Página 191
REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 7
ANO DE 1961 15 DE DEZEMBRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 7, EM 14 DE DEZEMBRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Amaral Neto interrogou a Mesa quanto ao cumprimento do § 4.º do artigo 10.º do Regimento.
O Sr. Presidente esclareceu que iria averiguar o que há quanto a esse assunto.
O Sr. Deputado Proença Duarte recordou a data da morte do Presidente Sidónio Pais; o Sr. Deputado Melo A (h ião referiu-se à actividade da Escola Médico-Cirúrgica de Goa e a alguns dos seus valores; o Sr. Deputado José Manuel da Costa falou acerca de problemas ligados à juventude portuguesa: o Sr. Deputado Henriques Jorge ocupou-se das carreiras marítimas para a Madeira e Açores; o Sr. Deputado António Burity da Silva aludiu a assuntos ligados aos nossos territórios do ultramar, e o Sr. Deputado Augusto Simões tratou dos mesmos assuntos, nomeadamente quanto à presente situação no Estado da índia.
Foi aprovado o acórdão da Comissão de Verificação de Poderes quanto ao Sr. Deputado Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Ordem do dia. - Em primeira parte procedeu-se à eleição das Comissões do Ultramar, do Trabalho, Previdência e Assistência Social e dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Presidente comunicou terem sido eleitos presidente da Comissão de Política e Administração Geral e Local o Sr. Deputado José Guilherme de Melo e Castro e secretário o Sr. Deputado Augusto Simões.
Em segunda parte da ordem do dia continuou a discussão da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1962.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Águedo de Oliveira, Ulises Cortês, Santos Bessa e Cardoso de Matos.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam, os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
Página 192
192 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 7
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levi.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Egberto Rodrigues Pedro.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Mendes Pires da Costa.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Luís Le Cocq Albuquerque Azevedo Coutinho.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 112 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Amaral Neto: - peço a palavra para interrogar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Amaral Neto: -Desejava saber se a Mesa contempla algumas providências para dar execução ao disposto no § 4.º do artigo 19.º do nosso Regimento.
Tenho dito.
O Sr. Presidente: - Vou averiguar o que há relativamente ao cumprimento do § 4.º que V. Ex.ª acaba de referir. Comunicarei depois a V. Ex.ª o que averiguar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Proença Duarte.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: sempre que nesta Casa, em que se exerce uma função de soberania nacional, tenho usado da palavra, é para exprimir com independência e com sinceridade o que penso e sinto sobre os assuntos que me proponho tratar.
Nem de outra forma aceitaria estar aqui.
E já vão decorridos largos anos, nada menos de 43, depois que pela primeira vez a ela vim como Deputado, sendo então Chefe de Estado o Presidente Sidónio Pais.
Hoje, como então - sempre, manter-me-ei fiel a esses princípios que aqui têm norteado a minha conduta.
E é sob o domínio deste imperativo que saúdo V. Ex.ª, com a convicção plena de que a nobre linha de conduta marcada ao funcionamento desta Assembleia pelo saudoso mestre Dr. José Alberto dos Reis e mantida com destacado aprumo pelo nosso muito estimado e respeitado colega Dr. Albino dos Reis será mantida, reafirmada e sublimada por V. Ex.ª
Página 193
15 DE DEZEMBRO DE 1961 193
Foi essa linha de conduta manifestamente inspirada por são e vigoroso patriotismo, por intransigente fidelidade aos princípios morais, espirituais e políticos que informam a alma da Nação e determinaram os homens que fizeram o 28 de Maio.
Sob a orientação superior de V. Ex.ª, esta Assembleia há-de dar ao País o exemplo de unidade, de coesão e de decisão através da diversidade de opiniões livremente expostas, mas reportando-se sempre, na sua essência, ao objectivo elevado e nobre de bem servir a Nação.
Só assim, segundo o entendo, desempenharemos dignamente o mandato em que fomos investidos, pois que o que está em causa no exercício da função pública é o interesse colectivo, e não o interesse, o prestígio ou a vaidade individual.
Tem V. Ex.ª, Sr. Presidente, acompanhado, melhor direi, vivido intensamente a, vida desta Assembleia Nacional desde a I Legislatura e por vezes a sua intervenção nos debates, mesmo quando apenas franco-atirador, foi decisiva para as soluções a adoptar.
E fê-lo sempre só defendendo ou contrariando ideias e princípios, e nunca produzindo argumentos ad hominem.
Por vezes com dureza na forma e com aspectos externos de agressividade, mas uma e outros contra as ideias e soluções que considerava erradas, e não contra, as pessoas, que sempre respeitava e estimava, como V. Ex.ª se não causava de afirmar.
E se a sua actividade nesta Casa só por si não bastasse para garantir um perfeito e digno desempenho das altas funções em que se encontra agora investido, teríamos reforçada essa garantia por toda, a sua vida, em que refulgem as mais altas virtudes e os melhores títulos académicos, que só a raros é dado conquistar. Do que deixo dão e de mais que poderia dizer e de que poderia dar testemunho por conhecimento directo, concluo que a vida da Assembleia Nacional será conduzida por V. Ex.ª com um acerto e uma elevação de que todos sairemos dignificados e orgulhosos e de que advirá novo prestígio para os princípios e instituições que devotadamente servimos.
Desculpe V. Ex.ª e que igualmente a Câmara me releve o ter dado certa extensão às saudações que me aprouve dirigir-lhe, mas que se justifica pela circunstância de há quase meio século vivermos lado a lado: primeiro como condiscípulos no curso de Direito e depois na actividade política em que comunicámos anseios e corremos juntos, por vezos, os mesmos riscos, como em 5 de Dezembro de 1917.
E foi precisamente para relembrar aqui hoje um triste acontecimento que se liga com essa data de 5 de Dezembro de 1917 que pedi a palavra.
Sim. Sr. Presidente, foi para referir e exprobrar uma vez mais nesta Casa a morte violenta e criminosa do Presidente Sidónio Pais que pedi a palavra a V. Ex.ª que faz hoje 43 anus que na estação do Rossio foi assassinado Sidónio Pais, português de lei, alma de herói, que pôs a sua vigorosa e esclarecida inteligência e toda a sua vida ao serviço da Nação para a redimir e fazer resurgir da «apagada e vil tristeza» a que a tinham conduzido as forças da anti-Nação, que eram já as mesmas que hoje pretendem subverter o Mundo, corroendo o cerne de uma civilização que se alimenta da trilogia Deus, Pátria e Família.
Vozes: - Muito bem!
a Orador: - Foram essas forças de subversão que armaram o braço assassino que pôs termo a uma vida cuja perdei a Nação sentidamente chorou.
E porquê essa morte criminosa?
Precisamente porque Sidónio Pais. elevado à suprema magistratura pelo esforço patriótico e generoso da juventude de então, pretendeu reintegrar Portugal na linha da sua tradição, da sua vocação histórica, única através da qual podia alcançar o progresso e bem-estar social e posição digna na comunidade internacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Foi porque Sidónio Pais se propunha pôr termo às divisões e lutas fratricidas em que a Pátria se estiolava e degradava e pura as quais fora arrastada pela baixa política de grupos, de partidos e do alfurjas, alimentados por ideias exóticas, que. por inadaptáveis ao nosso temperamento, aos nossos usos e costumes, mais não fizeram do que desencadear ódios, provocar mortes e fazer estagnar a vida nacional.
Que a juventude de hoje medite, devidamente informada, sobre estes tristes fastos da nossa recente história política, a que sempre conduz toda si acção que se propõe dividir a família portuguesa.
Que medite e extraia os ensinamentos que comportam.
Hoje, como ontem, serão as mesmas as consequências dessa divisão e arregimentação em grupos e partidos.
Dela não advirá nunca o diálogo construtivo.
Este só pode resultar da unidade de pensamento e de acção, com vista a alcançar objectivos superiores da vida colectiva.
Sidónio Pais, que se orientava e determinava por um pensamento altamente generoso e patriótico, foi sacrificado pela baixa política à qual o País regressou após a sua morte e de que novamente foi arrancado pela Revolução de 28 de Maio.
Um outro professor da Universidade de Coimbra, dessa vetusta, sempre actualizada e gloriosa Universidade, foi trazido por essa revolução nacional para o primeiro posto de comando da vida nacional, a retomar o facho que Sidónio Pais empunhara e com que iluminara para sempre o caminho a percorrer.
Não esqueçamos os nossos mortos. E o seu exemplo que nos alenta e impelia para prosseguirmos em demanda do futuro.
Por isso é justo que esta Câmara, ao iniciar o desempenho do sen mandato, preste homenagem à memória de Sidónio Pais, que nos precedeu e que com o derramar do seu sangue abriu o caminho para a obra de restauração da vida nacional que estamos realizando e em que havemos de prosseguir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao prestar esta tão singela quanto sentida homenagem à memória de Sidónio Pais, seja-me permitido associar nela dois dos mais leais e dedicados colaboradores, que foram nossos colegas nas passadas legislaturas e que faleceram recentemente.
Refiro-me ao major Jorge Botelho Moniz e ao Eng.º Joaquim Mendes do Amaral, a que V. Ex.ª, Sr. Presidente, já prestou devida homenagem, em termos bem expressivos, no primeiro dia do funcionamento normal desta Assembleia.
Página 194
194 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 7
São bem dignos, um e outro, das homenagens desta Câmara e das de todos os portugueses de bua vontade, pelos relevantes serviços que prestaram à Nação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Um e outro, bem novos, tomaram posição na vida pública portuguesa no lado da Nação.
Estiveram sempre na primeira e mesma linha de combate.
Através de todas as emergências e vicissitudes, mantiveram-se sempre fiéis aos princípios ao lado dos quais alinharam ao entrar na vida pública.
Jorge Botelho Moniz, então jovem alferes, esteve desde n primeira hora com Sidónio Pais e os seus cadetes no Parque Eduardo VII, onde, comandando uma bateria de artilharia, com o seu esforço, decisão e natural valentia muito contribuiu para a vitória.
Foi o seu baptismo de fogo e a sua tomada de posição na vida política portuguesa.
Apesar da sua pouca idade - tinha então 20 anos - confiou-lhe Sidónio Pais funções de grande responsabilidade, em que logo revelou as suas altas faculdades intelectuais, que se afirmaram brilhantemente através de uma vida de intenso trabalho, em vários sectores da vida pública e da vida económica.
Firme e desassombrado na defesa dos seus ideais políticos, esteve sempre nos lugares de maior risco, como na revolta da Madeira, na guerra de Espanha e em todos os demais momentos em que foi necessário dar combate às forças da anti-Nação, quer no campo da luta armada, quer no da luta das ideias.
E a propósito seja-me permitido reproduzir aqui as últimas palavras que me dirigiu, após os primeiros acontecimentos em Angola, quando já doente e retido em casa por prescrição médica imposta pela doença a que sucumbiu. Escreveu ele:
Pela primeira vez, desde o meu baptismo de fogo em 5 de Dezembro de 1917, sou espectador em vez de ser combatente.
Esta sublime expansão dá a medida do seu temperamento e do seu patriotismo.
Adversário leal mas irredutível, era generoso e bom.
Não havia lugar para ódios no seu generoso coração.
As suas intervenções nesta Câmara sobre vários assuntos, especialmente os político* e económicos, revelam a sinceridade e firmeza das suas convicções e atestam a sua vasta cultura e experiência económica.
O País e a actual situação política perderam, com a sua morte, um grande e dedicado servidor.
Também o Eng.º Joaquim Mendes do Amaral, através de uma vida dignamente vivida, prestou à Nação relevantes e inestimáveis serviços.
Deputado e Ministro no tempo de Sidónio Pais e na actual situação política, afirmou-se não só um espírito culto e esclarecido, mas também como homem de acção rectilínea e decidida em prol do bem comum.
Como Deputado desde a I Legislatura, aqui teve intervenção na discussão de alguns dos mais importantes assuntos, designadamente dos de ordem económica e financeira, e os respectivos Diário» das Sessões revelam a profundidade dos seus conhecimentos, a lucidez do seu espírito e a independência dos seus juízos.
Tive a honra de ser aqui seu companheiro no tempo de Sidónio Pais e depois nas anteriores legislaturas desta Assembleia Nacional e por isso posso dar testemunho das suas nobres qualidades de carácter, da sua rija têmpera e da sua devoção pela causa pública e pela obra da Revolução Nacional.
A memória de Sidónio Pais, de Jorge Botelho Moniz e de Joaquim Mendes do Amaral, aqui deixo estas palavras de comovida homenagem e de profundo respeito.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Adrião: - Sr. Presidente: a distância hierárquica que existe entre nós é singular motivo (tara me encontrar à vontade, ao dirigir a V. Ex.ª a saudação que devo. Na minha simplicidade e pequenez, o maior elogio, o mais justo louvor, nada podem acrescentar à vigorosa personalidade de V. Ex.ª
E V. Ex.ª o homem íntegro; e, como dizem os livros sagrados, o homem íntegro está sujeito ao isolamento; muitos se afastam porque o temem; mas é V. Ex.ª uma excepção.
Pela formação educativa, invulgar, que possui, atrai os distantes, pura logo os encantar quando se aproximam.
E qualidade fundamental de quem dirige saber despertar a estima e indiscutível respeito, e é esta a derivada da formação e inteireza de V. Ex.ª
Sinto-me feliz e orgulhoso por trabalhar aqui, convicto de que o êxito da nossa actividade será a resultante da orientação prestigiosa e experimentada de V. Ex.ª
Goa é monossílabo suave e poderoso. Pronunciado, repercute, estende-se, multiplica-se, como eco, muitas vezes repetido, e recebido com insistência, inteiramente, a cobrir o espaço, a cumular o tempo.
E sentimos, mais agudamente, o apelo enérgico quando por vital condicionamento à profissão nos unimos em maior intimidade à parcela de Portugal, longínqua no contar dos quilómetros, mas bem perto no coração da Pátria, no valor histórico e no valor do significado espiritual extraordinário do presente. No ensinar, na Faculdade de Medicina do Porto, não esqueço nunca que na mesma língua, no mesmo sentimento fraternal, em sentido unitivo, na Escola Médica de Nova Goa, iguais a mim, ou melhores do que eu, preparam universitários com as mesmas esperanças e anseios, com idêntica formação.
E posso ser testemunha de que, na breve repetição de curso, aspecto formal de determinação legislativa, culminado por dissertação, os médicos portugueses de Goa afirmam as suas possibilidades intelectuais, a agilidade de adaptação do seu espírito, a rápida assimilação dos conhecimentos mais actualizado»; u assumem cargos de responsabilidade, exercem, em metrópole e no ultramar, a sua profissão com noção superior dos valores intelectuais e mirais da medicina.
E alguns ascendem à cátedra, em mérito indiscutível; lembro apenas, pois ligado a antiga Escola Médico-Cirúrgica do Porto, o espírito culto, arguto, de penetração extraordinária, que foi Roberto Frias. Deixou a sua passagem bem marcadada pelo saber, pelo extenso modelo intelectual, pela invulgar competência profissional.
Na cátedra ou junto do leito de doente, diante dos alunos, que n admiravam, desdobrava as possibilidades de vasta preparação, em interpretações delicadas, em ensinam entes sólidos e profundos.
Página 195
15 DE DEZEMBRO DE 1961 165
E, em escol de figuras, destaca-se o vulto inconfundível de Froilano de Melo.
Na sua pequena mas reforçada estatura, de olhos brilhantes estuantes de vida, a madeixa inquieta a cobrir-lhe a fronte espaçosa e lisa, a barba negra a disfarçar o mento projectado em vontade e segurança, Froilano de Melo irradiava inteligência e simpatia.
Deputado à Assembleia Nacional, director da Escola Médica de Nova Goa, professor livre na Faculdade de Medicina do Porto, foi um cientista, do projecção internacional, que todos consideravam e estimavam. E, ainda há pouco, Pacheco de Figueiredo entre nós recebeu as provas de afecto e apreço que os seus méritos impunham.
Mas a Escola Médica de Nova Goa, para além dos homens, acima do valor científico e expressão técnica que revela, representa a inovação de uma cultura de manifestação firme do desejo da comunidade portuguesa, em formação igualitária e fraternal.
Goa, a palavra que repercute em eco - que virá, sempre até nós, em qualquer circunstância, exacerbada, ampliada talvez por explosões destruidoras, pelo uivar de balas a semear mensagens de morte, mas a gritar mais alto que a mentira, a astúcia, o ódio, motivados não pelos homens talvez, mas pela noite apavorante do erro, pela sombra desorientadora de filosofia e doutrina, palavras enganadoras, perversas no verdadeiro sentido, em face das directrizes imutáveis da civilização.
Mas tenhamos a certeza de que a Índia Portuguesa, ou melhor, o Portugal da Índia, será nosso, como nós lhe pertencemos enquanto ao longe, sozinha embora, existe alguém que dirige a Deus uma prece em língua portuguesa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Manuel da Costa: - Sr. Presidente: os valores espirituais e morais não são susceptíveis de flutuação, não podem viver o dia à dia da bolsa, não lêem tabelas de câmbios. Graças a Deus! Pois também os nossos sentimentos de respeito, de admiração, de entranhada amizade por V. Ex.ª não variaram com a sua ascensão à Presidência desta Câmara. Só temos assim de fazer subir até essa tribuna a renovada expressão do nosso apreço, da nossa lealdade, do nosso afecto por quem foi orientador e guia de todos nós nesta Casa, exemplo de serviço, modelo de carácter, mestre de todas as horas na luz das suas palavras e até no significado profundo do seu silêncio. Sr. Doutor Mário de Figueiredo! A luz rasante do hemiciclo ou nessa perspectiva mais alta da Presidência da Assembleia, nada podemos dizer-lhe de novo.
Só lhe podemos dizer novamente quanto o respeitamos e admiramos, quanto nos encanta vê-lo no cimo dessa tribuna, porque V. Ex.ª tem luz de espírito, de inteligência e de coração que chega e é bastante para iluminar nesta Casa as horas sombrias que talvez tenhamos de viver juntos na durarão de um mandato que se não afigura cómodo nem fácil. Deus o ajude, Sr. Presidente, para que V. Ex.ª nos guie e nos oriente pelos caminhos mais lúcidos e mais fecundos do serviço da Pátria e do interesse comum!
Sr. Presidente: somos muitos nesta Casa os quo vão preocupados com o problema ou com os problemas da juventude portuguesa. E ainda anteontem, com alguma paixão e severidade, um jornalista responsável em jornal de específicas obrigações nos chamava ã pedra das lições amargas e duras, a nós, Deputados da Nação e homens políticos, dizendo-nos: «Creiam ou não creiam, é por aqui que está a abrir fendas o edifício da Nação».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Isto queria dizer n significar que lavra violento incêndio no grémio da gente nova portuguesa : já se levantam labaredas altas adentro da Universidade. O autor desse artigo é o Rev.º Doutor Gustavo de Almeida, meu fraternal e enternecido amigo, ilimitadamente solvente no plano espiritual, moral e intelectual da vida portuguesa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ele fala sempre com a paixão da verdade, de quanto diz está informado e esclarecido, do que diz, sabe e põe em fogo de bendita cólera na dádiva total da sua alma e da saúde do seu corpo no acto permanente de serviço em que consome a vida para maior glória de Deus e melhor bem da Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pois, Sr. Presidente, se V. Ex.ª no-lo consentir, em breve uns quantos de entre nós levantaremos a luva férrea, ocupando-nos nesta Assembleia do problema ou dos problemas da juventude portuguesa, que serão afinal os problemas da juventude de todo o Mundo, com seus caracteres próprios, questões específicas e naturalmente certos melindrosos aspectos de ambiente e de conjuntura.
Para já, prefiro voltar os meus olhos e chamar a atenção desta Câmara para aquela fracção sadia de juventude que está de guarnição em todas as fronteiras de Portugal ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -... já soube morrer em Angola e tem o peito feito às balas que não venceram o ânimo de Afonso de Albuquerque nem vulneraram o espírito de S. Francisco Xavier.
Vozes: - Muito bom, muito bom!
O Orador: - Ah! Sr. Presidente, como só nos alarga a arca do peito e se inflama o coração, ao pensar que! nem tudo nas gerações novas portuguesas é fúria desnacionalizante, estupidez de rock and roll ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... ou irrefrenda e ignóbil estúrdia de garotos à solta, incapazes de surpreender e de compreender uma das horas mais dramáticas, mas por isso mesmo uma das horas mais decisivas, da vida da grei portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sem ignorar o mal, recuso-me a aceitar tão negro pessimismo.
Haverá labaredas altas na vida gremial da Universidade portuguesa - eu não digo que não! -, mas há lambem, e para além disso, um fogo mais violento que, aquece as almas dos jovens portugueses do nosso tempo e eles lá estão onde o dever os chama, a cumpri-lo sem condições nem medo, não pedindo meças a quanto» em
Página 196
196 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 7
oito séculos cie glória e de martírios fizeram uma Pátria que é talvez hoje no Mundo a mais combatida só porque o mundo de hoje pretende construir-se na destruição de tudo quanto há de mais sério e de mais sagrado. E que vemos nós na primeira linha da civilização dista, sem abdicação nem covarde, cheios de esperança contra toda a lúdica da esperança do nosso tempo. Pois são jovens de Portugal, que merecem u nosso respeito mais alto, o sacrifício de tudo quanto temos, a doarão de tanto pudermos para tentar agradecer-lhes em nome da Pátria o que à Pátria eles estuo dando sem condições nem limitações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: era minha intenção fazer ontem um apelo ao Sr. Ministro da Educação Nacional sobre alguns aspectos da vida dos estudantes universitários um prestarão de serviço militar. S. Ex.ª o Ministro deu-me tanto convicção de que o caso seria resolvido com grandeza, humanidade e justiça, que julguei inútil e inoportuno o meu pedido. O Sr. Ministro resolveu já o caso, segundo vejo nos jornais da manhã, e se era efectivamente, inútil o apelo, o que não é inútil é o agradecimento, e eu bem confesso que prefiro agradecer u pedir e no caso vertente tão grande era a legitimidade da causa que apelo podia ser efectivamente impertinente.
Em nome dos interessados, cuja petição subjectivei apenas por motivo de justiça, aqui deixo ao nosso companheiro de trabalho Prof. Lopes de Almeida, agora ilustre Ministro da Educação, o mais sentido agradecimento, não porque fez justiça, mas porque fez justiça recta e trigosa, como se diz nos velhos textos, e é essa forma de justiça aquela por que os povos anseiam sempre.
O Sr. Ministro da Educação é professor grande pela ilustração e pela inteligência, é mestre por vocação de alto espírito de notáveis dons de coração. Penso que havemos ainda de pedir-lhe muito em benefício e favor da juventude portuguesa, e não tenho dúvida de que o Ministro vai fazer por eles tudo quanto eu sei de velhos tempos, que anda nos seus anseios de educador e homem público e na sua consciência do governanta responsável.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Henriques Jorge: - Sr. Presidente: no usar da palavra pela primeira vez nesta VIII Legislatura é-me particularmente grato dirigir a V. Ex.ª. Sr. Presidente, os meus respeitosos cumprimentos e as minhas mais rendidas homenagens, e faço-o, não no cumprimento de um mero e protocolar dever de cortesia, mas sim como mais uma sincera manifestação da muita estima que lhe tributo entre os seus inúmeros admiradores e amigos; como sentimento do maior apreço pelas suas elevadas qualidades de carácter e inteligência e pela sua exemplar devoção e causa nacional, que V. Ex.ª tão despretensiosamente vem servindo.
Peço vénia a V. Ex.ª, Sr. Presidente, para a presente ocasião, e ainda por serem estas as minhas primeiras palavras na actual legislatura, aqui endereçar uma cordial saudação a todos os meus ilustres colegas, que tão brilhantemente na Assembleia Nacional representam os sentimentos do País e suo intérpretes das suas aspirações, e exprimir o meu mais vivo propósito de plena colaboração e da melhor compreensão nos problemas em que haja de intervir.
Sr. Presidente: apesar das graves preocupações da hora no atravessamos, não creio que deva esquecer-se o notável engrandecimento de que ultimamente beneficiou a frota mercante nacional, em execução do Plano de Fomento, com a entrada ao serviço de três magníficos paquetes. Foram, primeiro, o Príncipe Perfeito e o Infante D. Henrique, ambos, ambos destinados a resolver o problema do transporte de passageiros para os portos de África, e esse problema deve ficar solucionado do maneira satisfatória, pois trata-se de dois navios rápidos e dotados de todo o conforto, com capacidade, rada um deles, para 1000 passageiros. Foi, por último, o Funchal, iniciativa arrojada a que se abalancem a Empresa Insulana de Navegação, dotando as ilhas adjacentes de um navio digno da carreira que serve e do turismo que procura fomentar, barco igualmente rápido e confortável, que decerto porá termo às dificuldades frequentemente registadas nos meios de transporte entre o continente e aquelas ilhas.
Chamei empreendimento ousado à aquisição do Funchal porque a Empresa, apesar da situação deficitária da carreira, gastou na construção do navio perto de 260 000 contos e há-de contar também com encargos de exploração - inevitavelmente superiores aos do Lima e do Carvalho Araújo.
Essa importância, obtida na quase totalidade por empréstimo do Fundo de Renovação da Marinha Mercante, terá de ser amortizada com os juros correspondentes, donde resultarão, só para esse fim, encargos mensais da ordem de 1 milhar de contos.
A carreira das ilhas adjacentes, como é geralmente sabido, não é uma carreira lucrativa. A abundância de portos de escala, os curtos trajectos entre portos, as deficientes condições de muitos deles, a desproporção entre as cargas de ida e as de volta, as características da economia insular, tudo isso, enfim, são factores que influem desfavoràvelmente nos resultados da carreira.
Hasta notar que o coeficiente de carga nas viagens de volta pouco excede, em média, os 20 por cento, isto é, cerca de 80 por cento da capacidade de carga dos navios da carreira não é preenchida lias viagens da Madeira e dos Açores para o continente.
Assim sé compreende que em 50 anos o total dos dividendos distribuídos pela Empresa tenha sido apenas de 2000 contos, e, pior ainda, que nos últimos anos não tenha havido qualquer dividendo.
E isto explica ainda, por si só a falta de interesse registada pelo aumento do capital da Empresa imposto pela construção do Funchal.
Notas condições, e perante o agravamento da situação financeira da Empresa, causado pela referida construção, duas soluções se ofereciam: ou o Estado se prontificava a subsidiar a carreira, cobrindo os deficits da sua exploração, ou a carreira teria de bastar-se a si própria, pelo recurso a preços de passagens e de fretes suficientemente compensadoras.
No momento em que o Governo tem de fazer face a elevados encargos com a defesa da integridade do território nacional, não parece mostrar-se viável a obtenção de subsídios, que, aliás, se justificariam em tempos normais. Foi mister, por isso, adoptar, como única solução, a do aumento das passagens e dos fretes.
Mas este aumento, por sua vez, não pôde deixar de se processar de acordo com as possibilidades económicas das ilhas e os interesses do turismo.
Página 197
15 DE DEZEMBRO DE 1961 167
Chegou-se, assim, a uma solução que não resolve o problema e simplesmente lhe atenua a gravidade.
E não o resolve porque os aumentos estabelecidos ainda não cobrem o prejuízo da exploração, como, aliás, o demonstram os resultados das duas primeiras viagens do Funchal: uma aos Açores e n Madeira, outra apenas à Madeira. A primeira deu de déficit 1312 contos e a segunda 762 contos.
A situação é de tal ordem que, mesmo com a sua lotação de passageiros completamente preenchida, o navio dá prejuízo, e para o compensar poderia pensar-se, é certo, no recurso ao frete, mas aqui surge de novo a questão das cargas. Já vimos que são muito poucas as cargas transportadas, sobretudo nas viagens de retorno. A entrada do Funchal ao serviço agrava o problema, porque é mais uma unidade a concorrer ao transporte da mesma tonelagem de carga, contribuindo assim para a diminuição das quantidades a transportar por cada navio. Por outro lado, sendo o Funchal essencialmente um navio de passageiros, a sua característica terá de ser a da rapidez, o que não se compadece com a morosidade das operações de carga e descarga em muitos portos insulares.
Daqui resulta, inequivocamente, que o Funchal não pode encontrar nas cargas a compensação bastante para os prejuízos que por força lhe advêm do transporte de passageiros.
Como se vê, o problema da exploração do Funchal é de natureza puramente económica, para o qual, logicamente, só pode haver uma solução económica.
Mesmo que se conseguisse que, em vez da Insulana, outra empresa fosse explorar a carreira, a questão apresentar-se-ia em idênticos termos: ou se alcançavam receitas suficientes de fretes e passagens para cobrir as despesas, ou seria necessário obter subsídios no montante dos deficits verificados.
Não nos podemos esquecer de que o conforto e a rapidez do Funchal, de longe superiores aos do Lima do Carvalho Araújo, legitimam a fixação de preços novos e diferentes e que a entrada ao serviço desse barco representa uma notável melhoria nas comunicações marítimas com os Açores e a Madeira.
Acresce que, se compararmos os preços por milha de navegação praticados em diversas carreiras e em iguais condições de alojamento por navios da categoria do Transvaal Castle, do Egualia, do Empresse of Britain e os do Funchal, verificaremos que os quantitativos deste último são inferiores aos dos restantes.
Compreende-se que a população da Madeira, tal como o dos Açores, aspire a deslocar-se com rapidez, economia, conforto e segurança, e o interesse de todos pelo incremento do turismo insular, para que este constitua, caudalosa fonte de receitas para a economia dos respectivos arquipélagos. Mas não se compreende menos que a indústria dos transportes marítimos não se reconheça o direito, como a qualquer outra actividade, a. uma justa remuneração. Nestas condições, porque se impõe a conciliação dos diversos interesses em causa, daqui dirijo um apelo ao Governo e, nomeadamente, ao Sr. Ministro das Finanças, sempre atento ao interesse nacional e às exigências do bem comum, para que, na medida em que as circunstâncias o permitam, não falto com o seu apoio à solução de um problema que é vital para as formosas ilhas do Atlântico.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. António Burity da Silva: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: seria descabido que focasse neste momento as superiores qualidades morais, intelectuais e cívicas que exornam a inconcussa personalidade de V. Ex.ª.
Outro tanto o seria em relação ao antecessor de V. Ex.ª nesse supremo cargo, em relação ao Ex.mo Conselheiro Dr. Albino dos Reis.
Os altos serviços por V. Ex.ª prestados à Nação e a consagrarão devida quo cies concitaram no espírito e na afirmação do todos os portugueses - de todos, quero acentuar -, quer sujam do Minho ou do Algarve, do Maiombe ou do Cunene -lá dos confins de Angola -, da Zambézia ou de Timor, de Goa, de S. Tomé e Príncipe, de Cabo Verde, Guiné ou Açores (do mundo português, enfim), essa consagração que se eleva das camadas mais modestas do nosso povo aos homens públicos e aos órgãos mais representativos da Nação, a esta Assembleia Nacional, onde predominantemente a magna actividade, orientação e intervenção de V. Ex.ª se processaram em termos que autenticamente significam plena devoção à causa suprema e primeira da Pátria, dispenso-me de mais considerações a tal respeito, além das que neste Parlamento, com propriedade de expressão, com sentido perfeito e com fiel interpretação do sentimento unânime, de todos os portugueses que se interessam e acompanham a evolução política da Nação, se produziram no sentido da mais inteira justiça.
A tal respeito nada mais me cumpre afirmar. Sr. Presidente, a não ser que nós, os portugueses do ultramar, nós que não podemos, intrínseca e extrinsecamente, biològicamente, outra coisa ser do que portugueses, ainda que a muitos pese, porque o somos autenticamente, na integração espiritual e na fusão eugenésica dos caracteres étnicos, na afinidade da língua, de usos, de costumes, da religião e de sentimentos, como o tenho afirmado em todos os actos públicos e desde sempre, como o reafirmei em 1954 em Nova Lisboa, quando da visita do Chefe do Estado a Angola, nós também comungamos no mesmo espírito de consagração dos valores eminentes que representam o escol da nossa representação parlamentar.
A V. Exª., pois, Sr. Presidente, e ao seu também muito ilustre antecessor, Sr. Conselheiro Dr. Albino dos Reis, quero desta tribuna consignar as minhas homenagens e o muito respeito e admiração que lhes são devidos.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: quando, nas labaredas dessa, incendiária fogueira de ódios e de entrechocar dos mais estranhos interesses políticos e económicos dos países que as fomentam e incitam à margem dos mais elementares princípios do direito internacional, se jogam os destinos da Casa Lusitana;
Quando o direito da força se exerce tão deliberadamente, tão impudicamente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... sobre as nossas inteiras, como sucedeu em Angola e agora se repete em Goa, onde a acção agressiva e terrorística da União Indiana toma foros de indignidade no quadro das relações político-internacionais;
Vozes: - Muito bem!
Página 198
198 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 7
O Orador: - Quando assistimos, dia a dia, a uma política de retrocesso no primitivismo da barbárie, que nas eras remotas admitia com naturalidade os ataques e massacres de populações livres e indefesa», perpetrados por povos de maiores recursos demográficos e bélicos contra outros menos favorecidos sol» esse aspecto, ainda que por vezes mais civilizados;
Quando a lógica da força, encapotada em afirmações de paradoxal pacifismo, nos patenteia uma situação da natureza da. que se processa contra a nossa integridade em Goa, em cujas fronteiras se movimentam os exércitos de Nova Deli, acobardados perante as forças chinesas que ocupam ostensivamente algumas zonas do seu território...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... mas pletóricos de ridícula arrogância perante aquela nossa pequena parcela de escassos 700 000 habitantes que a União Indiana, ao sabor de caprichos, pretende anexar (anexar, note-se bem, atitude estranha por parte de um membro das Nações Unidas que teoricamente ali propala o direito de autodeterminação dos povos, mesmo daqueles que, como nós, estão autodeterminados ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -... porque, a despeito da supérflua tese geográfica, posta em jogo para se tentar desmembrar a comunidade portuguesa, é incontestável que as diferentes parcelas da Nação dispersas nas cinco partidas do Mundo representam não só constitucional mente, mas humanìsticamente, o que é mais importante, uma unidade real nos espíritos e no íntimo das consciências);
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quando mulheres e crianças radicadas naquela nossa parcela se vêem obrigadas a abandonar os seus lares cimentados em séculos de vivência, em lances dramáticos que significam a destruição da família e que chocam a nossa sensibilidade, fugindo à sanha, que se pressente, de hordas invasoras e assassinas que lembram as épocas recuadas do vandalismo;
Quando a Pátria se vê ameaçada na sua estrutura de Nação independente s livre;
Perante este estado de coisas, gravíssimo, que a Nação enfrenta, não podia de forma alguma a Assembleia Nacional, pela voz dos seus Deputados, deixar de definir a sua atitude, o seu pensamento, em relação à conjura internacional que continua a processar-se contra a Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
a Orador: - E, com efeito, os ilustres colegas que me antecederem nesse sentido definiram bem a nossa determinação na defesa intransigente e intemerata do património espiritual e material da grei, afirmando-se ao Mundo que entre os portugueses impera, acima de quezílias, o equacionamento necessário dos problemas internos, cuja discussão não descuraremos, uma perfeita consciência nacional, que nos momentos mais graves da história a todos congrega com a maior solidariedade para enfrentarmos juntos, com a coragem e o heroísmo de sempre, as contingências que nos espreitam.
Não há dúvida de que como aliás afirmei no jornal O Planalto, de Nova Lisboa, em Angola, em artigo que ali publiquei em Novembro, o problema de agitação subversiva não é só nosso, pois que se verifica em toda a parte do Mundo onde os grandes blocos imperialistas, os neocolonialistas. afinal, procuram estender o seu domínio económico por todos os meios, assentando os seus monstruosos interesses sobre a corrupção e o crime que instigam e alimentam da forma mais execrável e sob os mais fantásticos pretextos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Atentemos no que se passa com esse território - o Katanga - mártir e heróico, núcleo de cristandade, bem distinto no sentido étnico e nas suas concepções nacionalistas do resto da desmantelada babel que é o ex-Congo Belga.
Com esse território, que visitei oficialmente em Julho do corrente ano, integrado na representação portuguesa à sua primeira feira internacional em Elisa-bethville, e de cujo presidente, que é símbolo de bondade e coerência ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... e com a qual tive o prazer de contactar pessoalmente, recolhi esta mensagem significativa- ao povo de Angola, que publiquei no jornal O Comércio de 29 daquele mês.
Dizia-me o Presidente Tchombé, textualmente, no seu fluente francês:
Quereis exemplo mais gritante? Eu cito o nosso próprio Congo, que devido a lutas raciais e tribais, às violências e depredações de toda a ordem, perpetradas na maior parte do território, oferece ao Mundo um triste espectáculo de desolação, miséria e morticínios sem conta.
Eis porque - acrescentou ainda - nós, os katangueses, porfiamos em alicerçar uma sociedade também multirracial, como pudestes observar (e na verdade assim o verifiquei) em todos os sectores da actividade onde homens das mais diversas raças, hoje sem distinções, trabalham lado a lado para um futuro melhor, pois a Katanga, como qualquer agregado, precisa de técnicos e de homens de valor, não importando a sua cor.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A concluir, o presidente Tchombé, essa figura admirável, pelas suas atitudes e palavras, quis confiar-me a sua, mensagem de sincera amizade por Iodos os portugueses e por Angola, que - disse - tem toda a sua simpatia e ardentemente deseja ver pacificada a retomar o seu superior rumo de uma sociedade multirracial, que se identifica totalmente com os propósitos que animam os katangueses.
Que dirão os campeões teóricos do direito de independência dos povos perante o dramático apelo desse povo que reivindica os seus anseios de independência ?
Como definirmos a atitude da O. N. U., esse órgão instituído para a paz, mas que se identifica pelos seus actos como fautor de guerra?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Página 199
10 DE DEZEMBRO DE 1961 199
O Orador: - Como é possível acreditarmos nas fantasiosas doutrinas que tentam desagregar-nos ?
Por mim, direi como Salazar:
Seja, porém, qual for a evolução dos problemas internos, a Nação é uma herança sagrada e a sua integridade não poderá ser sacrificada a ódios, compromissos, ambições insatisfeitas.
Que o Governo tem o espírito aberto a todas as modificações da estrutura administrativa menos as que possam atingir a unidade da Nação e o interesse geral.
Assim o esperamos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Os nossos soldados, pretos, mestiços, brancos e goeses, de todas as etnias que compõem o agregado nacional, mantêm-se vigilantes nos seus postos, como a todos cumpre, em defesa da nossa integridade.
Para os mártires que já tombaram na voragem da guerra que nos movem (civis e militares de todas as raças), o meu sentido preito de homenagem à sua memória.
A hora não se compadece com tibieza.
Vivemos uma hora de determinação e decisiva que exige, mais do que nunca, forte coesão, e eu sou dos que se convencem de que num mundo como o nosso, feroz no jogo dos interesses materiais, se impõe cada vez mais a unidade nacional pelo reajustamento esclarecido e límpido da nossa sociedade, pois portugueses somos por desígnios de Deus, pela interpenetração dos nossos valores morais, que importa aperfeiçoar, e não o somos por influências estranhas à nossa ética nem por improvisações à última hora.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Desejaria, se as naturais limitações de tempo me permitissem, aqui explanar alguns factos relevantes da história de Angola demonstrativos das emotivas qualidades do povo angolano, da sua psicologia, do seu carácter étnico, factores estes que para se valorizarem e se tornarem progressivos carecem, no entanto, de uma modelação e orientarão, sem deformações, que impulsionem a sua mais rápida evolução, como afirmava certo pensador.
Reservar-me-ei nesse sentido mima futura intervenção.
Tenho por certo, como afirmei há dias aos microfones da Emissora Nacional, que a maioria absoluta do nosso povo, dessa heróica população de Angola, de cujo círculo eleitoral sou um dos representantes nesta Assembleia, coloca o interesse nacional acima do tumulto das ideias feitas, como tem evidenciado de forma iniludível, e que enfrenta com determinação patriótica a política de subversão que por todos os processos procura aniquilar os valores da nossa civilização cristã.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Todos nos dispomos a colaborar, unidos, em face dos inimigo externos que enganosamente, aliciam uns tantos, porque traidores e incautos sempre os houve - cá e lá .º - , na grande tarefa que nos é imposta pelas determinantes de um mundo conturbado por interesses diabólicos.
A colaborar na paz que temos necessariamente de reedificar {tara a solução dos grandes problemas económicos, político-sociais e educativos, cuja aceleração se impõe sob o aspecto evolutivo que se processa no mundo de hoje, e possamos construir um futuro melhor para a geração que nos há-de suceder, traduzido num mais ampla justiça social e elevação de nível de civilização e de vida das populações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Formulo votos para que no caso de Angola, se considere o seu povo aborígene e dele oriundo com a justiça necessária do seu proverbial portuguesismo, que os acontecimentos movidos do exterior as influências deles decorrentes não lograram abalar em relação à maioria populacional, que ainda nestas últimas eleições evidenciou firmemente a sua convicção de unidade nacional ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... pelo interesse patenteado por uma presença expressiva às umas de iodas as etnias que, o lusitanismo no Mundo mantém no seu magnifico conteúdo intrínseco.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nunca será de mais fazer-se essa justiça ao povo de Angola ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... em sua maioria, que deu sem dúvida uma lição ao Mundo de coerência e de unidade, bom digna de realce perante as contingências que atravessamos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:- Que este facto resulte, francamente perante a consciência nacional em elemento restaurador da concórdia, da confiança, de compreensão humanística e da paz ameaçada por influências estranhas, são os votos que formulo desta honrosa tribuna em que me encontro, em ambiente de tão distinta cordialidade, que prazenteiramente registo neste mais alto órgão legislativo da Nação.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito e cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: no limiar de novo capítulo da minha vida parlamentar, quero dirigir a VV. Ex.ªs, em primeiro lugar, as minhas cordiais saudações.
V. Ex.ª sabe, através do conhecimento que nos advém de uma já longa convivência, que aos seus altos méritos tenho sempre procurado render o preito da respeitosa admiração que eles tanto merecem.
Tem V. Ex.ª prestado à Nação os mais assinalados serviços nos muitos e importantes sectores onde se num projectado a sua vigorosa personalidade.
Vozes: - Muito bem!
Página 200
200 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 7
O Orador:- Desde a prestigiada Universidade de Coimbra, cujo claustro de venerandos doutores V. Ex.ª tanto enobreceu, até às cadeiras do Poder e ao depois sempre na mesma incontida ânsia de servir a Nação, tem V. Ex.ª tragado uma rota sem desvios, de que pode muito justamente orgulhar-se.
Agora, na alta presidência da Assembleia Nacional, V. Ex.ª continua ainda a servir, e é para nós, seus companheiros, uma consoladora certeza que V. Ex.ª mais acreditará esta Casa na incontestável autenticidade da sua alta missão fiscalizadora e política, com os fulgurantes dotes da sua inteligência privilegiada e com a preclara magnanimidade da sua abnegada dedicação ao Regime.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É por isso que, ao saudar V. Ex.ª com o maior desvanecimento, lhe venho a afirmar uma inquebrantável lealdade e oferecer a mais decidida cooperação, muito embora saiba que, quanto a esta, a natural modéstia que me pertence restringe necessariamente o valor do meu oferecimento.
Srs. Deputados: quero saudar também muito afectuosamente VV. Ex.ªs e dizer-lhes da satisfação de vir encontrar tantos dos que me habituei a estimar.
Permita-se-me que nessa tão grata saudação destaque o Sr. Conselheiro Albino dos Reis, o ilustre Deputado que tanto tem prestigiado a Assembleia Nacional ao longo de frutuosos anos de intensa vida parlamentar e política, e com quem tive a ventura de servir nas duas últimas legislaturas. O seu valor e a nobreza dos seus exemplos foram aqui merecidamente destacados nas brilhantes orações de V. Ex.ª. Sr. Presidente, e do Sr. Deputado Veiga de Macedo; tomo-as inteiramente por minhas, tanto elas significam e espelham os meus próprios sentimentos.
A todos VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, afirmo o meu desejo da mais franca camaradagem e ofereço a mais leal colaboração em prol do bem comum, colaborarão, aliás, imposta pelo mesmo denominador das nossas obrigações nacionais.
Finalmente, não posso esquecer a palavra de cumprimento que é devida à imprensa, à rádio e a televisão, onde sempre encontrei a mais generosa acolhida no desenvolvimento das minhas funções parlamentares.
Estando incompreensivelmente dificultada a divulgação do Diário das Sessões, cabe a estes valiosos e categorizados mensageiros uma tarefa supletiva da mais saliente importância, a par da que, naturalmente, lhes pertence nu esclarecimento da Nação.
É conhecida e pessoalmente louvada a forma objectiva como as vêm cumprindo, pelo que, ao saudar os seus representantes nesta Casa, cumpro muito gostosamente um indeclinável dever.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: começo a desvaliosa intervenção com quo pretendo iniciar os meus trabalhos parlamentares com os olhos postos na- imperecível e radiosa grandeza da nossa Pátrio, estremecida, sentindo a ansiosa obrigação de deixar aqui, em ligeiro apontamento, a minha profissão de fé.
Quero juntar o palpitar ardente do meu patriotismo ao palpitar ardente do de quantos sabem e sentem, sem tibieza, que, nesta hora, trágica de subversão dos valores que tanto fazem perigar o destino do Mundo civilizado, n nosso destino de portugueses só pode ser o de permanecermos firmes na mais coesa unidade em redor da sagrada bandeira da Pátria.
Esta não é hora de desuniões ou de discussões, de partidarismos ou de ressentimentos.
A voz ansiosa dos séculos de civilização que criámos grita-nos que, perante as pavorosas ameaças que nos fazem, a divisão é o mais abominável dos crimes; tão abominável e tão feio que transcende a própria traição !
O que nos pedem os malditos abencerragens do suspeitíssimo neutralismo?
O que querem de nós os ambiciosos governantes de lautas nacionalidades prematuramente aparecidas, e os cavilosos mentores que os apoiam no organismo internacional, em véspera de vergonhosa bancarrota, seu inevitável destino?
O que poderia aplacar a sua incomensurável voracidade de sensacionalismo e o imoderado sadismo político de que andam possessos?
Pedem-nos, pura e simplesmente, que retalhemos a Pátria e que, por suposta obrigação, lhes entreguemos os bocados ensanguentados a que se julgam com direitos.
No torpíssimo altar da sua maldita cupidez só essa monstruosa imolação os contentava ...
Mas ocorre perguntar: onde haveria portugueses para formarem um governo de Portugal capaz de pagar tal preço e qual a lei ou código que o tornaria legítimo? Em assunto de tal magnitude, qualquer transigência significaria desonra! Nós não cederemos sequer nina polegada daquilo que é nosso por sagrada herança dos nossos maiores.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Espanta e confrange que um qualificado governante de um povo de muitos milhões de almas, do qual só poucos milhares gozam das dignidades da pessoa humana, ainda o não tenha compreendido e se permita o impudor de avaliar assim a sua abominável transigência.
Estará esse governante na disposição de pagar o mesmo preço ao seu vizinho, o contumaz patriarca amarelo do comunismo vermelho, pelo abandono das suas megalomanias territoriais sobre o território indiano?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Que mal conhecem os portugueses e a inabalável força da sua determinação esses potentados do mal ... Nós não cedemos, não transaccionamos, não abdicamos, estas são as palavras que gritamos ao Mundo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A integração na União Indiana de Goa, Damão e Diu só pode ter um preço, e esse é o do sangue generoso dos portugueses largamente derramado. A avantajada potencialidade e poderio da força bélica com que a União Indiana se compraz em nos ameaçar, postos em confronto com os recursos de que efectivamente ali dispomos, lembram a bíblica desproporção da Força do fabuloso Golias, manhoso e colossal, perante a intemerata fragilidade de David ...
Hoje como ontem, porém, a virtude da razão não está do lado da brutalidade da força...
Por isso, se ontem Golias não venceu, hoje Portugal não pode ser vencido!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Página 201
15 DE DEZEMBRO DE 1961 201
O Orador: - Apetece ensinar à União Indiana, e a quantos cobiçam a terra portuguesa, a altiva resposta de um grande português de antanho a um representante de uma potência estrangeira em ocasião de insolente ameaça de invasão de. Portugal por grandes e invencíveis exército: «Muito pode um homem em sua casa, e tanto que até depois de morto são necessários quatro homens para dela o retirarem»!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E se a força houver de prevalecer contra o direito e contra a justiça e formos chamados à luta, tremendamente desigual, cuja iminência nos não aterra, nem perderemos a honra, como tão energicamente já afirmou o Sr. Governador-Geral desses territórios, nem o sangue dos nossos heróis e dos nossos mártires que ficará a regar essas amadas terras do Indico, que trouxemos há tantos séculos para a civilização cristã, consentirá que nelas se apague o seu vigoroso portuguesismo!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - As nações, como os homens, têm uma alma que domina toda a estrutura corpórea ou territorial e que não se apaga com quaisquer amputações. Não fenece nunca, por mais que sofra!
Assim, a alma lusíada que une e fortalece todo o espaço português jamais fenecerá em qualquer parcela de Portugal, qualquer que seja a sua sorte!
O Portugal de hoje será o Portugal do futuro, porque a sua estrutura, que os séculos cimentaram e o nosso génio tem sabido merecer, não pode soçobrar nem perante os apetites iconoclastas, nem perante a maquiavélica insensatez dos senhores deste mundo enlouquecido.
Nós não cederemos e não nos aviltaremos transaccionando a Pátria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Estas simples considerações, Sr. Presidente, as entendi dever fazer nesta hora grave e neste lugar tão representativo para lembrar aos que, transviados embora por funesto sectarismo político, no entanto têm alma e coração de portugueses, que não podem permanecer em retraído alheamento quando a procela tão ameaçadoramente ruge à nossa volta ...
O seu lugar, cromo o de todos os bons portugueses - estejam onde estiverem e seja qual for o seu ideal político -, é agora, lado a lado, no arraial onde se combatem os que renegam a Pátria e os que vivem o desvairamento de aniquilar Portugal.
É que sobre todos nós pesa a obrigação de lutarmos até ao fim das nossas forças numa mesma e única determinação: a grandeza e continuidade da Pátria ...
Só assim poderemos vencer a tormenta o os aguaceiros de cobiça e rechaçar os embates do cúpido materialismo moscovita. mantendo Portugal dentro dos primados da sua maravilhosa história; para nós e para os vindouros.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao terminar este ligeiro apontamento, quero afirmar a minha arreigada crença em que S. Francisco Xavier, que é padroeiro da nossa índia e será sempre o seu governador-geral mais categorizado, intercedendo por Portugal junto do Senhor Deus dos Exércitos, nos alcançará o afastamento da horrível provação que se nos depara e que, por mercê da inspirada, luminosa e abnegada inteligência de Salazar e por mercê de todos os valores morais e materiais de que é feita a nossa Pátria, a gravíssima procela não se desencadeará.
Nas horas difíceis da sua história, sempre Portugal tem contado com a protecção divina, aliás lembrada e agradecida nas gloriosas quinas da sua bandeira. Porque, havíamos então de perder a fé! Meus senhores, com os nossos irmãos da Índia, corações ao alto ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador foi muito cumprimentado.
O Pr. Presidente: - Srs. Deputados: suponho que em perturbar a boa execução do Regimento posso submeter à consideração de VV. Ex.ªs o acórdão complementar da nossa Comissão de Verificação de Poderes relativo ao Sr. Manuel Herculano Chorão de Carvalho, cujos poderes não estavam verificados, por não terem chegado ainda os documentos indispensáveis, Chegaram agora, e a Comissão pronunciou-se do seguinte modo:
«Sr. Presidente e Srs. Deputados: a vossa Comissão de Verificação de Poderes encontra-se já habilitada a propor que sejam julgados definitivamente verificados os poderes de candidato a Deputado pelo círculo de Timor.
Propõe, assim, que sejam julgados definitivamente verificados os poderes do candidato proclamado por aquele círculo, major do estado-maior Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Palácio da Assembleia Nacional. 14 de Dezembro do 1961. - Manuel Collares Pereira, presidente - João Rocha Cardoso - José Pinheiro da Silva - Manuel Tarujo de Almeida - António Marques Fernandes - Armando Cândido de Medeiros, relator».
Submetido à votação, o acórdão foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Proclamo como Deputado à Assembleia Nacional, por Timor, o até aqui candidato a Deputado Sr. Manuel Herculano Chorão de Carvalho. Convido os Srs. Deputados Armando Cândido de Medeiros e Manuel Tarujo de Almeida a introduzirem na sala o novo Sr. Deputado.
Vai passar-se à primeira parte da
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Vamos proceder à eleição das Comissões do Ultramar, do Trabalho, Previdência e Assistência Social e dos Negócios Estrangeiros.
Interrompo a sessão por alguns momentos, a fim de se elaborarem as lisas para a eleição das referidas comissões.
Eram 17 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Fez-se a chamada.
Página 202
202 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 7
O Sr. Presidente:- Convido para escrutinadores os Srs. Deputados Joaquim José Nunes de Oliveira, Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo, Manuel Augusto Engrácia Carrilho, Jorge Manuel Vítor Moita, José Fernando Nunes Barata e José Pinheiro da Silva.
Procedeu-se ao escrutínio.
O Sr. Presidente: - O resultado do escrutínio foi o seguinte:
Para a Comissão do Ultramar entraram na urna 94 listas, tendo sido eleitos, com 94 rotos, os seguintes Srs. Deputados: Agnelo Ornelas do Rego, Alberto Pacheco Jorge Alberto da Rocha Cardoso de Matos, Alexandre Marques Lobato, Aníbal Rodrigues Dias Correia, António Burity da Silva, Augusto José Machado, Fernando António da Veiga Frade, Francisco António Martins, Francisco José Lopes Roseira. Francisco José Vasques Tenreiro, James Pinto Bull, Jerónimo Henriques Jorge, José Manuel Pires, Manuel Herculano Chorão de Carvalho e Purxotoma Ramanata Quenin, e, com 93 votos, o Sr. Deputado Urgel Abílio Horta.
Para a Comissão do Trabalho, Previdência e Assistência Social entraram na urna 94 listas, tendo sido eleitos, com 94 votos, os seguintes Srs. Deputados: Agostinho Gonçalves Gomes, Antão Santos da Cunha, António Martins da Cruz, Armando Cândido de Medeiros, Carlos Coelho, Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo, Fernando Cid Oliveira Proença, Francisco Lopes Vasques, Henrique dos Santos Tenreiro, Henrique Veiga de Macedo, Jorge Augusto Correia, Manuel Homem Albuquerque Ferreira, D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis e Quirino dos Santos Mealha, e, com 93 votos, os seguintes Srs. Deputados: António Gonçalves Faria, António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos, Artur Alves Moreira, Délio de Castro Cardoso Santarém, João Rocha Cardoso, José dos Santos Bessa e Rui de Moura Ramos.
Para a Comissão dos Negócios Estrangeiros entraram na uma 94 listas, tendo sido eleitos, com 94 votos, os seguintes Srs. Deputados: António Tomás Prisónio Furtado, Artur Proença Duarte, Sebastião Garcia Ramires e Tito Castelo Branco Arantes, e, com 93 votos, o Sr. Deputado Alberto Henriques de Araújo.
Pausa.
O Sr. Presidente:- Comunico à Assembleia que a Comissão de Política e Administração Geral o Local elegeu para seu presidente o Sr. Deputado José Guilherme de Melo e Castro e para secretário o Sr. Deputado Augusto Simões.
Vamos agora entrar na segunda parte da ordem do dia: discussão da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1962.
Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: a Câmara, por ostensiva eleição, acaba de colocar V. Ex.ª nesse lugar proeminente e de suma representação, de harmonia com uma opinião insensivelmente formada.
E que os méritos que o exornam desde os bancos da Universidade a todos se impõem de forma indiscutível e estão patentes mais como uma volta na direcção do futuro do que como conclusões a tirar de uma brilhante carreira de serviço nacional.
Lisonjeia-me imenso, assim, que V. Ex.ª sempre me tenha ouvido com atenção e proclamado e corroborado uma amizade que vem de escolares, ambos, das leis e da sua grave ciência.
Vai fazer V. Ex.ª uma falta insubstituível, no hemiciclo onde a sua cultura jurídica e os repentes brilhantes do seu talento esclareciam os problemas, ajudavam às soluções e asseguravam a tomada pronta da via directa e clara.
Peço hoje uma especial benevolência, pois a minha saúde deixa bastante a desejar.
Os meus patrícios, orientados por altos dirigentes políticos, quiseram que eu não desse por findo o mandato contínuo que exercera, melhor ou pior, mas convictamente, desde o alvorecer do Regime.
Tenho dito muitas vezes que se fosse autiparlamentarista não estaria aqui.
Tratava-se de deixar n círculo de Angola - que servira apaixonadamente nas horas felizes e que não poderia renegar na desgraça - e voltar às serras familiares, voltar ao berço e aos seus problemas: sintoma de que eram muitos os anos, como me dizia um deputado inglês.
Não podia dizer que não, apesar dos ditames interiores, tirados da idade, dos trabalhos e dos melindres com que a carreira pública penosamente vem a ser ornada, particularmente no final.
Não podia renunciar ao direito de tomar o público por juiz quando necessário, nem às explicações a que os servidores do Estado que foram colocados em alto plano são por inteiro devidos.
Por outro lado, os factores de inquietação e ansiedade acastelavam-se de tal modo no horizonte, nas minhas andanças por fora da terra, tão pasmosas e obstinadas as insídias, que me pareceu pouco apropriado não dar a prova de convicção em momentos tão difíceis e não trazer uma palavra desafrontada e justa aos debates.
Se havia que prestar homenagem ao chefe que nos tem conduzido sublimadamente pelos caminhos do futuro e ao regime que realizou, no político e no material, obra incomparável e indiscutível - era agora.
Assim regressei ao berço impelido pelo peso dos anos, carregado de responsabilidades, não como o filho pródigo, mas como o servidor fiel que nos planaltos angolanos ou nas serras transmontanas, por igual, descortina as imposições do bem comum.
Os bárbaros batem à porta de Roma o seu estrépito anuncia a depredação e as violências incontidas.
Adensou-se mais a lenda negra, alastrou a baba peçonhenta dos Harris, dos Dufys, agora aumentada dos Holdens. A imprensa do Ocidente, até a dos que colectivamente são nossos parentes, fez do agrado desagrado; da construção, crítica; da observação, verrina; da paz, a guerra; do trabalho e da honra, mercadoria sua.
Jamais um país sério, leal, digno, com nobre dedicação à causa da civilização, terá sido tão vilmente, tão cavilosamente aturado por condutores que fazem lembrar os equídeos de Petrónio.
Alarmaram-se os plutocratas, ávidos de negócios, socorreram-se os pragmatistas do termos e circunlóquios que ostentam uma técnica de divisão de poderes do tempo de Rousseau, excederam-se na sua campanha destruidora os inimigos da Fé, da juridicidade, dos princípios e valores ocidentais, porque tudo quanto seja subversão é da sua lavra, domínio perfeito e instrumento constante.
Página 203
15 DE DEZEMBRO DE 1961 203
Nestes momentos não podemos faltar.
Nestes momentos temos de nos revestir de toda a serenidade.
Nestes momentos - nestes gravíssimos momentos - devemos dar provas de solidariedade e apoio, mas esclarecido, e não louvaminheiro; fundamentado, mas sem imoderação; para que o bem comum seja realizado pelos que facilmente o reconhecem e mais facilmente o perfilham.
Por isso, esta proposta anual merece a nossa aprovação politicamente e também a merece nas suas grandes linhas como irei demonstrar, acentuando que seria deslustroso louvar sem reparo nem conta.
O caso não teve o vulto que lhe foi dado. Levantaram-se alguns milhares, mas também houve bancos onde não se levantou um pataco.
Nada da parte do Ministério, que considera a estabilidade monetária e a impecabilidade financeira um lema de honradez e um padrão de escrupulosa administração, autorizava a atoarda, e, pior que a atoarda, a exploração.
Sr. Presidente: V. Ex.ª viveu como eu a última campanha eleitoral e assistiu aos seus debates financeiros e macro-económicos.
Ouviu como eu os opositores declarados da política nacional.
Quais eram os seus alvitres?
Que safra de medidas salvadoras nos trouxeram?
Com as velas enrugadas, entre os ventos contrários do liberalismo romântico, do socialismo reformista e da planificação total, simultaneamente nos foram propostos:
1.º Redistribuição equitativa do rendimento nacional, de maneira que a distribuição dos capitais e dos créditos obedecesse a considerações demográficas.
2.º Planejamento da produção, da distribuição e do consumo.
3.º Contrôle absoluto (?) dos preços e dos salários.
4.º Mobilização das poupanças, ainda que tom os atractivos de juros e amortizações e sem embargo de, mais adiante, se falar em canalização do investimento.
Não ponho estas medidas em luta com elas próprias e com as vizinhas, nem refiro as questões de princípio que elas envolvem, de que não é fácil obter acordo.
Planejamento do consumo o contrôle dos preços, só para além do muro europeu do desespero é que se encontram verdadeiramente estabelecidos.
Apesar de todas as conscrições regulameutadoras, de todas as ameaças penais e sanções, sabemos todos que estas medidas - sim - desencadeariam levantamentos o expatriação do capitais; e então seria ver como se comportariam os que tão tímidos foram em Março passado.
Vamos ter despesas do guerra, mas com um orçamento normal.
Estas despesas são sempre avultadíssimas, inadiáveis, tão falais como a própria guerra ...
Está em jogo a sobrevivência do ser colectivo, o futuro das gentes e dos territórios, a integridade sagrada da Pátria. E o dinheiro é o nervo da guerra.
Dizia a famosíssima Arte de Furtar: ... «porque este é o nervo que a começa e a acaba. Três coisas lhe são muito necessárias para a vitória e sem elas não trate da batalha porque será vencido: a primeira é dinheiro, a secunda é dinheiro e a terceira mais dinheiro ...».
Portanto, a guerra, há-de ser feita também com dinheiro, porque dele provêm o sustento das Forças militares, armas, abastecimento e provimento para não ser vencido.
Muitas vezes aqui, nesta tribuna, se deixou dito que as despesas militares são consumptivas, só aumentam n procura de bens de corto tipo, escoam para as fábricas estrangeiras enormidade de meios e embaraçam ou desviam da política de fomento.
Assim é que a proposta nem recorre a um orçamento extraordinário de guerra, nem a um orçamento separado das despesas, militares.
Estabelece uma prioridade na satisfação das necessidades públicas, utilizando os processos normais de obtenção de receita.
Serão mais de 2 milhões de contos que se gastam com a sustentação das forças no ultramar.
Tais meios não são porém, perdidos, para além das compras especiais no estrangeiro: animam o circuito, ficam nas nossas terras de África e provocam expectativas nos homens e nos empresários que muito interessam ao futuro da comunidade nacional.
Uma autoridade financeira de Angola afirma que ali as finanças públicas deste ano de guerra terrorista parecem finanças de apogeu e de desafogo.
Porque não um orçamento especial complementar do ornamento ou um orçamento extraordinário de guerra?
Creio que o Governo e o ilustro Ministro das Finanças pretenderam, ao achar que eram sinónimos o equilíbrio financeiro, o desenvolvimento económico social e a saúde monetária, manter os quadros, as técnicas, os instrumentos tradicionais sem afastar-se uma polegada da linha iniciada em 1928.
Na renúncia a um orçamento do guerra e a medidas excepcionais de finanças bélicas, a Câmara creio que descobrirá fàcilmente aquela serenidade, nobreza de comportamento, acção meditada e aquele modelo inteligível de convergência o raciocínio de que falava, há longos anos, Paulo Valery.
Se não foram os problemas, inquietações o compromissos de ordem militar, nenhum capítulo orçamental se revestiria de maior acuidade e significação que este do investimento.
Aqueles representam o desejo colectivo de sobrevivência e o exercício do direito sagrado do defesa da integridade nacional; este esta na origem dos aumentos de dimensão económica, na raiz de uma vida mais útil e abundante, na formação de um capital colectivo rico, em qualquer caso, no acréscimo ambicionável de aumento do rendimento nacional com a sua dose correspondente de bem-estar.
O desenvolvimento processa-se um molde mais lentos que as ambições de governantes e governados, obedece também aos prazos e não é, como tantos ambicionariam, uma revolução de um dia para o outro. Todos os opositores ao Governo o prometem, mas de sons vai cheio o Mundo.
Quando se fala em crescimento económico, os entusiasmos sobem facilmente no horizonte das esperanças, mas a sua política, e técnicas arrefecem pela complexidade e pela análise dos factores e dos resultados.
Tem de investir-se sem forçar nem dirigir por inteiro; tem de investir-se conservando a saúde monetária e o equilíbrio financeiro; tem de investir-se conservando a liberdade de circulação e não empanando os horizontes
Página 204
204 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 7
económicos; tem de investir-se garantindo a estabilidade de emprego e uma justa remuneração do trabalho; tem de investir-se continuando a organização económica e defendendo os preços originários.
Trabalho complexivo, ingente, voltado para o futuro que pertence aos Ministros das Finanças e da Economia e a outras altas autoridades do fomento, como os Secretários de Estudo.
Não é uma revolução e menos ainda uma alta velocidade sem conta-quilómetros.
Por outro lado, os investimentos hão-de ser distribuídos equitativamente como chuva benéfica sobre a produção e a circulação, que deve atingir todos os cantos do território, derramado e difundido criteriosamente.
As nossas cifras são mais relevantes do que geralmente se julga:
(Ver tabela na imagem)
Quero pensar ainda que os números que exprimem o investimento nas terras, quintas e herdades escapam, em grande parte, à inventariação e que o País investe ainda mais do que dizem esses números assim amplificados.
A O. E C. E. classificou os investimentos um não lucrativos, básicos e produtivos.
Mas entendo que haveria vantagem em discriminar ou que multiplicam o desenvolvimento daqueles que alargam somente a dimensão económica, deixando para o fim os de ordem exclusivamente financeira.
A literatura financeira volta-se hoje para a criação de um clima favorável de interesse e de ordenação e para a formação de técnicos e especialistas e para a vulgarização científica como factores morais de crescimento.
O que o Governo tem realizado dedicadamente nas Universidades, Faculdade económicas e no ensino técnico constitui uma afirmação, por si, de melhores dias.
Continua-se, em todo o caso, a falar de reprodutividade e a estabelecer primazia, mas a teoria evoluiu; mais dinâmica, hoje, insere os meios em dois circuitos, onde, por vezes, obtém efeitos tão benéficos como se produção fosse. A industrialização apressada, os resultados brilhantes já obtidos, a percentagem crescente acusada pelas cifras do produto nacional, atestam o poder multiplicador e acelerador dos investimentos realizados.
Pode negar-se tudo. ali a luz do Sol, nas horas nocturnas, mas a formação do capital fixo na energia eléctrica, nas minas, nas indústrias transformadoras, na construção civil e em certas benfeitorias agrícolas atinge porcentagens de quase 17 por cento no produto nacional despendido.
Com harmonização sectorial, maior previdência, evitando a subutilização e o sobreinvestimento, a obra que começa com a Lei de Meios e Orçamento Geral do Estado torna-se árvore majestosa e copada.
O ilustre Ministro das Finanças e os seus colaboradores mais altos e os mais directos estão, neste capítulo, acima de todo o elogio.
O artigo 29.º da proposta, reportando-se aos serviços autónomos que dispõem de receitas próprias e aos fundos especiais, estabelece duas disciplinas - a da Lei n.º 2045, relativa a uma gestão cautelosa, e a do artigo 27.º da mesma proposta, sobre economia de despesa.
Trata-se de normas de alcance saudável, que põem limites bem desenhados à fantasia e prodigalidade dos administradores, certo é e sabido que a disposição de reservas especiais e a autonomia excedente só por acaso é que não levam os gestores a abalançar-se a aventuras e a passar além dos limites de uma administração normal.
A condenação das tendências fantasistas ou pródigas e da fragmentação da vida financeira, levada a cabo pelos serviços autónomos e fundos, está feita com mão de mestre, no incisivo relatório do Decreto n.º 15 465, exactamente o primeiro dos diplomas que reorganizaram as nossas avariadas finanças, no período 1928-1931.
As finanças clássicas, com base na significação política dos grandes princípios orçamentais e numa mais que louvável defesa da capacidade do contribuinte - como que desconjuntada -, eram adversários irredutíveis dessas situações e desses instrumentos a que os mestres franceses chamam contas de ordem.
Mas as finanças públicas modernas, mais tolerantes e na ideia de recolher por toda a parte e realizar dinamicamente finalidades de vulto, dando todavia abrigo aos reparos feitos, condescenderam, revestiram-se de paciência e sacrificaram ao dinamismo das realizações o código dos princípios. Ficaram de tal sorte certas organizações providas de vida autónoma.
Assim o escalracho dos fundos e autonomias, e, o que é pior, a multiplicidade de receitas próprias, desenvolveu-se, alastrou, caminhou às claras e às ocultas, chegando-se assim a números imponentes como eram já em 1953:
12 fundos especiais que prestavam contas ao Tribunal de Contas.
35 fundos que estavam integrados em contas de outras entidades.
Outros 35 nem prestavam contas nem estavam integrados de qualquer forma.
Havia e há de tudo, desde as comissões vomitórias às vendas de cartas, do socorro si náufragos até ao teatro, do Museu Militar até à beneficência pública.
Era tal a messe que só nos correios, telégrafos e telefones havia cinco e na Polícia de Segurança Pública de Lisboa outros cinco, embora integrados iuis contas respectiva».
Não se pode negar que, quebrando desafrontadamente os cânones clássicos, se realizou através deles unia obra despachada, imponente, magnifica, nalguns casos - na marinha mercante, nas casas económicas, nos melhoramentos agrícolas, nos transportes terrestres, nas obras novas dos correios, telégrafos e telefones, etc.
Mas os fundos, mesmo no reino das finanças modernas, atacam a unidade da vida financeira e a unidade da organização orçamental.
Desconjuntam e não deixam saber quanto, na verdade, no fim de longo corredor, o contribuinte vem a pagar.
Página 205
15 DE DEZEMBRO DE 1961 205
Eles parecem uma revivescência dos velhos cofres do velho Erário pombalino.
Representam um regresso a uma vida enredada e fragmentária, dando lugar a critérios de rebeldia e independência dos dirigentes que se traduzem em excessos.
Se, obtidos meios enormes, estes organismos fossem deixados a si mesmos e obtivessem crédito pura ulteriores obras e benfeitorias, ainda estaria bem. Mas não! Apesar de uma vida à parte e de decisões autónomas, quase sempre quando precisam de crédito hão-de comprometer a firma e assinatura do Estado.
Portanto, desde 1950 que se fazem sentir as necessidades de uma, reforma saneadora, disciplinadora e restritiva dos fundos especiais e autonomias financeiras, além das medidas genéricas de saneamento e economia já em vigor.
As reformas decretadas em tempo para a organização da Fazenda, tias suas administrações de valores e bens, as normas complexas que dispõem sobre as suas novas tarefas listão antiquadas, sem adequação possível às actuais exigência.
É assim por toda a parte, e não apenas entre nós.
Tem sido, portanto, um capítulo da ciência financeira, largamente ampliado, o da organização da tesouraria, o do manejo de fundos e valores, o dos serviços novos, em que o Estado aparece com novas facetas de personalidade jurídica, como dispensador, auxiliar, fiador e comparte.
O Tesouro, nas finanças clássicas, era apenas banqueiro do Estado e, como administrador, banqueiro era ainda.
Mas hoje o Estado é accionista de grandes e pequenas empresas. Comparticipa de várias sociedades e organismos. Avaliza e até empresta directamente. Afiança e garante. Financia e dispensa incentivos, auxílios e até favores monetários e não monetários. Excede o sector público e entra no sector privado como coordenador, impulsionador, patrocinante e até como substituto dos empreendedores que não acorrem ou que não se adiam com forças.
E, este um apontamento fugaz, mas pelo que a Câmara conhece da vida real e por esta síntese apressada se pode ver o descomunal trabalho e dispersão de esforços que recaíram, nos últimos tempos, sobre a Fazenda Pública.
Assim, faz-se sentir a necessidade de uma nova orgânica, de simplificar e coordenar as novas técnicas e de dispor de um quadro mais especializado e numeroso onde os chefes de repartição não se condenem no martírio.
Faz ali falta um director-geral.
Já se vê que a disposição mencionada promete, para já, estudos da ordem orçamental e deixa antever que haverá uma reforma.
Como interpretar, porém, o artigo 4.º da proposta?
Parece-me que se podem estabelecer três orientações:
a) A primeira, de que haverá uma disciplina similar à orçamental a presidir aos grandes movimentos de valores e de fundos da tesouraria, quando passarem pelas caixas centrais. Saber-se-á o que sai, prever-se-ão com rigor as grandes sangrias e conhecer-se-ão os movimentos de ponta, de entrada e saída.
Tratar-se-ia de uma reforma acautelada e disciplinadora;
b) A segunda, de que se sujeitarão a regras uniformes as previsões o saídas, os movimentos múltiplos e dispersivos de uma vida financeira fragmentária;
c) Pode pensar-se ainda - e em terceiro lugar - num apanhado da liquidez global para os efeitos da organização, já retardada, de uma contabilidade nacional.
Balancear-se-ão os bens e valores. Dominar-se-ão os seus movimentos.
Portanto, ao lado do inventário económico haverá um inventário financeiro.
Esta medida, qualquer que seja a orientação, acudirá ao estado de retardamento e inadequação em que se encontra a nossa Fazenda Pública?
Não posso responder - primeiro, porque se entra no caminho dos estudos e estes podem precisar o menos, mas também indicar o mais; segundo, porque pode entender-se que só a disciplina global interessa politicamente e que quadros, técnicas e serviços respeitam apenas tão-sòmente ao departamento governativo que os enquadra.
Que medida é esta do orçamento do Tesouro preconizada no artigo 4.º?
Conheço razoavelmente o que têm escrito Pierre Tabatoni e o Prof. Alain Barrère, os quais querem congregar no orçamento novo o conjunto de encaixes e desencaixes, a gestão da dívida pública e as contas de exercício correspondente para se chegar às noções de disponibilidades e de exigências irremovíveis e poder assim fiscalizar os elementos e a sua repartição anual.
Já a Fazenda Pública sujeitava ao regime de pré-aviso discreto as grandes liquidações, porque há quem saque quase inesperadamente mais de uma centena de milhares de contos.
Levar este processo mais longe, aplicar técnicas orçamentais, será alguma coisa de útil e construtivo, mas aquele pilar, aquele grande departamento do Ministério das Finanças, tem ainda outros problemas.
A ideia de previsão anual não soluciona os naturais problemas de escalonamento, preparação e oportunidade das maiores saídas de fundos.
Mas concorda-se que é um passo e um aperfeiçoamento.
Quando estive no Ministério das Finanças inaugurei um sistema que supunha dotado de uma, grande franqueza política.
A proposta da Lei de Meios era explicada de viva voz à Comissão de Finanças e servida 1:0111 estatísticas fàcilmente legíveis que forneciam números, gráficos e séries sobre as situações de interesse.
A minha ideia fulcral era a de colaboração dos órgãos constitucionais e de formação leal da vontade livre da Assembleia. Esta última ficava assim entregue às suas responsabilidades.
E as discussões então aqui produzidas, de 1950 a 1955, inclusive, revelaram níveis de conhecimento financeiro dificilmente atingíveis no Diário das Sessões.
A prática constitucional evoluiu e posso em minha consciência confessar que melhorou nalguns pontos.
Do Ministério das Finanças vieram então estudos minuciosos, longos, exaustivos, que abarcam o conjunto macro-económico e que permitem uma análise cada vez mais minuciosa e um estudo tão sereno como reflectido, profuso em detalhes.
Ele representa um excesso de trabalho para um Ministério onde as horas de besogne não contam, permite sempre unia consulta escrupulosa, fornece uma eluci-
Página 206
206 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 7
dação completa, mas acaba de pôr a Câmara Corporativa em cheque e torna árduo e intrincado e estudo dos problemas nas comissões, que misturam as obras de trabalho e audiência.
A prática inglesa, mais dirigida à síntese do que à análise, merece ser referida, por conter a expressão de um trabalho parlamentar secular.
É distribuída uma brochura branca, eliminada Economic Surrey, de algumas páginas, onde se contém os dados essenciais da situação económica e financeira. Acompanha-a outro livrinho relativo a números orçamentais.
O chanceler do Tesouro produz um spcerh nos Comuns, onde define as grandes linhas de apoio às suas propostas inovadoras.
Claro que o método inglês parece apropriado às praxes estabelecidas nas Câmaras inglesas, onde o número de lordes e comuns se conta por centenas.
Mas o que este ano aconteceu com o atraso do parecer da Câmara Corporativa, distribuído quando o primeiro orador começou o debate, não deve voltar a repetir-se.
A vida política também ganha com as simplificações necessárias, e o parecer não pode ser objecto de estudo de uma comissão em horas que são já as da tribuna.
Nos últimos tempos posaram sobre a situação e, mais ainda, sobre as perspectivas económicas alguns factores contrários até mas unidos nos consequências, que imporia destacar:
1.º Três anos de más colheitas no Sul e dois anos no Norte que as produções de azeite e arroz não lograram recompor.
2.º Uma expansão imoderada do crédito comercial, acompanhada de vendas a prestações e de remessas à consignação e de corrida às importações.
3.º Uma contracção de negócios provocada pela pressão de novos tributos.
Examinarei, por ordem, alguns destes pontos.
Os ilustres Deputados que me precederam deram utilíssimo balanço ao estado em que se encontram as coisas agrícolas, mercê da adversidade do clima, da degradação dos sol da impropriedade, de algumas culturas e de técnicas nem sempre felizes e actualizadas.
Não é desdoiro para ninguém se aderir especialmente, da minha parte, às incisivas e convincentes conclusões firmadas pelo ilustre Prof. Vitória Pires, que me precedeu na tribuna.
A agricultura permanece a irmã pobre, junto de um comércio que se multiplica, de uma indústria que se eleva fulgurantemente e que contribui mais. que qualquer outra para a formação do rendimento nacional, de uma banca ascensional e de um transporte e seguro que, de hora a hora, melhoram técnica e economicamente.
O Estado tem realizado uma obra enorme e o Ministério das Finanças tem sido o seu pilar na assistência à lavoura.
Parte do vigor corporativo e da resistência à crise deve-se por igual a Caixa Geral de Depósitos.
Créditos especiais, financiamentos de benfeitorias, são instalação de formidáveis adegas, celeiros e lagares cooperativos que como no fado os cooperativistas ignoram -, moratórias como as do Decreto n.º 43 831, subsídios, facilidades para adubações; mas tem chegado para valer à irmã pobre.
Os encargos sociais, tributários, camarários e do toda a ordem estão na base dos anos regulares.
E os anos regulares tornaram-se raros.
Um ano mau, um ano de esterilidade, abala profundamente a economia da empresa - é uma tragédia e dá a impressão de que os encargos divisíveis por impostos e taxas excedem a capacidade. Não entro nesta averiguação.
Convém em todo o caso destacar aqui dois pontos.
O primeiro é a convicção que se formou na alta burocracia de que a lavoura não constitui reservas, sem saber que os resultados das colheitas maciças servem usualmente para tapar as brechas dos anos de produção deficiente.
O outro é o mau funcionamento da parte da. assistência técnica, que agora não examino, mas que em países próximos do nosso trabalham com maior intimidade e proficiência.
A contribuição dos organismos de crédito ao produto nacional reveste, a preços constantes, cifras descomunais:
Contos
1938 ................ 275 000
1948 ................ 473 000
1958 ................ 1 008 000
Entretanto, as suas clientes genéricas aumentavam apenas moderadamente a capacidade económica e o potencial dos negócios.
A agricultura e as florestas passavam de:
Contos
1938 ................ 9 252 000
1948 ................ 10 291 000
198 ................ 12 789 000
As indústrias, a despeito da sua brilhante evolução, ficavam-se em:
1938 ............... 8 329 000
1948 ............... 13 048 000
1958 ............... 19 310 000
Também os transportes cresciam no seu contributo para o produto nacional de:
Contos
1938 ................ 907 000
1948 ............... 1 317 000
1958 ................2 339 000
Do comércio menos se pode dizer, por não ser pròpriamente contribuinte do produto e porque as estatísticas o dividem e enquadram em outras rubricas.
Este sim, é cliente avultado dos auxílios e ajudas, que são função da banca ao permitir mobilizar os recursos futuros.
O público em geral também empresta à rede das instituições bancárias através dos depósitos, e daí vem o prolóquio de que quem não tem depósitos não empresta, e quem os tem pode exercer a função correspondente de dispensar crédito.
Em nove anos o desconto de efeitos comerciais deu um extraordinário salto; passou de:
Contos
1951 ............... 25 639 000
1960 ............... 62 778 000
Página 207
15 DE DEZEMBRO DE 1961 207
Claro que, como afirmava o Banco de Portugal, a expansão do crédito mercantil não violentara os preços nem tocara na estabilidade dos valores.
As taxas eram moderada e isentas de flutuações.
Mas, estabelecidos limites legais mais elásticos, o crédito bancário - mesmo contra o aviso de dirigentes bancários prudentes - começou a crescer mais que o produto nacional e a aproximar-se dos seus últimos limites legais.
Alguns dos dirigentes do sector ouviram falar do progresso indefinido e da aceleração do desenvolvimento, tomaram a nuvem por Juno e estabeleceram cálculos em demasia optimistas.
Que traduziu um tal movimento?
Traduziu uma indesejável comercialização da vida portuguesa, com subalternizarão dos sectores activos.
Determinou novas corridas às importações.
Foi obrigada a temperar o curto prazo com renovações e conversões.
Desviou os banqueiros, em parte, dos financiamentos que verdadeiramente interessam, e que são os reprodutivos, impedindo assim a melhor utilização dos recursos aproveitáveis, e devolvendo à banca oficial a responsabilidade e o risco das operações de crescimento, que apenas ali foram feitas através de emissões do papel das sociedades ou do Estado.
Só com laboriosas análises se pode saber onde pára o open market, que é hoje lado essencial para focar as situações.
De resto, o credito mercantil distribui-se irregularmente:
Lisboa descontou quase metade em 1960.
O Porto seguiu-se logo.
Ficou para a província e para as ilhas apenas um terço.
Que tristeza!
Ou os negócios estão anormalmente concentrados ou nada se faz neste país sem vir a Lisboa e ao Porto.
E não era isto apenas.
Só por letras de mais de 500 contos se levantaram 13,5 milhões de contos, e o número destas letras também era descomunal.
Mas, entretanto, faltaram as sobras da balança de pagamentos, contraíram-se os depósitos, houve novas transacções e pagamentos a fazer com naturais exigências, e, embora a moeda legal e escritural fosse levada para mais, sente-se a falta de meios, que só o crédito por redesconto compensa.
Felizmente que as taxas de juro subiram muito ligeiramente, não houve inflação de preços e também não houve rotura de equilíbrio entre os compartimentos fundamentais de economia produtiva, o que deve ser levado a louvor dos dirigentes das nossas finanças.
Portanto, a forte expansão do crédito não deveria dirigir-se apenas ao desenvolvimento dos estabelecimentos e armazéns o a criar estados de oportunismo e de facilidade nas importações.
A exportação continua, porém, a ver dificultadas as suas colocações.
A produção tem de dirigir-se aos institutos oficiais, e o mesmo vai acontecendo à indústria, quando precisa de praticar o médio prazo.
No amortecimento das crises e na defesa das crises - e não nos iludamos com a ideia de um progresso continuado -, é sobretudo a Caixa Geral de Depósitos que, corajosamente, ajuda a vencer as dificuldades dos que se vêem mais atingidos.
Portanto, voltando aos primeiros passos, não terão sido abandonados critérios selectivos e nem parecem convenientes as contracções na vaga depressiva, mas a enormidade do desconto, quase 70 por cento do produto nacional, embora divisível por três ou quatro fracções do ano, mostra, além da falta de instituições livres especializadas, propensões que não são as mais úteis para os fins de desenvolvimento.
Francesco Vito começa por referir-se aos inúmeros alvitres de uma banca mista capaz de oferecer auxílios a longo prazo às iniciativas industriais e às empresas que deles precisassem.
Parecia-lhe que se devia fugir a isso, porque a estrutura do crédito é um complexo de resultados históricos, e não uma técnica de organização.
Reconhecia que na literatura se formara um padrão definido, a que correspondiam bancos como os do México e da Turquia, que o legislador português em boa hora adoptou como Banco de Fomento.
Tratava-se de acelerar o desenvolvimento, colaborar com a banca comercial, tanto na constituição como no funcionamento, recolher capitais para o longo e o médio prazo, promover iniciativas e manter um grupo de estudos para se pronunciar sobre a conveniência e a economia.
Esta ideia podia revestir várias modalidades, retomar os critérios de banca de produção, dirigir-se ao fomento ultramarino, adequar-se mais às operações de progresso técnico.
O novo banco, que o I Plano de Fomento previra apenas simbolicamente, tinha diante de si larga tarefa - seleccionar iniciativas, graduá-las, proporcioná-las, recolher grandes meios, porque tudo parece pouco, e evitar a hospitalidade dos moribundos ou dos doentes crónicos que n pretexto de fomento quereriam uma roda de enjeitados.
O Banco de Fomento nasceu em boa hora, sob um signo benigno, e são já apreciáveis os números que mostram os financiamentos industriais na metrópole, os da indústria e agricultura no ultramar, a tomada de acções, obrigações e títulos.
Organizados os seus altos quadros por delegacias, apresenta assim a evidência de apoios grandemente substanciais e de experiências naturalmente judiciosas, mas revela posições por certo correspondentes à diferente origem dos seus componentes.
As hipotecas que abrangem créditos a largo prazo, garantidos por imóveis de natureza diversa, quase que não cresceram:
Contos
1946 ................. 12 451
1960............... 14 580
mas a dívida hipotecária, essa é que aumentou - passando de 896 188 contos para 2 599 263 contos, contrariando assim o rumor atirado ao público dotado de credulidade, que o capital agrícola se engolfara em hipotecas.
Todavia, a acentuação - a acentuação apenas - da dívida hipotecária começa apenas por 1958.
Até aí o seu crescimento parecia normal.
Onde se localizam os prédios?
Pela ordem: em Lisboa, Porto, Santarém, Setúbal, Ponta Delgada ...
Portanto, primeiramente nos grandes centros urbanos e só depois nos cantões rurais, o que faz supor que os proprietários urbanos são os primeiros a utilizá-lo.
Página 208
208 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 7
Muito se fala na dívida hipotecária do Alentejo. A verdade é que somando os três distritos se chega a 79 231 contos, o que corresponde ao valor venal de algumas grandes herdades.
O que eu disse aqui na tribuna quando o déficit da balança do pagamentos andava apenas por l70 000 contos podia ser repetido agora ipsis verbis.
O saldo negativo atingiu agora cifra descomunal, revela uma balança comercial mais desequilibrada ainda e não dispõe do poder de recomposição necessária, resultando daí queda das reservas de numerário dos nossos bancos.
O relatório não enfrenta soluções.
Fica-se com a impressão de que ainda é cedo para tomar medidas e tirar o ponto no meio dos acordos internacionais, conservando-se assim a plenitude de movimentos.
A teoria da balança de pagamentos vai-se aperfeiçoando nos últimos tempos devido aos estudos de Meade, Heilperin, Barnèrias, Chung Chang, Robbins e outros, no sentido de haver no Mundo equilíbrio de interesses, não se perder a elasticidade interna e facilitar os investimentos internacionais para industrialização e mecanização da agricultura.
O problema reclama mobilidade do trabalho e do capital, poder de reconversão, autodisciplina, empreendimento a baixos custos, elasticidade, enfim, autodisciplina que todos entendam.
Estamos muito longe dos limites assinados pelos teóricos Harris, Moulton, Hansen e Laufenburger à dívida pública, constituída esta para os fins e efeitos de crescimento económico, a qual poderia ascender até 1,5 do rendimento nacional líquido.
O Estado continua mais do que solvente, dada a sua moral administrativa, a sua apertada gestão, os seus bons propósitos de honrar compromissos e de não aplicar senão o mais judiciosamente possível.
Sem os optimismos do judeu português Isaac Pinto, e não obstante o desequilíbrio momentâneo da balança de pagamentos, o poder de produção, a alta do produto nacional, a formação facilitada do capital e a seriedade e eficiência da máquina administrativa estão-nos dizendo e assegurando que a capacidade de endividamento permanece intacta.
Existe, sim, patente e indisfarçável, uma crise de liquidações.
Uns não pagam, outros, ainda que poucos, jamais pagarão, outros tardam em pagar, arrastando-se os pagamentos.
O poder de compra sofreu um rombo, caminhou para o ultramar ou contraiu-se. Sente-se isso nas liquidações.
Letras e mais letras. Protestos. Liquidações parciais. Reformas. Ampliações de crédito com juros atrasados.
Queixam-se os que não recebem ou que recebem fracções e queixam-se os que não podem pagar.
Alguns quereriam, como remédio pronto, uma pequena inflação de meios que lhes parecia salvadora, uma inflação de via reduzida.
Mas seria um anestésico.
Outros, novos e novos créditos.
As duas propostas são contrárias.
Manobrar o desconto e o redesconto através das suas taxas, proibir as vendas a prestações?
Se adoptarmos uma política corajosa de manipulação monetária, é certo e sabido que a estabilidade monetária, já proverbial entre nós, ficará abalada de cima a baixo.
Só as autoridades monetárias estão em condições de enfrentar a crise de meios e de cumprimento das obrigações pela exactidão dos prazos e termos. Entre a política do nosso banco emissor e, por exemplo, a do Banco de Inglaterra há diferenças salientes, com vantagens e desvantagens.
Aqui ficam as observações, se não a indicação genérica do problema.
Sem aderir à inclusão de um imposto sobre as transacções de molde americano, que os Americanos não suportam, devo destacar com interesse a descida de percentagem do imposto indirecto, a qual revela uma tendência política justa, saudável e de alta preocupação social.
Esperemos que essa política seja levada mais longe e corresponda a aperfeiçoamentos e equilibrações desejáveis no nosso sistema organizado.
Pela leitura do relatório fica-se a saber que está em marcha a organização jurídica da tributação das mais-valias.
Mais de uma vez tem sido a matéria objecto de considerações desenvolvidas nesta tribuna, como sendo uma franca exigência da justiça tributária, origem de dificuldades técnicas e objecto de uma repartição embaraçosa entre a competência geral e a competência local.
Que é uma mais-valia?
Um aumento no valor capital, extraordinário, inesperado mesmo; não regular nem periódico.
O público e a Representação Nacional conhecem e sentem o problema através de cifras, que se apontam de forma clamorosa.
Os ganhos excepcionais por vendas de terrenos para construção, os traspasses, as chaves de estabelecimentos, as transacções de construções acabadas, a negociação de lugares de venda, de licenças de táxi, tomaram proporções incontidas e são recebidas com protesto pelos que trabalham, agenciam e ganham normalmente.
Portanto, a mais-valia, que é um princípio de tributação usual, desde as medidas tomadas por Lloyd George há algumas dezenas de anos, vem sendo atribuída à marcha da civilização, ao urbanismo, à mistura algumas vezes com atitudes especulativas.
E se assim é, parece que essa ampliação da capacidade de pagar o imposto deve ser posta ao serviço de todos, e não apenas circunscrita ao perímetro local.
Portanto, bradam aos céus as mais-valias pela sua desconformidade, porque só o fortuito da civilização as provoca, e mais brada que o fisco, sempre incisivo e pesquisador, cruze os braços e vá buscar a uns o que parece necessário e abandone aos outros o favor incrível dos acréscimos de capital não ganhos.
Este assunto levar-me-ia muito longe, mas darei apenas um exemplo para a Câmara fazer uma ideia substancial: terrenos que o Estado cedeu gratuitamente, e que os concessionários talharam por largo, nos arrabaldes de uma grande cidade, ultramarina, são vendidos a mais de 80 contos o hectare.
Já aqui foram postos muitos casos por igual gritantes e sugestivos.
Ora bem: a teoria dos aumentos inesperados de capital processa-se em moldes delicados; e mais delicados parecem os processos de tributação depois de examinada e solucionada a partilha de competências entre o Estado e as câmaras.
Ou se considera a mais-valia como uma fonte produtora de novos rendimentos, e, portanto, a sua entrada
Página 209
15 DE DEZEMBRO DE 1961 209
inesperada provoca agravamentos no processo de tributação do rendimento, ou, onde existe uma tributação de capital, se recorre à mecânica específica deste para a sobrecarregar.
Não temos impostos de capital a não ser no aspecto de circulação, por morte, por vida, por transacção, e também aqui teria lugar. Mas será sempre muito mais fácil apanhar a mais-valia na tributação do capital.
Desairosamente esta corta as raízes em vez de podar os ramos, estagna as fontes, e merece bastante reprovação.
O imposto sobre o capital confisca, não indemniza das menos-valias e é contrariado pelas novas ideias de crescimento económico, que protegem e incentivam a formação de capitais.
Assim, a questão das mais-valias é uma grave questão e põe-se constantemente à consciência dos dirigentes financeiros, mesmo daqueles que querem promover e desenvolver, em vez de socializar e conscrever, e terá a sua base mais próxima na tributação usual dos rendimentos e do rendimento global.
Pelo artigo 8.º da proposta tributam-se extraordinariamente os sobrelucros resultantes de um regime de concessão, de um regime de exclusivo ou de privilégio de facto de 100 contos para cima.
Basear-se-á esta imposição extraordinária em medidas uniformes de escrita, declarações e contrôle eficiente.
Trata-se de uma tributação especial, cujos resultados se consignam à defesa e valorização do ultramar.
É o que tècnicamente se chama receita consignada, resultante de uma contribuição especial - instrumento vivo de colecta de meios, teoricamente discutível, porque contraria o carácter anónimo do imposto, mas cuja finalidade especifica o absolve e justifica aos olhos de todos.
Era fatal.
A manipulação de taxas elevadas, o agravamento rápido da pressão tributária, as avaliações feitas por cima, o escalonamento progressivo mais acentuado, as fixações de valor, feitas com frieza, em anos aziagos, levantam a autodefesa do contribuinte e não reprimem o intuito, aliás natural, de aliviar ou iludir o seu peso.
Actos jurídicos, tais como vendas, doações, trocas e outros negócios de direito civil, dando lugar a novas posições, vão sendo feitos sem que as leis sejam violadas e sem qualquer deslealdade do devedor do imposto.
O contribuinte afirma apenas que não pode aguentar com tanto peso.
Não pode, porém, o fisco saber menos do que todos sabem, mas também custa a crer que lhes dê total acordo e que os seus agentes se desinteressem das fugas, depois de tão severamente castigarem a matéria visível.
A p. 120 do relatório o ilustre Ministro das Finanças retoma os critérios de moderação como sendo os mais facilmente produtivos.
Portanto, a vida marginal desencadeada por novos negócios jurídicos pode ser combatida como evasão legal, não inteiramente legítima, mas também pode ser chancelada como reconhecimento de que, de momento, o fisco vai recebendo adiantadamente e deixará a novas situações e a futuras fiscalizações palavra mais severa.
Sr. Presidente: ocupei com demasia o espaço de tempo que me é facultado e esgotei por certo a paciência de V. Ex.ª
Mas tinha de fazer a panorâmica financeira, o bosquejo dos seus pilares jurídicos e traçar algumas observações que se me afiguraram de interesse construtivo.
Acompanho o Governo nos seus trabalhos e responsabilidades, dei ao Ministério uma colaboração superior às minhas forças, desvanece-me e admiro a serenidade política com que esta proposta traça novos rumos, numa hora que os inimigos da honra e da fazenda do povo português não só deram as mãos mas empunharam as armas - todas as armas sempre envenenadas!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ulisses Cortês: - Sr. Presidente: como acto prévio e indeclinável das considerações que vou produzir, cumpre-me endereçar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, as minhas saudações e os votos de prosperidades no exercício da elevada magistratura em que foi investido por significativa votação desta Assembleia. Faço-o com singeleza e sobriedade; os altos méritos de V. Ex.ª dispensam homenagens e a sua modéstia sofreria com elas. Não posso, todavia, sem omitir o preito devido ao seu sacrifício, deixar de lhe reiterar neste momento o testemunho da minha admiração e do meu respeito, sentimentos que, afirmo-o com segurança, são partilhados pela unanimidade da Assembleia.
Continua, inscrita na ordem do dia a apreciação na generalidade da proposta da Lei de Meios para 1962.
Não me cabe apreciar a forma como tem decorrido a discussão parlamentar, nem para tal posso arrogar-me a necessária qualificação, mas talvez não constitua impertinência acentuar que, apesar das condições de desfavor que a caracterizaram, ela se tem mantido, pela sua elevação e brilho, à altura das honrosas tradições desta Casa.
Como nos anos anteriores, o trabalho legislativo foi facilitado pelo relatório que precede a proposta - documento notável pela riqueza dos elementos estatísticos, pelo rigor da análise, pela solidez da fundamentação e pela seriedade das medidas propostas. Através deste relatório tomou a Assembleia conhecimento dos dados essenciais referentes à evolução económica nacional, a qual, no ano em curso, parece poder sintetizar-se assim: marcha ascensional da economia, traduzida em taxas de crescimento do produto nacional, que se situam entre as mais altas obtidas até ao presente; depressão acentuada da actividade agrícola; rápida e ampla, progressão registada na produção industrial; acréscimo relevante no sector dos serviços e particularmente nas suas parcelas mais representativas. Referir-se-ão ainda, como factos dignos de anotação e relevo, a execução satisfatória do Plano de Fomento e as condições gerais de estabilidade económica, expressas no nível dos preços, onde se não observam pressões inflacionistas, não obstante o aumento da procura interna e, designadamente, a alta dos salários.
A despeito dos seus elementos favoráveis, o quadro anteriormente traçado, em rápida e imperfeita síntese, comporta também algumas sombras. Efectivamente o déficit das permutas comerciais com o estrangeiro manifesta um inusitado agravamento: a balança de pagamentos reflecte esta situação através de um saldo negativo de apreciável amplitude: a posição cambial revela igualmente deterioração sensível; e, em conse-
Página 210
210 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 7
quência destes factos, observam-se graves incidências no sector da moeda e do crédito. A contracção do volume global da moeda em circulação, as alterações na sua composição e a diminuição da liquidez bancária, com a consequente redução da capacidade prestamista do sistema de crédito, constituem índices elucidativos da delicada situação a que se chegou neste domínio.
Apesar destes factos e da tomada de consciência que eles exigem não estamos felizmente perante um estado de coisas irreversível; bem ao contrário começam a divisar-se claridades e sintomas de melhoria, que a acção do Governo e o próprio comportamento sazonal da balança de pagamentos podem transformar em gradual movimento de recuperação.
O facto, de resto, não é inédito no País. Situação semelhante se verificou no triénio de 1947 a 1949, em que os deficits da balança de pagamentos somaram cerca de 8 milhões de contos e as perdas cambiais atingiram, por sua vez, elevado quantitativo. Contudo, mercê das providências tomadas, a situação encontrava-se restabelecida quatro anos depois e a posição de divisas do País ascendia em 1959 ao mais alto nível alguma vez alcançado. Cumpre, todavia, não abstrair de que as circunstâncias não são inteiramente paralelas e sobretudo não esquecer que o factor preponderante da situação presente reside na evolução das trocas externas metropolitanas, onde a estagnação das exportações, acompanhada de um acréscimo desmesurado das importações, originou uma situação de grave desequilíbrio, sobre cuja análise não quero deter-me, mas que constitui motivo de intensa preocupação.
Perdoe-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, mais algumas considerações, as quais constituem, todavia, introdução necessária e premissas impreteríveis das conclusões para que me dirijo.
No domínio financeiro julgo poder salientar a eficiência e oportunidade das medidas tomadas no ano em curso, dentro de uma orientação económica e fiscal a que não posso deixar de exprimir a minha adesão. Ante os trágicos acontecimentos de Angola e as imposições da defesa nacional o Governo reagiu prontamente, através da publicação do Decreto-Lei n.º 43 763, que, visando a obtenção dos recursos necessários à conjuntura criada, procurou repartir os sacrifícios com equidade e sentido social, recorrendo às fontes tributárias mais aconselháveis, procurando orientar os rendimentos segundo os critérios da melhor utilidade nacional e salvaguardando a estabilidade económica e o custo da vida, através da manutenção dos preços essenciais. As medidas constantes deste diploma não só preservaram o equilíbrio financeiro, como criaram os meios necessários para enfrentar vitoriosamente, no seu impacto inicial, uma das mais graves crises nacionais.
Mas os esforços feitos, os sacrifícios exigidos, são ainda insuficientes; há vitórias a consolidar, tarefas urgentes a empreender, perigos graves a enfrentar ou a prevenir. A proposta da Lei de Meios integra-se no condicionalismo que define a actual emergência e procura dar satisfação, dentro de uma hierarquização conveniente, às mais imperiosas exigências do momento histórico que atravessamos.
Quer isto dizer que o programa financeiro para o próximo ano assenta fundamentalmente - e não podia deixar de assentar - numa escala de valores, donde emerge naturalmente um sistema de prioridades - sua lógica ilação. Nela se estabelece, com efeito, a precedência dos encargos com a segurança e defesa territorial da Nação, de forma a acautelar o nosso património histórico e os nossos direitos seculares. Procura também harmonizar este imperativo com a continuidade do esforço de crescimento económico, que constitui necessidade instante e objectivo irrenunciável. Admite ainda a possibilidade de execução de programas elaborados à margem do Plano de Fomento e de realização de outros dispêndios extraordinários, de harmonia com uma ordem de urgências claramente definida e visando múltiplos investimentos de elevado interesse económico, social e cultural. Não desejo pormenorizar, mas não parece legítimo omitir uma referência, ao menos enunciativa, às realizações previstas no que respeita a fomento económico, saúde e assistência, educação e cultura, política e bem-estar rural, e intensificação da construção de habitações para funcionários públicos, civis e militares.
O esforço empreendido neste último domínio reveste-se já de notável dimensão e documenta persuasivamente as preocupações sociais do Governo.
Para ocorrer a este esquema de acção, tão vasto no seu delineamento, torna-se evidentemente necessário, além de uma política de rigorosa austeridade e da mobilização de recursos extraordinários, de origem interna e externa, pedir à Nação novos esforços, de modo a assegurar as formas de financiamento mais convenientes e a não pôr em causa a estabilidade financeira, que representa, agora mais do que nunca, dado imutável e aquisição que não pode delapidar-se.
Com este objectivo anuncia-se na proposta a próxima publicação dos Códigos da Contribuição Predial, da Contribuição Industrial, do Imposto sobre a Aplicação de Capitais, do Imposto Profissional e do Imposto Complementar. Através destes diplomas, cujas grandes linhas de orientação foram expostas em anterior relatório, procura o Governo actualizar e aperfeiçoar o sistema fiscal, tendo especialmente em vista a sua adaptação às modernas concepções da actividade do Estado e ainda os ajustamentos, que se impõem, aos condicionalismos criados pelo movimento de integração europeia e pela progressiva unificação do mercado nacional.
A reforma tributária - aspiração de tantos anos e instrumento indispensável de reestruturação da fiscalidade - vai, pois, ser uma realidade próxima que cumpre saudar com aplauso, não só pelo que representa de avanço no domínio das novas técnicas financeiras, mas ainda pelos horizontes que abre em tantos aspectos da vida nacional.
Enquanto se não publicam, porém, os códigos em referência, adoptam-se, a título transitório, as providências constantes dos artigos 6.º a 14.º da proposta de lei, isto é, mantêm-se substancialmente em vigor as disposições do Decreto-Lei n.º 43 763 e criam-se novas receitas, de características adequadas às necessidades a satisfazer. Destacar-se-ão, entre elas, a tributação das mais-valias, a elevação da contribuição industrial em relação a alguns grupos de mais largos rendimentos e a criação de um imposto extraordinário para a defesa e valorização do ultramar, a incidir sobre as empresas que explorem concessões de serviço público ou exerçam a sua actividade ao abrigo de regimes excepcionais.
Não obstante as novas onerações impostas aos contribuintes deve reconhecer-se que os critérios fiscais adoptados na proposta, além de moderados nos agravamentos e restritos na incidência, se enquadram nos melhores princípios da técnica tributária e nas normas de justiça que devem informá-la. Efectivamente, segundo as previsões, a carga fiscal global, não obstante a sua elevação em números absolutos, não deve aumen-
Página 211
15 DE DEZEMBRO DE 1961 211
tar a sua posição relativa em face da presumível evolução do produto nacional. A confirmarem-se as estimativas, o ónus tributário total não excederá de modo significativo os coeficientes registados nos últimos anos, onde, aliás. vinha a observar-se uma tendência de decréscimo. Verifica-se, pois, que, a despeito das duras realidades do presente e das incertezas do futuro, a extensão dos sacrifícios, embora ampla, não tem ainda medida comum com as possibilidades nacionais e os imperativos do dever.
No que toca à relação entre os gastos de administração e a despesa global há que esperar, no próximo exercício, uma elevação apreciável e, possivelmente, uma alteração na estrutura dos encargos extraordinários relativos aos últimos anus. Embora traduzindo ainda um grau moderado de redistribuição do produto colectivo, através do orçamento, aquela relação caracterizava-se, ultimamente por um acréscimo acentuado, devido sobretudo à intensificação dos investimentos públicos, destinados a acelerar a expansão económica nacional. A primazia concedida às despesas militares e de segurança e o oneroso quantitativo a que devem ascender poderão influir na linha de evolução que vinha a desenhar-se e que só traduzia em salutares incidências na execução dos programas de desenvolvimento.
Mas será assim?
Ou, pelo contrário, poderá a acção de fomento económico prosseguir ao ritmo desejável, em simultaneidade com os encargos de defesa da Nação?
Nesta pergunta - a que só o futuro dará resposta - está implícita a expressão da nossa angústia.
Outro aspecto há ainda a analisar e que considero de fundamental importância para a determinação do alcance da proposta e dos seus essenciais princípios orientadores. Quero referir-me às repercussões dos novos impostos, que constituem, como se sabe, assunto de extrema delicadeza, pela sua interconexão com aspectos basilares da actividade económica e da própria vida social. 0 problema - cabe registá-lo com apreço - foi objecto de atento exame e de judiciosa ponderação. Anotar-se-á, especialmente, além de outros aspectos já focados, a preferência dada, sempre que possível, às tributações não repercutíveis e o propósito de não exceder, no doseamento da pressão fiscal, a medida do justo equilíbrio, de modo a não comprometer os consumos indispensáveis nem estancar a formação de capitais - condição necessária ao progresso do País. Perfilho inteiramente o que a este respeito se escreve no parecer da Câmara Corporativa ao acentuar que uma das características de maior significado da proposta é a de não afectar, ou afectar na menor escala, as fontes originárias de propulsão do crescimento económico.
Debruçar-me-ei agora, rapidamente, sobre as principais conclusões na especialidade formuladas pela Câmara Corporativa.
Para além de alterações de carácter puramente formal, que à Comissão de Redacção cumpre ponderar, as sugestões formuladas situam-se fora da ordem financeira e dizem apenas respeito a um número reduzido de disposições constantes da proposta. A primeira dessas sugestões refere-se à transferência dos preceitos dos artigos 29.º a 31.º para diplomas de aplicação permanente, dada a natureza do seu conteúdo. Há que reconhecer a procedência da razão invocada, mas cumpre igualmente admitir a relevância dos motivos que determinaram a sua inserção na proposta. A publicação dos diplomas em referência constitui, sem dúvida, iniciativa acertada e útil, mas de demorada e laboriosa realização, não convindo, por isso, relegar para futuro indeterminado disposições que pelo seu alcance, exigem execução imediata. Parece, assim, dever considerar-se o alvitre da Câmara Corporativa como a emissão de um voto de aperfeiçoamento legislativo, a considerar, como pertinente, em oportunidade adequada.
Em referência à modificação proposta para o § único do artigo 7.º não posso, por mim, tomar posição nítida na matéria. Se a lógica tem alguns direitos, e se à solução dos problemas têm de presidir critérios coerentes, afigura-se que, não havendo motivo para a tributação, em contribuição industrial, dos grémios da lavoura, devem estes gozar de igual isenção relativamente ao imposto de licença de estabelecimento. A sujeição a este imposto só pode justificar-se na medida em que se revele inconveniente cercear as receitas dos municípios e tornar, assim, mais gravosas as dificuldades financeiras em que se debatem. A Assembleia, a ser perfilhada a alteração da Câmara Corporativa no sentido de autonomizar o disposto no § único em relação à doutrina do corpo do artigo, terá, pois, de decidir, pesando, devidamente, a validade da argumentação aduzida por aquela Câmara e as bases em que se fundamenta.
Em relação ao artigo 20.º - e para terminar esta parte da minha análise - sugere a Câmara Corporativa que aquele dispositivo seja ampliado, de modo a permitir acelerar, através dos Ministérios competentes, a execução de programas de formação profissional. Devo dizer que me encontro inteiramente de acordo com os fundamentos invocados para justificação do aditamento proposto, aliás, em harmonia com a posição tomada pelo Governo em múltiplas oportunidades. Acrescentarei mesmo que nenhuma acção de fomento inspirada numa concepção global pode desconhecer este problema de primordial importância, numa época em que a qualificação do trabalho e a organização científica da produção constituem factores, cada vez mais relevantes, da vida económica. O que não posso admitir sem reserva é que a modificação em análise - sobretudo com a amplitude, que lhe foi dada e abrangendo os próprios Ministérios da Economia e das Corporações - tenha cabimento no contexto de uma disposição que visa apenas o reapetrechamento material dos hospitais. Universidades e escolas e que, no movimento lógico da sua orientação, se não ocupa - nem devia ocupar-se - da preparação de quadros e da formação de especialistas e técnicos - assunto que não tem na Lei de Meios o seu lugar mais adequado. Sem desconhecer a premência do problema e as intenções meritórias da Câmara Corporativa, julgo, todavia, deslocada a alteração sugerida e suponho, assim, de manter, nos seus precisos termos, o texto da proposta governamental.
E estou chegado ao termo das minhas considerações.
Pelas finalidades a que visa e pelas circunstâncias em que foi elaborada, a proposta da Lei de Meios constitui, este ano, um bloco indivisível, de que não pode desintegrar-se qualquer das suas fracções sem comprometer a coerência do conjunto e, consequentemente, os objectivos a atingir. Poucas vezes se poderá dizer com tanta propriedade como no presente caso que a unidade dos fins envolve a convergência dos meios.
O exame a que procederam as Comissões de Finanças e de Economia revelou expressivamente concordância com as medidas financeiras da proposta e desnecessidade de alteração de qualquer dos seus preceitos substanciais. A idêntica conclusão - salvo nos aspectos
Página 212
212 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 7
já enumerados - chegou a Câmara Corporativa, no proficiente parecer que elaborou.
Atitude semelhante parece dever ser a da Assembleia, mas, para além da definição da minha atitude individual, creio desnecessário insistir neste aspecto do problema.
Direi apenas que na nossa longa existência histórica raramente um diploma legal terá sido discutido em circunstâncias tão solenes e que poucas vezes também como hoje foram mais prementes as tarefas a realizar, mais nobres os valores a defender e mais ardente o apelo da Pátria.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Santos Bessa: -Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que subo a esta tribuna nesta Legislatura, quero apresentar a V. Ex.ª os meus mais sinceros cumprimentos e testemunhar-lhe a minha profunda admiração pela sua esclarecida inteligência e pela nobreza do seu carácter. Uma e outra dar-nos-ão a garantia de que a elegância e o prestígio que caracterizaram as legislaturas anteriores não sofrerão a mais ligeira solução de continuidade.
Dirijo também uma saudação a todos os Srs. Deputados e garanto a todos a maior lealdade nas atitudes que hei-de assumir dentro desta Assembleia.
Sr. Presidente: tal como o fiz em todas as legislaturas anteriores em que participei, não quero deixar passar esta oportunidade sem me pronunciar sobre alguns aspectos desta proposta de Lei de Meios que o Governo enviou à Assembleia. Escolherei somente alguns capítulos desse projecto.
Não me perderei em divagações teóricas - serei objectivo e serei breve, porque desejo manter-me dentro das imposições regulamentares.
Esses capítulos serão o das providências aos funcionários, o da saúde pública e assistência e o da política do bem-estar rural, para somente me limitar àqueles a que está mais intensamente ligada a minha actividade habitual e aos quais me sinto mais particularmente preso. Há um - o da agricultura - que propositadamente passo em claro. Por um lado, porque o assunto já aqui foi debatido com brilho e apreciado com apurado sentido crítico por colegas que têm marcado no estudo dos problemas da agricultura deste país uma posição do mais alto relevo; por outro, porque desejo reservar para outra sessão o que julgo de meu dever dizer a respeito dos agudíssimos problemas do vale do Mondego, do auxílio precioso que já foi concedido àquela região pelo ilustre Ministro das Obras Públicas, para analisar a marcha dos trabalhos derivados desse auxílio, para apontar os que aguardam solução conveniente e urgente e para me ocupar da transformação a fazer na fisionomia da agricultura daquela região.
Antes, porém, de iniciar as minhas considerações sobre aqueles capítulos, quero deixar aqui bem expressa a minha saudação ao ilustre Ministro das Finanças pelo equilíbrio que transparece desta proposta de Lei de Meios neste tão grave passo da vida da Nação. As despesas extraordinárias a que temos estado obrigados desde há anos por efeito de compromissos internacionais assumidos, os reforços sucessivos de verbas a que a defesa nacional nos tem obrigado, o esforço enorme resultante da execução dos planos de fomento e as extraordinárias despesas a que nos obrigou este vendaval soprado de tão variados quadrantes contra a nossa soberania na África e na Ásia pareceriam de molde a justificar o abrandamento do ritmo de certos empreendimentos, o cancelamento de outros e um substancial agravamento de certas taxas e impostos e até fazer aceitar outros recursos que, felizmente, se não verificaram. Parece-me poder deduzir da leitura desta proposta e do respectivo relatório - sóbrio, mas claro, como os demais que nos têm sido presentes - que a Administração tem sido avisadamente previdente, que a nossa moeda não foi afectada, que a nossa economia resistiu sem sobressaltos a este embate, que os nossos recursos puderam fazer face a essas exigências e que o Governo por isso merece o nosso aplauso e tem direito ao reconhecimento da Nação.
Sr. Presidente: o artigo 22.º da presente proposta dispõe que o Governo em 1962 intensificará, pelos meios considerados necessários, a política de construção de casas para atribuição a funcionários públicos e administrativos nos regimes de arrendamento e de propriedade resolúvel.
O relatório dá-nos conta do plano geral do Governo a tal respeito, do esforço já realizado por vários sectores e de certas e lamentáveis dificuldades para manter o ritmo desejado na execução de tal plano.
São mais de 1200 os fogos já em construção e os projectados para realização imediata e são mais de 110 000 contos os investidos em tal plano. Afirma-nos o Governo, através desse relatório, que se encontram assegurados os correspondentes meios de financiamento para imprimir a maior celeridade; à execução desse programa no ano de 1962, de modo que o funcionalismo público e administrativo possa usufruir, no mais curto prazo e com a maior generalização possível, todos os benefícios de ordem social, económica e humana que resultam da posse de uma casa higiénica e confortável, de uma casa própria ou de renda barata, ao alcance da sua magra economia. E diz-nos mais: que se procurará alargar o mais rapidamente possível a todos os aglomerados mais importantes do País aquilo que já se está fazendo nas duas zonas dos Olivais, no Porto e em Castelo Branco.
Merece o Governo o meu mais inteiro aplauso por estas tão justas medidas, que hão-de reflectir-se de modo salutar na política geral da Nação, na melhoria das condições de vida dos funcionários, na higiene geral do País e na descida das nossas taxas de morbilidade e de mortalidade, quer geral, quer específica. Conhecemos tugúrios onde vivem certos, dedicados e zelosos servidores do Estado, onde se albergam e vegetam crianças que hão-de ser os esteios do nosso Portugal de amanhã, almas em que a promiscuidade gera tantos males e corpos onde se enxertam males e defeitos imperecíveis. Louvo o Governo pela empresa em curso e pelos propósitos anunciados acerca dos seus planos a tal respeito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:- Lamenta-se, porém, o mesmo Governo do desinteresse manifestado pelos empreiteiros «por motivos que dispensam explicações» e dá-nos conta das medidas que está disposto a tomar, com recurso a empreiteiros estrangeiros, para poder realizar as obras de construção prevista.
Ora, segundo se depreende das afirmações feitas no relatório da Câmara Corporativa, parece-me indispensável que se proceda a investigações sérias e que se dêem as devidas explicações.
Página 213
15 DE DEZEMBRO DE 1961 213
Se a culpa, como diz a Câmara Corporativa, está em erros cometidos pelos técnicos e nos defeitos e desactualizações dos cálculos, nada há que estranhar a
atitude dos empreiteiros, e antes há que corrigir esses defeitos o proceder contra quem comprometa o êxito do empreendimento.
Mas se assim não é e se se trata de ganância de «gaioleiros» e de empreiteiros sem escrúpulos, não me parece que a solução seja o recurso a empreiteiros estrangeiros, mas antes a adopção de severas medidas contra essas atitudes colectivas de alheamento com que se pretende impedir a realização de uma obra de tão nobres objectivos sociais e de tão elevados intuitos humanos.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Pinto de Mesquita: - Não se pode, a meu ver, tomar uma atitude tão rígida como a que V. Ex.ª sugere.
O reparo quanto à apontada contradição está certo, mas entendo que se trata de um problema a estudar nas reformas de direito administrativo e público e a resolver de harmonia com a situação actual das realidades quanto a obras públicas.
O conceito destas empreitadas foi tão relativamente limitado em outros tempos que, repito, as empreitadas de hoje constituem um problema a rever e a reformar legislativamente em amplitude e em profundidade.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª as explicações que me deu, mas nem sequer pude prever que o problema era dessa natureza, visto que nem na proposta do Governo, nem no parecer da Câmara Corporativa, há uma palavra a tal respeito. Só a Câmara Corporativa fala, muito superficialmente, da desactualização dos cálculos e das dificuldades técnicas do problema, e não me parece digna de louvor a orientação de recorrer a empreiteiros estrangeiros para resolver um problema tão simplista.
O Sr. José Alberto de Carvalho: - No entanto, acho que há necessidade de fazer essa revisão, e com urgência, porque o funcionário público, especialmente o de poucos recursos, tem muitas dificuldades no que diz respeito a conseguir habitação.
Posso dizer a V. Ex.ª que há professoras primárias no Alentejo que vivem em tabernas e em habitações cedidas, o que constitui um perigo moral muitíssimo grave.
O Sr. António Santos da Cunha: - O problema tem a maior importância, pois, desgraçadamente, o Plano dos Centenários, referente à construção de escolas, não incluiu as habitações para os professores. Ora isto foi tremendo e tem graves consequências de ordem social e moral, dando origem a que o professor que vai ali dar um recado, e noutro tempo era considerado o homem bom da terra, não usufrua hoje da mesma consideração, pois quase é considerado um estranho.
O Sr. Virgílio Cruz: - O novo plano de construções para o ensino primário, que foi discutido e aprovado o ano passado nesta Assembleia, inclui já um certo número de habitações para os professores, que estejam nas condições extremas há pouco apontadas. Nesse plano já se vai atender, em certa medida, a tão grave problema.
O Orador: - Agradeço a todos os colegas que fizeram o favor de me interromper e que me deram essa honra, e, se VV. Ex.ªs me permitem, retomo o fio das minhas considerações, dizendo que estou certo de que esta Assembleia não regateará ao Governo a sua aprovação das medidas necessárias ao aniquilamento desse tenebroso obstrucionismo e o País aplaudirá, sem dúvida, as decisões governamentais que for necessário pôr em prática para liquidar esses repelentes cambões.
Não quero terminar estas considerações sem deixar também aqui expresso um outro voto - o de que o Governo, pelos meios mais convenientes, estimule ainda mais a iniciativa particular para a construção de casas baratas e higiénicas, a fim de que se possa fornecer um lar humano, confortável e higiénico a quantos na periferia das nossas cidades e em muitas das nossas vilas e aldeias se vêem forçados a comprimir-se em habitações impróprias sob todos os pontos de vista. Estamos convencidos de que será possível atrair para tal fim os capitais disponíveis, se uma política orientada nesse sentido for habilmente conduzida.
Junto também uma palavra de aplauso às medidas já tomadas acerca das pensões de sangue e dos abonos e subvenções de família às praças mobilizadas para o ultramar ou para serviços extraordinários na metrópole. São da mais alta justiça essas deliberações e merecem por isso a minha plena concordância.
Infelizmente, não pode ser de concordância e de louvor o que me sinto obrigado a dizer neste momento acerca das providências aos funcionários públicos. Julgava poder ter o prazer de ver anunciada neste relatório a resolução de um assunto da mais alta importância e que infelizmente se arrasta há muitíssimos anos. Refiro-me ao problema da aposentação dos chamados Funcionários da assistência, de que aqui me ocupei pela primeira vez em 11 de Dezembro de 1957 e do qual me tenho ocupado, depois disso, em sucessivas intervenções acerca da Lei de Meios, e que não abandonarei enquanto não for atendida, como é justo, a situação de muitos milhares de servidores do Estado que são considerados funcionários do mesmo Estado para certas obrigações e alguns direitos, mas que o não são para todos os direitos de que beneficiam os funcionários de outros Ministérios. Esta situação anómala e injusta não pode continuar. Não quero repetir aqui o que tenho dito, porque o assunto está suficientemente esclarecido.
Mas seja-me permitido recordar o que aqui disse há um ano, quando falei pela última vez a tal respeito. Não posso, porém, deixar passar este, momento sem recordar que me ocupei, nesta tribuna, na sessão de 11 de Dezembro de 1957, da triste situação em que, desde 1942, se encontravam os funcionários do Estado que servem no sector da saúde e assistência, sem a garantia dos mesmos direitos (dos outros funcionários do Estado) à pensão de reforma.
Perguntava eu então porque é que esses funcionários, sujeitos ao mesmo regulamento disciplinar, que servem o Estado com a mesma dedicação que os admitidos na Caixa Geral de Aposentações, não podem usufruir iguais direitos.
Que se passou desde então? Foi publicado pelo Ministério da Saúde e Assistência o Decreto-Lei n.º 42 210, de 13 de Abril de 1959, e os funcionários deixaram de descontar para aquela Caixa a que pertenciam - uma Caixa de Previdência dos Funcionários da Assistência, que dava como reforma máxima 80 por cento de 1500$! - e passaram a descontar com
Página 214
214 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 7
destino à Caixa Geral de Aposentações, a partir de l de Janeiro de 1960.
Mas, segundo informações que tenho por fidedignas, o respectivo numerário não entrou na Caixa Geral de Aposentações e encontra-se em depósito nas respectivas instituições. E isto porque se torna necessário regulamentar o Decreto-Lei n.º 42 210. Passou-se um ano sobre a data de início do desconto com aquele destino e os 10 000 funcionários continuam a viver a mesma incerteza e a não poder usufruir os benefícios que lhes confere a Caixa Geral de Aposentações e cujos direitos lhes foram concedidos por aquele decreto-lei, que ficamos devendo ao ilustre titular da pasta da Saúde e Assistência.
Mas um ano passou sem que o assunto tivesse sido resolvido, sem que aparecesse aquele regulamento da lei que a Caixa Geral de Aposentações considera indispensável para receber o que está sendo descontado por esses funcionários e para lhes conceder as pensões de reforma que a lei lhes concede.
Permito-me perguntar: de que Ministério depende essa regulamentação? Quem está encarregado de o fazer? Quais são os obstáculos que se opõem à sua laboração? Quem é responsável pelos prejuízos que vão tendo aqueles que vão sendo reformados?
As intervenções que aqui fiz a este respeito não mereceram até hoje o menor esclarecimento. Custa-me, que se me possa dizer que tem havido negligência e que eu não tenha elementos, chegados por via oficial ou oficiosa, para rebater a afirmação e para esclarecer os que de mim se abeirem com tais propósitos.
Sr. Presidente: espero que, desta vez, esta Assembleia seja devidamente esclarecida e os funcionários justamente atendidos. Para tanto, confio nos homens e no Regime.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Pelo que respeita aos problemas de saúde pública, limitar-me-ei a algumas rápidas considerações a respeito de três dos de mais acuidade - o da tuberculose; o da puericultura, e o do apetrechamento hospitalar.
Pelo que respeita à tuberculose, há que louvar o Governo pela atitude assumida de continuar a dar preferência, na assistência à doença, ao desenvolvimento do programa de luta a antituberculosa, garantindo-lhe as dotações orçamentais necessárias.
A tal respeito, tal como o tenho feito em anos anteriores, julgo de meu dever e de algum interesse fornecer à Câmara alguns elementos que não estão incluídos no relatório da proposta nem no parecer da Câmara Corporativa e fazer algumas considerações sobre a marcha da campanha e as suas necessidades futuras.
Ao Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, a cargo de quem está a condução da luta antituberculosa, têm sido confiadas nos últimos anos verbas aparentemente substanciais para a execução dos seus planos de combate àquilo a que o grande Ricardo Jorge chamou «o mais jurado inimigo do homem» e que considerou, como nós ainda o devemos considerar, «o problema sanitário n.º 1 de Portugal».
A tuberculose foi sempre, desde os mais recuados tempos, o grande inimigo da Humanidade. É certo que neste último meio século e sobretudo desde há menos de vinte anos, a taxa da mortalidade que lhe é atribuída tem baixado por toda a parte, com intensidade variável de país para país, até atingir, em alguns deles, valores já insignificantes e perdendo até o seu carácter de flagelo social. Nalguns essa baixa foi durante aquele período de cerca de 90 por cento e noutros, depois do advento da estreptomicina, mas sobretudo da isoniazida, o gráfico que a representa sofreu queda brusca, em verdadeira cascata.
Mas ela continua a merecer por toda a parte, mesmo nesses países, uma atenção particular dos sanitaristas, que não podem dormir sobre os louros da vitória conseguida. E, sobretudo, nos países em via de transformação por efeito da sua industrialização, das concentrações de grandes massas de jovens operários em deficientes condições e de todos os problemas que às suas deslocações andam ligados, ela continua a ser um problema muito grave.
Entre nós ela deve continuar a ser objecto de combate tenaz, com mobilização de todos os nossos recursos para tal fim.
Para que se possa ter uma ideia nítida do valor dos resultados obtidos em Portugal com os novos planos de luta que começámos a aplicar por volta de 1950, e que temos vindo a reforçar continuamente, basta que atentemos no que se passou de 1950 a 1960 e o confrontemos com o que se verificou nos dez anos anteriores. Sirva-nos de elemento de análise a taxa da mortalidade pela tuberculose.
De 1940 a 1950 essa taxa oscilou entre os 151,6 por 100 000 habitantes, com elevações que atingiram 160,5 em 1940 e 1941 e com baixas que nunca ultrapassaram os 146 por 100 000 habitantes.
Mas de 1950 a 1960 a descida tem sido continua, atingindo 46,8 em 1960 e prevendo-se que no ano corrente ela venha mesmo para baixo dos 40 por 100 000 habitantes.
As brigadas de vacinação, as unidades de radiorrastreio, os dispensários e consultas-dispensário e os sanatórios e as enfermarias-abrigo têm procurado obter os melhores rendimentos com o material e o pessoal de que dispõem.
As brigadas, desde 1957 a Setembro de 1961, totalizaram nas três zonas 2 167 627 vacinações pelo B.C.G. e as unidades móveis conseguiram fazer, no mesmo período, 3 260 915 radiofotos para a descoberta dos casos de tuberculose ignorada.
Por sua vez, os dispensários registaram para consultas pela primeira vez durante o ano de 1960 nada menos que 124 233 indivíduos, ficando a seu cargo sòmente 48 437, dos quais 17 280 foram considerados doentes carecendo de tratamento e 31 138 em vigilância sanitária.
No capítulo do internamento de doentes, conseguiu-se pela primeira vez, em l do Setembro do ano corrente, extinguir a bicha dos quo aguardavam vez para serem internados.
Quer isto dizer que estamos contentes ou que podemos abrandar o ritmo da luta?
Nada disso: temos de aumentar ainda mais os nossos meios de combate - temos de vacinar muito mais; temos de submeter a radiorrastreio muito mais gente; temos de continuar a ocupar todas as camas de que possamos dispor para internar o maior número possível de tuberculosos contagiosos; temos de colocar os nossos serviços dispensariais em condições de poderem diagnosticar todos os casos que lhes são enviados ou que os procuram
Página 215
15 DE DEZEMBRO DE 1961 215
e de tratar e manter em vigilância os que têm alta do sanatório; temos de garantir a mesma vigilância com dispensário móvel àqueles concelhos e zonas que não dispõem de dispensário ou de consultas-dispensário, e temos de instalar devidamente o que respeita à reeducação e readaptarão do tuberculoso curado.
O Sr. Melo Adrião: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Melo Adrião: - Queria acentuar um aspecto enganador da tuberculose. Estamos a entrar numa fase tal, em face dos meios médicos existentes, que amanhã poderemos encontrar tuberculosos resistentes a esses tratamentos médicos ou apresentarem localizações mais graves. Parece-me neste momento oportuno acentuar que nessa luta antituberculosa, em vez de se encarar só o problema terapêutico, deve verificar-se se o doente não se torna um instrumento de contágio activo. Para o aspecto que a tuberculose apresenta, encara-se hoje o problema mais no sentido de evitar o contágio do que propriamente no sentido imediato de pretender uma cura que pode ser enganadora na apreciação dos efeitos dessa mesma luta.
É o que, creio bem, se está a passar um pouco entre nós e noutros países onde grassa a doença.
O Orador: - Estamos inteiramente de acordo, tanto mais que o nosso trabalho no Instituto do Assistência Nacional aos Tuberculosos tem sido conduzido no sentido da descoberta precoce de casos de tuberculose, por meio de radiorrastreio e consultas nos dispensários, para podermos fazer tratamento precoce.
Presentemente intensificou-se a vacinação do maior número possível de crianças para as colocar ao abrigo do contágio. Estamos convencidos de que grande parte dos casos de resistência que aparecem são fruto de um insuficiente tratamento médico. Por vezes, crê-se que, um doente está curado por má interpretação da sintomatologia clínica que desapareceu ou por um «branqueamento» das imagens radiológicas. Querem-se resultados com dois ou três meses de tratamento. O inquérito que está em curso, actualmente, em França, e que só iniciou em 1952, e cujos resultados foram publicados ainda há poucos meses, vem confirmar a necessidade do tratamento durante um ano, principalmente para os casos de primo-infecção.
É no sentido de um diagnóstico precoce e de um tratamento precocemente iniciado e mantido durante largo tempo que estamos a orientar a nossa luta e é exactamente por isso que faço estas considerações, para que se não tenha a noção falsa de que a baixa da mortalidade por esta doença nos dá o direito de dormir sobre os resultados conseguidos.
Se não mantivermos com energia essa luta em que estamos empenhados desde 1050...
O Sr. Agostinho Cardoso: - Há, uma percentagem grande de casos que se verifica por ignorância por parte dos doentes, por falta de cuidado dos doentes contagiosos, que, não tendo qualquer situação económica que o imponha, saem do sanatório. Por isso fazem perigar os seus familiares.
V. Ex.ª, que é um distinto tisiologista, sabe isto muito bem.
O Orador: - Não sou tisiologista.
O Sr. Agostinho Cardoso: - Saem dos sanatórios não porque tenham dificuldades de ordem económica ou familiar, mas porque lhes apetece. Saem e são elementos contagiosos.
Parece que é um momento em que diminui a bicha para a entrada nos sanatórios e há regiões, como a minha, em que os sanatórios podem assegurar a entrada de qualquer doente.
Porque se não faz uma lei, que o Estado tem o direito de fazer, impedindo essas altas e protegendo as famílias dessa gente que quer ir para casa quando lhe apetece?
O Orador: - Antes dessa lei precisava ser publicada outra de protecção económica do agregado familiar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sem isso não se pode garantir o internamento. V. Ex.ª sabe muito bem que a maior parte das altas são dadas a pedido dos doentes, que têm conhecimento de que as famílias não têm dinheiro e estão com fome e então o tuberculoso prefere sair e ir trabalhar para sustentar os seus do que continuar no sanatório.
O Sr. Agostinho Cardoso: - Isso é na verdade uma percentagem muito importante.
O Sr. Soares da Fonseca: - Isso não é para ser tratado na Lei de Meios.
O Orador: - A política da saúde tem que continuar a dar prioridade à luta contra a tuberculose e as dotações devem mesmo ser reforçadas se não queremos ver camas vagas por impossibilidade material de aí mantermos doentes, ver reaparecer a bicha de doentes a aguardar sanatorização e ver perdido tudo o que temos conseguido neste campo.
Os dispensários precisam de melhorar o seu trabalho e só o podem fazer com mais horas de serviço e com mais pessoal e isso não se consegue senão com melhoria de vencimentos e com reforço de verbas.
Não conseguimos comprar senão um dispensário móvel, que faz serviço em todos os concelhos que estão desprovidos de acção dispensarial, e a experiência mostra que carecemos de adquirir mais dois - um para cada zona.
Os aparelhos de radiofoto das unidades de radiorrastreio estão gastos e os carros que os transportam, bem como os que servem as brigadas móveis, estão em tal estado que carecem de reparações frequentes, comprometendo assim o rendimento do trabalho de umas e do outras. Temos necessidade de os substituir. Os nossos serviços de electromedicina são insuficientes para garantir uma reparação urgente e as reparações são tão frequentes que julgo ser antieconómico mantê-los ao serviço daqui a pouco tempo.
Não sei como há-de conseguir-se isso. Mas tenho pensado muita vez naquilo que tenho visto e naquilo que tenho ouvido acerca dos automóveis do Estado, e sobretudo da organização corporativa, e julgo que se arranjaria facilmente o dinheiro suficiente para substituir os nossos aparelhos estafados e os nossos carros
Página 216
216
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 7
desmantelados da luta antituberculosa se houvesse menos generosidade na concessão de carros a certos serviços e se houvesse mais fiscalização das suas deslocações.
Há horas e há locais em que a presença de carros com a placa do Estado compromete altamente as pessoas a quem estão confiados, os serviços a que pertencem e até o próprio Regime.
E a este propósito permita-se-me que deixe aqui um apontamento de mágoa e de desgosto. É que, Sr. Presidente, muitas vezes se me tem apertado o coração por me ver obrigado, pelas exigências da compressão de despesas a que está sujeito o meu Instituto Maternal, a reduzir o leite de que carecem as crianças pobres e débeis que frequentam os nossos dispensários e a verificar que essas mesmas exigências se não observam na gasolina que esses meios de transporte generosamente concedidos pelo Estado e pela organização corporativa largamente consomem.
Fica a nota de amargura, mas fica também o apontamento político, nesta Câmara política, para aqueles a quem cabe a responsabilidade de tais liberalidades.
O Sr. António Santos da Cunha: - Creio que V. Ex.ª faz uma certa confusão entre organismos corporativos e organismos de coordenação económica.
O Orador: - Pode ser... Ainda a propósito da tuberculose queria dizer que enquanto não fizermos a cobertura económica do agregado familiar do tuberculoso que temos de sanatorizar ou de tratar no domicílio ou no dispensário não é possível manter muitos dos nossos doentes em tratamento. A situação da mulher e dos filhos, no estado actual das coisas, leva o tuberculoso a ocultar a sua doença enquanto pode e, depois de descoberto, antes quer morrer a trabalhar para acudir à família do que estar a cuidar de si, abandonando os seus a uma deplorável condição. Este problema, como já aqui o disse, carece de solução urgente.
Outro problema que aguarda solução há alguns anos é o do acordo de cooperação entre o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos e os serviços médico-sociais, acordo assinado pela comissão mista das duas instituições, já homologado há muito pelo ilustre Ministro da Saúde e Assistência, mas que não se conseguiu ainda pôr a funcionar, nanja por culpa do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, bem entendido.
O Sr. Veiga de Macedo: - Permita-me um rápido esclarecimento. Julgo que o Ministério das Corporações e Previdência Social prestou a V. Ex.ª, no ano findo, algumas informações sobre o assunto. Creio poder acrescentar que o acordo mencionado não chegou a fazer-se pelo facto de o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos ter pretendido algumas soluções que só podem ser encaradas uma vez aprovada a proposta de lei relativa à reforma da previdência.
De resto, penso também saber que o Ministério das Corporações deu anuência à celebração de um acordo entre os serviços médicos da previdência e o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos em aspectos importantes da matéria. Pena foi que não se tivesse ensaiado, nesses aspectos, essa experiência. Seria, por certo, muito proveitoso tal ensaio de cooperação.
O Orador: - Se V. Ex.ª me dá licença, faço esta declaração: de que para mim é inteiramente novidade a última afirmação que V. Ex.ª acaba de fazer, e, se eu tivesse conhecimento dela, não teria deixado de lhe fazer a devida referência.
O Sr. Veiga de Macedo: - Agradeço muito a V. Ex.ª
O Orador: - Sr. Presidente: estou a ser mais longo do que julgava. Peço desculpa.
Mas não quero terminar estas minhas considerações sem chamar mais uma vez a atenção do Governo para a deplorável situação em que se encontram os nossos serviços de assistência à mãe e à criança e de cuja insuficiência resultam taxas de morbilidade e de mortalidade que nos comprometem como país civilizado da Europa e de que resultam ceifas de vidas de que carecemos para garantir o progresso do nosso país e para cumprirmos a nossa missão no Mundo. Nada tenho a juntar àquilo que por várias vezes aqui disse a tal respeito. Só sei que se passou mais um ano sem que eu pudesse encarar a possibilidade de instalar duas subdelegações do meu Instituto Maternal em distritos que delas carecem e onde me parece simples e fácil fazê-lo - Viseu e Aveiro.
Viseu já fez um esforço magnífico, através da sua Misericórdia, superiormente dirigida pelo nosso colega Carrilho, para a instalação de uma maternidade e para a reforma dos seus serviços de assistência à criança, confiada na colaboração que lhe podiam e deviam prestar os serviços do Instituto Maternal.
Suponho que, com um pequeno esforço financeiro, isso seria possível. Deixo aqui expresso a quem de direito esse pedido. E a V. Ex.ª Sr. Presidente, que àquela terra está ligado por laços espirituais tão fortes e tão enraizados no seu coração, peço também as diligências necessárias para que o ano de 1962 possa ser o da instalação da subdelegacão do Instituto Maternal em Viseu.
o Sr. Manuel Engrácia Carrilho: - Não posso deixar passar em claro a referência que V. Ex.ª fez à Misericórdia de Viseu, da qual me honro de ser provedor, e que muito me sensibilizou.
Perfilho inteiramente as palavras que V. Ex.ª proferiu, com referência à falta de atenção que há pela criança, pois a mim confrange-me o que se passa a tal respeito, sendo repetidamente procurado por mães com filhos ao colo, solicitando leite para a sua alimentação.
É um problema premente, e na Misericórdia de Viseu temos feito uma obra que a cidade tem sabido acarinhar, dispondo já de uma maternidade devidamente apetrechada, faltando-nos, porém, o seu prolongamento pela criação dos serviços de um instituto maternal.
A Misericórdia está disposta a ceder a casa, emitindo o voto de que em 1962 seja uma realidade o instituto maternal em Viseu.
O Orador: - Aveiro e Viseu dispõem já de médicos especializados em obstetrícia e em pediatria em número e qualidade para garantir o êxito completo dessas duas subdelegações.
Sr. Presidente: não me chega o tempo para as considerações que queria fazer sobre os hospitais e a política do bem-estar rural. Prefiro ficar-me por aqui a solicitar por mais tempo a atenção da Câmara.
Página 217
217
[...] que fique expresso que aplaudo o que se [...) a começar a fazer no campo do reapetrechamento hospitalar e na da política do bem-estar rural e que exprimo o desejo de que nesses dois capítulos possamos vir a fazer ainda muito mais do que o que está em curso.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cardoso de Matos: - Sr. Presidente: quando a Nação é chamada a apreciar, segundo um preceito constitucional, através dos seus legítimos representantes, a proposta de lei que autorizará as receitas e despesas - o orçamento geral - , impendem sobre ela responsabilidades que, compreendendo em toda a sua plenitude, não queremos enjeitar, mas antes cumprir integralmente até onde os méritos nos permitam e a capacidade nos não falte.
É a generalidade da referida proposta de lei que estamos apreciando, e não só pela natureza dessa apreciação, mas também pela sua complexidade, impossível se torna, numa só sessão desta Assembleia, apresentar trabalho meritório e que satisfaça as nossas exigências.
Todavia, e porque algo tenho a dizer no sentido do que entendo um dever, quero fazer algumas considerações, especialmente no tocante a Angola, no que procurarei ser breve e sucinto.
Nota-se uma natural preocupação de dar prioridade às necessidades militares, no que não haverá qualquer possibilidade de desacordo - assim pensamos - , e, para a satisfazer, necessário se torna procurar os meios necessários à promoção das receitas que lhe hão-de fazer face. Assim é que os encargos do contribuinte tiveram revisão indispensável, e que importa frisar aqui, como uma substancial quota-parte atribuída a Angola, critério geralmente aceite, e ainda bem. Todavia, parece-nos que na estimativa do que virão a ser as receitas desta província, e sobretudo tendo em atenção a situação económica presente, terá havido optimismo ou, então, se não foi assim, estaremos nós enganados. Oxalá o tempo o prove.
Entretanto, como o nosso temperamento não nos permite deixar passar em claro algumas considerações que nos ocorrem, para elas pedimos a atenção desta Assembleia.
A boa vontade e o esforço contínuo constantemente aplicados algo farão para que aumentem as exportações de Angola, quer dos seus produtos industriais, quer dos agrícolas; porém, há que não ignorar como se encontram uns e outros e os reflexos que tem na situação económica daquela nossa província.
Apesar dos extraordinários esforços levados a cabo no sentido de se fazer a integral colheita do café, que se anunciava excepcionalmente boa, a verdade é que as estimativas mais concretas que obtivemos indicam uma redução de, pelo menos, 20 000 t, o que não seria demasiado, atendendo ao momento em que a colheita se processou, mas percentagem muito elevada do produto resultou de baixa qualidade, devido ainda às mesmas tristes circunstâncias. Não obstante os acordos internacionais, nomeadamente o interafricano, cujas últimas decisões nos trouxeram um inegável e imediato benefício - embora se devam fazer reservas quanto ao futuro - , não se apresentam brilhantes as perspectivas e há que não esquecê-lo.
É verdade reconhecida que se impõe a diversificação das culturas em Angola, e, paralelamente aos esforços do particular, outros terão de ser feitos, em larga escala, para além do apoio que deve ser dado aos dos primeiros.
O ubérrimo solo de Angola quase não põe limites ao que dele se queira obter; porém, assim como se deve procurar impedir a insistência nas culturas inadequadas ou economicamente mais débeis, tudo deve ser feito para desenvolver aquelas que, pela sua natureza de êxito previamente assegurado, permitem fundamentar toda a esperança no seu resultado.
Além do café - principal produto agrícola de Angola -, que só por si justificaria imensas considerações, outros produtos há entrados na tradição da cultura angolana, como o sisal, o milho, a cana sacarina, o algodão, as várias oleaginosas, que, com vicissitudes várias, vão compensando os produtores e, melhor ou pior, animando-os no prosseguimento do seu cultivo. Mas, se reconhecida a necessidade de diversificação das culturas, parece impor-se a obra de divulgação delas, promovendo todas as medidas necessárias à sua consecução.
Nesta breve análise não me é possível citar números, mas fácil seria demonstrar a conveniência e o alto interesse de desenvolver as culturas de amendoim (já existente em moldes primários), do tabaco, das citrinas, dos pomares, do arroz, do feijão, da oliveira e de todos os outros produtos de colocação assegurada que aguardam incremento de cultura com vista a um concreto benefício da economia de Angola.
A borracha, que já teve um período de interessante desenvolvimento, devia ser cultura a incrementar, até porque a indústria que a utiliza está a desenvolver-se em moldes que tornam previsível a importação dela em larga escala, operação que não faz sentido quando o produto se pode obter no local.
Nos últimos anos tem baixado imenso a produção do rícino, produto de constante interesse, cuja cultura deveria ser incrementada com medidas adequadas.
Esperemos que os problemas indicados tenham a atenção devida e se procure resolvê-los pela forma que melhor sirva os interesses de todos, que o mesmo é dizer os interesses nacionais.
No campo industrial assistimos a um desenvolvimento dos sectores já existentes - conservas, farinha e óleos de peixe, minérios, cervejas, tecidos, cimentos, grossarias, açúcar; e outras indústrias, iniciadas não há muito, mas cuja laboração está em franco desenvolvimento ou em vias de este ser incrementado, como pneus, celulose, petróleos, etc.
Na instalação e desenvolvimento destas indústrias, quer as novas, quer as já criadas de há muito, verifica-se uma participação de capitais nacionais e mesmo estrangeiros, acolhidos com entusiasmo pelo progresso que representam. Porém, há que criar condições de incentivar este surto de investimentos, já que, por tão imprescindíveis, se podem e devem considerar como problema requerendo solução urgente. Lembro, a propósito, intenções manifestadas por financeiros metropolitanos que esperam concretização, talvez por não estarem estabelecidas as condições necessárias ou que por tal se entendam; em qualquer caso, algo seria de se fazer no sentido de conciliar a boa vontade de uns, as necessidades de outros e os imperativos que tornem viável esse entendimento.
Na base desta solução, que se pretende seja encontrada, situamos o saneamento da situação cambial de
Página 218
218 [...]
Angola, problema que sempre apontámos como primordial.
Na proposta de lei que vai ser discutida faz-se referência à balança comercial de Angola - com incidências na de pagamentos, mas bastante diversa desta -, citando-se o saldo positivo que ela apresenta. É conveniente terem-se em linha de conta as circunstâncias que produziram tal saldo, justamente em período de acentuada regressão de exportações, manifestando que só o decréscimo das importações em escala maior ainda o permitiram. Não é, portanto, elemento que nos anime, pois que, sendo Angola uma terra em constante desenvolvimento e necessitando ainda que ele se acentue, forçar a existência de saldos positivos na sua balança comercial por diminuição de importações é estrangular a sua vida económica, comprometendo o futuro, com repercussões graves nos campos social e político, que têm de estar sempre presentes e merecem a constante atenção de todos em geral e de quem tem maiores responsabilidades em especial.
O alargamento da nossa política de cooperação económica, que levou à admissão no G. A. T. T., cria-nos a necessidade prevista de acelerarão da total integração económica de todos os territórios portugueses - mercado único português -, para o que estão estudadas medidas, a aplicar em período mais ou menos longo, tendentes à progressiva liberalização das trocas e à de pagamentos com base no escudo, nos termos do Decreto-Lei n.º 44 016.
Atendendo à situação de Angola, quer no plano político, quer no económico, é de toda a conveniência que se acelere a estruturação que abrevie as finalidades previstas naquele diploma, por forma que o comércio metropolitano seja incrementado, deixando de se adquirir no estrangeiro muitos dos produtos que aquele pode fornecer, ao mesmo tempo que, com a criação das condições necessárias, os capitais afluam em maior número, permitindo não só o apetrechamento técnico-material, mas também o de formação humana - este de importância extrema, como base do desenvolvimento através do mais intenso povoamento, que Angola não pode dispensar -, em necessidade que não se compadece com demoras, provenham elas das razões já tradicionalmente conhecidas e que é necessário modificar com urgência.
Em paralelo com a Europa, que cada vez mais prova a sua firme intenção de se reagrupar, assiste-se a uma África que demonstra o contrário dessa ideia. É nela que Angola irá impor um exemplo que pode frutificar, levando a frutuosa cooperação tanto útil como viável.
Num relance pelo panorama interno, tendente já à obtenção das condições normais ao atingir dos fins desejados, verificamos a atenção dispensada às comunicações em Angola com o desenvolvimento ferroviário e rodoviário, esperando-se, quanto a este, os frutos da criação da Junta Autónoma de Estradas de Angola, que já aqui havíamos preconizado, secundando ideias já divulgadas na imprensa.
Citámos as comunicações para lembrarmos mais uma vez não ser possível qualquer espécie de progresso em Angola, como em qualquer parte, desde que não haja as vias de comunicação indispensáveis.
Outro aspecto dos nossos problemas - a criação de uma consciência da necessidade da entreajuda que promova, por exemplo, o auxílio de actividades onde se registam constantes progressos a outras em dificuldades, como a cafeicultura do Norte da província, tão duramente atingida, e que, lembremos, além dos prejuízos imediatos pela [...] uma amputação no seu [...] que têm de ser feitas e [...] muito tempo a ressarcirem-se do [...] falta do seu tratamento.
Medidas adequadas foram postas em [...] como pleno apoio de toda a província, que [...] interesse que para ela tem, transferir os [...] que superintendem em actividades angolanas, como grémios, juntas, etc. Criou-se, assim, o Instituto do Café, em substituição da Junta que dirigia esta actividade, e que está a ser instalado em Luanda. Mas, neste caso, como noutros de possível existência, não terá havido exagero ignorando a necessidade de uma delegação na metrópole? Cremos que sim, e lembramos quanta ponderação deve existir em todos os entusiasmos sob pena de não se atingir a virtude popular do «meio termo», tão de atender.
Enquanto a questão cambial aguarda a resolução do seu problema magno, bom seria considerar um critério de moderação e de visão concreta dos problemas que mais se integrasse nas realidades e melhor atendesse às dificuldades do exportador de Angola, embora tendo em atenção as necessidades da província. A remodelação levada a efeito no Conselho de Câmbios foi exclusivamente orgânica e talvez devesse ter ido mais longe, no sentido que indicamos.
Sabemos da complexidade de que se reveste a análise e o estado das soluções de todos os problemas que afligem a economia de Angola, considerando em especial os investimentos necessários à sua resolução. Sabemos também o que se tem feito e os progressos alcançados no espinhoso caminho a percorrer para tal fim; mas, enquanto essa obra se não completa, a par das conquistas que se vão fazendo, deve operar-se também uma reforma nos sectores onde se imponha - reforma de espirito, tal como se preconizou e tem sido posta em prática na administração metropolitana com largos reflexos e que esperamos venha a melhorar ainda.
São breves estas considerações e, não tendo o propósito - diga-se até que sem possibilidade - de aprofundar, constituem em si ligeiras anotações a assuntos que nada têm de ligeiros nem de simples. É séria, muito séria, a conjuntura nacional e há que encará-la corajosamente, enfrentar os problemas com calma e com ponderação. Tudo havemos de levar a bom termo e para isso trabalhamos; temos de trabalhar todos sem desfalecimentos, na certeza de que, passadas as vicissitudes de agora, voltaremos a melhores dias, que temos de saber merecer. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - A proposta da Lei de Meios ou de autorização de receitas e despesas tem do estar aprovada até amanhã, dia 15 do corrente, o que significa que temos de concluir a discussão na generalidade, proceder à discussão na especialidade e respectiva votação.
Nestes termos, peço a v. Ex.ªs, me desculpem se eu restringir o uso da palavra antes da ordem do dia.
Como disse, a lei tem de estar votada amanhã. Tenho procurado aproximar-me, quanto possível, da hora regimental quanto ao início dos trabalhos; não estranharão que amanhã seja ainda mais rigoroso.
Página 219
15 DE DEZEMBRO DE 1961 219
A ordem do dia de amanhã será a continuação da discussão na generalidade da referida proposta, seguida da sua discussão na especialidade e respectiva votação.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Pacheco Jorge.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Barbosa Abranches de Soveral.
Belchior Cardoso da Costa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
James Pinto Bull.
Joaquim de Sousa Birne.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA