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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 50
ANO DE 1962 21 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 50, EM 20 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os nos. 46 e 47 do Diário das Sessões. Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente informou haverem sido recebidos na Mesa, para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 100.º da Constituição, os n.ºs 57 e 58 do Diário do Governo, 1.º série, que inserem diversos decretos-leis.
Foi recebido na Mesa o relatório o declaração de conformidade do Tribunal de Contas sobre a Conta Gerai do Estado e as contas das províncias ultramarinas respeitantes a 1960, que foram distribuídas pelos Srs. Deputados.
Usaram da palavras os Srs. Deputados Alexandra Lobato, sobre problemas ultramarinos; Burity da Silva, igualmente sobre assuntos de interesse para o ultramar; Ernesto de Lacerda, para agradecer ao Governo as providências tomadas para acudir aos sinistrados da incêndio de Figueira dos Vinhos, o Nunes Fernandes, que pediu a criação do uma escola, técnica em Lamego.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade das propostas de lei relativas ao Estatuto da Saúdo e Assistência e reforma da previdência social, que constituem a primeira parte da ordem do dia.
Em segunda parte da ordem do dia figura a discussão na generalidade das Contas Gerais do Estado relativas ao ano de 1960 e as das províncias ultramarinas.
Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis e José Pires da Costa quanto à primeira parte e Alberto de Araújo e Manuel João Correia quanto à segunda.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 19 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas.
Fez-te a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abrantes de Soveral.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
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António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Egberto Rodrigues Pedro.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Mendes Pires da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Luís Lê Cocq Albuquerque Azevedo Coutinho.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Burros.
O Sr. Presidente: -Estão presentes 106 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão em reclamação os n.ºs 46 e 47 do Diário das Sessões, correspondentes, respectivamente, às sessões de 15 e 16 de Março.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, considero os referidos números do Diário aprovados.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Do presidente da Câmara Municipal da Chamusca a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Amaral Neto relativa a construção da ponte sobre o Tejo.
Do presidente da Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha no mesmo sentido.
Do provedor da Santa Casa da Misericórdia de Bragança a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Augusto Machado acerca da construção do hospital regional de Bragança.
Do presidente da Junta de Freguesia de Bragança no mesmo sentido.
De António Ávila a apoiar as intervenções dos Srs. Deputados Santos da Cunha e Nunes Barata sobre problemas de ensino.
O Sr. Presidente: - Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.ºs 57 e 58 do Diário do Governo, 1.ª série, de 14 e 15 de Março corrente, que inserem os seguintes decretos-leis: n.º 44 235, que estabelece novo regime para a cobrança do imposto sobre consumos supérfluos ou de luxo e revoga o Decreto-Lei n.º 43 764; n.º 44 236, que autoriza o Governo, pelo Ministro da Educação Nacional, a aceitar uma quantia para fundo de manutenção da Cantina Escolar D. Maria de Sousa Pereira, anexa às escolas de Sanfins do Torno, concelho de Lousada, e n.º 44 237, que cria na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência um centro mecano-
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gráfico, integrado no serviço de estados estatísticos e actuariais, e altera o quadro do pessoal contratado a que se refere o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 40 100.
Está na Mesa o relatório e declaração de conformidade do Tribunal de Contas sobre a Conta Geral do Estado e as contas das províncias ultramarinas referentes ao ano económico de 1960.
Vai ser distribuído pelos Srs. Deputados.
Peço aos Srs. Deputados o favor de restringirem, na medida do possível, as intervenções de antes da ordem do dia, porque o tempo de que dispomos é pouco para concluir a discussão e votação dos diplomas em debate e das contas públicas. Digo restringi-las em si mesmas e circunscrevendo-as ao mínimo do tempo regimental de que dispõem para poderem faze-las.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Lobato.
O Sr. Alexandre Lobato: - Sr. Presidente: falo hoje novamente com a velha linguagem ultramarina da verdade que tem aqui informado a temática dos nossos problemas.
Começarei por dizer que o eleitorado ultramarino teria preferido que os seus Deputados se tivessem ocupado de projectos de lei muito concretos acerca de
problemas muito prementes que afectam o ultramar.
Todavia, observadores do ambiente metropolitano, reconhecem os Deputados ultramarinos a necessidade de uma dialéctica discursiva preambular, em ordem ao conveniente esclarecimento dos problemas, para que a Câmara os sinta e sofra, e, consequentemente, a metrópole os pense e constitua uma retaguarda sólida da frente de combate no ultramar.
Não nos pareceu construtiva uma diferente atitude inicial, embora o Regimento disponha, no artigo 50.º, que «o Deputado que pretender versar assunto importante de administração pública, discutir a orientação dada a qualquer negócio do Estado ou sugerir ao Governo a conveniência de legislar sobre determinadas aspirações ou necessidades pedirá a palavra mediante aviso prévio, indicando por escrito à Presidência o assunto de que deseja ocupar-se, resumindo os fundamentos da sua discordância, quando a haja, e articulando ou sumariando as proposições que vai formular».
Poderíamos ter feito isto com grande aparato, para, nos termos do n.º 2.º do artigo 17.º do Regimento, «vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo ou da Administração». Mas nós temos a obrigação moral de respeitar as condições cautelares que estão constitucionalmente estabelecidas no esquema de competências em matéria de legislação para o ultramar, embora consideremos que o sistema está já ou está em vias de ser ultrapassado, porque na Câmara Corporativa ainda não estão directamente representados os vários interesses das províncias, nelas próprias existentes e radicados, e o Conselho Ultramarino também não comporta, como é necessário, uma ampla representação das províncias, que já existiu embrionária no antigo Conselho Colonial.
Tudo isto nos parece muito importante, por estar estabelecido no artigo 149.º da Constituição que as províncias se regem, em regra, por legislação especial emanada dos órgãos legislativos com sede na metrópole ou, relativamente a cada uma delas, dos órgãos legislativos provinciais.
Ora, já Deputados do ultramar aqui afirmaram que os órgãos legislativos provinciais carecem de urgente revisão reajustadora. Também nos parece que o sistema legislativo ultramarino dos órgãos metropolitanos carece de igual revisão em ordem a uma mais descentralizada coordenação funcional com os órgãos ultramarinos.
Tudo afinal problemas de base, que não são simples nem fáceis, tanto mais que são urgentes, e se embrecham numa certa medida de experiência e de sondagem que o Governo está a efectuar num mar largo de dificuldades.
Não estamos num período estável de legislação básica ultramarina, e estamos mesmo, ao que suponho, no início de uma grande viragem, que, a meu ver, não há-de ofender as Tinhas de rumo da vida do conjunto nacional, mas há-de dar-lhes mais actualizada expansão. Tudo isto exclui a coerência de aplicação do artigo 50.º do Regimento a uma conjuntura de excepção, a não ser por necessidade excepcional.
Se não estamos em normalidade, como é evidente, pelos acontecimentos, seria também injusto pressupor que o Governo não estará disposto a cumprir o seu dever de acudir aos problemas nacionais no ultramar, pelo que, portanto, se lhe deve uma atitude de compreensiva expectativa e confiança, tanto mais que não está criada também a necessidade excepcional que a posteriori obrigaria à aplicação do artigo 50.º do Regimento para se discutirem os actos do Governo quanto ao ultramar, com a intenção do pedir de responsabilidades a que aludiu o Sr. Deputado Fernando Frade.
A Constituição não dá, aliás, grande margem aos Deputados para iniciativas de legislação ultramarina, e eu aplaudo que as responsabilidades graves, as dificuldades imensas e os melindres agudos de tão vasta e complexa matéria não estejam sujeitos ao arbítrio, porventura generoso, mas sempre arbítrio, de uma atitude em que o emocional supere a reflexão. Não seria o caso desta Câmara, mas a lei tem obrigação de se, alhear das pessoas.
Por outro lado, já defendi u ampliação do critério de execução que está a ser aplicado aos princípios constitucionais de descentralização ultramarina. Não me parece, pois, que utilizar a faculdade do artigo 50.º do Regimento nesta encruzilhada de ideias, factos e circunstâncias seja servir o ultramar, sobretudo se examinarmos o artigo 150.º da Constituição pelo prisma das perturbações da hora actual.
É certo que todo o artigo 150.º já hoje nos não satisfaz inteiramente, porque falta intercalar agora no sistema a eficaz e válida audiência do próprio ultramar, por uma qualquer forma que convenha e realize aquilo a que genericamente chamei o diálogo.
Todavia, tal como existe, o actual sistema ainda constitui em teoria uma sólida e viva garantia de defesa de que o ultramar dispõe.
Pelo que me parece acertado dizer que a Constituição possui, quanto ao ultramar, o poder de permitir a continuada inovação e evolução do sistema dentro do melhor espírito da unidade nacional. Descentralização e unidade são, portanto, compatíveis, concordantes e convergentes. Não me parece ser outra a lição a tirar do tratamento especial, privilegiado e cauteloso, que está no espírito ultramarino da Constituição.
Sendo, pois, muito limitada a competência legal para a Câmara intervir, de sua própria iniciativa, na feitura das leis pura o ultramar, o que aprovo por agora, pois só legisla por proposta do Ministro do Ultramar, e portanto do Governo, e sendo tão ampla que é quase total a competência do Governo e do Ministro do Ultramar que dominam as matérias e os interesses de âmbito nacional e comuns à metrópole e a uma ou mais
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províncias, o que defendo se faça sempre com ampla audiência prévia do ultramar, parece acertado que lia conjura anormal do momento nos limitemos ao exame doutrinário da problemática ultramarina, sem recurso ao Regimento para exame de factos que são do domínio público. Espero que a Câmara, e especialmente o Governo, vejam nesta atitude ultramarina a expressão de uma colaboração dada com a mais nobre das intenções.
O problema de que passo a ocupar-me é um problema-chave do nosso futuro em Moçambique e grande problema nacional, pelas implicações que oferece, de política, sociologia ou economia. Trata-se de certos aspectos da evolução económica da província em conexão com a sua evolução social.
Quanto às origens, formas e evolução da vida económico-social da província, tenho pena de não poder apresentar alguns flagrantes tão singularmente humanos do nosso diálogo naquele pedaço de mundo, onde foram sempre equilibradas, poderosas e coexistentes as influências portuguesas, indianas, árabes e negras, de tal forma que foi preciso actuar com sentido muito prudente e realista no complexo tão rico de formas e variantes para conseguir impor a todas sem violências, aliás impossíveis, a forma portuguesa com seus valores morais.
As intervenções portuguesas foram sempre justas, para punir incursões, socorrer povos aliados e protegidos, obrigar à libertação dos caminhos, perseguir a escravatura quando chegou a vez de acabar com ela.
O comportamento português revelou-se vantajoso a todos os povos de Moçambique e firmou-se como acção constante e tenaz pela paz social, com a intenção de se radicarem, pela coexistência, normais condições de vida para toda a gente.
A soberania portuguesa impôs-se à consciência dos povos de Moçambique, não pela força simbólica das nossas poucas armas, mas por ser a única portadora do princípio da coexistência dos grandes grupos, das pequenas tribos, das várias religiões.
Para isso teve a acção portuguesa de acomodar-se e mostrar com factos que os seus princípios espirituais, e portanto humanos, eram realmente superiores. Só a isso devemos a aceitação que tivemos, a autêntica procura que se verificou da nossa amizade e a busca intencional que tantos povos fizeram da nossa protecção como única fonte de justiça contra os seus agravos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Foi uma autodeterminação consciente e contínua durante séculos, de tão plena validade quanto é indiscutível que, assentando a expansão nos antigos conceitos internacionais de descoberta, soberania, domínio, senhorio, protecção e privilégio, factores na ordem externa, nunca, para a soberania interna, os governos de Lisboa, Goa ou Moçambique consideraram nacionais senão os territórios obtidos segundo os processos reconhecidos pelo direito internacional, conforme a ordem moral cristã que se defendia e o inventou.
Teve isto a maior importância na formação de Moçambique, e explica muita coisa. Explica sobretudo por que se respeitaram os usos, costumes e tradições dos povos, as suas organizações políticas, sociais e económicas, e nem sequer a vida económica, incidência primordial da planificação colonialista, mudou de rumo para se tornar colonialista, porque continuou como era.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A nossa África Oriental era impenetrável, e quase só havia a estrada do Zambeze. Só eram possíveis o comércio, a caça, a agricultura rudimentar de subsistência e a mineração rudimentar do ouro. A introdução da agricultura de exportação de matérias-primas só apareceu, praticamente, no 2.º terço do século XIX, e no litoral zambeziano, depois, da independência do Brasil, com as primeiras empresas que se apoiaram nos prazos.
Foi só a partir da aplicação à ocupação do interior da África dos princípios de Berlim, estabelecidos para o litoral em 1885, que se materializou a mudança de rumo a que fomos forçados pela grande competição internacional em África.
Tivemos de aceitar, depois de 1890, fronteiras políticas que substituíram fronteiras de convívio, e, atacados pelas costas em Moçambique, em execução de um velho plano do século XVII, que fizéramos falhar cinco vezes, malograram-se muitos dos nossos direitos de convivência africana e criaram-se-nos problemas de vizinhança que não existiam.
Tudo isto nos obrigou, naturalmente, a uma política de mais acelerada pressão de acção de convívio com alguns povos que não estavam suficientemente preparados para isso, poros que ainda apreciariam continuar mais tempo a seu modo africano e nos quais era lenta e suave a nossa influência, dado o velho e verdadeiro princípio de que a integração nacional se fecunda lentamente na consciência dos povos que se autodeterminem nesse sentido, com a irreversibilidade das decisões humanas.
E volto ao problema da autodeterminação para afirmar a irreversibilidade histórica das conscientes decisões de vida comum construídas por convívio secular com o mais largo respeito pelo espírito do nativo, que assim é livre de permanecer nas suas formas de vida. Obedece a isto a conservação das estruturas sociais regionais.
A garantia deste princípio e a sua aceitação foram, durante séculos, uma forma superior e bilateral de genuína autodeterminação, por assentar na própria vida vivida e por viver.
A garantia de integração e a sua aceitação foram também, durante séculos, outra idêntica forma de autodeterminação igualmente válida. Numa ou noutra o espírito africano permaneceu sempre, ou como forma própria de viver, ou como atitude perante o Mundo e a vida. Pelo que me parece inexacto que a integração exija que o africano se veja e sinta como europeu, porque apenas se lhe oferece que seja africano na plenitude dos seus direitos e deveres de homem.
A atitude de comportamento perante o Mundo e a vida, concebida segundo os esquemas lógicos universais, em ordem a estruturas psíquicas africanas, é precisamente a essência integradora do homem africano, como africano, no universalismo português, que assim o enriquece e se enriquece de valores.
O nacionalismo português é um universalismo espiritual que tenta fazer do homem um cidadão do Mundo e mais nada.
Medularmente cristão, prega a igualdade de todos os homens, e não pode portanto admitir secessões no seu espírito de redenção humana, nem ainda que a liberdade moral do homem, depois de pregada e aceitte, seja sujeita a referendos
O profundo ressentimento goês pela grave ofensa que foi feita à sua superior liberdade portuguesa é lição eloquente. Mas o facto de a comunidade indiana de
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Moçambique desejar continuar a viver na província parece-me a mais bela resposta que o Mundo pode receber aos injustos agravos que nos f aã.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas voltemos ao cerne da questão, para dizer que a política portuguesa em África se limitou, instalada a soberania, a criar e oferecer, durante longos anos, condições de progresso mediante a construção de infra-estruturas sociais e económicas, com as redes de administração civil, comunicações, transportes, e de elementos básicos de outros serviços públicos indispensáveis, como os de saúde, missões e instrução.
Ao mesmo tempo que os povos eram enquadrados nestes condicionamentos da vida moderna, a Administração iniciou o processo de destribalização, com a individualização do imposto, e estabeleceu com isso o princípio do trabalho individual, remunerado e regulamentado, base de toda a vida social moderna.
Foi uma revolução profunda e pacífica, que se deve ao alto espírito de fazer e servir a Pátria dos homens que nos últimos vinte anos de Monarquia e nos primeiros quinze de República tão dignamente serviram o ultramar, cá e lá, e bem merecem, por isso, a gratidão de Portugal.
E oportuno dizer que ao nascer a República o ultramar foi a única trincheira onde monárquicos e republicanos se encontraram sempre, como foi o único sector onde a República continuou sem hesitações a acção nacional da Monarquia.
O ultramar será sempre o único factor comum de unidade política da família portuguesa, e não admira que nada se tivesse perdido da vigorosa pujança do realizar e idealizar que o Ultimato arrancou, de tal forma que a Constituição de 1911 pôde oferecer ao ultramar um esquema político-económico-social avançado e esperançoso, que só não frutificou por circunstâncias de total impossibilidade depois da Grande Guerra.
Mesmo assim, nunca se deixou de trabalhar pelo homem da nossa África, tendo-se habituado as populações à intervenção regrada da Administração no sentido de se lhes criarem hábitos de trabalho regular, para se garantirem rendimentos colectáveis pelo imposto pessoal e para se assegurar o trabalho indispensável às actividades lançadas à terra e oferecidas aos homens com risco de pequenos capitais em más condições de produtividade.
Esta a razão antiga de salários muitos baixos para poder vingar uma produção muito cara, dado o pequeno volume, a falta de créditos, o fraco rendimento, a dificuldade e o custo do escoamento.
Estas más condições das economias ultramarinas mantiveram-se longuíssimos anos, tornando-as estagnantes. Se é muito fácil dar agora as soluções teóricas, parece que foi impossível, na época, obter soluções praticas.
Todavia, foi Moçambique das províncias menos sacrificadas, porque, em virtude dos rendimentos da emigração e do trânsito, foi possível manter-lhe uma administração sã, que restituiu a província à total administração do Estado, acabando com os prazos, as companhias majestáticas e outras concessões.
Há, pois, que fazer justiça ao espírito do Acto Colonial, que conseguiu isto, pois visou essencialmente defender Angola e Moçambique do cerco económico-político estrangeiro, criar condições às economias ultramarinas com apoios na metropolitana, tomada para base de uma economia amplamente nacional, e promover o desenvolvimento social das populações neste enquadramento nacionalizante.
Não sei se já alguém disse que o 28 de Maio é uma revolução de origem e intenção ultramarinas, conduzida por homens de acção e espírito lusíada, homens com a exacta noção de posição e forma da única possível grandeza de Portugal.
Para mim, o Acto Colonial, promulgado como diploma de função constitucional ao cabo de quatro anos de ditadura, na luta contra factores de desorganização, luta que João Belo iniciara como Ministro, com outros homens do ultramar e de Moçambique, é a primeira grande viragem no sistema político português implantado em 1926.
Os homens que vieram para o 28 de Maio trazendo experiência moçambicana tinham vivido o malogro de um esquema generoso, mas ineficaz, por inadaptável às condições.
Continuavam rudes as populações e o mato por desbravar; o Estado, não dispunha de meios de acção social e administrava apenas um terço da província; era reduzido o número de europeus afectos à vida económica; não havia possibilidade de interessar os nativos na exploração da terra; faltavam elites.
Por isso o Ministro das Colónias dizia em 29 de Abril de 1930: «Mais que dificuldades de momento, há causas profundas na raiz das deficiências de ordem económica, financeira e política».
Perante as impossibilidades adoptara a ditadura a linha legislativa de João Belo nas bases orgânicas, politicamente regressiva, mas socialmente possibilitadora por uma total reestruturação da vida económica. E o Acto Colonial marcou o novo norte.
Era necessário, e eu, que lhe conheço as origens internas e externas, sei que serviu e cumpriu uma necessidade urgente. Mais uma vez volto a afirmar que temos problemas de progresso, precisamente porque progredimos em ordem a esses princípios estabelecidos para isso mesmo, de tal modo que alguns estão hoje ultrapassados e carecem de reajustamento e de modernidade e outros, permanecentes, aguardam novas formas de execução.
Com efeito, há muitos novos índices de progresso em Moçambique, e os mais importantes dizem respeito a expansões relativamente notáveis nas actividades privadas de tipo europeu e a uma ânsia saudavelmente crescente e incentivei de desenvolvimento económico-social das populações nativas.
Atingiram-se, portanto, no ultramar os objectivos essenciais estabelecidos em 1930.
Uma das formas essenciais de execução do arranque foi criar ou desenvolver actividades polarizantes que pudessem aglutinar grandes interesses, simultaneamente sociais e económicos, das populações.
A debilidade económica da província e a total impreparação das suas populações rurais para a agricultura de excedentes alimentares ou de matérias-primas para a indústria fez inventar um regime desejadamente provisório de concessionarismos especiais, intercalado apenas para a garantia de compra dos produtos ao cultivador, mediante garantia de fazer-se a cultura, a fim de, por sua vez, poder garantir-se o abastecimento da indústria, local ou metropolitana.
Não duvido da boa intenção com que foi planeado o esquema, que se revestiu de particular interesse no que respeita ao algodão.
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Estou certo da necessidade que Louve de se garantir ao cultivador a compra a preço fixo e a pronto, mas outro sistema mais livre e justo poderia ter sido lançado com melhores frutos. Porém, nada disto discuto.
O que profundamente lamento, para além de todas as críticas a desvios no sector algodoeiro, é que se não tivesse efectuado a sua prevista solução.
De facto, criámos uma actividade económica capaz de movimentar, só na cultura algodoeira em Moçambique, cerca de 2 000 000 de nativos, abrangendo umas 500 000 famílias, e não soubemos aproveitar a ideia para fazer uma obra.
O empreendimento foi lançado com toda a segurança, com todo o tentador aliciamento no capital, sem risco deste, e radicou-se, mas, prevista a revisão a prazo para adaptação a novos condicionamentos sociais e económicos, foi adiado esse passo indispensável, e, além de nem ao menos se terem elevado gradual e convenientemente os preços de venda ao concessionário, mais ajustados à elasticidade consentida pelos níveis dos vários custos, e dentro da necessidade social desejável para a gradual melhoria das economias familiares solicitadas por progressivos dispêndios em bens de consumo por via do progresso social geral da província, também se não processou, como fora prevista, a transformação da gestão, que continuou dirigida pelos concessionários, com crescente intervenção do Estado quanto crescente desinteresse das populações, e devia tornar-se autodirigida sob orientação técnica do Estado.
O Sr. Brilhante de Paiva: - Muito bem!
O Orador: - Esta história é longa e larga, mas não quero focar os problemas senão nos aspectos doutrinários, que são, entendo eu, os que devem ocupar o espírito construtivo da Câmara e a sua alta missão de servir o País e orientar o Governo.
Por isso, incapaz, por formação e carácter, de mentir a Moçambique ou à metrópole, ou trair qualquer mínimo valor material ou espiritual de Portugal, limito-me a afirmar à Câmara o meu amargo desgosto por tudo quanto tem acontecido, ou não tem acontecido, em torno do algodão em Angola e Moçambique.
Com efeito, é moralmente desolador que a força avassaladora dos protestos tenha obrigado a proibir-se terminantemente ao quadro administrativo do ultramar ter, a qualquer título, a mínima intervenção na cultura algodoeira, sob pena de sanção disciplinar.
De posse da informação, não precisa a Câmara de que eu lhe diga o que pode pensar do que era em geral, ou em especial (como queira), a acção de autoridades administrativas para convencerem os nativos a cultivar algodão, que não queriam cultivar porque as concessionárias lho não pagavam em termos de justa remuneração.
E não precisa, sabendo que, nos termos da Reforma Administrativa Ultramarina, que vigora há 30 anos, aquelas autoridades têm deveres tão importantes que são qualificáveis como autênticos missionários civis.
A Reforma Administrativa Ultramarina deu ao quadro administrativo uma qualidade moral que ao longo dos anos o clamor público foi negando, e o Governo acabou por confirmar a condenação.
Quantos justos funcionários sofreram na alma a ignomínia só devida aos pecadores, que foi impossível determinar, não sei; e quanto tempo há-de levar a restaurar o prestígio de uma classe onde há tanta gente digna, também não sei.
Só sei que o Governo se viu obrigado, para defender as populações, a proibir aos administrativos qualquer mínima intervenção. Tudo isto é triste. Mas honra a quem teve agora essa coragem tão elementar e tão nova. E honra a quem teve também a coragem de nos dizer a verdade nestas esperançosas palavras que cito:
O regime das zonas algodoeiras, estabelecido para o ultramar desde há longos anos, tem-se prestado a numerosas críticas, as quais, embora nem sempre justas, parecem revelar um quase generalizado desejo de encontrar novas fórmulas que melhor assegurem ao produtor e ao industrial a satisfação dos seus interesses legítimos e que repartam em bases equitativas os riscos da exploração. Sem embargos de reconhecer muitas das razões e fundamentos que estiveram na base da publicação do Decreto-Lei n.º 40 405, julga-se que a criação dos institutos do algodão e a vigência das disposições contidas no Decreto n.º 43 639, assim como as importantes consequências que decorrem da revogação do Estatuto dos Indígenas, obrigam naturalmente a rever o regime em vigor de modo a harmonizá-lo com as actuais condições sociais e económicas das respectivas províncias.
Harmonizar o regime algodoeiro com as actuais condições sociais e económicas de Moçambique é muito simples, e a forma de o fazer está luminosamente expressa na Constituição. Logo no artigo 7.º se prescreve «a liberdade de escolha de profissão ou género de trabalho, indústria ou comércio».
Pelo artigo 14.º compete ao Estado «favorecer a constituição de lares independentes e em condições de salubridade e a instituição do casal de família».
No que respeita à ordem económica e social, manda-se no artigo 29.º «realizar o máximo de produção e riqueza socialmente útil e estabelecer uma vida colectiva de que resultem poderio para o Estado e justiça entre os cidadãos», e ainda - o que constitui base de sentença com trânsito em julgado na opinião pública europeia ou nativa de Moçambique, que tão unanimemente reprova as concessionárias algodoeiras, e quer vê-las extintas pelo Governo- «defender a economia nacional das explorações agrícolas, industriais e comerciais de carácter parasitário ou incompatíveis com os interesses superiores da vida humana».
É ainda o mesmo artigo 31.º da Constituição que obriga o Governo a «impedir os lucros exagerados do capital, não permitindo que este se desvie da sua finalidade humana e cristã».
E, para realizar a defesa moral e económica dos desprotegidos contra os prepotentes que queiram sujeita-os desarmados à ditadura do capital, deve o Governo, nos termos do artigo 41.º, «promover e favorecer as instituições de solidariedade, previdência, cooperação e mutualidade».
Se percorrermos o título VII da Constituição, torna-se ainda mais premente a urgência de liberalizar a vida económica do ultramar em termos correntes. Mas como conciliar cora os factos a garantia do artigo 143.º, de propriedade e posse das culturas, se o nativo não tiver liberdade de venda e houver numa área um concessionário com uma fabriqueta que tenha o exclusivo da compra a baixo preço, para descer à degradante situação moral de parasita económico?
Poderíamos ir ainda mais longe, e o caso presta-se a especulações perigosas, porque, sendo proibidos os regimes pelos quais o Estado sei obrigue a fornecer
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trabalhadores nativos a quaisquer empresas de exploração económica (artigo 145.º), seria alarmante e angustioso o perigo de a honra de Portugal se ver de novo injustamente enxovalhada se irredutíveis inimigos externos concluíssem, dialécticamente, que obrigar o cultivador a ceder a sua produção agrícola a uma empresa que não corra o menor risco de exploração, porque apenas se obriga a comprar a baixo preço u produção garantida e exclusiva que lhe apareça, significaria fornecer trabalhadores a essa empresa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Peço ao Governo um momento de serena e esclarecida meditação para concluir, como há-de inevitavelmente concluir, pela urgentíssima necessidade de eliminar do circuito algodoeiro a actividade parasitária das concessionárias que já não servem para nada, ou só servem para pôr em risco a dignidade nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pode ser, e oxalá que todo o meu raciocínio esteja errado, mas tenho medo, porque o § 2.º do artigo 145.º diz que tombem são proibidos os regimes pelos quais os nativos' existentes em qualquer circunscrição territorial sejam obrigados a prestar trabalho às mesmas empresas por qualquer título.
Estas últimas palavras -«por qualquer título»-, que já vêm do velho Acto Colonial, tão excelente nas suas intenções, confesso que me perturbam, porque estão na Constituição, altivas e soberanas, como baluarte irredutível contra todos os sofismas da facúndia humana.
O problema da liberalização da vida económica ultramarina é também hoje um problema n.º l do futuro nacional.
Basta referir que, nos termos do artigo 153.º, s a organização económica do ultramar deve integrar-se na organização económica geral da Nação Portuguesa», o que de modo algum significa subordinar-se as exclusivas conveniências de alguns.
E evidente que a Constituição quer que as províncias sejam territórios desenvolvidos como outros quaisquer do Mundo e as suas populações beneficiem por inteiro de todas as suas possibilidades de riqueza, tanto assim que pelo artigo 159.º cos regimes económicos das províncias ultramarinas são estabelecidos em harmonia, com as necessidades do seu desenvolvimento e do bem-estar da sua população, com a justa reciprocidade entre elas e os países vizinhos e com os direitos e legítimas conveniências da Nação Portuguesa, de que são parte integrante».
Justo e certo, porque a Constituição, sempre límpida, manda respeitar primeiro as necessidades de desenvolvimento e do bem-estar da população de Moçambique. E este primado é tilo importante que o Governo chamou a si, pelo artigo 160.º, a obrigação de a assegurar (...) a conveniente posição dos interesses» em jogo.
Não faltam, pois, na Constituição as disposições imperativas que tornam indesejáveis as explorações económicas que lesem as populações, explorações que são parasitárias quando não são necessárias e custam o dinheiro dos que são obrigados a elas.
Nestes casos pode e deve o Estado instituir o cooperativismo, guiar as populações para autogestão dos interesses, instituir o crédito cooperativo, fundos cooperativos de estabilização de preços, fábricas cooperativas para elementares operações de preparação para a comercialização e criar nas cooperativas Casas do Povo com serviços sociais de ordem escolar, cultural, assistencial e providencial, custeados por elas.
Vive Moçambique uma hora aflita de receitas que não chegam para as despesas, e os números mostram que as receitas chamadas próprias da Fazenda são baixas.
O imposto é de um modo geral baixo, e na maior parte da província é baixíssimo, porque as populações não têm rendimentos colectáveis em termos. Por aqui se entrou no vicioso sistema socializante de pedir ao Estado que faça tudo, quando ele não tem por onde, nem a metrópole pode continuar a sangrar-se em dinheiro para o que podem e querem as populações fazer por si próprias, se lhes derem formas e meios e as ensinarem.
Liberte-se, pois, a vida económica, adoptem-se classificações internacionais, porque as classificações portuguesas não permitem a comercialização internacional, nem comparações de qualidades e preços, o que é injusto para o produtor; instituam-se bolsas de mercadorias, preços livres, acabem-se com preferências que não sejam intangivelmente nacionais na sua pureza, deixe-se ser livremente regrada a vida económica.
Não se julgue que Moçambique não está disposta a colaborar economicamente com a metrópole e a ajudá-la no espaço económico português, porque está, ou que dispensa o apoio económico da metrópole, porque não.
O problema é muito outro, é um problema de equidade, de posição e legitimidade de interesses e de bem-estar das populações, pela sua rápida ascensão social em função de robustas economias familiares.
Moçambique só pede que a ajudem com medidas de justiça económica, que são medidas fecundas de justiça social. Extingam-se, pois, regimes económicos ultrapassados, obsoletos e perigosos, e não se dê ouvidos ao terrorismo psicológico, que anda para aí a espalhar que vai faltar o algodão se faltar a comercialização concessionada.
Os argumentos absurdos não têm resposta, e seria negar a ciência económica. Aliás, também precisamos do algodão para fixar povoadores europeus. Mas ninguém acredite que p europeu esteja disposto a suportar em Moçambique o intolerável regime concessionário ou qualquer monopólio injusto.
Tem, portanto, a palavra o Governo, cara os efeitos do artigo 160.º da Constituição e mais legislação citada, por força do n.º 2.º da alínea c) do artigo 150.º Pelo que esperamos confiadamente, na humildade da nossa inquietação.
Para mais, Portugal não deve sujeitar-se a que a ganância de alguns possa levar as maldosas Libarias a vasculhar velharias subsistentes para tentarem enlameá-lo.
Bem basta o caso recente, de que saiu limpa a nossa honra, virtuosa a nossa lei, honesta a nossa vontade, não obstante as dificuldades com que lutamos para ser ainda mais digna a vida do nosso africano.
E permita-me, Sr. Presidente, que ao terminar me prevaleça do ensejo para traduzir a este respeito o sentir da Gamara e pedir respeitosamente a V. Ex.ª o favor de transmitir ao Governo a expressão do nosso júbilo e apreço pela reconfortante satisfação moral que o rela-
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tório da Organização Internacional do Trabalho deu a Portugal na inquirição a que ela procedeu no ultramar.
O Sr. Brilhante de Paiva: -Muito bem!
O Orador: - E porque é de justiça louvar o zelo dos que no ultramar respondem com o seu servir pela honra nacional, peço também, em nome da Câmara, que V. Ex.ª queira ser intérprete de idêntica expressão aos governos ultramarinos das províncias visadas. Porque tantos e tantos que sei que ali são dignos de Portugal - porque o fazem - merecem e precisam de uma palavra de conforto, que a bem da Nação lhes devemos.
Muito obrigado.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Burity da Silva: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: um ano decorreu após os acontecimentos que ensanguentaram a nossa província de Angola.
Não valerá a pena aqui reeditar as causas próximas e remotas que deram origem àqueles acontecimentos. Elas são sobejamente conhecidas e bem sabemos a finalidade que as determinou
Servir os objectivos neocolonialistas que há muito se processam por parte da alta plutocracia em conjunção paradoxal com a política de penetração determinada pela Rússia na sua diabólica finalidade de assentar suas bases operacionais no continente africano.
Bem sabemos não serem os interesses dos africanos que preocupam os autores dessa acção que se desenvolve em África sob o rótulo de promoção das gentes daquele continente aos benefícios do progresso e da civilização.
Há muito e desde sempre ficou demonstrado que o problema da comunidade portuguesa disseminada pelos cinco continentes, formando uma sociedade multirracial de padrão único no Mundo, de forma alguma se pode enquadrar nos aspectos que aparentemente determinaram os neonacionalismos africanos.
Na África Portuguesa não estão apenas em causa direitos históricos, que os altos interesses económicos das grandes nações fomentadoras do estado de guerra naquele continente procuram hoje destruir como se fosse possível sobrepor intrinsecamente aos valores humanos concepções artificiais de cobiça e de ganância que plutocratas e comunistas desencadearam encapotadamente sobre a nossa terra, arrastando para tão nefasta aventura turbas inconscientes à mistura com criminosos oportunistas que chefiam os bundos de terroristas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ali estão também os imperativos da nossa sobrevivência, cujo futuro temos de encarar à margem das solicitações que dão pelo aliciante rótulo dos chamados ventos históricos.
Sem deixarmos de debruçar-nos sobre o nosso tempo, não será difícil verificarmos a alternativa que nos oferecem os acontecimentos em que fomos envolvidos:
Ou uma fictícia independência, face à qual, e perante os múltiplos aspectos que caracterizam os neonacionalismos africanos, teríamos fatalmente o choque das
populações locais na sua diversidade étnica, cultural e social a digladiarem-se pela supremacia do poder;
Ou, admitindo ilogicamente a predominância apenas dos autóctones na condução dos novos rumos para que pretendem encaminhar a nossa África, relegando-se para planos secundários todo o resto das populações que ali vivem; que ali nasceram e os que ali se fixaram há séculos, o que seria absurdo, e então surgiriam naturalmente as rivalidades tribais, como a experiência dolorosamente já evidenciou em outros territórios de África.
Outra coisa não desejam os mentores de tais reacções, dado que a sua finalidade é justamente dividir para reinar. E quanto maior for o caos, a desordem e o desentendimento, melhor são servidos os seus inconfessáveis fins.
Seria o pretexto para a O. N. U. intervir com os seus sequazes, constituídos por indianos, tal como se passa nus nossas vizinhanças, e toda a heterogénea amálgama de aventureiros e criminosos, de famintos e carniceiros que os países comparsas dessa ridícula farsa, em que os principais actores, muito mal disfarçados, são os grandes blocos que a sustentam com os necessários meios e os restantes são as marionettes, os testas-de-ferro, aproveitariam exportar para as nossas terras.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ë esta a antevisão implícita do resultado das manobras que se tecem sobre o nosso ultramar e começaram por essa nossa heróica Angola.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a eloquência dos factos em si mesmos traduz melhor os fenómenos do que as conjecturas que se possam fazer acerca destes ou até os conclusões lógicas, evidentes, a que o raciocínio esclarecido conduz.
Fiz atrás a dedução, em face de tantos exemplos que em nosso redor decorrem, do panorama a que conduziria a subversão que as manobras plutocráticas e da terceira força internacional, o comunismo, tentam implantar no ultramar português.
O importante diário parisiense L'Aurore em artigo de fundo publicado ontem na capital francesa, intitulado «As chacinas de Angola», pergunta, em face dos factos apontados naquele editorial, e eu faço a mesma pergunta:
Que dirão agora os pontífices do Manhattan à luta de terroristas que se matam uns aos outros?
Publicado, embora, hoje na imprensa portuguesa, não deixa de ser oportuna, aditando as minhas conclusões anteriores, a reprodução, que nem carece de comentários - sim, é caso para dizer: sem comentários!-, do extracto daquele editorial.
E o seguinte o seu texto:
Recorda Henri Benazet que há um ano principiaram as actividades terroristas no Norte de Angola e prossegue: «A luta sangrenta opõe cada vez menos- os rebeldes aos portugueses. Actualmente, são os terroristas que se assassinam, com frenesi, uns aos outros».
Escreve o articulista que «a guerra está aberta entre dois partidos rebeldes» e refere-se ao comunicado distribuído em Léopoldville por Marcos Cassanga acusando o chefe da U. P. A., Holden Roberto, da chacina de 8000 angolanos.
Benazet pergunta quais são os motivos profundos da rotura entre o M. P. L. A. e a U. P. A. e responde: «Antes de mais, trata-se de um conflito pessoal entre os dois chefes, Mário de Andrade, presidente do M. P. L. A., amigo de Sekou Touré,
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o déspota da Guiné, e Holden Roberto, o ex-José Gilmore, animador da U. P. A., e familiar, por seu turno, de W. N'Krumah, o ditador do Ghana. Um trabalharia por couta dos soviéticos, o nutro por conta dos norte-americanos. Esta divergência é complicada, claro está, por rivalidades raciais. O M. P. L. A. recruta principalmente no Sul, em especial entre os bailundos. A U. P. A., sobretudo no Norte, entre os bacongos; o eterno conflito das tribos. Por isso, a insurreição, que já estrebuchava, transformou-se numa guerra de clãs, com fuzilamentos e enforcamentos, sem esquecer o suplício que consiste em serrar vivos os vencidos».
E Henri Benazet prossegue: «Pois bem, depois das revelações do M. P. L. A. que irão dizer os pontífices onusianos de Manhattan, tão prontos a condenar Portugal? Os dirigentes dos 97 países que ousaram censurar o Governo de Lisboa e incitá-lo a promover numerosas reformas em Angola ainda pensarão que é necessário substituir o regime de Salazar pelo de um Andrade ou de um Roberto? Assolado por combates fratricidas, o território entregue aos chefes de bando depressa cairia numa anarquia pior muda do que a do seu próximo vizinho, o Congo. Perante a derrota desta insurreição telecomandada de além-fronteiras, a O. N. U. deve, mantendo-se alheia, deixar que os portugueses acabem de estabelecer a ordem».
Depois de tudo isto, só me resta concluir: comentários para quê perante tão estranhos factos ?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: penso que nada remediarão as plangentes recriminações e lamentações sobre os desvios dos princípios informadores da missão portuguesa no ultramar, nem tão-pouco acerca dos erros passados que se filiam na natural condição humana e em factores determinantes e imprevisíveis de cada época.
O que sei e importa encarar de frente é que temos um somatório de problemas, todos a reclamar solução urgente, todos carecidos de altos investimentos.
Sei que somas elevadíssimas houve que investir na acção de defesa de Angola, do seu património e da integridade das suas populações.
Sei que a hora é de sacrifícios e de renúncia, de compreensão, de tolerância e de magnitude no pensamento e na acção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Largos foram os dispêndios financeiros e a movimentação de recursos humanos em acção militar empregados para restabelecer a ordem e defendei-as populações de todas as raças da onda de terrorismo que devastou o nosso Norte de Angola.
O dispositivo militar foi assim e necessariamente montado, cumprindo os heróicos soldados portugueses - pretos, brancos e mestiços - a sua patriótica missão pelas matas inóspitas do sertão, com determinação e coragem, assinaladas por feitos de bravura praticados por tropas de diversas raças, numa prova eloquente de exemplar unidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - À acção psicossocial do Exército constitui um nobre exemplo, que esperamos continue a colher bons frutos, traduzidos em medidas que através de obras sociais e educativas sejam o seu corolário magnífico.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Muito haverá que fazer naquela nossa província de além-mar.
Não devemos ignorar que a acção do terrorismo visava, sobretudo, destruir radicalmente todas as afinidades, até as de família, que vinculam a nossa sociedade ímpar na sua forma peculiar de relações humanas, não isentas naturalmente de lacunas que teremos de sanar com inflexível justiça social, plena e efectiva.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Precisamente como preconizou o Sr. Ministro do Ultramar, Prof. Doutor Adriano Moreira, ao principal desses deveres traduz-se em assegurar um teor de relações entre os vários grupos étnicos que possibilitem o funcionamento da nossa estrutura social, devendo todas as autoridades multiplicar os seus esforços no sentido de impedir que seja cometida uma só injustiça, ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... porque não pode em nenhuma circunstância pagar o justo pelo pecador.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se temos o dever de liquidar o terrorismo na província, é nosso dever correlativo proteger as populações a quem demos o quadro nacional que não tinham e que esperam da nossa parte a protecção a que têm direito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Temos de ser intransigentes com todos quantos tentem desrespeitar os princípios fundamentais da nossa ética de povo missionário».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ë com o Sr. Presidente do Conselho, Prof. Doutor Oliveira Salazar, um dos maiores estadistas deste século, a cuja acção a Pátria deve o seu ressurgimento do caos a que o lançara a demagogia tumultuaria, ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... a desordem nas ruas e o descrédito interno e externo, e Angola, muito particularmente, as providenciais medidas que detiveram as chacinas de pretos e brancos e mestiços que o terrorismo ali implantara na sua inicial e feroz investida, podemos afirmar sem rebuço:
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - a Parece inútil discutir se é possível uma sociedade plurirracial, pois que existe e nada demonstra mais cabalmente a possibilidade do que ser. Mas serão de discutir as formas de coexistência? Teoricamente, sim, mas como se trata já de factos e de situações esta-
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belecidas, a melhor luz a que pode examinar-se a questão é ver as consequências a que levaria a destruição daquelas».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: sei que a pasta do Ministério do Ultramar é sobraçada nesta hora das mais difíceis da nossa história, nesta encruzilhada do Mundo actual em que somos alvo das mais estranhas atenções, em que os nossos problemas se equacionam sob múltiplos aspectos para vencermos o tempo perdido, por um homem público de invulgares predicados de estadista, desempoeirado e moderno, ...
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... de uma capacidade de trabalho excepcional e de uma formação ultramarina atestada por vasta obra da especialidade: o Sr. Ministro Adriano Moreira, ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... em cuja operosa e persistente acção o ultramar e até a metrópole depositam as melhores esperanças.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sei que o Governo-Geral de Angola, cumulativamente com o seu mais alto comando militar, está confiado a um dos mais distintos oficiais do nosso Exército, diplomata e antigo Deputado nesta Câmara, o Sr. General Venâncio Deslandes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O pensamento do Sr. General Deslandes ficou bem definido no seu discurso de posse, em 17 de Junho do sino passado, ao assumir a mais alta e espinhosa magistratura de Angola na fase mais crítica da vida da província:
«Elevar o nível da população atrasada por todos os meios ao nosso alcance através de uma larga obra missionária, onde o professor, o médico, o apóstolo, o juiz, o representante da autoridade e outros colaborem estreitamente sem qualquer objectivo egoísta».
E, como meio de prosperidade e progresso social, «encarar como pedra de toque de toda a acção governativa o desenvolvimento da vida económica», dado que «não pode haver uma acção séria no campo social - que é o que fundamentalmente interessa - sem o contributo substancial da economia capitalista e a evolução e a articulação da economia de subsistência».
Muitos são os problemas de Angola a expor e a debater.
E, porque muitos são, e complexos, requerem variadas intervenções, a que não me pouparei, oportunamente, no cumprimento da missão que me cabe, com serenidade, objectividade e sem esquecer a actualidade deles em relação às medidas que a Administração vai tomando e que se encontrem em execução.
O Sr. Jacinto Medina: - Muito bem!
O Orador: - Nova batalha do futuro terá de ser vencida, qual a da plena execução das medidas legisladas, que sem dúvida requerem não só um enorme esforço financeiro como o concurso de valores do nosso país capazes de colaborarem em tão vasta acção.
O Sr. Jacinto Medina: - Muito bem!
O Orador: - Importará, para tanto, uma cooperação interministerial permitindo o concurso de todos em prol do desenvolvimento do ultramar por todos os meios possíveis, como comissões especiais de serviços técnicos, que encontrará, estou disso convencido, pelo que me tem sido dado auscultar nos diversos meios sociais, bastante acolhimento.
Não há desinteresse nos meios metropolitanos, como muitas vezes se propala.
Há, sim, necessidade cada vez mais imperiosa de estruturar a consciência ultramarina, criando possibilidades por todos os meios viáveis, sobretudo facilitando-se mais largo intercâmbio cultural e turístico entre a metrópole e as parcelas de além-mar, para que uma e outras estreitem cada vez mais os seus laços de solidariedade em escala dimensional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - À imprensa e à rádio cabem um papel importante de colaboração nesta nova jornada ecuménica, dando maior expansão e acompanhando mais estreitamente a vida ultramarina.
Temos esperanças de ver criadas nos órgãos da imprensa metropolitana, que tantos serviços presta à causa nacional, páginas regulares ocupando-se do ultramar, donde não faltará matéria a inserir.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eis a nossa batalha do futuro, de ordem, de trabalho e de paz, de que carecemos para realizarmos a grande tarefa do progresso que todos almejamos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não quero terminar sem aqui, nesta evocação do trágico período de um ano que passou, deixar uma palavra de justiça, uma palavra de homenagem, aos bravos portugueses de Angola, sem distinção de cores nem de raças ou posições, que nos deram o mais brilhante exemplo de fidelidade à Pátria que a história regista.
A despeito de todas as amarguras e provações que o terrorismo estrangeiro lhes tem causado, ninguém fugiu da terra portuguesa de Angola, ninguém desertou ou deixou de cumprir o seu dever.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Anónimos na sua modéstia, grandes no sen heroísmo, com os pés fincados à terra, bem merecem que sobre o seu comportamento meditem uni pouco os insatisfeitos que de um gabinete confortável tudo criticam e malsinam.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O único caminho que a todos os portugueses dignos deste nome cumpre seguir é o da incondicional unidade em volta da bandeira da Pátria!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Tudo se traduz na palavra de ordem de Salazar:
«Aguentar! Aguentar com serenidade, mas com inabalável firmeza.
Aguentar cabeça alta e coração forte, que com a graça de Deus venceremos».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Só assim nós, os vivos, seremos dignos da memória dos mortos.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Ernesto Lacerda: - Sr. Presidente: julgo estar presente ainda na memória de V. Ex.ª e dos ilustres colegas as notícias dos pavorosos incêndios de 28 de Agosto último que lavraram no extremo norte do distrito de Leiria e sul do de Castelo Branco.
Foi, porém, no concelho de Figueiró dos Vinhos que o togo se desenvolveu em mais larga escala, consumindo áreas extensíssimas de pinhal e eucaliptal e destruindo as povoações de Vale do Rio e Casalinho, cujos habitantes se viram privados das suas casas e logradouros, bem como de todos os bens ali guardados.
A imprensa, sempre oportuna e sensível, como é seu timbre tradicional e a rádio, deram desenvolvidas reportagens do acontecimento, deplorando a situação angustiosa a que as populações ficaram reduzidas, apontando cifras das centenas de hectares devastados pelas chamas e das muitas dezenas de milhares de coutos de prejuízos.
A extensão e intensidade do fogo foram de tal ordem que o concelho de Figueiró dos Vinhos teve de ser socorrido por mais de uma dezena de corporações de bombeiros e cerca de quatrocentos militares dos regimentos de infantaria n.º 7 e artilharia n.º 4, de Leiria, e base aérea n.º 5, de Monte Real.
Supomos ter-se tratado de casa não verificado há muitos anos no nosso país, quer pela área vastíssima a que se estendeu, quer pelo montante dos prejuízos materiais a que deu origem.
Poucos dias após os seis meses decorridos desde aquela data, eis que, Sr. Presidente, os lugares de Vale do Rio e Casalinho vão ressurgir das cinzas, reconstruindo-se as 40 habitações que os constituíam. São duas parcelas daquele concelho, embora minúsculas, que estão em vias de reviver.
Não quero por isso deixar de trazer até esta Casa a expressão do contentamento de que se encontram possuídos os naturais e antigos habitantes daqueles lugares perante a aliciante perspectiva de voltarem a possuir habitações e cómodos que lhes permitam continuar a vida de trabalho interrompida pelo trágico acontecimento. Daqui dirijo ao Governo o agradecimento que o povo simples, bom e ordeiro da região me confiou para o fazer chegar a quem de direito.
Esta obra é possível porque o Governo tem conduzido a política em bases da mais sólida estrutura financeira, o que lhe permite acudir à Nação em casos semelhantes ao presente, na satisfação de um dever de justiça social que, de outra forma, seria obrigado a ignorar ou esquecer.
Interpretando o falar despretensioso do povo que se sente reconhecido, não escondendo a alegria de saber-se acarinhado e compreendido pelo Poder Central, cumpre-me expressar ao Governo, a todos os seus membros, o seu «bem haja» de sabor serrano e tipicamente português.
Contudo, seria imperdoável ingratidão esquecer o acolhimento interessado e generoso que os Srs. Ministros de Estado, Interior, Saúde e Assistência, Corporações e Obras Públicas dispensaram imediatamente aos apelos formulados.
Propositadamente, releguei para último lugar a referência ao titular das Obras Públicas, Sr. Eng.º Arantes e Oliveira. Há uma razão especial: é que S. Ex.ª não se limitou a conjecturar de longe a realidade do panorama. Deslocou-se aos lugares destruídos, teve de utilizar incómodos meios de transporte (jeep) através de bastantes quilómetros, percorreu demorada e atentamente a região acompanhado dos técnicos que entendeu deverem inteirar-se de quanto convinha para o exacto conhecimento dos problemas a resolver.
Ali estudou todas as hipóteses viáveis, destrinçando as convenientes das difíceis, avaliou com segurança da mais perfeita solução a dar aos trabalhos e, prontamente, fez saber às populações interessadas que o Governo estava com elas, a seu lado, para em conjunto criarem novas condições de vida naqueles pedaços de terra queimada, onde reinava o silêncio e a desolação.
É, pois, em nome das populações dos lugares de Casalinho e Vale do Rio que manifesto a S. Ex.ª o melhor agradecimento pelas providências adoptadas. Se, por um lado, reflectem as possibilidades materiais do País, fruto da política financeira seguida, por outro, demonstram inequivocamente que a Nação merece do Governo o mais desvelado apoio e carinho em todas as emergências.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Fernandes: - Sr. Presidente: tratar de problemas de interesse para as diferentes regiões do País significa, que se contribui também para a solução de problemas no plano nacional.
Por isso mesmo julguei sempre da maior importância que os Deputados à Assembleia Nacional não podem descurar os interesses que preocupam as regiões em que habitam e façam eco das suas aspirações e dos seus queixumes.
Pouco a pouco terá a região de Lamego de romper o isolamento em que tem permanecido, para que adquira, no plano nacional, a situação justa e merecida.
Se, ùltimamente, alguns benefícios tem recebido, certo é que eles não atingiram o volume necessário a um franco progresso da região e à melhoria de bem-estar e comodidade dos seus habitantes.
Assim é que, constando dos planos ministeriais a criação de uma escola técnica que aproveite a vocação dos naturais para trabalhos artísticos em ferro e madeira, como é do conhecimento geral, ao mesmo tempo que forneça à juventude local um grau de instrução mais elevado com o mínimo de dispêndio, tais planos não tiveram ainda a devida execução.
Contudo, o Ministério da Educação Nacional já fez, publicamente, o reconhecimento da necessidade da criação dessa escola, colocando-a em primeiro lugar, antes de outras que se encontram em franco funcionamento.
Entretanto, verifica-se que o saldo de crianças que ficam sem outro grau de instrução que não seja o da
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4.ª classe, depois das matrículas para o liceu, é superior a 300 em Lamego e freguesias limítrofes.
É impressionante este número, Sr. Presidente, se considerarmos que a maior parte desses jovens alimentam a legítima aspiração de melhorar o seu grau de cultura e de preparar com ela os caminhos do futuro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E Lamego, desde 1947, salvo erro, aguarda o cumprimento desta promessa ministerial.
Daqui, em nome dessa esquecida região, dirijo o meu apelo ao ilustre Ministro da Educação Nacional, certo de que o seu reconhecido critério de justiça distributiva não deixará de considerar este magno problema para a vida de uma cidade que pretende convencer-se de não estar ferida de maldição.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Tive já ocasião de, nesta Assembleia, defender a criação ali de uma escola de ensino técnico-agrícola, por a sua privilegiada situação numa região de. policultura poder fornecer largos conhecimentos aos que se dedicam à actividade agrícola, tá o necessária numa altura em que os problemas da terra estão a ser estudados com carinho e em profundidade.
Não logrei conseguir o objectivo, e essa escola, ao que consta, teria sido implantada, em região onde a sua actividade é quase inútil.
Mais um percalço da organização e cuja maior vítima foi a cidade de Lamego.
Finalmente, Sr. Presidente, desejo tratar de outro problema cuja actualidade resulta da recente reforma judiciária do País.
Refiro-me aos tribunais do trabalho, especialmente pelo que toca ao distrito de Viseu.
Trata-se, na verdade, de um grande distrito, com bastante densidade populacional.
Muito se disse, e bem, nesta Assembleia, que a localização dos tribunais deve levar muito em conta a comodidade dos povos.
Ora funciona na sede do distrito, conforme a lei, um único tribunal do trabalho, com jurisdição na área de todo o distrito.
Este facto é amolentador de vontades e muitos casos deixam de ter a tutela e protecção a dispensar àqueles que anseiam uma solução justa para os seus problemas.
Efectivamente, o distrito, com 24 concelhos, tem a sua sede distante dos concelhos do Norte desde 70 km a 120 km.
Nem todos os concelhos têm ligação fácil com a sede do distrito, por falta de carreiras de serviço público e porque não existe no Norte do distrito caminho de ferro.
Assim, dado que os mais carecidos de protecção dos tribunais do trabalho são geralmente os mais pobres, poder-se-á avaliar o sacrifício tremendo, em perda de tempo e dinheiro, que muitas vezes não têm, para se deslocarem à sede do tribunal.
Entretanto, o Tribunal do Trabalho de Viseu encontra-se a braços com uma grande acumulação de serviço, que torna ineficazes os propósitos do legislador quando pretende uma acção rápida e pronta para satisfação dos males que afligem aqueles que ao mesmo Tribunal recorrem.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - No fim do ano de 1960 pendiam no Tribunal do Trabalho de Viseu 822 processos de diversa natureza e resultantes da legislação sobre acidentes no trabalho e questões entre os trabalhadores e entidades patronais 248 transgressões e 823 execuções.
A secretaria teve de elaborar 1007 contas e dar execução a centenas de cartas-precatórias, além da correspondência recebida e expedida, que atinge quase 3 milhares.
Verifica-se, deste modo, que no Tribunal do Trabalho de Viseu, não obstante o reconhecido esforço dos seus servidores, é impossível realizar-se o objectivo legal de dar satisfação aos que o procuram.
Mas para além desta enorme avalancha de serviço, que dá para dois tribunais, está a causa da comodidade de quem tenha de recorrer ao actual Tribunal do Trabalho.
A maior parte dos habitantes do Norte do distrito tem de perder três dias para ir ao Tribunal, a menos que utilize os serviços de carros de aluguer, sempre caros e fora do alcance das suas bolsas.
Ora o n.º 4 da base III da Lei n.º 2091, que previa a mudança da sede do Tribunal do Trabalho, encontra-se já esclarecido pelos artigos 3.º, § único, do Estatuto dos Tribunais do Trabalho e 3.º do Decreto n.º 43 357, de 24 de Novembro de 1960.
Ali se prevê que, «sempre que o tribunal seja constituído por mais de uma vara e ponderosas razões o justifiquem, o Ministro das Corporações poderá determinar, em portaria, que uma funcione em localidade sede de comarca diferente daquela em que o tribunal está situados.
Assim, pois, dado que o serviço o justifica plenamente e a comodidade dos povos o reclama, bem poderá ser criada mais uma vara no Tribunal do Trabalho de Viseu e determinar-se que a sua localização seja na cidade de Lamego.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A distância dos concelhos que podem constituir a área dessa vara, Cinfães, Resende, Castro Daire, Tarouca, Armamar, S. João .da Pesqueira, Ta-buaço, Moimenta da Beira, Penedono, Sernancelhe e Vila Nova de Paiva, vai do mínimo de 10 km ao máximo de 50 km.
Seria ela mais acessível às populações locais e o seu movimento daria a melhor justificação para a sua existência.
Creio não andar longe da verdade se julgar que tal ideia já bailava no espírito esclarecido do anterior titular da pasta das Corporações e Previdência Social, ilustre ornamento desta Assembleia, cujos dotes de inteligência e coração, aliados a um são patriotismo, o impuseram à consideração de todos quantos viam nele o Ministro infatigável todo votado à solução dos problemas sociais a seu cargo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Encontra-se agora a dirigir este difícil sector alguém que já conseguiu firmar os seus créditos de estadista ilustre, com reconhecidas qualidades de cultura e inteligência para dar mais um passo na solução dos problemas a cargo do seu sector de actividade.
Para ele recorro, convencido de que não deixará de ponderar este caso e dar-lhe a satisfação devida, de modo a atender aos anseios das populações do Norte do
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distrito de Viseu, pugnando, no plano nacional, por dar a essas populações a cómoda e rápida possibilidade de utilizar e beneficiar das medidas legislativas sobre os vários aspectos que o trabalho nacional apresenta.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão na generalidade as propostas de lei relativas ao Estatuto da Saúde e Assistência e à reforma da previdência social, que constituem a primeira parte da ordem do dia.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Á Sr.ª D. Margarida Craveiro Lopes: - Sr. Presidente: habituou-se esta Gamara a saudar o Presidente da Assembleia Nacional na pessoa ilustre do Conselheiro Albino dos Reis, figura veneranda que durante longos anos jamais desmereceu os honrosos cumprimentos que lhe eram dirigidos em cada legislatura.
Foi sob o signo deste incontestável e alto prestígio que V. Exa. assumiu a responsabilidade da condução dos trabalhos desta Casa. A Câmara transferiu então para o novo Presidente os louvores que se habituara a tecer, já por força da tradição, já porque muitos Deputados, alunos do Prof. Mário de Figueiredo e colegas daquele que se distinguira como seu leader no Parlamento, tiveram a honra de conhecer V. Exa.
Também eu me incluía entre os últimos, com a delicadíssima particularidade de ocupar assento nesta sala em lugar tão próximo da ilustre cadeira de V. Exa. que melhor do que ninguém poderia, e posso, testemunhar as superiores qualidades de inteligência, de cultura e de carácter que distinguem V. Exa.
Ao saudar V. Exa., que sempre distinguiu a representação feminina desta Casa com os primores do seu trato, tenho a honra de reafirmar perante a Câmara a estima pela pessoa de V. Exa. e a convicção de que o tacto político e a devoção à causa pátria por V. Exa. tantas vezes aqui manifestados são, neste momento grave da vida portuguesa, garantia segura de poder esta Câmara bem servir a Nação.
Sr. Presidente: estamos em presença de dois diplomas notáveis, de tal modo ao encontro das preocupações e interesses nacionais que não nos cansaríamos de apreciá-los nesta sala durante longas semanas. Será difícil estudá-los com a profundidade que seria para desejar e a que éramos naturalmente conduzidos pela importância do assunto, pelo nível dos exaustivos relatórios e pareceres que acompanham as propostas e ainda pelo valor dos elementos de estudo que nos têm sido facultados.
Impressiona-nos, porém, ao fazer a consulta e a apreciação dos documentos que foram sucessivamente postos à nossa disposição, a seriedade com que os assuntos foram estudados, o sentido dê realidade com que os problemas foram encarados e o propósito nítido de dar novo impulso, quer em extensão, quer em eficiência, à política social que se vem prosseguindo nos termos da Constituição.
Creio poder afirmar, Sr. Presidente, que a Câmara tem a consciência da responsabilidade que impende sobre si e tenta suprir, pela atenção e pelo calor que traz ao debate, a escassez de tempo de que dispõe.
Por mim, serei breve e concisa; não por constituir sacrifício pessoal uma análise crítica da questão que bem poderia considerar-se como depoimento leal de quem vê os problemas pelo lado da rida quotidiana dos portugueses de todos os meios, atingidos do primeiro ao último pelas consequências dos diplomas que vamos votar.
O tempo e a paciência de VV. Exa. não consente delongas, e limitar-me-ei, se for capaz, a fazer a apreciação na generalidade de alguns aspectos que tenho como essenciais na economia das propostas.
Permita-me V. Exa. apenas uma observação preliminar:
Dadas as condições de trabalho em que decorro o debate, a Câmara poderia inconsideradamente ser levada a cair em unia de duas posições que poderiam chamar-se extremas. Uma posição em que se apresentasse como retrógrada - permitam-me VV. Exa. esta designação -, por impreparada para a apreciação dos diplomas ou excessivamente cautelosa adentro das preocupações graves que dominam a vida nacional; mitra, que denominaremos avançada, pela premência da chamada questão social, que hoje domina o tablado internacional e cuja sedução pode levar os mais entusiastas a descurar o alicerce económico que constitua a garantia imprescindível a uma política de verdade.
Foi tendo em conta o perigo de semelhantes atitudes limites, que poderiam, a meu ver, ocasionar repercussões sociais catastróficas, que tentei examinar o fundo da questão á luz do interesse nacional e da minha modesta experiência de mãe de família. Comecei então por perguntar a mim mesma se estas propostas virão satisfazer - em medida, não digo cabal, mas justa - as legítimas aspirações das famílias portuguesas, que, para simplificação formal poderemos supor representadas pelo trabalhador, uma vez que ao seu chefe cabe geralmente prover às necessidades essenciais do agregado familiar. Repito, não preconizo soluções óptimas, por inverosímeis e até porque não podemos perder de vista que os objectivos que pretendemos alcançar são meios e não fins supremos: uma vez atingidos, diz-nos a experiência de povos muito evoluídos que outros problemas acusam a insatisfação, que é, todos o sabemos, uma condição humana.
Tentei então concretizar as minhas dúvidas:
Dará o alargamento previsto nos esquemas da previdência aos trabalhadores do comércio e indústria e u população piscatória a protecção sanitária e a segurança contra os riscos e encargos sociais mais prováveis na sequência dos termos programáticos, dos dois diplomas ?
divinhar-se-á uma melhoria dessa mesma segurança para os servidores do Estado, pela adopção de medidas que têm vindo a tomar-se noutras ocasiões, segundo linhas paralelas à daquela categoria de trabalhadores P
Ocorre-me, entre outras, a situação dos funcionários em caso de doença, e não pode deixar de lembrar-se a melindrosa posição de quantos trabalham nos próprios serviços de saúde e não têm direito a utilizar os seus benefícios em termos adequados à sua posição especial.
Estarão suficientemente acautelados os interesses dos trabalhadores independentes, cuja designação inexpressiva e relativo equilíbrio em tempo normal podem ilu-
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dir a insuficiência de recursos perante os encargos resultantes do moderno conceito de saúde ou de crises, uns e outros raramente cobertos por seguros facultativos, onerosos ou pouco divulgados?
Estarão bastante protegidos aqueles infelizes que, por acentuada deficiência de preparação profissional, desequilíbrio familiar e carência de toda a sorte, compete à sociedade acarinhar?
A estas dúvidas acrescento uma que tenho como premente, a primeira, a meu ver, numa escala de hierarquia de valores.
Como resolver a situação do trabalhador rural, cujo escasso nível de vida é hoje mundialmente reconhecido como produto de um condicionalismo que ultrapassa de longe a sua própria responsabilidade?
E esta um problema concreto, para o qual me recuso a admitir que não exista solução, como também não creio seja possível eximirmo-nos a uma responsabilidade cujo peso todos sentimos e foi posta em relevo pelos brilhantes oradores que me antecederam no uso da palavra.
Não sou economista, nem técnica especializada com voto na matéria por qualquer título. Não quero, portanto, apontar soluções que possam revelar-se acanhadas ou sofrer de ingenuidade. Mas cumpre-me apresentar sugestões, por modestas que sejam.
Interesse-se o rural pela sua própria previdência, por mínimo que seja o concurso efectivo que possa trazer-lhe; devemo-lo à dignidade de trabalhador; peça-se a justa colaboração do capital privado por forma que não lese a sua capacidade de iniciativa, mas antes se fortifique pelos reflexos da melhoria de nível de vida de cerca de 4 milhões de portugueses na economia geral do País; peçam-se ao Estado os serviços necessários e os dinheiros possíveis, uns e outros porventura não muito diferentes daqueles com que tem valido à população das nossas aldeias por forma dispersiva, eventual, indirecta, duplicada e tantas vezes insuficiente pelo mau aproveitamento dos mesmos.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Agradeça-se às instituições o trabalho perseverante de sempre e facilite-se a estas uma forma de acção mais eficiente.
Peça-se às pessoas de boa vontade a caridade que tem sido apanágio do povo português e o acolhimento humilde dos meios modernos de combate aos flagelos sociais; a própria autenticidade do nosso zelo o exige, para levar a cabo uma obra que hoje ultrapassa de longe o âmbito pessoal.
Não duvido de que dentro desta ética, que creio não se afastar dos princípios que nos regem, encontraremos a fórmula que permitirá ao trabalhador honesto que amassa o nosso pão enfrentar os seus encargos sociais em posição não comparável com a do vadio ou do desempregado voluntário.
Quando está em causa uma reforma agrária que procura elevar o nível de vida do rural através de melhor produtividade da nossa agricultura, não descuremos estoutro aspecto da questão que lhe dará o indispensável apoio psicológico: o do respeito pela qualidade de trabalhador, em absoluto, e relativamente aos outros sectores da população operária.
O Sr. Jorge Augusto Correia: -Muito bem!
A Oradora: - Só assim o êxodo rural indiscriminado, que vai privando a periferia dos seus melhores valores, cederá o passo a um progressivo e necessário acesso do sector primário ao secundário; então sim, essa província, a quem devemos tantos expoentes da vida nacional, ficará entregue àqueles que, por vocação agrícola, queiram dedicar-se a cultura da terra, e não nas mãos desconsoladas e fracas dos que, por abandono, foram esquecidos pelos mais aptos.
Sr. Presidente: V. Exa. deve ter depreendido que não tentei separar a apreciação das duas propostas de lei que estão em debate. De facto, quase dei graças a Deus pelas delongas, embora indesejáveis, que permitiram esta feliz coincidência. Difícil seria, a meu ver, desligar no pensamento o fundo das questões que se pretende estudar e que as ciências modernas nos mostram cada vez mais interdependentes nas causas e nas consequências.
Eu própria, ao estudar cuidadosamente os dois problemas, reconheci invadir alternadamente, ainda que sem propósito formado, ora o domínio da previdência social, ora o da saúde e assistência, sem falar no da educação, base fundamental de toda e qualquer política social e cujos reflexos estamos a sentir a todo o instante.
A Sr.ª D. Maria Irene Leite da Costa: - Muito bem!
A Oradora: - E evidente que na estruturação da vida pública tem de haver responsabilidades marcadas, sectores definidos, campos de acção delimitados, até porque os homens e as instituições não abarcam a amplitude das questões. Mas uma coisa é visão dos problemas, e esta requer objectividade segundo uma abertura rasgada do ângulo de observação, outra é o sentido da medida em que deve evitar excessiva descentralização ou perigosa concentração dos meios a usar.
Sob pena de querermos conscientemente iludir-nos, pondo de Indo os dados actuais e concretos de uma política suciai, não podem aceitar-se compartimentos estanques da administração, divórcio de orientações, desarticulação de serviços, qualquer que seja a sua proveniência, males ainda agravados pela reconhecida ignorância de toda esta complicada rede da nossa orgânica social por parte da população.
Ora, Sr. Presidente, saltou-me precisamente à vista, logo que percorri os textos das bases propostas pela Câmara Corporativa era substituição das que constituem a proposta de lei n.º 4, a determinação de criar-se um conselho de segurança social que, a nível supraministerial, pudesse vir a coordenar a acção dos dois departamentos de Estado que estão em causa. Mais ainda: encontrei em cada um dos diplomas o intuito nítido de coordenar adentro de cada um dos Ministérios e sob diversos pontos de vista as respectivas actividades.
Não quero deixar de congratular-me pelo facto e dar o meu aplauso a uma intenção que pode melhorar a rentabilidade dos actuais meios de segurança social, sobretudo no campo da saúde, e ser ponto de partida pura mais conveniente estruturação de iniciativas futuras.
Se constatamos facilmente que as desarticulações e lacunas de que enferma o sistema em vigor contraria a sua eficácia e economia, tenhamos a coragem de modificar fórmulas que se desactualizaram, sobretudo em consequência de um acentuado progresso em matéria de saúde e previdência.
Sr. Presidente: não queria referir com minúcia o caminho seguido por outros países nestes últimos anos, ;não se desse o caso de parecei- impressionar-me um acanhado espírito de imitação. Mas a experiência alheia,
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com a lição dos êxitos e fracassos de países de civilização semelhante à nossa, e u conjunto de iniciativas em que, se temos de aprender, também fomos mestres e pioneiros, podem constituir valioso contributo para o estudo da fórmula ou das fórmulas mais convenientes no caso português: mais conforme com a nossa ética tradicional e as legítimas aspirações do século; e tendo em linha de conta não só a índole da nossa gente, tilo propensa às virtudes naturais, mas carecendo de estímulo para a iniciativa e perseverança no trabalho, como também os recursos de que dispomos à escala nacional.
Por mim, estou convencida, ao aplaudir vivamente este primeiro passo na política de coordenação por mim defendida noutras intervenções parlamentares, de que o segundo poderá vir a ser, oportunamente, uma nova estruturação ministerial, em que os sectores da previdência e da saúde se encontrem no mesmo departamento de Estado. A ele competiria, em meu modesto entender, executar em termos portugueses uma verdadeira política social.
Tentarei justificar a minha asserção.
Não consigo de facto conceber uma verdadeira previdência de concepção- corporativa, inconfundível, portanto, com qualquer forma comercial de segurança de tipo individualista, que esteja desligada dos factores que condicionam os riscos que pretende cobrir, das consequências que deles advêm e ainda da concorrência de outros meios de combate às mesmas crises.
Se é mais barata uma prevenção sanitária do que a acção curativa das doenças contraídas por falta de uma profilaxia cuidadosa, se os encargos contra acidentes de trabalho são tanto mais onerosos quanto menos precedidos de uma forte campanha de prevenção, como explicar a desarticulação das entidades responsáveis pela cobertura dos riscos e prevenção dos mesmos? E esta circunstância, suficiente para contentar os actuários, seria ainda um mal menor, perante os inconvenientes de ordem humana que advêm daquela falta de coordenação.
Na mesma ordem de ideias, não compreenderia um seguro-desemprego de origem institucional, indiferente ao problema da recuperação e da readaptação ao trabalho; esta supõe conhecimento, por parte do sector trabalho, do estado de saúde do recuperado.
Só de acordo com essa informação sanitária e uma subsequente orientação profissional poderia encontrar-se a colocação, a antiga ou outra mais conveniente, em que não fossem lesados os interesses da entidade patronal nem perigasse a cura obtida; uma reforma precoce, que aparentemente afaste estas duas probabilidades, também seria de pôr de parte, por nociva à economia nacional e à consideração do trabalhador.
Dentro da mesma ordem de ideias, mas focando agora a necessidade de coordenação dentro do mesmo Ministério, não concebo a ausência de um serviço de colocação, que, em caso de desemprego tecnológico, dignamente afastasse do desempregado involuntário as perspectivas itinerantes de recurso a influências e anúncios; a prestação de um seguro-desemprego prolongado em condições de validez inutilizaria a meu ver uma preciosa mão-de-obra.
E que dizer, agora, adentro do Ministério da Saúde, da desarticulação entre os serviços hospitalares e de medicina ambulatória, entre os estabelecimentos e serviços do centro e da periferia, entre as várias especializações e a rede geral P
Se V. Exa. desse mais uma vez a palavra aos médicos ou aos ilustres provedores das Santas Casas esgotaríamos o tempo regimental com o seu depoimento ...
Exemplificando ainda o que chamei o perigo de concorrência de meios de combate às crises, em caso de doença, não posso deixar de referir-me à já tão falada duplicação de serviços de medicina curativa por parte da previdência e da assistência.
O assunto, brilhantemente exposto no relatório das carreiras médicas, não carece de esclarecer-se. Por mim reconheço sem dificuldade os benefícios concedidos pela previdência e que obviaram em muitas localidades e em muitas circunstâncias à actual insuficiência dos serviços de saúde. Gomo reconheço que a assistência tem sabido suprir algumas lacunas dos esquemas da previdência social. Mas penso que este sistema de serviços ou meios serviços paralelos, com as suas vantagens e inconvenientes, fez o seu tempo, e o futuro só pode orientar-se no sentido de uma colaboração dos dois Ministérios, da qual resulte um progressivo aperfeiçoamento do serviço de saúde que, em rede cada vez mais larga, inclua as várias fases da medicina ambulatória e hospitalar, com toda a gama de especializações.
A esse serviço de saúde, articulado dos centros à periferia, desejaríamos que acedesse então um número cada vez maior de trabalhadores, que em regime a estudar cobrisse honestamente os respectivos encargos, de acordo com a sua situação de independência económica, de seguro, ou de total carência de recursos financeiros.
Este o aspecto da coordenação. Outros há que encarar de frente, no meu modesto entender. Se a nossa orgânica social carece de remodelação, quero lealmente afirmar que, para além de todas as deficiências, estão em plena actividade, prestando diariamente relevantíssimos serviços ao País, numerosas instituições, quer particulares, quer corporativas, quer oficiais. Desde as Santas Casas da Misericórdia até aos moderníssimos hospitais de que podemos orgulhar-nos, passando pela imensidade de obras sociais da assistência e da previdência, temos instituições de todo o género que em medida apreciável falam por si da nossa acção social.
Devem-se, em muitos casos, ao zelo inesgotável dos seus fundadores e servidores, desejando eu incluir nesta designação sumária santos e sábios, homens de Estado e técnicos, que ao longo dos séculos prestaram um autêntico serviço social.
Quase tive a tentação de citar alguns nomes, por tal forma vinculados ao nosso património de instituições que os sabemos de cor; não o fiz, porém, para juntar àquela plêiade ilustre a multidão anónima de colaboradores de todos os escalões do trabalho, que só Deus saberá recompensar da sua dedicação e cumprimento do dever.
Permita-me V. Exa., Sr. Presidente, que saúde esses beneméritos, na pessoa dos ilustres Deputados aqui presentes que mais se têm devotado a uma política social.
Mas, Sr. Presidente, esta obra que está de pé, para nossa honra e proveito, não é bastante conhecida e justamente apreciada pela massa da população.
Em muitos casos o público só é informado do que existe para seu bem através de conversas fortuitas da vizinhança, ou, o que é pior, de uma peregrinação inglória pelas portas dos serviços e das pessoas que tem como influentes.
Quando consegue saber o que lhe interessa, verifica que não compreende a documentação de que deve munir-se, e ei-lo envolvido num vaivém enervante, que aumenta à medida que é atendido e que o seu processo entra em curso; dispenso-me de documentá-lo, ainda
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que não me faltassem os mais completos elementos para o fazer, tão sobejamente o facto é conhecido de todos VV. Exa. Isto desgosta os interessados e magoa-os, quando o que pretendem é a regalia a que tenham direito.
Tentando não olhar os prejuízos que lhe advêm deste sistema rotineiro e falho do mais elementar sentido prático, não deixa de apoucar uma acção social merecedora em muitos casos de maior consideração. Em muitos casos o público desmoraliza-se a tal ponto que desiste a meio das passadas, inutilizando documentos, verbas, energias, sem qualquer proveito; e mais tarde, esquecidas as arrelias e renovada a necessidade, recomeça o itinerário, com toda a duplicação subsequente de meios de diagnóstico, se nos referirmos a doença, de certidões, de atestados, etc.
Estou convencida de que, somados os valores inutilizados nestas delongas e repetições documentais, e avaliada a mão-de-obra perdida em caminhadas e «bichas», poderíamos com vantagem erguer obra grandiosa, capaz de aliviar muitas misérias.. Apenas o elemento feminino, exibindo o clássico trabalhinho de mãos, nas salas de espera e até nos transportes públicos, simboliza uma atitude de protesto contra uma ociosidade forçada ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
À Oradora: - Creio que resultaria um benefício imediato para o País, se houvesse em todas as freguesias um modesto mas eficiente serviço de informações sobre actividades da previdência social e da assistência, não deixando de incluir as que, embora abrangidas pelo Ministério da Educação Nacional, tenham ligação com a política social. Poderiam aproveitar-se para centros dessa informação as Casas do Povo, as juntas, as escolas, as Santas Casas, ou o que mais conviesse às zonas em questão.
Aos meios modernos de divulgação poderiam confiar-se campanhas de esclarecimento e pedir-se indicações de ordem geral, mas, voltando a lembrar que as soluções óptimas não são, as melhores, penso que simples quadros informativos, publicações de tipo popular, acompanhadas da necessária explicação verbal, poderiam desde já poupar muitas canseiras inúteis e valorizar a nossa acção social.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - v. Exa. dá-me licença?
A Oradora: - Tenha a bondade.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - E se não houvesse informação?
A Oradora: - Mas também não se pode adivinhar.
O Sr. Gonçalves Rapazote: -Se em lugar de «segurança» - palavra de que não gosto - falarmos de «seguranças» e organizarmos, por exemplo, a segurança na família e a segurança na empresa, já cada um sabe aonde há-de ir. A complicação nasce quando se afasta o homem dos seus agregados naturais.
A Oradora: - Por isso eu pensava aproveitar os centros comunitários naturais, por exemplo a junta e a Casa do Povo. Na aldeia não será o mesmo que num centro fabril, por exemplo.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Serviços ligados às instituições naturais, sem complicações burocráticas.
A Oradora: - Exactamente.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Muito obrigado!
A Oradora: - Entre parêntesis, creio que um serviço informativo desta natureza deveria, ser confiado a deficientes recuperados, que, em regime de meio tempo, aliviariam o seguro-invalidez e teriam a satisfação de ser úteis ao sector a que eram devedores.
Mas informar não é tudo. Há que esclarecer. No momento em que se tenta dar um novo impulso às realizações da nossa política social, parece-me indispensável que a população conheça a sua finalidade para se poder esperar que os beneficiários compreendam quanto u abuso e a fraude prejudicam a economia das instituições e, em última análise, se prejudicam a si próprios.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Como me parece necessário consciencializar o pessoal ligado à vida das instituições sobre a responsabilidade de um género de trabalho em que Lá qualquer coisa de sacerdotal, mesmo na prestação dos mais humildes, materiais ou burocráticos serviços, concorrentes afinal, como outros, para o êxito das obras.
Esta missão de esclarecer não deveria andar muito longe dos bancos das várias escolas, completando uma preparação por vezes exclusivamente literária ou técnica. Nem deveria dispensar a colaboração de elementos locais de reconhecida influência nos meios pequenos, a quem ainda poderia pedir-se um auxílio valioso na primeira fase da educação sanitária e preventiva que os diplomas anunciam. Enquanto não dispusermos e pessoal especializado que possa empreendê-la a fundo, seria injusto e inoperante pôr de lado valores que têm sido, principalmente na periferia, os elementos de apoio a que temos recorrido nos domínios do social.
Sr. Presidente: quando medito nestes problemas apaixonantes e considero as realidades, mais sinto a necessidade de uma política de saúde e de segurança que, para além de eficaz, seja orientada de forma a atrair à sua execução esta juventude nascida sob o signo do social e para quem em última análise, estamos a legislar.
Sr. Presidente: o caso é grave ainda sob este ângulo.
Que poderemos esperar das nossas intenções magníficas se não houver médicos, trabalhadores sociais, enfermeiros, educadores, pessoal administrativo e auxiliar que sirvam esta grande causa no nosso tempo com a mesma devoção e generosidade que há pouco mereceu o nosso louvor?
E herança que não deve perder-se, nem duvido que se perca, de tal modo está no nosso sangue, a menos que a adopção de planos antiquados desinteresse as nossas gerações. Não se ergue o monumento que o nosso coração e a força das realidades impõem com meia dúzia de almas de boa vontade. Mais do que meia dúzia, precisamos de milhares de jovens que tragam o concurso do seu trabalho à obra de segurança social do continente e do ultramar. Mais do que de simples boas vontades, precisamos de energia própria dos caracteres forjados por uma educação sã. Mais do que almas no sentido teórico da palavra, precisamos de homens plenamente estruturados dentro dos princípios cristãos e nacionais que fizeram a nossa história e competentes
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no exercício das profissões modernas, capazes de sacrificarem desinteressadamente a sua comodidade pessoal ao bem do próximo.
Estes homens não se improvisam. Merecem-se.
E uma política social que estenda a maior número de famílias os benefícios que suo privilégio de algumas não deixará de alargar o campo de recrutamento das elites necessárias para uma valorização social em grande escala, libertando as populações menos favorecidas do peso de deficiências de toda a ordem que seriamente afectam a sua capacidade de promoção social. Merecem-se -dizia- e preparam-se.
A nossa juventude anda arredada de nós talvez injustamente.
O que mais nos separa é a linguagem diferente de duas gerações distanciadas por estilos devida fortemente marcados por etapas sucessivas de uma evolução científica e técnica brusca. No entanto, esta juventude irrequieta, que tem merecido os nossos reparos, enquanto se agita com efervescência, por vezes perigosa, espera hesitante, como nós o fizemos, pelo campo de acção onde realize os seus sonhos. Ã nossa geração teve a felicidade de encontrar alguém que nos apontou um rumo que encantou o nosso entusiasmo juvenil.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Está agora nas nossas mãos saber preparar na vida nacional o lugar que acolha o ardor, o ímpeto, desta juventude marcada, independentemente da sua vontade, por inquietações que se situam na escala mundial.
Tem sido seduzida .pelo poder criador da técnica. O arrojo das concepções, o palpável das realizações, explicam que as escolas e as Universidades técnicas de todo o Mundo vejam acorrer às suas aulas e oficinas uma população cada vez maior de estudantes, que têm alegria de ver o seu esforço compensado por uma absorção crescente de mão-de-obra, justamente remunerada.
Afigura-se-me, porém, que esta juventude, que se arrisca tantas vezes em frases ainda imaturas a traduzir um desejo sincero de acudir ao bem-estar das massas, se dará com entusiasmo e generosidade a uma política social; mas suponho que duas condições se impõem ao elaborar os planos a que atrás me referi: a eficácia dos métodos e a perspectiva de uma compensação económica que não desmereça em relação a sectores profissionais equivalentes.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - O caso dos médicos, exposto com clareza e brilho no já citado relatório das carreiras médicas e discutido com vivacidade nesta Câmara, está por de mais esclarecido para que volte a lembrar-se a necessidade de estabelecer condições de carreira e remuneração favoráveis a maior interesse pelas Faculdades de Medicina.
A enfermagem, que foi outrora escassíssima e mal qualificada, de ano para ano tem atraído às mais varia as escolas raparigas de educação esmerada, que têm sido preparadas carinhosamente para a alta missão que lhes cabe. Se as temos prontas a dar o contributo do seu trabalho violento e sacrificado, justo é que sejam revistas as exigências familiares a que estão sujeitas, não falando de novas perspectivas de carreira e de retribuição.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Quanto a trabalhadoras sociais, cada vez mais necessárias, pode dizer-se que, adentro do campo de uma acção social, são injustamente os técnicos menos conhecidos e apreciados.
Esta talvez uma das razões por que é geralmente diminuto o número de inscrições nas variadas escolas de serviço social, e de auxiliares que, aliás, também não anunciam um futuro economicamente prometedor, sobretudo para as que exibem um diploma de grau superior.
Em Lisboa, por exemplo, o curso de assistente familiar, aprovado em decreto-lei há poucos anos, não tem funcionado ultimamente por falta de inscrições. Parece-me que a experiência de alguns anos permitiria já uma revisão de resultados, para que, aferidos os programas, se necessário, e tomadas as medidas julgadas convenientes, se animasse um elevado número de raparigas a ingressar nos cursos que preparam essas indispensáveis obreiras de vanguarda na tarefa em que nos empenhamos.
Isto no que se refere aos casos particulares da preparação de alguns técnicos.
Mas, olhando frontalmente o panorama geral da formação de valores - em mim, quase uma ideia fixa - não hesitemos em tomar o nosso lugar de responsáveis nas escolas e nas Universidades, não só a instruir com devoção e competência, mós também a educar nas aulas, como nos tempos livres. Não tenhamos receio de reprimir abusos, mas estejamos presentes a esclarecer e a acompanhar com exigente e amiga compreensão esta mocidade do século XX, tão rica de potencialidade.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Muito bem!
A Oradora: - Com a irreverência própria da idade, experimenta se a teoria que defendemos é expressão autêntica de uma convicção capaz de a empolgar e se a atitude que tomamos revela a força a que precisa de apoiar a sua fraqueza.
Alguém mais tenta cativar essa juventude inexperiente e confiante, com promessas falaciosas e horizontes coloridos. Porém, melhor do que todos os que lhe falam, nós, que da infância a levamos à idade adulta, gastando--nos com amor na sua formação, e temos, portanto, autoridade para repreender, temos razões de conhecê-la, de estima-la, e o dever de preparar o seu lugar na sociedade portuguesa. Um lugar de confiança na tarefa de recomeçar nova etapa da revolução dinâmica de Salazar.
Um lugar de honra, e porque não?
Da honra que tem sabido conquistar ao defender heroicamente em terras de além-mar a bandeira nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
O Sr. Pires da Costa: - Sr. Presidente: subscrita pelo ilustre Ministro da Saúde e Assistência, tem esta Câmara presente, para discutir e depois decidir, uma proposta de lei que se propõe substituir o Estatuto da Assistência Social de 15 de Maio de 1944.
Vê-se no relatório que a precede que n razão do seu aparecimento se filia no facto de nos encontrarmos numa época- mais avançada do que aquela que o estatuto de 1944 representou. Novas carências do homem e da família requerem legislação que as interprete e satisfaça. Eis ao que vem a proposta em discussão.
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Numa palavra, a nova lei pretende traduzir e realizai-as aspirações ido tempo presente em matéria de política de saúde e assistência. A proposta, sendo estatuto, é regime na medida, em. que coutem, todos os princípios suficientes para realizar os seus fins.
Em nosso entender, o que importa à Câmara, já que tem de emitir um juízo de valor limitado, nesta fase da discussão, à apreciação da oportunidade, vantagem e economia do diploma, é determinar se os fins da lei e os meios de os atingir estão certos e se, efectivamente, ela contém nas suas bases na regime jurídico regulador da política, da saúde e assistência. Na verdade, em vão procuraremos encontrar jia proposta a resolução dos casos concretos ide promoção da saúde e de realização da assistência a quem dela está carecido. Não é esse o objectivo fio novo estatuto. O seu objectivo restringe-se a definir, através de bases gerais, os grandes fins da política e criai- as entidades, os bens e os serviços que os hão-de preencher.
A resolução dos casos concretos há-de conter-se em diplomas complementares de execução que o estatuto permite e concomitantemente limita.
De harmonia, com o critério exposto, vamos procurar, primeiro, fixar os fins da proposta e a sua justeza em face das realidades, depois, apreender-lhe os princípios que a dominam e, num último passo, salientar entidades que cria ou as já criadas, mas de que se socorre, bem como os bens e serviços que prevê.
Tem ã Câmara ao seu dispor, como fonte preciosa de ensinamentos e elucidações das matérias, dois notáveis e doutos documentos. Refiro-me ao relatório, do Sr. Ministro da Saúde e Assistência, que precede a proposta e ao parecer da Camará Corporativa de que foi relator o Sr. Dr. Trigo de Negreiros. Se o primeiro ilumina e esclarece, notavelmente, o pensamento do Governo, o segundo constitui um complexo de factos, circunstâncias, problemas e soluções sem. o conhecimento do qual nenhuma política da saúde e assistência pode ser idónea e eficaz. O relatório habilita-nos a interpretar e a distinguir os grandes fins da política da saúde e assistência contidos no novo estatuto.
Ele define-os perfeitamente e coloca-os numa ordem hierárquica.
Toda a organização e prestação dos serviços da saúde e assistência tem como fim máximo valorizar o homem como ser racional e livre. A valorização do homem em toda a sua plenitude será tanto maior e mais perfeita quanto melhores forem as condições morais, sociais, económicas e sanitárias da família em que ele se integra.
A base I e o n.º l e a alínea a) da base II provam a afirmação.
São estes os grandes fins dispostos hierarquicamente: primeiro o desenvolvimento integral do homem, depois o fortalecimento moral, social, económico e sanitário da família.
Portanto, a primeira questão que se põe é esta:
Os fins ordenados da proposta estão certos na medida um que traduzem as grandes aspirações de uma política nacional de saúde e assistência?
Atentas as realidades, não tenho dúvidas em afirmar que o Governo soube interpretar autenticamente o interesse que lhe incumbe satisfazer. Os fins propostos estão certos. O homem é o mais precioso bem de uma nação e único entre as criaturas, formado à imagem e semelhança de Deus. Isto é, a única criatura capaz de possuir, compreender e amar. A família, por seu lado, nascida da aliança do sangue e fundada na comunhão de interesses afectivos, morais e patrimoniais, ocupa o segundo lugar na hierarquia dos valores que cumpre defender, subalternizando-se em relação à pessoa humana, porque em relação a ela é meio, embora o mais natural e idóneo entre todas as sociedades humanas para a perfeição plena do homem.
No meu entender, o Governo interpretou e quer realizar com a proposta em discussão as verdadeiras aspirações do tempo presente em matéria de política da saúde e assistência.
A defesa da pessoa humana impõe dispositivos de previdência e dispositivos da saúde e assistência. Uns e outros concorrem para aquele fim, embora em campos de aplicação diversos. Esta diversidade cria a necessidade de se distinguir um do outro campo, não só para evitar gastos inúteis e conflitos de competência, como também duplicação de serviços.
É o funcionamento do princípio da coordenação que satisfará este interesse de primordial importância, que, do mesmo modo, tem cabimento na definição da estrutura do Ministério.
Importa, pois, pôr a segunda questão:
Prevê o novo estatuto a dificuldade e o meio de a resolver, já que nau é fácil muitas vezes a distinção entre o que é previdência e o que é assistência ?
A proposta previu a dificuldade e o seu ilustre autor não deixou de apontar a solução.
Essa solução resulta efectivamente, em nosso entender, da conjugação do disposto no n.º l da base XVI com a alínea b) do mesmo número, donde se extrai a aplicação do princípio da coordenação quando se diz que, se na execução da política da saúde e assistência houver vários Ministérios interessados no prosseguimento dessa política, o Ministério da Saúde e Assistência promoverá a cooperação dos outros Ministérios.
Ora, como a política da saúde e assistência tem como finalidade máxima o aperfeiçoamento moral e físico do homem e como em tal aperfeiçoamento tem papel relevante a previdência, quando se propõe cobrir várias carências dos indivíduos que obstam àquele aperfeiçoamento, pode acontecer que, estando ambos os Ministérios interessados no mesmo objectivo, se confundam as fronteiras das respectivas actividades e se origine por isso mesmo um verdadeiro conflito de competência.
Se ele surgir, competirá ao Ministério da Saúde e Assistência promover a cooperação do Ministério da Previdência, o que não exclui que a este mesmo Ministério se lhe assinale o mesmo poder de promoção na legislação competente para a sua actuação. E se relacionarmos ainda esta base XVI com as bases I e II propostas pela Câmara Corporativa, em alteração e aditamento ao projecto de proposta de lei sobre a reforma da previdência social, logo encontramos o órgão próprio que receberá a promoção e fará a conclusão, que é a decisão do conflito de competência. Refiro-me ao Conselho de Segurança, constituído pelo Presidente do Conselho de Ministros, que presidirá, e pelos Ministros de Estado adjunto da Presidência do Conselho, Finanças, Corporações e Previdência Social e Saúde e Assistência.
Concluo, assim, quanto a1 este ponto, que a solução preconizada pela proposta do Governo é idónea e eficaz.
O objecto imediato da política da saúda é o ataque à doença, e o da política da assistência é o ataque ao mal-estar dos indivíduos originado pelas deficientes condições morais, sociais, económicas e sanitárias dos agrupamentos em que vive, já que do bem-estar destes depende o bem-estar dos indivíduos que o compõem.
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É com base nesta actuação e no que com ela se conseguir de bom, nos vários aspectos enunciados, que se espera atingir o objectivo imediato de toda a política da saúde e assistência, que é o aperfeiçoamento moral e físico do homem.
Já tenho ouvido que o enunciado da base i da proposta, que contém estes postulados, é demasiadamente ambicioso, na medida em que invade actividades que respeitam a sector diferente do da saúde e assistência, e isto viria ocasionar não só duplicação de serviços e actividades, como gastos inúteis, mas verdadeiros conflitos de competência com consequências que a ninguém aproveitam.
Mas não ao não vejo o perigo da sobreposição de actividades nem dos conflitos de competência, como nem sequer se me afigura que com aquela base I o Ministério da Saúde e Assistência queira meter a foice em seara alheia. Bastará atentar que a proposta vem formulada com a consciência do problema e também com o conhecimento de que se não compreendesse no domínio da actividade assistencial a melhoria das condições morais, sociais, económicas e sanitárias dos agregados naturais onde o indivíduo vive e se desenvolve, estaria incompleta, porque a impossibilidade de assistir a qualquer delas no momento oportuno poderia impedir que se atingisse o fim máximo, o aperfeiçoamento da pessoa humana, na medida em que cada uma por si só constitui causa idónea para obstar á prossecução do objectivo final.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Se a assistência é supletiva da previdência, parece que a previdência está em primeiro lugar. Efectivamente, os grupos naturais devem ser protegidos através do sistema de previdência orgânica ou institucional e o terreno da assistência deve ser progressivamente reduzido.
Nestas circunstâncias, só podemos falar de assistência como actividade supletiva.
Quanto à saúde já V. Exa. pode ter outras razões.
E indispensável, para que haja um serviço de saúde, uma perfeita coordenação superior e até um comando único.
O Sr. Jorge Correia: - Fundamentalmente, a coordenação é que interessa.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Esse é o grande interesse desta. lei.
O Orador: - Se VV. Exa. atenderem nos objectivos mediatos e imediatos verificarão que tanto uma como outra actividade prosseguem o mesmo fim, que é o aperfeiçoamento moral do homem. O objectivo é sempre idêntico.
Por outro lado, o conflito de competência ou a duplicação de actividades ou serviços está afastado pelo princípio da coordenação e pelo funcionamento das comissões interministeriais a que se referem os n.ºs l, alínea b), e 2 da base XVI.
Consequentemente, concluímos que o objecto imediato da política da saúde e assistência, traduzido no ataque à doença e ao mal-estar dos indivíduos, originado pelas carências morais, sociais, económicas e sanitárias dos agrupamentos naturais em que vive, está bem formulado no princípio enunciado na base i com justeza e a amplitude necessária e suficiente.
Combater a doença e a miséria e os males da família e das outras sociedades naturais que obstam ao pleno aperfeiçoamento do homem em toda a sua plenitude é dever do Estado, mas é também sentimento natural que vive no coração dos homens, ligados por laços de caridade e de- solidariedade.
Daí que o Estado, para além do dever de criar actividades próprias de defesa da saúde e de prestação de assistência na prossecução do bem comum, não só reconheça o exercício individual e colectivo da caridade e beneficência, mas também o incentive e auxilie. Hás todos compreendemos a necessidade premente de planificar à escala nacional a cobertura sanitária e assistencial do País. E se a planificação é essencial para que o objectivo final se não perca, entende-se e louva-se que o novo estatuto adopte o princípio da planificação, magnificamente expresso na base III da proposta em discussão.
Nele encontramos, por seu lado, a justificação do princípio, que dele é corolário, de que o incentivo s auxílio às iniciativas e instituições particulares de assistência e sanidade, bem como o exercício da função supletiva do Estudo, no que respeita àquelas actividades e instituições, se fará quando elas se integrem ou possam integrar-se na planificação geral das actividades da saúde e assistência e ofereçam crédito moral, financeiro e técnico.
Definidos os fins e os princípios, a proposta prevê o modo de os assegurar através de prestações e de serviços e bens e de órgãos de execução. Nos capítulos II e III encontramos a sua estrutura e esquema diferenciados em relação a cada uma das actividades assistencial e de saúde.
A enumeração das actividades ou prestações é exemplificativa, e não taxativa, como convém, segundo o meu entendimento.
Não vou deter-me na análise de cada uma das actividades da saúde e assistência, exemplificadas ou na apreciação dos órgãos destinados à sua execução. Mas o que me parece de salientar é o princípio, que reputo certo, introduzido na proposta, de que serão criadas todas as actividades e prestações que oportunamente se julguem necessárias e suficientes para u execução de uma boa cobertura do País em matéria de saúde e assistência.
Não é outro, a meu ver, o sentido e o significado das bases XI e XIII da proposta.
Já foi, com muito brilho e saber, anteriormente salientada nesta tribuna a função do médico, como pedra angular na execução da política da saúde. Igualmente se pôs em relevo a circunstância de ser baixa a proporção de médicos em relação à população do País, causa, relevante, entre outras, de uma deficiente assistência, sobretudo nas zonas rurais.
No douto e completo parecer da Câmara Corporativa teve também o facto a relevância devida com a nota de que as perspectivas de uma melhoria do binómio médico-população não são animadoras, porque animadora não é a frequência das Faculdades de Medicina.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Não é animadora por falta de boas condições de trabalho do médico! Aí é que está o mal ...
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O Orador: - Eu disse «entre outras».
O Sr. Agostinho Cardoso:-Esse problema existe: irem poucos alunos para Medicina e saírem poucos da Faculdade.
E preciso que as causas sejam estudadas.
O Orador: -Não apontei uma. Disse «entre outras».
O Governo, porém, atento ás realidades da vida portuguesa, neste como noutros sectores, introduz no novo estatuto duas providências, inteiramente novas, que, a meu ver, terão a maior projecção e relevância no necessário aumento do número de médicos e na eficácia das medidas de protecção e promoção da saúde pública.
Refiro-me à criação da escola de saúde pública e ao estabelecimento, para os médicos, das carreiras de saúde pública e hospitalar.
Não podemos deixar de manifestar ao Governo e ao ilustre titular da pasta da Saúde e Assistência, Sr. Dr. Henrique Martins de Carvalho, o mais vivo aplauso pela consagração legislativa que propõe a esta Câmara de uma notória e autêntica aspiração nacional.
Vozes:- Muito bem!
O Orador: - A propósito da discussão dos diplomas sobre emparcelamento e arrendamento da propriedade rústica já tive a honra de declarar nesta tribuna, como tantos outros Srs. Deputados o fizeram, que é necessário, por razões de justiça e de evidente interesse nacional, integrar progressivamente a população rural, a maior da- população activa portuguesa, no mesmo nível de progresso e segurança dos outros sectores populacionais.
A presente proposta confere particular importância ao problema da assistência médica às populações rurais, a ponto de lhe conceder tratamento especial, traduzido num diploma a publicar, para o efeito, como expressamente declara o n.º 2 da base XXVII. Dentro do condicionalismo existente, o diploma previsto não deixará de dar ao problema as soluções possíveis que o País ansiosamente espera e a justiça impõe.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - V. Exa. dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - O que é lamentável é que, tendo sido decretado há vinte anos que a assistência rural ficava a cargo das Casas do Povo, se verifique vinte anos depois que a respectiva cobertura não se faça através destas organizações.
Enquanto não se resolver esse problema, essencial do próprio regime corporativo, que consiste em cobrir toda a população rural com essa organização de base, para que havemos de fazer mais leis?
Temos estado a marcar passo nesta matéria; a falta é de homens, e não de leis.
O Orador: - Realmente, o que é preciso é entrar nela com toda a coragem.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - O que nós precisamos não é mudar o rumo das coisas, é aguentar o rumo marcado.
O Sr. Jorge Correia: - Na verdade, se durante os vinte anos decorridos não se conseguiu resolver o problema, parece que temos de tomar uma atitude decidida.
O Orador: - Julgo que há que publicar um diploma especial de maior ou menor amplitude, mas não ir mais além.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Não é com novas leis que o problema se resolve. Agora fazem falta médicos e dinheiro.
O Orador: - Mas é preciso regulamentar.
O Sr. Gonçalves Rapazote: - Já está regulamentado ha vinte anos.
O Orador: - Sr. Presidente: desejo finalizar estas descoloridas considerações com uma referência à responsabilidade pelos encargos da saúde e assistência. E desejo particularizá-la em relação a dois dos sujeitos passivos da obrigação de pagar. São eles as instituições de previdência e as câmaras municipais.
Interpreto a base XXXI como estabelecendo a obrigação de pagar, mas segundo a ordem de preferência estabelecida nas suas diferentes alíneas.
A alínea b) da citada base diz que às instituições de previdência social incumbe o pagamento dos serviços de saúde e assistência prestados aos beneficiários, explicando a base XXXIII que ele só é devido em relação às eventualidades cobertas.
Porém, a Câmara Corporativa, no seu já referido douto parecer, propõe a substituição da base XXXI da proposta do Governo por uma outra que sugere, com o n.º XXIX, com a seguinte redacção:
3. As instituições de previdência respondem pelos encargos da assistência prestada aos respectivos beneficiários, conforme o disposto nos seus regulamentos ou nos termos dos acordos celebrados com estabelecimentos ou serviços de saúde e assistência.
Pode parecer que entre a redacção da base XXXIII da proposta do Governo e a do n.º 3 da base XXIX da Câmara Corporativa há simples diferença de forma. Mas julgo que não é assim. A diferença é essencial e de princípio.
Na verdade, enquanto na proposta do Governo as instituições de previdência pagarão sempre as despesas pela prestação de assistência desde que se trate de beneficiários em relação a eventualidades cobertas, independentemente de qualquer disposição regulamentar ou acordo com o estabelecimento que prestou assistência, na contraproposta da Câmara Corporativa a instituição de previdência pode recusar o pagamento das despesas de assistência ou internamento do beneficiário com eventualidades cobertas se a assistência tiver sido prestada em estabelecimento com o qual a instituição de previdência não fez acordo.
Não obstante o douto parecer da Câmara Corporativa, afigura-se-me mais conforme à justiça e menos apta a conflitos a solução preconizada pela proposta do Governo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Senão, vejamos a seguinte hipótese: Certo beneficiário da previdência, com direito a tratamento e internamento pela eventualidade, tem de ser recebido de urgência no primeiro estabelecimento de assistência que for encontrado. Não foi o doente que
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quis o internamento naquele estabelecimento. Foram as pessoas que lhe prestaram socorros imediatos e urgentes que ali o conduziram.
Esse estabelecimento, contudo, pertence ao número daqueles que não fizeram o acordo com a respectiva instituição de previdência.
Pergunta-se: quem deve pagar?
O Sr. Jorge Augusto Correia: - A previdência.
O Orador: - Na solução da proposta do Governo será a instituição de previdência, mas na solução da Câmara Corporativa a instituição de previdência não pagará por não haver acordo prévio com o estabelecimento que prestou a assistência.
A solução da Câmara Corporativa parece-me inaceitável, já que a previdência recebeu do beneficiário as contribuições para o pagamento do seguro e não será justo que seja o assistido, ou os seus familiares, ou a câmara municipal, a suportar o encargo a favor da instituição de previdência. Julgo, em tal caso, caminhar-se para um caso de verdadeiro locupletamento à custa alheia.
Pelo que respeita às cumarus municipais, a obrigação de pagar os encargos de assistência está prevista para os pobres e indigentes com domicílio de socorro no respectivo concelho. Para fazer face a tal despesa a câmara terá de se socorrer das suas receitas próprias e das derramas que lhe forem autorizadas pelo Sr. Ministro das Finanças.
Não pretendo libertar as câmaras do pagamento da sua quota-parte com a assistência a prestar aos pobres e indigentes dos respectivos concelhos. Mas ouso chamar a atenção do Governo quando elaborar o diploma especial, se é isso que se prevê na base XXXV da proposta do Governo, para a situação financeira, verdadeiramente aflitiva, de certas câmaras que, longe de poderem satisfazer as necessidades de primeiro grau dos seus agregados populacionais, terão de desviar verbas avultadas do seu orçamento ordinário para ocorrer a despesas de internamento dos assistidos nos estabelecimentos de assistência quando as derramas autorizadas não cobrem esses encargos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: o novo Estatuto da Saúde e Assistência proposto pelo Governo, por intermédio do Sr. Ministro da Saúde e Assistência, não só é oportuno e vantajoso, como constitui a consagração legislativa de uma grande aspiração nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia, ou seja a discussão da Conta Geral do Estado e das contas das províncias ultramarinas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Araújo.
O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: o ano de 1960, relativamente ao qual está a Assembleia Nacional a apreciar a Conta Geral do Estado, foi assinalado por factos de decisiva importância, tanto no que se refere à conjuntura internacional como no que respeita à conjuntura económica interna.
Haviam decorrido doze anos sobre a criação da Organização Europeia de Cooperação Económica, cuja tarefa inicial foi repartir o auxílio americano à Europa constante do Plano Marshall e traçar um plano de recuperação europeia através de uma gradual eliminação de obstáculos às trocas de bens e de serviços e de um aumento global dos níveis de produção.
Começou-se, na execução deste plano, por facilitar às nações que faziam parte da Organização a liquidação das suas transacções recíprocas por meio da compensação dos respectivos créditos e débitos, criando assim as condições necessárias para se poderem gradualmente eliminar os acordos bilaterais de comércio e de pagamentos.
Adoptou-se depois p Código da Liberalização, realizou-se um esforço conjugado para eliminar as restrições contingentárias, traçou-se um programa de melhoria geral da produtividade, impulsionou-se u aperfeiçoamento técnico, intensificaram-se as trocas intereuropeias, aumentou-se de forma considerável a produção e o comércio dos países associados, e em 1906, dentro de certos limites, as moedas europeias foram tornadas convertíveis, sendo a União Europeia de Pagamentos substituída pelo Acordo Monetário Europeu.
Reconhecendo-se os grandes progressos feitos pela Europa Ocidental e as vantagens da cooperação dos Estados, quis-se ir mais além, por forma a poder realizar-se uma ajuda substancial aos países em vias de desenvolvimento, efectuar-se uma mais completa utilização racional de recursos, manterem-se relações internacionais harmónicas e, assim, contribuir-se para o progresso e para a estabilidade da economia mundial e para uma melhoria geral do nível de vida.
Estes os objectivos fundamentais da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos, fundada em fins de 1960, a que aderiram, além dos países membros da Organização Europeia de Cooperação Económica, os Estados Unidos da América e o Canadá. Embora de âmbito mais vasto, a nova organização permanecia fiel aos princípios de uma forte expansão da economia e do emprego na base de uma segura estabilidade financeira e no artigo l.8 da respectiva convenção proclamava o multilaterismo e a não discriminação como condições indispensáveis ao desenvolvimento do comércio mundial.
A convenção assinada em Paris assegurava, assim, a continuação de uma organização de cooperação económica entre os povos do Ocidente. Mas, a par dela, coexistiam duas outras associações de nações europeias: a Comunidade Económica Europeia e a Associação Europeia de Comércio Livre, cuja convenção foi assinada em Janeiro de 1960 pelos governos dos países, entre estes Portugal, que, não tendo aderido àquela comunidade, haviam manifestado pontos de vista afins durante as negociações que precederam a sua criação.
Sr. Presidente: 110 relatório do Sr. Ministro das Finanças que precede a Conta Geral do Estado para 1960 citam-se os números que exprimem fundamentalmente a posição do comércio externo português naquele ano.
Importou o País em 1960 mercadorias e produtos no valor global de 15 685 000 contos. E como a essa vultosa importação se contrapôs uma exportação de 9 408 000 contos, registou a nossa balança de comércio um déficit de 6 277 000 contos.
Num país onde a elevação dos consumos é uma consequência da melhoria geral das condições de vida e que procede à sua reorganização industrial, com todas
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as necessidades que dm resultam nas compras de matérias-primas e equipamento, tem explicação este desequilíbrio da balança do comércio. Mas convém estar atento a esse desequilíbrio - e o relatório do Sr. Ministro das Finanças o comprova - quando, embora compreensível, gera implicações graves em sectores fundamentais da vida nacional. Apesar de as exportações não saldarem o movimento de importações, tem sido favorável o resultado da balança geral de pagamentos da zona do escudo. Pois em 1960, depois de dez anos de resultados positivos, a nossa balança de pagamentos acusou um saldo negativo de 174 000 contos, o que corresponde a uma contracção de l 319 000 coutos. Quer dizer: se o déficit da balança de comércio se tivesse comportado nos limites do ano anterior, a balança de pagamentos ainda nos seria favorável em algumas centenas de militares de contos.
Infelizmente em 1961 não melhorou a posição do nosso comércio externo, antes se agravou consideràvelmente, e, desta vez, com repercussões mais importantes na balança de pagamentos do País. Efectivamente, enquanto as exportações da metrópole registaram um aumento apenas de l por cento relativamente a 1960, totalizando 9505 milhares de contos, as importações elevaram-se para 18 791 milhares de coutos, ou seja, mais 20 por cento do que no ano anterior, originando um saldo negativo da balança comercial da metrópole de 9285 milhares de contos. Um déficit comercial precisamente superior em 3 milhões de contos ao de 1960.
O equipamento industrial, a compra de matérias-primas para as indústrias, a aquisição de material de transporte, incluindo as novas unidades da nossa frota mercante, tudo pesou decisivamente na balança de comércio relativamente a 1961. Segundo o último Boletim do Instituto Nacional de Estatística, só a importação de maquinou, aparelhos e material eléctrico anda à volta de 3 milhões de contos. Os metais comuns e respectivas obras totalizam 2645 milhares de contos, as matérias têxteis e respectivas obras 2593 milhares de contos, o material de transporte 2480 milhares de contos e os produtos minerais quase 2 milhões de contos. Só estes cinco grupos de mercadorias correspondem a perto de 70 por cento da importação total da metrópole.
Aumentou em 1961 a importação de embarcações mecânicas, de trigo, de ferro ou aço, de algodão em rama, de varão para cimento, de máquinas ou aparelhos não eléctricos, de juta e sisal em bruto, de máquinas ou aparelhos industriais eléctricos, de cobre em bruto, de fibras têxteis, etc.
Pode disser-se que foi o aumento verificado na importação de pouco mais de vinte mercadorias, algumas das quais já citei, que contribuiu quase totalmente para o grande agravamento das importações.
Pertencem também a esse grupo os automóveis, exija importação foi de cerca de l milhão de coutos, ou seja aproximadamente mais 100 000 coutos do que em 1960. Aumentou também a importação de medicamentos, que contribuíram com 209 000 contos para o conjunto das nossas importações no último ano, ou seja mais 22 000 contos do que no ano anterior.
Deve dizer-se que a industrialização do País começa a influenciar o volume de certas importações. Podem citar-se, a título exemplificativo, a importação de pasta de papel, que baixou em 35 000 coutos, e a importação de sulfato e sulfonitrato de amónio, que diminuiu em 22 000 contos.
Como já se disse, a exportação manteve-se, no conjunto, no mesmo nível de 1960. Entretanto, aumentou a exportação de certos sectores produtivos, como sejam as conservas de peixe, de sardinhas em azeite, dos vinhos, incluindo os do Porto e da Madeira, dos superfosfatos, da cortiça em obra. Essa melhoria foi, porém, quase totalmente neutralizada pela baixa verificada em outros sectores, como a cortiça em bruto, o pez e aguarrás, os tecidos de algodão, os minérios de volfrâmio, etc.
Em 1960, 38,2 por cento das mercadorias importadas vieram dos países que constituem o Mercado Comum e 20 por cento dos países da E. F. T. A.
Nas exportações os países do Mercado Comum compraram-nos 21,6 por cento do total exportado e os países da E. F. T. A. 20,6 por cento.
Em 1961, os países do Mercado Comum figuram, no total das mercadorias importadas 110 nosso país com 38,1 por cento (percentagem idêntica à de 1960) e os países da E. F. T. A. com 23,3 por cento.
Nas exportações cabe aos países do Mercado Comum uma percentagem de 21,7 por cento e aos países da E. F. T. A. 21,5 por cento.
E evidente que o resultado da balança comercial da metrópole, que tão decisiva influência. havia tido no conjunto da balança de pagamentos em 1960, mais se fez sentir ainda em 1961, dado o elevado volume do seu saldo negativo.
Efectivamente, embora não sejam ainda conhecidos todos os elementos que entram na nossa balança de pagamentos, pode dizer-se que o seu déficit excedeu os 3 milhões de coutos no último uno.
No 1.º semestre de 1961, segundo o último relatório do Banco de Portugal, aparecido há dias, a balança de pagamentos da zona do escudo apresentou no fim do l.º semestre de 196.1 um saldo negativo de 3505 milhares de contos, que reduziu em mais de 30 por cento o valor dos excedentes globais obtidos no decénio de 1950-1959 e consumiu cerca de 15 por cento das reservas totais de ouro e divisas.
Este forte saldo negativo, com a consequente diminuição nas reservas centrais de ouro e divisas, originou no mercado monetário uma diminuição de meios de pagamento que o Banco de Portugal procurou neutralizar mediante um aumento substancial das suas operações de crédito.
É de esperar que o próprio mecanismo da vida económica contribua para o restabelecimento do equilíbrio da nossa balança de pagamentos pela diminuição do saldo negativo da balança de comércio. A uma diminuição de meios de pagamento corresponde sempre uma diminuição de poder de compra de bens supérfluos e de consumo que a concessão de crédito não pode corrigir dentro dos critérios selectivos que o orientara.
Dada a solidez e importância das reservas em ouro e divisas do nosso banco, o saldo negativo da balança de pagamentos em 1961 não constitui motivo de alarme. Temos felizmente uma política financeira e monetária sã e estável. Os que são responsáveis- por ela saberão, se for caso disso, tomar as medidas adequadas e oportunas para ajudar a restabelecer um equilíbrio que os fortes saldos negativos da balança de comércio e as diminuições verificadas em outras rubricas dos invisíveis vieram quebrar nos dois últimos anos.
Sr. Presidente: entre os valores que hoje são considerados de grande importância no conjunto da balança de pagamentos da generalidade das nações europeias destaca-se o turismo, para que certos países possuem condições especiais em consequência das suas belezas naturais, da benignidade do seu clima, riqueza do seu património artístico ou originalidade de costumes.
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Este hábito de viajar, restrito, em outras eras, às classes mais ricas ou muito abastadas, intensificou-se hoje em todos os países civilizados como consequência do aumento geral do nível de vida, da elevação da cultura geral e da instrução, das férias obrigatórias, das facilidades concedidas em matéria de transportes e comunicações.
A par dos elementos mais importantes das transacções invisíveis, como sejam os transportes internacionais, os rendimentos provenientes de investimentos feitos no estrangeiro, as transacções de carácter militar e referentes a outras operações do Estudo, as remessas de emigrantes, etc., o turismo é hoje considerado em muitos países um elemento de valor fundamental na balança de pagamentos e cuja importância aumenta à medida que se acentuam e fortalecem as grandes correntes do turismo mundial.
Pelos últimos elementos publicados pela O. E. C. E. e referentes u 1960 verifica-se que, nesse ano, o movimento turístico internacional aumentou 15 por cento relativamente a 1959. Em Portugal a percentagem de aumento foi de 19 por cento, no Reino Unido 20 por cento e na Espanha 46 por cento.
Para se avaliar do número de pessoas que actualmente viajam, bastará dizer que em 1960 o número de turistas nacionais que deixaram o seu país foi avaliado em 2 700 000 no Reino Unido, l 500 000 na Itália e nos Poises Baixos, cerca de. 510 000 na Suécia e 367400 em Portugal.
Aumentou também o número de residentes americanos que se deslocaram n Europa e que passaram de 705 000 em 1959 para 832 000 em 1960, ou seja um aumento de 18 por cento.
Em alguns países - como a República Federal Alemã, a Noruega e os Estados Unidos - as receitas do turismo não cobrem o que os nacionais destes países, viajando, gastam no estrangeiro. Todavia, na generalidade dos países europeus o saldo é fortemente positivo.
Segundo o Departamento do Comércio dos Estados Unidos, os americanos gastaram na Europa e na região do Mediterrâneo cerca de 700 milhões de dólares, excluindo 460 milhões de dólares que despenderam em transportes, embora tivesse baixado a média- individual de gastos de 851 dólares, em 1959, para 841 dólares, em 1960.
Nos nossos dias o turismo não é somente uma forma de aproximação e de convívio entre povos. E também, como já disse, uma fonte importante de rendimento e de obtenção de moedas e divisas estrangeiras, tão necessárias si solvência de compromissos externos.
Segundo as publicações da O. E. C. E., a que já aludi, a Áustria considera que as suas receitas turísticas líquidas, em 1960, lhe permitiram cobrir cerca de 78 por cento do seu déficit comercial. A Bélgica calcula que o turismo tem uma importância aproximada u da exportação de máquinas eléctricas ou das armas e munições, ou ainda dos artigos metálicos manufacturados. Na Dinamarca o turismo contribuiu com cerca de 6 por cento da exportação total de bens e de serviços e na França, segundo o Ministério das Finanças, o turismo classifica-se na 3.º categoria das indústrias exportadoras, vindo logo após os produtos siderúrgicos e a indústria dos automóveis, precedendo os produtos químicos e as máquinas e aparelhos.
Na Itália as receitas turísticas em 1960 representaram perto de 10 por cento das receitas de exportação de- bens e de serviços e perto de 30 por cento das receitas referentes ao conjunto das transacções invisíveis.
O excesso das receitas turísticas sobre as despesas permitiu cobrir 86 por cento do déficit da balança comercial. Na Holanda o turismo é uma das principais indústrias exportadoras: as somas que rende são superiores à das vendas no estrangeiro de outros produtos importantes de exportação, tais como o leite e produtos lácteos, ovos, legumes frescos e plantas ornamentais.
Na Suíça as receitas turísticas representaram em 1960 mais de ].G por cento das receitas de exportação. O turismo é, assim, a segunda indústria exportadora: vem depois das exportações de máquinas, mas antes dos produtos químicos e dos relógios.
Esta importância do turismo e a sua decisiva influência na balança de pagamentos de numerosos Estados fez com que, sobretudo depois da última guerra, os países com reais aptidões para o turismo procurassem aproveitar devidamente esta fonte de riqueza. E esta acção não só se desenvolve no plano nacional, mas também nos planos mais altos da cooperação internacional. A própria O. E. C. E. estabelece um comité de turismo, que, com as suas publicações, os seus elementos de informação e as directrizes que preconiza, presta serviços valiosos ao intercâmbio turístico ocidental. E é num plano de cooperação entre Estados, tão útil como a liberalização das trocas e dos pagamentos, que se obtém a abolição dos vistos nos passaportes para viagens turísticas, facilidades aduaneiras aos residentes que regressam do estrangeiro, medidas tendentes a facilitar a circulação internacional de veículos, maiores disponibilidades em divisas para os que viajam, efectivação de acções publicitárias comuns, etc.
A par desta obra de cooperação internacional em matéria de turismo, os países onde esta indústria tem maiores possibilidades não se pouparam a esforços por tirar dela todo o rendimento. Criaram-se órgãos próprios orientadores da actividade turística, agências no estrangeiro, uma verdadeira máquina de publicidade e informação destinada a atrair e a chamar o viajante. E, a par disto, intensificaram-se os transportes, melhoraram-se as comunicações, construíram-se e modernizaram-se hotéis, abriram-se e pavimentaram-se estradas, valorizou-se tudo o que poderá oferecer verdadeiro e real interesse turístico.
Para se fazer uma ideia, por exemplo, da expansão da indústria hoteleira na Europa, bastará dizer que em Itália se construíram, em 1960, 3 novos hotéis de luxo, 25 de l.ª classe, 140 de 2.º classe e cerca de 500 de 3.º e 4.º classe.
No último relatório do comité de turismo da O. E. C. E. cito-se com elogio o esforço de Portugal, construindo naquele ano 17 hotéis novos.
O Estado tem fomentado entre nós a construção hoteleira através de facilidades concedidas: em empréstimos e isenções fiscais.
Oxalá a situação do País permita que se possam consagrar verbas cada vez mais avultadas ao aproveitamento dos recursos turísticos do País. Mas a par dos meios financeiros torna-se necessário criar o clima indispensável à valorização turística da Nação, protegendo os empreendimentos turísticos, grandes ou pequenos, amparando as iniciativas regionais, aproveitando tanta coisa bela que possuímos e que não tem ainda a valorização devida.
O turismo português não é apenas um ou dois nomes de fachada. Todo o continente, as nossas ilhas atlânticas - tantas vezes esquecidas -, possuem motivos magníficos de atracção turística se houver vontade
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firme de os valorizar. Por outro lado, certas pequenas dificuldades que ainda existem e que tão mal impressionam os que nos visitam devem ser removidas com coragem e largo espírito de compreensão. Num país hospitaleiro como o nosso, quem chega a Portugal deve sentir-se na sua própria terra. Por vezes oneram-se também as empresas turísticas com encargos e fazem-se-lhes exigências que são motivo de desanimo e prejudicam verdadeiramente o desenvolvimento turístico do País.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sem ordem e sem paz internas não pode também haver turismo. Neste capítulo, Salazar tem sido, nos últimos 30 anos, o grande obreiro do turismo português.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: ao referir-me a alguns aspectos da balança comercial e da balança de pagamentos do País, não quero deixar de lembrar a, importância do comércio da metrópole com as suas províncias ultramarinas. Em 1960, as províncias do ultramar português contribuíram com cerca de 14 por cento para as importações ria metrópole e absorveram cerca de 25 por cento do conjunto das suas exportações. Em 1961, as importações aumentaram em cerca de 100 000 contos, mus as exportações baixaram em cerca de 300 000 contos. Angola contribuiu com 146 000 contos para a baixa verificada no conjunto da exportação metropolitana para o nosso ultramar.
O parecer da Comissão de Contas Públicas da Assembleia, que o Sr. Eng.º Araújo Correia todos os anos elabora com inexcedível dedicação e competência, prestando a esta Câmara e ao País um serviço que nunca é de mais encarecer, fornece elementos de estudo e orientação que nos esclarecem e ajudam a compreender certos problemas da vida económica e comercial do ultramar, entre estes um que aqui tem sido debatido várias vezes com. elevado critério e competência pelos ilustres Deputados por Angola e que é o das transferências daquela província para a metrópole. O problema interessa a Angola, que se vê em sérias dificuldades para liquidar, como desejava, as importações metropolitanas, e interessa à metrópole pelo volume e importância, das suas exportações para aquela província e pelas dificuldades que resultam para o comércio e para a indústria da imobilização de quantias elevadas e correspondentes ao valor das exportações realizadas. Quem passar os olhos pelas nossas estatísticas facilmente se aperceberá do valor da exportação metropolitana para Angola e da diversidade de mercadorias que compreende. Angola fornece-nos, entre outros produtos, café, sisal, açúcar, milho, óleo de palma, madeiras, algodão em romã, etc. Para Angola exporta a metrópole vinhos, tecidos, lacticínios, azeite, calçado, vestuário, vidro, cortiça em obra, toda uma gama variada de artigos e produtos.
Só em vinhos exportou a metrópole para Angola, em 1961, 146 000 contos; tecidos de algodão em peça, 140 000 contos, e lacticínios, 62 000 coutos.
Ora esta corrente de exportação está a ser gravemente afectada pelas dificuldades de transferências de Angola para a metrópole, dificuldades estas que se agravaram ultimamente com a baixa de 80 para 50 por cento do abono concedido sobre o montante das letras apresentadas a desconto pelas entidades exportadoras em consequência de os meios postos à disposição do Banco de Angola pelo Fundo Cambial não se mostrarem suficientes para atender os pedidos de abonos feitos àquele Banco e que praticamente equivalem a uma antecipação de transferências.
Ë um problema grave, de que nos podemos aperceber lendo a numerosa legislação, os despachos ministeriais, os estudos e sugestões que sobre ele têm incidido.
Como se diz no parecer da Conta Geral do Estado, o problema cambial de Angola depende fundamentalmente dos níveis de exportação, visto a província não dispor de entradas de invisíveis a compensarem deficits da balança do comércio. Junte-se a isto a ordem estabelecida para as transferências destinadas ao pagamento de importações, e ter-se-ão enunciado as causas fundamentais das dificuldades já referidas e que, vindo de Junho de 1955, se agravaram ultimamente, afectando sectores fundamentais do comércio e da economia da metrópole.
Efectivamente, pelo artigo 3.º do Decreto 11.º 40 483, de 31 de Dezembro de 1955, fixa-se a seguinte ordem de prioridade para as transferências reclamadas pela actividade comercial, agrícola e industrial da província de Angola:
1.º Liquidação de transacções relativamente às quais haja obrigação de atribuição automática de coberturas, por virtude de acordos internacionais ;
2.º Pagamento de juros, lucros e rendas de capitais empregados em Angola;
3.º Pagamento de géneros de primeira necessidade para alimentação, vestuário e saúdo da população ;
4.º Pagamento de importações necessárias ao regular desenvolvimento da agricultura e da indústria;
5.º Pagamento de fretes, passagens, prémios de seguros., comissões bancárias, desde que sejam pedidos pelas entidades que exercem o respectivo comércio ou indústria;
6.º Pagamento de outras importações autorizadas pelos organismos reguladores.
Esta ordem de pagamentos afecta, sobretudo, a actividade exportadora metropolitana, portanto enquanto os pedidos abrangidos pelos n.ºs 1.º e 2.º são integralmente satisfeitos e os dos n.ºs 3.º, 4.º e 5.º estão sujeitos a redução os do n.º 6.º só são atendidos conforme as disponibilidades existentes e depois de satisfeitos todos os pedidos restantes.
Por despacho ministerial de 29 de Abril de 1960 tomaram-se providências para fortalecer a posição do Fundo Cambial, elevando-se a percentagem de divisas a entregar pelos exportadores da província, alargando-se ao mesmo tempo a lista dos produtos de importação não liberalizados e cometendo-se ao Conselho de Câmbios a elaboração da balança de pagamentos da província.
Todavia, dentro dos disposições legais em vigor, têm transferência automática as liquidações das importações provenientes do estrangeiro e do ultramar português.
Estão sujeitas aos rateios mensais de coberturas, segundo as prioridades estabelecidas no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 40 483, as liquidações de mercadorias originárias da metrópole.
Em virtude de estas não serem efectuadas pela totalidade das requisições, correspondentes aos justificativos registados, tem-se verificado uma acumulação
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destes, sendo o saldo em 31 de Dezembro de 1960 de 2 107 000 contos, não obstante as acumulações mensais a que estão sujeitos, de acordo com o determinado no n.º 71 do despacho ministerial de 30 de Abril de 1960.
Pelas informações que colhemos nesta matéria, sabemos que estão, neste momento, em estudo e elaboração diplomas destinados a dar execução ao Decreto n.º 44 016, de 8 de Novembro de 1961, que promulgou as bases para a integração económica nacional e segundo o qual será instituído um sistema de pagamentos, no espaço português, destinado a permitir a liquidação de todas as transacções de mercadorias, serviços e capitais que forem sendo liberalizados ou tiverem sido especialmente autorizados entre os diversos territórios nacionais.
Nesta linha geral de orientação se estabelece a interconvertibilidade do escudo metropolitano e as várias espécies monetárias que circulam em cada uma das províncias ultramarinas.
É de esperar que, com a entrada em vigor daquele importante diploma e com a execução da política de liberalização que preceitua, se atenue e se resolva, finalmente, o problema das transferências de Angola. A sua solução traria grandes vantagens à economia do País e evitaria que fornecedores estrangeiros tomassem em Angola posições tradicionalmente ocupadas pela produção nacional.
Sr. Presidente: Portugal faz parte da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos e da Associação Europeia de Comércio Livre. Esta, como se sabe, constitui, com a Comunidade Económica Europeia, um dos grandes blocos económicos em que está dividida a Europa.
A Comunidade Económica Europeia, ao fundar-se, tinha como finalidade estabelecer uni Mercado Comum através de um período transitório de doze anos, subdividido em períodos de quatro anos.
Todos os peritos em questões económicas são de parecer que a Comunidade Europeia fez grandes progressos em dar realização aos objectivos enunciados no Tratado de Roma. A redução de tarifas alfandegárias, que já atingiu 40 por cento, a abolição de quotas de importação entre os Estados membros, a criação de uma tarifa externa comum, acusam um progresso sensível relativamente ao que estava originalmente previsto. Os direitos aduaneiros foram reduzidos com maior progressão da que se antevia de começo. E as quotas de importação de produtos industriais provenientes de outros países membros, que só deviam desaparecer em 1969, estavam praticamente abolidas no fim de 1961.
O primeiro passo no sentido do estabelecimento de uma tarifa externa comum (originariamente devia ser n média aritmética dos tarifas da França, Alemanha, Itália e países da Benelux, mas agora reduzida em 20 por cento) foi dado um ano antes da data prevista, _ em 31 de Dezembro de 1960, quando os países membros aumentaram (ou baixaram) os seus direitos alfandegários, relativamente às importações do exterior, em 30 por cento da diferença entre as suas tarifas próprias e a proposta tarifa externa. Daí resultou um aumento de direitos aduaneiros, relativamente às mercadorias importadas de terceiros países, na Alemanha e nos países da Benelux e uma redução desses direitos na França e na Itália.
Algumas dificuldades se levantaram quanto à harmonização das políticas sociais dos países do Mercado Comum, como, por exemplo, a igualização de trabalho masculino e feminino. Mas, em contrapartida, puseram-se em prática as primeiras medidas destinadas a regular o livre movimento de trabalhadores dentro da comunidade.
Em Maio de 1960 foram também incondicionalmente liberalizados certos movimentos de capitais, como sejam os que correspondem a investimentos directos, capitais pessoais e movimentos relacionados com o financiamento de operações comerciais a curto ou médio prazo.
A Convenção que estabeleceu a Associação Europeia de Comércio Livre, embora não prevendo, como o Tratado de Roma, o estabelecimento de uma tarifa externa comum nem uma política comercial comum, nem contendo também disposições respeitantes à harmonização das políticas sociais, à política monetária e financeira e à liberdade de movimento da mão-de-obra, no fundo visa o mesmo objectivo da Comunidade Económica Europeia, ou seja, a criação de um grande mercado onde as mercadorias possam circular livremente.
O seu aparecimento foi saudado como um passo no sentido da completa e total integração económica europeia, pela fusão e entendimento futuro dos dois blocos em que se dividia o velho continente, estabelecendo-se um grande mercado único de 300 milhões de consumidores.
Na mesma orientação da Comunidade Económica Europeia, os países da Associação Económica de Comercio Livre têm também avançado o esquema da sua desmobilização aduaneira, que é também já de 40 por cento, diminuindo gradualmente as restrições quantitativas e liberalizando completamente a importação de certos produtos.
O primeiro relatório da Associação Europeia de Comércio Livre, publicado em Julho último, fornece elementos indicativos dos progressos económicos obtidos no conjunto da Associação: aumento do rendimento nacional bruto; aumento da produção industrial de 6,3 por cento, expansão moderada da produção agrícola, diminuição do desemprego, estabilidade de preços, melhoria de salários, etc.
Segundo aquele relatório, o comércio entre os países da E. F. T. A. desenvolveu-se por forma apreciável durante o ano de 1960. Mas é impossível determinar a medida em que essa expansão é devida u entrada em vigor da convenção ou resulta- da prosperidade generalizada da Europa Ocidental.
Apesar das vantagens reconhecidas, tanto na Comunidade dos Seis, como na Associação dos Sete, com a criação de grandes zonas de comércio livre, tem continuado a constituir motivo de séria preocupação nos meios responsáveis do Ocidente a divisão da Europa em dois grandes blocos económicos.
Por outro lado, não deixam de impressionar a força económica, o poder de expansão, os elementos de riqueza que possuem os países que constituem a Comunidade Económica Europeia. Segundo elementos publicados recentemente, a produção industrial no conjunto dos países da Comunidade Económica Europeia em. 1960 aumentou cerca de 13 por cento, enquanto nos países da Associação Europeia de Comércio Livre foi de cerca de 6 por cento. O produto nacional bruto na Comunidade aumentou em 1960 10 por cento, comparado com 6 por cento no Reino Unido e 5 por cento na Suécia, os dois maiores produtores da Associação. Ë evidente que a continuarem estas taxas de expansão o nível de vida na Comunidade Económica Europeia irá à frente do dos outros países europeus.
O comércio entre os seis países signatários do Tratado de Roma aumentou 19 por cento em 1959 e 25 por
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cento era 1960. As importações do resto do Mundo entre 1958 e 1960 aumentaram 20 por cento e as exportações para essa área 22,5 por cento. Os inconvenientes da divisão europeia em dois blocos e o poder de atracção da Comunidade Económica Europeia, com o seu grande potencial de produção e o seu contínuo crescimento económico, levaram aã aparecimento de vários planos de associação multilateral, englobando os dois grupos e os outros países da O. E. C. E.
Pelo que se depreende do relatório da Associação Europeia de Comércio Livre, parece que, não podendo todos os países membros da Associação aceitar obrigações de natureza política, todos estavam, entretanto, dispostos, com o objectivo de realizar um mercado europeu integrado, a assumir obrigações além das previstas no Tratado de Estocolmo.
Em 10 de Agosto de 1961. deu-se um acontecimento importante em matéria de integração económica europeia. A Inglaterra, que - por não querer abdicar parcialmente da sua soberania, pela existência de um regime preferencial concedido aos produtos originários dos países de Commonwealth, que dificultava a adopção de uma tarifa exterior comum, e ainda por desejar manter uma política agrícola de garantia de preços - não quis, de início, fazer parte da Comunidade Económica Europeia, comunicava nessa data o seu propósito de entabular negociações para entrar para a Comunidade, ao abrigo do artigo 237 do Tratado de Roma.
O pedido da Inglaterra significa que o Governo Britânico considera ultrapassadas as razões iniciais e que acabou por reconhecer as vantagens económicas e políticas que para aquele país e para o Ocidente resultariam da sua adesão ao mercado dos Seis.
Estão neste momento decorrendo as negociações para a entrada da Inglaterra para a Comunidade Económica Europeia. Ao anunciar a decisão do seu Governo, o Primeiro-Ministro britânico enunciava as três grandes dificuldades a remover para a entrada da Inglaterra na Comunidade Económica Europeia:, a interdependência com a Commonwealth, as obrigações assumidas com os países da Associação do Comércio Livre e a posição da agricultura no seu puís.
Os laços da Grã-Bretanha cora a Commonwealth foram um dos obstáculos à sua entrada inicial para a Comunidade Económica Europeia e apesar de se ter modificado, por vezes e pela pressão das circunstâncias, a situação recíproca de protecção pautai entre a Inglaterra e os seus antigos domínios, a verdade é que, em certos casos, a modificação do regime actual podia ter graves repercussões na situação económica de alguns deles. Ë o caso, por exemplo, da Nova Zelândia com a exportação dos seus produtos lácteos para a Grã-Bretanha.
Por isso um dos objectivos das negociações em curso com os países do Mercado Comum é precisamente salvaguardar, tanto quanto possível, a função dos membros da Commonwealth no mercado britânico.
Outra dificuldade para a Inglaterra resulta das obrigações contraídas com os outros países da E. F. T. A. Entrando para a Associação Europeia de Comércio Livre, a Grã-Bretanha assumiu o compromisso de não prejudicar n posição comercial dos seus associados, pela sua entrada isolada para o Merendo Comum. Destes, a Dinamarca manifestou já o seu propósito de seguir a Inglaterra. Outros gostariam de usar das vantagens do Mercado Comum, como a Suécia e a Suíça e a Áustria, mas não querem aderir, como membros de pleno direito, à Comunidade Económica Europeia para não abandonarem a sua tradicional política de neutralidade. Pediram, por isso, a sua adesão como membros associados.
A terceira dificuldade a enfrentar pelo Governo Britânico nesta matéria é a da harmonização da nua política de preços garantidos à agricultura com a política adoptada pela Comunidade Económica Europeia quanto nos produtos agrícolas. Mas nesta matéria, como no que respeita às obrigações assumidas com os países da Commonwealth, espera-se que através de um sistema de concessões recíprocas e de ajustamentos se possa chegar a uma conclusão.
Num artigo recente reproduzido na revista francesa Problémes Economiques, um economista britânico prevê como possível uma associação económica geral da Europa, implicando uma união aduaneira para os produtos manufacturados e uma situação caracterizada por um mínimo de restrições quanto aos produtos agrícolas no interior da zona. A Grã-Bretanha continuará a comprar quantitativos importantes de produtos agrícolas na Commonwealth e nos países estrangeiros nas mesmas condições que actualmente, sendo possível àquele país, por meio de arranjos especiais, dar uma compensação aos outros países da Comunidade, correspondente ao mais baixo preço desses produtos.
E evidente que a entrada para a Comunidade Económica Europeia de qualquer país oferece um conjunto de vantagens e inconvenientes. Por um lado, é um amplo mercado que se oferece à colocação dos produtos. Por outro lado, submete-se a produção interna à competição de concorrentes poderosos. E evidente que o balanço dessas vantagens e inconvenientes depende da capacidade de competição económica de cada país e da possibilidade de produzir ao melhor preço os produtos para os quais possui aptidões, especiais, mercê da sua situação ou do volume em especialização de mão-de-obra.
Compreende-se, assim, que se certas nações, como a Inglaterra ou a Dinamarca - aquela fortemente industrializada, esta possuindo um alto nível de produção agrícola -, podem encarar desde já a sua entrada para o Mercado Comum, como membros de pleno direito, outras só poderão fazê-lo obtendo condições especiais de salvaguarda ou em situação de membros associados.
O Governo Português não definiu ainda a sua posição quanto à entrada para o Mercado Comum. Mas os que conhecem as garantias e cautelas de que se rodeou a entrada do nosso país para a Associação Europeia de Comércio Livre sabem que, em qualquer emergência, serão devidamente acautelados e defendidos os superiores interesses da economia nacional.
Em fins do ano passado Portugal foi também admitido no G. A. T. T., passando, assim, a fazer parte de mais uma associação de cooperação económica internacional.
Como VV. Exa. sabem, o G. A. T. T. é um acordo intergovernamental que não tem uma base institucional da natureza da Comunidade Económica Europeia ou da Associação Europeia de Comércio Livre. Ë um contrato entre governos de países de diversos continentes, denominados partes contratantes, que colaboram com o fim também de reduzir os obstáculos às suas trocas, aceitando um código de normas práticas e equitativas reguladoras do comércio internacional.
Desejando estes países intensificar o seu movimento comercial, o seu objectivo específico é a redução das tarifas aduaneiras. Pode dizer-se que o G. A. T. T. contribui já para reduzir os direitos relativos a ura conjunto de produtos cujas trocas representam cerca de 50 por cento do comércio mundial. Os países do
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G. A. T. T. consolidaram também os direitos aduaneiros sobre um sector bastante vasto das trocas comerciais, a. fim de impedir a subida brusca desses direitos.
E evidente que, embora tenha sobretudo em vista a redução dos direitos aduaneiros, o G. A. T. T. prescreve a aplicação de um conjunto importante de regras destinadas a não serem anuladas, através de processos desleais de concorrência, como sejam o comércio do Estado, o dumping, os prémios à exportação, e te., as vantagens das concessões pautais obtidas.
Já há anos que representantes de Portugal vinham assistindo, como observadores, às reuniões do G. A. T. T., e ao pedir o seu acesso a este organismo o Governo Português fê-lo, certamente, na ponderação das vantagens e inconvenientes que dali resultam e com o propósito firme, que sempre tem revelado, de acautelar no plano internacional os interesses fundamentais da economia do País.
Efectivamente, do G. A. T. T. fazem hoje parte as grandes nações comerciantes do Mundo. E as partes contratantes só fazem reduções de direitos no âmbito do G. A. T. T. Por outro lado, certos países não outorgam a cláusula de nação mais favorecida aos que não pertençam àquela organização. Há ainda outras vantagens em pertencer ao G. A. T. T. Assim, qualquer parte contratante tem o direito de ser ouvida nas negociações que impliquem redução de direitos num país relativamente aos produtos de que essa parte contratante é a principal fornecedora.
Finalmente, o conjunto de regras e normas que regulam as relações entre as partes contratantes vem tomar o lugar do Código de Liberalização, que era um verdadeiro código de conduta comercial entre nações e que deixou de existir depois do desaparecimento da O. E. C. E.
Revestiu para Portugal especial interesse, também, a apresentação e aprovação, pelas partes contratantes, do Decreto-Lei n.º 44 016, de 8 de Novembro de 1961, pois, tendo equiparado o espaço português a uma zona de trocas livres, isso evitou que tivessem de ser consolidadas com desrespeito pela Constituição as preferências pautais concedidas nas trocas comerciais entre territórios portugueses a produtos de origem nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: vai votar-se a Conta Geral do Estado referente a 1960, que mais uma vez revela a observância das leis e dos princípios, dos métodos e das regras que Salazar impôs na administração pública como condições essenciais à restauração das finanças e da economia do País.
Faz-se esta votação no momento em que a Nação tem de realizar um vasto esforço. De dentro e de fora pede-se e exige-se que o País fomente o desenvolvimento das sua riquezas, que melhore o nível de vida do conjunto das suas populações, que as actividades económicas nacionais elevem a sua produtividade, baixem os seus custos de produção, melhorem o seu equipamento, obedeçam aos preceitos da ciência e da técnica, se orientem no sentido da especialização e se aprestem, assim, para a nova feição da concorrência internacional. E, ao mesmo tempo, impõe-se à Nação o dever indeclinável e imperioso de defender-se, de apetrechar convenientemente as suas forças armadas, de ter guarnecidas as fronteiras de um império ultramarino cujos destinos se confundem com os da sua própria sobrevivência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -São, assim, bem pesadas as tarefas de quem governa, que tem de atender às necessidades e às solicitações de tantos sectores, dispondo de recursos limitados, sem poder nem querer abandonar regras de administração que são património de uma política e condição do prestígio, da segurança e do crédito do País.
Expressemos, pois, ao Governo, nesta hora particularmente grave e difícil, a nossa melhor compreensão e a nossa mais viva solidariedade e façamos votos para que, mercê de uma mobilização integral de recursos, de esforços,; de vontades e de valores, Portugal, que tantas lutas sustentou através dos séculos e tão grande foi no passado, possa ganhar e vencer também as duras e decisivas batalhas do futuro.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel João Correia: - Sr. Presidente: a propósito das Coutas Gerais do Estado, que estamos apreciando nesta sessão, seja-me permitido fazer algumas considerações acerca do capítulo respeitante à província de Moçambique.
Ao determos a nossa atenção sobre essas Contas - que desejaria examinar com mais detalhes e profundidade, mas que o tempo agora já não consente -, ficamos surpreendidos com a exiguidade das verbas gastas com serviços que deviam merecer um maior cuidado e interesse, dada a importância que representam ou deviam representar 110 desenvolvimento da vida económica da província.
São, na verdade, muito reduzidas as verbas gastas com os serviços de agricultura e florestas, de veterinária e indústria animal e de agrimensura.
Gastaram-se com aqueles serviços, em 1960, as seguintes importâncias:
Contos
Agricultura e florestas .............................................. 26 502
Veterinária e indústria animal ....................................... 27 456
Agrimensura .......................................................... 12 090
Embora tenham sido gastas outras verbas com o fomento agrícola, florestal e pecuário, por via da execução do Plano de Fomento, isso não altera a posição relativa à exiguidade das verbas dotadas para aqueles serviços pelo orçamento ordinário da província.
Do volume limitado das verbas com que os serviços de agricultura e veterinária têm de lutar resulta, como é óbvio, que os quadros do seu pessoal são reduzidos, sem o número de técnicos necessário, e que as suas instalações não são apropriadas, o que prejudica enormemente a missão que lhes compete desempenhar. Sempre achei pequenas as verbas orçamentais atribuídas a estes serviços, pois deles devia esperar-se, com razão, um valioso contributo para o desenvolvimento económico da província, desde que lhes fossem proporcionados todos os meios necessários.
São conhecidas as condições precárias em que aqueles serviços suo, por vezes, obrigados a trabalhar. Não é que lhes faltem,, em qualidade, técnicos competentes e perfeitos conhecedores dos problemas que afligem a província. O que lhes falta são quadros de funcionários, técnicos e administrativos, e outros meios de trabalho adequados para poderem dar completa execução à incumbência que lhes está confiada.
O Sr. Alexandre Lobato: - Muito bem!
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O Orador: - O mesmo sucede com os serviços de agrimensura. Com verba tão pequena como aquela que lhes está atribuída, não podem corresponder às necessidades impostas por área tão vasta como é a da província de Moçambique. Estes serviços precisam também, com urgência, de ser ampliados e dotados de todos os meios que lhes facultem um eficiente e rápido desempenho das suas atribuições.
Faltam-me aqui elementos paru poder ampliar as minhas considerações acerca dos serviços de agricultura, veterinária e agrimensura da província de Moçambique, elementos que só poderei obter na própria província, pelo que voltarei oportunamente a este assunto com maior desenvolvimento.
Outra verba que merece reparo é a que se refere aos gastos efectuados com os serviços de saúde. Em 1960 a importância despendida com estes serviços elevou-se a 134 908 contos, estando nu mesma incluída u despesa de 9007 contos efectuada com a missão de combate às tripanossomíases. Esta verba não pode, de modo algum, corresponder ás necessidades da província. Basta fazer-se uma comparação com o que se gasta na metrópole com idênticos serviços para se concluir que ela necessita de urgente revisão.
No II Plano de Fomento estão orçamentados 210 000 contos destinados à construção e equipamento de instalações hospitalares e congéneres.
Diz-se o seguinte no relatório que precede a respectiva proposta de lei:
210 000 contos serão empregados na construção de hospitais em Lourenço Marques, Beira e Nampula e no prosseguimento da assistência sanitária no interior.
Salvo o devido respeito pelos autores do Plano, penso que depois de construídos e devidamente equipados os três hospitais atrás referidos pouco restará da verba atribuída para que se possa ainda dar prosseguimento a um plano de assistência sanitária no interior da província. Não restam dúvidas de que o interior da província, com vastas regiões separadas dos principais centros por longas distâncias, carece de uma enorme rede de pequenos estabelecimentos hospitalares e postos sanitários onde as populações possam encontrar assistência médica e os medicamentos de que precisam nos momentos de doença.
O Sr. Marques Lobato: -Muito bem!
O Orador: - E premente a carência, entre as populações nativas, de assistência médica e medicamentosa, pelo que, neste capítulo, há imperiosa necessidade de se gastarem importâncias avultadas, ampliando-se largamente a verba destinada aos serviços de saúde, bem como a que, no Plano de Fomento, se destina à construção de estabelecimentos hospitalares e ao prosseguimento de assistência sanitária no interior.
O Sr. Burity da Silva: - Muito bem!
O Orador: - Ë do conhecimento geral que nos hospitais da província surgem por vezes graves problemas no que respeita à aquisição de material e medicamentos, por se encontrarem esgotadas ou serem insuficientes as respectivas verbas. Estas são situações que não se podem manter, já não digo para o bom nome dos serviços, mas para o bem das populações que esses serviços servem.
Não tenho à mão os elementos, mas recordo-me bem de há poucos anos a imprensa de Lourenço Marques ter dado conhecimento de um discurso proferido pelo então director dos Serviços de Saúde, no qual se afirmava que uma verba especial de 20 000 contos pedida para a aquisição de medicamentos e material hospitalar - material e medicamentos para que os hospitais pudessem desempenhar a sua missão - tinha sido reduzida para menos de 2000 contos.
Todos estes problemas precisam de ser solucionados. Não se pode pensar no progresso de um país se u sua população faltar uma assistência médica eficiente e completa. Esta será também uma maneira de se contribuir para um aumento da produção económica da província, pois nenhum território poderá desenvolver-se se a sua população não gozar de saúde.
O Sr. Marques Lobato: -Muito bem!
O Orador: -Não chega, porém, apenas a criação de estabelecimentos hospitalares a cujas portas os doentes venham bater nos momentos de aflição. Ë preciso que aí encontrem médicos e enfermeiros para os atenderem e tratarem.
Este é outro dos aspectos importantes da assistência sanitária a prestar em Moçambique, pois sabe-se que o corpo clínico da província não é suficiente para atender às necessidades da população.
Em 31 de Dezembro do ano findo a Direcção dos Serviços de Saúde da província possuía o seguinte quadro de pessoal:
Médicos ............................................................... 244
Enfermeiros e auxiliares de enfermagem ................................l 570
Farmacêuticos ......................................................... 24
Pessoal de laboratório e farmácia ..................................... 128
Pessoal de radiologia (excluindo os médicos) .......................... 21
Mecânicos dentistas ................................................... 7
Pessoal administrativo ................................................ 98
Serviços gerais ....................................................... 392
Excluem-se destes números os médicos e o pessoal sanitário dos serviços dos correios, dos caminhos de ferro, os particulares e os militares. Ao todo o número de médicos em Moçambique não deve ir além de 300.
Para uma população de cerca de 6 600 000 habitantes deve concordar-se que este número é verdadeiramente escasso. E se nos detivéssemos no exame do quadro de especialistas - estudo que reservo pura outra oportunidade, por falta de tempo o problema então assumiria aspectos ainda mais graves.
Num estudo de várias regiões da França chegou-se u conclusão de que seria acertada a seguinte tabela relativa ao número de habitantes por médico em função da natureza dos serviços («Estudo da Carreira Médica», relatório publicado pela Ordem dos Médicos em 1959):
Habitantes
Medicina geral ....................................................... l 500
Cirurgia geral ....................................................... 20 000
Urologia, otorrinolaringologia ....................................... 40 000
Oftalmologia, ginecologia, radiologia ................................ 40 000
Neurologia, cardiologia, etc.......................................... 100 000
2 000 000
Neurocirurgia, cirurgia pulmonar a
4 000 000
Não quero dizer que esta tabela sirva para o caso moçambicano. Haveria que fazer-se estudo apropriado.
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21 DE MARÇO DE 1962 1191
Mas, em qualquer caso, fica-se com a ideia da importância da questão no que respeita a Moçambique.
Do «Relatório sobre as Carreiras Médicas», publicado também pela Ordem dos Médicos, em 1961, respigo as seguintes palavras:
O número de novos diplomados mantém-se quase estacionário desde há vinte anos, mas ultimamente aparece um fenómeno mais grave: a diminuição da frequência do curso médico. À carência relativa sucede a carência absoluta. Às únicas escolas - afirma o Prof. Marcelo Caetano, reitor da Universidade de Lisboa - onde se registou diminuição de frequência em 1960 foram a Faculdade de Medicina e a Escola de Farmácia. E, todavia, não se pode de maneira nenhuma considerar suturado o meio social português, fora das grandes cidades, de médicos e farmacêuticos. O problema, pelo que respeita à medicina, transcende o Ministério da Educação Nacional.
Compreende-se que haja falta de médicos e até será de aceitar que haja cada vez mais falta. O curso é difícil, trabalhoso e caro. E o que espera o médico depois de concluída a sua. longa preparação? Situações, por vezes, de baixa remuneração, que não correspondem à sua posição nem ao dispêndio feito com a mia preparação profissional.
A diminuição da frequência das Faculdades de Medicina do País é um sintoma que deve preocupar também os populações ultramarinas, pelo reflexo que isso pode vir a ter no futuro na formação do corpo clínico das suas províncias. Isto leva-me mesmo a reflectir se não seria conveniente pensar-se a sério na criação do ensino médico em Angola e em Moçambique.
Ainda quanto a Moçambique, direi que também no caso dos serviços de saúde, como apontei quando me referi aos serviços de agricultura, pecuária e agrimensura, há necessidade urgente de que os quadros daqueles serviços sejam ampliados, de maneira a poderem dar inteira satisfação ou, pelo menos, de momento, melhor satisfação às necessidades sanitárias das suas massas populacionais.
Não esqueçamos que a saúde pública é um dos bens mais preciosos de qualquer país.
Sr. Presidente: não quero concluir estas minhas considerações sem mencionar um sério problema que aflige o comércio da província de Moçambique. Quero referir-me às grandes dificuldades que aquele comércio está encontrando presentemente para a obtenção dos boletins de importação respeitantes às mercadorias de que precisa para o exercício da sua actividade comercial.
Estas considerações vêm também a propósito das contas públicas que estamos apreciando, visto as dificuldades criadas ao comércio de Moçambique serem consequência do receio que existe naquela província de que o desequilíbrio da sua balança comercial possa criar problemas graves à sua balança de pagamentos.
E como o problema da balança de pagamentos é apreciado com elevado critério pelo ilustre relator das contas públicas, seja-me permitida uma palavra- sobre o assunto, tanto mais que conheço as dificuldades que afligem a laboriosa classe comercial da minha província. Nunca o adjectivo teve tão alto significado como quando agora o utilizei para classificar essa classe, a cujo labor incansável Moçambique deve, de facto, muito do que tem sido feito no campo da sua ocupação económica e quase tudo o que foi feito na penetração do interior da província, efectuada por homens de coragem que se aventuraram, em épocas recuadas, na troca de artigos de comércio com os nativos.
Vozes: - Muito bem. muito bem!
O Orador: - Não possuo os conhecimento de história que ilustram o Deputado e meu velho amigo de infância Alexandre Lobato, mas direi - porque até este ponto os meus conhecimentos chegam - que, tanto no Brasil como em África, foram o soldado, o missionário e o comerciante os pioneiros da ocupação da selva tropical e aqueles que, em primeiro lugar, levaram às populações autóctones dessas regiões as primeiras luzes da civilização.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Foram esses comerciantes, ou mesmo antigos soldados transformados em comerciantes, que plantaram muitas vezes, em fronteiras distantes da Pátria, as primeiras bandeiras de Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Há anos, conversando em Lourenço Marques com o eminente escritor e sociólogo Gilberto Freire, disse-me ele que no Brasil existe uma obra que estuda a vida e a influência exercida pelo pequeno comerciante do mato na formação daquele grande país.
Pois são estes comerciantes ou os seus descendentes, já agora vivendo nas grandes cidades de Moçambique, que me procuram ou me escrevem confiando-me as suas preocupações e as suas dificuldades, porque não conseguem, por falta de boletins de importação, obter as mercadorias de que necessitam para o exercício da sua actividade comercial.
Chegam-me de Moçambique ecos de desalento e desesperança, de preocupação e de desgosto, num momento em que todos precisamos de ter confiança, confiança em tudo, começando por nós próprios, paru podermos vencer as dificuldades que todos os dias procuram embaraçar-nos o passo.
E preciso proteger-se o comércio de Moçambique, em cujos ombros assenta, afinal, uma grande parte da vida económica da província. Se esse comércio não tiver mercadorias para vender, verá paralisado o seu movimento comercial; não ganhará com que fazer face às despesas das suas casas comerciais, pagar os ordenados dos seus empregados e as rendas dos seus estabelecimentos; não produzirá lucros de que o .Estado possa comparticipar - os impostos, tão necessários para que a província possa fazer foce às despesas do seu orçamento; não realizará reservas para investir em novas actividades, que darão trabalho a mais braços e pão a mais bocas de portugueses, E bom que se diga que a agricultura, a pecuária e a indústria de Moçambique têm sido obra de comerciantes, realizada com lucros ganhos nos seus estabelecimentos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Dificulta-se em Moçambique a importação de mercadorias, com vista a evitar a saída de divisas. Não se pode dizer, em abono da verdade, que o princípio não esteja certo, mas o que parece não estar certo é o rigor das medidas que se tomaram, tanto mais que a situação, embora recomende prudência, não aconselha precauções exageradas.
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1192 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 50
E preciso evitar que o comércio sufoque por falta de mercadorias para vender. As repercussões que isso teria na vida da província seriam dos mais graves e de consequências muito sérias.
Diz o ilustre relator das contas públicas no seu parecer acerca da balança de pagamentos de Moçambique:
Tão altos desequilíbrios na balança do comércio produzem os seus efeitos na balança de pagamentos, com déficit que tende a agravar-se. A sólida posição das disponibilidades do Fundo Cambial é de molde n arcar com esses deficits, mas o seu agravamento deve ser motivo de preocupações.
Em 1960 o déficit da balança de pagamentos subiu para 270 000 contos. Notem-se os saldos negativos: 52 310 contos em 1958, 89 858 contos em 1959 e 270 000 contos em 1960.
A razão dos saldos positivos da balança de pagamentos até 1958 residia no grande volume de invisíveis, provenientes, em grande parte, dos transportes ferroviários e dos portos. Não diminuiu o volume desses invisíveis. O déficit da balança de comércio é que aumentou.
A posição do Fundo Cambial decaiu a partir de 1956, quando atingiu o máximo de 1967 000 coutos.
Reduziu-se para l 382 700 contos em 1960.
Embora a situação não seja brilhante, como se infere das palavras que ficaram transcritas, não se pode dizer que seja desesperada, como o público da província já chegou a pensar, tomado até de certo pânico. E preciso evitar situações que possam conduzir ao pânico, pois do que precisamos neste momento é de muita serenidade e de muito bom senso, para que não lia j a perturbações na vida calma que a população de Moçambique precisa de viver, para que continue o seu trabalho de desenvolvimento da província, para que todos possam viver em paz e com satisfação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Para se estabelecer o equilíbrio da balança comercial não se podem estrangular as importações de um país. O crescimento das importações em Moçambique representa mesmo um aspecto saudável do seu desenvolvimento. Não podemos impedir esse crescimento. O problema resolve-se pelo aumento da produção. Desde que se fabriquem, certos produtos que hoje são importados, aliviar-se-á o volume das importações. Desde que se produza mais daquilo que pudermos exportar, aumentar-se-á também o volume das exportações.
Vamos, pois, produzir mais. Este deverá ser o grande slogan a lançar de norte a sul em todos os cautos da província. Vamos produzir mais, vamos instalar-se em Moçambique as indústrias que tiverem viabilidade de êxito. Procuremos, inclusivamente, interessar a indústria estrangeira que deseje instalar-se em Moçambique, quando esta não concorra com a indústria nacional. Vamos aumentar a produção agrícola e pecuária, vamos impulsionar a exploração mineira. Mas vamos também procurar atrair capitais, embora esta deva ser sobretudo iniciativa do Governo.
Tenhamos confiança no- futuro de Moçambique. Grandes perspectivas económicas se vão abrir para a província no dia em que começarem os trabalhos de aproveitamento e exploração dos vastos recursos económicos da bacia hidrográfica do Zambeze.
Termina o relator dos contas públicas, Sr. Deputado Araújo Correia, a quem, aproveitando esta oportunidade, endereço os meus cumprimentos pelo excelente trabalho que apresentou a esta Câmara ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... o seu parecer respeitante a Moçambique com um apêndice que, na sua síntese magnífica, nos mostra o mundo extraordinário que vai ser toda a zona de influência da bacia portuguesa do rio Zambeze no dia em que as suas enormes possibilidades económicas forem devidamente exploradas. E lembra que o rio, «a partir de certa zona acima de Boroma, apresentava dificuldades de navegação de pequenos barcos», pelo que os indígenas «designavam essa zona pelo nome pitoresco de Cahora Bassa, que em linguagem gentílica significa acabou o trabalho».
Cahora Bassa vai ser o nome da principal barragem do rio Zambeze, não menos importante que a de Kariba, na Rodésia.
E termina o Sr. Deputado Araújo Correia o seu parecer com as seguintes palavras:
Em contrário do dito gentílico acabou o trabalho, parece ser possível afirmar que Cahora Bassa significará no futuro começou o trabalho.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pois bem. Que Cahora Bassa seja, de futuro, um verdadeiro grito de trabalho em Moçambique. Começou o trabalho. Sim, começou uma nova era de trabalho em Moçambique. Olhemos o futuro com confiança. Todos unidos no mesmo pensamento e no mesmo objectivo. Todos trabalhando por Moçambique.
Cahora Bassa!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã concluir-se-á a discussão na generalidade das propostas de lei sobre a reforma da previdência social e o Estatuto da Saúde e Assistência. Continuar-se-á depois a discussão destas propostas de lei na especialidade.
Amanhã continuará também o debate na generalidade sobre a Conta Geral do Estado e as contas das províncias ultramarinas. Ponho também na ordem do dia as contas da Junta do Crédito Público.
Está encerrado, a sessão.
Eram 19 horas e 50 minutos.
Sr. Deputado que entrou durante a sessão:
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Ornelas do Rego.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Antão Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
António Tomás Prisónio Furtado.
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21 DE MARÇO DE 1962 1193
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando António da Veiga Frade.
José Fernando Nunes Barata.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA