O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1503

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

ANO DE 1962 13 DE DEZEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 59, EM 12 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.

Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente anunciou estar na Mesa, acompanhada do parecer da Câmara Corporativa, uma proposta de lei sobre a Escola Nacional de Saúde Pública, que baixou à Comissão de Educação Nacional, Cultura Popular e Interesses Espirituais e Morais.
O Sr. Deputado André Navarro referiu-se à actual conjuntura internacional e às suas incidéncas no nosso pais.
O Sr. Deputado Nunes Fernandes aludiu à visita efectuada recentemente pelo Sr. Ministro das Obras Públicas ao distrito de Viseu, pondo em relevo a carência de vias de comunicação em certos concelhos do mesmo distrito.
O Sr. Deputado Cardoso de Matos tratou de diversos problemas de Angola.
O Sr. Deputado Alberto de Araújo falou de alguns melhoramentos realizados e a realizar na ilha do Porto Santo.
O Sr. Deputado Alves Moreira congratulou-se com a visita feita, há dias, pelo Sr. Presidente da República à região de Aveiro, inaugurando ali várias obras ligadas à vida do mar.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei dê autorização das receitas e despesas para 1963.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alfredo Brito, Oliveira Pimentel, Costa Guimarães, Nunes Barata, Armando Perdigão e Jorge Correia.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 45 minutos.

CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 5/VIII, acerca do projecto de proposta de lei n.º 519/VII (Escola Nacional de Saúde Pública).

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.

Página 1504

1504 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Bui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 79 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está na Mesa uma proposta de lei, já acompanhada do parecer da Câmara Corporativa, sobre a Escola Nacional de Saúde Pública. Vai baixar à Comissão de Educação Nacional, Cultura Popular e Interesses Espirituais e Morais.
Tem a palavra o Sr. Deputado André Navarro.

O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente: ao usar, pela primeira vez na actual sessão da legislatura em curso, do direito de algo dizer, nesta Casa, sobre problemas que interessem à vida política da Nação, desejo, neste momento, saudar V. Ex.ª, Sr. Presidente, e felicitar-me por a Assembleia a que me honro de pertencer poder continuar a usufruir do privilégio de ter na sua presidência vulto tão ilustre como prestigioso.
Insigne mestre de Direito e admirável modelador de inúmeras gerações universitárias, mercê do seu alto saber e inteligência esclarecida, continua V. Ex.ª, aqui, nesta Câmara, a ser o mesmo respeitado mestre no mundo da política. Como membro desta Assembleia, desejo expressar a V. Ex.ª, e tenho a certeza de que o faço acompanhado, espiritualmente, por todos os presentes, o meu profundo respeito.
Abre esta sessão numa fase extremamente difícil da vida nacional.
Foi, de facto, vencida, em terras portuguesas de África, em Março de 1961, a primeira grande arremetida dos inimigos da nossa pátria e da civilização ocidental, e honra seja feita à valentia dos portugueses de todas as raças que souberam, então, lutar e morrer, com ânimo e fé, por causa tão nobre. Continuou, porém, nessa e noutras frentes, a ofensiva do inimigo, com auxílio criminoso de alguns países que, embora situados nos territórios europeu e americano do mundo ocidental, são hoje dominados por grupos políticos totalmente desligados do verdadeiro sentido da civilização cristã.
Estamos, na realidade, como diz, de forma lapidar, o Sr. Presidente do Conselho, em discurso recente, a defender, no momento actual, a Europa «nos seus últimos redutos em que ainda pode ser defendida».
Para o comunismo internacional a desorganização política e económica dos países peninsulares seria, de facto, passo fundamental para o domínio completo da velha Europa. Não tiveram outro intuito as convulsões subversivas que perturbaram a vida peninsular no decurso do ano corrente. E para o capitalismo, sem pátria foi também considerado o momento azado para realizar operações de conquista de novas e importantes fontes de riqueza, permitindo melhores êxitos no desenvolvimento das suas actividades industriais e comerciais, em detrimento, é claro, de competidores do velho mundo, incluindo inúmeros países subdesenvolvidos em surto, já evidente, de crescimento económico.
Contra esta poderosa falange internacionalista, bem apoiada, como vemos, em sólidas bases materiais, teremos, assim, de opor, até que haja justa compreensão de todos os europeus, principalmente os mais responsáveis para obviar os perigos que ameaçam civilização comum, a força da nossa fé, a decisão irrevogável de defesa dos grandes valores ocidentais e o valor de uma experiência de muitos séculos de existência em intimidade de vida com povos das mais variadas raças e credos. E direi ainda, em perfeita comunhão fraternal com a Espanha - cujos anseios espirituais são os nossos-, os da velha Europa, cuja civilização profundamente modelámos.
Quando os nossos inimigos comunistas e demo-liberais supunham que a horrível carnificina que desencadearam no Norte de Angola levasse, rapidamente, conforme infelizes exemplos alheios, a um abandono inglório de reduto fundamental para a defesa da Europa no continente negro, viram, com espanto, pelo contrário, uma indómita população constituída por variadas etnias levantar-se, como disse, como um só bloco, na defesa sagrada da Pátria comum.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E quando esses mesmos bandos de criminosos armados e financiados por grupos internacionais de tendência vária e apoiados por partidos políticos profissionais, perdida a primeira batalha, tentaram nova ofensiva, contando com a presumível falha de recursos materiais para erguer e manter força armada capaz de dominar tão difícil luta de guerrilhas, de novo imprevisto

Página 1505

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1505

desengano, e, como disse Salazar, «... a guerra nos precisos termos em que foi lançada, isto é, para domínio exclusivo de uma parte restrita do território aonde não pudesse chegar a afirmação e actuação do poder português - sim - a guera pode dizer-se que acabou, sem embargo de ataques esporádicos ...». Honra seja feita aos indómitos soldados, aviadores e marinheiros de Portugal que tão bem têm honrado, em terras do ultramar português, nesta época gloriosa da História Pátria iluminada pelo génio de um grande chefe, a sagrada bandeira das quinas. E as nossas homenagens vão também para o intemerato responsável pela luta sem quartel que foi necessário levar, paralelamente, a cabo contra inimigos internos e externos, na defesa dos meios materiais indispensáveis para a conquista de mais esta grande vitória das forças armadas de Portugal.
Teve Salazar, na sua admirável antevisão dos grandes problemas que a Nação teria de enfrentar neste período de viragem da história do Mundo, a decisão de colocar, no momento oportuno, à testa da finança pública esse modesto e probo servidor, justo e profundamente humano, estadista admirável, que, na solidão do seu gabinete de trabalho, onde paira bem vincado o espírito da Revolução Nacional conseguiu dominar, em luta contínua, as fortes arremetidas lançadas contra o nosso crédito. O prestígio do escudo saiu, porém, incólume desta dura luta, cujo vitorioso desfecho é bem padrão definidor de uma atitude irrevogável de tudo sacrificar em benefício da Nação e da civilização que representamos.
Apenas acompanhados, nesta difícil fase da vida nacional, por alguns povos amigos, e alguns recentemente convertidos à verdade portuguesa, somos, no entanto, no momento que passa, réus ainda quase isolados no tribunal que um mundo carnavalesco afro-asiático-eslavo e de traidores ocidentais ergueu, no palco do Mundo, para julgar quase dois milénios de civilização cristã.
Começam, porém, a desmascarar-se os actores deste drama e a caírem os ídolos de barro, arautos dessa cruzada de malfazer. Nehrus, Menons, Jânios, Dantas e Fidéis vários e tantos outros figurantes do mundo comunista e criptocomunista sentem fugir-lhes, a cada momento que passa, o aplauso espectacular das multidões desvairadas, que uma guerra total à escala do Mundo levou até às raias da loucura, perdidas a fé e o rumo da civilização que as informou e apenas atraídas pelas miragens enganadoras de um mundo erigido sobre os frágeis alicerces do material. E nesse desmoronar de impérios erguidos pela força das armas e não por influxos do espírito lá se divisam entre ruínas fumegantes além de torvos mentores de um mundo bárbaro os já conhecidos chacais, aproveitando os derradeiros momentos para arrecadarem algumas migalhas. Assim, vão espalhando mais armas de destruição e conquistando mais alguns filões de riquezas na mira de obterem sólidas posições financeiras e económicas no mundo de amanhã, que antevêem desenhar-se segundo os seus sinistros projectos de bem-estar, com total desprezo do verdadeiro sentido de harmonia social num mundo em que dois terços dos viventes não passa ainda das raias da miséria.
Não são outras as raízes da tenebrosa ofensiva que, presentemente, pretende atingir a Península, comandada pelo socialismo belga - desertor da África -, pelo trabalhismo inglês - liquidador do Império Britânico - e pelas inúmeras instituições italianas que, do neocomunismo khruchoviano ao progressismo milanês, disfarçado em cristão, lançam contínuos ataques, com a mira de destruir a solidez dos regimes que regem os povos peninsulares.
E para melhor se compreender o que passo a afirmar convirá não esquecer que, nessa mesma Itália, o destacado comunista Togliatti continua a ser o principal mentor desse ataque múltiplo, em que estão enquadrados partidos comunistas e criptocomunistas de vários países mediterrâneos, incluindo os da orla norte-africana e do Médio Oriente. E não vale a pena, agora, Togliatti perder tempo, que lhe é decerto precioso, a desmentir esta nossa afirmação de mentor de famigerados Andrades e Amílca-res, como o fez, anos atrás, quando referi a sua intervenção, directa, no então renovado movimento de agitação do comunismo peninsular. Pena é, assim, que a Itália, país donde irradiou a luz da civilização cujos primores espirituais constituem o grande elo que une os povos do Ocidente, seja hoje fulcro de movimentos cujas linhas de força se destinam a operar a destruição das próprias raízes dessa civilização.
Mal avisados estão os que se deixam ainda iludir pelos dissídios reais e aparentes do mundo comunista. «Os segredos do Kremlin estão bem guardados», dizia o general Billote, e seria bastante presunçoso, e ao mesmo tempo imprudente, tentar imaginar as verdadeiras intenções soviéticas, tanto mais que é característica da sua doutrina preparar planos compreendendo múltiplos desenvolvimentos de acção e de uma grande maleabilidade de aplicação. Como, também, não nos devemos deixar confundir com a sinceridade de ocasionais dirigentes de povos de recente formação e cuja mentalidade, dominada pelo materialismo económico, está sempre pronta a soluções de compromisso entre concepções inconciliáveis da vicia humana. Por isso, novos tratados de Tordesilhas, pactuados entre poderosos movimentos actuantes do mundo contemporâneo, terão, decerto, fronteiras flutuantes e, como tais, difíceis de definir. Os recentes casos de Cuba e da luta hindu-chinesa e as ameaças onusianas sobre o território catanguês, com ofensivas e defensivas mais ou menos simbólicas, mostram bem o carácter fictício de tão complexo jogo das forças internacionais dominantes no mundo da política e da finança.
Há, porém, um aspecto que é mister, para melhor definir com possível rigor o clima presente, entrar em linha de conta. Iï que um novo bloco ressurgiu, de facto, no pós-guerra e de certo modo primeiro quanto à antiguidade da civilização que o informa, dos valores de espírito que encerra, do seu potencial humano e, ainda, do progresso científico, técnico e industrial que revela em diversos sectores da actividade e que constitui hoje já importante centro de atracção para todas aquelas multidões ávidas de melhorar as suas condições de existência. E por isso, muito do que não se compreende do que se está passando entre povos que estavam ligados por estreitas afinidades e alianças, algumas antigas alianças, que o desmoronar de potenciais de riqueza deixaram de constituir real apoio, são tudo consequências que, nesta luta que se trava entre ruínas de um mundo que findou e outro que se ergue das suas cinzas, não permitem, de facto, fácil antevisão da viragem para o futuro. Por isso as palavras que passo a reproduzir do discurso lapidar do Sr. Presidente do Conselho são, decerto, para nós, aquelas que nos poderão traçar rumo mais seguro:
«Quando terminada a evolução do pensamento mundial», diz Salazar, «e desfeitas as nuvens emocionais que turvam as inteligências se vir aquilo por que verdadeiramente lutamos - o progresso dos povos que nos estão confiados a realizar pela única forma compatível com o seu modo de ser -, então será mais fácil a resolução dos problemas postos. Uma coisa, no entanto, haverá que lamentar: a O. N. U., se então ainda existir, não ouvirá

Página 1506

1506 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

já os fogosos discursos contra Portugal de muitos dos seus oradores. A literatura perde o que a paz do Mundo acabará por ganhar».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Vejamos, para terminar, em relação às principais linhas de força que oportunamente delineei como dirigidas contra a civilização ocidental, a forma como se tem desenvolvido a sua acção ofensiva.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E para melhor compreensão do que passo a dizer consideremos como ponto de partida o que foi dito, nesta mesma Casa, na passada sessão legislativa. Afirmei então que, caminhando de leste para oeste, fàcilmente se denunciava uma primeira linha de força dirigida no sentido da Austrália e da Nova Zelândia, passando através da Indonésia.
O auxílio comunista ao Governo de Soekarno, dia a dia mais avultado em material de guerra e em especialistas da arte militar e de subversão, não tinha, segundo afirmei, outro objectivo que não fosse o domínio do Extremo Oriente australiano, fonte importantíssima de matérias-primas e de produtos agrícolas de largo consumo no continente europeu. A Indonésia seria assim apenas simples ponto de passagem para a conquista deste derradeiro domínio da coroa britânica. Que ingenuidade, pois, a desse representante da Austrália na O. N. U. ao atacar, numa das sessões desse organismo comunizado, a defesa que Portugal estava fazendo em Angola do mundo ocidental contra as investidas do inimigo. O mesmo inimigo que dentro em breve atacará impediosamente o seu próprio país. Virão então, possivelmente, à luz do dia os primorosos métodos, tão auto-elogiados, da colonização britânica.
A estas palavras então ditas apenas acrescentarei hoje que o sentido previsto estava, como rumo, absolutamente certo e que as fronteiras comunistas se aproximaram, no ano corrente, perigosamente da meta, o continente australiano. A estrada indonesiana já está aberta e o recente pronuncio na ilha do Bornéu é um aviso eminente.
A segunda linha de força da estratégia geral comunista estava directamente dirigida contra o Japão. Eram sintomáticas as reacções populares japonesas, conduzidas, habilmente, pelos partidos comunista e socialista, impedindo a visita do presidente da República dos Estados Unidos da América, dizia então. E, acrescentei, não nos devemos admirar, pois, que se verifique, em dado momento, conjunção de interesses, inicialmente económicos e mais tarde políticos, com os da China Popular.
Circunstâncias raciais, a ignorância americana com referência aos problemas essenciais da vida de outros povos, interesses económicos opostos, tudo nos levava então a crer na impossibilidade de colaboração efectiva nipo-americana. E assim, continuava, mais uma vez, no Extremo Oriente, veremos os Estados Unidos semear dólares que germinando darão apenas ienes G rublos. Ao que foi dito então acrescentarei que a recente resposta negativa do Governo Japonês à sugestão de se erguer um eixo anti-comunista Washington-Tóquio teve o resultado previsto.
Outra flecha, dizia então, está dirigida pela Rússia Soviética através do Indostão como ponto de partida para uma acção mais vasta sobre a África Meridional. E após várias considerações punha a dúvida se desta vez o jogo da Bússia coincidiria com o da China Popular. Direi agora que o jogo chinês não se fez esperar com todas as subtilezas orientais...
Outra linha de força da estratégia comunista, atravessando o Médio Oriente, território de importância fundamental para a Europa, quer debaixo do ponto de vista económico, quer como ponto de passagem obrigatória para o Extremo Oriente, hoje já provido de quadros comunistas numerosos e mesmo, em certos sectores, de elementos russos especializados, estava dirigida no sentido de atingir a costa atlântica no noroeste do continente negro, englobando o conjunto do Magrebe. Direi agora que a perda total da posição europeia do Norte de África, depois do triste epílogo argelino, deu, como foi previsto, o fácil domínio ao inimigo de um dos flancos europeus. Não será difícil prever agora a sorte de todo o Médio Oriente petrolífero e das prometedoras actividades francesas no Sara, e o mexido Ben-Bela já não esconde mesmo o seu desejo de se imiscuir na vida de territórios mais longínquos.
Aqui, de novo, a Europa e o Ocidente perderam, ingloriamente, posição estratégica de valor inestimável - subtilezas de uma política de sufrágios eleitorais, habilmente aproveitadas pelo partido comunista e que a história há-de, decerto, registar entre os mais graves erros cometidos pelos pugnadores de uma Europa unida.
Consideremos agora a última flecha dirigida pelo mundo comunista, pretendendo esta atingir o próprio coração do mundo ocidental - o porta-aviões Cuba, que, disse, procuraria, na altura oportuna, quando devidamente dotado de rampas de mísseis e antimísseis atómicos, fazer a separação dos dois blocos de resistência do mundo ocidental - a Europa e a América do Norte. E é certo que, infelizmente, assim, também, sucedeu, embora com retirada simbólica habilmente aproveitada para fins eleitorais. A nave, porém, acompanhada por frotas pesqueiras e submarinas, mantém-se incólume no seu valor militar e no seu alto poder de dissolução política. E até se foi mais longe, dificultando a presença de formações anti-fidelistas na costa americana...
Eis o que se vê ainda e o que se antevê.
Tem a Europa caminhado resolutamente para a unidade da sua economia, e estão à vista os resultados dessa saudável atitude construtiva. Têm descurado, porém, os dirigentes deste movimento em conservar as suas fontes de matérias-primas e em desenvolver o poder de compra de densas populações subevoluídas do Sul e Leste europeus.
A primeira falta poderá ser fatal ao seu crescimento económico; a segunda dificultará, por forma significante, a constituição do bloco unido que todos os europeus der sejam. Para tal, porém, não se poderá manter o egoísmo que torna mais ricos, é certo, os já muito ricos, mas em detrimento daqueles que são extremamente pobres. De resto, o exemplo norte e sul-americano, em perfeito contraste quanto a valores económicos e sociais, é significativo como prova do que não deverá seguir-se no caminho a traçar na Europa do futuro, e o perigo avolumar-se-á quando coincidirem, por erros cometidos, inflações e deflações nas duas margens do Atlântico. E não se estará já bem próximo de uma situação dessa natureza e gravidade?
Vou terminar. Ao fazê-lo, não quero deixar de exprimir a minha fé nessa juventude nacional que, bem informada pelos princípios que norteiam a Idade Nova, tão bem tem sabido dar todo o seu esforço na defesa da Pátria em perigo.
E não só esses admiráveis soldados de Portugal, mas também essa mesma juventude que, na obra pública, comandada por admirável construtor, e nos domínios da economia e da vida social, continua a preparar a sólida infra-estrutura do Portugal do futuro.

Página 1507

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1507

Nela temos fortes razões para confiar, tanto como confiamos na perenidade da nossa pátria.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Nunes Fernandes: - Sr. Presidente: foi, há poucos dias, de longada aos concelhos do Norte do distrito de Viseu o Sr. Ministro das Obras Públicas.
É evidente que se tratou de uma viagem de estudo do ilustre estadista, que, com a preocupação de ser justo, necessitou de se documentar com relação às necessidades e aspirações daquelas bem portuguesas paragens.
Acorreram a saudá-lo as pessoas de maior representação social e política dos concelhos visitados, Cinfães, Resende, Tarouca, Armamar e S. João da Pesqueira.
Não faltou às manifestações realizadas em honra deste ilustre homem público aquele admirável povo, firme na sua fé, extraordinário no seu nacionalismo.
O distinto homem público deve ter-se sentido satisfeito por ver à volta, a vitoriá-lo e ao Governo da Nação, as populações das vilas e aldeias por ele atravessadas.
Viagem frutuosa essa em que o estadista mais directamente responsável pelo bem-estar material dessas populações no que respeita a transportes, a instalações escolares, a fontes e arruamentos, indispensáveis à elevação do nível social e económico dos povos, pôde observar de perto as suas necessidades mais prementes e dar-lhes a solução urgente que se impõe.
A gratidão daqueles povos para com o homem de mãos limpas e consciência limpa, de extraordinária capacidade de trabalho, servido por uma inteligência lúcida e todo votado ao bem-estar dos povos, bem se manifestou no carinhoso acolhimento que o ilustre estadista teve ocasião de sentir por toda a parte.
Auscultou ele as necessidades daquela região, estando uma boa parte dela carecida de vias de comunicação, factor indispensável para o seu progresso económico e social.
Salvo a deficientíssima linha ferroviária do Douro, que está a merecer um comentário oportuno, têm os concelhos de Castelo de Paiva, Cinfães e Resende uma estrada nacional que corre paralela ao rio Douro, atravessando uma região cheia de belezas paisagísticas dignas da melhor atenção do turismo.
Fora isso, têm as sofredoras populações destes concelhos que vencer os difíceis caminhos da região, lançados à conquista das alturas das serras de Montemuro e da Gralheira.
Não existe uma via de penetração para o centro do distrito de Viseu capaz de fomentar a economia da região e de a pôr em contacto com os meios consumidores dos seus produtos e abastecedores das mercadorias necessárias à sua economia doméstica. Deste facto deu conta, em artigo recente, o Jornal de Noticias do Porto, que promete continuar a simpática campanha. Para se deslocarem à capital do distrito é indispensável aos habitantes de Cinfães percorrerem cerca de 120 km, reduzidos a cerca de 100 km para os de Resende.
Ora, através das encostas de Montemuro e da Gralheira, procuram as entidades responsáveis pelo sistema rodoviário do País resolver este magno problema para a região noroestina do distrito de Viseu.
Foi por isso que no plano rodoviário publicado em 1945 se criou a estrada nacional n.º 321, a sair da estrada nacional n.º 101, para entroncar com a estrada nacional n.º 2, nas proximidades de Castro Daire, além de outras de maior interesse para a economia daquela região e para e seu desenvolvimento turístico, como sejam as estradas n.ºs 225-2, 225-1 e 222, previstas no mesmo plano.
Efectivamente, com a abertura da estrada n.º 321 estava dada satisfação a uma das maiores aspirações daquela região, pois breve se tornaria uma via comercial de primeira ordem, a canalizar das regiões serranas do interior do distrito para o mercado consumidor do Porto os seus produtos, que assim ficariam mais valorizados, contribuindo para um inevitável aumento de nível económico das populações, tão reduzido ao presente por falta de vias de comunicação a penetrar em regiões em que existem milhares de habitantes, alguns dos quais nunca avistaram um automóvel.
Há disso, posso garanti-lo, nas escarpas de Montemuro e da Gralheira.
E essa estrada n.º 321 não deixaria de ser considerada uma interessantíssima atracção turística para quem desejar contemplar os extraordinários panoramas da região, desde o encanto da junção de dois rios, em Entre-os-Rios, passando para a margem esquerda através da ridente vila de Castelo de Paiva, que no dizer do jornal local - Miradouro - «vive da magia da sua paisagem, que, além de prender quem a visita, tem o feitiço de tornar o visitante pregoeiro das suas belezas», atinge Mosteiro, sobe até às varandas de Cinfães, vai vencendo a serra até Alhões e dali continua até atingir as proximidades de Castro Daire.
Na verdade, quando o turismo deixar de ser o privilégio de certas regiões mais afortunadas e se estender a outras de tanta beleza ainda ignorada, esta estrada n.º 321 não deixará de ser a escolhida por muitos que tenham o prazer de melhor conhecer a sua terra. Ora, acontece que, tal como a estrada n.º 2 entre Lamego e Viseu, esta estrada n.º 321 se iniciou sob mau signo.

O Sr. Abranches de Soveral: - V. Ex.ª quer dizer famigerada estrada n.º 2.

O Orador: - Famigerada, disse bem.
De vez em quando a construção de uns quilómetros enche de esperanças aquela boa gente serrana, em breve transformadas em desespero por os trabalhos, inexplicavelmente, acabarem sem se ter atingido a almejada ligação, tão indispensável ao bem-estar e valorização económica daquela região.
Foi notável o esforço despendido pelo Ministério das Obras Públicas durante o último triénio, pois que conseguiu reparar, rectificar e alcatroar cerca de 180 km de estradas no Norte do distrito de Viseu.

O Sr. Jorge Correia: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor:

O Sr. Jorge Correia: - Suponho que quando V. Ex.ª disse «quando deixarem de ter privilégio certas zonas» quis referir-se ao Algarve.

O Orador: - Eu não apontei.

O Sr. Jorge Correia: - É que eu queria acrescentar o seguinte: que também no Algarve há estradas famigeradas. No meu concelho há uma, a célebre estrada de Cachopo, cujo início data de 1870 e ainda não chegou à sede do concelho. Como V. Ex.ª vê, também no Algarve há estradas famigeradas.

O Orador: - Pois sim, mas o certo é que o mal dos outros não é conforto próprio.

Página 1508

1508 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

Impõe-se que esse esforço continue no sentido de completar o plano rodoviário daquela região, tão necessário à sua economia e bem-estar.
Além da estrada nacional n.º 321, a que me venho referindo, há que proceder à construção da estrada n.º 225-2, de Sobrado de Paiva a Aguiar da Beira, especialmente um troço de Castro Daire a Vila Nova de Paiva, servindo uma região agora quase inacessível, a estrada nacional n.º 225-1, de Alvarenga a Magueija, no concelho de Lamego, através de outra região privada de meios de comunicação; a estrada n.º 222, entre Resende e Bigorne, do concelho de Lamego, de grande valor económico e turístico; completar a estrada nacional n.º 329, entre Tarouca e Vila Nova de Paiva; a ligação entre Lamego, Armamar e Tabuaço, a partir da estrada n.º 226, já estudada em parte, e com a estrada n.º 323, entre Espinho, passando por Tabuaço até Moimenta da Beira, e a rectificação da estrada n.º 2, quase que se podia considerar completo o sistema rodoviário do Norte do distrito de Viseu, cujo tráfego comercial só pode ser feito através de estrada, pela ausência de caminhos de ferro.
E se o Sr. Ministro das Obras Públicas já é credor da nossa gratidão pelo muito que fez, ela aumentará na medida em que dê satisfação a estas necessidades inadiáveis numa época de vida trepidante, em que se não pode perder tempo na corrida, bem humana, para o bem-estar social e económico dos povos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Já que a indústria, não obstante as recomendações governamentais, continua a ser tão esquiva para certas regiões, talvez porque os seus dirigentes não desejam sacrificar as seduções que os grandes centros lhes oferecem, ao menos que se dotem essas mesmas regiões de outros elementos fomentadores do seu progresso e da consequente elevação do nível de vida, através do meio de comunicação impulsionador do turismo e de outras actividades.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Como Deputado eleito pelo distrito de Viseu, que conhece o calado sofrimento da população das regiões a que me venho referindo na luta contra o inóspito da natureza, aqui deixo o meu pedido a quem de direito para a solução deste importante problema, que tanto beneficiará essa boa gente da Beira.
O esforço a despender é grande, sem dúvida, mas maior será a sua virtude, pois se orienta no sentido de beneficiar uma vasta e populosa região cheia de fé nacionalista e que julga ter chegado o momento de ver satisfeitas as suas justas aspirações.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Cardoso de Matos: - Sr. Presidente: na ordem do dia das discussões internacionais continua a ser objecto das mesmas especulações, cada vez mais claramente expressas, o chamado caso de Angola.
É evidente que para nós, portugueses, não existe uma questão circunscrita a uma província: há uma questão nacional, porque a Nação foi atacada numa sua parcela, e é o conjunto português que se defende, com a obrigação de envolver na luta todos os recursos de que dispõe, sem distinções.
Porque assim é, empenha-se o Governo em estruturar, como a circunstância aconselha, o desenvolvimento da integração efectiva do espaço económico português, embora com as cautelas e limitações necessárias em obras desta envergadura. Sabemos ser um trabalho duro, que terá de ser levado a cabo com muita tenacidade e para cujo êxito em muito terão de contribuir a compreensão e os esforços de todos.
A complexidade do problema e das soluções que melhor se lhe ajustam impede que estejam ao alcance da compreensão de vasto sector da opinião pública justamente em ocasião em que todos não serão de mais. Não é novidade a afirmação, como o não é o que os sectores responsáveis pela governação vêm fazendo no sentido de facultar um melhor conhecimento das medidas em curso, suas determinantes e fins que se pretendem alcançar. Todavia, se não são de aceitar impaciências que, não se coadunando com as dificuldades do momento, se não compadecem da morosidade que reprovam, terão de aceitar-se os reparos justificados e resultantes da ansiedade dos que, por mais expostos, mais directamente em contacto com os problemas lhes sentem a acuidade e lhes sofrem os efeitos.
Refiro-me à população de Angola e a todos os que mais directamente lhe estão ligados e cujas vidas - podemos dizer - dela dependem.
A representação que me foi confiada e que tanto me honra impõe-me o dever de aqui trazer os seus anseios e os seus cuidados, obriga-me a manifestar as suas múltiplas preocupações e até os seus naturais e humanos receios. Estes bastas vezes fundamentados na ignorância de medidas em curso ou na razão que determina a morosidade da sua execução; ou ainda, por conclusões simplistas, mas compreensíveis, resultantes de comparações de afirmações oficiais de normalização de vida com notícias como a da condecoração de briosos e heróicos soldados de Portugal por feitos praticados em tão recentes datas.
As prevenções que se façam, a luta que se desenvolva, os maiores esforços que se apliquem, não atingirão o seu fim quando visem acabar com o torpe boato enquanto não se fundamentarem na base segura de um completo noticiário de todos os acontecimentos, enquanto deles não se fizer a larga divulgação que a todos chegue e cabalmente satisfaça. Prestimosos têm sido, e de alto valor, os serviços que devemos à imprensa, mas, para além da maior latitude que a esta deve ser dada, importa criar, quanto antes, as condições que permitam a utilização de todos os meios modernos de divulgação das notícias, ao mesmo tempo que as entidades oficiais promoverão o necessário para que elas não faltem com a regularidade, a coerência e a clareza que se impõem.
Resolvido este pequeno problema ter-se-á dado grande passo no caminho do fortalecimento da confiança que todos os governados devem ter nos seus governantes.
Muito se tem dito sobre a natureza dos problemas de Angola - dos problemas nacionais existentes numa província bem portuguesa -, sendo comum e natural a esquematização de sectores - político, social e económico.
Nós próprios assim os temos equacionado, mas nunca deixando de afirmar a sua interdependência, cônscios dos maus resultados que podem advir de alguém pensar que uns se podem resolver enquanto outros aguardam solução. 32 assim que, não negando os progressos alcançados no campo social e político, nos recusamos a aceitar qualquer solução definitiva destes enquanto a situação económica de Angola - o problema fundamental - não estiver completa e inteiramente saneada.
Se os pessimismos, as malquerenças, as dúvidas, são perniciosos à obra em curso, entendemos que nada a aju-

Página 1509

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1509

dam os optimismos, até porque embotam a energia, a vontade, a determinação firme, que é necessário manter através de tudo para a levar a cabo.
Nada adianta, portanto, deixar pensar que o propósito de fazer corresponde a resultados enquanto estes se não atingem, e tanto mais que o Governo não tem ocultado as dificuldades que há a vencer.
Depois da legislação que estruturou a integração do espaço económico português, prosseguiram os estudos e os trabalhos para a sua execução, tendo sido há pouco promulgados seis decretos, novos pilares em que assentará a obra. Paralelamente, assiste-se a uma reforma fiscal, tendente a uma melhor distribuição da justiça tributária, propósito a que são devidos todos os aplausos. Mas, conquanto pensemos no que haverá de justo em que a Angola seja exigido tudo o que possa dar, queremos prevenir, queremos lembrar, as más consequências que podem advir se forem subestimados os condicionalismos a que está sujeito um território que, embora provido de imensa potencialidade económica, se encontra em desenvolvimento, em formação, em carência enorme dos meios de realizar essa mesma potencialidade.
Concretizando, temos que as medidas tomadas para regularização da situação cambial das diversas províncias, nomeadamente a de maiores preocupações - Angola -, vão ser executadas, nelas se depositando todas as esperanças, não sendo lícito duvidar de que atingirão num futuro mais ou menos próximo os fins para que foram criadas.
Mas, entretanto, as dificuldades têm-se avolumado e as transferências de Angola continuam a ser cada dia mais difíceis, aumentando constantemente o número dos que lhes sofrem as consequências e a sua intensidade.
Não me tenho cansado de apontar os graves inconvenientes que daí advêm, pois estou em posição de poder afirmar que as mais claras explicações, as mais concretas justificações, da razão daquelas dificuldades são dificilmente entendíveis por quem, residindo em Angola, aqui deixou ascendentes a seu exclusivo cargo, aqui tem parentes vivendo do que lhes mandam, para cá mandou filhos a estudar, enfim, por quem entende regressar, em definitivo ou não, mas não concebe a proibição efectiva de aqui viver quando seja um provinciano de Angola.
Mas, se esta chocante realidade oferece limitadas preocupações quanto ao volume de capitais que pode envolver, o mesmo não diremos quando as dificuldades se alargam principalmente ao pagamento de mercadorias e quando está em jogo a liberdade de circulação de capitais; aqueles são problemas de consciência, problemas económicos susceptíveis de se tornarem políticos, mas, ao fim e ao cabo, possíveis de resolver mais facilmente. Mas os segundos envolvem toda a vida de Angola, e são por isso de uma gravidade extrema.
Qualquer território em formação ou em desenvolvimento necessita de braços, de técnicos, de trabalho, em suma; mas, se não tiver dinheiro para os movimentar, não terá o sangue imprescindível à sobrevivência de qualquer organismo.
Tendo em vista esta verdade, preocupa-nos não vermos criadas as condições que permitam uma chamada de capitais a Angola, e sem os quais eles não virão, nem mesmo quando sejam nacionais.
Mais ainda, se a situação era pouco propícia à sua vinda e se assistíamos a promessas que se não concretizavam, que acontecerá quando uma reforma fiscal, embora sem o propósito - cremos -, se apresenta como mais um factor de afastamento de investimentos? Como se pode pretender que os capitais acorram, se nem aos rendimentos deles se garante a liberdade de circulação?
E não se culpe o sector capitalista da Nação, negando-lhe patriotismo, mesmo quando as aparências a isso tentem. Acaso se esquece o inêxito de todas as campanhas, em qualquer país e em qualquer latitude, tendentes a levar os nacionais a adquirir produtos pátrios?
Quanto a nós, não passará de um lenitivo aos nossos males o manter a esperança de que a situação melhorará e de que o tempo nos ajuda, muito embora alguma coisa fazendo para o merecer. É preciso mais, é imprescindível anteciparmo-nos e avançar com medidas que tornem propício o investimento de capitais em Angola, mesmo estrangeiros, quando não atentem contra a nossa integridade.

O Sr. Burity da Silva: - Apoiado!

O Orador: - Uma melhoria resultante dás medidas que vão ser postas em vigor e o êxito da criação do fundo de compensação darão uma contribuição substancial ao referido clima favorável a investimentos em Angola; mas, afigura-se-nos que alguma coisa terá de ser revista na política fiscal que, em paralelo com aquelas medidas, tenha o mérito de provocar uma chamada de capitais.
Um facto transcendente para a vida daquela nossa província verificou-se não há muito, e a ele me quero referir ainda. Trata-se da reunião do venerando Conselho Ultramarino com representantes das forças vivas do ultramar, no sentido de uma íntima colaboração, com vista a encontrar as mais exequíveis e justas alterações a introduzir na Lei Orgânica do Ultramar.
Contamos que desta inédita acção resultem os fins que a determinaram e esperamos venham a ser apreciados nesta Assembleia;...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: ... entretanto, apraz-nos registar desde já os efeitos prestigiantes alcançados pelo Governo junto das laboriosas populações ultramarinas, suspensas das decisões a tomar, e que fazemos votos concretizem os seus legítimos anseios.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Do êxito de tão importante iniciativa, da benéfica influência que irá ter no ultramar, resultará certamente uma mais íntima comunhão do povo português, uma mais estreita e proveitosa colaboração de todos, um maior congraçar de boas vontades que apoiem o prestigiado Governo, facilitando a sua árdua missão em período tão conturbado, que a ninguém é lícito eximir-se ou dispensar do cumprimento dos deveres para com a Pátria.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: têm VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, ouvido falar nos últimos tempos com frequência da ilha de Porto Santo em virtude da construção e da abertura ao tráfego do seu magnífico aeródromo, que coloca já o arquipélago da Madeira a pouco mais de uma hora de voo do continente português.
Ponto de escala de carreiras atlânticas e elemento fundamental nas ligações aéreas com a Madeira, a estabelecer no ano próximo com a abertura ao tráfego do aeródromo de Santa Catarina, a ilha de Porto Santo sai do seu esquecimento secular para ser um factor valioso no conjunto das comunicações aéreas portuguesas.

Página 1510

1510 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

Foi Porto Santo o primeiro padrão de uma epopeia marítima., guardando sempre no íntimo da sua alma esse título legítimo de glória e de orgulho, pois era, e é, a primeira conta de um rosário com que os portugueses envolveram o Mundo, para levar a toda a parte as luzes, a fé, a civilização e o génio do Ocidente.
Durante cerca de cinco séculos e meio ali tem vivido quase isolada e esquecida uma pequena população simples e conformada, entregue às fainas da pesca e da terra, mantendo intactos caracteres e virtudes ancestrais e tendo como os melhores dos seus bens a beleza de um oceano sem par e o esplendor do sol que todas as manhãs a acorda e ilumina.
A sua privilegiada situação geográfica, os seus recursos climatéricos, a beleza da sua praia e o apoio que pode dar às carreiras aéreas para a Madeira e para o Atlântico Sul fazem da ilha de Porto Santo um valor muito apreciável no conjunto português.
E já agora, que a ilha de ouro foi descoberta pela segunda vez, torna-se necessário não perder o ritmo de progresso que se pretende imprimir àquela parcela do território nacional, por forma a poderem realizar-se obras públicas que são indispensáveis ao conveniente aproveitamento das suas possibilidades, criando-se, ao mesmo tempo, melhores condições de vida para a sua população, que, pelo esquecimento a que a votaram as gerações passadas, bem merece ser acarinhada e protegida pelas gerações presentes.
Ali se levantou o primeiro padrão de uma epopeia. Mas verdadeira epopeia tem sido, através dos séculos, a vida de uma população que, lutando com a falta de recursos, de transportes, de água e, por vezes, de alimento, nunca perdeu a confiança e a fé.
Nos últimos anos, mercê da acção do Governo, da Junta Geral do Distrito, da Comissão Administrativa dos Aproveitamentos Hidráulicos, da Circunscrição dos Serviços Florestais e da Câmara Municipal, foi possível realizar um conjunto apreciável de obras e trabalhos que denotam da parte dos Poderes Públicos interesse real em ver melhorada a situação daquela ilha e da sua gente.
Além do aeródromo - devido em grande parte à tenacidade e ao entusiasmo do Sr. Ministro das Comunicações -, outros trabalhos importantes se realizaram em matéria de estradas, de electrificação, de repovoamento florestal, de barragens para captação de águas das chuvas, arranjos urbanísticos, construção hoteleira, etc.
De desejar é que continuem as obras iniciadas e se executem os projectos já elaborados, nomeadamente no que respeita ao repovoamento florestal, não só pelas vantagens que daí advêm na regularização do clima e no combate à erosão, mas também pelo trabalho que dá às classes mais pobres e humildes daquela ilha.
Porto Santo está já a prestar à Madeira grandes serviços com o seu aeródromo e há-de continuar a prestados mesmo depois da abertura ao tráfego do aeródromo de Santa Catarina. Não se julgue que as comunicações aéreas entre as duas ilhas relegam para segundo plano as comunicações marítimas. Estas serão cada vez mais necessárias, não só para suprir as deficiências daquelas, mas também para assegurar a Porto Santo, à sua população, ao seu turismo e à sua. economia, transportes regulares e estáveis a preços acessíveis.
Para isso, torna-se indispensável a construção de um cais de abrigo na zona sul, cujo projecto foi elaborado superiormente e neste momento está sendo objecto de estudo pelos respectivos serviços, e também a construção de um desembarcadouro na costa norte, para o qual a Junta Autónoma dos Portos do Arquipélago da Madeira consignou a verba de 200 contos no orçamento ordinário para o próximo ano económico. E isto porque se prevê que, mesmo com a construção de um cais-abrigo na zona sul, em certos dias do ano o desembarque de passageiros terá de fazer-se na costa norte.
Os benefícios que para a Madeira estão resultando já do funcionamento do aeródromo de Porto Santo e o interesse que as duas ilhas estão suscitando nos grandes centros europeus fazem-nos crer que elas serão, dentro em breve, o fulcro mais importante do turismo nacional.
Mas para que este objectivo possa ser realizado inteiramente, com evidente vantagem para a economia do País e para a sua balança de pagamentos, torna-se indispensável que sejam fáceis e regulares as ligações marítimas entre as duas ilhas do arquipélago.
Sr. Presidente: apesar de estarmos longe, nós, os madeirenses, vivemos também a inquietação da hora presente e sabemos que na ordenação dos gastos do Estado devem vir, antes de todos, os que visam assegurar a integridade e a sobrevivência da Nação a que nos orgulhamos de pertencer.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas, dentro das possibilidades orçamentais e na distribuição das verbas disponíveis, quis referir-me hoje às aspirações e desejos das ilhas que foram as primeiras nas descobertas e no povoamento, e cujos interesses primeiros bem merecem ser acautelados e defendidos, na demonstração de que a Nação prossegue a sua tarefa secular de valorização das terras e das gentes que vivem na protecção da sua bandeira.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alves Moreira: - Sr. Presidente: são ainda decorridos sòmente três dias que a região em que me honro de ter nascido e que nesta Câmara represento esteve em festa, melhor dizendo, foi alvo de duplo acontecimento festivo de relevo, pois teve a suprema honra de ser visitada por alta comitiva dos nossos governantes, chefiada pela veneranda figura que é S. Ex.ª o Presidente da República, e se viu beneficiada pelas inaugurações que então tiveram lugar, e que foram o objectivo especial de jornada tão feliz como proveitosa.
A distinção que foi dada à gente das povoações que marginam o extenso quão admirável lençol de água que é a ria de Aveiro foi correspondida com a espontaneidade que caracteriza o bom povo de tais paragens, como puderam verificar todos aqueles que, como nós, de perto acompanharam os momentos do inesquecível acontecimento.
De facto, soube o povo acarinhar S. Exa., recebendo-o com vivas e outras manifestações de sã presença, aproveitando a ocasião para mostrar que confiam nos nossos governantes, rendendo homenagem sincera e espontânea ao timoneiro do grande barco que é a Nação Portuguesa.
E porque se tratava da inauguração de obras na sua essência ligadas à vida do mar e à natural beleza da região, todos sentiram que não poderia ter sido outra personalidade a presidir a tais inaugurações.
E todos bem sabem porquê; S. Exa., homem 100 por cento marinheiro, era naturalmente o indicado para estar presente, e com certeza com íntima satisfação, pois se encontrava em região e rodeado por pessoas que compreendia e que o sabiam compreender.

Página 1511

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1511

Patenteou S. Exa., precisamente nas palavras que teve oportunidade de pronunciar durante a abertura do centro social em Ílhavo, esse sentir, comunicando-o aos presentes com bem notória emoção. Soube-o reconhecer a população, aclamando-o com a simpatia que lhe merece a figura prestigiosa daquele em quem confiam, como seu legítimo representante.
Fez S. Ex.ª longa jornada, da capital à região da foz do Vouga, mas com certeza que guardará para sempre como recordação inesquecível todas as manifestações de carinho, simpatia e respeito em que foi envolvido desde a sua chegada a Aveiro até ao regresso, partindo de Ovar.
Inaugurou S. Ex.ª duas obras, que, se bem que distintas na sua finalidade, são nitidamente e por igual merecedoras de relevo.
Uma, em Ílhavo, de carácter social, em que foram contemplados com um excelente bairro e um centro de assistência social devidamente apetrechado, de maneira a concorrer para o seu bem-estar, todos aqueles que arriscam dia a dia a sua vida no mar e seus familiares, que comungam na mesma incerteza e sofrimento, e onde encontrarão de ora avante, nas suas casas tão esplendorosamente expostas ao sol e nos recursos médico-sociais que o centro lhes faculta, uma maior confiança nos seus recursos e naqueles que os governantes, atentos aos seus anseios e aspirações, entenderam por bem dedicar-lhes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, a propósito de tal empreendimento levado a cabo, como tantos outros dispersos por todo o país, pelas largas perspectivas que a previdência abre a todas as classes laboriosas, apraz registar não só a crescente expansão que o Governo, em especial pelo seu Ministério das Corporações, faculta a todos os trabalhadores, e neste caso particular aos pescadores, pela sua Junta Central, e onde se faz sentir a acção e dinamismo do seu muito ilustre presidente e membro desta Assembleia, almirante Henrique Tenreiro. Citação especial a tal respeito foi feita por S. Ex.ª o Chefe do Estado aquando das considerações que entendeu dever fazer. E todos o reconhecem, sem dúvida, pois o muito que tem feito necessariamente obriga a tal conclusão.
Houve ainda uma outra nota especial, e digo especial pois sòmente a linda vila de Ílhavo conseguiria aquilo que veio a dar-se, e que foi a presença efectiva de S. Ex.ª Revma. D. Manuel Trindade Salgueiro, a colaborar com emoção nas festividades da inauguração apontada, tendo até sido dado o seu nome ao centro social inaugurado, querendo naturalmente o povo de Ílhavo manifestar ao bispo do mar, conforme lá ficou bem expresso no granito da construção, o muito carinho que a figura do seu bispo, por nascimento, lhe merece.
A outra inauguração, de significado e objectivo diferente, embora intrinsecamente ligada à ria, à sua beleza e ao seu útil aproveitamento, foi a abertura da Pousada do Nomanzel, belo e confortável edifício de moderna construção e de situação excepcional, recanto onde os amantes das belezas naturais do nosso litoral se poderão recrear em paisagem admirável e colher os benefícios que um repouso físico e espiritual lhes faculta, além das possibilidades da prática de desportos náuticos e da pesca.
Obra de inestimável valor turístico, lá ficou à disposição de todos aqueles que se sintam atraídos pelos encantos em que é tão pródiga a região, bem reconhecidos não só pelos turistas nacionais, mas também pelos estrangeiros, que em tão elevado número os procuram.
Sr. Presidente: é meu objectivo, sobretudo, com estas despretensiosas considerações ter oportunidade para em meu nome pessoal, e com certeza em nome dos naturais e residentes na região agora beneficiada, à semelhança de tantas outras que o têm igualmente sido em circunstâncias idênticas, agradecer ao nosso Governo e, neste caso particular, aos Srs. Ministros das Obras Públicas, das Finanças e das Corporações as facilidades e contribuições que foram necessárias para a efectivação dos empreendimentos citados e levados a bom termo, pois com eles, beneficiando a região, implicitamente se valoriza o País.
A presença de SS. Exas. no último domingo em Aveiro merece igualmente o nosso reconhecimento e gratidão.
E a região da ria de Aveiro, pelas suas características muito especiais, merecedora do reparo do Governo, e tem-no sido na medida das possibilidades, mas reconhece-se que muito mais poderá ser feito até ao total e útil aproveitamento de tão privilegiada região.
Espero, pois, confiadamente, que futuras visitas de governantes às citadas paragens venham a verificar-se com a frequência que o necessário ritmo de futuras obras e melhoramentos exige, pois das condições naturais há muito partido a tirar, com enriquecimento não só do valor turístico e social, mas também, e sobretudo, do económico. Haja em vista o porto de Aveiro, que lentamente caminha para a maturidade, mas que será sem dúvida uma realidade com a qual Aveiro conta e acabará por valorizar definitiva e incontestavelmente a região. Mas considerações a tal respeito reservo-as para futuras intervenções nesta Assembleia.
A S. Ex.ª o Chefe do Estado quero vincadamente saudar com um sincero agradecimento por ter feito mais esta visita a Aveiro, dando oportunidade à boa gente da região da ria de o aclamar, ficando com a certeza de que não foi esta a última vez ainda que localmente foi alvo da simpatia, gratidão e confiança que a sua veneranda pessoa sempre inspirou e continua a inspirar.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1963.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alfredo Brito.

O Sr. Alfredo Brito: - Sr. Presidente: é difícil numa curta intervenção desenhar o panorama de um dos sectores económicos nacionais, que é o da indústria.
As indústrias transformadoras podem ser classificadas em três grupos:
1.º Aquelas que têm por função exclusiva o abastecimento do País;
2.º As que, além de abastecerem o mercado nacional, conseguem exportar uma parte da sua produção;
3.º Aquelas em que a exportação corresponde ao valor predominante da sua produção.

No 1.º grupo podemos englobar a maior parte da indústria nacional.
No 2.º grupo encontra-se um menor número de actividades industriais, cuja produção é parcialmente exportada,

Página 1512

1512 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

mercê quer dos baixos salários que vigoram nesses sectores industriais, quer de regimes especiais de compensação, quer de factores naturais, quer ainda de vantagens conjunturais momentâneas, etc.
Do 3.º fazem parte sobretudo as indústrias que, valendo-se das matérias-primas nacionais, as exportam depois de valorizadas, pela transformação em novos produtos, como é o caso das indústrias de conservas de peixe, de tomate, cortiças, etc.
O 1.º grupo tem sido aquele que, pela viabilidade da comercialização dos seus produtos, mais se tem expandido nos últimos anos, mas, em grande parte, este sector deve a sua viabilidade às pautas aduaneiras proteccionistas - pois que o limitado poder de compra do mercado nacional não lhe consente, como seria nosso desejo, a ampliação das suas unidades ao nível das congéneres estrangeiras, situação agravada também pela tendência que entre nós se manifesta para o estabelecimento de novas unidades concorrentes. Este sector não se tem, pois, estruturado de molde a poder enfrentar a concorrência que virá a verificar-se aquando da eliminação total dos direitos de importação.
Em muitos casos este panorama é devido à ausência do condicionamento industrial em relação a esses sectores industriais, medida que poderia ter evitado a pulverização e ausência de especialização, que são as características dominantes da nossa indústria.
Por outro lado, em relação a muitos sectores abrangidos pelo condicionamento industrial, nem sempre as autorizações foram concedidas tendo em atenção a estrutura, situação e perspectivas desse sector. Impõe-se que cada ramo de actividade seja devidamente estudado, não só com a finalidade de modificar a sua actual estrutura (reorganização industrial), quando se reconheça que tal se torna imperativo para assegurar o seu poder concorrencial frente à indústria estrangeira, como também para servir de linha de rumo para a concessão de novas autorizações. E tal estudo deveria ser devidamente articulado com o Plano de Fomento.
Dado que a concorrência entre os industriais de um mesmo ramo no nosso país muitas vezes tem tomado a forma de degradação da qualidade dos produtos fabricados, parece-me que uma medida que poderia resolver satisfatoriamente este problema consistiria numa normalização tornada obrigatória naqueles ramos de actividade em que fosse viável.
Vivendo muitas destas indústrias da transformação de matérias-primas, produtos e acessórios de procedência estrangeira, na sua maior parte importados de mercados exteriores à Associação Europeia de Comércio Livre - nomeadamente do Mercado Comum -, não têm aquelas sido favorecidas pelo abaixamento progressivo dos direitos de importação, mas, pelo contrário, prejudicadas pela concorrência dos industriais da zona de comércio livre.
Mas não bastará reestruturar a nossa indústria para que ela se desenvolva. E necessário conseguir-se um aumento substancial do poder de compra do consumidor metropolitano e ultramarino. Nomeadamente, o mercado da nossa província de Angola tem estado praticamente fechado para muitos sectores industriais do continente, dada a dificuldade de transferência de divisas, facto que não só tem trazido grandes prejuízos à indústria nacional, como também ao próprio comércio e consumidor do ultramar.
Quanto, ao 2.º grupo de indústrias, será necessário estudar-se a sua viabilidade com vista à nossa adesão ao Mercado Comum e também para que, em vez de um provento para a economia da Nação, não se transformem num encargo.
Quanto ao 3.º grupo, é lógico que terá de ser encarado com primazia, mas nunca devendo esquecer-se os restantes, que, pelo seu esforço, têm vindo a abastecer as necessidades do mercado com grande economia de divisas, assim como da incorporação de mão-de-obra nacional, ajudando a resolver o problema social, tão premente no País.
Resumindo: é necessário acautelarem-se os interesses da indústria nacional aquando da elaboração de acordos internacionais, muito predominantemente naquele que venha a estabelecer-se com o Mercado Comum, a bem do trabalho nacional.
Mas a reestruturação da nossa indústria e o aumento do poder de compra dos consumidores são elos de uma cadeia circular de que fazem parte também os meios de financiamento à indústria.
Neste aspecto, após a notória recuperação do nosso sistema de crédito, a partir do 3.º trimestre do ano passado, apraz-me registar a acção desenvolvida quer pela Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, quer pelo Banco de Fomento Nacional, no seu apoio financeiro à indústria. Assim, esta última instituição participou já, no ano de 1961, no financiamento de cerca de 9 por cento da formação bruta de capital fixo nas indústrias transformadoras eléctricas, participação que foi particularmente importante nos empreendimentos incluídos no programa para aquele ano no II Plano de Fomento. Por sua vez, a Caixa Nacional de Crédito manteve, em ritmo crescente, o apoio financeiro dispensado aos diversos ramos de indústria, apoio que subiu de 1 600 000 contos em 1960 para 1 800 000 contos em 1961. Por ordem de grandeza, as indústrias com mais amplo aumento do saldo devedor foram: a de metais, electricidade, têxteis, química, gráfica e hoteleira.
O financiamento das actividades da indústria nacional é, indubitavelmente, um dos pontos que maior importância assume adentro da nossa política de desenvolvimento económico, e, assim, não posso deixar de notar a regressão observada nas transacções de títulos no nosso mercado financeiro (Bolsa de Lisboa), que à base 100 de 1956, corresponderam os índices 98 em 1960 e 89 em 1961. Todas as formas pelas quais as poupanças possam ser canalizadas para as nossas actividades produtivas devem merecer o nosso maior empenho. Assim, é com satisfação que registo a inovação - levada a efeito no recentemente promulgado Código do Imposto de Capitais - que é a isenção estabelecida para as sociedades de participação financeira (sociedades de colocação de capitais, de financiamento e de investimento), exonerando-as do imposto sobre os lucros distribuídos aos respectivos sócios até ao montante dos juros e dividendos de títulos nacionais recebidos por essas sociedades.
Estou convencido de que assim se incentivará a criação destas empresas, cuja actividade consiste na gestão de uma carteira de títulos e que nos últimos anos, nos países em vias de desenvolvimento, grande papel têm desempenhado na mobilização das poupanças de certas classes e na sua criteriosa aplicação nos sectores de actividade que ofereçam melhores expectativas de rentabilidade e menores riscos.
Prevê a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1963 que o Governo promoverá a reforma da contribuição industrial, publicando os diplomas necessários à sua efectivação, assim como dispõe que os mesmos entrem em vigor num prazo nunca inferior a um mês, a contar da data da sua publicação.
Prevê-se também que seja elaborado e posto em vigor o diploma que criará o imposto sobre o valor das transacções.

Página 1513

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1513

Temos de dar na generalidade o nosso voto de concordância ao alto critério que presidiu à elaboração dos Códigos do Imposto Profissional e do Imposto de Capitais, primeiros pilares da nossa nova estrutura fiscal - e ao fazê-lo queremos aproveitar a oportunidade para render a nossa homenagem do mais sincero apreço e da mais viva admiração a S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças pelo exaustivo labor que tem posto ao serviço da causa pública e pela superior competência com que tem orientado e dirigido a acção do seu Ministério.
Estamos certos de que o elevado critério usado nos códigos anteriores será também posto ao serviço dos restantes diplomas agora anunciados, entre os quais se encontram os já apontados Códigos da Contribuição Industrial e do Imposto sobre o Valor das Transacções.
Ainda que formalmente separados, existe entre ambos uma certa afinidade, pois vêm influir nos mesmos sectores da actividade económica, seja a indústria ou o comércio.
Na verdade, afirma-se na presente proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1963 que, na actualidade, «sendo o preço dos produtos nacionais onerado pela contribuição industrial, que é, entre nós, ao contrário do que sucede noutros países, elemento do custo da produção, há que estruturar o imposto por forma a evitar-se que motivos de ordem fiscal comprometam as condições de concorrência que as mercadorias portuguesas poderiam alcançar.
Incide, assim, a nova contribuição industrial sobre o rendimento real, sobre o lucro resultante do exercício do comércio, indústria ou profissões independentes».
Não posso deixar de dar o meu aplauso a esta nova orientação do nosso sistema fiscal, que, sem dúvida, contribuirá para entre nós se atingir um maior grau de justiça tributária; e não nego que, do ponto de vista da ciência fiscal, esteja correcta a afirmação de que, estruturada desta forma, a contribuição industrial não pode ser considerada como elemento do custo de produção.
Mas eu sou um industrial, um homem prático; e para mim o custo de produção inclui, como elemento que lhe está intimamente associado, o lucro provável de qualquer produção ou de qualquer venda.
Se se aceitasse o critério de que a contribuição industrial não ia onerar o custo da produção, por não ser incorporada no produto, pois sòmente tem incidência sobre os lucros reais, seria o mesmo que negar que os lucros fazem parte dos custos.
Ora todo o industrial, qualquer comerciante, inclui a sua remuneração - o lucro -, como inclui a remuneração dos demais factores da produção no cômputo do custo da produção.
Os custos assim calculados é que servem de base ao seu cálculo económico, quando postos em confronto com os preços propostos pelos concorrentes, quando submetidos à prova real do mercado.
O lucro que o industrial ou o comerciante realmente arrecada - o lucro efectivo - poderá ser superior ou inferior àquele que ele prevê; mas este é sempre o seu guia, por ser a sua provável remuneração, a razão de ser do seu negócio.
Não estou aqui a discutir se é apenas esta a função do lucro; estou tão-sòmente a afirmar que na prática, na vida de todos os dias, não podemos deixar de admitir que o lucro seja efectivamente um elemento do custo de produção.
Portanto, se parte desse lucro for absorvido pela tributação, não é o destino que o Estado lhe vai dar que irá cambiar a sua essência. Qualquer que seja o destino do lucro - ser distribuído a accionistas, ser reinvestido na empresa, quer colocado em cofres públicos -, ele é, pela sua natureza, uma parte do custo.
E o lucro é uma parte do custo da produção porque ele se destina a remunerar os capitais investidos, os riscos envolvidos, as iniciativas postas na exploração: o seu destino posterior não lhe muda a natureza.
Simplesmente, os capitais são investidos, aceitam-se riscos e mobilizam-se iniciativas, desde que haja uma certa expectativa de se angariarem lucros. Não importa se os seus titulares carecem ou não deles para a exploração que os origina, se pretendem ou não empregá-los em actos de consumo posteriores: o que interessa é que essa expectativa existe na mente dos que dirigem as explorações industriais ou comerciais.
Mas, na realidade, quanto mais os encargos fiscais vierem absorver parte do lucro, quanto maiores forem os impostos, maiores terão de ser os lucros, para que, após a dedução dos impostos directos (contribuição industrial), os lucros se proporcionem à justa compensação dos capitais e riscos envolvidos.
Deste modo, quanto maior for a incidência do imposto, maior terá de ser o lucro real, para que o saldo, depois de liquidado o imposto, venha corresponder à remuneração pretendida.
Do exposto temos de concluir que, quanto maior for o encargo tributário, maior terá de ser o custo dos produtos: a futura contribuição industrial, não tendo uma incidência directa no produto, como elemento directo do custo de produção, vai tê-la indirectamente pela via dos lucros, influindo deste modo nos custos finais. Aquela será, é certo, função do lucro apurado; mas o industrial que quiser arrecadar o lucro de três, sabendo que o fisco lhe levará, por hipótese, a quarta parte, terá de elaborar o seu cálculo económico para ganhar quatro.
O sistema tributário, dentro do novo critério, estabelece para a contribuição industrial três grupos:

Grupo A - que abrange as grandes empresas e outras que, não sendo grandes, exercem actividades submetidas a fiscalização especial, em que a contribuição incidirá sobre os lucros efectivamente apurados.
Grupo B - compreende as médias empresas, que serão tributadas pelos lucros que presumivelmente tenham obtido.
Grupo C - constitui-se pelos pequenos contribuintes, sendo a tributação baseada nos lucros que normalmente possam obter.

A diversidade dos critérios aplicados aos contribuintes dos três grupos pode vir a ocasionar no mesmo ramo de actividade comercial ou industrial desigualdade de incidências fiscais, por se. encontrar uma empresa num grupo e uma concorrente noutro.
No bem elaborado trabalho denominado A Política Fiscal Portuguesa, 1956-1962, a p. 73, afirma-se, a este respeito, que «o novo critério assenta não apenas na natureza da actividade exercida ou na forma jurídica adoptada, mas também no volume dos meios utilizados e nas condições em que a actividade se exerce.
Esta diversificação encontra suporte em duas razões. Por um lado, atendeu-se a que são de diferente natureza os rendimentos das grandes e médias empresas e os das pequenas, que, as mais das vezes, só para efeitos tributários se distinguem das profissões. Efectivamente, naquelas o rendimento é o produto da aplicação do capital, do trabalho e da iniciativa, em proporções variáveis, mas representativas, enquanto na pequena empresa o capital não tem significado apreciável e o rendimento é sobretudo fruto do trabalho do contribuinte.

Página 1514

1514 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

Por outro lado, se é razoável impor às grandes e médias empresas obrigações fiscais, que são indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável, mas implicam encargos que hão-de necessàriamente influir nos custos de produção, já o mesmo se não deve fazer no tocante às pequenas ou pequeníssimas empresas, só viáveis na maioria dos casos mercê da baixa remuneração do trabalho do produtor e seus familiares».
Alonguei-me nesta transcrição, porque me deu satisfação ler no citado trabalho que «ó razoável impor às grandes e médias empresas obrigações fiscais que (...) implicam encargos que hão-de necessariamente influir no custo de produção», palavras que vêm corroborar a minha afirmação anterior de que, seja qual for o modo de calcular a contribuição industrial, esta é para o industrial ou para o comerciante um elemento do custo da produção.
Mas permitam-me que discorde da última frase transcrita: «o mesmo se não deve fazer no tocante às pequenas ou pequeníssimas empresas, só viáveis na maioria dos casos mercê da baixa remuneração do trabalho do produtor e seus familiares».
E não dou o meu aplauso a esta afirmação, nem tão-pouco à tese de que «na pequena empresa o capital não tem significado apreciável e o rendimento é sobretudo fruto do trabalho do contribuinte», não porque não seja esta, infelizmente, a realidade entre nós, mas sim porque não devíamos encontrar-nos perante tal panorama e muito menos fomentá-lo.
O pequeno estabelecimento industrial ou comercial é quase sempre uma forma de desemprego oculto, ou então deve-se ao nosso baixo nível de salários, que não só im-pele o nosso trabalhador qualificado ou não para a França ou para a Alemanha, como também o leva a estabelecer-se por conta própria, uma vez feita aprendizagem gratuita numa fábrica que o recebeu como colaborador e que passará a tê-lo como concorrente.
Enquanto os nossos salários forem baixos, estas (e outras) tendências não deixarão de fazer-se sentir.
Ora é sabido que o pequeno e o pequeníssimo industrial, entre nós, não prima pela qualidade do produto com que concorre, nem pelas remunerações que distribui pelos seus colaboradores, e muito menos pelas condições em que obriga estes a trabalharem.
E, assim, o «mau industrial estraga o bom industrial» - plagiando a afirmação do economista britânico Gresham relativamente à boa e à má moeda. Caim eliminou Abel do paraíso - e num meio muito menos paradisíaco que é o da nossa indústria e do nosso comércio fenómeno semelhante se observa.
Tirando o número restrito de sectores de indústria em que os elevados investimentos, a complexidade da técnica e outros factores podem impedir a aparição no mercado do pequeno ou do pequeníssimo industrial, a grande proporção dos nossos ramos de indústria encontra-se ao alcance destes - e nem outra coisa se poderia esperar num país em que a industrialização só recentemente começou a dar passos vigorosos.
Por isso sou defensor do condicionalismo da indústria nos moldes em que está actualmente estruturado - e não posso deixar de considerar que a este se poderia e deveria juntar um condicionamento fiscal, por intermédio do qual não se reconhecesse que «na pequena empresa o capital não tem significado apreciável e o rendimento é, sobretudo, fruto do trabalho do contribuinte», e, ao invés, se forçasse esse industrial - porque o é de facto - a só adquirir uma máquina quando, pela incorporação de todos os elementos do custo no preço de venda - sem esquecer as amortizações, os encargos fiscais, etc. -, a sua indústria se tornasse rendável.
Admitir que as pequenas e pequeníssimas empresas só são «viáveis na maioria dos casos, mercê da baixa remuneração do trabalho do produtor e seus familiares», e, consequentemente, dar-lhes um tratamento fiscal mais favorável, de tal modo que, inclusive, sejam dispensadas de «encargos que hão-de necessariamente influir no custo de produção», é, na nossa opinião, uma orientação fiscal que é como que uma mezinha que, em vez de curar o mal, antes o prolonga e, quiçá, o amplia.
Estas minhas palavras não querem significar que sou contra a pequena exploração e a favor da concentração ilimitada do poder económico. Bem pelo contrário: entendo que a pequena, a média, a grande empresa, tem cada uma o seu lugar próprio em cada ramo de actividade. A César o que é de César. Mas que a nossa política fiscal não favoreça esta ou aquela dimensão da empresa, como actualmente sucede relativamente à pequena e pequeníssima exploração - que, aliás, não é apenas na sua relação com o fisco que recebe, por via de regra, um tratamento preferencial. Recordo-me, nomeadamente, do problema da fiscalização do horário e das condições de trabalho que constituem, indubitavelmente, processos de se fazer uma concorrência desleal à indústria convenientemente estruturada.
Não sou contra a pequena exploração - repito - e entendo que, se determinada actividade é económicamente viável com uma dimensão menor, não é razoável preferir-se os maiores riscos que uma maior dimensão comporta. O que sou é contra a viabilidade da pequena indústria por meio de balões de oxigénio, o que muitas vezes asfixia a média e grande empresa concorrente, comprometendo necessariamente o nosso desenvolvimento industrial.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, a certeza de que a pulverização da indústria é um dos males estruturais da nossa economia que carecem de ser remediados há muito que se encontra entre as preocupações do Governo, seja pela publicação da Lei n.º 2005, seja pela nomeação de numerosas comissões reorganizadoras de diversos ramos de indústria.
Embora discordando abertamente das soluções propostas por algumas comissões reorganizadoras, não posso deixar de manifestar o meu apreço pelo esforço realizado pelo Ministro da Economia cessante, Prof. Eng.º Ferreira Dias, no sentido de melhorar a estrutura das nossas actividades industriais.
A nossa actual adesão à Associação Europeia de Comércio Livre e a futura incorporação no Mercado Comum levarão à eliminação progressiva dos direitos de importação.
Assim, temos de substituí-los por um novo imposto indirecto, sem que o mesmo efectue qualquer discriminação entre o produto nacional e o estrangeiro, imposto este que julgamos ser o previsto imposto sobre o valor das transacções, que virá a substituir os criados pelos Decretos-Leis n.ºs 43 763, 43 764 e 43 766, respectivamente, sobre o consumo de refrigerantes, consumos supérfluos ou de luxo e tabaco.
Está bem explícito no relatório que precede a lei em discussão que o imposto sobre o valor das transacções terá de entrar numa só fase do ciclo que vai da produção ao consumo.
Considera-se também que esta incidência * deverá ser aplicada no momento em que o produto nacional fique a par com o produto de procedência estrangeira.

Página 1515

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1515

De facto, afirma-se na presente proposta de lei que «os sistemas do imposto único na produção e no comércio por grosso são, sem dúvida, os mais adequados às actuais condições económicas e sociais portuguesas».
Do ponto de vista de comodidade da cobrança é evidente a vantagem da escolha do comércio por grosso ou da produção como estádio de incidência daquele imposto, o estádio da produção apenas relativamente às categorias de bens que escapem ao do comércio por grosso.
Mas este aspecto não é, na minha opinião, o único que deverá ser considerado.
De facto, se os circuitos da comercialização dos produtos fossem homogéneos e nenhum bem escapasse ao estádio do comércio grossista, a indústria nacional não seria afectada pela nova tributação indirecta, visto que os produtos importados sofreriam necessariamente igual tratamento.
Mas, sempre que o imposto for cobrado no estádio da produção, o industrial que o tiver de liquidar ficará praticamente colocado perante mais um encargo de produção, com o qual terá de contar necessariamente nos seus planos financeiros.
De facto, para o industrial o imposto sobre o volume de transacções não poderá deixar de ser considerado como um encargo da produção, já que ele terá de acrescentar certos valores aos seus preços de venda, terá de liquidar essas quantias quiçá antes de recebê-las dos compradores e, portanto, terá de suportar os encargos do respectivo financiamento. Vender ou não vender, dentro de certos prazos e em determinadas condições, será problemática que para alguns industriais se complicará pela introdução deste novo elemento, colocando-o nitidamente em condições desvantajosas aos produtores estrangeiros concorrentes.
Logo, sempre que não existisse a possibilidade de este imposto ser cobrado no estádio do comércio por grosso, deveria o mesmo ser liquidado pelo comércio a retalho. Isto porque - excepção feita aos bens de consumo duradouro, em grande parte transaccionados sob a forma de prestações mensais -, neste estádio, grande parte das transacções são realizadas a dinheiro e, como tal, o comerciante não teria de financiar o pagamento do imposto, como sucederia com frequência se fosse o produtor a liquidá-lo.
Há outro ponto que consideramos grave: é que é impossível - pelo menos nos tempos mais próximos - ajustar em todos os países da Associação Europeia de Comércio Livre ou no Mercado Comum o mesmo sistema fiscal. A diversidade de sistemas não deixará de criar situações de privilégio para uns e de desvantagens para outros.
Deste modo, as empresas dos países que tiverem incidências fiscais directas sobre a produção inferiores às que vão ser estabelecidas entre nós encontrar-se-ão no nosso mercado em situação de flagrante vantagem, já que os acordos que criaram aqueles mercados prevêem a restituição dos impostos indirectos às mercadorias exportadas. Por outro lado, a simples existência daquele imposto directo implicará a tributação não só dos lucros realizados pela venda no mercado nacional, mas também dos lucros originados pelas vendas efectuadas no estrangeiro. Neste caso o Estado estará a onerar as quantias pagas pelos consumidores estrangeiros, reduzindo, portanto, as possibilidades concorrenciais das indústrias nacionais exportadoras.
A hibridez da nossa futura estrutura fiscal, que repousará simultaneamente na tributação directa (contribuição industrial) e indirecta (imposto sobre o valor das transacções), não trará vantagens especiais ao produtor português, quer quando vender para o mercado nacional, quer quando exportar.
Pelo exposto julgamos que os encargos fiscais deverão ser tanto quanto possível desviados da fase da produção nacional, sendo realizados, preferentemente, através do imposto sobre o valor das transacções a incidir no estádio do comércio grossista ou retalhista.
Por outro lado, os tratados que criaram a Associação Europeia de Comércio Livre e o Mercado Comum estabeleceram regras de acordo com as quais os produtos importados por um país devem sê-lo a preços não inferiores aos praticados no país de origem, dedução feita dos impostos indirectos (nomeadamente sobre os valores das transacções), como atrás se disse. Mas não poderemos esquecer-nos de que estas regras são mais teóricas do que práticas.
Os exportadores estrangeiros (e os nacionais, evidentemente) têm sempre processo de prejudicar estas regras e de praticar discriminações de preços entre o mercado nacional e os mercados de exportação, mediante diversas verbas, como sejam as despesas de representação, publicidade, etc., que encobrem habilidosamente os diferenciais nos preços à exportação.
É evidente que se trata de um ponto de difícil tratamento, mas parece-nos que em futuras negociações deveria ser tomado na devida linha de conta.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Oliveira Pimentel: -Sr. Presidente: mais uma vez esta Câmara é chamada, nos termos constitucionais, a pronunciar-se sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas que servirá de estrutura à elaboração do plano orçamental. Diploma este basilar para a vida da Nação, pois que por detrás de cada verba a receber ou a pagar está a previsão de «um serviço, uma obrigação, um dever e, muitas vezes, um anseio e uma aspiração»; está tantas vezes a razão da esperança de um melhoramento cuja realização já é possível localizar em tempo próximo e que parecia nunca mais chegar.
Infelizmente uma boa parte das receitas que vierem a ser arrecadadas durante o próximo ano não poderão ser aplicadas em investimentos produtivos, por ter de se destinar à satisfação das despesas com a luta que nos é imposta no ultramar e que se torna necessário neutralizar, embora com sacrifício, para salvaguardar a defesa da população e preservar a integridade territorial da Nação.
Longe de se estranhar, é de louvar a orientação, que se mostra bem patente, de se pretender apresentar o orçamento para o próximo ano sob o signo da defesa nacional, e, assim, se reconheça ao Governo autorização expressa para dar prioridade às despesas que se torne necessário realizar com a mesma defesa nacional.
Só uma sólida situação financeira estruturada em bases seguras e com longo encadeamento poderia permitir, como na verdade sucede, não fosse maior o sacrifício que houvesse de fazer no que respeita a investimentos reprodutivos a favor daqueles que, por força das circunstâncias, têm necessariamente de ser dirigidos à defesa da Nação.
Sem que, de qualquer modo, pretenda subestimar o valor e alcance das demais disposições contidas na proposta de lei em apreço, como representante de um círculo fundamentalmente rural, mereceu-me especial atenção o artigo 24.º da proposta de lei, o qual concerne à política do bem-estar rural.
Sem prejuízo das despesas a realizar com fins militares, verifica-se ser possível ao Governo continuar a preocupar-

Página 1516

1516 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

-se com o melhoramento das condições de vida das populações que se encontram fixadas em meios rurais.
Todos os melhoramentos dirigidos nesse sentido e destinados ao fornecimento do equipamento e valorização desses meios, aliados a outros que tenham por objectivo uma nova reestruturação da agricultura, terão como finalidade, que se torna necessário seja trazida para primeiro plano no pensamento das entidades responsáveis, suster, o acentuado êxodo rural e controlar o êxodo dos trabalhadores ocupados até aqui na agricultura e que esta vai dispensando devido à gradual redução da quantidade de braços, mercê dos progressos que a técnica vai pondo à sua disposição. Esses melhoramentos, com os quais se dotam as zonas mais atrasadas de infra-estruturas, permitem a criação de condições em que possam assentar planos mais vastos e de realização a longo prazo tendentes ao desenvolvimento regional.
Sem água potável posta à disposição das populações, estradas e caminhos, transportes e comunicações, não é possível lançar com bases sérias e executar com resultados seguros qualquer planeamento regional. É certo que o bem-estar rural, noção complexa que encerra um conjunto de finalidades a atingir através de diversos meios, não depende simplesmente de factores de ordem material: pode haver estradas e caminhos, água potável, transportes e comunicações e habitações com o mínimo de higiene e conforto e não se ter atingido em grau apreciável o bem-estar rural.
Aqueles factores, aliados a outros de ordem económica, são de importância primordial, mas a par deles torna-se indispensável fazer prosseguir outras tarefas, entre as quais ressaltam, pelos benefícios que revestem, as que tenham por fim promover a assistência médica e proporcionar as condições de sanidade das populações, a instrução elementar e profissional, o culto religioso e as distracções. Todas estas acções, devidamente combinadas e doseadas, terão por finalidade última o desenvolvimento económico e o progresso social do meio rural, no qual se verifica, como alguém disse, «a ânsia angustiosa de escapar a um meio fechado».
A proposta de lei em discussão, seguindo o critério aprovado nas leis de autorização das receitas e despesas concernentes aos anos anteriores, aponta a ordem de precedência que deverá ser respeitada quanto possível na distribuição dos auxílios financeiros destinados a fomentar o bem-estar rural, quer sejam prestados por força de verbas inscritas no Orçamento Geral do Estado, quer sob a forma de subsídios ou financiamentos de qualquer natureza. Indicam-se, assim, o abastecimento de água, electrificação e saneamento, as estradas e caminhos, a construção de edifícios para fins assistenciais ou para instalação de serviços e construção de casas nos termos do Decreto-Lei n.º 34 486 e, em último lugar desta ordem de precedência, os matadouros e mercados.
Não me referirei de modo especial às obras de saneamento, pois afigura-se-me serem muito reduzidos por enquanto os aglomerados populacionais de carácter rural suficientemente evoluídos para poderem ser dotados de obras de saneamento eficazes.
E legítimo, contudo, que, além das sedes de concelho, as quais, na sua maioria, dispõem de rede de esgotos, embora nem sempre em boas condições de funcionamento, os outros aglomerados populacionais, que já possuem ligação rodoviária, electrificação e, sobretudo, abastecimento de água com distribuição domiciliária, aspirem a possuir também a rede de esgotos.
Contudo, como se trata de obras de custo elevado, a executar normalmente por municípios pobres, sucede quase sempre que tais obras não podem ser equacionadas por faltar viabilidade à sua realização. Não me referirei também à construção de edifícios para os mencionados fins, nem à construção de casas nos termos do Decreto-Lei n.º 34 486, bem como aos mercados.
Quero, contudo, deixar aqui um ligeiro apontamento quanto ao abastecimento de água e electrificação, às obras de viação rural e aos matadouros. Começo por estes.
O Governo encontra-se empenhado em realizar um plano de fomento pecuário que sirva de apoio ao desenvolvimento da agricultura e do qual resultará um aumento da produção animal e, consequentemente, da capitação de carne a fornecer às populações. A construção de novos matadouros encontra-se em íntima ligação e apresenta-se como consequência da execução do Plano de fomento pecuário que se acha iniciado. Impõe-se, assim, se lance através do País uma rede de matadouros, de molde a preencher lacunas existentes ou a suprir deficiências notórias no que respeita à indústria do abate.
Na verdade, ressalta à vista, sobretudo de quem viva em meios rurais, a falta que se nota de matadouros em condições higiénicas, pelo que se torna necessário se estabeleça tal rede, devendo esses matadouros dispor de dimensões adequadas e ter boas condições de laboração e exploração e nos quais seja tomado em consideração o aproveitamento dos subprodutos de origem animal provenientes do abate.
Aguarda-se com interesse o conhecimento dos estudos feitos pela comissão reorganizadora da indústria do abate, criada pela Portaria n.º 18 911, de 27 de Dezembro de 1961, e com base neles seja aprovado e se inicie a construção de novas unidades com vista a uma melhor preparação de carcaças destinadas ao consumo público directo.
As obras de estradas e caminhos municipais a realizar no próximo ano encontram-se incluídas no Plano de viação rural, o qual se acha integrado no II Plano de Fomento, plano aquele bem concebido e no qual, dentro das dotações atribuídas, é possível servir um conjunto de aglomerados populacionais que, desde longa data, desejavam ardentemente ligação rodoviária.
Esse Plano de viação, que encontrou dificuldades no início da sua execução, devido sobretudo à deficiência dos projectos, à falta de técnicos que, trabalhando exclusivamente em profissão liberal, os elaborassem por forma a serem apresentados tempestivamente e até à falta de empreiteiros capazes que executassem as obras, penso estar, de um modo geral, depois de recuperado o atraso sofrido, em bom andamento, e há que reconhecer-se que tem servido para insuflar vitalidade aos municípios, sobretudo aos mais pobres, através da concessão de substanciais comparticipações para realização das respectivas obras.
Uma vez que o Decreto-Lei n.º 44 652, de 27 de Outubro último, promulga disposições destinadas a fomentar o crescimento económico e social dos territórios e regiões menos desenvolvidos do espaço português na revisão do Plano de Fomento anunciada por aquele diploma, se porventura essa revisão também incidir sobre o Plano de viação rural, lembra-se a conveniência que existe em que sejam consideradas as aspirações dos municípios que tiverem esse plano em fase normal de execução, a fim de, assim procedendo, não se verificarem soluções de continuidade na realização de obras desta natureza, as quais, sem subestimar as demais, são aquelas que logram ser re-

Página 1517

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1517

cebidas com mais entusiasmo por banda das populações beneficiadas.
A fim de impulsionar o abastecimento de água às populações rurais do continente, a Assembleia Nacional, na anterior legislatura, decretou a Lei n.º 2103, de 22 de Março de 1960. Diploma de largo alcance, nele se prevê que nos projectos de abastecimento de água se englobe o maior número possível de povoações rurais e se dê o mais largo emprego à distribuição domiciliária.
Uma vez feito o inventário das nascentes e os necessários trabalhos de prospecção, terá de se concluir, infelizmente, pela existência de extensas zonas do País onde é grande a penúria de águas subterrâneas, pelo que, se não forem utilizadas águas superficiais contidas em reservatórios a construir por meio de pequenas barragens estabelecidas nos cursos de água, torna-se difícil a realização de empreendimentos dentro do espírito que presidiu à elabração do mencionado diploma legal. É por isso que, para não se cair em ponto morto no que respeita a abastecimento de água às populações rurais, se afigura conveniente que continuem a processar-se, em moldes anteriormente usados, abastecimentos isolados de povoações sempre que possa dispor-se de captação própria e satisfatória, com emprego da distribuição domiciliária, o que de resto é possível dentro da economia da Lei n.º 2103.
Porque a execução de obras de abastecimento de água a populações rurais, segundo o espírito que informa esta lei, terá de ser encarada a longo prazo, dado o seu elevado custo e a morosidade no que concerne à sua realização, entendeu o Ministério das Obras Públicas lançar um plano de beneficiação de fontes públicas, pelo qual se pretende, primordialmente, extinguir as antiquadas e insalubres fontes de mergulho. A execução de melhoramentos desta natureza dispõe do patrocínio do Ministério da Saúde e Assistência, o qual, através dos seus serviços de saúde, procedeu recentemente ao estudo das condições em que está sendo feito o abastecimento de água às populações rurais. E na solução do problema também, de certo modo, se acha interessado o Secretariado Nacional da Informação, o qual, não sendo indiferente às implicações de carácter turístico que o mesmo reveste, está interessado em que seja encerrado um bom número das 2500 fontes localizadas à beira das estradas, por se ter chegado à conclusão, através do respectivo inventário feito pela Junta Sanitária de Águas, de colaboração com a Junta Autónoma de Estradas, que muitas delas não fornecem água potável.
Do processamento desse limitado plano de beneficiação de fontes públicas alguma coisa de útil se conseguirá, pois é possível higienizar muitas captações e ainda realizar alguns pequenos abastecimentos de água. Contudo, muitos aglomerados populacionais, e de certa importância, continuam com o seu problema de abastecimento de água em aberto, à espera de solução.
Para terminar estas ligeiras considerações sobre alguns dos meios que a proposta de lei prevê com vista a promover o bem-estar rural, referir-me-ei ainda, embora ao de leve, acerca da electrificação.
Melhoramento do mais largo alcance, do qual resulta um dos melhores benefícios para as populações, a sua difusão, mercê de vários factores, encontra-se em fase incipiente.
O transporte e distribuição da energia eléctrica traduz-se em investimentos de custo relativamente elevado, pelo que, não encontrando contrapartida em consumo assaz remunerador, a sua penetração nos meios rurais processa-se em marcha lenta.
Para que esta se acelere e seja vencido o atraso que se verifica, ao esforço a despender pelo Estado e pelas autarquias locais terá de congregar-se a melhor colaboração por parte das empresas que têm por objecto a exploração da indústria da electricidade, as quais deverão ter presente que, por via das concessões que legalmente possuem, detêm em si uma riqueza que lhes compete distribuir sem olhar apenas para os resultados que se cifrem em maior lucro, mas tomando também em consideração que, com a repartição dessa mesma riqueza a favor daqueles que se apresentem económicamente mais débeis, concorrem com a sua quota-parte para o progresso social e elevação do nível de vida das populações menos evoluídas.
Fornecendo-se a estas energia eléctrica e a preço razoável vai satisfazer-se uma necessidade de que resultará a criação de novas necessidades, que, por sua vez, irão provocar o consequente aumento do seu consumo, sendo de prever que a uma baixa capitação inicial corresponda um gradual aumento do mesmo consumo que venha a cobrir o possível déficit que se verifique durante os primeiros anos da exploração.
Termino estas breves considerações que me propus fazer a propósito das disposições que a proposta da Lei de Meios para o próximo ano insere sobre política de bem-estar rural fazendo votos por que de uma conjugação de esforços, actuando em clima de simpatia pelos meios rurais, resulte o desenvolvimento económico e social das suas populações e, consequentemente, a elevação do seu nível de vida, por forma a tornar-se menos acentuada a diferença que se verifica entre este e aquele que usufruem as populações que vivem em centros urbanos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Costa Guimarães: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: ao intervir na discussão em curso sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1963 procurarei limitar as minhas considerações ao aspecto geral das intenções que a informam e, seguidamente, à análise de alguns pontos que mais directamente a ligam à vida industrial da Nação e aos reflexos que sobre esta se poderão fazer sentir.
Intentarei ser breve, limitando-me a questões que considero fundamentais em campos de acção acessíveis às minhas possibilidades e identificados com os meus conhecimentos, mais a mais que sobre tantos aspectos e situações de ordem vital para a vida económica e financeira do País autorizadas opiniões e lúcidas inteligências melhor se têm exprimido e exprimirão neste plenário, abordando e analisando em profundidade questões que o relatório, como a proposta, nos determinam. Por mim, como disse, deter-me-ei por aquilo que sei e posso.
A ponderação do relatório que precede a proposta impõe que se preste a devida homenagem à clarividente orientação e ao seguro pulso administrativo de S. Ex.ª o Ministro das Finanças, digno continuador de uma prudente e esclarecida política financeira, na honrosa sequência das brilhantes tradições e tarefas dos homens que têm sobraçado a pasta desse delicado Ministério que é o das Finanças, Ministério onde o Sr. Presidente do Conselho iniciou o ressurgimento financeiro do País, ponto de partida para a luta de recuperação económica que vimos travando, tal corrida de velocidade eivada de dificuldades, em consideração da nossa carência de recursos, das exigências de conjuntura ultramarina, e porque o progresso económico desta Europa a que estamos ligados se processa em marcha vertiginosa no objectivo supremo do bem social.

Página 1518

1518 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

A análise dos diversos números e citações que mais ressaltam do referido relatório deixa-nos a certeza de que não se encontrarão dificuldades financeiras, a manter-se o actual clima nacional e internacional. E isto é argumento convincente para que se radique em todos os portugueses, sem distinção de credos, a sinceridade, a moderação e até a renúncia a tão caprichosas e demasiado obstinadas personalidades. Impõe-se defender e assegurar o clima de ordem e disciplina, sem o qual nenhuma tarefa, por mais simples, poderia alcançar o êxito que o progresso do País exige.
Atente-se que em resultado da acção firme notàvelmente delineada na proposta de lei que há um ano aqui aprovámos a nossa balança de pagamentos virou clamorosamente de negativa para positiva.
Com efeito, reportando-nos aos índices da balança cambial do Banco de Portugal, no que respeita ao 1.º semestre de 1962 e comparativamente com igual semestre de 1961, verificamos que o saldo negativo, ascendendo então a 2405 milhares de contos, passou para um valor positivo da ordem dos 1195 milhares de contos, agora verificado. Isto significa, em súmula e em períodos homólogos, uma recuperação de 3600 milhares de contos na diferença entre as entradas e saídas de cambiais no banco emissor.
Transcrevendo o que nos refere o mesmo relatório, e não resisto à tentação de o fazer para evidenciar a melhoria da situação, nota-se:

Reflectindo o comportamento dos pagamentos internacionais, registou-se acréscimo sensível nas disponibilidades líquidas em ouro e divisas do banco emissor no 1.º semestre do corrente ano.
Deste modo, tendo presente a evolução da balança de pagamentos nos anos anteriores, em que se têm registado normalmente excedentes no 2.º semestre, parece legítimo prever-se com tranquilidade os resultados finais.

O maior encaixe de ouro verificado traz como consequência as evidentes provas de confiança da banca internacional, traduzidas no apoio incondicional dado a obras da maior relevância como a da futura ponte sobre o Tejo, a da instalação de um novo e grande estaleiro em Lisboa e a tantas outras iniciativas que assegurarão a melhoria de vida nacional.
No entanto, estes resultados, correspondentes a oito meses, não asseguram ainda, como é evidente, garantias de tos, embora o respectivo saldo, e no que se refere aos oito primeiros meses deste ano, ainda se apresente com um resultado negativo, ascendendo a 4423 milhares de contos.
Esta melhoria, se em parte é resultado de uma prudente contracção das importações, também o não foi menos por uma acentuada expansão dos valores exportados, e que teve lugar numa escala que há muito se não verificava.
No entanto, estes resultados correspondentes a oito meses não asseguram ainda, como é evidente, garantias de continuidade. Mas representam, sem dúvida, um indício de tendência de melhoria que importa tenazmente defender e amparar, para que jamais possamos regressar aos vultosos deficits, que no ano passado atingiram uma escala sem precedentes de 9152 milhares de contos, facto que muito preocupou a vida financeira da Nação, na medida em que também a balança de pagamentos mudou de sinal, passando a negativa.
Se o movimento de melhoria esboçado nos referidos primeiros meses deste ano se mantiver e acentuar, bem poderão desvanecer-se as preocupações dos que velam pela saúde económica do País e de todos os que a vivem e sentem.
Importa por isso intensificar a exportação para o estrangeiro, considerando-a como necessidade vital e irrefutável da nossa economia. E por isso cada vez mais, quer a nossa exportação, como o comércio e a indústria que a servem, devem debruçar-se sobre o estudo cuidado de bases e estruturas em que se fundamentem, na defesa e garantia do nosso equilíbrio económico.
Uma perfeita e coordenada conjugação de esforços, em absoluta cooperação e colaboração, com disciplina sábia e criteriosamente imposta, e o reconhecimento de necessária intervenção de experiente e conscienciosa actividade privada devem pautar as directrizes da política económica para o exterior.
Para tal se deve processar a acção disciplinadora do Governo e se deverão preparar as organizações do comércio exportador.
De meditar considerações não há muito proferidas pelo anterior Ministro da Economia, o Sr. Eng.º Ferreira Dias, em que afirmava que a exportação deve ser praticada com requintes de técnica e de orgânica e se acrescentava, logo a seguir, que de forma alguma a exportação pode ser uma mendicidade disfarçada.
Ao desenvolver estas observações sobre o problema candente da necessidade de se manterem as exportações em tendência crescente dos números atingidos apraz-me referir aqui o relevantíssimo papel desempenhado pela indústria e comércio dos têxteis nessa tarefa de notável reflexo na balança do nosso comércio externo.
Na verdade, desde há mais de dez anos que este sector industrial, nomeadamente o têxtil algodoeiro, vem marcando a sua posição destacada, tendo a sua exportação atingido já em 1950 os números de 5865 t, com o valor de 295 000 contos. Nos três anos seguintes as vendas para o estrangeiro desceram de novo, em razão de directrizes superiores, consequência de deficiente abastecimento, para subirem depois em 1954 para as 8761 t. Desceram depois nos dois anos seguintes, para em seguida se fixarem em cerca de 7000 t.
Em 1960 uma expansão notável se verificou, e os números redondos atingidos, de 20 000 t, com o valor global de 842 000 contos, bem o atestam.
Tal expansão foi seguramente confirmada em 1961, com 20 314 t e 887 796 contos exportados, números que confiadamente se espera sejam atingidos, senão ultrapassados, no ano em curso, pois que em Setembro já a estatística nos indicava 17 776 t exportadas, com o valor de 728 950 contos.
Em face dos números que ficam referidos parece indiscutível o benefício considerável que tem resultado para o País da actividade da nossa indústria têxtil.
Ela tomou, no quadro do nosso comércio externo, um lugar que se situa muito à frente de outras indústrias tradicionalmente exportadoras (resinosos, madeiras, etc.), com a vantagem incontestável de ser de longe aquela que mais contribui para o produto nacional e que, pelo volume de mão-de-obra utilizada, maior interesse social apresenta.
Saliente-se que essas exportações se dirigem hoje, em grande parte, para países exigentes, de elevado nível de vida, em que a qualidade do produto tem importância considerável. Assim, em 1960, dos 842 258 contos que se venderam 453 369 destinaram-se à Europa (Reino Unido: 134 651 contos; Suécia: 127 713 contos: Alemanha: 67 272 contos; Dinamarca: 39 227 contos; Noruega: 24 322 contos; Holanda: 23 628 contos, etc.) e 26 302 à América, dos quais 249 258 contos aos Estados Unidos da América e 8476 ao Canadá.
Para a África venderam-se nesse ano apenas 91 897 contos.

Página 1519

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1519

Em 1961 a exportação para o estrangeiro teve destino semelhante:
Contos
Para a Europa .............. 509 652
Para a África .............. 98 768
Para a América ............. 229 880

Tem particular interesse, sob este aspecto, a exportação efectuada para os Estados Unidos. Não se podem pôr em dúvida as rigorosas exigências deste comprador, o que prova estar a indústria têxtil apetrechada para fabricar nas melhores condições técnicas.
Releve-se também, pelo esforço de valorização económica que traduz, o volume de exportação atingido pelo sector industrial do sisal. As cifras de 14 309 t, com o valor de 121 milhares de contos, são verdadeiramente significativas.
Para os resultados referidos no sector têxtil algodoeiro não é estranha a política de eficaz apoio que tem sido prestado pelo Governo através da orientação definida pelos Decretos-Leis n.ºs 42 374 e 42 375, de 9 de Julho de 1959, recentemente prorrogado, este último, pelo Decreto-Lei n.º 44 605, de 27 de Setembro deste ano. Frise-se que com o Fundo de Estabilização do Algodão, pela citada disposição criado e mantido, se procurou assegurar o volume normal de exportação, sem prejuízo dos preços pagos à produção de algodão ultramarina.
Fundamentalmente, estimulou-se a exportação, assegurando-se à indústria do sector matéria-prima a preços equivalentes aos da concorrência internacional, pela desoneração de encargos inteiramente incompatíveis com essa exportação e pela entrega, por outro lado, do produto de taxas estabelecidas sobre o algodão destinado ao mercado interno.
Atente-se, porém, e refiro-o sucintamente porque a argumentação a pôr me levaria bastante longe em considerações que não é ocasião de aqui deixar, que tais disposições fundamentais para o estímulo e apoio da exportação, e bem haja o Governo pela sua promulgação, estão muito longe, como possa pretender-se, de assegurar a remodelação da indústria têxtil algodoeira.
Faço esta afirmação para evitar as dúvidas que poderiam colher-se do teor do Decreto-Lei n.º 44 605, a prorrogar o prazo de vigência do Decreto-Lei n.º 42 375, superior deliberação que se impunha a bem da economia nacional e da defesa dos algodões ultramarinos.
Tal disposição, assegurando a continuidade de benefícios à produção do algodão e à do comércio exportador, incluída a própria indústria, está longe de constituir o fulcro da necessária obra de renovação e reequipamento da indústria, porquanto essa obra, em boa hora encetada, se deve à iniciativa do próprio sector com o firme apoio da banca e, muito especialmente, da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, e com forte incentivo dado por disposições transitórias concedidas à generalidade da indústria.
Numa breve e sucinta apreciação, bem cabida, ao comportamento do sistema bancário é meu desejo destacar a orientação regressiva verificada na banca comercial relativamente ao progresso de retracção de crédito que apontei há um ano.
Muito me congratulo com o facto, de notável reflexo na situação económico-financeira do comércio e da indústria.
Um destaque também, muito especial e merecido, ao notável apoio prestado pela Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, com crescente expansão no volume das suas operações com os sectores industriais, em movimento que atingiu, nos primeiros oito meses deste ano, mais 482 milhares de contos, isto é, mais do quádruplo registado em igual período de 1961.
Pela relevante função de fomento económico cumprida aqui presto a minha rendida homenagem a esse prestigioso órgão de crédito, fazendo-o nas pessoas dos seus mui dignos administradores e nossos ilustres colegas Eng.º Araújo Correia e Dr. Ulisses Cortês.
Referimos aqui intencionalmente e com insistência os Decretos n.ºs 42 374 e 42 375, porquanto as suas disposições fomentadoras de exportação, pelos objectivos inteiramente atingidos, a ponto de ter surgido a citada prorrogação de sua validade pelo Decreto-Lei n.º 44 605, recomendarão a criteriosa revisão do problema para antes do termo da sua validade, a verificar-se em 31 de Agosto de 1963.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: a proposta de lei em discussão é bem a previsão de segura vida financeira, onde duas preocupações fundamentais dominam - a de s.3 assegurar o desenvolvimento económico do País e a de intransigentemente garantir a defesa do património nacional. Pugnar por estas certezas com a manutenção simultânea de estabilidade financeira é sem a mínima dúvida tarefa ingente que merece o reconhecimento e o apoio de todos os portugueses.
Da proposta em si mesma ressaltam os meios de actuação para se assegurar o alcance dos fins visados, e, embora conceda que nas circunstâncias presentes os processos não podem ser muito diferentes dos anunciados, entendo que, na medida em que a iniciativa privada persistente e empreendedora é o esteio fundamental do progresso económico, ao promover a programação e realização efectiva de novas fontes de riqueza e a expansão e progresso das existentes se deverá agir com a necessária prudência e moderação na execução das reformas fiscais anunciadas.
Bem desejaria pronunciar-me já hoje e aqui sobre o conteúdo do projecto de reforma do Código da Contribuição Industrial.
A impossibilidade, porém, de o conhecer em pormenorizado detalhe e de a ele dedicar um cuidado estudo priva-me da natural intenção de recomendar ao Governo as observações que o trabalho e a prática do dia a dia por certo me autorizariam.
Reconheçamos, porém, que, dando ao Governo uma permissão aberta para a execução das reformas fiscais projectadas, o mesmo Governo, indubitàvelmente, se saberá haver com a ponderção e sentido de justiça que profundas reformas sempre implicam. Sobretudo importa que, em execução breve, as reformas anunciadas mais encaminhem os nossos passos na senda da justiça fiscal.
E confiamos que assim seja, porquanto no relatório a que nos vimos reportando se afirma expressamente: «Na preparação dos diplomas de reforma fiscal usou-se do maior escrúpulo para que o pensamento já definido e favoravelmente acolhido pela opinião pública mais esclarecida premiasse toda a sua estrutura nos aspectos jurídico-económicos e financeiros e não deixasse de inspirar, até, muitas disposições de pormenor, que alguns poderão considerar porventura de restrito alcance, mas que num futuro próximo hão-de vir a ser reputadas de certeira eficácia e de incontestável justiça.».
Neste aspecto duas curtas referências se me impõem em ligação com o sector da indústria.
O assunto já aqui foi oportuna e superiormente abordado pelo nosso ilustre colega engenheiro Virgílio Cruz, ao iniciar-se este debate, mas talvez não seja de mais insistir-se nele.
Quero aludir aos notáveis benefícios concedidos pela aplicação das disposições dos Decretos-Leis n.ºs 40 874 e 43 871.

Página 1520

1520 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

A redução de matéria colectável determinada pelos mencionados diplomas cifrou-se, quanto ao ano de 1961, em cerca de 115 240 contos. Não obstante, os réditos públicos da contribuição industrial proveniente registaram ainda um ligeiro acréscimo de 2,4 por cento.
Permita-se-nos o necessário relevo à incidência global da aplicação das disposições dos decretos em causa, citando a expressiva verba dos rendimentos relativos aos benefícios concedidos - reduções da matéria colectável -, que atinge o valor total arredondado de 1213 milhares de contos.
Se esclarecermos que esta verba exprime percentagem dos investimentos e reapetrechamentos levados a cabo pela indústria nacional no período de cinco anos, bem se aferirá o alto espírito de iniciativa das nossas actividades industriais e da notável repercussão daquelas disposições legais.
E se tal desiderato traduz uma obra de fomento na produtividade, na qualidade de produção e na exportação, constitui, paralelamente, uma medida de segura garantia na manutenção de matéria colectável e sua expansão, aspectos que não devem menos importar ao equilíbrio económico-financeiro do País.
Note-se, em oportuno parêntesis, que daquele volume de benefícios mais de 61 por cento foram criteriosamente utilizados pela indústria dos têxteis.
Neste campo de considerações um comentário final se me justifica.
As duas disposições legais a que me venho referindo terminam a sua vigência no fim do corrente ano. E importa ponderar que, tendo o primeiro dos citados decretos, o n.º 40 874, sido promulgado em 23 de Novembro de 1956, só mais tarde, devidamente assimilado o seu conteúdo, a indústria interessada acelerou a programação e execução dos seus planos, cônscia dos incentivos que a nova matéria legal promovia.
Sem sombra de exagero se pode afirmar que só muito depois a recolha dos benefícios se fez sentir. E tanto como a linguagem clara da estatística nos confere irrefutável testemunho quando afirma que nos anos de 1957 e 1958 os volumes de redução de matéria colectável não atingiram os 21 000 contos.
Assim, e porque, segundo indicações colhidas, os rendimentos de exploração destinados a fundos de reequipamento irão receber tratamento especial no novo código da contribuição industrial, seguindo-se doutrina que praticamente se encastra na dos decretos citados, me parecerá justo, coerente e recomendável que a validade dos princípios daquela legislação especial seja prorrogada até à ocasião da entrada em vigor do novo código de contribuição.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A atenção criteriosa e esclarecida do Gabinete das Finanças e ao Governo me permito pôr esta pretensão, certo do alto interesse que a mesma reveste para a indústria, pela garantia de manutenção dos seus programas de ré apetrechamento, e para a economia do País em geral, pela certeza de continuidade de revigoramento dos meios que servem a nossa exportação.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: a minha condição de industrial ligado ao sector dos têxteis autoriza-me uma ligeira referência quanto às esperanças que esta indústria põe na revisão do sistema tributário, por código a definir uma colecta com base nos rendimentos reais.
Como se sabe, a partir de 1940 o sistema livre de fixação de matéria colectável pelas comissões do grupo C foi abandonado na indústria têxtil algodoeira, passando a atender-se ao lucro que presumivelmente renderia cada um dos elementos fundamentais de produção - o fuso e o tear.
Esta medida foi precedida de rigoroso inquérito e teve com certeza por objectivo o estabelecimento de uma imparcial distribuição de carga tributária. Mas os aumentos sucessivos que os indicadores foram sofrendo a partir de 1944 em breve colocaram o sector têxtil em posição extremamente desfavorável, por via de agravamentos muito superiores aos das outras actividades.
Tomando por base o ano de 1940 e até 1955, os agravamentos suportados pelo sector têxtil algodoeiro cifraram-se em 764,3 por cento, enquanto no conjunto global do resto das outras actividades e para os mesmos anos a variação foi da ordem dos 221 por cento.
Será, pois, de esperar que a reforma a produzir-se venha permitir realizar, em relação a este sector, uma tributação mais proporcionada à verdadeira capacidade das empresas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: detendo-me em problemas de flagrante actualidade do sector da indústria que a proposta da Lei de Meios me justificaram, alonguei-me mais do que o que seria permitido pela paciência e indulgência de VV. Ex.ªs
Solicitarei, porém, permissão para abusar um pouco mais delas e deter-me, em breve comentário, sobre questão que profundamente impressionou os meus sentimentos de portuguesismo, desejoso de contínua melhoria e progresso das coisas nacionais.
Referir-me-ei aos problemas, da educação e cultura, nomeadamente à questão da formação acelerada do pessoal docente universitário, que no relatório da proposta em discussão é lapidarmente qualificada de problema estratégico para o nosso desenvolvimento social e económico.
No seu magnífico parecer sobre a proposta de lei em discussão recomenda a Digma. Câmara Corporativa a devida consideração de tais problemas com toda a sua amplitude, e, congratulando-me com as medidas preconizadas, não posso deixar de destacar todas aquelas que venham a ser tomadas para que se estimule a fixação dos professores no integral desempenho das suas missões de alto relevo e repercussão em todos os campos da vida do País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Acautelar-se-á, e assim se impõe, a fuga de todos os elementos aptos para outras ocupações de maior rentabilidade ou de melhores condições de trabalho.
É evidente que constitui e constituirá obstáculo intransponível, por todas as reformas de ensino necessárias, a falta de pessoal docente.
Bem recentemente uma prestigiosa e destacada figura das nossas Universidades, precisamente o magnífico reitor da Universidade do Porto, meu ilustre mestre, se referiu a esta questão, afirmando que o corpo docente da sua Faculdade de Engenharia é tão reduzido que todo o tempo é pouco para cumprir com dignidade as funções urgentes do seu estabelecimento.
Ora, impõe-se que esta dignidade seja um facto para que sejam também um facto real as infra-estruturas das nossas organizações técnico-industriais, científicas, político-económicas e financeiras.
Medite-se na certeza de que escolas, institutos e Faculdades sem um escol vasto e autêntico de mestres não servirão, como é mister e todos desejamos, os altos desígnios do bem e progresso nacionais.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Página 1521

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1521

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: a discussão da Lei de Meios para 1963 realiza-se numa época particularmente importante para a vida da Nação.
Esta circunstância exige de nós redobrada fidelidade à verdade portuguesa e lealdade aos métodos que fundamentam a sua permanência ou o seu êxito.
Penso que tal necessidade está em desacordo com a indolência dos que se comprazem num modo de vida maneirinho e superficial ou ainda num certo maltusianismo de espírito e de acção que, quando não é produto de grupos de inconfessados e bem nocivos interesses, radica em ambientes onde tantas vezes vegetam as inteligências.
No decorrer desta intervenção abordarei pontos conexio-nados com as seguintes questões:

Os índices de gravidade da situação actual e alguns factores positivos para a vida portuguesa;
O relatório e a proposta da Lei de Meios e problemas essenciais que sugerem - actividade legislativa dos últimos tempos e escalonamentos nas primazias de acção;
Sínteses de alguns problemas económico-sociais, com particular atenção para a agricultura, a indústria, o desenvolvimento regional e a educação.

A guerra que nos foi imposta por causa do nosso património ultramarino e da fidelidade que procuramos manter aos valores da civilização ocidental constitui fulcro das nossas preocupações. Ainda há dias, no seu notável discurso, o Sr. Presidente do Conselho sintetizava os objectivos da acção concertada do Governo: «esclarecer a opinião do Mundo, avançar no caminho da consciência política e da organização administrativa dos territórios de além-mar, converter à vida pacífica as populações desvairadas pelo medo e sacrificadas ao ódio dos terroristas».
Creio que a incompreensão, o despeito ou os inconfessados interesses de círculos ocidentais, a animosidade dos afro-asiáticos ou, até, a persistência da ameaça comunista continuarão a fazer-se sentir nos tempos futuros. Ainda a este condicionalismo podemos responder com as palavras do Sr. Presidente do Conselho:

É nossa convicção que estamos a defender a Europa nos últimos redutos em que ainda pode ser defendida. Se esta tese não é unanimemente acolhida porque se entreveja como possível a defesa ocidental nos pequenos espaços europeus ou por força de espúrias combinações diplomáticas, um aspecto há que muito particularmente nos respeita e em que não pode ser-nos negada competência nem legitimidade de juízo - é que estamos ali a defender Portugal.

A guerra de África, para lá do sangue dos soldados, das lágrimas das famílias ou dos reajustamentos e sacrifícios na política económico-financeira, desenvolverá ainda, na ordem interna, efeitos sociológicos que convém encaminhar ou mesmo valorizar.
Exemplifico: tive, ainda não há muito tempo, oportunidade de, em terras portuguesas de África, conviver com rapazes que aí defendem Portugal. A nobreza da missão, a largueza dos espaços africanos, as potencialidades da terra que clama por quem se disponha a desentranhar riquezas, deram a esses moços um sentido heróico, um amor ao esforço denodado, todo cheio de dedicação e coragem, que bem os distancia desses pobres falhados que por aí andam lançados na embriaguez do tédio, no exibicionismo das velocidades ou na agitação de coisas mínimas. Mais: quando um dia esses rapazes voltarem, orgulhosos na plenitude das suas personalidades e forças, robustecidos numa profundidade de riquezas e destinos, hão-de entrar em conflito com o nosso meio naquilo que ele possa ter de posições conquistadas no favoritismo, de riquezas acumuladas na protecção ilegítima, de mediocridade acalentada no conformismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A África Portuguesa determinou-lhes a maneira de pensar, o modo de sentir e o carácter das decisões. Na hora do regresso compreenderão melhor o drama de Mouzinho e dos seus companheiros, se porventura não nos preocuparmos nós em corrigir o que na metrópole está mal, em valorizar o que já hoje poderemos lançar a crédito.
Mas ainda aqui, na metrópole, factores de natureza variada poderão afectar a retaguarda do esforço em marcha.
Do português traçou um dia o Sr. Presidente do Conselho esta luminosa síntese, bem digna de uma antologia:

Aquelas qualidades que se revelaram e se fixaram e fazem de nós o que somos e não outros; aquela doçura de sentimentos, aquela modéstia, aquele espírito de humanidade, tão raro hoje no Mundo; aquela parte de espiritualidade que, mau grado tudo o que a combate, inspira a vida portuguesa; o ânimo sofredor; a valentia sem alardes; a facilidade de adaptação e ao mesmo tempo a capacidade de imprimir no meio exterior os traços do modo de ser próprio; o apreço dos valores morais; a fé no direito, na justiça, na igualdade dos homens e dos povos; tudo isto, que não é material nem lucrativo, constitui traços de carácter nacional.

Mas este cabedal positivo poderá ser hoje afectado não só pelas alterações que conheceu o Mundo, como ainda em resultado da evolução profunda que se processa no meio português. Já em intervenção de 17 de Maio findo chamei as atenções para tamanhos riscos, facto que me dispensa agora de maiores desenvolvimentos quanto a este ponto.
Os que procuram no actual condicionalismo motivos de alento para o sucesso da acção política poderão ainda contabilizar outros elementos positivos.
Primeiro que tudo, a unidade à volta dos interesses essenciais da Nação. Mas esta unidade exige lucidez e justiça. A Nação não estará disposta a desculpar, ainda que os interessados invoquem o falso pretexto de unidade, as lutas estéreis em que se comprazem os medíocres e os ambiciosos nem os interesses ilegítimos da plutocracia.
Não obstante as naturais imperfeições, que afinal dão cunho de autenticidade a toda a obra humana, dispomos de um Governo forte e sério.
Estará, além do mais, em condições de encarar, de forma resoluta e definitiva a obra educacional que .os nossos tempos exigem e de corresponder aos desejos de melhoria social, que constituem forte anseio de milhões de portugueses.
Os resultados favoráveis obtidos em alguns sectores, sobretudo se atendermos a que muitas vezes o foram sem esforços ou sacrifícios extraordinários, mas apenas contrariando rotinas ou interesses pouco defensáveis, a estabilidade monetária e as possibilidades de crédito externo são ainda, e finalmente, elementos de estímulo.
Sr. Presidente: a Nação reconhece a importância das medidas legislativas tomadas nos últimos tempos. Pode dizer-se que assistimos mesmo a uma autêntica viragem em determinados sectores. De resto, o relatório da proposta da Lei de Meios dá nota minuciosa de alguns desses aspectos.
Esta Câmara, por certo, congratula-se com o facto, ao mesmo tempo que vê em certos diplomas o resultado do seu labor.

Página 1522

1522 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

Sem pretender minimizar a actuação de outros departamentos governativos, desejaria lembrar o que se passou com a agricultura, a reforma fiscal, cãs vastas e ousadas reformas empreendidas pelo Ministério do Ultramar» e a unificação económica portuguesa.
Com as leis sobre o arrendamento rural e sobre o emparcelamento da propriedade rústica (cf. também o Decreto n.º 44 647, de 26 de Outubro de 1962) e o Decreto
-Lei n.º 44 720, sobre o novo regime jurídico da colonização interna, ficou o Governo a dispor de instrumentos para atacar o grave problema das nossas deficientes estruturas agrárias. Creio que isto não será suficiente para assegurar o sucesso da agricultura portuguesa, mas penso que tais elementos são essenciais. Assim, constituiria grave prejuízo para o progresso de Portugal deixar cair tais diplomas no esquecimento ou ser menos zeloso na execução dos seus princípios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ao Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, publicado em Novembro de 1958, seguiu-se, no corrente ano, o Código do Imposto Profissional e o Código do Imposto de Capitais. Anuncia-se agora o Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola e o Código da Contribuição Industrial. Seguidamente teremos o Código do Imposto Complementar, a tributação das mais-valias e a adaptação dos regimes tributários especiais.
Esta Câmara é ainda solicitada a autorizar, para 1963, a continuação de medidas fiscais de emergência, designadamente o imposto extraordinário de valorização e defesa do ultramar, propondo-se também o Governo substituir o actual imposto sobre os consumos supérfluos ou de luxo por um imposto sobre o valor das transacções.
Dominam, assim, a actividade financeira do Estado os propósitos da reforma fiscal e a defesa e valorização do ultramar.
Já no parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta da Lei de Meios para 1959 se esquematizavam nestes termos as directrizes genéricas da reforma fiscal:
a) Princípios de ordem económico-financeira:

Preferência pelo rendimento real como base de tributação;
Conveniente reajustamento de taxas;
Alargamento e actualização das isenções do mínimo de existência;
Incentivos aos investimentos dignos e carecentes de estímulo.

b) Princípios de ordem jurídico-fiscal:

Aperfeiçoamento da redacção e sistematização dos textos;
Melhor harmonização da técnica fiscal com os princípios de direito privado;
Agravamento das sanções contra a evasão e a fraude fiscais;
Reforço das garantias jurídicas do contribuinte.

O cuidado posto pelas respectivas comissões nos estudos da reforma é digno de menção.
Embora incidentalmente, desejaria exprimir dois votos: que o Código da Contribuição Predial e do Imposto sobre a Indústria Agrícola não constitua maior gravame para a nossa tão debilitada agricultura; que o Governo se capacite da urgência que há em rever o sistema das finanças municipais.
De facto, quanto a este último problema, e como já salientei nesta tribuna, a reforma fiscal do Estado repercute-se na estrutura do sistema tributário municipal e projecta-se no volume das receitas arrecadadas pelos municípios.
Ora o primeiro aspecto permite-nos desejar que tal repercussão se faça à sombra de uma simplificação nos processos de lançamento e cobrança dos impostos municipais. Por seu turno, o segundo fundamenta a esperança de que as câmaras também comparticipem no aumento natural das receitas, aumento que resulta da reforma, quer por a tributação se aproximar mais dos rendimentos reais, quer ainda em consequência de uma determinação mais perfeita dos rendimentos normais.
Os corpos administrativos não têm beneficiado até agora de adicionais sobre o imposto complementar, o imposto de sisa, o imposto sobre as sucessões e doações e modalidades do imposto profissional. Verificando-se maiores cobranças nestes impostos em resultado da reforma fiscal, os municípios, a manter-se o actual regime do Código Administrativo, nada aproveitarão; antes pelo contrário. De facto acresce que a reforma fiscal consagra isenções mínimas em impostos onde se cobram adicionais. Ora nos concelhos rurais são inúmeros os contribuintes modestos. Estes, passando a gozar, como de resto é justo, das isenções, contribuirão para que se reduza o montante dos adicionais arrecadados para as câmaras.
No que respeita ao ultramar português, e reportando-me apenas aos anos de 1961 e 1962, julgo oportuno lembrar aqui algumas das principais medidas tomadas:

Criação nas províncias ultramarinas de serviços de inspecção de trabalho (Decreto n.º 43 637, de 2 de Maio de 1961);
Disposições relativas ao fomento, cultura e comércio de algodão (Decreto n.º 43 639, de 2 de Maio de 1961);
Alterações na Reforma Administrativa Ultramarina, contendo providências sobre o funcionamento normal das instituições municipais, pondo em vigor o princípio electivo na constituição dos corpos administrativos (Decreto n.º 43 730, de 12 de Junho de 1961);
Extinção das juntas de exportação u criação e localização no ultramar dos organismos de coordenação económica (Decretos n.ºs 43 874 a 43 877, de 24 de Agosto de 1961);
Revogação do Estatuto dos Indígenas da Guiné, Angola e Moçambique (Decreto n.º 43 889, de 1 de Setembro de 1961);
Novo Regulamento de Ocupação e Concessão de Terrenos no Ultramar (Decreto n.º 43 894);
Instituição das juntas provinciais de povoamento (Decreto n.º 43 895, de 6 de Setembro de 1961);
Organização das regedorias (Decreto n.º 43 896, de 6 de Setembro de 1961);
Reconhecimento dos usos e costumes locais (Decreto n.º 43 897, de 6 de Setembro de 1961);
Regulamento dos Julgados Municipais e de Paz (Decreto n.º 48 898, de 6 de Setembro de 1961);
Reorganização dos serviços dos registos (Decreto n.º 43 899, de 6 de Setembro de 1961);
Criação de institutos do trabalho, previdência e acção social (Decreto n.º 44 111, de 21 de Dezembro de 1961);
Reorganização dos serviços geográficos, cadastrais e de agrimensura (Decreto n.º 44 239, de 16 de Março de 1962);

Página 1523

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1523

Criação de escolas do magistério primário (Decreto n.º 44 240, de 17 de Março de 1962);
Reorganização dos serviços de administração civil (Decreto n.º 44 241, de 19 de Março de 1962);
Código do Trabalho Rural e revogação do Código do Trabalho Indígena (Decreto n.º 44 309, de 27 de Abril de 1962);
Estruturação dos tribunais do trabalho, respectiva competência e processo aplicável (Decreto n.º 44 310, de 27 de Abril de 1962);
Criação nas províncias de Angola e Moçambique dos estudos gerais universitários (Decreto-Lei n.º 44 530, de 21 de Agosto de 1962);
Aprovação do regulamento florestal aplicável às províncias de Angola, Moçambique e Guiné (Decreto n.º 44533, de 21 de Agosto de 1962).

Pode dizer-se que este labor culminará com a projectada revisão da Lei Orgânica do Ultramar Português. Os portugueses acompanharam, através dos relatos extensos da imprensa, os trabalhos do Conselho Ultramarino e tomaram conhecimento do acórdão final da referida reunião extraordinária.
Estou convencido de que a valorização económico-social é a chave do maior êxito da política ultramarina portuguesa. Daí que tenha advogado, mesmo nesta Assembleia, a intensificação da política de desenvolvimento. Daí ainda que nesta súmula de actividades governativas passe a referir-me à unificação económica portuguesa.
O Decreto-Lei n.º 44 016, na linha do artigo 158.º da Constituição Política e das bases LXXI e LXXIII da Lei Orgânica do Ultramar Português, iniciou o movimento da integração económica nacional.
As disposições genéricas sobre a origem de mercadorias, os direitos aduaneiros, as restrições quantitativas, as disparidades nos sistemas legais e administrativos, os transportes, as práticas económicas restritivas, os produtos agro-pecuários e o regime dos pagamentos constituíram base para um amplo labor legislativo que o parecer da Câmara Corporativa sumaria.
Foi ainda a «intercorrelação dos processos da integração e do desenvolvimento económico» que conduziu à necessidade de regular a acção do Estado «em alguns dos sectores que mais importam ao desenvolvimento da economia, com especial incidência no tocante a aceleração do ritmo de crescimento das regiões menos desenvolvidas». Daí o recente Decreto-Lei n.º 44 652, com o seu vasto programa substantivo e processual.
Esperemos que a Assembleia Nacional dê o seu contributo a esse programa, nomeadamente em matérias de que tradicionalmente se tem ocupado [condicionamento industrial (Leis n.ºs 1956 e 2052), fomento e reorganização industrial (Lei n.º 2005) e regime bancário do ultramar (Lei n.º 2061)].
Sr. Presidente: a Lei de Meios para 1963, mais do que uma simples lei de autorização das receitas e despesas, é um programa de governo. Dá-se prioridade à defesa nacional, acentua-se a continuidade da política de fomento, anunciam-se providências em benefício da educação e cultura, do funcionalismo e da saúde pública e assistência.
Ainda dentro da política de fomento, ordenam-se primazias. Primeiro os investimentos do Plano de Fomento, depois outras despesas extraordinárias incluídas em planos parcelares.
Renovo aqui o voto para que não esmoreça a política do bem-estar rural.

O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!

O Orador: - Pode o Governo esquecer que de uma extensão prevista de 28 000 km de estradas e caminhos apenas cerca de metade se encontram construídos? Mais de 8000 povoações de população superior a 50 habitantes careciam ainda há poucos anos de convenientes vias de acesso.
Relativamente às povoações com mais de 1000 habitantes, eram cerca de 4000 as que não se encontravam bem servidas por estradas ou caminhos.
No que respeita ao abastecimento de água, os números relativos a 31 de Dezembro de 1956 revelaram aguardarem um abastecimento satisfatório cerca de 14 000 povoações com menos de 100 habitantes e 10 000 povoações com mais de 100 habitantes, tudo correspondendo a 3 000 000 de almas.
Quanto à electrificação, a fazer fé em afirmações aqui proferidas em Fevereiro passado, eram 1730 as sedes, de freguesia que no conjunto das 3778 não dispunham de electricidade. E isto sem contar as outras povoações que, embora não sejam sedes de freguesia, albergam centenas de milhares de portugueses.
Salientam o relatório da proposta de lei e o parecer da Câmara Corporativa a redução agora verificada no auxílio financeiro à política de bem-estar rural. Estou com aqueles que pensam dever o Governo providenciar para que tal auxílio se intensifique, ao menos ao ritmo dos melhores anos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: é do conhecimento geral a elevada taxa de crescimento fisiológico da população da metrópole. Embora a taxa de nupcialidade não seja das melhores e, conjugada com a alta ilegitimidade, revele certa desordem económica e moral, não obstante os valores pouco favoráveis da mortalidade infantil, o certo é que a população portuguesa cresce. Os índices de analfabetismo e de baixa escolaridade obrigatória revelam que ela não é das mais bem instruídas e o número médio de calorias por habitante (com modesta posição para as calorias de origem animal) que ela não é das mais bem alimentadas.
Os desarranjos internos de uma má distribuição regional de pessoas e actividades, de uma agricultura enfraquecida no domínio das estruturas e da produtividade, de uma indústria incipiente ou antiquada, explicam ainda uma débil capacidade económica, agravada de resto com a flagrante desigualdade na repartição dos rendimentos.
O português emigra. Emigra à razão de mais de 30 000 por ano, e, infelizmente, como já referi nesta tribuna, nem sequer se dirige de preferência para o ultramar. De quatro portugueses que saem, três destinam-se ao estrangeiro.
Tem o Governo manifestado empenho em acelerar o desenvolvimento económico do País. E o índice de crescimento em 1961 revelou-se, no seu conjunto, francamente animador. Mas este resultado, tal como os dos anos anteriores, foi sustentado pela indústria.
Em 1961 as actividades primárias tiveram uma variação positiva no produto interno bruto inferior a 3,5. E 1961, Sr. Presidente, foi um ano bom, relativamente aos que o antecederam.
De facto, em 1960, a produção agrícola conhecia a terceira queda anual em valor absoluto. Por outro lado, uma alta nos salários - sem compensação na produtividade da mão-de-obra - e um crescimento no preço dos pro-

Página 1524

1524 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

dutos da exploração agrícola agravaram a situação do lavrador.
O parecer da Câmara Corporativa, depois de salientar a importância dos diplomas relativos à reforma agrária e dos recentes planos de fomento frutícula e pecuário, refere a execução do plano de rega do Alentejo e a necessidade de outras providências, nomeadamente a melhoria das condições de comercialização dos produtos agrícolas e o crédito agrário a médio e a longo prazo.
A política de rega conta entre nós algumas realizações, embora no plano da exploração haja bastante que acertar.
Os estudos efectuados permitem, por outro lado, admitir que as obras de rega a realizar pelo Estado abranjam cerca de 320 000 ha (incluindo os 161 700 ha do plano do Alentejo, e mesmo sem contar com os 11000 ha de pequenos regadios).
Se avaliarmos em 400 000 ha a superfície actualmente regada, teremos que a percentagem de regadio, relativamente à área do País, atingirá, quando estiverem realizadas todas as obras a efectuar pelo Estado, cerca de 8 por cento.
E assim reduzida a terra irrigada em Portugal.
Mais reduzidos, porém, são os seus rendimentos. «Todo o esforço no sentido de diversificar e valorizar a produção das terras irrigadas - escrevia-se há tempo (cf. Dr. Xavier Pintado, A Agricultura Portuguesa em face da Necessidade de uma Reconversão Cultural) - deverá ser acompanhado de uma melhoria dos métodos e técnicas de cultura, nomeadamente de uma aplicação mais judiciosa de fertilizantes, tanto orgânicos como inorgânicos, e do uso sistemático de sementes seleccionadas. Anàlogamente, os métodos de criação de gado necessitam de ser aperfeiçoados mediante uma acção sistemática de selecção de raças e variedades mais produtivas; e a conservação dos efectivos pecuários em bom estado alimentar e de saúde mostra-se fundamental. Maior capacidade de silagem, técnicas racionais de criação de gado e um planeamento de rotação cultural adoptada às necessidades da alimentação animal tornam-se por isso necessários».
A produtividade do investimento agrícola não tem sido das mais animadoras em Portugal. A fazer fé em números publicados (cf. Xavier Pintado, trabalho citado), a relação capital-produto na agricultura foi, no período de 1950-1958, de 6,4, quando atingiu 4 no Sul da Itália (1950-1958, de 6,4, quando atingiu 4 no Sul da Itália (1950-(1948-1959), 1,1 na Turquia (1948-1956) e 0,5 na Grécia (1950-1957).
Esta situação parece-me preocupante e recomenda uma revisão na composição do investimento agrícola. A Grécia, graças à utilização de sementes seleccionadas, ao emprego apropriado de adubos, à melhor mobilização do solo e à cultura intensiva, praticada numa rotação adequada e com uma redução das áreas em pousio, conheceu sucessos dignos de atenção por parte dos países da Europa Meridional.
Perante a reduzida extensão da área irrigada, creio que o nosso esforço se deveria também concentrar na valorização florestal e na melhoria das técnicas da cultura de sequeiro.
«Estimativas levadas a efeito pelos peritos da F. A. O. para a região mediterrânica com base na hipótese de uma produção de madeira extremamente módica (1,5 m3 de madeira por hectare e por ano) e um preço de venda também moderado (cerca de 290$ por metro cúbico) dão para a relação capital-produto o valor de 3:1, o que corresponde a uma produtividade do capital superior ao dobro daquela que temos conseguido em média nos últimos anos da nossa agricultura».
É certo que a superfície florestal do continente se calcula em 2 950 000 ha, o que dá uma taxa de arborização de 33 por cento. É ainda verdade que 93 por cento desta área constitui propriedades dos particulares. Assim, Portugal ocupa o oitavo lugar na Europa em taxa de arborização e o primeiro no que respeita à percentagem de superfície florestal pertença dos particulares.
Porém, «se soubermos generalizar os elementos já colhidos e cuidadosamente estudados em relação às superfícies que foram objecto de um reconhecimento quase exaustivo do ponto de vista das condições do solo, do clima e do relevo, sem contar com os factores humanos, à restante superfície do País, podemos afirmar que pelo menos 2/3 do território nacional deverão fatalmente vir a cobrir-se de floresta. O ordenamento agrário, pressuposto este objectivo, obriga ainda ao reflorestamento pelo menos de 250 000 ha de baldios públicos ao norte do Tejo e quase 3 750 000 ha de terrenos particulares em toda a superfície do território, especialmente no Nordeste transmontano, nas Beiras, no Alentejo e nas serras do Algarve» (cf. Egberto Pedro, A Arborização dos Terrenos Particulares no II Plano de Fomento).
Todos reconhecem a meritória actividade dos serviços florestais. Creio, porém, que a melhor homenagem que se lhes pode prestar é insistir para que a obra de repovoamento se acelere.
Infelizmente verifica-se no mapa n.º 10 anexo à proposta da Lei de Meios que do montante de 112 000 contos previsto para repovoamento florestal no II Plano de Fomento, em 1962 apenas se tinham despendido, no 1.º semestre, cerca de 28 000 contos, embora a verba financiada tivesse sido de 46 000 contos.
Penso, por outro lado, que o Estado deveria empreender uma grande campanha, de forma a que os particulares intensificassem a arborização. Mais do que a execução da Lei n.º 2069, mais do que a instituição de empréstimos especiais, conviria criar no público a consciência do valor e oportunidade do repovoamento florestal.
A valorização das técnicas de cultura de sequeiro deverá ter em conta o melhoramento de plantas e sementes seleccionadas, uma mais perfeita mobilização do solo e mecanização da agricultura, um ajustado emprego de adubos químicos, pesticidas e herbicidas e uma redução das áreas do pousio (cf. a publicação da F. A. O., Projet de Développement Mediterranéen e o trabalho citado do Dr. Xavier Pintado). Põem-se assim graves problemas não só à lavoura nacional, como muito especialmente aos serviços agrícolas oficiais.
Hoje reconhece-se a vantagem na concentração de recursos e no estabelecimento de projectos-pilotos. Parece-me que a iniciativa destes projectos deveria pertencer ao Estado. De outro modo condenamos os lavradores mais progressivos a também empobrecerem alegremente.
Talvez não seja errado afirmar que até no facto de dispor, mais oportunamente, de ordenamentos legislativos a indústria foi melhor atendida do que a agricultura. Simplesmente, dos três diplomas fundamentais - electrificação, fomento e reorganização industrial e condicionamento industrial - só o primeiro terá conhecido sucesso mais evidente. A reorganização das indústrias, pulverizadas e antiquadas, continua por fazer e o condicionamento aliou-se, por vezes, ao regime dos exclusivos e à protecção pautai, para justificar rotinas e abusos.
A excessiva localização, agravada no Porto com a quase exclusiva preponderância das conservas e dos algodões, a percentagem de maquinismos antiquados, a pulverização em pequenas unidades, são ainda notas da nossa debilidade industrial.

Página 1525

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1525

Por outro lado, a baixa produtividade dos operários, a carência nos métodos eficazes de administração e a menor atenção às relações interindustriais (cf. Dr. João Cruzeiro, A Análise Interindustrial e a Política Económica) são obstáculos a vencer com afinco.
De qualquer modo, os índices dos últimos anos são, ainda assim, os mais animadores na panorâmica do crescimento económico português.
Penso que haveria toda a vantagem em recorrer à colaboração e aos capitais estrangeiros na industrialização, ao mesmo tempo que se deveria atender a uma conveniente repartição geográfica das indústrias.

O Sr. Veiga de Macedo: - Muito bem!

O Orador: - Assinalou o parecer da Câmara Corporativa que os países industrializados da Europa se aproximam de um «limite crítico» do processo de desenvolvimento, fundado na escassez de mão-de-obra. Ora não nos poderemos nós aproveitar de tal situação, constituindo o País atractivo para instalação de indústrias apoiadas em capitais estrangeiros?

O Sr. Gonçalves Rapazote: - Mas o que está precisamente a acontecer é a mão-de-obra sair para o estrangeiro. Na minha região verifica-se uma forte emigração para França, e as autoridades têm grande dificuldade em obstar a que essa saída se processe por todos os meios.
Quer dizer: estou a concordar com V. Ex.ª quanto à necessidade urgente da industrialização e à sua conveniente distribuição geográfica.

O Orador: - E o pior é que há organismos, em Lisboa, por exemplo, que combatem outros organismos da mesma cidade.

O Sr. Gonçalves Rapazote: - O que é preciso é não perder tempo e criar, e o mais rapidamente possível, as condições necessárias para evitar a fuga da mão-de-obra. E a demora na adopção de tais medidas que eu lamento.

O Orador: - É evidente. E embora isto não seja um muro de lamentações...

O Sr. Gonçalves Rapazote: - Por vezes tem de ser muro de lamentações.

O Orador: -... vou precisamente tratar do.desenvolvimento regional.
Quanto à repartição geográfica das indústrias, penso que a mesma se harmoniza com os projectos de desenvolvimento regional. Enumero, como possíveis esquemas de base, o Douro, o Mondego, o Tejo e o plano do Alentejo.
As possibilidades do Douro residem fundamentalmente na sua aptidão para produzir energia hidroeléctrica.
Eis um quadro dos principais elementos energéticos relativos aos aproveitamentos previstos na bacia hidrográfica do Douro, mesmo sem considerar o Távora (cf. a publicação Rio Douro e Afluentes, da Hidroeléctrica do Douro):

[ver tabela na imagem]

Mas o aproveitamento do Douro traduzir-se-á noutras realidades, como a rega (cerca de 11 000 ha), a navegação (o que apoiará, além do mais, a exploração do jazigo de ferro de Moncorvo, num ritmo adequado às suas reservas, e beneficiará as minas de carvão do Pejão, as minas e instalação siderúrgica de Vila Cova e o tráfego do vinho do Porto) e a pesca.
Quanto ao Mondego, como espero demonstrar noutra oportunidade, são largas as possibilidades de um esquema de aproveitamento conjunto. Segundo estudos realizados, o Mondego poderá produzir 650 000 000 kWh, garantidos em 100 por cento dos anos sem necessidade de apoio exterior. O sistema explorado com a central de Asse Dasse, dando apoio interanual à R. E. N., pode garantir um acréscimo de energia marginal da ordem dos 1100 000 000 kWh. O aproveitamento do Mondego possibilitará ainda um domínio dos caudais sólidos, a regularização das cheias, a possibilidade de rega dos campos da Cova da Beira (5000 ha a 6000 ha), de Celorico (1000 ha), de Coimbra (15 000 ha) e de Cantanhede ao Vouga (35 000 ha), o abastecimento de água a dezenas de concelhos, a industrialização, a valorização do porto da Figueira da Foz e a navegação fluvial.
O nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia, em apêndice aos pareceres sobre as Contas Públicas, também tem defendido o aproveitamento das potencialidades do rio Tejo.
O Tejo poderá produzir energia, possibilitar a rega do Ribatejo (e do Alentejo) e permitir a navegação até ao interior da Espanha. De uma recente publicação da Hidroeléctrica Alto Alentejo extraí os seguintes números sobre as possibilidades do chamado sistema Tejo-Ocresa:
[ver tabela na imagem]

Página 1526

1526 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

O Sr. Pinto Mesquita: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Pinto Mesquita: - V. Ex.ª quando fala dos rios abrange as bacias hidrográficas?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. Reis Faria: - V. Ex.ª não se referiu a isso, mas creio que o rio Lima também tem possibilidades.

O Orador: - Creio que esta Assembleia ficará muito satisfeita quando V. Ex.ª vier aqui defender o aproveitamento do Lima.
O sistema Tejo-Ocresa, segundo essa publicação, constituirá um dos mais importantes sistemas hidroeléctricos nacionais, não só pela sua produção, cerca de 1 500 000 000 kWh, em ano médio, mas principalmente pela elevada compensação interanual que assegurará à rede eléctrica portuguesa.
Quanto ao plano do Alentejo, ainda há dias o País foi detalhadamente informado dos seus pormenores. Trata-se da rega de 6 por cento da superfície do Alentejo e de todo um conjunto de melhorias complementares que resultarão do ordenamento hidráulico e ainda se corporizarão no abastecimento de água a aglomerados populacionais, na melhoria das condições de electrificação, na abertura de novas vias de comunicação e, sobretudo, na criação de novas indústrias. Existe ainda aqui toda uma gama de possibilidades de industrialização ligadas à produção agrícola, pecuária e florestal.
Sr. Presidente: a nossa carência de técnicos em todos os níveis constitui motivo de fortes apreensões. (Cf. Le Problème du Personnel Scientifique et Technique en Europe Occidentale, aux Etats-Unis e au Canada, O. E. C. E., 1957). O seguinte quadro é elucidativo quanto aos agrónomos, silvicultores e veterinários diplomados em 1955 por vários países do Ocidente:

[ver quadro na imagem]

(a) Incluídos nos agrónomos.

Esta carência tem-se reflectido gravemente no próprio ultramar. Quando em 1957 foi publicada a reforma dos serviços de agricultura e florestais e de veterinária, os quadros ficaram a dispor de 143 agrónomos e 109 veterinários, num total de 252 lugares. Ora, em Dezembro de 1960 existiam 130 lugares vagos, dos quais 86 de agrónomos e 44 de veterinários.
Como também já aqui salientei, o número de finalistas dos cursos de agronomia e veterinária diminuiu mesmo nos últimos anos (cf. o Diário das Sessões relativo a 17 de Março findo).
Mas resultará esta situação da limitada capacidade das escolas?
A um estudo do engenheiro Lains e Silva, da Missão de Estudos Agronómicos, vou buscar alguns números que permitem responder à questão.
Reportamo-nos ao período que vai de 1957 a 1961. Estabelecemos comparações entre o Instituto Superior de Agronomia e o Instituto Superior Técnico e a Escola Superior de Medicina Veterinária e a Faculdade de Medicina de Lisboa.
O seguinte quadro dá nota das médias do pessoal docente e dos alunos:

[ver quadro na imagem]

Estes elementos permitem-nos estabelecer a seguinte razão entre o número de alunos inscritos e diplomados por professor:

[ver tabela na imagem]

O Sr. Nunes de Oliveira: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz obséquio.

O Sr. Nunes de Oliveira: - Há uma Faculdade com 11 professores e aproximadamente 270 alunos, saindo diplomados, em média, à volta de 50 por ano, o que dá 24 ou 25 alunos para cada professor.

O Orador: - Agora estou apenas a ocupar-me da veterinária e da agronomia.
Nestas condições, quanto custou cada diplomado ao Instituto Superior de Agronomia e à Escola Superior de Medicina Veterinária?

Página 1527

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1527

Eis a resposta (em contos):

[ver tabela na imagem]

Neste entretempo o custo médio de um engenheiro (Instituto Superior Técnico) foi de 56 contos e o de um médico (Faculdade de Medicina de Lisboa) 156 contos.
Tudo isto, Sr. Presidente, vem para demonstrar a minha convicção de que a aceleração na formação de pessoal docente universitário, embora expediente louvável, não será solução, mesmo provisória, para o grave problema da carência de técnicos em alguns sectores.

O Sr. Pinto Carneiro: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Pinto Carneiro: - Tenho seguido com toda a atenção a exposição de V. Ex.ª, que reputo douta, bem documentada e muito brilhante. Mas V. Ex.ª, depois de expor esses números altamente elucidativos, referiu algumas Faculdades ou escolas que no seu pensamento não estão devidamente localizadas. Poderia indicar à Câmara quais são essas Faculdades que entende não estarem bem localizadas e qual a localização que julga óptimas para elas?

O Orador: - Começo por agradecer as amáveis palavras de V. Ex.ª, que, pelo facto de sermos Deputados pelo mesmo círculo, levo à conta da habitual camaradagem.
Quanto pròpriamente ao fundo da questão, como V. Ex.ª reparou, tenho-me vindo a referir a Agronomia e a Veterinária. São essas as que, em meu entender, não teriam uma localização excelente. Aliás, não digo nada de novo, porque já em Março do ano passado defendi a criação de uma Faculdade de Agronomia em Coimbra.
Quanto à Veterinária, o contingente de cães de luxo existentes em Lisboa é bastante grande, mas a riqueza pecuária nacional não se localiza apenas nesta bonita cidade de mármore e de granito. (Risos).
Mais importante será reestruturar em toda a amplitude e com urgência as escolas, atender a uma localização que em alguns estabelecimentos talvez não seja hoje a mais conveniente, dignificar os respectivos cursos, assegurando inclusivamente aos diplomados uma remuneração compatível com a importância e utilidade das suas funções.
Já, de resto, afirmei nesta tribuna ser dos que acreditam que o grande problema nacional é a instrução e a educação. As nossas fraquezas seculares, numa certa incapacidade para em determinados períodos históricos acompanharmos os povos da vanguarda, tudo radica fundamentalmente no sector educativo.
Daí que aplauda incondicionalmente a sugestão da Câmara Corporativa quanto à necessidade de um programa nacional de educação.
O meu último voto nesta intervenção é para que o Governo saiba realizar tal programa com a extensão, a profundidade e a urgência necessárias.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Armando Perdigão: -Sr. Presidente: à proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1963 faço as seguintes considerações:
Em primeiro lugar, devo sublinhar a exiguidade do tempo posto à disposição das Comissões de Economia e de Finanças para se ocuparem da análise do parecer da Câmara Corporativa. Note-se que não pretendo desconhecer as limitações em tempo disponível que imperam sobre a Câmara Corporativa para o efeito de se preocupar com o estudo da Lei de Meios, e também não desejo ignorar ou menosprezar o esforço que é exigido ao Ministério das Finanças nem as circunstâncias em que é forçado a trabalhar. Entendo mesmo que devo curvar-me respeitosamente perante tais desmesurados esforços, mas é mister reconhecer-se que, tendo chegado às Comissões apenas e só no dia 6 de Dezembro aquele parecer, pouco tempo lhes restou para uma minuciosa análise de tão importante e distinto documento.
Reportando-me propriamente à proposta de lei governamental, ou, melhor, ao relatório que a precede, não é difícil concluir que houve o notável cuidado em ali se exporem os acontecimentos económicos e financeiros mais destacados, em termos de perfeita acessibilidade à compreensão comum, até à dos que não têm formação técnica da especialidade, que é o meu caso. Julgo perfeitamente justo destacar este facto.
Dos elementos informativos apresentados - mapa III - deduz-se que as nossas reservas oficiais de ouro e de divisas tiveram um interessantíssimo aumento no período que decorreu entre Dezembro de 1961 e Junho de 1962, da ordem dos 46 milhões de dólares.
Há no relatório um ponto que julgo merecer meia dúzia de palavras quando se ocupa da conjuntura económica referente à metrópole.
Ali se refere que se espera um acréscimo da produção oriunda da pecuária, baseando-se a citada previsão no facto de terem sido abatidas 73 254 000 t de carne nos primeiros oito meses do corrente ano, correspondendo tal quantidade a um aumento computado em 16 por cento, comparativamente com igual período de 1961.
Não posso deixar de discordar com o sentido desta dedução, pois tomo-a antes com significado inverso, ou seja, que o denunciado aumento significa, sim, que os agricultores estão extemporaneamente vendendo os seus animais por força da descapitalização em que se encontram.
Na verdade, o número preocupante de falências entre os empresários agrícolas verificadas, aliado à excepcional oferta de terra tanto para arrendamento como para venda, e a baixos preços - ao invés do que antes se observava - constituem, quanto a mim, insofismáveis factores que se devem relacionar estreitamente com aquele substancial aumento de reses em abate, não sendo difícil prever, portanto, um decréscimo proporcional e não muito longínquo da produção animal, quebra esta que não será apenas em matéria de carne, mas naturalmente também nos produtos correlativos.
É, pois, legítimo chamar a atenção do Governo para a situação periclitante em que se encontra a nossa pecuária e com ela a nossa agricultura, em vias de se desfazer forçadamente daqueles preciosos bens que são fonte de ren-

Página 1528

1528 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

dimento, os semoventes afectos à procriação, denunciando-se um mascarado sintoma de saúde que antes o é de enfermidade.
Portanto, todas as medidas atinentes ao fomento do armentio que possam vir a ser postas em prática num futuro próximo serão louvadas e bom seria que nos seus pormenores fossem convenientemente executadas, pois não bastará delineá-las nas suas linhas gerais. Entre nós, infelizmente, não é raro acontecer tal desagradável facto: uma disposição não provocar na prática os benéficos efeitos previstos, por manifesta deficiente aplicação nos seus pormenores, o que mais interessa muitas vezes.
O exemplo da campanha para o fomento das forragens é disto cabal testemunho, já que se tem falhado, em dois anos sucessivos, no capítulo da época de entrega das indispensáveis sementes à lavoura, cuja distribuição, por de mais tardia, tem conduzido, como era de esperar, a sementeiras serôdias, estas a produções fracas e, òbviamente, cai-se no desencorajamento dos agricultores, especialmente daqueles mais progressivos, os dispostos a recorrerem a prados artificiais ou simplesmente à desejável multiplicação de sementes de forrageiras.
Refere o relatório que as imperiosas importações de milho e de arroz verificadas no corrente ano foram efectuadas unicamente a partir das províncias ultramarinas, o que para nós constitui política muito acertada e digna de registo.
Das considerações gizadas à volta da nossa actual posição no que se refere à balança de pagamentos da zona do escudo, embora dispondo-se de limitado número de elementos de informação, destaca-se, com especial satisfação o sublinho, uma melhoria da ordem dos 3 600 000 contos, em relação ao período equivalente do ano passado, o que é verdadeiramente excepcional, atendendo a que vivemos sob a ingrata influência de apreciáveis despesas militares.
Trata o relatório da enumeração dos diplomas criados com vista à unificação económica portuguesa a partir de 8 de Novembro de 1961, os Decretos-Leis n.ºs 44 016, 44 139, 44 507 e 44 508, e refere que outros se lhes seguirão, os quais atingem tão rasgado alcance que é caso para os enaltecer, já que é de esperar, por via de tais diplomas, a mais benéfica repercussão, não apenas na vida económica portuguesa, mas também na social e política.
O Decreto-Lei n.º 44 652, de 27 de Outubro último, abre caminho às mais vastas e auspiciosas perspectivas de desenvolvimento nacional, e que no judicioso e completo parecer da Camará Corporativa são focadas nos devidos termos, e das quais destaco:

Revisão, até 31 de Março de 1963, do II Plano de Fomento, tendo em conta as alterações verificadas na situação político-económica do País e considerando muito especialmente os problemas decorrentes do processo de unificação progressiva dos diversos mercados internacionais.
Revisão, até 30 de Junho de 1963, das disposições legais em vigor sobre o condicionamento industrial e, tão cedo quanto possível, sobre o ordenamento agrícola, bem como a revisão das disposições relativas ao fomento industrial e agrícola.
A criação do Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos, que terá como órgãos de estudo, informação e execução das suas decisões a Comissão Consultiva de Política Económica e o Secretariado Técnico da Presidência do Conselho, este compreendendo a Direcção de Serviços de Planeamento e a Direcção de Serviços da Integração Económica, em cujo âmbito funcionarão onze grupos de trabalho permanente.
A criação em cada uma das províncias ultramarinas de um serviço ou comissão de planeamento e de integração económica.
Intensificação da formação profissional de mão-de-obra e desenvolvimento dos quadros técnicos.

Como se depreende, transcedente é o espírito e a projecção do citado decreto-lei.
Se nos cingirmos à luz de uma circunscrita óptica regional, será de admitir como desejáveis as perspectivas: criação de serviços de planeamento para uma região considerada e constituição de empresas de economia mista em regime de protecção, tanto financeira e fiscal, como de assistência técnica.
Ficar-se-á, assim, em iminente expectativa, a aguardar a instituição de juntas de planeamento nas regiões que se apresentem com personalidade geográfica, física, económica e social; em termos de se poderem alcançar os objectivos fundamentais que a um racional planeamento cumpre atingir: audiência a todos os sectores da vida pública e privada da região, em vias de desenvolvimento, e participação efectiva e decidida daqueles sectores nas realizações de valorização levadas a cabo, harmónica e coordenadamente, para que se evitem os fenómenos de excessivo urbanismo,, a criação de zonas de polarização exagerada ou zonas congestivas e o apetrechamento de zonas de anemia e de desequilíbrio, que provocarão o bloqueio das potencialidades económicas das sub-regiões mais atrasadas.
O Alentejo, com os seus 2 400 000 ha, aproximadamente, aguarda que lhe sejam proporcionadas, ao abrigo do aludido e importante diploma, as condições favoráveis e conducentes a uma valorização ordenada, pela qual o País também muito virá a beneficiar. Este tema da valorização do Alentejo reveste-se de tão excepcional importância que é mister reservá-lo para oportuna e específica intervenção.
Em matéria de política tributária, refere o relatório, vamos assistir à publicação dos códigos que completarão o quadro das reformas previstas para o efeito de se adaptar a função fiscal às realidades presentes.
Parece não haver a mínima objecção a contrapor à actual preocupação de se tributarem os rendimentos reais e não os normais ou presumíveis, espírito que preside à reforma e ao qual dou inteiro aplauso.
Alterações de larga projecção foram agora, ou vão ser, introduzidas, e delas destacamos: a criação de um imposto geral sobre as mais-valias; desaparecimento da tributação sobre rendimentos provenientes de vendas a crédito efectuadas por comerciantes (secção A); isenção de tributação dos fundos de reserva incorporados no capital das sociedades e dos aumentos de capital com reserva de preferência para os antigos accionistas; tributação dos lucros de todos os sócios das sociedades comerciais; elevação para 18 000$ (rendimento real) do limite de isenção do imposto profissional; liquidação do imposto em relação ao ano em que se obteve o lucro, podendo assim fazer-se no ano seguinte ao da produção do rendimento; uniformização da taxa do imposto profissional para todas as espécies de rendimentos e por categorias de contribuintes, mediante a aplicação de taxas progressivas e proporcionais aos réditos, e imposto sobre o prédio rústico, a par de outro sobre a empresa agrícola.
Analisando a tributação da actividade agrícola, que entrará em vigor a partir de 1964, verificamos que se criará uma duplicação tributária:

A) A contribuição predial rústica incidindo sobre o valor da avaliação cadastral, ou seja sobre a renda fundiária, prevendo-se num período de três anos de transição (à taxa de 8 por cento).

Página 1529

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1529

Esta disposição, especialmente para aquelas regiões para as quais os serviços de cadastro excederam os valores reais, terá graves repercussões, que não deixo de sublinhar;
B) O imposto sobre a indústria agrícola recairá sobre o rendimento líquido, baseado nos elementos fornecidos pelo contribuinte, o empresário, ficando isentos os que obtiverem aquele rendimento inferior a 30 000$.

Sem dispor de elementos de informação suficientes para que possa honestamente apreciar o grau de incidência destas novas disposições, não poderei, evidentemente, analisar os reflexos que a nova fórmula virá a provocar sobre o importante sector primário. Todavia, não é difícil concluir que a priori vai este sector ver agravados os seus impostos, numa conjuntura em que, atravessando enorme crise, já se estão observando sintomas alarmantes: fuga dos campos, desvalorização da terra, desinteresse por parte do capital em investir na agricultura.
E, pois, com algumas reservas, e não menos receios, que vejo esta delicada inovação. Tanto mais que, ninguém o ignora, a maioria dos agricultores não possui contabilidade agrícola e, o que é pior, não a sabe fazer, facto de transcendentes repercussões no clima social e político das regiões agrárias, onde, a par da incerteza, reinará o descontentamento.
Que vasta obra de informação, e sobretudo de formação, que haveria a fazer antes que entrássemos em consideração com os dados da contabilidade agrícola dos nossos lavradores!
Por outro lado, temos as nossas dúvidas quanto às possibilidades presentes do corpo de funcionários afectos aos serviços fiscais do Ministério das Finanças em matéria de competência para se desempenhar, e para todos os sectores tributáveis da vida nacional, de novas e delicadas missões que agora terá de satisfazer.
Será até para sugerir ao Governo que fossem instituídos cursos de aperfeiçoamento e de adestramento daqueles funcionários, como aliás sucede nalguns países, onde são ministrados tais cursos de especialização, sem o que, é de admitir, se gerará uma certa confusão e uma inevitável multiplicidade de critérios na aplicação prática das novas disposições.
Quanto à contribuição predial urbana, fazemos ardentes votos para que as novas disposições tragam uma desejável normalização ao nível dos prédios dos grandes centros urbanos, especialmente na capital, e em ordem a se proceder ao saneamento do fenómeno verdadeiramente alarmante - renda elevadíssima - que tem permitido uma actividade especulativa, a começar pelo preço dos terrenos e a terminar nas rendas das casas, absolutamente fora do real nível de vida da grande maioria do cidadão.
Se pretendermos facultar bases seguras que conduzam à estruturação de uma política eficiente pró-família, temos de lhe proporcionar os fundamentos físicos indispensáveis: uma casa com renda acessível.
Que o Governo estude este transcendente problema em ordem a estabelecer o que se impõe - medidas fiscais inibidoras das rendas elevadas, com compensadoras medidas que fomentem as rendas acessíveis à maioria dos portugueses. As disposições vigentes têm-se mostrado na prática inoperantes.
Acerca do anunciado imposto sobre o valor das transacções, sou de opinião que o mesmo merece um meticuloso estudo, com vista a ser aplicado às justas realidades de hoje, e nele deverá caber um desejável critério de classificação dos produtos de primeira necessidade, ajustado e actualizado, não se perdendo de vista que a actividade comercial está atravessando delicada crise.
Entendemos mesmo que o nosso país terá de ser considerado, para o efeito da atribuição deste imposto, de forma especial, não muito à imagem do que se passa em países onde o poder de compra excede o nosso. Assim, haverá que contemplar certos produtos com isenções, para que não se cerceie excessivamente a capacidade de aquisição, nem certas actividades industriais em vias de desenvolvimento.
Há um aspecto no relatório que me merece particular atenção e que desejo exaltar o seu amplo sentido: trata-se do anúncio do diploma que virá a conceder a assistência aos serventuários civis do Estado, incluindo os dotados de autonomia administrativa e financeira. E é tanto mais para louvar quanto é certo que serão consideradas, praticamente, todas as modalidades de assistência: médica, cirúrgica, materno-infantil, de enfermagem e medicamentosa.
Sr. Presidente: a proposta de lei de autorização das receitas e despesas, como o relatório que a precede, constituem documentos de alta valia, evidenciando a competência e o zelo do Ministro Pinto Barbosa, ao qual presto, as minhas homenagens.
Por esta proposta de lei o Governo atesta o seu firme propósito de manter uma administração equilibrada, embora austera, dispensando à defesa da integridade nacional especial atenção, mas não descurando o progresso económico, social e intelectual do País em que se empenhou.
Merece, por isso, a minha concordância na generalidade e, nos pontos em que algures entendi fazer objecções, deixei expresso o meu pensamento.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Jorge Correia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados:
A nossa intervenção, longe de constituir uma análise do ponto de vista técnico a propósito da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1963, pretende apenas significar o apoio a uma política financeira e equilibrada e referir um ou outro reparo, feito da mesma forma por que o fazem aqueles que, situando-se frente às realidades da vida, desejariam ver limadas uma ou outra aresta, se possível, corrigidos um ou outro sistema.
Estamos firmemente convencidos de que, se nem tudo pode lembrar ao legislador, muito menos, por ser homem, poderá prever em toda a plenitude as repercussões periféricas das suas decisões de hoje, quanto mais à distância, quando o tempo e a própria evolução das coisas operaram já o seu inexorável desgaste!
Daí a necessidade de trazermos renovadamente ao conhecimento do Governo os resultados da incidência local da sua política e só nessa medida estaremos a ajudá-lo a melhor servir o País.
Ao meditarmos sobre tão notável quão sério trabalho não foi sem algumas apreensões que tomámos conhecimento de que, de uma maneira geral, «parece possível prever-se que o crescimento da economia nacional se processará, no ano em curso, a ritmo menos acelerado do que o observado no último ano».
Se bem que o facto não seja ímpar por se poder integrar no abrandamento comum verificado para o conjunto dos países do Ocidente Europeu, apesar disso afigura-se-nos

Página 1530

1530 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

que quanto a nós a coisa tem certa gravidade, atendendo à marcha acelerada que deveríamos imprimir à nossa expansão económica.
Ainda que possamos registar, como esperamos, sensível aumento de expansão no sector primário relativamente a L961, entendemos que deveríamos redobrar de cuidados no sentido de um mais rápido desenvolvimento industrial, permitindo-nos fazer especial menção, pela sua excepcional relevância, ao sector da energia eléctrica, cuja expansão vimos diminuir em relação a anos anteriores.
Todavia, mais uma vez se arreigou no nosso espírito a certeza de que o Governo tem procurado estruturar em bases actualizadas e eficientes a economia nacional e está a ajustar a sua política fiscal.
É de felicitá-lo pela característica acentuadamente progressiva por que esta se afirma, tornando-se a colecta consequentemente mais lógica, mais humana e, portanto, melhor aceite.
A Nação está neste momento empenhada na sua própria defesa e com geral aplauso vincula os seus réditos em primeiro lugar à luta pela sobrevivência e unidade, mas não pode de maneira nenhuma abrandar o ritmo de desenvolvimento económico, sob pena de termos vencido na guerra para soçobrarmos na paz!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E ao Governo que, como órgão directivo superior, compete cuidar ao mesmo tempo de um e de outro aspecto, isto é, fazer o soldado e fomentar a riqueza e, tanto quanto possível, promover a sua distribuição no são princípio de uma melhor justiça social.
Tudo isto, porém, serão apenas palavras vazias de qualquer sentido se materialmente o não puder realizar.
Para tanto, todos, mas todos, teremos de contribuir proporcionalmente na medida exacta da nossa real capacidade.
Façamos um exame de consciência e perguntemos: se assim não for, onde irá o Governo buscar o dinheiro para que, a par da defesa nacional, possa vir a prever a reforma dos trabalhadores rurais, levar água, esgotos e luz a tantos aglomerados populacionais virgens ainda nesta matéria e do mesmo passo acelerar a expansão económica?!
Não nos pareceu, porém, perfeitamente aceitável que os rendimentos do trabalho, «pela sua natureza instável e precária, devam sofrer, qualquer que seja o seu montante, uma tributação mais leve que as dos rendimentos da propriedade».
Qual propriedade?
Os rendimentos provindos da agricultura, por exemplo?
Quereis coisa mais instável?! ...
As leis devem ser simples, e excepções só aquelas que as tornem mais justas e morais.
Julgamos, portanto, o princípio da progressividade absolutamente inatacável, mas aplicado sem excepções, já que se refere a valores quantitativos, quaisquer que sejam as origens donde provenham. E, assim, quem ganha 400, 500 ou 1000 contos anualmente não deve ser colectado da mesma forma por que foi aquele que apenas percebe 300! Nesta ordem de ideias, e uma vez que a matéria colectável deixa de ser específica e passa a ser apenas quantitativa, não vemos que deva discriminar-se se é da agricultura, do trabalho intelectual ou material.
O que interessa é colectar o rendimento progressivamente e fazê-lo com taxas cada vez mais pesadas à medida que nos afastarmos de um nível decente, mas que não brigue com a nossa proverbial modéstia.
A opinião pública é sempre favorável à justiça e, portanto, acolheu favoravelmente o princípio da progressividade, mas certamente não pensaria da mesma forma se essa progressividade não atingisse por forma mais substancial os rendimentos excessivos.
De resto, cremos ser ponto assente de que o bem-estar social e a sua estabilidade dependerá mais do aumento substancial da classe média e da sua riqueza do que do excesso desenfreado de uns tantos.
Há que pôr, portanto, um travão moralizador a todos os destemperas, e esse cabe ao Governo estabelecê-lo mediante uma política fiscal progressiva, aliás absolutamente necessária nos tempos de hoje.
Mais cómodo e justo será o «imposto único», que o Sr. Ministro das Finanças já prevê para o futuro e nós daqui lhe manifestamos não só o nosso modesto apoio, mas o vivo desejo que o institua o mais rapidamente possível.
Não queremos deixar de fazer referência a chamar a atenção do Governo para um imposto que muitas câmaras se vêem obrigadas a lançar, denominado «Imposto de prestação de trabalho», que é absolutamente impopular pela maneira como é colectado.

O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem!

O Orador: - Por ele um indivíduo que viva exclusivamente de fazer fretes com uma carroça e um animal pagará, num caso concreto, 21$ por ele, 31$ pela carroça e 21$ pelo solípede, num total de 73$, enquanto um grande proprietário, por exemplo, pagará apenas 21$ se para o serviço da sua lavoura em vez de carroças tiver viaturas automóveis ou as suas propriedades arrendadas.
Poderá objectar-se que as viaturas automóveis pagam imposto através da gasolina, mas não é menos verdade que as carroças pagam imposto de trânsito.
Nestas discordâncias gritantes reside a sua impopularidade, e nós podemos afirmá-lo, pois tivemos infelizmente que o lançar no nosso concelho.
Há que substituí-lo por outro mais equitativo, com outro nome (imposto para o progresso do concelho), que se não preste a estribilhos pouco dignificantes e que dê realmente às câmaras possibilidades para o desempenho cabal da sua missão.
Talvez o aumento dos adicionais às contribuições gerais fosse a solução.
Um outro reparo que não podemos deixar de fazer refere-se ao comportamento do sistema bancário:

De Janeiro a Agosto de 1962 o volume do crédito distribuído pelo conjunto do sistema bancário registou uma redução de 715 milhares de contos, particularmente significativa quando comparada com o acréscimo de 664 milhares de contos verificado em igual período do ano anterior. Nesta contracção teve influência determinante a diminuição no crédito concedido pelo Banco de Portugal através das operações englobadas na rubrica de empréstimos diversos, uma vez que a diminuição na sua carteira comercial foi, em grande parte, atenuada pelo aumento na mesma rubrica dos bancos comerciais.

Apesar desta compensação, a verdade, porém, é que as amortizações que se faziam em 30 meses e à taxa de 10 por cento por trimestre se fazem agora em 12 meses e à taxa de 25 por cento por trimestre, com todos os inconvenientes fáceis de perceber e cuja repercussão se faz penosamente sentir no comércio e na vida daqueles

Página 1531

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1531

que, por razões fortuitas, procuravam quantas vezes num desconto o equilíbrio de uma economia modesta. Chamamos, portanto, a especial atenção do Governo para este aspecto digno de revisão.
Felicitamos o Governo pelas medidas tomadas nos vários sectores da Administração, das quais destacamos, por termos conhecimento real da sua urgente necessidade e importância, a promoção da saúde mental e a assistência aos funcionários públicos, certamente primórdio de uma mais ampla assistência que englobe o agregado familiar.
Finalmente e com particular apreço aplaudimos os propósitos de dar prioridade à defesa da integridade nacional e à prossecução do Plano de Fomento, manifestando por isso o nosso júbilo e a nossa esperança nó plano de rega do Baixo Alentejo, convencidos de que tão grandiosa obra constituirá factor de excepcional relevância no equilíbrio económico-social dessa vasta região.
Damos, portanto, gostosamente a nossa aprovação na generalidade à proposta de lei acima referida.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará na ordem do dia da sessão de amanhã.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alexandre Marques Lobato.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Calheiros Lopes.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
João Mendes da Costa Amaral.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Manuel da Costa.
Júlio Dias dás Neves.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Paulo Cancella de Abreu.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Pacheco Jorge.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Maria Santos da Cunha.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Henrique dos Santos Tenreiro.
James Pinto Bull.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

Página 1532

1532 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

Proposta de lei a que o Sr. Presidente se referiu no decorrer da sessão:

Proposta de lei

1. Foi Portugal um dos primeiros países que instituíram o ensino sanitário, ao criar o Instituto Central de Higiene de Lisboa por Decreto de 28 de Dezembro de 1890 e ao incluir nele um curso de Medicina Sanitária.
Até então, o ensino de higiene era exclusivamente ministrado nas escolas de medicina. E teve entre nós um dos seus mais altos expoentes no Doutor José Ferreira de Macedo Pinto, que, em 1863, publicou os dois volumes da sua notável obra sobre medicina administrativa e legislativa, o primeiro sobre higiene pública e o segundo sobre política higiénica.
A química e em especial a bromatologia e a toxicologia mereceram a Macedo Pinto a maior atenção; e foi precisamente com base no desenvolvimento dos conhecimentos da química que nessa época veio a ser fundada a primeira escola de saúde pública. Na verdade, ela deve-se ao higienista Pettenkoffer e recebeu a denominação de Instituto de Higiene. Teve sede em Mónaco, na Baviera, e a sua fundação data de 1866.
Até ao fim do século, foram criadas escolas congéneres em Budapeste (1874), Viena (1875), Munique (1879), Gottingen (1883), Roma (1883), Berlim (1885), S. Petersburgo (1890) e Madrid (1899).
Mas foram o Instituto Pasteur, de Paris (1883), e a Escola de Medicina Tropical, de Londres (1899), os mais notáveis centros de ensino dos dois ramos da saúde pública, o primeiro dos quais serviu, aliás, de modelo ao Instituto Bacteriológico de Lisboa (1892), devido a Câmara Pestana, e ao Laboratório Municipal de Bacteriologia do Porto, criado no mesmo ano por iniciativa de Ricardo Jorge. E o Instituto Central de Higiene de Lisboa, instituído em 1899 e inaugurado em 1902, foi cronologicamente o décimo dos institutos de higiene do Mundo (anos antes fora fundado o Laboratório Municipal de Bacteriologia de Nova Iorque) e a sua organização, atentas as dificuldades da época, pode considerar-se modelar.
Na reforma dos serviços de saúde de 2 í de Dezembro de 1901 escreveu-se acerca deste Instituto:

O ensino, todo tecnizado em demonstrações, exercícios e trabalhos práticos para conferir o tirocínio completo do exercício sanitário, será adaptado às condições biossociais da Nação, ministrando os dados, normas e aplicações de higiene portuguesa. Como centro docente, concorrerá grandemente para o fomento científico e prático da sanidade nacional; como escola de aplicação, fará a treinagem do exército profissional, comunicando ao corpo de saúde uma competência progressiva.

2. Na evolução dos cursos de Medicina Sanitária em Portugal podem distinguir-se três períodos.
O primeiro corresponde à fase embrionária da organização feita por Ricardo Jorge. Durante ele, os cursos não atingiram o nível para que haviam sido planeados, devido a causas múltiplas, entre as quais deve incluir-se a falta de tradição entre nós deste ramo do saber.
O segundo, de 1911 a 1946, caracterizou-se por um nível de ensino bastante rudimentar: os cursos respectivos eram considerados um simples complemento formal do curso médico.
Foi, porém, durante este período, e sobretudo imediatamente a seguir à grande guerra, que no estrangeiro se progrediu e modernizou o ensino, especialmente nas escolas de saúde pública de Havard, de Zagrebe e de Londres, graças à Fundação Rockefeller e às recomendações do Comité de Higiene da Sociedade das Nações. Em 1939 contavam-se já 40 escolas ou institutos, espalhados pelos cinco continentes, onde se preparava pessoal para a luta a favor da melhor sanidade das populações.
Depois de 1946, com a publicação do Estatuto da Assistência Social e do Decreto n.º 36 050, de 18 de Dezembro de 1946, o ensino da medicina sanitária libertou-se de alguns dos defeitos da sua anterior orgânica e; em vários aspectos, foi melhorado de forma sensível. Atingiu-se deste modo o clima próprio para a criação de uma escola nacional de saúde pública, que, todavia, não poderá funcionar satisfatoriamente, nos tempos iniciais, sem um adequado auxílio da Organização Mundial de Saúde, conforme foi acordado com esta, na assembleia geral realizada em Genebra em Maio de 1960.

3. A Escola Nacional de Saúde Pública que se deseja criar deve ter nível universitário ou equiparado, não só pelas importantes funções de ensino e de investigação que lhe são atribuídas, mas também dada a natureza da colaboração que, dentro da sua competência, poderá vir a ser-lhe solicitada pelos demais serviços públicos e particulares.
E gozará de autonomia técnica e administrativa, embora aquela a não dispense de se integrar na orientação traçada pelo Conselho Superior de Saúde e Assistência, ao qual incumbe, nos termos do Estatuto de Saúde e Assistência, a definição dos programas gerais de acção do Ministério respectivo.
Para realização dos seus fins, a Escola necessita do apoio de todos os serviços que possam prestar-lhe a sua colaboração e funcionará em estreita colaboração com o Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, cujos laboratórios, na maior medida possível, deverá utilizar, sobretudo pelo que respeita à saúde do homem.
A colaboração entre as duas instituições ficará- simplificada porque a direcção de ambas é cometida a um só director (base II, n.º 1). Decerto não bastaria afirmar o princípio, se se não estabelecesse, liminarmente, o garantia burocrática da sua execução.
No mesmo espírito se considerou também (base XVI, n.º 2) a acumulação, por exemplo, da regência das cadeiras cujo ensino necessite de apoio laboratorial ou de campo de demonstração de outros serviços do Ministério, com a direcção destes. Decerto não é o sistema ideal, pois ele seria que todos os professores da Escola aí pudessem trabalhar em full-time. Mas o número dos nossos técnicos é reduzido e não parece possível, logo de início, realizar este desejo natural.

4. Além das funções de preparação de pessoal para as diversas actividades de saúde e assistência, à Escola são cometidas igualmente funções de investigação e divulgação (bases XI, XII e XIV).
E para campo de demonstração e prática das suas actividades funcionará nela um centro de saúde, que servirá a população da área da cidade de Lisboa que vier a ser-lhe atribuída em função da sua localização (base II, n.º 4). Este centro de saúde, actuando como centro-piloto integrado nos planos de acção do Ministério, será, sem dúvida, uma das formas mais adequadas para se conseguirem os meios indispensáveis à inves-

Página 1533

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1533

tigação nos diferentes ramos em que esta se poderá desdobrar: sanitária, económica e social.

5. Dado o nível que deve possuir a Escola Nacional de Saúde Pública, adoptou-se para a organização do seu ensino o sistema da divisão dos cursos por cadeiras, a cada uma das quais é atribuído um professor titular.
As cadeiras mencionadas na base VI são as que, de momento, se afigura poderem satisfazer melhor as funções docentes da Escola, aproveitando a tradição do ensino de medicina sanitária que vem sendo ministrado no Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge.
A enumeração das cadeiras não é taxativa. Constitui sobretudo uma indicação, pois, mediante proposta da Escola, o Ministro poderá criar novas cadeiras, alterar o quadro das actuais ou fazê-las completar com lições sobre assuntos especialmente indicados para determinados tipos de profissionais. É que, embora já exista a experiência do Instituto Superior de Higiene, só com a sua própria experiência se poderá definir adequadamente o quadro próprio das cadeiras cujo ensino deva ser ministrado.
Podem pôr-se reservas quanto à denominação de algumas delas. Mas também aí a experiência indicará o melhor caminho. De momento houve principalmente a preocupação de não sobrecarregar o ensino, desdobrando as matérias ou aumentando o seu número além do que pareceu razoável.

6. A Escola Nacional de Saúde Pública destina-se a diplomar indivíduos por diversos cursos, correspondendo uns à formação de profissionais que satisfaçam a necessidades permanentes dos serviços de saúde e assistência e outros ao aperfeiçoamento de pessoal já diplomado ou à preparação de categorias profissionais reconhecidas indispensáveis em determinado momento.
Cada curso será constituído pelo conjunto de disciplinas indicado nos planos estabelecidos pelo conselho escolar, sob parecer do Conselho Superior de Saúde e Assistência.
Dada a sua finalidade de fomentar a competência técnica e o aperfeiçoamento progressivo do pessoal dos serviços de saúde e assistência, os cursos ordinários agrupam-se em três categorias distintas:

a) De formação pós-universitária;
b) De formação profissional complementar;
c) De formação profissional de base.

Esta classificação indica a hierarquia dos cursos, de harmonia com o nível de preparação e a utilização dos respectivos profissionais ou o carácter das funções a desempenhar. Aliás, alguns dos cursos citados na base IX são apenas o começo de soluções que virão oportunamente a concretizar-se, em certos casos mesmo talvez fora da Escola agora instituída.

7. Para que a Escola Nacional de Saúde Pública possa desempenhar as suas funções, é indispensável garantir a categoria técnica dos seus professores.
Adopta-se por isso, como princípio regulador do recrutamento, o concurso de provas públicas. E este será organizado em moldes universitários. Assim, o pessoal docente efectivo prestará provas perante um júri presidido pelo director da Escola e constituído pelos professores titulares das cadeiras e por um professor de cada uma das Faculdades de Medicina ou de outras Faculdades ou escolas de ensino superior, conforme o assunto da cadeira a prover (base XVII).
Só por excepção se permite o provimento de professores sem concurso. A nomeação por escolha é, porém, muito difícil: só quando o conselho escolar, por maioria de três quartos dos seus membros, proponha uma individualidade que já haja demonstrado excepcional competência e conhecimento, das matérias que constituem a cadeira a prover é que ao Ministro é lícito fazer a sua nomeação directa.
Nem todos os professores deverão ser efectivos. Pela própria natureza dos cursos, prevêem-se professores temporários, chamados a título eventual para o ensino de certa disciplina em determinado curso ou para ministrarem numa ou em várias aulas teóricas ou de trabalhos práticos os conhecimentos da sua especialidade (bases XV e XVIII).
Todavia, quando se cria uma escola desta natureza e se pretende que ela atinja logo de início um nível elevado, nem sempre se encontram imediatamente professores devidamente preparados em todas as suas cadeiras ou disciplinas. Por isso, ouvido o conselho escolar, deu-se ao Ministro a faculdade de autorizar o recrutamento de professores estrangeiros por períodos renováveis não superiores a três anos (base XV, § único). Isso mesmo se pensa fazer, em seguimento a entendimentos já estabelecidos com a Organização Mundial de Saúde.

8. Como a Escola Nacional de Saúde Pública tem autonomia administrativa e técnica, a sua direcção e administração são entregues a um director e aos conselhos escolar e administrativo.
Também aqui se seguiram de perto os moldes adoptados pelos estabelecimentos de ensino dependentes do Ministério da Educação Nacional. Por isso, a constituição do conselho escolar e o seu funcionamento (base XXII), bem como o conselho administrativo (base XXIII), não contêm especial novidade, salvo quanto à representação dos assistentes e dos alunos no conselho escolar (base XXII, n.º 2).

9. Para o início do funcionamento da Escola foi preciso adoptar certas medidas de transição, pois não pode esperar-se que se realizem imediatamente concursos para provimento de todos os lugares do corpo docente. Por isso na base XXVII se regulamenta o provimento do primeiro grupo de professores.
E, desta maneira, não se perderá a experiência já adquirida no ensino de determinadas matérias e na formação de sanitaristas. Uma e outra se devem, em grande parte, às qualidades de quem dirigiu o Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, ao trabalho de muitos dos seus professores e à herança espiritual que a todos legou o seu patrono, sem dúvida um dos maiores sanitaristas europeus da sua geração.

CAPITULO I

Da Escola Nacional de Saúde Pública

BASE I

1. É criada em Lisboa a Escola Nacional de Saúde Pública, à qual, no campo da saúde e assistência, são cometidas funções de ensino, de investigação e de divulgação.
2. Os serviços públicos e particulares poderão solicitar a colaboração da Escola em matérias da sua competência.

Página 1534

1534 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

BASE II

1. A Escola Nacional de Saúde Pública funciona em ligação com o Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, cujos serviços, na maior medida possível e pelo que respeita à saúde do homem, deverá utilizar para o ensino e investigação. A Escola e o Instituto terão o mesmo director.
2. A Escola fica autorizada a solicitar a colaboração dos serviços e estabelecimentos do Ministério da Saúde e Assistência e dos outros serviços e estabelecimentos oficiais ou particulares que possam facultar-lhe condições de trabalho adequadas.
3. Nos termos que forem fixados em portaria conjunta dos Ministérios da Educação Nacional e da Saúde e Assistência, a Escola poderá autorizar os seus alunos a matricularem-se em disciplinas que, embora façam parte dos seus planos de estudo, sejam professadas nos estabelecimentos de ensino de qualquer grau, oficiais ou particulares, dependentes daquele Ministério.
4. Na Escola funcionará, para treino dos alunos e para investigação, um centro de saúde, ao qual será atribuída uma área da cidade de Lisboa, para nela trabalhar segundo os planos de acção do Ministério da Saúde e Assistência.

BASE III

A Escola Nacional de Saúde Pública terá autonomia técnica e administrativa, sem prejuízo da adequada coordenação das suas orientações com as do Conselho Superior de Saúde e Assistência.
§ único. O director da Escola será vogal nato do referido Conselho.

BASE IV

1. A Escola terá os serviços de natureza pedagógica indispensáveis para realizar as funções que lhe são próprias.
2. Estes serviços poderão ser privativos das cadeiras ou funcionar como serviços centrais, comuns a todas ou a várias delas.

BASE V

A Escola terá também os serviços administrativos necessários ao bom desempenho da sua missão.

CAPITULO II

Do funcionamento da Escola e dos cursos nela ministrados

BASE VI

1. O ensino na Escola Nacional de Saúde Pública será ministrado em cadeiras, que podem compreender uma ou mais disciplinas.
2. São desde já criadas as cadeiras seguintes:

a) Bioestatística;
b) Microbiologia e Parasitologia;
c) Epidemiologia;
d) Salubridade;
e) Alimentação e Nutrição;
f) Higiene Materno-Infantil;
g) Higiene e Medicina do Trabalho;
h) Administração de Saúde Pública;
i) Administração Hospitalar;

) Sociologia.

3. Mediante proposta dó conselho escolar, ouvido o Conselho Superior de Saúde e Assistência, poderão ser criadas novas cadeiras, alterado o quadro das actuais ou estabelecidas lições complementares para algumas cadeiras, a fim de as adaptar aos cursos previstos nas alíneas c), d) e e) do n.º 1 da base IX.

BASE VII

1. Os cursos a professar aia Escola serão constituídos pelo conjunto de disciplinas indicadas nos respectivos planos de estudo, elaborados pelo conselho escolar e aprovados pelo Ministro da Saúde e Assistência, sob parecer do Conselho Superior de Saúde e Assistência.
2. Os planos de estudo terão em conta que a mesma disciplina pode entrar na constituição de vários cursos, embora com programas adequados a cada um deles.
3. Os planos de estudo serão revistos sempre que o conselho escolar julgue necessário. Sê-lo-ão obrigatoriamente de três em três anos.

BASE VIII

1. Os cursos podem ser ordinários ou eventuais.
2. Os primeiros destinam-se à formação dos profissionais que correspondam a necessidades permanentes dos serviços de saúde e assistência.
3. Os cursos eventuais destinam-se ao aperfeiçoamento de pessoal já diplomado ou à preparação de categorias profissionais reconhecidas indispensáveis em determinada oportunidade.

BASE IX

1. São cursos ordinários de carácter pós-universitário os que se destinem a diplomar:

a) Médicos sanitaristas ou médicos de saúde pública;
b) Administradores de hospitais;
c) Engenheiros sanitários;
d) Veterinários de saúde pública;
e) Farmacêuticos de saúde pública.

2. São cursos ordinários de formação profissional complementar os de:

a) Enfermeiros para o ensino de enfermagem hospitalar e de saúde pública;
b) Enfermeiros para direcção e chefia de serviços hospitalares e de saúde pública.

3. São cursos ordinários de formação profissional de base os de:

a) Profissionais de administração hospitalar;
b) Inspectores sanitários;
c) Visitadoras sanitárias.

4. Mediante proposta do conselho escolar, confirmada pelo Conselho Superior de Saúde e Assistência, poderão ser criados outros cursos de formação geral ou ordinários ou eventuais.

BASE X

1. Os cursos serão organizados de harmonia com as actividades a que os alunos se destinem e de acordo com o nível e a diversidade da sua preparação.
2. Cada curso será dirigido por um professor, designado pelo conselho escolar.
3. A duração de cada curso constará dos respectivos planos de estudo.
4. A Escola conferirá diplomas aos alunos que completarem os cursos nela professados.

Página 1535

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1535

5. Estes diplomas são considerados título indispensável ao exercício das profissões ou especialidades correspondentes.

BASE XI

A investigação científica será promovida por iniciativa da Escola ou dos seus professores, ou mediante solicitação de serviços de saúde e assistência.

BASE XII

Para realizar os seus fins de investigação pode a Escola:
a) Promover inquéritos e realizar missões científicas;
b) Convidar técnicos nacionais ou estrangeiros para a realização de estudos determinados;
c) Conceder bolsas de estudo, de acordo com os planos gerais do Ministério e, sempre que necessário, em ligação com o Instituto de Alta Cultura;
d) Instituir prémios pecuniários ou de outra natureza para estimular os estudos no campo da saúde e da assistência.

BASE XIII

A Escola deverá prestar aos serviços de saúde e assistência à colaboração técnica prevista no n.º 2 da base I por intermédio dos seus serviços centrais ou dos serviços privativos de cada cadeira.

BASE XIV

A divulgação de conhecimentos científicos pela Escola, quando dirigida à generalidade da população ou das populações interessadas, deverá ser efectuada em conformidade com os planos gerais de educação social e sanitária do Ministério da Saúde e Assistência.

CAPITULO III

Do pessoal

BASE XV

1. O pessoal docente poderá ser permanente ou temporário.
2. São permanentes os professores titulares de cadeiras e os professores extraordinários. São temporários os professores chamados a título eventual, os assistentes e os prelectores.
§ único. Ouvido o conselho escolar, o Ministro da Saúde e Assistência poderá recrutar professores de nacionalidade estrangeira por períodos renováveis, não superiores a três anos.

BASE XVI

1. As funções docentes de carácter permanente não podem ser desempenhadas em acumulação com quaisquer outros lugares públicos, salvo nos casos expressamente previstos por lei.
2. Quando houver vantagem para o ensino, e sem prejuízo da eficiência dos serviços do Ministério, sob proposta do conselho escolar e ouvido o Conselho Superior de Saúde e Assistência, pode o Ministro da Saúde e Assistência autorizar as seguintes acumulações:
a) A regência das cadeiras cujo ensino necessite do apoio laboratorial dos serviços do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, com a direcção dos respectivos serviços;
b) A regência das cadeiras cujo ensino necessite, como campo de prática ou de demonstração, dos serviços dependentes do Ministério da Saúde e Assistência, com a direcção dos respectivos serviços;
c) A regência das cadeiras de Higiene e Medicina Social das Faculdades de Medicina com a regência na Escola de cadeiras em que o professor catedrático respectivo tenha especial competência;
d) A regência de cadeiras com o cargo de director da Escola.

3. As possibilidades de acumulação, relativamente às cadeiras alheias ao
curso citado na alínea a) do n.º 1 da base IX, serão reguladas por lei especial.

BASE XVII

1. O recrutamento do pessoal docente de carácter permanente será feito por concurso de provas públicas.
2. Os júris serão constituídos pelos professores titulares das cadeiras, sob a presidência do director.
3. Destes júris farão parte professores das Faculdades de Medicina ou de outras Faculdades ou escolas de ensino superior, conforme a matéria da cadeira a prover.
4. Excepcionalmente, o conselho escolar poderá propor que sejam nomeadas, por escolha, individualidades cujo curriculum vitae demonstre excepcional competência na matéria da cadeira a prover. A escolha carece, porém, de reunir o voto favorável de, pelo menos, três quartos do número de professores membros do conselho escolar.

BASE XVIII

1. O pessoal docente temporário será recrutado por escolha do conselho escolar.
2. Os assistentes serão propostos ao conselho pelo professor titular da cadeira respectiva.

BASE XIX

O pessoal auxiliar e administrativo será recrutado e reger-se-á pelas normas aplicáveis ao restante pessoal do Ministério da Saúde e Assistência.

CAPITULO IV

Da direcção e administração da Escola

BASE XX

A direcção e a administração da Escola serão exercidas:
a) Pelo director;
b) Pelo conselho escolar;
c) Pelo conselho administrativo.

BASE XXI

1. O director da Escola será um professor titular, escolhido pelo Ministro da Saúde e Assistência de entre uma lista de três candidatos proposta pelo conselho escolar.

Página 1536

1536 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

2. A nomeação será feita por períodos renováveis de quatro anos.

BASE XXII

1. O conselho escolar será presidido pelo director e composto pelos professores titulares.
2. Assistirão às reuniões do conselho, embora com voto consultivo, os professores extraordinários, dois delegados dos assistentes e prelectores e dois delegados dos alunos, um dos quais, pelo menos, deverá pertencer a qualquer dos cursos previstos no n.º 1 da base IX.
3. O conselho poderá ouvir a opinião de quaisquer organismos ou individualidades, quando julgue isso conveniente ou tal lhe for aconselhado pelo Conselho Superior de Saúde e Assistência.

BASE XXIII

O conselho administrativo será constituído' pelo director, que presidirá, por um professor eleito pelo conselho escolar e pelo chefe dos serviços administrativos da Escola.

CAPITULO V

Disposições gerais e transitórias

BASE XXIV

Os cursos a professar serão instituídos progressivamente, na medida das necessidades nacionais e das possibilidades de ensino da Escola.

BASE XXV

O estatuto do pessoal docente será o que vigorar para as categorias correspondentes do Ministério da Educação Nacional, com as adaptações impostas por este diploma.

BASE XXVI

1. O primeiro director da Escola será da escolha do Ministro da Saúde e Assistência, de entre as individualidades portuguesas de reconhecida idoneidade em assuntos de saúde pública.
2. A nomeação será feita pelo período de quatro anos, mas o director poderá ser reconduzido, nos termos do n.º 2 da base XXII.
3. Se for funcionário público, o primeiro director desempenhará as suas funções em comissão de serviço e poderá reger uma das cadeiras da Escola, conforme a sua especialização.

BASE XXVII

1. O primeiro grupo de professores será nomeado mediante proposta de uma comissão constituída pelo director da Escola, pelos directores-gerais do Ministério da Saúde e Assistência, pelos professores de Higiene e Medicina Social das três Faculdades de Medicina e, pelo menos, por quatro dos actuais professores dos cursos de Medicina Sanitária. No caso de qualquer professor de Higiene e Medicina Social requerer um lugar na Escola, não poderá fazer parte da comissão de escolha.
2. A escolha deste primeiro grupo de professores será baseada no exame do seu curriculum vitae.
3. A sua nomeação poderá converter-se em definitiva depois de três anos de exercício, mediante proposta fundamentada do director da Escola, com parecer favorável do Conselho Superior de Saúde e Assistência, aprovado por maioria de, pelo menos, dois terços dos seus membros.
4. Quando estes professores forem funcionários públicos e não estiverem em nenhuma das hipóteses previstas na base XVI, a sua nomeação poderá ser feita em comissão de serviço durante três anos, findos os quais poderão passar a definitivos, nos termos do número anterior.

BASE XXVIII

Os diplomas que regulamentarem a presente lei fixarão a data em que serão extintos os cursos de Medicina Sanitária, actualmente professados na sede e na delegação do Porto do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge.

Ministério da Saúde e Assistência, 26 de Dezembro de 1960. - O Ministro da Saúde e Assistência, Henrique de Miranda Vasconcelos Martins de Carvalho.

Página 1537

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1537

CÂMARA CORPORATIVA

VIII LEGISLATURA

PARECER N.º 5/VII

Projecto de proposta de lei n.º 519/VII

Escola Nacional de Saúde Pública

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105.º da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei n.º 519, elaborada pelo Governo sobre a Escola Nacional de Saúde Pública, emite, pelas suas secções de Interesses de ordem espiritual e moral e de Interesses de ordem cultural (subsecção de Ensino), com os Dignos Procuradores, agregados, Albano do Carmo Rodrigues Sarmento, António Jorge Martins da Mota Veiga, Joaquim Trigo de Negreiros, José Gabriel Pinto Coelho, Francisco de Paula Leite Pinto, Francisco Pereira Neto de Carvalho. José Pires Cardoso e João de Castro Mendes, sob a presidência de S. Ex.ª o Presidente da Câmara Corporativa, o seguinte parecer:

SUMÁRIO

I

Apreciação na generalidade

Introdução

O projecto do Governo e os seus objectivos; método a seguir para a sua apreciação (n.ºs 1 a 4).

CAPITULO I

Características fundamentais da medicina moderna e da saúde pública

§ 1.º Medicina curativa e medicina preventiva (n.ºs 5 a 7).
§ 2.º Medicina social; seu papel nas colectividades modernas (n.ºs 8 a 10).
§ 3.º A recuperação e a readaptação dos diminuídos. A promoção
da saúde (n.ºs 11 e 12).
§ 4.º A intervenção de profissionais não médicos na resolução dos problemas de saúde pública. O médico, chefe do grupo sanitário (n.º 13).
§ 5.º A educação sanitária das populações (n.ºs 14 e 15).

CAPITULO II

O ensino da saúde pública

§ 1.º Breve resenha sobre a história do ensino da saúde pública (n.ºs 16 a l9).
§ 2.º Ensino pré-graduado de saúde pública (n.ºs 20 a 24).
§ 3.º Ensino pós-graduado de saúde pública. As escolas de saúde pública.

A) Finalidade do ensino pós-graduado (n.º 25).
B) Doutrina e bases em que devo assentar a orgânica das escolas de saúde pública (n.º 26).
C) Cursos a ministrar (n.º 27).
D) Disciplinas (n.º 28).
E) Diplomas e graus (n.º 29).
F) Métodos pedagógicos (n.º 30).

CAPITULO III

O projecto de proposta de lei

§ 1.º Preliminares (n.º 31).
§ 2.º Justifica-se criar em Portugal uma escola de saúde pública? (n.º 32).
§ 3.º A escola deve ser criada na dependência do Ministério da
Saúde e Assistência, mas em estreita ligação com a Universidade (n.ºs 33 a 36). § 4.º A autonomia da escola (n.º 37).

Página 1538

1538 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

§ 5.º O problema de atracção dos alunos paca frequentarem a escola durante os primeiros anos do seu funcionamento (n.º 38).
§ 6.º Os cursos, insertos no projecto do Governo (n.º 89).
§ 7.º A lei já deve fazer menção de alguns dos cursos destinados a médicos (n.º 40).
§ 8.º Conclusões sobre a apreciação na generalidade (n.º 41).

II

Exame na especialidade

CAPITULO I

Da Escola Nacional de Saúde Pública

Base I (n.º 42).
Base II (n.º 42).
Base III (n.º 43).
Bases IV e V (n.º 44).

CAPITULO II

Do funcionamento da Escola e dos cursos nela ministrados

Base VI (n.º 45).
Base VII (n.º 46).
Base VIII (n.º 47).
Base IX (n.ºs 48 e 49).
Base X (n.º 50).
Base XI (n.º 51).
Base XII (n.º 52).
Base XIII (n.º 53).
Base XIV (n.º 54).

CAPITULO III

Do pessoal

Base XV (n.º 55).
Base XVI (n.º 56).
Base XVII (n.º 57).
Base XVIII (n.º 58).
Base XIX (n.º 59).

CAPITULO IV

Da direcção e administração da Escola

Base XX (n.º 60).
Base XXI (n.º 61).
Base XXII (n.º 62).
Base XXIII (n.º 63).

CAPITULO V

Disposições gerais e transitórias

Base XXIV (n.º 64).
Base XXV (n.º 65).
Base XXVI (n.º 66).
Base XXVII (n.º 67).
Base XXVIII (n.º 68).

III

Conclusões (n.º 69)

I

Apreciação na generalidade

Introdução

O projecto do Governo e os seus objectivos; método a seguir para a sua apreciação

1. Propõe-se o Governo criar no âmbito do Ministério da Saúde c Assistência uma Escola Nacional de Saúde Pública, destinada a preparar um importante corpo de técnicos de saúde pública que cubra as necessidades do País neste domínio. A Escola incumbirá também fomentar o aperfeiçoamento progressivo dos mesmos técnicos.
Prevê-se o funcionamento do vários cursos de carácter pós-universitário, de formação profissional de base ou, ainda, apenas de índole complementar. Desta maneira, a nova Escola tenciona realizar um ensino que abrange sectores bastante diversos, mas concorrendo para uma mesma finalidade: prevenção da doença e promoção da saúde.
O projecto prevê ainda a criação de «outros cursos de formação geral ou especializada, ordinários ou eventuais».
O ensino será ministrado em cadeiras às quais corresponderão uma ou mais disciplinas; o projecto admite desde já a criação de dez cadeiras.

2. Da leitura do projecto de proposta de lei enviado à Câmara Corporativa verifica-se que se pretende não só que a nova Escola tenha um vasto campo de acção, mas também que. desempenhe funções de alta qualidade, a ponto de se desejar que tenha nível universitário ou equiparado. Na realidade, a Escola chama a si funções que são atributos da Universidade: ensino de nível superior, pesquisa científica e divulgação (extensão universitária).

3. O alcance do projecto do Governo está expresso no relatório que o precede. A transcendência do assunto - a criação de uma Escola Nacional de Saúde em Portugal - leva-nos a fazer preceder o parecer da Câmara Corporativa, quanto à generalidade do projecto de proposta de lei, de certo número de capítulos onde se encontrarão os fundamentos do aludido parecer.
Pode afigurar-se estranho à primeira vista que a criação de uma escola destinada a preparar funcionários de saúde constitua um facto transcendente, mas na realidade assim é, o que explica a extensão das considerações que vão ser feitas. Tal facto envolve problemas de fundo de ordem histórica, doutrinária, pedagógica, científica e técnica que haverá necessidade de equacionar para se poder situar a finalidade que se pretende atingir na época que atravessamos e no espaço português.

4. No capítulo I faremos referência às características fundamentais da medicina moderna e da saúde pública; no n, ao ensino pré e pós-graduado da saúde pública; e no último (o III) apreciaremos estritamente o relatório que antecede o projecto do Governo.

CAPITULO I

Características fundamentais da medicina moderna e da saúde pública

§ 1.º Medicina curativa e medicina preventiva

5. A medicina, como arte de curar, tem remotas origens. De princípio, indistinguível da magia, tomou foros de arte independente, sobretudo a partir de Hipócrates; a ilha de Cós, nessa época, pode considerar-se o seu berço. Já então e até aos nossos dias, quando a consideramos como uma arte, foi sempre profundamente humana. Apesar de individualista, ela teve um cunho social, porquanto interveio mais ou menos profundamente nas relações humanas e, portanto, constituiu um valor positivo no seio das colectividades. Até ao Renascimento o médico foi, sobretudo, um psicólogo; como diz Henri Péquignot: «O médico podia em rigor ser cego, mas não podia ser surdo» (1).
Se é certo que a classificação de algumas afecções desde Hipócrates emprestou certo cunho científico à medicina, foi a partir da Idade Moderna que se começou a definir um campo científico, que primeiro teve características nitidamente analisadoras de empirismo semiológico

(1) «Defesa de uma carreira de investigação científica na medicina portuguesa», J. da Silva Horta: Semana. Médica n.º 82. 1960.

Página 1539

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1539

e nosográfico. As doenças começaram a conhecer-se, a separar-se pelos seus sintomas, facto que, aliás, seguia a linha de pensamento dos naturalistas do Barroco, os quais encontraram em Lineu o seu expoente máximo. Havia já então uma visão descritiva: os médicos esforçaram-se por conhecer no homem as características exteriores das afecções tão bem como os botânicos procuraram descrever as plantas. O nosso Bernardino António Gomes deixou-nos tão preciosas descrições da lepra e outras doenças cutâneas como de certas espécies botânicas que estudou no sertão brasileiro (2).
A pesquisa de sinais objectivos ultrapassou com o método auscultatório de Lãennec a barreira da pele e, de então para cá, mais e mais se aperfeiçoou a recolha desses sinais no sentido de permitir, tanto quanto possível, um diagnóstico correcto, base segura de uma terapêutica eficaz.
O avanço das outras ciências influenciou profundamente a medicina, que a elas foi buscar muitos dos fundamentos da ciência médica moderna. No século XIX, em particular na segunda metade, os avanços neste campo foram tais que a existência de uma ciência médica foi completamente aceite. A pesquisa das causas, quer dizer, o conhecimento da etiologia das afecções, passou a constituir o pensamento dominante em medicina, sobretudo após as descobertas de Pasteur e Koch.
Anotemos que até aqui os médicos se mantinham pràticamente preocupados com o homem doente, quer dizer, moviam-se quase exclusivamente no campo da medicina curativa.
Seria, porém, ao mesmo tempo um erro e uma injustiça afirmar que o médico não tinha interesse pelo homem são. Uma larga plêiade de- anatomistas legou-nos, a pouco e pouco, o conhecimento da morfologia normal do homem e, sobretudo após Claude Bernard ter inaugurado o «método experimental», grande número de fisiologistas e de bioquímicos deu-nos a conhecer as funções normais do organismo. Não duvidamos, porém, de que estes homens tivessem sobretudo em mente estar na posse do normal como ponto de passagem para o conhecimento do patológico, mas o facto é que se ocuparam do homem são, o que constitui uma sólida base para a pesquisa médica moderna.
A terapêutica não evoluiu tão ràpidamente como o diagnóstico; no entanto, nos últimos dez anos, os seus progressos, as suas descobertas, têm sido feitas num ritmo constantemente acelerado. Henri Póquignot (3) escreveu a este respeito:

Pode inferir-se de maneira aproximada o que tem sido este progresso terapêutico, dizendo: antigamente não mais de uma descoberta por século, uma de 30 em 30 anos no século XIX, uma todos os 5 anos até 1936 e, depois de 1943, mais de duas grandes descobertas por ano.

6. Se, como dissemos atrás, o médico no seu contacto com o doente constituiu sempre um elemento de primacial importância no seio das colectividades, a evolução social interveio profundamente, em particular a partir do século XIX, no exercício da profissão e até nos seus fundamentos - na «filosofia básica da medicina». «A medicina exerce-se num determinado meio socio-cultural, em todos os períodos da evolução das sociedades; está inserida no Mundo, não jaz à margem do viver dos homens - faz parte da corrente da história» (4).
A transformação económico-social do Mundo interferiu no alargamento dos horizontes da medicina e podemos dizer mesmo que acabou por mudar em certos aspectos o curso tradicional desta última.
A revolução industrial criou agrupamentos populacionais totalmente novos, onde surgiram problemas de higiene individual que até aí não se punham com tanta agudeza e problemas de higiene colectiva; uns e outros foi preciso enfrentar. Foram, em primeiro lugar, os problemas do abastecimento de águas, os esgotos ... - numa palavra, os problemas de saneamento. Os Estados verificaram que era preciso legislar e mandar executar, numa palavra, afinal, tomar sobre si a responsabilidade neste campo. A medicina preventiva passou a ser uma medicina do Estado.
Não se julgue, porém, que a medicina preventiva é um ramo da ciência médica que brotou nos nossos dias, porquanto nem sequer apareceu no século XIX. Mas, sem dúvida, que a sua importância se manifestou em especial a partir da transformação das sociedades agrícolas em industriais e que os seus objectivos começaram a ser atingidos após a época pasteuriana.
Não é nosso propósito, nem se justificaria mesmo, fazer uma referência pormenorizada quanto às origens da medicina preventiva, mas convém conhecer alguns factos. Se é certo que, como diz C. Frager Broakington (5), «com o começo do século XVIII os médicos começam a pensar e a escrever em termos de saúde pública e que como tal, devem ser considerados os pioneiros na matéria», não podemos ignorar «os grandes epidemiologistas e sanitaristas dos tempos da Grécia e de Roma», ou «esquecer a prática das quarentenas e as medidas tomadas, pelo menos a partir da Idade Média, para impedir a disseminação de certas doenças, tais como as do foro venéreo e a lepra». No século XVIII surge uma série de precauções tomadas contra as epidemias, em especial contra a peste (6).
A contribuição portuguesa não deve ser omitida. Abrimos, com efeito, a era da medicina social com os conhecimentos de higiene exótica (Garcia de Orta; Regimentos de Saúde de 1580, de Ivo; Tratado da Conservação da Saúde dos Povos, de Ribeiro Sanches - 1756). E Pina Manique e a Junta de Saúde Pública devem ser igualmente recordados.
Na Grã-Bretanha, as necessidades levantadas naquele século pelas guerras navais e pela constante ligação com as colónias foram a origem da higiene na armada, em particular no que respeita às medidas tomadas contra o escorbuto. Devem citar-se a este respeito os nomes de John Pringle (1752), James Lind (1757) e Gilbert Blane (1785).
Aquele século foi fundamental para o desenvolvimento da saúde pública e, se foi importante a obra dos autores atrás citados, não se duvida que se deve a Johann Peter Frank (7) o impulso mais decisivo no capítulo da higiene pública. Na sua obra sobre polícia médica fala-se de

(2) «O médico Dr. Bernardino António Gomes e o Brasil», J. da Silva Horta: Memórias da Academia das Ciências de Lisboa, tomo VIII, 1960.
(3) Eléments de politique et d'administration sanitaires, E. S. F. Lingres, 1957.
(4) «Relatório sobre as carreiras médicas». Ordem dos Médicos. Relatório final, 1Q61.
(5) A short history of public health, Londres, 1956, p. 3.
(6) Ver, por exemplo, em Inglaterra, Richard Mead, Discourse on the plague, 1720.
(7) Ver a este respeito a obra de G. Frager Broakington (nota 5).

Página 1540

1540 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

medicina escolar, alimentação infantil, obstetrícia, abastecimento de águas, organização de hospitais, etc.
Não se deve esquecer ainda que foi nos derradeiros anos desse século que Jenner começou a empregar a vacina contra a varíola. Como dizem Grundy e Mackintosh (8), «foi a primeira vez que se apresentou uma ocasião propícia para pôr em marcha uma medida preventiva em escala mundial». Na realidade, por exemplo, em Portugal a vacinação antivariólica foi usada um ano depois da publicação de Jenner (1796) e, após uma intensa campanha levada a efeito pela Academia das Ciências, alguns anos volvidos já havia 17000 indivíduos vacinados (9).
O século XVIII foi ainda, além dos motivos apontados, um período histórico da maior importância para a saúde pública, por nele se começar a processar a revolução industrial e, em razão disto, terem aparecido as primeiras monografias e medidas sanitárias, decorrentes de uma das maiores, se não a maior mudança na maneira de viver e conviver.
Os pequenos agregados populacionais dispersos cedem o lugar às densas acumulações de seres humanos nas cidades em pequenas áreas; aparecem então graves e novos problemas de saúde pública.
O século XIX, a braços com sucessivos surtos de epidemias, tem de suportar profundamente as consequências desses novos problemas.
A higiene e a medicina preventiva chamam subitamente no fim do século passado a atenção dos médicos, em virtude do êxito da aplicação de soros e vacinas. Para a epidemiologia, no sentido estrito em que era tomada na época, dirigia-se a maior parte das atenções, no capítulo da medicina preventiva.
Como se disse, a progressiva e rápida industrialização fez deslocar dos meios rurais grandes massas populacionais, o que veio afectar fortemente o progresso e o êxito tanto da medicina curativa como da medicina preventiva. Temos, no entanto, de confessar que o resultado global teve de certa maneira, no que se refere à repartição dos cuidados médicos em medicina curativa, um valor negativo.
A livre oferta e livre procura próprias do liberalismo da época fizeram deslocar para as cidades numerosos médicos atraídos pelos honorários que podiam auferir da burguesia, deixando nos meios rurais vastas áreas desprotegidas - desertas de cuidados médicos -, áreas que ainda existem em muitos países, tais como o nosso.
A medicina preventiva, essa colheu exactamente no mesmo êxodo populacional o mais forte impulso para o seu desenvolvimento. Os Estados viram-se a braços com graves problemas epidemiológicos, que fizeram desenvolver largamente os meios de saneamento e de protecção activa contra as doenças infecciosas.
Com o rodar dos lustros esses meios, cada vez mais numerosos e aperfeiçoados, quase fizeram desaparecer nos países mais evoluídos as doenças infecciosas, o que se traduziu pela melhoria progressivamente crescente dos índices demográfico-sanitários. Finalmente, a luta vitoriosa contra os agentes vectores e o aparecimento dos antibióticos fizeram passar para segundos e terceiros planos de importância, como causas de morbilidade e de mortalidade, um grande número de afecções que antes estavam na base de verdadeiras devastações de vidas.
Como consequência inevitável, a longevidade aumentou consideràvelmente. Estes resultados espectaculares, obtidos na sua maioria já neste século, ficaram devendo em parte o seu êxito ao papel desempenhado pela Fundação Kockfeller e pelas instituições internacionais - a Sociedade das Nações e a Organização Mundial da Saúde. Esta última, particularmente, tem levado a sua acção a todos os pontos do globo em colaboração com as entidades sanitárias locais. A. Sauvy (10) diz, acerca da epidemia de cólera de 1947 no Egipto: «noutros tempos tal flagelo teria dado lugar a centenas de milhares de mortes, talvez mesmo a um ou dois milhões. Desta vez, graças aos socorros que afluíram de todos os lados e também ao Serviço de Saúde Egípcio, a doença pôde rapidamente ser sustada na sua progressão, tendo feito apenas poucos milhares de vítimas».
Para dar apenas um exemplo passado nos climas tropicais e subtropicais citaremos a acção da Organização Mundial da Saúde na extinção da malária.
Não queremos entrar em implicações demográficas no que respeita ao acréscimo da população do Globo em virtude destas medidas, que para alguns são de tal maneira eficazes que podem conduzir, dentro em pouco a um mal maior. A população do Globo deve duplicar dentro de 50 anos (J. Freymond e A. Vannotti) (11), podendo enfrentar-se então, segundo os autores citados, a superpopulação e a subalimentacão. E. Mathey (12), referindo-se à obra da Organização Mundial da Saúde na extinção do paludismo em Ceilão, diz:

A obra da Organização Mundial da Saúde na luta contra a doença levada a efeito, fora de todo o contexto demográfico, conduz, por vezes, a estranhas finalidades: lembremos o drama social e económico de Ceilão, consecutivo ao sucesso da luta contra a malária, vitória dispendiosa que substituiu o paludismo pela inanição.

A este respeito deve afirmar-se que a medicina ao salvar vidas humanas se mantém no cabal desempenho da sua missão; cumpre assim o que se prescreve nos seus códigos milenários.
É certo que do aumento da longevidade resultam problemas que estão no seu âmbito de resolução, e que não são poucos - mas os problemas, económicos, os da alimentação dos povos, da repartição dos produtos alimentares e da pesquisa de novas fontes de origem desses mesmos produtos pertencem a outras ciências e estão no âmbito de organizações internacionais de outro tipo É evidente que se torna necessária uma coordenação de esforços nos dois campos, mas esta só será eficaz quando a ciência da alimentação puder colaborar de forma mais efectiva com a medicina preventiva.

7. Do aumento da longevidade resultam novos e graves problemas de saúde pública nos países mais evoluídos. Então, dentro das fronteiras da epidemiologia, uma vez desaparecida a maioria das doenças infecciosas, tomam lugar outras afecções, tais como o cancro, as doenças mentais, a arteriosclerose, as doenças hereditárias e as do foro geriátrico. Nesses países também se alargaram os limites da medicina preventiva, por terem de se enfrentar outros

(8) L'Enseignement de l'hygiène et de la santé publique en Europe, F. Grundy et Mackintosh, edição da Organização Mundial de Saúde, 1958.
(9) J. da Silva Horta. Memórias da Academia das Ciências, t. VIII, 1960.
(10) «L'augmentation de la population dans le monde et les problèmes économiques, sociaux et politiques qu'elle pose», in Humanité et subsistance, Lausana, 1961.
(11) Introdução à monografia Humanité et subsistance, Lausana, 1961, p. 41.
(12) A mesma obra, p. 51.

Página 1541

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1541

problemas além dos referidos atrás: os provenientes do próprio progresso material, tais como a poluição da atmosfera em relação com o funcionamento de novas e mais numerosas indústrias e, até, os do emprego de novos medicamentos (doenças iatrogénias).
Tem interesse transcrever um período do prefácio de uma monografia - 100 problems in environmental health (13), escrita por um grande número de cientistas, para se compreender a diversidade de problemas resultantes exactamente do desenvolvimento industrial nos nossos dias:

O rápido acréscimo da população nas áreas metropolitanas, a intensificação da industrialização da nossa complexa sociedade e a aceleração do desenvolvimento tecnológico chamam a atenção para os perigos, no presente e no futuro, resultantes de factores ambienciais, tais como a poluição do ar, a contaminação das nascentes de água, os esgotos e detritos industriais, substâncias radioactivas, insecticidas e herbicidas, contaminação de alimentos por agentes químicos e biológicos, riscos ocupacionais.

Ao mesmo tempo que nos países evoluídos a epidemiologia terá de se ocupar dos citados aspectos, muitos outros mantêm-se na fase das doenças infecciosas e das perturbações resultantes da hiponutrição e da má nutrição.

§ 2.º Medicina social; seu papel nas colectividades modernas

8. A medicina social desenvolveu-se após a revolução industrial e, portanto, encontramos os seus primeiros cultores nos fins do século XVIII. Johann Peter Frank é, com razão, considerado o pioneiro nesta matéria; foi o primeiro a falar de doenças provocadas pelas condições de existência das populações e quem «impôs a noção de que os principais obstáculos no caminho da saúde são a pobreza e a ignorância» (14).
Antes de avançarmos neste campo é necessário saber o que se entende por medicina social. Ao passo que a higiene e a medicina preventiva são matérias que na prática não carecem de definição, o mesmo não sucede com a chamada medicina social.
No sentido estrito, visa a prevenir ou a tratar a modificação do estado de saúde do homem provocada por factores sociais; Grundy e Mackintosh empregam o termo num sentido muito lato, porquanto, além disso, incluem as «relações recíprocas da medicina e da sociedade (sociologia médica), em especial as consequências sociais da doença para os indivíduos e para a família».
Veremos mais adiante que em muitos programas dos ensinos pré e pós-graduados de saúde pública se incluem os inquéritos feitos neste sentido junto da família dos doentes hospitalizados ou retidos nos domicílios.
O médico adquire assim uma nova responsabilidade: cabe-lhe uma parte da responsabilidade no bem-estar social.
A autoridade de Grundy e Mackintosh, encarregados pela própria Organização Mundial da Saúde de escrever a monografia, L'enseignement de l'hygiène e de la santé publique en Europe, donde tiramos as notas precedentes, leva-nos a optar por esta acepção lata.

9. Pergunta-se hoje em dia se ainda é justificada a separação entre medicina curativa por um lado e medicina preventiva e social por outro. É claro que a medicina é única e constitui sempre no seu exercício uma integração de conhecimentos curativos, preventivos e sociais. O médico das periferias e o médico de família executam ao mesmo tempo actos curativos e preventivos; têm, por exemplo, um papel fundamental na profilaxia das doenças transmissíveis e na educação sanitária. Julgamos, no entanto, que na prática se deve manter a separação, porquanto se há médicos -sobretudo o clínico geral e, entre estes, o médico das periferias - que têm a seu cargo esta dupla função, o facto é que há especialistas, dedicados exclusivamente à medicina curativa, e outros que nos postos de chefia executam apenas actos de pura administração sanitária. Além disso, estes dois tipos de medicina servem-se de métodos e executam técnicas por vezes completamente diversas.
A interligação dos problemas sanitários e o meio social não diz apenas respeito à prevenção das afecções que encontram a sua causa no referido meio. Ocupando-se do homem são, a medicina preventiva tem de seguir o homem na comunidade: na família, na oficina, na escola...
Tem de se levar em linha de conta, a par da higiene individual, as condições de vida e de trabalho - o número de horas e o tipo deste último em relação ao tempo de repouso. Aqui, a medicina preventiva é medicina social. O indivíduo, quer são, quer doente, tem de se considerar como um todo, mas no seio da comunidade. Assim, justifica-se perfeitamente o falar hoje em «diagnóstico clínico» e «diagnóstico social», este último aclarando muitas vezes o primeiro. «A medicina social, soma da acção sanitária e social, visa a protecção e o desenvolvimento da personalidade, considerada simultâneamente como valor económico e como valor espiritual» (J. Parisot) (15).

10. Apesar de as características do actual .período da medicina serem em parte condicionadas para atingir finalidades económicas, o comportamento do médico é essencialmente humano, muito mais do que o foi no período da chamada «medicina científica». Agora o doente é, mais do que nunca, o «homem doente», porque se valorizam todas as consequências que resultam de se estar doente e o «diálogo singular» volta a ter todo o seu valor. Todo o corpo médico está então em jogo, e não apenas os sanitaristas. Movendo-se no terreno colectivo, o médico de hoje, se quiser ter uma atitude social, tem de praticar uma medicina profundamente humana, e não uma medicina de massa, despersonalizada. A par de um «diagnóstico médico» deverá fazer um «diagnóstico social» - ambos necessários para um eficaz tratamento, porque ao lado de uma terapêutica médica decorrerá uma terapêutica social. Com este novo espírito o médico torna-se mais uma vez um valioso instrumento de valorização espiritual.
Grundy e Mackintosh afirmam:

A prática médica mudou de carácter neste último meio século. O que se espera hoje da medicina é que ela manifeste um real interesse pelo doente, que ela o considere como um indivíduo, homem ou- mulher, vivendo em certo quadro uma existência própria, tendo os seus elos familiares, obrigações, angústias, esperanças e temores.

Ao médico é imposta uma missão: «que nas aplicações colectivas deve proceder segundo as regras da medicina individual, no respeito pela liberdade e pela dignidade pessoal, segundo os princípios dos juramentos médicos e que a medicina, para ser social, deve ser profundamente humana» (J. Parisot) (16).

(13) 100 problema in environmental health, Washington, 1961.
(14) Grundy c Mackintosh, obra correspondente à nota 8.
(15) No prefácio da obra de Grundy e Mackintosh, p. 13.
(16) No prefácio da obra de Grundy e Mackintosh, p. 16.

Página 1542

1542 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

Como se disse, todo o corpo médico está em jogo na actuação social, e não apenas os sanitaristas. Esta atitude tem de estar sempre presente no espírito dos clínicos, mas muito principalmente dos clínicos gerais. E afinal uma atitude apenas aparentemente nova da medicina: a missão é a mesma de sempre, apenas o exercício se adapta à evolução social do mundo moderno e representa uma atitude de reacção contra a medicina despersonalizada.
O médico moderno na sua prática clínica terá de executar actos variados - preventivos, curativos e sociais -, mas todos convergentes para a prática de uma medicina integrativa(17).
O médico foi sempre um educador sanitário junto das populações; hoje cabe-lhe mais do que nunca essa tarefa. «Para além de cada acto técnico, sobrevêm a noção educativa correspondente, que o duplica, o prolonga e o valoriza e que lhe confere uma maior eficiência e um verdadeiro valor humano e social. As actuais gerações de estudantes e de jovens graduados deverão ser educadas nestes princípios» (18) (René Delore).

§ 3.º A recuperação e a readaptação dos diminuídos.
A promoção da saúde

11. Para além da medicina preventiva, os serviços de saúde alargaram hoje o seu raio de acção, chamando a si o papel de recuperar e readaptar os diminuídos físicos e mentais.
Os efeitos das duas últimas guerras, o número crescente de acidentes de viação e os verificados nos sectores da indústria, os constantes stresses a que se está sujeito em virtude das particulares características da vida moderna, em especial nos meios urbanos, fazem com que a responsabilidade de recuperar e readaptar os diminuídos tenda a ser cometida também ao Estado ou a organizações de carácter público.
Há muito se compreendeu que o homem é o factor fundamental na economia das nações; afirmações desta ordem encontramo-las a cada passo. Proporcionar uma boa saúde às populações é não só uma finalidade justa, mas também representa um valor altamente positivo para a economia nacional.
Ao falarmos de uma «boa saúde» fizemo-lo com intenção. É muito difícil dar uma definição perfeita de saúde (19). Todavia, para fins práticos, a saúde pode ser encarada no sentido negativo ou positivo (20): saúde - ausência de doença; saúde - estado de bem-estar completo, físico, mental e social, tal como se define na constituição da Organização Mundial da Saúde, embora num conceito excessivamente amplo. É esta finalidade que se pretende atingir quando em matéria de saúde pública se fala na promoção da saúde.
Esta atitude da ingerência progressivamente maior da medicina do Estado junto do indivíduo considerado quer isolado, quer colectivamente, proveio da convergência de três forças: razões de ordem económica - saúde dos povos, como primordial factor económico das nações; modificações sociais do mundo moderno, e posição humanitária consubstanciada no chamado direito à saúde.

12. Hoje em dia a intervenção do Estado e dos organismos para-estatais não se limita à medicina preventiva, porquanto diz também respeito à medicina curativa. A passagem de uma sociedade rural a industrial, evidentemente mais evoluída, trouxe consigo uma maior necessidade de serviços médicos. O indivíduo tem maior percepção do fenómeno mórbido - vai, portanto, cada vez mais ao médico -, há pois um maior «consumo médico» (21). Este facto e o progresso da técnica médica, que tornou altamente onerosos os métodos de diagnóstico e a terapêutica, conduziram primeiro a classe operária e depois outros estratos populacionais a uma notável insegurança económica perante a doença.
A aspiração de segurança na doença juntaram-se outras no sentido de obstarem à miséria por via da invalidez, da velhice e do desemprego. A concretização destas aspirações encontra-se na criação do «seguro social obrigatório». Quando eficaz, este seguro é um forte auxiliar da tarefa global que incumbe aos serviços de saúde, isto é, a promoção da saúde, a prevenção da doença e a recuperação e reabilitação dos diminuídos.
Promover a saúde, prevenir a doença, curar o doente, recuperar e readaptar os diminuídos são os elos de uma cadeia que visa proporcionar aos vários países o maior número possível de homens perfeitamente válidos que constituirão valores positivos para a economia nacional. «A economia social tem por base a economia humana: trabalho, produção, força de um país em relação com c capital, a saúde da sua população» (J. Parisot).
A cadeia a que nos referimos acima é complexa de mais para que só o médico seja chamado a intervir. À sua volta têm de se agrupar outros técnicos de formação profissional muito diferente.

§ 4.º A intervenção de profissionais não médicos na resolução dos problemas da saúde pública. O médico, chefe do grupo sanitário

13. A medicina curativa, no seu sentido estrito, é apenas exercida por graduados em Medicina. A arte médica e também a ciência médica viram alargados os seus horizontes com o advento da medicina social. No entanto, em vários sectores, a medicina não poderia progredir se profissionais com formação completamente diversa dos médicos não interviessem com a ajuda dos seus conhecimentos e das suas técnicas. A medicina, que no campo curativo já desde há muito constituía um trabalho de grupo de médicos -clínicos gerais, radiologistas, analistas, etc. -, teve de pedir a colaboração de outros profissionais. Já não falamos nas chamadas profissões auxiliares da medicina, como a de enfermeira, preparadora, técnico de raios X, audiologista e outras, porquanto nelas o exercício encontra-se sob a imediata direcção e responsabilidade do médico. Queremo-nos referir a outros profissionais altamente qualificados, tais como físicos, químicos, engenheiros, arquitectos, economistas, estaticistas, etc.
Com a pesquisa científica passou-se o mesmo: «as nossas equipas serão obrigadas - e são-no já - a abrir as portas a outros técnicos - a homens de formação muito dís-

(17) Sobre a medicina integrativa consultar entre outras as seguintes monografias e artigos: Educación médica en Israel, Moshe Prywes, 1961, pp. 27 e 39; First World Conference on Medicai Education, London, 1953, G. A. Canaperia, p. 584; introdução de J. Parisot ao livro de Grundy e Mackintosh e este mesmo livro.
(18) Relatório da comissão de peritos da formação a dar ao pessoal de saúde em matéria de educação sanitária da população: Organização Mundial da Saúde, n.º 156, 1958, p. 6.
(19) Ver «O que é saúde?», Miller Guerra, in Medicina e Sociedade. Colecção «O Tempo e o Modo». Livraria Morais Editora, Lisboa, 1961.
(20) «Present status of the teaching of preventive and social medicine», G. A. Canaperia, 1958, in First World Conference on Medicai Education, Londres, p. 584.
(21) «Prestação de serviços médicos. O caso português», J. da Silva Horta. Rotary Clube de Lisboa n.º 167, 1961, p. 15.

Página 1543

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1543

par ... a químicos, a físicos, a matemáticos c a outros biologistas» (22).
Se hoje é assim nos sectores laboratoriais e de investigação, muito mais o é no vasto campo da saúde pública. Os trabalhos de saneamento exigem a presença de engenheiros e arquitectos e a apreciação de grande soma de resultados não pode ser feita com rigor sem o concurso de estaticistas.
Em nenhum outro ramo da medicina como no da saúde pública se exige no campo da aplicação prática o concurso de tantos profissionais. O estudo e a resolução de um problema reclama, por vezes, a intervenção, além dos médicos sanitaristas e dos profissionais atrás referidos, ainda a intervenção de veterinários, de enfermeiros e de técnicos de saneamento. Podem ainda os serviços de saúde pedir a colaboração de outras pessoas, tais como, no capítulo da educação sanitária das populações, párocos e professores.
Não é fácil executar eficientemente um bom trabalho de grupo em saúde pública entre profissionais de tão diversa formação. Torna-se necessário fomentar a colaboração destes profissionais; a Organização Mundial da Saúde tem-se esforçado bastante nesse sentido, sendo, por isso, o ensino de grupo nas escolas de saúde pública um dos métodos mais aconselhados por aquela Organização.
No conjunto dos profissionais que constituem os grupos de saúde pública o médico continua a ocupar a posição-chave. «É o médico sanitarista que deve assegurar a administração geral dos programas sanitários porque é dele que depende a unidade de concepção e de execução. Sòmente o médico está apto a abarcar muitas das fases de desenvolvimento de um programa sanitário ...» (23).
Compreende-se, portanto, que a tarefa principal de uma escola de saúde pública seja a formação de médicos sanitaristas.

§ 5.º A educação sanitária das populações

14. Não podíamos deixar de nos referir, embora ao de leve, a um assunto de tal importância. Na realidade, as medidas sanitárias, por melhor estudadas que tenham sido, podem resultar em fracassos se a educação das populações não for levada a efeito. «O nosso trabalho duplicará, mas sem isso todos os nossos esforços para ajudar os doentes arriscam-se a ser vãos» (MacCalman) (24).
A educação sanitária diz respeito a um conjunto de métodos e de processos destinados a incitar o público a conservar e a melhorar a sua saúde.
Os métodos empregados para atingir esta finalidade fazem hoje parte de uma verdadeira técnica educadora especializada e que se traduz em actos que, devendo ser persuasivos, terão de ser ao mesmo tempo simples. É aqui que reside uma das dificuldades.
Para a elaboração de um programa de educação sanitária exige-se no cimo da pirâmide grande soma de conhecimentos, entre outros, de medicina preventiva e social, de pedagogia, psicologia demográfica, etnografia e sociologia geral e regional. Na realidade, tal como se diz no «1.º relatório da comissão de peritos de educação sanitária das populações» (Organização Mundial da Saúde n.º 89, 1904), «a acção educativa deve repousar em bases cientificamente seguras e ter em conta o comportamento e as concepções dos indivíduos a quem se dirige. Há um conjunto de factores que diferem segundo as condições sociais, económicas e culturais dos países ... Somente após um estudo aprofundado da população, das suas maneiras de agir, dos seus centros de interesse, crenças, concepções morais, aspirações, necessidades e recursos - se poderá concretizar um programa de educação sanitária ...». Vem depois a tarefa de transmitir este programa a quem o irá executar e, finalmente, a da sua execução.
Em que profissão iremos escolher os técnicos para a educação sanitária? P. Dorolle, na sessão de abertura da 5.a Assembleia Mundial de Saúde (p. 3 do relatório atrás citado), afirma que «a educação sanitária ... requer a participação de todos os técnicos de saúde, de combinação de múltiplas organizações, agrupamentos e particulares». Jules Gilbert (25) tem a opinião de que a tarefa de contacto com as populações deve incumbir sobretudo às enfermeiras visitadoras. Mas compreende-se e aceita-se que em diversos países se tenha de interpor «educadores sanitários auxiliares».
No relatório da Organização Mundial da Saúde atrás citado fala-se já da necessidade da formação especializada de «técnicos em educação sanitária» e no «Relatório de peritos da formação a dar ao pessoal de saúde em matéria de educação sanitária da população» (Organização Mundial da Saúde n.º 156, 1958) estabelecem-se já as tarefas a atribuir a tais técnicos.
John Burton (26) pensa que certamente há lugar para um especialista nesta matéria, mas julga que por enquanto, pelo menos para a Europa, apenas médicos e enfermeiras de saúde pública devem ser preparados neste sentido. Quanto a estas últimas, quando trabalham na comunidade, a educação sanitária é uma das suas principais tarefas (27).

15. A acção do educador sanitário tem extensão muito variável: por vezes dirige-se a uma só pessoa, outras vezes a agrupamentos mais ou menos homogéneos, como as famílias, ou a agrupamentos heterogéneos. G. Mialaret (28) refere-se a vários tipos de agrupamentos com os quais o educador sanitário tem de contactar, entre eles os grupos heterogéneos, aos quais o educador se deve dirigir por intermédio de palestras simples, empregando termos simples, fazendo passar filmes ou usando outros métodos audiovisuais. Os grupos mais receptivos são aqueles cujos componentes já estão habilitados a colaborar para determinado ou determinados fins; uma finalidade comum empresta a coerência ao grupo. O agrupamento, no dizer de Mialaret, tem uma «moral». Então o educador sanitário atinge mais fàcilmente o indivíduo por intermédio do grupo.
A conduta adoptada pelo educador perante os indivíduos isolados ou perante um grupo é diversa; no entanto a finalidade é a mesma: fazer-se compreender e depois convencer. O educador sanitário tem pois de receber uma educação em psicopedagogia individual e de grupo. Compreende-se, no entanto, como devem ser de difícil resolu-

(22) «A posição de anatomia (patológica em face dos modernos meios de investigação morfológica», J. da Silva Horta. Semana Médica n.º 43, 1960. Acerca do trabalho de grupo, ver, do mesmo autor, «Defesa de uma carreira de investigação científica na medicina portuguesa». Semana Médica n.º 82, 1960.
(23) A propósito de médico «chefe de equipa sanitária» ler as pp. 198 e 199 do livro de Grundy e Mackintosh, já várias vezes citado neste parecer.
(24) Cit. por John Burton, Deuxième Conférence Européenne sur l'Education Sanitaire de la Population, Organização Mundial da Saúde, Copenhaga, 1958.
(25) Education sanitaire, Masson, Paris, 1959.
(26) Veja-se nota n.º 24.
(27) Veja-se Magda Kelber (Conferência de Copenhaga, nota n.º 24).
(28) Na mesma Conferência citada acima.

Página 1544

1544 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

ção determinados casos concretos e como para atingir certas finalidades em tal matéria tenham de entrar em jogo as qualidades do próprio educador.

CAPITULO II

O ensino da saúde pública

§ 1.º Breve resenha sobre a história do ensino da saúde pública

16. De uma maneira geral, mas particularmente nos países mais evoluídos, o ensino médico adapta-se em cada época às necessidades da medicina que já se pratica; os novos conceitos e progressos desta ciência conduzem às modificações dos programas de ensino.
No que respeita ao ensino da saúde pública, não se escapou a esta regra. Assim, enquanto que em França só em 1794 foi criado o ensino da higiene (Estrasburgo e Paris) e em 1795 em Inglaterra (Edimburgo), já há muito estava arreigada em vários países a noção de medicina do Estado. Na realidade, em meados do século XVIII, já a Dinamarca e a Suécia haviam criado instituições de saúde pública.
No século XIX, em particular na segunda, metade, o ensino da higiene destinado exclusivamente aos estudantes de medicina sofreu um notável impulso.
Em 1868, o General Medicai Council, criado dez anos antes, chamou a atenção para a necessidade de uma qualificação em saúde pública.
Em 1870 (29) o Board of Medicai Studies de Cambridge, aceitando as propostas que lhe foram feitas pelo Medicai School Syndicate da Universidade, recomendou um plano para a admissão de funcionários de saúde, do qual constavam o conhecimento de assuntos em que os candidatos deveriam ser interrogados, entre os quais estavam a estatística sanitária, a prevenção das doenças infecciosas, os efeitos do ar viciado, os alimentos insuficientes ou deteriorados, as ocupações que atingiam a saúde e as doenças que ocasionavam. Com razão Leslie Banks considera que a Universidade de Cambridge desempenhou um papel de pioneira no ensino da saúde pública. A mesma Universidade criou em 1875 em Inglaterra, pela primeira vez, um diploma de saúdo pública.
O Medical Act (30) de 1886 constituiu uma providência legislativa geral de excepcional importância na história do ensino da saúde pública em Inglaterra, pois tornou obrigatória a obtenção de um diploma em ciência sanitária para o ingresso no quadro da saúde pública, o qual deveria ser passado após o exame especial feito num college, Faculdade de Medicina ou Universidade de Inglaterra. A referida lei marca, por assim dizer, o início dos estudos pós-graduados de medicina preventiva. O General Medicai Council foi encarregado da organização dos cursos e exames. Outras leis posteriores, tais como o Local Government Act de 1888 (31), estabeleceram condições que garantiam para a época a competência dos médicos que trabalhavam em saúde pública na Inglaterra.

17. Max von Pettenkofer foi no continente europeu, por meados do século passado, a figura dominante da saúde pública e o espírito mais esclarecido quanto à influência do meio sobre a saúde do homem.
Professor de química médica da Universidade de Munique em 1847, foi nomeado professor de higiene da mesma Universidade em 1855, fundando depois ele próprio o primeiro instituto de higiene da Europa.
As descobertas de Pasteur e de Koch deslocaram a higiene do campo da química para o da bacteriologia, sobretudo a partir de 1885, ano em que Koch foi nomeado professor de Higiene da Universidade de Berlim. Outros institutos se criaram nesta mesma época, tal como consta no relatório do projecto do Governo: Budapeste (1874), Viena (1875), Gottingen (1883), Roma (1883), Berlim (1885), S. Petersburgo (1890) e Madrid (1899).
A importância daquelas descobertas fez com que durante várias décadas o ensino da saúde pública fosse orientado para a epidemiologia e a profilaxia das doenças infecciosas.
Os aspectos preventivos relacionados com o meio social só muito tardiamente, já em pleno século XX, entraram nos programas de ensino pré e pós-graduados de saúde pública e o próprio ensino da medicina social só foi sistematicamente organizado, e assim mesmo apenas nalguns países, após a segunda grande guerra.
O período que mediou entre a duas guerras foi todavia essencialmente produtivo no capítulo do ensino da saúde pública. Em 1924 foi criada pela Organização de Higiene da Sociedade das Nações uma comissão permanente para o ensino da medicina preventiva, a qual exerceu uma notável acção. Neste período inauguraram-se vários institutos de higiene, muitos deles com o auxílio da Fundação Rockfeller. Com este auxílio foi possível criar, por exemplo, a prestigiosa London School of Hygiene and Tropical Medicine. Também a mesma Fundação havia tornado possível a abertura da não menos prestigiosa School of Hygiene and Public Health, da Universidade de John Hopkins. Sem dúvida que o período em questão foi largamente frutuoso para o ensino do médico sanitarista e do pessoal auxiliar.
Na mesma época teve uma importância transcendente a colaboração entre a referida Organização de Higiene da Sociedade das Nações e a Repartição Internacional do Trabalho, no sentido de a acção social completar a acção preventiva e curativa. A este facto se ficou devendo a nova orientação do ensino médico.
É ainda neste período que sob o impulso de Léon Bernard (32) se modificaram em Paris as bases tradicionais um que repousava o ensino da higiene na Faculdade de Medicina daquela cidade.
Léon Bernard, um clínico, é nomeado professor da cadeira de Higiene, ao ensino da qual imprime uma dupla orientação: por um lado o ensino da higiene social, tuberculose, doenças venéreas e alcoolismo, e por outro o estudo da legislação e administração sanitárias. Ele próprio opta mais tarde pela cadeira da clínica de tuberculose e ministra um ensino não só clínico, mas também médico-social.
Também as cadeiras de doenças da infância e de obstetrícia, respectivamente, sob a direcção de Marfan e de Pinard, se haviam transformado em cadeiras médico-sociais.

18. Após a segunda grande guerra registou-se uma súbita viragem no ensino da saúde pública, tomando lugar de primazia a aprendizagem da medicina social.
A Organização Mundial da Saúde toma um interesse especial pelo ensino pré e pós-graduado da medicina pre-

(29) Leslie Banks, First World Conference on Medical Education, Londres, 1953, p. 576.
(30) Sinopsis of Hygiene, Jameson o Parkinson, Londres, 1952, p. 862.
(31) Veja-se a este respeito, por exemplo: Sinopsis of Hygiene, Jameson e Parkinson, Londres, 1952, p. 862.
(32) H. Péquignot, First World Conference on Medical Education, Londres, 1953, p. 568.

Página 1545

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1545

ventiva e social e pela fundação de escolas nacionais de saúde pública. À sua acção tenaz e contínua se deve a aceitação de uma nova doutrina no exercício da medicina.
Não se encontra na história da medicina uma instituição que mais tenha pugnado pelo homem do que esta, quer do ponto de vista da saúde somático-mental, quer do ponto de vista da consolidação dos valores morais, respeitando as religiões e os costumes. Ás medidas que aconselha ou que põe em prática só aparentemente têm um carácter centralizado, porquanto na sua aplicação se adaptam às condições locais.
O seu interesse pela educação médica decorre da sua acção em prol da saúde do homem. Como se pode ler no prefácio de J. Parisot à obra de Grundy e Mackintosh, a «Organização Mundial da Saúde conseguiu interessar no sentido de uma nova educação médica os governos, as Universidades e as associações médicas nacionais, e em especial a Associação Médica Mundial». Esta última organizou no espaço de cinco anos dois congressos sobre educação médica, um em Londres, em 1953, e outro em Chicago, em 1958.

19. O ensino da saúde pública em Portugal está largamente historiado no relatório que antecede o projecto de proposta de lei em exame, mas não seria justo que no parecer da Câmara Corporativa se não acentuasse que o nosso Instituto Central de Higiene, inaugurado em 1902, «foi cronologicamente o 10.º dos institutos de higiene do Mundo» e se não fizesse uma referência ao seu organizador, o Prof. Ricardo Jorge. Para a época, as finalidades (33) que o Instituto se dispunha a atingir eram notáveis. A intenção de Ricardo Jorge era sobretudo a constituição de uma escola para pós-graduados (médicos e engenheiros), destacando-se já entre as finalidades a da educação sanitária da população.
Muito se tem escrito sobre o Prof. Ricardo Jorge, e ainda há pouco se festejou o centenário do seu nascimento, mas não pode a Câmara Corporativa neste parecer deixar de chamar mais uma vez a atenção para esta figura ímpar, que, no dizer do Prof. Eduardo Coelho (34), «a um tempo cuidava da ciência profissional com uma mestria difícil de igualar e apresentava uma cultura literária, artística, científica, filosófica, que lhe davam o condão de ser espécie rara, única por certo no nosso país». A ele se deve a primeira estruturação dos nossos serviços de saúde; o seu Regulamento dos Serviços de Saúde compreendia nada menos de 347 artigos. Ricardo Jorge foi no seu tempo um profundo conhecedor da educação médica em geral e da sanitária em particular.
Se é facto que «no domínio dos princípios não evoluímos depois da reforma de Ricardo Jorge, no limiar do século» (M) (Dr. Arnaldo Sampaio), não há dúvida que o Decreto-Lei n.º 35 108, de 7 de Novembro de 1945, permitiu que se reorganizassem os serviços do Instituto Superior de Higiene, donde resultaram benefícios para o ensino do curso de Medicina Sanitária, apesar de este curso ter conservado o defeito de não incluir praticamente trabalhos de campo e no seio das comunidades - isto é, de continuar a ser, em grande parte, um ensino teórico.

§ 2.º Ensino pré-graduado da saúde pública

20. Como dissemos no capítulo I, para a consecução das finalidades da saúde pública concorrem não só médicos, mas também profissionais de outras categorias. Todavia, o médico é sempre o chefe do grupo sanitário - o «fecho da abóbada» de toda a acção a empreender em saúde pública (36). Não nos referimos apenas ao médico sanitarista, para quem esta afirmação, por ser tão evidente, seria até desnecessária, mas sim a todo e qualquer médico que trabalha no seio da comunidade.
Cada país, ao pretender exercer uma decisiva acção sanitária, deve possuir em primeiro lugar um corpo de médicos com conhecimentos e prática necessários para levar a efeito em cada escalão o papel que lhes incumbe. Em redor destes médicos se agruparão os outros técnicos. As escolas de saúde pública têm por missão, em primeiro lugar, ministrar esses conhecimentos e essa prática, dando, evidentemente, uma posição de relevo à preparação dos médicos sanitaristas. Os cursos a ministrar a médicos nestas escolas têm a índole dos outros cursos médicos pós-graduados e, tal como em qualquer destes, têm de ser uma continuação do ensino universitário pré-graduado.

21. É atributo da Universidade diplomar profissionais de nível superior; então, o ensino deve seguir a evolução científica das respectivas profissões, não apenas no respeitante ao conteúdo informativo, mas, sobretudo, no que se refere ao conteúdo formativo (37). «É um facto aceite em pedagogia médica que a preparação do futuro médico deve ser orientada de maneira a desenvolver nele certas aptidões e atitudes, mais do que a fornecer-lhe uma grande quantidade de conhecimentos» (R. Villarreal) (38).
As Faculdades de Medicina terão de formar médicos indiferenciados, mas que possuam uma mentalidade que corresponda à medicina que se pratica em cada época. Se a noção de medicina global, que envolve não só fins curativos mas também fins preventivos e sociais, não estiver presente em todos os momentos nos médicos que as Universidades diplomam, as escolas de saúde pública, por mais competentes que sejam os seus corpos docentes e por melhores instalações e apetrechamento de que disponham, encontrar-se-ão fatalmente despovoadas. Os mais bem dotados dirigir-se-ão para as carreiras docente e hospitalar. É certo, tal como disse há pouco o Dr. Arnaldo Sampaio (39), «que as Faculdades de Medicina têm um papel fundamental na formação dos médicos, não só no ensino dos fundamentos, mas também na formação de uma mentalidade que os tome receptivos aos conceitos da saúde pública moderna. Sem essa mentalidade formada nas escolas de medicina as tarefas dos serviços de saúde só com grande dificuldade se realizarão».
O destino das escolas de saúde pública - a sua grandeza ou a sua morte - depende acima de tudo da educação médica que as Faculdades tiverem dado aos jovens graduados. «O nível ao qual pode ascender um estudo pós-universitário de carácter essencialmente profissional e a proporção de indivíduos não especializados que os

(33) Veja-se «Relatório da comissão encarregada de proceder ao estudo do programa da instalação do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge», Lisboa, 1956.
(34) Ricardo Jorge, o Médico e o Humanista, Lisboa, 1961, p. 15.
(35) O Médico, XVI, n.º 470, 1961, p. 284.
(36) Veja-se o livro de Grundy e Mackintosh, p. 198.
(37) Veja-se a este respeito: «Problemas do ensino médico», Gouveia Monteiro, Jornal do Médico n.º 885, 1959; «Comité d'experts pour la formation professionnelle et technique du personnel medical et auxiliaire», Rapport Technique n.º 69. Organização Mundial da Saúde, 1953.
(38) Second World Conference on Medical Education, Chicago. 1958, p. 181.
(39) O Médico, 16 : 284, 1961.

Página 1546

1546 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

cursos pós-universitários devem, compreender são, em parte, determinados pelo conteúdo e qualidade do ensino universitário» (Grundy e Mackintosh) (40).
O ensino do estudante de medicina é essencialmente formativo, no sentido de criar neste último uma mentalidade necessária ao exercício de uma «medicina integral», visando como parte importante a saúde pública (41), criar um espírito científico (42) que o leve de futuro a proceder segundo o método científico e criar uma consciência ética (43) necessária ao desempenho de uma profissão essencialmente humana.
O ensino deve possuir o conteúdo informativo necessário para diplomar médicos indiferenciados.

22. Para se atingir todos estes objectivos o curriculum universitário deverá ser completamente revisto. Têm de se introduzir no ensino cadeiras que visem o melhor conhecimento do homem, tais como a Sociologia (44), relegar certas matérias para o período pré-universitário e outras (muitas das especialidades) para o período pós-graduado. Deve-se aumentar o número de horas de permanência na Faculdade (45) e no hospital e adaptar o ensino clínico às necessidades presentes, ministrando-o não só no hospital (à cabeceira do doente e nas consultas externas), mas também no domicílio.
A importância do ensino domiciliário começa hoje a ser aceite e tem de ser tomada em devida conta nos futuros programas das Faculdades de Medicina. Este tipo de ensino é defendido por sanitaristas, em especial pelos mais dedicados aos problemas de medicina social, por clínicos e por professores não ligados à clínica, mas particularmente interessados em pedagogia médica. Assim, por exemplo, Ramon Villarreal (46), professor de Fisiologia no México, defendeu largamente este ponto de vista na 2.a Conferência sobre Educação Médica (1958). Finalmente, os métodos pedagógicos devem modificar-se no sentido de tornar o ensino mais vivo, isto é, com participação dos próprios estudantes («ensino activo», «ensino operatório»).

23. Os métodos educativos modernos dependeram da adopção do ponto de visto de Dewey, de que «os estudantes devem aprender mais por ocupação que por autoridade». O ensino clássico, por intermédio da lição magistral, tem sofrido críticas. Há cada vez mais tendência para substituir no ensino universitário o monólogo pelo diálogo, o ensino passivo pelo ensino activo. No anfiteatro, o aluno «aceita passivamente .os pontos de vista do professor» (47).
Nas cadeiras clínicas há hoje toda a propensão para substituir parte das lições magistrais pelos trabalhos de grupo acerca de cada doente, após prévia observação deste último. Também nas cadeiras pré-clínicas, e mesmo nas das ciências médicas básicas (48), se está a seguir o mesmo caminho do ensino activo.
A lição magistral é, porém, completamente necessária no ensino universitário: apenas através dela se podem traçar as principais linhas dos grandes problemas e dos grandes síndromes e dar a informação necessária que em muitos assuntos se encontra dispersa por livros e revistas onde o aluno ainda sem maturidade científica se perderia numa procura estéril. De resto, as construções teóricas, os conceitos, eles próprios resultantes da observação e da pesquisa, estão na base de todo o progresso científico e constituem outras tantas plataformas imprescindíveis para o avanço da ciência. Os próprios pugnadores pelo ensino activo, tais como Egner, Grundy, Mackintosh e Jean Snoeck(49), consideram a lição magistral na Universidade como indispensável.
Em conclusão: os diferentes métodos de ensino são complementares, mas, tal como diz Jean Snoeck(49), «quanto mais reduzirmos o número das lições magistrais, maior valor elas terão».
Todos os que no ensino médico actuam segundo estes métodos da participação activa do aluno verificam que se está destruindo a «antinomia entre o que ensina o que sabe e o que aprende o que não sabe» (B. Cousinet) (50).
O ensino de grupo é, como se disse, particularmente útil e a sua aplicação deve acentuar-se nas cadeiras clínicas. Diremos que ele tem até em medicina um notável valor formativo, porquanto o trabalho médico moderno exige muitas vezes a colaboração de um grupo em medicina curativa e quase sempre em medicina preventiva. O ensino nas escolas de saúde pública é essencialmente deste tipo e para que o aluno o aceite é preciso que o curso médico o tenha tornado receptivo neste ponto.
O ensino modificado segundo as normas referidas pode conduzir ao encurtamento do número de anos do curso. Este encurtamento do curso médico, baseado no melhor aproveitamento do tempo e no ajustamento dos programas, começa hoje a ser sugerido, não só em Portugal, como, por exemplo, pelo Prof. Gouveia Monteiro (51) e pela comissão que elaborou o relatório sobre as carreiras

(40) L'Enseignement de l'Hygiene (nota n.º 8), 1958, p. 42.
(41) A Organização Mundial da Saúde tomou há muito esta posição quanto à formação em saúde pública do estudante de medicina: ver a monografia de Grundy e Mackintosh e vários relatórios de peritos, por exemplo os n.ºs 69, 175 e 209, e, em especial, o 10.º relatório para formação do pessoal técnico médico e auxiliar.
(42) A Organização Mundial da Saúde tem tomado também uma posição bem definida neste ponto em vários relatórios de peritos. Ver também J. Cândido de Oliveira: «Perspectivas do unsino médico», Jornal do Médico, 46 :887, 1961.
(43) A Associação Médica Mundial tem uma posição muito firme nesta matéria e, no mesmo sentido, também a Organização Mundial da Saúde por intermédio da importância que tem dado u medicina social c à formação moral do estudante (veja-se relatório n.º 69). Vejam se ainda a este respeito os autores da língua portuguesa: Lúcio Galvão (Rio de Janeiro), Semana Médica, III, n.º 135, 1961; J. da Silva Horta, Jornal de Estomatologia n.º 54, 1908, Boletim da Ordem dos Médicos, 8 :7, 1959, idem o mesmo Boletim, 8 :431, 1959.
(44) J. Burton pergunta «se «era exagerado pretender que para a medicina contemporânea a biologia humana, as ciências sociais e a educação sanitária terão mais o carácter de ciências fundamentais do que a botânica, a física e a química (Deuxième Conférence Européenne sur Education Sanitaire de la Population», Organização Mundial da Saúde, 1958, p. 1).
(45) A nossa escolaridade máxima é de 20 horas semanais no 1.º e no 2.º anos; de 23 no 3.º e 4.º anos; de 27, no 5.º e 6.º anos (veja-se Decreto-Lei n.º 40360, de 20 de Outubro de 1955). Esta escolaridade é apenas teórica, porquanto os estudantes não são obrigados a assistir às aulas teóricas e podem dar um terço de faltas nas aulas práticas. A escolaridade na Faculdade de Medicino Judaica, de Jerusalém, é de 40 horas em todos os anos (veja-se Mishes Prywes, Educación Médica en Israel, 1961).
(46) «Practicas de control familiar en las actividades de los estudiantes de Medicina en México», in Second World Conference on Medical Education, 1959, p. 181.
(47) «Group dynamics and the role of authority in higher education», B. G. Egner, Asaociation of American Colleges Bulletin n.º 43, p. 577, 1957.
(48) Veja-se, por exemplo, Hernan Alessandri, Proceedings of the Second World Conférence on Medical Education, Chicago, 1959, p. 97.
(49) Jean Snoeck, Proceedings of the Second World Conference on Medical Education, Chicago, 1959, p. 182.
(50) Pédagogie de l'Apprentissage, Presses Universitaires de France, Paris, 1959.
(51) Jornal do Médico n.º 888, 1959.

Página 1547

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1547

médicas (52), mas também no estrangeiro, onde nalguns países o curso é já bastante mais curto que entre nós (Estados Unidos - quatro anos)(53).

24. Voltamos a acentuar a imperiosa necessidade de se criar uma nova mentalidade no ensino pré-graduado da medicina em face de um exercício profissional que possui novos horizontes, isto é, que se ocupa do homem - da sua saúde e da sua doença - segundo o duplo ponto de vista somático e mental.
Como o ensino clássico em muitas Facilidades de Medicina é feito exclusivamente no sentido curativo, tem-se repetido há uns anos a esta parte que é urgente dar também ao estudante uma formação em medicina preventiva e social e isto não só através da cadeira de Higiene, mas desde os primeiros anos do curso (51).
Na reunião da comissão de peritos para a formação do pessoal médico e auxiliar, realizado em Genebra, em 1958, o Dr. P. Dorolle, que representava o director-geral, disse no discurso inaugural que «a Organização Mundial de Saúde estava desejosa de ver uma concepção preventiva e social inspirar o ensino médico desde as primeiras etapas».
C. Canaperia (55) fala de «necessidade de se constituir uma mentalidade em medicina preventiva, antes de o estudante adquirir uma mentalidade em medicina clínica» (56).
O ensino ao longo do curso médico seria feito em dois sentidos, o primeiro dos quais consistiria em chamar a atenção do estudante a propósito de cada assunto para as respectivas implicações de ordem preventiva e social. Se isto é possível no período das cadeiras básicas, como na Bioquímica, a propósito da nutrição, por exemplo, e também na Psicologia e na Sociologia, muito mais fácil é fazê-lo no período pré-clinico, no qual são dadas as cadeiras de Patologia Geral, Anatomia Patológica (57) e Bacteriologia, e, ainda mais, no período clínico, onde o estudante já tem suficiente conhecimento da patologia das várias afecções para perceber a sua prevenção e, em cada caso concreto, a sua repercussão no meio social do doente. Para tanto é necessário haver uma atitude médico-preventiva da parte dos professores das disciplinas clínicas. O ensino domiciliário da clínica facilitaria ainda mais o contacto do estudante com a comunidade.
O outro sentido de efectivar esta formação é o de pôr o mais cedo possível os estudantes em relação com os serviços de saúde pública, em especial com os centros de saúde, por intermédio de visitas a vários departamentos destes serviços, em particular aos centros de saúde polivalentes.
Neste sentido teria o papel preponderante o pessoal docente da cadeira de Higiene, em especial o professor titular, entre nós o professor de Higiene e Medicina Social. A este professor, por outro lado, competiria ainda o papel de integração destas matérias nas várias disciplinas do curso médico, particularmente pela sua presença nos trabalhos de grupo do período clínico.
O ensino da cadeira de Higiene e Medicina Social deverá ter um sentido bastante aplicado e, por isso, convirá que seja feito nos centros de saúde, de preferência nos dependentes das escolas de saúde pública e, além disso, em íntimo contacto com os outros serviços de saúde pública. Esto ensino constitui a cúpula da formação do estudante em medicina preventiva e social.
E grande, pois, a responsabilidade do pessoal docente da cadeira de Higiene e Medicina Social e, em especial, do seu professor titular, o qual, para tanto, deve dispor de todos os meios necessários para o desempenho integral das suas funções docentes.
Voltamos a afirmar que a eficácia do ensino pós-graduado da medicina preventiva e social depende numa boa parte da formação que o estudante tiver ao concluir a sua formatura em Medicina. Se essa formação for a que modernamente se propõe, aparecerão muitas vocações no sentido da carreira de saúde pública.
Segundo o que ficou referido atrás, o conteúdo informativo em saúde pública seria suficiente como base para o ensino pós-graduado e permitiria a passagem para este último sem lacunas. H. Péquignot (58) afirma que o ensino da medicina preventiva e social «deve ser um ensino permanente e contínuo».
A Organização Mundial da Saúde tem, como se disse, uma opinião bem estabelecida a respeito da necessidade da formação em medicina preventiva e social a dar ao estudante de medicina. Esta organização não se limitou porém à publicação dos vários relatórios de peritos que visam a referida finalidade, porquanto até organizou em 1952 uma conferência em Nancy sobre o assunto e confiou depois aos professores F. Grundy e J. M. Mackintosh a elaboração de uma obra (já por nós várias vezes citada), acerca do ensino da higiene e medicina social, onde se dedicam para cima de 130 páginas ao ensino pré-graduado.
É preciso, pois, que as Faculdades de Medicina, cuja maioria confere apenas ao estudante uma formação em medicina curativa, façam rapidamente a «viragem».

§ 3.º O ensino pós-graduado da saúde pública.
As escolas de saúde pública

A) Finalidades do ensino pós-graduado

25. O moderno ensino especializado da saúde pública não se destina apenas a médicos, mas também a outros profissionais graduados pela Universidade; tem por finalidade ainda habilitar outros técnicos, que irão trabalhar como auxiliares dos mencionados em primeiro lugar.
Todavia, ninguém duvida de que o objectivo fundamental é o de ministrar conhecimentos aos médicos que se destinam aos serviços sanitários, quer dizer, à carreira da saúde pública, e ainda a clínicos gerais, que terão de executar no futuro actos médicos preventivos e sociais, por estarem mais em contacto com a comunidade. As características actuais do exercício médico obrigam também a que se continue a ministrar conhecimentos sobre a medicina preventiva e social aos jovens internos que têm por objectivo a carreira hospitalar. Por outro lado, será para desejar que todos aqueles que se destinam a saúde pública não possam ingressar como alunos nas instituições cuja finalidade é a de habilitar nesta matéria sem terem frequentado o internato hospitalar durante um ou dois anos.

(52) Relatório sobre as Carreiras Médicas, 1961, a partir da p. 155.
(53) Consulte-se a este respeito: American Universities and Colleges, Washington, 1956; World Directory of Medicai Schools, Genève, Organização Mundial da Saúde, 1953; Gouveia Monteiro, Jornal do Médico n.º 841, 1959.
(54) Este princípio encontra-se expressa em vários relatórios de peritos da Organização Mundial da Saúde.
(55) First World Conference on Medical Education, Londres, 1953, p. 584.
(56) Além destes autores veja-se a este respeito J. Parisot, Grundy e Mackintosh (monografia já citada).
(57) Vejam-se os Relatórios de Peritos (Organização Mundial da Saúde) n.ºs 175 e 209.
(58) First World Conference on Medical Education, Londres, 1953, p. 568.

Página 1548

1548 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

O ensino da saúde pública não se limita aos graduados pela Universidade; todavia, é o nível do ensino pós-graduado que dá categoria às referidas escolas.
O ensino pós-graduado da medicina preventiva e social é, sobretudo, um ensino informativo, contrariamente ao que se passa com o do estudante de medicina. E, além disso, um ensino com acentuadas características de aplicação, feito em ordem aos problemas que os alunos terão no futuro de resolver. Todavia, isto terá de ser feito sem perder o espírito científico criado no curso médico - pelo contrário, deve fortalecê-lo pelo contacto com métodos rigorosos, tais como os estatísticos e a própria investigação científica, quer laboratorial, quer de trabalho de campo.
Pelo que se disse, a maior ou menor importância a dar às várias disciplinas varia com as regiões e os países. Ao passo que em países fortemente industrializados o ensino da higiene industrial deve ter um lugar de destaque, noutros o ensino da epidemiologia e da profilaxia das doenças transmissíveis tem de ocupar o primeiro plano. Há, no entanto, um certo número de matérias que são comuns aos vários países.
A tendência actual é para a constituição de escolas de saúde pública do tipo das americanas e das inglesas. O ensino nos países da Europa continental é, de uma maneira geral, bastante díspar e, por vezes, como na Suíça, não existe mesmo um ensino organizado (59).
Um ensino intenso pode ser desnecessário se as condições sanitário-sociais de um país não o justificar, tal como sucede no país citado em último lugar, em que não existe concentração industrial e em que a economia é simples ou, como na Suécia, onde o nível de vida é elevado e existe uma legislação sanitária eficaz (59).
O relatório da Organização Mundial da Saúde sobre a organização do ensino pós-universitário da saúde pública (1961) define como escola de saúde pública uma instituição dotada de recursos apropriados que, independentemente das pesquisas que leva a efeito e dos serviços que fornece à colectividade no domínio da saúde pública, organiza para os membros do corpo médico e das profissões auxiliares um programa de estudos em full-time, ocupando pelo menos um ano universitário ou tendo uma duração equivalente, e versando sobre as matérias indispensáveis à compreensão dos diversos problemas de saúde pública, assim como sobre os conceitos, a organização e os métodos que exigem a sua solução (60).
Em vários relatórios da Organização Mundial da Saúde fala-se em ensino pós-universitário; com isto não se quer significar que o ensino seja feito fora da Universidade - visto que a maioria das escolas de saúde pública pertencem ou estão ligadas à Universidade, ou até dependem das Faculdades de Medicina -, mas apenas que se trata de um ensino feito para além da concessão do diploma de médico ou de engenheiro, etc. Quer dizer que nas referidas escolas se ensinam indivíduos diplomados pelas Universidades.

B) Doutrina e bases em que deve assentar a orgânica das escolas de saúde pública

26. Uma escola de saúde pública tem um certo número de finalidades, a que já aludimos, e para que as possa atingir plenamente deve possuir uma doutrina
- uma «filosofia básica» - e uma orgânica que lhe permita levar a efeito um ensino que se integre na respectiva doutrina.
A importância de possuir uma doutrina é tal que certas escolas dedicam algum tempo à ponderação deste facto, consultando leaders antes de abrir as suas portas ao ensino, tal como sucedeu à Escola Graduada de Saúde Pública de Pittsburgo (61).
A mentalidade em medicina preventiva e social, adquirida pelos estudantes durante o curso médico, deve ser reforçada na escola: os seus cursos devem ser organizados de forma a «considerar os problemas médicos, sanitários e sociais à luz das ciências estatísticas, psicológicas, sociais e administrativas» (Dr. Cayolla da Motta) (62). Uma escola de saúde pública tem de ser então uma instituição de cunho fortemente científico e, como tal, é indispensável que seja um centro de pesquisa científica.
Os programas de ensino devem ser frequentemente revistos, tanto mais que factores de ordem vária modificarão com certeza as finalidades a atingir, enquanto a «filosofia básica», manter-se-á durante muito tempo, talvez mesmo ao longo de gerações.
A pesquisa científica pode efectuar-se nos laboratórios da escola, por exemplo nos departamentos de bacteriologia, de nutrição, de bioquímica, etc. Os vários sectores do serviço de saúde de um país devem contribuir para o fornecimento de material de pesquisa, como, por exemplo, os laboratórios de saúde pública.
Cada escola pode tomar a seu cargo a investigação de um ou mais problemas de saúde do seu país ou região. Por exemplo, a Escola de Pittsburgo está interessada em especial nas seguintes doenças: insuficiência cardíaca, alcoolismo, obesidade, arteriosclerose, distrofia muscular, cancro e, ainda, nutrição experimental. A investigação sobre o cancro do pulmão é um dos problemas da secção de epidemiologia desta Escola (63).
Excluindo mesmo a investigação puramente laboratorial, uma escola de saúde pública encontra um vasto tampo de pesquisa noutros domínios, como, por exemplo, a avaliação estatística dos dados colhidos por intermédio de inquéritos de vária ordem, levados a efeito numa dada região urbana ou rural.
Em problemas vastos tais como, por exemplo, o da etipatogenia do cancro e o das doenças da nutrição terão de colaborar na pesquisa várias secções de escola; por exemplo, à avaliação de elementos colhidos no exterior, quer no seio da colectividade, quer nos hospitais (serviços de clínica, laboratórios e anatomia patológica), juntar-se-ão os elementos obtidos na pesquisa experimental nas secções de bioquímica, epidemiologia e noutras.
Os alunos devem viver esta. atmosfera de pesquisa, e os que se destinam à carreira da saúde pública têm de tomar uma parte activa na investigação, o que é possível, dado, em geral, o escasso número de alunos a ensinar.
O nível de uma escola de saúde pública depende muito da importância da pesquisa científica que leva a efeito, c até a eficiência do ensino depende em boa medida desta premissa. A passagem do aluno pela escola dá a oportunidade ao mesmo de. escolher no vasto campo da saúde pública o ramo especializado para o qual se sente mais atraído e onde de futuro irá exercer a sua acção.

(59) Veja-se a este respeito a obra. já várias vezes citada, de Grundy e Mackintosh a partir da p. 209.
(60) 10.º Relatório da Comissão de Peritos para a Formação Profissional e Técnica do Pessoal Médico e Auxiliar, 1961.
(61) University of Pittsburgh Bulletin, 1958, 1959.
(62) O Médico n.º 470, 1961.
(63) Veja-se, por exemplo, também os problemas em via de investigação nos vários departamentos da «London of School Hygiene and Tropical Medicine», na publicação da mesma Escola - Report on the work of the School for the year 1960-1961.

Página 1549

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1549

Uma das bases essenciais da orgânica de uma escola de saúde pública diz respeito à sua autonomia pedagógica, técnica e administrativa. É este um ponto em que estão de acordo autores nacionais e estrangeiros (64). O recente Relatório de Peritos para o Ensino da Saúde Pública, da Organização Mundial da Saúde, 1961, chama a atenção para a necessidade de conceder a máxima autoridade ao conselho de professores para a elaboração de programas e a criação de novos cursos.
Outra base essencial é o estabelecimento de relações com os serviços de saúde, com a Universidade e com outras instituições, resultando daí mais amplas possibilidades.
A escola tem de possuir mesmo um ou mais centros de saúde polivalentes aos quais deve ser atribuída uma certa área, pela qual o seu pessoal se torne responsável e por intermédio dos quais os alunos possam estudar os problemas preventivo-sociais da colectividade.
Pelas razões expostas, e ainda porque as escolas de saúde pública podem ser criadas pela Universidade - dependendo ou não das Faculdades de Medicina -, pelo Ministério da Saúde Pública, ou ainda pelos governos de vários Estados ou até de vários países (65), o tipo de relações e de dependência deve ficar bem definido no estatuto jurídico da escola.
Outra base ainda essencial é a de que o corpo docente seja competente, numeroso e que trabalhe em regime de ocupação completa, pelo menos nos departamentos fundamentais. O Relatório n.º 10 da comissão de peritos (organização do ensino pós-universitário de saúde pública, Organização Mundial da Saúde, 1961), todavia, admite e considera até «vantajoso que uma mesma pessoa assuma conjuntamente funções de administrador num serviço de saúde (sem que seja necessariamente o chefe) e de ensino». No referido relatório insiste-se muito na competência dos professores: «...o corpo docente deve possuir títulos pedagógicos tão elevados como os que são requeridos para o corpo docente de outras disciplinas da Universidade ou dos estabelecimentos superiores equivalentes».
A relação óptima entre o pessoal docente e o número de alunos será, segundo a mesma comissão, de um para três. Levanta-se assim a necessidade de estabelecer uma limitação nas admissões à escola, reservando em primeiro lugar, no que respeita a médicos, as vagas para aqueles que se destinam à carreira de saúde pública. Aquela proporção diz respeito ao curso de médico sanitarista, e não aos cursos de poucos meses ou semanas, tais como os cursos de aperfeiçoamento e os que se destinam a internos e a médicos rurais.
De tudo o que dissemos deduz-se: para que uma escola de saúde pública moderna desempenhe as suas tarefas de uma maneira perfeita, as verbas orçamentadas para o seu funcionamento têm de ser necessariamente grandes. Mas o juro do que se investe com a educação e a saúde é largamente compensador e exactamente uma escola nacional de saúde pública tem por finalidade educar indivíduos que irão trabalhar no sentido da saúde do homem.

C) Cursos a ministrar

27. Os cursos que mais importa ministrar numa escola de saúde pública são os que se destinam a médicos. É evidente que a grande tarefa destas escolas diz respeito à preparação de médicos sanitaristas na quantidade indispensável às necessidades da saúde pública de um país. É esta a conclusão que se colhe ao ler as várias publicações que tratam do assunto, em especial os boletins das diversas escolas.
Em todas as escolas modernas há cursos para engenheiros em saúde pública, quer o ensino se faça apenas na escola ou em colaboração com instituições de ensino de engenharia, tal acontece com a London School of Hygiene and Tropical Medicine, em que o curso é praticamente ministrado pelo Imperial College of Science and Technology (66). Os estudantes frequentam um dia a um dia e meio por semana a referida escola de higiene, a fim de estudarem, sobretudo com os alunos médicos, os assuntos de interesse comum.
O ensino da enfermagem sanitária é geralmente feito nas escolas de saúde pública, e no programa de algumas aparece o ensino de educadores sanitários. A higiene industrial constitui nalgumas escolas um curso independente, como por exemplo na de Harvard (67) ou faz parte da saúde ocupacional - noutras é um complemento do curso de sanitarista, como na de Londres e na de Pittsburgo(68). Nalgumas escolas há ainda cursos especiais, como de Saúde Mental, de Medicina Aeronáutica e outros.
Um exemplo bastante típico da diversidade de cursos é o dado pelo Instituto de Saúde Pública de Tóquio (69): há cursos regulares para médicos (General Public Health Course), para engenheiros, veterinários, farmacêuticos, estomatologistas, agrónomos e físicos (Sanitary Science Courses) e para enfermeiras, dentistas, nutricionistas e psicólogos (Health Guidance Course) e cursos especiais para funcionários de saúde, educadores sanitários, etc.
Quando uma escola funciona em regime de numerus clausus, a primazia é dada aos médicos, mas, se isto é uma regra geral, compreende-se que conforme as necessidades do respectivo país em cada momento assim se possa variar o número de candidatos médicos e não médicos admitidos.
Numa ou noutra escola estão incluídos cursos de profissionais que não se destinam propriamente ao exercício da saúde pública, mas que necessitam de conhecimentos nesta matéria; tais são, por exemplo, os cursos que se destinam a administradores hospitalares (70) (Londres, Minnesota e Pittsburgo), funcionários da administração hospitalar e dos serviços nacionais de saúde (como, por exemplo, na Escola de Salubridade de Santiago do Chile) (71).
A duração dos cursos de saúde pública depende do tipo dos cursos. Os cursos principais (médico sanitarista, engenheiro sanitário, enfermeira de saúde pública) são em toda a parte de um ano escolar em full-time e, se possível, em regime residencial. Compreende-se que os cursos elementares para médicos rurais, internos de hospitais e os de aperfeiçoamento do pessoal dos quadros sanitários e

(64) Arnaldo Sampaio, O Médico, n.º 470, 1961; Cayolla da Motta, O Médico, n.º 494, 1961; Organização Mundial da Saúde, 10.º Relatório de Peritos sobre o Ensino de Saúde Pública, 1961.
(65) Projecta-se, por exemplo, criar uma escola de saúde pública comum aos seguintes países: Suécia, Noruega, Dinamarca, Finlândia e Islândia (ver obra de Grundy e Mackintosh, p. 249).
(66) Ver a este respeito: Syllabus of Courses, 1960-1961, London, School of Hygiene and Tropical Medicine (University of London), p. 29.
(67) Courses of Instruction (1960-1961), Harvard School of Public Health: Official Register of Harvard University.
(68) Announcements for 1958-1969. Graduate School for Public Health, University of Pittsburg Bulletin.
(69) Veja-se a publicação The Institute of Public Health, Tokyo (Ministry of Health and Welfare, 1959).
(70) Acerca dos cursos para administradores hospitalares nas escolas de saúde pública veja-se: Syllabus of Courses, 1960-1961. London; University of Pittsburg Bulletin (Graduate School of Public Health, 1958-1959).
(71) Circular n.º 15 da Escola da Salubridad (Universidad de Chile, Faculdad de Medicina), 1958.

Página 1550

1550 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

outros sejam muito mais curtos - poucos meses ou até algumas semanas -, levando-se o tempo gasto em linha de conta com a escolaridade estabelecida.

D) Disciplinas

28. As disciplinas variam com a índole dos cursos e largamente com o fim a que se destinam os alunos, o que depende da tarefa que irão executar no futuro. Se em todos os países há matérias comuns a ensinar, é óbvio que em cada país há problemas sanitários diferentes a resolver e portanto justifica-se não só que o predomínio do ensino incida sobre determinados assuntos, mas também que existam cadeiras que se não encontram no programa de outros países.
Se nos países mais evoluídos e industrializados se tem de dar uma importância especial à medicina do trabalho e aos problemas que resultam por exemplo, da acção do smog e da velhice - noutros há que resolver problemas de hiponutrição e má nutrição e de profilaxia de doenças infecciosas. No entanto, existem cadeiras ou disciplinas comuns, tais como a Microbiologia e Imunologia, a Bioestatística, a Nutrição, a Administração de Saúde Pública, Saneamento e Medicina do Trabalho (72).
Em geral, a cada uma destas matérias correspondem unidades de ensino e de investigação - os «departamentos».

E) Diplomas e graus

29. As escolas americanas concedem graus em saúde pública: graus de master e de doctor. Na Escola de Saúde Pública e Medicina Tropical de Londres preparam-se os candidatos (médicos) para o exame destinado à obtenção do diploma académico em saúde pública (D. P. A.) - exame feito perante um júri da Universidade de Londres. Há ainda um diploma em saúde industrial (D. I. H.) para os médicos já diplomados com o curso anterior; diploma em psicologia, diploma em engenharia sanitária; diploma em medicina tropical e higiene (D. T. M. & H.) para médicos; diploma em bacteriologia para médicos e farmacêuticos.
Nas escolas americanas o grau de master (M. P. H.) destina-se não só a médicos, mas a outros profissionais que trabalham no campo da saúde pública, tais como engenheiros, dentistas, estaticistas, enfermeiras e veterinários. No programa destes últimos há um certo tempo - tal como para médicos - dedicado ao ensino comum das ciências básicas da saúde pública.
O grau de doctor em saúde pública (D. P. H.) destina-se a quem já possui o grau anterior. Para tanto, é ministrado um ensino mais aprofundado em certas matérias e sobre uma delas o aluno tem que elaborar uma tese. Estas escolas atribuem ainda o grau de master of Science in Hygiene (M. S. H.) e o de doctor of Science in Hygiene (D. S. H.) para os estudantes a quem desde o início interessa a especialização apenas nos assuntos correspondentes a um dos departamentos fundamentais (73).

F) Métodos pedagógicos

30. Se, de uma maneira geral, já no ensino médico pré-graduado há a tendência para diminuir o número de lições magistrais em relação às reuniões de grupo, tais como seminários, etc., em quaisquer programas das escolas de saúde pública a referida tendência acentua-se ainda mais. O ensino deve ser não só activo, mas também constituirá, por assim dizer, um ensaio do que cada um irá executar na prática. E como a prática em saúde pública resulta muitas vezes da convergência de conhecimentos de vários profissionais, um método usado de preferência é exactamente o de habituar esses profissionais de formação tão diferente a debater entre si problemas concretos, que no futuro terão de ser resolvidos em comum. Por essa razão, no ensino feito a cursos diversos haverá sessões conjuntas de estudo. Há mesmo quem preconize um curso único de saúde pública, em que todas as matérias serão versadas em comum. Durante a conferência de Goeteborg foi largamente focado o interesse de o ensino elementar ser feito em comum para médicos, engenheiros, estaticistas, dentistas, enfermeiras, educadores sanitários, etc.
O que se verifica mais nos programas das várias escolas é o ensino em comum ser apenas feito em determinadas matérias. Assim, na Escola Graduada de Pittsburgo há ensino comum em três campos: relações homem-ambiente, onde se inclui fisiologia do ambiente, microbiologia, saneamento, nutrição em saúde pública e psiquiatria social; conceitos de grupo, onde se incluem princípios de estatística e princípios de epidemiologia, e prática de saúde, onde estão incluídas a prática de saúde pública e saúde industrial.
O método de escolha de assuntos a dar em comum depende essencialmente do critério do corpo docente da escola, que a este respeito entrará em linha de conta não só com o que em qualquer escola de saúde pública é dado em conjunto, mas também com razões de ordem local, tais como o nível profissional dos participantes e os problemas sanitários de resolução mais premente.
Cada professor modificará com o decorrer do tempo os seus métodos, consoante os resultados obtidos: a investigação dos métodos de ensino é uma função do ensino superior e uma obrigação de todo o professor que se preocupa em ensinar cada vez melhor.
A aprendizagem em saúde pública tem de sei prática: o aluno tomará contacto o mais cedo possível e no próprio local com os vários problemas e, apesar de não participar na responsabilidade administrativa, tomará parte activa na execução.
Grundy e Mackintosh (74) escreveram a respeito dos métodos que devem ser usados: «o estudante é diplomado e, portanto, dotado de maturidade. O seu esforço tem de ser, sobretudo, pessoal e a orientação essencialmente prática».
Algumas escolas preconizam de tal maneira o ensino prático que destinam parte do tempo do curso para trabalho individual junto de um tutor, que pratica, por exemplo, medicina rural.
Os centros de saúde são postos excelentes para um ensino prático; será útil que se utilizem centros urbanos a centros rurais, porquanto os problemas são em grande parte de índole diversa.
A Escola Graduada de Saúde Pública de Pittsburgo tom anexos um centro urbano e outro rural (75).
Em ligação com a Escola de Saúde de Zagreb há um centro de saúde a 25 quilómetros da cidade, numa região montanhosa que apresenta problemas de saúde muito variados, como de esgotos, fornecimento de água, bócio en-

(72) Veja-se a este respeito: Recomendações da comissão de peritos nobre o ensino da saúde pública (10.º relatório), Organização Mundial da Saúde, 1961.
(73) Para a colheita de mais pormenores vejam-se, sobretudo, os Boletins da Universidade de Pittsburgo, Harvard e John Hopkins.
(74) Obra já citada.
(75) University of Pittsburg Bulletin, Graduate School of Public Health, Announcements for 1958-1959.

Página 1551

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1551

démico ... O meio é muito pobre e o centro de saúde está situado numa casa propositadamente modesta (76).
É claro que a lição magistral continuará a ser necessária, por exemplo, em tudo que diga respeito ao ensino da legislação sanitária do país e do estrangeiro, ao ensino de regulamentos, exposição das bases essenciais a que obedecem os planos de saneamento, aos inquéritos de vários tipos, ao conhecimento da orgânica dos serviços de medicina curativa, tais como serviços nacionais de saúde e instituições de seguro-doença.
Por outro lado, o ensino de pequenos grupos, como .por exemplo os seminários e os chamados «grupos de ensino dirigido» ou de «ensino de opção», decorre sempre na presença de um ou mais monitores (tutores) e professores, que no fim fazem a crítica da discussão e estabelecem o que é essencial e o que é acessório.
Em várias escolas os alunos são obrigados a apresentar trabalhos escritos, geralmente curtos, projectos e inquéritos de vária ordem.
Na Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres cada aluno tem um day book, onde escreve as suas impressões: observações críticas em vários assuntos de medicina preventiva e social relacionados com visitas que fez, trabalhos de campo que executou, com artigos aparecidos em jornais sob assuntos de saúde pública. Neste caderno diário não se pode fazer referência aos trabalhos de laboratório ou aos assuntos dados nas aulas. A apreciação deste diário tem muita importância como elemento para a classificação final do aluno.
Além das aulas magistrais, reuniões de grupo, visitas, relatórios e estágios em centros de saúde, têm todo o interesse os trabalhos práticos de laboratório. O ensino apesar de muito aplicado nunca deverá afectar a formação científica do aluno; os trabalhos de laboratório são portanto, até por esta razão, um complemento indispensável da formação dos futuros técnicos de saúde pública.
A repartição do tempo destinado em cada disciplina às actividades acima referidas é uma tarefa a cargo do conselho escolar, aliás difícil, e que será tanto melhor atingida quanto maior for a experiência adquirida (77).
É claro que é útil o emprego dos métodos audiovisuais como complemento das lições magistrais e trabalhos de aplicação, tais como gráficos, esquemas, quadros murais, diapositivos e filmes. Cada escola tem evidentemente de possuir boas colecções deste material de ensino. O futuro deve reservar um lugar de importância no ensino à televisão em circuito fechado quando se tratar de um vasto auditório, mas duvidamos que em escolas de saúde pública, com uma frequência limitada, por ora, o seu emprego tenha qualquer relevância.
Todos estes métodos têm a sua utilidade, mas em saúde pública, num curso pós-graduado, o essencial para que um aluno fique habilitado é executar ele próprio aquilo que lhe virá a ser exigido quando tiver a responsabilidade de técnico de saúde. Na base do ensino tem de estar o trabalho individual e a discussão dos seus resultados.

Se ouvirmos uma coisa, esquecemo-la.
Se a virmos, lembramo-nos.
Se a fizermos, sabemo-la.
Se a discutirmos, sabemos que a sabemos (78).

CAPITULO III

O projecto de proposta de lei

§ 1.º Preliminares

31. Após a revisão feita nos capítulos anteriores dos modernos conceitos da medicina, dos horizontes da saúde pública e das principais características do ensino pré e pós-graduado desta última, vamos empreender concretamente a apreciação do projecto de proposta de lei na sua generalidade.

§ 2.º Justifica-se criar em Portugal uma escola de saúde pública?

32. A Câmara já afirmou no início deste parecer considerar que uma decisão destas tem um significado transcendente.
Um dos graves problemas do nosso país consiste na falta de técnicos competentes em todos os ramos. Podemos aplicar às questões da saúde das populações o que o Dr. Alberto Ralha (79) escreveu há pouco, a propósito da reorganização industrial:

... o elemento humano é de fundamental importância, c da sua excelência depende o aproveitamento que possa ser tirado do equipamento ou das instalações.

A Escola Nacional de Saúde Pública tem por principal finalidade habilitar um importante corpo de técnicos em saúde pública; ora, se se quiser exercer uma acção decisiva num país onde nos níveis sanitários, sobretudo os mais significativos [a mortalidade infantil, o indicador de Swaroop e Uemura (80), a esperança de vida e a morbilidade pela tuberculose (81)], não são ainda satisfatórios, não obstante os progressos realizados nos últimos tempos, teremos de preparar rapidamente os respectivos técnicos.
Evidentemente que não é só a existência de um corpo de técnicos de saúde, competente e numeroso, que irá resolver estes problemas, mas também sabemos que sem ele os mesmos não se resolverão, a despeito da matéria contida nos dois importantes diplomas: Reforma da previdência social e Estatuto da Saúde e Assistência.
De entre as recomendações dos Relatórios de peritos para a organização do ensino da saúde pública (Organização Mundial da Saúde, Relatório n.º 10, 1961), lê-se que as escolas de saúde pública devem estabelecer-se «era regiões onde as necessidades em pessoal qualificado não podem ser satisfeitas pelas instituições existentes. São factores importantes, que é preciso ter em consideração para a criação de uma escola de saúde pública, os elementos que dizem respeito à mortalidade e à morbilidade ...».

§ 3.º A escola deve ser criada na dependência do Ministério da Saúde e Assistência, mas em estreita ligação com a Universidade

33. Uma vez que se considera indispensável criar em Portugal uma escola de saúde pública de nível universitário, levanta-se o problema: na dependência de que Minis-

(76) Branko Kesia, «Community resources as a field of advanced training for the doctor», Second World Confersnce on Medical Education, Chicago, 1959, p. 445.
(77) Veja-se no 10.º Relatório da Comissão de Peritos (ensino da saúde pública) o tempo que em média se dedica a cada uma destas actividades.
(78) Provérbio chinês antigo, adaptado por VV. Hobson, chefe do Departamento de Educação da Organização Mundial da Saúde.
(79) «A reorganização industrial e a Universidade», Rumo n.º 52,1961, p. 468.
(80) ((Níveis sanitários portugueses», Revista do Centro de Estudos Demográficos, C. Santos Beis. 1962, p. 5.
(81) A propósito da morbilidade pela tuberculose em Portugal ler a entrevista dada à Semana Médica n.º 152, Março de 1962,, pelo director do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, Doutor Lopo Cancela de Abreu.

Página 1552

1552 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

tério deve ser criada? Porque não no Ministério da Educação Nacional, integrada na Universidade, ou, até, anexa a uma da três Faculdades de Medicina do País? Trata-se de uma escola de ensino pós-graduado cujo funcionamento cabe muito bem no âmbito da Universidade, tal como muitas outras escolas pós-graduadas estrangeiras de ensino médico.
A este ponto de vista opõe-se outro: a escola destina-se, sobretudo, a- diplomar funcionários de saúde, logo, a sua inclusão no Ministério da Saúde e Assistência teria todo o cabimento.
No anexo do 10.º Relatório sobre a organização do ensino pós-universitário de saúde pública (1961), aqui já várias vezes citado, dá-se conta de um questionário dirigido às escolas de saúde pública. Responderam 44 escolas, 5 da Europa continental, 8 da Inglaterra e 9 da Comunidade Britânica, 10 dos Estados Unidos da América, 5 da América Latina e 7 de outros países. Destas 44 escolas, «33 funcionam sob os auspícios de uma Universidade; 10 não são instituições distintas, mas constituem um departamento de uma escola de medicina». Em S. Paulo há até uma Faculdade de Higiene e Saúde Pública. Em França, 5 ensino pós-graduado de saúde pública é feito pelas Faculdades de Medicina. Há alguns anos foi uniformizado no plano nacional quanto à sua duração, às suas matérias e ao exame final (J. Parisot) (82). Segundo H. Péquignot (83), cada Faculdade concede o seu certificado em higiene, medicina preventiva e social, por um lado, e em medicina do trabalho, por outro. Ainda segundo o mesmo autor, existe uma escola nacional de saúde pública, dependente do Ministério da Saúde, onde se prepara a maior parte dos médicos funcionários de saúde e ainda o pessoal para-médico. Na Espanha existe uma escola nacional de saúde, que está sob a égide da Universidade de Madrid, mas que faz parte do Ministério do Interior. A escola é dirigida por um conselho, do qual é presidente o Ministro do Interior e do qual fazem parte o Ministro da Educação Nacional, o director-geral de Saúde e o reitor da Universidade.
O Instituto de Saúde Pública de Tóquio (84) depende do Ministério da Saúde. As escolas de saúde pública americanas estão todas integradas na Universidade.
Pelo que deixamos escrito, conclui-se que as modernas escolas de saúde pública funcionam, na sua quase totalidade, integradas na Universidade.

34. No caso português o que melhor convirá? O ensino da medicina sanitária esteve primeiro entregue às Faculdades de Medicina e depois, pelo Decreto n.º 36 050, de 18 de Dezembro de 1946, passou a ser feito pelo Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, de Lisboa, sob a égide do Ministério do Interior (85). A partir de 1954 o ensino passou também a ser feito no Porto, na delegação do referido Instituto. Do facto de as Faculdades de Medicina terem sido privadas de fazer este ensino resultou um nítido prejuízo para os jovens médicos do centro do País, que, para tirar o curso, se viram forçados a deslocar-se para Lisboa e, mais tarde, em alternativa, também para o Porto.
Não nos parece que tenha grande importância que a futura Escola Nacional de Saúde Pública fique na dependência do Ministério da Saúde e Assistência ou no da Educação Nacional, uma vez que numa ou noutra posição lhe seja atribuída uma autonomia pedagógica, técnica e administrativa e uma vez que se encontre ligada por um lado à Universidade e por outro aos serviços de saúde.
Reproduzimos na íntegra uma frase de J. Parisot (86), dada a experiência que este autor tem em matéria de saúde pública: «Qu'il en soit de l'une ou de 1'autre (refere-se à Universidade e ao Ministério da Saúde) des liaisons étroites doivent unir ces écoles avec les Facultes de Medicine et leur département d'hygiène et de medicine social et, d'autre part, avec le Ministère interessé». Entre as recomendações feitas no Relatório n.º 10 para a organização pós-universitária de saúde pública (1961) destaca-se o n.º 3, onde se diz que «uma escola de saúde pública deve, tanto quanto possível, estar ligada a uma Universidade, a fim de poder aproveitar das vantagens que oferecem os outros departamentos universitários, e reciprocamente, a fim de exercer influência sobre estes departamentos no que diz respeito- às disciplinas de saúde pública».
Quanto à escola que se pretende criar em Portugal, só lhe adviriam também benefícios da ligação com a Universidade, sobretudo no que respeita à Faculdade de Medicina, cujos laboratórios - muitos dos quais hoje bem apetrechados e dirigidos - constituiriam um forte apoio para a sua investigação.
A vantagem não resultaria só de poder contar com os laboratórios, mas ainda com as bibliotecas, quer as centrais, onde se poderiam colher preciosas informações de ordem histórica, quer as privativas das várias cadeiras, algumas das quais são excelentes. Haveria ainda a vantagem de ter à disposição os meios de trabalho dos institutos universitários, tais como, e seria este o caso de Lisboa, o Instituto Bacteriológico Câmara Pestana, o Instituto Português de Oncologia e o Instituto Oftalmológico Gama Pinto. Teria igualmente interesse a colaboração com os serviços de outras Faculdades.
Esta ligação com a Universidade traria reais vantagens para ambas as partes: se é certo que a própria Escola com os seus centros de saúde polivalentes constituiria a base indispensável para a formação do estudante de medicina em medicina preventiva e social, não é menos verdade que deste facto resultariam vocações de jovens diplomados para a carreira de saúde pública; esses jovens seriam os futuros alunos da Escola.
Em resumo, se considerarmos que a ligação com a Universidade constitui uma base fundamental para o bom êxito da nossa escola de saúde pública, também estamos certos que nunca conseguiremos dar aos estudantes de medicina uma formação médica moderna sem uma perfeita ligação com os serviços de saúde pública.

35. Com o projecto da criação da Escola Nacional de Saúde Pública antevê-se um momento único para iniciar a resolução de um problema nacional que transcende em muito a simples criação dá Escola: a mudança da «filosofia» do exercício da profissão médica. Para que as comunidades portuguesas sejam servidas no duplo ponto de vista da manutenção da saúde, e da cura da doença, como

(82) No prefácio do livro de Grundy e Mackintosh, já várias vezes citado, p. 17.
(83) «L'état actuel de l'enseignement de la medicine préventive et sociale en France», First Conference on Medical Education, Londres, 1953, p. 568.
(84) Veja-se a publicação: The Instituto of public Health, Tóquio, 1959.
(85) Deve esclarecer-se que o Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge esteve na dependência da Faculdade de Medicina de Lisboa o nele se ministrava quer o ensino de higiene dos estudantes de medicina, quer o ensino pós-graduado desta matéria. Pelo Decreto n.º 16944, de 12 de Junho de 1929. este Instituto passou para o Ministério do Interior.
(86) No prefácio do livro de Grundy e Mackintosh, p. 18.

Página 1553

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1553

já o são outras comunidades modernas, impõe-se a mudança radical da formação do nosso médico - da medicina curativa para a medicina global.
O projecto do Governo e o parecer da 4.ª secção da Junta Nacional da Educação são concordes na finalidade da escola: a preparação de funcionários de saúde, mas não vão mais além. No relatório do projecto nem uma única vez se fala na colaboração com a Universidade, apesar de se falar especificamente «na estreita colaboração com o Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge». Pretender criar uma moderna escola de saúde pública sem a colaboração entre esta última e a Universidade será pôr de lado uma das bases em que assenta a grande maioria das escolas modernas de saúde pública. Mais: criar uma escola sob os auspícios da Organização Mundial da Saúde e até esperar um largo auxílio desta instituição - conforme foi acordado na assembleia geral, realizada em Genebra em Maio de 1960 (87) -, e começar por não seguir uma das dez principais recomendações (88) da sua comissão de peritos para o ensino pós-universitário da saúde pública (1961), seria um mau princípio.
Tão pertinentes são estas considerações que se pergunta porquê não criar a escola na dependência da própria Universidade, como se passou com a maioria das escolas congéneres estrangeiras?
Devemos confessar que nenhuma das nossas Faculdades de Medicina se interessou pelo ensino pós-graduado da saúde pública, porquanto se tem estado ainda a braços com o aperfeiçoamento do ensino do próprio estudante em higiene e medicina social, o qual em duas das Faculdades é feito sem que esteja ocupada a vaga do respectivo professor catedrático. Além disso, não existe em duas das Faculdades um departamento especializado para a realização deste ensino, não havendo também a mais pequena ligação com os serviços de saúde pública. Isto não quer dizer que não se tivessem feito esforços no sentido de resolver esse grave problema. Por exemplo, o conselho da Faculdade de Medicina de Lisboa tem-se ocupado do referido assunto por várias vezes e tem diligenciado resolvê-lo, mas deparou sempre com a dificuldade de encontrar uma individualidade de reconhecido valor internacional que aceitasse o convite para o respectivo lugar de professor catedrático.
Há, todavia, um facto positivo (89), que, quanto a nós, explica a criação da escola no Ministério da Saúde e Assistência: ter este Ministério realizado já importantes e frutuosas diligências junto da Organização Mundial da Saúde. Assim, na última assembleia geral da Organização Mundial da Saúde, realizada em Maio de 1962, foi revelado que poderão ser previstas no orçamento da referida Organização para 1963 verbas destinadas a custear por um ano a permanência entre nós de dois professores escolhidos entre técnicos de língua portuguesa (brasileiros) ou de língua espanhola ou francesa (90). A estada entre nós desses dois professores seria renovada anualmente de modo a irem preparando os professores substitutos portugueses. Começar-se-ia por dois professores no 1.º ano, no ano seguinte dois, depois dois no 3.º ano, e assim sucessivamente. A Organização Mundial da Saúde, além disso, está disposta a conceder anualmente duas bolsas de estudo em escola de saúde pública estrangeira de reconhecido nível e a subsidiar ao director ou subdirector da escola portuguesa a visita às principais escolas congéneres estrangeiras. Deve ponderar-se que estes resultados se devem ao Ministério da Saúde e Assistência.
Em resumo, a Câmara Corporativa tem a opinião de que a escola deve ser criada na dependência do Ministério da Saúde e Assistência, mas que será necessária uma ampla ligação com a Universidade.
A par desta última ligação, outra há a estabelecer: a que diz respeito ao Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, por razões suficientemente expostas no projecto do Governo. E, como decerto não bastaria afirmar o princípio «se não se estabelecesse liminarmente a garantia burocrática da sua execução» - a colaboração com a Universidade e o Instituto ficaria simplificada (para empregar quase as mesmas palavras do projecto de 'proposta de lei) se os professores de Higiene e Medicina Social das três Faculdades de Medicina do País e o director do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge fizessem obrigatòriamente parte do conselho escolar da Escola Nacional da Saúde Pública, mesmo que nela não exercessem, por acumulação, quaisquer funções directivas ou docentes.
No projecto não se faz referência a um lugar de subdirector; a Câmara tem, no entanto, a opinião de que este cargo deve ser criado e por isso, no exame na especialidade, tratará da sua criação.
Da colaboração com a Universidade colher-se-iam largas vantagens para a escola e para a Faculdade de Medicina de Lisboa.
Cabe perguntar quais as vantagens que adviriam para as Faculdades de Medicina de Coimbra e do Porto?
Parece-nos que o funcionamento de centros de saúde polivalentes, em ligação com as cadeiras de Higiene e Medicina Social destas Faculdades, e a colaboração com a delegação do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge no Porto, e no futuro com a projectada delegação do mesmo Instituto em Coimbra, seriam altamente benéficos para o ensino do estudante e do próprio médico do norte e do centro do País.
É evidente que não poderá funcionar uma escola de saúde pública em cada uma das três cidades. Em países que se equiparam ao nosso em possibilidades económicas existe apenas uma. Devemo-nos lembrar de que a Suécia, a Noruega, a Dinamarca, a Finlândia e a Islândia projectam organizar uma escola de saúde pública comum.
Outra colaboração necessária de estabelecer será com o Instituto de Medicina Tropical, em ordem à preparação em higiene tropical do pessoal que se destine ao ultramar.

36. A 4.ª secção da Junta Nacional da Educação, zelosa das prerrogativas da Universidade, discorda de que no projecto da criação da escola se insista no carácter universitário que esta última deve ter. Na verdade, segundo as finalidades que pretende atingir, trata-se de uma escola para pós-graduados, destinada a diplomar sobretudo indivíduos com cursos universitários. Escolas deste tipo, que são de especialização, funcionam nos vários países fora ou dentro da Universidade. Estamos de acordo em que se acautelem as prerrogativas que tradicionalmente pertencem à Universidade, como seja a concessão de títulos académicos. De resto, o projecto refere-se apenas a que a escola concederá diplomas. Todavia, parece a esta Câmara que resultaria uma ainda mais estreita ligação com a Universidade, sem que fossem derrogadas as suas prerrogativas, se um médico com o curso superior de saúde pública se pudesse apresentar a prova de doutoramento

(87) N.º 2 do relatório do projecto do Governo.
(88) A terceira recomendação foi transcrita na íntegra no n.º 35.
(89) Comunicação pessoal feita pelo Sr. Ministro da Saúde e Assistência.
(90) Estes professores leccionariam durante um ano lectivo.

Página 1554

1554 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

na Universidade, requerido segundo as normas vigentes, e esta lhe pudesse conceder o título de doutor em saúde pública.
Trata-se de uma mera sugestão da Câmara, que só poderia ter viabilidade prática quando as Universidades conferissem vários títulos de doutor em Medicina e não um só, ao contrário do que já acontece em Direito, e a Escola instituísse o curso superior da Saúde Pública.

§4.º Autonomia da escola

37. Um ponto fundamental para o bom funcionamento da escola é a sua autonomia pedagógica, técnica e administrativa, o que, aliás, se verifica nas escolas congéneres estrangeiras. Ora o projecto em apreciação coloca-a praticamente na dependência do Conselho Superior de Higiene e Assistência Social.
Parece-nos bem que seja o próprio Ministro da Saúde e Assistência a fixar orientações no que respeita à coordenação das actividades da escola com os restantes serviços de saúde pública. Mas não encontramos justificação para o facto de se propor que ao Conselho acima referido caiba qualquer acção coordenadora sobre a escola, o que não quer dizer que não possa o mesmo apresentar sugestões ao director da escola, que convém seja membro nato do aludido Conselho.

§ 5.º O problema da atracção dos alunos para frequentarem a escola durante os primeiros tempos do seu funcionamento

38. Outro assunto que cabe na apreciação da generalidade do projecto é a maneira de atrair os alunos à matrícula no que respeita principalmente ao curso para médicos sanitaristas nos primeiros tempos do funcionamento da escola. Quer dizer: como atrair desde já os médicos para a carreira de saúde pública?
Um dos meios a adoptar consistiria em estabelecer uma remuneração para os estudantes matriculados na escola, a qual custeasse as despesas de alojamento e alimentação, remuneração que seria, evidentemente, mais elevada para aqueles que não tivessem o seu domicílio habitual na capital ou arredores. Mais tarde, a tarefa seria facilitada, uma vez que as Faculdades diplomassem médicos já com suficiente formação nesta matéria.

§ 6.º Os cursos Insertos no projecto do Governo

39. O projecto do Governo prevê a criação imediata de vários cursos. Assim, como cursos ordinários de carácter pós-universitários, são referidos os que se destinem a diplomar médicos sanitaristas ou médicos de saúde pública, administradores de hospitais, engenheiros sanitários, veterinários de saúde pública e farmacêuticos de saúde pública. Haveria, também, cursos ordinários de formação profissional complementar de enfermeiros para o ensino de enfermagem hospitalar e de saúde pública, e cursos da mesma natureza destinados a enfermeiros para direcção e chefia de serviços hospitalares e de saúde pública. E ainda, como cursos ordinários de formação profissional de base, existiriam os de profissionais de administração hospitalar, de inspectores sanitários e de visitadoras sanitárias.
Tendo em atenção que se trata de uma escola que se vai criar de novo e que, para se afirmar, terá de caminhar com segurança, não se dispersando logo de início com modalidades de ensino menos necessárias ou ligadas aos seus fins primordiais, ou para as quais não disponha de meios imediatos suficientes, a Câmara pensa que a iniciativa para a criação dos cursos, quer os de formação geral, quer os de formação especializada, deve ficar entregue ao respectivo conselho escolar, salvo quanto aos cursos gerais e especiais de saúde pública, cuja criação a própria lei deve prever expressamente por terem uma finalidade imediata para a saúde pública.

§ 7.º A lei deve já fazer menção de alguns dos cursos destinados a médicos

40. No número anterior ficou justificada a razão por que entendemos que certos cursos destinados aos médicos deviam constar desde já da lei. Os cursos a que a Câmara alude são o curso geral de saúde pública e o curso especial de saúde pública.
O curso geral de saúde pública deveria destinar-se a qualquer médico, mas particularmente aos médicos que vão exercer a sua profissão nos meios rurais ou afins, devendo a posse do respectivo diploma representar condição de preferencia para a designação dos médicos das Casas do Povo e das Casas dos Pescadores, continuando a ser requisito obrigatório para a nomeação de médicos municipais. Funcionaria em Lisboa, Porto e Coimbra - nas duas últimas cidades sob a direcção do professor catedrático da cadeira de Higiene e Medicina Social da respectiva Faculdade de Medicina e na dependência da referida cadeira, ou quando por qualquer motivo esta solução fosse inviável, a direcção do curso deveria pertencer, no Porto, ao director da delegação do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, e, em Coimbra, ao mesmo, quando e se a delegação deste Instituto ali for criada.
A necessidade de melhorar o nível de preparação dos médicos que venham a dedicar-se de modo particular à saúde pública aconselha a que seja desde já criado o curso especial de saúde pública. Com carácter pós-universitário, se, como é de esperar, do seu funcionamento vier a resultar importante valorização dos médicos que o frequentarem, o diploma do curso especial deverá ser considerado título indispensável para o exercício das funções de delegado de saúde e de outros médicos sanitaristas de igual categoria.

§ 8.º Conclusões sobre a apreciação na generalidade

41. Do que ficou exposto no capítulo I, onde se revêem os princípios do exercício moderno da medicina; no capítulo II, onde se esboça a estrutura do ensino pré e pós-graduado de saúde pública, e no capítulo III, onde se analisa na generalidade, à luz dos conhecimentos expostos nos anteriores capítulos, o projecto do Governo, convém estabelecer as principais conclusões que resumem a apreciação desta Câmara sobre, a parte I.
A Câmara Corporativa é de parecer que não só se justifica, mas também é urgente, a criação de uma escola nacional de saúde pública. Aconselha-se que esta escola tenha um nível pós-graduado e a sua sede deverá ser em Lisboa. Convém que a referida escola seja criada na dependência do Ministério de Saúde e Assistência e tenha amplas ligações com a Universidade, com o Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge e com o Instituto de Medicina Tropical.
Como meio eficaz de assegurar a ligação entre a Escola e a Universidade e também de estabelecer uma sólida colaboração entre a mesma e o Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, os professores de Higiene e Medicina Social das três Faculdades de Medicina do País e o director do citado Instituto devem fazer obriga-

Página 1555

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1555

tòriamente parte do conselho escolar da escola mesmo que nela não exerçam, por acumulação, quaisquer funções directivas ou docentes.
A Câmara propõe a criação de um lugar de subdirector; e pensa, por outro lado, que a lei só deve prever expressamente a criação dos cursos gerais e especiais de saúde pública, deixando-se ao conselho escolar a iniciativa para a criação de quaisquer outros cursos.
Entendeu-se que o curso geral de saúde pública pudesse ser realizado no Porto e em Coimbra, na dependência da cadeira de Higiene e Medicina Social das respectivas Faculdades de Medicina ou, quando esta solução for inviável, sob a direcção das delegações do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge.
A Câmara é ainda de parecer que, anexo à escola, funcione um centro de saúde polivalente para ensino dos estudantes de medicina, dos médicos matriculados nos cursos atrás referidos e de outro pessoal de saúde e ainda para treino do corpo docente da cadeira de Higiene e Medicina Social.
Com as mesmas finalidades o Ministério da Saúde e Assistência deverá criar outros dois centros de saúde, um em Coimbra e outro no Porto. Para tal efeito o pessoal destes centros prestaria toda a colaboração ao pessoal docente das cadeiras de Higiene e Medicina Social.
Independentemente da criação destes centros, poderão ser utilizados os estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério da Saúde e Assistência para esse efeito designados, os quais devem funcionar em estreita colaboração com a Escola.
A escola deverá ter autonomia pedagógica, técnica e administrativa, dependendo directamente do Ministro da Saúde e Assistência, que lhe deve fixar orientações no que respeita à coordenação com os restantes serviços de saúde. O Conselho Superior de Higiene e Assistência Social poderá, no entanto, formular sugestões ao director da escola, o qual deverá ser membro nato do mesmo Conselho.
Durante os primeiros tempos do funcionamento da escola, e com o fim de atrair alunos à matrícula desta última, devem ser estabelecidas remunerações.

II

Exame na especialidade

CAPITULO I

Da Escola Nacional de Saúde Pública

Bases I e II

42. Julga esta Câmara que desde, a base I se deve definir o nível pós-graduado da escola e a íntima ligação desta última com a Universidade.
Propõe-se também a criação de centros de saúde polivalentes, um anexo à escola e dois outros, um para Coimbra e outro para o Porto. Como se afirmou na apreciação na generalidade, os centros de saúde são locais indispensáveis para o ensino da saúde pública.
Ponderou-se detidamente a quem deveria caber a direcção dos centros de Coimbra e do Porto, uma vez que a direcção do centro de Lisboa tem de pertencer ao director da Escola. A um funcionário do Ministério da Saúde e Assistência? Ao professor da cadeira de Higiene e Medicina Social da respectiva Faculdade?
Uma vez que a função destes centros diz respeito especialmente ao ensino, poder-se-ia optar pela solução citada em último lugar. Não seria caso único entre nós o director de um centro de saúde não ser funcionário da saúde pública. O professor Maia Loureiro, catedrático de Higiene da Faculdade de Medicina de Lisboa, foi o director do centro de saúde da mesma cidade. No entanto, uma vez que todo o pessoal destes centros pertencerá, como não pode deixar de ser, ao Ministério da Saúde e Assistência, e para dar aos mesmos centros uma mais sólida estrutura e uma dependência sempre útil dos órgãos centrais desse Ministério - achámos preferível optar pela primeira solução. Consequentemente, não haverá que prever expressamente na lei a forma de provimento, a qual deverá fazer-se consoante as regras gerais estabelecidas para o funcionalismo do Ministério da Saúde e Assistência.
A matéria do n.º 2 da base I está relacionada com a do n.º 2 da base II e com a da base XIII, porquanto, nos referidos números e base, prevê-se a colaboração que os serviços podem solicitar da Escola ou que esta pode solicitar ou prestar.
Assim, a referida matéria passará a constituir o n.º 2 da base n, eliminando-se, consequentemente, o n.º 2 da base I e a base XIII.
No que respeita à base II parece conveniente estabelecer que a Escola funcionará não só em ligação com o Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, mas ainda com o Instituto de Medicina Tropical, cujas instalações e serviços necessita de utilizar. Daí a referência ao Instituto de Medicina Tropical no n.º 1.
Os alunos da Escola terão necessidade de frequentar não só a Faculdade de Medicina, mas ainda o Instituto de Medicina Tropical, onde existem cadeiras ou disciplinas de conteúdo idêntico ao de algumas das previstas para a Escola de Saúde Pública.
Em princípio, os termos e condições da matrícula devem ser estabelecidos por acordo entre os estabelecimentos de ensino interessados. Na falta de acordo, pelos Ministérios de que aqueles estabelecimentos dependem.
Os centros de saúde são organismos caros e, por isso, na actual conjuntura, é legítima a dúvida quanto à possibilidade da sua criação imediata.
Há, assim, necessidade de prever uma situação transitória durante a qual a Escola e as Faculdades de Medicina possam utilizar para o ensino os estabelecimentos e serviços existentes (dispensários de higiene mental, antituberculosos, de higiene materno-infantil e de higiene social).
Em face do exposto, devem ser redigidas como segue as bases I e II:

BASE I

(Base I do projecto)

É criada em Lisboa, na dependência do Ministério da Saúde e Assistência e em estreita ligação com a Universidade, a Escola Nacional de Saúde Pública, à qual são cometidas funções de ensino, investigação e divulgação.

BASE II

(Base II do projecto)

1. A Escola Nacional de Saúde Pública funciona em ligação com o Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge e com o Instituto de Medicina Tropical, cujos serviços e instalações utilizará em tudo quanto respeite à realização dos seus fins.
2. A Escola poderá solicitar das Faculdades de Medicina, dos estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério da Saúde e Assistência e ainda de quaisquer outros, serviços do Estado a colaboração que for tida por conveniente ao exercício da sua missão, e

Página 1556

1556 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

prestará àquelas Faculdades e serviços, quando requerida, a colaboração técnica que esteja no âmbito da sua competência.
3. Sempre que for considerado conveniente, poderão uma ou mais disciplinas ser professadas em outros estabelecimentos de ensino, embora façam parte dos planos de estudo da Escola.
4. No caso previsto no número anterior às condições de matrícula dos alunos serão acordadas entre a Escola e o estabelecimento de ensino em que a disciplina seja professada ou, na falta de acordo, entre o Ministério da Saúde e Assistência e o Ministério de que dependa aquele estabelecimento.
5. Em Lisboa, Porto e Coimbra haverá centros de saúde polivalentes especialmente afectos ao ensino dos alunos da Escola e das Faculdades de Medicina e, bem assim, ao aperfeiçoamento do seu pessoal docente. O centro de Lisboa funcionará na dependência da Escola.
6. O ensino a que se refere o número antecedente poderá também ser ministrado em estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério da Saúde e Assistência, mas em estreita ligação com a Escola.

Base III do projecto

43. Quando se lê atentamente o projecto de proposta de lei verifica-se que a Escola ficaria praticamente na dependência do Conselho Superior de Saúde e Assistência Social.
A base que se sugere não afecta a autonomia pedagógica, técnica e administrativa da Escola, que, como algumas vezes já foi repetido, é condição fundamental para o seu bom funcionamento.
O Conselho poderá sempre fazer sugestões ao director da Escola, embora não seja necessário dizê-lo nas bases da lei.
O § único da base III está deslocado, visto a matéria relativa à direcção fazer parte do capítulo IV.
Pelo exposto, alvitra-se para a base III a redacção seguinte:

BASE III

(Base III do projecto)

A Escola Nacional de Saúde Pública terá autonomia pedagógica, técnica e administrativa, sem prejuízo da orientação que for fixada pelo Ministro da Saúde e Assistência no que respeita à coordenação da sua actividade com os demais serviços que prossigam fins de saúde pública.

Bases IV e V do projecto

44. Sugere-se a eliminação do n.º 2 da base IV, dado o seu carácter regulamentar.
Por outro lado, deve incluir-se nesta base a matéria da base v, pois não há necessidade de desdobrar em duas bases a referência aos serviços pedagógicos e administrativos.
Pelo exposto, sugere-se para a base IV a redacção seguinte:

BASE IV

(Bases IV e V do projecto)

A Escola terá os serviços de natureza pedagógica e administrativos indispensáveis ao desempenho da sua missão.

CAPITULO II

Do funcionamento da Escola e dos cursos nela ministrados

Base VI do projecto

45. Uma vez que a Câmara entende que da lei apenas deve constar expressamente a criação dos cursos gerais e especiais de saúde pública, é seu parecer que nela só deve haver menção das disciplinas destinadas àqueles cursos.
Dentro desta ordem de ideias, as matérias que a Câmara propõe sejam professadas desde já são as seguintes:
1.º Técnica e Administração de Saúde Pública. - E a disciplina fundamental, aquela que abarca um maior número de assuntos, de modo que o respectivo departamento será o mais importante da Escola. Nas várias escolas estrangeiras são também várias as designações que se lhe dá: Saúde Pública, Saúde Pública e Administração Sanitária, Administração e Legislação Sanitária, Administração de Saúde Pública, Técnica de Saúde Pública.
Parece preferível adoptar a designação Técnica e Administração de Saúde Pública, por estar mais conforme com o conteúdo do ensino a ministrar, que deve compreender não só os aspectos referentes à administração sanitária, como a técnica de organização de serviços de saúde pública: protecção materno-infantil, higiene mental, centros de saúde e outras formações sanitárias. A designação «técnica de saúde pública» refere-se assim propriamente à «acção sanitária», baseada nos conhecimentos adquiridos nas restantes cadeiras da Escola. Quanto à administração propriamente dita, tal como o afirmaram Grundy e Mackintosh, embora se diga que ela não pode ser ensinada e que constitui, sobretudo, um «dom», que deve ser desenvolvido por uma prática constante, o certo é que a experiência mostra que existe um mundo de diferenças entre um administrador qualificado e um outro que não tenha recebido qualquer formação. O conteúdo do curso poderá ser, por exemplo, o que consta do relatório da comissão de peritos da Organização Mundial da Saúde: organização do ensino pós-universitário da saúde pública.
2.º Epidemiologia. - Já dissemos o mais importante a respeito desta disciplina, que é, pode dizer-se, a que vem logo a seguir à anterior em importância.
A disciplina de Epidemiologia competirá o ensino de:

a) Métodos de epidemiologia científica, etiologia social, principais doenças sociais e acção social destinada a reduzi-las;
b) Luta contra as doenças transmissíveis;
c) Epidemiologia das taras hereditárias e genética humana, na medida em que o problema comporta um interesse etiológico.

3.º Bioestatística. - A esta disciplina deverá pertencer o seguinte: métodos estatísticos, biometria, estatísticas demográficas, principais causas de morbilidade, de mortalidade, estudo da influência da estrutura da população sobre o problema da assistência médica, etc.
4.º Saneamento. - Tem sido corrente entre nós o uso do termo salubridade em vez de saneamento. Quer-nos parecer que salubridade é o estado do que está são, enquanto saneamento quererá dizer a acção de tornar são ou salubre, e assim será preferível a segunda designação para o fim em vista.
Esta disciplina compreenderia, assim, o estudo da higiene do ambiente, águas, eliminação de excreta e lixos, habitação e urbanismo, a luta contra roedores e vectores, poluição atmosférica e protecção contra as radiações.

Página 1557

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1557

5.º Microbiologia e Parasitologia. - É esta uma disciplina em que se revela manifestamente a necessidade de existirem, no respectivo departamento, vários técnicos especializados. Será talvez razoável prever o desdobramento de algumas das disciplinas, para as quais será difícil obter logo de início pessoal de nível universitário para o respectivo provimento. Com efeito, este departamento compreende o estudo das aplicações em saúde pública das seguintes disciplinas:
Virulogia, Bacteriologia, Micologia, Protozoologia, Hel-mintologia e Entomologia, pelo menos.
Será, pois, preferível, no início do funcionamento da Escola, incluir o seu ensino numa única cadeira, embora a cargo de personalidades diferentes, mas encarando desde já a necessidade de um futuro desdobramento, à medida que forem surgindo professores qualificados.
Deve notar-se que se mantém a designação que vem no projecto do Governo.
6.º Bioquímica e Nutrição. - Não há muito que dizer a respeito desta disciplina. A primitiva designação de Alimentação e Nutrição tem algo de redundância. Por outro lado, a bioquímica é sempre ensinada como base para o estudo da nutrição, o que justifica amplamente a designação adoptada. Deve também constituir um departamento, onde será incluída a higiene da alimentação.
7.º Fisiologia Aplicada e Medicina do Trabalho. - A fisiologia é a base do estudo da higiene. A designação utilizada nos Estados Unidos de physiological hygiene parece-nos de difícil tradução em português. Aliás, na escola de Londres o nome é o de «fisiologia aplicada».
Caberá aqui, pois, o estudo da higiene individual, da higiene escolar, bem como da higiene e medicina do trabalho.
Deve ser dado particular relevo, nesta disciplina, ao estudo da higiene e medicina do trabalho, dada a urgência em organizar, entre nós, com a necessária eficácia e amplitude, a protecção da saúde dos trabalhadores contra os riscos provenientes do trabalho e das condições em que este se efectua, para o que se torna indispensável dispor de um corpo de médicos devidamente preparados.
8.º Antropologia Social. - Dado que a saúde pública é um ramo da medicina que se ocupa das populações, ao contrário do aspecto individualista da medicina clínica, tornou-se indispensável o conhecimento dos problemas das populações, dos seus usos e costumes, do seu comportamento e estrutura, etc., para um melhor contacto dos profissionais da saúde pública com a massa com que têm de lidar.
Daí ter-se tornado imprescindível, no trabalho de campo e na acção sanitária em geral, o concurso de especialistas no estudo da comunidade.
São várias as designações que se lhe atribuem, bem como às disciplinas respectivas incluídas nos planos dos cursos de saúde pública: Etnologia, Psicologia Aplicada, Sociologia, Antropologia Social.
Parece que este último corresponde melhor ao conteúdo do ensino que se pretende ministrar, visto qualquer dos outros ser bastante mais limitado no seu âmbito.
A disciplina de Antropologia Social deverá estar Intimamente ligada com o ensino da educação sanitária e prestará um valioso concurso a outras cadeiras da escola.
9.º Higiene Materno-Infantil. - Justifica-se o ensino aprofundado desta matéria em virtude de os nossos níveis de mortalidade perinatal e infantil não serem ainda satisfatórios, não obstante os progressos realizados nos últimos tempos.
10.º Higiene Mental. - As condições de vida moderna criaram uma atmosfera propícia às doenças do foro mental. A prevenção destas últimas constitui hoje em toda a parte e também entre nós grave problema a resolver por intermédio da medicina preventiva.
11.º Educação Sanitária. - Os recursos económicos já existentes e os que de futuro se conseguirão serão tanto melhor aproveitados quanto mais eficaz for a acção educativa no campo da higiene e medicina preventiva. Como já se referiu na apreciação na generalidade a educação sanitária das populações diz respeito a uma matéria em contínuo desenvolvimento e que exige conhecimentos bastante variados, que se destinam a indivíduos que irão intervir neste campo junto de extratos populacionais de níveis muito diversos.
São estas as considerações que nos levam a dar uma nova redacção à base VI do projecto, que passará a V, com o texto seguinte:

BASE V

(Base VI do projecto)

1. O ensino na Escola Nacional de Saúde Pública será ministrado em disciplinas, com a duração que for fixada para cada uma em diploma regulamentar,
2. São desde já previstas as disciplinas seguintes:

1.ª Técnica e Administração de Saúde Pública;
2.ª Epidemiologia;
3.ª Bioestatística;
4.ª Saneamento;
5.ª Microbiologia e Parasitologia;
6.ª Bioquímica e Nutrição;
7.ª Fisiologia Aplicada e Medicina do Trabalho;
8.ª Antropologia Social;
9.ª Higiene Materno-Infantil;
10.ª Higiene Mental; 11.a Educação Sanitária.

3. Mediante proposta do conselho escolar, que terá em atenção os planos dos cursos professados na Escola, poderão ser criadas novas disciplinas ou alterado o quadro das já existentes.

Base VII do projecto

46. Pelas razões já apresentadas em outros pontos deste parecer sugere-se que o n.º 1 desta base seja alterado.
Quanto ao n.º 2, deve acrescentar-se que os planos de estudo fixarão a duração de cada curso e incluir a matéria do n.º 1 da base X, que está directamente relacionada com o assunto.
Relativamente ao n.º 3 nada há a observar.
Pelo exposto, sugere-se para os n.ºs 1 e 2 da base VII do projecto, que passará a base Vi, a redacção seguinte:

BASE VI

(Base VII do projecto)

1. Os cursos a professar na Escola serão constituídos pelo conjunto de disciplinas indicadas nos respectivos planos de estudo, elaborados pelo conselho escolar e aprovados pelo Ministro da Saúde e Assistência.
2. Os planos de estudo fixarão a duração de cada curso, de harmonia com as actividades a que os alunos se destinem e de acordo com o nível e a diversidade da sua preparação, e terão em conta que a mesma disciplina pode entrar na constituição de vários cursos, embora com programas adequados a cada um deles.

Base VIII do projecto

47. Nada a observar, passando a base VII.

Página 1558

1558 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

Base IX do projecto

48. Já se fez referência (n.º II, 39) a que a iniciativa da criação dos cursos, quer os de formação geral, quer os de formação especializada, deve pertencer ao conselho escolar, salvo quanto aos cursos gerais e especiais de saúde pública, cuja criação a própria lei deve prever expressamente por terem finalidade imediata para a saúde pública.
É este o lugar próprio para se introduzir a alteração preconizada, convindo, no entanto, que o preceito aluda genericamente à natureza dos cursos a professar.
Deste modo, a Câmara propõe para a base IX do projecto, que passará a base VIII, a seguinte redacção:

BASE VIII

(BASE IX do projecto)

1. Na Escola serão professados cursos ordinários de carácter pós-universitário, assim como cursos de formação profissional complementar e de formação profissional de base.
2. Os cursos serão criados, consoante as necessidades e os meios de que a Escola disponha, mediante proposta do conselho escolar confirmada pelo Ministro da Saúde e Assistência.
3. São desde já criados os seguintes cursos de carácter pós-universitário para médicos:

a) Curso geral de saúde pública;
b) Curso especial de saúde pública.

Base IX

(Nova)

49. É a altura de regular alguns dos casos a que se aludiu ao fazer a apreciação na generalidade, designadamente à possibilidade de os cursos gerais de saúde pública serem professados em Coimbra e no Porto, devendo os programas ser comuns com os do curso ministrado em Lisboa.
É matéria que passará a constituir a base IX, com a redacção seguinte:

BASE IX

(Nova)

1. No Porto e em Coimbra o curso geral de saúde pública funcionará sob a direcção do professor de Higiene e Medicina Social da Faculdade de Medicina ou, sempre que tal não seja viável, do director da delegação do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge no Porto, e, em Coimbra, do director da delegação do mesmo Instituto, quando esta for criada.
2. O director da Escola e os directores dos cursos professados no Porto e em Coimbra estabelecerão programas comuns para os mesmos cursos.

Base X do projecto

50. Devem ser eliminados os n.ºs 1 e 3, por a sua matéria estar incluída no n.º 2 da base VI, e o n.º 2 por ter carácter nitidamente regulamentar.
Convém prever aqui que o diploma do curso geral de saúde pública deve continuar a ser requisito obrigatório para médico municipal e passar a constituir condição de preferência para médico das Casas do Povo e das Casas dos Pescadores.
A equivalência do actual curso do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge e dos cursos professados em escolas de saúde pública estrangeiras com os ministrados na Escola será estabelecida pelo Ministro da Saúde e Assistência, mediante proposta do conselho escolar.
De acordo com as considerações feitas, a base X do projecto terá a redacção seguinte:

BASE x

1. A Escola conferirá diplomas aos alunos que completem os cursos.
2. Estes diplomas podem ser título legalmente indispensável ao exercício de certas profissões ou especialidades.
3. Os diplomas relativos ao curso geral de saúde pública continuam a ser requisito obrigatório de nomeação para médicos municipais e constituem condição de preferência para a designação dos médicos das Casas do Povo e das Casas dos Pescadores.
4. O conselho escolar proporá ao Ministro da Saúde e Assistência a equivalência a estabelecer entre o curso actualmente ministrado no Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, os cursos professados em escolas de saúde pública estrangeiras e os ministrados na Escola.

Base XI do projecto

51. É possível melhorar a redacção desta base. Para o efeito alvitra-se a seguinte:

BASE XI

A Escola, por sua, iniciativa ou mediante solicitação dos serviços de saúde e assistência, procederá à investigação científica relacionada com a sua actividade.

Base XII do projecto

52. A redacção desta base deve ser modificada porquanto nem todas as alíneas, apesar de conterem matéria importante, dizem respeito a fins de investigação científica, e também porque convém prever a possibilidade de aceitação de subsídios sem discriminação do fim a que se destinam.
Sugere-se a seguinte redacção:

BASE XII

Para realizar os seus fins pode a Escola:

a) Promover inquéritos e realizar missões científicas;
b) Incumbir técnicos nacionais ou estrangeiros de proceder a determinados estudos;
c) Aceitar subsídios de entidades nacionais ou estrangeiras;
d) Conceder bolsas de estudo, de acordo com os planos gerais do Ministério da Saúde e Assistência e, sempre que necessário, em ligação com o Instituto de Alta Cultura;
e) Instituir prémios pecuniários ou de outra natureza para estimular os estudos no campo da saúde e da assistência.

Base XIII do projecto

53. Sugere-se a eliminação desta base por a sua matéria estar incluída no n.º 2 da base II.

Base XIV do projecto

54. Deve encarar-se desde o início a existência de meios para dar à Escola a possibilidade de divulgar conhecimen-

Página 1559

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1559

tos entre a população. Os trabalhos científicos resultantes do labor da Escola e que se destinam a profissionais de nível elevado, quer nacionais, quer estrangeiros, particularmente aos que trabalham no campo da saúde pública, deverão ser tornados conhecidos por intermédio de publicações já existentes ou a cargo da própria Escola.
Deste modo, a Câmara sugere para a base XIV, que pasmaria a ser a XIII, a redacção seguinte:

BASE XIII

(Base XIV do projecto)

1. A divulgação de conhecimentos pela Escola poderá ser feita através de publicação periódica a cargo da Escola ou, enquanto esta não existir, do Boletim doa Serviços de Saúde Pública.
2. Aquela divulgação, quando dirigida à generalidade da população ou a sectores directamente interessados, deverá ser efectuada em conformidade com os planos gerais de educação social e sanitária do Ministério da Saúde e Assistência.

CAPITULO III

Do pessoal

Base XV do projecto

55. A Câmara nada tem a opor à redacção do n.º 1 e do § único, que passará a n.º 3. Para o n.º 2 propõe uma redacção diferente, visto entender que deve haver uma distinção entre os primeiros e segundos-assistentes. Assim:

BASE XIV

(Base XV do projecto)

1. O pessoal docente poderá ser permanente ou temporário.
2. São permanentes os lugares de professores titulares, de professores extraordinários e de primeiros-assistentes. São temporários os lugares de professores chamados a título eventual, os de segundos-assistentes e os de prelectores.
3. Ouvido o conselho escolar, poderá o Ministro da Saúde e Assistência recrutar professores de nacionalidade estrangeira por períodos renováveis, não superiores a três anos.

Base XVI do projecto

56. Não há necessidade de estabelecer que às funções docentes de carácter permanente não podem ser desempenhadas em regime de acumulação com quaisquer outros lugares públicos, porquanto seria repetir o que se acha preceituado na lei geral (artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 26 115, de 23 de Novembro de 1935).
Há, porém, toda a conveniência em dar ao Ministro da Saúde e Assistência a faculdade de autorizar a acumulação sempre que haja vantagem para o ensino, e isto tanto em razão da natureza da Escola como do facto de muitas disciplinas não justificarem a admissão de professor privativo.
Na verdade, em alguns casos a matéria desta ou daquela disciplina será dada em poucas lições, noutros haverá necessidade de recorrer a professores de outras escolas especializados na matéria a tratar.
Como as alíneas a), b), c) e d) da base XVI do projecto têm carácter regulamentar, sugere-se a sua eliminação.
A redacção que se propõe para a base XVI, que passaria a base XV, está de acordo com as observações feitas.

BASE XV

(Base XVI do projecto)

1. Quando houver vantagem para o ensino, pode o Ministro da Saúde e Assistência, ouvido o conselho escolar, autorizar o pessoal docente a acumular as suas funções com as que exerça em qualquer outro estabelecimento ou serviço.
2. Na hipótese prevista no número anterior, o referido pessoal será remunerado por meio de gratificação.

Base XVII do projecto

57. A Câmara propõe a seguinte redacção para esta base, que toma o n.º XVI:

BASE XVI

(BASE XVII do projecto)

1. O recrutamento do pessoal docente de carácter permanente será feito por concurso de provas públicas, das quais fará parte a apreciação do currículum vitae de cada candidato.
2. Os júris serão constituídos pelos professores titulares sob a presidência do director. Os professores extraordinários podem fazer parte dos júris dos concursos para primeiros-assistentes.
3. Dos júris farão parte, caso o conselho escolar assim o entenda, professores das Faculdades de Medicina ou de outras Faculdades ou escolas de ensino superior, conforme a matéria da disciplina a prover.
4. Excepcionalmente, poderá o conselho escolar propor que sejam nomeados, por escolha, indivíduos cujo currículum demonstre excepcional competência na matéria da disciplina a prover. A escolha carece, porém, de reunir o voto favorável de, pelo menos, três quartos do número de professores membros do conselho escolar.

As alterações propostas justificam-se por si mesmas.

Base XVIII do projecto

58. Entende a Câmara que o pessoal docente temporário deve ser nomeado pelo Ministro da Saúde e Assistência, embora mediante proposta do conselho escolar. O disposto no n.º 2 respeita apenas aos segundos-assistentes, mas porque se trata de uma regra comum a todos os estabelecimentos de ensino superior não há necessidade de repeti-la aqui.
Propõe-se, assim, o seguinte texto para esta base, que passa a XVII:

BASE XVII

O pessoal docente de carácter temporário será nomeado pelo Ministro da Saúde e Assistência, mediante proposta do conselho escolar.

Base XIX do projecto

59. Concorda-se com a sua redacção, passando a base XVIII.

CAPITULO IV

Da direcção e administração da Escola

Base XX do projecto

60. Pelas razões anteriormente expostas propõe-se a seguinte redacção para esta base, que passa a XIX.

Página 1560

1560 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

BASE XIX

A direcção e a administração da Escola serão exercidas:

a) Pelo director;
b) Pelo subdirector;
c) Pelo conselho escolar;
d) Pelo conselho administrativo.

Base XXI do projecto

61. A base XXI, que passa a XX, deve prever a forma de provimento do lugar de subdirector da Escola, a qual, entende-se, convém seja igual à do director.
Para esta base alvitra-se a redacção seguinte:

BASE XX

1. O director e o subdirector da Escola serão professores titulares escolhidos pelo Ministro da Saúde e Assistência de entre três candidatos propostos, para cada cargo, pelo conselho escolar.
2. A nomeação será feita por períodos renováveis de quatro anos.
3. O director da Escola será vogal nato do Conselho Superior de Saúde e Assistência Social.

Base XXII do projecto

62. A base XXII deve ser alterada fundamentalmente, para ficarem asseguradas a ligação entre a Escola e a Universidade e uma eficaz colaboração com o Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge.
A seguir se insere a redacção que a Câmara propõe para esta base, que passa a XXI.

BASE XXI

1. O conselho escolar será constituído pelo director, que presidirá, pelo subdirector., pelos professores da cadeira de Higiene e Medicina Social das Faculdades de Medicina de Lisboa, Porto e Coimbra, pelo director do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge e pelos professores titulares da Escola. Quando o curso geral de saúde pública for regido, no Porto ou em Coimbra, pelos directores das respectivas delegações deste Instituto, nos termos da base x, deverão os mesmos fazer parte do conselho.
2. Poderão assistir, sob convocação do director, às reuniões de conselho, com voto consultivo, professores extraordinários, prelectores, delegados dos assistentes e delegados dos alunos.
3. O conselho, quando o julgue conveniente ou lhe seja determinado pelo Ministro da Saúde e Assistência, ouvirá a opinião de quaisquer organismos ou pessoas que tenham conhecimentos especiais acerca dos assuntos a tratar.

Base XXIII do projecto

63. Concorda-se com a redacção desta base, que passa a XXII.

CAPITULO V

Disposições gerais e transitórias

Base XXIV do projecto

64. Nada a observar, passando a XXIII.

Base XXV

65. Esta base deve ser eliminada em virtude de o pessoal docente não ter estatuto privativo, sendo-lhe aplicáveis, por força dos princípios gerais e sem necessidade de repetição neste lugar, as normas do funcionalismo público.

Base XXVI do projecto

66. Haverá que regular também a nomeação do primeiro subdirector da Escola, convindo ainda prever a hipótese de este ou de o director serem funcionários públicos.
Assim, a Câmara propõe a seguinte redacção para esta base, que passa a XXIV.

BASE XXIV

1. Os primeiros director e subdirector da Escola serão nomeados pelo Ministro da Saúde e Assistência de entre diplomados em Medicina de reconhecido mérito e capacidade para o exercício das funções.
2. A estas nomeações é aplicável o disposto no n.º 2 da base XX.
3. Se forem funcionários públicos, desempenharão as suas funções em comissão de serviço e poderão reger disciplinas da Escola, conforme a sua especialização.

Base XXVII do projecto

67. Esta base dá lugar a certas apreensões. Como já dissemos na apreciação na generalidade, é um factor importante para o êxito da Escola o seu bom começo. Portanto, a escolha do primeiro grupo de professores é acto de excepcional importância. A Escola é nova; os seus cursos têm outro alcance que o antigo curso de Medicina Sanitária. Desejamos até que a Escola, tal como outras escolas de saúde pública no estrangeiro, venha a influir, inclusivamente, sobre o ensino pré-graduado da saúde pública e na mudança da formação do estudante de medicina.
Por estas razões, a Câmara Corporativa entende que a escolha do primeiro grupo de professores, com excepção dos que venham a exercer os cargos de director e de subdirector da Escola, deve ser feita sobretudo por intermédio de concurso de provas públicas. Do júri destes concursos deverão fazer parte o director e o subdirector da Escola, os professores catedráticos de Higiene e Medicina Social das Faculdades de Medicina e, quando for julgado conveniente, técnicos solicitados à Organização Mundial da Saúde especializados em cada uma das matérias do concurso. Como já há garantia da presença destes técnicos junto de nós durante um ano lectivo, não nos parece que se levante qualquer dificuldade a este respeito.
Pelas razões expostas, propomos para esta base, que passará a XXV, a seguinte redacção:

BASE XXV

1. A nomeação dos primeiros professores, com excepção do director e do subdirector da Escola, será feita mediante concurso de provas públicas, entre as quais figurará a apreciação do curriculum vitae de cada candidato.
2. O júri dos concursos será constituído pelo director da Escola, que presidirá, pelo subdirector, pelos professores catedráticos de Higiene e Medicina Social das Faculdades de Medicina e, quando for julgado conveniente, por um ou mais técnicos indicados pela Organização Mundial da Saúde, especialmente versados na matéria de que se trata.

Página 1561

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1561

3. A nomeação poderá converter-se em definitiva depois de três anos de exercício, mediante proposta fundamentada do director da Escola, com parecer favorável de, pelo menos, dois terços dos membros do conselho escolar.
4. O disposto no n.º 4 da base XVI aplica-se à nomeação dos primeiros professores da Escola.
5. Quando estes professores forem funcionários públicos e não estiverem na hipótese prevista na base XV, a sua nomeação será feita em comissão de serviço durante três anos, findos os quais poderá aquela converter-se em definitiva, nos termos do n.º 3 desta base.

Base XXVIII do projecto

68. Nada a observar, passando a XXVI.

III

Conclusões

69. De harmonia com as considerações aduzidas, a Câmara dá o seu acordo ao projecto de proposta de lei n.º 519 na generalidade e, quanto à especialidade, emite parecer no sentido de que se adopte a redacção seguinte:

CAPITULO I

Da Escola Nacional de Saúde Pública

BASE I

É criado em Lisboa, na dependência do Ministério da Saúde e Assistência e em estreita ligação com a Universidade, a Escola Nacional de Saúde Pública, à qual são cometidas funções de ensino, investigação e divulgação.

BASE II

1. A Escola Nacional de Saúde Pública funciona em ligação com o Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge e com o Instituto de Medicina Tropical, cujos serviços e instalações utilizará em tudo quanto respeite à realização dos seus fins.
2. A Escola poderá solicitar das Faculdades de Medicina, dos estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério da Saúde e Assistência e ainda de quaisquer outros serviços do Estado a colaboração que for tida por conveniente ao exercício da sua missão, e prestará àquelas Faculdades e serviços, quando requerida, a colaboração técnica que esteja no âmbito da sua competência.
3. Sempre que for considerado conveniente, poderão uma ou mais disciplinas ser professadas em outros estabelecimentos de ensino, embora façam parte dos planos de estudo da Escola.
4. No caso previsto no número anterior as condições de matrícula dos alunos serão acordadas entre a Escola e o estabelecimento de ensino em que a disciplina seja professada ou, na falta de acordo, entre o Ministério da Saúde e Assistência e o Ministério de que dependa aquele estabelecimento.
5. Em Lisboa, Porto e Coimbra haverá centros de saúde polivalentes especialmente afectos ao ensino dos alunos da Escola e das Faculdades de Medicina e, bem assim, ao aperfeiçoamento do seu pessoal docente. O centro de Lisboa funcionará na dependência da Escola.
6. O ensino a que se refere o número antecedente poderá também ser ministrado em estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério da Saúde e Assistência, mas em estreita ligação com a Escola.

BASE III

A Escola Nacional de Saúde Pública terá autonomia pedagógica, técnica e administrativa, sem prejuízo da orientação que for fixada pelo Ministro da Saúde e Assistência no que respeita à coordenação da sua actividade com os demais serviços que prossigam fins de saúde pública.

BASE IV

A Escola terá os serviços de natureza pedagógica e administrativos indispensáveis ao desempenho da sua missão.

CAPITULO II

Do funcionamento da Escola e dos cursos nela ministrados

BASE V

1. O ensino na Escola Nacional de Saúde Pública será ministrado em disciplinas, com a duração que for fixada para cada uma em diploma regulamentar.
2. São desde já previstas as disciplinas seguintes:

1.ª Técnica e Administração de Saúde Pública;
2.ª Epidemiologia;
3.ª Bioestatística;
4.ª Saneamento;
5.ª Microbiologia e Parasitologia;
6.ª Bioquímica e Nutrição;
7.ª Fisiologia Aplicada e Medicina do Trabalho;
8.ª Antropologia Social;
9.ª Higiene Materno-Infantil;
10.ª Higiene Mental;
11.ª Educação Sanitária.

3. Mediante proposta do conselho escolar, que terá em atenção os planos de cursos professados na Escola, poderão ser criadas novas disciplinas ou alterado o quadro das já existentes.

BASE VI

1. Os cursos a professar na Escola serão constituídos pelo conjunto de disciplinas indicadas nos respectivos planos de estudo, elaborados pelo conselho escolar e aprovados pelo Ministro da Saúde e Assistência.
2. Os planos de estudo fixarão a duração de cada curso, de harmonia com as actividades a que os alunos se destinem e de acordo com o nível e a diversidade da sua preparação, e terão em conta que a mesma disciplina pode entrar na constituição de vários cursos, embora com programas adequados a cada um deles.
3. Os planos de estudo serão revistos sempre que o conselho escolar julgue necessário. Sê-lo-ão obrigatòriamente de três em três anos.

BASE VII

1. Os cursos podem ser ordinários ou eventuais.
2. Os primeiros destinam-se à formação dos profissionais que correspondam a necessidades permanentes dos serviços de saúde e assistência.
3. Os cursos eventuais destinam-se ao aperfeiçoamento de pessoal já diplomado ou à preparação de categorias profissionais reconhecidas indispensáveis em determinada oportunidade.

Página 1562

1562 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 59

BASE VIII

1. Na Escola serão professados cursos ordinários de carácter pós-universitário, assim como cursos de formação profissional complementar e de formação profissional de base.
2. Os cursos serão criados consoante as necessidades e os meios de que a Escola disponha, mediante proposta do conselho escolar, confirmada pelo Ministro da Saúde e Assistência.
3. São desde já criados os seguintes cursos de carácter pós-universitário para médicos:

a) Curso geral de saúde pública;
b) Curso especial de saúde pública.

BASE IX

1. No Porto e em Coimbra o curso geral de saúde pública funcionará sob a direcção do professor de Higiene e Medicina Social da Faculdade de Medicina ou, sempre que tal não seja viável, do director da delegação do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge no Porto, e em Coimbra do director da delegação do mesmo Instituto, quando esta for criada.
2. O director da Escola e os directores dos cursos professados no Porto e em Coimbra estabelecerão programas comuns para os mesmos cursos.

BASE X

1. A Escola conferirá diplomas aos alunos que completem os cursos.
2. Estes diplomas podem ser título legalmente indispensável ao exercício de certas profissões ou especialidades.
3. Os diplomas relativos ao curso geral de saúde pública continuam a ser requisito obrigatório de nomeação para médicos municipais e constituem condição de preferência para a designação dos médicos das Casas do Povo e das Casas dos Pescadores.
4. O conselho escolar proporá ao Ministro da Saúde e Assistência a equivalência a estabelecer entre o curso actualmente ministrado no Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge, os cursos professados em escolas de saúde pública estrangeiras e os ministrados na Escola.

BASE XI

A Escola, por sua iniciativa ou mediante solicitação dos serviços de saúde e assistência, procederá à investigação científica relacionada com a sua actividade.

BASE XII

Para realizar os seus fins pode a Escola:

a) Promover inquéritos e realizar missões científicas;
b) Incumbir técnicos nacionais ou estrangeiros de proceder a determinados estudos;
c) Aceitar subsídios de entidades nacionais ou estrangeiras;
d) Conceder bolsas de estudo, de acordo com os pianos gerais do Ministério da Saúde e Assistência e, sempre que necessário, em ligação com o Instituto de Alta Cultura;
e) Instituir prémios pecuniários ou de outra natureza para estimular os estudos no campo da saúde e da assistência.

BASE XIII

1. A divulgação de conhecimentos pela Escola poderá ser feita através de publicação periódica a cargo da Escola ou, enquanto esta não existir, do Boletim dos Serviços de Saúde Pública.
2. Aquela divulgação, quando dirigida à generalidade da população ou a sectores directamente interessados, deverá ser efectuada em conformidade com os planos gerais de educação social e sanitária do Ministério da Saúde e Assistência.

CAPITULO III

Do pessoal

BASE XIV

1. O pessoal docente poderá ser permanente ou temporário.
2. São permanentes os lugares de professores titulares, de professores extraordinários e de primeiros-assistentes. São temporários os lugares de professores chamados a título eventual, os de segundos-assistentes e os de prelectores.
3. Ouvido o conselho escolar, poderá o Ministro da Saúde e Assistência recrutar professores de nacionalidade estrangeira por períodos renováveis, não superiores a três anos.

BASE XV

1. Quando houver vantagem para o ensino, pode o Ministro da Saúde e Assistência, ouvido o conselho escolar, autorizar o pessoal docente a acumular as suas funções com as que exerça em qualquer outro estabelecimento ou serviço.
2. Na hipótese prevista no número anterior, o referido pessoal será remunerado por meio de gratificação.

BASE XVI

1. O recrutamento do pessoal docente de carácter permanente será feito por concurso de provas públicas, das quais fará parte a apreciação do curriculum vitae de cada candidato.
2. Os júris serão constituídos pelos professores titulares, sob a presidência do director. Os professores extraordinários podem fazer parte dos júris dos concursos para primeiros-assistentes.
3. Dos júris farão parte, caso o conselho escolar assim o entenda, professores das Faculdades de Medicina ou de outras Faculdades ou escolas de ensino superior, conforme a matéria da disciplina a prover.
4. Excepcionalmente, poderá o conselho escolar propor que sejam nomeados, por escolha, indivíduos cujo currículum demonstre excepcional competência na matéria da disciplina a prover. A escolha carece, porém, de reunir o voto favorável de, pelo menos, três quartos do número de professores membros do conselho escolar.

BASE XVII

O pessoal docente de carácter temporário será nomeado pelo Ministro da Saúde e Assistência, mediante proposta do conselho escolar.

BASE XVIII

O pessoal auxiliar e administrativo será recrutado e reger-se-á pelas normas aplicáveis ao restante pessoal do Ministério da Saúde e Assistência.

Página 1563

13 DE DEZEMBRO DE 1962 1563

CAPITULO IV

Da direcção e administração da Escola

BASE XIX

A direcção e a administração da Escola serão exercidas:

a) Pelo director;
b) Pelo subdirector;
c) Pelo conselho escolar;
d) Pelo conselho administrativo.

BASE XX

1. O director e o subdirector da Escola serão professores titulares escolhidos pelo Ministro da Saúde e Assistência de entre três candidatos propostos, para cada cargo, pelo conselho escolar.
2. A nomeação será feita por períodos renováveis de quatro anos.
3. O director da Escola será vogal nato do Conselho Superior de Saúde e Assistência Social.

BASE XXI

1. O conselho escolar será constituído pelo director, que presidirá, pelo subdirector, pelos professores da cadeira de Higiene e Medicina Social das Faculdades de Medicina de Lisboa, Porto e Coimbra, pelo director do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge e pelos professores titulares da Escola. Quando o curso geral de saúde pública for regido, no Porto ou em Coimbra, pelos directores das respectivas delegações deste Instituto, nos termos da base X, deverão os mesmos fazer parte do conselho.
2. Poderão assistir, sob convocação do director, às reuniões do conselho, com voto consultivo, professores extraordinários, prelectores, delegados dos assistentes e delegados dos alunos.
3. O conselho, quando o julgue conveniente ou lhe seja determinado pelo Ministro da Saúde e Assistência, ouvirá a opinião de quaisquer organismos ou pessoas que tenham conhecimentos especiais acerca dos assuntos a tratar.

BASE XXII

O conselho administrativo será constituído pelo director, que presidirá, por um professor eleito pelo conselho escolar e pelo chefe dos serviços administrativos da Escola.

CAPITULO V

Disposições gerais e transitórias

BASE XXIII

Os cursos a professar serão instituídos progressivamente, na medida das necessidades nacionais e das possibilidade de ensino da Escola.

BASE XXIV

1. Os primeiros director e subdirector da Escola serão nomeados pelo Ministro da Saúde e Assistência de entre diplomados em medicina de reconhecido mérito e capacidade para o exercício das funções.
2. A estas nomeações é aplicável o disposto no n.º 2 da base XX.
3. Se forem funcionários públicos, desempenharão as suas funções em comissão de serviço e poderão reger disciplinas da Escola, conforme a sua especialização.

BASE XXV

1. A nomeação dos primeiros professores, com excepção do director e do subdirector da Escola, será feita mediante concurso de provas públicas, entre as quais figurará a apreciação do curriculum vitae de cada candidato.
2. O júri dos concursos será constituído pelo director da Escola, que presidirá, pelo subdirector, pelos professores catedráticos de Higiene e Medicina Social das Faculdades de Medicina e, quando for julgado conveniente, por um ou mais técnicos indicados pela Organização Mundial da Saúde, especialmente versados na matéria de que se trata.
3. A nomeação poderá converter-se em definitiva depois de três anos de exercício, mediante proposta fundamentada do director da Escola, com parecer favorável de, pelo menos, dois terços dos membros do conselho escolar.
4. O disposto no n.º 4 da base XVI aplica-se à nomeação dos primeiros professores da Escola.
5. Quando estes professores forem funcionários públicos e não estiverem na hipótese prevista na base xvi, a sua nomeação será feita, em comissão de serviço durante três anos, findos os quais poderá aquela converter-se em definitiva, nos termos do n.º 3 desta base.

BASE XXVI

Os diplomas que regulamentarem a presente lei fixarão a data em que serão extintos os cursos de Medicina Sanitária actualmente professados na sede e na delegação do Porto do Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo Jorge.

Palácio de S. Bento, 21 de Novembro de 1962.

Adriano Chuquere Gonçalves da Cunha.
Albano do Carmo Rodrigues Sarmento.
António Jorge Martins da Moita Veiga.
António dos Reis Rodrigues.
António da Silva Rego.
Armando Estado da Veiga.
Domingos Cândido Braga da Crua.
Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa.
Francisco de Paula Leite Pinto (vencido no que respeita a integração da Escola num Ministério que não seja o da Educação Nacional).
Francisco Pereira Neto de Carvalho.
Guilherme Braga da Cruz.
Hildebrando Pinho de Oliveira.
João de Castro Mendes (perfilho a declaração de voto do Digno Procurador Francisco de Paula Leite Pinto).
José Gabriel Pinto Coelho.
José Pires Cardoso.
Joaquim Trigo de Negreiros.
Mário dos Santos Guerra.
Jorge Augusto da Silva Horta, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 1564

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×