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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 14
ANO DE 1962 12 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 14, EM 11 DE JANEIRO
Presidente: Exmos Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta, a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Deu-se omita do expediente.
O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa o relatório e contas da Junta, do Crédito Público referente ao ano de 1960.
Vai ser publicado ao Diário das Sessões e baixará à Comissão de Contas Públicas.
Foi concedida autorização para o Sr. Deputado Manuel João Cutileiro Ferreira dopar como testemunha no tribunal de Évora.
Foram recebidos na Mesa os elementos requeridos pelo Sr. Deputado Amaral Neto na sessão de 15 de Dezembro passado.
Usaram da palavra os Srs. Deputados: Amaral Neto, para uni requerimento; Cardoso de Matos, para se referir à personalidade do Sr. General Silva Freire e restantes oficiais falecidos num desastre em serviço, em Angola, e cujos funerais se realizaram hoje; Sousa Meneses, acerca da acção psicossocial que estão desenvolvendo as forças armadas em Angola; Marques Lobato, na mesma ordem de ideias, mas em referência, a Moçambique; Bento Levy, sobre problemas de interesse para a província de Cabo Verde; Belchior Cardoso da Costa, que se congratulou com medidas legislativas recentes respeitantes aos grémios da lavoura; Marques Fernandes, para se referir às dificuldades com que lutam os trabalhadores rurais e os pequenos proprietários; Alberto Meireles, que chamou a atenção para os preços, praticados em estabelecimentos hoteleiros e similares, dos vinhos de mesa engarrafados, e Rocha Peixoto, sobre as consequências das recentes cheias do rio Douro.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre o emparcelamento da propriedade rústica.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Virgílio Cruz, Armando Perdigão e José Pires da Costa.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se a chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Beis Faria.
Alberto Ribeiro da Gosta Guimarães.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
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António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Egberto Rodrigues Pedro.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco Lopes Vasques. Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Mendes Pires da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Luís Le Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 114 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Do Grémio da Lavoura de Ribeira de Pena a apoiar as considerações do Sr. Deputado Teles Grilo sobre a proposta de lei relativa ao emparcelamento da propriedade rústica.
Da Federação da Lavoura do Nordeste Transmontano a exprimir o seu desejo de breve publicação da lei sobre o em parcelamento da propriedade rústica.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa o relatório e contas da Junta do Crédito Público referente ao ano de 1960.
O Sr. Presidente da Junta, acompanhado dos vogais e do director-geral, teve a amabilidade de vir aqui à Assembleia entregar este relatório, que já há dias me tinha anunciado estar pronto.
Vai ser publicado em suplemento ao Diário das Sessões e baixar à Comissão de Contas Públicas.
Está também na Mesa um, ofício do tribunal judicial ria comarca de Évora a pedir autorização para o Sr. Deputado Manuel João Cutileiro Ferreira depor como testemunha. Ouvido o Sr. Deputado sobre se a sua comparência ali poderia prejudicar o exercício do seu mandato, respondeu este negativamente. Nestas condições, consulto a Assembleia sobre se concede a autorização solicitada.
Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização.
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O Sr. Presidente: - Informo o Sr. Deputado Amaral Neto de que está na Mesa a resposta ao pedido de informações feito na sessão de 15 de Dezembro do ano findo.
O Sr. Amaral Neto: - Peço a palavra, Sr. Presidente, para um requerimento.
O Sr. Presidente: - Tem V. Exa a palavra.
O Sr. Amaral Neto: - Requeiro que essa resposta seja mandada, transcrever no Diário das Sessões.
O Sr. Presidente: - Será publicada no Diário. Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso de Matos.
O Sr. Cardoso de Matos: - Sr. Presidente: como é do conhecimento público, realizou-se hoje o funeral do que foi o distinto general Silva Freire e de alguns dos seus briosos colaboradores, que, em circunstâncias trágicas e quando tanto ainda era de esperar no prosseguimento da obra a que se devotavam, no desempenho das suas missões, pereceram no brutal desastre do Chita do, em Angola, província que lhes fica devendo o dom maior que o homem pode sacrificar a um ideal - a própria vida. E foi como idealistas que Angola os chorou e chora, porque bem sabia que, para além das obrigações que o dever lhes poderia cometer, exigiam de si próprios esforços maiores em prol de uma causa que era deles e de todos nós.
Curvamo-nos perante o seu sacrifício e lembramos respeitosamente os seus nomes, certos de que se juntarão na história pátria aos de tantos outros que, através dos séculos, por ela se têm sacrificado também, engrandecendo-a tanto no seu património material como no moral.
Paz às suas almas e que a Pátria os recorde sempre como exemplo de virtudes a seguir, que, aliás -e injusto seria não o proclamar -, encontrámos e continuamos a encontrar em toda a parte onde o português conserva as qualidades dos seus maiores, as virtudes ancestrais que fizeram de um Portugal pequenino unia grande nação plurirracial, orgulho de todos nós, mas invejada de tantos, como os tempos presentes, por forma tão evidente, nos estão provando.
São estas e tantas outras vidas que se perdem em defesa da Pátria que temos de recuperar em espírito, bastando que nos unamos, que cerremos fileiras, que todos como um só e sem desfalecimentos prossigamos a obra a que se devotaram.
Não há tempo para dissidências nem o momento as consente. Aqui, como em qualquer outra parcela do todo nacional, é obrigação a que a ninguém é permitido eximir-se o ter presente que irmãos nossos, como os malogrados oficiais que citámos, suportam sacrifícios que vão até ao da própria vida na defesa de um património comum que todos têm de defender, sem excepções.
Tem-no compreendido assim a gente de Angola e todos os que nela permanecem e a ela continuam acorrendo, quer militares, quer civis. Sabe-se dos devotados sacrifícios que todos estão fazendo nas suas vidas e nos seus haveres. Ao lado dos militares, cuja meritória acção já destacámos, lutam muitos civis, numa extraordinária manifestação de querei- que é justo destacar também.
São estes exemplos, são estes sacrifícios, são tantas vidas e haveres perdidos por irmãos nossos que queremos apontar a todos, pedindo, quando não exigindo,
que sejam respeitados e seguidos, ou então o homem deixa de o ser, porque perdeu o respeito por si próprio. Tenho dito.
Vozes: -Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Sousa Meneses: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: pedi a palavra porque ontem ouvi aqui referir a acção psicossocial das forças armadas em Angola em termos altamente elogiosos, o que, ao meu sentir de militar, muito me sensibilizou. Julgo poder acrescentar, em ligeiro apontamento, meia dúzia de considerações mais para, no aspecto militar, melhor esclarecer algumas dúvidas porventura existentes, ou até, sabe-se lá, algumas incompreensões. Muitas outras ainda subsistirão, e do facto ninguém se deve admirar, porque o assunto é um somatório de duas parcelas tremendamente fluidas - a acção psicológica e a acção social - a desenvolver em ambiente se não de sangue e de ódio, agora, pelo menos, de desconfiança.
Mas é da praxe, e cumpro-a com muito gosto, saudar V. Exa na primeira fala que se tem nesta Casa. Não posso invocar a minha qualidade de aluno da velha Universidade de Coimbra para recordar o intenso prestígio e a inteligente ajuda do Mestre que foi V. Exa. Mas posso, como cidadão sempre interessado no evoluir da causa pública do meu país, recordar uma sessão de propaganda eleitoral a que assisti, vai talvez para doze anos, no Palácio dos Desportos, em Lisboa. V. Exa em um dos oradores, e depois de ter rebatido, com elevado poder de síntese, os aspectos principais da propaganda contrária, acabou por concluir nestes termos: «Então parece que a oposição o que discute são homens. Pois bem... se são homens, peço meças». Sr. Prof. Mário de Figueiredo: quando um homem público, em plena campanha eleitoral, pode pedir «meças» é porque, além de estar seguro da sua capacidade intelectual e da sua firmeza de carácter, tem a alma limpa e a consciência tranquila perante os seus concidadãos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sempre admirei e procuro seguir na vida os homens que têm tais qualidades.
Srs. Deputados: depois de ter bem apreciado o valor das intervenções de VV. Exas, considero um acto de coragem, para não lhe chamar ousadia, propor-me falar pela, primeira vez nesta Assembleia com tão pouco tempo de preparação. Bestam-me duas atenuantes: a primeira é que não fica mal a um militar ser corajoso; a segunda é que, sem menosprezo para V. Exa, é muito maior o risco que correm os meus camaradas que cumprem missões de soberania nos territórios portugueses. Uma coisa é certa: podem VV. Exas contar com a minha independente, leal e sincera colaboração durante os trabalhos desta legislatura.
r. Presidente: o quadro de uma acção psicossocial a realizar pelas forças armadas desenvolve-se sempre tendo por objectivo a conquista da confiança das populações. Se é assim, é porque essa confiança foi abalada ou perdida. O fenómeno que faz perder essa confiança é a chamada guerra revolucionária.
Para melhor realçar o que pode ser a acção psicossocial das forças armadas importa fazer um ligeiro apontamento sobre o significado da guerra revolucionária. Esta guerra é hoje em dia uma das grandes preocupações dos países com responsabilidades em ter-
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Mas, pela exibição destes aspectos negativos da minha personalidade - além de tantos outros -, eu tornaria responsável por me haver trazido até esta Casa o Sr. Dr. Veiga de Macedo. Confesso-lhe, Sr. Doutor, que quase lhe cheguei a querer mal pela honra que me dispensou com o tão amável convite que se dignou dirigir-me para aceitar a minha candidatura.
Todavia, o eleitorado de Cabo Verde reagiu de maneira tão cativante, respondendo a chamada às umas de forma tão expressiva e com manifestações de tanta confiança, que eu, que nunca cultivei a popularidade, lhe fiquei devendo, Sr. Doutor, os momentos mais emocionantes de toda a minha vida. Em vez de quase lhe querer mal, passei a querer-lhe bem, e só tenho que lhe agradecer a efectivação do mandato mais honroso que até hoje recebi. Bem haja, pois.
Sr. Presidente: somos 130 Deputados. Se todos usarmos da palavra durante a legislatura, V. Exa ouvirá, não 130, mas, por motivos óbvios, 129 cumprimentos e 129 elogios à sua alta personalidade. Reconheço que deve ser fastidioso para V. Exa, mas digo que é bem feito ... E digo que é bem feito porque V. Exa é o único culpado do imperativo que se impôs à consciência de cada um de nós.
Eu, por exemplo, nunca fui aluno de V. Exa, mas confesso, com o mesmo orgulho dos que o foram, que sou um seu discípulo. Desde os velhos bancos do Campo de Santana e depois pela vida fora que venho seguindo as lições de V. Exa e só lamento ser tão mau discípulo que não tenha podido tirar todo o proveito da lição magnífica que tem dado aos portugueses de todas as latitudes, com uma vida exemplar de dedicação ao País, quer como professor, quer como político.
Mestre eminentíssimo de Direito, é V. Exa também mestre das virtudes que devem exornar o cidadão que à Pátria se entrega com total devoção ao serviço da causa pública e do bem comum.
Por estas razões, embora descoloridamente, eu não podia deixar de juntar a minha palavra à dos 128 restantes Srs. Deputados para prestar as minhas homenagens sinceras às altas qualidades e virtudes que todos reconhecemos em V. Exa, reconhecimento esse que teve, aliás, a sua expressão na significativa eleição de V. Exa para dirigir os trabalhos desta Assembleia, onde não só todos acolhemos a sua orientação, com o respeito devido, como também a seguimos como lição de Mestre que V. Exa continua a ser.
Sr. Presidente: aconteça o que acontecer, suceda o que suceder, tenhamos unia certeza: Portugal jamais poderá desaparecer da face do Mundo. A nossa presença será eterna, pelo espírito, pela cultura, pela civilização que espalhámos por toda a parte e que não pode ser subvertida. Como baluarte desta Europa que quer suicidar-se aos poucos, continuaremos a ser a luz que desta ponta do Ocidente iluminará para sempre a humanidade e, onde quer que tenhamos estado, ali permaneceremos, na certeza de que a civilização não pode ser superada pela rapinagem a impor a lei do mais forte, num sádico cinismo que a história não registara ainda.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não nos deixemos, pois, diminuir pelas cobiças e ambições próprias da imaturidade de povos que só vêem nas realizações materiais o escopo da sua existência, para se atirarem à rapina desenfreada, sem que sequer tentem resolver os seus problemas próprios.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Apesar de tudo, não percamos as esperanças nesta humanidade que loucamente se atira para o abismo, desprezando os mais elementares princípios da honra e da dignidade. O bom senso há-de regressar au espírito dos homens, e como tomos do nosso lado a Razão e o Direito, tenhamos voragem pura resistir e fé na vitória final, que havemos de alcançar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Vamos, por isso, trabalhar sem esmorecimentos, prosseguindo na nossa vida de paz onde não nos impuserem a guerra, seguros da nossa missão e certos de que nada nos impedirá de continuarmos fiéis a nós próprios.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: represento nesta Assembleia precisamente o povo que de forma mais significativa reflecte a acção criadora de Portugal, em desmentido formal de finalidades mercantilistas ou espoliadoras dessa mesma acção no que respeita aos territórios que ocupamos e são nossos.
Refiro-me a Cabo Verde.
Se, dentro da concepção e das condições próprias da época, conquistámos terras para dilatar a Fé e o império, formando uma nação, aliás como outras se formaram, Cabo Verde é o exemplo vivo, frisante, actual, de que não nos movia o espírito vil da conquista para o domínio, mas o nobre e dignificante propósito de criar condições de vida onde elas não existiam.
Achadas as ilhas sem sinal de gente, não hesitámos em lá ficar para nelas formarmos uma das etnias mais demonstrativas do génio criador de Portugal. Ocupámos as terras que não eram de ninguém, apropriando-nos de territórios livres, para, com pretos de África e brancos da metrópole, continuarmos Portugal, numa miscigenação sem igual no Mundo. Do nada, transformámos as ilhas, tornando-as habitáveis, e, embora em condições precárias, visto que a Natureza não ajuda, ali permanecemos firmes, com grandes sacrifícios do Portugal europeu, desde há 500 anos, num convívio multirracial que vem das origens, sem quaisquer diferenciações que não sejam as resultantes da hierarquia social, cultural, material ou moral (basta dizer que em Cabo Verde branco não significa que o indivíduo o seja na cor da pele, mas antes indica a sua posição na escala de valores).
Ora uma nação que se prolonga desta maneira poderá ser acusada de mercantilista e espoliadora ?
Valha-nos Deus ! Onde está o mercantilismo de um país que criou um povo à imagem e semelhança do seu próprio e o mantém sem submissões, de igual para igual, e que, apesar de tantas e tantas dificuldades a vencer numa natureza dura, ingrata, por vezes desesperante, o não abandona ao seu destino, antes previne os males e o ajuda nas suas vicissitudes e desgraças, que infelizmente não são poucas?
Oh! Meus senhores! Quanta injustiça se tem feito a este velho Portugal, esquecendo-se o seu desinteresse material, de que Cabo Verde é um dos mais frisantes exemplos!
É, de facto, no arquipélago, meus Senhores, que vamos encontrar uma das razões fundamentais do direito que nos assiste em permanecer em territórios que nos pertencem de facto e de direito. Temos, pois, que fazer vingar essa razão e desenvolvê-la na medida das nossas possibilidades, para que ela continue a ser a força do nosso direito.
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nação. Sabem, finalmente, que é um esforço que compete a todos os portugueses fazer, esforço de vontade, de fé, de inteligência, de dinheiro e de acção.
Que ninguém fique com dúvidas de que a acção psicossocial que o Exército vem produzindo no ultramar português alterou completamente o quadro social da vida das províncias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Todos devem voluntariamente compreender que os fenómenos sociais não retrogradam; progridem, de conquista em conquista, e tanto mais depressa quanto mais baixo é o nível das populações.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - É bom que se tome consciência da sua importância e do esforço tremendo que o Exército vem fazendo para cumprir mais esta missão que lhe é imposta. Aqui não há política, lia um dever a cumprir.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Devemos respeitar as coisas fundamentais da vida nacional; devemos discutir o que se pode discutir, mas devemos calar no mais fundo da nossa alma ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... mesmo com sacrifício, qualquer crítica ou comentário que possa favorecer a acção do inimigo que nos vigia por toda a parte.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Maior sacrifício, é bom que não se esqueça, foi o daqueles que deram a, sua vida pela defesa da integridade da Pátria apenas para cumprirem o seu dever.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Marques Lobato: - V. Exa., Sr. Deputado Sousa Meneses, dá-me licença para um aditamento ?
O Sr. Sousa Meneses: - Tenha a bondade.
O Sr. Presidente: -V. Exa., Sr. Deputado Marques Lobato, não me pediu a palavra ...
O Sr. Marques Lobato: - Eu tinha pedido a palavra, Sr. Presidente ...
O Sr. Presidente: - Eu sei, mas o Sr. Deputado Sousa Meneses já tinha acabado as suas considerações e, portanto, era a mim que V. Exa. tinha de pedir autorização para usar da palavra.
O Sr. Sousa Meneses: - Permita V. Exa., Sr. Presidente, que eu tome a liberdade de sugerir a vantagem em ouvir, pura complemento das minhas ideias, o breve apontamento do nosso ilustre colega, que pretende falar, segundo julgo, sobre Moçambique.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Lobato.
O Sr. Marques Lobato: -Sr. Presidente: em Moçambique o Exército está também a exercer uma acção psicossocial digna dos maiores elogios, e eu tive oportunidade de acompanhar de perto alguns desses trabalhos.
Essa acção, que devemos considerar meritória, está a ser levada a cabo por toda a província, com o fim de elevar a educação, cultura e valorização das populações, e sem dúvida trará os mais louváveis e proveitosos resultados, acção essa que está a ser dirigida pelo Sr. General Nascimento e Silva, comandante militar da província, e pelo Sr. Tenente-Coronel Hermes de Oliveira.
Às populações estão a mostrar o maior interesse e carinho por essa acção e, portanto, associo-me às palavras de elogio e apreço do Sr. Deputado Sousa Meneses ao Exército, e sei que também em Timor, embora em escala mais modesta, se tem procedido do mesmo modo, desconhecendo apenas o que se passa quanto à Guiné, mas sei que de um modo geral essa acção está a ser levada a cabo em todas as províncias.
É preciso não esquecer que estamos a ser atacados por toda a parte e por todas as formas, como muito bem disse o Sr. Deputado Sousa Meneses.
O Sr. Sonsa Meneses: - Permita-me V. Exa., Sr. Presidente, que use novamente da palavra para dizer que as observações que o nosso ilustre colega acaba de fazer são absolutamente pertinentes relativamente à província de Moçambique e até, sem querer menosprezar o trabalho de ninguém, creio que neste aspecto a província de Moçambique foi a primeira a lançar-se com entusiasmo e consciência na realização de uma acção contra-revolucionária, utilizando a anua psicossocial.
O Sr. Marques Lobato: - Tive era mão planos de acção que estão a ser executados.
O Orador:- Conheço esses planos! Quanto à Guiné, se é possível neste complexo problema, que mexe com o psíquico e com o social, poder ter uma ideia aproximada, creio poder afirmar que parecem ser o mais favoráveis possível os resultados da acção psicossocial na Guiné Portuguesa.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Bento Levy:- Sr. Presidente: sou aqui um caloiro. Caloiro em toda a extensão da palavra, pois, sem actividade política, tão-pouco havia entrado antes nesta sala, mesmo como espectador. Sinto-me confundido e demasiadamente pequeno na presença de tão eminentes personalidades da vida pública nacional. Não sei como, entre pares, me possa igualar.
Não vejo outra recomendação para a minha candidatura senão a honestidade dos princípios que me têm norteado e a lealdade com que na vida pública venho servindo o País com a maior devoção desde há 24 anos em Cabo Verde, onde nasci e não hesitei em ficar depois de formado, apesar de melhores perspectivas no meio em mie fui educado e criei amigos e das ambições que a minha juventude de então legitimava. Com efeito, faltam-me o engenho e a arte; advogado de gabinete, minguam-me os dotes oratórios; falham-me as qualidades indispensáveis para cabalmente corresponder às obrigações do lugar que ocupo.
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Mas, pela exibição destes aspectos negativos da minha personalidade além de tantos outros, eu tornaria responsável por me haver trazido até esta Casa o Sr. Dr. Veiga de Macedo. Confesso-lhe, Sr. Doutor, que quase lhe cheguei a querer mal pela honra que me dispensou com o tá o amável convite que se dignou dirigir-me para aceitar a minha candidatura.
Todavia, o eleitorado de Cabo Verde reagiu de maneira tão cativante, respondendo à chamada às urnas de forma tão expressiva e com manifestações de tanta confiança, que eu, que nunca cultivei a popularidade, lhe fiquei devendo, Sr. Doutor, os momentos mais emocionantes de toda. a minha vida. Em vez de quase lhe querer mal, passei a querer-lhe bem, e só tenho que lhe agradecer a efectivação do mandato mais honroso que até hoje recebi. Bem haja, pois.
Sr. Presidente: somos 130 Deputados. Se todos usarmos da palavra, durante a legislatura, V. Ex.ª ouvirá, não 130, mas, por motivos óbvios, 129 cumprimentos e 129 elogios à sua alta personalidade. Reconheço que deve ser fastidioso para V. Ex.ª, mas digo que é bem feito ... E digo que é bem feito porque V. Ex.ª é o único culpado do imperativo que se impôs à consciência de cada um de nós.
Eu, por exemplo, nunca fui aluno de V. Ex.ª, mas confesso, com o mesmo orgulho dos que o foram, que sou um seu discípulo. Desde os velhos bancos do Campo de Santana e depois pela vida fora que venho seguindo as lições de V. Ex.ª e só lamento ser tão mau discípulo que não tenha podido tirar todo o proveito da lição magnífica que tem dado aos portugueses de todas as latitudes, com uma vida exemplar de dedicação ao País, quer como professor, quer como político.
Mestre eminentíssimo de Direito, é V.Exa. também mestre das virtudes que devem exornar o cidadão que à Pátria, se entrega, com total devoção ao serviço da causa pública e do bem comum.
Por estas razões, embora descoloridamente, eu não podia, deixar de juntar a minha palavra à dos 128 restantes Srs. Deputados para prestar as minhas homenagens sinceras às altas qualidades e virtudes que todos reconhecemos em y. Exa., reconhecimento esse que teve, aliás, a sua expressão na significativa eleição de V. Ex.ª para dirigir os trabalhos desta Assembleia, onde não só todos acolhemos a sua orientação, com o respeito devido, como também a seguimos como lição de Mestre que V. Ex.ª continua a ser.
Sr. Presidente: aconteça o que acontecer, suceda o que suceder, tenhamos uma. certeza: Portugal jamais poderá desaparecer da face do Mundo. A nossa presença será eterna, pelo espírito, pela cultura, pela civilização que espalhámos por toda a parte e que não pode ser subvertida. Como baluarte desta Europa que quer suicidar-se aos poucos, continuaremos a ser a luz que desta ponta do Ocidente iluminará para sempre a humanidade e, onde quer que tenhamos estado, ali permaneceremos, na certeza de que a civilização não pode ser superada pela rapinagem a impor a lei do mais forte, num sádico cinismo que a história não registara ainda.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Não nos deixemos, pois, diminuir pelas cobiças e ambições próprias da imaturidade de povos que só vêem nas realizações materiais o escope da sua existência, para se atirarem à rapina desenfreada, sem que sequer tentem resolver os seus problemas próprios.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Apesar de tudo, não percamos as esperanças nesta humanidade que loucamente se atira para o abismo, desprezando os mais elementares princípios da honra e da dignidade. O bom senso há-de regressar ao espírito dos homens, e como temos do nosso lado a Razão e o Direito, tenhamos coragem para resistir e fé na vitória final, que havemos de alcançar.
Vozes: - Muito bem, muito !
O Orador: - Vamos, por isso, trabalhar sem esmorecimentos, prosseguindo na nossa vida de paz onde não nos impuserem a guerra, seguros da nossa missão e certos de que nada nos impedirá de continuarmos fiéis a nós próprios.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: represento nesta Assembleia precisamente o povo que de forma mais significativa reflecte a acção criadora de Portugal, em desmentido formal de finalidades mercantilistas ou espoliadoras dessa mesma acção no que respeita aos territórios que ocupamos e são nossos.
Refiro-me a Cabo Verde.
Se, dentro da concepção e das condições próprias da época, conquistámos terras para dilatar a Fé e o império, formando uma nação, aliás como outras se formaram, Cabo Verde é o exemplo vivo, frisante, actual, de que não nos movia o espírito Vil da conquista para o domínio, mas o nobre e dignificante propósito de criar condições de vida onde elas não existiam.
Achadas as ilhas sem sinal de gente, não hesitámos em lá ficar para nelas formarmos uma das etnias mais demonstrativas do génio criador de Portugal. Ocupámos as terras que não eram de ninguém, apropriando-nos de territórios livres, para, com pretos de África e brancos da metrópole, continuarmos Portugal, numa miscigenação sem igual no Mundo. Do nada, transformámos as ilhas, tornando-as habitáveis, e, embora em condições precárias, visto que a Natureza não ajuda, ali permanecemos firmes, com grandes sacrifícios do Portugal europeu, desde há 500 anos, num convívio multirracial que vem das origens, sem quaisquer diferenciações que não sejam as resultantes da hierarquia social, cultural, material ou moral (basta dizer que em Cabo Verde branco não significa que o indivíduo o seja na cor da pele, mas antes indica a sua posição na escala de valores).
Ora uma nação que se prolonga desta maneira poderá ser acusada de mercantilista e espoliadora ?
Valha-nos Deus! Onde está o mercantilismo de um país que criou um povo à imagem e semelhança do seu próprio e o mantém sem submissões, de igual para igual, e que, apesar de tantas e tantas dificuldades a vencer numa natureza dura, ingrata, por vezes desesperante, o não abandona ao seu destino, antes previne os males e o ajuda nas suas vicissitudes e desgraças, que infelizmente não são poucas?
Oh! Meus senhores! Quanta injustiça se tem feito a este velho Portugal, esquecendo-se o seu desinteresse material, de que Cabo Verde é um dos mais frisantes exemplos!
É, de facto, no arquipélago, meus Senhores, que vamos encontrar uma das razões fundamentais do direito que nos assiste em permanecer em territórios que nos pertencem de facto e de direito. Temos, pois, que fazer vingar essa razão e desenvolvê-la na medida das nossas possibilidades, para que ela continue a ser a força do nosso direito.
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Para tanto, não me pouparei a esforços, trazendo a esta Assembleia e nos Poderes Públicos competentes as achegas que repute necessárias para a resolução dos problemas cia província.
Mas Cabo Verde é pouco conhecido, ou melhor, Cabo Verde é para aqueles muitos que nunca lá estiveram o arquipélago das ilhas desafortunadas - o arquipélago da fome!
Ora é preciso acabar com este conceito, que nos leva em linha recta ao «não vale a pena», ao derrotismo, que nada soluciona.
indispensável conhecer as ilhas, é necessário contactar com esse portuguesíssimo povo que serve em Angola, que se bate em Angola, que se faz herói em Angola e que morre em Angola única e exclusivamente porque Angula é Portugal!
É preciso compreendermos a amorabilidade da minha gente por Portugal para prosseguirmos mais afincadamente na senda de progresso que há uma dezena de anos se vem processando nas ilhas, graças à acção do Governo, que não se tem poupado a esforços para melhorar as condições de vida no arquipélago.
Para isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é preciso lá irmos Aliás, julgo que nós, os portugueses, temos de conhecer-nos todos melhor para nos mantermos mais unidos, se possível, a fim de alcançarmos com maior eficiência os objectivos que nos propomos: a unidade da Nação e a coesão dos povos que a constituem.
Temos de dinamizar a nossa acção para que nos seja mais fácil - a qualquer um de nós - atingir as razões aqui aduzidas pelos Srs. Deputados nas suas intervenções em prol das regiões que constituem o círculo que os elegeu.
Portugal precisa de conhecer Portugal.
Nas funções públicas que exerço em Cabo Verde - na propaganda e informação da província - tenho recebido, por dever de ofício, e não raras vezes, jornalistas e até estadistas estrangeiros curiosos por conhecer as ilhas e quanto ali se passa. Poucas vezes, em doze anos, lá estiveram portugueses com idêntica finalidade.
Não critico, nem me oponho, que continuem a visitar as ilhas os estrangeiros que as queiram visitar. Nada temos ali que esconder. Apenas seria recomendável que nos visitasse gente de boa fé, e não os especuladores de sensacionalismos doentios ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... que ali vão com o único propósito de registar o que não fizemos, sem querer reparar no que está realizado e representa esforço, sacrifício, trabalho e persistência. Não me esqueço, por exemplo, de um jornalista do Texas a quem só interessava fotografar um cão tinhoso, enquanto eu lhe mostrava as obras de hidráulica realizadas em Santiago, ou uma mulher com uma perna entrapada, quando lhe chamava a atenção para o posto agro-pecuário de S. Jorge dos Órgãos. Não lhe interessavam as nossas realizações. Apenas queria focar o lado miserável da vida, como sé a miséria fosse apanágio exclusivo de Cabo Verde e não existisse em toda a parte, incluindo a própria América.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Com gente deste jaez temos nós de tomar cautelas especiais e dispensamos, com o melhor agrado, a sua curiosidade pelas ilhas.
Mas, dizia eu, se não me oponho à visita de estrangeiros de boa fé, não posso deixar de lamentar a ausência dos nacionais.
Na verdade, o desconhecimento das ilhas envolve uma tal série de erros de apreciação que nós quase nos envergonhamos quando ouvimos falar de Cabo Verde.
Os estranhos, chamados pelo escândalo das ilhas onde supõem que ainda se morre de fome, apenas procuram o tal sensacionalismo mórbido para parangonas nos seus jornais ou revistas, sem curarem de saber das dificuldades vencidas e sentirem quanto de fraternidade existe entre o todo português. O nosso desconhecimento das ilhas tira-nos a coragem para desmentir as atoardas engendradas sobre Cabo Verde.
Pois é preciso que todos estejamos aptos a desfazer os falsos conceitos formados acerca das ilhas. É preciso podermos dizer, alto e bom som, com pleno conhecimento de causa, qual tem sido o esforço nacional na província. É preciso que se saiba que em 1959-1960 o arquipélago atravessou uma das maiores crises de seca por falta de chuvas e que - ao contrário do que se tentou especular - ninguém, mas absolutamente ninguém, morreu por carência alimentar, graças à ajuda pronta do Governo Central e graças, sobretudo, à actuação previdente desse grande governador, tenente-coronel Silvino Silvério Marques, que, em vez de cruzar os braços à espera do espectro da fome, foi ao encontro dos acontecimentos e evitou uma catrástrofe de gravíssimas repercussões. Agindo com oportuna utilidade, o governador salvou milhares de cabo-verdianos de uma morte certa e prestigiou a administração pública portuguesa, já alvo de críticas precipitadas e aleivosas, na persuasão - que era uma certeza para os nossos inimigos - de que a fome era inevitável e ceifaria mais vidas nas ilhas.
Já tive o ensejo de prestar pública homenagem, em letra de forma, a esse homem de rija têmpera, a quem vi envelhecer nestes três anos do seu governo e que, por vezes, tão mal compensado tem sido nas apreciações. Não é de mais, porém, ser-se justo, e é com a mais alta consideração que aproveito esta oportunidade para lhe deixar consignado nesta Assembleia o meu vivo apreço e, tenho a certeza, o das populações humildes - principalmente das populações humildes - de Cabo Verde pela actividade que vem desenvolvendo na província.
Por estas razões e tantas outras é indispensável que, além do apoio do Governo Central, todos os portugueses responsáveis estejam em condições de também o apoiar na obra que encetou e que tem de prosseguir.
Para isso - e volto ao princípio :- torna-se necessário ir a Cabo Verde, como necessário se torna conhecermos os outros territórios nacionais e a obra ali realizada, bem como a que temos de realizar para o progresso e bem-estar das gentes que os habitam e neles engrandecem Portugal.
No caso concreto de Cabo Verde seria desejável, na verdade, que ao falar-se da ilha do Sal se não dissesse ironicamente que é «uma ilha com uma árvore ao fundo», quando é certo que temos ali o maior porta-aviões do Atlântico Sul, a servir de base para três continentes, e, sobretudo, a permitir-nos viajar por todo o Portugal de África sem sair do próprio Portugal. O Sal é uma dádiva de Deus a unir-nos sem que tenhamos de pedir autorização a quem quer para estabelecermos as ligações entre o Portugal europeu e o Portugal africano.
Gostaria que os portugueses de todas as latitudes conhecessem essa ilha e pudessem compreender as razões
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por que me causa grande mágoa quando os T. A. P. utilizam território estranho como porto fie escala para ir a Angola e Moçambique e não se servem do aeroporto do Sal, que é nosso.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Gostaria que os portugueses vissem a grande obra que realizámos no Porto Grande de S. Vicente, e que, embora com o atraso de 50 anos, fez-se e constitui motivo de grande orgulho da engenharia portuguesa, para compreenderem melhor quanto nos penaliza a demora no apetrechamento do porto e do seu cais, este praticamente parado desde a sua inauguração, apesar de termos nele despendido mais de 70 000 contos.
Eu gostaria que todos compreendessem a necessidade premente, urgentíssima, de se instalar em S. Vicente a refinaria, cuja adjudicação de exploração tanto se tem demorado, com manifesto prejuízo para o arquipélago e, pior do que isso, sob a ameaça perigosíssima de os portos vizinhos nos passarem de novo à frente, como aconteceu antes com a demora havida na construção do cais.
Eu gostaria que tomássemos consciência das condições precárias, incómodas, perigosas, difíceis e raras em que se fazem as comunicações marítimas entre as ilhas, para se reconhecer razão aos apelos insistentes do governador e da população em peso para a solução do problema, para o qual, aliás, se construiu um barco que permanece parado no Tejo.
Eu gostaria que experimentássemos desembarcar no Fogo, nas condições que ainda hoje sucedem, para compreendermos melhor quanto se impõe a construção de uni cais de desembarque na ilha - cais esse já estudado e dotado, mas sem execução.
Eu gostaria, Srs. Deputados, que ao falar-se das estradas de Cabo Verde e dos milhares de contos nelas despendidos não se dissesse displicentemente que se cometeram erros, dando-se por mal empregado o dinheiro gasto, e antes se verificasse que elas foram feitas sob a preocupação nobilíssima de salvar vidas - o que constitui, sem dúvida, emprego útil de capital, além de inegável serviço prestado à Nação -, mormente nos tempos que decorrem e quando a nossa acção no ultramar tão deturpada tem sido.
Eu gostaria que todos os portugueses conhecessem e vissem a utilidade das obras de hidráulica agrícola realizadas em Santiago, em Santo Antão e noutras ilhas, para que se convencessem de que a esforço da Nação não tem sido baldado e tem de prosseguir, cada vez em ritmo mais acelerado - em velocidade e em força -, se quisermos manter a sobrevivência das populações cabo-verdianas, sem o permanente espectro da fome a ameaçá-los.
Eu gostaria ... Oh! Sr. Presidente e meus senhores ! Eu gostaria de tantas coisas vos dizer ... De falar-vos do clima magnifico das nossas ilhas, dos seus vales verdejantes, das suas excelentes condições para um turismo calmo, das suas mornas, do seu folclore ..., de tantas e tantas coisas mais, para vos convencer que enormes potenciais possuímos em Gabo Verde! Mas não quero tomar-vos tanto tempo.
É que desejo ainda lembrar que Cabo Verde é uma das mais portuguesas das províncias do nosso ultramar, e tão portuguesa que possui uma elite intelectual capaz de criar, sorno criou, uma literatura que, sendo regionalista, com características próprias, e possuindo uma temática autónoma, é, no fundo, genuinamente portuguesa, e tão portuguesa que a sua fornia de expressão não se diferencia da dos escritores da metrópole, enriquecendo a língua mãe com os seus modismos, que ora lembram Gil Vicente, ora são autênticas criações de realidades vivas e vividas no arquipélago.
Vozes: -Muito bem, muito bem !
O Orador: -«Demonstrativa de uma pujança criadora que constitui no presente a mais dignificante afirmação de que as sementes lançadas no passado caíram numa humanidade generosa e nobre», eis como o ilustre Prof. Marcelo Caetano se refere à literatura e aos intelectuais cabo-verdianos.
«Clara síntese de uma virtualidade que se enriquece nas próprias peculiaridades etnossociológicas que reflecte», no dizer de Luís Forjas Trigueiros, a literatura cabo-verdiana constitui a maior riqueza intelectual do nosso ultramar e uma afirmação de inestimável valor humano.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador:-Pois, meus senhores, vamos contactar também com esta plêiade de gente que tanto se honra de ser portuguesa e tanto tem contribuído para o brilho da literatura nacional.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Vamos até junto deles para os ouvir, para nos orgulharmos com eles de serem a continuação viva do Portugal europeu.
Eles não sonham apenas ou sé comprazem simplesmente em serem poetas e prosadores de ficção. Sabem o que querem. Conhecem as necessidades do nosso povo, os seus anseios, as suas esperanças. Ouvir os poetas e prosadores de Cabo Verde será uma das formas de mais profundamente se conhecer o arquipélago e a sua gente, pois a alta cultura desses intelectuais, dedicados ao estudo dos problemas cabo-verdianos, que, aliás, servem de tema fundamental aos seus escritos, em muito contribuirá para uma mais justa compreensão da luta heróica que temos de travar pela sobrevivência na terra madrasta, mas sempre amada!
Mas não se trata só de conhecer Cabo Verde! Vamos portugueses da Europa conhecer o Portugal de além-mar e vamos portugueses do ultramar conhecer o Portugal da Europa! Estabeleçamos um intercâmbio dentro desta Assembleia, onde existem elementos idóneos, capastes de levar um conselho avisado, de sugerir uma iniciativa oportuna, uma emenda autorizada, para o que fizemos e temos de continuar a realizar. Tenho a certeza de que regressaremos de cada digressão mais orgulhosos de sermos portugueses, mais firmes, se possível, no propósito de mantermos o que é nosso e mais coesos nas nossas convicções, para resolvermos entre nós, na nossa própria casa, os problemas que nos dizem respeito, e que só a nós, portugueses, compete solucionar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: arrazoei mais do que desejava. Fiz o mais fácil. Vejamos se consigo o mais difícil - articular.
Sr. Presidente, tenho a honra de propor o seguinte:
Que a Comissão do Ultramar estude com a maior brevidade a forma de estabelecer, por meio de missões parlamentares, visitas de estudo dos Deputados da me-
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trópole ao ultramar e dos Deputados do ultramar às regiões da metrópole representadas nesta Assembleia.
Como não faço parte da Comissão do Ultramar, ofereço-me para apresentar, se for julgado necessário, sugestões acerca da execução da proposta.
Ofereço-me também, desde já, para servir de cicerone aos Srs. Deputados que se desloquem a Cabo Verde.
Meus senhores: sei, calculo, que as deslocações representarão sacrifício para os Srs. Deputados que venham a constituir as missões, mas os resultados que daí advirão justificam esse sacrifício.
Veja, Sr. Presidente, quanta utilidade se V. Exa., depois de conhecer a terra e as gentes, de se inteirar da sua cultura e do seu desenvolvimento intelectual, de perscrutar as suas dificuldades económicas e financeiras, nos pudesse dar, com o seu saber e experiência, uma orientação para o estatuto político e administrativo das ilhas, precisamente agora objecto das nossas preocupações!
Veja V. Exa., Sr. Dr. Veiga de Macedo -não é vingança por me ter trazido aqui, palavra que não é -, mas veja quanto ficaria facilitada a sua tarefa de principal responsável pela execução da política nacional, se V. Exa. contactasse com as pessoas, conversasse com elas, as conhecesse melhor, para melhor escolher quem representasse essa política em Cabo Verde.
Veja V. Exa., Sr. Prof. André Navarro, de quanta valia não seria a presença de V. Exa. em Cabo Verde, onde o País despende avultadas somas em obras destinadas a melhoramentos agrícolas e sobre que V. Exa. poderia dar uma opinião autorizada, com o seu saber e mestre.
Veja V. Exa., Sr. Dr. Alexandre Lobato, ou V. Exa., Sr. Dr. Francisco Tenreiro, filho adoptivo de Cabo Verde sem nunca lá ter ido, quão grato seria para V. Exa. e para nós um contacto com a cultura cabo-verdiana e com os homens que criaram a literatura das ilhas, de que VV. Exas. têm sido fortes esteios de divulgação.
Calculem VV. Exas., que nunca estiveram em Cabo Verde, o que será sentir que, no dizer do exigentíssimo João Gaspar Simões, em nenhuma província do ultramar português - quer Moçambique, quer Angola, qualquer que seja a efervescência dessas duas províncias ultramarinas - se nos depara um ambiente culto da riqueza e da genuidade do meio intelectual cabo-verdiano.
E V. Exa., Sr. Comandante Henriques Jorge? Oh! Como gostaria que V. Exa. visse com os seus próprios olhos que não há exagero nenhum quando me refiro às condições precaríssimas em que se fazem as ligações entre as ilhas!
Vá V. Exa. a Cabo Verde, Sr. Comandante. Converse com os que se têm de deslocar entre as ilhas; fale com os exportadores, sinta com eles a necessidade premente de um navio nos mares das ilhas e compreenderá melhor quanto me confrange, quanto me dói, ver gorados os esforços que o governador e os Deputados têm feito para obter tão desejado barco.
Sr. Dr. Folhadela de Oliveira: V. Exa., se não é o mais novo de todos nós, parece. E na mocidade que depositamos a maior esperança de prosseguir a obra ingente de Portugal.
Pois vá V. Exa. a Cabo Verde. Vá, como jovem que é, ver que as ilhas não são o que tantos pensam. Será V. Exa., no regresso, o mensageiro da nossa esperança !
E pronto, meus senhores. Se o meu sonho se realizasse, estaria tapado, como se diria em linguagem académica. O aviãozinho com que posso contar não leva mais gente e eu tanto gostava de os levar a todos ...
Não posso contar com um barco, por enquanto ...
Mas o intercâmbio não deve parar. Há que continuá-lo de modo que todos possam ir a Cabo Verde, como a Angola, a Moçambique, ao Minho ou ao Alentejo e ao Algarve.
Verão, meus senhores, como no fim da legislatura estaremos mais unidos. A coisa pode parecer um disparate ou um sonho. Aceito, como disse, que será um sacrifício, mas acreditem que será uma grande lição para todos nós. Ficaremos a saber melhor o que fomos, o que somos e o que podemos ser ainda.
E então estaremos mais aptos e mais fortes do que nunca para nos defendermos e para continuarmos orgulhosos do nosso portuguesismo.
Sr. Presidente, para começar desde já esse contacto que preconizo, embora ainda o seja de forma indirecta, tenho a honra de oferecer a V. Exa. duas antologias, em prosa e poesia, rios escritores cabo-verdianos e peço licença para mandar distribuir aos Srs. Deputados as mesmas obras, que também tenho muita honra em lhes oferecer, com o pedido que encarecidamente faço a todos de as lerem e meditarem.
Se a minha proposta não tiver execução, terei dado pelo menos um passo para que VV. Exas. conheçam melhor a minha terra e a sua gente, o seu drama e, apesar de tudo, a sua fé no futuro.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Belchior da Gosta: - Sr. Presidente: pedi a palavra quase que só para louvar e para agradecer; e penso que melhor destino não pode ter a palavra do que render homenagem a quem a merece e prestar gratidão a quem é devida.
Sr. Presidente: na passada legislatura, precisamente na sessão de 29 de Abril de 1960, ao usar da palavra antes da ordem do dia para sublinhar a projecção e o alcance verdadeiramente nacionais de que se revestiram as cerimónias de inauguração da nova sede do Grémio da Lavoura da Feira e S. João da Madeira, a cuja direcção tenho a honra de presidir, tive ensejo de apontar, deste lugar, à alta consideração do Governo, algumas velhas aspirações, da organização corporativa da agricultura cuja satisfação, como então frisei, muito desafogo havia de trazer às atribulações que comummente atormentam a vida dos grémios da lavoura e dos seus dirigentes; e entre essas velhas aspirações - velhas por virem de longe, mas sempre actuais e prementes - citei, como uma das primeiras necessidades, imperiosa e urgente, que se definisse, de uma vez para sempre, e que se decretasse, se tanto fosse preciso, que os grémios da lavoura não são empresas comerciais nem industriais e sim apenas elementos básicos da organização corporativa da agricultura, de fins morais e sociais, e que, mesmo na parte em que fazem fornecimentos aos seus associados, não prosseguem fins especulativos ou de lucro. Por isso - acentuava eu- «não podem, não devem, não é justo que estejam sujeitos ao imposto de contribuição industrial ao Estado, nem ao imposto de licença de estabelecimento comercial e industrial às câmaras municipais». E acrescentei então: «Neste momento, em que
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uma comissão de distintos especialistas estuda a reorganização do nosso sistema tributário, bom será, e justo será, que tenha um olhar benévolo para os grémios da lavoura, contemplando a sua vida, normalmente atribulada, e que, definida a sua verdadeira natureza, os considerem como isentos ou não passíveis de contribuição industrial e de licença de estabelecimento comercial e industrial - isenção que os grémios vêm desde sempre reclamando, supõe-se que com fundada razão e com merecida justiça».
E concluí: «Aqui deixo, deste lugar, à alta consideração do Governo, a cujo insigne Chefe mais uma vez presto o preito da minha entusiástica e comovida homenagem, estes votos, que faço com um fervoroso apelo e a fundada esperança de que sejam escutados».
Sr. Presidente:- quando a semente é lançada em boa terra tende sempre a germinar; e, por isso, não foi em vão que se fez este apelo ao Governo.
Com efeito, na proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano corrente, já transformada em decreto da Assembleia Nacional, foi incluído um preceito, constante do artigo 7.º, que confere ao Governo o poder de isentar de contribuição industrial e de licença de estabelecimento comercial ou industrial, no ano corrente, os grémios da lavoura, suas federações e uniões, tendo essa matéria merecido do ilustre .titular da pasta das Finanças, no notabilíssimo relatório com que fez preceder aquela proposta de lei, judiciosas considerações de perfeita actualidade, a justificar a inserção daquele preceito na proposta.
Sr. Presidente: por razões alheias à minha vontade não me foi possível, com grande pesar meu, intervir na discussão da proposta da Lei de Meios, e assim falhou-me por completo o melhor ensejo de agradecer no Governo as providências legisladas a tal respeito e de consignar, da altura deste mesmo lugar, que caíra em boa terra a semente que aqui lancei e que por isso não fora em vão o meu apelo.
Ao fazer esse apelo, outra coisa não fiz senão trazer ao seio desta Assembleia o eco das queixas e das reclamações dos grémios da lavoura e suas federações; e essa circunstância, seguramente, é que lhe emprestava valor e merecimento. No entanto, fui eu que tive a honra de aqui trazer, pela minha voz, o eco dessa antiga reivindicação da organização corporativa da lavoura, ou seja dos grémios da lavoura, suas federações e uniões; e a essa intervenção me deu a subida honra de se referir, com provas de grande generosidade - pelo que lhe devo gratidão -; o ilustre Deputado Sr. Dr. Ribeiro de Meireles, na sua notável intervenção no debate da discussão da Lei de Meios.
E, porque assim foi, cabe-me também agora a mim felicitar o Governo, e muito especialmente o Sr. Ministro das Finanças, por aquela providência legislativa e, em nome dos grémios da lavoura e suas federações e uniões, agradecê-la a S. Exa. e ao Governo, na esperança de que, na sequência dessa medida, se decretem as isenções a que a mesma se reporta.
O Governo, que foi sensível às queixas e às reclamações justas dos grémios da lavoura, suas federações e uniões, não deixará agora, estamos bem crentes disso, de completar a sua obra pela publicação, sem demora, das providências que assegurem as isenções referidas já para o ano corrente. E assim se espera confiadamente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Marques Fernandes: - Sr. Presidente: manda a praxe e impõem-me os sentimentos de grande admiração e profundo respeito que nutro por V. Exa. que inicie as minhas intervenções nesta Assembleia cumprimentando e saudando o seu ilustre Presidente. São cumprimentos e saudações sentidas, não só pelo alto cargo que, por eleição, V. Exa. foi chamado a desempenhar, como pela velha e inesquecível recordação de um dos mais brilhantes professores que, na querida Universidade de Coimbra, muito contribuiu para a minha preparação profissional e, o que é mais, para a formação do meu carácter e dos princípios, básicos que me haviam de orientar pela vida além.
Inteligências fulgurantes postas ao serviço de personalidades fortes, alicerçadas nos eternos ideais de Deus e da Pátria, como a de V. Exa., deixam sempre gravado, no íntimo dos que com elas alguma vez contactaram, um rumo de vida que, no futuro, determinará o caminho a trilhar e o alvo a atingir. Era V. Exa. um dos mestres mais estimados e mais admirados, pelas extraordinárias qualidades intelectuais e morais que tanto o nobilitavam. É com transbordante satisfação, Sr. Presidente, que tenho verificado que noutros meios onde V. Exa. foi chamado a servir, mormente nesta Assembleia representativa de vontade popular, V. Exa. conserva intactos os dons que o continuam a impor à elevada consideração em que por todos é tido. Mal pensava eu que de novo viria a ter a honra de encontrar V. Exa., trabalhando sob a sua orientação e em posições semelhantes às que em Coimbra ocupávamos: V. Exa., professor brilhante, embora de matérias diferentes, e eu aluno, como então, humildemente apagado.
Saúdo V. Exa., Sr. Presidente, e do pouco de que disponho tudo sacrificarei como contributo para amenizar o peso da cruz a que V. Exa. se referiu ao assumir a Presidência desta Assembleia.
Cumprimento e saúdo, também, todos VV. Exas, Srs. Deputados, e se alguma coisa ficou da oferta feita ao Sr. Presidente terá sido uma franca camaradagem e uma lealdade que espero nunca seja desmentida e que gostosamente ponho ao dispor de VV. Exas.
Sr. Presidente: empurrado pelo eleitorado do distrito da Guarda, entrei nesta Assembleia com o firme propósito de me fazer eco dos seus maiores anseios. Sem outras aspirações pessoais que vão além das de ordem familiar e do cumprimento dos meus deveres funcionais, nada receio, por nada ter a perder.
Estou, pois, à vontade, para dizer o que penso e sinto, com o realismo que reputo conveniente, sobre o cruciante problema de que, embora superficialmente, me vou ocupar. Antes, porém, para evitar dúbias ou maldosas interpretações, quero manifestar a V. Exa., Sr. Presidente, toda a minha fé nos destinos da Pátria, todo o meu incondicional apoio ao Governo da Nação, presidido pelo forte e esclarecido génio de Salazar. E, porque desde os alvores da Revolução Nacional assentei praça devotadamente nos princípios que a enformam e a têm regido, é que pugno, com as poucas forças ao meu alcance, pelo seu prestígio e aperfeiçoamento.
Ninguém, honestamente, poderá negar a gigantesca obra realizada em poucas décadas nos diversos sectores da vida nacional. A ordem e o progresso que nos tem sido permitido saborear são outros tantos motivos a justificar a nossa dedicada posição a favor do sistema governativo vigente.
As vitórias alcançadas por uma política de verdade e de realizações visíveis e palpáveis não são difíceis de apontar.
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Mais difícil é referenciar as actividades que ao Governo têm passado despercebidas ou sobre as quais não tem aplicado a acção benfazeja que seria de esperar. E infelizmente, Sr. Presidente, também as há.
Quero referir-me ao esquecimento a que tem sido votada a classe do trabalhador rural e às ingentes dificuldades de sobrevivência do pequeno proprietário. Se errada não foi a minha apreciação, grande parte dos ilustres Deputados que intervieram na discussão da chamada Lei de Meios manifestaram as suas apreensões em relação às perspectivas da lavoura. Quer-me, no entanto, parecer que, ao falar-se no trigo, no arroz, no azeite, no vinho, na cortiça e até na agro-pecuária, se encarou sobretudo a grande lavoura, a mais rica, ou, melhor direi, a menos pobre. Não é precisamente esse o caso da maior porte do distrito da Guarda e talvez da Beira Alta e de Trás-os-Montes, em geral.
Propriamente na minha região, salvo excepções existentes, talvez com o fim único de confirmarem a regra, a propriedade é tão pequena e de tal forma está dividida que, em muitas aldeias, bem se podem contar pelos dedos, quando há que contar, as propriedades de terreno de regadio que atinjam o hectare.
O apontamento que trago a esta Assembleia e coloco à consideração dos esclarecidos espíritos que presidem aos destinos da economia nacional refere-se à mais humilde classe dos portugueses metropolitanos, tão desprotegidos, que até, por pouca sorte sua, é também o mais humilde dos que tomaram assento nesta Assembleia que procura chamar as atenções governamentais para a sua precária situação. Os problemas dos pequenos, por via de regra, só os pequenos os vivem e sentem.
Desde há muito, Sr. Presidente, que se vem falando no aumento de nível de vida e desde há muito que tal aumento se vem notando, mesmo em classes menos favorecidas pelos meios de fortuna. A assistência médica e medicamentosa, a previdência social, a habitação condigna à pessoa humana, a justa retribuição do trabalho e a garantia da sustentação na invalidez e na velhice, etc., têm tornado menos apreensiva a vida de muitos lares portugueses.
E bem é que assim se tenha evoluído. Porém, a falta de justiça distributiva, nas salutares providências que vêm sendo tomadas, coloca as pobres classes rurais numa situação de tão notório desnível que as faz supor enjeitadas. E tanto mais enjeitadas e tanto mais desprotegidas quanto anuis pobres a precisadas. O pequeno proprietário do meu distrito, que, de ano a ano, mais sente a agonia económica do fruto do seu labor, não paga, não pode pagar remuneração condigna ao trabalhador que o serve. Região tradicionalmente produtora de batata, encontrava na sua venda a principal fonte de receita e a melhor remuneração do seu trabalho. Era com essa receita que o pequeno proprietário e o trabalhador rural, cultivando em regime de meias, liquidavam os seus compromissos anuais no sapateiro, no barbeiro, no alfaiate, etc.
Nos últimos anos tem sido precisamente a cultura da batata quê mais tem contribuído para a sua ruína. A agricultura a que me venho referindo deixou de ser a arte de empobrecer alegremente, para tristemente arrancar dos nossos meios rurais a alegria, única riqueza de que aquela pobre gente dispunha e gozava.
O cultivo do tubérculo em referência tornou-se mais dispendioso devido à aquisição de insecticidas, indispensáveis ao combate do insaciável escaravelho; à compra e aplicação de preparados cúpricos preventivos do míldio a que as novas qualidades de batata parece mostrarem-se mais atreitas; ao elevado preço das sementes;, ao aumento dos salários, provocado mais pela falta de braços, que pelas disponibilidades do proprietário ; à dizimação dos batatais pelo terrível mal murcho, etc.
Por outro lado o preço de venda na origem - devido, certamente, à superprodução motivada pelo aumento das áreas destinadas ao seu cultivo - desceu de tal forma que completa a ruinosa economia do pequeno produtor de batata.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - E estranha-se, Sr. Presidente, que em saudosos tempos, tendo intervindo o Governo, e bem, na protecção ao consumidor, estabelecendo preços máximos, que tendo limitado o plantio da vinha paru evitar a desvalorização do produto, não tenha delineado qualquer providência que, por um lado, garanta ao produtor preços mínimos e, por outro, restrinja as áreas de cultivo, se necessário.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Creio ser o único sector das actividades nacionais onde nunca se fez sentir o benfazejo intervencionismo das esferas governamentais.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - A questão da conservação do tubérculo torna difícil a solução do problema, bem o sabemos. Mas porque o problema é difícil, e respeita aos que com maior dificuldade conseguem angariar - quando angariam - o pão nosso de cada dia, é que se impõe que sejam tomadas medidas, pelo menos a título experimental.
É preciso actuar no sentido de restabelecer esperanças perdidas ...
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - ... e de minorar o chocante desnível a que, em relação a outras actividades, se deixou chegar a classe rural na generalidade e em especial a que se dedica, que sempre se dedicou, ao cultivo da batata.
Essa actuação exige as atenções dos sectores governamentais da agricultura, do comércio e da indústria.
Na verdade, por todos é devida uma palavra de ordem, que se espera seja dita antes da nova campanha.
Estudar e aconselhar novas culturas adaptáveis às pequenas parcelas de terreno, de que resulte uma rentabilidade compensadora.
Restringir a importação de sementes na medida em que se valorizem as sementes cultivadas em território nacional.
Comercializar os produtos a preços que, salvaguardando o consumidor, não descurem os legítimos interesses do produtor.
Obviar de algum modo à diferença existente entre o preço inicial de compra e o de venda a retalho. Presentemente, pratica-se este preço em Lisboa a mais do dobro do pago na origem.
Sobretudo, Sr. Presidente, incrementar as indústrias transformadoras de modo que, por um lado, possam utilizar os excedentes de produção, e, por outro, consumir os produtos cujo cultivo for aconselhado em substituição da batata.
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Creio que no campo industrial, respeitante à transformação da beterraba sacarina em açúcar e álcool e à desidratação da batata, que permitiria um apreciável caudal de escoamento para as nossas províncias ultramarinas, poderia ser dado valioso contributo paru a estabilidade de preços remuneradores que permitissem às classes rurais, com o aumento de nível de vida, 11 tão desejada quão necessária fixação das populações.
É sobejamente conhecido, Sr. Presidente, que as classes a que venho referindo-me fazem uma vida de trabalho insano, que toma os dias pequenos nas épocas em que se agriculta intensivamente, e que, apesar de tudo, os não livra das maiores privações. E se assim tem vindo a acontecer e se medidas de protecção não forem tomadas, tudo faz prever que a sua insustentável posição económica se agrave ainda mais.
Realmente, a expansão das obras de hidráulica agrícola, portadoras de mais áreas destinadas ao cultivo de regadio, as próprias operações de emparcelamento, de difícil, se não impossível, aplicabilidade nas retalhadas terras da encosta da serra, a preconizada modernização do cultivo, em boa parte impraticável nas minúsculas parcelas de terreno da minha região, mais distanciará aquelas populações das que, por força dessas medidas, fiquem em condições de produzir mais e com substancial diminuição de despesas.
Não procuro, Sr. Presidente, a defesa de interesses pessoais.
Graças a Deus, o apetite familiar quase não permite que haja superprodução. (Risos). E se esta alguma vez se verifica, é de valor tão insignificante que mal conta na economia do lar.
O viver, dia a dia, durante largos anos, num ambiente de queixumes e de descrença é que faz erguer a minha voz na defesa daqueles que, apesar do desamparo a que têm sido votados, continuam a ser o melhor repositório de virtudes cívicas, morais e religiosas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É, na verdade, nas cómodas rurais que melhor se cultiva o amor a Deus e à Pátria. São elas que maior barreira fazem à desmoralização dos costumes.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Soo elos que, pelo seu acendrado patriotismo, com mais resignação sofrem os sacrifícios que os superiores interesses nacionais impõem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - São elas que, por melhor cumprirem os deveres de estado, na vigência da sua fé religiosa, mais contribuem para aplacar a justiça divina, que os desmandos da humanidade reclamam.
São elas, Sr. Presidente, que nos conturbados períodos de eleições enchem os umas, numa manifestação de incondicional apoio à situação política em que vivemos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tem sido assim o gente do distrito dá Guarda. Mas, porque o muito dar dói, receio seriamente que o estado de resignação e conformismo em que têm- vivido se transforme em desespero e revolta.
Aqui e além notam-se já sintomas de cansaço por tanto se ter clamado no deserto.
Urge que o problema seja equacionado e resolvido, ou pelo menos melhorado nos seus efeitos, com a brevidade necessária, de modo a levar às classes rurais os benefícios de que outras usufruem e dar garantias de que os preços dos seus produtos a praticar representarão justa retribuição dos gastos a investir e dos trabalhos a despender.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em nome da pobre e laboriosa gente das vilas e aldeias do distrito da Guarda e semelhantes, peço a V. Exa., Sr. Presidente, que exerça a sua valiosa intervenção junto das entidades competentes, a cuja esclarecida inteligência e vontade de bem servir rendo as minhas homenagens, para que envidem salutares esforços no sentido de tornarem mais leve e mais alegre a triste e pesada vida das suas infrutíferas actividades. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto de Meireles: - Sr. Presidente: ao intervir no debate acerca da Lei de Meios para 1962 anunciei o propósito de trazer à consideração da Assembleia o que se passa nos estabelecimentos hoteleiros e similares em matéria de preços dos vinhos de mesa engarrafados.
É este o objectivo das palavras com que me permito ocupar por alguns minutos a atenção da Assembleia.
O artigo 18.º da Lei n.º 1890, de 23 de Março do 1935, fixa no dobro do preço de custo o preço máximo da venda ao público de vinhos de marca registada nos Loteis, restaurantes, casas de pasto e similares e impõe a inscrição no rótulo da garrafa do preço do custo.
Não obstante tão salutar medida legal, o certo é que, por falta de regulamentação adequada, aquela constitui desde há 27 anos letra morta, não havendo praticamente limite para o preço de venda dos vinhos engarrafados nos estabelecimentos de hotelaria.
A regulamentação do referido artigo 18.º da Lei n.º 1890 vem sendo reclamada desde há anos por largo sector de opinião e por alguns organismos responsáveis na produção e disciplina do comércio do vinho, e, segundo sei, o estudo do problema está mesmo afecto a um grupo de trabalho ou comissão incumbida do estudo de assuntos ligados & economia do vinho. Mas, até agora, sem resultados práticos conhecidos; e não o digo como crítica, mas apenas como verificação do facto. Este é um exemplo, creio que não único, mas já hoje felizmente raro, de uma lei frustrada por falta de seguimento regulamentar.
Ora as leis fazem-se para serem cumpridas, e não para esquecerem inutilmente nas páginas do diário oficial.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Exige-o até o decoro da Administração.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: quem tem contacto com estes problemas sabe e tem verificado que em qualquer estabelecimento hoteleiro; às vezes de categoria bem modesta, se cobra na realidade um lucro não de 100 por cento, mas do dobro ou do triplo, sobre o preço pelo qual o engarrafador vende efectivamente o vinho.
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É frequente atingir 18$, 20$ e 22$ (afora as taxas de serviço), e mesmo mais, uma garrafa de vinho pela qual o engarrafador cobra 5$ ou 6$ (o líquido, evidentemente) .
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito mais, muito mais.
O Orador: - E, no entanto, o hoteleiro mantém-se aparentemente dentro da margem atribuída.
Como? Muito simplesmente. Faz incidir os 100 por cento de lucro sobre o preço de factura do distribuidor, que já é lançado adrede, por forma a permitir a inclusão na lista do preço desejado.
É o que o cliente consome é só o vinho, e não a embalagem, cujo custo é recuperado pelo hoteleiro.
Mas a margem do lucro incide também sobre a garrafa, a caixa, o transporte, o lucro do distribuidor e depositário - sobre tudo afinal.
E se ainda for pouco, nada impede que o fornecedor - em regra o distribuidor - avantage a factura, fazendo por fora os descontos necessários. Esta é a realidade de todos sabida. E os próprios engarrafadores reconhecem, e com verdade, que a sua margem de lucro é muito menor do que aquela que distribuidores e hoteleiros auferem no negócio.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Ainda se compreenderia que o lucro de venda na hotelaria atingisse a percentagem de 100 por cento, conforme a lei permite (pelo menos nos estabelecimentos de 1.º classe), mas incidindo apenas sobre o preço de venda do vinho pelo engarrafador.
Veríamos então que os vinhos de consumo normais (excluindo a garrafa) são vendidos pelos engarrafadores a preços muito razoáveis, se não até surpreendentemente baixos. Há vinhos de marcas bem conhecida» em que o líquido não atinge mais de 5$, 6$ ou 8$ por garrafa, comprado directamente no depósito do engarrafador.
Basta ver as tabelas de preços de algumas empresas para disso termos a certeza, tendo presente que para quantidades e revenda tais preços têm ainda descontos substanciais.
Urge, pois, pôr cobro a esta desenfreada especulação com a venda de vinhos engarrafados, que nos atinge a todos, restringindo o consumo de excelentes vinhos portugueses, em benefício, cada vez mais, de outras bebidas, como a cerveja, refrigerantes, etc., em que as margens de preços de venda ao público são muito mais apertadas e impostas firmemente pelas grandes empresas produtoras e distribuidoras.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Mal se compreende que, por ganância injustificável, se esteja a reduzir o consumo de um produto que tanto pesa na economia agrária nacional, em proveito de intermediários e, indirectamente, de industriais em boa parte de inspiração e técnica estrangeiras.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E não se esqueça também, na apreciação deste problema, a importância que tem já o turismo em Portugal. A propaganda feita dos vinhos portugueses leva naturalmente os turistas estrangeiros a desejar conhecer os nossos vinhos na própria região em que são produzidos.
Mas os preços que na hotelaria se cobram por eles são proibitivos para os turistas de bolsa modesta e dinheiros severamente contados, que vão predominando. E daí o desconsolado recurso à cerveja e refrigerantes, a que estão habituados nas suas terras, em que o vinho é artigo de grande luxo, só para poucos e em raras ocasiões.
Não valerá a pena ponderar todas estas facetas da comercialização dos vinhos de mesa portugueses, por forma a arredar os obstáculos levantados à sua expansão, mesmo no mercado interno ?
A opinião pública reclama-o com insistência.
Em repetidos artigos, notas e comentários na imprensa vem sendo focado e verberado este verdadeiro escândalo dos preços dos vinhos de mesa na hotelaria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Lembro, entre outros, os ainda recentes artigos de Américo Urbano em O Comércio do Porto, sob o título «Preços dos vinhos».
Grémios da lavoura, dirigentes de adegas cooperativas, lavradores de várias regiões, têm feito ouvir também vozes de protesto.
Como amostra, cito uma carta publicada na revista Lavoura da Beira Alta, órgão da respectiva Federação de Grémios,, em que o assunto é posto sob a epígrafe «A guerra ao vinho» (n.ºs 87 e 88, de Maio e Junho de 1960) e de que lerei esta passagem:
«... O vinho engarrafado pode vender-se com 100 por cento de lucro sobre o preço de custo ?
Deste modo, uma garrafa que o engarrafador vende por 5$, vidro incluído, ao armazenista, pode por ele ser vendida a 10$ ao retalhista, cafés, cervejarias, restaurantes, hotéis, pensões, bares, etc. Estes, por sua vez, como adquiriram por 10$, podem vender o vinho a 20$! (risos), ficando ainda com a garrafa, que vale 2$.
Quer dizer: o vinho que o engarrafador vendeu por 3$ (tirado o custo da garrafa) poderá ser vendido com 666 por cento de lucro!
Risos.
Entretanto, a cerveja não pode ser vendida com lucro superior a 30 por cento sobre o preço da origem».
Ressalvada a referência ao armazenista, quando este não intervém, em regra, no negócio (a não ser que seja engarrafador), pois se trata do depositário ou distribuidor, a situação exposta nesta carta ajusta-se lamentavelmente à realidade.
Sr. Presidente: considero instante e urgente que se proceda à regulamentação da Lei n.º 1890, de 23 de Março de 1935, e reconhecer-se-á que, 27 anos decorridos, já não é sem tempo que a ela se proceda. Não é verdade, Sr. Eng.º Sebastião Ramires ?
De resto, sinto que V. Exa., como autor e responsável da lei, saberá com desgosto que ela não foi ainda regulamentada.
O Sr. Sebastião Ramires: - Não era preciso regulamento. Bastava cumprir a lei!
O Orador: - Daqui apelo para o Sr. Secretário de Estado do Comércio, esperançado em que o fará sem delonga, pondo termo a uma situação duplamente reprovável. Na realidade, o mantê-la é simultaneamente desprestigiante para a Administração (enquanto esta
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não assegura o cumprimento de uma lei, aliás inteiramente moral e razoável) e indesejável, na medida em que está a ser altamente lesiva dos interesses da produção vinícola, dos engarrafadores e do público consumidor, que tanto é dizer do interesse geral. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Rocha Peixoto: - Sr. Presidente: pela primeira vez falo nesta Assembleia depois que V. Exa. assumiu a Presidência dela.
Os méritos que se lhe reconhecem como professor e como homem de Estado levaram V. Exa. ao exercício da honrosa função que agora desempenha, após ter-se afirmado ilustre parlamentar como lender denta Câmara.
Por cortesia e respeito pela pessoa e pelo lugar, suo as minhas primeiras palavras de saudação e de homenagem ao homem a cargo do qual está a direcção e condução das actividades deste importante órgão do Estado.
Srs. Deputados: a imprensa tem-se referido com largos pormenores aos efeitos da calamitosa cheia do Douro ultimamente registada.
Só agora, porém, à medida que as águas recuam ou descem para o seu leito normal, se vai avaliando a extensão dos estragos causados, com especial agravo e prejuízo das regiões ribeirinhas dos distritos de Vila Real e da cidade do Porto e ainda, segundo me dizem, no Tua e vale da Vilariça.
Pode dizer-se que a sinistra enchente se fez dolorosamente sentir ao longo de quase todo a troço nacional do rio Douro; particularmente, porém, junto dos centros populacionais importantes, o volume da água atingido e a sua forte corrente submergiram, arrastaram ou devastaram casas, haveres e propriedades, numa sanha irresistível e excepcionalmente verificada, mais por motivo das chuvas torrenciais caídas em território nacional, que engrossaram desmedidamente os afluentes daquele rio, do que pelas registadas em Espanha.
De facto, no dia 2 do corrente, dia em que as águas do Douro subiram a maior altura (23 m, aproximadamente, na Régua), o caudal medido na barragem de Miranda foi de 7700 m3 por segundo, enquanto na Régua subiu a 15 000 m3.
Estes simples números dão a medida das consequências que poderiam decorrer para a segurança dos habitantes dos regiões atingidas, se não fora o intenso e generalizado movimento de solidariedade da parte de entidades individuais e colectivas ao serviço dos sinistrados.
Se deste, fraterno e humaníssimo devotamento resultou a segurança de vidas e de alguns haveres, não pôde ele, contudo, evitar que a rapidez da enchente e o excepcional volume das águas produzissem estragos tais que, se reparáveis, subsistirão por largo tempo, com acentuada acuidade para os menos favorecidos pela fortuna.
Srs. Deputados: não me permito trazer ao conhecimento desta Câmara a extensão total da tragédia, nem me alongarei em minúcias, que já nada acrescentam à rude grandeza do sinistro.
Quero referir-me apenas, e resumidamente, aos efeitos da cheia no distrito de Vila Real, dentro do qual foram particularmente atingida» as regiões do Pinhão e Régua.
Ainda que os inquéritos necessários à avaliação total das desastrosas consequências da cheia não estejam completados, tenho já a respeito desta última elementos que asseguram um juízo aproximado dos prejuízos causados.
Segundo notícias fornecidas pelo Sr. Presidente da Câmara da Régua, pode dizer-se que toda a zona ribeirinha desapareceu submersa e arrastada pela corrente, e na zona baixa daquela vila, onde em alguns pontos havia 1,5 m de água, ficou inutilizada grande parte do recheio de casas comerciais e habitações particulares.
Se excluirmos os pesados prejuízos observados nas instalações e recheio da Casa do Douro, de algumas firmas comerciais e de uns tantos proprietários que, em certa medida, poderão enfrentar a calamidade que tanto os onerou, sobressai com angustiosa relevância a desgraça de centenas de desprotegidos, os quais, com incrível rapidez, ficaram sem os seus humildes abrigos e sem os seus parcos haveres: roupas, utensílios, ferramentas de trabalho, etc. O rio tudo levou. As poucas casas que aguentaram a corrente e o volume das águas surgem agora esboroadas, fendidas, abertas, atascadas de lodo, ameaçando ruína iminente.
Até há poucos dias, pelos inquéritos até então levados a efeito, o quadro era este:
Famílias desalojadas .............. 240
Total das pessoas ................. 894
Por solícita assistência das autoridades concelhias e por caridade dos particulares, foram os sinistrados recolhidos em armazéns, corredores, telheiros, etc. Esta situação não é de molde a poder prolongar-se por muito tempo.
Não quero maçar a atenção dos ilustres colegas enumerando circunstanciadamente outros estragos, cuja reparação terá de ser suportada pelos órgãos oficiais da Administração: matadouro municipal, casa da Guarda Nacional Republicana, cujo pessoal e material foram transferidos para dependências da Câmara, pontes do Douro e Varosa, aparelhagem da estação captadora de água do rio Corgo, condutas, material de bombeiros, estradas e caminho de ferro. O que fica dito parece-me dar suficiente ideia da extensão do desastre.
No meio desta desoladora calamidade, em que graves e alarmantes riscos foram vividos aflitivamente, é de justiça pôr em relevo a rápida protecção e auxílio prestados pelos bombeiros da Régua, e ainda pelos de Vila Real, Armamar e Lamego, cuja abnegação e duríssimo trabalho pretendo realçar; pela população da vila e barqueiros, ajudando o salvamento de pessoas e bens; pela delegação do Instituto de Assistência à Família, fornecendo roupas e pessoal de inquérito, e pela Caritas Portuguesa, que ali fez chegar com toda a presteza cerca de 30 t de géneros alimentícios. Sabemos, além disto, que mais amplas medidas estão sendo tomadas pelo Governo, o qual, por intermédio dos Ministérios da Saúde e Assistência, das Obras Públicas e do Interior, vai minorar a situação criada por esta grave emergência.
Já hoje ninguém duvida da desvelada atenção com que o Governo assiste, pronta e eficientemente, a todos aqueles que tais desgraças pungem e esmagam. Permito-me, contudo, juntar aos clamores dos' atingidos, e em seu nome, o meu apelo aos ilustres titulares daquelas pastas no sentido de que, a par das requeridas medidas de ocasião, já manifestamente postas em prá-
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tica, seja acautelada de futuro, na medida do possível, a situação habitacional daquela pobre gente e se reparem quanto puder ser os prejuízos que sofreram com a perda dos seus humildes haveres.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: - Os inquéritos ordenados e esperados por aqueles Ministérios e a viagem já anunciada do Sr. Ministro das Obras Públicas às regiões devastadas habilitarão aqueles ilustres membros do Governo a dar satisfação possível e apropriada a todas as necessidades decorrentes da última cheia do Douro.
Deste lugar dirijo a SS. Exas a minha homenagem de apreço e em nome dos sinistrados o seu agradecimento.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre o emparcelamento da propriedade rústica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Virgílio Cruz.
O Sr. Virgílio Cruz:-Sr. Presidente: em todos os países em que o desenvolvimento das indústrias e dos serviços não absorveu e ocupou a população agrícola excedentária a divisão e dispersão da propriedade rústica atinge altas proporções nas zonas de forte pressão demográfica.
As partilhas sucessivas, os contratos inter vivos e outras circunstâncias fizeram com que a propriedade se fosse dividindo. Um exemplo curioso da divisão do Rolo e de árvores é citado na literatura da especialidade: um castanheiro pertencia a 32 pessoas; faleceu uma delas e a sua parte foi subdividida por nada menos que seis herdeiros.
Portugal não foge a essa regra e no Norte e Centro do Puís a fragmentação da propriedade rural está muito generalizada.
Nas oito décadas que decorrem de 1877 a 1958 o número de prédios rústicos quase triplicou no distrito de Bragança, passou para cerca do dobro no de Coimbra e aumentou de cerca de 70 por cento no de Vila Real, isto à custa da pulverização e dispersão das parcelas.
Se a pequena propriedade tem vantagens incontestáveis de ordem social e de carácter económico, pois ela aumenta a classe dos proprietários - e bem sabemos que quem trabalha terra própria põe no seu amanho maior amor e diligência -, a pequeníssima propriedade tem inconvenientes que as sobrelevam.
A divisão da propriedade para além do razoável subtrai à agricultura terrenos ocupados em vedações, valas e caminhos, dificulta os trabalhos de rega e o emprego de máquinas agrícolas, encarece a mão-de-obra, devido às caminhadas entre as parcelas, além de dar origem a rixas e pleitos por motivo de servidões e de demarcações de insignificantes parcelas, conflitos que estão na base de malquerenças e ódios que perturbam e empobrecem os povos.
A reorganização agrária pelo emparcelamento torna mais produtivo o trabalho, ao mesmo tempo que diminui os custos dos outros factores de produção, aumentando por forma sensível o rendimento total do lavrador.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: a proposta de lei em debate integra-se num conjunto de diplomas bem articulados e apresentados pelo Governo à Assembleia Nacional. Eles visam corrigir defeitos da estrutura agrária portuguesa, em bases semelhantes àquelas com que noutros países se tem vindo a procurar resolver problemas idênticos aos nossos.
A proposta procura lançar as bases necessárias para a valorização da nossa agricultura minimifundiária, combatendo a pulverização e dispersão da propriedade rústica e favorecendo a constituição e consolidação de unidades de trabalho economicamente estáveis e tecnicamente equilibradas, com melhores condições de adaptação às exigências crescentes da técnica e da economia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os relatórios dos estudos e experiências feitos no estrangeiro dizem que o rendimento bruto da exploração pode ser acentuadamente aumentado, presumivelmente de 20 a 70 por cento, segundo a importância da operação do emparcelamento.
Mas, como estas vantagens só são sentidas pelos proprietários depois da obra feita, as operações de emparceiramento deparam com várias dificuldades, principalmente nas primeiras realizações; nos trabalhos de concentração há que ter sempre em conta que se opera a carne viva do património do agricultor, sobre a sua propriedade privada, e que se trata geralmente com pequenos agricultores.
O emparcelamento é planeado e executado no estrangeiro, tal como deve ser em Portugal, por razões de utilidade pública manifesta e é considerado, tanto lá, como cá, uma medida de interesse nacional.
Haverá que contai- em muitos casos com sérios obstáculos à aceitação voluntária do emparcelamento. Será necessário tratar com grande número de pequenos lavradores insuficientemente preparados e que não conhecem razões de carácter social, ético ou nacional para neutralizar, a bem da Nação, o retraimento resultante do natural apego do proprietário à sua terra, e do espírito tradicionalista do meio rural.
O êxito de cada plano depende muito do acolhimento que lhe dispensem os agricultores da zona a valorizar; por isso, a execução dos planos deve sei acompanhada de realizações de obras de interesse colectivo, para a valorização económica e social da zona a emparcelar, que sejam incentivo capaz de neutralizar o retraimento e a desconfiança do rural, visto serem de todo o interesse os meios que criem um clima local favorável e um bom ambiente à recomposição predial.
A J. C. I., num meritório esforço dê preparação de quadros e com o perfeito conhecimento do que no estrangeiro se tem feito nesta matéria, está a criar entre nós uma verdadeira escola de técnicos de emparcelamento e tem já elaborados diversos estudos prévios e projectos de recomposição predial de certos perímetros estrategicamente dispersos por vários pontos do País, que poderão vir a representar naquelas zonas pólos do irradiação para o início de uma vigorosa componha de recuperação da nossa agricultura minimifundiária. Por
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este esforço realizador aqui deixo uma palavra de justo apreço aos que trabalham neste organismo e ao seu ilustre presidente, engenheiro Vasco Leónidas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - De entre esses vários estudos vou fazer referência apenas a dois e de maneira muito breve.
O primeiro é um inquérito prévio realizado no meu distrito, Vila Real, e que abrange uma área de 788 ha, repartida por três freguesias do concelho de Vila Pouca de Aguiar: as de Soutelo, Telões e Vila Pouca.
Os 788 ha do perímetro considerado estão repartidos por 3836 parcelas, pertencentes a 1046 proprietários. De todos esses prédios, 93 por cento têm área inferior a 0,5 ha e o número de prédios por proprietário chega a atingir 28. Nessa área observa-se uma deusa rede de muros de vedação e caminhos de serventia, poços dispersos pelas várias leiras, que, com a ajuda da albufeira da colónia agrícola do Alvão, regam em condições precárias cerca de 30 por cento da mancha considerada.
A recomposição predial deste perímetro permitirá o desaparecimento de muitos muros e caminhos, tornará possível a generalização do emprego de máquinas e alfaias agrícolas, facilitará a rega económica de quase todo o perímetro, redundando estas beneficiações num aumento de riqueza, tonto no sector agrícola como no pecuário. Outras medidas de valorização serão certamente adoptadas, tais como a adaptação de novas forragens e o melhoramento das existentes, a correcção e desassoreamento de troços do leito do rio Corgo, a fim de evitar a inundação dos terrenos marginais, o traçado de novos caminhos, o abastecimento de água e a electrificação de algumas aldeias.
O emparcelamento do perímetro considerado e a realização dos melhoramentos referidos contribuiriam de forma decisiva para elevar o nível de vida das suas populações.
O outro trabalho da J. C. I., a que passo a fazer referência, foi realizado no concelho de Ponte de Lima, na várzea de Estorãos, num perímetro de 100 ha, que se estende por três freguesias: as de Estorãos, S. Pedro e Moreira.
O estudo está completo, os trabalhos de gabinete foram realizados no salão paroquial e as dúvidas que surgiram iam esclarecê-las durante o dia.
A J. C. I. deu todo o apoio técnico aos interessados e adoptou, na medida do possível, as soluções que eles preferiam. E com plena compreensão da importância os factores humanos no êxito destas recomposições deu larga audiência aos interessados e aproveitou ao máximo a sua cooperação, chegando a criar-lhes o sentimento de que eram eles quem conduzia as operações. Dos lavradores abrangidos nesse perímetro, mais de 95 por cento desejam a realização do emparcelamento e têm pedido com insistência às instâncias superiores a execução deste projecto.
Nos perímetros a emparcelar a realização dos trabalhos de recomposição agrária deve ser conjugada com a satisfação de necessidades de carácter colectivo essenciais, tais como água potável, comunicações, electrificação, escolas, etc., que tenham as aldeias abrangidas e, na medida do possível, com a instalação nas zonas visadas de unidades industriais capazes de dar trabalho aos bruços que a terra já não pode ocupar rendosamente e que a recomposição agrária inevitavelmente permitirá dispensar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sobre a influência da industrialização rural portuguesa na ocupação da mão-de-obra e na elevação do nível de vida das populações locais é elucidativo um estudo realizado pelo Eng.º Vaz de Sousa, em que faz a comparação de duas regiões de aptidão agrícola semelhante. Uma dominantemente agrícola, abrangendo 40 freguesias, na margem do rio Lima, que possui apenas 18 fábricas com um total de 400 operários; a outra região, um pouco mais pequena, mas industrializada, e abrangendo também 40 freguesias, nas margens do Ave e do Vizela, onde estão localizadas 230 fábricas, com cerca de 23 000 operários. As conclusões desse estudo traduzem um nível de vida nitidamente superior da região industrializada em relação à agrícola e mostram ainda que, graças à industrialização, pois a aptidão agrícola é semelhante nas duas regiões, numa área mais pequena, mas industrializada, consegue viver em melhores condições materiais e espirituais o dobro da população; nas duas zonas referidas, a industrial fornece mais de dois terços do número global de alunos do seminário, o que é um índice significativo da subida do seu nível espiritual.
Sr. Presidente: os resultados provisórios do último senso da nossa população mostram que de 1950 a 1960 se acentuou pesadamente o êxodo rural.
Em vários distritos, como, por exemplo, o de Vila Real, a população só aumentou na cidade sede, tendo diminuído em todo o resto do distrito.
Melhores salários na indústria e nos serviços, horários de trabalho, assistência médica, abono de família, férias pagas e outras conquistas sociais, nas actividades secundárias e terciárias, são factores determinantes do êxodo rural e agrícola.
O revigoramento da vida rural é um imperativo da nossa época; só por esse meio se poderá atenuar o êxodo rural e controlar e orientar o êxodo agrícola.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Dentro da moderna orientação o emparcelamento não se limita ao agrupamento das parcelas dispersas, mas é elemento essencial de um plano de desenvolvimento regional harmónico para elevar o nível de vida rural pela criação de melhores condições materiais, profissionais, culturais e cívicas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: o problema do emparcelamento é complexo e enquanto não mostrar aos rurais as suas reais vantagens deparará com várias dificuldades a vencer; a Câmara Corporativa, ao apreciar a proposta do Governo, aproveitou a larga experiência prática e legislativa do estrangeiro e dispôs de copiosos elementos de informação, alguns deles recentes e posteriores à elaboração da proposta, o que lhe permitiu melhorá-la e elaborar um parecer muito completo. Pelo alto nível do parecer, aqui deixo uma palavra de admiração e apreço ao seu ilustre relator.
Vários benefícios previstos na proposta contribuirão para fomentar o reagrupamento predial espontâneo: isenção de contribuição predial durante seis anos para os prédios resultantes das operações de emparcelamento, isenção de sisa para certas transmissões o aquisições, isenção do imposto do selo para certos actos e contratos, concessão de crédito em condições convenientes de prazo e de juro às pessoas que, tendo adquirido propriedades indivisas, sejam forçadas a pagar tornas, etc.
Estas facilidades de crédito devem também ser estendidas aos proprietários de terrenos confinantes que gozem do direito de preferência nas operações de rea-
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grupamento predial, porque só com possibilidades económicas é que eles podem beneficiar do direito de preferência.
Quanto à constituição de reservas de terrenos a promover pelo Estado, há necessidade de dilatar o âmbito da proposta para poderem ser adquiridas áreas fora dos perímetros a emparcelar, isto porque há muitos proprietários que aceitam de bom grado a troca de parcelas interiores aos perímetros a emparcelar por um bocado situado fora dele.
No que respeita aos tribunais arbitrais a constituir, do seu elenco deve fazer parte um técnico nomeado pela J. C. I. para esclarecer cabalmente as razões que presidiram à elaboração do trabalho.
Nos países estrangeiros há sempre nesses tribunais um delegado dos serviços, sem voto.
Sr. Presidente: a Europa, com o fim de aumentar o rendimento do sector agrícola e para a elevação económico-social dos que trabalham a terra, realiza esforços para a criação de unidades de cultura técnica e economicamente satisfatórias, capasses de satisfazerem as necessidades dos que nela vivem e trabalham.
O êxodo da população do sector agrícola para os outros sectores produtivos faz com que a exploração agrícola minifundiária tenda a ser dominada pela família e pela máquina, reduzindo ao mínimo o número de assalariados rurais, que, mesmo entre nós, começam a rarear em certas zonas.
O emparcelamento virá com os seus objectivos contribuir para o revigoramento da empresa agrícola do tipo familiar, procurando criar o maior número possível de unidades economicamente equilibradas e estáveis, capazes de enfrentarem mercados de concorrência e de proporcionarem aos que nela labutam um padrão de vida satisfatório.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - As parcelas sujeitas a recomposição predial ficarão, ultimada esta, a valer mais e a render mais do que rendiam, à custa de um menor dispêndio de trabalho e de dinheiro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O êxito de um plano nacional de emparcelamento dependerá muito do acolhimento que lhe façam os agricultores das várias zonas a valorizar, havendo por isso toda a vantagem em promover uma campanha de esclarecimento dos reais benefícios que o emparcelamento trará à agricultura microfundiária do nosso país.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se o agricultor português for completamente esclarecido, compreenderá que só tem a ganhar se der todo o seu apoio para que o emparcelamento da propriedade rústica seja, quanto antes, uma realidade em Portugal.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Armando Perdigão: - Sr. Presidente: vão para V. Exa. os meus respeitosos cumprimentos e a expressão do meu muito apreço pelas altas qualidades de
V. Exa. no momento em que me proponho .dizer algumas palavras sobre a proposta de lei do emparcelamento da propriedade rústica.
Esta proposta de lei deve merecer-nos uma especial e profunda atenção, pois representa um elevado tributo para a indispensável reorganização agrária que urge pôr em marcha.
Não podiam deste modo as minhas primeiras palavras deixar de se referir elogiosamente a esta proposta de lei, pois as zonas rurais supinamente pulverizadas poderão vir assim a colher reais benefícios, como os resultantes do estabelecimento de uma racional disposição, em favor das componentes daquelas explorações agrícolas por de mais fragmentadas, fora outras vantagens que é legítimo esperar.
Ao extenso e laborioso parecer emitido pela Câmara Corporativa fica bem exarar aqui uma palavra de apreço pela indiscutível probidade e pelo apurado cuidado com que tal trabalho foi levado a cabo, não me sendo lícito deixar de me referir também ao exaustivo trabalho realizado pelo relator do competente parecer, Exmo. Sr. Dr. João Mota Pereira de Campos.
Temos assim o dever de apreciar este importante documento, já que importante poderá vir a ser o seu papel na valorização agrícola de algumas regiões do País.
Reconhecendo-se que o emparcelamento não é a única nem a primeira etapa a percorrer, com vista à valorização pretendida para tais zonas, entende-se que tal emparcelamento deve ser precedido de cuidadosas operações, todas indispensáveis e atinentes às finalidades desejadas, bem assim paralelamente deve a recomposição ser acompanhada por uma série de trabalhos e medidas complementares.
O cadastro, a carta dos solos e suas aptidões deverão constituir, conjuntamente com o reconhecimento dos mais elementos que forçoso é recolher e correlacionar entre si (constituintes da flora, dados meteorológicos, sociológicos, carta da rentabilidade de cada cultura, etc.), as bases indispensáveis para que um planeamento conveniente possa servir de ponto de partida seguro para a determinação das unidades culturais, determinação altamente complicada, mas que é fundamental, para que seja legítimo falar-se de emparcelamento.
Mas tal prévio planeamento regional não pode dispensar um conveniente enquadramento no nacional, como não pode abstrair obviamente do movimento industrial, a meu ver, importantíssimo componente deste embrechado jogo de complexos factores, pois o problema da nossa exagerada população agrícola deverá exactamente ser encarado no emparcelamento, visando atrair para outros ramos de actividade aquela população, que constitui uma preocupante percentagem de cerca de 48 por cento. E, quanto a mim, este é um ponto importante a destacar: toda e qualquer medida de fomento agrícola, e assim o emparcelamento, que não vise a sério tal correcção demográfica e que não seja acompanhada por soluções que igualmente a promovam, terá seguramente pouca ou fraca repercussão económico-social a longo prazo e no melhor sentido.
Estou certo de que pela recomposição predial logo se poderão remover três dos mais graves inconvenientes da exagerada pulverização rural: a excessiva dispersão da propriedade rústica, a exiguidade das parcelas e o elevado número de prédios encravados. Mas o emparcelamento terá ide ir bem mais longe nos seus objectivos de valorização! Para tanto, há princípios que é preciso definir quanto antes e com ingente desassombro, para que a rota firme e sem neblinas surja. Assim, è
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preciso abarcar essa gama de problemas, que ao emparcelamento sempre estarão ligados, com uma nova mentalidade, visando a uma economia de mercado, já que a economia de auto-suficiência está ultrapassada.
Julgo, assim, que o ponto de partida teórico e a enunciar imediatamente será este que acabo de referir e que me leva a pôr estas duas interrogações:
O emparcelamento visará à reconstituição das unidades tradicionais multiculturais, embora ampliadas quanto à respectiva área, onde o agregado familiar terá garantido um auto-abastecimento em produtos da terra e pouco mais?
Ou será antes seguida a política de fomentar a constituição da empresa agrícola como linha componente de uma cadeia de montagem agro-industrial de média ou de grande dimensão, com olhos postos no mercado externo?
Sendo a determinação das unidades de cultura a pedra de toque do emparcelamento, logo é notória a importância fundamental que terá a definição daquela dimensão teoricamente ideal e de acordo com uma das soluções enunciadas no dilema que acabo de invocar. Esta base de partida, de excepcional importância como disse, poderá vir a concorrer decisivamente para se criar um bom. ou um mau ambiente para o estabelecimento de grandes unidades agro-industriais que algumas firmas estrangeiras estão tentando já instalar entre nós. Temos mesmo conhecimento particular de que ao norte do Douro se deixou de montar ali uma empresa alemã exactamente por terem encontrado falta das condições mínimas favoráveis para o estabelecimento de uma vasta área do pomar. Por outro Indo, há que contar com os novos e importantes dados que nos serão oferecidos pelas perspectivas de uma futura integração no espaço económico português de todas as suas componentes ultramarinas, bem assim há que tomar em consideração os horizontes a abrir com uma futura e efectiva entrada de Portugal na organização económica à escala europeia.
Muitas e variadas são as medidas que considero forçoso complemento para o emparcelamento. Parte delas vêm já referidas no judicioso parecer que estamos apreciando. São do domínio da assistência técnica e financeira: recuperação de caminhos e de estremas para cultivo; abastecimento de águas; racionalização dos sistemas de rega, dos sistemas de cultivo, das técnicas de fertilização e de conservação da fertilidade; das defesas contra a erosão, da mecanização, do melhoramento da pecuária, etc. Mas todas estas medidas, tanto de incremento da assistência técnica como de estabelecimento de feitorias, serão aleatórias se não se fizer sentir paralelamente uma política de fomento pelo preço, pagando bem e melhor os produtos mais qualificados, pois tudo o que se fizer em matéria de valorização agrária será efémero se se desprezar a política da justa retribuição dos produtos da terra, bem assim se não se adoptar uma política de embaratecimento das matérias-primas consumidas pela lavoura: maquinaria, combustíveis, alfaias, adubos, produtos químicos e electricidade, esse género de primeira necessidade que para a lavoura está interdito enquanto o seu preço não for revisto.
Resulta daqui, implicitamente, a necessidade de se tomarem disposições atinentes à revisão das estruturas comerciais, seja pelo estabelecimento de cooperativas, seja pela simplificação da complicada e nociva rude de intermediários, por forma que os produtos cheguem ao consumidor menos onerados por improdutivas interferências.
Também a reabilitação do nosso armentio deverá estar no espírito dos responsáveis pelo emparcelamento, pois poder-se-á tirar favorável partido do aumento das áreas das actuais explorações em favor da pecuária nacional, outra vantagem do emparcelamento.
Todavia, neste capítulo do fomento da pecuária igualmente se impõe uma rasgada decisão para que se definam as linhas de trabalho. É que se chegou a uma encruzilhada de difícil saída e para esta pouco concorrem os extremistas defensores de que o gado nacional está a pedir imediata e colectiva certidão de óbito e, por tal, a requerer total substituição por animais importados. Nesta matéria, deveriam dar-se ouvidos aos criadores mais ousados e progressivos, pois a sua experiência e a sua contabilidade algo terão para dizer.
De qualquer modo, no Norte e nas regiões visadas pelo emparcelamento, solar do barrosão e do aroquês, ainda há, por certo, núcleos destas raças autóctones de bovinos, que não devem ser menosprezadas sem que se tenham efectuado testes honestos e estudos comparativos com vista a, com tais elementos, vir a construir-se prudentemente o verdadeiro caminho a seguir.
O estabelecimento de explorações agrícolas-piloto considero-o fundamental e outro dos primeiros passos a dar nos perímetros em perspectivas de emparcelamento, pois virão a constituir preciosos auxiliares e indispensáveis guias para quem se deverá ocupar de tão complexa como difícil tarefa.
Sabendo-se o elevado custo do emparcelamento e conhecendo-se o facto significativo de nalguns países com larga experiência neste campo se terem visto obrigados os técnicos a forçadas revisões, sobretudo em matéria das áreas das unidades de cultura que vieram a ser sucessivamente aumentadas, julga-se pertinente proceder a um rigoroso estudo sobre qual a melhor orientação a seguir, e em todas as facetas a considerar, para que reais vantagens sociais, agrícolas e industriais venham a ser obtidas, não só pela comunidade, como pelas classes mais desfavorecidas, primeira preocupação que deve hoje estar no espírito dos responsáveis, mas mercê de uma política social ajustada a uma boa política económica, para o que será fundamental nunca perder de vista a máxima de que «uma verdadeira política social só atingirá os seus objectivos se estiver apoiada numa verdadeira política económica», e, assim, o emparcelamento deverá integrar-se neste conceito, sem esquecer a justa retribuição, embora a longo prazo, que é devida ao erário público.
Há ainda um aspecto que não posso deixar de salientar aqui: é o da doutrinação dos interessados, visando levá-los à perfeita compreensão da utilidade que advirá para eles e para o País do emparcelamento e das demais medidas que o deverão acompanhar. Esta propaganda pretenderá conduzir à formação de uma mentalidade confiante e de total adesão aos novos empreendimentos e é a única base, no que se refere ao contributo do agricultor, donde se poderá partir para que tudo se processe como se planeou.
Poder-se-ia acreditar no êxito do emparcelamento se este for mal aceite ou não compreendido?
Poder-se-á confiar em executores avessos ou incrédulos?
A falta de mística no cumprimento de qualquer profissão ou a desconfiança em renovadas técnicas conduzirá, sem dúvida, a uma deficiente execução das tarefas.
Todos sabemos que a árvore que se planta, o rego da água que se encaminha, o adubo que se incorpora, o correctivo alimentar que se ministra, são singelas ope-
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rações que se podem deturpar ou viciar por simples passividade ou intencional desinteresse do seu executor.
E assim evidente que o emparcelamento implicará uma ordenada divulgação dos princípios em que se estrutará e tanto as medidas insuficientemente expostas como as imprudentemente impostas serão, quanto a nós, inoperantes e mesmo contraproducentes, já que criarão indesejáveis resistências à penetração das demais instruções prescritas, pois só a finalidade - recomposição predial - é pouco para justificar os elevados investimentos que o emparcelamento implicará e já que se impõe a execução de um vasto programa de introdução de novos processos culturais, como o emprego de sementes seleccionadas, de novas variedades, de medidas fitossanitárias, de cuidados culturais específicos, de higiene e alimentação animal, etc., as quais só atingirão o fim e a escala que se pretende alcançar quando voluntariamente assimiladas, e esta pretensão não se coaduna com um estado de espírito do agricultor resultante de uma determinação imperativa.
O emparcelamento deverá constituir assim ridente janela aberta para um futuro melhor, mas franqueada com indulgência e tolerante esclarecimento, para que todos o entendam como obra digna de total e voluntária adesão, e nunca como reforma a que é obrigado a submeter-se sem provia e esclarecida convicção.
As campanhas pura a construção de silos, de nitreiras, de ovis, de arborização, de multiplicação de forragens, de sementes seleccionadas, etc., levadas a cabo mediante as modestas comparticipações do Estado, constituem insofismáveis exemplos do que pode conseguir-se sem imposições, pois, nestes capítulos e noutros, o agricultor correspondeu em absoluto, como se testemunha com o facto de todas as verbas terem sido esgotadas, ficando aquelas previstas muito Aquém do montante que na realidade a lavoura requererá. Quer dizer: o Estado não atingiu o nível e a escala proporcionais às solicitações apresentadas pelos agricultores, e isto por manifesta falta de dotação orçamental, nunca por ausência de interesse ou por abstenção do agricultor.
Há uma faceta ligada no problema do emparcelamento que se me afigura digna de especial estudo: é a que se refere aos pequenos casais rústicos habitados e explorados por operários da indústria, por pescadores e por operários agrícolas. Todos sabemos que os indivíduos nestas condições vão buscar ao seu casal um salário complementar do auferido por conta de outrem, no que são coadjuvados pelos restantes membros da família. Estes pequenos prédios agrícolas, que estarão longe de possuir as áreas e as condições mínimas inerentes à unidade cultural, deverão, quanto a mim, humanamente ser excluídos das operações de emparcelamento.
Poderão, à, primeira vista, parecer algo deslocadas ou um tanto descabidas estas minhas considerações, aparentemente foro do âmbito de uma apreciação directa ao instrumento jurídico que deverá presidir ao emparcelamento, mas não podem aqueles que têm profundas raízes na terra e alguma experiência deixar de reconhecer que a existência de um diploma apto não é condição suficiente para que tudo se venha a processar na prática como teoricamente está concebido, ou seja do espírito da lei e dos regulamentos.
Há, pois, que estar atento a toda uma estruturação de serviços, à definição de uma linha mestra de acção e também aos métodos de trabalho, por forma que a aplicação dos princípios informadores se faça sempre segundo o melhor critério, segundo a mesma orientação em casos similares e que revele - tal aplicação prática - a maleabilidade conveniente para aqueles casos que saiam da regra geral. Numa palavra: é fundamental aplicar com a maior equidade e sensatez os princípios enunciados na proposta de lei, e a concretização desta realidade, como é óbvio, transcende a própria, lei, dependendo afinal de uma complicada simbiose de factores que em última análise se inserem, tanto na regulamentação específica que venha a criar-se, como nas concepções perfilhados pelos técnicos sobre matérias básicas e definitivas, sem desprezo, evidentemente, pelo relevante factor que é o de ordem pessoal e que reflectirá o bom senso, a competência e a experiência dos mesmos técnicos encarregados da transposição de tais princípios para a vida real.
Não tenho dúvida em apontar um flagrante exemplo concreto que deve, assim o creio, servir para ilustrar as considerações que acabo de fazer e talvez por de sobreaviso os responsáveis pela execução do emparcelamento: é o caso do cadastro rústico no Alentejo, que nalguns concelhos se realizou normalmente e com a compreensão dos interessados. A justiça e o bom senso haviam norteado os técnicos que se encarregaram da sua execução.
Porém, nem em todos os concelhos as coisas correram assim. É o exemplo de Montemor-o-Novo, em que tudo se passou de forma inversa, praticaram-se erros, o bom senso não existiu, houve injustiça e tudo redundou em descontentamento. Estamos seguros de que as linhas gerais e as instruções marcadas e dadas às comissões de trabalho foram idênticas para toda a área a cadastrar. Simplesmente, ou os critérios dos seus executores conduziram a interpretações díspares ou frente a factores excepcionais estes não foram tomados em consideração.
Ora o caso do cadastro do concelho de Montemor-o-Novo, de que voltaremos a ocupar-nos quando oportuno, tem quanto a nós o expressivo significado de constituir um exemplo real de quanto pode ser perniciosa uma deficiente aplicação dos princípios orientadores, quando mal executados ou inconvenientemente interpretados por quem se não impregnou devida e previamente do verdadeiro espírito da lei ou dos regulamentos.
Deste modo, consideramos as bases práticas que vierem a nortear a acção da Junta de Colonização Interna, neste capítulo do emparcelamento e nos mais que lhe estão intimamente ligados, dignas de excepcional importância, devendo presidir o maior cuidado na sua estruturação para que se venham a acautelar possíveis erros ou inconvenientes interpretações.
Concluindo, e em resumo, entendo:
1.º Que o emparcelamento é uma das múltiplas medidas a adoptar visando aos almejados benefícios de que a grei portuguesa tanto carece;
2.º Que o emparcelamento deverá ser precedido das mais cuidadosas e indispensáveis operações: o cadastro (definição dos princípios basilares económico-sociais que irão ser perfilhados adentro das novas perspectivas que os mercados e os entendimentos internacionais vão oferecer); o conhecimento da carta dos solos e suas aptidões; a planificação e o ordenamento regionais enquadrados nos nacionais;
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3.º Que o emparcelamento deverá ser paralelamente acompanhado por ajustadas medidas de fomento, as quais logicamente se encadeiam naquele, tais como: assistência técnica e financeira; a introdução de novos métodos culturais, mas que promovam o aumento da rentabilidade agrária; o estabelecimento de benfeitorias; a racionalização comercial; a instituição de cooperativas; a revisão dos preços;
4.º Que a reconstituição das empresas se venha igualmente a efectuar por outras vias: o arrendamento; a parceria; a sociedade; a cooperação;
5.º Que a acção coerciva não seja adoptada, e muito menos quando ela vai ao ponto de forçar os voluntários adeptos da recomposição, que discordaram do modus faciendi proposto pela Junta de Colonização Interna, a terem de o aceitar;
6.º Que se apele para todos os meios de doutrinação e de divulgação disponíveis e que se possam associar aos técnicos nas campanhas de aliciamento os párocos, os professores, os membros das juntas de freguesia, os dirigentes das Casas do Povo, etc;
7.º Que o parecer da Câmara Corporativa constitui na sua generalidade um instrumento que mereço a minha aprovação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Pires da Costa: - Sr. Presidente: só depois de entrar nesta Câmara, para exercer o honroso mandato que me foi conferido, tive o prazer e a honra de conhecer pessoalmente V. Exa.
Mas desde o tempo em que fui aluno da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e já lá vão muitos anos, o nome insigne do catedrático de Coimbra Prof. Mário de Figueiredo era de mim e de todos os meus colegas profundamente conhecido e admirado como um dos mais notáveis representantes da cultura, da inteligência e da política.
Assim, Sr. Presidente, acima de qualquer dever protocolar, não admira o prazer que sinto nem a honra que tenho um poder manifestar a V. Exa., nesta minha primeira intervenção na Câmara, os meus sentimentos do muito respeito e admiração.
Dando, por este modo, satisfação aos meus sentimentos para com o ilustre mestre de Direito, cumpro igualmente o dever, que me é muito grato, de saudar com os mais respeitosos cumprimentos o muito ilustre presidente da Assembleia Nacional.
E permita-me ainda, Sr. Presidente, que me dirija a todos os meus colegas, que com o eu entraram nesta Câmara portadores de um honroso mas difícil mandato, para lhes testemunhar os meus sentimentos de vivo e quente entusiasmo, que resultam da certeza de que todos iremos trabalhar com o maior esforço, a que não faltará também a coragem da verdade, para cumprirmos o mandato que nos foi conferido, que é o de traduzirmos aqui fielmente as grandes aspirações nacionais, em cujo cume esta a defesa intransigente da Pátria, qualquer que seja a latitude onde as suas fronteiras se situem.
Sr. Presidente: subi a esta tribuna para fazer breves considerações sobre a oportunidade e a vantagem da proposta de lei relativa ao emparcelamento dos prédios rústicos, no uso do direito que me confere o n.º 2.º do artigo 46.º do Regimento.
Por experiência própria e por observação da alheia tenho vivido e sentido algumas das grandes dificuldades da pequena e da média lavoura. É nessa experiência que fundamento as breves e simples considerações que passo a expor.
Quero desde já afirmar que entendo oportuna e vantajosa a proposta de lei sobre o emparcelamento. Mas também não quero deixar de afirmar que, vindo ela, como vem, desacompanhada de um plano agrário nacional, que é, por sua vez, o remate natural dos vários planos regionais, se a sua execução não for seguida por uma distribuição racional das várias unidades industriais ao longo do País e de uma adequada política de preços dos produtos agrícolas, penso que apenas poderá dar uma pequena achega à desejada solução do problema da economia agrária portuguesa. Com efeito, nós estamos perante dois factos incontroversos:
Temos cerca de 45 por cento da população activa a viver da agricultura. Mas temos uma agricultura que não acompanha a expansão económica portuguesa que se vem processando.
O fenómeno vem mencionado no notável relatório que precedeu a proposta da Lei de Meios para 1962, o que, por si só, dispensa a citação de quaisquer outros meios de prova.
São, assim, duas realidades que têm de ser olhadas bem de frente, porque arrastam atrás de si males profundos e graves que importa atacar frontalmente para os eliminar na medida do possível.
Os que vivem no campo e do campo, em particular os que tiram do trabalho intensivo da terra a sustentação própria e do seu agregado familiar, têm estado quase que permanentemente em regime de economia deficitária, ou, se não em regime de economia deficitária, pelo menos em regime que impossibilita a legítima e necessária poupança, tão necessária à conservação, frutificação e melhoramento da terra.
E isto acontece em relação a alguns produtos, umas vezes porque os domina o fenómeno da sobreprodução sem colocação pura os excedentes, outras porque estão perante uma subprodução com origens em factores climatéricos desfavoráveis.
Qualquer das situações é geradora de insuficientes rendimentos.
No primeiro caso pelo aviltamento dos preços a que conduz a insuficiência da procura e a impossibilidade da colocação dos excedentes.
No segundo porque um tabelamento de preços estabelecido em atenção aos interesses do consumo, mas ignorando os interesses da produção, não deixa ressarcir os prejuízos resultantes da própria subprodução e dos que resultam dos preços aviltados.
Este quadro é perfeitamente ilustrado pelo que se passa com a produção da batata de consumo.
Nos anos em que a produção excede, e são quase todos, o preço é aquele que é imposto pela lei da oferta e da procura. Só esta opera, colocando o produtor inteira e exclusivamente sob o seu despótico domínio. Isso gera o aviltamento dos preços, a tal ponto que muitas vezes o rendimento obtido não pode cobrir o custo de produção.
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O produtor, inerme, entrega-se, porque não sabe onde colocar o que excede da procura.
Cabe, no entanto, aqui referir uma experiência ensaiada o ano transacto, que, sem ser o óptimo, nem sequer o bom, atenuou, no entanto, o prejuízo suportado pela lavoura nascido dos baixos preços da batata de consumo e dos elevados excedentes sem colocação.
Quero referir-me à elevada exportação conseguida através da oferta por preços de concorrência, dando-se, como se deu, ao produtor um diferencial de compensação.
Fica-nos a esperança de que a solução casuística e de emergência adoptada o ano transacto venha a ser estudada convenientemente de modo a poder constituir parte integrante de um sério ordenamento ou planificação de execução permanente.
Nos anos, raros, em que surge o fenómeno da subprodução a cotação eleva-se por efeito da maior procura, mas a tabela de preços máximos, sem preços mínimos em vigor, que, como disse há pouco, foi elaborada sem atender ao custo de produção e sem ponderar a necessária poupança, impede o crescimento económico do produtor.
Nós vivemos em sistemática insuficiência de produção de carne e de leite. A oferta interna não corresponde. Isso tem obrigado a permanentes importações de carne. No estado actual penso que não podemos progredir nesta matéria, porque, mantendo-se, como se mantém, uma tabela de preços de venda de leite há quinze anos ou mais, mas agravando-se o custo de produção em ritmo crescente quase que de ano para ano, a inexistência de lucro que o caso origina não só não convida ao crescimento da produção como impede até a conservação da produção existente. A exploração torna-se deficitária, o que origina o seu desaparecimento.
Esta grave insuficiência de produção de carne e de leite, além de causar a insatisfação da respectiva procura, atinge o grau de fertilidade da própria terra, pela carência de estrumes, tão necessários a uma eficiente fertilidade do solo, como claramente foi apontado nos discursos dos Srs. Deputados Profs. Vitória Pires e André Navarro.
Os inconvenientes que deixamos expostos constituem, afinal, uma das consequências da deficiente estruturação agrícola do País.
Em linhas gerais sabemos que alguns dos pontos fracos da agricultura que impedem que ela acerte o passo com a progressiva expansão económica nacional, verificada nas outras actividades, residem fundamentalmente:
a) Na deficiente estrutura dos prédios rústicos;
b) Na ausência de um planeamento ou ordem agrícola nacional;
c) Numa política de preços para certos produtos agrícolas, que não julgamos adequada por representar uma visão incompleta dos factores que a deve informar: defesa do consumo, mas também defesa do custo de produção e do rendimento justo que conduza à necessária poupança.
O exame da realidade agrícola portuguesa mostra-nos um profundo desequilíbrio entre esta actividade e as restantes actividades nacionais em relação ao produto bruto nacional. Para cerca de 45 por cento da população activa temos um produto bruto nacional que talvez não chegue a 30 por cento. Os restantes 70 por cento são para as outras actividades que se empregam nos sectores secundário e terciário. Isto significa que sobe o nível de vida dos que vivem da indústria e de outras actividades, mas estaciona ou desce o nível de vida dos que vivem do campo.
O quadro destas realidades impõe, e já, o estudo e a execução de medidas que possibilitem ao vasto sector da população agrícola portuguesa ascender ao nível de vida dos restantes.
Afigura-se-nos urgente o estudo e elaboração de planos regionais em função da vocação das terras e adaptação da produção à evolução da procura, tudo em ordem ao estabelecimento de um plano agrícola nacional, a revisão dos circuitos de distribuição dos produtos, de modo a apurar-se a razão das por vezes espantosas diferenças entre o preço recebido pelo produtor e o preço pago pelo consumidor, a revisão da política de preços, considerando-se que a melhoria da situação económica da agricultura não se atinge só através da assistência técnica, mas sim através desta e de uma adequada política de preços, a distribuição racional das unidades industriais pelo País, de modo a absorver excedentes de mão-de-obra agrícola onde eles existem, uma melhor estruturação do solo agrário nacional.
E neste último aspecto que devemos situar o propósito da proposta de lei sobre o emparcelamento.
Com o emparcelamento da propriedade rústica pretende-se o reagrupamento de terras e a introdução dos melhoramentos fundiários e rurais necessários, com o fim de se eliminarem as graves deficiências que resultam da pequena área de exploração agrícola.
Em última análise, pretende-se obter uma unidade de exploração capaz de satisfazer em nível médio as necessidades de um agregado familiar.
Suponho que sobre os inconvenientes que resultam do excessivo parcelamento dos prédios rústicos' e da sua dispersão não há qualquer discordância. Eles são tantos e tão variados, e também tão notórios, que não vale a pena mencioná-los. Basta apontar a impossibilidade de diminuir o custo de produção, certo como é que o uso da máquina não é possível na exploração de pequenas unidades, para logo ressaltar aos olhos, até dos que não têm do campo qualquer experiência, os efeitos dos seus malefícios.
Daqui resulta que o reconhecimento dos indiscutíveis malefícios do excessivo parcelamento dos prédios rústicos conduz ao reconhecimento da utilidade das medidas que visem suprimi-los e que os suprimam efectivamente.
Portanto, a primeira questão que se põe é a de saber se o emparcelamento preconizado elimina todos ou parte dos inconvenientes que são uma consequência da excessiva divisão e dispersão da propriedade rústica.
Tenho para mim que esta providência, desacompanharia, do necessário ordenamento agrário, não é de molde a produzir grandes frutos. Não obstante, ela vem dar algum contributo, embora pequeno, à melhoria da situação e elimina alguns dos inconvenientes conhecidos.
Por isso, não se me oferecem dúvidas sobre a oportunidade e vantagem desta medida legislativa.
Já não estou, porém, tão seguro quanto à vantagem e oportunidade do emparcelamento coercivo, preconizado na última parte do n.º 2 do artigo 9.º da proposta.
Nela se diz que o Governo pode impor o emparcelamento mesmo contra a vontade da maioria dos proprie-
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tários com maioria de rendimento colectável, se entender que da inexecução do projecto resultam graves inconvenientes económico-sociais.
Ora, se a maioria dos proprietários, que são evidentemente os maiores interessados no caso, entende e julga que da adopção da medida não resultam vantagens para a economia da exploração, portanto, pura o progresso do seu próprio nível de vida, não aceito muito bem que na ausência de um plano nacional que integre o perímetro a emparcelar no seu ordenamento esteja o Governo em melhores condições do que os próprios interessados para julgar da conveniência e da eficácia do emparcelamento pretendido. Ao contrário, julgo que a maioria dos homens que vivem na terra e dela vivem estão em melhores condições para julgar dessas vantagens.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nestas circunstâncias, e pelas razões expostas, penso que só um plano nacional agrário, que há-de ser a consequência dos vários planos regionais, pode justificar a providência coerciva contra a própria maioria dos proprietários, porque só assim poderemos avaliar e saber se há na verdade interesse nacional no mesmo regional a justificar a providência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Enquanto não houver esse plano nacional ou ao menos um plano regional que integre o perímetro a emparcelar, não posso dar a minha aprovação à parte, da proposta que prevê, nos termos em que o faz, o emparcelamento coercivo. Voto na generalidade a proposta na parte restante.
Termino, manifestando o voto, e esse de esperança muito sincera, de que as medidas necessárias, convertidas hoje em verdadeiras aspirações nacionais, surjam depressa e façam nascer as devidas estruturas que tornem a agricultura produtiva e próspero no interesse de toda a Nação.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, com a mesma ordem, do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas o 55 minutos.
_________
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Tomás Prisónio Furtado.
Artur Proença Duarte.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando António da Veiga Frade.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Augusto Brilhante de Paiva.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR, Luíz de Avillez.
Resposta ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Monteiro do Amaral Neto na sessão de 15 de Dezembro do 1961 da Assembleia Nacional:
A Secretaria de Estado do Comércio não foi manifestada pelas empresas nacionais produtoras ou vendedoras de adubos azotados a intenção de praticar qualquer baixa dos preços do sulfato de amónio ou da cianamida calcica, nem tão-pouco ela teve conhecimento indirecto de tal propósito.
Na ocasião em que se preparavam os estudos que vieram a conduzir à baixa de preços determinada para a actual campanha, e que foram da iniciativa da Secretaria de Estado do Comércio, chegaram a esta Secretaria de Estado representações daquelas empresas em que se considerava excessiva a baixa que se havia calculado e que efectivamente veio a ser determinada:
Lisboa, 30 de Dezembro de 1961. - O Secretário de Estado do Comércio, João Augusto Dias Rosas.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA