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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 17

ANO DE 1962 18 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 17, EM 17 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadeia de Oliveira

SUMARIO: - O Sr. Presidenta declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente informou, estarem na Mesa, pata cumprimento do disposto do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os n.ºs l, 4 e 5 do Diário do Governo, 1.ª série, inserindo diversos decretos-leis.
Foi autorizado o Sr. Deputado Tito Arantes a, depor como testemunha na 5.ª vara eivei de Lisboa.
O Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu não foi autorizado á depor no mesmo tribunal.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Herculano de Carvalho, para se referir a assuntos ligados à província de Timor; Teles Grilo, sobre problemas agrícolas de interesse para Trás-os-Montes; Águedo de Oliveira, que chamou o atenção do Governo para as precárias comunicações telefónicas no distrito de Bragança; Sousa Birne, que fez um apelo no sentido de serem resolvidos os problemas emergentes das doenças pulmonares profissionais nos mineiros, e Franco Falcão, acerca de assuntos de interesse para Penamacor e seu concelho.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei sobre emparcelamento da propriedade rústica.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Abranches de Soveral, João Serras e Silva Pereira, Pinto Carneiro e Simeão Pinto do Mesquita.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 45 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote..
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.

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António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Egberto Rodrigues Pedro.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Buli.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Bocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Mendes Pires da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Luís Le Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.

ogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 110 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Do Grémio da Lavoura de Castelo Branco referente à proposta de lei sobre o emparcelamento da propriedade rústica.
Dos Grémios da Lavoura de Viseu e Vila Nova de Paiva sobre a mesma proposta de lei.
O Sr. Presidente: - Enviados pela Presidência do Conselho, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.ºs 1, 4 e 5 do Diário do Governo, 1.º série, respectivamente de 2, 5 e 6 do corrente, que inserem os seguintes Decretos-Leis: n.º 44 145, que cria representações diplomáticas, com a categoria de embaixada, em Bogotá e Quito; n.º 44 147, que cria no concelho de Sintra, distrito de Lisboa, a freguesia de Algueirão-Mem Martins, com sede na actual povoação do mesmo nome, e n.º 44 148, que aprova, para ratificação, a Convenção (n.º 81) relativa à inspecção do trabalho na indústria e no comércio, adoptada pela 30.ª Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, reunida em Genebra.
Está ainda na Mesa um ofício da 5.º vara cível da comarca de Lisboa a pedir à Câmara autorização pura que o Sr. Deputado Tito Arantes possa depor como testemunha no próximo dia 4 de Abril, pelas 14 horas e 30 minutos.
Informo a Assembleia de que o Sr. Deputado Tito Arantes não vê qualquer inconveniente para a sua actividade parlamentar em que lhe seja concedida a autorização solicitada.

Consultada a Câmara, foi autorizado.

O Sr. Presidente: - No mesmo oficio pede-se ainda autorização para que o Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu possa depor no mesmo tribunal e no mesmo dia.

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O Sr. Deputado comunicou que não via qualquer vantagem em ir depor.
Nestas condições, se nenhum dos Srs. Deputados qualquer coisa sobre esta matéria; interpreto esse facto como não autorizando aquele Sr. Deputado a depor naquele dia.
Consultada a Câmara, foi negada autorização.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano de Carvalho.

O Sr. Herculano de Carvalho: -Sr. Presidente: para V. Ex.ª as minhas primeiras palavras; vão nelas as minhas saudações mais distintas e as mais sinceras homenagens, mas, sobretudo, vão nelas as saudações do povo de Timor.
Pela minha palavra presta uma vez mais a gente de Timor preito de homenagem ao Governo da Nação e preito de lealdade à Pátria. Nada de estranho neste gesto; uma manifestação de incondicional portuguesismo que a estranhos poderá causar estranheza ou mesmo dúvida, mas que dentro da família lusitana entrou já no nosso espírito como coisa natural. Nem mesmo o facto de essa lealdade trazer o selo do sacrifício e do sangue vertido por Portugal dará a esta mensagem cunho que, se afaste da fenomenologia do nosso rumo histórico. Foi com sacrifício e sangue que a nossa história se escreveu e de novo se está escrevendo; moeda com que construímos o passado e moeda que estamos a investir para construir o futuro.
Mas, Sr. Presidente, quero apresentar a V. Ex.ª aquela gente que hoje pela primeira vez o saúda, porque é nela que reside algo de muito extraordinário.
A história de Timor não vem nos compêndios das nossas escolas. Qual a razão dessa falta, não a sei; o que sei é que a história de Timor encerra uma das maiores lições, se não a mais extraordinária das lições da nossa história pátria. A integração de Timor na Nação Portuguesa, a sua defesa contra a cobiça de alheios e a sua pacificação interna, tudo isso foi obra exclusiva do povo daquela terra. Timor não foi conquistado, não se mandaram lá expedições; as tropas que defrontaram o poderoso holandês e as tropas que puseram cobro a conflitos internos foram as companhias de leais «moradores» de Manatuto, de Ladó, da praça de Díli, os «arraiais» de Aileu, numa palavra, sempre e em toda a parte tropas timorenses sob a chefia dos governadores de descomunal envergadura que foram os capitães Celestino da Silva e Filomeno da Câmara; orientados por uma escassa meia centena de oficiais, sargentos e cabos do Exército regular e comandados pelos seus régulos, foram os timorenses que escreveram algumas das páginas mais admiráveis da história de Portugal.
Já nos nossos dias este mesmo povo deu à Nação e ao Mando uma dição de firmeza e de amor pátrio, de tal modo transcendente que receio poder dizer que nem mesmo a Nação a compreendeu bem em todo o seu significado.
Completam-se agora em Janeiro vinte anos desde que desembarcaram na ilha de Timor as primeiras tropas nipónicas e os desembarques executaram-se simultaneamente no Timor português e na colónia holandesa. E enquanto do lado holandês o elemento nativo se entregou desde logo, em colaboração com as tropas invasoras, a uma autêntica capa ao branco, o povo luso-timorense aguentou firme em torno das autoridades civis e gentílicas e esperou os acontecimentos. Estes não se fizeram esperar e foram sangrentos, mas os timorenses não abandonaram a sua Pátria e os chefes propuseram-se fazei guerra aberta aos invasores. Foi o governador que os chamou e os dissuadiu dessa atitude, que só lhes podia acarretar mais perseguições, maus tratos e mortes.
Quando os poucos europeus residentes na província foram levados para os campos de concentração, os seus leais criados, em franco desafio aos agressores, iam aos campos de concentração levar-lhes mantimentos, sabendo muito bem ao que se expunham - muitos deles foram espancados, outros mortos, mas não houve forças humanas capazes de quebrar a coragem sobre-humana daquela gente.
Os invasores tudo tentaram para lançar o povo timorense contra as autoridades legais, mas acabaram por desistir, vendo-se forçados a retirar as autoridades dos seus cargos e enviá-las para os campos de concentração, como último recurso, para ficarem assim com o controle directo de todo o território.
Ao cabo de quase quatro anos de domínio nipónico, quando terminou o pesadelo da ocupação, enquanto do outro lado da fronteira e nas restantes ilhas se desagregava o que fora antes o gigantesco domínio da Holanda, no pequeno território português o povo recebia com festejos, empunhando bandeiras que tinha enterrado durante a ocupação, as autoridades civis que iam reocupar os seus cargos. E que homens eram estes que iam proceder k reocupação administrativa do Timor português? Eram os poucos militares e funcionários administrativos e até alguns particulares que não tinham morrido no cativeiro e que o governador Ferreira de Carvalho no seu relatório descreve: «Aquela gente envelhecida, alcachinada, com todos os ossos a desenharem-se por baixo da pele, a maior parte mal se podendo mexer, agarrados a paus para arrastarem os pés inchadíssimos».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E qual o espírito que animava este duro grupo de esfomeados e doentes? Também no-lo diz, no relatório, o governador: «Iríamos como bons amigos que regressam confiados na amizade e na lealdade dos povos, de que nunca duvidaram, sem armas, porque não eram necessárias ...». Não se enganaram nem se arrependeram da confiança que depositavam nos povos, antes colheram deles, como nós colhemos, uma das mais extraordinárias lições de portuguesismo que a nossa história regista.
Pois e este povo galhardo, orgulhoso do seu portuguesismo, que aqui vem de cabeça erguida saudar V. Ex.ª e o Governo da Nação e dizer que confia e que muito espera, porque a muito tem direito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: por ter vivido estes últimos quatro anos entre aquele povo não tive coragem de entrar no estudo dos problemas da terra sem procurar comunicar a esta Assembleia a vibração que sinto cada vez que recordo a gente de Timor. Eu queria que as decisões governamentais que afectam Timor levassem a selá-las, não a feição de rotina burocrática, mas o calor do orgulho que nós metropolitanos devemos sentir por sermos compatriotas dos timorenses.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - De resto, o Governo deve saber bem e a Nação tem de ficar a saber quanto lhes deve. A Noção tem de ficar a saber que na presente crise que Por-

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tugal atravessa, em que a necessidade de se fazer fuce no inimigo externo tem de sobrelevar questões de discordância doutrinaria com este ou aquele aspecto da política nacional, enquanto aqui na Mãe-Pátria há assaltos aos quartéis, naquela terra de Timor os nobres régulos, num movimento geral, apresentaram-se às autoridades militares superiores da província, oferecendo-se com as suas companhias de moradores, num total de mais de 20 000 homens, para se baterem por Portugal onde quer que fosse preciso.
Não há dúvida, Portugal é cada vez menos europeu; o Portugal de hoje está na África e na Ásia, e é esse Portugal afro-asiático que está a dar lições de portuguesismo aos indiferentes, aos vencidos, aos comodistas, aos oportunistas e aos assaltadores de quartéis do Portugal europeu.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Disse atrás que é com o sacrifício do sangue que se fez a nossa História e estamos a construir o futuro. Mas esse sacrifício não chega, e temos de empenhar no nosso império realizações de ordem social e material que façam a complementação desse sangue e desse sacrifício.
Proponho-me, quando se discutirem as contas das províncias ultramarinas, apresentar aqui um problema que diz respeito ao nível sanitário das gentes de Timor. É creio que este problema não é apenas um problema timorense, visto que em conversas que tenho tido com outros Srs. Deputados das nossas províncias ultramarinas me tem sido dado observar que esse problema tem também acuidade nessas províncias, pelo que penso que a questão é mais ou menos geral.
Durante quatro anos que estive em Timor nunca ali encontrei, ao mesmo tempo, nem tanto como uma dezena de médicos, isto não falando já nas verbas exíguas destinadas à assistência da população. E hei-de falar mais detalhadamente a este respeito, pois pode ficar a impressão de que se trata apenas de uma questão de quadros, para o que, sendo assim, bastaria então aumentar as dotações orçamentais dos serviços de saúde. Mas tal não sucede, porque o número de médicos que se consegue levar para lá não preenche completamente os quadros orçamentados.
Timor tem a superfície do Alentejo e 500 000 habitantes; está dividido por três territórios distantes uns dos outros, e todos os médicos se encontram na parte leste, o que ocasiona, para eles, grandes dificuldades de deslocação.
Podemos assim concluir que uma grande parte da população de Timor não recebe assistência médica tão perfeita quanto nós desejaríamos.
O problema da escolha do pessoal para o ultramar é difícil de resolver, mas não é insolúvel.
Há um quadro ultramarino. Qualquer jovem médico que nele queira ingressar dirige-se ao Ministério do Ultramar, mas a província de Timor é, por via de regra, a última a ser servida. Em primeiro lugar as grandes províncias africanas, que, por terem quadros muito mais volumosos, absorvem a grande maioria desses médicos do ultramar, e para Timor vão aqueles que não podem ir para qualquer outra província, nomeadamente de África.
Está aqui em jogo uma questão de espírito missionário, mas esse espírito tem vindo a ser sistematicamente substituído por um espírito funcionário. E humano que ninguém- queira ir para Timor, pois as condições de vida daquela província são bem inferiores às das restantes da África e da Ásia.
Mas se quisermos fazer progredir aquela província do ponto de vista social e humano temos de pôr de lado todas essas razões de ordem pessoal para que o problema fique cabalmente resolvido.
Vou fazer três sugestões - e chamo-lhes sugestões porque além destas há outras variantes para a resolução do problema.
A primeira sugestão, que já vi defendida por outros Deputados ultramarinos, é o retorno a processos que nós abandonámos há algum tempo, mas que foram eficientes. É pela força, requisitando médicos ao Ministério do Exército, que os apresentará no Ministério do Ultramar, e este, por sua vez, os fará seguir ao sou destino. O Ministério do Exército chamará cara isso ao Exército os jovens aspirantes e alferes milicianos médicos que forem precisos para o seu próprio serviço.
A segunda sugestão era dar-se ao Ministro do Ultramar a possibilidade de requisitar ao Ministro da Saúde e Assistência médicos do quadro público metropolitano para o preenchimento de vagas no ultramar.
A terceira solução consistiria em unificarem-se num quadro único nacional os quadros de funcionários ultramarinos e metropolitanos.
São estas as sugestões:
Leu.

O Sr. Jorge Augusto Correia: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Jorge Augusto Correia: - Quando V. Ex.ª falou em os médicos serem recrutados de acordo com o Sr. Ministro da Saúde quer dizer serem recrutados de um quadro geral. Isso tinha realmente uma vantagem. Há dias, numa intervenção que aqui fiz, disse que haveria vantagem em ir buscá-los a esse quadro e até mesmo aos corporativos, de modo que se me afigura que havia toda a vantagem em fazê-los passar por lá, obrigando-os, se necessário, de modo a tornar mais fácil a efectivação dessa solução.

O Orador: - Exactamente. E quero frisar que esta terceira solução que eu apontei, a criação de um quadro nacional, também era exequível, e tinha ainda o interesse de mais ultramarinos poderem ingressar no quadro metropolitano. Era como que uma transfusão de sangue entre todas as parcelas do território nacional.

O Sr. Burity da Silva: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Burity da Silva: - Sobre a exposição acabada de apresentar pelo nosso ilustre colega Herculano de Carvalho direi que ela contém uma sugestão de importância vital para a evolução da nossa acção ultramarina, para a evolução dos nossos problemas, e, sem dúvida nenhuma, a ideia de ser criado um quadro comum é uma ideia primordial, é uma ideia que vem justamente ao encontra daqueles princípios de unidade pelo; quais nos batemos ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Burity da Silva: - ... aqueles princípios de fusão, de presença de todos os elementos portugueses em toda a parte do território nacional ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Sr. Burity da Silva: - ... considero que essa ideia é importantíssima e, sem dúvida nenhuma, o Governo, terá de encarar a solução do problema da unidade nacional, a solução do nosso problema multirracial, começando justamente nesta base, e só assim deixará de haver falta de técnicos em qualquer parte do nosso território, e só assim deixarão de escassear os elementos necessários e se servirá a unidade nacional, havendo uma distribuição e redistribuição dos técnicos necessários por toda a parte na base do interesse nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estou inteiramente de acordo.
Vou terminar, fazendo apenas mais uma ligeira observação, que corresponde afinal aos comentários feitos pelos meus ilustres colegas à solução do plano nacional.
Quanto ao interesse nacional, é óbvio que a primeira respeitaria o actual divórcio entre as províncias do ultramar e as da metrópole, o que, pessoalmente, considero condenável, enquanto a terceira garantia uma salutar fusão de todos, os quadros ao nível nacional.
Será esta última solução difícil de pôr em prática? Sem dúvida, acima de tudo pelos interesses privados com que se iria chocar. Mas exequível; tão exequível como o foi no caso dos serviços meteorológicos nacionais, em que o problema se encontra perfeitamente resolvido.
E note-se que a solução se poderia perfeitamente alargar aos quadros de outros serviços técnicos. Mas esta terceira solução apresentaria sobretudo uma extraordinária vantagem de ordem nacional. Pela interpenetração de todos os quadros conseguia-se constante contacto e portugueses com todas as terras do mundo português, e pela «injecção» de mais ultramarinos na metrópole muito se contribuiria para tornar Portugal mais unido, mais sólido e mais português.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Teles Grilo: - Sr. Presidente: na primeira intervenção que tive a honra de fazer nesta alta Câmara e em que me debrucei sobre alguns problemas suscitados pelo texto da lei sobre o emparcelamento da propriedade rústica, agora em discussão, expendi a opinião de que deveria o Governo considerar 2000 ha para emparcelamento no distrito de Vila Real, dos 6000 ha previstos, para o mesmo fim, em todo o País, até 1964.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª está a falar na ordem do dia ou antes da ordem do dia?

O Orador: - Estou a falar antes da ordem.

O Sr. Presidente: - E que me pareceu, pelo início, que V. Ex.ª estava a falar sobre matéria da ordem do dia.

O Orador: - Há uma certa relação com a ordem do dia, mas é fora da ordem.

O Sr. Presidente: -Eu deixo V. Ex.ª continuar provisoriamente.

O Orador: - Estava a fazer esta segunda intervenção porque tinha prometido tratar deste assunto, mas como a matéria não cabia no tempo da primeira intervenção, esta é uma espécie de complemento daquilo que disse.

O Sr. Presidente: - Faz favor de continuar.

O Orador: - E sugeri então que esses 2000 ha deveriam ser repartidos, nesta primeira fase, pelos concelhos de Chaves, Vila Pouca de Aguiar e Valpaços, por razões que oportunamente indicaria.
A minha intervenção de hoje tem, exactamente, por finalidade, dar cumprimento à promessa feita.
Assim, e quanto ao projectado núcleo de Chaves, em que o emparcelamento deveria ou deverá abranger cerca e 1000 ha da sua exuberante veiga:
A região flaviense, por virtude de um excepcional conjunto de circunstâncias que se vêm processando há largos anos, está a atravessar a maior crise económica de toda a sua história.
A cultura predominante é a da batata. Mas sucede que desde o período áureo coincidente com a última conflagração mundial, e em que esse tubérculo atingiu preços notavelmente compensadores, o lavrador tem vindo gradualmente a decair em poder económico, dado que o rendimento do seu principal produto - a batata - cada vez mais se amesquinha, a ponto de, na actual conjuntura, nem sequer chegar para cobrir as despesas de cultivo! Recorde-se que a batata está agora a ser vendida a $70 o quilo, e menos, pelo produtor, quando se sabe que esse quilo lhe custou l$10 na terra!
Mais eloquente índice de derrocada total não pode ser revelado!
É a ruína, pura e simplesmente.
Ruína do agricultor e sua família; ruína da lavoura e da sua economia; ruína de todas as restantes actividades da região, visto dependerem fundamental e permanentemente da boa ou má situação dessa lavoura, a qual, por sua vez - e nunca é demais repeti-lo -, depende hoje, quase em exclusivo, do rendimento da batata.
São várias as causas deste verdadeiro descalabro. Mas vale a pena enunciá-las, pois do seu conhecimento resultará uma melhor compreensão das soluções que nos propomos defender, com vista a pôr-lhe cobro a prazo mais ou menos curto.
O começo do deplorável estado a que se chegou deve ir procurar-se, antes de mais, àquele período de irreprimível euforia que a cultura da batata experimentou durante a última guerra e alguns anos, poucos, após ela.

Batata de semente a 5$, 6$ e 7$.
Batata de consumo a 2$, 3$ e mais escudos! Era um autêntico maná! E foi uma longa corrida de esperança para o revolver de prados, onde antes se fartavam gados, para o desbravar sôfrego de serras e vales, onde até ali apenas vegetavam urzes, estevas e carqueja!
De um dia para o outro, como por sortilégio raro, surgiram extensos batatais nos terrenos mais incríveis! Todos jogavam a sua grande cartada! Mas, na enganosa miragem de lucros fartos e imediatos, ninguém reparou que lhe faltavam os trunfos precisos para ganhar essa partida sem contestação.
E deu-se o inevitável!
Extintos os últimos rumores da guerra, desaparecido pouco a pouco o excepcional condicionalismo de várias ordens que ela determinara, retomado o fio da normalidade em todos os sectores da vida económica, financeira, social e agrária do País, logo se tornou patente

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que os milhares de hectares que o Norte submetera à cultura da batuta não tinham qualquer viabilidade económica de se manterem adstritos a tal cultura, pois, de um lado, a procura baixou verticalmente, por falta de mercados consumidores e importadores, e, do outro lado, a concorrência do Sul, com a possibilidade de duas colheitas anuais a preço de custo muito inferior ao do Norte, ali estava para afirmar, com inteira razão, que, se nada mais surgisse na cena da produção e comércio da batata, ao Norte só restaria cruzar os braços sobre a cabeça e deixar-se ir ao fundo como um vulgar símio!
E foi. E está no fundo!
Mantendo, teimosa e erradamente, um nível de produção carente de mercados certos que lhe garantissem escoamento; nada fazendo para minorar o custo dessa produção, necessariamente agravado pela utilização de métodos de cultura e trabalho pouco evoluídos e sobretudo pela utilização, em muitos casos, de terrenos inaptos para essa espécie de cultura; debatendo-se, ingloriamente, com o crucial problema da falta de transportes capazes; e, enfim, não podendo evitar os irremediáveis malefícios resultantes da concorrência oferecida pelo Sul cora a sua produção estival - a região flaviense, apesar de alguns subsídios governamentais de emergência, tinha irremediavelmente de sucumbir!
É, pois, a altura de o Estado intervir, com energia, com eficiência. E antes que as funestíssimas consequências já verificadas atinjam proporções de tal maneira graves que não seja então possível um recuo, colaborante, salvador.
Ora, precisamente, a execução de uma larga operação de emparcelamento integral na zona que apontamos - a veiga de Chaves- pode muito bem constituir o ponto de partida para a recuperação agrícola da região, com a sua consequente e vantajosa integração no âmbito mais vasto da economia nacional.
Todavia - e este ponto parece fundamental ao encarar-se o emparcelamento da veiga de Chaves, ou de parte dela -, não podem esquecer-se os resultados obtidos nas experiências realizadas em 1941, em grande parte das regiões agrícolas do País, sobre a cultura da beterraba sacarina.
Esses resultados, que S. Ex.ª o então Secretário de Estado da Agricultura, Sr. Eng.º Agrónomo Quartin Graça, recolheu e apreciou mini trabalho publicado pelo Ministério da Economia, em 1942, e intitulado A Beterraba Sacarina, puderam autorizar as conclusões, abaixo insertas, que vamos transcrever de um artigo publicado no Notícias de Chaves, em 1 de Junho de 1957, sob o título «A Crise da Batata - Elementos para a Sua Possível Solução», da autoria do engenheiro agrónomo Alfredo Sebastião Alves, que, ao serviço dos problemas agrícolas da região flaviense, donde é natural, tem posto o melhor da sua atenção, do seu esforço e dos seus vastos e seguros conhecimentos técnico-profissionais.
Eis as referidas conclusões:

a) As mais elevadas produções unitárias médias foram observadas em Braga (52 106 kg/ha), Vidago (51 415 kg/ha), Mirandela (47 757 kg/ha) e Viseu (44 555 kg/ha);
b) A maior riqueza sacarina média das variedades estudados foi observada em Viseu (25,10 por cento de sacarose) e Vidago (25,01 por cento de sacarose), vindo logo a seguir Braga e Mirandela, respectivamente com 21,50 por cento e 19,68 por cento de sacarose; c) Conjugando estes dois elementos, verifica-se que a maior produção média de sacarose por hectare, que é aquilo que mais nos interessa, neste momento, foi observada em Vidago (12 859 kg), vindo logo a seguir, por ordem decrescente de produção, Viseu (12 206 kg), Braga (11 203 kg) e Mirandela (93 99 kg).

E isto significa, finaliza o citado artigo, sem grande perigo de errar pelo facto de os números se reportarem apenas a um ano de experiência, que são as regiões do Norte do País as mais aptas para a cultura da beterraba sacarina, evidenciando-se de entre elas, e em primeiro lugar, Vidago, ou, o que é o mesmo, todas as áreas do concelho de Chaves e limítrofes, com- características agro-climáticas semelhantes.
E isto significa, concluiremos nós, que à data em que se iniciassem os trabalhos preparatórios do plano de emparcelamento a levar a efeito na veiga de Chaves deveria, concomitantemente, proceder-se aí aos ensaios e experiências tendentes à determinação do índice de produção média de açúcar, pois estou certo de que os resultados seriam de tal modo concludentes que haveria de ser a Junta de Colonização Interna a primeira a advogar, com entusiasmo, a global submissão da área em referência à cultura da beterraba sacarina.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E estou mais certo de que a esta primeira fase da operação, em que apenas seriam objecto de emparcelamento cerca de 1000 ha, logo se seguiriam outras, encorajadas pelo êxito alcançado por aquela.
Teríamos, assim, que desde logo ficariam desafectados da cultura da batata os referidos 1000 ha, aproximadamente, aos quais poderia juntar-se a superfície de outras áreas resultantes do emparcelamento a levar a cabo no vale de Aguiar, do vizinho concelho de Vila Pouca de Aguiar, ou noutras zonas próximas, a considerar, nesse ou noutros concelhos.
Ora, tomando por base apenas aqueles 1000 ha - e isso facilitará a elaboração de futuros cálculos -, e sabido que é de 15 000 kg/ha a produção média da batata na região, logo se apura que cerca de 1500 vagões de batata, ou seja 15 000 t, desapareceriam do mercado, o que não deixaria de ter relevante influência na política de preços desse tubérculo, acentuada gradualmente à medida que outras áreas se fossem libertando da batata e empreendendo uma fuga para a beterraba sacarina.
Subtraídas aquelas 15 000 t de batata à economia da região, o que é que esta receberia em troca, por império da nova cultura?
Respondem os técnicos (v. o artigo acima citado - «A Crise da Batata», do engenheiro agrónomo Sebastião Alves): 40 000 t de beterraba, de quê se obteriam 8000 t de sacarose, com o valor de 16 000 000$, o que dá a média de 16 000$ por hectare, contra os 10 500$ por hectare (15 000 x $70) que hoje está a render a cultura, da batata!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - São números eloquentes, que não receio ver contestados, pois se basearam em cálculos que, para prevenir exageros de optimismo, partiram de condições francamente desfavoráveis.

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Mostra-se, pois, que a depauperada região flaviense desfruta, afinal, de excelentes condições para se tornar num categorizado centro produtor de beterraba sacarina, que, e ainda segundo um minucioso desenvolvimento de cálculos revelado pelo mesmo engenheiro agrónomo no seu citado artigo, poderia colocar no mercado interno açúcar a 4$30 o quilo, contra o actual preço médio de 6$90 o quilo.
E fácil depreender quais os extraordinários benefícios de ordem económica e social que adviriam para a região em causa com a introdução da nova cultura. Mas é bom não esquecer que esses benefícios só poderiam concretizar-se duradouramente se, dentro ainda do plano de emparcelamento integral, logo se montasse a respectiva industria açucararia, com uma unidade fabril perfeitamente equipada e apta a realizar todas as tarefas que lhe devam ser exigidas.
Ficariam, na região os subprodutos de grande valor económico: a polpa, que constitui um excelente alimento para os gados, e que por isso fautorizaria o desenvolvimento da pecuária regional; os melaços, de que poderia extrair-se o álcool, em destilaria a funcionar como elemento da mesma instalação fabril, e os vários resíduos provenientes da extracção e da destilação, que seriam utilizados como fertilizantes da terra.
Por outro lado, a laboração dessa indústria importaria numa enorme vantagem no campo social, pois permitiria a absorção, preferencial, do excedentário em braços que a operação de emparcelamento naturalmente provocasse.
Mas não era tudo.
Emparcelada a terra, em obediência aos melhores princípios que devem presidir a tal operação, construída a indispensável rede de acessos amplos e cómodos, aproveitada e, se necessário, adaptada, a obra de rega já existente na veiga de Chaves, executadas quaisquer outras obras que fossem julgadas convenientes, de enxugo e drenagem, por exemplo, electrificada satisfatoriamente toda a área, montada a aludida indústria açucareira e criado assim, em moldes técnico-agrários perfeitos, um importante núcleo de exploração agrícola, o remate ideal para ele só poderia ser o da sua integração num regime cooperativista.
Não vejo outra solução para garantir a continuidade e o êxito dos resultados conseguidos com uma operação de emparcelamento.
Conseguida a estruturação ideal do agro, melhoradas as condições da sua exploração, incrementada a produtividade da mão-de-obra, possibilitada a introdução da máquina e do motor, aumentada a produção, industrializados os produtos, elevado o nível do trabalhador rural - seria rematada loucura permitir que o proveito único e substancial de toda essa magnífica obra fosse parar às mãos insaciáveis dos intermediários que astutamente se interpõem e escalonam entre a produção e o consumo, impedindo o progresso da lavoura e tornando dura a vida do consumidor!
Há que acabar com essa causa prevalente de asfixia da agricultura portuguesa.
E um dos melhores remédios para o mal é, precisamente e a meu ver, o cooperativismo.
Devidamente orientado pelos seus associados e com o apoio eficaz do Governo, traduzido em facilidades de organização, em isenções de contribuições e impostos, em assistência técnica e administrativa e em auxílio financeiro, o cooperativismo constitui, na realidade, meio adequado de defesa dos interesses que lhe são submetidos, permitindo, muito em especial, obter o melhor
aproveitamento económico e financeiro dos produtos e, portanto, que eles se vendam no produtor ao melhor preço possível.
Não pode ser outro o resultado, desde que se pondere que a cooperativa produz, que a cooperativa industrializa o produto, que a cooperativa transporta o produto, que a cooperativa coloca e vende directamente o produto ao consumidor.
Os lavradores de Soure e Montemor-o-Velho já se decidiram também, segundo estou informado, a acabar com o cancro dos indesejáveis intermediários. E ei-los, entusiasmados, a organizar-se para a constituição de uma cooperativa açucareira, com vista à industrialização da produção do açúcar de beterraba.
Exemplo a seguir por outras regiões do País, tê-lo-á de ser forçosamente pelos lavradores do futuro núcleo de emparcelamento da veiga de Chaves, a submeter à cultura intensiva da beterraba sacarina. O que não impedirá certamente, e antes encorajará, a constituição de outras cooperativas na área do concelho de Chaves.
Uma cooperativa de produtores da batata de consumo, por exemplo, a interessar todas as zonas em que esse tubérculo continuasse a ser cultivado, pareceria medida de alto significado para a economia da região flaviense, pela possibilidade que ofereceria de adjuvar, se não completar, a solução para os problemas da lavoura local que não ficassem contemplados pelos resultados do emparcelamento.
Mas cabe-me aqui fazer um reparo.
Quer a futura constituição da cooperativa dos produtores da beterraba sacarina, quer a da cooperativa dos produtores de batata de consumo, devera verdadeiramente merecer do Governo o melhor apoio. E esse apoio, para além de isenções de ordem fiscal, de auxílios financeiros e de assistências técnicas, deve concretizar-se em reais facilidades de organização.
Atentos os importantíssimos fins económico-sociais a atingir pelas cooperativas, não pode admitir-se que à sua constituição se oponham quaisquer entraves. E são entraves, por exemplo, em meu entender, quaisquer exigências no sentido de obrigar as cooperativas a contribuir com percentagens (que podem ir até 50 por cento) sobre os seus lucros líquidos para os grémios da lavoura, a título de subsídio!
Esta circunstância não pode deixar de funcionar como óbice muito sério à expansão dos ideais cooperativistas, e funcionou, efectiva e decisivamente, quando, em 1958, um determinado sector da lavoura de Chaves pretendeu organizar a sua cooperativa agrícola. Constituiu-se a respectiva comissão, fizeram-se reuniões, a que presidiu sempre um desbordante entusiasmo, alimentaram-se as mais sadias esperanças, elaboraram-se os estatutos, a partir do modelo geral, e quando tudo e todos se preparavam para festejar o nascimento da Cooperativa Agrícola Flaviense, eis que a brigada técnica da III região, a que foram submetidos, para aprovação, os referidos estatutos, decreta que dos lucros líquidos da Cooperativa deveria ser retirada suma percentagem nunca inferior a 50 por cento como subsídio ao Grémio da Lavoura de Chaves»!
E o resultado foi que essa Cooperativa não se constituiu, porque, como então se escreveu num ofício dirigido pela comissão organizadora àquela brigada, «desde que o lucro não fique todo na Cooperativa e seus associados, as futuras direcções não terão grande interesse em apresentar balanços finais com lucros apreciáveis, e isso impedirá a constituição de reservas necessárias ao desenvolvimento de qualquer associação desta natureza».

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E assim é, com efeito. Compreender-se-ia que ò Grémio considerasse a entidade Cooperativa como seu sócio e lhe cobrasse uma quota anual mais ou menos abonada; mas que se lhe atribua o direito de participar nos lucros líquidos da Cooperativa, e numa proporção que tem de considerar-se quase escandalosa, isso é que não oferece margem para qualquer justificação.
E anote-se, para finalizar este parêntesis, que as consequências da não constituição da Cooperativa Agrícola de Chaves se têm vindo a patentear por forma a acusar graves apreensões ao sector agrícola mais interessado no caso - o sector da produção da batata -, quando o certo é que, sem aquele autêntico «veto» da brigada técnica da III região, essa Cooperativa seria hoje uma fecunda realidade, ter-se-iam evitado os irressarcíveis prejuízos que abalaram e estão a abalar a economia da região, e o Governo da Nação não teria tido necessidade de conceder avultadíssimos subsídios, de mais de 20 000 000$, para atenuar a crise da batata da zona de Chaves e concelhos limítrofes.
Espero, sinceramente, que as entidades oficiais competentes possam rever as suas disposições no sentido de permitir, sem á imposição de exigências incomportáveis, a livre expansão do cooperativismo ou associativismo em Portugal, embora sujeito, como é óbvio, a uma regulamentação adequada.
E posso agora sintetizar as ideias anteriormente expressas sobre o emparcelamento e a sua aplicação à região de Chaves nas seguintes conclusões, que bem poderiam estar na base de um programa de valorização e recuperação económica, agrária, social e educacional dessa mesma região:

1.º Execução de operações de emparcelamento que, numa primeira fase, abrangeriam cerca de 1000 ha da veiga de Chaves;
2.º Execução de um plano de melhoramentos fundiários de carácter colectivo, a tomar em consideração a irrigação dessa veiga, já realizada, e a abranger obras de enxugo e drenagem, vias de acesso, electrificação, construção de armazéns apropriados, e outras julgadas, convenientes ou necessárias;
3.º Afectação de toda a área emparcelada à cultura racional e intensiva da beterraba sacarina;
4.º Industrialização e comercialização dos respectivos produtos e subprodutos, com a construção de uma eficiente instalação fabril e a aquisição de unidades de transporte em número adaptado às exigências da exploração agrícola;
5.º Constituição de uma cooperativa de produtores ' de beterraba sacarina, a que não devesse faltar uma secção de maquinaria agrícola, provida do material indispensável e apto a cumprir as solicitações de uma técnica agrícola evoluída;
6.º Organização de uma cooperativa de produtores de batata de consumo, nos moldes da anterior e a permitir a solução, tanto quanto possível imediata, dos graves problemas que actualmente assoberbam a produção e comércio desse tubérculo;
7.º Construção, na dependência desta última cooperativa, de grandes silos e armazéns nos locais reputados mais aconselháveis.
Se tudo isto se cumprisse, o futuro diria em que média teria contribuído, com estas sugestões, para afastar o espectro da ruína económico-agrária, e suas consequências no campo social, da martirizada região flaviense.
Entretanto, e até que esse futuro promissor surja, há que atentar, com a maior urgência possível, no quadro angustiante que nos oferece a região agrícola de Chaves e dos concelhos limítrofes e encarar, para já, as soluções de emergência que a gravidade da situação requer.
Anteriormente, essas soluções têm-se concretizado na atribuição de subsídios, a atingir milhares de contos e a visar aquisições, pela Junta Nacional das Frutas, de quantidades maciças de batata para consumo, colocando-se assim nas mãos estendidas e ávidas de milhares de produtores falidos uns tantos escudos que, por virtude do necessário racionamento então feito, mal lhes chega para liquidar um décimo dos seus débitos acumulados de alguns meses, e até de anos!
Mas sempre se escoam várias toneladas de batata, e tanto basta para a situação acusar alguma melhoria. Do mal, o menos: antes uma injecção de coramina, que alivia e espevita mas não cura, do que a ausência total de terapêutica, que logo apressa a morte.
E se o sistema, com todas as desvantagens da transitoriedade, se tem revelado impotente para debelar uma crise já de carácter cíclico - além de que na sua aplicação, talvez por defeito dele próprio, talvez por defeito dós homens, dá sempre origem a injustiças de que as principais vítimas são os mais humildes e necessitados -, a verdade é que, de momento, e enquanto a lavoura dessas regiões não ingressar, decididamente, e pela mão firme do Estado, nos apontados caminhos da sua recuperação para a economia nacional, não se vê como de outro modo acorrer às aflições, ao desalento e ao desespero de tanta pobre gente!
Sabe-se que em Angola a batata não abunda e se vende actualmente ao preço médio de 4$ o quilo! Ali se encontram, no cumprimento de deveres sagrados, dezenas de milhares de soldados, a exigir um extraordinário consumo desse tubérculo. Que obstáculos, insuperáveis existirão para que a Junta Nacional das Frutas não adquira directamente ao lavrador dessas regiões, ao preço mínimo de 1$, toda a batata que fosse necessária para carregar dois ou três barcos que a levassem também directamente aos nossos bravos soldados de Angola?
Que seja por esta forma, que seja por outra forma qualquer, o certo é que o Governo, por intermédio dos seus organismos próprios, terá, mais uma vez, de correr, generosa e pressurosamente, ao encontro das actuais e inadiáveis necessidades da boa e ordeira gente transmontana do Noroeste, que de tão implacavelmente perseguida, por uma sorte madrasta, há tantos anos, quase esqueceu já, ou se envergonha até de proferir, o seu grito de inofensivo orgulho e desculpável ufania, agora realmente sem sentido: «Para cá do Marão, mandam os que cá estão!»...
Pois ela, essa gente sã, que na sua maior parte vive do trabalho e para o trabalho, da terra e para a terra, e não tem outras ambições que não sejam a paz e a suficiência na paz, desejaria efectivamente mandar ... nos capítulos do progresso agrário e económico, do bem-estar rural, da confiança e da certeza permanente no futuro!
Basta que não a esqueçam, e o seu sonho será realizado.

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Quanto ao sugerido núcleo de emparcelamento do vale de Aguiar:

Os fins a atingir com o emparcelamento nesta zona, que numa primeira fase não poderia afectar mais de 500 ha, dado o condicionamento legal da área total a emparcelar no País, até 1964, e os meios a utilizar para isso, seriam fundamentalmente aqueles que se propuseram para a região limítrofe de Chaves.
As condições agro-climáticas são semelhantes às do concelho de Chaves e são os mesmos os problemas que afligem a sua lavoura.
Justificar-se-ia, por isso, um emparcelamento que visasse um novo arranjo da propriedade, baseado na sua aptidão para a cultura da beterraba sacarina e com vista à criação de uma categorizada exploração agrícola, a funcionar igualmente em regime cooperativista.
Os melhoramentos fundiários a levar a cabo, em lógico complemento da operação de emparcelamento, afiguram-se de maior vulto, pela circunstância de não existir, como na veiga de Chaves, uma vasta obra de irrigação; mas o importantíssimo escopo a alcançar - o progresso agro-económico da região, com a subsequente melhoria do nível de vida das camadas campesinas - bem justificaria o sacrifício financeiro a suportar.
No mais, todas as considerações produzidas atrás, sobre o caso da região flaviense, têm inteiro cabimento no caso da região aguiarense, pelo que me dispenso de as reafirmar agora, em pura e fastidiosa redundância.
Finalmente, quanto ao núcleo de emparcelamento de Valpaços:
Aqui, o problema surge com aspectos nitidamente diferentes. A dispersão domina sobre a divisão.
Na base da economia valpacence não está o rendimento da batata, mas o do vinho, o do azeite e o dos cereais.
Sucede, porém, que o controle dos preços destes produtos tem vindo a ser feito, mais ou menos satisfatoriamente, pelas Juntas Nacionais do Vinho, do Azeite e dos Produtores de Trigo.
Isso tem permitido que o nível médio das respectivas produções se mantenha, sem que o lavrador receie qualquer vertical e desastrosa baixa na valorização dos Réus produtos.
Simplesmente, os margens de lucro que alcança são por de mais magras, e a tal ponto que bem pode afirmar-se não lhe restar, de momento, outra alternativa senão a de repartir esses débeis réditos pelas imperiosas despesas de cultivo, feito em bases rotineiras, e pelas ainda mais imperiosas necessidades da sua mantença, quase sempre processada a um nível muito baixo.
E isto só pode significar que o lavrador desta região, vendendo embora os seus produtos a um preço razoável, está no entanto a despender com a produção mais do que deve.
Utilizam-se braços a mais; gastam-se horas a mais na execução das várias tarefas; perde-se tempo e vêem-se aumentar os encargos por virtude das distâncias a vencer; assiste-se a um desgaste mais intenso do material agrícola e ao cansaço mais pronunciado dos animais de trabalho; verifica-se a impossibilidade da, utilização de máquinas apropriadas; constata-se a incapacidade de lutar eficazmente contra as pragas; é-se obrigado a percorrer, lentamente, maus caminhos de acesso, inadequados aos fins da exploração.
Resultado inevitável: o custo de produção aumenta por forma extraordinária e os lucros de ponta ficam-se muito aquém do que seria para desejar.
Há, pois, que enveredar, corajosamente, pelo único caminho que levará à solução satisfatória do problema. E esse caminho é o do emparcelamento, logo seguido da organização da lavoura em regime cooperativista, o que, autorizando um melhor equilíbrio dos factores da produção, fautorizará um alimento do nível de vida da população agrícola.
No entanto, dadas as especiais características de cultura da região valpacense, as operações de emparcelamento aqui a realizar deveriam ter por objectivo, fundamentalmente, o reagrupamento da propriedade e, complementarmente, a construção de uma adequada rede de vias de acesso aos prédios emparcelados, bem como a execução de outros melhoramentos fundiários, de interesse colectivo.
E porque se dá a circunstância feliz de já estarem constituídas e a funcionar em Valpaços duas cooperativas - uma de vinhos e outra de azeites -, logo se conclui que aquele caminho a trilhar para a consecução de uma economia regional sã está efectivamente livre de obstáculos de maior.
Apenas se me oferece alvitrar que junto de cada uma daquelas cooperativas deveriam funcionar secções de maquinaria agrícola, providas de todo o material que as mais evoluídas técnicas aconselham, com vista a uma necessária elevação do índice de produtividade do trabalho.
Mais do que uma experiência, os primeiros 500 ha do núcleo de emparcelamento a organizar em Valpaços evidenciariam, estou certo disso, um encorajante exemplo, a servir da melhor forma a ideia nova em que tantas esperanças, oficiais e particulares, se depositam, muito legitimamente.
E não irei mais longe, para já, se bem que sobre os assuntos abordados muito e muito mais haja que dizer.
Mas não quero finalizar sem reafirmar a minha convicção da premente necessidade de criar, sem limites de expansão, na zona respectiva, os núcleos de emparcelamento apontados, ou outros a considerar nas regiões em causa, como meio eficaz de atingir, aí, as formas óptimas de uma agricultura totalmente evoluída e conducente a uma franca ascensão do nível de vida do trabalhador rural.
Desejo-o ardentemente, e praza a Deus que isso aconteça o mais brevemente possível, para bem do País, em geral, e do Noroeste transmontano, em especial.
Tenho ditei.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Águedo de Oliveira: -Sr. Presidente: peço a atenção do Ministério das Comunicações e da Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones para o seguinte, reclamando desde já os providências necessárias:
As comunicações telefónicas no distrito de Bragança, e deste com o exterior, deixam muito a desejar.
Longe de melhorarem, estão a agravar-se há meses - isto independentemente da quadra das cheias.
Não sei a que atribuí-lo, se ao pouco expediente do público, se à insuficiência dos quadros, se à construção das linhas, se à superlotação destas.

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Mas para folar a 50 km, 60 km, gastam-se horas. E para comunicar com Lisboa ou Porto também se gasta outro tanto.
Lá atribui-se o caso a deficiências de serviço da estação distribuidora de Mirandela, mas pode não o ser.
Generaliza-se por outro lado a necessidade de recorrer às chamadas urgentes - o que não é forma de servir o público.
Nestas condições, impõem-se as providências técnicas e orgânicas necessárias a uma melhoria.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa Birne: -,Sr. Presidente são as minhas primeiras palavras de saudação para V. Ex.ª, a quem, com tanta propriedade, foi conferido o honroso e difícil cargo de Presidente desta Assembleia; são a seguir de saudação para W. Ex.ª, Srs. Deputados e ilustres colegas, e faço, ainda neste início, votos a Deus para que a VIII Legislatura corresponda dignamente aos anseios da Nação, concorrendo calorosamente, pela resolução dos seus problemas prementes, para continuação da sua marcha progressiva.
São conturbados e de alta preocupação os tempos que decorrem para a nossa querida Pátria.
Desejamos aproveitar o momento para manifestar a nossa convicção de que saberemos opor, todos, cada vez mais, união e vigilância aos poucos de dentro e aos muitos de fora que interferem tão ingratamente com a vida nacional, de ordem, de unidade e de sentimento cristão. Rendemos também as nossas homenagens a todos os que, incondicionalmente, se entregam ao culto e defesa da Pátria e curvamo-nos ainda mais, de profundo e orgulhoso respeito, por todos aqueles que já tombaram no campo da honra, aquém e além-mar.
Sr. Presidente: sendo eu engenheiro de minas, com uma vida já longa passada directamente entre mineirios, não admira que, ao ter a honra de falar pela primeira vez na Assembleia Nacional, preste homenagem à modesta e heróica família mineira portuguesa e fale para lançar um apelo sobre um dos seus mais angustiosos problemas.
É o brado, que considero dever, de uma voz singela, que só tem a pretensão de ser objectiva, para que seja urgentemente complementada a resolução do problema das doenças pulmonares profissionais, de incidência inevitável, mas atenuável, de todos aqueles que exercem a sua actividade em ambientes excessivamente poeirentos: do problema das pneumoconioses.
Estas doenças que, especificadamente, abrangem uma ampla gama de denominações, retiradas propriamente da qualidade das poeiras que respectivamente as ocasionam: calcaroses, se as poeiras são calcárias; antracoses, se são carvões; sideroses, se de minérios de ferro; suberoses, se de cortiças, etc., até às silicoses, das poeiras de sílica, que são as mais agressivas.
De tal forma mais agressivas que a silicose constitui, de longe, a modalidade mais frequente e em grau tão intenso que esta denominação, pôr vezes, anda por aí com o sentido lato de pneumoconiose.
De resto, qualquer que seja a qualidade específica do empoeiramento que a provoca, a doença, uma vez contraída, sujeita aqueles que a contraem a consequências idênticas.
A diferença é profunda, mas só na intensidade de causalidade, que se traduz em densidade de incidência, definida pelo facto de que, dos operários que trabalham em ambientes de igual concentração de empoeiramento, contraem muito mais rapidamente uma pneumoconiose aqueles que trabalham em ambientes de poeiras silicosas.
No respeito pela delimitação de tempo concedido a estas intervenções apenas nos propomos fazer breves considerações da gravidade e oportunidade do problema e examinar os aspectos gerais do que se fez e do que importa ainda fazer para a sua resolução.
Campo de localização. - As pneumoconioses estão, como é sabido, longe de serem doenças profissionais exclusivos da indústria mineira.
É certo que os trabalhadores subterrâneos, pelas características e condicionamento especiais em que se desenvolvem, são altamente propícios à formação e concentração de poeiras. Por isso, os pneumoconioses são muito essencialmente doenças profissionais dos operários propriamente mineiros; no entanto mantêm-se, quer esses mineiros se dediquem u actividade da indústria mineira propriamente dita, quer se dediquem à abertura de túneis e galerias de agua, ou outras, de obras públicas, de obras de fomento, nacional ou particulares.
A causalidade da sua contracção, estando, no entanto, em toda a parte onde, com certa consistência, as poeiras se formem, o campo de existência das pneumoconioses é ainda muito mais vasto e abrange também as mais variadas actividades industriais de ar livre, como exploração de pedreiras, moagens, crivagens, fábricas de vidro, cerâmica, produtos refractários, cimentas, abrasivos, fundições, etc.
O equacionamento do problema não tem esquecido nem esquece, evidentemente, esta dispersão de campo de actividades.
Gravidade e oportunidade do problema. - As pneumoconioses, aliás, era paralelo com o que tem acontecido pelo Mundo, imolaram e continuam a imolar no nosso país um número grande de vítimas.
Era de interesse na análise de gravidade referir o que em matéria de pesquisa e inquérito de pneumoconióticos se tem feito no País, especialmente através da colaboração conjunta da Direcção-Geral de Minas, Instituto Nacional de Assistência aos Tuberculosos e Direcção-Geral de Saúde.
Pelo condicionamento de brevidade já referido, temos, porém, de limitar-nos a indicar que a pesquisa radiofotográfica em plano nacional foi por enquanto apenas circunscrita à industria mineira e que os resultados obtidos neste primeiro embate parece tenderem a apontar para a existência de cerca de 15 por cento de silicóticos entre a população operária desta indústria, número que se considera, aliás, de feliz moderação num primeiro embate, em que se capta uma situação que corresponde a um integral de muitos anos.
Das restantes actividades industriais, e à parte uma excepção local da indústria vidreira, em que entre um pequeno número de operários radiofotografados se revelou a elevada percentagem de 24,4 por cento de silicóticos, número que, aliás, pela limitação do ensaio, não pode tomar-se como indicativo de grandeza média, à parte essa excepção, dizíamos, que saibamos, só se conhecem aspectos gerais de saliente severidade de algumas unidades industriais, onde provavelmente a acuidade de manifestação de casos ponderosos impôs a sua observação imediata.

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E ainda como indicação de gravidade conclui-se com duas afirmações fáceis: uma, de que, no continente, do conjunto «Indústria mineiras e a Outras actividades» resulta um avultado número de dezenas de milhares de operários que trabalham sob risco de pneumoconioses, e, portanto, a descoberta ainda em parte de protecção eficiente que pode e tem de ser assegurada; ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e a outra de que o primeiro embate rigoroso de investigação geral radiofotográfica que se fizer registará, necessariamente, uma elevada quantidade de casos, elevada quantidade que só com sorte não excederá, porventura, um número dígito de milhares de pneumoconióticos, nas suas fases iniciais-(micronodulares) e avançadas (nodulares e tumorais).

Legislação e regulamentação sobre pneumoconioses. - Desde há muito que a nossa legislação se vem preocupando com a higiene, salubridade e segurança no trabalho. Bastantes são os diplomas que a elas se referem, dos quais apenas se mencionarão os principais e de interesse mais directo.

Exigência de condições de garantia de higiene, segurança e salubridade nos locais de trabalho das explorações industriais aparece já nos Decretos n.º 4351, de 1918, e 8364, de 1922 (este último regulamentando o primeiro).

Mais tarde, em 1936, a Lei n.º 1942, de acidentes de trabalho e doenças profissionais, abrange as pneumoconioses como doenças profissionais No Decreto n.º 37 747, de 1950, indicam-se, respectivamente, no artigo 18.º, uma obrigatoriedade de exames médicos periódicos a pessoal e, no artigo 19.º, uma possibilidade de mudança de ambiente dos que trabalham em secções de risco de doenças profissionais, medidas ambas que são de especial interesse na prevenção das pneumoconioses.

Mais recentemente foi elaborada e a seguir aprovada pelo Decreto n.º 43 189, de 23 de Setembro de 1960, a tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho e doenças profissionais, que estabelece as desvalorizações a atribuir em diferentes fases da doença.

Apesar de toda a boa vontade da legislação, o problema está longe de totalmente dominado e requer ordenada concretização específica e imposição e aposição de de vários aspectos.

Enquanto tal não for feito, geram-se inevitàvelmente, no campo social, aspectos graves e injustos, que só tendem à confusão e à criação até de atmosfera de pânico entre os interessados.

Ouvem-se afirmações de que basta a permanência de alguns dias em ambientes subterrâneos para se poder admitir a contracção de silicose e até parece que já houve perito que, em juízo, pretendeu demonstrar que para tal bastava a simples passagem por uma mina, sem parar ...

Na sua generalidade o problema tem dois aspectos essenciais, de âmbitos e características diferentes: prevenção técnica e prevenção e profilaxia médico-social.

Prevenção técnica. - A prevenção técnica é da maior importância. Nela está a base principal da redução de incidência, a melhor terapêutica a adoptar, numa doença que a medicina considera, pelo menos a partir de certas fases, de carácter irreversível, uma vez contraída.

Refere-se a prevenção técnica a medidas de condicionamento de trabalho tendentes a combater a formação de poeiras e a promover o contrôle e, quanto possível, a eliminação das que se formarem, estabelecendo assim um completo domínio do ambiente atmosférico em que se trabalha.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É improcedente fazer aqui qualquer apreciação de pormenor dessas medidas.

De resto, são bem conhecidas da técnica portuguesa; estão regulamentadas para a indústria mineira e, embora parcialmente, para alguns outros sectores de actividade industrial.

Torna-se necessário, porém, adaptar e completar o que está regulamentado, generalizando-o a todas as actividades industriais e atribuir a essa regulamentação carácter de obrigatoriedade e competência de inspecção e imposição aos sectores oficiais próprios.

Prevenção e profilaxia médico-social. - O aspecto da prevenção e profilaxia médico-social é mais complexo e é também aquele em que reina maior confusão.

Regista-se apenas um certo número de iniciativas, quer de sectores oficiais, quer mesmo de empresas particulares, plenas de boas intenções, mas de acção incompleta, necessàriamente hesitante, difícil, e até por vezes impossibilitada, por carência de sistemática ordenação e condicionamento de aspectos, uns já previstos na legislação e adoptados e outros de complementar consideração.

Mais concretamente: a sistemática ordenação da previdência e profilaxia médico-social impõe, entre outros, a observação dos seguintes pontos:

Prévio exame radiográfico e médico dos candidatos (já quase geralmente adoptado).

Contrôle radiográfico periódico dos profissionais (faz-se nalgumas empresas).

Possível necessidade e respectiva atribuição de estágios temporários dos operários fora dos ambientes poeirentos em que normalmente trabalham.

Consideração da melhor delimitação possível das fases pneumoconióticas e sua correlação, com impedimento de continuação de trabalho em ambientes poeirentos, além das restrições de capacidade de trabalho (incapacidade parcial) e invalidez (capacidade total).

Protecção total médica e farmacêutica ao doente (já se faz), inclusive internamento em sanatórios sempre que necessário (não se faz ainda), mesmo para além da determinação de invalidez e reforma.

Bases de reforma ou pensão de invalidez permanente, em apreciação conjunta de invalidez profissional e invalidez estatuída pelas caixas de previdência.

Consideração da extensão do abono de família aos inválidos por doença profissional de carácter permanente.

Possibilidade de ampliação dos períodos de férias legalmente estatuídos, exclusivamente para aqueles que normalmente trabalham nos ambientes poeirentos. Correlação desta ampliação com o considerando da possível necessidade de estágios temporários fora dos mesmos ambientes.

Revisão da idade limite para reforma, que, para estes operários, deve ser inferior aos 65 anos geralmente adoptados.

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Seguro ou nacionalização Ao risco das pneumoconioses. - Um dos pontos fundamentais, dizemos ainda actualmente o ponto crucial, é determinar o meio de cobertura das responsabilidades patronais que constituem direitos das respectivas classes trabalhadoras.

A discussão gravita à roda de definir-se se a transferência dessas responsabilidades se deve continuar a fazer, como até aqui, para companhias seguradoras, ou se enveredar para um sistema nacionalizado.

A solução a adoptar tem de responder com satisfação ao enunciado de que as pneumoconioses são de contracção, mais ou menos lenta, progressiva e cumulativa; isto quer dizer que o operário, depois de passado o seu exame inicial e admitido ao trabalho, tem de ser sempre periódica e regularmente controlado, independentemente de qual a empresa em que temporariamente trabalha; a solução deve, além disso, garantir ao mesmo operário liberdade de mudança de patrão, sempre que o prefira e tenha para isso oportunidade.

Este enunciado põe imediatamente a descoberto o inconveniente da intervenção das variadíssimas companhias de seguro na cobertura deste risco e aponta para a necessidade imprescindível da existência de uma única entidade seguradora.

A condição de unidade e o conjunto de características especiais em causa, que requer isenção de interesse e liberalidade de critérios puramente humanitários, conduzem u solução da criação ou de uma fundação nacional, ou à nacionalização do seguro das pneumoconioses, nacionalização que a estabelecer-se mereceria igualmente a consideração de extensão de âmbito às restantes doenças profissionais e até, possivelmente, aos acidentes de trabalho.

Uma das hipóteses é fazer a nacionalização destes seguros por enquadramento ou em paralelo das caixas de previdência e na nova proposta de lei da reforma da previdência social há uma referência a essa possibilidade.

O enquadramento nas caixas de previdência asseguraria, desde logo, a vantagem dê unidade na intervenção médica.

Eliminaria também automàticamente o terrível aspecto, actualmente vulgar, e que, qualquer que seja o processamento, deverá ser eliminado, dos operários mineiros, doentes, a quem é negada qualquer assistência médica e pecuniária, ao mesmo tempo pela caixa de previdência, que o considera doente profissional, e pela companhia seguradora, que só depois de decisão em julgamento o aceitará como tal, decisão que tem levado meses, quando não anos, durante os quais o operário doente e o seu conjunto familiar se arrastam, sem qualquer sombra de um auxílio a que têm direito, na mais cruel e injusta miséria.

Uma das dificuldades iniciais do estabelecimento deste seguro especial é, porventura, a determinação das taxas de cobertura de risco a suportar pelas entidades patronais, dada a provável carência de estatísticas determinantes de grau e gravidade de incidência. Aqui, se tal for necessário, poderá ser de precioso auxílio, para arranque, o exame do que lá por fora se estabeleceu. Em relação com a determinação de taxas cabe também apontar a vantagem que na sua moderação poderia ter a nacionalização integral destes seguros.

E é ainda de interesse registar que, dada a importância de que se revestem a agressividade do ambiente de trabalho e a eficácia das medidas de prevenção para a moderar, estaria indicada a instituição de prémios variáveis e de revisão periódica, prémios que seriam dependentes da intensidade de incidência de cada empresa e, portanto, até cento ponto, da maior ou menor atenção que a mesma dedicasse à prevenção técnica.

Sr. Presidente: peço desculpa de não ter sabido imprimir nesta exposição o brilho que a magnitude do assunto requeria, e torno extensivas a VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, essas desculpas.

E peço a todos que, para tranquilidade da minha consciência, a sua modesta simplicidade a ninguém faça esquecer a relevância do problema.

Anda confusão, quase pânico, na casa mineira e há muito operário que, por esse país fora, nos mais variados sectores de trabalho, morre mais cedo do que lhe pertencia morrer.

As companhias seguradoras dificultam e recusam até, e com certa razão, a aceitação de seguros das empresas com risco de pneumoconioses.

A popularidade do trabalho das minas, já de per si comprometida pela sua própria natureza, agrava-se cada vez mais, pela apreciação directa das consequências funestas de um passado negro, mais ou menos imediato, e que foi resultado de condições que, em parte, continuam presentes.

Por outro lado, desenvolve-se no operário a psicose de uma doença que, por vezes, não existe e de especulação de um direito que só pelas circunstâncias lhe é devido, que é de boa ética restringir.

Ilumine-se uma sombra, enfrentando de maneira decisiva e até ao seu completo domínio as dificuldades de marcha, do problema das pneumoconioses.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Franco Falcão: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: é esta a minha primeira intervenção na presente legislatura, pois por motivo de saúde não me foi dada a oportunidade de intervir no debate sobre a Lei de Meios, tendo visto assim inutilizado todo o trabalho desenvolvido e quebrada uma tradição parlamentar, que se havia afirmado através de quatro anos de intensiva actuação nesta Câmara.

Aqui me encontro de novo ao serviço desta Assembleia Legislativa, que o mesmo é dizer ao serviço integral da Nação.

E, como na anterior legislatura, colocarei toda a minha boa vontade e o mais devotado esforço no desempenho da nobre missão que por forma tão expressiva me foi dignamente confiada.

Já nesta Câmara tive a grata oportunidade de me afirmar um Deputado fundamentalmente rural e agrário.

Na presente conjuntura parlamentar continuarão a ser os problemas da terra e os directamente ligados aos meios rurais aqueles que mais instantemente ocuparão o meu espírito e mais decididamente impulsionarão a utilidade e oportunidade das minhas intervenções.

De resto, julgo ser em cada um destes sectores da vida nacional que mais instantemente devem incidir os olhares esclarecidos da Administração, pelo que representam de projecção interna no campo do progresso económico, político e social.

Firma-se assim a certeza de que os planeamentos e as realizações tendentes à valorização de cada um destes sectores concretizam integralmente as aspirações da grei.

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Sr. Presidente: antes de entrar pròpriamente nos motivos que me levaram a usar da palavra cumpre-me apresentar os clássicos, mas sempre oportunos, cumprimentos, em obediência a normas de cortesia tão propícias e gratas à minha sensibilidade.

No decurso das múltiplas intervenções parlamentares que aqui produzi só hoje se abeirou de mim como que um estranho calafrio, porque ao ver V. Ex.ª, Sr. Presidente, nesse alto posto me convenci de que me apresentava perante o consagrado mestre de Coimbra, a fazer acto de Direito Comercial, esmagado pelos olhares arrebatadores do catedrático e vencido pelas decisões implacáveis da via Latina.

Mas o mestre austero era também o amigo leal e bom, que sabia dar às suas lições magistrais um sentido de humanidade e ternura, que mais fazia realçar a fluência do seu raciocínio rápido, o brilho do seu forte poder de argumentação, o encanto da sua palavra fácil e o fulgor da sua dialéctica superior e vigorosa.

È para mim extremamente grato saudar V. Ex.ª, Sr. Prof. Mário de Figueiredo, na cátedra política desta sumptuosa sala, onde todos estimam e admiram a sua bondade paternal e o seu talento invulgar de mestre, de lutador e de eminente homem público.

Queira V. Ex.ª dignar-se aceitar os cumprimentos do mais ofuscado dos seus alunos, que, à maneira da tradição escolar coimbrã, lhe pede a costumada benevolência no exercício das lides parlamentares e oferece a V. Ex.ª toda a consideração e a maior lealdade.

A VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, desejo endereçar as minhas melhores saudações e os cumprimentos da mais sincera cordialidade.

Desejo ainda deixar aqui gravada uma palavra de profunda saudade pelos colegas que no decurso da anterior legislatura deixaram de pertencer ao número dos vivos e exteriorizar a minha maior simpatia e respeito pelos ilustres colegas que não voltaram, os quais sempre souberam dar a esta Assembleia Nacional o mais elevado nível de prestígio, compreensão e camaradagem.

Quero ainda envolver nestas minhas homenagens os dignos representantes da rádio e da televisão e, particularmente, os esforçados representantes da imprensa, que com tanta galhardia têm sabido acompanhar a Nação Portuguesa nas suas horas de amargura ou nos seus momentos de euforia e glória nacionais.

A todos apresento com simpatia e admiração os meus amistosos cumprimentos, ao mesmo tempo que formulo votos sinceros pelas prosperidades dos valorosos órgãos de informação que tão dignamente representam.

Sr. Presidente: como afirmei logo no início desta intervenção, serão os problemas afectos aos meios rurais aqueles a que me proponho dispensar maior atenção e mais dedicado carinho.

Não obstante viver numa cidade de província, das mais nobres e valiosas no conjunto territorial português, desenvolvo grande parte da minha actividade em duas risonhas aldeias beiroas, que, a despeito da constante viragem nos usos e costumes e da natural inversão de posições na escala social, albergam dentro das suas muralhas os mais firmes sinais de pura portugalidade, que nem a maldade, nem a ambição estonteante dos homens conseguem apagar.

Assim, irmanado nos mesmos sentimentos e identificado nos mesmos anseios e aspirações das laboriosas gentes dos campos, nada pode haver mais grato ao meu espírito do que contribuir directamente para tornar-lhe menos dura a vida e patrocinar todas as pretensões tendentes à elevação do seu modus vivendi, na sociedade, no trabalho e no lar.

Se entre as grandes realizações materiais há obras que merecem especial relevo, nenhumas como as que se destinam à valorização dos meios rurais realizam tão humanamente as aspirações da Nação.

Efectivamente, são as ruas das aldeias, o chafariz, o posto médico, a escola, os caminhos vicinais, a electricidade e as obras de saneamento, etc., que, sendo por vezes realidades de extrema modéstia, mas de extraordinário alcance social, económico e político, levam o maior entusiasmo às populações, concretizando-lhes justos anseios, através da satisfação de necessidades prementes que lhes inspiram maior apego ao seu torrão natal.

Não obstante ter manifestado preferência especial pelos melhoramentos rurais, estarão sempre presentes no meu pensamento todos os problemas que directamente interessam ao progresso do País e particularmente ao desenvolvimento do distrito de Castelo Branco, mormente no que se refere à solução das suas justas aspirações nos aspectos da educação, da justiça, do turismo e, de um modo genérico, do seu crescimento material e espiritual.

Sr. Presidente: diz o rifão que «há males que vêm por bem».

Ora nunca este velho e expressivo adágio popular teve tanta oportunidade no desenrolar da minha já longa vida como nesta feliz emergência.

Com efeito, a circunstância de por virtude dos factos já referidos não ter tomado posição no debate sobre a Lei de Meios concedeu-me a gratíssima oportunidade de poder dedicar a minha primeira intervenção à hospitaleira vila de Penamacor e ao seu valoroso concelho.

Antiga praça de guerra, cujo desenvolvimento data do século XII, Penamacor, por virtude da sua situação altaneira e fronteiriça, e ainda pelo heroísmo das suas gentes, foi desde logo escolhida como baluarte invencível de protecção contra as invasões leonesas, dando provas através dos tempos dos mais edificantes exemplos de lealdade, fidelidade e bravura.

O seu foral, concedido por D. Sancho I - franco de privilégios e pródigo na dilatação do seu termo, outorgou àquela nobre terra portuguesa imunidades e regalias que a tornaram logo de início um dos grandes municípios do País.

O concelho, formado justamente por uma dúzia de freguesias de grande valor etnográfico e agrícola, constitui elemento de grande valia social e económica na vida e no conjunto administrativo do distrito de Castelo Branco.

Numa das suas mais famosas e típicas aldeias nasci para o Mundo e passei os melhores e mais sadios tempos da minha mocidade.

Por isso, ali me desloco com frequência, levado pela saudade e pelo sentimentalismo, e ainda por uma compreensiva presença de solidariedade na administração da minha modesta casa agrícola.

Por todas estas razões, e ainda por imperativo dever de gratidão, trago sempre Penamacor e o seu concelho na primeira linha das preocupações que me fazem vibrar a alma, abrem as portas do coração e enchem o tablado do espírito e do pensamento.

Muitos são os melhoramentos por que aspira o concelho de Penamacor, para que, no evoluir do progresso e da vida moderna, possa reencontrar a grandeza e a projecção do seu valoroso passado histórico.

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Entre as realizações de maior premência avultam as que se referem ao alargamento e beneficiação da rede de estradas, tanto nacionais como municipais.

A este calamitoso problema me referirei oportunamente, não apenas para mendigar e criticar, mas também para louvar algumas iniciativas do Governo no aspecto rodoviário, mormente as referentes à grande reparação e rectificação da estrada n.º 233, e louvar o dinamismo, a tenacidade e a obra criteriosamente realizado, pelo ilustre director de Estradas do distrito.

Por outro lado, apresenta-se ainda revestido da maior acuidade o problema da electrificação geral do concelho, o qual, não obstante as diligências e o esforço desenvolvidos pela respectiva edilidade, não logrou ainda vencer as exigências de forças poderosas, às quais, o bailado do aumento de tarifas, se opõe com justa razão a fragilidade financeira do Município e o direito de defesa do consumidor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outros problemas requerem ainda uma decidida atenção para o progresso material e para a elevação do nível de vida das suas laboriosas populações.

Entre eles avultam os da assistência médica generalizada, da habitação e da previdência ao trabalhador rural.

É preciso que os bairros sociais se não levantem apenas em redor dos grandes centros urbanos, mas levem à aldeia e ao povoado a alegria da sua brancura, o conforto da sua habitabilidade e, numa palavra, a verdadeira alegria na família e no trabalho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, de todas as aspirações que vivem no pensamento dos penamacorenses aquela que constitui o seu maior anseio e sonho acalentador de largos anos é a que respeita à organização e dignificação dos seus serviços de justiça.

Assim, Penamacor deseja ver elevado o seu julgado municipal à categoria de comarca, de modo que aos povos que constituem o seu agregado judiciário seja mais cómodo e fácil o recurso à acção pronta da justiça, na defesa da sua fazenda, no respeito pela integridade física e no repúdio das ofensas à honra.

E este o apelo que tenho a honra de dirigir a S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça, em nome daquelas honradas e valorosas populações, que aqui represento pela sua espontânea vontade e pela graça de Deus.

Sr. Presidente: o Decreto n.º 13 917, de 9 de Julho de 1927, extinguiu 35 comarcas no continente e 2 nas ilhas adjacentes, deixando, assim, os respectivos povos mergulhados na mais profunda mágoa e na mais desoladora consternação.

Embora o decreto em causa não aduza razões justificativas que o determinaram, quero crer que as suas normas foram ditadas por critérios de reajustamento económico que possibilitaram a grande obra de renovação de toda a máquina judiciária, iniciada pelo grande Ministro que foi o Prof. Manuel Rodrigues, que ao serviço do direito e da justiça consumiu grande parte da sua vida.

No entanto, nem as razões apontadas nem a publicação do Decreto n.º 19 900, de 18 de Junho de 1931, criando julgados municipais em todos os concelhos, sedes das comarcas extintas pelo Decreto n.º 13 917, atenuaram ainda a grande mágoa nem conseguiram apagar o desgosto que perdura na alma daqueles povos, que, apesar do duro golpe vibrado contra os seus interesses e contra o seu bairrismo, têm fé e alimentam a esperança de ver os tribunais municipais transformados em tribunais de comarca, por forma a prestigiarem-se os órgãos jurisdicionais, que não podem nem devem exercer a sua acção em bases de natureza dimensional.

O Sr. Calheiros Lopes: - Muito bem

O Orador: - O crescente movimento de processos verificado em todos os tribunais em consequência do progresso material do País, de factores de ordem económica, da intensificação das relações comerciais e da mudança operada nos sistemas de vida justificam plenamente os motivos que determinaram esta minha justa petição, que bem traduz os clamores e os anseios dos povos de Penamacor.

A intensiva actividade judiciária do tribunal municipal de Penamacor, expressa no quadro que a seguir se transcreve, bem justifica a sua elevação a tribunal de comarca.

[Ver tabela na imagem]

Os números que acabo de referir seriam em larga margem aumentados com a criação da comarca, pois muitos são aqueles que, não obstante verem lesados os seus interesses, não podem usar a faculdade de fazerem valer em juízo os seus direitos.

Nestas condições se encontram, por exemplo, as laboriosas populações do Vale da Senhora da Póvoa e de Meimoa, que por vezes têm de ficar indiferentes aos ataques à sua pessoa e bens, vergados ao peso da distância que os separa da sede comarca, facto que praticamente lhes veda o recurso à acção da justiça.

Efectivamente, aquela boa gente, para procurar o advogado que na sede do julgado não encontra e para se deslocar à sede do tribunal de comarca, tem de vencer cerca de 50 km por estradas que constituem verdadeiros pesadelos, perdendo dias e gastando dinheiro numa confrangedora negação dos princípios da economia, da celeridade e da comodidade para os povos, que, aliás, devem dominar as bases de toda a organização judiciária do País.

A área do concelho, superior a 600 km2, os seus quase 20 000 habitantes, distribuídos por doze importantes freguesias, e o acendrado bairrismo das suas honradas populações constituem fortes motivos que bem justificam este esperançoso apelo que daqui tenho a honra de dirigir a S. Ex.ª o Sr: Ministro da Justiça.

Tenho conhecimento oficioso de que está em preparação o novo Estatuto Judiciário, e, por isso, tenho

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fundadas esperanças, de que na revisão da organização judiciária em estudo será considerado o caso de Penamacor, como é de inteira justiça.
Será mais um facto de grande relevo a ilustrar a grande obra que o Sr. Prof. Antunes Varela tem realizado no serviço do País, do direito e da dignificação da justiça portuguesa.
S. Ex.ª, que é um jurista eminente, um político esclarecido e um estadista de superiores méritos, tem dispersado toda a sua inteligência, dinamismo e muito saber pelo campo vasto e complexo da ciência jurídica.
Assim, tem S. Ex.ª realizado na pasta da Justiça uniu obra verdadeiramente notável, quer ajustando as normas de direito privado às variantes da vida social moderna, quer dando maior certeza às bases normativas do direito processual, quer tornando mais humana a rigidez das determinantes jurídico-penais, quer racionalizando os sistemas prisionais, quer, finalmente, instalando os serviços judiciais com a dignidade, o prestígio, u autoridade e o respeito que são devidos à boa administração da justiça.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Por todas estas razões estou certo de que S. Ex.ª dará pleno e rápido deferimento ao pedido que. aqui deixo formulado em defesa do prestígio da justiça, que, como factor essencial da vida das sociedades e instituição que deve estar franqueada a todas as classes sociais, deve orientar-se pelas determinantes da economia, da celeridade e da maior comodidade dos povos.
A comarca de Penamacor em nada viria cercear ou diminuir o valor e o mérito da antiquíssima comarca de Idanha-a-Nova, que muito em breve vai ter condignas instalações para albergar com maior desvelo todos os serviços judiciais do seu vastíssimo e próspero concelho.
Os serviços judiciais de Idanha-a-Nova só teriam a lucrar na sua eficiência, pois se punha termo aos inconvenientes de uma justiça deambulatória que não prestigia a instituição e causa inevitáveis embaraços aos serviços.
Por outro lado, as partes e os causídicos seriam de certo modo beneficiados, porque a permanência e a assiduidade dos julgadores garantem um mais útil sentido de concentração e tornam mais rápida a apreciação dos pleitos.
Ligam-me no concelho de Idanha-a-Nova amizades das mais caras à minha sensibilidade, ligações de família, recordações de infância e interesses patrimoniais, que me obrigam a trazer sempre aquelas terras e gentes beiroas gravadas no meu espírito.
Por isso, nada pediria para Penamacor que pudesse ferir os legítimos interesses de Idanha-a-Nova, como nada solicitaria a favor de Idanha-a-Nova que pudesse comprometer ou agravar legítimas aspirações de Penamacor.
A ambos os concelhos trago sempre no coração, e gravada no pensamento aquela quadra sublime que o povo da minha terra sabe cantar com tanta singeleza e doçura, a qual tão bem exprime este meu permanente estudo de alma:

Salvaterra me desterra
Idanha me dá calor
Ponho os olhos em Monsanto
Lembra-me Penamacor.

Sr. Presidente: vou terminar pedindo desculpa a V. Ex.ª e aos ilustres colegas do excessivo volume das minhas descoloridas palavras.

É que, quando se fala do nosso rincão abençoado e quando a envolvê-lo está o sentimento e a sede de justiça, há um impulso de ordem psicológica que não conhece limites, porque é o coração que fula ou escreve.
Há 22 anos no exercício da judicatura e ao serviço do direito, tenho esperança na justiça dos homens e tenho fé na justiça omnipotente de Deus.
Por isso, estou certo que, não obstante as violências travadas entre os povos, os ódios apregoados entre as nações e as falhados organizações de direito internacional que não respeitam nem fazem respeitar a moral nem a razão, nem tão-pouco as normas jurídicas e da conduta social - a paz, a compreensão e o bom senso hão-de voltar a iluminar o Mundo, porque a justiça e o direito não podem desaparecer da face da Terra.
E termino, Sr. Presidente, com estas animadoras palavras de S. Ex.ª o Sr. Ministro da Justiça:
«É essencial que os órgãos judiciários julguem com brevidade a fim de, reparando a tempo e horas as violações de ordem jurídica, não criarem no espírito do público a descrença na acção dos tribunais, nem fomentarem as formas de justiça ou de vindicta privada que repugnam, à publicitação do direito processual».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre o emparcelamento da propriedade rústica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Abranches de Soveral.

O Sr. Abranches de Soveral: - Sr. Presidente: é a primeira vez que falo nesta Casa sob a presidência de V. Ex.ª
Ainda hesitei em saudar hoje V. Ex.ª, reservando-me para em outra oportunidade dizer a V. Ex.ª o que sinto - para que os outros, que não V. Ex.ª, que não esqueceu, certamente, o seu antigo aluno, não pudessem entender estes cumprimentos como devidos pelo protocolo -, o que não é verdade.
Desisti de o fazer, porém, para que não se desse no meu silêncio outro sentido ainda mais infundado.
Sr. Presidente: a personalidade de V. Ex.ª não carece de achegas alheias para se destacar; afirma-se por si própria. E, indubitavelmente, foi ela que impôs ao espírito de todos os parlamentares a unanimidade com que viram em V. Ex.ª a pessoa que podia, sem desdouro, manter a função que exerce no alto prestígio de que a deixou revestida o seu antecessor.
Na verdade, agora para V. Ex.ª acresce ao melindre e à delicadeza das funções sempre inerentes ao cargo o pesado ónus de suceder ao Sr. Conselheiro Albino dos Reis.
É que este soube exercê-lo com tal superioridade e com tamanho tacto e inteligência que tornou extraordinariamente difícil o sucedei-lhe.
A lúcida inteligência e a forte personalidade de V. Ex.ª permitiram-lhe sempre superai- as maiores dificuldades; e estou certo de que no desempenho deste cargo V. Ex.ª se haverá com aquele êxito e brilho que

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lhe são peculiares e a que já noa habituou no exercício dos numerosas funções que tem desempenhado.
Receba V. Ex.ª, Sr. Presidente, os muito sentidos votos do patrício apagado e do discípulo modesto.
Sr. Presidente: porque não surgiram divergências quanto à proposta em causa, a minha intervenção terá tão-somente a extensão indispensável para trazer a este alto areópago o sucinto depoimento de quem vive em contacto imediato com a pobre lavoura beira e tem a honra de representar aqui uma região que, pela sua pobreza, bem merece a designação de eminentemente, agrícola.
É cumulativamente farei a sucinta justificação do meu voto sobre o assunto em causa.
Vem o emparcelamento despertando um movimento de interesse que o seu conteúdo intrínseco não justifica nem a sua projecção no tempo e no espaço podem explicar; terá, por isso, que debitar-se esta ansiedade nacional às circunstâncias de ele tocar de perto o problema agrícola, que é o crucial neste ano de 1962, que todos desejamos que finde melhor do que começou.
Realmente, o emparcelamento só poderá interessar imediatamente ao número muito restrito de proprietários que tenham na limitada área em que ele incida várias glebas dispersas, e não aos demais proprietários; por outro lado, o ritmo necessariamente lento da sua realização no tempo e o âmbito necessariamente restrito da sua concretização no espaço convencem-me de que no próximo decénio ela não terá repurcursão sensível no conjunto nacional, porque não irá muito além de uma esperança ou de uma experiência.
Daqui será lícito concluir que de entre os múltiplos males de que enferma a nossa tão combalida e abandonada agricultura o emparcelamento só resolverá alguns mórbus crónicos e localizados, não podendo alcançar os problemas agudos, graves e imediatos que fazem perigar a agricultura nortenha.
Assim, e designadamente, não poderá ele obviar ao êxodo do trabalhador rural e ao desprezo manifesto e inegável que a mocidade vota ao labor, da terra (são numerosas as freguesias da Beira em que não há trabalhadores rurais com idade inferior a 40 anos), o que constitui já hoje o mais agudo problema da agricultura beira e que, excitada por técnicos inconscientes, só poderá ser combatido desde que o trabalhador agrícola seja efectivamente equiparado aos mais operários portugueses, sobretudo quanto ao abono de família - a mais apetecida e a mais legítima das regalias.
Por igual escapa à benéfica acção do emparcelamento o drama candente da remuneração miserável por que são pagos os produtos agrícolas.
Com estes urgentíssimos problemas verifica-se uma circunstância bem elucidativa, que seria risível se não fosse dramática, qual é a da alteração sistemática e tendenciosa do verdadeiro conteúdo da questão, de tal forma que tem-se conseguido iludir entidades responsáveis e que deviam estar melhor esclarecidas.
Assim é que, olhando aos preços elevados e por vezes proibitivos por que alguns produtos são postos a disposição do público, grita-se estentòriamente e glosa-se em vários tons o lugar comum da ineficácia da agricultura portuguesa em produzir barato.
Simplesmente, esquecem esses zelosos curadores do bem comum que a maior e melhor parte do tal custo é sugado pela perniciosa e patológica fauna dos intermediários insaciáveis e indevidamente estribados e amparados numa legislação anómala.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E a por com isto e em complemento disto as restrições, alcavalas, limitações e barreiras de toda a ordem, que isolam os principais centros consumidores do resto do País e nos fazem invejar com saudade as modestas e humanas portagens da Idade Média, aquela época a que alguns chamam «das trevas».

O Sr. Pinheiro da Silva: - Apoiado!

O Orador: -Não se confunda: o problema da carestia dos produtos agrícolas é puramente problema do intermediário. Quando no mais modesto restaurante se pagam entre 15$ e 25$ pelos 8 dl de uma garrafa de vinho, ou quando na mais modesta frutaria (que mais parecem joalharias) se pagam 5$ ou mais por um pêssego ou por uma maçã, supomos que já não haverá ingénuo que acredite que a terça parte sequer de tal preço redundou em proveito do felah que o produziu com o suor do seu rosto.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Não, em Portugal a carestia dos géneros agrícolas é mera. proliferação anómala do cancro do intermediário.

O Sr. André Navarro: - Apoiado!

O Orador: - Se houver coragem e força para o extirpar, o organismo agrícola recuperará a vitalidade necessária para maiores cometimentos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Senão ..., não se fale nele, porque mascara-lo ou deturpá-lo por forma a esbater em discreto segundo plano os parasitas da agricultura nacional é que não autorizaremos com o nosso silêncio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Alongámo-nos mais do que queríamos na simples enunciação dos dois problemas que reputamos mais instantes da nossa vida rural.
Muitos outros há que devem ser escalpelizados e diagnosticados na sua realidade crua; mas quer-nos parecer que não será no asfalto da cidade ou nos gabinetes de estudo que se poderá obter a verdade da vida agrícola.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quem se debruçar sobre a panorâmica da nossa agricultura nos últimos anos notará um chocante contraste entre a actividade febril e desbordante das numerosíssimas comissões, juntas, grémios, direcções-gerais, repartições, conselhos e mais organismos que se propõem descobrir a pedra filosofal que, como varinha de condão, resolva o drama da lavoura o a permanência, e até agravamento, das características mórbidas e marasmáticas da efectiva actividade agrícola.

O Sr. Pinheiro da Silva: - Apoiado!

O Orador: - Deste distanciamento, para não dizermos deste divórcio, só nos parece legítimo tirar uma conclusão: a de que os problemas não têm sido que aquacio-

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nados com verdade nem diagnosticados com exactidão e que, por isso, as soluções são artificiais e não se adaptam à realidade dos factos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Voltamos, por isso, a insistir: os problemas rurais portugueses têm de ser estudados no campo agrícola português.
Sabemos que é muito mais simples riscar na superfície lisa de um papel que na configuração áspera da natureza; mas só aqui é que se poderão descortinar soluções úteis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por outras palavras: a técnica há-de pôr-se ao serviço da agricultura portuguesa, humana e social; e não será esta a violentar-se às fantásticas teorias de certas técnicas importadas do estrangeiro.
Por outras palavras: menos gabinete e mais campo.
Já fomos muito mais longe do que queríamos uns nossas divagações; mas com elas quisemos lembrar aos responsáveis que o triunfo do emparcelamento não permite que se durma no êxito obtido. Há que prosseguir afanosamente na solução dos, múltiplos e mais instantes quadros do nosso drama agrícola.
Posto isto, revertamos à proposta.
Propõe-se ela alcançar, por tires vias diferentes, uma recomposição agrária a todos os títulos louvável e necessária: pela proibição de pulverização da propriedade rústica, regulamentada nos cinco primeiros artigos da redacção da Câmara Corporativa; pelo direito de preferência estatuído no artigo 6.º da mesma proposta, e pelo emparcelamento propriamente dito, regulamentado nos artigos 7.º e seguintes.
Embora aprove todo o projecto globalmente, e sem por forma alguma querer diminuir o emparcelamento, aplaudo com muito mais calor e muito mais entusiasmo as duas primeiras modalidades, por me parecerem mais universais, anais permanentes e, consequentemente, mais eficazes.
De tal sorte que há muito estranhávamos que a primeira estivesse tantos anos perdida num simples artigo encravado numa lei puramente fiscal, o que permitia que a seu respeito se pronunciassem, por vezes, certos fantasistas judiciários em interpretações ab-rogantes e negatórias da sua alta função social.
E não compreendíamos a razão porque a segunda via (o direito de preferência) nunca havia sido consagrada em lei.
Porque assim aplaudo sem reservas na generalidade, apenas sugerirei ligeiras alterações de pormenor que visam somente aumentar a eficácia das providências legislativas.
São elas, sistematicamente:
a) Quanto à proibição de pulverização da propriedade, não vemos vantagem em que se deixe em aberto a fixação da área mínima abaixo da qual o parcelamento é desaconselhável em absoluto.
Há muito que todo o País estava perfeitamente conformado com a limitação legal do meio hectare.
Com a nova disposição legal cria-se um estado de incerteza que julgamos absolutamente inútil e pernicioso.
Note-se bem que se trata de um mínimo absoluto, que em meu entender não deveria fazer-se coincidir com a unidade de cultura, a qual seria aquele mínimo relativo de economia útil, a variar consoante a- natureza do terreno e as regiões agrícolas.
Mas, quanto ao mínimo de pulverização, se acaso o fizerem variar em face do regime de cultura, formula-se um aberto convite à fraude; e se se faz variar consoante as regiões, cria-se um muro de lamentações que não tem a menor razão de ser.
Parece-me, por isso, que o mínimo de fraccionamento deve manter-se coma até aqui: meio hectare em todo o País.
De outra sorte poderia até perguntar-se: afinal, o minimifúndio é mau ou não é mau?
b) Quanto ao direito de preferência, estatuído no artigo 6.º do projecto, só temos de formular três reparos, todos tendentes a defender tal direito de possíveis chicanas e escapatórias e a tornar mais coerente e fácil o seu exercício.
Assim, no corpo do artigo 6.º proporemos o adicionamento da expressão «ou de qualquer fracção de tais direitos sobre», a intercalar entre as expressões «domínio útil» e «prédios rústicos»; com isto se evitará que a transmissão de um prédio possa escapar à acção deste preceito desde que a efectuem parceladamente.
Quanto ao n.º 5 do mesmo artigo 6.º, entendo que nenhuma razão há para que o exercício deste direito de preferência se efectue em regime e em prazo diferentes dos estatuídos nos Códigos Civil e de Processo Civil; ao invés, só vemos vantagem na uniformidade de processos.
Por outro lado, é minha opinião que o n.º 6 do artigo 6.º carece de duas alterações que o tornem mais conforme com o espírito que o ditou: a primeira é a introdução da expressão «acrescido de mais 25 por cento» entre as expressões «...do preço resultante da avaliação ...» e «salvo se a parte contrária ...»; com este acrescento toma-se mais harmónica a segunda parte do parágrafo com a sua primeira parte.
O outro acrescento efectuar-se-á no final de tal número e será em teor «... e não exceda em 50 por cento ò valor real do prédio; nesta última hipótese a preferência exercer-se-á pelo valor real, acrescido de 50 por cento».
c) Quanto ao emparcelamento propriamente dito só um reparo e uma afirmação.
O reparo é quanto ao texto dos n.ºs 1 e 2 do artigo 22.º do projecto, que me parece infeliz, perigoso e inútil.
Infeliz, porque a eficácia ou ineficácia de um contrato deve ser absoluta: não se entende bem que um acto seja ineficaz só para certa entidade e eficaz para as outras.
Perigosa, porque não estando marcado prazo para a ultimação dos anteprojectos e dos projectos podia esta norma tornar-se um instrumento de coacção e pressão indirecta sobre os proprietários, e desnecessária, porque o direito de preferência inteligentemente estabelecido no n.º 4 do artigo 12.º da proposta de lei obvia a todos os perigos, sem inconvenientes neste sentido.
Há uma faceta que tem sido ventilada a ponto de merecer do Governo a proposta de alteração do n.º 2 da base XXVI da Câmara Corporativa: a do emparcelamento voluntário ou possivelmente compulsivo.
Não vemos que o problema tenha em si próprio o menor mérito: sabido o restrito âmbito do emparcelamento - e confessando-se expressamente esperar-se «que nunca será necessário impor o emparcelamento» (sic) - não vemos razão de alarme.
Se nesta proposta, ou em qualquer outra proposta, se considerasse a coercividade meio indispensável para a sua efectivação prática, não hesitaríamos em votá-la.

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Mas desde que, no caso presente, não se admite sequer a hipótese da sua utilização prática, acho do maior inconveniente que de ânimo leve se vibre um tão grave golpe no direito de propriedade.
Eu sou bota-de-elástico; continuo a crer no direito de propriedade ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... e nunca apoiarei qualquer disposição que lhe mine a solidez, a não ser un estrita medida em que se torne absolutamente indispensável em prol do comum.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas legislar contra o direito de propriedade como exemplo acho que seria exemplo deplorável.

Por outro lado, tem o Governo na sua mão o instituto da expropriação por utilidade pública pura solver qualquer nódulo inconveniente.
Pelas razões que ficam sumariadas, não aceito sequer a discussão da excrescência.
Vou terminar com um apelo ao Sr. Secretário da Agricultura.
Que S. Ex.ª vá analisar os problemas na sua fonte, ali, em face dos horizontes rasgados do campo, sem se deixar influenciar por teorias, utópicas ou por ambientes artificiais e confinados, nem sempre saturados do verdadeiro interesse nacional.
Na hora grave que vivemos impõem-se decisões audazes e remédios heróicos.
Quando os interesses nacionais estão tão ameaçados é crime contrapor-lhes outros interesses.
Que S. Ex.ª consiga gravar no ulcerado sector em que superintende, e até em todo o Ministério de que faz parte, estas verdades, que deviam estar sempre presentes no espírito de quem governa:
Um homem vale sempre mais que uma máquina;
Uma coisa é o humanitarismo cristão, que vê em cada homem a realidade viva do filho de Deus, e coisa diametralmente oposta é o chamado humanismo laico, que em nome de uma humanidade abstracta se sente no direito de escravizar os homens.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É preciso gravar bem fundo que a doutrina cristã não é nem pode ser uma postiça flor de retórica, porque só pode ser e só tem de ser uma norma de vida.

Quem se debruça sobre a história das ideias certamente chegou a esta constatação aparentemente paradoxal: as ideias só vivem na precisa medida em que os homens se mostram dispostos- a morrer por elas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vou terminar. E para fechar com chave de ouro terei de pedir o ouro emprestado.
Será, neste caso, a Paul Bourget, que numa sua obra, salvo erro Le Demon du Midi, escreveu a seguinte frase, que suponho particularmente oportuna:
Il faut vivre corame on pense, sinon tôt ou tard on fini pour pensei- comine ou a vêcut.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi. muito cumprimentado.

O Sr. Serras Pereira: -Sr. Presidente: quando logicamente se procura uma explicação que envolva n mando do nosso acontecer colectivo convém analisar as circunstâncias e estudar o comportamento do homem perante elas.
Partindo deste pressuposto, as circunstâncias em que V. Ex.ª, Sr. Presidente, tem exercido o poder são aquelas que decorrem de uma, política que é a vigente e se confunde essencialmente com o que marca ou caracteriza a Pátria Portuguesa.
Definidora por si mesma de princípios, a doutrina política determina a sua aplicação prática.
Os homens que a defendem e a aplicam terão de possuir necessariamente espírito de fidelidade e de coerência.
O comportamento de V. Ex.ª traduz-se na fidelidade, na coerência moral de estai- comprometido com os princípios e na sua disciplina, livremente aceite. Este comportamento é para mim, Sr. Presidente, a qualidade que mais sobressai no Doutor Mário de Figueiredo.
A inteligência rara com que é dotado é o suporte do seu comportamento, como é também pela inteligência que V. Ex.ª é virilmente cumpridor dos princípios que defende.
O exercício que V. Ex.ª faz do Poder está subordinado àquela escala de valores que, tendo Deus como origem do Poder, dá ao homem, contudo, a liberdade de o exercer, responsabilizando-o por isso mesmo do bom ou mau uso que dele fizer.
Este conceito cristão do Poder, que informa todo o nosso acontecer colectivo, a atitude do homem frente às circunstâncias dá-nos a consoladora certeza de que o exercício do Poder entre nós responde àquele apelo dramático de Romano Guardini - que o Poder se exerça com ascese.
Srs. Deputados: a Câmara é um órgão político, é mesmo o órgão político por excelência. Os homens que a compõem são todos portugueses, e por essa razão têm todos, necessariamente, um mesmo princípio - a defesa dos mais altos interesses nacionais.
A colaboração e o espírito de servir, que nos é comum, é condição bastante para que a Câmara seja o órgão que só saberá salvaguardar os interesses nacionais.
Sr. Presidente: o País vive horas de extrema gravidade.
Luminosamente o Sr. Presidente do Conselho apontou as directivas. Há que cumprir, e não apenas cumprir, mas tornar-se cada vez mais forte a unidade nacional.
É nosso dever sagrado honrar e respeitar os mortos e principalmente aqueles que deram a vida em defesa da Pátria. Mas honrar os mortos e exaltar os heróis obriga-nos a um imperativo de acção. Viver é acção. Dando mais bem-estar, procurando soluções mais dignas, olhando o próximo na plena dignidade da sua condição.
E este viver está aí.
Nunca o País trabalhou tanto, nunca se estudou com mais critério. Os problemas são presentes com realismo. Procura-se a sua melhor solução. Anunciam-se grandes reformas e executam-se tarefas ingentes.
Medidas tidas como utópicas surgem como realidades intransferíveis, seja, por exemplo, o mercado único português e o problema da sua integração regional. Diploma que, segundo cremos, marca um momento histórico, que poderá ser decisivo. Os grandes interesses de Portugal em África ou de Portugal na Europa são vistos e tratados com a vontade das grandes ocasiões.

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E, a par de tudo isto, o País vive um estilo novo; sentem-se os sinais pronuncindores de uma nova era.
Não há apenas movimentos emocionais, tão caros nos demagogos, mas acção, realismo, espírito crítico, sentido construtivo, linguagem nova.
Aqui reside a nossa máxima esperança - a vitalidade e a mocidade de novas soluções, de métodos diferentes, sem, todavia, se esquecer ou abafar o carácter nacional.
Sr. Presidente: a proposta de lei do emparcelamento da propriedade rústica enquadra-se perfeitamente no que acabei de dizer.
A leitura demorada e reflectida da proposta, tanto do parecer como do articulado, dá imediatamente uma noção de equilíbrio e de harmonia, não se ignorando os princípios em que assenta a organização política nem se situando numa atitude fora das realidades do condicionalismo econóinico-social.
Sr. Presidente: consiste o emparcelamento, conforme a base viu da proposta, numa operação de recomposição predial em vista a uma valorização dos terrenos concentrados e terá por base uma operação colectiva de trocas, tendo como objectivo um melhor ordenamento das propriedades.
É evidente, por um lado, que esta operação de trocas não poderá ser feita sem atender ao mais razoável critério, qualidade de terreno, classe de cultura e de rendimentos. Vê-se, por outro, que o emparcelamento terá de obedecer a um critério económico, tanto no que diz respeito a localização, como à criação de novos centros de lavoura.
Assim, dar-se-á a possibilidade de surgirem unidades agrícolas de dimensões óptimas, diferentes, é certo, de zona para zona do País, e dando origem, consequentemente, à unidade de cultura prevista na base I. Mas mais do que isso, o emparcelamento pretende também, sem prejuízo do objectivo de concentração de propriedade, «o reagrupamento de parcelas que, pertencendo embora a diversos proprietários, sejam exploradas em conjunto», conforme o § 7.º da base viu, e que virá certamente a constituir base nova.
Este modo de encarar ainda o emparcelamento dá uma latitude enorme à proposta e consentirá, temos disso a certeza, um movimento entusiasta e realista dos proprietários.
Conheço pelo menos dois casos, em zonas diferentes do País, em que o emparcelamento à base de cultura se está, fazendo com resultados satisfatórios. E no Nordeste ribatejano, zona intermédia entre Alentejo, Beira Baixa e Ribatejo, está-se desenrolando um prometedor movimento associativo de base cooperativa, tendo por centro Abrantes. Citando a minha terra e região, não só dou a conhecer um bom exemplo, como é de justiça referir-me aqui àqueles homens bons da brigada agrícola, incansáveis obreiros do bem comum, que pela demonstração experimental têm despertado entusiasmo, esclarecido as inteligências, criado as condições essenciais à voluntariedade de associação. Tão-pouco os bons lavradores se afastaram em atitude céptica. Eles deram também a sua experiência, o seu entusiasmo, entusiasmo. Srs. Deputados, que é milagre existir ainda nos homens da terra. Creio que a minha região, onde a qualidade dos frutos é excelente e a iniciativa existe, exuberantemente demonstrada nas múltiplas actividades industriais de base agrícola e outras, se poderia dar início a uma planificação da região, englobando não só todas actividades económicas, como aquelas que, pela oportunidade de mercados e pela qualidade dos seus produtos, permitissem a viabilidade de instalações.
As cautelas e a prudência da proposta podem pôr-se em evidência nas bases 12.ª e 17.ª, uma autorizando o Estado a promover a constituição de uma reserva de terras no interior do perímetro a emparcelar, outra obrigando a constituição de tribunais arbitrais com competência exclusiva para julgar em definitivo os recursos interpostos das decisões proferidas pelas comissões locais de recomposição predial.
Apraz-me aqui salientar o papel a desempenhar pela Junta de Colonização Interna na elaboração dos estudos, principalmente com os objectivos seguintes:

a) Conhecimento do ambiente económico-social e vantagens que poderão resultar do emparcelamento;
b) Área da zona a emparcelar;
c) Custo do plano;
d) Estudo económico com os elementos atrás colhidos;
e) Conhecimento do ambiente moral e psicológico das populações e novas condições de vida que poderão desfazer esse ambiente.

A Junta de Colonização Interna é o organismo técnico encarregado de proceder às operações de emparcelamento.
Não lhe falta a competência profissional resultante de uma comprovada capacidade técnica, como creio existir também fidelidade aos princípios doutrinários.
O sentido humanista do seu ilustre presidente parece ser segura garantia de um magnífico escol debruçado angustiadàmente sobre os problemas humanos e generosamente posto ao serviço de uma acção inadiável.
Sem embargo da prestação de serviços que competem à Junta de Colonização Interna, devo, não obstante o desenvolvimento de atribuições que se lhe conferem, salientar que a acção da Junta se deverá caracterizar, em grande parte, na capacidade de persuasão, no espírito largo de servir, no proselitismo criador. Muitas vezes o triunfo que se obtém é mais resultado da crença que se desperta, do entusiasmo que se faz nascer, do que a explicação fria e numérica.
A existência desse espirito, dessa capacidade de persuasão, parece ser o elemento de natureza psicológica de mais valor, que de modo algum deverá ser relegado ou esquecido.
Sr. Presidente: tocarei agora um ponto que reputo essencial, que é á obrigatoriedade do emparcelamento, mas terei, para alicerçar a minha opinião, de debruçar-me, ainda que rapidamente, sobre a panorâmica político-económica dos nossos dias.
Socorrer-me-ei de uma autoridade que, pela vastidão dos conceitos, a soma de cultura revelada ultrapassa, para mim, o ser-se economista. Gunnar Myrdal, a que me estou a referir, é para mim um humanista de formação económica.
O Mundo está perante um fenómeno singular de desenvolvimento económico. É um facto. Verifica-se, além disso, que socialmente as conquistas vão possibilitando neste domínio os mais íntimos e legítimos desejos.
Escolha livre de profissão, instrução universal, toda a gama de seguros sociais, maior poder de compra e de rendimentos.
Os resultados obtidos geram-se numa economia dinâmica e politicamente no seio individual de cada país. Quer dizer: foi através da integração económica que se alcançaram todos aqueles bens.

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E Myrdal define lapidarmente a integração económica como a realização do velho sonho ocidental de igualdade de possibilidades. Esta igualdade de possibilidades foi consequência da eliminação progressiva dos obstáculos tradicionais à mobilidade social do indivíduo.
As medidas adoptadas em vista á eliminação progressiva dos obstáculos da mobilidade social são aquelas que organizaram a economia em novos moldes, podendo-se salientar a organização do mercado.
Nasceu assim uma economia organizada, que, por sua vez, impôs a necessidade de uma organização de consumidores. Os preços passaram a ser cada vez menos livres, para constituírem fenómenos objectivos conduzidos por acções políticas. Se pensarmos na evolução sofrida pela complexidade da Administração, num crescente de atribuições, verificamos que a fatalidade dos fenómenos sociais, económicos e políticos vai dando consequentemente mais latos poderes ao Estado.
A intromissão do Estudo nos sistemas eficazes de rendimentos, na cobertura pública dos despesas, quer de instrução, quer das necessidades sociais, no desenvolvimento económico, leva-nos a atribuir no Estado as funções de Estado-providência.
E qual o fundamento moral do Estado-providência?
É o princípio da solidariedade.
O princípio da solidariedade social tem o seu fundamento na dignificação da pessoa humana.
Não vale a pena aqui considerar as implicações morais e jurídicas do crescimento gigantesco dos poderes do Estado. Mas o desenvolvimento das instituições públicas, semipúblicas e particulares, as medidas de carácter económico e fiscal, os seguros sociais, etc., são todos dirigidos num processo político que tem o consentimento voluntário na generalidade.
Não obstante o que acabei de dizer, quero referir-me ainda à encíclica Mater et Magistra, somente naqueles aspectos em que se salienta, com todo o realismo, a «socialização de bens» e os princípios de solidariedade social, em nome da justiça e da equidade, sem atropelo da personalidade ou do legítimo direito da propriedade.
Posto isto, voltarei ao chamado emparcelamento coercivo.
A introdução de mais um parágrafo na base 26.ª, que por si só já estabelece os fundamentos do emparcelamento quando se verifique uma maioria de proprietários e de rendimento colectável, só me parece de aceitar, desde que se esgotem as atribuições conferidas na base 26.ª e quando se trate dos mais fecundos interesses a alcançar. Nestas circunstâncias, não se trata, efectivamente, de emparcelamento coercivo, mas de medidas benéficas de interesse colectivo, que, a serem usadas, o deverão ser apenas em casos extremos.
Sr. Presidente: a proposta de lei que o Governo sujeita neste momento à Assembleia Nacional para que seja aprovada está eivada dos mais salutares princípios de reforma de estrutura agrária, pretendendo obter com este instrumento jurídico a melhoria social e económica das populações rurais.
Não atribuir ao Estado as possibilidades de desempenhar as funções mais consentâneas ao planeamento regional é prejudicar radicalmente uma situação de facto, que é a trágica posição da agricultura, e liquidar o magnífico espírito de servir dos elementos que compõem a Junta de Colonização Interna.
Quando as realidades económicas e sociais do nosso meio agrícola são o que são e no dizer do Prof. Castro Caldas cê uma crise de adaptação aos mercados, de
ajustamento quantitativo e qualitativo de oferta e de procura, de bens da agricultura, da indústria e dos serviços; é uma crise de adaptação técnica, de revisão de rotinas e de vulgarização de preceitos científicos; é ainda uma crise de adaptação de estruturas, de modernização do equipamento, de dimensionamento de empresa, de garantia de direitos e de crescente imposição de deveres sociais; é, finalmente, uma crise de adaptação demográfica, de arranjo da orgânica social, de aperfeiçoamento dos quadros profissionais, de migração humana e de reforma de mentalidades», é imperioso dar os remédios salvadores.
Tenho a reforma das mentalidades como um dos objectivos primordiais a atingir. Por isso atribuí à acção psicológica da Junta de Colonização Interna um papel, de primeiro plano.
É preciso não esquecer, meus senhores, que a integração económica de que Myrdal fala, em conceitos carregados de valor, se tem obtido através da voluntariedade. A voluntariedade resulta da demonstração insofismável dos benefícios a alcançar. O emparcelamento não é mais nem menos do que um dos meios jurídicos destinados à dignificação do homem. O emparcelamento terá primeiramente de demonstrar exuberantemente que é fautor de benefícios. É preciso que o nosso lavrador, tão iludido e desconfiado, acredite que o reagrupamento das propriedades é um bem tão fecundo como a água que mata a sede aos animais e às plantas. A partir deste momento a obrigatoriedade será imposta pelo resultado das circunstâncias, pela necessidade de melhores e mais belos frutos.
A proposta de lei que está em discussão na generalidade, e a que dou o meu acordo, tem o sabor daquele espírito novo e linguagem nova que o País reclama e exige e corresponde àquele desejo tão digno de Oliveira Martins expresso na proposta de lei do fomento rural e emigração.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: vou terminar. Não posso, porém, fazê-lo sem citar Oliveira Martins, por duas razões: a primeira, render homenagem ao seu alto espírito e à sua magnífica tentativa de resolução do problema do emparcelamento; a segunda, porque palavras mais belas não encontrei, como imperativo da hora presente, do que estas:

O terceiro caminho é o da firmeza. Energia para combater, lucidez para compreender, força para resistir, conformidade para sofrer: são estas as lajes que pavimentam a estrada da redenção dos povos.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Carneiro: - Sr. Presidente: parecem-me indiscutíveis as vantagens para a agricultura emergentes das medidas preconizadas no diploma legal que é objecto do presente debate.
No douto parecer da Câmara Corporativa, de que foi relator o actual e ilustre Secretário de Estado da Agricultura, de cujo talento, pujante de brilho e de mocidade, muito há a esperar, foram acentuadas com o merecido relevo esses benefícios, sob o aspecto técnico, fis-

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(...) cal, jurídico e social, aos quais se referiram também do alto desta tribuna as vozes cultas e autorizadas de ilustres Deputados.
Porque aceito o asserto de Massilon de que o tempo é o melhor dom da Providência, não me deterei na sua apreciação. Quero frisar apenas alguns aspectos que se me afiguram de importância primacial sob o ponto de vista político.
Deverá o emparcelamento ser voluntário ou coercivo?
Liminarmente, voto pelo emparcelamento voluntário.
Se optarmos por um emparcelamento coercivo, poderemos, involuntariamente, introduzir na lei o germe da sua* própria ruína ou, pelo menos, deixar a porta aberta a perniciosos atritos.
A nossa gente, designadamente a gente das Beiras e do Norte, esta presa à sua terra, àquelas leiras, por vezes, de exíguas dimensões, mas a que a liga não só o amor antigo com que a amanha, mas também as tradições de família mantidas na linha da sucessão.
A ideia inicial de que, queira ou não queira, pode ser privada da sua terra, que é repositório de recordações, de suores, de canseiras, de alegrias e de desilusões, despertar-lhe-á uma reacção psicológica que bem pode frustrar ou enfraquecer os objectivos visados pelo diploma em projecto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Além disso, conjugando o emparcelamento coercivo com a faculdade, consignada no projecto de lei em debate, de o Estado poder adquirir terras a fim de facilitar a recomposição agrária, poderemos ser levados a admitir que, em certos casos, alguns proprietários sejam desapossados das suas parcelas rústicas sem que, em troca, adquiram outras equivalentes. Para tanto, bastava que, no exercício daquela faculdade, o Estado pudesse lançar mão do recurso à expropriação.
Ora, para que o diploma legal submetido, em projecto, a aprovação desta Câmara seja rodeado dos cuidados imprescindíveis à sua ampla eficiência, para que a sua execução não suscite movimentos de antipática reacção por parte das classe rurais e preencha, em toda a plenitude, os fins sociais que justamente ambiciona, torna-se necessário, a meu ver, que nem se decrete o emparcelamento coercivo, nem, para o mesmo fim, o Estado recorra à expropriação.
Sr. Presidente: embora devamos reputar o presente diploma como pórtico de uma almejada reorganização agrícola, não podemos, neste momento, ficar só por aqui.
É premente rever quanto antes a política económica concernente à actividade dos intermediários na colocação dos produtos agrícolas, os quais, em certos sectores constituem uma autêntica praga que é necessário debelar ou extinguir.
Já aqui foram referidas, pela voz dos dois distintos Deputados Marques Fernandes e Alberto de Meireles, as anomalias que ocorrem no comércio da batata e dos vinhos engarrafados.
Anomalias de igual monta surgem no comércio dos vinhos do Porto e até no comércio dos vinhos não engarrafados, cujo preço de consumo nos nossos restaurantes, em relação ao preço de venda no produtor, sofre aumentos de mais de 100 por cento.
Essa diferença intolerável não beneficia o produtor, sobrecarrega o consumidor e apenas a um aproveita: ao intermediário.
O produtor, que amanha a terra ou prepara as cepas, que compra as sementes, que imobiliza capitais nas despesas de exploração, que durante meses se afadiga em canseiras e preocupações, que corre os riscos das condições climáticas, percebe um preço não compensatório; o consumidor paga um preço exageradamente elevado e o intermediário, cuja participação no ciclo económico do produto é a mais reduzida, é quem se locupleta com a mais grossa maquia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora isto é injusto e imoral, e injustiças e imoralidades não se devem deixar subsistir por muito tempo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E da máxima conveniência incrementar a constituição de cooperativas de produtores.
Em França o movimento cooperativo atingiu já um desenvolvimento digno de registo, quer no respeitante à transformação, venda e conservação dos produtos, quer no tocante aos produtos que se destinam u exploração.
Em França existem hoje 1120 adegas de cooperativas vinícolas, 890 de cereais, 139 de panificação, 600 de frutos e legumes, 2830 de produtos pecuários e 9000 cooperativas de utilização de máquinas.
Considerando as diferenças de extensão territorial, temos de convir que p nosso movimento cooperativo é menos que embrionário.
Urge também enfrentar o problema social das classes rurais no concernente à previdência e assistência.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O trabalhador rural é o escravo da terra.
O seu horário de trabalho vai de sol a sol e, quantas vezes, prolonga-se pela noite fora, fazendo do campo a cama em que dorme e do céu estrelado as mantas com que se cobre.
Não tem assistência médica, não tem reforma, não tem seguro, não tem subsídio na doença nem na invalidez, não tem abono de família.
Trabalha e labuta enquanto as forças o acompanham, e, quando estas faltam, ele, que foi leão da terra, torna-se um inválido, pedindo uma esmola... A população activa agrícola, que é quase metade da população do País, apresenta uma enorme percentagem de assalariados, que, se no Minho atinge um mínimo de 36 por cento, no Alto Alentejo ascende ao máximo de 89 por cento.
Consta de estatísticas que a Bélgica tem apenas 14 por cento de assalariados agrícolas, a Irlanda, 17 por cento, a Áustria 20 por cento e a Suíça 26 por cento.
Em Portugal os assalariados rurais, que atingem um número redondo de 850 000, se não forem devidamente acautelados por medidas de protecção legal, ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... olham tristes e desesperançados para os horizontes sombrios do seu futuro, sujeitando-se às caprichosas flutuações da oferta e da procura do seu trabalho.

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Daqui ouso fazer um apelo confiante a S. Ex.ª o Sr. Ministro das Corporações, alma dinâmica, entusiástica, inteiramente consagrada à realização dos mais alevantados ideais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Do seu alto saber, da sua impoluta probidade moral, da sua persistência indefectível, já bem demonstrada num curto mas eficiente período do seu Governo, os trabalhadores rurais ansiosamente esperam a hora em que se lhes faça justiça como obreiros incansáveis da grandeza nacional.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: muito me ocorreria dizer sobre o problema em causa.
Verifico, porém, terem os oradores que me precederam focado já facetas múltiplas da complexa matéria, que ocioso seria agora repetir. No sentido de evitá-lo, limito-me, para descargo da minha consciência, a considerar breve aquilo que julgo traduzir uma linha geral de orientação que tem o meu pleno acordo.
1.º Que a resolução deste problema há que operar-se com bom senso e paciência, o que não significa sonolentamente e sem dinâmico propósito; deverá até constituir como que um apostolado para os seus promotores, mormente os da Junta de Colonização Interna.
2.º Que este problema cumpre ser encarado tão-só como um dos aspectos, e, embora apreciável, não dos mais prementes, para fazer despertar do seu estado entorpecido e atrasado a nossa agricultura. E que assim deva ser o Governo indirectamente o reconhece através das várias propostas em curso subsequente de serem submetidas à apreciação è voto desta Assembleia.
3.º Mas para além de tais propostas de largo se impõe anteprojectar-se um ordenamento agrário - mesmo arranjos, regionais- abrangendo, além dos aspectos rurais, os de instalações industriais, tudo com as suas implicações demográficas, de comunicações, hidráulicas, etc., que não podem depender apenas da Secretaria de Estado da Agricultura, sequer do Ministério da Economia, mas terão de ser integrados coordenadamente através de vários compartimentos da administração pública. Assim o sublinharam vários dos oradores que me precederam e de que ma ocorre lembrar os Srs. André Navarro, Azevedo Coutinho, Armando Perdigão e Nunes Mexia.
E, precisamente a propósito destes Srs. Deputados, tão acertadamente intervenientes nesta matéria, não posso deixar de sentir que aqui não estejam presentes a acompanhar-nos com as suas luzes alguns Srs. Deputados que foram da anterior legislatura, e que por razões pessoais, muito respeitáveis embora, não voltaram a fazer parte desta.
Sobre as matérias agrárias em curso de discussão tenho particularmente em lembrança o Sr. Eng.º Agrónomo Camilo de Mendonça, como técnico e economista, os Drs. Carlos Lima e José Saraiva, como juristas, e este último ainda historiador das nossas instituições, sem esquecer o bom senso de lavrador do Sr. Melo Machado.
Sr. Presidente: o sentido genérico de- tudo o mencionado tem a minha concordância; como a minha concordância têm, nas suas linhas gerais, os fundamentos e minuciosos pareceres da Câmara Corporativa, quer o de 1952, sobre o projecto de lei Sá Carneiro, sabiamente relatado pelo Prof. Galvão Teles, quer o relativo à presente proposta de lei, que alargou o âmbito inicial daquele projecto, não menos sabiamente relatado pelo Sr. Dr. Pereira de Campos, hoje ilustre Secretário de Estado da Agricultura, trabalhos estes onde muito há que aprender.

Igualmente suo de recordar os minuciosos relatórios do II Plano de Fomento, plano de cuja vigência precisamente resultou a necessidade instante da aprovação desta proposta de lei, para que possa efectivar-se o emparcelamento dos 6000 ha previstos para esse efeito até ao termo da sua execução.
Não resta dúvida de que o estado de pulverização a que a propriedade rústica chegou em grandes zonas do Pais ao norte do Tejo pedem medidas, primeiro, no sentido de evitar irem as coisas mais longe e, segundo, no de promover um reagrupamento concentrador das glebas com melhores dimensões e localização para se explorarem.
A necessidade do emparcelamento vem de há muito reclamada: são os projectos de Oliveira Martins, de Elvino de Brito, de Ezequiel de Campos. Proclamou-a, com a sua autoridade de saber e bom senso, já em 1902 no seu Portugal Económico, e antes na Terra, Anselmo de Andrade. E inculcava ele até a necessidade de se realizar, quando preciso, coactivamente. É certo que nessa época tal directriz não revestia os perigos de exploração política que hoje cumpre esquivar se enxertem demagogicamente em medidas destas.
Constituem contributo já valioso para demarrage das realizações em vista os inquéritos preliminares e os relatórios sobre observações feitas in loco por técnicos em países a braços também com tais problemas, em particular em França, e sobretudo na Espanha, que nos é paralela tanto em longitude como em latitude norte. E são sobremaneira prometedoras as tentativas levadas a efeito, ou em curso de realização voluntária, como convenientes exemplos a seguir os operados pela Junta de Colonização Interna, hoje sob a direcção prestigiosa do Sr. Eng.º Vasco Leónides.
A estas sondagens experimentais, a dos Estorãos, a de Vila Pouca, se referiu já o Sr. Deputado Virgulo Cruz.
Este campo já de factos, e não apenas de concepções, do muito que através de valiosas autoridades sociais se pode obter, não quero deixar de ilustrá-lo aqui através do que em 1930 conseguiu, no seu meio rural da Maia, o benemérito apóstolo da lavoura que foi o Dr. Domingos de Azevedo, e cujo nome nesse apostolado não pode localmente ser dissociado do de seu primo padre Agostinho de Azevedo.
Na freguesia de Guilhabreu existia uma área denominada «Agra de Vila Boa», com 6 ha e dividida em 82 prédios, pertencentes a 10 proprietários, m esses de que só 2 se aproximavam dos 4000 m2, oscilando os restantes entre as áreas de 200 m2 e 1500 m9.
Pois o Dr. Azevedo, com uma paciência ... de lavrador, lá foi convencendo pouco a pouco os proprietários das vantagens de operação de conjunção das glebas e, apesar das sabidas relutâncias ancestrais, conseguiu obter essa vitória psicossocial, como hoje soe dizer-se, transformando-se os 82 prédios em 11 - só mais um que o número de proprietários - com áreas entre 3500 m2 e 11 000 m2.
Uma última observação: este moroso e eficiente trabalho suasório encontra-se, no entanto, ainda intitulado por dificuldades de encargos fiscais; e na Fazenda lá

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(...) continuam a figurar uns 8O artigos da matriz, onde há mais de 30 anos as realidades prediais se configuram com fisionomia inteiramente diversa.
Tudo isto é proveitosa lição que não pode deixar-nos indiferentes, pelo que à Junta respeita, quanto ao valor do recurso indispensável ao que ainda resta localmente do prestígio das designadas autoridades sociais, e, pelo que nos respeita em termos de aprovar este projecto, quanto à importância das facilidades e isenções fiscais nele postuladas.
Trazido à colação este ilustrativo episódio, reatemos a narração.
Entre, os trabalhos preparatórios da operação a empreender não devemos esquecer valiosos trabalhos oficiais, como foram os inquéritos a que presidiu e, afinal, relatou o Prof. Lima Bastos e nos quais se palpa influência útil da benemérita Science Sociale da escola de Le Play. E com isso folgamos, porque, até certo ponto, nos vacina contra o exagerado alarme que nos houvera de causar a falta de alusão a pressupostos históricos, que se nota. genericamente nos trabalhos oficiais a que nos vimos referindo e a que adiante aludiremos mais de espaço.
Nem mesmo os sábios pareceres referidos da Câmara Corporativa, escapam inteiramente a esta notada falta; pois, embora refiram e concretizem antecedentes históricos, apenas se reportam aos quadros jurídicos dos textos legais, sem os integrar suficientemente nos meios sociais vivos que eram chamados a tutelar.
Sr. Presidente: toda esta matéria de relatórios, inquéritos e pareceres me inculcam reflexões de ordem geral, que me levariam naturalmente muito para além do curto tempo que quero destinar em particular à apreciação das bases do projecto. Gomo outros diplomas estão em vista, ligados à reorganização não lhe chamo reforma de ampla matéria agrária, me reservarei formulá-las oportunamente. Essas minhas razões a expender são como que uma generalidade das generalidades atinentes a cada um dos diplomas prometidos. Sempre estarão assim em bom tempo de produzir-se.
Todavia, por agora, quanto ao projecto do emparcelamento, não posso deixar de focar dessas minhas razões as seguintes:
A primeira. - Gozar toda a lei civil, por princípio constitucional, cuja discussão está aqui fora da nossa competência, normalmente do princípio do generalidade. Terá assim de aplicar-se, unta vez vigente, em todo o território metropolitano. O facto de este diploma em proposta ser talhado para as zonas de propriedade parcelada, predominante no Centro e Norte, que o reclamam, não quer dizer que não implique, na letra genérica de certas das suas disposições, com zonas de propriedade latifundiária, do Sul.
Determina-nos esta ocorrência a apresentar uma proposta de emenda ao n.º 3 da base i, com o fim de não se aplicar praticamente ao Sul - onde há a encarar antes o parcelamento - que possíveis grandes - áreas se não possam parcelar. Na especialidade tratarei da matéria.
Quando se discutir o arrendamento rústico, hemos de verificar também, que embora a urgência de tal diploma haja sido circunstancialmente determinada, como é notório, em vista ao Sul do País, a incidência dos respectivos preceitos não seja indiferente ao Norte; isto não nos pode passar inadvertido, isto deve obrigar-nos como legisladores previdentes a uma acautelada revisão.
A segunda. - Respeita à ausência de atenção quanto aos factores históricos informadores das instituições relativas à propriedade em geral e, em particular, à propriedade que se procura emparcelar total ou parcialmente. Parece-me grave pecado por omissão, capaz de ser remido, como todos os pecados, na efectivação da lei a votar, através dos regulamentos, e orientação aplicada pelos funcionários da Junta de Colonização a quem os respectivos trabalhos hajam de ser cometidos.
Em trabalhos tendentes à reorganização de propriedade fala-se de muita economia, predominantemente abstracta, matemática e estatística, e do muito do que hoje se chama social, sem se aludir, sequer por lembrança, aos das Memórias económicas, às venerandas figuras de Herculano, de Alberto Sampaio, de Gama Sarros. Eis aquilo que, passados 30 anos sobre o prélio nacional contra o puro racionalismo batalhado pelos da minha geração, que quase se nos antolha incrível. Se a própria linha doutrinária do radicalismo social máximo que é o comunismo é baseada sobre dados de evolução histórica, sagazmente analisados pelos seus fundadores, Marx e Engels - o materialismo histórico. E se é ainda sob o epíteto de os ventos da história que actualmente essa grande heterodoxia política nos pretende subverter nacionalmente! Como omitir-se o factor histórico na solução de um problema destes?
Esperamos que o mal seja corrigido ao processar-se o trabalho no campo.
Como dissemos, a lição dos inquéritos, segundo a Science Sociale, de que a Junta não se alheia, anima-nos a confiar em que tal se verifique. . Ocorre-nos, a propósito, lembrar um cavaco ameno que tivemos com o Dr. Pequito Rebelo, velho camarada de colégio, sobre assuntos relativos às lavouras comparadas do Norte e do Sul, e em que se apreciavam precisamente as dimensões prediais respectivas. Depois de se considerar que as unidades agrícolas não podiam dimensionar-se só como superfícies em minimifúndios, chegámos a observar tiras que são praticamente só comprimento, reduzido, por vezes, agrològicamente, a pontos - e que havia de dimensioná-las também pela sua profundidade, isto é, como volume, acordámos, finalmente, haver uma quarta dimensão do agro que é a água. Ora, perante a apontada omissão do factor histórico, nos referidos trabalhos, tal qual como só se dá pelo valor da saúde quando ela falta, aqui ocorre a necessidade de verificar uma quinta dimensão no fenómeno agrológico, embora invisível e imponderável, existencial e inexorável como as outras - o tempo concatenado na História. Prescindir de considerá-lo no passado na obra que se projecta para o futuro é esterilizar o seu desenvolvimento.
Estas minhas observações não as faço como crítica paralisante à obra a empreender, mas como reserva de que nos regulamentos, despachos, medidas a tomar, não se perca de vista tão importante factor, o tempo, o informador fecundo da paisagem humana que nos cumpre laborar. Estamos certos que se tomarão providências no sentido de que, a par dos elementos geográficos, económicos, estatísticos e outros a considerar nas operações de emparcelamento, se não omitirão os de natureza histórico-tradicional da terra, estratificados naturalmente no subconsciente dos seus habitantes, e que lhe imprimem um particular sentimento jurídico. E, assim, o especialista alemão nesta matéria Dr. Gerhard Olschowy, na

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(...) sua obra publicada em 1959, que se traduz Tratamento da Paisagem, e Emparcelamento, diz, a propósito, a p. 14:

Entre os primeiros trabalhos do inquérito a fazer, cumpre o da história da estrutura agrária da região.

Em Portugal a história regional da propriedade, é certo, está por fazer de forma orgânica e sistemática, embora se disponha de valiosíssimos elementos documentais para ser levada a efeito. Gomo ponto de partida temos as inquirições medievais, que lançam preciosa luz descritiva primordial sobre amplas zonas.
Há que completar a sua publicação, suspensa praticamente depois de Herculano - só um volume dos Portugaliae Monumenta, se editou após a sua morte. Para os subsequentes séculos temos os tombos dos mosteiros, das ordens militares, de particulares, como a Casa de Bragança, que fornecem preciosos subsídios para o empreendimento. Assim temos os três momentos essenciais da história da propriedade enforquilhados: a alta idade média, com a transição da servidão da' gleba para o colonato livre, o subsequente período de consolidação que, com poucos retoques, subsistiu da pré-Renascença até ao Liberalismo, e este último sobretudo marcado, não nas espectaculares alternativas das constituições políticas, desde 1820, mas pelos efeitos sociais, das surdas medidas, de inocento aparência, mas reformadoras do que agora se chamam estruturas económico-sociais, que começaram por ser as leis de desamortização de Mouzinho da Silveira, mas, sobretudo, as devinculadoras de 1861-1863, completadas pela rasoira dos prazos de vida e reformados fateusins do Código Civil, acrescidas estas pelas das remições ulteriores. As consequências deste processo histórico em marcha que tanto contribuíram para fenómeno que se pretende corrigir estão ainda em curso. Estas medidas, de índole marcadamente sucessória, contribuíram mais que nenhuma outra circunstância para pôr o agro nacional sobre a mesa da anatomia.
Causas são elas em parte das deficiências, da rotina, da pecaminosa fraqueza económica de que os lavradores costumam ver-se arguidos, quão injustamente por vezes.
Como não atender-se mais recentemente também às consequências de se ter começado a organização corporativa pela agremiação mais fácil do comércio, em precedência sobre a da lavoura, mais difícil. Isto trouxe de entrada benefícios na conjuntura da guerra; mas, ainda por cima com o gravame de certos tabelamentos, grande enfraquecimento ao poder económico desse ramo da produção nacional, além de implicações de tendência monopolista, difíceis de corrigir.
Compreendemos que os indispensáveis trabalhos históricos preparatórios carecem fazer-se através de equipas idoneamente preparadas. Mas não serão competências altamente qualificadas para a orientação desses trabalhos historiadores económico-sociais como os Profs. Paulo Merêa, Torcato Soares, Braga da Cruz, Virgínia Baú, o Dr. Langhans?
É como no projecto, e muito bem, se preconiza a criação de unidades agrícolas-tipo, como pilotos locais a animar ao emparcelamento, porque não promover trabalhos de equipa de investigação histórica da propriedade, económico-sociais, jurídicos - relativos a certos concelhos em que para o efeito isso fosse mais fácil e útil - e que serviriam também como pilotos orientadores para a solução dos problemas do emparcelamento em concreto? Aí fica o alvitre.
Sr. Presidente: n propósito de unidades agrícolas quanto ao emparcelamento em vista, ocorre-me oportuna reflexão, relacionada com o Norte do País, e em particular com o Minho, que melhor conheço.
Vou referir-me à situação que cumpre não perder de vista da propriedade rural, que, por circunstâncias várias e mau grado as leis divisionistas, conseguiu resistir à fragmentação; quer indivisa nas mãos de tradicionais possuidores, como marcadamente nas terras da Maia, quer na, exploração por caseiros, como geralmente ocorre no interior do Minho.
Particularmente me ocuparei dela quando se tratar do arrendamento.

Embora constituídas essas unidades de exploração por parcelas diversas e muitas vezes não contíguas, não deixam de representar como que um organismo vivo, em que cada parcela contribui para a economia do todo, pois a sua descontinuidade foi determinada originariamente pela necessidade da distribuição dos terrenos de diversas aptidões em proveito do casal do empresário agrícola.
Neste campo é preciso que os emparceladores não operem segundo o dogma do primado da contiguidade - outras não são as razões de Nehru.
Recordemos Alberto Sampaio, que nas suas «Vilas» (Portugalia, i, p. 303) as definiu como subunidades culturais que nos vêm desde as vilas romanas, por desmembração, e que são por assim dizer a trama da estabilidade social perdurando através de todas as convulsões sociais.
Sobre a matéria formulou muito judiciosas e actuais considerações Basílio Teles, na Carestia da Vida dos Campos, quando contrapôs ao que havia de artificial na definição de prédios rústicos, sob o ponto de vista fiscal e civil, o que havia de realismo económico nessas unidades agrícolas como individualidades orgânicas que cumpria proteger. Como disse, a propósito' do arrendamento rústico me alargarei sobre a matéria, mas não podia deixar de aqui a ela aludir, já que aí se contém a justificação de um aditamento para proteger expressamente esses casais nos casos de alienação conjunta.
Sr. Presidente: outro aspecto essencial da proposta aprovanda, e que nos obriga a decidir em consciência, é o de poder ser ou não coercivo o emparcelamento.
Já se vê que mesmo segundo a fórmula proposta pela Câmara Corporativa o emparcelamento será sempre compulsivo para a minoria, de número e de valor, refractária. Portanto, terá sempre de haver aspectos de coerção.
Penso que neste campo a maioria deveria ser qualificada, e não me parece que a vigente em Espanha não fosse prudentemente de seguir, ou seja a de 3/5 = 60 por cento.
Em todo o caso, não será a minha repugnância visceral pelas simples maiorias democráticas [...] + 1 que me inibirá de votar segundo as indicações da Câmara Corporativa.
Ir mais longe por enquanto não posso concordar; e se aceito a lei da simples maioria no caso é não só porque ela além do número de proprietários envolve o valor das propriedades, mas, sobretudo, pelo seguinte:

a) Tornar indivisíveis quanto à transmissão as propriedades emparceladas, o que representa uma viragem quanto às consequências sucessórias previstas na mecânica do Código Civil;

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b) Pela contrapartida de altas vantagens de investimentos económicos, de facilidades fiscais, etc., que o novo arranjo ficará a dever ao Estado.

Tanto me basta, Sr. Presidente, para em consciência dar o meu voto à proposta sobre a Mesa e oferece-se-me a ocasião de entregar, para os devidos efeitos, como faço, a proposta de aditamentos a que retro aludi e me proponho sustentar na discussão da especialidade, proposta que passo a ler:
Leu.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continuará amanhã com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram, 19 horas e 20 minutos.

Sr s. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Antão Santos da Cunha.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco José Lopes Roseira.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Luís Vaz Nunes.
José dos Santos Bessa.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
D. Maria Irene Leite da Gosta.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR, Luiz de Avillez.

Proposta de alteração enviada para a Mesa no decorrer da sessão:

Proposta de alteração

Tenho a honra de propor que o artigo 6.º da proposta da Câmara Corporativa passe a ter a seguinte redacção:

1. Nos casos de transmissão por venda particular ou judicial, adjudicação em processo de execução, doação em pagamento ou aforamento a proprietário não confinante, da propriedade ou do domínio útil ou de qualquer fracção destes direitos sobre prédios rústicos, encravados ou não, com área inferior à unidade de cultura, os proprietários de terrenos confinantes gozam do direito de preferência.
....................
5. Este direito de preferência deverá exercer-se nos prazos e pela forma estipulada na lei civil para para os demais direitos de preferência.

6. Sem prejuízo da alegação da simulação de valor, sempre que o preço declarado no contrato por que se haja operado a transmissão exceda em 25 por cento o valor venal que for apurado em avaliação judicial requerida na acção de preferência, tem o preferente o direito de obter a adjudicação do terreno mediante o depósito do preço resultante da avaliação acrescido de 25 por cento, salvo se a parte contrária demonstrar que o preço declarado é verdadeiro; neste caso a preferência exercer-se-á pelo valor da avaliação acrescido de 50 por cento.

Lisboa, 17 de Janeiro de 1962. - O Deputado, António Barbosa Abranches de Soveral.

Proposta de alteração

Tenho a honra de propor que o artigo 22.º da proposta da Câmara Corporativa passe a ter a seguinte redacção:

Artigo 22.º

1. Iniciada a elaboração do anteprojecto, incumbe aos outorgantes dos actos ou contratos pelos quais se transfira a propriedade de terrenos sujeitos ao emparcelamento dar deles notícia pormenorizada à Junta de Colonização Interna, para poder ser exercido o direito de preferência reconhecido no n.º 4 do artigo 12.º

Suprimidos os outros números do artigo.

Lisboa, 17 de Janeiro de 1962. - O Deputado, António Barbosa Abranches de Soveral.

Proposta de aditamento e alteração

Proponho os seguintes aditamentos e alteração ao articulado dos artigos em discussão sobre emparcelamento da propriedade rústica:

1.º Ao n.º 3 do artigo 1.º acrescentar: «desde que estas não atinjam a área de 5 ha».
2.º Acrestar no artigo 7.º um n.º 7, com a seguinte redacção:

7. Q disposto no n.º 1 não é aplicável quando aquela propriedade ou domínio útil seja alienada como parte de um conjunto de prédios, constituindo uma unidade agrícola e como tal explorado.

3.º No n.º 1 do artigo 8.º substituir a palavra «possível» por «aconselhável».

Sala das Sessões, 17 de Janeiro de 1962. - O Deputado, Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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