Página 921
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 217
ANO DE 1961 1 DE JULHO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VII LEGISLATURA
(SESSA0 EXTRAORDINÁRIA)
SESSAO N.º 217, EM 30 DE JUNHO
Presidente: Ex mo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António José Rodrigues Prata
Nota. - Foram publicados quatro suplementos ao Diário das Sessões n.º216, inserindo: o 1.º, os textos aprovados pela Comissão de Legislação e Redacção dos decretos da Assembleia nacional, sob a forma de resolução, acerca da Conta Geral do Estado e das contas das províncias ultramarinas referentes ao ano 1959 e das contas da Junta do Crédito Público relativas ao mesmo ano; o 2.º, o texto aprovado pela Comissão de Legislação e redacção dos decretos da Assembleia Nacional sobre os períodos de afastamento da frequência escolar por virtude de doenças infecto-contagiosas; o 3.º, o texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção do decreto da Assembleia Nacional sobre o Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais, e o 4.º, o aviso que designa o dia 30 de Junho para a reunião extraordinária da Assembleia Nacional.
SUMÀRIO. -0 Sr. Presidente declarou aberta a sessão ás 10 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
0 Sr. Presidente referiu-se à morte doo Sr. Deputado Vítor Galo, ocorrida durante o interregno parlamentar, propondo que ficasse exarado ao Diário das Sessões um voto de profundo sentimento.
O Sr. Presidente interrompeu a sessão ás 10 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente declarou reaberta a sessão ás 10 horas e 45 minutos e anunciou que ia falar, por direito próprio, S. Ex.ª o Presidente do Conselho.
Usou da palavra o Sr. Presidente do Conselho.
0 Sr. Presidente. Interrompeu a sessão ás 11 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente reabriu a sessão ás 12 horas e 15 minutos.
Ordem de dia. - 0 Sr. Presidente disse que a Assembleia tinha sido convocada extraordinariamente com o fim de se ocupar da autorização necessária para o Chefe do Estado visitar o país vizinho.
Falou o Sr. Deputado Sebastião Ramires.
Foi lida e aprovada, por unanimidade, uma proposta de resolução em que se concede a autorização solicitada, ficando a Comissão de Legislação e Redacção com poderes para redigir o texto definitivo da mesma.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 12 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Augusto Pinto.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aires Fernandes Martins.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Faleiro.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Bartolomeu Gromicho.
António Calapez Gomes Garcia.
António Calheiros Lopes.
Página 922
922 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 217
António Carlos dos Santos Fernandes Lima.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Cortês Lobão.
António Jorge Ferreira.
António José Rodrigues Prata.
António Maria Vasconcelos de Morais Sarmento.
António Pereira de Meireles Rocha Lacerda.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Máximo Saraiva de Aguilar.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Avelino Teixeira da Mota.
Baltasar Leite Rebelo de Sousa.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo António de A. Gania Lemos de Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Duarte Pinto de Carvalho Freitas do Amaral.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Augusto Marchante.
João de Brito e Cunha.
João Carlos de Sá Alves.
João Cerveira Pinto.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João Pedro Neves Clara.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Pereira Jardim.
José António Ferreira Barbosa.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José de Freitas Soares.
José Garcia Nunes Mexia.
José. Gonçalves de Araújo Novo.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Hermano Saraiva.
José Manuel da Costa.
José Monteiro da Rocha Peixoto. :
José Rodrigues da Silva Mendes.
José dos Santos Bessa.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Laurénio Cota Morais dos Reis.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Angelo Morais de Oliveira.
Mário de Figueiredo.
Martinho da Costa Lopes.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Noel Feres Claro.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo. Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão- presentes 91 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 10 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte:
Expediente
Ofícios
«Presidência do Conselho - Gabinete do Presidente. - Ofício n.º 23U8/61. - Sr. Presidente da Assembleia Nacional.-Excelência.-Tem o Governo a honra de comunicar ter sido dirigido pelo Exmo. Chefe do Estado Espanhol, Generalíssimo Franco, um convite a S. Exa. o Presidente da República Portuguesa para uma visita oficial a Madrid.
O convite situa-se na linha das fraternais relações de amizade existentes entre Portugal e a Espanha e o Governo espera que da realizarão da visita advenham os melhores resultados para a política das duas nações.
Não podendo, porém, o Chefe do Estado ausentar-se para país estrangeiro sem assentimento da Assembleia Nacional. venho rogar a V. Exa. o obséquio de submeter o caso à Câmara, para efeito do artigo 76.º da Constituição.
A bem da Nação.
Presidência do Conselho. 27 de Junho de 1961. - O Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar».
Do Sr. Reitor da Universidade de Lisboa a dizer ter tomado conhecimento da intervenção do Sr. Deputado José Sarmento acerca do Decreto n.º 43 599 e a enviai- cópia da moção aprovada pelo Senado da referida Universidade acerca do mesmo decreto.
Telegramas
Dos Srs. Deputados Pacheco Jorge e Sequeira de Medeiros a justificarem a sua ausência à sessão.
O Sr. Presidente: - Sabem VV. Exas. que neste interregno parlamentar sucumbiu, vítima de um trágico desastre de aviação, o nosso saudoso colega Eng.º Vítor Galo, a cuja memória foi ontem prestada na Marinha Grande uma homenagem, na qual eu tive a honra de representar a Assembleia Nacional. Certamente a Câmara quererá que na acta da sessão de hoje fique exarado um voto de profundo sentimento pela morte daquele ilustre colega, que deixou no nosso meio a mais saudosa recordação, a recordação de uma camaradagem e de um trato distintíssimos, a par da grande dedicação e dignidade com que procurou exercer o seu mandato e defender os interesses da Nação que lhe estavam confiados.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por alguns minutos.
Eram 10 horas e 40 minutos.
Página 923
1 DE JULHO DE 1961 923
O Sr. Presidente:-Está reaberta a sessão. Eram 10 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai usar da palavra, por direito próprio, o Sr. Presidente do Conselho.
O Sr. Presidente do Conselho:- Sr. Presidente da Assembleia Nacional e Srs. Deputados: as palavras que vou dizer sobre a questão ultramarina escrevi-as com profunda mágoa e, julgo, com perfeito sentido da responsabilidade. Este me aconselhou a evitar todo o agravo e a não diminuir por qualquer forma os valores de que ainda se dispõe para salvaguarda do Ocidente. Fugi assim a criticar a política e atitudes de outros países para além do estritamente necessário ao esclarecimento dos problemas postos e à defesa dos nossos próprios direitos, pois por definição e para nós os direitos de Portugal sobrelevam aos demais.
Depois da comunicação do Governo à Assembleia Nacional em 30 de Novembro sobre a nossa política ultramarina, tem sido excepcionalmente intensa a actividade das Nações Unidas no respeitante aos territórios portugueses de além-mar, e tanto na Assembleia Geral como no Conselho de Segurança e nalgumas comissões. O fim dessa actividade foi substituir a doutrina sempre seguida nas Nações Unidas quanto à competência exclusiva de cada Estado definir os seus territórios não autónomos e reconhecer ou não reconhecer a necessidade de .prestar informações acerca deles, ao abrigo do artigo 73.º da Carta. Vencida esta. primeira etapa, ficaria aberto o caminho para se aplicarem aos mesmos territórios, fosse qual fosse a constituição política do Estado responsável, os preceitos que marcam a futura evolução daqueles, sob a égide a organização.
Assim em 13 de Dezembro de 1960 foi votada pela Assembleia Geral uma resolução que estabelece discriminatòriamente para Portugal a obrigação de prestar as ditas informações. A resolução foi aprovada por 68 votos contra 6 (Espanha, África do Sul, França, Bélgica, Portugal e Brasil) e 17 abstenções.
De 10 a 15 de .Março deste ano o Conselho de Segurança é solicitado a tomar uma resolução sobre a situação de Angola; mas n moção considerou-se rejeitada por só ter obtido 5 votos (Rússia, R. A. U., Libéria, Ceilão e Estados Unidos), contra 6 abstenções (França, Grã-Bretanha. China, Chile, Equador e Turquia).
Em 21 de Abril nova resolução da Assembleia Geral a chamar u atenção do Governo Português puni a urgência de introduzir reformas em Angola e a encarregar uma comissão de inquérito para examinar a situação naquela província. Deviam ser tomadas as medidas necessárias para transferir a totalidade dos poderes para as populações dos territórios, a fim de as habilitar a fruir de completa independência. Houve 2 votos contra (Espanha e União da África fio Sul), 9 abstenções (Austrália, Bélgica, Brasil, República Dominicana. El Salvador, França, Grã-Bretanha, Holanda e Tailândia) e 14 ausências.
Em 19 de Maio de 1961 uma resolução' do Comité de Informações saliento que Portugal não forneceu as Nações Unidas quaisquer informações sobre os territórios que administra e não manifestava a intenção de aã fornecer. Declara mais que Portugal tem obrigação de transmitir essas informações, obrigação a cumprir sem mais demoras. A resolução foi aprovada por 9 votos (Ceilão. Ghana, índia, Iraque, Libéria. México, Argentina, República Dominicana e Estados Unidos), contra 2 (Espanha e França) e 4 abstenções (Grã-Bretanha. Holanda, Nova Zelândia e Austrália).
De 6 a 9 de Junho reuniu de novo o Conselho de Segurança pura tornar a ocupar-se da situação de Angola, e a sua resolução foi desta vez aprovada por 9 votos (Rússia, R. A. U. Libéria. Ceilão. China. Chile. Equador. Turquia e Estados Unidos), contra £ abstenções (França e Grã-Bretanha).
Desta resenha é de fixar o seguinte:
Grande número de países, quer nas suas declarações, quer abstendo-se ou votando contra, quiser a m manter-se fiéis à letra e ao espírito da Carta, (pie não permite a intervenção do organismo nos negócios internos dos Estados membros;
As maiorias foram obtidas sobretudo com os votos comunistas e dos países afro-asiáticos;
É, por outro lado, a este grupo que se deve a iniciativa das convocações e da» resoluções apresentadas para além ou por fora da Carta;
Ë desde a reunião do Conselho de Segurança de Março de 1961 que os Estados Unidos se resolvem a apoiar ostensivamente o grupo afro-asiático, com o fim confessado de congregar votos fiéis em deliberações que interessassem à América contra a Rússia.
Não critico nem acuso; não há mesmo novidade na afirmação, que não desvenda qualquer segredo. Foram por essa altura feitas pelos representantes oficiais dos Estados Unidos declarações que pretenderam definir uma nova política da grande nação americana em relação à África, e nessas declarações se fizeram críticas expressas à nossa administração ultramarina, tis ideias retrógradas que seriam as nossas em confronto com as dos novos tempos e se falou precisamente de Angola como exemplo de uma obra de colonização atrasada, degradante para as populações, mesquinha para os territórios (não transcrevo, reproduzo o sentido geral).
Simplesmente! simplesmente estas acusações e estas atitudes de 13 a 15 de Março parece que foram recebidas por certos países africanos como de concordância para apoiarem abertamente a acção terrorista que desabou sobre Angola. Bem se sabe que os Estados Unidos não aconselhariam nem preparariam directa ou indirectamente actos terroristas. Os elementos subversivos vinham sendo de longe instruídos, catequizados, enquadrados dentro e sobretudo fora da província, com o confessado auxilio dos países afro-asiáticos e de outros Estados na linha de orientação traçada pelo comunismo internacional. Mas no estado actual de África, e dada a situação geográfica e política de Angola, para passar à acção, impulsionando-a do exterior, tinha inegável vantagem que da parte de uma grande potência ocidental e anticomunista houvesse uma palavra e uma atitude. Houve-as e infelizes.
Os Estados Unidos têm quanto à Rússia comunista e aos perigos da sua expansão uma política bem assente: apoiar com toda a força do seu poderio as potências do Ocidente europeu, com as quais colaboram sem regatear meios através do Tratado do Atlântico Norte. Este tratado é considerado, aliás sem ultrapassar os limites de uma aliança defensiva, a base da política americana contra o expansionismo soviético. Em boa hora criada, a organização prole impedir, apesar de deficiências conhecidas, o ataque frontal às nações europeias. Aliás talvez este não estivesse na linha de acção russa quanto ao desmoronamento do Ocidente e à expansão do regime comunista no Mundo.
Tem a Rússia, desde os tempos dos seus grandes doutrinadores, uma política igualmente bem definida quanto à África: a sua subversão como meio de contornar a resistência da Europa. O trabalho de subversão e desintegração africana tem sido sistemática e firmemente conduzido pela Rússia e nesta primeira
Página 924
924 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 217
fase, que é apenas expulsar a Europa da África e subtrair quanto possível os povos africanos à influência da civilização ocidental, estão st vista os resultados obtidos.
Ora, talvez por força do seu idealismo, talvez também por influência do seu passado histórico, que, aliás, não pode ser invocado por analogia, os Estados Unidos vêm fazendo em África, embora com intenções diversas, uma política paralela à da Rússia. Mas esta política, que no fundo enfraquece as resistências da Europa e lhe retira os pontos de apoio humanos, estratégicos ou económicos para a sua defesa e defesa da própria África, revela-se inconciliável com a que se pretende fazer através do Tratado do Atlântico Norte. Esta contradição essencial da política americana já tem sido notada por alguns estudiosos, mesmo nos Estados Unidos, e é grave, porque as contradições no pensamento são possíveis, mas são inadmissíveis na acção.
Vozes: - Muito bem, muito bem! Aplausos.
O Sr. Presidente do Conselho: - Quando se hostiliza e enfraquece a Franca, ou a Bélgica ou Portugal, por força da política africana, ao mesmo tempo que se atinge a confiança recíproca dos aliados na Europa, diminui-se-lhes também a sua capacidade. Às tropas retiradas para a Argélia não combaterão no Oder ou no Reno; mesmo as modestas forças que nós fazemos seguir para o ultramar deixarão um vazio, pequeno que seja. no sector ou nas acções que nos forem destinados. E a América, presa de esquematismos ideológicos, penso virá também a ser vítima - a última - desta contradição, se nela persistir.
Vozes: - Muito bem, muito bem! Aplausos.
O Sr. Presidente do Conselho: - A surpresa ante o ressentimento do povo português e a reacção que por toda a parte se verificou contra as atitudes e resoluções do O. N. U. levam-me a crer que os Estados Unidos. cuja política tem sido sempre connosco de inteira compreensão e amizade, se encontraram diante de unia realidade diversa da que tinham pressuposto. Houve manifestamente grave equívoco em considerar o ultramar português como território de pura expressão colonial; equívoco em pensar que a nossa Constituição Política podia integrar territórios dispersos sem a existência de uma comunidade de sentimentos suficientemente expressiva da unidade da Nação; equívoco em convencer-se de que Angola, por exemplo, se manteria operosa e calma, sem polícia, sem tropa europeia e com a forca de 5000 africanos, comandados e enquadrados por dois mil e poucos brancos, se a convivência pacífica na amizade e no trabalho não fosse a maior realidade do território.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente do Conselho: - E. havendo boa fé, lodo o equívoco havia de desfazer-se em ince da atitude de homens brancos e de cor que. vítimas de um terrorismo indiscriminado, clamam que não abandonarão a sua terra e que a sua torra e Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem! Aplausos.
O Sr. Presidente do Conselho: -Alguns dos oradores da O. N. U., sem bem cuidaram dos termos da Carta. deram a entender não desejar outra coisa senão que as populações exprimam claramente a sua opção por Portugal, embora esta esteja feita desde recuados tempos, e constitucionalmente admitida e consolidada. Isso se chama a autodeterminação, princípio genial de caos político nas sociedades humanas. Pois nem assim quero fugir ao exame do problema, e, em vez de embrenhar-me em divagações teóricas, restringir-me-ei ao exame prático do caso português.
Em pleno oceano e já para sul da linha que define os limites políticos do Atlântico Norte, situam-se as dez ilhas de Cabo Verde. Vão de Lisboa a S. Vicente ou à Praia 2900 km e de Washington às ilhas Hawai 8000 km. de modo que na teoria que se dispõe a contestar pelas distâncias a validade de uma soberania nacional parece não estarmos mal colocados.
Vozes: - Muito bem, muito bem! Aplausos.
O Sr. Presidente do Conselho: - A superfície do arquipélago é de 4000 km2 e a população orça pelos 200 000 habitantes. O aspecto geral é de secura e aridez. As manchas de terra seriam fecundas se houvesse água, mas o arquipélago não tem água e a chuva é escassa e incerta, além de que a erosão é activa. A incerteza e limitações da vida impelem à emigração para as costas fronteiras de África, sobretudo para a Guiné. Deste facto de vizinhança a interpenetração de populações advém terem surgido, na pujante floração actual de movimentos de libertação, um movimento para a Guiné e outro para a Guiné e Cabo Verde em conjunto. Como aquelas terras foram achadas desertas e povoadas por nós e sob nossa direcção, o fundo cultural é diferente e superior ao africano, e a instrução desenvolvida afirma essa superioridade, pelo que se explica a ambição de alguns e a desconfiança dos restantes instalados na terra firme. Deste modo a independência de Cabo Verde teria de restringir-se ao arquipélago, e não é viável.
Mesmo não considerados os anos de seca e de crise, Cabo Verde está sendo alimentado pela metrópole quanta a investimentos e subsidiado pelo Tesouro para cobertura das despesas ordinárias. Daqui vem que os cabo-verdianos, que vemos nos mais altos cargos da diplomacia, do Governo ou da administração pública por toda a parte onde é Portugal, nunca pensaram em avançar no sentido de uma utópica independência, mus no da integração, ao advogarem a passagem para o regime administrativo dos Açores e da Madeira. Assim o movimento é puramente fantasioso.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente do Conselho: - Dos valores de Cabo Verde um, porém. se destaca e de importância para a defesa do Atlântico Sul -é a sua posição estratégica, e esse valor pode ser negociado, evidentemente dentro de um quadro político e ético que não é o nosso. A tal independência que por outros motivos qualifiquei de inviável teria logo à nascença de ser hipotecada ou vendida, negando-se a si mesma, para obter o pão de cada dia. Mas para a transacção, desde que o Brasil não esteja interessado no negócio, só existe um pretendente possível.
Deixo de lado as pequenas ilhas de S. Tomé e Príncipe, de que conheço as dificuldades económicas e deficiências financeiras, mas em relação às quais me parece não se terem instalado ainda em território estrangeir
Página 925
l DE JULHO DE 1961 925
os empreiteiros da sua hipotética libertação. E passamos à Guiné - à volta de um terço em superfície do território continental, com 600 000 habitantes. O clima faz que seja o autóctone a cultivar a terra e o europeu ou o levantino, do Líbano sobretudo, que movimenta o comércio. A administração tem sido prudente e modesta, como o impõem as condições, mus nalguns sectores, como no da saúde e assistência, tão rasgada e competente que a Organização Mundial de Saúde classificou a campanha contra a lepra como a melhor de toda a África. Sejam quais forem as aspirações das populações nativas a melhor nível de vida, uma coisa é certa: o seu amor à terra em propriedade individual observa com o maior receio as inovações que sob inspiração chinesa se preparam para além das fronteiras; e o trabalho livre a que se habituaram parece-lhes ameaçado pelas fornias introduzidas em países vizinhos. De modo que os perigos que ameaçam a Gume Portuguesa não suo propriamente os despertados pelo movimento de libertação do território.
Os seus representantes, mesmo que portadores de algum mandato ou ambição legítima, trabalham por conta alheia, pois nada poderiam contra forcas de que poderá ajuizar-se observando no mapa os Estados vizinhos e lendo na imprensa e ouvindo nu rádio o eco das suas ambições. Enganam-se os que pensam para um futuro próximo em quaisquer soluções federativas ou outras para remediar os desconcertos da África actual: alguns dos novos chefes daqueles Estados não surgiram para se entenderem; a sua tendência será para se alargarem uns à custa dos outros, e todos sob o enganoso signo da libertação dos povos africanos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente do Conselho: - O Estado da índia, pequenino que é com os seus 650 000 habitantes e 4000 km2, para preencher os quais suo precisos quatro ou cinco territórios dispersos, não há dúvida de que constitui uma individualidade distinta na península do Indostão. Aí se operou uma fusão de raças e culturas e, sobretudo, se criou um género de vida tal que por toda a parte o goês, como o comprovam as notações estatísticas internacionais, se distingue e não pode ser confundido com o indiano. Este continuará a arrastar consigo a divisão e irredutibilidade das castas, a confusão das línguas, o lastro da cultura oriental; enquanto o goês recebeu do Ocidente uma luz nova, que, em harmoniosa síntese com os valores de origem, iluminou toda a vida individual e colectiva e caldeou. através de cinco séculos de permanência e vida comum, a sua ancestralidade de sangue com novo sangue, costumes e tradições. Compreende-se Goa a fazer parte da Nação Portuguesa, porque nas crises o Estado Português a apoia, a guia e financeiramente a sustenta; mas não podia o Estado da índia assegurar por si a sua própria independência, apesar da típica individualidade que depois de tantas tergiversações acabaram todos em reconhecer-lhe. Assim os representantes mais categorizados do «movimento de libertarão de Goa» foram levados pela força de circunstâncias evidentes a confessar que só exigem a independência dos territórios para integração na União Indiana.
O que chamamos província de Macau é quase só a cidade do Santo Nome de Deus, lugar de repouso e refúgio do Extremo Oriente, incrustada na China Continental. A província tem atravessado períodos de prosperidade e decadência. esta agora devida ao bloqueio americano da China, que tirou a Macau a parte mais importante do seu comércio. E. como não pode estender-se, sofre das suas limitações naturais. A existência de Macau como terra sujeita à soberania portuguesa funda-se em velhos tratados entre os reis de Portugal e os imperadores da China, de modo que, se estes textos jurídicos mantêm, como deve ser, o seu valor, através das mutações dos regimes políticos, está assegurada a individualidade daquele território e u sua integração em Portugal. Mas, se saíssemos do terreno da legalidade para fazer apelo a outros factores, certo é que Macau, fosse qual fosse o valor da nossa resistência, acabaria por ser absorvida na China, de que depende inteiramente na sua vida diária. E o mundo ocidental ficaria culturalmente mais pobre.
Nas índias Orientais há uma pequena ilha que se chama Timor, metade da qual partilhamos com a Holanda e desde 1945 com a República da Indonésia. Perdida entre AS mil ilhas deste Estado, Timor não tem condições de vida independente. A parte o que tem sido necessário gastar ali para desenvolver o território e elevar o nível das populações por meio de dispêndios extraordinários em planos de fomento, a vida ordinária não se basta e o Tesouro vê-se obrigado a cobrir parte importante das despesas correntes. Apesar de tudo, a população, quando liberta de pressões ou influências estranhas, leva tranquilamente a sua vida e nas crises mais graves u dedicação dos povos para com a Nação Portuguesa toca as raias do heroísmo.
Quando as forças japonesas nu última guerra devastaram sem justificação nem utilidade o Timor português e a autoridade que representava a soberania no território ficou privada de meios para o exercício efectivo do poder, foram quase só os timorenses a marcar ali por muitos modos a presença de Portugal. É curioso notar que se deve precisamente aos Estados Unidos a reentrega de Timor: por força de compromissos tomados connosco, sem dúvida, mas contra interesses que então seriam porventura de considerar se se não tratasse de Portugal.
Não se pode saber o que daria neste caso sob pressões estranhas a autodeterminação. Aquele pequeno grupo de cuja autenticidade duvidamos e que finge em Jacatra trabalhar pela libertação de Timor não pode pretendê-la senão para a traspassar à República du Indonésia, que. não teria então os escrúpulos de agora em aceitá-la. Port Darwin fica, porém, a uma hora de avião de Díli e alguém haveria de perturbar-se. ao menos tanto como nós, com o acontecimento. Quer dizer: em todos os casos considerados e dadas as actuais circunstâncias, sempre que as Nações Unidas advogam a autodeterminação como acesso possível a soluções diversas, só podem de facto chegar à independência dos territórios, e, quando conseguissem a independência destes, ser-lhes-ia vedado querer coisa diferente da sua integração noutros estados, isto é, a transferência da soberania para algumas delas. Ora, sendo esta a questão, devo dizer, sem arriscar confrontos desagradáveis, que em qualquer das hipóteses não podemos ser considerados nem menos dignos, nem menos aptos para o governo, nem menos predispostos que outros para influência civilizadora sobre os povos de raças diferentes que constituem as províncias de além-mar. Tentar despojar-nos dessa soberania seria pois um acto injusto, e, além de injusto, desprovido de inteligência prática. E explico porquê.
Nós somos uma velha nação que vive agarrada às suas tradições, e por isso se dispõe a custear com pesados sacrifícios a herança que do passado lhe ficou. Mas acha isso natural. Acha que lhe cabe o dever de civilizar outros povos e. para civilizar, pagar com o suor do rosto o trabalho du colonização. Se fosse possível meter alguma ordem na actual confusão da oratória política internacional, talvez se pudesse, à
Página 926
926 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 217
luz destes exemplos, distinguir melhor a colonização do colonialismo - a missão humana e a empresa de desenvolvimento económico que, se dá, dá, e, se não dá, se larga.
Vozes: - Muito bem, muito bem! Aplausos.
Sr. Presidente do Conselho: - Muitos terão dificuldade em compreender isto, porque, referidas as coisas a operações de deve e haver, motivos havia para • delinear noutras bases a política nacional.
Há, porém, as outras grandes províncias de África, dotadas, pela sua extensão, população e riquezas, de muito maiores possibilidades. Estas possibilidades não significam que estejam isentas de graves crises, que não seja o Estado a facultar-lhes os meios para o fomento ou que não tenha o Tesouro de acudir-lhes com fundos e empréstimos gratuitos para as equilibrar financeiramente. Mas porque a sua grandeza as torna especialmente cobiçadas, ocupamo-nos delas à parte e temos de fazer referência aos vários aspectos que mais possam interessar-nos hoje.
As diatribes lançadas de altas tribunas por pessoas responsáveis contra a obra colonizadora portuguesa, a parte o que se deve a atitudes emocionais e interesses inconfessados. assuntam seguramente no desconhecimento do que .sejam Angola e Moçambique. Algumas responsabilidades nos caberão no facto a nós, que, absorvidos no nosso trabalho, as não apresentamos devidamente ao Mundo. A ignorância parece generalizada, tantos sào os que falam como se elas se encontrassem como em 400 - abandonadas u incapacidade de seus naturais.
Em contrapartida, as pessoas que as visitam sem preconceitos admiram-se da floração e beleza das cidades e das vilas, do progresso das explorações agrícolas, das realizações industriais, do ritmo da construção, dos característicos aspectos da vida social.
Não vou ocupar-me do estado económico e social das duas províncias, mas estou a olhar para umas estatísticas oficiais estrangeiras, algumas da O. N. U., e respigo ao acaso algumas indicações. Ponho de. lado a África do Sul. onde nascem ouro e diamantes e onde a massa branca, numerosa, pôde dar aos territórios um desenvolvimento sem comparação no continente. Mas vejo, por exemplo, o número de edifícios construídos nalguns territórios de África: Angola encontra-se largamente à cabeça da antiga África Ocidental Francesa, do Quénia, do Tanganhica, de Uganda. O número de metros quadrados de área coberta construída por 1000 habitantes foi em Angola em 1959 de 76,8 contra 6,3 ou 51,3 ou 14.2 ou 17.8 nas outras regiões citadas.
Em quilómetros de via férrea, por 1000 km2 de superfície. Moçambique é igual ao Ghana e só é suplantado pela Serra Leoa, o Togo. o Daomé, todos de diminuta superfície: Angola iguala o antigo Congo Belga e tem abaixo de si os Camarões, as antigas África Equatorial e África Ocidental Francesas e Madagáscar. Quanto a veículos (locomotivas, carruagens e vagões) Moçambique só é excedido pela Federação das Rodésias, pelo Ghana e pela África Oriental Britânica; Angola está em bom lugar quando por seu turno a compararmos com os outros territórios ao sul do Sara.
Relativamente a potência instalada e a energia produzida, por habitante, embora com representarão honrosa, pois que em 1957 superámos a Federação da Nigéria estamos largamente ultrapassados pela Federação das Rodésias, pelo Congo ex-Belga e pelos Camarões ex-Franceses: mas é de notar que tanto em Angola com n em Moçambique as cifras duplicaram, pelo menos, de 1957 para cá e depois da conclusão de Cambambe os nossos números serão muito mais favoráveis ainda.
Nas costas ocidental e oriental de África, em qualidade de instalações fixas e apetrechamento, os grandes portos de Angola - Luanda e Lobito- e de Moçambique - Lourenço Marques e Beira - ombreiam com os melhores daquele continente. Em tráfego, de entre os portos da África ao sul do Sara, da Mauritânia pelo Cabo até ao Sudão, Lourenço Marques só é ultrapassado por Durbau, e a Beira por estes dois e pelo Cabo.
Em questões de saúde somos os precursores em África d os campanhas de acção sanitária e fomos de igual modo os precursores da assistência materno-infantil. Não vou causar dando a nota. aliás impressionante, do? nossos estabelecimentos hospitalares nas províncias de África, mas apresentarei alguns números fornecidos pela Organização Mundial de Saúde relativamente à lepra em vários territórios africanos: assim Moçambique, com 5647000 habitantes, tem 80 000 gafos e em tratamento para cima de 60000; o Tanganhica. para uma população de 8 800 000 habitantes, Tem 100 000 gafos e em tratamento apenas 34000; Ghana tem em 4200000 habitantes 50 000 gafos e em tratamento 26000; o Quénia para unia população de 6 250 000 habitantes tem 25 000 gafos, mas só 350 em tratamento: a Nigéria para unia população de 25 000 000 de habitantes tem 540 000 gafos s em tratamento apenas metade, ou sejam precisamente 274 790, etc. Daqui se deduz que a percentagem dos doentes tratados é muito superior em Moçambique à dos territórios que indiquei.
E apesar de tudo não podemos considerar-nos satisfeitos. A vastidão dos territórios por si própria sugere empreendimentos sem conta e arrisca-se mesmo a fazer perder a muitos s sentido das proporções e das possibilidades materiais ou humanas para que se possam realizar em curto prazo. Em todo o vaso, em face do exame imparcial de muitos problemas, parece-me que dois ou três devem ser destacados e receber em primeira prioridade impulso mais decisivo para a sua solução. Refiro-me especialmente ao sistema de comunicações, à multiplicação de escolas primárias e técnicas, à maior divulgação de postos ou serviços sanitários.
As estradas devem considerar-se naqueles territórios o mais forte veículo do progresso. Podendo circular, os homens fazem por si muito do restante. Com a saúde teremos aumentado o bem-estar das gentes e a sua capacidade produtora. Os naturais mostram-se sedentos de instrução, porque nela vêem o meio de valorizar-se, de melhoria económica e mesmo de ascensão política. Há que matar-lhes a sede, sem esquecer equilibrar as escolas nos graus médio e superior com o desenvolvimento económico geral, sob pena de criar-se, perigosamente um proletariado intelectual, dado à agitação pelo desemprego e à política pela ambição. Se não fora ter-nos sido imposto o esforço para debelar o terrorismo, esforço que é mais pesado que uni excelente plano de fomento, nós devíamos dedicar-nos àquele programa, como o de maior rendimento para as províncias ultramarinas. Nas actuais circunstâncias, porém, só com suprimentos externos o poderemos fazer.
Estas são coisas materiais que têm muita importância mas não deviam ser tomadas por decisivas, porque numa sociedade do homens o que acima de tudo importa é o tipo das relações humanas. A maneira de ser portuguesa. os princípios morais que presidiram aos descobrimentos e à colonização fizeram que em lodo o território nacional seja desconhecida qualquer forma de discriminação e se hajam constituído sociedades plorirraciais impregnadas de espírito de convivência amigável, e só por si pacíficas. A integração política
Página 927
l DE JULHO DE 1961 927
não derivaria de uma assimilação completa, mas sobretudo da confraternização estabelecida sem distinção de credos ou de cores e da criação de uma consciência de noção e de pátria comum, naturalmente mais vasta que o pequeno horizonte em que os indivíduos e as suas tribos podiam mover-se.
Ora, é facto indesmentível e de observação corrente a existência em Angola e Moçambique de uma comunidade de raças vivendo em perfeita harmonia e compreensão, sem mais diferenças na vida pública ou privada que as que nas outras sociedades são marcadas pela diversidade de níveis económicos e de aptidões pessoais. De muito longe compreendemos que. só nestas condições, o branco, pouco numero-o em relação ao negro e ao mestiço, podia, excluída a sujeição violenta, exercer a acção que lhe competia, dirigir o trabalho da comunidade, criar trabalho pelos investimentos que- não estão ao alcance da massa, elevar esta ao seu próprio nível de civilização.
Nestas circunstâncias, parece inútil discutir se. é possível uma sociedade plurirracial, pois que existe, e nada demonstra mais cabalmente a possibilidade do que ser. Mas serão de discutir as fornias de coexistência? Teòricamente, sim, ma, como se trata já de factos e de situações estabelecidas, a melhor luz a que pode examinar-se a questão é ver as consequências a que levaria a destruição daquelas.
Os novos estados africanos discriminam contra o branco, e isso o podem fazer no.- territórios em que a obra colonizadora obedeceu a moldes diferentes e o branco, se trabalhava para viver, não estava instalado para furar. Ora nós estamos precisamente no limite do racismo negro, que vem estendendo-se até ao Zaire e que pelo Tanganhica e pela Niassalândia atinge o Norte e Noroeste de Moçambique. Esse racismo negro tem-se revelado de tal modo violento e exclusivista que as sociedades mistas existentes no Sul se lhe não podem confiar. Pode-se, matando ou expulsando o branco, eliminar o problema, mas este não o pode resolver o racismo. se o branco, porque tem no menos os mesmos títulos e goza de pelo menos igual legitimidade, pretende ficar naquela terra, que é também sua.
Vozes : - Muito bem, muito bem ! Aplausos.
O Sr. Presidente do Conselho: - Touro importa que alguns sorriam da nossa estrutura constitucional, que admite províncias tão grandes como estados e estados tão pequenos como províncias, e se entretenham a pôr em dúvida soberanias. aliás indiscutíveis, ou a menosprezar civilização e cultura incontestavelmente superiores, ou a desconhecer necessidades de defesa ligadas a territórios sob autoridade ocidental. O grande problema subsiste, resultante da instalação definitiva da população branca e do facto de se encontrar nas suas mãos quase exclusivamente a direcção do trabalho, o financiamento das empresas, a administração do bem público. Esta, sim. esta é uma questão que merece a atenção de estadistas. e não duvido de que. se nela atentassem. não mais nos estorvariam de encaminhar um problema que. nos nossos territórios, só nós. pelos nossos métodos, somos rapazes de resolver.
Vozes: - Muito bem. muito bem! Aplausos.
O Sr. Presidente do Conselho:- As fórmulas políticas, quaisquer que sejam, não podem desconhecer as circunstâncias de facto que aí ficam apontadas, Estamos em face de sociedades, em evolução forçosamente lenta, que eu creio há o maior interesse em salvar e fazer progredir. Elas apoiam-se moralmente no princípio da igualdade racional, mas política e juridicamente não podem abstrair, para defesa própria e garantia de progresso, da diferença de méritos individuais. Paru que estes princípios funcionem sem a indevida sujeição de grandes massas ao escol branco ou preto, é necessário que estejam garantidas a todos as mesmas possibilidades de acesso económico ou cultural. Ou a não discriminação está presente em toda a acção pública e privada, ou o edifício ruirá. Por outro lado, sem se atingir um grau elevado de homogeneização, fisiológica ou moral, das populações, a construção não poderá manter-se sem o apoio que há-de assegurar a genuinidade dos princípios e a vida da comunidade no equilíbrio que presidiu à sua própria formação.
Ouço às vezes falar de soluções políticas diferentes da nossa solução constitucional e possivelmente inteligíveis em séculos vindouros. Não desperdicemos tempo a apreciá-las, porque o essencial agora é o presente, e o presente é tão simples como isto: o que seria de Angola na actual crise, se Angola não fosse Portugal?
Vozes: - Muito bem, muito bem! Aplausos.
O Sr. Presidente do Conselho: - Isto vem a dizer que a estrutura actual da Nação Portuguesa é apta a salvar de um irredentismo suicida as parcelas que a constituem e que outra qualquer as poria em risco de perder-se não só pura nós. mus para a civilização.
A estrutura constitucional não tem, aliás, nada que ver, como já uma vez notei, com as mais profundas reformas administrativas, no sentido de maiores autonomias ou descentralizações, nem com u organização e competência dos poderes locais, nem com a maior ou menor interferência dos indivíduos na constituição e funcionamento dos órgãos da Administração, nem com a participação de uns ou de outros na formação dos órgãos de soberania, nem com as alterações profundas que tencionamos introduzir no regime do indigenato. Só tem que ver com a natureza e a solidez dos laços que. fazem das várias parcelas o todo nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente do Conselho: - Abusei demasiado da vossa paciência, mas vou terminar já.
Deve ter-se notado que me ocupei do que era essencial na atitude da O. N. U. para connosco, mas não do teor das suas deliberações. Achei que não valia a pena.
Vozes : - Muito bem, muito bem ! Aplausos.
O Sr. Presidente do Conselho: - Toda a gente terá reparado no que aquelas contêm de abusivo em relação aos termos expressos da Carta e falho de razão em relação aos factos e ao comportamento que perante eles deve ter um governo responsável.
A insistência em menosprezar o princípio fundamental da não intervenção nos interesses internos dos Estados membros mereceu tais reparos e causa tais apreensões aos que ainda depositam alguma confiança no futuro da Organização que é de prever esta venha a alterar a sua conduta, no caso de desejar sobreviver.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Página 928
928 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 217
O Sr. Presidente do Conselho: - O convite às autoridades portuguesas para cessarem imediatamente as medidas de repressão é uma atitude, digamos, teatral do Conselho de Segurança e que ele não tem a menor esperança de ver atendida ...
Vozes : - Muito bem, muito bem ! Aplausos.
O Sr. Presidente do Conselho: - ... tão gravemente ofende os deveres de um Estado soberano. Desde os meados de Março não acharam nem o Conselho nem a Assembleia oportunidade para ordenar aos terroristas que cessassem os seus morticínios e depredações ...
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Sr. Presidente do Conselho: - ... e tantos dos seus membros o podiam ter feito com autoridade e eficácia.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Sr. Presidente do Conselho: - Mas quando intervém a autoridade cuja obrigarão é garantir a vida. o trabalho e os bens de toda a população, essa obrigação ou primeiro dever do Estado não haverá de ser cumprido, porque é necessário que os terroristas continuem impunemente a sua missão de extermínio e de regresso à vida. selvagem.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Sr. Presidente do Conselho : - A consideração de que a situação em Angola é susceptível de se tornar uma ameaça para a paz e para a segurança internacionais, essa, sim. pode ter algum fundamento, mas só na medida em que alguns dos votantes se decidam a passar do auxílio político e financeiro, que estão dando. para auxílio directo com as suas próprias forças contra Portugal em Angola.
Vozes: - Muito bem, muito bem ! Aplausos.
O Sr. Presidente do Conselho: - Tudo começa a estar do avesso no Mundo, que os que agridem são beneméritos. os que se defendem são criminosos, e os Estados, cônscios dos seus deveres, que se limitam a assegurar a ordem nos territórios são incriminados pelos mesmos que estão na base da desordem que ali lavra.
Vozes: - Muito bem, muito bem ! Aplausos.
O Sr. Presidente do Conselho: - Não. Não levemos ao trágico estes excessos: a Assembleia das Nações Unidas funciona como multidão que é, e. portanto, dentro daquelas leis psicológicas e daquele ambiente emocional a que estão sujeitas todas as multidões.
Vozes: - Muito bem, muito bem! Aplausos.
O Sr. Presidente do Conselho: - Nestes termos, é-me difícil prever se o seu comportamento se modificará para bem ou não agravará ainda para pior. Se. porém. virmos este sinal no céu de Nova Iorque, é meu convencimento que estão para breve catástrofes e o total descalabro da instituição.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente do Conselho: - Muitas pessoas, em face dos votos contrários a Portugal e das abstenções, inferem do seu numero um isolamento perigoso para o nosso país no convívio internacional. Espero que não nos intimidemos os que estamos seguros de ter razão e estamos convencidos de poder demonstrá-la. A vida internacional não é toda feita na O. N. U. e os votos são mais o resultado de um processo competitivo que ali se estabeleceu do que a expressão de um juízo válido sobre questões internacionais ou ultramarinas.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Sr. Presidente do Conselho: - Verifica-se - é certo isso - em muitos países como que uma onda de pânico e de intimidação, correlativa da falta de fé nos princípios, que continuo, a considerar válidos, da civilização ocidental.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Sr. Presidente do Conselho: - Agora quem parece ter razão são os Estados afro-asiáticos. Mas. com um pouco de coragem da nossa parte, eles acabariam por compreender que há limites a não ultrapassar.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Sr. Presidente do Conselho : - Embora sob a acção de uma intensa campanha de difamação internacional, muito bem dirigida pela Rússia comunista, que. aliás, no.- obsequiou declarando a sua posição, vemos que a mesma não conseguiu obscurecer muitas das melhores inteligências nem arrastar consigo a opinião dos países representados. Veja-se, por exemplo, como tem reagido e escol intelectual do Brasil em face do ataque a Angola. a província africana que. por várias vicissitudes da história comum, quase considera como fazendo parte do seu património moral.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Sr. Presidente do Conselho: - Veja-se, por exemplo, se a Espanha, que nesta crise nos tem acompanhado momento a momento ...
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Sr. Presidente do Conselho: - ... com a vivacidade do seu temperamento e o fervor da Mia afeição fraternal, veja-se se ela não compreende bem que o ataque a Portugal foi apenas o aproveitar de uma oportunidade, e. tanto podia ser contra nós como contra ela. ou será uma vez contra ela e outra vez contra nós.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente do Conselho: - Até que os europeus compreendam, contra este sudoeste da Europa continuarão a desferir-se golpes sob todos os pretextos, porque é necessário fazê-lo ruir. para cair tudo o mais.
Sejam quais forem as dificuldades que se nos deparem no nosso caminho e os sacrifícios que se nos imponham para vencê-las, não vejo outra atitude que não seja a decisão de continuar.
Vozes: - Muito bem. muito bem!
Aplausos.
Página 929
1 DE JULHO DE 1961 929
O Sr. Presidente do Conselho: - Esta decisão é imperativo da consciência nacional que eu sinto em uníssono com os encarregados de defender lá longe pelas armas a terra da Pátria. Esta decisão é-nos imposta por todos quantos, brancos, pretos ou mestiços, mourejando. lutando, morrendo ou vendo espedaçar os seus. autenticam pelo seu mesmo martírio que Angola é terra de Portugal.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
Aplausos.
O Sr: Presidente : - Interrompo a sessão por alguns instantes.
Eram 11 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente : - Está reaberta a sessão.
Eram 12 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente : - Vai passar-se à
Ordem do dia
Presidente : - Sabe a Câmara que esta sessão extraordinária foi convocada paira que a Assembleia se pronunciasse sobre a autorização necessária para o Chefe do Estado se ausentar do País em visita ao país vizinho, autorização que lhe compete conceder, nos termos constitucionais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sebastião Ramires.
O Sr. Sebastião Ramires: - Sr. Presidente: estão diplomaticamente concertados as negociações entre o nosso Governo e o da Espanha para que S. Exa. o Presidente da República possa fazer uma viagem oficial àquele país.
Nos termos do artigo 76.º da Constituição, pede o Governo que a Assembleia lhe dê o necessário assentimento.
Suponho que não será essencial formular demoradas considerações para justificar o assentimento que nos é pedido, já que a Assembleia, mais do que assentir à sua realização, congratular-se-á com ela.
Se. normalmente. foram amistosas as nossas relações com a vizinha Espanha, a verdade é que elas se estreitaram e fortaleceram nos momentos incertos e dolorosos da guerra civil, quando a Espanha nacionalista lutava heroicamente com os inimigos internos e com a incompreensão, a indiferença, se não a animosidade, da maioria das nações.
Compreendemos antes do que os demais que a guerra civil não era somente uma guerra entre irmãos de sangue, mas que dentro da velha Espanha surgira uma anti-Espanha. que, negando as nobres tradições do povo espanhol, da sua civilização e da sua história, procurava converter-se em instrumento da tenebrosa ideologia que já então ameaçava a tranquilidade e a paz no Mundo.
Com a nítida compreensão de que a guerra civil em Espanha era já começo da guerra mundial que mais tarde veio a eclodir, alguns milhares de portugueses. iludindo os próprios desejos do Governo. atravessaram a fronteira. Incorporaram-se como voluntários no exército espanhol e souberam pelo seu sacrifício e pelo seu heroísmo escrever mais uma página gloriosa do nosso patriotismo.
Em 1938. ainda estava longe o Termo da guerra. Salazar decide reconhecer o governo de generalíssimo Franco como o governo legítimo de Espanha. Perante o espanto e a oposição quase universais.
Terminada a guerra, assinava-se em 1939 o acordo de amizade, completado pelo protocolo anexo, assinado no ano seguinte, pelo qual Portugal e a Espanha estabeleciam entre si uma política comum em relação aos graves problemas internacionais. Esta política de boa vizinhança, de amizade e estreito entendimento entre as duas nações irmãs iria permitir manter a Península numa perfeita tranquilidade e possibilitar uma neutralidade colaborante. A sua sombra pôde ser travado o avanço dos exércitos alemães aquém dos Pirinéus e concorrer eficazmente para a vitória dos aliados e, principalmente, para a. paz no Mundo.
A viagem triunfal do generalíssimo Franco a Portugal em 1949 sucedeu-se a do Presidente Craveiro Lopes a Espanha em 1953. onde foi alvo das mais calorosas e inequívocas demonstrações de consideração e apreço.
No momento que estamos vivendo, cheio de apreenções e de cuidados, assistimos com mágoa ao abandono de deveres e de obrigações livremente contraídas por algumas nações que sempre considerámos amigas e que agora se solidarizam com os nossos inimigos, que também o são da civilização cristã e do Ocidente. Continuamos a sentir ao nosso lado a nobre e cavalheiresca Espanha, com a sua compreensão, a sua solidariedade. O seu apoio e a sua leal amizade. Não terá outro sentido o honroso convite que acaba de ser dirigido ao Governo para uma visita oficial do Presidente da República a Espanha.
Assim como Portugal recebeu fidalgamente o generalíssimo Franco, vendo nele não apenas o generalíssimo dos exércitos vitoriosos, mas também o grande espanhol forjado na dura escola de bem servir, que soube erguer do caos, da tristeza e da dor a grande Espanha e entregá-la prestigiada e respeitada no quadro das relações internacionais ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador : - ... assim também a Espanha receberá cavalheirescamente e de braços abertos a figura prestigiosa do nosso Chefe do Estado, que, pelos seus méritos e virtudes, é em si mesmo nobre exemplo de todas as grandes e ancestrais qualidades da raça e. ao mesmo tempo, intérprete fidelíssimo desta Pátria renovada.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Orador : - A sua presença servirá para consolidar, fortalecer e consagrar uma política de boa amizade e de leal entendimento, inteligentemente iniciada há 30 anos e mantida até no presente sem quebra nem alteração da sua clara finalidade.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Orador : - Em nome da Comissão dos Negócios Estrangeiros, tenho a honra de enviar para a Mesa uma proposta de resolução.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se a proposta de resolução.
Foi lida. É a seguinte:
Proposta de resolução
A Assembleia Nacional, informada pelo Governo do honroso convite dirigido a S. Exa. o Presidente da República por S. Exa. o Generalíssimo Franco Chefe do Estado de Espanha para uma visita oficial a Espanha no corrente ano, que decorrerá na afectividade
Página 930
930 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 217
e na amizade que caracteriza as relações entre os dois povos, vizinhos e amigos, e da qual se esperam os mais benéficos resultados:
Resolve dar o seu assentimento, como o Governo já deu, e de harmonia com o disposto no artigo 76.º da Constituição, à ausência para Espanha do Presidente da República no decurso do ano corrente.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 30 de Junho de 1961. - O Deputado, Sebastião Garcia Ramires.
0 Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
0 Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado pediu a palavra, vai votar-se.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade a proposta de resolução.
O Sr. Presidente: - Como é esta a única sessão determinada pela convocatória do Sr. Presidente da República, a Assembleia Nacional desejará, naturalmente, dar à nossa Comissão de Legislação e Redacção os poderes para que ela possa redigir o texto definitivo desta proposta de resolução.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Interpreto o silêncio da Assembleia como assentimento à minha sugestão.
Eram 12 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Ornelas do Rego.
Alberto Pacheco Jorge.
Américo da Costa Ramalho.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Carlos Coelho.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Fernando António Muñoz de Oliveira.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Pais de Azevedo.
José Rodrigo Carvalho.
Luís Tavares Neto Sequeira de Medeiros.
Manuel José Archer Homem de Melo.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Purxotona Ramanata Quenin.
Ramiro Machado Valadão.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA