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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 11
ANO DE 1962 6 DE JANEIRO
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 11 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 5 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mos. Srs.Fernando Cid Oliveira Proença
Luis Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 6, 7 e 8 do Diário das Sessões com as rectificações apresentadas aos n.ºs 6 e 7.
Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa uma proposta de lei em que se estabelecem providências destinadas a assegurar o funcionamento dos órgãos do Governo do Estado Português da Índia, tendo a Assembleia votado um prazo para a elaboração do respectivo parecer pela Câmara Corporativa.
O Sr. Presidente disse estar na Mesa um conjunto de propostas de alteração, apresentadas pelo Governo, às propostas de lei sobre emparcelamento e arrendamento de prédios rústicos, as quais, acompanhadas de notas explicativas do Sr. Secretário de Estado da Agricultura, vão ser publicadas no Diário das Sessões, baixando à Comissão de Economia as relativas à primeira e às Comissões de Economia e de Legislação e Redacção as relativas à segunda.
Remetidos pela Presidência do Conselho, e para os efeitos do disposto no artigo 109.º da Constituição, foram recebidos na Mesa os n.ºs 283, 285, 286, 288, 289, 290, 292 e 294 do Diário do Governo, 3.ª sério, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 44 077, 44 081, 44 084, 44 085, 44 091, 44 096, 44 101, 44 109 e 44 110.
O Sr. Presidente convocou as Comissões do Ultramar, do Trabalho, Previdência e Assistência Social e da Educação Nacional, Cultura Popular e Interesses Espirituais e Morais, para reunirem no final da sessão, havendo número, ou no dia 9 do corrente, a fim de elegerem os respectivos presidentes e secretários.
O Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu requereu vários elementos a fornecer pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Sobre o ataque ao Estado Português da Índia e os acontecimentos de Beja usaram da palavra os Srs. Deputados Meneses Soares, Lopes Vasques, Valente de Carvalho, Henrique Tenreiro, Mário Galo, Nunes de Oliveira e Sales Loureiro.
O Sr. Deputado Martins da Cruz referiu-se a diversos problemas do ensino.
O Sr. Deputado Carlos Alves aludiu à invasão de Goa, Damão e Diu e sublinhou alguns aspectos do problema angolano actual.
Ordem do dia. - Iniciou-se a discussão na generalidade da proposta, de lei nobre o emparcelamento da propriedade rústica. Falou o Sr. Deputado André Navarro. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 50 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
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António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo..
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levi.
Carlos Alves.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Egberto Rodrigues Pedro.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Mendes Pires da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Luís Le Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.
O Sr. Presidente: - Estão presuntos 106 Srs. Deputados.
Está a aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 6, 7 e 8 do Diário das Sessões.
O Sr. Gosta Guimarães: - Sr. Presidente: posta à aprovação da Assembleia o Diário das Sessões n.º 6, de 14 de Dezembro passado, e verificando que saiu truncada, na sua redacção, a ordenação de dois parágrafos das considerações por mim proferidas, na intervenção que tive a oportunidade de efectuar, dentro da ordem do dia da sessão de 13 do mesmo mês, facto que se deve ter verificado, por possível lapso, na inserção da redacção do diálogo ocorrido por via da interpelação do Sr. Deputado Délio Santarém, requeiro que, para perfeita sequência e correcta interpretação, sejam introduzidas, na ordenação da citada redacção, as seguintes rectificações:
a) O parágrafo das l. 42 a 56 da 1.ª col. da p. 180 deverá ser inserto a seguir à l. 3.º da col. 2.º da p. 179.
b) O parágrafo das l. 38 a 41 da referida 1.ª col. da p. 180 deverá ser inserto a l. 21 da 2.ª col. da p. 179, ou seja no termo das considerações que precedem as do início da interpelação do Sr. Deputado Délio Santarém.
Aceites e aprovadas estas rectificações que proponho em reclamação ao aludido Diário das Sessões, deverão ser executadas na parte da redacção a que se referem, em vista à desejada autêntica ordenação.
Esclareço que do teor desta reclamação dei conhecimento prévio ao Sr. Deputado Délio Santarém, que me concedeu a sua aprovação.
Deste modo, verifica-se uma alteração de ordenação desde o parágrafo que começa com «Consequentemente, por tudo...» até ao parágrafo da p. 180 que começa com «Sr. Presidente e Srs. Deputados», exclusive.
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O Sr. Presidente: - Continuam em reclamação.
O Sr. Quirino Mealha: - Sr. Presidente: a p. 216 do Diário das Sessões n.º 7 e a seguir ao comentário do Sr. Deputado António Santos da Cunha às declarações do orador Sr. Deputado Santos Bessa faltou registar o esclarecimento que fiz, devidamente consentido, nos seguintes termos:
Na organização corporativa há que distinguir: organismos corporativos obrigatórios e organismos corporativos facultativos.
Não me consta que algum organismo corporativo facultativo tenha automóvel.
O Sr. Presidente: - Continuam em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação aos referidos n.ºs 6, 7 e 8 do Diário das Sessões, considero-os aprovados com as rectificações indicadas.
Deu-se conta do seguinte:
Expediente
Oficio
Do Grémio dos Industriais de Serração de Madeiras dos Distritos do Porto e Aveiro acerca da invasão do Estado Português da Índia.
Telegramas
Vários acerca do mesmo assunto.
Vários acerca dos acontecimentos de Beja.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma proposta de lei em que se estabelecem providências destinadas a assegurar o funcionamento dos órgãos do Governo do Estado Português da Índia. Esta proposta de lei vai ser enviada, para efeitos de parecer, à Câmara Corporativa. O Governo considera urgente a discussão da referida proposta de lei. Importa, portanto, nesta orientação, que seja indicado o prazo dentro do qual o parecer deve ser apresentado, já que o Governo o não indica. Proponho à Assembleia que esse prazo seja, dada a urgência pedida pelo Governo, de dez dias.
Submetido à votação, foi aprovado o referido prazo.
O Sr. Presidente: - Esta proposta de lei vai baixar às Comissões do Ultramar e de Legislação e Redacção.
Está na Mesa também um conjunto de propostas de alteração, apresentadas pelo Governo, às propostas de lei sobre emparcelamento e arrendamento de prédios rústicos.
Acompanham as propostas de alteração notas explicativas do Sr. Secretário de Estado da Agricultura. As propostas de alteração e as notas explicativas vão ser publicadas no Diário das Sessões, e submetidas à consideração da Comissão de Economia as relativas à proposta de emparcelamento e às Comissões de Economia e Legislação e Redacção as relativas à proposta de arrendamento de prédios rústicos.
Para os efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.º 283, 285, 286, 288, 289, 290, 292 e 294 do Diário do Governo, 1.ª série, respectivamente de 7, 11, 12, 14, 15, 16, 19 e 21 de Dezembro último, que inserem os seguintes Decretos-Leis: n.º 44 077, que revoga várias disposições dos Decretos-Leis n.ºs 32 057, 33 279 e 36 098 e dá nova redacção aos artigos 134.º, 142.º e 148.º do Decreto-Lei n.º 41 169, que modifica a orgânica e os quadros do Ministério do Ultramar; n.º 44081, que permite que os lugares de director da Cadeia do Forte de Peniche e de secretário da Colónia Penal do Bié sejam providos, respectivamente, em oficial do Exército, no activo ou na reserva, em comissão de serviço, e em indivíduo de reconhecida idoneidade com a habilitação mínima do 2.º ciclo dos liceus ou equivalente; n.º 44 084, que autoriza, o Governo a celebrar com a Companhia dos Diamantes de Angola, em nome do Estado Português e também em representação da província ultramarina de Angola, um contrato para a concessão de um crédito à referida província; n.º 44 085, que permite à Junta Nacional do Azeite conceder crédito aos olivicultores e outros detentores de azeite ou realizar com eles transacções nas condições e limites que estabelecer; n.º 44 091, que prorroga até 31 de Dezembro de 1962 os prazos de vigência dos Decretos-Leis n.ºs 37 375 e 37 402, que determinam a aplicação da pauta mínima às mercadorias classificadas pelos artigos 141, 142, 142-A, 143, 144, 144-A, 144-C, 145 e 388 da pauta de importação, os quais correspondem na pauta actualmente em vigor aos artigos n.ºs 27.09, 27.10.05, 27.10.04, 27.10.02, 27.10.03, 27.10.07, 27.10.09, 27.10.11 e 34.03.02; n.º 44 096, que regula o funcionamento do Hospital Escolar de S. João, do Porto, e revoga o Decreto-Lei n.º 41 811; n.º 44 101, que estabelece o regime a que ficam sujeitos para o efeito de retomarem ou iniciarem o estágio para a obtenção do respectivo diploma de internato os médicos internos e os médicos aprovados em mérito relativo nos concursos de admissão aos internatos dos hospitais centrais que hajam sido convocados extraordinariamente ou mobilizados em consequência de operações militares; n.º 44 109, que fixa os subsídios a que terão direito os funcionários do Ministério das Obras Públicas destacados por conveniência de serviço nos arquipélagos da Madeira ou dos Açores, e n.º 44 110, que cria no Ministério das Obras Públicas, com carácter eventual, a Comissão Administrativa das Novas Instalações para as Forças Armadas (C. A. N. I. F. A.), define as suas atribuições e extingue as Comissões Administrativas das Novas Instalações para o Exército e para a Marinha.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Convoco as Comissões do Ultramar, do Trabalho, Previdência e
Assistência Social e de Educação Nacional, Cultura Popular e Interesses Espirituais e Morais para a eleição dos respectivos presidentes e secretários.
A reunião destas Comissões pode efectuar-se, havendo número, no fim da sessão plenária de hoje, ou no dia 9, às 15 horas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cancella de Abreu.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Pedi a palavra para apresentar o seguinte
Requerimento
«Tendo em vista a notabilíssima exposição feita anteontem à Assembleia Nacional pelo Sr. Presidente
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do Conselho e a colaboração que esta deve dar ao Governo, e ainda admitindo possíveis iniciativas da própria Assembleia no que diga respeito aos problemas de Goa, julgo conveniente que a Assembleia e, através dela, o País tenham conhecimento completo das várias declarações e dos comentários feitos, nas Câmaras dos Lordes e dos Comuns da Grã-Bretanha, sobre o referido assunto, dos quais a imprensa se fez eco.
E assim, ao abrigo do artigo 96.º da Constituição e da alínea d) do artigo 11.º do Regimento, requeiro que, por intermédio do Ministério dos Negócios Estrangeiros, me seja urgentemente fornecida cópia integral, oficialmente vertida em português:
1) Dos «anteriores avisos» que, segundo informou o Foreign Office, o Governo Britânico repetiu na sua resposta ao Governo Português, quando este, em 11 de Dezembro último, lhe solicitou a indicação dos meios como aquele Governo podia cooperar com as forças portuguesas para fazer frustrar a agressão indiana.
2) Do discurso proferido, no dia 18 de Dezembro último, na Câmara dos Lordes, pelo Ministro dos Estrangeiros, Sr. Home, sobre o caso de Goa.
3) Da pergunta ao Governo Britânico formulada, na sessão da Câmara dos Lordes de 20 de Dezembro último, pelo antigo Ministro de Estado Lord Colynton, sobre as medidas que pensava adoptar quanto a Goa - com excepção das militares (sic) - para resolver os compromissos derivados do tratado com Portugal, e também da sugestão apresentada pelo leader, Lord Alexander, e a réplica daquele.
4) Dos discursos proferidos na Câmara dos Comuns, no dia 18 de Dezembro último, pelo Ministro das Comunicações, Duncan Sands, e pelo leader da oposição trabalhista, Hugh Gaitskell, sobre o caso de Goa, e réplica daquele Ministro.
5) Das moções sobre o caso de Goa apresentadas na Câmara dos Comuns, em 20 de Dezembro último, pelos deputados conservadores Thomas Moore é Erik Errington e pelo trabalhista Simon Mahon, bem como dos discursos por eles e outros proferidos a propósito, e se essas moções foram submetidas a votação e, no caso afirmativo, qual o número dos votos favoráveis e dos contrários.
6) Do diálogo que, segundo a imprensa, houve na Câmara dos Comuns entre os deputados Giggs Davinson e Wyat, numa das sessões de Dezembro último (entre 18 e 24), sobre o caso de Goa, chegando o segundo a afirmar que a paz do Mundo não foi posta em perigo por uma operação em que teriam morrido algumas pessoas em Goa para se eliminar aquilo a que ele chamou «uma anomalia».
7) Das notas de 16 e 23 de Junho, 14 de Setembro e 4 de Outubro de 1943, enviadas pelo Governo de Sua Majestade ao Governo Português e referidas pelo Sr. Presidente do Conselho na sua exposição feita anteontem na Assembleia Nacional.
Os assuntos deste requerimento, pela sua clareza e por estarem já divulgados pela imprensa, não constituem segredo de Estado e, portanto, não importam infracção do § único do artigo 96.º da Constituição».
O Sr. Meneses Soares: - Sr. Presidente: ao tomar a palavra nesta Assembleia, e pela primeira vez na VIII Legislatura, as minhas primeiras palavras são para apresentar a V. Ex.ª a expressão mais entusiástica e sincera dos meus respeitosos cumprimentos, que pretende envolver no mesmo amplexo o ilustre homem público que à causa nacional tem dado, de há muito, o melhor da sua alta inteligência e enorme saber e o querido companheiro de armas - perdoe V. Ex.ª a extrema ousadia da minha imodéstia - cujas qualidades de carácter, aliadas à maior simpatia, nós de há muito nos habituámos a admirar, com a maior confiança na sua amizade franca.
Aceite pois V. Ex.ª a mais profunda expressão da nossa grande admiração, elevada ao seu mais alto grau.
Sr. Presidente: poucos dias decorridos sobre os desgraçados acontecimentos ocorridos em Beja, na noite de 31 de Dezembro para 1 de Janeiro, não posso, como natural desta cidade, a que continuo ligado como um dos seus mais amantes filhos, como representante do seu círculo eleitoral nesta Assembleia, deixar de proferir algumas palavras, que são, ao mesmo tempo, de luto e tristeza, mas que também são, graças a Deus, de exaltação e confiança nos destinos da nossa querida Pátria, que continuamos a considerar eterna, dentro dos princípios que norteiam esse extraordinário governante, dos maiores da nossa história - Salazar -, que acaba de dar ao Mundo mais uma magistral lição de maior serenidade e certeza política, e o ilustre homem, grande figura de português na sua mais verdadeira expressão: S. Ex.ª o Presidente da República, Almirante Américo Tomás.
Nessa cidade alentejana, um grupo de homens desvairados, a soldo de ideias subversivas tão contrárias ao interesse nacional, tinha resolvido ensombrar essa noite festiva com uma proeza de bandidos, e, assim, penetrou, pela calada da noite tempestuosa, e com a ajuda de traidores, no quartel de infantaria n.º 3, com o intuito de se apoderar do mesmo e, por hipótese, aí estabelecer uma zona de retaguarda, possivelmente bem municiada, para qualquer movimento interno ou externo que, na zona do Algarve, se estabelecesse. Não nos compete, nem para isso temos qualquer competência ou informação, discutir sobre a estratégia possível, em tão criminoso como desvairado acto.
Talvez que o intuito não fosse além de criar uma zona de revolta, a que outras se seguiriam, e assim causar dificuldades internas, embora passageiras, seguidas da habitual exploração internacional do caso, com o seu costumado cortejo de infames torpezas e calúnias.
Por aqui ficaríamos, se não houvesse a lamentar, como principal consequência desse acto de traição, a perda do ilustre português, tão distinto como corajoso oficial do Exército de Portugal, o malogrado Subsecretário de Estado do Exército, tenente-coronel Jaime Filipe da Fonseca, que tombou para sempre, abatido pelas balas assassinas, no sereno e corajoso cumprimento do seu dever de governante e militar brioso, quando se dispunha a entrar no aquartelamento parcialmente ocupado pelos revoltosos, talvez por entre os fogos cruzados de sitiados e sitiantes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Formidável atitude de corajosa valentia, aliada a um sentimento do dever militar elevado ao seu mais alto cume, e que, para sempre, ficará inscrita a letras de ouro na história do nosso povo, a servir de exemplo, para os que seguem a admirável carreira das armas, olhos postos nas figuras como a que acaba de nos ser roubada do número dos vivos, e que permanecerá para sempre nos anais da glória eterna.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Perante a sua figura de prestigioso governante e de verdadeiro militar me curvo sentida e respeitosamente e se curvam todos os naturais do distrito de Beja, numa comovida atitude de respeitoso sufrágio e de comovido agradecimento, pelo sacrifício de uma vida doada em prol da firmeza dos princípios da continuação da Pátria Portuguesa e da tranquilidade da região onde teve a desdita de soltar o último suspiro.
Reverentemente nos curvamos perante a sua desolada viúva, a quem publicamente quero apresentar as nossas mais sentidas condolências, e a seus extremosos filhos, entre os quais há um que, vestindo já a gloriosa farda do Exército Português, recebe, como herança de seu pai, um magnífico exemplo do mais alto heroísmo, que lhe servirá de lenitivo para tão dolorosa perda.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Família de heróis, escola de heróis...
Sr. Presidente: antes de terminar a minha tão despretensiosa quanto entusiástica intervenção quero apresentar à alta consideração de V. Ex.ª e, com a devida vénia, à apreciação dos meus ilustres colegas da Assembleia, dois factos da maior importância, que não quero deixar de referir e pretendo bem vincados em tão esclarecidas inteligências.
O facto, que considero do maior relevo, de as populações da cidade e do distrito de Beja serem totalmente alheias a tão criminoso atentado.
As suas reacções foram da maior e mais evidente indignação e repúdio pela actuação dos traidores que até elas foram.
Todos à uma, desde o mais humilde ao mais representativo, condenam esta quebra da tranquilidade nacional a que nos habituámos, e, para mais, praticada num momento tão grave da nossa vida, em que um monstruoso crime de lesa-humanidade acaba de nos roubar uma porção sagrada do nosso território pátrio, habitado, construído e por nós civilizado há quase cinco séculos.
Diabólico momento foi o escolhido, porque o foi, sem dúvida alguma, para tentar vibrar nas nossas almas mais um golpe, como que a pretender tirar partido de uma possível fraqueza de momento.
Infelizes os que não conhecem a história de Portugal e as suas sempre prementes incidências sobre o carácter dos portugueses, que, há oitocentos anos, se habituaram a ser «de antes quebrar que torcer»!
Estes são os sentimentos de todos os habitantes do distrito de Beja, agora escolhido para teatro de tão vil cometimento.
Eles só esperam que justiça seja feita aos seus sentimentos de fidelidade à Pátria, e serão, com certeza, muito sensíveis às manifestações de solidariedade e confiança de todos os seus irmãos portugueses.
A atestar a veracidade das minhas palavras - este o segundo facto a que me quero referir - está a corajosa atitude de dois oficiais do regimento de infantaria n.º 3: o major Henrique Galapez Martins e o capitão Camilo Delgado, que, pela corajosa valentia, cheia do maior desprezo pela vida, com que reagiram imediatamente perante as ameaças dos insurrectos, condenaram desde o princípio a inevitável malogro a criminosa tentativa de ocupação do quartel do seu regimento.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Honra aos dois valentes militares, que souberam portar-se na medida das reacções a que nos habituou, de há muito, a corajosa valentia da infantaria do Baixo Alentejo.
Para esses dois homens, portugueses de lei, vão as minhas agradecidas e públicas homenagens, a que peço se associem as de toda a Assembleia Nacional,...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... tornando-as extensivas a todos quantos colaboraram na rápida neutralização desse desgraçado movimento de revolta.
Sr. Presidente: vou terminar e, ao fazê-lo, quero chamar a atenção do Governo da Nação para mais este atentado contra a própria existência da Pátria Portuguesa, pedindo para ele o mais severo e firme dos castigos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Lopes Vasques: - Sr. Presidente: é na emoção forte das horas derradeiras que temos estado a viver que dirijo a V. Ex.ª as minhas primeiras palavras.
São elas de saudação, mas quero que tenham, para além do simples cumprimento protocolar, o cunho da minha maior admiração, da admiração por quem na vida de tantos anos dedicados ao culto maior da Pátria sempre a soube dignificar e engrandecer.
É V. Ex.ª mestre de muitos portugueses que tanto o admiram, mas V. Ex.ª, para além de mestre distinto e querido, é, sobretudo, exemplo de portuguesismo.
E é este exemplo que quero especialmente destacar, no preciso momento em que ele tem especial sabor para todos os que sentem que a Pátria necessita, agora mais do que nunca, de todos os seus filhos.
Eis, Sr. Presidente, porque com respeitosíssimos cumprimentos junto a minha à já expressa e repetida afirmação nesta Câmara da nossa muita veneração por V. Ex.ª
A todos VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, apresento os meus respeitosos cumprimentos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: deixei a cidade de Beja anteontem, a viver ainda, em total repulsa, desagradada e infeliz, aquela ignominiosa intentona perpetrada contra o quartel do regimento de infantaria n.º 3.
Mais parece, pela forte reacção da população da ordeira, laboriosa e hospitaleira cidade, tal a indignação incontida de todas as suas gentes, que o miserável acto trouxe, para a história da cidade, mancha desonrosa e inapagável.
Apenas se adivinha o lenitivo que resulta de não ter havido um único bejense ou habitante do distrito no enxovalho que atingiu, nesta hora gravíssima de Portugal, a própria alma da Pátria!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Assim sente e sofre, ciosa do seu nunca desmentido e acrisolado patriotismo, aquela população alentejana!
Mas, alentejanos que somos - e as verdades têm que ser ditas -, devemos estar especialmente agradecidos por não haver gente da nossa província entre os renegados portugueses do assalto; todos sabemos que poderia ter acontecido que assim não fosse. E nem ficaríamos muito admirados. É que, pelo território de todo o Portugal metropolitano, por todos os seus distritos, sem excepção, a semente do mal vem de há muito a ser lançada e explorada, contrastando, frequentemente, o entusiasmo e desenvoltura dos que lançam essa semente daninha com a indiferença total, ou quase total, o comodismo, de todos os que tinham obrigação de saber opor-se!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Houve, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ignomínia e desonra no gravíssimo atentado de Beja. Está a cidade isenta destes gravíssimos pecados, graças a Deus.
Mas naquela noite de pesadelo desenrolou-se o acto de um processo que está cheio de vilezas e aberrações, vilezas dos que atraiçoaram e aberrações no sentir daqueles que, envergando uma farda do nosso glorioso exército, perverteram o normal e único sentimento que pode viver no peito de um soldado de Portugal e, em cúmulo de vilania, pretenderam, não pela luta, mas pelo golpe traiçoeiro, substituir os honrados soldados de um quartel por um bando de dementados civis.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A cidade de Beja sofre por tudo o que se encerra no infeliz sucesso, já o disse, mas sofre, de forma particular, por ter acontecido que, lá, num momento de grande infelicidade, tenha encontrado a morte, ainda que em total dedicação à Pátria e com toda a honra de quem sabe cair no seu posto, esse valoroso soldado, dedicado e valente, que foi o tenente-coronel Jaime Filipe da Fonseca, ilustre Subsecretário de Estado do Exército.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Comovido e emocionado, daqui transmito ao Sr. Ministro do Exército e à família do heróico oficial a expressão do meu profundo pesar e a mágoa sentida por toda a população do distrito de Beja.
E não fora isto, Sr. Presidente, não fora esta perda, que se projecta no espólio moral da Nação - o Exército ficou mais pobre e Portugal perdeu nesta hora suprema um dos seus mais dedicados, decididos e fiéis servidores -, não fora esta perda e nós só tínhamos que tirar do acto hediondo algumas lições.
A primeira seria para colocarmos o caso de Beja integrado na própria conjura que feriu de morte, há poucos dias, as nossas terras de Goa, Damão e Diu.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Até aconteceu, para maior repulsa, que em Beja, naquele magnífico quartel e em plena parada, devassado ele pela traição de dois dos seus oficiais, que abriram as portas e prepararam o ambiente, até aconteceu que lá se deram vivas, em alta gritaria, a Nehru! Deram-nas os assaltantes, por não serem capazes de gritar - tamanho é o seu ódio à Pátria - viva Portugal!
E que pretendiam eles no ataque ao quartel de Beja?
É certo que não conhecemos ainda todo o plano no qual cabia este ataque, mas sabemos do desabafo interrogativo e raivoso de um dos feridos de maiores responsabilidades poucas horas após o internamento no hospital, quando corria calma, na cidade, a manhã do dia de Ano Novo: «É forte o tiroteio na cidade?»
Se o quartel fica a 2 km, adivinhamos, ao menos por esta interrogação, o que iria suceder após a queda do quartel!
Eles pretendiam, não há dúvida, envolver a cidade em forte tiroteio.
Continuo, Sr. Presidente, a apreciar esta primeira lição:
Na Índia Portuguesa, ao lado do criminoso Nehru, esteve, desassombrado e enraivecido, o comunismo que, naquelas horas que precederam o ataque, instigou e encorajou os já ferozes desígnios imperialistas do Pândita. E, lá, o sangue português ensopou a terra generosa de Goa, Damão e Diu.
Agora, em Beja, correu sangue português mais uma vez.
Afinal e sempre, em Beja como em Goa, o mesmo inimigo, apenas com uma diferença: em Goa, actuou de fora para dentro e falou russo e inglês; aqui, actuou usando a língua portuguesa através de confessos agentes internos.
É o mesmo inimigo que está a pretender minar a retaguarda daquela primeira linha decidida e firme que salvou Angola, desta retaguarda que temos de tornar, verdadeiramente e depressa, numa outra primeira linha, porque a luta é de vida ou de morte.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E quem o desconhece? Qual o português que pode ignorar semelhante situação?
Há que fortalecer cada vez mais a unidade, mas há, também, que dar garantias firmes para que não possam acontecer intoleráveis diversões como esta de Beja,...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... que, além da intranquilidade e sofrimento para a família portuguesa, obrigou a desviar esforços que agora só podem e devem ter um fim exclusivo: dar coesão e força à nossa razão, a esta fortíssima razão de Portugal, que já fez ruir, perante o Mundo admirado, o falso pacifismo do odiento Nehru.
Nós compreendemos, Sr. Presidente, a oposição política ao regime que nos governa. Compreendemo-la e respeitamo-la quando a vemos filiada em diferenças ideológicas, mas sem discutir a Pátria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas não compreendemos oposição à Pátria. Essa só tem um qualificativo: traição!
Que todos os portugueses, Sr. Presidente, mas todos sem excepção, os menos e os mais responsáveis, apreendam a hora gravíssima de Portugal e saibam ser dignos dela. E que cada um no seu lugar cumpra. É que a negligência ou a inoperância às vezes confundem-se com traição!
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Sr. Presidente e Srs. Deputados: a segunda lição será de louvor e exaltação. Será para glorificarmos as nossas já sacrificadas e honradíssimas forças armadas.
São elas que estão a receber os primeiros golpes.
E recebem-nos dando, conforme Deus quer, ou o sacrifício máximo da vida, cobrindo-se de heroísmo, ou vivendo, às vezes milagrosamente, através do mesmo heroísmo.
Creio que posso deixar aqui, em nome da cidade de Beja, às forças que conjugaram esforços, naquela tristíssima noite do fim do ano, em volta e dentro do seu quartel, os agradecimentos de quem sabe que muito lhes ficou a dever. A cidade, ainda que não possa adivinhar o valor desse agradecimento, reconhece que ele é de altíssimo preço. Mas deseja a cidade destacar, entre todos os que deram tanto de si próprios, esse decidido e magnífico major Calapez Martins,...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... herói enorme das primeiras horas, em que sozinho, lutando contra tantos, resolveu os mais graves e definitivos problemas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E depois o capitão Camilo Delgado, seu companheiro decidido e valente...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ...na determinação de recuperar o quartel. São dois distintos oficiais do regimento de infantaria n.º 3, um natural de Beja e outro seu filho adoptivo pelos laços fortes do coração. Haveria ainda a destacar o telefonista de serviço, valente e esforçado, mas dele não consegui até agora saber o nome.
O Sr. António Santos da Cunha: - O que é pena é que ele não tivesse sido dado à imprensa.
O Orador: - Até fiz um telefonema para Beja, mas responderam-me que não dariam o nome antes da conclusão do inquérito.
Admito que possa ter abusado em algum sentido, que não no conceito em que tenho esta nobilíssima Casa, trazendo, desde já, a esta tribuna e antes do conhecimento de inquéritos, o nome dos dois esforçados oficiais do regimento de Beja; mas o sentimento de gratidão que senti vivido por toda a cidade imperou e penso que os seus nomes ficam bem nesta sala de Portugal, que ficam bem, ouvidos aqui, ao lado do nome já saudoso do malogrado tenente-coronel Jaime da Fonseca. E sinto mais: que me honro e que cumpro, no acto, a mais elementar justiça.
A gratidão é um sentimento que faz parte da idiossincrasia portuguesa e Beja sabe quanto ficou a dever, na noite do fim do ano de 1961, a quem tão alto levantou o nome do exército português; sabe quanto ficou a dever a essa organização que é honra e glória de Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Valente de Carvalho: - Sr. Presidente da Assembleia Nacional: são para V. Ex.ª os meus primeiros cumprimentos e as minhas maiores homenagens, pois,
sendo V. Ex.ª um dos elementos de maior valia na política da Nação, é-me muito grato aqui nesta sala, onde se reúnem os valores que o eleitorado entendeu por bem escolher para discutirem e defenderem os seus legítimos interesses, prestar a V. Ex.ª o meu profundo respeito e a mais alta consideração, congratulando-me sinceramente em ser presidido pela vossa eminente figura de tão alto relevo na vida nacional.
Srs. Deputados: são para VV. Ex.ªs os meus amigos cumprimentos e o pedido de pacientemente me ouvirem por uns escassos minutos, para que se não causem.
Prometo-lhes solenemente que não usarei de floreados na retórica e tão-pouco palavras vazias de conceito, mas sim garantir-lhes que falará o coração de um velho militar que só diz o que pensa e é escravo do dever e da profissão.
Tratarei assim de três factos dolorosos que se verificaram durante o período de férias do Natal.
1.º caso: o nosso Estado da Índia. - Nehru e a sua quadrilha fizeram-nos um roubo à mão armada, e fizeram-no encobertos num falso pacifismo e com o olhar complacente, porque não dizê-lo, de nações que tanto e tanto devem à nossa lealdade e boa fé e ainda ao nosso auxílio desinteressado em defesa da civilização ocidental, civilização essa que os nossos guerreiros e missionários de antanho levaram a tão longínquas paragens com a cruz e a espada.
A Pátria, que sofre na sua carne, e o sangue de seus filhos que já correu, são para nós os penhores seguros de que devemos lutar, lutar sempre, para vingarmos os que se sacrificaram e procurar reaver o que fraudulentamente nos tiraram.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Procedendo assim, seremos dignos desta mesma Pátria e mostraremos ao Mundo o que é a honestidade de princípios, o que são as virtudes militares e o que é o respeito pela propriedade alheia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Só queremos o que é nosso, só exigimos o respeito pelos tratados que assinámos e que, afinal, nos vemos honestamente obrigados a anular em virtude da falta de cumprimento de outros.
2.º caso: a intentona em Beja. - Não tenho por hábito e por carácter bater em vencidos - de resto, devo acentuar, não procederiam de igual modo, se saíssem vencedores,...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... os que assaltaram traiçoeiramente o quartel do regimento de infantaria n.º 3, mas sinto-me no direito de verberar o acto miserável praticado por indivíduos, infelizmente portugueses do nome, mas internacionais de alma,...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... alguns até envergando uma farda, que na sombra da noite, com a ajuda nojenta e cobarde de dois ou três elementos da família militar, a que felizmente já não pertencem hoje, por decisão oportuna de S. Ex.ª o Ministro do Exército, assaltaram um quartel.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Para quê? Para, contando com outros assaltos do mesmo género, em locais diferentes, instaurarem em Portugal um regime de que eles seriam, estou certo, as primeiras vítimas.
Quando os que combatem em Angola e os que estão vigilantes em defesa do solo pátrio em outras províncias de Portugal precisam da nossa união, eis que aparecem elementos sem alma portuguesa, agindo torpemente e guardando nos seus corações o rancor e o ódio pelo homem a quem tudo devem, quer o sossego dos seus lares, quer até o seu sacrifício permanente por uma Pátria que estremecemos.
Há, meus senhores, que estarmos vigilantes, não actuando só com palavras, mas sim também pelas acções, pois os movimentos subversivos não pararam com este caso passado em Beja, pois estão em movimento também os atentados pessoais, as traições, e até, porque não dizê-lo, apoiados financeiramente por indivíduos que têm um pé aqui e outro ali, para assim se garantirem, esquecendo-se, porém, de que também há candeeiros e balas para eles.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - 3.º caso: a morte de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado do Exército. - S. Exa., a quem aqui nesta Assembleia presto a minha maior e saudosa homenagem, caiu no campo da honra.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A sua alma de tenente, o dever do seu alto cargo, o seu brio e pundonor, a sua inalterável lealdade e o amor profundo à farda que envergava levaram-no ao campo de combate, onde, de um lado, se actuava em campo descoberto, e do outro, a coberto de edifícios assaltados pela calada da noite, e caiu varado por uma rajada de metralhadora, arma esta talvez de marca estrangeira, clandestinamente introduzida no País, como tantas outras, para liquidarem os portugueses de lei que se batem pelos sagrados interesses da Pátria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Honremos e glorifiquemos pois a sua memória, e que o seu nobre gesto seja por nós seguido quando disso houver motivo.
Concluo, Sr. Presidente e prezados Colegas, estas minhas sinceras e modestas palavras, ditadas pelo coração amargurado de um português que sofre, como VV. Ex.ªs, o doloroso momento e que, afinal, a nossa fé inquebrantável nos destinos da eternidade da Pátria é, para nós, um lenitivo e incitamento para nos agruparmos em pensamento e acção em volta de SS. Exas. o Chefe do Estado e o Presidente do Conselho, para assim vencermos a batalha que nos impuseram.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Resta-me proferir com toda a minha alma de português e combatente estas últimas palavras: bem haja, Sr. Presidente do Conselho, pelo seu mais que magistral discurso lido nesta Assembleia Nacional no passado dia 3, que traduz, pelo profundo conhecimento que V. Ex.ª tem do povo português, o que ele
sente e sofre quando os inimigos e os falsos amigos pretendem amesquinhá-lo ou lhe roubam ignominiosamente o que é muito seu.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumpimentado.
O Sr. Henrique Tenreiro: - Sr. Presidente: como militar, como Deputado, como português, não podia deixar de dizer algumas palavras sobre a tentativa de assalto ao quartel de infantaria n.º 3, em Beja.
A gravidade desses acontecimentos não pode ser encarada pelo seu volume, nem pela sua extensão, mas apenas olhando ao momento presente, em que todos nós vivemos surpreendidos pela estranha evolução da vida internacional, que atinge directamente os nossos mais legítimos direitos.
Só um bando de traidores, indiferentes ao prestígio de Portugal, poderia tentar um golpe subversivo a dar eco às intrigas e aos ataques que ultimamente têm partido com a maior insistência do exterior, num momento em que todos os bons portugueses vivem recolhidos num sentimento de tristeza e luto emocionadamente impressionados pelos acontecimentos de Goa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este procedimento, na hora que estamos vivendo, comandado por terceiros, numa tentativa de demonstrar lá fora que Portugal não está unido e, principalmente, que os portugueses discordam da política do Governo - um ataque desencadeado assim e nesta altura, sem outro objectivo que não fosse o de fomentar a intriga e a discórdia junto das esferas exteriores, cada vez menos firmes e mais confundidas -, não pode deixar de considerar-se como crime de alta traição à Pátria.
O Sr. André Navarro: - E que, como tal, deve ser punido.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Foi precisamente a coesão das forças da ordem, do Exército, da Guarda Republicana e da Polícia, e as enérgicas medidas tomadas pelos Srs. Ministros do Exército e do Interior que fizeram gorar rapidamente um plano que deve ter levado imenso tempo a concretizar, com o financiamento e o apoio facilmente desmascarado com a origem estrangeira das moedas encontradas nos bolsos de um dos assaltantes, que tombou varado pelas balas da nossa defesa.
Essa coesão das forças armadas, de que é exemplo nobilitante a decidida e corajosa acção do major Calapez...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... e dos soldados que o acompanharam, deita por terra a intriga que os traidores e o partido que eles servem pretendiam mostrar ao Mundo como um exemplo a dar razão às potências estrangeiras que consentem ou tomam a iniciativa de invadir os nossos territórios.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Enganaram-se os que pensavam encontrar muitos mais que os acompanhassem nessa tentativa.
Em vez disso, viram-se perante uma força de resistência insuperável. Viram-se esmagados pelas armas dos bravos soldados portugueses, que sabem distinguir as cores da sua bandeira.
À frente dos nossos soldados colocou-se, espontaneamente, com o maior espírito de sacrifício, numa demonstração do mais alto sentido do dever, o Subsecretário de Estado do Exército, tenente-coronel Jaime da Fonseca. Quis aquele oficial ir pessoalmente observar e actuar junto das forças da ordem para que, rapidamente, fosse aniquilada a intentona que teve por objectivo o quartel de infantaria n.º 3.
Por infelicidade, vítimma do seu heroísmo, o tenente-coronel Jaime da Fonseca expôs-se de mais e encontrou a morte numa rajada traiçoeiramente disparada pelo inimigo.
Como amigo e admirador do distinto oficial, não podia deixar de levantar a minha voz nesta Assembleia para prestar homenagem à memória de um português, um militar na verdadeira acepção da palavra, exaltando essa figura de homem, de nacionalista e de patriota que não hesitou em expor a sua vida de maneira a perdê-la, dando provas de uma grande dedicação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Neste momento, em que está em jogo a integridade da Nação, todos os portugueses devem despojar-se das suas queixas, dos seus desgostos e dos seus interesses para se consagrarem exclusivamente à Pátria,...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... seguindo o valoroso exemplo daquele oficial, e poderem enfrentar, todos unidos, aqueles que pretendem derrubar-nos, dividir-nos e, principalmente, destruir o nosso sagrado património nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Chegou a altura de terminarem as contemporizações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É o momento de estarem bem firmes as mãos dos que dirigem para podermos, internamente, trabalhar em descanso, progredir e acudir às prementes necessidades do País.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O povo, todo ele, necessita do apoio amigo, mas firme, dos governantes, pois sem isso não será possível sentir as boas obras e as medidas tomadas para o progresso de Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Soou a hora de cerrarmos fileiras ao redor dos nossos chefes, afastando do caminho todos os que, por comodismo, incapacidade ou divergências políticas, possam dar a falsa ideia da desunião e discórdia entre os portugueses.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Só assim poderemos evitar que sejam atraiçoados os sagrados direitos da Nação.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Mário Gallo: - Sr. Presidente: tristes e lamentáveis acontecimentos enlutaram Portugal e os portugueses ao findar do ano de 1961. Eles foram magistralmente comentados, na sua origem, nos seus efeitos e nas suas consequências, pelas palavras do Sr. Presidente do Conselho que anteontem aqui tivemos a honra de escutar. Foram as hordas da União Indiana que invadiram os nossos territórios de Goa, Damão e Diu, nossos de mais de 400 anos, e os bravos defensores daquelas longínquas parcelas da pátria lusa não podiam deixar de «ser esmagados pela força bruta do agressor, que, contra um punhado de homens que de antemão sabia serem mais que valorosos, não hesitou em lançar ataques maciços das suas forças de terra, mar e ar.
Mais uma vez o sangue português correu na terra de nossos maiores e, apesar da existência de uma organização internacional, utòpicamente criada, em pleno século XX, para evitar a guerra e as agressões, perante a indiferença de governos amigos, ou falsamente amigos, o aplauso de inimigos poderosos e a impotência de verdadeiros aliados, assistimos confrangidos, desiludidos e torturados a uma tentativa de espoliação do que legitimamente nos pertence, do que nunca a ninguém extorquimos, de territórios e de gentes que só em paz queriam viver, e só um torrão para si e para seus filhos pretendiam para sempre também só conhecer: a pátria única de todos os portugueses.
Correu sangue lusitano no Portugal ultramarino ao findar o ano de 1961, e logo no alvorecer do ano de 1962 mais tristes, dolorosos e também lamentáveis acontecimentos vieram enlutar lares portugueses do Portugal metropolitano.
Na hora em que é hábito e costume juntarem-se as famílias para festejar o alvorecer do novo ano, nesta hora em que, desta vez, os corações lusitanos se encontravam amargurados e contritos perante os penosos acontecimentos da Índia, houve maus portugueses que quiseram perturbar a paz da nossa terra e que não hesitaram em aproveitar o dia e a hora que julgaram mais oportunamente servir a sua triste missão de traição à Pátria, para assaltar um quartel, numa tentativa de espalhar a perturbação e o desassossego.
Mas não foi ainda desta vez que os inimigos da nossa Pátria viram coroados de êxito os seus cruéis desígnios. O serviço de ordem foi corajosamente posto alerta, e, passados os primeiros momentos de surpresa, imediatamente entraram em acção os meios necessários para dar combate e aprisionar os traidores.
O tenente-coronel Jaime da Fonseca, ilustre Subsecretário de Estado do Exército, prevenido telefonicamente em sua casa do que em Beja se estava passando, não hesitou um momento em se dirigir àquela cidade para tomar parte directa na acção que se desenrolava, e que ele, com o seu espírito militar íntegro e justo, não podia deixar de condenar e combater com todas as suas forças.
O lugar de comando que ocupava aconselhava que não expusesse a sua preciosa vida aos azares da luta que se estava travando, mas ele, que não podia admitir a traição, não se resignou a ficar encerrado num
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gabinete a instruir as operações e partiu, partiu mesmo conduzindo ele próprio o seu automóvel, na ânsia de mais rapidamente alcançar o terreno da luta.
Pelo caminho, o excesso de velocidade em que se deslocava quase ia provocando um acidente, mas o bravo tenente-coronel Jaime da Fonseca imediatamente afirmou aos que o acompanhavam que não tivessem receio, pois queria chegar vivo a Beja.
A sua corajosa acção já é bem conhecida. Tombou no campo da luta em defesa do ideal que sempre o acompanhou na vida, em defesa da justa causa de todos os portugueses. Honrou a farda que vestia, honrou a família a que pertenceu, honrou a terra que lhe foi berço e a Pátria que tanto estremecia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que me sirva quase das mesmas palavras por V. Ex.ª anteontem aqui proferidas, para afirmar mais uma vez que, com o trágico desaparecimento do tenente-coronel Jaime da Fonseca, o Exército perdeu um dos seus mais valorosos oficiais, a Pátria um dos seus mais leais e dedicados servidores e o distrito que aqui represento um dos seus mais ilustres filhos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Inclino-me respeitosamente perante a memória do amigo que também perdi, e daqui, deste lugar, dirijo à sua família as sentidas condolências dos Deputados pelo círculo de Leiria, a que, não tenho a menor dúvida, se associam todos os meus ilustres colegas desta Assembleia.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Para sua viúva, para sua filha e genro, para seu irmão e para seu filho, que veste a mesma farda do glorioso Exército a que já pertenceram e tanto honraram seu avô e seu pai, vão os nossos profundos e sentidos pêsames.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O funeral, em Leiria, do malogrado tenente-coronel Jaime da Fonseca, foi manifestação de pesar como outra nunca houve na cidade do Lis. Milhares de pessoas de todas as categorias sociais, de todos os credos, quiseram prestar a sua última homenagem de saudade ao filho daquela terra que, para paz e sossego de todos nós, tão generosamente deu o mais precioso bem que possuía: a sua própria vida.
Sobre toda a enorme multidão que acompanhou o corpo do tenente-coronel Jaime da Fonseca à sua última morada pairava um sentimento de profunda dor e também de assombro, de assombro por se verificar que uma vida de português, generosa e boa, tinha sido ceifada por virtude de ideias estranhas e insensatas, por perturbações que, com ocultos e inconfessáveis fins, se pretende espalhar sobre a terra portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Que o sacrifício da vida do tenente-coronel Jaime da Fonseca não tenha sido em vão, que as consciências dos transviados portugueses acordem do sono de letargia em que elementos estranhos as souberam mergulhar, que todos os portugueses de todas as raças e credos se unam contra o perigo comum que do exterior marcha sobre as nossas terras, são os votos que todos nós devemos formular neste dealbar do ano de 1962.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes de Oliveira: - Sr. Presidente: ao ter a honra de, pela primeira vez, erguer a minha voz nesta tribuna, não posso deixar de expressar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o testemunho da mais respeitosa admiração pelas altas qualidades que o caracterizam. Tenho seguido atentamente a actuação de V. Ex.ª na vida pública, e justo é pôr em relevo a maneira elevada e séria como V. Ex.ª sempre procurou dignificar as missões que lhe foram confiadas, pelo que bem merece de todos nós a mais franca e leal dedicação.
Não quero também deixar fugir esta oportunidade sem dirigir uma saudação muito sincera a todos os Srs. Deputados, com a certeza de uma leal colaboração.
Para uma estreia parlamentar, confesso que não foi este o momento mais feliz, pois que sinto a voz embargada pela comoção a que nos levaram os últimos acontecimentos e o coração dilacerado por tanta ignomínia e traição.
Depois do magistral e conceituoso discurso do Sr. Presidente do Conselho, que no dia 3 tivemos a suprema felicidade de aqui ouvir, confesso que passei horas em recolhido silêncio a meditar em tão clara, arrebatadora e firme exposição. E fui então como que impulsionado a pronunciar estas breves palavras.
Ao iniciá-las, quero, antes de mais, deixar aqui bem expresso o meu indelével sentimento por todos aqueles que tombaram em defesa do património sagrado de Portugal e ainda uma palavra de exaltação e de orgulho pelo elevado espírito de sacrifício e de heroísmo que sempre foi apanágio do exército português.
Seguidamente, e como resultante de uma profunda mágoa, lavrar o meu indignado protesto pela bárbara agressão de que Portugal foi vítima, perpetrada por esse cínico e balofo Pândita e seus sequazes, com total desprezo pelos direitos e deveres internacionais. Esse homem sem escrúpulos, que andou a ludibriar o mundo ocidental, revelou ainda uma cobardia inqualificável ao lançar contra os pequeninos territórios de Goa, Damão e Diu, um poderosíssimo exército, enquanto foge como um rafeiro nas questões com a China Continental. Pois mesmo perante essa enorme desproporção de forças podemos hoje como há 500 anos, aproximadamente, dizer ainda que nunca tão poucos fizeram tanto...
Salazar escreveu realmente para a história, com aquela autoridade e superioridade que só os grandes homens, na melhor acepção da palavra, podem fazer.
Definiu com precisão notável as diligências junto dos Governos da Inglaterra, dos Estados Unidos e do Brasil quanto aos nossos territórios da Índia e as posições tomadas por esses mesmos Governos, de molde a que a Nação ficasse suficientemente esclarecida. E soubemos também como fomos parar a essa falida O. N. U. «a pedido da Inglaterra e dos Estados Unidos, com o argumento da necessidade de reforçar a posição ocidental em qualquer emergência». Sim, a pedido de duas grandes potências que tudo têm feito para desagregar a posição ocidental e para tornar ver-
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dadeiramente insustentável a posição do nosso país nessa desacreditada O. N. U., cuja seriedade de processos e forma de actuação já não inspiram confiança ou proporcionam qualquer defesa contra as mais sórdidas agressões.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E com plena justificação Salazar diz que há hoje na Índia um pequeno país despojado pela força dos seus territórios e às portas de Goa duas grandes potências também vencidas - a Inglaterra e os Estados Unidos -, e isto prenuncia para o Mundo uma temerosa catástrofe. É triste e desoladora - acrescenta - a derrota dos pequenos, mas é incomparavelmente mais grave a impotência dos grandes para defender o direito. Este presságio faz estremecer e, lamentavelmente, corresponde a uma dolorosa realidade.
Entretanto, apesar das muitas vicissitudes, perigos e ciladas resultantes dessa torpe e cínica campanha de mentiras e de malquerenças desencadeada contra Portugal pelo grupo afro-asiático-comunista e com a ingénua e degradante complacência e maior descrédito de alguns países que, indirectamente, estamos a defender, continuamos a dar ao Mundo o exemplo vivo de quem sabe o que quer e tem a noção exacta das responsabilidades.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Todos os portugueses sentem na inteligência e no coração o perigo e a grandeza desta hora, mas confiam na acção do Governo e na firme orientação que nos foi e é transmitida por aquele que encarna o mais nobre e dignificante exemplo de toda uma vida posta ardentemente ao serviço da Pátria - Salazar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O mal de que sofremos, já um dia o afirmei, é o de pertencermos a um Mundo enfermo e desorientado, e é dentro das nossas possibilidades, que podem ser grandes, se trabalharmos com fé e patriotismo, que deveremos lutar entusiasticamente contra essa desorientação, que tudo pode subverter. Vivemos, na realidade, uma época trágica, uma época de inquietação e de angústia, em parte motivadas por certas nações do bloco ocidental - como a Inglaterra e os Estados Unidos - se preocuparem demasiado com os interesses de ordem material, revelando uma insensatez, desorientação e falta de visão impressionantes da situação política internacional. Ainda estão no meu pensamento as palavras proferidas pelo Sr. Presidente do Conselho quanto à nossa presença na O. N. U. e que definem o rumo único e mais aconselhável a seguir: «E entretanto recusar-lhes-emos a colaboração no que não seja do nosso interesse directo».
Os portugueses, embora tivessem preferido sabê-lo por comunicação directa do Governo, tomaram ontem conhecimento pelos jornais, e com grande satisfação, em notícias emanadas de Nova Iorque, de que Portugal se contava entre os países que se recusaram a suportar as despesas das Nações Unidas no Congo. Ora, dentro da linha de rumo estabelecida pelo Sr. Presidente do Conselho comporta-se mais uma atitude a adoptar: é a de pura e simplesmente cessarmos o pagamento
da nossa quota a essa Organização, porque pagá-la constitui uma forma de colaboração que não corresponde ao nosso interesse directo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nem corremos qualquer risco ao tomar tão justificada atitude, pois que do mais grave - que seria a expulsão - não temos o mínimo receio e às mesmas consequências estão sujeitos muitos dos outros países que não têm as legítimas razões de queixa que nos assistem.
Mal vai para o Mundo deixar-se iluminar mais pela luz do materialismo do que pela luz da fé, pois que se fosse esta a rasgar o véu da noite tenebrosa estaríamos todos, neste momento, mais confiantes na sorte desse mesmo Mundo. Assiste-se a uma inversão quase total dos conceitos da moral, da verdade e da justiça, para levar os povos a uma encruzilhada de caminhos cujo destino é impossível conhecer.
A par dos inimigos externos, atentemos também naqueles que a soldo de potência estrangeira procuram por todos os meios trazer a intranquilidade à terra portuguesa, terra que lhes foi berço mas que traem da forma mais vil.
Todo o País se levanta neste momento perante essa acção de ignomínia e de traição perpetrada em Beja. Ao inclinar-me, com o mais profundo sentimento, ante a memória do Sr. Subsecretário de Estado do Exército, entendo que devo clamar bem alto que, tendo o Governo consigo o espírito da Nação na sua continuidade histórica, não pode nem deve consentir que de novo se ergam, com intuitos de destruição, as bandeiras rubras do ódio e da violência que os fanáticos da desordem e da subversão teimam em agitar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Pois daqui, desta tribuna, a que só a minha profunda e inquebrantável dedicação à causa nacional me prende, direi que se impõe uma repressão enérgica a todos os falsos portugueses que por aí vagueiam a pretenderem perturbar a ordem em que temos vivido e, pior do que isso, a revelarem-se como os mais abjectos traidores à Pátria e que têm o nome de portugueses apenas por terem nascido em Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Política de unidade, sim, mas não de transigência para com aqueles, sejam quais forem os lugares ou posições que ocupem, que em momento difícil da nossa história procuram enfraquecer e denegrir a Pátria. E este o apelo que faço ao Governo, em nome do bom povo português que aqui represento, aguardando confiadamente uma firme e decidida actuação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sales Loureiro: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: ainda ecoa nesta sala a magistral lição do primeiro português do nosso século. Há ainda luto, funda desolação em nosso coração, mas isso não me embarga a oportunidade, o feliz ensejo de saudar V. Ex.ª, Sr. Presidente, e em V. Ex.ª homenagear o catedrático eminente, o estadista insigne, o venerando membro do
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Conselho de Estado, que, numa oferta integral, ofertou os seus preciosos bens - os da inteligência, os morais e os do coração - a este país, que, numa hora feliz, interpretando o sentir nacional, elegeu V. Ex.ª para presidir ao mais alto órgão da Representação Nacional. Quero também saudar com respeitoso apreço o antecessor de V. Ex.ª, Sr. Conselheiro Albino dos reis, e também do mesmo modo saúdo o nosso ilustre colega representante da Índia Portuguesa, essa Índia insubmissa que há-de regressar ao lar paterno para se cumprir por inteiro, para se realizar Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Falou Salazar e, como sempre, a Nação, desde o Minho a Timor, ouviu-o.
Era a alma - amargurada, mas esclarecida - da própria Pátria que falava; e entendeu-o, claramente, o coração do País!
E que a terra sequiosa dos trópicos engole de novo, ávida, precioso sangue português!
Há luto e dor por uma razão de independência, pelo persistir de um mundo, alimentado pelo único e verdadeiro humanismo: o humanismo cristão!
Salazar, procurando dar à Nação o rumo que o próprio País traçou, faz seguir a mensagem de um povo cuja gesta se perde nas neblinas dos montes Hermínios e se espraia, numa missão civilizadora, pela salsugem dos oceanos!
Poderão as outras potências trair o ideal sublime que dourou a existência feliz da humanidade; nós, portugueses, é que continuaremos dispostos a prosseguir no único caminho que a história nos ensinou, num lema que ainda não esmoreceu - pela Fé, pela unidade intercontinental do País!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: viveu e vive a Pátria horas negras, das mais longas que lhe foi dado viver, no seu devir histórico, preso à argamassa dos séculos.
Horas prenhes de escuridão e tortura, todas feitas de vigílias, de combates e de sangue!
Há crepes por todo o País, como os há nesta Câmara, o órgão mais elevado da Representação Nacional e que, comovido, se inclina em rendida homenagem à morte indevida, mas gloriosa, de seus filhos!
Goa, Damão e Diu, as mais brilhantes constelações do céu sem mácula da melhor epopeia portuguesa; Goa, Damão e Diu, pedaços de história viva, arrancados ao bronze da eternidade, após uma luta desigual, caíram sob a pata ignominiosa do colosso indiano!
A paz, o direito, a justiça, a determinação de um povo que é português e que só português quer ser; os direitos de uma Carta que se chamou das Nações Unidas; tudo isso foi vilipendiado por um crime sem escrúpulos, que não tem par nos anais da história contemporânea!
Tivemos de ceder ante o peso militar dos inimigos e frente à cobardia, à fraqueza, à mentira execrável dos amigos, paralisados pelo mais abjecto veto da nossa época.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: tudo o que aconteceu revela, porém, que, nas horas graves, Portugal só pode contar consigo próprio.
Todavia, nós nada perdemos, porque mantivemos intacta e impoluta a afirmação de uma política multirracial, numa civilização ocidental e cristã que a força bruta da agressão revelou não ser uma definição falsa ou apressada, mas todo o substrato de uma política coesa, verídica, cheia de rigor lógico e que se vem desenvolvendo, com a maior exactidão, num plano multissecular.
Nós nada perdemos porque de nada abdicámos; com o heroísmo dos nossos soldados, dos nossos marinheiros, reafirmámos o direito de usarmos, hoje como ontem, o nome bendito de portugueses!
Ao contrário, a Índia, ganhando geogràficamente os nossos territórios, tudo perdeu.
E se o Estado Português da Índia era um espinho na carne indiana, de agora para o futuro sê-lo-á e ainda mais acerado, não só na carne mas também na alma desse povo bárbaro, que só sabe ser forte com a desproporção das suas forças.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o tribunal da história há-de julgar Nehru, esse homúnculo de meias calças, como o maior criminoso do século XX, pois esse foi já o veredicto da consciência humana, revoltada por uma guerra sem dignidade, apoiada no ódio racial e na ilimitada ambição de um homem pela sevícia do poder. O caso de Goa serviu para demonstrar no Ocidente de que lado sopram os colonialismos e qual o verdadeiro sentido que lhes deve dar.
Serviu ainda para verificar todo o desarticulamento de um mundo putrefacto, que, agarrado às saias do medo, finge acreditar nas coexistências e nos pacifismos dos maiores belicistas do nosso século.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Deu-nos ainda ensejo para observarmos como se salpica de lama uma das mais antigas alianças!
Mas Deus seja louvado, porque nos dá também a oportunidade de exigirmos dos nossos amigos e aliados que fixem os limites dos seus pactos; e, se eles não se aplicarem a todo o espaço português, tal como o define a Constituição, tenhamos a coragem de os abandonar, porquanto, sós ou com novas alianças, queremos ser os únicos senhores dos nossos destinos!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas para que a Nação persista, para que se mantenha tudo o que é português, indispensável se torna que a frente interna se revigore, que a unidade nacional prevaleça.
Desta forma, neste momento em que a Pátria sangra, qualquer divisão da família portuguesa, qualquer aventura interna, tenha que objectivo tiver, é crime execrando que a consciência nacional não perdoa, porque equivale à mais autêntica e abominável traição.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Cerremos fileiras, colmatemos as nossas brechas, orgulhemo-nos das nossas forças armadas e, fornecendo-lhes os meios militares que a situação exige, mobilizadas todas as energias da Nação, rasguemos no crepúsculo sombrio dos nossos dias as vias que hão-de fazer retornar à Pátria os pedaços lusíadas do Indostão!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Sr. Presidente! Srs. Deputados! Temos fé, obstinada fé, nos dias de amanhã.
Mas não pode haver amanhã sem juventude, porque ela é o capital mais precioso do futuro da Nação!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E para que esse capital renda e se transforme em moeda corrente nas transacções da história, importa que o preservemos de nefastas influências.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A honra nacional exige que expurguemos dos nossos jovens tudo o que prejudique o seu portuguesismo, toda a subestimação dos princípios ético-jurídicos em que assenta a nossa civilização!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não deixemos pender seja o que for de português, nesta hora grave que, por ser de verdadeira provação, é a hora mais decisiva, mais autêntica de Portugal!
Abracemos com fé a esperança do dia de amanhã, cientes de que os dedos da Pátria, estendendo-se, desmedidamente longos, por entre os universos infinitos das estrelas, hão-de irradiar todo o esplendor da nossa razão, rasgando nas rotas da ignorância uma nova aurora - a da nossa certeza!
Caminhemos, pois, de braços abertos para ela, ao encontro dessa alvorada húmida do suor das gerações de séculos, aspirando o aroma vitalizante do heroísmo, e a Pátria será maior, será Portugal a reencontrar-se com o passado, no caminho largo e promissor do futuro!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Martins da Cruz: - Não usufruí, Sr. Presidente, da proveitosa honra de poder escutar V. Ex.ª na cátedra da gloriosa Universidade de Coimbra, ao longo dos séculos e das gerações ela própria farol cimeiro e perene da mais genuína portugalidade.
Não pude aí beneficiar do seu profícuo magistério, que um espírito cintilante havia de situar na linha dos grandes mestres que deram timbre secular à notabilíssima e vetusta escola conimbricense.
Pesa-me que assim haja acontecido, já que a fatalidade do tempo me não consente mais o regresso aos anos da escolaridade.
Contudo, razões tenho para agradecer-lhe, Sr. Presidente, quanto hei aproveitado da proficiente lição que à margem da função docente V. Ex.ª nos vem dando na sua vida exemplar de homem público, que é também magistério, que, nem por se afigurar a alguns mais fácil de atingir, detém, no entanto, menor responsabilidade ou se satisfaz com menor espírito de isenção, de austeridade, de labor ou de sacrifício.
Ingressar nesta Assembleia e nela poder contar com a direcção sapiente, o conselho avisado, o engenho penetrante, o exímio estadista, com tantos e tão assinalados serviços prestados à Nação, infunde-me na alma alento e esperança, desanuvia-me o horizonte que nesta nova função a minha insuficiência carregara de preocupados receios e temores e inclina-me não tanto à ousadia de felicitar V. Ex.ª pela eleição para o lugar que ocupa com toda a justiça, mas, sobretudo, a regozijar-me no meu íntimo, por ser a mim que a fortuna mais favorece, ofertando-me generosamente a honra de poder servir os mais elevados interesses nacionais sob a presidência de V. Ex.ª, que me permito homenagear como um dos mais expressivos valores da vida portuguesa do nosso tempo.
«Calamidade para a madre Europa é que Salazar não presida aos destinos de uma das suas grandes potências» - escreveu em singular apreço um dos mais atilados críticos da política do velho Mundo.
Sem menosprezar o alto conceito que a lamentação contém, não a perfilho, contudo, inteiramente. São insondáveis os arcanos de Deus e bem carece o Mundo todo, na tragédia horrível que o ronda, do nobre e intimorato exemplo na defesa intransigente dos grandes valores morais e espirituais - únicos que podem ainda resguardá-lo das trevas e do abismo.
Tal exemplo será mais vivo, mais eficaz, mais lancinante mesmo na medida em que for posto frente aos olhos da humanidade precisamente por quem, servindo um povo pequeno, que não constitui potência económica e militar de envergadura, não possa vir a ser acoimado de por ele pretender escolher interesses e ambições de domínio.
Trazido assim à contemplação das nações da Terra por quem faz daqueles valores o esteio primeiro da sua própria sobrevivência, tal exemplo avoluma-se na sua pureza e nele acabarão em reparar ainda os mais cépticos.
Agradeço à Providência viver em tais dias a saber os países de todas as latitudes contemplando com agrado ou desagrado o salutar exemplo que podemos oferecer-lhes guiados e conduzidos por esse homem excepcional, da teoria dos grandes capitães da história que a Providência sempre nos tem concedido para salvação da Pátria nos ciclos da sua provação maior.
Quase todos se escandalizam com a sua conduta? É essa a prova absoluta da sua necessidade: por todos os ângulos do Mundo se perdeu, se extraviou è se abastardou a mais elementar noção dos princípios e dos valores que, aperfeiçoados ao longo dos milénios, são os únicos que podem dar sentido de alevantada dignidade à vida individual e colectiva à superfície da Terra.
É ao homem providencial que pelo seu exemplo nos tornou luzeiro neste Mundo em decadência e neste confrangedor crepúsculo da civilização nos tornou escândalo da verdade, da verdade da história, da verdade do direito, da verdade da moral, que desejo prestar homenagem da minha profunda veneração, do meu incondicional apoio, da minha dedicação total, até ao sacrifício que Deus for servido determinar.
Permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que nesta desluzida peroração assinale ainda com uma palavra singela o preito da minha viva admiração pelo superior merecimento de quem o precedeu nesse lugar que tanto honrou e nele tanto se honrou - o Sr. Conselheiro Albino dos Reis.
Largas dezenas de anos de vida pública, dedicados com a maior isenção possível aos interesses da Pátria, vividos no exercício dos mais elevados cargos com a mais impressionante simplicidade, traduzem todo o magistério social e político que enobrece quem o praticou e dignifica as instituições que serviu.
Serviu-as com exemplar abnegação, mantendo inalteràvelmente, tenazmente, uma modéstia surpreendente e rara, que edifica quantos alguma vez a puderam apreciar e bem exprime como é possível servir o Poder nos
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escalões mais elevados em humildade e desprendimento, sem buscar outro prémio que não seja o próprio servir.
Uma vida pública assim percorrida constitui um exemplo e um estímulo, exemplo e estímulo para quantos podem ser tentados a supor na actividade política acesso fácil e fatal à grandeza e à ostentação. Bem haja, Sr. Conselheiro Albino dos Reis, por tal exemplo e tal estímulo.
Acompanhámos há um mês à sua morada derradeira, que ele quis fosse em pobre campa rasa, a condizer com toda a simplicidade da sua vida despretensiosa, Mons. António dos Santos Carreto, que a grave doença de que viria a sucumbir afastou, ao cabo de duas legislaturas, desta Casa, que ele tanto perlustrara com a distinção e a elegância da sua personalidade superior.
Porque de algum modo lhe sucedi na representação do círculo de Castelo Branco, sinto a pesada herança recebida do seu mandato, exercido no mais acrisolado amor aos lídimos interesses da Beira Baixa, estudados e proclamados sempre com afecto modelar, que poderá ser igualado, mas jamais excedido.
Sempre a sua voz se alevantou frente às causas justas: pro bona et justa causa seria até a divisa do seu batalhar incessante, em defensão da verdade e da justiça.
Mas na sua actividade parlamentar havia de constituir nota dominante o bom combate em prole das humildes e desprotegidas gentes rurais, por vezes tão abandonadas na sua cristã resignação, como carecidas não só de providências que ponham algum lenitivo na penúria que as castiga, mas também do simples amparo de uma voz amiga que lhes leve uma palavra de conforto e de esperança.
Essa inclinação não era apenas, em Mons. António dos Santos Carreto, manifestação profunda da sua alma autenticamente sacerdotal, sempre voltada para quantos sofriam fome e sede de justiça. Era também fruto vivificante de 50 anos de apostólico labor, na preparação, criação e reitoria dos seminários da Diocese da Guarda - que pelas exigências da sua própria finalidade o haviam levado ao contacto directo e pessoal com gerações e gerações de jovens, oriundos, tantos deles, da modéstia e da pobreza das aldeias da Beira, onde se guardam, Deus louvado, sem revolta nem temor, as grandes, as melhores virtudes da Baça.
Perdeu a Igreja Egitaniense um dos seus mais preclaros ornamentos; perdeu a Beira Baixa um dos seus mais insignes valores.
Se à primeira legou centenas de sacerdotes, formados no cadinho da virtude, do amor de Deus e da dedicação à Santa Igreja, e até centenas e centenas de leigos que do extraordinário educador receberam e trouxeram o carisma da valorização pelo trabalho e pelo carácter, pela honra e pela dignidade, a segunda beneficiou de uma incansável e intensa actividade social que havia de perdurar até ao seu leito de morte e sofrimento, e que havia de incidir sobretudo nas proveitosas iniciativas assistenciais que nos deixou em plena floração e que havemos de tomar como legado de honra para cumprir.
Fiel ao seu exemplo de homem digno e probo, da sua vincada devoção a quanto podia caber na largueza da representação que deteve nesta Câmara; agradecido a uma profunda e duradoura amizade que constituiu em toda a minha vida forte e indispensável bordão, há-de desculpar-se-me a palavra de enternecida saudade a que não consigo eximir-me quando, pela primeira vez, oiça a minha própria voz neste hemiciclo.
Raras actividades da vida nacional terão, nos últimos anos, sentido um ritmo de crescimento tão intenso como o ensino em todas as suas modalidades.
As estatísticas sobem, os números atingem níveis jamais alcançados, os liceus masculinos, os liceus femininos, as escolas técnicas, os estabelecimentos particulares - para me limitar apenas ao ensino secundário -, vêm sendo criados, remodelados, acrescentados, por forma a dar-se satisfação a uma das fundamentais necessidades do País - a conveniente preparação e consequente aproveitamento futuro das gerações juvenis, pedras vivas da Nação, que constituem, sem dúvida, a sua maior e mais expressiva riqueza.
O surto verificado decorre já das benéficas providências legislativas que agradecemos ao Governo da Revolução Nacional, com especial referência ao hoje nosso distinto colega Dr. Veiga de Macedo, que, em rara visão de governante do nosso tempo, soube rasgar perspectivas novas, diferentes, num sector da Administração que parecia condenado a incompreensíveis e anacrónicas soluções, algumas das quais tão amargamente se fazem ainda sentir no presente e no futuro imediato da Nação.
1 150 000 portugueses - em números redondos - frequentam hoje estabelecimentos de ensino no Portugal da Europa, o que equivale a uma população escolar de cerca de 15 por cento da população total.
É muito? É sem dúvida consolador como estímulo e como resultado da política do ensino há anos incrementada e que bem merece o reconhecimento vivo do País.
Mas em números absolutos não pode de modo algum satisfazer-nos, frente a outras realidades.
No ensino primário, pelo menos quanto à frequência escolar, o problema estará praticamente resolvido.
Entre a população na idade da primeira instrução extinguimos o analfabetismo - desoladora e crónica mancha da vida portuguesa de sempre, a que só a Revolução Nacional soube pôr fim. Nesse aspecto, feitos alguns ajustamentos de secundária importância e mantida a cadência dos empreendimentos estudados e executados, não teremos muito que preocupar-nos.
Mas pelo que dele se repercute nos outros graus de ensino...
Aproximam-se dos 70 por cento os jovens que se ficam pela instrução primária, à volta dos 10-11 anos!
E esta verificação é confrangedora numa idade em que a Nova Zelândia, lá nos confins da Oceânia, estatuiu já a obrigatoriedade escolar até aos 18 anos e em que por todo o Mundo se reconhece a inadiável necessidade de a manter pelo menos até aos 16 anos, assim se praticando já em muitos e variados países de lá e de cá da «cortina de ferro».
Tal verificação, por um lado, refreia-nos no entusiasmo que nos dispúnhamos a viver; por outro, arreiga-nos na decisão de, com firmeza e vigor, estugarmos o passo no esforço preciso para alcançarmos quantos aí nos ultrapassaram, porque eu acredito que a Revolução Nacional detém virtualidade mais que suficiente para nos permitir mais esse esforço e essa vitória.
Na verdade, essa tem de ser a nossa inquebrantável resolução quando pensamos que a mais poderosa condição de sobrevivência no futuro é o desenvolvimento do capital humano, digamos assim, de que as pátrias
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dispõem e que a educação, instrução e formação das camadas jovens em ordem à cultura, à ciência e à técnica, ao nível de um mínimo de seis e sete anos de estudo obrigatório para todos, de proficiente estudo médio para a maioria e de um sério estudo superior para quantos dele se revelem capazes, constituem a cláusula primeira daquele desenvolvimento.
Mas, pelo que nos respeita, de cada 100 rapazes e raparigas que findam a 4.ª classe com aproveitamento, apenas 30 ingressam no ensino secundário - falo em números gerais -, e desses 30, menos de 20 concluem o curso em que se matricularam, destes não excede os 10 por cento a percentagem dos que entram nas escolas superiores - donde possuirmos, no cômputo geral dos diplomados por tais escolas e na relatividade do número de habitantes, um índice inferior ao actual da minúscula Albânia, apesar de muitas vezes nos acusarmos de país de doutores...
O problema, com todas as suas incidências, não apenas quantitativas e estatísticas, mas pedagógicas, pragmáticas, orçamentais, respeitantes a programas, professores e instalações, adquire por vezes uma acuidade aflitiva e angustiosa, suscita e exige análise demorada que não cabe no intento com que uso da palavra neste momento. A ele voltarei.
Hoje assinalo apenas a mágoa que, hic et nunc, me invade quando penso nos frutos que teríamos colhido se nos últimos dez anos, por exemplo, houvéssemos desviado para o ensino 50 por cento que fosse das verbas orçamentais destinadas à para nós improfícua e estéril N. A. T. O.
Porque, Sr. Presidente, o problema do ensino, que é a primeira condição de vitória na batalha da paz, é desde sempre e continua a sê-lo, infelizmente, um problema de verba, por mais doloroso que seja verificá-lo e reconhecê-lo em questão que atinge os próprios alicerces da Nação na continuidade da sua grandeza, que todos e tanto desejamos.
O Ministério da Educação Nacional tem plena consciência do que urge fazer, conhece a vastidão da obra a realizar e sente a urgência da sua execução.
Infelizmente, porém, fraca tem sido a sua hierarquia no orçamento do Estado. Pela primeira vez lhe aconteceu em 1961 atingir o milhão de contos. Em termo de comparação direi que o orçamento do Ministério da Educação na Bélgica, país de população sensivelmente idêntica à nossa, foi de cerca de 14 milhões de contos!
No ano em curso, o orçamento do Estado, há dias tornado público pelo Sr. Ministro das Finanças, mantém as verbas atribuídas em 1961 ao Ministério da Educação Nacional, com o insignificante acréscimo de 2 por cento, se não erro.
Neste ano teremos, porém, nas especiais condições que vivemos a razão explicativa do facto, explicativa sim, mas justificativa talvez não, dada a natureza e relevância da missão que àquele Ministério compete.
Deste condicionalismo em que vem actuando o Ministério da Educação Nacional, impedido orçamentalmente de alcançar a dimensão que sente necessária à sua obra, se tem ressentido a escolaridade na Beira Baixa, sobretudo no que ao ensino secundário respeita.
Farei breve documentação de quanto se passa com o Liceu Nuno Álvares, de Castelo Branco.
O actual edifício, certamente estudado e projectado em visão do futuro, foi inaugurado em Maio de 1946, há quinze anos, portanto.
A sua capacidade foi então calculada para uma lotação de 16 turmas, 600 alunos aproximadamente; neste ano lectivo de 1961-1962, as turmas são 39 e o número de alunos ronda os 1500!
A simples enunciação deste contraste, se, por um lado, revela o erro de perspectiva cometido na concepção do edifício, por outro dá uma ideia suficientemente clara das péssimas condições pedagógicas em que ali trabalham professores e alunos.
Os remendos deitados em obra nova - um liceu com quinze anos é uma obra nova - não alindaram o conjunto, não deram solução aos problemas que pretendiam resolver, não evitaram que funcionem aulas em compartimentos concebidos e destinados a fim muito diverso, como o gabinete dos directores de ciclo, o refeitório, o depósito de livros da biblioteca, a própria sala da biblioteca, o gabinete do professor que dirige as instalações de física, ou qualquer compartimento ou arrecadação que de momento estejam vagos.
Sala de professores - foi luxo que houve de sacrificar às exigências de encontrar lugares para aulas.
Dos anfiteatros e ginásios, escapou um, para que os quatro professores de Educação Física não deixassem de ter justificação nos quadros do corpo docente, já que facilmente se atinge a que ponto a sua acção está reduzida, tendo de dividir por eles quatro uma única sala...
A Mocidade Portuguesa Feminina, foi possível alojá-la na copa do refeitório.
A Mocidade Portuguesa Masculina foi menos feliz, e em triste mas talvez significativo simbolismo não pôde contar senão com uma arrecadação para se instalar, como que envergonhada e fugida à luz do dia...
As aulas de trabalhos manuais e de lavores femininos funcionam simultaneamente numa dependência que foi preciso dividir por armários, sem arejamento suficiente e com o recurso da luz eléctrica, mesmo em pleno dia. E como nem assim detêm capacidade suficiente, houve que guardar o mobiliário dos lavores femininos na cave, onde permanece inventariado, a aguardar dias de alguma utilidade... O canto coral esteve quase a merecer mandato de despejo puro e simples, mas, considerada a impossibilidade de pôr alunos e professores a cantar na rua, em jeito de serenata, expulsaram-se as 700 e tantas alunas das salas a elas destinadas e ali se ensina e aprende a entoar.
Como pode um estabelecimento de ensino corresponder à sua dignificante e exigente finalidade, funcionando em tais condições?
Mas se os inconvenientes da coeducação se revelam e mostram em estabelecimentos de ensino cuja actividade decorra adentro das normas e postulados da pedagogia, facilmente se alcança, Sr. Presidente, quanto se agravam num liceu superlotado, em flagrante violação de tais normas e postulados.
E o melindre da questão é tão evidente que me julgo dispensado de, a esse propósito, aditar comentário algum.
Trabalhando, no entanto, como trabalha, em condições que afectam tão rudemente a sua eficiência pedagógica, o Liceu Nuno Álvares, de Castelo Branco, vem, apesar disso, cumprindo a sua missão em termos de lograr, na formação e preparação de quantos o frequentam, um resultado que o prestigia entre os liceus do País e o impõe à consideração das gentes da Beira Baixa; que confiadamente lhe entregam seus filhos.
Condição destes e suas famílias? Certamente.
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Mas, sobretudo, incansável e esgotante labor do seu reitor, Dr. José Catanas Diogo, infatigável e dedicadíssimo, a cujos elevados e reconhecidos dotes de sapiente pedagogo e educador rendo as minhas homenagens, bem merecidas, pela obra realizada em meio de tão desfavoráveis condições. Nelas envolvo ainda a todo o corpo docente, que diligentemente o secunda e acompanha em tão invulgar esforço.
Seria, porém, injusto e incompreensível reduzir o sacrifício de todos a simples factor de rotina na manutenção de uma situação anómala para que urge encontrar solução cabal e inadiável.
Ao apontar, de entre as possíveis, uma viável, desejo tão-sòmente focar a que se me afigura pedagogicamente mais aconselhável.
À data da inauguração do actual edifício, a frequência do Liceu de Castelo Branco era masculina em 54 por cento e feminina em 46 por cento.
A percentagem da frequência feminina foi, no entanto, subindo e no ano lectivo de 1957-1958 ultrapassa já a masculina, não mais abandonando a posição cimeira.
No presente ano lectivo, de cerca de 1500 alunos, 53 por cento são raparigas.
Isto é, só o número de alunas que actualmente frequentam o Liceu de Castelo Branco é superior à lotação total prevista para o mesmo liceu aquando da sua construção e inauguração, há quinze anos.
O facto, só por si, impõe a única inferência possível: a construção imediata de um liceu feminino na capital da Beira Baixa. Mas certo é que a frequência feminina continuará fatalmente a aumentar.
Mercê de um tradicional condicionalismo social e também de factores de ordem geral que atingem todas as zonas do País, a frequência escolar feminina na Beira Baixa, quanto ao ensino primário, está a crescer de ano para ano.
E o ritmo do seu crescimento na década de 1950-1960 foi de 50 por cento, quando a percentagem de aumento na frequência masculina não excedeu 21 por cento.
O problema, terá já, evidentemente, sido visto e «apreciado pelos competentes serviços do Ministério da Educação Nacional, impedidos, porém, pela escassez das verbas, de lhe darem o andamento desejado.
Ora, quanto a esse aspecto, a ocasião favorece agora sobremodo a justa pretensão da Beira Baixa.
No início do próximo ano lectivo, a escola de ensino técnico de Castelo Branco ficará instalada em edifício para ela propositadamente construído e já em rápido acabamento.
As suas actuais instalações, onde, aliás, funcionava o liceu antes de 1946, ficarão devolutas e em condições, se não óptimas, pelo menos por ora suficientes, para albergarem - e desde já - o liceu feminino, enquanto não se procedesse à construção do edifício respectivo.
Reduzida será a despesa com esta solução e com ela se remediarão inconvenientes graves para os interesses escolares da Beira Baixa.
Mas se por acaso se entendesse prematura a criação do liceu feminino, que, ao menos e para ser realidade já no próximo ano lectivo, se decida que a respectiva secção feminina do Liceu Nuno Alvares, já criada, com o seu quadro próprio de professoras efectivas, seja instalada no dito edifício, enquanto não é possível providenciar em sentido melhor.
Este recurso, de instalar a secção feminina em edifício independente, que no caso de Castelo Branco é orçamentalmente de nulo significado, foi já seguido,
com reconhecidas vantagens, no Liceu de Aveiro, por exemplo.
Salvo melhor opinião, nada se opõe e tudo parece aconselhar que também Castelo Branco, se de todo for impossível a criação imediata do liceu feminino, beneficie, para já, de idêntica decisão, que a Beira Baixa espera poder agradecer muito brevemente ao Sr. Ministro da Educação Nacional.
É ainda na linha dos interesses escolares da Beira Baixa que não posso deixar de relembrar, neste lugar, ao Sr. Ministro da Educação Nacional, o pedido aqui formulado em 5 de Março de 1959 pelo ilustre Deputado de então, Dr. José Saraiva: a criação de uma escola de ensino técnico no Fundão.
Esta encantadora vila, encabeçando a formosa região que une a Gardunha à Estrela, num panorama dos mais belos do País, ainda à espera do amplo aproveitamento turístico que bem merece, dir-se-ia postergada pelos fados da governação quanto ao seu anseio maior nos domínios de Minerva.
É que, Sr. Presidente, vai tendo quase um século de atormentada existência esta sua aspiração, ainda insatisfeita.
O ensino técnico já tal forma em pleno século XIX se patenteava necessário ao concelho do Fundão, ao progresso das suas actividades económicas, agrícolas e comerciais sobretudo, mas também industriais, que já no Governo de Emídio Navarro chegou a ser assinado o diploma que o dotava de uma escola comercial e industrial.
Mas, se os insistentes rogos das gentes do Fundão e seu termo foram então bastantes para levarem o Governo à decisão que hoje se nos afigura que não pudesse ser senão definitiva, foram de todo impotentes para vencerem as intransponíveis e misteriosas dificuldades do emaranhado labirinto da política partidária de então, que não consentiu surtisse efeito o acto governativo.
E por causa de tal labirinto ficou o Fundão a aguardar, há longos e longos anos, a justiça que chegou a ser-lhe prometida, mas logo negada.
Desnecessário se me afigura enaltecer aqui a função preponderante destinada ao ensino técnico na alvorada de uma economia que a integração europeia mal nos permite ainda avaliar em toda a sua extensão, mas que desde já sabemos de profunda renovação e se anuncia como exigentíssima em trabalho cada vez mais especializado - desde o que comanda ao que executa, e que há-de buscar-se sobretudo naquele ensino.
Bem o vem entendendo assim o Governo da Nação, no extraordinário impulso insuflado, nos últimos anos, ao ensino comercial, industrial e agrícola.
Muitas novas escolas surgiram por esse País além e outras mais certamente não vão demorar.
E quanto o permitem palavras responsáveis já ditas, legítimo será pensar que não estará longe o dia da esperança para o concelho do Fundão. Mas importa apressá-lo, Sr. Presidente.
É que, dos seus 5000 alunos no ensino primário, os 20 por cento que as estatísticas indicam procurar, em regiões semelhantes, o ensino técnico após a conclusão da 4.ª classe, originarão, à escola que ainda não existe, logo nos primeiros cinco anos do seu funcionamento, uma frequência superior a 1000 rapazes e raparigas.
Fácil se torna, assim, avaliar o irremediável prejuízo que, em cada ano, a demora na criação da escola de ensino técnico do Fundão está a causar ao futuro do País naquela região.
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É que não somos tão ricos de valores já preparados ou preparáveis que possamos dar-nos ao luxo de lançar ao abandono sucessivas gerações de jovens que ali estão a perder-se para tal ensino e sem possibilidades de serem encaminhadas para qualquer outro, dado o condicionalismo económico-social que afecta, entre nós, o recrutamento da população escolar no ensino comercial, industrial e agrícola.
Os quase 700 km do concelho, em boa parte de terras difíceis, são de per si insuficientes para o sustento, em vida digna, dos seus 60 000 habitantes, em números redondos. E é aos jovens que a vida se mostra mais agreste. Para vencê-la, vão bastantes em demanda de melhor fortuna a outras terras e outras gentes - Venezuela, França, Canadá, etc. -, vão outros em busca de misteres e ofícios que na região não encontram em condições de justiça, social e de apetrechamento conveniente.
A todos oferecerá a escola de ensino técnico a solução desejada: melhor preparação para das actividades locais extraírem resultados compensadores que lhes evitem a debandada e o consequente desenvolvimento que a todos abranja, sem necessidade de uma emigração fatalista, que a todos imponha ocupações indeferenciadas.
O concelho do Fundão aguarda, pois, esperançoso e confiado, que o Sr. Ministro da Educação Nacional lhe faça a justiça há tanto prometida.
E para que a demora se não posponha à decisão ministerial, que desejamos seja breve, já a sua Câmara Municipal, num esforço e diligência que só merece louvores e tem de apontar-se como exemplo, escolheu o terreno destinado à construção do respectivo edifício, tendo-o já sujeitado à apreciação das entidades que no caso superintendem. Tudo a postos, pois.
Esse escolho está vencido.
Que outro não inutilize o trabalho que tal representa, assim o esperamos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Alves: - Sr. Presidente da Assembleia Nacional: o luto e a dor instalaram-se nos nossos domínios, apostados em experimentarem a têmpera dos nossos sentimentos. Duros são os dias de provação por que estamos passando. Em toda a parte, porém, onde palpita um coração de português, ele tem mostrado como sabe chorar, lutando, como sabe morrer, honrando a sua qualidade de ser português.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Goa, Damão e Diu foram invadidos à ordem de Nehru, animado pelos empresários da subversão, autores de crimes perpetrados em plena Europa, crimes impunes, sem julgamento nem sanção, neste mundo de hoje, avassalado pelo medo e pelo pânico.
Nehru pode agora ufanar-se da posse física da Índia Portuguesa. Pode dispor das terras, dos bens materiais e dos corpos das gentes dominadas. Mas o que não poderá nunca, dominar, em tempo nenhum, é a espiritualidade da civilização ali implantada, pois, aconteça o que acontecer, ela há-de pairar sempre sobre as terras e sobre as coisas que falam de Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Guardo no peito as sensações da inauguração desta legislatura, a oitava na sua seriação e a primeira na ordem das minhas comoções. O que senti, naquele momento solene, o mais alto da Representação Nacional, é alguma coisa que vibra e se projecta para além das disputas por que os homens se perdem. O que eu senti é chama viva que se apreende em recolhimento. A presença de uma afirmação sacrossanta, que só poderá sucumbir com o expirar do último sopro lusíada.
Sr. Presidente: com saudações mui respeitosas, rendo a V. Ex.ª as homenagens da parcela mais representativa do Mundo Português, Angola,...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... ainda há pouco tempo progressiva e esperançosa, hoje talada por mãos criminosas, armadas no estrangeiro. Quem dirige estas palavras a V. Ex.ª é um natural da província martirizada, um angolano que ama a sua terra como o minhoto ama o seu torrão natal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Um angolano que fala português pensa em português e sente como português.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Desse lugar de honra, donde concilia ideais de todas as tendências, emana um poder de tal magnitude, que vejo em V. Ex.ª, e na cadeia dos presidentes que o precederam, o símbolo da própria Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por isso creio firmemente que, através de todas as vicissitudes, ela persistirá para além da demência do mundo actual e da fraca fé das suas gentes.
Srs. Deputados: não esquecerei tão cedo o dia solene desta legislatura, a que tive a dita de assistir. Se na pessoa do Presidente da Assembleia eu figurei a imagem da Nação, na presença do Chefe do Estado e seu Governo VI a imagem da Pátria, sobrepujada pela bandeira das quinas, que avolumaram no meu coração os sentimentos de amor e de veneração que nele residiam.
Pátria e Nação, conceitos que destaco de propósito para discernir sobre eles, não para os discutir, nobres como são na sua essência e por isso mesmo inatacáveis, mas para os pôr em confronto com as novas interpretações que pretendem dar nos locais onde os aborígenes permanecem fiéis à bandeira portuguesa, pelo coração e pelo sentimento, e não pela imposição da força, como querem fazer crer os industriais da autodeterminação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nado e criado em Angola, eu sei da boa índole dos chamados aborígenes, da sua docilidade e do seu pendor para amar Portugal. Sei da fragilidade do seu sistema tradicional de vida, do anseio que o impele para um sistema melhor. A povos esparsos, divididos por rivalidades fundas que entre si nunca mais acabariam, não foi difícil abraçar a Pátria Portuguesa, como meio de salvação, simbolizada pela bandeira das quinas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - A noção do portuguesismo nos aborígenes não é pois uma ficção ou mera figura, de retórica. Anda, ligada ao sentimento de segurança, da liberdade de viver como pessoa humana e da faculdade de dispor das suas pessoas e bens, tão querida no íntimo dos seus corações.
Se essa bandeira maravilhosa, que para eles representa a conquista, de um bem-estar inestimável, desaparecesse súbitamente, não é difícil prever o caos que lhe sucederia.
Sabendo-se isto, compreende-se como a fatalidade deste resultado entra nos cálculos dos empresários da subversão. Eles sabem de antemão tudo quanto aconteceria, no dia seguinte ao da substituição da bandeira portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E quando as tribos dementadas estivessem no auge das suas disputas eles surgiriam pressurosos como os mensageiros da paz e da felicidade.
Explora-se igualmente a ingenuidade dos povos quanto ao conceito Nação, fazendo-lhes crer em virtudes nunca, conhecidas e não experimentadas na sua orgânica primitiva. Onde não existiu senão a presença de um soba, ou chefe, a consumar a seu talante todos os actos do poder, não houve nem podo li a ver uma nação. Onde não existiram nunca os cios de ligação de uma língua comum, de tradição. comuns e de fontes de interesse comum, não houve nem pode haver uma nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas só por excepção concedermos que alguns povos de África, atingiram um alto nível de cultura, e que por força dessa cultura conquistaram o direito de só governarem em forma do Estados constituídos seria precisa, mesmo assim, a amálgama de séculos de vida em comunhão do interesses para atingir a categoria, de nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Não devemos esquecer que, para que se chegasse em África à consciência de uma orgânica que os aborígenes não realizaram no passado, foi preciso que a Europa se deslocasse para África, e nela implantasse os princípios da ordem actual, alem dos fundamentos da civilização.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se observarmos como se comportam os novos Estados africanos na Assembleia das Nações, veremos que os seus representantes se exprimem numa língua de adopção, estranha, que nada tem que ver com a linguagem dos povos que representam.
E se passarmos para outros campos, no domínio do pensamento e da mentalidade, percebemos sem custo que esses representantes de povos heterogéneos, quando atacam as instituições transmitidas pelos seus patronos europeus, satisfazem o gosto cultivado nas escolas antagónicas da «cortina de ferro», que consideram a Europa como a fonte de todos os males.
Mas da essência dos seus pensamentos descobre-se a verdade inelutável da perenidade dessa, fonte vilipendiada que lhos abriu a inteligência e lhos dou a consciência do ser.
Reportando-me ao caso restrito de Angola, cumpre-me salientar que o que está em jogo ali não é o nacionalismo angolano. Angola não teve na sua história antiga os passos de aglutinação para a constituição de uma unidade. O território de Angola, como o desses Estados africanos já referidos, habitado por tribos diversas, não teve nem tem expressão como um todo, senão aquela que o génio português criou.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O que está em jogo é a eclosão de interesses estranhos sobre uma presa de valor, de olhares de cobiça sobre riquezas tão atraentes e de cálculos ambiciosos virados para as vantagens de uma situação geográfica ideal, a caminho do domínio do Mundo.
Para nós, o que está em jogo é a sua permanência como terra portuguesa, a sua sobrevivência como fulcro da civilização cristã e de convivência multirracial. Está em jogo a preservação do bem contra o mal, do amor contra o ódio, da justiça contra a lei da selva, tudo quanto foi adulterado pela propaganda subversiva e culminou na guerra terrorista começada em 15 de Março de 1961.
O terror, como meio psicológico, tinha por fim criar o clima próprio para o abandono da terra, onde deviam instalar-se os patronos dos nacionalistas fantoches, homens que se transformaram em feras, para matar, mutilar e horrorizar, sem outra finalidade senão a do cumprir ordens recebidas de fora.
Foram monstruosos os crimes e inesperadas as consequências. Ao invés, porém, dos planos acalentados, nem a terra foi abandonada, nem o terrorismo triunfou. Estão em curso os serviços de recuperação, criados nas regiões devastadas.
Do que são esses serviços, em face das depredações havidas, e do que se torna preciso fazer para uma recuperação efectiva dos bens materiais e morais, falarei, se me for permitido, numa sessão posterior.
Abro aqui um parêntesis para pôr em relevo a campanha que foi iniciada pelo Ministro do Ultramar, de um empréstimo de 1 milhão de contos, especialmente para o fomento económico de Angola.
Funda-se esta campanha na necessidade que se impõe de aplicar na província de Angola os lucros obtidos pelas grandes empresas. A Companhia dos Diamantes ofereceu já 100 DOO contos ao juro de 1 por cento e espera-se que outras empresas correspondam ao apelo do Ministro do Ultramar, que pede deste modo a colaboração voluntária dos meios necessários à salvação de Angola, aos que ajudando-a nesta conjuntura ajudam a consolidar os seus próprios interesses.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por agora, cumprindo um dever indeclinável, e dando satisfação aos desejos das populações do Norte de Angola, proclamo aqui a sua gratidão para com o Presidente do Conselho, Doutor António do Oliveira Sal azar. Interpretando o sentir dessas populações reconhecidas, afirmo o seu profundo respeito pelo governante iluminado que no momento culminante do terrorismo teve olhos para ver, coração para sentir e força para actuar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quando se lutava já som esperança e tudo parecia perdido, ergueu-se a sua voz, portentosa
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e decidida, que bradou aos ouvidos dos descrentes: « Eu poderei morrer, mas Angola não morrerá! ...» Seguiram-se as medidas contidas nestas palavras, e o Norte de Angola livrou-se das garras criminosas que nele se tinham cravado.
E o povo gravou no peito aquelas palavras, com unção religiosa.
Transmitindo aqui a expressão do seu agradecimento, desempenho-me de um dever cívico e patriótico, honrando a memória dos mártires sacrificados ao ódio açulado, a bravura dos heróis que se opuseram a uma derrocada iminente, a sensatez das forcas armadas que restituíram a confiança onde tudo parecia estar prestes a acabar.
Foi assim que Angola resistiu. Foi assim que ela se salvou. E se é preciso agora consolidar o seu portuguesismo, não vejo outro meio senão o de nos unirmos em valia desse ideal e trabalharmos todos para que ele se afirme no campo prático das realizações positivas.
Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: -Vai iniciar-se a discussão na generalidade da proposta de lei sobre o emparcelamento da propriedade rústica.
Tem a palavra o Sr. Deputado André Navarro.
O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: inicia-se hoje a discussão na generalidade da proposta- de decreto-lei n.º 509, do emparcelamento da propriedade rústica, digamos melhor, dos minimifúndios rurais.
Este instrumento legal faz parte de um conjunto mais vasto de diplomas que englobará, além de outros, o importante projecto de lei n.º 8, do arrendamento da propriedade rústica, diploma que em breve será, também, posto à consideração desta Assembleia política.
Estes instrumentos legais têm por finalidade estabelecer, no seu conjunto, a estrutura jurídica de uma larga e benéfica recomposição agrária de algumas regiões do País, por via do robustecimento do fundamento mais sólido da estabilidade económica e social de uma nação agrária - a propriedade rústica de carácter familiar.
Ao entramos na apreciação na generalidade de tão importante projecto de diploma, que o admirável parecer subscrito pelo muito ilustre Secretário de Estado da Agricultura tão bem esclarece, pouco haveria que acrescentar a análise tão perfeita dos propósitos da legislação em causa e da justificação que faz da estruturação jurídica das medidas preconizadas para debelar tão grave maleita. Por isso, apenas, mais algumas notas sobre o valor da terapêutica sugerida para debelar o mal.
A pulverização e a dispersão da propriedade rústica no Noroeste e centro litoral do território metropolitano teve no ambiente cultural, e com especial relevo na acção condicionadora do clima atlântico, meio deveras favorável de formação, atendendo ao grande apego à terra que os agricultores dessas regiões manifestaram sempre, por no decorrer dos tempos encontrarem nelas condições de excepção para uma cultura intensiva variada sujeita a riscos mínimos.
Naturalmente, a propriedade rústica nessas zonas sub-húmidas do território metropolitano, na sucessão das gerações, mesmo quando antídotos legais dificultavam a sua extrema divisão, tendeu assim, progressivamente, a reduzir-se na sua expressão física f, a dispersar as parcelas, que no conjunto formavam o todo explorativo; desta forma se atingiu dimensão que já não facultava possibilidades de acréscimo da produtividade agrária o, consequentemente, o sustento e uma vida digna das famílias rurais. E este fenómeno, que nas zonas de características climáticas atlânticas se repete hoje em vastas extensões -casos referidos do Noroeste minhoto e do litoral beirão, é ainda, embora em escala menor, mas com fácies semelhante, típico de algumas várzeas aluvionais das bacias hidrográficas de outras regiões do país metropolitano, continental e insular.
No arquipélago da Madeira verifica-se também identidade de processo evolutivo de pulverização da terra, de resto em análogo ambiente climático, a ponto de, em algumas áreas montanhosas de maior declive dessas ilhas, haver total, ou quase total, sobreposição do desenho de glebas vizinhas, nas cartas topográficas.
Não admira, pois, quis decorridas algumas décadas sobre a instituição do estruturas jurídicas, nos domínios do agrário, sujeitas a influências doutrinárias que o liberalismo desencadeou na Europa, no decurso do século XIX, se começasse a notar, no ambiente dos campos mais férteis, o sensível agravamento de um mal-estar económico e social. Isto levou alguns dos mais notáveis pensadores dessa época conturbada da política portuguesa, como Basílio Teles, Oliveira Martins, Anselmo de Andrade e outros, a manifestarem, nos seus escritos, a grandeza do mal que se avizinhava, bem como a dificuldade de se anteporem medidas que, efectivamente, o pudessem debelar, atacando a verdadeira raiz do problema.
O casal de família indivisível pôde ser considerado assim como instrumento de- luta in extremis contra este mal, mas, infelizmente, nada de positivo se conseguiu com a sua instituição; apenas a lei que o criou deu nota da gravidade da situação da propriedade rústica nas zonas de clima húmido.
E deste mal derivou outro maior.
Se quisermos apontar, na realidade, a causa fundamental da intensa emigração das gentes dos campos dessas regiões do minimifúndio para países de além-mar, emigração que já levou para fora do País, neste último século e meio, mais de 4 milhões de portugueses, não é difícil de a denunciar, pois não se encontra, decerto, outro fundamento tão significativo como o da excessiva pulverização e dispersão das glebas cultivadas, tornando assar precária a vida das famílias camponesas. Como factor positivo desse deslocamento populacional, apenas - embora, contudo, de valor inestimável - a consolidação étnica da grande Nação Brasileira.
Em relação aos territórios de propriedade rústica ultradividida, haverá que dizer finalmente que, aqui em Portugal, o rumo de evolução foi diferente do verificado em outras regiões europeias de clima similar, mas isso apenas porque, nestas últimas, as actividades industriais e serviços absorveram anualmente os saldos fisiológicos, permitindo às famílias rurais interessar parte dos seus membros em actividades diferentes da agricultura. Esta acompanhou, assim, a evolução progressiva da indústria, sem que se verificasse redução
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da dimensão das unidades de exploração agrária, a ponto de tornar impossível o acréscimo da produtividade, consequente dos progressos da técnica e melhoria das normas de gestão.
Se este fenómeno da pulverização da terra agricultada teve nas zonas férteis do território onde a influência atlântica é mais notória- processo evolutivo com as características que acabei, nas suas linhas gerais, de definir e que a legislação liberal já referida, imprudentemente, levou a situação de perigoso desequilíbrio económico e social, em extensas áreas ao sul do Tejo bafejadas pêlo clima, mediterrâneo o processo evolutivo teve sentido oposto. E não se diga que as condições geradas pela economia liberal, responsáveis pela ampliação do latifúndio alentejano, não pudessem, no Norte litoral do País, ter estimulado concentração semelhante dos prédios rústicos, em território de muito maior fertilidade. Encontrou, porém, aí, sempre forte resistência das famílias rurais, que tinham na terra a principal base do seu sustento. O clima semiárido que impera nas regiões do Sul, que se em áreas limitadas gozam de possibilidades de económica irrigação, nunca facultou, de facto, condições de êxito para a divisão da terra em pequenas explorações agrícolas.
E as tentativas que, em várias épocas, tiveram lugar nesse sentido, especialmente depois da publicação da lei dos cereais de Elvino de Brito, só se concretizaram, salvo nos arredores das cidades e vilas, no desenvolvimento de pequenas explorações conseguidas à base de arrendamentos a curto prazo, criando a classe dos seareiros, que, sujeita a crises cíclicas violentas, está praticamente hoje extinta. E a causa deste infeliz desenlace não é difícil de encontrar, se atendermos à manifesta, existência, no Sul do País, de ciclos meteorológicos desfavoráveis, que alternam com outros favoráveis, é certo, para a produção frumentária. Mas os pequenos proprietários rurais e seareiros nunca tiveram a necessária resistência financeira para vencer os períodos de crise aguda e daí o seu quase completo desaparecimento.
Um exemplo do que acabo de afirmar está nessa legião de pequenos cultivadores das serranias do Baixo Alentejo e do Algarve, cujas magras terras de charneca levadas à cultura cerealífera foram arrastadas, em curto período, para o litoral algarvio, onde formam hoje extensos e inaproveitados sapais.
Assim, ouso afirmar que o minimifúndio como o latifúndio não poderão ser vencidos se a par das sábias legislações em estudo não se assistir, técnica e financeiramente, o agricultor no sentido de este poder realizar os programas fixados num racional ordenamento agrário enquadrado na devida compartimentação da paisagem. E ainda mais, se não for estimulado ao mesmo tempo, por assistência adequada, o desenvolvimento do processo cooperativo, especialmente nas zonas de pequena, e média propriedade.
O continuar a afirmar-se que o cooperativismo agrícola não tem condições de êxito em Portugal, por via do arreigado individualismo do nosso camponês, é desconhecer totalmente a vitalidade de muitas centenas de organismos cooperativos agrícolas existentes em Portugal, como as mútuas de gado e outras similares, que representam no agro português sólida estrutura de previdência, pecuária. E é desconhecer também, digo, a própria, história da vida rural do Entre Douro e Minho, onde ainda existem, como de resto em outras zonas do País, fortes traços de antigas actividades cooperativas, especialmente no domínio da criação do gado.
Essas organizações cooperativas foram herdadas dos primitivos povos indígenas, lígures de origem, e que mais tarde romanizados não evolucionaram, quanto ao parcelamento dos domínios agrários, no sentido latifundiário de Roma. Da mesma forma, o clima tinha dado nessas recuadas épocas expressão marcada ao dimensionamento das unidades de exploração do solo agrícola. E nem mais tarde a influência sueva ou visigótica de horizontes largos, nascida nas planícies do Norte da Europa, alterou, também, esse modo de ser rural do Noroeste. Quando os habitantes desta região, depois da romanização da Península, desceram das montanhas para desbravar as selvas dos vales e, assim, dilatarem a cultura do cereal, partilharam logo a terra. Contudo, continuaram sempre irmanados em muitos actos de produção de riquezas extraídas do solo. Não vemos, pois, assim, qualquer impossibilidade, fundamentada na tradição, em desenvolver uma estrutura cooperativa, que terá de ser, sem dúvida, condição fundamental para o sucesso do emparcelamento integral dos minimifúndios minhotos e beirões.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Podemos, em face do que fica dito, e o tempo de que disponho para esta intervenção não me permite ir mais além, afirmar que o minimifúndio como o latifúndio, dois males agrários que hoje revestem extrema gravidade, tiveram em Portugal, independentemente da acção condicionadora, fundamental, do clima, causas bem diferentes de formação.
A propriedade pulverizada e dispersa foi consequência, assim, em grande parte da ausência ou fraca incidência do fenómeno da industrialização regional capaz de absorver os saldos de energia humana, permitindo distrair, para outras actividades secundárias e terciárias, parte dos braças de uma população em crescimento activo e que uma agricultura em fase muito lenta do acréscimo de -produtividade teve, fatalmente, de absorver. A falta deste chamamento, saudável desvio, que se verificou, contemporaneamente, em outros países com mesologia agrária semelhante, levou, aqui, à criação de minúsculas explorações dirigidas por proprietários ou arrendatários, explorações minimifundiárias e dispersas que não eram mais tio que pequenas fontes complementares de rendimento num regime de Subemprego rural. E assim se multiplicou e se dispersou a pequena gleba, domina não este processo os imperativos de uma jurisprudência, insuficiente para evitar tão grave maleita.
O exemplo que passo a relatar, referente a um caso de industrialização numa região rural do nosso Minho, retirado de informação oficial digna do maior interesse pela objectividade dos elementos apresentados, é de natureza- a não deixar dúvidas sobre o que acabo de afirmar. Trata-se de uma- oportuna comparação feita num valioso trabalho do engenheiro agrónomo Vaz de Sousa, da Junta de Colonização Interna, sobre as condições de existência das populações de duas regiões do nosso Minho, vizinhas e afins, quanto a ambiente cultural, e que há poucas décadas estavam no mesmo estado de evolução económica. Hoje, porém, essas duas regiões, relativamente próximas, apresentam já, contudo, níveis de vida- nitidamente diferentes. Enquanto uma, a industrializada, tem luz eléctrica, fábricas, automóveis particulares o de aluguer numerosos, fontanários, água canalizada em muitas casas, farmácias, lojas de várias especialidades, boas estradas, caminhos
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empedrados e outros aspectos que denotam conforto e razoável nível de existência, a outra, separada da primeira, mas não distante, continua iluminada pela luz da candeia, com os caminhos esburacados e com condições de vida denotando ainda notável atraso.
Diz o relato donde extraio estas notas ta o elucidativas, que passo a resumir, mais o seguinte: as duas regiões eram agricolamente semelhantes. A não industrializada compreendia 40 freguesias ribeirinhas do Lima, pertencentes aos concelhos de Ponte de Lima, Arcos de Valdevez e de Ponte da Barca. A região onde o fenómeno da industrialização já tinha incidido incluía freguesias situadas não só nas margens do rio Ave, mas também na margem esquerda, do Vizela. Nelas se situam duas zonas industriais importantes: a da Trofa e a do Ave-Vizela.
Alguns números para melhor esclarecer. Com áreas sensivelmente iguais, as regiões industrializadas comportam cerca do dobro da população, atingindo, na industrializada, a densidade excepcional de 500 habitantes por quilómetro quadrado. O número de aparelhos de rádio e de televisão é 10 vezes maior, como é de 50 vezes o número de fogos com casa de banho. No Ave frequentam o seminário 177 estudantes, no Lima apenas 59, e a frequência dos cursos superiores é cerca de 3 vezes maior. Enquanto no Ave se recebem diariamente perto de 2000 jornais, no Lima. não atinge 300 essa distribuição da imprensa diária. O Ave tem, porém, 265 fábricas e o Lima apenas 16. O número de automóveis em circulação é também 10 vezes maior e de telefonias 4 vezes.
No Ave os salários agrícolas cifram-se já em nível muito superior, aproximando-se, como é desejável, do salário do operário das indústrias, e o que é mais significativo, quanto aos problemas que estamos focando, é o sentido eminentemente mais progressivo da agricultura na região industrializada, onde a mecanização é quase perfeita, na sementeira, no granjeio, na limpeza dos cereais, nas técnicas do fabrico do vinho, etc. Como vemos, foi o equilibrado binário indústria no ambiente rural-a-gricultura o fundamento desta saudável evolução do nível de existência das populações, que mantiveram, porém, o mesmo carácter de ruralidade. A agricultura não foi assim desprezada, antes, pelo contrário, foi acrescida por forma significante na sua produtividade.
Quanto ao latifúndio, o modo de ser da sua evolução foi condicionado, como vimos, por causas bem diferentes. Aqui foram, na realidade, a falta de uma sólida estrutura jurídica que apoiasse a prática dos arrendamentos e uma errada política de preços as causas dominantes do agravamento do mal.
Numa verdadeira anarquia do uso da terra, criou-se unia legião de usuários, muitos deles milicianos, arrendatários a curto prazo, de fracções maiores ou menores, levados pelo incitamento de leis e de tabelas que conduziram ao cultivo quase exclusivo e esgotante do cereal.
O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Toda.
O Sr. Amaral Neto: - Sem de maneira nenhuma pretender discordar da teoria da formação do latifúndio, que V. Ex.ª tem estado a expor, gostaria, se fosse possível, que V. Ex.ª inserisse uma explicação para o seguinte facto: na margem esquerda do Tejo há quatro concelhos ribeirinhos em que há zonas de latifúndios ou, pelo menos, de propriedades consideravelmente extensas e zonas de propriedades muito divididas.
E de presumir que as condições de ordem jurídica, histórica, política e social tenham sido as mesmas para ambas as zonas.
O que acontece é que a linha de separação entre as zonas de propriedades divididas e as de propriedades extensas é a linha de separação das aluviões e das encostas dos terraços do Tejo. É aí perfeitamente evidente a explicação da influência do solo e das suas condições agrológicas na divisão da propriedade.
O Orador: - Incluo o clima e o solo, e quando me referi às zonas aluvionais em algumas várzeas compreendi as áreas a que fez referência, o ilustre Deputado que me honrou com a sua interrupção.
E essa legião, que não deixou de ter os seus heróis, teve, como disse, infelizmente, porém, número elevado de mártires a marcar tão falso caminho. A agravar o mal, a tendência, cada vez mais acentuada, para transformar Lisboa, seus arredores e o seu monumental porto no único grande empório industrial e de escoamento dos produtos da actividade da grei metropolitana, com a agravante, que classifico de ruinosa, de se terem dedicado à implantação das indústrias nascentes terras que são das poucas natas que possuímos e que deveriam constituir a base física da horta da capital.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Capital que alberga, já hoje, cerca de um nono da população total da metrópole. Estava assim quase a dizer, como o disse, referindo-se a época felizmente já passada, um ilustre Procurador e respeitado economista, que esta cidade de mármore e granito - na expressão do poeta, é claro -, viria a ser urbe macrocéfala de um país acéfalo. Eu rectificaria hoje, quanto ao acéfalo, localizando apenas essa falta nos sectores responsáveis por estes e outros desatinos e que têm levado a situação tão difícil a agricultura nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Direi, finalmente, para concluir esta rápida análise da estrutura do nosso agrário, referindo-me agora ao que normalmente é esquecido, e já não falo das pérolas insulares, pois o fenómeno minimifundiário, embora de feição especial, tem aí o mesmo fundo que no Noroeste minhoto ou litoral beirão, quero-me referir, sim, a esse interior montanhoso, agreste e tão esquecido quão paciente, donde têm partido tantos e tantos valores humanos. Aí, de facto, o latifúndio da pedra, como o minimifúndio aconchegado entre granitos, esperam, há muito, o caminho para ligar inúmeras aldeias e lugares para ver chegar o progresso e permitir, ainda, que não seja inglório e em vão o trabalho insano de semear mais pão e de revestir de florestas as vertentes mais abruptas. E que a obra pública, assim não retarde, pois o benefício desse extenso território trasmontano e beirão urge que se faça e se apliquem, é claro que aqui com objectivo diferente, as sábias directrizes já seguidas ao sul do Tejo.
O que fica dito permite assim afirmar, à laia de conclusão, que a indiscutível e benéfica acção do emparcelamento, que o instrumento jurídico em discussão poderá benéficamente regular, não terá, porém, o desejado êxito, se não for paralelamente acompanhado
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por ordenamento agrário que, infelizmente, não depende apenas do Secretariado de Estado da Agricultura.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Mas quando se está em face de tão profunda recomposição de estruturas e de hábitos de acção, lícito é esperar que não se deixe por arrumar u própria casa departamental.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E que preços de matérias-primas, de sementes e outros propágulos que a agricultura usa e dos produtos que fabrica, bem como outros factores dominantes da política agrária, possam, de futuro, ser governados por uma única cabeça. E felizmente que o Secretariado de que depende em parte o agrário metropolitano tem boa cabeça a encimá-lo e vontade forte para bem governar a política da terra, política que terá de ser persistente e inflexível de protecção e de assistência, única forma de o País poder competir, com êxito, nos grandes mercados que se rasgam para iniciativas industriais bem fundamentadas. Para tal, haverá que não esquecer, porém, o binário continente-ultramar, pois do equilíbrio resultará, certamente, o mais económico aproveitamento do solo e dos braços. Concorrências salutares são desejáveis como fonte de aperfeiçoamento, mas desgaste de capitais, por inconveniente sobreposição de actividades, é tão indesejável na produção agrícola como o é na industrial ou na dos transportes.
O Sr. Paulo de Mesquita: - Muito bem!
O Orador: - E julgo que todos estaremos de acordo quando afirmo que os braços minhotos ou beirões, trasmontanos ou estremenhos, serão muito mais úteis à Nação trabalhando nos planaltos de Angola, no Congo ou nos territórios de Manica e Sofala e em muitos outros do nosso ultramar, do que acumulando magras economias e sofrimentos, de muito suor e muito frio, no fabrico de prédios para estrangeiro viver. Basta, pois, de emigração descontrolada para a Europa e para as Américas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Agora, antes de procurar o fecho desta minha intervenção, que V. Ex.ª, Sr. Presidente, me perdoará por haver sido demasiado longa, que eu algo diga, ainda muito pouco, apenas, das terras que aqui represento. Os últimos continuam a ser os primeiros. Essas terras estão, porém, mais próximas de todos nós e por isso os seus problemas mais facilmente nos chegam aos ouvidos.
E quanto a estruturas agrárias não há ainda, de facto, por estas paragens, maleitas mini ou latifundiárias a preocupar, pois a tradição forte das progressivas granjas dos monges de Alcobaça deixou traços bem marcados a governar a gente dos campos. Apenas tem faltado orientação de cima para encaminhar o cultivo de extensas parcelas desta admirável mescla de microclimas estremenhos para uma sábia política arborícola e hortícola. Fruta, uva de mesa que também fruta é, flores, sementes e outros propágulos valiosos, produtos hortícolas vitaminados, lacticínios e tantas outras matérias-primas de inúmeras indústrias rurais que poderiam vir a dar largo contributo para a melhoria das condições de existência destes povos e larga achega à balança comercial, têm sido até hoje apenas desejos expressos em estudos e pouco mais.
O camponês, porém, tradicionalista e agarrado à terra, tem continuado a lutar contra todas as tendências absorventes do capital e da capital. Por isso apenas peço, e faço-o com devoção e fé, que esses grandes espíritos que o grande Mosteiro albergou iluminem direcções-gerais e juntas burocráticas aninhadas no Terreiro do Paço, para esclarecerem e assistirem a essa boa gente, ensinando-lhes como se pode e se deve constituir aqui, nos arrabaldes de Lisboa, uma Califórnia bem portuguesa, capaz de alimentar, com excelentes frutos, preciosas hortaliças, belas flores e ricos lacticínios, esses gélidos países do Norte da Europa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Vendamos pois o sol e também o azul do céu, em inteligente e progressiva indústria turística, e também esses mesmos dons naturais incorporados em perfumes e sabores de preciosos frutos da nossa terra.
E agora, para terminar, uma pequena história narrando factos, de facto passados, é assim de lenda não se trata, e que bem pode servir de primeiro passo simbólico para a frutuosa campanha de levar de novo aos nossos campos a boa tradição da ruralidade portuguesa. E não olvidemos que ela foi tão sólida e eficaz que alimento durante séculos o esforço sobre-humano que realizámos no Mundo, levando o Ocidente a paragens longínquas, totalmente desconhecidas. E foram esses faróis que acendemos, e que jamais se apagarão, a iluminar o bom caminho, que o rural das nossas terras rudes de Portugal soube alimentar com trabalho duro mas fecundo de séculos.
Vamos então à história que disse iria contar.
Ela foi-me narrada, em agradável colóquio, no seio de uma fértil colmeia que é verdadeiro laboratório de engenharia rural e que será, assim o antevejo, dentro de breves anos, digno emulo do seu parceiro da engenharia civil - trata-se da Junta de Colonização Interna, que eu proporia que se chamasse, por melhor definir os seus propósitos, Junta de Fomento Rural -, laboratório que já condensou em pouco mais de duas décadas inestimável trabalho de prospecção rural, nos seus complexos aspectos económicos e sociais, reflectindo bem, nas inúmeras facetas do trabalho realizado,
as virtudes de uma escola.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - E essa história, que se repetirá, decerto, nestes anos que se vão suceder de intensa campanha de fomento rural, em muitas outras histórias semelhantes, como o pão no milagre dos pães, permitirá que se quebre, de facto, o ciclo vicioso em que se debate há século e meio a agricultura nacional, não permitindo que o habitante dos nossos campos possa usufruir os bens do século.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E essa história, ia dizendo, rezava assim: um modesto mas arguto prior de uma linda aldeia encastoada no precioso viveiro minhoto andava muito preocupado com as desditas do seu povo. Pequenos proprietários ou rendeiros de minúsculas parcelas, elas
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mal permitiam o virar do charrueco sem pisar leivas vizinhas. Terras perdidas em caminhos, encravados onde era difícil chegar, problemas complicados de valas e de regos, capazes de gerar brigas pelo uso das águas e muitas outras dificuldades nos amanhos e nas colheitas. Chegou-lhe à mão, porém, em certa tarde em que passeava pelos campos matutando nos males que afligiam os seus paroquianos, a folhinha da terra, com uma vaga notícia de uma lei que estaria para sair sobre emparcelamento de prédios rústicos. E ele teve o Espírito Santo a iluminá-lo e sem perda de tempo escreveu à tal Junta a pedir ajuda. E quando menos esperava por resposta pronta, após a missa dominical, apareceu-lhe um rapaz novo, falando sensata linguagem que todos entendiam e que se mostrou desde logo muito ilustrado nestas andanças rurais. Era um assessor técnico do organismo a que tinha recorrido, e que modestamente se apresentava para tirar as várias, as variadíssimas dúvidas que decerto teriam de surgir, se o bom prior quisesse fazer vingar as ideias em mente. Aliciou logo o prior para tão boa campanha dois colegas das freguesias vizinhas, cujos problemas agrários eram os mesmos, e assim começou, no salão paroquial, a conversa franca e prolongada de todos os interessados.
Como é natural, surgiram dúvidas, até reacções daqueles que não viam com bons olhos passar para o vizinho o que já tinha o cunho de gerações de posse na família; a minha terra era sempre melhor do que a do parceiro do lado, e veja lá, Sr. Prior, se Deus poderá abençoar a troca deste pingue lameiro pela terra já tão gasta do meu vizinho ... Ditos como este iam porém sendo cada vez menos frequentes. E, assim, no caminhar da conversa, primeiro uma minoria convicta, depois uma igualdade, e finalmente o bom prior tinha dado o maior passo a favor do fomento agrícola em terras de Portugal. As três freguesias haviam dado o seu pleno acordo ao primeiro projecto de emparcelamento da propriedade rústica. E foi assim, por Deus, certamente, que isto se passou, e mais se há-de passar reunindo esforços dos pequenos para que a grande obra seja posta em marcha a partir desta pequena nesga de terra, que foi berço dos primeiros anseios de uma grande Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será na terça-feira, dia 9, à hora regimental, tendo por ordem do dia a continuação da discussão na generalidade da proposta de lei de emparcelamento da propriedade rústica.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 55 minutos.
Srs. Deputados que faltaram, à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Tarujo de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - António Manuel Pereira.
Proposta de lei a que o Sr. Presidente se referiu no decorrer da sessão:
Base I
Enquanto a província do Estado da Índia estiver ocupada por tropas estrangeiras, a sede do seu Governo será estabelecida em Lisboa. Fica o Ministro do Ultramar autorizado a transferir a mesma sede para qualquer outro ponto do território nacional quando as circunstâncias o aconselharem.
BASE II
I) O Conselho Legislativo do Estado da Índia terá a seguinte composição:
a) Vogais eleitos pelos membros das comunidades goesas existentes em territórios nacionais ou estrangeiros que possam exercer livremente o direito de voto;
B) Vogais nomeados pelo governador-geral.
II) Aos colégios dos eleitores a que se refere a alínea a) do número anterior competirá também, directa ou indirectamente, eleger os Deputados à Assembleia Nacional.
BASE III
Junto do governador-geral do Estado da Índia funcionará um Conselho de Governo, com atribuições consultivas.
BASE IV
I) O domínio público e o património do Estado da índia, constituído nos termos da base LIII da Lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1953, continuam, para todos os efeitos, integrados no património da Nação. Todas as depredações, incluindo as realizadas pelas autoridades portuguesas no exercício da legítima defesa, são da responsabilidade das tropas invasoras e dos representantes ou agentes da administração estrangeira.
II) São juridicamente inexistentes as concessões feitas pelos invasores em relação a bens ou serviços dos territórios ocupados.
BASE v
I) Os compromissos de ordem financeira ou económica anteriores à ocupação do território do Estado da Índia pelo invasor e assumidos por ou em nome daquele
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Estado da Índia são juridicamente ineficazes e a sua validade só poderá ser apreciada após o restabelecimento do exercício da soberania portuguesa.
II) A autonomia financeira do Estado da Índia será limitada pelo Ministro do Ultramar, de acordo com as circunstâncias.
BASE VI
Compete ao Ministro do Ultramar assegurar a execução desta lei por meio de despacho ou portaria.
Lisboa, 3 de Janeiro de 1962. - O Ministro do Ultramar, Adriano José Alves Moreira.
Propostas de alteração do Governo às propostas de lei sobre emparcelamento e arrendamento da propriedade rústica.
Sr. Presidente dá Assembleia Nacional - Excelência. - Tenho a honra de enviar a V. Ex.ª as propostas de alteração às propostas de lei sobre emparcelamento e arrendamento da propriedade rústica.
Esclareço V. Ex.ª de que estas propostas de alteração são referidas ao texto sugerido pela Câmara Corporativa, na pressuposição de que a Assembleia Nacional decida que a respectiva discussão se faça com base naquele texto.
A acompanhar as propostas de alteração, tenho a honra de juntar notas explicativas de V. Ex.ª o Secretário de Estado da Agricultura. V. Ex.ª dará o seguimento que houver por conveniente para poderem ser consideradas.
A bem da Nação.
Presidência do Conselho, 30 de Dezembro de 1961. - O Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar.
Propostas de alteração do Governo à proposta de lei (texto da Câmara Corporativa) sobre o emparcelamento da propriedade rústica.
O Governo propõe que no articulado sugerido pela Câmara Corporativa no parecer n.º 32/VII, sobre emparcelamento da propriedade rústica, sejam introduzidas as seguintes alterações:
1) Ao artigo 4.º (base IV) deverá ser dada a seguinte redacção:
BASE IV
1. A troca de terrenos aptos para cultura só é admissível nos casos seguintes:
a) Quando as parcelas a permutar tenham área superior à unidade de cultura que houver sido fixada para a respectiva zona do País;
b) Quando, tendo qualquer das parcelas área inferior à unidade de cultura, a superfície da maior não exceda o dobro da menor e da permuta resulte para um dos proprietários a aquisição de terreno contíguo a outro que lhe pertença e permita constituir um novo prédio com área igual ou superior àquela unidade;
c) Quando, seja qual for a área das parcelas a trocar, ambos os permutantes adquiram terreno confinante com prédio seu.
2. São nulos os actos de troca praticados com violação do disposto nesta base.
2) Ao n.º 3 do artigo 10.º (base x) deverá ser dada a seguinte redacção:
BASE X
1...
2...
3. O Governo providenciará no sentido de que possa ser concedido crédito, em condições convenientes de prazo e de juro, às pessoas que, tendo adquirido propriedades indivisas, nos termos desta base, dele necessitem para pagar tornas.
3) O n.º 2 do artigo 26.º (base XXVI) deverá ser redigido pela forma seguinte:
BASE XXVI
1...
2. Se o anteprojecto não for aprovado, poderá a Junta de Colonização Interna modificá-lo, submetendo-o de novo à apreciação dos interessados.
Não havendo razões que justifiquem a sua modificação ou quando, tendo sido alterado, for novamente rejeitado, poderá o Secretário de Estado da Agricultura propô-lo, como projecto de emparcelamento, à apreciação do Conselho de Ministros, se considerar, em face dê parecer da Junta de Colonização Interna, que a execução do emparcelamento permitirá eliminar graves inconvenientes de ordem económica e social.
O Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar.
Notas explicativas e sugestões de carácter formal do Secretário de Estado da Agricultura
Assunto. - Proposta de lei sobre emparcelamento da propriedade rústica.
O Governo opta pela discussão, na Assembleia Nacional, do texto sugerido pela Câmara Corporativa em matéria de emparcelamento da propriedade rústica, propondo porém que nesse texto sejam introduzidas as seguintes alterações:
A) Alterações formais
1) Em todo o articulado a menção ou referência a «artigos» deve ser substituída pela de «bases».
2) A alínea a) do n.º 2 do artigo 2.º (base II) deveria ter a seguinte redacção:
a) Se o adquirente de qualquer parcela resultante do fraccionamento for proprietário de terreno contíguo ao adquirido, desde que a área da parte restante do terreno fraccionado seja pelo menos igual a uma unidade de cultura.
3) O artigo 4.º (base IV) deveria ser assim redigido:
BASE IV
1. A troca de terrenos aptos para cultura só é admissível nos casos seguintes:
a) Quando as parcelas a permutar tenham área superior à unidade de cultura que houver sido fixada para a respectiva zona do País;
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b) Quando, tendo qualquer das parcelas área inferior à unidade de cultura, a superfície da maior não exceda o dobro da menor e da permuta resulte para um dos proprietários a aquisição de terreno contíguo a outro que lhe pertença e permita constituir um novo prédio com área igual ou superior àquela unidade;
c) Quando, seja qual for a área das parcelas a trocar, ambos os permutantes adquiram terreno confinante com prédio seu.
2. São nulos os actos de troca praticados com violação do disposto nesta base.
4) No n.º 1 do artigo 6.º (base VI) deverá ser colocada uma vírgula a seguir à palavra «aforamento».
5) Na alínea a) do n.º 3 do artigo 6.º (base VI) a palavra «simultaneamente» deveria ser substituída pela expressão «também».
6) Ao n.º 5 do mesmo artigo 6.º (base VI) deveria ser acrescentado ... «, e assim sucessivamente».
7) No artigo 7.º (base VII) a expressão «determinem» deveria ser substituída por «ocasionem».
8) O artigo 8.º (base VIII) deveria sofrer pequenos retoques formais, ficando com a seguinte redacção:
BASE VIII
l. O emparcelamento consiste numa operação, de recomposição predial que tem por finalidade a concentração da área de vários terrenos dispersos, integrantes da mesma propriedade, no menor - número possível de prédios, acompanhada da realização de obras de valorização económica e social da zona respectiva, nomeadamente de melhoramentos rurais e fundiários de carácter colectivo.
2) A concentração referida terá por base uma operação colectiva de trocas e visará alcançar melhor ordenamento da propriedade através da rectificação cie estremas e arredondamento de prédios bem como da eliminação de encraves e extinção de servidões prediais.
3. ............................................
4. ............................................
5. Na recomposição procurar-se-á, tanto quanto possível, aproximar os novos prédios das sedes das respectivas explorações, podendo promover-se a criação de novos centros de lavoura com casas de habitação e respectivos anexos.
6. Para os efeitos declarados nesta base, o colono, na ilha da Madeira, e o foreiro serão considerados como proprietários.
7 .............................................
9) O n.º 3 do artigo 10.º (base x) deveria ser assim redigido:
3. O Governo providenciará no sentido de que possa ser concedido crédito, em condições convenientes de prazo e de juro, às pessoas que, tendo adquirido propriedades indivisas, nos termos desta base, dele necessitem para pagar tornas.
10) O n.º 2 do artigo 15.º (base xv) deveria ter a seguinte redacção:
2. Cada comissão será presidida pela pessoa designada pelo Secretário de Estado da Agricultura, à qual incumbe orientar os respectivos trabalhos.
11) A alínea a) do n.º 2 do artigo 19.º (base XIX) deveria ficar assim redigida:
2. .
a) O conhecimento do ambiente económico-social de determinada zona e das vantagens que da realização de um plano de emparcelamento poderão resultar.
12) Na alínea e) do n.º 2 do artigo 19.º (base XIX) a expressão «melhoria» deveria ser substituída por «elevação ».
B) Alterações de fundo
O n.º 2 do artigo 26.º (base XXVI) deveria ter a seguinte redacção, correspondente ao sentido da primitiva proposta governamental, que não prevaleceu na Câmara Corporativa por se ter formado, no sentido do parecer, um voto de maioria obtido por desempate de S. Ex.ª o Presidente da Câmara:
2. Se o anteprojecto não for aprovado, poderá a Junta de Colonização Interna modificá-lo, submetendo-o de novo à apreciação dos interessados.
Não havendo razões que justifiquem a sua modificação ou quando, tendo sido alterado, for novamente rejeitado, poderá o Secretário de Estado da Agricultura propô-lo, como projecto de emparcelamento, à apreciação do Conselho de Ministros, se considerar, em face de parecer da Junta de Colonização Interna, que a execução do emparcelamento permitiria eliminar graves inconvenientes de ordem económica e social.
Justificação da alteração do fundo da proposta. - A justificação da alteração ficou expressa no n.º 41 do parecer da Câmara Corporativa.
As razões em contrário não se afiguram procedentes, pois o Governo, se é sensível aos inconvenientes de ordem económico-social que em determinada região resultam da pulverização e dispersão da propriedade rústica, não o é menos às razões de ordem político-social que desaconselhariam a imposição do emparcelamento quando a maioria dos interessados o tivesse desaprovado. Por isso, o Governo não deixará nunca, nesta matéria, de se orientar com toda a prudência, ponderando todas as circunstâncias relevantes em Conselho de Ministros - como vai proposto.
Espera-se, aliás, que nunca será necessário impor o emparcelamento. Mas a disposição legal que o permita reveste-se, mesmo assim, de grande alcance, na medida em que estará sempre presente, com salutar influência, no espírito dos mais rotineiros ou passivos proprietários.
O Secretário de Estado da Agricultura, João Mota Pereira de Campos.
Propostas de alteração do Governo à proposta de lei (texto da Câmara Corporativa) sobre arrendamento da propriedade rústica.
O Governo propõe que no articulado sugerido pela Câmara Corporativa no parecer n.º 41/VIII, sobre arrendamento da propriedade rústica, sejam introduzidas as seguintes alterações:
1) A base I deveria ser redigida pela forma seguinte:
1. O arrendamento rural, que constitui objecto da presente lei, consiste na transferência para
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outrem, por certo tempo e mediante retribuição determinada, do uso e fruição de um prédio rústico para fins de uma exploração regular de natureza agrícola, pecuária ou florestal.
2. Se o arrendamento recair sobre prédio rústico e do contrato e respectivas circunstâncias não resultar o destino atribuído ao prédio, presumir-se-á que o arrendamento é rural. Exceptuam-se os arrendamentos em que intervenha como arrendatária qualquer pessoa colectiva de direito público, os quais se entendem celebrados para fins de interesse público.
3. Os contratos mistos de arrendamento rural e outro ou outros negócios jurídicos regem-se, em princípio, por aplicação conjunta das normas próprias de cada um deles; sempre que isso não seja possível, funcionará o regime de negócio que, dados os termos do contrato ou a intenção das partes, deva considerar-se principal ou predominante.
2) À base IX deveria ser aditado um novo número, do teor seguinte:
BASE IX
1...
2. O Governo, tendo em conta as circunstâncias de ordem económico-agrária e social, adoptará as providências legislativas necessárias para impedir que a renda ultrapasse o montante justo.
3) Ao n.º 3 da base XVI deveria ser acrescentado o seguinte:... «presumindo-se que se encontram nestas condições as benfeitorias que consistam em obras de rega, enxugo ou defesa contra a erosão».
4) A base XXI deveria estabelecer a doutrina seguinte:
BASE XXI
1. As questões entre senhorios e arrendatários serão resolvidas por árbitros ou pelos tribunais comuns, nos termos da lei de processo.
2. As partes podem dirigir-se à Junta de Colonização Interna, que indicará um ou mais árbitros, os quais julgarão ex aequo et bono.
3. Se, correndo o processo nos tribunais comuns, houver o juiz de nomear qualquer perito, ou para arbitramento, ou nos termos do artigo 650.º do Código de Processo Civil, deverá esse perito ser escolhido entre os técnicos constantes de uma lista proposta pela Junta de Colonização Interna.
5) À base XXIII deveria ser acrescentado um novo número (4) e os n.ºs l, 2 e 4 deveriam ser assim redigidos :
BASE XXIII
1. O senhorio só poderá opor-se à renovação do contrato se pretender explorar o prédio por conta própria ou de seus descendente; mas, se modificar tal for-ma de exploração no decurso doa três anos seguintes, o arrendatário tem o direito de ser restituído e ainda o de exigir uma indemnização correspondente a 15 por cento das rendas respeitantes aos anos em que o contrato deixou de funcionar.
2. Sempre que o arrendamento se renove, a renda poderá ser revista, recorrendo-se a arbitragem no caso de desacordo.
3....
4. O arrendatário poderá desvincular-se do contrato antes de completado o prazo inicial ou da renovação, quando ocorram circunstâncias que comprovadamente lhe criem graves dificuldades ao cumprimento do contrato.
6) Deveria ser aditada ao articulado uma nova base (base XXVII), com a seguinte redacção:
BASE XXVII
1. O Governo, tendo em conta os interesses económico-agrário e social de assegurar a estabilidade no exercício da profissão agrícola aos arrendatários de unidades de exploração familiar economicamente viáveis, promulgará o regime jurídico que em tais casos se considere mais adequado.
2. Também o Governo procederá à revisão do regime regulador de outras formas contratuais de exploração da terra.
O Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar.
Notas explicativas e sugestões de carácter formal do Secretário de Estado da Agricultura
Assunto. - Proposta de lei sobre o arrendamento da propriedade rústica.
O Governo opta pela discussão, na Assembleia Nacional, do texto sugerido pela Câmara Corporativa, propondo, porém, que nesse texto sejam introduzidas as seguintes alterações:
A) Alterações formai»
1) Os n.ºs 1 e 2 da base I deveriam ter a seguinte redacção:
1. O arrendamento rural, que constitui objecto da presente lei, consiste na transferência para outrem, por certo tempo e mediante retribuição determinada, do uso e fruição de um prédio rústico para fins de uma exploração regular de natureza agrícola, pecuária ou florestal.
2. Se o arrendamento recair sobre prédio rústico e do contrato e respectivas circunstâncias não resultar o destino atribuído ao prédio, presumir-se-á que o arrendamento é rural. Exceptuam-se os arrendamentos em que intervenha como arrendatária qualquer pessoa colectiva de direito público, os quais se entendem celebrados para fins de interessse público.
2) Os n.ºs 1 e 2 da base II deveriam ser assim redigidos :
1. O contrato de arrendamento rural não necessita de ser reduzido a escrito.
2. Só podem, porém, provar-se por escrito as estipulações que importam alterações do regime legal supletivo do contrato ou, quando este for omisso, dos usos e costumes locais.
3) No n.º 1 da base IV deveria acrescentar-se a expressão «rurais» a seguir à palavra «arrendamentos».
4) Ao n.º 3 da base VIII deveria ser acrescentado: «..., a qual será fixada por arbitragem, em caso de desacordo»..
5) No n.º 1 da base XIV deveria ser substituída a expressão «autorização judicial» por «respectivo suprimento judicial».
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6) No n.º 1 da base XXVI a expressão a publicação» deveria ser substituída por «entrada em vigor».
B) Alterações de fundo
1) Na redacção que vai dada ao n.º 2 da base I, fica introduzida uma alteração substancial, que consite na eliminação da palavra «sempre», por forma, a tornar ilidível a presunção do interesse público nos arrendamentos em que intervém como arrendatária qualquer pessoa colectiva de direito público.
2) O n.º 3 da base I deveria ter a seguinte redacção:
Os contratos mistos de arrendamento rural e outro ou outros negócios jurídicos regem-se, em princípio, por aplicação conjunta das normas próprias de cada um deles; sempre que isso não seja possível, funcionará o regime do negócio que, dados os termos do contrato ou a intenção das partes, deva considerar-se principal ou predominante.
Justificação. - Os contratos mistos de arrendamento não se esgotam em arrendamento e parceria (colónia, caseirado, colonização rural, etc... ), e por isso parece conveniente a redacção agora proposta.
3) A base IX deveria ter a seguinte redacção:
1. A renda será fixada em géneros das principais produções dos prédios arrendados, mas poderá ser paga anualmente em dinheiro, pelos preços correntes na região.
2. O Governo, tendo em conta as circunstâncias de ordem económico-agrária e social, adoptará as providências legislativas necessárias para impedir que a renda ultrapasse o montante justo.
Justificação. - Julga-se, em critério oposto ao da Câmara Corporativa, que a renda deve ser fixada em géneros. Não se acolhe, com este entendimento, qualquer pessimismo quanto ao valor da moeda nacional. Mas os preços não dependem somente do valor da moeda e é de elementar justiça, para ambas as partes em presença, que a renda, se reporte aos preços dos géneros produzidos no prédio arrendado.
Quanto ao montante justo da renda, entende-se que a formulação do princípio e a consequente determinação de conseguir atingi-lo constituem uma base fundamental para a prossecução dos fins em vista com uma lei do arrendamento rural. A prudência, que ao Governo servirá de orientação, é, aliás, acautelada pelo carácter legislativo das medidas a adoptar.
4) Ao n.º 3 da base XVI deveria ser acrescentado o seguinte: «..., presumindo-se que se encontram nestas condições as benfeitorias que consistam em obras de rega, enxugo ou defesa contra a erosão».
Justificação. - Trata-se de dar força legal à presunção de facto de que as obras de rega, enxugo e defesa contra a erosão são de utilidade manifesta para o prédio e para a produção. Aliás, presunção ilidível.
5) A base XXI deveria ser assim redigida:
1. As questões entre senhorios e arrendatários serão resolvidas por árbitro? ou pelos tribunais comuns, nos termos da lei de processo.
2. As partes podem dirigir-se à Junta de Colonização Interna, que indicará um ou mais árbitros, os quais julgarão ex aequo et bono.
3. Se, correndo o processo nos tribunais comuns, houver o juiz de nomear qualquer perito, ou para arbitramento, ou nos termos do artigo 650.º do Código de Processo Civil, deverá esse perito ser escolhido entre os técnicos constantes de unia lista proposta pela Junta de Colonização Interna.
Justificação. - A alteração introduzida consiste apenas na atribuição de competência à Junta de Colonização Interna para nomear árbitros.
Tudo o mais consta do Código de Processo Civil.
Aquele organismo está especialmente indicado para o efeito.
6) Os n.ºs l, 2 e 4 da base XXIII deveriam ter a redacção seguinte:
1. O senhorio só poderá opor-se à renovação do contrato se pretender explorar o prédio por conta própria ou de seus descendentes; mas, se modificar tal forma de exploração no decurso dos três anos seguintes, o arrendatário tem o direito de ser restituído e ainda o de exigir uma indemnização correspondente a 15 por cento das rendas respeitantes aos anos em que o contrato deixou de funcionar.
2. Sempre que o arrendamento se renove, a renda poderá ser revista, recorrendo-se a arbitragem no caso de desacordo.
3....
4. O arrendatário poderá desvincular-se do contrato antes de completado o prazo inicial ou da renovação, quando ocorram circunstâncias que comprovadamente lhe criem graves dificuldades ao cumprimento do contrato.
Justificação.-A renovação do arrendamento quando o senhorio deseje continuar a exploração da terra por conta alheia, bem como a consequente revisão da renda, constituem medidas que, em rigor, são defensáveis para todos os arrendamentos e que, para os arrendamentos familiares, parecem impor-se por si próprios, dadas as características de tais arrendamentos e os fins de justiça, social que se pretende atingir.
A desvinculação do arrendatário familiar, quando a continuação do contrato lhe criasse, por assim dizer, uma nova «servidão da gleba», também parece inatacável, atentos os objectivos a conseguir.
7) Uma nova base, a XXVII, deveria ser assim redigida:
1. O Governo, tendo em conta os interesses económico-agrário e social de assegurar a estabilidade no exercício da profissão agrícola dos arrendatários de unidades de exploração familiar económicamente viáveis, promulgará o regime jurídico que em tais casos se considere mais adequado.
2. Também o Governo procederá à revisão do regime regulador de outras formas contratuais de exploração da terra.
Justificação. - A necessidade de protecção das unidades de cultura agrícola, do tipo familiar e económicamente viáveis, é uma invariante das modernas medidas legislativas.
No projecto submetido a parecer da Câmara Corporativa procurou satisfazer-se aquela necessidade nos aspectos relacionados com o arrendamento, através da instituição dos chamados a arrenda mentos familiares protegidos». As críticas formuladas e as demais opiniões
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expendidas, se não afectam a autenticidade do problema, mostram, contudo, que o assunto carece de ser estudado com mais profundidade.
Do mesmo modo, há outras formas contratuais do exploração da terra, além do arrendamento (o caso de colónia, por exemplo), que também carecem de ser disciplinadas pela lei, por forma que se faça obra. útil e convenientemente integrada num conjunto estruturado. Evitar-se-á a dispersão de regimes, a que porventura falte a necessária harmonia de regulamentação e a consequente incerteza nas soluções, do que resultariam frustradas as finalidades propostas.
Nestes termos, as bases cuja alteração formal ou substancia e aditamento se propõe deveriam ser assim redigidas e integradas no articulado:
TITULO I
Do arrendamento rural
BASE I
(Nova redacção resultante de pequenas alterações formais e substancias)
1. O arrendamento rural, que constitui objecto da presente lei, consiste na transferência para. outrem, por certo tempo e mediante retribuição determinada, do uso e fruição de um prédio rústico para fins de uma exploração regular de natureza agrícola, pecuária ou florestal .
2. Se o arrendamento recair sobre prédio rústico e do contrato e respectivas circunstâncias não resultar o destino atribuído ao prédio, presumir-se-á que o arrendamento é rural. Exceptuam-se os arrendamentos em que intervenha como arrendatária qualquer pessoa colectiva de direito público, os quais se entendem celebrados para fins de interesse público.
3. Os contratos mistos de arrendamento rural e outro ou outros negócios jurídicos regem-se, em princípio, por aplicação conjunta, das normas próprias de cada um deles; sempre que isso não seja possível, funcionará o regime de negócio que, dados os termos do contraio ou a intenção das partes, deva considerar-se principal ou predominante.
Base II
(Redacção da Câmara Corporativa com leve alteração formal dos n.ºs 1 e 2)
1. O contrato de arrendamento rural não necessita de ser reduzido a escrito.
2. Só podem, porém, provar-se por escrito as estipulações que importam alteração do regime legal supletivo do contrato ou, quando este for omisso, dos usos e costumes locais.
3. Igual
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Base IV
(Redacção da Câmara Corporativa com leve alteração formal)
1. Os arrendamentos rurais não podem celebrar-se por mais de 30 anos; quando estipulados por tempo superior, ou como contratos perpétuos, são reduzidos àquele prazo.
2. Igual.
................................................................................
Base VIII
(Redacção da Câmara Corporativa com leve alteração do n.º 3)
1. Igual.
1. Igual.
3. Havendo expropriação parcial do prédio, o arrendatário, independentemente dos direitos facultados no número anterior em relação à parte expropriada, pode optar pela, resolução do contrato ou pela diminuição proporcional da renda, a qual será fixada por arbitragem em caso de desacordo.
Base IX
(Nova redacção, resultante de alteração do n.º 1 e aditamento do n.º 2)
1. A renda será fixada em géneros das principais produções dos prédios arrendados, mas poderá ser paga anualmente, em dinheiro, pelos preços correntes na região.
2. O Governo, tendo em conta as circunstâncias de ordem económico-agrária e social, adoptará as providências legislativas necessárias para impedir que a renda ultrapasse o montante justo.
Base XIV
(Redacção da Câmara Corporativa, com leve alteração formal do n.º 1)
1. O senhorio só pode; fazer no prédio benfeitorias úteis ou voluptuárias com consentimento do arrendatário ou respectivo suprimento judicial.
2. Igual.
3. Igual.
Base XVI.
(Redacção da Câmara Corporativa, com breve aditamento ao disposto no n.º 3)
1. Igual.
2. Igual.
3. O suprimento judicial só pode ser concedido se o tribunal reconhecer que os melhoramentos são de utilidade manifesta para- o prédio e para a produção, presumindo-se que se encontram nestas condições as benfeitorias que consistam em obras de rega, enxugo ou defesa, contra a erosão.
3. Igual.
4. Igual.
5. Igual
Base XXI
(Nova redacção)
1. As questões entre senhorios e arrendatários serão resolvidas por árbitros ou pelos tribunais comuns, nos termos da lei de processo.
2. As partes podem dirigir-se à Junta de Colonização Interna, que indicará um ou mais árbitros, os quais julgarão ex aequo et bono.
3. Se, correndo o processo nos tribunais comuns, houver o juiz de nomear qualquer perito, ou para arbitramento, ou nos termos do artigo 650.º do Código de Processo Civil, deverá esse perito ser escolhido entre os técnicos constantes de uma lista proposta, pela Junta de Colonização Interna.
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6 DE JANEIRO DE 1962 293
TITULO II
Do arrendamento familiar
BASE XXIII
(Nova redacção, em que só se mantém a redacção do n.º 3 da Câmara Corporativa)
1. O senhorio só poderá opor-se à renovação do contrato se pretender explorar o prédio por conta própria ou de seus descendentes; mas, se modificar tal forma, de exploração no decurso dos três anos seguintes, o arrendatário tem o direito de ser restituído e ainda o de exigir uma indemnização correspondente a 15 por cento das rendas a respeitantes aos anos em que o contrato deixou de funcionar.
2. Sempre que o arrendamento se renove, a renda poderá ser revista, recorrendo-se a arbitragem no caso de desacordo.
3. Igual.
4. O arrendatário poderá desvincular-se do contrato antes de completado o prazo inicial ou o da renovação, quando ocorram circunstâncias que com prova dam ente lho, criem graves dificuldades ao cumprimento do contrato.
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TÍTULO III
Disposições finais
BASE XXVI
(Redacção da Câmara Corporativo, com leve alteração formal do n.º 1)
1. Aos arrendamentos ou subarrendamentos de pretérito só se aplicam as disposições desta lei se houver, depois da entrada em vigor, renovação dos contratos.
2. Inútil.
BASE XXVII
(Nova)
1. O Governo, tendo em conta os interesses económico-agrário e social de assegurar a estabilidade no exercício da. profissão agrícola aos arrendatários do unidades de exploração familiar económicamente viáveis, promulgará o regime jurídico que em tais casos se considere mais adequado.
2. Também o Governo procederá à revisão do regime regulador de outras formas contratuais de exploração da terra.
O Secretário de Estado da Agricultura, João Mota Pereira de Campos.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA