nacional de Pensões abrangerão obrigatoriamente, como segurados, os trabalhadores das profissões ou actividades definidas nos diplomas da sua constituição, ou integradas por virtude de convenções colectivas ou despachos de alargamento de âmbito.
Acrescentar-se-ia um novo n.º 2, com este teor:
2. Poderá ser autorizada ou determinada a inscrição obrigatória, nas caixas de previdência e abono de família, de pessoas que, sem dependência de entidades patronais, exercem certas profissões, serviços ou actividades, para o efeito da concessão de uma ou mais espécies de benefícios do esquema regulamentar das mesmas instituições, mediante o pagamento das contribuições respectivas.
No tocante aos n.08 2, 3 e 4, que passariam, respectivamente, a 3, 4 e 5, nenhuma objecção suscitam, salvo quanto à designação das instituições, tendo em vista as bases anteriores.
O n.º 4 (agora 5) deve, naturalmente, restringir-se às caixas de previdência e abono de família.
BASE VIII
123. O n.º 1 desta base regula, na parte inicial, os meios financeiros que hão-de constituir as receitas normais das caixas de previdência e de pensões. Na segunda parte insere o princípio que permitirá a remodelação
do regime de equilíbrio financeiro da previdência - a que oportunamente se fez a devida alusão (supra, n.º 105).
Nada (r)e prevê explicitamente quanto à duração dos períodos de equilíbrio, no decurso dos quais hão-de permanecer estáveis as contribuições para as caixas, dentro do regime de capitalização mitigada a instituir.
É certo que o n.º 3 da base XV da proposta determina a elaboração de balanços actuariais, pelo menos de cinco em cinco anos. Mas esta obrigação não se mostra articulada com o disposto na base agora em exame, e não significa, necessariamente, ao que parece, que o ajustamento das contribuições, para o efeito desta última disposição, se haja de. fazer com idênticos intervalos.
O preceito definidor da matéria deveria, em princípio, ser inserido na proposta de lei - em face do resultado, dos estudos que o Governo decerto já possui -, mas nada obsta a que seja objecto de diploma regulamentar.
Assim, quanto à presente base, a Câmara não propõe qualquer emenda, salvo no que diz respeito à designação das instituições e à conveniência de, sobre a matéria da base, ser ouvido o Conselho de Segurança Social.
Relativamente aos nºs 2 e 3 desta base nenhuma anotação se julga útil fazer.
BASE IX
124. Trata-se da reprodução do artigo 20.º da Lei n.º 1884, regulamentada pelo artigo 32.º do Decreto n.º 25 935 e pelo artigo 31.º do Decreto n.º 28 321.
Como oportunamente se notou, a matéria relativa às prestações a conceder pelas caixas foi deixada pela proposta para os diplomas regulamentares desta lei. Parece, no entanto, ser conveniente consignar aqui tal orientação, bem como aludir à fixação de limites mínimos, além dos máximos, a que tais prestações hão-de obedecer. E ainda, dada a importância que as condições gerais de atribuição dos benefícios, da previdência revestem, no aspecto da coordenação com os mais sectores da segurança social, afigura-se vantajosa a audiência do Conselho de Segurança Social sobre o assunto.
Assim, propõe-se para esta base a redacção que segue:
As condições gerais de atribuição das prestações a conceder pelas caixas de previdência e abono de família e pela Caixa Nacional de Pensões, bem . como os respectivos limites máximos e mínimos, serão estabelecidos em diploma regulamentar, ouvido o Conselho de Segurança Social.
BASE X
125. Ocupa-se, este preceito das isenções fiscais de que hão-de beneficiar as caixas de previdência e de pensões.
Á primeira anotação que se entende dever fazer é relativa à falta de inclusão do imposto complementar.
Pela legislação vigente, as instituições de previdência obrigatória apenas gozam de isenção do referido imposto até à importância de 60 000$.
Os encargos com o imposto complementar pago pelas instituições de previdência foram, em 1959, de 1371 contos.
Deverá contar-se, no entanto, comi sensível agravamento em futuro próximo, por virtude do. imposto que virá a recair sobre os rendimentos das casas de renda económica, construídas ao abrigo da Lei n.º 2092, quando terminar o período de isenção da contribuição predial.
Esse ónus levará naturalmente a rever as rendas estabelecidas, a fim de salvaguardar a taxa de juro a que o investimento deve obedecer.
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Não têm as instituições de previdência, como é evidente, quaisquer fins lucrativos. Os rendimentos do seu património estão afectos à realização dos fins de protecção social que são da essência das mesmas instituições.
No fundo, as caixas de previdência são meras depositárias de fracções de salários ou rendimentos, cuja acumulação e emprego reprodutivo permitem o pagamento das prestações quando da verificação dos eventos previstos.
Por outro lado, é finalidade própria do imposto complementa:* a de promover mais equitativa distribuição de créditos. Ora isso mesmo constitui, como se viu, um dos objectivos fundamentais da segurança social.
Aliás, já em relação às associações de socorros mútuos se estabeleceu, nos termos do artigo 4.º do Regulamento do Imposto Complementar, a isenção do mesmo tributo no tocante aos rendimentos provenientes da aplicação de capitais.
Em face do exposto, parece inteiramente fundamentado que as instituições de previdência obrigatória sejam isentas do referido imposto, já porque os pressupostos da respectiva tributação se não verificam quanto a elas, já porque os seus valores têm, por imperativos de ordem técnica e social, de proporcionar rendimentos a determinada taxa de juro, e a sua obtenção pode vir a ser prejudicada pela incidência daquele imposto.
Assim, sugere-se seja aditada ao n.º 1 desta base a seguinte alínea:
g) Do imposto complementar pelos rendimentos provenientes da aplicação de capitais em títulos ou bens imobiliários.
A segunda anotação interessa à alínea e) e refere-se à falta de menção das «transmissões de imobiliários resultantes da união ou fusão de instituições» - que já beneficiam de isenção do imposto sobre as sucessões e doações, segundo a alínea d) desta mesma base, e só por lapso não foram incluídas na isenção de sisa.
Propõe-se o correspondente aditamento na alínea em causa.
BASE XI
126. O conteúdo desta base ficou integrado nas bases III, V e , segundo a nova redacção atrás proposta. E, pois, de suprimir o respectivo texto neste lugar.
BASE XII
127. A concordância da Câmara Corporativa com o critério regional na organização destas caixas consta da apreciação na generalidade (supra, n.º 106).
Relativamente às caixas de base empresarial ou corporativa, também no mesmo lugar se deixou expresso o pensamento da Câmara. Entende-se que a criação destas instituições deve, em princípio, ter um objectivo integrador ou complementar da organização geral de previdência, sem prejuízo da sua participação no mecanismo basilar da compensação nacional do custo do sistema.
Na economia da proposta, este mecanismo é assegurado, quanto às caixas de previdência (regionais ou privativas), por intermédio da federação prevista na base seguinte.
Não {se vê, por isso, inconveniente em manter, na essência o preceito da base XII (que passaria a XIV), apenas com ligeira modificação destinada a actualizar o seu conteúdo:
As caixas de previdência e abono de família serio organizadas em base regional, sem prejuízo da manutenção de caixas privativas de uma em-
presa ou grupo de empresas, de certo ramo de actividade económica, quando, mediante parecer do Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica, se verifique oferecer tal enquadramento vantagens sociais.
BASE XIII
128. Quanto ao n.º 1: estabelecem-se aqui os indispensáveis princípios da coordenação e compensação nacional entre as caixas de previdência (regionais, empresariais, corporativas) para os seguros de doença e maternidade.
A primeira anotação refere-se à frase «... coordenar a acção médico-social ...», e é a seguinte: a função coordenadora da Federação não parece deva limitar-se à acção médico-social, mas estender-se a toda a actividade das caixas regionais. Só assim poderá ser eficiente e salvaguardar o. princípio da unidade orgânica e administrativa do conjunto.
Entende-se, pois, que aquela frase deve dizer: «... coordenar a acção das instituições federadas ...».
O segundo reparo diz respeito à expressão c... promover a compensação financeira ...». Afigura-se não dever a Federação, também aqui, confinar-se a e promover >, cumprindo-lhe antes «efectuar» a própria compensação.
Terceiro ponto: não se prevê que a compensação financeira possa vir a ser extensiva a seguros de análoga natureza por ora não incluídos nos esquemas das caixas de previdência - por exemplo: os de tuberculose, desemprego, acidentes de trabalho e doenças profissionais. É necessário admitir desde já essa possibilidade.
Quanto ao abono de família, sabe-se que ele dispõe de um fundo próprio de compensação. Dada a natureza específica do abono e o nível actual dos seus quantitativos, parece prudente manter o respectivo equilíbrio financeiro fora do regime de compensação nacional das restantes prestações a curto prazo.
Relativamente ao n.º 2, deve o princípio ser extensivo a todo o esquema das caixas de previdência, e não apenas à doença, pois a unidade de inscrição e de outorga de benefícios é regra basilar de boa ordem administrativa.
Quanto ao n.º 4, nada se julga útil acrescentar ao que se deixou anotado no § 5.º ido capítulo III dai primeira parte deste parecer, relativamente à coordenação interdepartamental do sistema.
Do exposto resultam os seguintes textos para os n.08 1 e 2 desta base:
1. As caixas de previdência e abono de família constituirão uma federação nacional, destinada a coordenar a acção das instituições federadas e a efectuar a compensação financeira dos seguros que façam, ou venham a fazer parte do seu esquema regulamentar.
2. Todas as prestações do esquema das caixas de previdência e abono de família serão concedidas por uma só instituição a cada segurado e seus familiares.
BASE XIX
129. Constitui esta base outra peça fundamental da nova estrutura administrativa em que se pretende enquadrar o sistema do seguro obrigatório.
Oportunamente tivemos ocasião de apreciar as razões que aconselham a centralização dos seguros a longo prazo (n.º 55).
O n.º 1 nenhuma observação sugere.
130. Quanto ao n.º 2, importa notar que o estabelecimento de esquemas superiores em benefício dos se-
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guiados de algumas caixas de previdência - designadamente de certas profissões, ramos de actividade ou empresas - deve implicar a existência de contabilidades separadas para os referidos esquemas, os quais hão-de funcionar em regime de capitalização e sem participarem na compensação nacional. Trata-se de evitar que possíveis deficits desses regimes suplementares sejam cobertos à custa das receitas destinadas ao esquema-base. E, por outro lado, também não seria razoável que eventuais superavits de tais esquemas revertessem em proveito de grupos que para eles não contribuíram.
Sugere-se ainda que, sobre o estabelecimento dos esquemas superiores, seja ouvido o Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica, como se previu para a criação de caixas de previdência privativas (base XII).
Este n.º 2 passaria a rezar assim:
2. A Caixa Nacional de Pensões assegurará u 131. Convém preencher outra lacuna, dentro da matéria da base XIV. E a que respeita à possibilidade de. inscrição dos indivíduos a que se refere o n.º 2 da base n, agora IV (trabalhadores rurais e equiparados), e das pessoas mencionadas no n.º 2.º da actual base IX (trabalhadores independentes da indústria, comércio e serviços), na Caixa Nacional de Pensões, apenas para um ou outro ramo de seguro a longa prazo - o de invalidez, por exemplo, conforme se sugeriu -, desde que previamente ao abrigo de caixas regionais de previdência. Para tanto, torna-se necessário aditar um n.º 3, cuja redacção poderia ser a seguinte: 3. Relativamente aos trabalhadores e equiparados a que se refere a segunda parte do n.º 2 da base IV, e às pessoas mencionada* no n.º 2º da base IX, quando abrangidos por caixas regionais nas condições aí previstas, poderá ser autorizada ou determinada a sua inscrição na Caixa Nacional de Pensões, para o efeito de beneficiarem de um ou outro ramo de seguro a longo prazo, mediante o pagamento das contribuições respectivas. 132. Ao expor os fundamentos que aconselham a centralização dos seguros diferidos (n.º 55, citado), frisou-se a necessidade de articular a respectiva instituição central com a organização dos seguros a curto prazo, a fim de dar realização plena ao princípio da coordenação dê todo o seguro obrigatório, no plano nacional. Essa articulação é também indispensável para assegurar a ligação entre os seguros de doença e de invalidez. E, ainda, torna-se manifesta a conveniência de a instituição central utilizar, sempre que necessário, as caixas regionais, que actuariam como órgãos periféricos para o efeito do pagamento das prestações e, eventualmente, para a prova de vida ou a verificação do estado de invalidez, a fim de salvaguardar a comodidade dos beneficiários e a eficiência do funcionamento do sistema. Ora, a respeito de todos estes pontos fundamentais, nenhum dispositivo se insere na proposta. Para tanto, poderia prever-se que fosse o mesmo o corpo dirigente das duas instituições, ou, pelos menos, que funcionassem em reunião conjunta quando se tratasse de coordenar as respectivas actividades. Em suma, alvitra-se a inclusão de nova base, assim redigida: BASE NOVA 1. Será assegurada a coordenação entre a Federação das Caixas de Previdência e a Caixa Nacional de Pensões, com vista a estabelecer a conveniente articulação dos vários ramos do seguro social. 2. A Caixa Nacional de Pensões poderá utilizar os serviços das caixas de previdência, quer para a verificação do direito dos segurados às prestações e para o pagamento destas, quer em todos os mais caso» necessários ao bom funcionamento do sistema e à comodidade dos contribuintes e beneficiários. BASE XV 133. Nada a observar quanto ao fundo. A redacção deverá adaptar-se, na designação das instituições, à terminologia proposta neste parecer. BASE XVI 134. Nada a observar. BASE XVII 135. Convém prever a existência de vice-presidentes da direcção e do conselho geral, destinados a coadjuvar os presidentes e a substituí-los nas suas faltas e impedimentos. Para isso, no n.º 1 deve acrescentar-se a e vice-presidentes, quando os haja», a seguir à palavra «presidentes». Falta, por outro lado, regular a constituição dos corpos gerentes da federação de caixas, de que trata a base XIII. Parece que, neste caso, deveria a direcção ter, além do presidente e do vice-presidente nomeados pelo Ministro, certo número de representantes das direcções das caixas federadas,, com a composição paritária a que se refere o n.0 2 da base. O conselho geral seria constituído por representantes de todas ou da maior parte das mesmas caixas. Assim, no n.º 1 haveria que incluir também aquela federação. E ao n.º 2 seria de aditar o seguinte: No caso da Federação, os vogais serão designados pelas caixas federadas e deverão ter idêntica composição paritária. BASF/XVIII 136. A cooperação prevista nesta base, entre as caixas regionais e as Casas do Povo e suas federações, deve entender-se, logicamente, em articulação com o aditamento atrás proposto ao n.º 2 da base n. Assim, uma vez determinada a inclusão, numa caixa regional, dos trabalhadores rurais e equiparados da respectiva área, para o- efeito da concessão dos benefícios correspondentes a um ou outro ramo do seguro (designadamente das prestações médico-sociais), as Casas do Povo terão de. funcionar como órgãos locais daquelas caixas, assegurando, sempre que possível, o serviço das prestações, a verificação do direito a estas e, eventualmente, a cobrança de certas receitas.
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Em tal hipótese, a cooperação prevista na base é, mais do que um objectivo desejável, uma peça fundamental no funcionamento equilibrado do sistema.
BASE XIX
137. No n.º 1 reafirma-se a orientação, consagrada na legislação vigente, de que a falta de cumprimento das obrigações impostas, pelos estatutos das caixas às entidades patronais constitui transgressão punível.
Entende porém, a Câmara ser a altura de corrigir o desvio dos princípios que, em matéria de dívidas de contribuições, tal orientação representa.
De harmonia com a orientação tradicional do nosso direito - e designadamente do direito tributário - a dívida de contribuições constitui mero ilícito civil e não deve acarretar responsabilidade penal.
Acresce que os créditos das caixas de previdência em matéria de contribuições são, nos termos da lei em vigor (Código de Processo nos Tribunais do Trabalho, artigo 10.º, n.º 5.º), cobráveis por meio. de execução, que é processo rápido. E gozam de privilégio mobiliário geral (artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 38 538, de 24 de Novembro de 1951).
Além disso, o agravamento da dívida proveniente dos juros de mora, cuja regulamentação a proposta reserva para o Governo, há-de certamente constituir sanção bastante para levar os contribuintes a cumprir pontualmente as suas obrigações.
Deverá, pois, a redacção da base sofrer as alterações necessárias para definir a orientação exposta.
Conviria, por outro lado, prever-se, como é hoje em dia frequente nas legislações estrangeiras, que a falta de pagamento das contribuições, quando imputável às entidades patronais, não prejudica o direito às prestações por parte Los beneficiários, desde que estes tenham o tempo de inscrição regulamentar e a instituição possua elementos comprovativos da prestação de trabalho durante o período a que respeita aquela falta.
Sugere-se que este princípio - correspondente, aliás, a uma elementar solicitação de justiça - seja introduzido em novo número da presente base.
CAPITULO III .
Das caixas de reforma ou de previdência BASES XX A XXIII
138. Como ficou dito a propósito do n.º 3 da base I da proposta, a 2.a categoria de instituições de inscrição obrigatória - a que respeita o presente capítulo - destina-se a. proporcionar esquemas especiais de seguros a longo prazo em benefício de certos grupos (trabalhadores dependentes, por conta própria, profissionais livres, etc.) que reunam determinadas condições e não devam ser abrangidos por instituições da 1.º categoria.
Trata-se de profissões ou actividades cujo particularismo - origem das receitas destinadas ao seguro, condições de prestações do trabalho, natureza peculiar das empresas - aconselha a manter fora do esquema geral e a financiar em regime de capitalização, por não beneficiarem de seguros a curto prazo e mesmo nos diferidos adoptarem apenas um ou outro ramo. É o caso dos jornalistas, dos profissionais de espectáculos e de algumas empresas.
Além da alteração das designações, incluindo a do título deste capítulo, de harmonia com o que se sugeriu a propósito da base i, a única anotação que importa fazer é a que diz respeito à necessidade, já observada, de assegurar a articulação entre as caixas da
2.a categoria e a Caixa Nacional de Pensões, a fim de salvaguardar os direitos dos beneficiários.
Esse objectivo poderia traduzir-se no aditamento de um n.º 3 à base XXI, com o seguinte teor:
3. Promover-se-á a conveniente coordenação entre as caixas de reforma ou de pensões e a Caixa Nacional de Pensões, para o efeito da manutenção dos direitos de segurados que, por mudança das condições de exercício das suas profissões ou actividades, devam passar de uma para outra categoria de instituições.
Na base XXIII (que passa a XXV) haverá que ajustar à nova numeração as referências a preceitos anteriores e acrescentar, nestas, a primeira parte do n.º 1 da base viu (agora X), pois é indispensável dizer qual a origem das receitas, das caixas de reforma ou pensões, necessariamente constituídas por «contribuições dos segurados e, quando seja cas0 disso, também e das entidades patronais».
Convirá também aplicar a estas caixas os n.ºs 2 e 3 da mesma base viu, bem como a alínea a) da base V (agora VII), pois nada impede que os organismos corporativos tomem a iniciativa aí prevista relativamente às caixas de reforma ou de pensões.
CAPITULO IV Disposições gerais e transitórias
BASE XXIV
139. Trata-se de um aperfeiçoamento da redacção do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 32 674, de 20 de Fevereiro de 1943, que punia com multa, aliás do mesmo quantitativo, os dirigentes das instituições irregulares, mas não proibia explicitamente a constituição e o funcionamento dessas instituições. Na prática o resultado era idêntico ao que se busca com este preceito, pois o artigo 22.º daquele diploma já determinava a liquidação e partilha das instituições irregulares, quando não fosse possível regularizá-las.
Crê, todavia, a Câmara que se poderá melhorar ainda a redacção agora proposta e, nesse sentido, retocou ligeiramente o preceito, conforme se verá das conclusões deste parecer.
BASE XXV
140. A regra .estabelecida nesta base deve ser extensiva, por motivos óbvios, às próprias prestações em espécie, designadamente quando estas consistam em bens económicos, como é o caso dos medicamentos. Propõe-se, assim, que a expressão «pensões ou subsídios s seja substituída por «prestações».
BASE XXVI
141. Nada a observar.
BASE XXVII
142. Deverá substituir-se «caixas sindicais» por «caixas de previdência e abono de família e caixas de reforma ou de pensões».
Nenhuma outra observação.
BASE XXVIII
143. A parte a alteração das designações das caixas, julga-se conveniente prever a possibilidade de as caixas de 2.a categoria se dissolverem, quer por fusão com outras (é o caso, por exemplo, de os respectivos segurados passarem a beneficiar do esquema da caixa nacional), quer por simples liquidação (v. g. no caso de
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se tratar de grupo fechado que tende a extinguir-se). A competência para decidir por uma ou outra forma de dissolução deve caber ao Ministério das Corporações e Previdência Social, ouvidos os interessados, quando seja caso disso; e o Conselho Superior da Previdência.
BASE XXIX
144. O princípio de que a integração das pensões, nas caixas do pessoal das empresas concessionárias de serviços públicos, constitui encargo inerente à exploração, vem já da Lei n.º 1884 (artigo 22.º).
O mesmo quanto à regulamentação especial das caixas do pessoal dos caminhos de ferro (§ único do artigo 22.º, citado).
Nada a acrescentar.
BASE XXX
145. Haverá apenas que harmonizar a designação das caixas com a terminologia das bases anteriores.
BASE XXXI
146. O disposto no final desta base, segundo o qual compete ao Ministro das Corporações «determinar ... a criação de novas caixas ...», deve entender-se sem prejuízo dos princípios firmados nas bases V e VI da proposta (agora VII e VIII)
Quer dizer: ao Ministro, nos termos desta última base, compete aprovar os estatutos das caixas de previdência e abono de família e da Caixa Nacional de Pensões, bem como. os das caixas de reforma ou de pensões, por força do disposto na base XXIII (agora XXV).
Mas isso não prejudica a faculdade de iniciativa na criação das instituições, a qual, além de caber ao Ministério, pertence também aos interessados e aos organismos corporativos, ao abrigo da citada base v.
Sendo assim, não se vê necessidade daquela parte final da base em apreciação, que deverá, preferivelmente, ser substituída por outra em que se diga que ao Ministro compete determinar as condições e a oportunidade de integração das caixas existentes na nova estrutura prevista na proposta de lei.
PARTE III Conclusões
147. A Câmara Corporativa, após ter detidamente estudado o projecto de proposta de lei sobre a reforma da previdência social, cuja oportunidade e alcance lhe apraz, uma vez mais, pôr em relevo.- sem embargo das observações de ordem geral formuladas a seu respeito no capítulo IV da parte I deste parecer -, entende ser aquela proposta de aprovar, com a redacção seguinte, na qual se imprimiram em itálico as alterações o aditamentos introduzidos:
CAPITULO I Disposições gerais
BASE I
(N.º 1 da base III da proposta)
Compete ao Governo regular, no quadro nacional, os objectivos e as realizações da previdência, coordená-los, num plano de conjunto, com os restantes sectores da política de segurança social, designadamente os da saúde e assistência, bem como sancionar a intervenção dos organismos corporativos na organização e desenvolvimento das instituições de seguro obrigatório.
BASE II (Nova) .
1. A coordenação prevista na base anterior será orientada pelo Conselho de Segurança Social, constituído pelo Presidente do Conselho de Ministros, que presidirá, e pelos Ministros da Presidência, Finanças, Corporações e Previdência Social e Saúde e Assistência..
2. Sempre que os assuntos submetidos à apreciação do Conselho interessem a outros Ministérios, serão convidados a participar nos trabalhos os respectivos Ministros.
3. A competência e as regras de funcionamento do Conselho serão definidas em diploma, especial.
CAPITULO II
Classificação e regime geral das instituições de previdência
BASE III (Base I e n.º 2 da base in da proposta)
1. São reconhecidas quatro categorias de instituições "de previdência social, nos termos seguintes:
2. A 1.ª categoria compreende as instituições de inscrição obrigatória, destinadas a assegurar o esquema geral de eventualidades e prestações da organização de previdência, e classificadas nos seguintes tipos:
a) Caixas de previdência e abono de família;
b) Caixa Nacional de Pensões;
c) Casas do Povo;
d) Casas dos Pescadores.
3. À 2.º categoria pertencem as caixas de reforma ou de pensões, considerando-se como tais as instituições de inscrição obrigatória destinadas a garantir esquemas especiais de seguros diferidos em benefício de pessoas que exerçam determinadas profissões, serviços ou actividades e não devam ser abrangidas por instituições da 1.ª categoria.
4. Pertencem à 3.a categoria as associações de socorros mútuos, considerando-se como tais as instituições de previdência de inscrição facultativa, capital indeterminado, duração indefinida e número ilimitado de sócios, tendo por base o auxílio recíproco. *
5. Constituem a 4.a categoria as instituições de previdência do funcionalismo público, civil ou militar, e demais pessoas ao serviço do Estado e dos corpos administrativos, criadas ao abrigo de diplomas especiais.
6. Ouvido o Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica, poderá ser ordenada ou permitida a mudança de categoria de qualquer instituição de previdência ou ainda a sua união ou fusão com, outras, quando se verifiquem vantagens de ordem, social ou económica.
BASE IV
(Base II da proposta)
1. As caixas de previdência e abono de família, a Caixa Nacional de Pensões e as caixas da 2.a categoria regem-se pelas disposições da presente lei e pelos regulamentos que vierem a ser publicados em sua execução.
2. As Casas do Povo e suas federações, e as Casas dos Pescadores, são organismos corporativos constituídos ao abrigo de legislação especial e em cujos fins institucionais se inclui o de realizar os objectivos da previdência social, em benefício dos trabalhadores por eles representados e das demais pessoas residentes na respectiva área, equiparadas, nos termos da mesma legislação, àqueles trabalhadores.
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A realização dos mencionados objectivos poderá ser assumida, no todo ou em parte, pelas caixas regionais de previdência e abono de família, previstas na base XII, determinando-se, para esse efeito, à medida que for julgado conveniente, a inclusão dos referidos trabalhadores e pessoes equiparadas em uma ou mais das modalidades de seguro do esquema daquelas instituições.
3. As associações de socorros mútuos regulam-se pela legislação que, lhes é aplicável, e as instituições da 4.º categoria continuam a reger-se pelos respectivos diplomas especiais, sem prejuízo da sua gradual integração no plano de previdência social a que se refere a base i.
CAPITULO III
Das caixas de previdência e abono de família d da Caixa Nacional de Pensões
BASE V (Base IV da proposta)
1. As caixas de previdência e abono de família destinam-se a proteger os segurados, e os familiares a seu cargo, na do anca e na maternidade, bem como a promover o salário familiar pela concessão de abono de família.
2. A protecção na tuberculose será objecto de diploma especial, competindo de início às caixas a concessão de subsídios pecuniários nos impedimentos resultantes daquela doença.
3. Entre os fins de previdência das mesmas instituições será incluída a protecção no desemprego involuntário, nos te:- mós que forem determinados em diploma especial.
4. Poderão ainda estas caixas prosseguir outros objectivos do previdência quando devidamente autorizadas pelo Ministro das Corporações e Previdência Social, ouvido o Conselho Superior da Providência e da Habitação Económica.
BASE VI (Nova)
A Caixa Nacional de Pensões destina-se a proteger, na invalidez, na velhice e por morte, os segurados e seus familiares.
BASE VII
(Base V da proposta)
1. A iniciativa da criação das caixas de previdência e abono de família compete:
a) As corporações, bem como aos grémios e sindicatos nacionais e suas federações e uniões;
ò) Aos interessados, quando não existam, organismos corporativos que os representem,, ou a instituição diga respeito ao pessoal de uma empresa ou grupo de empresas;
c) Ao Ministério das Corporações e Previdência Social.
2. A criação da Caixa Nacional de Pensões e a da federação referida na base XIV incumbem ao Ministério das Corporações e Previdência Social.
BASE VIII
(Base VI da proposto)
As caixas, de previdência e abono de família, e sua federação, e a Caixa Nacional de Pensões têm personalidade jurídica e consideram-se legalmente constituídas depois de aprovados por alvará os seus estatutos.
BASE IX (Base VII da proposta)
1. As caixas de previdência e abono de família e a Caixa Nacional de Pensões abrangerão obrigatoriamente, como segurados, os trabalhadores das profissões ou actividades definidas nos diplomas da sua constituição, ou integradas por virtude de convenções colectivas ou despachos de alargamento de âmbito.
2. Poderá ser autorizada ou determinada a inscrição obrigatória, nas caixas de previdência e abono de família, de pessoas que, sem dependência de entidades patronais, exercem certas profissões, serviços ou actividades, para o efeito da concessão de uma ou mais espécies de benefícios do esquema regulamentar das mesmas instituições, mediante o pagamento das contribuições respectivas.
3. Ó âmbito das caixas de previdência e abono de família criadas a requerimento dos interessados será o estabelecido nos respectivos estatutos.
4. A obrigatoriedade de inscrição como segurados é extensiva aos sócios das empresas que, ao serviço destas, mediante remuneração e subordinados à administração respectiva, exerçam profissões abrangidas pelas caixas.
5. Ouvido o Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica, poderá ser determinado o alargamento do âmbito das caixas de previdência e abono de família, quando o justifiquem motivos de ordem social ou económica.
BASE x
(Base VIII da proposta)
1. As receitas normais das caixas de previdência e abono de família e da Caixa Nacional de Pensões serão constituídas por contribuições dos segurados e das entidades patronais, sancionadas ou estabelecidas pelo Governo e periodicamente revistas com base nos balanços actuariais, mediante parecer do órgão consultivo a que se refere o n.º 6.º da base III e ouvido o Conselho de Segurança Social.
2. A dívida de contribuições às mesmas caixas prescreve pelo lapso de cinco anos, a contar do último dia. do prazo estabelecido para o seu pagamento.
3. Extingue-se pelo lapso de um ano o direito a reclamar a reposição de contribuições indevidamente pagas às referidas caixas pelos segurados ou pelas entidades patronais.
BASE XI (Base IX da proposta)
A s condições gerais de atribuição das prestações a conceder pelas caixas de previdência e abono de família e pela Caixa Nacional de Pensões, bem como os respectivos limites máximos e mínimos, serão estabelecidos em diploma regulamentar, ouvido o Conselho de Segurança Social.
BASE xn
(Base X da proposta)
l. As caixas de previdência e abono de família e a Caixa Nacional de Pensões gozam dais isenções seguintes:
a) Da contribuição industrial;
b) Do imposto sobre a aplicação de capitais, secção B, e do imposto sobre a aplicação de capitais, secção A, este em relação aos capitais mutuados, nos termos da lei de cooperação das instituições de previdência e das Casas do Povo na construção de habitações económicas;
c) Do imposto do selo, incluindo o de averbamento, nos seus diplomas, estatutos ou regu-
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lamentos, livros de escrituração, atestados, certidões, certificados, guias de depósito ou de pagamento e recibos de contribuições e quotas que tenham de processar no exercício das suas funções, bem como de quantias que davam ser cobradas simultaneamente com as multas, e- nos recibos que os segurados ou beneficiários passarem por quaisquer quantias recebidas no uso dos seus direitos;
d) Do imposto sobre as sucessões ou doações, quanto a mobiliários e imobiliários para instalação da sede, serviços de utilidade social e casas económicas para habitação de trabalhadores, e quanto aos títulos referidos nas alíneas a) e b) da base XVIII assentados às caixas, bem como quanto à transmissão de quaisquer valores mobiliários ou imobiliários resultante da união ou fusão prevista no n.º 6 da base m;
e] Da sisa pela aquisição de prédios na parte destinada à sua instalação e à de serviços de utilidade social, de casas económicas para habitação de. trabalhadores, assim como pela transmissão de imobiliários resultante da união ou fusão a que se refere o n.º 6.º da base III;
f) Da contribuição predial devida pelos prédios mencionados na alínea anterior, nos termos da legislação referida na alínea 6) ;
g) Do imposto complementar, pelos rendimentos provenientes da aplicação de capitais em títulos ou bens imobiliários.
2. É aplicável aos títulos referidos na alínea á) desta base o disposto no § 3.º do artigo 84.º do Decreto n.º 31 090, de 30 de Dezembro de 1940, salvo se com a sua alienação se tiver em vista proporcionar habitação a trabalhadores.
3. As referidas instituições, quando instaladas em edifício próprio, gozam da regalia de despedir no fim dó prazo do arrendamento qualquer dos seus inquilinos, se necessitarem da parte por eles ocupada para as suas instalações ou serviços.
BASE XIII
(Base XII da proposta)
1. As caixas de previdência e abono de família serão organizadas em base regional, sem prejuízo da manutenção de caixas privativas de uma empresa ou grupo de empresas, ou de certo ramo de actividade económica, quando, mediante parecer do Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica, se verifique oferecer tal enquadramento vantagens sociais.
2. O âmbito das caixas regionais de previdência e abono de família será referido às profissões exercidas pelos trabalhadores da sua área, e o das caixas de actividade ou empresa compreenderá o pessoal normalmente ao serviço das empresas interessadas.
3. Os trabalhadores, a quem deva ser aplicável o regime de abono de família e a quem não tenham sido tornados extensivos os demais benefícios das caixas de previdência, serão inscritos, para efeito da concessão de abono de família, nas caixas regionais da área das empresas a que prestam serviço.
BASE XIV
(Base XIII da proposta)
1. As caixas de previdência e abono de família constituirão uma federação nacional, destinada a coordenar a acção das instituições federadas e a efectuar a com-
pensação financeira dos seguros que façam ou venham a fazer parte do seu esquema regulamentar.
2. Todas as prestações do esquema das mesmas caixas serão concedidas por uma só instituição a cada Segurado e seus familiares.
3. Quando se mostre conveniente que alguma caixa, quer regional, quer de actividade ou de empresa, se incumba de conceder aquelas prestações aos segurados de outra caixa, serão celebrados entre as instituições interessadas os necessários acordos, sujeitos a homologação ministerial, sob proposta da federação prevista no n.º 1 desta base.
4. À Federação das Caixas de Previdência e Abono de Família competirá a representação das mesmas caixas nos acordos a efectuar com os serviços de saúde e as instituições ou estabelecimentos de assistência social, para a utilização recíproca de serviços ou instalações.
BASE XV
(Base XIV da proposta)
1. A Caixa Nacional de Pensões, a que se refere a base vi, assegurará um esquema de prestações comuns a~ todos os segurados das caixas de previdência e abono de família que nela devam ser inscritos, sem prejuízo do possível estabelecimento de esquemas superiores, com, contabilidade própria, em benefício dos segurados de algumas daquelas caixas, ou de certas categorias profissionais, mediante a correspondente contribuição suplementar, e depois de ouvido o Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica.
3. Relativamente aos trabalhadores e equiparados a que se refere a segunda parte do n.º 2 da base IV, e às pessoas mencionadas no n.º 2 da base IX, quando abrangidos por caixas regionais nas condições aí previstas, podará ser autorizada ou determinada a sua inscrição na Caixa Nacional de Pensões, para o efeito de beneficiarem de um ou outro ramo de seguro a longo prazo, mediante o pagamento das contribuições respectivas.
BASE XVI (Nova)
1. Será assegurada a coordenação entre a Federação das Caixas de Previdência e Abono de Família e a Caixa Nacional de Pensões, com vista a estabelecer a conveniente articulação dos vários ramos do seguro social.
2. A Caixa Nacional de Pensões poderá utilizar os serviços das caixas de previdência e abono de família, quer para a verificação do direito dos segurados às prestações e para o pagamento destas, quer em todos os mais casos necessários ao bom funcionamento do sistema e à comodidade dos contribuintes e beneficiários.
BASE XVII
(Base XV da proposta)
1. As caixas de previdência e abono de família e a Caixa Nacional de Pensões terão, além dos fundos disponíveis correspondentes aos seus objectivos estatutários, um fundo de reserva destinado, nas primeiras, a garantir a instituição contra qualquer emergência imprevista, e, na segunda, a assegurar a cobertura actuarial dos seus compromissos.
2. As caixas de previdência e abono de família terão ainda um fundo de assistência, constituído mediante receitas independentes das contribuições ordinárias e que se destinará a permitir a prestação de socorros extraordinários aos segurados e seus familiares.
3. A Caixa Nacional de Pensões elaborará balanços actuariais, pelo menos de cinco em cinco anos.
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BASE XVIII (Base XVI da .proposta)
1. Os valorei das caixas de previdência e da Caixa Nacional de Pensões só poderão ser representados em dinheiro ou aplicados em:
a) Títulos do Estado ou por ele garantidos;
6) Acções ou obrigações de empresas ou entidades que o Conselho Económico julgue oferecerem a necessária segurança e revestirem interêssse essencial para a economia da Nação;
c) Imóveis para instalação ou rendimento;
d) Investimentos de carácter social, através da conslrução de habitações económicas e da conc( ssao de empréstimos aos segurados e às respectivas empresas, bem como às Casas do Povo, para atender às necessidades de habi-taçãc dos trabalhadores e suas famílias.
2. Para os fundos-de assistência poderão ser autorizadas outras formas de aplicação consentâneas com os seus objectivos.
3. O limite máximo dos valores globalmente aplicados, nos termos das alíneas b) o, d) do n.º 1 desta base, será de 50 por cento do total, podendo autorizar-se que, para a fixação do .montante a aplicar em investimentos de cí.rácter social, se considerem os valores prováveis a acumular no período máximo de cinco anos.
4. As aplicações previstas nesta base e a alienação dos imóveis e títulos das caixas dependem de autorização do Minis :ro das Corporações e Previdência Social.
BASE xix
(Base XVII da proposta)
1. A gerência das caixas de previdência e abono de família e sua federação e a da Caixa Nacional de Pensões será confiada a direcções, assistidas de conselhos gerais., cujos j residentes e vice-presidentes, quando os haja, serão nomeados pelo Ministro das Corporações e Previdência Social.
2. Os vogais dos mesmos corpos directivos representarão em número igual os beneficiários e os contribuintes, incumbindo a sua designação aos respectivos organismos corporativos de entre os seus associados inscritos na instituição No caso da Federação das Caixas de Previdência e bono de Família, os vogais serão designados pelas e lixas federadas e deverão ter idêntica composição pátria.
3. Nas caixas privativas do pessoal de uma empresa ou grupo de empresas caberá a estas a designação directa dos seus representantes.
4. Os membros das direcções e dos conselhos gerais são civil e criminalmente responsáveis pelas faltas e irregularidade; cometidas no exercício das suas funções.
BASE XX
(Base XVIII da proposta)
As caixas regionais de previdência e abono de família cooperarão COT II as Casas do Povo e suas federações na organização da assistência médico-social aos trabalhadores rurais e na protecção às famílias dos mesmos trabalhadores, devendo celebrar-se entre umas e outras os convenientes acordos para utilização recíproca dos respectivos sei viços.
BASE XXI
(Base XIX da proposta)
1. A falta de cumprimento das obrigações impostas pelos estatutos das caixas de previdência e abono de
família e da Caixa Nacional de Pensões às entidades patronais constitui transgressão punível com - multas de 100$ a 3000$, salvo se mais graves sanções estiverem previstas por lei.
2. O disposto no número anterior não se aplica às contribuições e mais quantias em dívida às referidas caixas, para cuja cobrança coerciva é competente o processo executivo regulado no Código de Processo nos Tribunais do Trabalho.
3. A partir da data em que tenham expirado os prazos estabelecidos para o pagamento das contribuições, serão estas acrescidas de juro de mora, a cargo das entidades responsáveis, nos termos que forem determinados pelo Governo, revertendo a importância do juro para as caixas a que as mesmas contribuições forem devidas.
4. A falta de pagamento de contribuições, quando imputável às entidades patronais, não prejudica, o direito às prestações por parte dos beneficiários, desde que estes tenham o tempo de inscrição regulamentar e a instituição possua elementos comprovativos da prestação de trabalho durante o período a que respeita aquela falta.
5. O julgamento das transgressões referidas no n.º 1 desta base é da competência dos tribunais do trabalho e as multas correspondentes reverterão para o fundo de assistência da caixa interessada.
CAPITULO IV Das caixas de reforma ou de pensões
BASE XXII
(Base XX da proposta)
As caixas de reforma ou de pensões destinam-se a proteger os segurados e os seus familiares na invalidez, na velhice e por morte.
BASE XXIII (Base XXI da proposta)
1. As caixas de reforma ou de pensões terão, além da reserva matemática, destinada a assegurar a cobertura actuarial dos seus compromissos, um fundo de garantia para prevenir qualquer- emergência imprevista.
2. Podem ainda as mesmas caixas ter um fundo de assistência, nos termos previstos no n.º 2 da base XVII.
3. Promover-se-á a conveniente coordenação entre as caixas de reforma ou de pensões e o, Caixa Nacional de Pensões, para o efeito da manutenção dos direitos de segurados que, por mudança das condições de exercício das suas profissões ou actividades, devam passar de uma para outra categoria de instituições.
BASE XXIV (Base XXII da proposta)
1. A gerência das caixas de reforma ou de pensões será confiada a uma direcção assistida de um conselho geral, cujos membros serão designados pelos segurados ou pelos organismos corporativos que os representem.
2. Nas caixas de reforma ou de pensões para classes representativas de interesses espirituais poderão os respectivos superiores hierárquicos designar os presidentes daqueles corpos directivos.
BASE XXV
(Base XXIII da proposta)
Ë aplicável às caixas de reforma ou de pensões o disposto nas bases VIII, XI, XII e XVIII, nas alíneas a] e b]
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da base vil, e nos n.01 3 e 5 da base IX, primeira parte do n.º 1 e n.ºs 2 e 3 da base X e 3 da base XVII.
CAPITULO. V Disposições comuns e transitórias
BASE XXVI (Base XXIV da proposta).
1. Depende de autorização do Governo a constituição e funcionamento de quaisquer sociedades, associações, caixas, fundos ou instituições que se comprometam, mediante pagamento regular ou irregular de quantias fixas ou variáveis, a conceder benefícios pecuniários ou de outra natureza, no caso de se verificarem factos contingentes relativos à vida ou saúde dos interessados, à sua situação profissional ou aos seus encargos familiares.
2. Os directores, gerentes ou administradores das instituições constituídas ou em funcionamento sem, a autorização exigida no número anterior incorrem na pena de multa até 5000$, sem prejuízo da aplicação de outras sanções previstas por lei. As instituições mencionadas, quando não seja possível regularizá-las de acordo com a presente lei, serão dissolvidas.
BASE XXVII (Base XXV da proposta)
As prestações devidas aos segurados ou sócios das instituições de previdência social e seus familiares não podem ser cedidas a terceiros nem penhoradas, mas prescrevem a favor das respectivas instituições pelo lapso de um ano, a contar do vencimento ou do último dia do prazo de pagamento, se o houver.
BASE XXVIII (Base XXVI da proposta)
1. As instituições de previdência compreendidas nas 1.º, 2.a e 3.a categorias referidas na base in estão subordinadas ao Ministério das Corporações e Previdência Social e sujeitas à fiscalização dos serviços respectivos, deles recebendo as instruções e directivas convenientes ao seu aperfeiçoamento e consolidação.
2. As mesmas instituições são obrigadas a prestar àquele Ministério os elementos estatísticos ou informações por ele requisitados.
BASE XXIX
(Base XXVII da proposta)
1. As caixas de previdência e abono de família só se dissolvem por fusão com outras. As caixas de reforma ou de pensões podem dissolver-se por fusão com outras ou por simples liquidação, conforme for determinado pelo Ministério das Corporações e Previdência Social, ouvidos os interessados e o Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica.
2. Em caso de liquidação das instituições das 2.a e 3.º categorias referidas na base in serão os seus haveres, pagas as dívidas ou consignada a quantia necessária para o seu pagamento, divididos entre os segurados ou sócios, na proporção das reservas matemáticas, com ressalva do disposto nos números seguintes.
3. Se as reservas matemáticas não forem praticamente determináveis, os haveres da instituição serão partilhados pelos segurados ou sócios na proporção das contribuições ou quotas por eles pagas, ou, se estas forem desconhecidas, em quinhões iguais.
4. Não se encontrando segurados, sócios ou pensionistas com direito à partilha, serão aqueles haveres aplicados, ouvido o Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica, a favor de outras instituições de previdência, conforme se mostrar socialmente mais vantajoso.
BASE XXX
(Base XXVIII da proposta)
A designação dos vogais das direcções e conselhos gerais das caixas de previdência e abono de família e sua federação, e da Caixa Nacional de Pensões, bem como a dos membros dos corpos directivos das caixas de reforma ou de pensões, continuam, sujeitas à homologação do Ministro das Corporações e Previdência Social.
BASE XXXI
(Base XXIX da proposta)
1. Nas instituições de previdência obrigatória do pessoal das empresas concessionárias de serviços públicos; a integração das pensões constitui encargo inerente à exploração desses serviços.
2. As caixas de previdência do pessoal dos caminhos de ferro serão reguladas por diploma especial.
BASE XXXII (Base XXX da proposta)
1. Fica revogada a Lei n.º 1884, de 16 de Março de 1935.
2. As caixas sindicais de previdência e as caixas de reforma ou de previdência e respectivas federações, actualmente constituídas, continuam a reger-se pela legislação complementar da referida Lei n.º 1884 em tudo aquilo que não contrarie as disposições do presente diploma.
BASE XXXIII
(Base XXXI da proposta)
O Governo publicará os regulamentos necessários à boa execução desta lei, competindo ao Ministro das Corporações e Previdência Social determinar as convenientes alterações dos estatutos e regulamentos das caixas sindicais e de reforma ou de previdência e respectivas federações, actualmente constituídas, bem como as condições e a oportunidade de integração das instituições existentes no sistema da presente lei.
Palácio de S. Bento, 14 de Março de 1961.
António Bandeira Garcês (votei, vencido, o parecer na parte que se refere aos acidentes de trabalho e pelo que exponho:
a) O seguro de acidentes de trabalho não pode classificar-se como seguro social. Trata-se de um seguro caracterizadamente privado, essencializando-se o seu âmbito na cobertura da responsabilidade patronal pelos riscos profissionais.
Essa responsabilidade, que evoluiu e se processou semelhantemente à que resulta dos riscos de viação, constitui, como ela, um departamento do instituto de responsabilidade civil.
A industrialização da segunda metade do século XIX, implicando, pelo emprego da máquina, uma maior frequência e uma maior gravidade de acidentes, deu-lhe grande projecção social e exigiu-lhe adequada e peculiar regulamentação.
Idênticas circunstâncias, devidas a causas paralelas a motorização -, se viriam a verificar no século XX com a responsabilidade pelos acidentes de trânsito.
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Elas, porém, não alteraram a natureza das responsabilidades nem o conteúdo dos seguros.
6) Para a cobertura dos riscos de acidentes de trabalho adoptaram-se dois regimes - o da empresa livre (sociedade anónima ou mútua) e o monopólio estatal.
Poucos países preferiram este último, inclinando-se quase todos para o primeiro.
Com a segunda guerra mundial gerou-se um movimento no sentido da solução estatal que conseguiu adeptos, movimento que se não restringiu aos seguros de acidentes de trabalho, pois se estendeu a outras actividades.
De inspiração declaradamente socializante, ou até comunizante, culminou ele, em França, com a vaga das nacionalizações que abrangeu o Banco de França, os grandes bancos, as grandes companhias de seguros, os caminhos de feiro, as minas d 3 hulha, as empresas produtoras de energia eléctrica, a Renault, as fábricas de armamento e outras.
Na Grã-Bretanha, com os trabalhistas, nacionalizou-se o Banco de Inglaterra, os transportes, as minas de carvão, e pretendeu-se nacionalizar a indústria de aço e ... algumas companhias de seguros.
Os acidentes de trabalho não podiam escapar. Em França, ditou-se o monopólio, mas dele se excluíram os trabalhadores agrícolas, que continuaram a ser cobertos pelas empresas privadas.
No resto do continente, não se falando nos povos que ficam para lá da «cortina de ferro», não houve alterações.
O caso britânico situa-se à parte. Não se extinguiu o seguro privado de acidentes de trabalho, que continuou e subsiste. Planeou-se, sim, a socialização da medicina, interessando a toda a população. Ela prevê os acidentes, sejam ou não de trabalho. Na hipótese de acidente de trabalho a vítima pode optar pela execução da responsabilidade patronal, de harmonia com o Workmen´s Compensation Act, ou pela protecção do National Health Service.
É curioso e esclarecedor - notar que, mormente nos últimos anos e sem embargo de os operários comparticiparem nas despesas do National Health Service, se acentuam, e de forma bastantu sensível, as suas preferências pela execução ca responsabilidade patronal.
Na América do Norte, os critérios divergem de estalo para estado, mantendo uns a liberdade, enquanto outros adoptam o monopólio. A diversidade permite estabelecer confrontos entre o comportamento dos dois sistemas, e dos estudos feitos ressalta a superioridade do sistema privado - maior eficiência, maior elasticidade e adaptação e menor custo.
Põe-se em contraste o funcionamento lento e rotineiro, eivado de burocracia, das caixas públicas com o dinamismo e o constante aperfeiçoamento a que a emulação da concorrência obriga is empresas particulares.
c] Entre nós a responsabilidade patronal pelos acidentes de trabalho só assume estrutura própria com a Lei n.º 83, de 24 de Julho de 1913, a que se seguiram os Decretos n.º 4288, de 9 d« Março de 1918, e 5637, de 19 de Maio de 191!), podendo, no entanto, afirmar-se que a sua generalização apenas se efectivou após a Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936.
Para a cobertura, sempre o legislador português-em 1913, em 1918, em 1919 e em 1936-í. se decidiu pela empresa privada.
O regime tem resultado e as críticas que lhe dirigem baseiam-se, regra geral, em deficiência de informação, pois fala-se em discussões contenciosas, mas a verdade é que as estatísticas demonstram ser ínfima a proporção dos casos que chegam a essa fase.
Na parte expositiva do parecer aconselha-se a incorporação dos acidentes de trabalho, quando as circunstâncias o permitam, na previdência. Sob roupagem pretensamente inocente, sugere-se uma forma de nacionalização. Ela ressente-se da mesma inspiração socializante - isto com o devido respeito - que, em França, concluiu pelo monopólio estatal.
De resto, essa tendência tem-se infiltrado insidiosamente na organização da previdência e manifesta-se em variados aspectos, incluindo o da terminologia.
Nos diplomas iniciais, na teorização que do
esquema se fez, nas exposições doutrinárias que o fundamentaram, procurou-se afastar qualquer ilação de paralelismo com os seguros sociais, evitando-se o uso de uma terminologia que conduzisse u confusões.
Em 1948 muda-se de orientação e aceita-se a nomenclatura socializante. À previdência passou a chamar-se a seguros sociais» e aos beneficiários «segurados», o que, além de comprometer desvio, representa um erro de técnica jurídica. Segurado foi sempre, desde as velhas Regulações das. Casas de Seguros até aos códigos comerciais e aos diplomas de 1907 e 1929, aquele que firma o contrato de seguro com um segurador.
A situação jurídica do trabalhador garantido pela previdência (ou pelo seguro social) é diferente - não segurado, mas beneficiário.
A integração na previdência levaria mesmo, sob pena de ilegismo, ao absurdo de os trabalhadores terem de suportar, em parte, o pagamento de uma responsabilidade que compete às (entidades patronais.
d) Pêlos que preconizam a nacionalização, ela encontrar-se-ia em melhores condições que o seguro privado para fomentar a medicina do trabalho. Também, neste sector, a realidade não confirma a asserção. Apesar das dificuldades com que depara, afigura-se que o seguro privado sobreleva, nas suas realizações, a previdência.
Hospitais privativos, clínicas e postos bem equipados, cirurgiões, traumatologistas e oftalmologistas cuidadosamente recrutados, rastreios radiológicos, congressos, brochuras e outras publicações, tudo isto se tem feito desde que em 1936, com a entrada em vigor da Lei n.º 1942, se difundiu o seguro de acidentes de trabalho.
No que respeita à prevenção, criou o seguro privado, pelo seu grémio - o Grémio dos Seguradores - o Centro de Prevenção de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, cuja actuação, não espectacular mas de permanência e regularidade, se credita de meritória. Aliás,
untes dele, as companhias, individualmente, a vinham praticando.
Igualmente o seguro privado se não mostrou alheado da recuperação. Sobre o problema se debruçaram os seus dirigentes, estruturando um centro que se desdobraria em três fases - a hospitalar, a de reeducação e a de recolocação. Vi-
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cissitudes a eles estranhas não permitiram que a iniciativa prosseguisse, ao mesmo tempo que se anunciava a montagem, pela Santa Casa da .Misericórdia de Lisboa, de um organismo com idêntica finalidade.
Em conclusão e resumo:
O seguro de acidentes de trabalho, sendo um seguro de responsabilidade patronal, não pode considerar-se um seguro social.
De entre os dois sistemas da sua cobertura o da empresa privada tem-se classificado nitidamente superior, mais barato e muito mais eficaz do que o de monopólio estatal.
Aos princípios que informam a orgânica social e económica da Nação, assim como às suas leis fundamentais - Constituição e Estatuto do Trabalho Nacional -, repugnam quaisquer fórmulas nacionalizantes.
Alberto Sobral.
António Júlio de Castro Fernandes.
Afonso de Melo Pinto Veloso (reitero a minha inteira adesão ao texto legislativo proposto pela Câmara Corporativa, em conclusão do notável relatório que o precede.
Quanto a este, apenas reservo juízo definitivo relativamente à sugestão de futuro monopólio do
Estado sobre os seguros por acidentes no trabalho. Não pude certificar-me de que as vantagens, apontadas superem os óbvios inconvenientes da estatização e burocratizarão desta indústria).
António Avelino Gonçalves.
António da Silva Rego.
António Vitorino França Borges.
Armando Gouveia Pinto.
Domingos Cândido Braga da Cruz.
Francisco Manuel Moreno.
Guilherme Braga da Cruz.
João Militâo Rodrigues.
João Ubach Chaves.
Joaquim Trigo de Negreiros.
Jorge Augusto da Silva Horta.
José Albino Machado V az.
José de Almeida Ribeiro.
José Augusto Vaz Pinto.
José de Mira Nunes Mexia.
José Pires Cardoso.
José Seabra Castelo Branco.
Luís de Castro Saraiva.
Luís Gordinho Moreira.
Manuel Alberto Andrade e Sousa.
D. Maria Luísa Ressano Garcia.
Pedro António Monteiro Maury.
António Jorge Martins da Motta Veiga, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA