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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 212
ANO DE 1961 21 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 212 EM 20 DE ABRIL.
Presidente: Ex.mo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às
16 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 210.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Sá Linhares chamou a atenção do Governo para vários problemas dos Açores.
O Sr. Deputado António Lacerda tratou dos problemas da. produção e indústria dos resinosos.
O Sr. Deputado Augusto Simões falou sobre a electrificação rural.
Ordem do dia.-Continuou o debate sobre as Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar) e a* da Junta do Crédito Público relativas ao ano de 1959.
Usaram da palavra os srs. Deputados D. Maria Irene Leite da Costa e Alberto Pacheco Jorge.
O Sr. Presidente encerrou II sessão às 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 16 horas e 46 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam, os seguintes Srs. Deputados -:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agnelo Orneias do Regro.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Domingos Rosado Vitória Pires.
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Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Gosta.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cai doso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João da Assuição da Cunha Valença.
João Augusto Marchante.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Revés Clara.
Joaquim Paia de Azevedo.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Dias de Araújo Correia.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Rodrigo Carvalho.
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José SarmentD de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel Colai es Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Lope.) de Almeida.
Manuel Maria, de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Purxotoma Francisco Quenin.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinte de Mesquita Carvalho. Magalhães.
Tito Castelo Branco Àrantes.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio Dav d Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
O Sr. Presidente: -Estão presentes 91 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 55 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 2.0.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer quer reclamação, considero-o aprovado.
Deu-se conta ao seguinte
Expediente
Carta
De Joaquim Alves Coutinho a apoiar a intervenção do Sr. Peres Claro sobre a necessidade de auxiliar alguns combatentes da guerra de 1914-1918.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Sá Linhares.
O Sr. Sá Linhares: - Sr. Presidente: pedi hoje a palavra a V. Ex.ª para chamar a atenção do Governo para alguns problemas que interessam às populações das ilhas do arquipélago dos Açores, essas ilhas que, em tempos idos, alguns julgavam que o mar não separava.
Conta-se até, como anedota, que numa transferência de um funcionário para uma delas a sua deslocação foi autorizada em caminho de ferro.
Felizmente que hoje as coisas mudaram por completo e recebemos ali com frequência a visita de membros do Governo com o fim de se inteirarem e resolverem os seus problemas.
Muito ali se tem feito nestes últimos anos em obediência não só a planos elaborados como ainda em satisfação de velhas aspirações das suas populações.
Embora, de uma maneira geral, todos os problemas tenham merecido a carinhosa atenção dos vários departamentos do Estado, há, no entanto, alguns de vital. importância que aguardam estudo ou execução.
Entre estes desejo destacar o que resulta da sua posição essencialmente agrária. A agricultura e a pecuária constituem de facto as actividades básicas onde a grande maioria dos açorianos encontram a principal fonte dos seus rendimentos, ocupando lugar de relevo a criação de gado bovino.
Embora os Açores contribuam já hoje com uma importante parcela da carne consumida no continente, estão ainda longe das suas reais possibilidades.
O País, dada a insignificante capitação de carne bovina, precisa de mais, e os Açores podem aumentar a sua produção. Mas, para que os esforços a despender neste sentido não resultem em pura perda, torna-se indispensável não esquecer que ligados ao problema da carne se encontram os dos lacticínios.
Na Portaria n.º 18 186, do Sr. Ministro da Economia, é examinada a situação destes últimos.
Foi nomeada, de acordo com as conclusões do relatório que o antecedem, uma comissão para proceder ao estudo da reorganização da indústria dos lacticínios do continente e das ilhas adjacentes.
O facto de verificarmos que se vai equacionar o problema com elementos continentais e açorianos, e ainda que aquela comissão é constituída por competentes individualidades, dá-nos todas as esperanças de que será conseguida a melhor das soluções.
A pesca é uma outra actividade onde os Açorianos vão buscar os seus rendimentos. Embora abundassem nos seus mares cardumes das mais variadas e preciosas espécies, até há poucos anos atrás os Açorianos só se dedicavam, por assim dizer, à pesca da baleia.
Há mais de um século que exercem esta actividade, trazida àquelas paragens por navios baleeiros vindos da América do Norte.
Em 1768 cerca de 200 navios da Nova Inglaterra já pescavam nas águas daquele arquipélago. Uni século depois só de Nova Bedford saíram 329 barcos baleeiros, dos quais 104 entraram no porto da Horta.
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Foi este grande e constante movimento de navios baleeiros naquele porto e a sua actividade nos mares daquelas ilhas que despertaram, o interesse pelo desenvolvimento desta indústria.
Com a aquisição de um lugre francês encalhado na costa da ilha do Faial e abandonado pelos seguradores formou-se, em 1857, a primeira empresa baleeira açoriana.
Dessa data por diante os açorianos nunca mais deixaram de lançar ao mar as suas. frágeis baleeiras para arpoarem os cachalotes que lá passavam.
Esta actividade, que foi outrora uma das maiores riquezas para a modesta economia de algumas ilhas açoreanas, tem, nos últimos anos, atravessado grandes crises, devido não só à escassez de cardumes como ainda às dificuldades encontradas para o escoamento do óleo produzido.
A continuarem estas crises só o espírito aventureiro dos- açorianos, aliado à valentia dos seus pescadores, poderá evitar que se deixe de ver lançar ao mar as canoas baleeiras quando o vigia anunciar «baleia à vista!».
Felizmente que uma nova frota de embarcações de pesca nasceu naquelas ilhas. Desejo referir-me à frota atuneira, e não vou novamente descrevê-la, nem apresentar todos os seus problemas, dado que já o fiz na sessão desta Assembleia Nacional de 21 de Abril do ano findo.
Hoje limitar-me-ei a afirmar de novo que uma grande parte das embarcações daquela frota está na contingência de ter que deixar de exercer a sua actividade, se não encontrar preços compensadores para a sua exploração.
Para que se possa perceber bem a gravidade deste problema é necessário anotar que se dedicam à pesca de tunídeos em todas aquelas ilhas cerca de 85 embarcações, das quais dois terços são propriedade de modestos armadores, que vivem exclusivamente da sua exploração, e que as restantes pertencem a industriais de conservas.
Só os proprietários das primeiras estão em causa, dado que os segundos são simultaneamente industriais de conservas; o que perderam na pesca ganham nas conservas, e o seu ganho é tanto maior quanto menor for o preço fixado para o peixe, pois assim pagarão menos impostos e menos remunerações aos seus pescadores.
Nos Açores, onde o problema se apresenta com mais acuidade é exactamente no distrito da Horta, que represento nesta Assembleia Nacional. Das 36 traineiras que se encontram registadas na sua Capitania e Delegação Marítima apenas 4 pertencem a uma empresa de conservas, sendo as restantes de armadores que vivem exclusivamente da actividade das suas embarcações.
Esta importante frota, a melhor de todo o País, custou para cima de 25 000 contos. -
O preço dado pelas fábricas açorianas à sua pescaria continua a não ser compensador para as despesas de exploração naquela frota.
Alegam os industriais de conservas que não podem pagar mais. No entanto, continua a verificar-se que o preço oferecido é muito menos de metade do que é pago pelas fábricas continentais quando adquirem espécies da mesma qualidade.
Eu bem sei que nos Açores, devido a alcavalas incompreensíveis, o custo dos materiais necessários para o fabrico de conservas é superior ao do continente, mas, entrando mesmo em conta com as diferenças verificadas a mais, não encontro nenhuma explicação plausível para o preço dado pela indústria de conservas açorianas.
O comprador destas é o mesmo das do continente e desejo admitir que as fábricas dos Açores se encontram devidamente apetrechadas para poderem laborar em condições idênticas às do continente.
Se assim não for há que apetrechar devidamente .aquelas que o não estão, para que, laborando em melhores condições,, possam pagar à pesca um preço que compense as suas despesas de exploração.
A enorme procura de atum nos mercados internacionais, devido ao seu alto valor alimentar e às grandes possibilidades da sua conservação, tem contribuído nos últimos anos para que vários países, entre os quais os Estados Unidos da América e o Japão, explorem ao máximo os recursos que a técnica moderna pôs ao serviço das pescas.
Apesar de Portugal ocupar uma privilegiada situação geográfica para o exercício desta actividade, verifica-se que a nossa produção não chega a atingir 1 por cento da mundial.
A pesca do atum entre nós limitou-se durante largos anos à actividade das velhas armações fixas do Algarve.
Agora, que nasceu uma importante frota nos Açores, não podemos deixá-la sucumbir. Ela representa o primeiro passo dado no caminho que temos de trilhar na exploração da pesca do atum.
Devemos, por isso, não só acarinhar todos os esforços já despendidos, como ainda procurar, pára bem da economia nacional, fomentar esta actividade, de acordo com os recursos que o Atlântico põe à nossa disposição.
Ao Governo peço a sua especial atenção para este importante problema, convencido de que, se. o examinar com a sua reconhecida ponderação, não deixará de encontrar a justa e devida solução.
Ao falar desta jovem actividade piscatória, que considero da maior importância para a economia daquelas t ilhas, designadamente para as do meu distrito da Horta, que aqui represento, desejo aproveitar esta oportunidade para endereçar deste lugar ao Sr. (Ministro da Marinha os meus mais reconhecidos agradecimentos por todas as providências tomadas, e que foram todas as que estavam dentro do âmbito dos sectores do seu Ministério. -
Muitos outros problemas aguardam presentemente a execução das soluções para eles já encontradas ou o seu estudo em vários departamentos do Estado.
Entre estes citarei apenas alguns dos que julgo de maior importância para os interesses do arquipélago.
Colocarei em primeiro lugar os dos portos e o dos transportes marítimos e aéreos.
Em relação ao primeiro, e dado que o assunto foi largamente tratado numa recente intervenção do nosso ilustre colega Dr. Armando Cândido, apenas desejo formular um voto para que não venha longe a hora em que possamos ver construídos os pequenos portos de abrigo das ilhas do Pico e do Corvo.
O primeiro, por ser indispensável à unidade económica dessa ilha e da do Faial, cujas comunicações se encontram interrompidas em elevado número de dias, por f alta. daquele pequeno porto.
O segundo, por ser uma obra de misericórdia para aquela boa gente, que vive na sua pequena ilha de 17 km2 de superfície no maior dos isolamentos dos nossos dias.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Passando agora ao problema dos transportes marítimos e. aéreos, pouco terei a dizer, dado que, quanto ao primeiro, estamos em vésperas de vermos dois novos navios, mandados construir pela Em-
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presa Insulana de Navegação, aportarem aos portos daquelas ilhas. Um deles, belo e veloz paquete, ligará estas ao continente possivelmente no próximo mês de Setembro, constituindo uma das realizações mais ambicionadas dos Açorianos. O outro, que foi lançado ao mar há poucos dias, destina-se a fazer comunicações entre as ilhas e, na sua classe, é também uma bela unidade, que muito irá beneficiar as suas populações. Embora julgue ainda indispensável mais um sacrifício para que seja prevista ,em novo Plano de Fomento a construção de outro paquete, não posso nem devo deixar da me congratular pelo que já se fez e de agradecer ao Sr. Ministro da Marinha todos os notáveis esforços que despendeu para se levar a efeito a construção daquelas unidades.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quanto ao problema dos transportes aéreos, encontra-se também esboçado o plano de construção de dói 4 aeródromos, um na ilha de S. Miguel o outro na ilLa do Pico.
O primeiro para substituir o pequeno e insuficiente campo já existente na formosa e rica ilha de S. Miguel e. o segundo para dotar o distrito da Horta com as indispensáveis carreiras aéreas, dado que é o único daquele arquipélago que não beneficia ainda do progresso da aviação.
A sua população vive, por isso, num impressionante isolamento, pais só dispõe das carreiras quinzenais da Empresa Insulana de Navegação, o que lhe causa, em muitos casos, os maiores transtornos e até sofrimentos.
Suponho que o novo aeródromo da ilha de S. Miguel será muito/em breve construído, mas o da ilha do Pico, encontrando-se numa fase mais atrasada, não será tão brevemente iniciado como anseiam as populações do Faial e do Pico.
Ninguém nessas ilhas desconhece o interêssse que o. Sr. Ministro Ias Comunicações dispensa a todos os problemas do seu Ministério, razão por que todos esperam que quaisquer possíveis arestas que venham a encontrar no estudo que se está- realizando sejam limadas para que possam ver em breve aterrar aviões no seu aeródromo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr Presidente: no dia em que modernos e velozes navios aportarem aos portos daquelas ilhas e aviões aterrarem nos seus aeródromos uma nova fonte de riqueza surgirá naquele arquipélago.
Os seus campos verdes, salteados de hortênsias azuis; o seu litoral alcantilado, cheio de belezas surpreendentes;, o espectáculo magnífico das Furnas e das Sete Cidades; a majestosa altivez da ilha do Pico; a vida da boa gente da ilha do Corvo, que, vestida de buréis que eles próprios tecem com lãs dos seus rebanhos, é, como disse Garrett, um exemplar precioso dos usos patriarcais das eras bíblicas; as variadas e preciosas espécies ictiólogas, que proporcionam aos pescadores recreativos as mais abundantes e ricas pescarias enfim, tudo isto e ainda muito mais não poderá deixar de constituir um grande atractivo para o turismo açoriano, tornando-se, por isso, indispensável estudar desde já os seus problemas e encontrar para eles as convenientes soluções.
Um destes não poderá deixar de ser o que diz respeito aos seus hotéis.
Com excepção da ilha de S. Miguel, onde existe um que merece esta classificação e de outros dois em vésperas de serem inaugurados, há apenas nas restantes ilhas do arquipélago modestíssimas pensões onde os hóspedes, além do carinho e atenção dos seus proprietários e do seu pessoal, não encontram as mínimas condições de comodidade e de conforto admissíveis nos nossos dias.
Os que já as visitaram e tiveram necessidade de nelas se instalar não ficaram, decerto, com desejo de lá voltar.
A solução deste problema não interessa apenas à economia dessas ilhas e aos nacionais e estrangeiros que as desejam visitar. Interessa também à numerosa colónia açoriana que vive nos Estados Unidos da América.
Temos hoje ali mais de 500 000 açorianos, se coutarmos com os que lá nasceram, e podemos fazê-lo, dado que, embora naturalizados americanos, conservam no seu coração a nacionalidade portuguesa.
Todos desejam lá ir. Uns, para matar saudades de tudo o que lá deixaram; outros, para verem as terras dos seus pais, as procissões, as festas do Senhor Espírito Santo, as romarias, enfim, tudo aquilo que serviu para as histórias que ouviram na sua infância e se repetem todos os dias nos lares bem portugueses daquela numerosa colónia açoriana, que na América do Norte tem sabido honrar e dignificar o nome do Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! . O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António Lacerda: - Sr. Presidente: qualquer sereno e desapaixonado exame ao estado actual da nossa agricultura evidencia, sem necessidade de grandes e profundos estudos, a grave crise em que ela se debate.
Além dos males congénitos, males muito graves que nesta Assembleia por várias vezes têm sido apontados, houve também, mercê de causas que não estão na mão do homem alterar facilmente, prejuízos gravíssimos provenientes do mau ano agrícola anterior que um Outono e um Inverno excepcionalmente chuvosos mais vieram agravar, com deficiência na armazenagem de produtos, como o milho, e a dificuldade que actualmente se verifica de escoamento do vinho. E assim o Entre Douro e Minho vive, actualmente, dias difíceis.
A vida não se apresenta risonha nem para o lavrador-proprietário, nem para o lavrador-caseiro, nem mesmo, de momento, para o trabalhador agrícola, a quem os patrões, na generalidade, reconhecem que é preciso pagar melhor, até para que ele possa ser um bom consumidor de produtos, mas não sabem nem podem fazê-lo dentro de todos os condicionalismos que rodeiam a exploração agrícola, que se apresenta com resultados económicos muito baixos. E isso é que há que ter em conta, pois a agricultura-folclore só pode actualmente interessar a uma certa gama de amadores do turismo, ou a citadinos para quem o resto do Mundo é paisagem.
E não vale a pena voltar aqui a falar de assuntos que por tantos e por mim já foram tratados. Dizer que o nível de educação geral das nossas populações agrícolas e .não agrícolas é baixíssimo, que a instrução técnica do agricultor é tão deficiente como os conhecimentos da sua profissão para entrar em competição com outros de nível de instrução muito mais elevado, já constitui lugar-comum cada vez mais actual. Falar em estruturas de propriedade, essas estruturas que tanto a todos preocupam, uns porque tudo temem convencidos de que poderão manter-se no mundo dos seus sonhos e dos seus desejos e outros, no extremo contrário, porque quereriam que se saltasse para . ... a ausência de propriedade, para a colectivização.
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Queremos hoje referir-nos particularmente a uma actividade complementar da agricultura, ou, melhor, a um produto essencialmente florestal ou agrícola - a resina. Digo agrícola porque na minha região a bouça, onde se criam os pinheiros, faz parte da exploração agrícola.
Com os altos preços que II alguns casos atingiu constitui este ano a resinagem do pinhal um rendimento fundamental ou complementar de uma agricultura que se vê a braços com inúmeras dificuldades e falta de receitas Convenientes.
- O Sr. Augusto Simões: - Apoiado !
O Orador: - Sabe-se bem como é normalmente feito o negócio da resinagem em várias regiões, especialmente no Entre Douro e vinho.
O proprietário do pinhal aluga-o para extracção da gema, a tanto por incisão ou bica, directamente a industriais de resina ou aos seus comissários ou a angariadores, dentro das normas estabelecidas pela lei e que a Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas e a Junta Nacional dos Resinosos, em trabalho altamente meritório e que tem dado magníficos resultados, fiscalizam.
A resinagem é já uma prática antiga de mais de um século em Portugal é deve-se, sem dúvida, ao interesse e tenacidade de alguns industriais o desenvolvimento que esta actividade atingiu. Começou por pequenas fabriquetas, quase caseiras, em indústria artesenal, e atinge já hoje proporções de vulto, sobretudo nos últimos anos, por mercê de uma bem orientada acção do organismo coordenador -a Junta Nacional dos Resinosos- e por condições favoráveis da conjuntura mundial em relação aos produtos fundamentais da extracção da resina - pez e aguarrás.
Das pequenas fábricas de fogo directo, que no início eram as únicas existentes, foi-se passando, a pouco e pouco, para um panorama melhorado, com o aparecimento de fábricas da extracção a vapor e pelo vácuo e também pelo melhoramento, das existentes a fogo directo.
Reportando-os só aos últimos anos podemos comparar a existência de fábricas:
[... Ver tabela na imagem]
Anos Vácuo Vapor Fogo directo
Vê-se, portanto, que houve uma apreciável melhoria, tendo-se em conta que a extracção a fogo directo semi terebintinagem é pior do que a que é feita com esta operação e que a extracção a vapor e a vácuo são melhores que as anteriores. Nesta última há (problemas- técnicos a considerar que peço licença para deixar em claro, pois não esclarecem melhor o objectivo destas considerações. É de nota somente que as fábricas por vácuo não têm aumentado.
Há, contudo, que notar nesta, simples indústria, em que a maior parte, das fábricas são «lê uma simplicidade enorme, não haver vantagem económica apreciável nas grandes. fábricas de extracção primária, se assim lhes podemos chamar.
Outro índice de progresso neste sector é o que diz respeito à forma de resinagem, que evoluiu notavelmente nestes últimos anos, sabendo-se que a resinagem química é preferível à resinagem. tradicional.
Enquanto em 1952, ano em que praticamente foi introduzida em escala comercial a resinagem química, sómente foram resinadas pôr este processo 3000 incisões, ou seja 0,01 por cento, em 1906, 27 500 000, ou sejam 89,16 por cento do total, e actualmente a quase totalidade.
Portanto, do ponto de vista da industrialização da gema e da técnica da extracção, houve uma acentuada melhoria.
Vejamos agora, em dois rápidos apontamentos, qual o panorama da resinagem na parte que diz respeito à lavoura e quais são as suas apreensões de momento relativamente à evolução que se desenha no ciclo evolutivo desse seu rico produto que é a resina.
Já mais de uma. vez nesta Assembleia, teimosamente, falei da educação" e nível de instrução das populações rurais e do sentido em que muitos produtores entendem que se deve procurar o progresso da sua actividade. Produzir. Industrializar. Comercializar. Para isso: educar, instruir e estruturar.
O Sr. Augusto Simões: - Muito bem !
O Orador: - Quando, há um século, começou em Portugal a transformação da resina, o lavrador cuidava, como agora alguns ainda julgam, que a ele só competia, altivamente, produzir, desdenhando o seu bocado das outras actividades que trabalhavam e negociavam os seus produtos. A grande função, ligada à consideração que advinha da posse da terra, era a da obtenção dos produtos fundamentais, essenciais à vida das populações. E não se pensava na altura, nem alguns pensam agora, que limitando-se sómente a produzir se ficaria com a parte mais seca do bolo.
E não se lhe disse que deveria industrializar os seus produtos, que deveria, se necessário fora, associar-se para isso.
Era incipiente a ideia de indústrias complementares da agricultura, mas sobretudo os homens da terra entregues à rudeza, mas ao mesmo tempo nobreza do seu mister, queriam viver, só da são ocupação principal.
E nunca foram educados noutras concepções, nem instruídos de forma diferente, nem os responsáveis pelos seus destinos se preocuparam em lhes incutir uma mentalidade nova que os libertasse da cadeia que os prende.
E, assim, a resina foi e vai-se vendendo em regime absolutamente livre e onde a indústria é mais antiga pululam as fábricas pertença de vários industriais, estabelece-se uma certa concorrência e o prochito atinge preços elevados, mas de uma desigualdade impressionante.
Para permitir uma certa defesa dos pequenos e pequeníssimos produtores em relação aos industriais e seus comissários e refrear abusos foram instituídos pelo Decreto n.º 36 617, de 24 de Novembro de 1947, os contratos colectivos de resinagem dos pinhais através dos grémios da lavoura.
Logicamente, como o volume de resina em oferta, expresso em número de indecisões, era maior deveria haver maior interesse por parte dos compradores e o preço por incisão deveria subir. E assim parece que tem acontecido nalguns sítios em que os contratos colectivos através dos grémios da lavoura estão a funcionar bem. Mas nem por toda a parte.
Há, segundo se diz, no Centro e Sul pagamentos por incisão da ordem dos 14$, 16$, 17$ e, excepcionalmente, 20$, porque a concorrência é grande, a maior parte das fábricas aí se localizaram, e também parece que o rendimento por ferida excede bastante aquele que se verifica no Norte, embora os serviços técnicos
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da Junta Nacional dos Resinosos digam que a diferença não é tão grande quanto, ao sabor das conveniências, os angariadores afirmam.
Há, contudo, concelhos no Norte, e vou referir-me a dois concelhos pegados do Minho, que sómente um rio separa, em que se continua a pagar as incisões à volta de 5$ cada uma. Mas há um proprietário, que tem pinhal nos dois concelhos, a quem foi pago 8f 50 por incisão.
O grémio de lavoura de um desses concelhos, no intuito de prestar um bom serviço à lavoura, entendeu promover o aluguel do pinhal dos seus associados que assim o pretendessem colectivamente. Dirigiu-se às empresas que trabalham em todo o distrito, mas que parece dividem entre si «áreas de influência», e consegiu 6$50
De forma que há nesse concelho do Minho e em relação aos preços citados para o Centro e Sul do País, que vão a valores muito altos, números que vão de 5$ a, pelo menos, 8$50. Não sei se aí haverá preços mais altos, pois é possível que alguém ainda tenha recebido mais do que aquele melhor preço citado neste concelho, mas sei que tia noutros concelhos do Minho preços que chegam a 10$.
E há um grémio de lavoura que fez o que devia para proteger os seus associados e fica mal colocação, pois, tendo sido o vendedor local da mais avultada quantidade de resina, recebeu por ela um preço mais baixo do que um produtor isolado. Faz pensar que há, pelo menos, manifesta má vontade em relação ao contrato colectivo ...
Há, e muito bem, uma indústria próspera que se tem procurado modernizar para a extracção dos produtos principais da resina - pez e aguarrás - e que vende a quase totalidade desses produtos para o mercado externo, em actividade de alto interesse nacional.
Trabalha-se bem no que diz respeito à obtenção da resina pelo método mais aconselhável com assistência e fiscalização eficiente das entidades oficiais.
Há uma lavoura que recebe dos industriais, pela matéria-prima, aquilo em que os industriais em concorrência, ou não, com zonas de influência, ou sem elas, com fábricas melhores ou piores e parece que não são as melhores aquelas que dão lucros mais avultados, lhes querem dar.
E nesta altura surge a ideia da concentração da indústria e é nomeada pelo Sr. Ministro da Economia uma comissão para a estudar e na qual não tem assento a lavoura, a fornecedora da matéria-prima, a iniciadora do ciclo da produção.
A lavoura alarmada, sabendo aquilo que sem grande concentração já se passa e com os prenúncios da célebre Portaria n.º .L8 18C, acerca dos lacticínios, em que o Sr. Ministro da Economia expõe o seu pensamento sobre problema paralelo e de tão grande interesse, mostra o seu sentir e consegue ver nessa comissão um seu representante.
A lei em vigor permite que se constituam sociedades cooperativas <_.om interesse.='interesse.' ser='ser' a='a' de='de' intuito='intuito' poderiam='poderiam' distribuídas='distribuídas' resinosos='resinosos' uma='uma' bem='bem' forma='forma' óptima='óptima' grande='grande' o='o' p='p' cooperativas='cooperativas' fábrica='fábrica' produtos='produtos' resina.='resina.' industrializar='industrializar' actividade='actividade' regularizar='regularizar' estas='estas'>
Uma fábrica de resina de pequena dimensão que transforma a resina nos produtos vendáveis, pez e terebintina, daquele tamanho que é economicamente mais aconselhável, é mais barata ,que uma adega cooperativa que transferira a uva em vinho e aguardente!
Apelo para a Direcção-Geral dos Serviços Florestais, para os demais organismos competentes, no sentido de promoverem I propaganda e criação de cooperativas deste género." )ir-me-ão porque é que a lavoura não toma essa iniciativa sem o impulso do Estado? E eu responderei que a lavoura está numa fase de transição crucial para a sua existência como actividade económica fundamental, e, ou é protegida na sua organização, na sua estruturação, como actividade dos tempos de hoje com interesses no ciclo económico total, ou está votada a dias muito piores ainda do que aqueles que hoje atravessa.
Não atento agora nas complicações que existiriam para a montagem das fábricas cooperativas, dadas as dificuldades de organização e licenciamento e a concorrência que os industriais lhes moveriam com dinheiro que deixou de ir para a lavoura, num desregramento do mercado da resina, de que dei um pálido, embora concludente, exemplo! Desde que haja vontade, não são formalidades ou interesses que (podem entravar a máquina.
E quero citar, Sr. Presidente, um interessante estudo, para que me foi chamada a atenção num artigo publicado pelo engenheiro agrónomo J. Duarte Amaral na revista Agricultura, da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, do economista espanhol Barbancho. Chega ele à conclusão de que, >no caso espanhol, muito semelhante ao nosso, a melhor forma de activar o desenvolvimento económico é impulsionar a agricultura pelas suas repercussões favoráveis sobre a industrialização e sobre a economia geral.
Mas, perdoando-se-me este parêntese, entendemos que em relação à resina é de urgência organizar de forma efectiva o negócio da sua venda. Dificilmente se compreende que nosso país uma actividade deste interesse, que pode ser uma fonte de riqueza ainda maior, esteja como está.
Neste sentido me dirijo à Corporação dia Lavoura, as suas federações e aos serviços oficiais que possam interferir, no sentido de se lançarem afoitamente ao estudo do problema. Teremos de chegar aos contratos colectivos obrigatórios?
Há, pelo menos, um desejo unânime, e este é que não se retire à produção, que mão tem culpa de mão ter sido suficientemente orientada e impulsionada e conduzida rumo a um melhor aproveitamento das suas possibilidades, o direito de Se lançar, se assim o entender, em alto espírito associativo, na transformação dos seus produtos.
O Sr. Pinto de Mesquita: -V. Ex.ª. dá-me licença? O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Tenho representado na Junta Nacional dos Resinosos a lavoura do Norte e, . nessas condições, tenho acompanhado com o maior interesse o que V. Ex.ª. acaba de expor, sobretudo a flagrante diversidade de preços por que são vendidas as incisões. V. Ex.ª. focou um aspecto, a parte propriamente da pulverização originária das fábricas de resinagem correspondentes à grande produção de resina, marcadamente no litoral e em parte da Beira. O Norte do País só recentemente começou a interessar-se pela resinagem. V. Ex.ª. disse uma grande verdade: é sobretudo pela concentração da indústria, em uma ou duas unidades, no Norte do País, por assim dizer a constituir um monopólio de facto, que é realmente vítima a região para além do Vouga no preço baixo por que é, paga a sua resinagem. A produção está por assim dizer nas mãos de uma. empresa ou duas. De maneira que o perigo da concentração exclusiva que se pretende generalizar numa indústria que é simples parece-me um risco muito grande e que nada justifica.
O Orador: - Agradeço muito as palavras de V. Ex.ª O monopólio existente é um monopólio que na prática, ou seja nas relações com aqueles que fornecem o pró-
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duto, se traduz em preços que no mesmo concelho vão de 5$ a 8$50. Esta é a. situação mais flagrante, que não quero, contudo, tentar explicar numa intervenção como esta que estou fazendo.
Agradeço, pois, uma vez mais a V. Exª. as palavras que acaba, de proferir e que .corroboram aquilo que eu próprio penso sobre o assunto.
Com a industria dispersa por várias fábricas com possíveis zonas de influência, estabelecida em regime de certa concorrência, as coisas passam-se como sabemos. Que sucederia aos produtores se a indústria concentrada pudesse ditar os preços perante os produtores, dispersos, sem sombras de organização prática?
Ê isto que a lavoura teme, se não forem acautelados devidamente os seus interesses através de estudo completo do problema, que deve, tem de ser feito.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: o desenvolvimento da política de electrificação rural, definida pela Lei n.º 2075, de 1955, e pelo Decreto-Lei n.º 40 212, que a regulamentou nesse mesmo ano, sugere alguns comentários que as considerações aqui feitas acerca do injustificado aumento das tarifas de venda de energia na cidade do Porto tornam especialmente oportunos.
É que, Sr. Presidente, também no importante sector da pequena distribuição de energia eléctrica, que é aquela que concerne aos meios rurais, se tem vivido a ideia do agravamento do regime tarifário actual, a que os serviços oficiais dão boa acolhida, por ser ali pensamento dominante que só assim «e poderá aumentar a rentabilidade dos investimentos, na actualidade considerada como de teor insuficiente para acompanhar os índices do aumento do custo da vida e a apropriada remuneração dos capitais investidos.
Salvo o respeito que possa merecer, não se apresenta tal doutrina como de indiscutível aceitação perante os comandos do alto interesse nacional.
Bastará examinar, ainda que sumariamente, o actual processamento da electrificação rural e a posição das grandes empresas que geralmente a têm a seu cargo para se reconhecer que, por outras formas mais justas e de melhor teor económico social, se poderá alcançar aquele pretendido aumento de produtividade.
Vão decorridos mais de cinco anos depois que em Março de 195G foi nomeada por portaria do Ministério da Economia uma categorizada comissão de técnicos para, no dizer dessa portaria, estudarem as> medidas adequadas a um substancial reforço da política de consumos de energia eléctrica nas suas aplicações de maior interesse, com vista ao aumento do bem-estar das populações e da produtividade agrícola e industrial nos campos. :
Isto porque - continua a afirmar-se na citada portaria -, dada a especial natureza das finalidades a atingir e o carácter disperso das aplicações rurais, não basta dispor de energia, sendo necessário ir mais longe, muito particularmente no que se refere à concessão de facilidades de instalações, compra de material, tarifas de fomento e colonização, etc.
Esta comissão, de que fizeram parte os Srs. Deputados Amaral Neto e Melo Machado, pelos municípios rurais e pela lavoura, respectivamente, estudou conscienciosa e detalhadamente o grande conjunto de problemas que lhe foram indicados e, com notável sentido das realidades e assinalável bom senso, elaborou um completo relatório, que apresentou em Abril de
1957, em que apreciou os mais salientes aspectos dos problemas sumariados, propondo as soluções havidas como mais convenientes.
Ficou assim o Ministério da Economia habilitado com um importante e documentado estudo em que foi feita cabal demonstração de que o sistema criado pela Lei n.º 2075 e pelo Decreto-Lei n.º 40212 apresentava um avultado conjunto de grandes insuficiências .que cumpria corrigir sem nenhuma detença.
.De pouco valeram, no entanto, as muitas e muito ponderosas razões aduzidas, porque, a despeito de já terem decorrido cinco anos sobre o conhecimento oficial desse valioso relatório, continua inalterado o sistema por ele criticado com ajustada objectividade e, consequentemente, por atingir o verdadeiro escopo do fomento dos consumos de electricidade nos meios rurais.
Como nenhuma das soluções propostas nas 26 conclusões magnas do mencionado relatório foi posta em prática, os consumos não atingiram ali a expressão que a normalidade da vida civilizada dos nossos dias impõe.
Daqui .a fraca rentabilidade da grande maioria das electrificações no regime da pequena distribuição, que paradoxalmente se pretende aumentar à custa do encarecimento tarifário.
Tal política, no entanto, mais agravaria o problema se fosse adoptada aia sua singular concepção.
Encarando quase só os interesses das grandes empresas produtoras e distribuidoras de energia eléctrica ela teria grandes e graves reflexos na economia nacional.
Não se compreende que possam sobrelevar o interesse nacional da larga difusão da energia eléctrica os interesses dessas majestáticas empresas a quem se fizeram benéfica* concessões de utilidade pública, mercê das quais lhes é consentido imporem despoticamente os seus pontos de vista, que nem sempre estão em concordância com as leis fundamentais, como- por exemplo no caso típico das expropriações, em que gozam de uni- regime muito especial.
Se o espírito de tolerante favoritismo que lhes tem sido concedido se podia de certo modo justificar nos alvores da política de electrificação nacional, em que tudo era incerto e. difícil, como meio de encorajamento nessas dificuldades e incertezas, as realidades do nosso tempo, que desvendam o grande valor da nossa posição de alforria perante a grave dominação que tanto nos oprimiu, impõe que esse favoritismo se reduza a convenientes proporções para que possam também ter audiência os muitos direitos fortemente aparentados com o interesse- nacional e até este próprio.
O Sr. Nunes Fernandes: - Muito bem!
O Orador: - Torna-se necessário procurar e encontrar sem artifícios o justo equilíbrio que ainda não existiu.
Ora, Sr. Presidente, a política de aumentar a rentabilidade da pequena distribuição de energia eléctrica somente à custa da elevação de tarifas, longe de equilibrar, ainda mais desvia os pratos aferidos da balança que deverá ponderar os interesses em causa.
Na verdade, havendo, como há, abundantíssima quantidade de energia, hídrica para consumir, dada a inesgotável potencialidade dos magníficos aproveitamentos dos nossos cursos de água., havendo, como há, uma perfeita, e bem emalhada rede de transporte dessa energia ao longo do território nacional, porque se não põem em conveniente equação estes formidáveis valores, em ordem a deles extrair tudo quanto económica e socialmente eles podem conceder?
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Se é certo que a rentabilidade geral dos empreendimentos é função dos consumos normais daquilo que neles se produz, é de primeira evidência que o que mais interessa não é dificultar esses consumos com preços incomportáveis e um condicionalismo rebarba tivo, mas sim ampliá-los, até que eles absorvam quanto normalmente se possa produzir.
A produção da energia eléctrica hídrica - que é a regra -, depois das despesas, avultadas dos primeiros estabelecimentos, não obriga a outras grandes despesas, já que a matéria-prima que utiliza - a água - não é de aquisição onerosa.
Como bem público da mais transcendente importância, a agiu i, seja nativa ou pluvial, que as grandes barragens arnazenam e dominam deve ser aproveitada em toda a plenitude do seii inestimável potencial, e não apenas numa parte restrita da sua força energética.
Pensar em aumentar os preços do regime tarifário vigente quando ainda se não utiliza integralmente toda a capacidade produtiva das nossas fontes de energia hidroeléctrica, e não há, portanto, necessidade de restringir os consumos, não parece ideia que possa encontrar justificação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por outro lado, ficou amplamente demonstrado, através da publicação na imprensa dos respectivos balar cos, que todas as empresas que se dedicam à electricidade tiveram lucros líquidos de muitas dezenas de milhares de contos no ano findo, na sequência de uma situação de alta prosperidade que, segundo os preços actuais, se vem mantendo há muitos anos.
Não se compreenderia nem se justificaria, assim, uma política de agravamento tarifário nas circunstâncias actuais.
Não goza igualmente de compreensão geral a diversidade de preços da energia eléctrica que se verifica no território nacional.
Não sendo sensíveis as diferenças das condições e custos da produção e do transporte da energia, parece que esta devia ter um preço uniforme ou sensivelmente igual em toda a parte.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!
O Orador: - Se as empresas ou os serviços administrativos que s-3 dedicam à distribuição e praticam as mais baixas tarifas degressivas em vigor tiveram, mesmo assim, lucros muito volumosos, nada justifica que os valores, dessas tarifas não sejam os adoptados num tabelamento único em todo o território nacional.
Esse tabelamento seria também um poderoso incentivo para o fomento dos consumos, por concitar ao conveniente aproveitamento de todas as possibilidades da produção, agora bastante descuradas pelas empresas.
Se o desejado aumento de rendibilidade da pequena distribuição se pode conseguir, em grande parte, com o sustancial muito dos consumos de energia, devem ser considerados todos os factores que os possam fomentar.
Devem igualmente ser banidas todas as artificialidades e desencontros para se entrar numa sã política de ajustadas realizações.
Com o sistema da Lei n.º 2070 e do Decreto-Lei n.º 40 212, já se deu um avantajado passo na difusão da energia eléctrica nos meios rurais, pois foi alargado consideravelmente o campo de aplicação dos auxílios e .comparticipações do Estado, a que tiveram acesso
muitas câmaras municipais que até aí estavam privadas do direito de as receber.
Não se tendo tido em conta, porém, as exigências da vida nos nossos dias, manteve-se a estreiteza dos limites dentro dos quais se vinha fazendo a electrificação rural, confinada quase exclusivamente aos usos domésticos e ao" de embrionária industrialização.
Mas nem nestes restritos sectores se agiu com. a necessária liberalidade, pois que a actualização efectiva da energia eléctrica sé deixou à mercê da existência de um apreciável poder económico que a grande maioria dos lares rurais nunca possuiu.
O Sr. Pinto de Mesquita.: - V. Ex.ª dá-me licença? Repito o que tenho dito aqui por várias vezes: é que, realmente, o problema da energia eléctrica distribuída pelos meios rurais ultrapassa as dimensões municipais. Embora as câmaras municipais, de uma maneira geral, devam colher benefícios a que já estão habituadas, a verdade é que essa distribuição ultrapassa a etapa municipal, e é preciso rever, estudar e estruturar essa matéria em tal sentido.
Isto, claro está, não deve respeitar às grandes cidades, como Lisboa e Porto.
O Orador .í-Agradeço as palavras de V. Ex.ª, que merecem o meu mais inteiro aplauso e a mais viva concordância.
E como, por um lado, às empresas distribuidoras, tem sido permitido imporem um incomportável condicionalismo nos preços dos ramais de ligação ou baixadas, quase sempre fixados em altas importâncias, que têm de ser pagas por antecipação, e, por outro., são muito elevados os custos idos materiais eléctricos a empregar nas instalações, poucos são os que têm podido gozar dos altos benefícios da electrificação nos seus lares e nas sinas explorações agrícolas e industriais.
Desta sorte, não se está a extrair das grandes somas investidas pelo Estado nas comparticipações dos estabelecimentos da electrificação rural toda a grande utilidade económica e social que lhe é própria.
E para esse facto que pretendo chamar a atenção do Governo.
Há que rever a legislação actual, adaptando-a aos altos fins a atingir.
Andam, os povos cheios de interêssse em verem electrificados os seus rincões e, para alcançarem tão justo anseio, não relutam em comparticipar com avultadas importâncias nos elevados custos dos respectivos estabelecimentos.
E um fenómeno que se observa com reconfortante frequência no distrito de Coimbra, onde, ,por todo o seu território, se trabalha afanosamente na difusão da electricidade.
A despeito, porém, do empenho assim demonstrado, ainda nem se caminha no ritmo acelerado em que conviria trabalhar, nem se fez da electrificação efectiva e operante que se impunha.
Motiva o denunciado o retardamento das iniciativas o desigual tratamento que ainda é dado às câmaras municipais no tocante às comparticipações do Estado no preço das linhas ou ramais de alta tensão.
Criou-se e mantém-se com dura intransigência o princípio de que apenas podem gozar dos benefícios da comparticipação destas linhas ou ramais aqueles municípios que fazem eles próprios a distribuição de energia, com serviços municipalizados ou não, e ainda aqueles que, havendo concedido o fornecimento e essa distribuição às empresas da especialidade, puderam clausular que tais linhas fazem parte da concessão, o que só muito poucas conseguiram.
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Impossibilitadas de receberem os auxílios financeiros do Estado em paridade com as autarquias contempladas, muitas-câmaras municipais, sofrendo as tremendas inibições que a sua extrema debilidade financeira 1 lies impõe, são forçadas a atardar os seus planos de electrificação. "
Isto causa indesmèntível embaraço e desgosta os povos ávidos, como se disse; de receberem os benefícios que a electricidade concede.
É, portanto, necessário, imperiosamente necessário, banir a desigualdade, já que, se o município desfavorecido, pretendendo colocar-se na escala dos que recebem, quiser modificar, como é necessário, as cláusulas da sua escritura de concessão, a empresa fornecedora só acederá em troca de benefícios tão amplos que ultrapassam o que seria justo e razoável conceder.
Sr. Presidente: a electricidade já não é em nossos dias dispensável frioleira, mas factor da mais transcendente importância na vida e desenvolvimento dos .povos.
Se os meios populacionais mais desenvolvidos já a não podem dispensar, porque ela é elemento imprescindível ao arfar progressivo do seu exigente viver, não devem também dele ser privados os meios rurais, qualquer que seja o seu teor de grandeza, porque a electricidade os vitalizará e transformará em prósperos centros em que mora a civilização!
Estamos hoje, mais do que nunca, perante uma avalancha de dificuldades no sector agrário da vida campesina.
Desertam as gentes rurais perante a carência .de elementos de fixação, negando braços u enxada e à charrua, que já não rasgam as entranhas da terra.
Tudo o que for possível fazer para debelar a crise deve ser feito, tem de ser feito e com operosa celeridade !
Pelo que concerne à difusão de energia eléctrica, está traçado nas conclusões do relatório que referi um amplo programa, que não deve continuar a viver na escuridão ou penumbra das inutilidades.
Urge cumpri-lo, se não puder ser integralmente e de uma só vez, pelo menos nas suas mais importantes proposições e- sucessivamente.
A criação do fundo de electrificação rural para permitir a efectiva e completa utilização desta poderosa
força por todas as famílias das povoações electrificadas.
Alargamento indiscriminado das comparticipações do Estado á todas as câmaras municipais, quer seja para os estabelecimentos em baixa tensão, quer para as linhas ou ramais de alta tensão, são medidas que podem e devem ser imediatamente, decretadas.
Também se deverá .estatuir em providência legal, que os processos de comparticipação das electrificações devem considerar não sómente as redes externas dos condutores de energia, mas também a electrificação de todos os lares, desde as baixadas até às redes internas do próprio edifício.
Tudo isto se deve fazer dentro de um ajustado equilíbrio entre os direitos das câmaras municipais e das populações por um lado .e os direitos e obrigações das empresas concessionárias por outro.
E o poderoso interêssse nacional de se não perderem nem enfraquecerem os grandes valores morais da nossa grei rural que iniludivelmente impõe esta importante cruzada de dar a todos electricidade abundante e nas melhores condições de utilização.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar) .e as da Junta do Crédito Público referentes a 1959.
Tem a palavra a Sr. Deputada D.. Maria Irene Leite da Costa.
A Sr.ª D, Maria Irene Leite da Costa:- Sr. Presidente: antes de iniciar a apreciação que vou fazer de alguns aspectos das Contas Gerais do Estado referentes a 1959 quero juntar a minha voz à dos ilustres Deputados que aqui ergueram o seu protesto veemente contra os atentados de que Portugal está a ser vítima em terras de Angola e gritar bem alto a minha indignação profunda, a minha repulsa, pelos crimes de desahumanidade que ali têm sido perpetrados nas últimas semanas.
. Não é contra Portugal, apenas que forças ocultas se movem nas terras de África, que descobrimos e civilizámos. Quando as vítimas são em grande parte mulheres, crianças e velhos indefesos, sacrificados à sanha bárbara dos atacantes, não é só Portugal que está em causa, é a própria humanidade que é atingida, é a própria civilização que é- ultrajada.
E quando se vê que actos desta natureza recebem apoio e incentivo de assembleias internacionais que, embora criadas com finalidades bem diferente, se transformaram em conto de maquiavélicas conjuras, não pode deixar de considerar-se com apreensão o futuro das nações e da humanidade.
Como mulher que sente profundamente o que de trágico se tem passado em Angola, como portuguesa que acredita que o momento actual não é de tergiversações mas de. acção, em que todos somos chamados a participar, presto a minha homenagem à memória dos que sucumbiram às. mãos das hordas enlouquecidas, sanguinárias e em grande parte inconscientes.
Ao Homem forte que nesta hora de perigo, com firmeza inigualável, dirige os destinos "da Pátria quero significar todo o meu respeito, toda a minha admiração, a minha incondicional solidariedade.
Sr. Presidente: ao examinar mais uma vez as Contas Gerais do Estado, cujo parecer referente ao ano de 1959 está em discussão, não posso deixar de dar o meu apoio ao relator, não só pela análise clara, sucinta e verdadeira do problema financeiro nacional, como da apreciação dos gastos dos diferentes departamentos do Estado.
Estou com o ilustre relator quando proclama que "De pouco valem as informações, tão ao jeito da mentalidade nacional, de serem os nossos operários, os nossos engenheiros ou os nossos médicos os melhores do Mundo.
De pouco serve para o prestígio internacional relembrar que demos "novos mundos ao Mundo", que tivemos um império mundial, que levámos a civilização cristã aos mais afastados recônditos da terra, que descobrimos, saneámos, plantámos, civilizámos com o suor, as lágrimas, os sacrifícios e as vidas dos nossos antepassados" se não procurarmos resolver os nossos problemas à luz das necessidades actuais.
Não é segredo para ninguém que não pudemos acompanhar o ritmo dos progressos em sectores que hoje são vitais para a sobrevivência dos povos.
Como diz o Sr. Eng.º Araújo Correia: "Torna-se altamente necessário rejuvenescer iniciativas, aproveitar os ensinamentos dos progressos científicos e tecnológicos, estudar os melhores métodos de utilizar os recursos
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nacionais na metrópole e no ultramar, de aplicar os processos técnicos de maior rendimento, de coordenar todas as forçai produtivas, de reduzir a ociosidade e seleccionar os mais competentes".
Quando percorremos o parecer sobre as Contas Gerais do Estado, quer no referente à metrópole, quer no referente ao ultramar, quando encontramos os diferentes assuntos tão bem equacionados, parece que não resta mais do que f (licitar o relator e pedir ao Governo que tome na devida consideração as opiniões emitidas em unos sucessivos, isto é, levar a Administração a corrigir os erros apontados, a, atender aos conselhos formulados.
Todavia., verifica-se que nem sempre isso acontece. Ainda não há muitas semanas, a propósito da situação dos professores de serviço eventual do ensino técnico, ouvimos, aqui a um ilustre Deputado dizer que: "E ilógica a atitude da Administração não emendando os erros que lhe são apontados, permitindo, com a sua soberana e gelada indiferença, traduzida numa inércia desmoralizados, a manutenção de situações incompreensíveis, por manifestamente injustas."
Acode-me perguntar: por que razão a Administração não reconhece os erros? Por que razão não procura emendá-los? Qual o motivo deste imobilismo?
Na grande competição económica do mundo de hoje as nações necessitam de se aproveitar não só de riquezas naturais, como de ter um escol de especialistas que as saibam explorar e valorizar.
A concorrência a que assistimos, exercida pelos países considerados na is evoluídos, em que a competição toma aspectos dramáticos nos campo económico, como no científico, mostra-nos o papel importante atribuído no mundo de hoje à preparação escolar.
Planos de fomento ou profundas medidas económicas que se pretendam impor só terão validade na medida em que existiu o indispensável potencial humano para os poder executar.
Oportuno aqui referir mais uma vez a afirmação feita no relate rio do Departamento dos Negócios Económicos e Sociais das Nações Unidas de 1957 de "que o nível de instricão exerce a sua influência, em primeiro lugar, na produção, e condiciona assim a quantidade de recursos disponíveis para elevar o nível de vida familiar, e que depende o número de pessoal qualificado, a que incumbirá a aplicação da política social".
Os problemas fundamentais que devem constituir preocupação constante de todos os que têm responsa-la! idades governa a vás são, sem dúvida, os da instrução e os da saúde.
Aliás, é facto conhecido de que os países em que estes dois sectores não .são considerados com largueza ficam na esteira .dos estados progressivos.
Pelo que nos diz respeito, o assunto foi posto nos devidos termos no parecer sobre as Contas Gerais do Estado que estamos a apreciar.
Porque considero aqueles sectores os mais importantes da governação, será deles, sobretudo do primeiro, que me vou ocupar mais particularmente.
Conheço perfeitamente os esforços despendidos pelo Ministério da Educação Nacional, o largo saber e o dinamismo d( actual detentor .da respectiva pasta, o desejo de rapidamente procurar dar a um número cada vez maior de portugueses uma educação de base completa, indispensável ao progresso da Nação. Como ainda ontem afirmada o Prof. Leite Pinto, em discurso transcrito pelos jornais: "todos compreenderam, finalmente, que a nossa inferioridade económica era em grande parte o resultado da falta de preparação geral e especial ".
As reformai recentes introduzidas no ensino primário, como a actualização dos programas (que datavam de 1937), a reforma das escolas normais, o esforço enorme realizado no capítulo das construções escolares, a possibilidade de acesso dos regentes de postos de ensino a professores, desde que completem a sua preparação nas escolas normais, para o que lhes são concedidas facilidades, constituem medidas de grande alcance, que tenho muita satisfação em assinalar do alto desta tribuna e de lhe dar o relevo que merecem.
Algumas destas medidas, como a referente aos regentes escolares, pedida por mim por mais do que uma vez em intervenções anteriores nesta Assembleia, mostram quanto S. Ex.ª o Ministro está atento às justas aspirações aqui formuladas.
Que o Governo está empenhado em valorizar e dignificar o professor primário prova-o não só o aumento que lhe. fez nos vencimentos - o que teve como resultado imediato afluência maior de homens à escola normal, onde o número de alunos duplicou -, como as medidas que tem tomado no sentido de alargar a sua cultura, aprofundar a sua preparação, facilitar a sua estabilização.
Dentro deste último aspecto, foi aprovado recentemente por esta Câmara um decreto sobre construções escolares em que foram adoptadas medidas para a construção de residências para professores.
De facto, a acção do professor não deve confinar-se à sala de aula ou ao grupo de crianças que lhe está confiado; deve projectar-se para o exterior, através de uma acção educativa sobre as próprias populações.
Se se pretende elevar o nível educativo do povo português, o professor primário é um dos agentes que melhor pode colaborar nessa acção, desde que lhe sejam dadas condições para isso. Parece que a primeira condição é a de ter habitação condigna na aldeia onde exerce o seu mister.
Os factos enunciados - além de outros, entre os quais avulta o da obrigatoriedade escolar, resolvida e mantida com decisão e energia - servem para evidenciar a actividade do Ministério da Educação Nacional no referente ao sector do ensino primário, pela qual muito me apraz prestar a minha homenagem sincera não só a S. Ex.ª o Ministro, como aos seus mais directos colaboradores.
Todavia, apesar do muito que se tem feito, estamos ainda longe, muito longe, de dar a todos os portugueses, o mínimo de cultura de base que é não só de justiça como indispensável que recebam.
Sr. Presidente: há alguns meses foi distribuída nesta Assembleia, a todos os Srs. Deputados uma publicação com os estudos feitos para a unificação do ciclo dos ensinos liceal e técnico.
Os estudos em questão, divulgados antes da respectiva reforma ser publicada, bastariam só por si, para consagrar o Ministro e o Subsecretário de Estado que criaram e orientaram a comissão, formada por professores dos diferentes sectores do ensino (oficial e particular; liceal, técnico e primário) que os elaboraram.
Para mim, algo versada nestes assuntos, é consolador ver tornar público, sujeitar à crítica e a possíveis correcções, um plano que, se vier a ser posto em execução - e é preciso que o seja -, representará um grande passo em frente na história da educação em Portugal.
Nas linhas gerais, os fins do ciclo preparatório serão os de dar a todos os portugueses um ensino de base comunicam mesmo tempo transfere-se para os 13-14 anos a escolha da profissão ou do curso a seguir, o que até agora, era feito por volta dos 10-11 anos, idade em que de maneira nenhuma estão definidas as aptidões, e, portanto, em que a escolha é feita sobretudo pelo gosto da família ou depende das condições locais.
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Evidentemente que esta reforma terá ainda a vantagem de ser o caminho para a escolaridade obrigatória de 6 anos, libertando-nos da situação de desprestígio em que nos encontramos neste aspecto. Na maioria dos países existe uma escolaridade obrigatória de G anos, quando não de 8, 9 ou 10 anos.
Intimamente ligado com este problema está o da falta de aproveitamento escolar e do ensino especializado. Porém, para se ocupar dele possui o Ministério da Educação Nacional serviço idóneo que, no dia em que deixar de ser uma ilha quase isolada no panorama educativo português, constituirá óptimo apoio para as dificuldades de natureza psicopedagógica encontradas por vezes por este (Ministério, refiro-me ao Instituto António Aurélio da Costa Ferreira.
Todos temos conhecimento do número cada vez maior de crianças que todos os anos ingressam no ensino secundário. Não nos são estranhos igualmente os quebra-cabeças com que deparam os responsáveis pelos problemas de ensino para arranjar lugar nos estabelecimentos oficiais para essas crianças.
O estudo sobre a unificação do ciclo a que estamos a referir-nos elucida-nos do que no decénio de 1949- 19-50. a 1958-1959 a frequência do ensino secundário aumentou de 103,13 por cento, enquanto a frequência do ensino primário aumentou apenas de. 48,92 por cento.
A proporção de alunos do ensino secundário em relação à população do País subiu de 1 por cento para 1,8 por. cento enquanto a do ensino primário subiu de 6,8 para 9,5 por cento.
No entanto, verifica-se que é apenas de 14,2 por cento em relação ao número de crianças que concluem o ensino primário a percentagem das que, em cada ano, no nosso país, prosseguem os estudos. Quer dizer, 85,8 por cento da população portuguesa da metrópole recebe sómente uma cultura correspondente a quatro anos de escolaridade. Isto é pouco, muito pouco, e de maneira nenhuma corresponde às necessidades actuais do País, quer na metrópole, quer no ultramar.
Sr. Presidente: se do ensino primário e secundário saltamos para o superior, verificamos que, embora estejam feitos estudos para a reforma das Faculdades de Ciências, estas, estão a reger-se pela reforma de 1931 e com os quadros de 1911.
Por isso, parecem-me oportunas as considerações feitas no parecer sobre as Contas Gerais do Estado quando se diz que «às nossas Faculdades de Ciências esta mal dotadas e imperfeitamente organizadas. Os progressos, tanto na distribuição de dotações como na organização material interna, incluindo as próprias instalações, deixam muito a desejar. Parece não haver entre nós mentalidade que compreenda as funções das Faculdades de Ciências e o carácter do ensino ressente-se de indiferença nesta matéria».
O Sr. José Sarmento: - Muito bem!
A Oradora: - De onde hão-de vir os físicos, os químicos, os matemáticos, os zoólogos, os botânicos, os geólogos que em grande número são necessários para o desenvolvimento da metrópole e do ultramar? Da preparação boa ou má que receberam na escola depende o resultado do trabalho que lhes for confiado.
Ë óbvio que «não são os edifícios por si só que fazem progredir o ensino. O pessoal e a utensilagem das escolas têm importância fundamental; sem uma reforma profunda nesta matéria não haverá possibilidade de pôr o ensino numa base quê o equipare com o dos outros países, sobretudo no que se refere à preparação indispensável do homem para a concorrência económica de um futuro próximo».
A iniciativa do Governo de destinar em cada ano uma verba especial de alguns milhares de contos para o reapetrechamento das escolas técnicas e das Universidades veio assim ao encontro de uma necessidade inadiável .
O Sr. José Sarmento: - Infelizmente para a Faculdade do Ciências do Lisboa, essa verba, que foi votada aqui há unia porção de anos, ainda lhe não foi distribuída.
A Oradora: - Muito obrigada pelo esclarecimento de V. Ex.ª, e é de facto de lamentar que tal suceda, porque se trata de uma necessidade imprescindível.
Este assunto tem sido .debatido muitas vezes, insistindo-se na necessidade de equipai convenientemente as escalas se houver o propósito de formar investigadores e técnicos competentes. Sem eles os recursos nacionais, do continente e do ultramar, não poderão ser conhecidos e explorados com a eficiência indispensável. Sirvam-nos de exemplo os outros países, onde cada vez mais se aplicam as descobertas científicas ao bem-estar do homen e na concorrência estabelecida entre as diversas comunidades humanas.
Sei que o problema está sempre na limitação dos recursos. O Ministério da Educação Nacional é o que fica .mais caro ao Estado. Em 1959 as despesas com a educação e a instrução ascenderam á anais de um milhão de contos. O País não é rico. Mas por isso mesmo é que deve gastar mais dinheiro- na investigação científica e na preparação técnica dos seus diplomados.
Ao Instituto de Alta Cultura foram atribuídos, em 1959, 18 496 contos, verba que é manifestamente modesta para as necessidades do desenvolvimento científico do País. Dessa verba, 5400 contos destinaram-se a estudos de energia nuclear.
Para centros de estudos foram apenas destinados 1350 contos, importancia insignificante, se nos lembrarmos de que a maior parte dos países despendem com a investigação pura verbas da ordem dos 0,2 por cento dos rendimentos nacionais e as despesas comia investigação aplicada e .o aproveitamento no âmbito industrial dos
resultados da primeira sobem a 2 por cento dos mesmos rendimentos.-
Não é segredo para ninguém, que os progressos técnicos assentam sobre as descobertas da ciência pura. Neste aspecto o trabalho científico representa unia força política e social insubstituível e decisiva.
O nosso (interesse pelos problemas científicos pode aquilatar-se ainda pela verba atribuída à Academia das Ciências de Lisboa (668 contos em 1959), que representa a mais alta instituição cultural e científica da Nação.
Ligados intimamente as problemas da educação estão os da saúde. Verificasse, com apreensão, a carência de médicos e a diminuição de frequência d«s Faculdades de Medicina. Há, por outro lado, inúmeras tarefas a realizar no campo da higiene e da profilaxia. Entre essas tarefas, a do abastecimento da água e da. salubrificação de muitos aglomerados rurais exigirá ainda alguns «mós de esforços e a colaboração de técnicos numerosos e bem preparados.
Permita-se-me que transcreva do parecer sobre as contas do Estado de 1958 esta passagem: «A tendência do sumptuário ou supérfluo foi sempre uma característica nacional, e quando algumas vezes se acusam, com razão, Governos de utilizar recursos financeiros em obras adiáveis, esquece-se esta fraqueza geral de ostentação, que se traduz no momento presente em muitos aspectos, como, por exemplo, na capitação de automóveis, fora das possibilidades económicas nacionais.
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O País podo progredir mais aceleradamente se for dobrada esta tendência e as suas necessidades elementares poderão ser rapidamente satisfeitas, tanto no aspecto económico como no social, se a prioridade nos investimentos for orientada no sentido que acaba de se enunciar, adias repetidas vezes formulado neste lugar.
Sr. Presidente: muitas vezes se tem afirmado que a nossa crise é, essencialmente, uma crise de educação e de cultura.
Já aqui defendemos a necessidade de se pensar num plano de fomento do ensino, ideia, aliás, lançada pelo ilustre titular da pasta da Educação Nacional.
Julgo que hoje mais do que nunca há necessidade de estabelecer planos cuidadosamente organizados e coordenados sobre a educação nos diferentes graus de ensino.
As dificuldades que temos de enfrentar no momento presente vão em certeza acarretar sacrifícios ao País, exigindo compressão de despesas e maior austeridade de vida.
Há dois sectores, no entanto, em que não pode diminuir o ritmo das realizações. Esses sectores são, precisamente, os da educação e da saúde.
Eis, Sr. Presidente, algumas considerações que me foram sugeridas pela leitura do parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1909, as quais merecem a minha inteira aprovação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
O Sr. Pacheco Jorge: - Sr. Presidente: ao fazer uso da palavra nesta tribuna, depois dos gravíssimos acontecimentos que se vêm desenrolando em Angola e que tanto preocupam a Nação, que os sente em seu próprio corpo, e em lace dos injustos, insidiosos, pérfidos e mal intencionados ataques dirigidos contra Portugal no Conselho d ï Segurança das Nações Unidas por um grupo de países, à frente dos quais se encontra a Libéria, e a quem falta a idoneidade moral para o fazer, seja-me permisido, Sr. Presidente, antes de iniciar as minhas considerações sobre as Contas Gerais do Estado, abrir um parêntese para, em brevíssimo apontamento, manifestar o :meu mais veemente protesto e a minha mais completa repulsa pela campanha de mentiras e aleivosias que em certos sectores internacionais se move contrariós, lamentando do mesmo passo, profunda e sinceramente, o derramamento de sangue generoso dos nossos irmãos nessa pujante Angola, provocado por grupos de malfeitores manobrados de fora, que outra finalidade não têm senão a de tentar criar a confusão nos ânimos e preparar o ambiente propício para, em futuras reuniões internacionais, se renovarem os infames e combinados ataques à soberania de Portugal em África.
Faço-o em I leu nome próprio, como português ultramarino que tenho a maior honra de ser, e faço-o também em nome de te dos os portugueses de Macau, sem excepção, pois tenho a plena consciência de ser este o seu sentir.
Em mais do um passo da história deram os portugueses de Macau provas irrefutáveis do seu inabalável patriotismo, do seu acrisolado amor à Mãe-Pátria, que não esquecem.
Hoje, como ontem e como amanhã, os Macaenses não renegam a sua pátria, estarão prontos até ao último sacrifício para a defender em qualquer emergência.
O que se passa em Angola, o que se passou na nossa Índia e o que porventura vier a acontecer em qualquer
outro ponto do ultramar português ou na metrópole é sempre Portugal uno e indivisível, e os Macaenses, à primeira voz de chamada, responderão pronta e. decididamente: - Presente!
E a Nação inteira que está em jogo, e a nenhum português, que o seja de verdade, é lícito permanecer na indiferença ou na apatia, aguardando, cómoda e cobardemente, o desenrolar dos acontecimentos como mero espectador.
Na presente conjuntura, todos não somos de mais! Unamo-nos, pois, portugueses de aquém e de além-mar, sem olharmos a credos políticos ou religiosos nem à pigmentação da nossa pele ou aos rasgos dos nossos olhos, para que, juntos e indivisíveis, possamos defender com decisão, coragem e fé aquilo que é sagrado e paira bem acima de todas as paixões e preconceitos: a Pátria, que é de todos nós!
E não esqueçamos que esse exemplo de coragem, decisão e fé nós foi dado ainda há dispor um grande português, que, ultrapassados os 70 anos e assoberbado com os múltiplos e melindrosos encargos da chefia do Governo, não hesitou em sobraçar cumulativamente a pasta da Defesa Nacional para, sem delongas e em força, acorrer em auxílio de Angola e dos que ali lutam pela soberania de Portugal!
Sr. Presidente: em cumprimento do preceito constitucional, subiram a esta Assembleia, para sua apreciação, as Contas Gerais do Estado e as da Junta do Crédito Público relativas ao ano de 1959, acompanhadas de um extenso e erudito parecer do Deputado Eng.º Araújo Correia, a quem desejo apresentar as minhas sinceras felicitações e o preito da minha maior admiração pelo seu valiosíssimo e elucidativo trabalho.
Por falta de conhecimentos adequados ocupar-me-ei apenas de Macau e, através das suas contas, focarei alguns aspectos do sector económico que, em meu fraco entender, são susceptíveis de sensíveis melhorias com o correspondente reflexo no desenvolvimento e progresso da província.
Para aqueles que desconheçam as condições especialíssimas do meio de Macau o exame das suas contas deve, de certo modo, causar surpresa e até preocupações.
Assim, sendo Macau, de longe, a menor de todas as nossas províncias em extensão territorial, é, no entanto, a que apresenta maior saldo negativo na sua balança comercial, da ordem dos 2 202 500 contos, no ano de 1959, seguindo-se-lhe Moçambique, com 1 547 900 contos.
Porém, há que ter em consideração que tal agravamento é resultante da importação do ouro fino, que, só por si, absorve cerca de dois terços do valor total da importação, pelo que o terço restante representará sensivelmente o dobro do valor das exportações, o que viria reduzir o saldo negativo da balança comercial para a ordem dos 750 000 contos, números aproximados, o que é importante.
Acresce ainda que, sendo Macau fortemente urbanizada e de reduzidos limites territoriais, está, por natureza, impossibilitada de produzir o que quer que seja digno de menção para o consumo da sua população, de cerca de 250 000 almas, pelo que as substâncias alimentícias e outros géneros de primeira necessidade, como sejam a lenha, papel, cigarros e fazendas diversas, absorvem cerca de 350 000 contos do valor da importação, o que quer dizer: absorvem aproximadamente metade do saldo negativo de 750 000 contos, já atrás referido.
Contudo, a importação do ouro, que tão grande desequilíbrio veio trazer à balança do comércio de Macau, constitui presentemente a sua principal fonte de receita
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com a cobrança da taxa de importação, que representa o grosso dessa rubrica, e atinge 30,5 por cento do total das receitas ordinárias cobradas, seguida das consignações de receitas, com 27,9, indústrias em regime especial, com 12,3, reembolsos, e reposições, com 11,5, cabendo o quinto lugar aos impostos directos, com apenas 8,2.
Além disso, deve-se igualmente a essa importação a obtenção de apreciável volume de divisas estrangeiras, que, por imposição legal, são entregues pelos importadores e contribuem em larga escala para o saldo positivo da conta de cambiais.
Por isso, em meu entender, a posição desfavorável da balança em Macau não será motivo para grandes apreensões, dadas as condições particularíssimas do seu território e da sua vida económica, sem contudo querer significar que se não procure, dentro das limitações e do condicionamento do meio local, melhorar a sua posição, não tanto pela limitação das importações, que não me parece ser fácil e exequivel, mas principalmente pelo aumento das suas exportações através do desenvolvimento e melhoramento de certas indústrias já ali instaladas, susceptiveis de tal e, com o desenvolvimento e aperfeiçoamento do turismo, quase incipiente, por lhe faltar as bases necessárias para a sua expansão e desenvolvimento.
Sr. Presidente: no que se refere às indústrias, é de se mencionar que, com a publicação do Decreto n.º 41 026, de 9 de Março de 1957, que isentou de direitos aduaneiros a circulação entre as provincias ultramarinas das mercadorias delas originárias ou nelas nacionalizadas, se estabeleceram em Macau, desde a publicação do referido decreto até ao ano de 1959, nada menos de 100 fábricas, assim discriminadas:
[Ver Tabela na Imagem]
Artigos de couro, fibra e plástico ....
Botões ....
Sapatos de lona com sola de borracha ....
Chapéus, bonés e capacetes ....
Artigos de esmalte ....
Espelhos e molduras ....
Louça de porcelana ....
Conservas ....
Artigos de vestuário ....
Roupas para bonecas ....
Estampagem e tinturaria ....
Meias de nylon ....
Artigos de plástico ....
Pivetes ....
Guarda-chuvas ....
Artigos de verga e plástico ....
Cosméticos ....
Ferros de engomar ....
Fogos de artificio ....
Fósforos ....
Malas de cânfora, teca e mobília ....
Calçado de cabedal e material plástico ....
Panchões ....
Papel ....
Tabaco ....
Total ....
Tal incremento industrial, consequência de publicação do Decreto n.º 41 026, já referido, reflectiu-se, como seria de esperar, num apreciável aumento de exportação para o nosso ultramar, que, no ano de 1959, importou 127 600 contos de mercadorias produzidas ou nacionalizadas em Macau (sendo Moçambique e Angola as principais importadoras), com o natural reflexo no volume das exportações congéneres da metrópole, que, não podendo competir em preço ou qualidade, reagiu áspera e por vezes injustamente contra a actividade industrial de Macau, que, dentro da sua pequenez e insignificância, pretende apenas viver.
Esquecem-se certamente os industriais da metrópole que reagiram contra o desenvolvimento da indústria de Macau que Portugal continental e ultramarino formam um todo uno e indivisível, solidário em todas as suas parcelas, conceito este que todos devemos Ter bem presente, principalmente no momento que passa, em virtude dos acontecimentos de Angola.
Há que Ter em consideração que Macau é apenas uma gota de águas no imenso oceano português e que, por isso mesmo, ela precisa de compreensão e até do auxílio da metrópole e do ultramar para vencer as novas condições de vida que lhe foram criadas pela Segunda guerra mundial.
É necessário ter-se a consciência de que a indústria de Macau, em face da concorrência das de Hong-Kong, da China continental e do Japão, muito mais aperfeiçoadas e evoluídas e em que o custo de produção não tem similar no Mundo pelo baixo preço da sua mão-de-obra, só se poderá manter e desenvolver com o auxílio da metrópole e do ultramar, traduzido na facilidade de colocação dos seus produtos nos respectivos mercados.
Só assim Macau poderá progredir e industrializar-se, adaptando-se e integrando-se no condicionalismo económico da região a que pertence.
São outros os tempos, e felizmente que já vai longe a triste época em que a principal fonte de receita de Macau era o ópio - o lodo estrangeiro, como lhe chamavam os Chineses, seus principais consumidores -, em boa hora totalmente banido da província!
Sr. Presidente: outro aspecto do sector económico susceptível de larga expansão e que poderá trazer uma benéfica transformação à actual estrutura de Macau é o turismo, que, nos últimos dez anos, se tem desenvolvido no Oriente em larga escala, e que a colónia inglesa de Hong-Kong soube desde logo aproveitar, acarinhando e facilitando as iniciativas privadas, facultando-lhes os meios necessários e indispensáveis para o seu rápido e eficaz crescimento.
Sem exagerar, estou em crer que é o turismo uma das suas mais florescentes e prometedoras indústrias, que hàbilmente explorada e aproveitada tem trazido um surto de prosperidade à colónia de Hong-Kong, pela movimentação da riqueza nos mais diversos sectores da sua economia, que, directa ou indirectamente, anda ligada ao turismo.
São os transportes de terra, mar e ar que dele se aproveitam; são os hotéis, pensões, restaurantes, bares; são os teatros e cinemas; são as lojas de venda de artigos, os mais variados; é a indústria local, hoje em altíssimo grau de desenvolvimento, fazendo séria concorrencia à pròpria Inglaterra; são os centros de diversões, casinos boîtes, dancings, etc.; são os campos desportivos; são as lojas de artigos fotográficos e cinematográficos; são as ouriversarias e joalharias; emfim, são praticamente todos os ramos da actividade humana a sentir a influência benéfica da corrente turística que, em ritmo constante e progressivo, passa por Hong-Kong espalhando riqueza.
Ora Macau, que apenas se encontra dela afastada 40 milhas, com a sua fisionomia típica e própria, diferente de qualquer outra região do Extremo Oriente e com bairros que são pedaços de Portugal implantados no longínquo Oriente, com a beleza serena e acolhedora da sua paisagem, com as suas inúmeras igrejas e templos pagãos e alguns monumentos de caracter histórico, pode e deve aproveitar-se desse fluxo turístico para criar riqueza e melhorar sensivelmente a
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sua economia, abalada pelos novos condicionamentos da era actual.
Assim o vir e entendeu o Governo da Nação, que, pela Portaria n.º 18 267, de 13 de Fevereiro findo, do 1 Sr. Ministro do Ultramar, criou a zona de turismo em .Macau, abrangendo todo o território da província, atribuindo ao governo local a regulamentação do regime a que ficará sujeita.
E do maior alcance a medida preconizada e estou certo de que, convenientemente orientada e inteligentemente aplicada, como é de esperar de quem se encontra à frente dos destinos da província, ela trará em devido termo a correspondente compensação do esforço despendido.
Para tanto terá o Governo de criar as infra-estruturas basilares para a sua exploração, complexa e versátil, atraindo capitais para serem investidos na sua exploração, facilitando, por medidas legislativas adequadas, a instalação de. novas actividades que possam atrair para Macau a enorme corrente turística que, de todos os lados, demandam o Oriente.
Porém, há que ter em mente que os benefícios provenientes do turismo não podem ser imediatos para o erário público e, portanto, não deve a Administração sobrecarregar desde logo com impostos, taxas e contribuições demasiado onerosas as actividades que porventura apareçam e as que, existindo já, careçam de reforma e melhoria, sob pena de se atrofiar todo o sistema e a grande esperança morrer logo à nascença.
Há que semear para- se colher; caminhemos pois devagar, mas com segurança, aumentando prudentemente as receitas da província na medida em que o desenvolvimento do turismo o aconselhe, por forma a não afastar r. iniciativa, privada nem tolher os seus naturais desejos de expansão e progresso.
Há que atrair e não repelir; há que criar no espírito dos capatalistas e industriais a confiança na nossa Administração., fazendo ver que o Estado consente e admite uma justa remuneração ao capital empregado na proporção do risco sofrido, e que, por isso, não irá de ânimo leve e í em estudar os resultados obtidos sobrecarregá-los, «com o paipão» dos impostos, que tantas vezes, infelizmente, tem contribuída para fazer abortar :iniciativas interessantes, e louváveis e que, convenientemente oriente das e compreendidas, seriam capazes de
vingar e vencer, criando riqueza, quer às entidades particulares interessadas, quer a» próprio Estado.
Deposito no turismo a esperança de melhores dias; tenho fé que o governo de Macau saberá orientar da melhor forma os desenvolvimento dessa prometedora indústria e que uma nova era de «prosperidade e bonança voltará novamente a Macau para o bem-estar e felicidade dos seus habitantes.
Sr. Presidente: dou por findas as breves e despretenciosas considerações que entendi por bem trazer ao conhecimento desta Câmara e da Nação, e que foram apenas ditadas pelo desejo de bem servir.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Amanhã haverá sessão, com II mesma ordeiro, do dia. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Américo da Gosta Ramalho.
António Barbosa Abranchès de Soveral.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Gerqueira Gomes.
Camilo António de Almeida Gama Lemos de Mendonça.
Fernando António Muniz de Oliveira.
Jerónimo Henriques Jorge.
João de Brito e Cunha.
João Maria Porto.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Fernando Nunes Barata.
Laurénio Gota Morais dos Reis.
Manuel Gerqueira Gomes.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Ramiro Machado Valadão.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA