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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 54

ANO DE 1962 24 DE MARÇO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 54, EM 23 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 49 e 50 do Diário dos Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Vaz Nunes falou sobre os Serviços Sociais das Forças Armadas.
O Sr. Deputado Virgílio Cruz referiu-se às tarifas de electricidade no concelho do Vila Real.
O Sr. Deputado Azevedo Coutinho ocupou-se do distrito de Portalegre e do Plano de Fomento frutícola.
O Sr. Deputado Joaquim de Jesus Santos tratou de problemas de Angola.
O Sr. Deputado Antão Santos da Cunha solicitou do Sr. Ministro das Finanças a revisão do problema, do imposto de consumo.

Ordem do dia. - Na primeira parte da ordem do dia prosseguiu a, discussão do parecer sobro as Contas Gerai» do Estado, das imoladas ultramarina» e da Junta do Crédito Público relativas a 1960.
Usaram da palavra os Srs. Deputados D. Custódia Lopes, Gonçalves Rodrigues e Ubach Chaves.
Na segunda parto da ordem do dia continuou a discussão na especialidade e votação da proposta de lei relativa à reforma da providência social. Foram aprovadas as bases IV, v, VII, VIII, IX, x, XI e XII.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Beis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Fatia.

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António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Egberto Rodrigues Pedro.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Mendes Pires da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Luís Le Cocq Albuquerque Azevedo Coutinho.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: -Estuo presentes 111 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: -Estuo em reclamação os n.08 49 e 50 do Diário das Sessões, correspondentes, respectimente, às sessões de 19 e 20 de Março.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Meneses.

O Sr. Sousa Meneses: - Pedi a palavra para apresentar a seguinte rectificação ao Diário das Sessões n.º 49: na p. 1139, onde se lê: «estrutura», deve ler-se: «estatura».

O Sr. Presidente: - Continuam em reclamação.

Pausa.

O Sr. Presidente: -Como mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, considero os referidos números do Diário aprovados com a rectificação apresentada ao n.º 49.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Vários a apoiarem a intervenção do Sr. Deputado Nunes de Oliveira sobre problemas farmacêuticos.
De Ramos Bandeira e outros a apoiarem a intervenção do Sr. Deputado Santos Bessa relativa à restauração da Faculdade de Farmácia na Universidade de Coimbra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vaz Nunes.

O Sr. Vaz Nunes: - Sr. Presidente: durante muito tempo as corporações militares não deixaram de sentir

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que os problemas de ordem social dos seus membros como que pareciam alheados da atenção dos governantes.
Havia uma espécie de adormecimento em relação à louvável marcha geral que, neste campo, se verificava em muitos outros sectores oficiais e particulares.
Porque o espírito verdadeiramente militar não cobiça riqueza nem poder e porque o espírito verdadeiramente militar serve mas não se serve, daí se concluía - e muito bem - que os militares tinham de ser por natureza sóbrios na sua vida exterior, devendo constituir até exemplo de sacrificada austeridade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esta ideia levava, por vezes, a que os militares fossem esquecidos na sua condição de homens e de chefes de família.
Para muita gente eles pertenciam àquela rara espécie de animal superior - tão rara que eu próprio desconheço - apta a tudo suportar e, a tal ponto, que, mesmo quando sujeita a condições materiais de vida injustamente baixas, não se podiam ofender na sua dignidade nem mesmo ser tentados a desprezar aquele vincado aprumo moral que é marca autêntica da sua profissão.
Também essa rara espécie animal superior não devia ter o sentimento da família quaisquer que fossem as situações, tantas vezes adversas, em que desenvolvesse a sua actividade.
Assim sendo, observa-se com os militares a solução mais simples para os problemas de assistência e previdência social. E que, por princípio, não tinham problemas.
Só era pena que o princípio fosse absolutamente sem consistência.
Ouviu V. Ex.ª descrever, Sr. Presidente, um quadro sem meias tintas, feito propositadamente para dar uma ideia do que era, há dez anos, a descrença de uma corporação nas possibilidades de ver satisfeitos os seus mais elementares anseios de ordem, social.
Instituída a Acção Social da Armada em 1950, ela teve o grande mérito da prioridade do apoio ao agregado familiar nas forças armadas, pois, até essa data, a assistência confinava-se, e muito deficientemente, aos inválidos e tuberculosos militares.
Só em 1956 se criou a Obra Social do Exército e da Aeronáutica e, então, algumas esperanças nasceram.
Até que em 1959 se deu o grande passo em frente, pela integração das actividades sociais dos três ramos as forças armadas: criam-se os Serviços Sociais, que passam a centralizar, coordenar e impulsionar as actividades já existentes.
Os Serviços Sociais das Forças Armadas, com pouco mais de dois anos de existência, estuo a desenvolver gradualmente uma actividade que é de justiça assinalar.
Hoje quase toda a grande família militar pode habilitar-se a variados benefícios dos Serviços Sociais, incluindo memo as viúvas e órfãos de militares que assim o desejem; por isso, o número total de sócios é da ordem dos 15 000.
As actividades dos Serviços Sociais disseminam-se pelos inúmeros campos da previdência social e assistência.
O Cofre de Previdência actual, que fundiu os antigos Cofres dos Oficiais do Exército e dos Sargentos de Terra e Mar, só em 1961, pagou subsídios no valor de 3500 contos.
A Caixa Económica das Forças Armadas fez empréstimos, a baixo juro, que atingiram 4600 contos em 1960 e mais de 6000 contos no ano passado.
O Serviço de Habitação e Instalações conseguiu já construir, nos 2 últimos anos, cerca de 400 focos, distribuídos ou a distribuir, segundo as modalidades correntes de casas económicas e de renda económica. Contudo, sem desmerecer no esforço financeiro efectuado, faço notar que este número de fogos representa uma percentagem muitíssimo baixa em relação ao total de sócios existentes; e também faço notar que, repartindo os sócios pelas categorias de oficiais, sargentos e praças, se verifica que os oficiais são contemplados cora 15 por cento do número total de fogos. E uma nota de realce, que me apraz registar, à preocupação de servir com prioridade as classes normalmente mais modestas.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Existe já um órgão de assistência escolar, em Oeiras, que é o chamado Lar Académico dos Filhos de Oficiais e Sargentos.
Além das actividades citadas, os Serviços Sociais actuam, também nos campos da assistência sanitária, materno-infantil e ainda da assistência à velhice e invalidez.

No ano passado as despesas atingiram cerca de 40 000 contos, assim distribuídos: 20 000 contos na concessão de subsídios a inúmeros serviços (o Serviço Médico- Social de Invalidez e Cultura, a Assistência aos Tuberculosos, o Asilo de Velhos Inválidos, o Lar Académico, a Casa do Marinheiro, a Liga dos Combatentes, a Cruz Vermelha, etc.); perto de 19 000 contos na construção de casas, e o que resta constitui as despesas de administração, que, por serem vincadamente baixas em face do volume e número das actividades, merecem uma nota de asinalado louvor.
Creio pertinente um breve desenvolvimento a respeito da assistência à velhice e invalidez.
Este tipo de assistência, na prática, consiste rio funcionamento do Asilo de Inválidos Militares, em Rima, e na concessão de subsídios mensais, em dinheiro, aos velhos combatentes que prestaram ao País serviços extraordinários em campanha, recompensados com condecorações e louvoures.
Na felicíssima portaria de 4 de Janeiro de 1960 que estabeleceu os referidos subsídios afirma-se que a sua concessão poderá ser autorizada, por despacho ministerial, quando «por falta de alojamento, motivos de saúde, razões de família nu outros atendíveis não seja possível o internamento» no Asilo de Rima.
Permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que conte uma pequena e verídica história.
Há tempos, um velho combatente da Beira escreveu--me, talvez por saber que eu era militar e seu conterrâneo. Pedia que o informasse se ainda demoraria muito a concessão do subsídio que havia meses solicitara; e acrescentava que estava no fim da vida e doente, vivendo, mais mal que bem, de uma escassa pensão de reforma.
Decidi pôr toda a minha boa vontade no caso e dirigi-me aos Serviços Sociais. E sabe V. Ex.ª, Sr. Presidente, o que me informaram? Simplesmente isto: o interessado estava em número dois anil ia tal; antes dele havia, portanto, mais de 2000 velhos antigos combatentes em condições muito semelhantes.
É uma verdade de pasmar!

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Mesmo que não se considere o reconhecimento dos actos valorosos destes leais e exemplares servidores, o que me parece injusto, eu pergunto:
Numa hora em que as nossas tropas se batem em Angola, que exemplo e estímulo é este para os que não hesitam em expor a vida na primeira linha em defesa da Pátria?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não há verbas para, atender a todos, dizem-me.
Acredito e bem compreendo que,- com uma exígua verba anual, não se pode fazer mais do que se faz, pois os Serviços Sociais já mantêm em funcionamento o Asilo e concedem ainda alguns subsídios, embora sejam bem poucos.
Mas, não havendo verba para atender a todos, eu continuo a perguntar:
Quantos são todos? Cerca de 3000.
E quem suo todos? Venerandos cidadãos que infelizmente - como se afirma na minha terra- «estão com os pés para a cova»; e digo infelizmente, porque desejaríamos que o seu exemplo se mantivesse bem vivo, apesar das dificuldades com que suportam este triste fim du sua existência, tal. como se verifica em centenas de atestados de pobreza que figuram nos seus processos du peticionários.
Vou concluir, apelando para o Governo no sentido de se prever no próximo orçamento um reforço do subsídio aos Serviços Sociais das Forças Armadas, de modo que estes Serviços possam resolver, ao menos em parte, um caso triste de assistência que bem (merece, segundo creio, ser considerado de alta prioridade.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Antes de terminar, daqui expresso uma elogiosa referência aos incansáveis obreiros dos Serviços Sociais das Forças Armadas; eles terão de continuar a persistir no seu labor, porque as corporações militares, sem deixarem de reconhecer os esforços feitos nos últimos anos, esperam muito mais para a realização dos seus elementares anseios de ordem social.
Apelo, também, para todas as entidades civis, oficiais ou particulares, no sentido de receberem com simpatia os pedidos de apoio dos Serviços Sociais das Forças Armadas, colaborando assim na realização das suas iniciativas, que bem merecem o interesse da Nação.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Virgílio Cruz: -Sr. Presidente: no concelho de Vila Real, como ainda se verifica em outros do País servidos por vários concessionários, as tarifas de venda de electricidade diferem muito de freguesia para freguesia.
Pretende a Câmara Municipal estabelecer para todo o concelho uma uniformidade de tipos de tarifas e fazer a sua revisão no sentido de fomentar a maior utilização da electricidade pelos usos domésticos, pela lavoura e pelas indústrias.
Este propósito de corrigir desigualdades tarifárias e de promover a baixa do preço médio no consumidor, acção que está a desenvolver-se, nuns casos por livre iniciativa das câmaras e noutros por impulso da Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos, parece-nos merecedora de todo o aplauso.
As tarifas propostas à aprovação do Governo, tanto a doméstica geral, as de força motriz industrial ou agrícola, a de usos especiais, etc., são degressivas e foram estabelecidas depois de feito o estudo económico da exploração, alargada em igualdade de condições a todo o concelho, tendo em conta a produção própria da central hidroeléctrica da Câmara, os consumos a satisfazer nas várias épocas do ano e a evolução provável dos consumos para os próximos anos.
Dentro do novo critério proposto a tarifa doméstica geral passará a ser de escalões, sendo no terceiro escalão a $50/kWh. Para a força motriz, tanto agrícola como industrial, e para alguns usos especiais cria-se a possibilidade de no período nocturno das 23 às 8 horas, isto é, uns horas de vazio do diagrama geral, poder ser consumida energia eléctrica ao preço de $45/kWh e fora deste período nocturno essas utilizações passarão a beneficiar de uma tarifa degressiva.
Como grande parte dos consumos poderá vir a ser satisfeita pela produção da central hidroeléctrica dos serviços municipalizados, ultimamente ampliada e beneficiada, espera a Câmara Municipal fomentar os consumos no duplo aspecto económico e social e conseguir um aumento de receitas na venda de electricidade, o que, com o substancial auxílio das comparticipações financeiras do Estado, a ajudaria a realizar as obras de que necessita, não só na remodelação, da rede de distribuição existente, como também na ampliação dessa rede a todo o concelho.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Entre o pedido da Câmara Municipal e os serviços oficiais há ainda uma pequena divergência de ordem técnica resultante du diferenciação que habitualmente existe entre o 2.º escalão da tarifa geral e a tarifa doméstica especial para os economicamente débeis, isto porque dentro da técnica tarifária, o 2.º escalão deverá ser inferior a essa tarifa doméstica especial pura evitar abusos pelos falsos pobres.
Para não encarecer a tarifa dos pobres pedimos que a diferença referida, normalmente de $20/kWh, seja a mínima possível e se reduza a metade, como se verifica em casos especiais, por exemplo no concelho du Sabugal, e também insistimos para que com as novas tarifas em nenhum lugar do concelho de Vila Real o custo du electricidade para os pobres sofra qualquer agravamento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estou certo de que com aquele zelo e compreensão com que a Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos sabe estudar os problemas será conseguido que com as novas tarifas e a sua uniformização para todo o concelho nenhum dos consumidores pobres veja a tarifa agravada e muitos destes passem a pagar a electricidade mais barata.

O Sr. Reis Faria: -Era de desejar que o critério de atestado de pobreza fosse exacto e correspondesse u realidade, o que já dispensava o encarecimento da tarifa, mas a verdade é que os elementos de apreciação são por vezes inexactos. Seria conveniente que as juntas de freguesia seguissem um melhor critério e que os atestados se referissem realmente a pobres, o que por vezes não acontece e é de facto lamentável.

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O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a sua intervenção; é nesse pendor que, dentro da técnica tarifária, se procura estabelecer um diferencial entre o 2.º escalão e a tarifa especial para pobres, e isto para evitar os abusos pelo aparecimento de falsos pobres. Sabemos quanto é fácil conseguir das juntas de freguesia um atestado de pobreza.

O Sr. António Santos da Cunha: - Desejo associar-me aos votos de V. Ex.ª, Sr. Deputado Virgílio Cruz, quanto à unificação da tarifa, que devia ser para todo o País.

O Orador: - Teremos de caminhar progressivamente.
Também pedimos que a aprovação superior das novas tarifas de venda de energia nu público com a recente modificação não demore, a fim de que entrem em vigor muito em breve para satisfazer esta legitima e velha aspiração dos munícipes vila-realenses.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: para levar os benefícios da electricidade no maior número de consumidores está a ser feita a electrificação de Portela, Paúlos, Sabroso e Bustelo. E estão incluídas no plano geral do País, que contempla mais de 300 obras a comparticipar pelo Estado dentro do uno corrente, as electrificações de Abaças, Guiães, Andrães e Lordelo.
Com a conjugação dos esforços do Estado, do Município e das populações interessadas será possível levar a bom termo no sector da electricidade um programa de realizações do maior interesse para o concelho.
Da electrificação rural depende em grande parte o conforto da vida nos campos, o incentivo a várias actividades, a melhor distribuição das fontes de trabalho e a defesa da ruralidade.
Sr. Presidente: a cidade de Vila Real, sede de província e capital de distrito, forma com as terras do seu concelho um conjunto em que o progresso se acentua e em que nos últimos anos a obra da Revolução Nacional se testemunha brilhantemente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Apesar de um erário municipal com parcos recursos, por ser uni concelho agrícola e, por isso, pobre, tem, no entanto, e mercê da inteligente e dinâmica actuação do seu presidente da Câmara, ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... o engenheiro Humberto de Carvalho, beneficiado de um desenvolvimento acelerado, e a cidade vê-se enriquecida e valorizada de ano para ano com obras de grande vulto e da maior projecção distrital.

O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!

O Orador: - O esforço para modernizar a região tem sido bem coordenado e feito em franca colaboração do Estado, da Câmara Municipal e dos particulares.
Das obras feitas pelo Estado, e que custaram largas dezenas de milhares de contos, merecem especial relevo: o quartel do regimento de infantaria n.º 13, o grandioso edifício dos CTT, sede de circunscrição e uma das nove estações distribuidoras da rede telefónica nacional, o alargamento e beneficiação das duas pontes sobre o Corgo e das estradas nacionais que formam o magnífico circuito para corridas de automóveis, o melhor do País e dos melhores da Europa, a escola comercial e industrial, etc.
Entre as várias obras levadas a cabo pela Câmara referirei apenas e para não me alongar: as ampliações das redes de abastecimento de água e saneamento, a ampliação e beneficiação da central do Corgo e da rede eléctrica de iluminação e distribuição, a ampliação e beneficiação do campo de jogos do brioso Sport Clube de Vila Real, a construção e reparação de escolas primárias, a urbanização de várias zonas da cidade, etc.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Também estão em vias de conclusão um grande mercado municipal, orçamentado em 4000 contos, uni conjunto de dezoito habitações de renda económica - feitas com capitais da Federação das Caixas de Previdência -, em que serão gastos 1200 contos, a abertura e pavimentação de novos arruamentos, que vão ficar por cerca de 2000 contos, etc.
As obras referidas junta-se no número considerável de novos edifícios, de cores alegres e arquitectura moderna, construídos pelos particulares e que marginam os arruamentos construídos e beneficiados pela Câmara.
Este surto de progresso tem modificado a fisionomia da cidade, tornando-a um oásis acolhedor, que dispõe agradavelmente quem a visita.
Paralelamente ao notável desenvolvimento da cidade, que é do maior interesse pela sua projecção regional, tem vindo a acentuar-se o progresso das freguesias rurais do concelho, onde nos últimos anos foram levados a cabo pela Câmara muitos melhoramentos locais, em estradas e caminhos municipais, abastecimentos de água, construção e reparação de escolas, electrificação de povoações, etc., melhoramentos que custaram cerca de 7000 contos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os munícipes vila-realenses, que fazem do trabalho e da dignidade lema de vida, olham o futuro com confiança e a certeza de que com o seu esforço e a ajuda do Governo hão-de ir vendo progressivamente satisfeitas as suas legítimas aspirações.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Azevedo Coutinho: - Sr. Presidente: o desenvolvimento económico do País como base de bem-estar em satisfação de direitos humanos e de uma presença condigna no convívio europeu e mundial, iniciado em boa hora no sector industrial, veio revelar a uns, confirmar aos que já o haviam previsto em observações sobre tão importante matéria, como ele se pode tornar frágil e inconsistente, como pode até ficar comprometido, se a agricultura não o acompanhar, tanto em produtividade qualificada, como na condição social dos que a esta se prendem sob quaisquer formas de actividade.
A desejada marcha paralela e harmónica entre estes sectores da economia é deduzida, entre outros aspectos, pelos progressos alcançados mundo fora pela investigação científica industrial na produção de artigos a partir de novas matérias-primas, progresso em parte assimilado pelo espírito atento e empreendedor das nossas empresas fabris, que tendo, por um lado, refle-

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xos favoráveis na agricultura, já por outro, destronando posição tradicional e valiosa de algumas espécies, tirou a outras, por essa via, a utilização que até então as valorizava. E o caso da cortiça e mais recentemente o das lãs, em virtude do aparecimento de produtos sintéticos, nos quais só é admitida para mistura a de um determinado comprimento de fibra, que, por ironia para o progresso agrícola, é o próprio às lãs ordinárias, ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... o que veio a valorizá-las em detrimento das lãs finas, que estavam a ser objecto de movimento melhorador por parte dos agricultores mais progressivos.
Se a agricultura se encontra exposta às contingências da evolução progressiva da indústria nas suas relações de ordem económica e social, está indicado o impulso às culturas fornecedoras de alimentos, por menos sujeitas a estas contingências. Unia outra directriz provém de não poder alhear-se das determinantes de ordem política ligadas à sobrevivência da Europa, em fases de pressões de dois blocos imperialistas. Procura-se, por isso, o estabelecimento de condições do unidade em todos os sectores essenciais u sua defesa, onde, além do militar, diligencia-se firmar os de ordem económica e social.
Estas novas determinantes de convívio europeu levam ao abandono da política de auto-suficiência, da qual se ouve ainda o eco de «o País se bastar a si próprio», para a apresentação de uma nova concepção orientada para a preferência pelas culturas economicamente fortes, para que dispomos de condições naturais, a baixo custo, qualificadas e de produtividade volumosa e de fácil aceitação no mercado europeu, tanto na forma natural como conservadas ou transformadas, para em troca adquirir-se o que não se produza, mas que é essencial ao sustento da Noção.
Desenham-se, assim, perspectivas de abandono de algumas culturas que até agora eram motivo de melhoramento para nosso sustento, ou seja dos produtos pesados e baratos na origem, mas caros à economia nacional quando produzidos por nós próprios, para nos lançarmos nos leves e caros no mercado estrangeiro, como sejam frutas, produtos hortícolas, flores, plantas aromáticas e culturas industriais, etc., para as quais dispomos de condições propícias de produtividade e fácil penetração nos mercados internacionais, em política que um economista agrário estrangeiro tão judiciosamente definiu para o caso português como consistindo em «exportação do clima».
Infelizmente, nesta hora de evolução, ã agricultura portuguesa encontra-se a braços com unia crise grave por uma concepção que teve a sua época, e em que se juntaram erros que não cabem exclusivamente a este ou àquele sector, mas que sendo próprios à deficiência dos valores humanos, provêm de todos nós. No entanto, não deixam de tomar vulto os que ditaram uma política de preços que agravou a rentabilidade da agricultura, mas, mais gravemente, das culturas não ajustadas às condições ecológicas, o que veio provocar desinteresse não só em proceder a investimentos como até em agricultar, tanto por parte dos proprietários como dos rendeiros. Nestas condições, a resolução dos instantes problemas sociais das classes trabalhadoras encontra-se comprometida pela escassez dos salários, correspondente poder de compra limitadíssimo e impossibilidade de a exploração os atender também na escala desejável.
A experiência dos países evoluídos, sob regimes políticos diversos, vem mostrar que um progresso social justo e duradouro tem como causa preponderante o progresso técnico e a expansão de princípios do cristianismo a firmar direitos e responsabilidades ao homem perante as fontes de riqueza, em acção simultânea de valorização do capital homem e do fundiário, para o que se torna indispensável cultura, adestramento e respeito pelas capacidades individuais, que, não sendo as mesmas em todos os homens, têm de ser aproveitadas na integração de méritos e na correcção de defeitos.
Se, como afirmam os conhecidos economistas franceses Fourastié e Laleuf, em estudo comparativo dos resultados dos sistemas que vão do capitalismo americano ao socialismo do Estado Soviético, as reformas jurídicas, n distribuição de riquezas e o nivelamento dos rendimentos não exercerão influência favorável no nível de vida a não ser que acelerem o progresso dos métodos de produção e, tal como está demonstrado, que todas as causas que elevam o nível de vida actuam por intermédio da técnica da produção e de uma compreensão dos seus benefícios, em reconhecimento de que o trabalho individual tem de projectar-se no bem geral, é evidente que a investigação científica agrária, a experimentação, a divulgação e a educação para condições de receptividade aos preceitos da técnica e às suas projecções devem constituir as bases do progresso social que desejamos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vem todo este preâmbulo a propósito do Plano de Fomento Frutícola, desenvolvido pela Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, integrado no II Plano de Fomento, e cuja superior orientação está entregue ao prestigioso cientista e técnico agrário que é o Prof. Joaquim Vieira Natividade, que o está desenvolvendo em moldes correctos e, como tal, a não poder deixar de encontrar aceitação por parte dos agricultores.
Sabendo-se, como diria o conselheiro Acácio, que os conhecimentos se adquirem pelo ensino, ampliam-se pela investigação científica, avalia-se o seu valor prático pela experimentação e aplicam-se por acção simultânea, da divulgação e da instrução de quem os deve utilizar, antecipadamente se previa que o Departamento de Pomologia de Alcobaça, da Estação Agronómica Nacional, actuando nestas condições na região de Alcobaça devia alcançar, mais tarde ou mais cedo, os efeitos desejados.
Na realidade, o Prof. Vieira Natividade, possuído de uma sólida formação científica e de um sentido objectivo de aplicação das conquistas, que divulga como doutrinador e literato do melhor quilate, mestre a formar discípulos com sólida deontologia profissional, a sua obra havia, de projectar-se para além dos privilegiados ao convívio da sua mentalidade criadora.
Para os que se dedicam a outras actividades e desconhecem o seu juízo profundo e esclarecido sobre questões agrárias, comunicado, tal como tenho ouvido, em acolhimento fidalgo no recanto da sua lareira ou no ambiente de trabalho digno e austero do seu laboratório ou pela perfeição dos pomares estabelecidos sob a sua orientação, é agradável exaltar os louvores à sua obra meritória, sentindo-me honrado em prestar-lhe esta justa homenagem, em lugar tão prestigioso, como é o que ocupo nesta Assembleia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Naturalmente, e como era de prever ao ser anunciado o Plano de Fomento Frutícola, algumas regiões do País com possibilidades neste sector da agricultura estão procurando junto da respectiva Secretaria de Estado a sua inclusão nesta via de desenvolvimento, que merece os nossos melhores aplausos.
Do mesmo modo, o distrito de Portalegre incluiu-se entre eles ao considerar as suas características favoráveis à expansão da fruticultura, tanto por condições de meio físico, solos e clima, como pelo interesse, até entusiasmo, em mostrar bons frutos, mas ... apenas quando u tempo e a ignorância o consentem, já que o absentismo da técnica o mantém na ignorância do ordenamento frutícola, da escolha das bons variedades e dos preceitos dos amanhos e granjeios mais indicados.
O distrito de Portalegre deveria contar com um posto de fruticultura se se tivesse dado cumprimento ao disposto no Decreto-Lei n.º 32 179, de 3 de Agosto de 1942, que ficou, por dificuldades de ordem financeira, limitado à forma de letra na folha oficial, como tem acontecido a muitas outras louváveis iniciativas da Administração. E, no entanto, com culturas arbóreas e arbustivas a ocuparem uma área de 8826 ha, segundo elementos colhidos pelo Serviço de Reconhecimento e Ordenamento Agrário, dos quais 2244 ha são de regadio e 6582 ha de sequeiro, considera-se merecedor de uma assistência técnica eficiente, como condição de valorização regional e nacional.
O valor frutícola do distrito pode deduzir-se do inquérito feito às explorações agrícolas do continente pelo Instituto Nacional de Estatística em 1954, do qual retiramos os seguintes dados para as espécies mais comuns, em 1978' pomares e em 1418 propriedades com fruteiras dispersas, entre um total de lã 696 explorações agrícolas:

[Ver tabela na imagem]

Não me foi possível obter dos serviços de estatística elementos sobre a produtividade e valor comercial das frutas do meu distrito, mas não deixa de ter interesse, ainda que sem o rigor dos métodos oficiais, citar informações dos Grémios da Lavoura de Portalegre e de Eivas, embora obtidas por via indirecta. Assim, a Companhia dos Caminhos de Ferro Portugueses indicou em 1939 a saída de 600 t de frutos secos - castanhas, nozes e avelãs - no valor de 1000 contos, dos concelhos de Portalegre, Castelo de Vide e de Marvão, e a indústria ligada à fruticultura em Eivas avalia que, anualmente, são destinadas a conserva 2000 t de ameixas e 500 t de alperches, sem coutar com o consumo directo em fresco no mercado local.
Estes números revelam no seu conjunto as largos possibilidades que a fruticultura encontra tio distrito de Portalegre, tanto mais que a grande maioria destas árvores são mantidas abandonadas às condições naturais, sem submissão aos modernos preceitos da técnica, sendo de esperar maiores quantitativos e melhoria de qualidade num ordenamento devidamente estabelecido e no aproveitamento das terras mais favoráveis.
Tenho defendido nesta Câmara o princípio de que o desenvolvimento da agricultura em bases científicas e orientado para posições competitivas em atenção às condições do futuro mercado europeu tem de assentar nas indicações de ordem geral fornecidas pelo ordenamento agrário, cabendo ao Governo indicar, entre as possibilidades observadas, as que devem constituir rumos do planeamento regional, tendo em vista convenientes ditames da economia nacional e bem-estar rural. E não é ao trazer uma pretensão do meu distrito que me afasto da mesma linha de pensamento.
Embora receie que o Serviço de Reconhecimento e Ordenamento Agrário, por falta de técnicos, já dada a conhecer superiormente, não possa concluir a carta de capacidade de uso dos solos para o Alentejo até 1964, dentro do estabelecido no II Plano de Fomento, nem por isso o fomento da fruticultura viria a operar-se noutras bases, pois o núcleo de Alcobaça especializou técnicos para o seu trabalho de identificação dos perfis ajustados à cultura frutícola, trabalhando correctamente dentro destes princípios.
Do mesmo modo, e no desejo de se vencer o factor tempo, a que tão pouca importância se tem dado no sentido de uma agricultura cientificamente orientada, o distrito de Portalegre, ao reconhecer que a sua evolução agrícola terá de assentar no ordenamento agrário para que seja realizada pela forma mais ajustada às suas possibilidades, não esquece que a fruticultura possa constituir importante via de valorização e de estabelecimento de indústrias complementares que o ajudem a vencer a condição de subdesenvolvimento,

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tanto mais que o Mercado Único Português considera as regiões em tal situação como as primeiras a merecer a atenção das actividades de fomento.
Por outro lado, perfilhando o conceito de um dos nossos conceituados mestres da agronomia portuguesa, o Prof. António Câmara, que já foi categorizado membro desta Assembleia, que «a técnica, agronómica é principalmente uma técnica local, só pode considerar os problemas locais quando os estuda localmente, quando os vive na localidade e quando dispõe no local e para o local das ferramentas essenciais de trabalho», que se ajusta plenamente à fruticultura, torna-se evidente que o fomento deste ramo agrícola no Alto Alentejo deverá dispor de um núcleo de trabalho em condições similares às que se encontram previstas, o muito acertadamente, para outras regiões do País possuídas de interesse frutícola.
Em resumo, as precárias condições em que se arrasta a agricultura do distrito de Portalegre, a convicção de que teremos de nos enquadrar nas directrizes do planeamento regional, no qual se depreendem condições favoráveis do meio físico para as plantas frutícolas tal como é indicado pelas boas condições de vegetação de numerosas espécies susceptíveis de ocuparem extensas áreas, que o citado posto de fruticultura, ainda que limitado a uma determinação na folha oficial, traduz um princípio de aceitação desse valor, são motivos mais do que suficientes para apelar pura a Secretaria de Estado da Agricultura no sentido de, tão urgentemente quanto possível, dedicar a sua atenção a esta região, em que a parte norte se lastima de absentismo dos serviços oficiais neste tão importante ramo da exploração da terra.
Seria injusto se neste momento não manifestasse o nosso agradecimento à Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas pelo interesse e evidentes benefícios obtidos com a eficiente actuação da Campanha de Defesa dos Soutos atacados pelo «mal da tinta», muito contribuindo para a salvação de milhares de castanheiros.
Não se pretende deste modo uma situação de favor, mas, convictos como estamos de possuir interesse frutícola, é de elementar justiça um esclarecimento sobre a sua real posição e méritos, e se os possuir em escala, valiosa como cremos, que venha a dispor de um núcleo de trabalho a funcionar integrado nos moldes com que com tanto êxito vem actuando no Oeste português. Desejamos uma legítima valorização para que o acréscimo das nossas, possibilidades venha também a contribuir para a elevação geral das condições de vida da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Joaquim de Jesus Santos: - Sr. Presidente: não é apenas para cumprir uma regra meramente protocolar, mas sim para dar satisfação a um indeclinável imperativo de justiça, que o meu espírito reclama, que apresento a V. Ex.ª os protestos das minhas mais rendidas homenagens e cumprimento em V. Ex.ª, com o maior apreço, um dos mais notáveis filhos de Portugal.
Avesso por educação ao elogio fácil e contrário por temperamento à lisonja mais ou menos oportuna, não podia, no entanto, deixar de salientai nesta alta Assembleia que o Prof. Mário de Figueiredo, mercê de uma fulgurante carreira pública e de uma vida particular sem mancha, é justamente um dos mais expressivos valores do património moral da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Aceite, pois, Sr. Presidente, as saudações respeitosas e as homenagens agradecidas do mais modesto Deputado desta Câmara ...

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - ... e das gentes de Angola, a província heróica e mártir que aqui tenho a suprema honra de representar.
A VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, dignos e legítimos representantes de todas as populações deste Portugal singular na multiplicidade dos seus povos e na pluricontinentalidade da sua expressão geográfica, afirmo a fraterna amizade e a incondicional solidariedade da portuguesíssima população de Angola.
Sr. Presidente: filho de um desses ignorados e generosos colonos que construíram a magnífica realidade humana que é hoje a grande província portuguesa da África Ocidental, sou estrutural e sentimentalmente um homem de Angola.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - E porque o sou sinto mi minha carne e no meu sangue os seus problemas, as suas dificuldades, as suas dores e as suas alegrias, os seus anseios, as suas esperanças e as suas desilusões.
Vivi efectivamente com ela os dias dolorosamente trágicos de um terrorismo que nos foi desencadeado de fora.
Chorei com ela os homens, as mulheres e as crianças imolados e sacrificados por um barbarismo tão selvagem que todos julgávamos impossível neste século incoerentemente chamado das luzes e numa altura em que nesse incrível areópago das Nações Unidas que seria ridículo se não fora trágico - se falava de paz e de felicidade para todos os povos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vivi em cada dia que passava a amargura da incerteza, do dia seguinte.
Experimentei, em toda a sua extensão, o pavor de poder ver cair a meu lado a mulher e os filhos e senti o drama de lhes deixar um futuro sem pão.
Pois bem: apesar de tudo isso continuei a pensar - como sempre pensara - que nós, portugueses, tínhamos razão e que a política que praticávamos, nos seus princípios fundamentais informados pela moral cristã da caridade, da solidariedade humana e do amor pelo próximo, era e é a única capaz de, dando satisfação aos mais fundos e nobres anseios da alma lusíada, realizar em África os propósitos apregoados mas não sentidos nem queridos pelos mentores da política internacional, isto é, a paz, o progresso, o bem-estar social e a felicidade de todos os homens e de todos os povos de boa vontade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sempre acreditei, com efeito, que em Angola era e é possível, adentro dos grandes princípios da política ultramarina portuguesa, criar uma socie-

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dade multirracial em que todos sejamos irmãos, em que todos nos compreendamos e nos estimemos e em que, pensando da mesma forma e vivendo as mesmas ansiedades, contribuamos decisiva e decididamente para a afirmação perene de um Portugal que há-de continuar a ser, mau grado as dificuldades da hora presente e sejam quais forem as contingências do futuro, uma «grande e próspera Nação».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tenho qualidade bastante para considerar grave afronta dirigida à consciência dos portugueses de Angola, quer sejam pretos, brancos ou mestiços, o dizer-se ou insinuar-se sequer que só por força de um sofisma da Constituição ou merco de mera ficção jurídica a terra de Angola poderá ser considerada província de Portugal e parte integrante do todo nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Todos nós, portugueses daquela província, reivindicamos essa qualidade e sentimos verdadeiro orgulho em que a nossa terra seja, como disse alguém, o espelho gigantesco em que a milhares de léguas de distância se mira amorosamente o Portugal europeu.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Sr. Presidente: o esforço feito pelo País para assegurar a integridade nacional e para promovei- o desenvolvimento e bem-estar do ultramar tem sido verdadeiramente ingente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Todos nós o reconhecemos honestamente e o temos proclamado por diversas vezes.

Todavia, a hora que vivemos é talvez a mais grave e dramática de toda a nossa história, já velha de muitos séculos, e por isso mesmo exige que esqueçamos a medida dos sacrifícios que nos são impostos para só encararmos, com coragem e com alta dignidade, a extensão do dever que temos a cumprir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Foi esta, se nau erro, a palavra de ordem dada pelo venerando Chefe do Estado aquando da abertura solene da VIII Legislatura desta Assembleia Nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora o ultramar, e em especial Angola, porque mais directamente afectada por graves e dolorosos acontecimentos, carece - eu ia a dizer exige - um esforço maior, um sacrifício quase total, de todos os portugueses. O direito a esse esforço e a esse sacrifício resulta para ela legitimamente do muito que
Sofreu.
Urge, assim, reorganizar a sua economia em crise e restaurar a confiança e tranquilidade que os acontecimentos do Norte tão profundamente abalaram.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É necessário proceder, com urgência, a um intenso povoamento, nomeadamente naquelas regiões que mais duramente foram atingidas pelos actos de terrorismo.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - É necessário fomentar o crédito agrícola, comercial e industrial, criando as necessárias instituições, uma vez que praticamente não existem na província.
É necessário dar imediata, real e séria execução às medidas legislativas que, com tanta oportunidade, foram promulgadas pelo Ministério do Ultramar.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - É necessário promover prontamente o desenvolvimento do ensino, de forma a melhorar o nível cultural, e intelectual das grandes massas da população, criando para tanto novas escolas de ensino elementar e médio e instalando e pondo a funcionar os já criados estudos gerais de Angola.

O Sr. Burity da Silva: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: Faz obséquio.

O Sr. Burity da Silva: - Nesse capítulo do ensino, secundo o apelo que faz e aproveito a oportunidade para juntar também o meu apelo ao Governo para que considere, numa reorganização da instrução, a necessidade de contar com as grandes massas nativas ...

Vozes: - Muito bem. muito bem!

O Sr. Burity da Silva: - ... que têm do ser chamadas ao mundo da civilização, não segundo as bases de uma educação clássica, mas à base de uma educação funcional, do artesanato, problema ingente, enorme, tão grandes são essas massas.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quero dizer a V. Ex.ª que nus minhas preocupações sempre estiveram as chamadas amassas nativas ».
V. Ex.ª terá reparado, com certeza, que não fiz qualquer distinção entre brancos e pretos, pois todos são angolanos e essencialmente portugueses.

O Sr. Burity da Silva: -Não fiz qualquer ressalva a uma questão de diferenciação, mas limitei-me a aludir a um problema que se refere u valorização de grandes massas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É necessário promover o bem-estar material e social das populações economicamente mais débeis, proporcionando-lhes as indispensáveis condições de vida e de trabalho, e assegurar a instituição da assistência e da previdência social.
É necessário que o capital metropolitano se convença seriamente de que em Angola há um largo campo de aplicação rendosa à sua espera, e, por consequência, aqueles que o possuem deverão sem receios injustifica-

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dos ou hesitações e tibiezas condenáveis proceder no seu investimento na província, assim possibilitando a exploração de riquezas inaproveitadas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É necessário que se levem a cabo, no plano administrativo, as reformas indispensáveis á uma maior eficiência dos serviços públicos e que os erros verificados e os desvios cometidos sejam eliminados sem transigências, ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... se afastem os elementos indesejáveis e se punam implacávelmente aqueles que intencionalmente ou por negligência prevaricaram.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É preciso, finalmente e sobretudo, que o amor e o interesse dos portugueses pelo ultramar não seja apenas a manifestação de um platonismo vazio de sentido, mas sim a afirmação consciente e real de uni sentimento profunda e intensamente vivido e, portanto, capaz de aceitar todos os riscos e sacrifícios que a sobrevivência da Pátria, na intangibilidade do seu património, possa vir a exigir-lhes..

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Pinheiro da Silva: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Pinheiro da Silva: - Quero apenas felicitar o Sr. Deputado Jesus Santos pelo inteligente, bem estruturado, sereno, sensato e oportuno trabalho que nus trouxe.
V. Ex.ª é realmente uma das figuras mais representativas da moderna geração de angolanos, e, por isso, com a experiência que tem dos problemas ultramarinos, possui autoridade para nos dizer do patriotismo e dos anseios dessa grande província portuguesa. Nas suas afirmações perpassa, com efeito, um sopro de patriotismo que é timbre de todos os bons portugueses, quer sejam da metrópole quer sejam do ultramar.
A V. Ex.ª, Sr. Deputado Joaquim de Jesus Santos, apresento as minhas mais vivas e gostosas felicitações.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estas são, Sr. Presidente o Srs. Deputados, as reivindicações que a província de Angula faz à Nação e cuja satisfação reclama e confiadamente espera do sou Governo.
Elas constituem também a mensagem de esperança e de fé quê trago ao Paia, com a certeza de que Angola, retemperada na luta e sublimada pelo sofrimento, encontrará em si, hoje e sempre, as indispensáveis energias para se afirmar eternamente terra bendita de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Antão Santos da Cunha: - Sr. Presidente: tinha-me imposto «a pena do silêncio» nesta sessão legislativa. Não porque me considerasse desinteressado dos problemas du vida nacional, nem porque houvesse esmorecido em mim o espírito de luta indispensável a quem tem responsabilidades na vida política, e de modo muito especial na hora difícil que o País atravessa. Mas tão-somente pela circunstancia de, ao relancear os olhos pelo panorama desta sessão legislativa, me ter convencido de que outros, mais qualificados e mais novos, mantinham viva essa mesma chama de preocupação política, por forma a poder deixar mais tranquilos aqueles que, de algum modo, se vinham sentindo cansados por muitos anos de lutas e por algumas desilusões.
Mas, Sr. Presidente, resolvi-me, no entanto, a quebrar esse silêncio, e a primeira satisfação que tenho ú a de dirigir a V. Ex.ª os meus cumprimentos e as minhas saudações. E V. Ex.ª sabe a sinceridade que ponho nelas. Aluno de V. Ex.ª na escola, considero-me também aluno de V. Ex.º na vida, o que reputo ainda mais importante, porque ao magistério de V. Ex.ª na escola sucedeu-se o magistério mais extenso, e mais profundo, na vida pública, que V. Ex.ª tem desempenhado com grande altura e perfeita dignidade e no qual tenho procurado continuar a aprender com V. Ex.ª
Sr. Presidente: a imprensa trouxe ao conhecimento do público um comunicado referente a uma reunião do conselho da Corporação do Comércio, relativa u um problema do mais alto interesse, qual seja o do imposto sobre o consumo.
Essa notícia e essa moção, apresentada e aprovada no conselho da Corporação, põem dois problemas, ambos importantes e dignos de uma palavra de comentário nesta Casa.
O primeiro refere-se n queixa amarga, e, quanto a mim, justificada, do esquecimento a que, continuadamente, se votam os organismos representativos dos interesses económicos, espirituais ou autárquicos, na medida em que a Administração se julga dispensada, afinal, de respeitar o sentido representativo da nossa vida política.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O outro está em directa correlação com o próprio imposto de consumo, que se não discute, quer quanto u necessidade da sua incidência, quer quanto à premência de se obterem receitas para os objectivos que determinaram a sua criação. Apenas estão em causa problemas ligados à sua aplicação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quanto ao primeiro problema, já vem de longe a minha preocupação de reivindicar nesta Câmara a necessidade de se não destruírem os valores doutrinários da nossa organização política, desacreditando o sistema, desencorajando vontades, iludindo dedicações, as mais puras e as mais desinteressadas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Já um dia disse - e penso que também foi aqui - que não basta governar para o País; torna-se indispensável governar com ele.
Vão passados os tempos em que as populações se desinteressavam da marcha da vida pública e se con-

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tentavam em receber os benefícios de uma sã administração. Hoje todos se querem sentir solidários, com participantes activos e actuantes na vida pública, e, por consequência, reputo um erro grave o modo como os serviços públicos actuam, desrespeitando, como disse há pouco, esse sentido representativo, vivendo de costas voltadas para as realidades, não prestigiando esses mesmos organismos e criando a desilusão e o desânimo daqueles que os sorvem com tanto carinho e dedicação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas, correlativamente com este problema de fundo, que se aplica não só ao caso que é objecto fundamental da moção apresentada e aprovada na Corporação do Comércio, temos o problema propriamente ligado ao imposto de consumo.
Como já disse, Sr. Presidente, nem eu nem a Corporação do Comércio, e penso que ninguém com alguma dose de bom senso, pomos em causa a necessidade do imposto de consumo, mas tudo se tem de fazer para o tornar o menos prejudicial possível às actividades que têm de o cobrar e ao público que o tem de pagar.
Ora essa preocupação tem estado fortemente afastada das preocupações dos serviços públicos responsáveis. Todos nós esperávamos, Sr. Presidente, que a anunciada reforma da estrutura do imposto de consumo determinasse uma simplificação da sua cobrança. Ilusão perdida e baldada, porquanto a nova estruturação do mesmo imposto veio criar complexos e difíceis problemas, porque não só alarga a muitos mais artigos a incidência do imposto, como o reparte em vários escalões aplicados ao mesmo género de produtos, o que quer dizer que na mesma casa de modas ou perfumarias, ou seja do que for, há artigos sujeitos à multiplicidade das taxas, o que singelamente se pode expressar dizendo que uma simples caixeirinha do Chiado tem de estar habilitada a saber quais os artigos que estão sujeitos à percentagem de 10, 15 ou 20 por cento. Tem de saber direito fiscal ...
Quer dizer: trouxeram-se mais embaraços às actividades comerciais e aumentaram-se as reacções psicológicas do consumidor.
As actividades comerciais têm sobre si o incómodo, a maçada de complicadas escriturações. Quer dizer: o sistema foi feito para amanuenses das finanças, e alguns podem sentir-se tentados a dizer que foi concebido com mentalidade de amanuense das finanças ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ora este assunto tem de ser revisto. Impõe-se a necessidade de não criar mais embaraços às actividades comerciais, pelo que respeita à sua vida administrativa e sobretudo pelo que respeita às responsabilidades que tem perante a própria fiscalização.
Sr. Presidente: a Corporação do Comércio, ao aprovar esta moção, apelou no sentido de ser revista a estrutura do imposto de consumo. Surge agora no meu espírito uma dúvida: é que, decorridos 30 anos de sólida administração pública, nós às vezes parece não termos a maturidade política indispensável para suportar com bom espírito as críticas construtivas que se fazem à mesma administração. Eu tenho medo de que os serviços do (Ministério das Finanças, em vez de per-
derem tempo a considerar as justas reivindicações que lhes são feitas, vão perder muito mais tempo a mostrar que os reclamantes não têm razão. Pode criar-se uma posição difícil, em que cada qual se mostrará couraçado e intransigente nas suas próprias convicções.
Eu apelo para o Sr. Ministro das Finanças e para os seus mais directos colaboradores no sentido de se empenharem em demonstrar que estas minhas preocupações são infundadas e de atenderem de maneira compreensiva as reclamações que lhe são dirigidas no sentido de se resolver este problema.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Suponho que este sistema terá vantagens essenciais, sendo uma delas, de valor político incontestável - a de serem ouvidos os representantes das actividades ligadas ao problema:

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O esquecimento a que foi votada essa representação permitiu que a Corporação do Comércio, em termos bastante vivos e talvez pouco comuns nestas andanças, se sentisse inteiramente à vontade para protestar com veemência.
Ora as conveniências políticas impunham que os serviços ouvissem os organismos responsáveis, ou para lhes reconhecer razão, ou para lhes demonstrar que a não tinham.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: faço aqui um apelo ao Governo para que, como disse, dê uma prova da nossa maturidade política, revendo com compreensão este grave problema.
E por duas razões fundamentais: uma, de coerência doutrinária; outra, de alta conveniência política. Não. me parece que servir uma e outra seja pedir muito.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à, primeira parte da

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão a Conta Geral do Estado, as contas das províncias ultramarinas e as contas da Junta do Crédito Público.
Tom a palavra a Sra. Deputada D. Custódia Lopes.

A. Sra. D. Custódia Lopes: - Sr. Presidente: apesar de sentir a responsabilidade que constitui fazer a apreciação das Contas Gerais do Estado, sobretudo num momento tão grave para a Nação, atrevo-me a subir a esta tribuna para, em breve apontamento, focar apenas dois problemas da vida ultramarina cajá solução está intimamente ligada à maior ou menor possibilidade financeira do Estado.
Vou, pois, ocupar-me de dois aspectos que reputo de especial interesse para a província de Moçambique: a educação e a saúde.
Sr. Presidente: nas considerações gerais que precedem o bem elaborado parecer sobre- as Contas Gerais do Es-

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tado de 1960 que se referem, ao ultramar, nas «Despesas ordinárias», o seu ilustre relator, muito justamente, diz ó seguinte:
A obra realizada em matéria educativa e sanitária já é grande, e todos os anos os pareceres recomendam a sua intensificação, indicando o caminho a seguir.
Obras de natureza educativa e social custam muito dinheiro, que sairá, em grande parte, das receitas ordinárias, e é contabilizado nas despesas também ordinárias.
O desenvolvimento desta obra nos próximos anos e a manutenção do ritmo do progresso adequado nos exercícios seguintes requererão um esforço fiscal apreciável.

Palavras justas e criteriosas estas, que precedem a análise minuciosa das contas gerais do ultramar de 1960 e que merecem o nosso mais vivo aplauso.
Na verdade, a obra realizada em matéria educativa e sanitária no ultramar é já grande, mas, como muito bem diz o conceituado relator do parecer, Sr. Deputado Araújo Correia, há que intensificá-la.
Sr. Presidente: já nesta Câmara me referi à necessidade de se estender a educação a toda a massa populacional de Moçambique, num empreendimento de largo alcance social e nacional, para o qual, decerto, muito se terá de despender.
Mas, se por um lado, na obra educativa em expansão, as despesas aumentam cada vez mais e o capital investido é a longo prazo, por outro lado, são despesas benditas e investimento precioso pelo que traduzem de valorização humana nos aspectos espiritual, social e económico.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Por isso, não será de mais quanto se gaste na obra educativa, no sentido de se alargar o âmbito da educação, que não pode limitar-se ao aumento da escolarização das massas juvenis. Ainda que a este aspecto tenha de dar-se especial atenção, pois que os jovens de hoje serão os homens de amanhã, moldados pela obra educativa e social que tivermos realizado, não podemos deixar de atender também à elevação do nível social da população adulta, empregando para isso todos os meios que a técnica moderna põe ao alcance do homem.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Foi considerando esta necessidade que o Governo de Moçambique instituiu o Serviço Extra-Escolar, do qual tanto haverá que esperar. A importância deste serviço é tão grande para o desenvolvimento social das populações que é preciso um esforço para que lhe não faltem meios de acção.

O Sr. Pinheiro da Silva: - V. Exa. dá-me licença?

A Oradora: - Faça favor.

O Sr. Pinheiro da Silva: - Essa acção a que V. Exa. acaba de se referir será feita mais ou menos nós moldes da Campanha de Educação de Adultos realizada na metrópole?

A Oradora: - Esta acção começou há pouco tempo, e julgo que não será feita nesses moldes. De resto, não é esse o objectivo da campanha. A campanha realizada na metrópole era, creio eu, de alfabetização ... Esta é mais vasta.

O Sr. Pinheiro da Silva: -Portanto, essa acção dirige-se mais à elevação do nível de vida ...

A. Oradora: - Do nível social das massas.
Pela leitura do parecer das contas do ultramar de 1960 verifica-se que em Moçambique, no capítulo da instrução, a despesa aumentou 12 695 contos, que acresceram aos 8000 contos de 1959 em relação a 1958. O seu total elevou-se para 80 968 contos.
Nestas despesas incluem-se a Direcção dos Serviços, o Arquivo Histórico, os Liceus de Lourenço Marques e Beira, escolas industriais, comerciais, de artes e ofícios em diversos localidades, além das do ensino primário. Desta, verba, o maior gasto foi com o pessoal, em que se despendeu o total de 58 234 contos.
No ensino, primário, liceal e técnico, gastaram-se 16 808 contos, sendo a restante verba despendida na Educação Física, Direcção dos Serviços, Arquivo Histórico e Inspecção do Ensino, como consta do parecer.
A estas despesas acrescentam-se as que se fizeram com a construção e apetrechamento de instalações escol área, incluindo a de ensino do Limpopo, de feitores ou práticos agrícolas, as quais foram de 22 041 contos saídos das verbas destinadas ao Plano de Fomento e ainda 22 713 das receitas ordinárias, o que perfaz 44 754 contos, além de outras.
Diz o parecer que a tendência é para grande subida desta despesa. E acrescenta o douto relator:

O exame das contas revela que o esforço terá de ser bastante apreciável, dado que, dentro em breve, como preconizado nestes pareceres, haverá necessidade de um instituto superior e de alargar o âmbito do ensino secundário, técnico e elementar.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Com efeito, um ano decorrido após o período a que se refere o parecer das contas, verifica-se um amplo alargamento no âmbito do ensino liceal, técnico e elementar de Moçambique, o que indica que a Administração da província fez um considerável esforço nesse sentido.
Além de 154 escolas primárias, criaram-se em 1961, no ensino secundário, o Liceu Feminino de Lourenço Marques, o Liceu Nacional de Quelimane e o Liceu de Nampula.
Estabeleceu-se o ensino médio com a criação do Instituto Industrial e do Instituto Comercial em Lourenço Marques, Instituto Comercial e Industrial na Beira e ainda a Escola de Regentes Agrícolas no distrito de Manica e Sofala.
No ensino técnico e profissional foram criadas duas escolas técnicas elementares em Lourenço Marques, uma na cidade de Moçambique e uma outra na cidade de Porto Amélia. Criaram-se também as escolas elementares agrícolas de Inhamússna, Mocuba e Ribane e a Escola Prática de Agricultura, integrada na Escola de Regentes Agrícolas de Manica e Sofala.
Foram também criados novos cursos nas escolas industriais de Lourenço Marques, Quelimane e Nampula e ainda 50 cursos nocturnos no ensino primário.
Este ano, precisamente há poucos dias, foram instituídas na, província de Moçambique duas escolas do magistério primário, que eram indispensáveis para

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atender à grande expansão que está a verificar-se no ensino primário. Foi uma medida do Governo oportuna e justa com que Moçambique muito se congratulou.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Se faço a V. Exa. esta enumeração dos novos estabelecimentos de ensino, é para evidenciar como, felizmente, se vem acelerando a capacidade de escolarização em Moçambique e fazer notar que, a continuar-se, pelo menos, pelo ritmo actual, haverá a necessidade de esforços financeiros ainda maiores.
A criação de mais escolas traz, sem dúvida, consigo muito mais despesas, que vão desde a construção de edifícios expressamente destinados a esse fim às despesas com n aquisição do material escolar e com as do imprescindível aumento do professorado e pessoal auxiliar. Para que o ensino se faça em bases seguras e actualizados há que dotar as escolas com as condições pedagógicas- convenientes e dar aos seus agentes os meios didácticos apropriados para que possam dedicar-se com proficiência à sua missão, o que não quer dizer que não se construam escolas económicas e funcionais.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Dentre o vasto plano n realizar na obra educativa em Moçambique julgo- dever merecer mais cuidada atenção o ensino profissional em escolas de artes e ofícios, que precisam de ser multiplicadas e para as quais é necessário criar maior interesse.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - A obra educativa compreende não só o desenvolvimento espiritual e moral do indivíduo, mas ainda o seu desenvolvimento físico. Daí, a necessidade de se dar também maiores possibilidades para uma mais larga acção no campo da saúde escolar, onde, em Moçambique, se está já fazendo uma boa e útil assistência em colaboração com o professorado.

Vozes: -Muito bem!

A Oradora: - Porém, a rápida expansão do ensino leva-me a crer que será necessária a ampliação das actividades e aumento de esforços neste sector da saúde.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Outro aspecto da obra social e educativa que urge resolver é o que se refere à assistência infantil e à educação das crianças em idade pré-escolar. É um problema que merece ser encarado seriamente e para o qual mie permito chamar a atenção do Governo.
A acção dos dispensários que, a pouco e pouco, se vão criando na província e que convém ampliar, só será completada quando forem criadas creches e jardins de infância.
Num território em que ornatos mulheres trabalham fora de casa, quer como funcionárias, quer coroo empregadas iro comércio e indústria, e onde a situação da ausência Aã mulher do lar se agrava com a falta de pessoal domestico, há necessidade premente de se fundarem creches, jardins de infância e jardins escolas onde as mães que trabalham possam deixar com segurança e tranquilidade os seus filhos.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Ao ler a proposta do Estatuto da Saúde e Assistência para a metrópole, que se tem discutido nesta Câmara, com o cuidado que o assunto requer, foi com satisfação que observei que não foi descurado pelo Governo o problema da. assistência à maternidade e infância., de tal modo que numa das suas bases se atende à necessidade de se aumentarem as dotações para tal efeito.
Em Moçambique, onde as verbas despendidas com a assistência materno-infantil me parecem insuficientes para a grande campanha que urge empreender, seria da maior vantagem que se pudesse também, de qualquer modo, aumentar as despesas com essa tão necessária assistência.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Outra medida vantajosa a estabelecer seria a da fundação obrigatória de creches em fábricas e outros estabelecimentos onde o número de mães empregadas o exigisse.

O Sr. Pinheiro da Silva: - V. Exa. dá-me licença?

A Oradora: - Faz favor.

O Sr. Pinheiro da Silva: - É apenas para um esclarecimento.
Desejava saber se as mães a que faz referência são indígenas ou nativas.

A Oradora: - Falo de todas as mães, nativas ou não.

O Sr. Pinheiro da Silva: - Eu explico a V. Exa. a razão da pergunta: é que, efectivamente, em Angola, o problema da mulher a que se refere quase não se apresenta. E ainda diminuto, com .pouca acuidade. Era assim, pelo menos, há poucos anos.

A Oradora: - Em Moçambique não se pode dizer que seja diminuto, e, ao falar das mulheres, lembro-me de todas elas, quer sejam operárias, quer professoras, etc.

O Sr. Pinheiro da Silva: - Agradeço muito a V. Exa. os esclarecimentos e, assim, fiquei a saber que a mulher indígena de Moçambique já trabalha em diversas profissões, o que significa um desenvolvimento muito apreciável da nossa acção colonizadora em Moçambique.

A Oradora: - Muito obrigada a V. Exa. pelo seu interesse.
A criação de jardins-escolas para as crianças em idade pré-escolar, tal como já se fez em Angola, é medida que convém também adoptar em Moçambique. Só assim poderemos dar à mulher e à criança a protecção de que carecem pelos condicionalismo? económicos e sociais da vida actual.
Para essa assistência e educação infantil muito contribuirão os educadoras de infância e assistentes sociais que se irão, sucessivamente, formando no Instituto de Assistência e Acção Social, recentemente criado em Moçambique e que esperamos ver em breve em funcionamento, pois que se impõe a formação de um quadro de pessoal social.

Vozes: -Muito bem!

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A Oradora: - As assistentes sociais deverão ser enquadradas e colaborar nos planos de acção sanitária e educativa que muito hão-de contribuir para a melhoria e bem-estar social das populações urbanas e rurais da província, e para os quais muito poderão concorrei-as iniciativas particulares das grandes empresas, fundando escolas, construindo hospitais ou postos hospitalares, maternidades, dispensários, creches, etc., de que tanto necessita a província. Para toda esta acção serão certamente necessários muitos mais professores, médicos e enfermeiros.

Vozes: - Muito bem!

À Oradora: - A par da acção educativa, torna-se necessária uma mais ampla acção sanitária, que abranja os mais longínquos lugares do interior da província.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Diz o parecer das contas do ultramar, na rubrica que se refere à saúde, que se produziu também aumento das despesas nos serviços de saúde, que somaram 134 908 contos, incluindo a despesa da Missão de Combate às Tripanossomíases, com 9507 contos. Nestas despesas não estão incluídas as que se referem à construção de hospitais, incluídos em receitas extraordinárias.
Parece-nos que estas despesas estão muito aquém de poderem satisfazer as necessidades da população em matéria de saúde.
É ainda o ilustre relator do parecer em discussão quem nas suas acertadas considerações diz o seguinte:

A lei da vida obriga a ser cauteloso nos gastos. Mas não se deve hesitar em medidas que melhorem as condições de saúde e de trabalho, embora rodeando os gastos das possíveis cautelas.

E acrescenta:

Economias onde haja necessidades prementes não são de desejar nem aconselhar; mas economias em gastos supérfluos, em gastos improdutivos ...

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - A reorganização dos serviços de saúde promulgada em 1945 alargou em extensão e profundidade a ocupação sanitária da província, ampliando os serviços gerais especializados, expandindo o rastreio das grandes endemias e a natalidade e fazendo declinar a mortalidade infantil, de tal modo que se pode considerar apreciável a obra já realizada na província de Moçambique em matéria de saúde. Porém, os novos caminhos seguidos em todo o mundo moderno, neste campo, levam a novas concepções e soluções que é preciso aplicar.
Depois de um conjunto de medidas que permitiram diminuir e quase debelar as doenças específicas dos trópicos que ceifaram muitas vidas dos pioneiros, depois de uma acção que permitiu diminuir a mortalidade e alimentar os condições de vida não só ao europeu, mas também aos próprios nativos, há agora que se fazer uma remodelação no sentido de se acompanhar no ultramar a profunda mudança quo em matéria de saúde se está processando em todo o mundo moderno.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - Os meios de acção de que no campo da saúde o homem de hoje dispõe permitem não só nina mais eficiente e rápida cura das doenças, mas também uma medicina preventiva capaz de evitar os grandes flagelos e endemias que outrora afligiam a humanidade.
Há ainda a considerar uma medicina verdadeiramente social e actual, a medicina recuperadora, que reabilitará para o trabalho o homem considerado inútil, tornando-o um indivíduo útil e feliz.
Ora, em Moçambique, ultrapassada a 1.ª fase da ocupação sanitária, e como consequência do ritmo do desenvolvimento económico e social, sente-se a necessidade de se desenvolver a medicina nos vários sectores da saúde pública, mental e do trabalho.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: -Sente-se ainda a necessidade de se alargar cada vez mais o âmbito da assistência médica e social, que, coordenadas, protegerão as suas populações urbanas e rurais dos males e riscos que afligem e perturbam a vida humana.
Tudo isto, que está no espírito do próprio Governo realizar, exige recursos consideráveis, pelo que parece ser conveniente procurar obter-se uma larga colaboração não só das populações, como de todas as actividades económicas que trabalham na província, e para os quais esta obra de bem-estar social oferece também o mais alto interesse.
Só todos, com o sacrifício de todos, poderemos vencer as grandes dificuldades que se deparam e trabalhar para um futuro melhor.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Sr. Presidente: a leitura do parecer sobre as contas públicas, tão proficientemente elaborado pelo Sr. Deputado Araújo Correia, na parte que diz respeito ao ensino superior, fez incidir a minha atenção sobre os problemas que afligem as Faculdades de Letras, particularmente a de Lisboa.
A verificação que logo me impressionou foi a de que o Estado gastava há 30 anos, nas Faculdades de Letras, 5000$ por aluno e por ano; hoje, porém, apesar das magníficas instalações inauguradas vai para 5 anos, esses 5000$ baixaram para 2000$, o que não é indício de autêntico progresso. Talvez não convenha gastar mais numa Faculdade de Letras. E, nesse caso, teremos de nos interrogar sobre o excesso de frequência a que, fundamentalmente, se deve essa regressão. Comecemos por alguns dados estatísticos.
1) Quanto à frequência. - Sabe-se que o aumento de frequência nas Faculdades de Letras se acentuou de maneira extraordinária nos últimos 10 anos. Em Lisboa, passou de 760 em 1940 para 965 em 1950 e 2300 em 1960 - um aumento de 30 por cento na primeira década e de 140 por cento na segunda. Em Coimbra, passou, nos últimos 6 anos, de 1396 em 1954-1955 para 2133 no ano lectivo corrente, crescimento mais lento, mas também significativo, de 50 por cento.
Estes números não abrangem uma classe intermédia muito importante: a dos alunos que, terminada a frequência das cadeiras, são candidatos ao exame de licenciatura e reclamam persistentemente a atenção dos professores para a elaboração das teses, sobrecar-

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regam a sala da leitura da biblioteca e não pagam propinas. Devem ser em Lisboa cerca de 300 (só se sabe que são 252 em Filologia Germânica). Isto elevará a 2825 a frequência efectiva na Faculdade de Lisboa, presumivelmente a 2350 a de Coimbra.
Considerando o ritmo de crescimento de ambas, não é excessivo prever que em 1970 a de Lisboa subirá a 4250 alunos e a de Coimbra a 3600. Quanto à conclusão de cursos nos últimos 5 anos, para os quais foram publicados dados estatísticos (1954 a 1958), verifica-se um aumento de 90 por cento para Coimbra e de 160 por cento para Lisboa.
2) Frequência relativa aos vários grupos na Faculdade de Letras de Lisboa. - Comparado com o número de estudantes que frequentam os outros grupos, verifica-se o predomínio esmagador dos inscritos em Filologia Germânica, que vem já do ano de 1951. Eis o quadro actual das inscrições:

Filologia Clássica ........... 46
Filologia Românica .......... 293
Filologia Germânica ........l 160
Ciências Históricas ......... 264
Filosofia ................... 257
Ciências Geográficas ......... 57
Ciências Pedagógicas ........ 382
Adjuntos do 8.º grupo ........ 54
Adjuntos do 11.º grupo ....... 12
2 525
Licenciandos................ 300
2 825

Se ao número dos alunos de Filologia Germânica juntarmos os 250 licenciandos acima referidos, verifica-se que este grupo absorve precisamente 50 por cento dos alunos da Faculdade.
O número de licenciaturas, no ano lectivo de 1960-1961, regista um movimento que confirma plenamente estas conclusões:

[ ver tabela na imagem]

O Sr. Pinheiro da Silva: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Pinheiro da Silva: - Gostaria que V. Exa. me esclarecesse sobre quais as cansas por que a secção de Filologia Germânica conta com uma frequência tão grande.

O Orador: - Se V. Exa. aguardar um momento terá ocasião de ouvir quais são essas causas.
Aqui, o número de licenciaturas em Germânicas é superior (55 por cento) ao de todos os outros grupos reunidos, e tende a aumentar, pois que é também superior à média das licenciaturas (71 por cento em Germânicas nos últimos 5 anos - média de 44 por ano).
3) Quanto aos professores. - Para esta população escolar, que é a maior de qualquer escola de qualquer grau do País, há um corpo docente desproporcionado - 10 professores catedráticos, 3 extraordinários, 3 primeiros-assistentes, 38 segundos-assistentes, 9 leitores, 2 professores contratados; destes 65 professores, são efectivos apenas 12 (10 catedráticos e 2 extraordinários) e só l5 pertencem ao quadro-, que, embora aumentando em mais de 100 por cento (30 professores em 1950; 65 em 1961), não conseguiu acompanhar o aumento correspondente no número de alunos (140 por cento).
É muito pior a situação em Coimbra, porque, tendo aumentado a frequência. em 45 por cento nos últimos 4 anos, o número de professores cristalizou inexplicavelmente em pouco mais de 30.
A relação entre o número de professores e o número de alunos, que era de l: 32,6 em 1950, subiu para l: 39 em 1962, apesar do grande aumento no pessoal docente.
Mas no grupo de Filologia Germânica a proporção é de l: 88, mais do dobro da média geral, com óbvio prejuízo para o ensino, que é feito em classes de 70 e 100 alunos, inadmissível na preparação profissional de futuros professores de línguas.
A actual relação média exigiria para este grupo 29 professores, em vez dos 15 que efectivamente tem; com o crescimento a ritmo idêntico, a situação será em 1970 muito mais grave, porque a frequência do grupo terá atingido, com uma entrada anual de 160 e uma saída de 50, o número de 2025, ao qual corresponderá um corpo docente de 52 professores, só no grupo de Filologia Germânica, entenda-se - mais 38 do que no ano lectivo corrente.
4. O regime de exames. - Esta situação, já de si dramática, é agravada pelo regime de exames. Actualmente verifica-se que num ano lectivo de dez meses há seis meses de exames, um de férias e três de aulas. Creio que se está estudando a possibilidade de suprimir os exames de frequência nas escolas superiores; com isso, porém, ganhar-se-ia apenas um mês lectivo.
O que seria perfeitamente viável com algumas centenas de alunos deixa de o ser com 2000, porque todos os cálculos e previsões de há 5 anos falham estrondosamente perante a invasão das massas.
A multidão aniquila a escola. Os professores esfalfam-se a .preleccionar (quando não há exames) a cursos descomunais e esgotam-se a ver militares de provas, a fazer centenas e centenas de exames orais em mais de 80 cadeiras no fim do ano, a orientar centenas de dissertações, condenadas a uma classificação medíocre por falta de apetrechamento bibliográfico, de institutos de investigação, que, sem dotação própria, não passam do papel, e até por falta de uma biblioteca universitária.
Os efeitos do afluxo patológico de alunos ao grupo de Filologia Germânica, pela orgânica da nova reforma, que este ano fica em plena aplicação, atingem os grupos de Filologia Românica, de História e de Filosofia, todos com cadeiras de opção para os germanistas; e tornam-se particularmente salientes no 1.º ano e em certas cadeiras de cultura geral, onde, de ano para ano, aumenta o peso morto dos alunos sem nível adequado às exigências de uma Faculdade de Letras.
Não errará quem afirme que em nenhuma escola superior do País, nem talvez do Mundo, se verifique tão grande desperdício de energias; que em nenhuma outra o Estado concede verbas tão mal aplicadas em subsídio às multidões que se matriculam no 1.º ano a das quais apenas um décimo chega a concluir o

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curso. São, por excelência, as escolas da frustração e da derrota, porque, felizmente, os níveis de selecção não foram degradados pelos corpos docentes, cientes do papel que desempenham na formação do escol dirigente da sociedade portuguesa. A selecção e apuramento conscienciosos desse escol é que têm sido gravemente prejudicados pelas massas, que, não vendo mais para onde ir, nem impedimento sério à entrada, se atropelam às centenas nos primeiros anos, onde se vêem forçadas a marcar passo em cursos de várias centenas por cadeira:

História da Cultura Clássica............. 625
História da Cultura Medieval............. 382
Teoria da Literatura..................... 465
Fonética Geral .......................... 470

Assim, a frustração do aluno corresponde à frustração do professor, reduzido a máquina de aferir incapacidades mentais, que persistem, todavia, em aguardar mais um ano, e outro, e outro, já que as propinas são praticamente de graça (1200$ por ano por cinco cadeiras) e as três reprovações eliminatórias têm de ser em exame final e raras vezes produzem, portanto, os seus efeitos.
O ensino transforma-se assim numa caricatura de si mesmo. E as maiores vítimas são precisamente aqueles poucos que pretendem preparar-se conscienciosamente para o professorado secundário, porque, na balbúrdia geral, a Universidade não consegue dar concretização aos fins para que existe.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Desapareceu quase por completo o conhecimento pessoal dos alunos, sobre o qual, quando se tratava apenas de uma ou duas dezenas, assentava a informação anual. Dois exercícios de frequência em 16 cadeiras por cada aluno, a distribuir por 15 professores, dá uma média de 3252 provas a classificar, por professor, em Fevereiro e Maio, antes da época dos exames, em que se vão os meses de Outubro, Novembro, Junho e Julho.
Para o ensino das línguas, as turmas variam entre 50 e 100 alunos, que ao frequentarem as cadeiras de Pedagogia ouvem dizer, maravilhados, que as turmas de línguas não deveriam ter mais de 20. As chamadas são um diálogo entre professor e aluno, mus em turmas tão vastas as correcções e observações do professor atraem a atenção das duas primeiras filas e provocam a conversa ou o tédio entre os restantes. A elevada percentagem- de reprovações não afugenta os ignorantes, que persistem em iludir-se a si próprios, congestionando os cursos com o peso morto de repetentes contumazes (Alemão I, 420 alunos; Inglês I, 355 alunos).
Os esforços do Estado, tão largamente evidenciados nos últimos anos, para proporcionar melhores condições ao ensino superior não parecem estar bem orientados por uma visão clara dos frutos sociais a atingir. É necessário defender o ensino das Faculdades de Letras, que em muitos aspectos ainda está longe de atingir o nível a que aspira. É imprescindível que a formação do escol a quem amanhã se vai entregar a parte mais importante do sistema educativo da Nação se faça em condições menos precárias e tumultuosas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: -E para isso importa canalizar a multidão que a Universidade não assimila, e da qual dificilmente pode libertar-se no condicionalismo actual, para vias de mais rápidos resultados, em níveis de formação menos extensos e de maior rentabilidade social.

Vozes: - Muito bem. multe bem!

O Orador: - O descongestionamento das Faculdades de Letras deve ser um dos objectivos mais importantes de uma sólida política de educação no momento actual. Para isso, torna-se necessário, depois do que ficou dito, encontrar soluções capazes de serem bem recebidas pelo elemento feminino, que é sobretudo responsável por esse congestionamento.

O Sr. Pinheiro da Silva: - V. Exa. dá-mo licença?

O Orador: - Mais uma vez com todo o gosto.

O Sr. Pinheiro da Silva: - Gostaria que V. Exa. me esclarecesse noutro ponto. Se é assim o panorama das duas Faculdades de Letras que temos, amanhã, com a Faculdade do Porto a funcionar, o problema será ainda maior.

O Orador: - Terei ocasião de tocar esse ponto.
5) O elemento feminino na Universidade. - As causas deste fenómeno parecem ser de natureza complexa, embora se possam filiar fundamentalmente numa causa primária, o prestígio das línguas modernas, particularmente do inglês, derivado não dos seus valores culturais próprios mas da sua utilidade imediata. Esta avalancha de alunos, que traz à vida universitária gravíssimos inconvenientes e chegou, no velho edifício, a provocar uma desorganização quase total dos serviços, não reflecte no fundo mais do que a presença de um grave problema social para o qual é necessário encontrar solução adequada e urgente.
As Faculdades de Letras, tal como se encontram estruturadas, vêem-se hoje fortemente diminuídas na sua capacidade de rendimento pelos efeitos deste afluxo excessivo que há dez anos se vem processando sem que de forma alguma se tenha procurado corrigi-lo ou desviá-lo para canais mais apropriados.
Esse problema é, pura e simplesmente, o da educação e do emprego feminino, a partir de certa camada social, nas condições económicas do mundo moderno e dentro da actual linha de evolução progressiva do nível de vida em Portugal.
Efectivamente, as Faculdades de Letras foram sempre procuradas pelo elemento feminino, que via no professorado liceal uma profissão particularmente adequada à missão educativa da mulher, convenientemente remunerada e por isso mesmo prestigiada perante a opinião pública.
A percentagem da frequência feminina das Universidades era, ainda há vinte anos, constituída praticamente pelas alunas das Faculdades de Letras e de Farmácia, aquelas, porém, em proporção muito maior. Mas era uma frequência ainda assim limitada, porque o nível económico das famílias nem sempre permitia sustentar as despesas de uma longa permanência numa Universidade. E para aquelas que não resolviam o problema com o casamento ou na tradicional solidariedade familiar, e forçosamente tinham de procurar colocação, as escolas normais primárias ofereciam uma solução, de tipo inferior, mas sempre uma solução. E era tão diminuta em Portugal a diferenciação das colocações socialmente aceitáveis, que a enorme maioria, cedendo à pressão do «snobismo» envolveu to, preferia ficar em

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casa, resignada a um parasitismo pelo menos aparente, aliás bem compreendido e aceito pela moral familiar portuguesa.
A verdade, porém, é que, insensivelmente, em virtude de causas complexas, que não tenho a veleidade sequer de definir, mas que certamente aceleraram a sua acção, a partir da segunda guerra mundial estas circunstâncias se modificaram de forma radical.
O evidente desenvolvimento do País em todos os sectores e consequente elevação do nível de vida, a aspiração generalizada à educação e ao aproveitamento pleno das oportunidades que ela proporciona, a modificação do ambiente em relação a certos tipos de actividade feminina, um vivo espírito de independência nas novas gerações, capaz de vencer preconceitos enraizados, mas sobretudo a necessidade, para os pais, de dar às filhas possibilidades de independência económica no incerto Mundo era que vivemos, tudo isto são factores que explicam que as mulheres acorram a inscrever-se nas Universidades em ritmo tão acelerado que há-de necessariamente pôr aos dirigentes responsáveis problemas de difícil solução.

A Sra. D. Custódia Lopes: - Muito bem!

O Orador: - As Faculdades de Letras recebem o maior embate da vaga assim desencadeada e que apresenta entre nós aspectos de impressionante desequilíbrio em relação a outros países.
O Boletim da Universidade de Lisboa, 2.º trimestre de 1961, pela pena do seu secretário, dá-nos elementos altamente significativos e até alarmantes. Em 1915 «o número de alunas não ultrapassava 6 por cento do total das inscrições, subia em 1920 a 28 por cento, para vir a atingir no corrente ano lectivo 40,3 por cento do número de alunos inscritos na Universidade». É nas Faculdades de Letras e Ciências e na Escola de Farmácia que o aumento mais se faz sentir. Na Faculdade de Letras, onde a percentagem das alunas, nos primeiros anos da Universidade, mal excedia 8 por cento do total, é hoje de 73 por cento. Mas as últimas estatísticas espanholas indicam que a frequência feminina ainda aí não ultrapassou os 18,3 por cento; na Suíça subiu de 12,8 por cento em 1938 para 13,2 por cento em 1958; na Inglaterra, na Universidade de Londres, subiu de 26,4 por cento em 1938 para 28,4 por cento em 1960, um aumento de apenas 2 por cento em vinte anos. Pois em Lisboa há hoje 3099 alunas,- num total de 7641 estudantes.
Dessas, mais de metade (1709) encontro-se na Faculdade de Letras, e dessas, 53 por cento, um terço da população feminina da Universidade, seguem estudos de Filologia Germânica.
A média de 40,5 por cento da Universidade de Lisboa está muito acima da média internacional euro-americana, que se calcula ande à volta de 25 por cento.
Que procuram nas Faculdades de Letras quase dois milhares de raparigas, já que em Coimbra o problema não deve pôr-se de maneira muito diferente?
Além da aquisição desinteressada da cultura, hoje aspiração das largas camadas que medraram à sombra da longa estabilidade política e do enriquecimento económico do País, procura-se nelas a preparação profissional para o professorado liceal e técnico. O curso é longo, exige cinco ou mais anos de estudo, a elaboração morosa e difícil de uma tese para a conquista do grau, após a qual a jovem licenciada terá de submeter-se a exame de admissão a um estágio de dois anos e a um Exame de Estado final. Sete anos, pelo menos, para conseguir uma situação estável nos quadros do professorado do ensino secundário, liceal ou técnico, onde as vagas não excedem anualmente uma dezena..
Será este o calvário procurado pelas alunas das Faculdades de Letras? Ou quererão seguir a carreira de bibliotecárias ou de conservadoras dos museus, igualmente longa, de vagas ainda mais raras e de menor vencimento?
Decerto que não.
E a verdade é que a vasta maioria dessas jovens mal preparadas para a vida universitária vêem-se obrigadas a desistir a meio do curso e a procurar no comércio e na indústria funções para as quais o domínio das línguas modernas e, sobretudo o inglês, é fundamental.
Muitas de entre elas nunca nas Faculdades procuraram outra coisa. Matriculam-se ali porque em mais parte alguma encontram o que pretendem, embora ali o vejam rodeado de um aparato científico puramente sumptuário para os fins que têm em vista.
O fenómeno traz consigo perigos de natureza moral e social que é difícil exagerar. O acréscimo anual de 300 alunos à frequência da Faculdade faz prever a necessidade quase imediata de ampliar o edifício ainda lia pouco inaugurado. Como já disse, a não se criarem correctivos e desvios aceitáveis, a população da Faculdade em 1970 será de 4250 alunos, dos quais 70 por cento do sexo feminino, e na sua grande maioria incapaz de concluir u curso sem longos atrasos.
Estamos, em verdade, a caminho da criação de um numeroso proletariado intelectual feminino, cujos efeitos no plano social como no plano político e moral se estão já fazendo sentir na sociedade portuguesa como factor importante de desagregação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Este pseudo-escol com pretensões a educado, frustrado nas suas ambições, ir-se-á acumulando improdutivamente nas Universidades e facilmente se transformará em joguete dos agitadores profissionais que hoje tentam perturbar tão acintosamente a vida universitária.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Fazer o possível por arrancar a esse ambiente de efervescência e convívio suspeito alguns milhares de jovens portuguesas, que normalmente para ali levaram a melhor formação familiar, seria acto apreciável de defesa social.

O Sr. Pinheiro da Silva: - Tenho ouvido com toda a atenção o brilhante discurso de V. Exa., mas parece-me que não é realmente um mal essa corrida, digamos assim, da mulher portuguesa para a Faculdade de Letras e certas secções da de Ciências.
O que urge, simplesmente, é impedir que essa frequência redunde, efectivamente, num mal de ordem social e de ordem política.

O Orador: -Infelizmente parece-me que todos nós verificamos isso.

A Sra. D. Maria Irene Leite da Costa: - V. Exa. não pensa que haverá necessidade de se fazer um planeamento de ensino?

O Orador: - Se V. Exa. me dá licença, vou continuar, porque trato disso à frente.

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Eliminar a ameaça de proletarização e consequente desencanto, assim como a pressão nefasta dessa camada que a experiência recente nos mostra ser facilmente mobilizável para o combate à ordem estabelecida, parece ser também necessidade inadiável.
Outro aspecto com este relacionado e a que convém dar relevo é o da falta de professores para o ensino secundário, liceal e técnico.
Entre razões que a podarão explicar avulta certamente o Longo .período de estudo e formação pedagógica exigido e a modesta remuneração que se aufere ao fim de tantos anos de trabalho, comparada com a que se pode obter nas ocupações particulares, sem habilitações comparáveis.
Ora, há muito que, nos meios mais atentos aos problemas da educação, se propugna a criação, nas Faculdades, de graus inferiores, como existem em tantas Universidades estrangeiras, que em dois ou três anos habilitem, a um certo tipo de ensino secundário.
No relatório final da comissão encarregada- de estudar as possibilidades de unificação dos primeiros ciclos do ensino liceal e do ensino técnico profissional recomenda-se a inclusão neste ciclo unificado de uma língua moderna, o francês ou o inglês, à escolha do aluno.
Quer venham ou não a pôr-se em prática as recomendações- desse importante relatório, certo é que a criação de uma categoria especial, de professorado para esse primeiro ciclo contribuiria, grandemente para resolver o problema da falta de professores.
Em pouco tempo, aliviar-se-ia todo o ensino, deslocando para os ciclos superiores os professores habilitados com Exame do Estado, ou mesmo só licenciados. E esta solução poderia vir a oferecer aos actuais professores primários uma oportunidade de acesso que até aqui lhes tem sido negada, se o Estado se inclinasse a conceder aos mais distintos bolsas de estudos, equiparação a bolseiro ou outras facilidades- para a frequência do curso.
Muitas das actuais alunas enveredariam por essa nova carreira, mais de acordo com a sua bagagem mental e aã suas conveniências pessoais. E evitar-se-ia às Faculdades a quase asfixia em que hoje se, debutem e que as impede de atingir plenamente os seus verdadeiros fins culturais e de formação profissional.
Vem a propósito dizer que considero um feliz acaso a não inclusão do grupo de Filologia. Germânica na restaurada Facilidade de Letras do Porto.
Se um mal-avisado bairrismo insistir em pretender uma Faculdade em tudo igual às de Coimbra e Lisboa, em breve veremos arrastadas para situação semelhante à que aqui deixei analisada mais algumas centenas de alunas, atraídas pelo ensino universitário das línguas germânicas, especialmente do inglês. A. princípio, seria motivo de orgulho ver tão rapidamente vindicada para a nobre e activa capital do Norte a longa campanha, bairrista em prol da restauração da escola, que eu, aliás, considero necessária. Em breve se verificaria, porém, a enorme desproporção na frequência relativa dos vários grupos, a dificuldade no recrutamento do pessoal docente de nível elevado, o congestionamento nas cadeiras de formação geral, numa palavra, todo o cortejo de inconvenientes que aqui deixei descrito.
É imperioso que o futuro edifício não venha a ser construído nem os quadros calculados em obediência a critérios que em breve se reconheceria não serem os melhores. E o rendimento social da Faculdade ficaria tão diminuído como o está actualmente nas suas congéneres.
Esta situação reclama há muito a intervenção dos Poderes Públicos, que, pondo de parte o alargamento dos quadros, por demasia do oneroso do momento actual, parece dever incidir ainda sobre outros dois pontos fundamentais: a reforma do exame de aptidão às Universidades e a criação do anunciado instituto de ciências pedagógicas, com a reforma de todo o sistema vigente de preparação dos professores do ensino secundário.
Quanto ao primeiro ponto, creio que ninguém neste país que tenha o mais ligeiro contacto com assuntos de educação terá deixado de reconhecer os inconvenientes de uma prova que é praticamente a simples repetição das matérias em que o aluno já foi examinado no último ano do liceu.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Particularmente funesta no que respeita ao ensino das línguas vivas é a facilidade que a lei concede ao aluno com média, liceal de 14 valores de ser dispensado do exame de aptidão.
A Universidade deixa deste modo de poder controlar a admissão de candidatos que muitas vezes nem sequer foram examinados oralmente nas línguas cujo estudo pretendem continuar em nível superior. A maior parte poderá saber o francês, o inglês ou o alemão suficiente para ser- classificado nestas matérias. Muitas vezes porém não sabem português.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não sabem redigir correctamente e muitas vezes também não sabem sequer pensar. O exame de aptidão deveria atender sobretudo à maturidade e agilidade intelectual,...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... aferida por meio de provas tendentes a averiguar ao mesmo tempo do domínio da língua e da capacidade de exposição escrita e oral do candidato à entrada num curso superior. A excessiva frequência das Faculdades de Letras deve-se sobretudo à ausência de um exame organizado em bases mais racionais e que permita a aplicação de um seguro critério selectivo.
Sei que estas considerações estão há muito presentes no espírito do Sr. Ministro da Educação, Prof. Lopes de Almeida, assim como do Sr. Director-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes, Sr. Dr. João de Almeida, a quem daqui respeitosamente saúdo, firmemente persuadido de que este estado de coisas em breve se modificará graças à sua oportuna intervenção.

O Sr. Melo Adrião: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: -Faz favor.

O Sr. Melo Adrião: - Era apenas para fornecer a seguinte nota a respeito dos exumes de aptidão. Já tive ocasião de fazer parte do júri em exames de aptidão na Faculdade de Medicina. Além de toda essa atenção que devemos Ter com o exame de aptidão 110 que diz respeito às possibilidades intelectuais dos examinandos, é muito importante verificar também as possibilidades profissionais, as qualidades que suo necessárias, no campo das Letras para se ser um bom professor, em Medicina para se ser um bom médico, tais como: a paciência, o dom da observação, o equilíbrio nas decisões, enfim, todos os factores que devem estar incluídos no exercício da profissão.

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O Orador: - Deixemos isso ao cuidado da comissão que um dia virá a ser nomeada e da- qual faço votos para que V. Exa. venha a fazer parte.
O segundo ponto, para o qual desejo chamar a atenção do Governo, é a criação rio instituto de ciências pedagógicas, cuja necessidade foi oficialmente reconhecida pelo Estatuto do Ensino Liceal, em vigor desde 1947. Sei que à sua criação se opõe o eterno obstáculo da carência do pessoal, docente em número e qualidade suficientes para que possa funcionar com dignidade comparável à das outras escolas superiores.
O instituto teria sobre as Faculdades de Letras o efeito imediato de afastar delas as centenas de alunos que frequentam as cadeiras de Ciências Pedagógicas, indispensáveis para a admissão ao estágio. Mais importante, porém, seria o facto de ele vir preencher uma lacuna pouco edificante no nosso sistema educativo.
Pode afirmar-se sem exagero que em Portugal, à parte louváveis e efémeras tentativas individuais, quase não existe investigação pedagógica. No entanto, a verdade é que a estatística escolar se encontra ainda em fase rudimentar, brilham pela ausência os inquéritos sistemáticos que permitam avaliar convenientemente os efeitos da pressão do Estado sobre a sociedade no campo da educação, desconhecemos a estrutura social do estudante universitário, pouco fazemos quanto á orientação vocacional, não existe um quadro de orientadores morais, fechamos tantas vezes os olhos aos numerosos perigos que do todos os lados ameaçam as novas gerações. Só um décimo cios alunos das Facilidades conclui o curso, mas ninguém ainda procurou averiguar as razões do insucesso a fim de diminuir os desastrosos efeitos que desse facto derivam.
Mil e um problemas desta natureza poderiam constituir campo de investigação dos professores e alunos do instituto, cujos trabalhos viriam esclarecer o próprio Ministério sobre o sentido em que mais conviria orientar a sua acção.
Por outro lado, a sociedade portuguesa está passando por transformações que são o benéfico resultado da continuidade de uma política nacional superiormente definida, e conduzida. A nossa visão dos problemas apura-se a cada passo dado, a cada obstáculo vencido. Temos o direito e o dever de ser ambiciosos, menos para nós do que para os nossos filhos. E não podemos aparecer na Europa, quanto mais no Mundo, com a cara envergonhada de quem veio u cidade no campo da educação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Parece-me, por isso, que uma política nacional no momento presente não pode deixar de conceder à educação os meios de valorizar e mobilizar todas as virtualidades do homem português - esse desprezado filão de uma riqueza sem a aplicação da qual todas as outras se amesquinham e a própria Pátria vegeta na apagada e vil tristeza de ter de continuar a sofrer as odiosas comparações a que dão azo as estatísticas internacionais.
Há planos para a construção dos edifícios escolares, mas não se vê que haja um plano nacional para a educação nacional que nos garanta daqui a cinco anos teremos dado um passo significativo na tarefa de conquistar uma das maiores e mais autênticas liberdades - a que nos há-de libertar da ignorância e deste isolamento claustral em que ainda vivemos num mundo que abre as portas de par em par. Arrancamos hoje, porque um homem dinâmico surge e olha para os problemas com olhos de ver, mas logo apertamos os cordões à bolsa e caímos na rotina anterior.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esquecemo-nos facilmente de que a criação da riqueza tem a mais estreita relação com o nível do sistema educativo e que este género de investimento é o de mais garantida improdutividade para a Nação.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Sei que o momento não é propício a aumentos de despesas que não estejam directamente relacionadas com a sobrevivência nacional ameaçada. Mas precisamente porque assim é, temos de meditar seriamente sobre o que constitui verdadeira economia, para nos resolvermos a entrar num regime de austeridade que, eliminando a fachada por vezes ostentosa, saiba gastar bem no essencial. E não será a educação a melhor parte desse essencial?
Mas não se trata apenas de gastar - trata-se de hierarquizar os problemas no próprio sector da educação.
E o problema da formação dos professores, que, sem esquecer as escolas do magistério primário, particularmente se processa nas Faculdades de Letras e Ciências do País, constitui sem dúvida uma das maiores preocupações do Ministério da Educação Nacional.
Ora muitas vezes com certos arranjos como os que acabei de preconizar - reforma do exame de aptidão às Universidades, criação de graus de nível inferior à licenciatura - consegue-se mais do que com gastos inconsiderados e sem objectivos claramente definidos.
Eliminar das Faculdades de Letras grande parte das centenas de alunos, e sobretudo alunas, que mais não procuram senão um diploma de habilitação que lhes permita encontrar lugar digno na escala social, seria uma autêntica libertação moral e material para eles. Seria para o País um sábio aproveitamento de energias e capacidades que apesar da sua modéstia têm uma tarefa a desempenhar na vida nacional.
Foi por confiar plenamente na capacidade de realização dos ilustres Ministro e Subsecretário de Estado da Educação Nacional que procurei dar este modesto contributo para a resolução de um dos muitos e graves problemas que afectam este importantíssimo sector da vida pública, que o não é só da educação, mas da economia e da própria defesa nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Ubach Chaves:-Sr. Presidente: devo a um velho amigo o ter lido, há dias, uma obra com o título sugestivo Confissões dos Ministros de Portugal (1832 a 1871), de Ferreira Lobo.
Deu-se o autor ao trabalho de arquivar o nome e as declarações de todos os Ministros que durante o período referido foram ao Poder e se pronunciaram sobre economias, déficit, impostos, empréstimos, empregados públicos, contabilidade pública, orçamentos e contas públicas. Sem intuitos políticos, o esclarecido autor faz no início de cada capítulo breves comentários, e no segundo diz: «O déficit, que está para extinguir-se desde 1833, ostenta-se cada vez mais nutrido e anafado!» Além de outros quadros, vem o do «deficit manifestado

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pelos orçamentos», e, por ele, observa-se que entre 1834-1835 e 1871-1872 nunca o País teve um orçamento equilibrado. Depois desta data, salvo períodos excepcionais, o déficit não nos abandonou. Só a partir de 1928 se ajustou, por fornia permanente, a despesa à receita. Foi uma batalha que levou um século a vencer. Ao atentar em tão triste quanto dura realidade fui, naturalmente, levado a reflectir sobre o problema agrário, que, durante dois meses, ocupou a nossa atenção. É que faz, no próximo dia 27 de Abril, 75 anos que o projecto de lei de fomento rural, de Oliveira Martins, Deputado pelo círculo n.º 24 (Porto), foi apresentado nesta Câmara!
É bem verdade que também agora a Câmara tem para estudo e votação uma, proposta de lei com o alcance do projecto de fomento rural, mas receio que, na sua execução, depois de aprovada, ainda venham a decorrer os tais 25 anos - o século que parece ser o prazo para se operarem transformações profundas na vida económica e social.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - E, no entanto, quem se der ao prazer de ler o projecto de Oliveira Martins não pode deixar de inclinar-se respeitosamente, ao observar a seriedade, a cultura, a visão, o perfeito domínio dos problemas e o querer reflectida do grande pensador, historiador, economista e político. De quase todos tem sido esquecido, e, se bem atentarmos, diga-se, por homenagem à verdade, o sen pensamento está por detrás dos grandes princípios enformadores de reformas que se têm operado nestes 30 anos de Revolução Nacional. Desde a representação de base corporativa à pauta, que, no seu entender, sé um código de protecção ao trabalho e não uma tabela de extorsões fiscais lançadas sobre o consumo». Isto escrevia ele por volta de 1892 e, no entanto, em restritíssimos sectores da economia nacional, decorridos tantos anos, se enraizou o princípio dos custos de produção interna deverem alinhar pelos externos em termos de ser conquistarem, sob todos os aspectos, preços competitivos.
Eis-nos, agora, forçadamente lançados num movimento de liberalização de importações, a curto prazo, sem qualquer defesa pautal, e entregues à intranquilidade sobre o futuro da nossa economia.
Também esta batalha não foi ganha, e Deus permita não seja irremediavelmente perdida. Sim, porque há ainda quem pense que certos preços agrícolas praticados no estrangeiro poderiam sustentar estruturas e técnicas desactualizadas e contribuir para uma pretendida prosperidade.
Ainda não se entendeu que a livre circulação de pessoas e de capitais conduz a um nivelamento de salários e de segurança social, de custos de produção e de distribuição.
Ainda não se entendeu que os problemas suscitados na economia agrícola, industrial e comercial dos países do Mercado Comum vão ser vividos nos países aderentes.
E ainda se não entendeu que, se não ajustai-mos as técnicas de produção e de venda às dos países europeus mais progressivos, a mão-de-obra emigra e, com ela, a nossa maior riqueza.
Neste aspecto, como nos demais, já estamos em presença de realidades irreversíveis e bem dolorosas para quantos, de há muito, vêm pugnando pela reestruturação da economia metropolitana e pela expansão da ultramarina.
O que pensaria de nós o grande Oliveira Martins se, decorridos estes 75 anos, pudesse observar que continuam válidas muitas das suas conclusões sobre o problema agrário? E que poderá pensar de nós a juventude, ao verificar o infrutífero esforço dos últimos 25 anos? Data de 1937 a primeira lei tendente ao conveniente aproveitamento do agro nacional!
Há ideias assentes acerca de aspectos fundamentais da estrutura agrária, e, no entanto, nem no passado, nem depois de 1926, foi possível conseguir da Assembleia Nacional a adesão à política renovadora que o Governo instalou em todos os domínios da administração pública.
As forças estáticas, políticas e económicas conseguiram, até ao presente, e não se sabe por quanto tempo, sufocar o idealismo de todos os sectores do pensamento político, entrincheirando-se atrás de um convencionalíssimo oportunismo que não tem outro objectivo senão o de manter posições e retardar a conveniente arrumação de interesses de todos quantos vivem da terra e para a terra.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Este objectivo do Governo, que só por si deveria despertar a mais viva adesão, ganha relevo neste momento de crise da nacionalidade, da integração da economia europeia, do refluir de paixões e de legítimos anseios. A bondade da gente do campo não pode ser desmerecida, quando está em causa a elevação do seu nível de vida e o seu acesso ao bem-estar, que, visto à luz da nossa formação religiosa e política, não admite diferenciação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A sua bondade, conformação com a vida e cultura na compreensão dos mais altos valores do espírito, exigem de todos nós esclarecido revolucionarismo em termos de a não trairmos, porque ela, a gente do campo, é, fundamentalmente, vítima da incompreensão dos intelectuais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estaremos, a curto prazo, em situação de resgatar erros e traições? Não pode haver hesitações em cumprir um dever que, por de mais, tem sido esquecido.
A doutrina diz-nos que um programa de realizações sociais não pode sofrer distorsões em ordem a interesses particulares que fazem tábua rasa de valores humanos. E diz-nos, também, que o seu vigor só nos pode ser dado pela acção que se projecta e desenvolve ao ritmo mais conforme a conquista do coração de quem espera, mas não desespera, e de quem quer, mas não trepida perante as dificuldades. Certos homens, porém, continuam aferrados aos seus mitos - e o comentário entende-se como acusação; a crítica como denúncia, e a verdade como demagogia. Não há maiores cegos do que os que não querem ver, bem o diz a sabedoria popular.
Sr. Presidente: vêm estas considerações a propósito da passagem do parecer da Comissão de Contas Públicas em que se diz ser indispensável fazer um grande esforço no sentido de melhorar os condições da produção agrícola.

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Essas e outras judiciosas e oportunas palavras do ilustre relator, a quem rendo a mais sincera homenagem, merecem-me outras reflexões.
A economia nacional sofre de vícios de origem, sucessivamente esquecidos ou desprezados, quanto às fases de desenvolvimento. W. W. Rostow, no seu livro. As Etapas do Crescimento Económico, julga possível identificar as sociedades, nas suas dimensões económicas, dentro de cinco categorias. No seu entender, as etapas do crescimento económico representam uma forma económica de considerar as sociedades na sua totalidade, mas de nenhuma maneira significam que os mundos da política, da organização social e a cultura sejam uma simples superstrutura construída e obtida exclusivamente da economia.
Feita esta notação, que julgamos essencial, o autor considera como primeira fase a da sociedade tradicional, aquela cujo sistema de valores estava ligado, em geral, ao que poderia chamar-se um fatalismo a largo prazo, ou seja a suposição de que as possibilidades abertas para os netos seriam pouco mais ou menos aquelas que tinham tido os avós.
A segunda, período de transição entre a sociedade tradicional e a etapa do impulso inicial, entende-a como a das condições prévias, ou seja a de grandes mudanças na economia e no equilíbrio dos valores sociais, embora caracterizada pelos métodos tradicionais de baixa produtividade.
A terceira etapa é, no seu entender, quando se superam os velhos obstáculos e resistências contrários ao crescimento permanente, se faz uso de recursos naturais e métodos de produção até então não explorados, se instalam e multiplicam novas indústrias. E quando «na agricultura e na indústria se difundem novas técnicas, à medida que se comercializa a agricultura e cresce o número de agricultores preparados a adoptar os novos métodos e as alterações profundas que se originam nos meios de vida.
As modificações revolucionárias na produtividade agrícola constituem uma condição fundamental para o êxito do impulso inicial, pois a modernização de uma sociedade alimenta, de forma radical, a sua lista de produtos agrícolas».
A quarta etapa seria a do crescimento normal ou em que se busca estender a tecnologia moderna a toda a frente da actividade económica. E acrescenta: «à medida que melhora a técnica, muda incessantemente a estrutura da economia, acelera-se o desenvolvimento de novas indústrias e nivelam-se as mais antigas».
Na última etapa atinge-se a maturidade técnica, a economia revela a sua capacidade criadora e estão, então, criadas as condições para o consumo da massa. «A generalidade das pessoas alcança um nível superior de consumo que ultrapassa a dos produtos básicos: a habitação, o vestuário e a alimentação modificam de tal modo a estrutura das forças do trabalho que incrementam a proporção da população urbana em relação à população total.
Surge o Estado benfeitor e os recursos tendem, cada vez mais, a ser dirigidos para a produção de bens duradoiros de consumo e a difusão de serviços em grande escala, ao mesmo tempo que se reservam grandes recursos para o bem-estar e a segurança social».
Assim desenvolve Rostow a sua doutrina, ao examinar as etapas do crescimento económico. Se nos debruçarmos sobre o estudo da economia nacional,
surpreende-se, desde logo, que, sem havermos percorrido, in totum, certas fases da evolução descrita, nos julgamos aptos para as mais arrojadas iniciativas.
Temos laborado, e continuamos a laborar, num grande erro. Na verdade, nós não resolvemos o problema da estrutura da agricultura no momento em que o deveríamos ter feito, precisamente quando, para ele, Oliveira Martins despertou a consciência nacional.
No seu projecto de fomento rural, desde a população e a emigração à possibilidade de aproveitamento de incultos, às formas de colonização, à preferência de culturas, à divisão e fragmentação da propriedade, os capitais e a lavoura, a economia hidráulica, a repovoação florestal, a caça e a pesca e os proprietários e a associação, tudo foi seriamente estudado.
As mesmas forças estáticas, de ontem e de hoje, impediram a realização de um pensamento que se identificava com o da actualização das estruturas, iniciada nos fins do século XVIII na Inglaterra, alguns decénios depois em França, na Bélgica, nos Estados Unidos, na Alemanha e Suécia, e, mais para o fim do século, no Japão, na Rússia e no Canadá. Daí resultou que a difusão de novas técnicas na agricultura só tenha ganho verdadeiro relevo a partir da segunda guerra mundial.
A sua estrutura, porém, continua necessitada de uma reforma que, por de mais, demorou; continua, não se sabe por quanto tempo, mutilada da intervenção que abrirá caminho à reconversão da produção e à elevação do nível de vida de grandes massas populacionais.
Ora, um dos vícios de origem, a que já fiz referência, situa-se no facto de não se terem resolvido os problemas relativos à actualização da produção agrícola e à sua comercialização, nem à completa industrialização de riquezas naturais como a cortiça, os resinosos, as madeiras e as frutas.
Deixámos manter a agricultura entregue à batata, ao milho, ao centeio e ao trigo, ao vinho e ao azeite. Parece esquecer-se que estas produções, excepção do vinho, estão altamente comprometidas, não só pelos custos de produção como pela concorrência de produtos de substituição. Também parece esquecer-se que é escassíssimo o poder de aquisição de metade da população e que os baixos consumos não favorecem o desenvolvimento da economia.
O País continua a dispor de uma agricultura do tipo da sociedade tradicional, envelhecida e empobrecida, que, apesar de tudo, pesa poderosamente na vida económica, e tanto que basta a diminuição dos seus réditos, por forca de factores naturais, para originai- um estremecimento em todos os sectores da actividade. Estamos vivendo uma dessas crises.
Não faremos, hoje, o devido comentário a uma actuação que, em vez de promover, por meios indirectos, um ordenamento de culturas rentáveis, tem permitido, e mesmo favorecido, a manutenção de explorações menos apropriadas do ponto de vista económico-social.
Por agora, só nos importa fazer ressaltar que, por não termos enfrentado os problemas estruturais da agricultura, da indústria e do comércio, nos vemos inferiorizados aos nossos olhos e aos de estranhos.
A evolução da nossa economia operou-se sem que os espaços vazios - e considero como tais todos aqueles onde se não fez sentir a actualização dos processos de trabalho, nem a inovação tecnológica, nem a modernização das estruturas - tenham sido preenchidos. De tudo resulta baixa taxa de investimento, reduzido crescimento, a carência de estímulos à expansão, incapaci-

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dade paru mobilizar capital de procedência interna e ausência de élites na condução efectiva da política económica.
Tenho para mim que, enquanto não modificarmos, eficazmente, as técnicas agrícolas, não organizarmos o mercado desses produtos, não modernizarmos as indústrias tradicionais e não dispusermos de preços competitivos nas novas indústrias, estamos a retardar o impulso conducente à ambicionada maturidade económica.
Não devemos, porém, esquecer que o progresso económico e social é, de sua natureza, lento; mas por o ser é que deveremos trabalhar com reflexão, à luz do estudo e da experiência, para que, em cada dia, alcancemos novas conquistas, novos factores de paz e de prosperidade.
Devemos querer mais e melhor, mas ter a consciência das limitações de uma economia que não pode responder, sem dificuldade, à exigência de uma guerra imposta e dirigida do estrangeiro e aos anseios e legítimas ambições dos sectores da população menos favorecida.
Estou em crer que poderíamos tirar melhor partido das nossas possibilidades se moderássemos, por todas as formas, desníveis indesejáveis; mas, para tanto, é indispensável compreender, e querer, a austeridade na vida dos indivíduos, dos agrupamentos e do Estado.
Vejo afectado o sentido das responsabilidades, e por isso me dói ver-me perdido no exame de textos a converter em lei, em busca de aspectos formais, quando esta em causa a condução de uma política agrária, de previdência ou de saúde que, só por excepção, nos surge viva e vigorosa.
Somos portadores de um pensamento construtivo e renovador, e importa, acima de tudo, saber o que se quer e como hão-de querer atingir-se os objectivos. Fixados estes, deixemos aos técnicos do direito a sistematização e a redacção. Deus permita possamos aproveitar a lição da experiência, uma vez que subsistem, para exame da Câmara, outras propostas de lei onde os políticos - e essa é a nossa qualidade - têm uma palavra a dizer para rasgar caminho às reformas redentoras.
Sr. Presidente: antes que reverta a outras considerações sobre o relatório das coutas, vou examinar um aspecto do Orçamento Geral do Estado, dado que as contas são a efectivação das suas previsões. Como sabemos, o orçamento, além de adaptar as receitas às despesas e de limitar estas, expõe um plano financeiro que é organizado em obediência às regras clássicas da unidade, da especificação, da universalidade e não consignação.
A regra da unidade prescreve que todas as receitas e despesas devem ser inscritas num único documento ; e a da não consignação que não deve haver receitas afectadas à, cobertura de despesas em especial.
Postos estes princípios, e sabido que nem a autonomia financeira, nem os orçamentos ordinário e extraordinário de exploração e de capital são incompatíveis com a regra da unidade, não se sabe por que a regra da não consignação de receitas vem sendo atingida com tal intensidade, que se contam por centenas os fundos especiais existentes. E digo atingida, porque, tanto o artigo 63.º da Constituição como o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 42 949, de 27 de Abril de 1960, visam a integração no orçamento de todas as receitas e despesas do Estado e prescrevem a inclusão, no seu preâmbulo ou na parte complementar, das receitas e despesas de serviços, autónomos ou não autónomos, não descritos nos desenvolvimentos dos respectivos Ministérios, e, ainda, os elementos necessários à apreciação da situação financeira das autarquias locais, das províncias ultramarinas, dos organismos de coordenação económica, das corporações e dos organismos corporativos.
Ora, sucede que, dos treze mapas de orçamento onde se encontra a síntese das finanças do Estado, das autarquias locais, das províncias ultramarinas e da organização corporativa, o mapa n.º 2 inclui os fundos e serviços que têm receitas próprias, acrescidas ou não de dotações orçamentais.
Desta sorte, sem se desrespeitar a regra da unidade, são, tendencialmente, afectadas as disposições já referidas, porquanto, dos desenvolvimentos da parte complementar do orçamento não constam as receitas e despesas dos fundos e serviços, com ou sem autonomia financeira, constantes do mapa n.º 2, nem as receitas e despesas dos organismos de coordenação económica previstas no mapa n.º 12.
Já que falamos do mapa n.º 12, não queremos deixar de observar como nos parece contrário à, doutrina colocar a par dos órgãos autárquicos da administração pública os organismos corporativos e as caixas de previdência, pessoas de direito público que, pela sua finalidade e origem das receitas, se situam em plano diferente do Estado.
Se bem que não li aja disposição legal que prescreva a regra da não consignação, não deixa de ser chocante que as receitas e despesas dessas centenas de fundos e serviços, sem desenvolvimento orçamental, ascendam a milhões de contos.
Na verdade, em 1960, num total de receitas de 4 970 908 195$80, distribuídas por 3 735 716 054$40 de receitas próprias, 626 135 852$80 de dotações orçamentais, 609 056 288 $60 de saldos de gerências anteriores, a despesa atingiu 4 921 708 874$70, com um saldo de 49 199 321$10. Em. 1961 as receitas foram de 4 742 974 733$50, sendo 3 331 754 820$20 de receitas próprias, 763 010 462$10 de saldos de gerências anteriores, 648 209 446$20 de dotações orçamentais; as despesas foram de 4 636 784 849$, e o saldo de 106 189 884$50.
Nestes fundos e serviços realçam em 1961, pelo montante das suas receitas e despesas, os seguintes: Emissora Nacional de Radiodifusão, 97 254 000$; Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, 70 131 484$; Fundo de Turismo, 40 000 000$; Serviços Sociais das Forças Armadas, 77 204 032$80; Cofre dos Conservadores, Notários e Funcionários de Justiça, 269 792 816$; Fundo de Desemprego, 453 398 043$; Fundo de Abastecimentos, 814750000$; Fundo das Casas Económicas, 160 470 659$, e Fundo de Socorro Social, 45 305 000$.
Referimos todos estes números com o único objectivo de dar uma ordem da grandeza das receitas e despesas não incluídas nos desenvolvimentos do Orçamento Geral do Estado.
Não duvido que as contas de todos estes fundos e serviços estejam rigorosamente certíssimas, bem como as dos organismos de coordenação económica, pois tanto as de uns como as de outros estão sujeitas à aprovação do Tribunal de Contas.
O meu problema, ao suscitar este aspecto das contas públicas, é de natureza política, e isto porque tenho a impressão de quê, na administração desses fundos, serviços e organismos, não se verificam as restrições que presidem à elaboração do Orçamento Geral do Estado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: -Além disso, não podemos acompanhar a sua evolução nem fiscalizar a sua actividade, e mais, não podemos discernir sobre a legitimidade da sua existência nem sobre o acerto dos seus planos. -

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É matéria que escapa à nossa percepção e, por vezes, nos leva a admitir a existência de serviços públicos ricos e pobres, tal como sucede quando temos conhecimento, pela imprensa, de gastos realizados ou projectados em obras de grande volume, em nada de acordo com os princípios de economia impostos a outros serviços, onde, no consenso geral, se tornava mais imperioso um esforço decisivo de actualização.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. José Luís Vaz Nunes: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Com todo o prazer.

O Sr. José Luís Vaz Nunes: - Felicito V. Exa. por essa intervenção neste ponto particular, porque valoriza imenso o alvitre que fiz nessa tribuna discutindo esta mesma ordem do dia.
Sinto-me muito honrado com o facto de que um alvitre que fiz aqui seja reforçado por V. Exa. com a sua autoridade.

O Orador: - Muito obrigado a V. Exa.
Não vou entrar na análise do que me pareço evidente desvio de uma política realista, embora, para tanto, me .sobejasse matéria. Quereria, sim, a mais rigorosa disciplina nos gastos, em termos de se evitarem erros de quem projecta e executa, inviabilizando o reforço e a inscrição de verbas para obras cujo custo exceda, o orçamentado.
Defendo, portanto, uma selecção dos fundos e serviços em que se justifique autonomia administrativa e financeira, impondo-se a obrigatoriedade da publicação dos desenvolvimentos no Orçamento, por forma a afastar-se da opinião a ideia de que, de alguma forma, se quer coarctar o direito de se conhecer
E fiscalizar a actividade do Estado

Vozes: - Muito bem!

O Orador:-Deve, porém, dizer-se, em respeito da verdade, que, na sua quase totalidade, esses fundos e serviços apresentam as suas contas satisfazendo as exigências regulamentares.

O Sr. Martins da Cruz: - Era o que faltava, se não fosse assim.

O Orador: - Simplesmente sucede não terem as mesmas a publicidade que resultaria da sua publicação no Orçamento Geral do Estado.
Srs. Deputados: relevem-me VV. Exas. o tempo que lhes estou tomando nesta fase final dos trabalhos da Câmara, mas as considerações feitas tinham em vista demonstrar: ser o problema agrário de natureza económica; e poder o Estado lançar mão de receitas a que nunca recorreu.
Na verdade, como revelei através do depoimento de um economista insuspeito, o arranque para o crescimento tem por ponto de partida o racional aproveitamento da terra, não só para abastecer convenientemente o mercado interno e enviar para o exterior produtos que, por condições, naturais, se podem produzir economicamente como para compensar importações indispensáveis à expansão de todos os sectores de trabalho.
Com base na agricultura, tem de conseguir-se um nível favorável de consumo e de favorecer-se o desenvolvimento de actividades que vão transferindo do sector primário mão-de-obra disponível e criando novas necessidades.
A lição da experiência estrangeira o comprova por todas as formas, não só no passado como no presente. Tantos são os exemplos que nos dispensamos de os referir. Até em França, ainda neste momento, a agricultura se revela como um dos fautores mais decisivos do actual progresso da sua economia.

O Sr. Pinto de Mesquita: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Pinto de Mesquita: - A propósito de comparações com a frança temos de recordar sempre que essa nação foi sempre, ao contrário da nossa, agricolamenle uma potência excepcional. Já ao tempo do Império Romano a França e o Egipto constituíam os grandes pilares da sua economia agrícola.

O Orador: - A França começou a fazer actualização da sua estrutura em 1850 e nós quisemos fazê-la em 1875, e não a fizemos e ainda hoje estamos para a fazer.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Mas a França, simultaneamente a essa data continuava como até hoje a obra do seu código civil de 1802 - cujos princípios em Portugal entraram em plena acção com a promulgação do nosso código civil, que entrou em vigor em 1867 e que veio fraccionar e até em certas regiões a pulverizar a nossa propriedade rústica.

O Orador: - E V. Exa. está tão interessado nisso como eu.
Entre nós, se outros elementos não houvesse para ajuizar, bastaria a observação a que já fiz referência, de um bom ano agrícola estimular, intensamente, a correcção de desníveis nas condições de vida, o trabalho industrial e a movimentação da produção.
A reestruturação da agricultura apresenta-se, assim, como um problema económico com repercussões sociais e, porventura, políticas. Mas não é um problema político, na acepção corrente do termo. Querer apresentá-lo como tal é negar a evidência, distorcei- a verdade e sustentar divisões na frente nacional.
Invocar o passado, atribuindo-se aos grandes detentores da terra uma acção catalisadora na queda da Monarquia e da I República, para daí inferir perigos ameaçadores da Revolução Nacional, poderá ser mais uma afirmação de oportunismo, mas não é, de certeza, bem servir.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: -Tenho sobre este problema económico firmes convicções. Não vejo, mesmo, como seria possível desenvolver o esforço de reestruturação da indústria e dos serviços sem que, paralelamente, fossem revistas as condições de exploração da terra.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Os grandes terratenentes, uma ínfima minoria em face dos dirigentes de todas as actividades da produção, hão-de reconhecer que não podem eximir-se a um movimento directamente orientado ao aproveitamento de riquezas de interesse prevalente no crescimento económico.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A reacção de alguns, sejam quais forem os processos de intimidação, pulverizar-se-á contra a nossa firme decisão de prosseguir, através de tudo, o interesse geral.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Bem mais perturbador é o noticiário diário da tragédia franco-argelina, e, no entanto, a vida colectiva continua a desenvolver-se ao ritmo normal. Não desista o Governo dos seus propósitos, seguro, como está - e todos VV. Ex.ªs o sabem -, do apoio desta Câmara, porque há a resgatar erros e incúrias na reconversão e modernização da agricultura.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E quanto à indústria e ao comércio, o Governo, possuído da mesma autoridade e do mesmo querer, não pode deixar de promover o seu reajustamento ao bem comum. A hora vem tardando, especialmente quando comparamos com o dos outros países europeus o nosso crescimento económico.

O momento, porque é decisivo, propicia transformações profundas. O Governo pode contar com uma opinião esclarecida, intensamente renovadora e atenta à lição da experiência estrangeira. Cuidado, porém, com as novas indústrias. Lançá-las não oferece o menor obstáculo, sempre que haja disponibilidades. O difícil é dotá-las de poder competitivo, quando expostas ao mercado livre, objectivo quase intransponível perante uma indústria estrangeira amortizada e possuída de técnica de alto nível.

Tanto na indústria como na agricultura há-de ser-se prudente, mas este sentimento só é aceitável quando houver vigor e certeza na acção. Mais valerá, porém, conquistar o carinhoso apoio da iniciativa particular, a planificar em termos de despertar resistências que seriam naturalmente vencidas ao calor das virtudes da raça. Convenhamos em que não estão em causa os princípios, mas os homens e os processos.

O País está dominado por um elevado sentido de renovação e acode, estejamos todos disso convencidos, ao apelo de Salazar com o espírito de sacrifício de sempre.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: permito-me, agora, examinar o aspecto político-económico dos fundos, dos serviços e dos organismos de coordenação económica a que já fiz referência. Estará, em todos os casos comprovada a sua essencialidade? Poderão as suas receitas ser melhor utilizadas? É que tenho observado uma acentuada tendência para reivindicar do Governo obras e benefícios de indubitável interesse mas que, no actual momento, se têm de considerar condicionados ao bem maior da grei.

Parece esquecer-se que nos vemos vinculados, por forças externas, a uma guerra de defesa da integridade do território nacional e que, em ordem à defesa, o Governo estabeleceu uma prioridade total e absoluta. Ora, nós não podemos ignorá-la e muito menos desmerecê-la, pois a vida dos nossos irmãos em luta supera todo e qualquer anseio de melhoria material, venha ele donde vier.

Uma política financeira, altamente previdente, muniu-nos de meios para, sem ajuda estranha, suportarmos a guerra. A guerra, porém, é, no dizer vigoroso do grande Vieira, aquele monstro que se sustenta das fazendas, do sangue, das vidas e, quanto mais come e consome, tanto menos se farta.

Pois nós, sem que disso muitos se apercebam, estamos em guerra, e travá-la num território e preveni-la noutros implica gastos infindáveis, tão grandes que só os ajuízam, verdadeiramente, aqui nesta Câmara, os ilustres Deputados pertencentes às forças armadas. Estão, portanto, em causa as fazendas de que falava o padre António Vieira, fazendas que têm de ser renovadas pelo trabalho profícuo de todos os portugueses. Assim, se a primeira prioridade pertence à defesa do território, a segunda cabe à economia. Esta, porém, não se compadece com investimentos improdutivos nem com indevidos rendimentos. Tem o encargo de fomentar a produção, rende quando se investe, vive da força conjugada do capital, do trabalho e da técnica, mas, se o capital é o fruto, o trabalho e a técnica são a semente.

Eis a terceira prioridade na satisfação das necessidades colectivas: a educação. A grei vive, acima do mais, do saber e da inteligência dos que a defendem e valorizam.

Postas estas premissas, tenho para mini que as reivindicações sociais, bem como todas as outras, têm de ceder perante as realidades nacionais e aguardar uma hora mais consentânea com o interesse colectivo. Na actualidade, julgo que se devem evitar providências susceptíveis de desenvolver movimentos em cadeia, mas não podemos, por omissão, permitir a injustiça, seja qual for a forma sob que se apresente.

O Governo, árbitro de todos os interesses, tem por função realizar o bem comum e está atento para evitar desvios que possam conduzir a uma elevação do custo de vida ou a indesejáveis locupletamentos. Para tanto, dispõe de meios, e não podemos duvidar de que os usará, como já fez noutras emergências. Tê-los-á, igualmente, para sustentar a guerra, assegurar a frente económica, metropolitana e ultramarina, ampliar a rede da educação e melhorar a assistência da população menos favorecida? Sim, porque, quanto ao mais, não há que falar.

A hora não permite outros investimentos além dos directamente reprodutivos.

Não duvido de que o Governo está na posse de meios financeiros para levar a seu termo a luta que tem de travar em todas as frentes. Simplesmente se impõe uma coordenação total das disponibilidades, além das do orçamento, dos fundos e dos serviços cujas receitas já referi e as dos organismos de coordenação económica, como órgãos que são do Estado.

A previdência também terá de alargar, certamente, para além da compra de títulos, a sua participação na acção assistência que deva ser desenvolvida a favor das famílias rurais.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Por isso, entendo que não pode haver hesitações na mobilização total das disponibilidades existentes, tendo-se sempre presente que a guerra no ultramar só findará com unia vitória que o seja tanto no plano militar como no plano económico.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: quis responder a interrogações que, por vezes, se formulam. Tive a intenção, e não sei se o consegui, de revigorar a confiança em Salazar, estimular o nosso querer bem servir e reafirmar a certeza de que a Pátria se vencerá nas suas dores e sacrifícios. Mas queria mais: dirigir-me, desta tribuna, à juventude.
Mas, por mim, ninguém melhor o faria do que Oliveira Martins, quando numa hora igualmente de crise nacional lhe apontava três caminhos: o da impenitência, o da revolta e o da coragem.
Profligando os dois primeiros de suicídio, concluiu assim:
O terceiro caminho, finalmente, é o da firmeza. Energia para combater, lucidez paru compreender, força para resistir, conformidade para sofrer: são estas as lajes que pavimentam a estrada da redenção dos povos, quando têm de redimir-se dos erros próprios acumulados, e não da pressão intrínseca de tiranias. Só o falar em tira-nos provoca o riso, porque, entre nós, tirania há uma única: a dos nossos próprios erros.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não soframos nós do deficit de coragem e, melhor ou pior, saldaremos os vários deficits que atemorizam os calculistas.
Tenho dito.

VOTOS: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: -Interrompo a sessão por cinco minutos.

Eram 18 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à segunda parte da ordem do dia.
Continua em discussão a base IV da proposta de lei relativa à previdência, conforme o texto sugerido pela Câmara Corporativa. Vou mandar ler de novo a base IV e as propostas de alteração que lhe respeitam.
Foram lidas. São as seguintes:

BASE IV

1. As caixas de previdência e abono de família, a Caixa Nacional de Pensões e as caixas da 2.º categoria regem-se pelas disposições da presente lei e pelos regulamentos que vierem a ser publicados em sua execução.
2. As Casas do Povo e suas federações e as Casas dos Pescadores são organismos corporativos constituídos ao abrigo de legislação, especial e em cujos fins institucionais se inclui o de realizar os objectivos da previdência social, em benefício dos trabalhadores por eles representados e das demais pessoas residentes na respectiva área, equiparadas, nos termos da mesma legislação, àqueles trabalhadores.
A realização dos mencionados objectivos poderá ser assumida, no todo ou em parte, pelas caixas regionais de previdência e abono de família, previstas na base XII, determinando-se, para esse efeito, à medida que for julgado conveniente, a inclusão dos referidos trabalhadores e pessoas equiparadas em uma ou mais das modalidades de seguro do esquema daquelas instituições.
3. As associações de socorros mútuos regulam-se pela legislação que lhes é aplicável e as instituições da 4.ª categoria continuam a reger-se pelos respectivos diplomas especiais, sem prejuízo da sua gradual integração no plano de previdência social a que se refere a base I.

Proposta de alteração

Propomos quo os n.ºs l e 2 da base IV tenham a seguinte redacção:

1. As caixas sindicais de previdência e as caixas de reforma ou de previdência regem-se pelas disposições da presente lei e pelos regulamentos que vierem a ser publicados em sua execução.
2. As Casas do Povo e suas federações e as Casas dos Pescadores incluirão entre os seus fins institucionais objectivos de previdência social, designadamente os da acção médico-social, assistência materno-infantil e protecção na invalidez, em benefício dos trabalhadores por elas representados e das demais pessoas residentes na respectiva área que, nos termos da mesma legislação, devam equiparar-se àqueles trabalhadores. Os trabalhadores rurais ou equiparados ainda não abrangidos pelas Cosas do Povo consideram-se, para este efeito, incluídos no âmbito das federações das Casas do Povo da respectiva região, às quais incumbe assegurar a realização dos fins referidos.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Março de 1962. - Os Deputados: Henrique Veiga de Macedo - Quirino dos Santos Mealha - Jorge Augusto Correia - António Marques Fernandes - António Maria Santos da Cunha - José Mendes Pires da Costa - Rui de Moura Ramos - Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo - Henriques dos Santos Tenreiro - Rogério Vargas Moniz.

Proposta de alteração

Propomos que à base IV seja aditado o seguinte número novo:

2-A. Com vista à progressiva realização dos objectivos enunciados no número anterior, o Governo, de harmonia com o disposto na base I, actuará com a possível urgência no sentido de desenvolver e generalizar a protecção social aos trabalhadores rurais e suas

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famílias, considerando a mais eficaz coordenação, por via de acordos, de todas as instituições e serviços de previdência, saúde e assistência.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Março de 1962. - Os Deputados: Henrique Veiga de Macedo - António Martins da Cruz - José Guilherme de Melo e Castro - Jorge Augusto Correia - José dos Santos Bessa - D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis - Augusto Duarte Henriques Simões - Alberto Maria Ribeiro Meireles :- Alberto dos Reis Faria - Rui de Moura Ramos - Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.

O Sr. Veiga de Macedo: - A alteração que se sugere ao n.º l da base IV é consequência de se ter aprovado a classificação das instituições propostas pelo Governo. No texto da Câmara Corporativa fazia-se referência às caixas de previdência e abono de família, à Caixa Nacional de Pensões e às caixas da 2.ª categoria. Dada a classificação aprovada pela base anterior, há que fazer alusão às caixas sindicais de previdência e às caixas de reforma ou previdência, isto é, às instituições fia 1.ª e da 2.ª categorias.
Relativamente ao n.º 2 da mesma base verifica-se, pelo simples confronto, que a redacção proposta, com a concordância das Comissões, é diferente da constante do texto da Câmara Corporativa relativo à primeira parte do n.º 2 desta base IV.
Julgou-se desnecessário referir que as Casas do Povo e as Casas dos Pescadores se constituem ao abrigo de legislação especial e adoptou-se uma redacção mais directa e mais simples, embora susceptível ainda, porventura, de ulterior aperfeiçoamento.
Convém reparar, antes de mais, que a segunda parte do n.º 2 da base IV, na redacção dada pela Câmara Corporativa, foi eliminada, mas a sua matéria é considerada em base posterior, por parecer que é aí o seu lugar mais apropriado, se bem que a Comissão de Legislação e Redacção possa dar-lhe outra arrumação, tida por mais aconselhável.
Introduz-se, por outro lado, nesse n.º 2 um outro preceito, que passa a constituir a sua segunda parte.
Nos termos deste preceito os trabalhadores rurais ou equiparados ainda não abrangidos pelas Casas do Povo consideram-se incluídos no âmbito das federações das Casa do Povo da respectiva região, às quais incumbirá assegurar a realização dos fins de previdência que competem às Casas do Povo.
Este princípio reveste-se da maior importância, porque define uma linha de orientação que, a manter-se na prática, evitará sobreposições e assegurará conveniente protecção aos rurais, se aqueles organismos forem devidamente auxiliados nos aspectos financeiros.
Como evidenciei nas intervenções feitas na generalidade não vejo outro rumo a seguir. Este, pelo menos, é o mais natural e o mais prático. A inclusão deste preceito obedece, pois, à linha de pensamento em que se baseiam aquelas intervenções, pelo que me dispenso de alongar estas considerações muito mais.
Creio que ao facto de se não ter estimulado convenientemente a execução do princípio a inscrever agora na lei sobre a previdência se deve, em grande porte, a situação precária dos rurais no que toca a protecção social.
Não quero dizer com isto que os problemas dos trabalhadores do campo possam ser solucionados apenas com a extensão ou aperfeiçoamento dos seguros sociais realizados pelas Casas do Povo, em cooperação ou com o auxílio da previdência dos trabalhadores do comércio e da indústria. O problema é muito mais fundo, não devendo, por isso, criar-se a perigosa miragem de que as prestações de seguro social são capazes, só por si, de solucionai- a questão, sabido que este é, acima, de tudo, de ordem económica, de organização do trabalho, de produtividade, de valorização dos produtos da terra, de estruturas mais adequadas e até de formação de nova mentalidade.
O preceito não pode, de resto, considerar-se novo, pois se mostra já consagrado no Decreto-Lei n.º 41 286, de 23 de Outubro de 1957, diploma que permitiu a criação das federações das Casos do Povo. Foi precisamente ao abrigo deste decreto-lei que pelo Ministério competente, foi, há cerca de dois anos, mandado fazer um estudo-inquérito para a integração corporativa rural de todo o distrito de Bragança, com vista, sobretudo, à protecção social das populações agrícolas. Esse trabalho foi elaborado e prova bem que a solução apontada é exequível. Tanto assim que, em 3 de Maio de 1961, foi exarado um despacho, que ainda me foi dado subscrever, e para o qual, pelo seu interesse, me permito chamar a atenção da Câmara. Dizia-se, com efeito, nesse despacho sobre integração corporativa e protecção médico-social no distrito de Bragança:

Na visita de estudo que há meses fiz a Bragança tive ensejo de anunciar medidas destinadas não só a promover a integração corporativa das actividades económicas do distrito, e, sobretudo, das ligadas à vida rural, mas também a assegurar, através e como consequência de tal enquadramento, a protecção médico-social das populações agrícolas, num sistema coordenado com a assistência médica prosseguida pelas caixas de previdência e com outras actividades dispostas a cooperar no empreendimento.
Constituídos logo a seguir vários grupos de trabalho, foram já presentes as conclusões a que chegaram, merecendo referência especial o relatório da Comissão Coordenadora dos Serviços Médicos das Instituições de Previdência. Trata-se de trabalho notável, que encara, em profundidade e em pormenor, o problema da acção médico-social no distrito e que está a ser estudado pela Direcção-Geral da Previdência e Habitações Económicas, pela Junta Central das Casas do Povo e pela respectiva Federação de Caixas de Previdência.
Entretanto, convindo definir posição sobre os aspectos financeiros do problema e sobre a amplitude das Casas do Povo a instituir e de postos clínicos a criar, determino:
1.º Os serviços competentes do Ministério e, em especial, a delegação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência em Bragança deverão apressar, tanto quanto possível, as diligências para que se complete o enquadramento corporativo rural de todas as freguesias do distrito, ou através da instituição de Casas do Povo, ou da extensão, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 41 286, de 23 de Setembro de 1957, da acção da Federação das Casas do Povo, de modo que esta seja incumbida de realizar, fora das zonas abrangidas por Casas do Povo, os objectivos assinalados por lei a estes organismos.

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2.º Ao presente despacho deve ser atribuído, pura este efeito, o alcance previsto no artigo 6.º do citado diploma, embora a delegação do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência e a Federação das Casas do Povo fiquem autorizadas a dar-lhe gradual execução, conforme na necessidades ou as conveniências o justificarem.
3.º Ao abrigo do disposto no n.º 4.º do artigo 5.º do mencionado diploma, ordeno que, pelo Fundo Nacional do Abono de Família, se afecte a importância de 30 000 contos à organização dos serviços médico-sociais em todo o distrito de Bragança, independentemente dos encargos de funcionamento e dos que devem ser assumidos pelas caixas de previdência e Casos do Povo.
4.º Nesta orientação deverá promover-se a construção de 121 postos clínicos, que, em princípio, terão a seguinte distribuição por concelhos:
Postos clínicos
Alfândega da fé.........................7
Bragança...............................25
Carrazeda de Ansiães....................7
Freixo de Espada à Cinta................4
Macedo do Cavaleiros....................8
Miranda do Douro........................7
Mirandela..............................15
Mogadouro...............................9
Torre de Moncorvo.......................9
Vila Flor...............................4
Vimioso.................................7
Vinhais................................19

5.º Os serviços competentes do Ministério estudarão ainda a possibilidade de se estender esta experiência - de cujo êxito se não duvida desde que, como é de esperar, nela todas as entidades interessadas colaborem activamente - a outros distritos onde a organização corporativa não se mostre generalizada ou a dar o rendimento tido por conveniente.
6.º A Federação de Caixas de Previdência - Serviços Médico-Sociais superintenderá na execução do que neste despacho se estabelece quanto a assistência clínica, cabendo à Junta Central, das Casas do Povo dirigir o plano nos aspectos de integração corporativa.

Quanto à proposta para se aditar a esta base mais um número apraz-me sobremaneira subscrevê-la.
Esta grande satisfação íntima resulta da minha inteira concordância com a doutrina que na proposta se pretende consagrar. Mas funda-se também no facto de me ser dado ter na proposta a minha assinatura ao pé da assinatura ilustre do Deputado Dr. José Guilherme de Melo e Castro, a quem tão grato me é apresentai os renovados e amigos protestos do meu alto apreço pelo homem e pelo estadista.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tenho ainda o maior prazer em aproveitar o ensejo para prestar viva homenagem ao antigo Subsecretário de Estado da Assistência, pela obra notável que conseguiu levantar e, em especial, pelo espírito social, e humano que a ela sempre presidiu.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Melo e Castro: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: é para fazer uma brevíssima anotação à proposta, que acaba de ser apresentada, de aditamento de um novo número à base IV da lei em discussão. O objectivo primacial deste novo número é o de sugerir ao Governo que, com urgência, elabore um plano de protecção social das nossas populações rurais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A necessidade deste plano anda no espírito de todos nós há muitos anos, porque as carências das nossas populações rurais, no domínio da protecção social, são, em certos aspectos, verdadeiramente gritantes. Há muitos anos, quer nos órgãos qualificados da opinião pública, em geral, quer nos da opinião política, tem sido reclamado em todos os lares.

os congressos da União Nacional houve conclusões frisantíssimas de que era necessário um esforço decidido para levar a protecção social, ainda que elementar, às nossas desprotegidas populações rurais.
Este escopo tem estado também entre as maiores preocupações dos responsáveis pelos sectores interessa-os da Administração, quer no Ministério das Corporações, pelos seus departamentos de trabalho e de previdência, quer no Ministério da Saúde e Assistência, ainda quando os seus serviços pertenciam ao Subsecretariado de Estado da Assistência. Muito se estudou, se preparou e se planeou neste sentido.
E quero crer que se o êxito não chegou ainda a coroar esses esforços isso se não deve apenas à falta de meios financeiros, mas, talvez, sobretudo, ao facto de não ter havido ainda a necessária coordenação, baseada entre os dois departamentos.
À base agora proposta, que tem a encimar as assinaturas dos proponentes uma assinatura muito significativa - a do ilustre Deputado Sr. Dr. Veiga de Macedo -, pode vir a ser o motor decisivo para que o Governo venha a realizar em breve o empreendimento que está no espírito de todos nós, os responsáveis da vida pública deste País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A assinatura do Sr. Dr. Veiga de Macedo tem especial significado, não só pela alta responsabilidade e autoridade política que detém, mas também por que é desde há muitos anos um batalhador impoluto e sincero da política social e poucas pessoas haverá neste País, como S. Exa., que tenham tão profundo conhecimento das virtualidades da nossa previdência. Se o Sr. Dr. Veiga de Macedo concorda em harmonizar as disponibilidades financeiras e técnicas da previdência com o departamento da Saúde e Assistência, tenho esta concordância e harmonia de vistas como o feliz augúrio do que alguma coisa de sério poderá vir a ser realizado, em honra, para a protecção social e sanitária das nossas tão carecidas populações rurais.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Soares da Fonseca: - Um simples apontamento, Sr. Presidente: a mim parece-me que este n.º 2-A, rigorosamente, era dispensável.
Depois do que se propõe no n.º 2 desta base e depois de se ter aprovado a base I parece-me, repito, que o n.º 2-A, rigorosamente, era dispensável.
No n.º 2 desta base estabelece-se efectivamente:
Leu.

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Isto significa estar prevista com certa largueza, dentro das possibilidades da previdência, a protecção dos trabalhadores rurais nas mais instantes necessidades, devendo dizer-se que, mercê dos acordos já celebrados entre a Federação de Caixas de Previdência e as Casas do Povo, já hoje é apreciável o número de trabalhadores rurais com acção médico-social idêntica à dos trabalhadores do comércio e da indústria. Creio que esse número anda pela ordem das cinco ou seis centenas de milhares.
For outro lado, quanto à coordenarão pretendida pelo sugerido n.º 2-A, a base I, já aprovada, dispõe assim:
Leu.

O simples confronto dos dois textos leva-me a entender que em boa técnica jurídica o n.º 2-A era dispensável.
Mas nós somos uma assembleia política e n mim parece-me que corresponderia ao anseio de muitos Srs. Deputados vincar nesta base IV a necessidade e a urgência desta coordenação, e por isso não me oponho a ela.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Acrescentarei que valeria a pena, de algum modo, tê-la aceitado, fazendo o sacrifício de uma técnica jurídica mais perfeita, para se ter o prazer de assistirmos, como acabamos de assistir, à tão simpática manifestação de, como dizem os filósofos, amor intelectualis entre os ilustres Deputados e antigos membros do Governo Srs. Drs. Veiga de Macedo o Melo e Castro.
Tenho dito.

O Sr. Melo e Castro: - Ao latim raro do Sr. Dr. Soares da Fonseca responderei eu, ao menos, com latim de trazer por casa: guod abundat non nocet.
Mas não é só isso. É que, a meu ver, a base I apenas se refere à coordenação no plano superior, interministerial. Mas juridicamente creio que não só não repugna como é pertinente e útil que haja normas estabelecendo a coordenação em outros níveis, designadamente no nível periférico a que esta base se refere.
Nas zonas rurais é que, a meu ver, mais necessário se torna afirmar o princípio da coordenação, porque aí e que as colisões ou duplicações podem ser mais frequentes e mais graves.
Com efeito, com esta base propõem-se as federações das Cosas do Povo- estender a protecção social e sanitária às zonas rurais, e bom será que o façam rapidamente e de forma eficiente. Mas não podem esquecer que, nas zonas rurais, existem muitíssimas organizações já em funcionamento, umas que vêm da tradição, como as Santas Casas da Misericórdia, outras recentes e de natureza diversa: instituições particulares de assistência, associações, fundações, centros paroquiais, etc.
Existem, além disso, as delegações de saúde e os partidos médicos municipais. E é indispensável que, em plano uno e coerente, todas estas disponibilidades sejam coordenadas e valorizadas.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.

O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente: pedi a palavra apenas para justificar a responsabilidade que ontem me coube pela interrupção da discussão e votação
desta base. Na verdade, fi-lo por se me afigurar necessário proceder a uma revisão cuidada das propostas que acabavam de serem lidas em ordem a melhor se esclarecer e prever, na sua redacção, o alargamento dos objectivos da previdência social aos trabalhadores rurais e suas famílias.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Hoje vivo um sentimento diferente do que ontem experimentei ao pedir a palavra a V. Exa. Ontem fi-lo com certo temor, si té um certo receio, o receio de poder despertar nos ilustres Deputados desta Assembleia menor simpatia pelo que a minha intervenção podia representar de demora na votação. Hoje, sinto-me compensado ao verificar o efeito benéfico dessa intervenção.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Além da satisfação de poder verificar que, por ela, se explicitou, na nova proposta do alteração, a necessidade de, com a possível urgência, se estenderem aos trabalhadores rurais e suas famílias os benefícios da previdência social, sinto que aí terá tido princípio o encontro de dois belos espíritos desta Câmara, a quem tanto deve a política social do regime e que até hoje, parece, se afastavam no entendimento dado àquela proposta de alteração: refiro-me aos ilustres Deputados Veiga de Macedo e Melo e Castro.

O Sr. Presidente: - Quero esclarecer a Câmara relativamente à atitude que tomei quanto a uma solicitação do Sr. Deputado Martins da Cruz: muito embora não pudesse ter visto, nesse momento, as finalidades a que se dirigia, previ que alguma coisa lhe pesava na consciência no momento de votar, afigurou-se-me que queria mais alguma coisa para votar, ou que não estava suficientemente esclarecida a sua consciência para exercer o acto com a dignidade com que ele deve ser exercido.
E, como para mim nada há mais preocupante do que pôr alguém em condições de votar sem saber o que vota, tomei a atitude que tomei só porque ela corresponde ao pensamento que acabei de exprimir. Realmente, havia qualquer ansiedade no espírito do Sr. Deputado Martins da Cruz; vejo, mais, que essa ansiedade teve correspondência no ambiente das pessoas que particularmente trabalham e estudam a proposta. Fico contente por ter procedido como procedi e de ter atingido os resultados que verifico foram atingidos. Felicito o Sr. Deputado Martins da Cruz. e felicito-o pelas notas que foram feitas pelos Srs. Deputados Veiga de Macedo e Melo e Castro.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Sr. Presidente: pedia a V. Exa. o favor de mandar ler a proposta de aditamento do novo número.

O Sr. Presidente: - Imediatamente será. satisfeito o desejo de V. Exa.
Foi lida. É a seguinte:

Propomos que à base IV seja aditado o seguinte número:

2-A. Com vista à progressiva realização dos objectivos enunciados no número anterior, o Governo, de harmonia com o disposto na base I,

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actuará com a possível urgência, no sentido de desenvolver- e generalizar a protecção social aos trabalhadores rurais e suas famílias, considerando a mais eficaz coordenação, por via de acordos de todas as instituições e serviços de previdência, saúde e assistência.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Março de 1962. - Os Deputados: Henrique Veiga de Macedo - António Martins da Cruz - José Guilherme de Melo e Castra - Jorge Augusto Correia - José dos Santos Dessa - Afaria Margarida Craveiro Lopes dos Reis - Augusto Duarte Henriques Simões - Alberto Maria Ribeiro Meireles - Alberto dos Reis Faria - Rui de Moura Ramos - Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: -Muito obrigado a V. Exa.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se. Vai votar-se em primeiro lugar a proposta de substituição do n.º 1 da base IV.

Submetida à Votarão, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a proposta de substituição do n.º 2 da base IV.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Parece-me que é agora a altura de pôr à votação o n.º 2-A que VV. Exmos. ouviram, ler.
Vai votar-se o n.º 2-A, proposta de aditamento à base IV.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: -Vai votar-se o n.º 8, sobre o qual não há na Mesa qualquer proposta de alteração. Vai votar-se o n.º 3 da .proposta do Governo com a redacção sugeriria pela. Coimara Corporativa.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Passamos ao capítulo III. Vou pôr em discussão a base V. Sobre esta base há propostas de alteração que pretendem exprimir o pensamento da Comissão.
Vai ler-se o. base e a proposta da Comissão.

Foram- lidas. São as seguintes:

BASE V

1. As caixas de previdência e abono de família destinam-se a proteger os segurados, e os familiares a seu cargo, na doença e na maternidade, bem como a promover o salário familiar pela concessão de abono de família.
2. A protecção na tuberculose será objecto de diploma especial, competindo de início às caixas a concessão de subsídios pecuniários nos impedimentos resultantes daquela doença.
3. Entre os fins de previdência das mesmas instituições será incluída a protecção no desemprego involuntário, nos termos que .forem determinados em diploma especial.
4. Poderão ainda estas caixas prosseguir outros objectivos de previdência quando devidamente autorizadas pelo Ministro das Corporações e Previdência Social, ouvido o Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica.

Proposta de alteração

Propomos que a base v tenha a seguinte redacção.

1. As caixas sindicais de previdência destinam-se a proteger na doença, na maternidade, na invalidez, na velhice e por morte os trabalhadores e os familiares a seu cargo.
2. A protecção na tuberculose será objecto de regulamentação especial, visando o progressivo desenvolvimento desta protecção e competindo de início às caixas sindicais de previdência a concessão de subsídios pecuniários aos seus beneficiários nos impedimentos resultantes daquela doença.
3. Constitui também objectivo normal das caixas sindicais de previdência a compensação dos encargos familiares dos beneficiários pela concessão de abono de família e prestações complementares.
4. Entre os fins de previdência das mesmas instituições será incluída a protecção no desemprego involuntário, nos termos que forem determinados em diploma especial.
ã. Poderão ainda estas caixas prosseguir outros objectivos de previdência., designadamente em matéria de doenças profissionais, quando devidamente autorizadas pelo Ministro das Corporações e Previdência Social, ouvido o Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica e estabelecidas as condições gerais referidas na base XI.
6. Em complemento dos seus esquemas normais de prestações, as caixas sindicais de previdência, mediante a autorização nos termos previstos no número antecedente, poderão levar a efeito outras realizações de acção social, essencialmente dirigidas à defesa da família.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Março de 1962. - Os Deputados, Henrique Veiga de Macedo - Quirino dos Santos Mealhada - António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos - Rui de Moura Ramos - Jorge Augusto Correia. - Joaquim de Sousa Birne - Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos - João Rocha Cardoso - Artur Alves Moreira - António Maria Santos da Cunha.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Veiga de Macedo: - A redacção que se propõe para o n.º l da base V é idêntica à do n.º l da base IV da proposta do Governo. Haveria que adoptar esta redacção, desde que se perfilhou o critério da proposta quanto à ordenação das instituições de previdência.
De resto, na redacção dada pela Câmara Corporativa a este número incluía-se o abono de família na enumeração das modalidades a prosseguir pelas caixas em questão. Ora, o abono de família,, pela sua natureza e pela sua autonomia, merecia ser previsto em disposição própria.
Convém atentar ainda em que este número da base V insere, nos esquemas das caixas sindicais, o seguro--maternidade.
Pode dizer-se que este seguro esteve para ser instituído em diploma especial, considerando o seu alto interesse social e a urgência reclamada pela necessidade de realização dos seus objectivos. Circunstâncias várias impediram que se encarasse essa providência. No entanto, outras medidas de protecção à mulher tra-

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balhadora puderam ser tomadas, e em tal amplitude que as normas desta natureza em vigor colocam-nos em lugar de relevo entre os países mais avançados na matéria.
A criação do seguro-maternidade constituirá um complemento importante do acervo de providências destinadas à defesa da mulher trabalhadora. Não obstante a relevância social de tudo o que o previdência já faz na assistência na maternidade, tornava-se necessário completar esta acção, mormentte no que toca a internamento em estabelecimento hospitalar adequado e à concessão de subsídios por perda de remuneração.
Quanto ao subsídio de nascimento, já foi estabelecido por portaria publicada em 23 de Setembro de 1960.
A atribuição de subsídios por perda do salário virá resolver graves problemas, pois evitará abusos que se notam da parte de entidades patronais menos escrupulosas, que, tantas vezes, não hesitam em esquivar-se ao pagamento dos salários devidos às parturientes e até em despedi-las em condições reprováveis.
Por outro lado, a concessão de tais prestações pelas caixas através de um regime de compensação evita às empresas que mantêm ao serviço muito pessoal feminino situações de desigualdade, que são, no fundo, causa de grande parte das fraudes e das transgressões que se têm registado.
Quanto ao n.º 2 desta mesma base, sugere-se nina redacção destinada a permitir mais rápido desenvolvimento dos esquemas do seguro-tuberculose, cuja criação se indicava já na proposta do Governo. A instauração deste seguro é, sem dúvida, uma das mais expressivas medidas preconizadas no documento em análise. Para já, passará a garantir-se ao trabalhador vítima de tuberculose o pagamento de subsídio pecuniário nus impedimentos daquela doença.
Gomo se diz no relatório da proposta, acontece, muitas vezes, que os trabalhadores não aceitam ou abandonam a sanatorização porque as necessidades da família os obrigam a exercer as suas actividades profissionais. Há situações destas verdadeiramente dramáticas. As caixas têm procurado, pelos seus fundos de assistência, acudir aos casos mais lancinantes, mas o sistema não tem a generalidade requerida e não dá a segurança necessária aos trabalhadores.
O preceituado neste número abre ainda possibilidade ao estabelecimento do direito a internamento e à melhoria da acção médico-social, mesmo quando o doente se encontre em tratamento ambulatório.
As Comissões pensam que o seguro-tuberculose acarretará grandes despesas e daí que se tivesse admitido a hipótese de prever que tal protecção deveria ser objecto, não apenas de regulamentação própria, mas também de contribuição especial.
O Governo, porém, poderá fazê-lo. e presumo que terá de o fazer, a não ser que os elementos que foram considerados nas Comissões não traduzam as realidades existentes.
Em Itália, o seguro-tuberculose é alimentado por contribuição especial da ordem dos 2 por cento sobre os totais dos ordenados e salários.
Acerca do n.º 3 da base V dir-se-á que o preceito nele contido é idêntico ao do n.º 3 da base IV da proposta do Governo. Entendeu-se, contudo, ser mais prudente, e mais verdadeiro, falar-se em «compensação dos encargos familiares», em vez de «promoção do salário familiar». Julgou-se também aconselhável fazer referencia à concessão de subsídios complementares do abono da família, tanto mais que estão já a ser pagas diversas prestações dessa natureza, como tive ensejo de referir largamente no decurso das minhas intervenções realizadas na apreciação da prooposta de lei nu generalidade
O disposto no n.º 4 constava já da Lei n.º 1884. Contudo, esse preceito não obteve aplicação prática. As comissões, ao apreciarem este assunto, tiveram ensejo de tomar conhecimento do que pensa o Governo sobre o problema e registaram, com satisfação, o que há dias lhes foi comunicado pelo Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social quanto à próxima instituição do seguro de desemprego tecnológico.
Estes problemas relacionados com a protecção no desemprego e com a definição de uma política de emprego são fundamentais, como se reconhece por toda a parte. Entre nós a questão não tem sido objecto de estudos gerais aprofundados. Por isso, foi por despacho ministerial ordenado, há cerca de dois anos e meio, ao Centro de Estudos Sociais e Corporativos, instituído pelo Plano de Formação Social e Corporativa, que procedesse a um trabalho que constituísse ao menos uma introdução à vasta análise de assunto tão complexo. Esse trabalho foi elaborado e encontra-se publicado.
Refiro-me a ele porque fornece indicações de interesse sobre os diversos aspectos relacionados com o problema de desemprego na teoria económica e no progresso económico e com o papel da política económica no combate ao desemprego. As suas conclusões são iguais àquelas a que, por toda a parte, chegam os estudiosos destes assuntos.
Sem embargo da necessidade da definição de uma política económica que vise a conseguir o equilíbrio entre a procura e a oferta globais de mão-de-obra, torna-se mister criar verdadeiros serviços de emprego, cuja missão será, na opinião da O. I. T., a seguinte:

A tarefa essencial do serviço de emprego deverá ser assegurar, em colaboração com os outros organismos públicos e privados interessados, a melhor organização do emprego dos trabalhadores industriais, agrícolas ou outros, no quadro de um programa, nacional de plena utilização dos recursos produtivos.

O Sr. Melo e Castro: - Muito bem!

O Orador: - A recolha de informações sobre o mercado do trabalho, em estreita cooperação com os serviços de estatística, a colocação dos desempregados, a intensificação da mobilidade profissional ou geográfica e a cooperação com outros entidades são finalidades essenciais de um serviço de emprego.

O Sr. Melo e Castro: - E a reclassificação profissional.

O Orador: - Evidentemente. Sem regatear as homenagens devidas ao esforço notável do nosso Comissariado do Desemprego, permito-me reproduzir a afirmação dos autores desse trabalho segundo a qual aquele organismo «não preenche, nem tem a- ambição de preencher, as funções de um serviço de emprego. O problema está, portanto, em aberto e parece indispensável pensar nele». E foi isso o que começou a fazer-se, embora as diligências realizadas não surtissem inicialmente os resultados convenientes.
Mas a lacuna era e é mais saliente no que toca à protecção social no desemprego.
O que impressiona, entre nós, é que sobre os ordenados e salários incidam descontos para o amparo no desemprego sem que se reconheça ao trabalhador,

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quando desempregado, qualquer direito a uma protecção adequada e digna. O Comissariado do Desemprego foi criado em 1933. Dizia-se no relatório do diploma que o instituiu que o desemprego deve ser combatido proporcionando trabalho e «não concedendo esmolas, o que, quando indispensável, constitui atribuição da assistência». Simplesmente, exige-se à entidade patronal e ao trabalhador que paguem contribuições sobre as remunerações do trabalho, pelo que a concessão de subsídios, prudentemente calculados, aos desempregados não será esmola, mas a satisfação de um verdadeiro direito. «A mais alta e delicada missão do Comissariado seria a de ir preparando, desde o primeiro dia do seu funcionamento, as condições da sua extinção», assim se anunciou quando da criação deste organismo.
Tal não aconteceu, pois as suas actividades foram aumentando, como se vê pelo acréscimo progressivo das suas receitas, obtidas dos salários, mas aplicadas como se se tratasse de impostos sobre a colectividade.
Não quero negar o surto admirável de empreendimentos públicos que se devem às verbas do Fundo do Desemprego, nem muito menos a capacidade realizadora do Ministério competente e dos seus ilustres titulares, através dos anos.

O Sr. Melo e Castro: - Muito bem!

O Orador: - De resto, tenho a mais viva admiração pelo actual Ministro das Obras Públicas e pela notabilíssima obra que tem sabido erguer com a sua inteligência e o seu forte querer de estadista ilustre.

O Sr. Melo e Castro: - Muito bem!

O Orador: - O mesmo me apraz dizer a respeito do Sr. Subsecretário de Estado das Obras Públicas, que há mais de doze anos vem sendo colaborador leal, eficiente e competentíssimo dos titulares da pasta das Obras Públicas e que no País só tem granjeado simpatias e apreço.

Vozes: - Muito bem!

O Orador - Por isso, ninguém, por certo, interpretará mal as minhas palavras, como não se estranhará que continue a dar inteira concordância aos que pensam, como os autores do trabalho, datado de fevereiro de 1959, atrás referido, e de que me permito chamar a atenção para este passo:

Entre nós, a situação carencial dos desempregados tem sido atendida através da assistência social. A tendência da doutrina e da política social, na generalidade dos países, é, porém, para a substituição das prestações assistenciais por sistema eficaz de seguro no desemprego.

E acrescentava-se:

Parece, pois, indispensável que os serviços especializados do Ministério das Corporações e Previdência Social abordem o estudo do seguro no desemprego em Portugal. Deve, aliás, esperar-se que do trabalho ordenado pela Junta da Acção Social sobre «organização do seguro de desemprego» resulte uma contribuição valiosa para a análise deste problema.
Oxalá, pois, que o preceito contido neste n.º 4 da base V possa obter consagração prática apropriada, porque, se constrange não haver entre nós um seguro de desemprego, mais repugna que sobre o trabalho incidam contribuições às quais não é dado o destino imposto pela sua origem e pela sua natureza.
É, por isso, de desejar que se ultrapasse, quanto antes, o que foi anunciado sobre a cobertura dos riscos do desemprego tecnológico. Esta medida é um passo, mas não resolve o problema e não dá satisfação aos legítimos anseios das actividades nacionais e da população trabalhadora. As receitas arrecadadas para o Fundo de Desemprego devem ser cobradas para instituições próprias e canalizadas, depois, para a realização dos fins específicos em causa, a não ser que todos os rendimentos, e não só os dos salários, sejam chamados a contribuir, mediante impostos ou taxas especiais, para a política das obras públicas.
Aqui fica, pois, em breve esquema, o pensamento da Comissão do Trabalho, Previdência e Assistência e da Comissão Política de Administração Geral e Local.
O n.º 5 é idêntico ao n.º 4 da base V proposto pela Câmara Corporativa. Há, porém, duas diferenças a assinalar. A primeira refere-se ao estabelecimento do princípio de que a previdência não poderá prosseguir fins diferentes dos que já estão aprovados, sem que o Ministro respectivo ouça o conselho coordenador ora criado.
A outra assume a maior relevância, porque, entre os fins de previdência a que se alude no preceito, inclui-se o da protecção nas doenças profissionais, e numa fórmula que não afasta a futura integração de outros riscos.
Sabe-se que o problema dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais foi dos que mais interessaram as Comissões e é, porventura, dos que mais estão a chamar a atenção da Câmara. O que penso sobre este assunto consta de uma intervenção que há dias fiz. Nela pronunciei-me nomeadamente sobre o problema da cobertura dos riscos das doenças profissionais. Mas não deixei de aludir à questão geral da cobertura dos riscos que se correm no exercício da profissão, tendo, então, produzido, entre outras, as seguintes afirmações:

É nesta mesma ordem de ideias que direi ainda algumas palavras sobre o ponto de maior interesse da intervenção a que me estou a reportar, isto é, ao relativo à forma de cobertura do risco de pneumoconioses e das doenças profissionais, em geral.
Sobre a questão foi elaborado no Verão de 1960, por minha indicação e sob a minha directa orientação - exercia nessa altura as funções de Ministro das Corporações e Previdência Social -, um diploma que criava a Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais. Quando este diploma estava para ser publicado no Diário do Governo surgiu, à última hora, uma dificuldade imprevista, que impediu a saída de tal documento.
Creio ser-me lícito fazer alusão a este facto, tanto mais que é já do domínio público, como pode verificar-se pela leitura do Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência de 30 de Abril do ano findo, o qual insere o seguinte despacho ministerial:

O problema debatido - problema da cobertura dos riscos de acidentes de trabalho e doenças profissionais - tem constituído uma das

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preocupações dominantes deste Ministério, e, se até ao presente não pôde ser enfrentado em todos os seus aspectos, estão criadas as condições para que possa ser resolvido nos próximos anos. Neste sentido elaborou-se um projecto de decreto-lei instituindo a Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais, o qual só por motivos imperiosos não pôde ser publicado, como estava previsto, em 23 de Setembro do ano findo.
De recente declaração pública do titular da pasta das Corporações pode concluir-se que tal dificuldade se mostra, felizmente, ultrapassada.
É bom que seja assim, embora deva esperar-se que esta Assembleia, muito em breve, tome posição no assunto. O facto, a verificar-se, tem de ser saudado como uma viragem de grande alcance na nossa política social.
O seguro de doenças profissionais, aliás como o de acidentes de trabalho, tem sido realizado entre nós por entidades particulares. O objectivo do referido projecto de decreto-lei visava a que, no tocante a doenças profissionais, os riscos passassem, num plano de progressiva e rápida realização, a ser cobertos no regime da previdência social através de um organismo autónomo, sem fins lucrativos e com representação das entidades patronais e dos trabalhadores. A ideia inicial era a de se começar pela cobertura do risco da silicose. Mas tudo parece aconselhar agora que se integrem nessa instituição todos os riscos relacionados com as doenças profissionais ou, ao menos, com as pneumoconioses. E isto, além do mais, para se evitarem embaraçosas interpretações.
Os textos legais vigentes não permitem, de facto, uma solução eficaz do problema, embora a Lei n.º 1884 tenha estabelecido que as caixas de previdência podem, mediante autorização do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, promover, em instituição oficial ou sociedades particulares legalmente constituídas, a realização de seguros, individuais ou colectivos em caso de vida, morte ou acidente de trabalho, pensões de invalidez ou de sobrevivência. Este preceito já se encontrava no Decreto n.º 19 281, de 29 de Janeiro de 1931, referente às associações de socorros mútuos, e veio mais tarde a ser incluído no Decreto n.º 25 935, de 12 de Outubro de 1935, e no Decreto n.º 28 321, de 27 de Dezembro de 1937.
Não parece, assim, que possa considerar-se estranho às finalidades da previdência social este seguro. A «instituição oficial» a que se refere a Lei n.º 1884 não poderá ser classificada senão como instituição de previdência.
De qualquer forma, entendeu-se que o melhor caminho seria o da publicação de novo diploma legal. Daí a elaboração do mencionado projecto de decreto-lei criando a Caixa Nacional de Seguros de Doenças Profissionais.
Esta orientação integra-se na moderna linha de rumo da segurança social, caracterizada pela extensão do campo de aplicação e das eventualidades protegidas e pela coordenação do sistema de prestações.
A obrigatoriedade deste seguro não se compadece, no meu parecer e no de muitos estudiosos destes assuntos, com a sua efectivação em entidades mercantis. Um seguro social obrigatório só deve, de facto, ser realizado por instituições sem quaisquer fins lucrativos, a funcionar em união ou coordenação com as demais instituições de previdência. Foi neste sentido que se pronunciou a Conferência Internacional do Trabalho, reunida em Filadélfia em 1944.
Dificilmente se poderá admitir que o Estado imponha às entidades particulares encargos de carácter social de que derivem lucros para empresas privadas. Por isso, afirma Venturi que à consciência pública repugna que um regime de protecção social, tornado coactivo pelo Estado em benefício de grupos economicamente débeis, constitua objecto do comércio de seguros. São deste consagrado autor as seguintes palavras:

O abandono progressivo do método da reparação individual do empresário a favor da adopção quase universal do método do seguro social constitui a demonstração mais evidente de que a reparação não deve ser um instituto avulso e independente do programa político-social da tutela dos trabalhadores nos vários riscos que ameaçam a sua existência.

Por outro lado, não está certo que os interessados, isto é, as entidades patronais e os trabalhadores, não participem na administração desse seguro, como, por força dos princípios corporativos, se verifica nas nossas instituições de previdência.
Nem com o sistema vigente é possível eliminar os prejuízos que para as caixas de previdência derivam de arcarem, por força de conhecidas circunstâncias, com encargos, que não lhes pertencem, derivados da assistência que prestam a muitos portadores de doenças profissionais. Por outro lado, quem se der ao cuidado de compulsar alguns processos existentes nos tribunais do trabalho ficará compungido com a trágica situação de milhares de trabalhadores vítimas de doenças profissionais.
Embora os seguros de acidentes de trabalho e doenças profissionais devam, em princípio, receber tratamento idêntico e suscitar questões análogas, não apenas de indemnização, mas ainda de recuperação, reclassificação e reocupação, parece ao menos oportuno e inadiável opor-se uma barreira às causas da pungentíssima situação resultante da existência de tão numeroso contingente de portadores de doenças profissionais, muitos deles sem protecção eficaz ou mesmo sem protecção, não obstante o correcto procedimento de diversas entidades seguradoras.
O seguro industrial tem sido desfavorável de modo muito particular para os trabalhadores afectados com doenças profissionais. As próprias entidades seguradoras se queixam dos prejuízos que a sua exploração provoca.
As doenças profissionais são, em regra, de evolução lenta e tantas e tantas vezes insidiosa, o que mais evidencia a necessidade de tal risco ser coberto mediante contratos que não possam ser livremente denunciados.
Esta, de resto, demonstrado, por uma experiência longa e dolorosíssima, que os intricados problemas da prevenção, recuperação e reocupação não são susceptíveis de receber soluções eficazes à margem de instituições próprias com fins desinteressados.

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Esta é a orientação quase geral por toda a parte, como seria fácil de comprovar. Por isso, dois ilustres juristas e sociólogos puderam concluir, em tese apresentada ao IV Congresso da União Nacional, que a evolução da teoria da responsabilidade por acidentes de trabalho e doenças profissionais - doutrina da culpa, doutrina contratual, doutrina do risco profissional e doutrina do risco da autoridade - e a sua consagração legal colocaram o seguro deste risco no plano geral dos seguros sociais. Desde então, acrescentam aqueles autorizados cultores do direito, a reparação através do seguro mercantil, a que originariamente se recorreu e se manteve nos sistemas de alguns países, porque pressupõe a responsabilidade individual do dador do trabalho, está em manifesta contradição com a natureza predominantemente social da responsabilidade infortunística.

Sendo assim, porque não se propõe agora, por forma expressa, a consagração legal desta orientação genérica? A razão é simples: ponderou-se convenientemente a impossibilidade em que, de momento, se encontra o sector competente para, a par das tarefas enormes decorrentes da execução da lei sobre a previdência, executar um plano de integração social de todos os riscos profissionais.
Repare-se que não falei em nacionalização, pois não é isso o que se pretende. Apenas se deseja que o Governo promova gradualmente a cobertura dos riscos profissionais através de instituições próprias, criadas ao abrigo da lei sobre a previdência.
Começa-se pelas doenças profissionais, e dentro destas pela silicose, segundo foi anunciado oficialmente. No entanto, as comissões entendem que se deveria abranger logo de início, ao menos, todas as pneumoconioses.
Convém recordar que a Câmara Corporativa defendeu, no seu parecer, a integração da cobertura dos riscos dos acidentes e doenças profissionais no regime da previdência. De resto, já a mesma Câmara, em 1944, ao pronunciar-se sobre actual estatuto da assistência, havia emitido idêntico ponto de vista, como pode ver-se por estas palavras do notável parecer de que foi relator o Doutor Marcelo Caetano: «O desemprego, a invalidez, a velhice, a doença, os acidentes de trabalho, a falta do chefe de família, são riscos que devem estar cobertos pela previdência social».
As Comissões entenderam ainda dever propor a inclusão de um n.º 6 na base em análise. A razão da orientação perfilhada reside no facto de presentemente as caixas estarem já a cumprir programas de acção social complementares ou acessórios das actividades essenciais dos seus esquemas. Basta, por exemplo, referir as actuais atribuições conferidas à Federação de Caixas de Previdência -Obras Sociais, a que me referi na primeira intervenção feita na apreciação na generalidade das propostas em debate. As Comissões entenderam que se tornava mister fazer alusão a essas modalidades. De início, redigiu-se um preceito do qual constavam especificadamente essas atribuições. Mas aceitou-se, depois, por motivos que não interessa referir, uma fórmula mais genérica, embora na ideia profunda de que devem manter-se, no seu actual enquadramento, esses esquemas complementares já em progressiva aplicação.
Este n.º 6 da base V tornava-se ainda necessário, pois no domínio da acção complementar das caixas muito só avançou a partir de 1957, isto é, a partir da data da apresentação da proposta de lei sobre a previdência. Recuar seria injustiça clamorosa.

O Sr. António Santos da Cunha: - Longe de mim contradizer aquilo que acabámos de ouvir da boca do Sr. Deputado Veiga, de Macedo quanto à necessidade de o seguro social cobrir largamente o risco do desemprego, mas S. Exa. foi escasso na referência feita à obra verdadeiramente grandiosa que o Comissariado do Desemprego tem realizado neste país e que tem contribuído e muito para que o trabalho não falte.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Foi aqui dito que o Sr. Dr. Veiga de Macedo era indiscutivelmente, e sou o primeiro a proclamá-lo, profundo conhecedor dos problemas sociais e, consequentemente, da matéria em discussão, mas, nesta do desemprego, permita-me que lhe diga que se S. Exa. sabe muito, eu também sei alguma coisa.
Enxuguei as lágrimas de centenas, de milhares de chefes de família com o dinheiro do Comissariado do Desemprego. É preciso ter em conta que sem esse organismo não seriam desfeitas muitas sombras negras em muitos lares.
Quero deixar aqui estas palavras: com o dinheiro gasto na minha cidade, no meu distrito, na minha província, em todo o País direi melhor, através das comparticipações dadas pelo Ministério das Obras Públicas, têm-se efectuado obras de grande projecção, e atrás delas têm sido feitas outras de iniciativa particular e, ao mesmo tempo que se valoriza o País, vai-se dando trabalho aos que na verdade querem trabalhar.
Assim se tem evitado a falta de trabalho precisamente para as classes mais humildes, mais desfavorecidas e, consequentemente, mais necessitadas de cobertura.
Prestando as minhas homenagens à magnífica intenção do Sr. Deputado Veiga de Macedo e fazendo votos para que depressa cheguemos a um seguro social que possa abranger todos os riscos dos trabalhadores, não quero deixar de mais uma vez pôr em relevância, a obra do Comissariado do Desemprego e o quanto ela tem contribuído para que - volto a acentuá-lo - o trabalho não falte, nomeadamente na província.
Com dinheiro do Fundo de Desemprego, e devido à acção sempre compreensiva e atenta do Ministério das Obras Públicas, fiz sorrir muita face entristecida, por isso lhe sou grato.
Deve-se ao génio de Duarte Pacheco o Comissariado do Desemprego; deixemo-lo seguir o seu caminho, que é frutuoso e sempre a bem da Nação.
Tenho dito.

O Sr. Costa Guimarães: - Sr. Presidente: ao discutir-se o n.º l da base V proposta, com as alterações sugeridas pelas Comissões, desejo produzir duas breves considerações, por ver devidamente prevista a protecção à maternidade, e, em consequência, exprimir o quanto me congratulo ver tomar-se uma previdência que por certo virá resolver um problema que se vinha verificando, com grande reflexo na prestação de serviços por mulheres.
Desejo referir-me à tendência, com aspectos desagradáveis e prejudiciais, para o abandono do trabalho feminino, mais indicado e vantajoso em tarefas delicadas, sobretudo no sector dos têxteis e afins, tendência que fundamentalmente provinha, além das razões muito judiciosamente referidas pelo ilustre

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Deputado Sr. Dr. Veiga de Macedo, do facto de muitas entidades patronais procurarem eximir-se à satisfação de encargos que, pelas disposições em vigor, lhes competiam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Creio que a base proposta solucionará por completo a questão. For isso lhe darei a minha jubilosa aprovação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente: começo por dizer que dou o meu voto à proposta de alteração subscrito pelo Sr. Dr. Veiga de Macedo e outros Srs. Deputados.
Mas desejo, quanto no n.º 5, fazer ura ligeiro apontamento.
A redacção deste n.º 5 difere ligeiramente do texto da Câmara Corporativa, e apenas na introdução da expressão «designadamente em matérias de doenças profissionais».
No texto da Câmara Corporativa diz-se:

Leu.

E na proposta de substituição acrescenta-se:

Leu:

Ora a introdução desta expressão pode levar algum intérprete a concluir que terá sido intenção do legislador afastar deste número os acidentes de trabalho.
Quero significar que essa inferência seria errada, pois, desde já, deveria consignar-se no preceito legal a obrigação de a previdência cobrir também o risco dos acidentes de trabalho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Simplesmente, acontece que a esta pretensão foram opostas razões que, embora me não convençam quanto ao fundo da questão, me convencem quanto à conveniência de formalmente não incluir desde já a referência a acidentes de trabalho; mas tanto no meu espírito como no daqueles Deputados que puderam escutar essas razões ficou bem assente que a não inclusão nesta base de quaisquer referências a acidentes de trabalho se deve única e simplesmente a motivos de oportunidade, por se entender que neste momento não será ainda possível trazer para a previdência a cobertura dos riscos de acidentes de trabalho. Desejaria, porém, que, ao menos neste debate, ficasse bem explícito o desejo de que, logo que fosse possível, o Governo desviasse do seguro privado, onde actualmente se processa, para o seguro da previdência, a cobertura do risco de acidentes de trabalho.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Sousa Birne: - Pedi a palavra, S.º Presidente, apenas para fazer a seguinte comunicação.
Refiro-me à proposta de alteração à base V, assinada pelo Sr. Dr. Veiga de Macedo e outros Srs. Deputados e com a qual concordo, apenas fazendo sobre ela esta reserva, ou antes este esclarecimento, quanto ao n.º 5 da citada proposta.
Compreendo muito bem, como, aliás, é já do conhecimento de todos, já aqui o afirmei mais de uma vez, que seja dada toda a primazia, toda a urgência, para a extensão à previdência de uma das graves contingências do trabalho: as doenças profissionais. E a inclusão na previdência das doenças profissionais lá se encontra em toda a sua expressão.
Não passo, no entanto, sem reparo de que não seja a redacção do n.º 5 mais expressiva quanto também à possibilidade de inclusão na previdência de outras contingências do trabalho, que as há de vários aspectos, mesmo além propriamente dos acidentes de trabalho, embora deles directamente derivados, como a readaptação dos sinistrados, o emprego daqueles a quem não pode ser evitada a incapacidade parcial permanente e ainda o bem-estar social dos incapacitados.
Confio, no entanto, em que o Governo, através do Ministro das Corporações e Previdência Social, não deixará de prosseguir atento ao problema, determinando a inclusão de uma ou outras dessas contingências, sempre que estiverem em causa possibilidades e satisfação de justos interesses das actividades e classes trabalhadoras, que é o mesmo dizer do País.
Quanto a nós, cumpre-nos, sempre que soubermos de problemas relacionados que gravemente afectem esses mesmos justos interesses, trazê-los com toda a clareza e isenção ao conhecimento e à digna atenção desta Assembleia.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Pires da Costa: - Sr. Presidente: pedi a palavra por causa das observações feitas pelo Sr. Deputado Martins da Cruz. Disse S. Exa. que a redacção dada ao n.º 5 pode trazer uma interpretação que afaste a possibilidade de incluir outras doenças que não sejam de carácter profissional. Quer dizer: que impeça a sua extensão.
Salvo o devido respeito, parece-me não ser possível tal interpretação, porque a redacção deste n.º 5 é nitidamente exemplificativa, como mostra a expressão «designadamente». Sendo assim, não se me afigura que haja possibilidade de interpretar este n.º 5 como tendo uma redacção taxativa.

O Sr. Martins da Cruz: - Oxalá que sim!

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.
Vai votar-se a proposta de alteração que pretende substituir toda a base V. Se for aprovada, fica a base V, conforme a redacção da Câmara Corporativa, substituída por ela.
Vai votar-se então a proposta de alteração no seu conjunto, porque respeita também ao conjunto da base V.

Submetida â votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Ponho em discussão a base VI.

O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: como já ontem expliquei, a Caixa Nacional de Pensões, a que se refere a base VI, era, na economia do texto da Câmara Corporativa, uma caixa de tipo autónomo.

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24 DE MARÇO DE 1962 1315

Aprovada a nova classificação das instituições de previdência na base III sucede que esta Caixa deixa de ser de tipo autónomo e virá a ser uma espécie do tipo de caixas sindicais de previdência, como adiante se proporá.
A matéria será tratada na base XV. Sendo assim, requeiro a V. Exa., Sr. Presidente, que não ponha em discussão a base VI neste momento e o faça aquando da discussão da base XV.

O Sr. Presidente: Deferido.

Pausa.

O Sr. Presidente:- Está em discussão a base VII, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado Veiga de Macedo e outros Srs. Deputados. Vão ler-se a base e a proposta de alteração.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE VII

1. A iniciativa da criação das caixas de previdência e abono de família compete:

a) Às corporações, bem como aos grémios e sindicatos nacionais e suas federações e uniões;
b) Aos interessados, quando não existam organismos corporativos que os representem, ou a instituição diga respeito ao pessoal de uma empresa ou grupo de empresas;
c) Ao Ministério das Corporações e Previdência Social.

2. A criação da Caixa Nacional de Pensões e a da federação referida na base XIV incumbem ao Ministério das Corporações e Previdência Social.

Proposta de alteração

Propomos que a base VII tenha a seguinte redacção:

A iniciativa da criação das caixas sindicais de previdência compete:

a) Às corporações, bem como aos grémios e sindicatos nacionais e suas federações ou uniões, por meio de convenções colectivas de trabalho;
b) Ao Ministério das Corporações e Previdência Social, directamente ou a requerimento dos interessados ou dos organismos corporativos seus representantes.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Março de 1962 - Os Deputados: Henrique Veiga de Macedo - Quirino dos Santos Mealha. - António Manuel Gonçalves Rapazote - António Maria Santos da Cunha - Agostinho Gonçalves Gomes - Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos - Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis - António Martins da Cruz - Jorge Augusto Correia - António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Veiga de Macedo: - Sr. Presidente: as modificações que constam da proposta são tão simples e claras que julgo poder dispensar-me de as explicar.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - A proposta de alteração pretende substituir toda a base VII. Portanto, se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja fazer uso da palavra, vai votar-se essa proposta de alteração, que, se aprovada, substituirá toda a base VII.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base VIII, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração. Vão ler-se a base e a proposta de alteração.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE VIII

As caixas de previdência e abono de família, e sua federação, e a Caixa Nacional de Pensões têm personalidade jurídica e consideram-se legalmente constituídas depois de aprovados por alvará os seus estatutos.

Proposta de alteração

Propomos que a base VIII tenha a seguinte redacção:

As caixas sindicais de previdência têm personalidade jurídica e consideram-se legalmente constituídas depois de aprovados por alvará os seus estatutos.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Março de 1962 - Os Deputados: Henrique Veiga de Macedo - Quirino dos Santos Mealha - António Maria Santos da Cunha - António Manuel Gonçalves Rapazote - Agostinho Gonçalves Gomes - Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos - Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis - António Martins da Cruz - Jorge Augusto Correia - António Júlio do Carvalho Antunes de Lemos.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: a alteração é meramente formal, para ajustar a designação das caixas à nova classificação. Passa a dizer-se "caixas sindicais de previdência".
Esta alteração aparece em várias outras bases, para harmonizar os textos, o que dispensa mais explicações quando se chegar à discussão dessas bases.

O Sr. Presidente: - Também já tinha notado isso.
Vai então votar-se a proposta de alteração, que, como acabam de ouvir, está no prolongamento lógico das soluções adoptadas para outras bases.

Submetida à votação, foi aprovada.

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1316 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 54

O Sr. Presidente: - Está em discussão a base IX, sobre qual há na Mesa várias propostas de alteração. Vão ser lidas a base e as propostas de alteração.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE IX

1. As caixas de previdência e abono de família e a Caixa Nacional de Pensões abrangerão obrigatoriamente, como segurados, os trabalhadores das profissões ou actividades definidas nos diplomas da sua constituição, ou integradas por virtude de convenções colectivas ou despachos de alargamento de âmbito.

2. Poderá ser autorizada ou determinada a inscrição obrigatória, nas caixas de previdência e abono de família, de pessoas que, sem dependência de entidades patronais, exercem certas profissões, serviços ou actividades, para o efeito da concessão de uma ou mais espécies de benefícios do esquema regulamentar das mesmas instituições, mediante o pagamento das contribuições respectivas.

3. O âmbito das caixas de previdência e abono de família criadas a requerimento dos interessados será o estabelecido nos respectivos estatutos.

4. A obrigatoriedade de inscrição como segurados é extensiva aos sócios das empresas que, ao serviço destas, mediante remuneração e subordinados á administração respectiva, exerçam profissões abrangidas pelas caixas.

5. Ouvido o Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica, poderá ser determinado o alargamento do âmbito das caixas de previdência e abono de família, quando o justifiquem motivos de ordem social ou económica.

Proposta de alteração

Propomos que na base IX os nºs 1 e 2 tenham a seguinte redacção:

1. As caixas sindicais de previdência abrangerão obrigatoriamente, como beneficiários, os trabalhadores das profissões interessadas nas convenções colectivas de trabalho ou definidas nos diplomas da sua criação.

2. Poderá ser autorizado ou determinado que os trabalhadores inscritos como sócios das Casas do Povo e das Casas dos Pescadores e as pessoas a estes equiparadas pela respectiva legislação, bem como as pessoas que, sem dependência de entidades patronais, exercem certas profissões, serviços ou actividades, sejam incluídos nas caixas regionais de previdência e abono de família, e ainda, cumulativamente, na. Caixa Nacional de Pensões, para o efeito de beneficiarem de uma ou mais modalidades de seguro de esquema destas instituições, mediante o pagamento das contribuições correspondentes.

Nos n.ºs 3 e 5 a expressão «caixas de previdência e abono de família» sejam substituídas por «caixas sindicais de previdência».

No n.º 4 se elimine a expressão «como segurados».

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Março de 1962. - Os Deputados: Henrique Veiga

de Macedo - Quirino dos Santos Mealha - António Manuel Gonçalves Rapazote - António Maria Santos da Cunha - Agostinho Gonçalves Gomes - Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos - Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis - António Martins da Cruz - Jorge Augusto Correia - António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.

O Sr. Veiga de Macedo: - Uma das alterações propostas filia-se na preocupação de adaptar o preceito à classificação das instituições aprovada e à ideia de simplificar a redacção.

Por outro lado, introduzem-se outras modificações destinadas a tornar o texto mais claro ou mais preciso.

Interessa referir, sobretudo, que no n.º 2 da base se inclui o preceito que constituía a segunda parte do n.º 2 da base IV da Câmara Corporativa, ou seja, a importante matéria que prevê, nas condições aí estabelecidas, a inscrição nas caixas regionais de previdência e abono de família e na Caixa Nacional de Pensões dos trabalhadores inscritos nas Casas do Povo e nas Casas dos Pescadores.

Esta orientação abre novas perspectivas à extensão dos seguros sociais aos trabalhadores do campo e aos pescadores e, se vier a ser executada convenientemente, como tudo indica ser de esperar, revestir-se-á do maior interesse social, embora a sua aplicação suscite problemas sérios de carácter técnico e financeiro e até de enquadramento.

O Sr. Presidente: Pausa.

Continua em discussão.

O Sr. Presidente: -Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra, vai votar-se: em primeiro lugar, os n.ºs 1 e 2 da base, sobre os quais há na Mesa as propostas de alteração que VV. Ex.ªs acabaram de ouvir ler, isto é, vão votar-se as propostas de alteração relativas a esses números.

Submetidas à votação, foram aprovadas.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a proposta de alteração ao n.º 3 e também ao n.º 5

Como VV. Ex.ªs ouviram, trata-se de proposta que quer harmonizar o texto sugerido pela Câmara Corporativa com as disposições já votadas. O que se pretende é substituir no n.º 3 e, digo-o já, também no n.º 5 as palavras «caixas de previdência e abono de família» por «caixas sindicais de previdência». Posto isto, passo á votação dos n.ºs 3 e 5 com a correcção que acabo de ler.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou pôr agora à votação a proposta de alteração ao n.º 4. Aí, pretende a Comissão, na proposta de alteração que apresenta, que sejam eliminadas as palavras «como segurados».

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Ponho agora em discussão a base X, sobre a qual há na Mesa propostas de alteração. Vão ler-se.

Foram lidas. São as seguinte:

BASK X

1. As receitas normais das caixas de previdência e abono de família e da Caixa Nacional de Pensões

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24 DE MARÇO DE 1962 1317

serão constituídas por contribuições dos segurados e das entidades patronais, sancionadas ou estabelecidas pelo Governo e periodicamente revistas com base nos balanços actuariais, mediante parecer do órgão consultivo a que se refere o n.º 6 da base III e ouvido o Conselho de Segurança Social.

2. A dívida de contribuições às mesmas caixas prescreve pelo lapso de cinco anos, a contar do último dia do prazo estabelecido para o seu pagamento.

3. Extingue-se pelo lapso de um ano o direito a reclamar a reposição de contribuições indevidamente pagas às referidas caixas pelos segurados ou pelas entidades patronais.

Proposta de alteração

Propomos que na base X, n.º l, se substitua, a expressão «caixas de previdência e abono de família e da Caixa Nacional de Pensões», pela expressão «caixas sindicais de previdência» e, no mesmo número e no n.º 3, a expressão «segurados» se substitua por «beneficiários».

Sala das. Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Março de 1962. - Os Deputados: Henrique Veiga de Macedo - Quirino dos Santos Mealha - António Manuel Gonçalves Rapazote - António Maria Santos da Cunha-Agostinho Gonçalves Gomes - Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos - Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis - António Martins da Cruz - Jorge Augusto Correia - António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.

O Sr. Presidente: - Estão em discussão.

O Sr. Veiga de Macedo: - Também neste caso as alterações preconizadas derivam da necessidade de conciliar a designação das instituições com a classificação destas tal como foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação.

Vai votar-se, em primeiro lugar, o n.º l, com a substituição proposta das palavras «caixas de previdência e abono de família e da Caixa Nacional de Pensões», pelas palavras «caixas sindicais de previdência» e da palavra «segurados» pela palavra «beneficiados».

Submetido á votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se o n.º 2, sobre a qual não há na Mesa qualquer proposta de alteração.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Ponho agora à votação o n.º 3, relativamente ao qual há uma proposta de alteração que pretende que sejam substituídas as palavras «pêlos segurados» pelas palavras «pêlos beneficiados».

Submetido á votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Ponho agora em discussão a base XI, sobre a qual há na Mesa uma proposta de alteração. Vão ler-se.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XI

As condições gerais de atribuição das prestações a conceder pelas caixas de previdência e abono de família e pela Caixa Nacional de Pensões, bem como os respectivos limites máximos e mínimos, serão estabelecidos em diploma regulamentar, ouvido o Conselho de Segurança Social.

Proposta de alteração

Propomos que a base XI tenha a seguinte redacção:

As condições gerais de atribuição das prestações a conceder pelas caixas sindicais de previdência serão estabelecidas em diploma regulamentar, ouvido o Conselho Social, dentro da competência coordenadora que é fixada a este órgão pela base i.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Março de 1962. - Os Deputados: Henrique Veiga de Macedo - Quirino dou Santos Mealha - António Manuel Gonçalves Repazote - António Maria Santos da Cunha - Agostinho Gonçalves Gomes - Jorge de Melo Gamhoa de Vasconcelos - António Martins da Cruz - Maria, Margarida Craveiro Lopes dos Reis - Jorge Augusto Correia - Alberto II enriques de Araújo.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

O Sr. Veiga de Macedo: -As modificações que se propõem destinam-se a adaptar a qiialificaçào das instituições ao critério classificativo já aprovado e a fazer corresponder ao Conselho de Ministros encarregado da coordenação a designação que lhe foi dada pela base n.

Por outro lado, não se viu necessidade de prever que ao Conselho Social deva competir fixar os limites máximos e mínimos das prestações a conceder pelas caixas, uma vez que lhe cabe, nos termos do preceito em apreciação, estabelecer as condições gerais de atribuição dessas prestações.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer liso da palavra, vai passar-se à .votação.

Vai votar-se a proposta de substituição à base XI sugerida pelo Sr. Deputado Veiga de Macedo e outros Srs. Deputados.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Ponho agora em discussão a base XII, sobre a qual há na Mesa uma proposta de eliminação da alínea g) do n.º l. Vão ler-se.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XII

1. As caixas de previdência e abono de família e a Caixa Nacional de Pensões gozam das isenções seguintes:

a) Da contribuição industrial;

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1318 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 54

b) Do imposto sobre a aplicação de capitais, secção B, e do imposto sobre a aplicação de capitais, secção A, este em relação aos capitais mutuados, nos termos da lei de cooperação das instituições de previdência e das Casas do Povo na construção de habitações económicas;
c) Do imposto do selo, incluindo o de averbamento, nos seus diplomas, estatutos ou regulamentos, livros de escrituração, atestados, certidões, certificados, guias de depósito ou de pagamento e recibos de contribuições e quotas que tenham de processar no exercício das suas funções, bem como de quantias que devam ser cobradas simultaneamente com as multas, e nos recibos que os segurados ou beneficiários passarem por quaisquer quantias recebidas no uso dos seus direitos;
d) Do imposto sobre as sucessões ou doações, quanto a mobiliários e imobiliários para instalação da sede, serviços de utilidade social e casas económicas para habitação de trabalhadores, e quanto aos títulos referidos nas alíneas a) e b) da base XVIII assentados às caixas, bem como quanto à transmissão de quaisquer valores mobiliários ou imobiliários resultante da união ou fusão prevista no n.º 6 da base III;
e) Da sisa pela aquisição de prédios na parte destinada à sua instalação e à de serviços de utilidade social, de casas económicas para habitação de trabalhadores, assim como pela transmissão de imobiliários resultante da união ou fusão a que se refere o n.º 6 da base III;
f) Da contribuição predial devida pelos prédios mencionados na alínea anterior, nos termos da legislação referida na alínea b);
g) Do imposto complementar, pelos rendimentos provenientes da aplicação de capitais em títulos ou bens imobiliários.

2. É aplicável aos títulos referidos na alínea d) desta base o disposto no § 3.º do artigo 84.º do Decreto n.º 31 090, de 30 de Dezembro de 1940, salvo se com a sua alienação se tiver em vista proporcionar habitação a trabalhadores.
3. As referidas instituições, quando instaladas em edifício próprio, gozam da regalia de despedir no fim do prazo do arrendamento qualquer dos seus inquilinos, se necessitarem da parte por eles ocupada para as suas instalações ou serviços.

Proposta de alteração

Propomos a eliminação da alínea g) do n.º l da base XII.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 22 de Março de 1962. - Os Deputados: Henrique Veiga de Macedo - Quirino dos Santos Mealha - António Manuel Gonçalves Rapazote - António Maria Santos da Cunha - Agostinho Gonçalves Gomes - Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos - António Martins da Cruz - Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis - Luís Folhadela de Oliveira - Alberto Henriques de Araújo.

O Sr. Presidente: - Como VV. Exas. ouviram, há sobre a base XII da proposta de lei uma proposta de eliminação da alínea g) do n.º 1.
Está em discussão a base XII.

O Sr. Soares da Fonseca: - Esta base XII trata das isenções fiscais.
Toda a matéria constante das alíneas a) a f) alude a isenções que assentam em leis preexistentes, quer dizer, as instituições de previdência já gozam de todas aquelas isenções.
Quanto à alínea g), pretende-se no texto que gozem também da isenção do imposto complementar. Como, porém, aí não há lei preexistente, seria uma inovação.
Porque se trata de matéria fiscal que envolve na diminuição receitas, parece-me que só a poderíamos votar se viesse assinada pelo Ministro das Finanças. E, assim, salvo melhor opinião, oferecem-se a V. Exa., Sr. Presidente, dois caminhos: ou retirá-la da discussão, com fundamento de inconstitucionalidade, ou submeter à votação a proposta de eliminação.
Por mim, preferiria a primeira hipótese, por ser naturalmente a mais indicada, e porque a segunda poderia significar que esta Câmara, tomando posição na matéria, entende que as instituições de previdência não devem vir a gozar da isenção pretendida.

O Sr, Presidente: - É inconstitucional. Não a admito à votação. Não submeto à votação a alínea g) da base XII, motivo por que está prejudicada a proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado Veiga de Macedo e outros.

O Sr. Veiga de Macedo: - Tomei nota, respeitosamente, da decisão do Sr. Presidente desta Assembleia, tomada de acordo com os preceitos constitucionais. No entanto, as Comissões entendem que a Camará Corporativa tem inteira razão do fundo, pois não se compreende que as instituições de previdência paguem imposto complementar.
É curioso registar que as caixas foram oneradas, de 1950 a 1961, com impostos no montante de cerca de 80 000 contos.
As Comissões ponderaram ainda a questão resultante de as instituições de previdência serem obrigadas, por força do Decreto-Lei n.º 35 410, de 29 de Dezembro de 1940, a pagar 1/2 por cento sobre o montante dos depósitos que, em seu nome, são feitos na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência. Perante o montante expressivo, feito nos últimos dez anos - mais de 60 000 contos -, e, sobretudo, perante o princípio menos defensável que inspirou aquele diploma, as Comissões entenderam que deveria ser pedida a atenção e a boa vontade do Governo para a urgente resolução do problema, tanto mais que este se rodeia de aspectos políticos muito delicados.

O Sr. Presidente: - Devia, segundo me parece, proceder como procedi, muito embora VV. Exas. não ignorem que, se a disposição da alínea g) fosse votada, ela passava, apesar de ter sido submetida inconstitucionalmente à votação, a ser lei neste País.

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Como VV. Exas. também não ignoram, a única instituição que pode conhecer da chamada inconstitucionalidade formal é a Assembleia Nacional.
É, porém, meu dever cumprir o preceito constitucional e, por isso mesmo, não a submeterei à aprovação. Vai, portanto, votar-se a base XII do texto da Câmara Corporativa sem a alínea g) do n.º l, se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai, pois, votar-se a base XII, salvo a alínea g), que não foi admitida por ser inconstitucional.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continuará amanhã, à hora regimental com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

José dos Santos Bessa.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco António Martins.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Sarros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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