O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1587

REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 61

ANO DE 1962 15 DE DEZEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 61, EM 14 DE DEZEMBRO

Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta, a sessão às 11 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente anunciou estarem na Mesa, para os efeitos do disposto no § 8.º do artigo 109.º da Constituição, remetidos pelo Presidência do Conselho, os n.ºs 280 e 881 ao Diário do Governo, inserindo os Decretos-Leis n.º 44 771, 44 778, 44 773, 44 778, 44 77S, 44 781, 44 788, 44 783, 44 784 e 44 785.
Foi lido o expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Pinheiro da Silva, para louvar a acção patriótica dos portugueses radicados no estrangeiro, nomeadamente no Congo ex-Belga e no Brasil; Videira Pires, sobre assuntos de interesse para Moçambique; Engrácia Carrilho, que se congratulou com as recentes visitas de membros do Governo ao distrito de Viseu, o Custódia Lopes, acerca de problemas de Moçambique.

Ordem do dia. - Continuou o debate na generalidade sobre a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1963.
Usou da palavra o Sr. Deputado Martins da Cruz.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 12 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se a chamada.

Eram 11 horas.

Procedeu-se à chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto dos Beis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Finto dos Beis Júnior.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Burity da Silva.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.

Página 1588

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 61 1588

Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Bocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís Voz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramirez.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Eram 11 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: -Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 100.º da Constituição, estão na Mesa os n.º 280 e 281 do Diário do Governo, respectivamente, de 6 e 7 do corrente, que inserem os seguintes Decretos-Leis: n.º 44 771, que cria vários lugares no quadro do pessoal maior da secretaria do Governo Civil do distrito de Santarém; n.º 44 772, que fixa os vencimentos, gratificações e salários do pessoal da Colónia Penal do Bié; n.º 44 773, que torna extensivos os preceitos do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, no que respeita u passagens por conta do Estado, ao pessoal do Laboratório Nacional de Engenharia Civil que, por motivo de serviço, tenha de se deslocar às províncias ultramarinas; n.º 44 778, que regula a produção e o comércio dos vinhos espumantes e dos vinhos espumosos gasificados; n.º 44 779, que autoriza a importação durante o ano de 1963 de veículos automóveis completamente montados pelos importadores que iniciem obras de instalação de oficinas de montagem nos termos da legislação em vigor; n.º 44 78J., que regula a utilização em Portugal de autocarros de matrícula estrangeira; n.º 44 782, que dá nova redacção aos artigos 2.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 88 247, que cria a Direcção-Geral de Transportes Terrestres e altera o mapa A do anexo do referido decreto-lei; n.º 44 783, que torna extensivo no provimento do cargo de vice-presidente da direcção da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho o disposto no Decreto-Lei n.º 37 743; n.º 44 784, que equipara, para os efeitos dos artigos 30.º e 31.º do Decreto-Lei n.º 36 173, a publicação das convenções colectivas de trabalho no Diário do Governo, 2.º série, à publicação das mesmas convenções no Boletim do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, e n.º 44 785, que cria na Direcção-Geral do Trabalho e Corporações um quadro do pessoal para o estudo e expediente dos assuntos relativos u estrutura do merendo de mão-de-obra, crises de trabalho, aprendizagem, orientação, formação e aperfeiçoamento profissional e política de salários.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama

De José Rodrigo Carvalho a apoiar as intervenções dos Srs. Deputados Virgílio Cruz e Costa Guimarães sobre a indústria algodoeira.

Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pinheiro da Silva.

O Sr. Pinheiro da Silva: - Sr. Presidente: pela nossa índole e pelo conjunto de valores que possuímos, somos, onde quer que nos fixemos, factores sem rival, de ordem, progresso e paz.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nada perdemos das virtudes ancestrais que, como se sabe, estão na raiz da formação dessa grande nação multirracial que ó o Brasil. Independentemente do que vamos realizando, serena e seguramente, no espaço nacional, o aspecto geral da vida das comunidades portuguesas no estrangeiro prova a veracidade da asserção.
Com efeito, essas comunidades, ou colónias, primam pela maravilhosa adaptação ao curso normal da vida local, pelo espírito ordeiro que as anima, pela honestidade e operosidade inteligente e fecunda. Possuem o segredo das boas relações entre as gentes étnica e culturalmente diferentes. Sem nada perderem do que há de essencial na alma Lusíada, não enquistam. Por isso, não constituem problema algum aos governos nem as sociedades com os quais convivem. As suas instituições de beneficência, como as suas agremiações de cunho cultural ou económico - expressão de alta civilização e do portuguesismo que a todos aglutina, fortifica e alimenta-, jamais se desviam dos objectivos para que são criadas. É seu timbre, em verdade, o não servirem de focos de agitação e de centros de movimentos encaminhados contra a segurança dos estados.
A valorização material e moral dos seus membros, bem assim o bom nome da pátria de origem, distante mas sempre acarinhada, são as únicas mas significativas preocupações de dirigentes e associados.
Quer dizer, nunca os portugueses se moveram nem se movem por interesses de domínio dos países que generosamente os acolhem. E é bom notar que algumas das pseudonações ditas independentes da África, como o Congo ex-Belga, teriam já caído mais fundo na ruína geral não fossem o exemplo e a acção de milhares de residentes

Página 1589

15 DE DEZEMBRO DE 1962 1589

portugueses, os quais, não obstante as precárias condições de segurança ali existentes,...

O Sr. André Navarro: - Muito bem!

O Orador: -... se mantêm, numa impressionante afirmação de vitalidade e grandeza moral, nos seus postos e continuam a entregar-se ao labor produtivo e útil com 'a abnegação, a inteligência e o entusiasmo de sempre. Quer isto significar, em última análise, que se é possível n continuidade da civilização nessas regiões isso não se conseguirá sem o esforço português.
Tudo isto são factores que se impõem ao observador objectivo e de boa fé, e bastantes para destruir muitas, se não todas, as acusações, tendenciosas que nos suo dirigidas na O. N. U. e fora da O. N. U.
Sr. Presidente: cuido, por outro Indo, que da actuação dos nossos compatriotas estanciados em países estranhos algumas lições de fé patriótica e de esperança na perenidade da grandeza nacional podemos colher, nós os que hora a hora respiramos os ares pátrios e beneficiamos directamente da acção do regime político vigente.
Realmente, é, por exemplo, todo um acervo de ensinamentos de acrisolado patriotismo que nos prodigalizaram aqueles portugueses que há pouco tempo, no Brasil, precisamente em S. Paulo, a portentosa capital da arrancada bandeirante - que nos diz tanto à mente e ao coração como aos próprios brasileiros -, fundaram o Movimento dos Portugueses.

Vozes: Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pêlos motivos, princípios e intenções que o justificam, estruturam e impulsionam, o Movimento dos Portugueses é algo de novo nos anais das nossas associações em terra alheia.
Efectivamente, após breve referência ao carácter e fins das mais corporações portuguesas lá fora, reza assim a proclamação dirigida aos «bons portugueses de todo o Mundo» e assinada pelos dirigentes de todas as instituições lusas de S. Paulo:
Ultimamente, porém, a Nação Portuguesa vem sendo alvo dos ataques promovidos por forças internacionais que a supuseram uma presa fácil. Nasceu daí uma reacção, serena mas firme; chama-se Movimento dos Portugueses.
Assim, abandonando certa quietude habitual, os compatriotas isolados, os amigos e os grupos associativos não poderiam acocorar-se num comodismo inerte. Com efeito, espicaçados em seu brio e em sua honra, decidiram levantar-se para reagir, de acordo com as circunstâncias. Enquanto os nossos soldados se batem em África contra as hordas adventícias (reconhecidamente doutrinadas e municiadas além-fronteiras), os portugueses espalhados pelos cinco continentes sentem-se no dever indeclinável de dar o seu apoio incondicional à Mãe-Pátria, com a réplica das suas razões históricas.
O Movimento dos Portugueses, de S. Paulo, não é, pois, uma associação a mais.
E o agrupamento específico que estava faltando nesta conjuntura histórica.
Por isso, estamos conclamando todos (seja qual for a sua posição social, sejam quais forem as suas condições) a que se unam num bloco gigantesco, trazendo a sua adesão pessoal...
Não pode haver, como se vê, nem linguagem mais clara e veraz, nem melhor afirmação, de fé nos destinos pátrios, nem, ainda, mais firme determinação de lutar pela imortalidade da honra nacional.
O facto de milhares de compatriotas nossos - mais de 300 000 haviam já respondido a chamada por alturas de Março do ano em curso, conforme pude apurar - terem tomado posição a nosso lado, em tempo e meio pouco aliciantes, enche-nos de justo orgulho e, a um tempo, confunde aqueles que entre nós «sempre houve algumas vezes», bem como os seus amigos externos.
Além disso, temos aqui mais uma prova de como se enganam redondamente os que pretendem ser do Governo u actual política ultramarina, porque ela é antes da Nação inteira.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A «batalha da retaguarda» não pode ser vitoriosamente travada só pelos portugueses que vivem na metrópole. Necessita do concurso de todos quantos se dispersam pelo orbe. A esta luz, a significação do Movimento dos Portugueses, de S. Paulo, ganha outra relevância e dimensão.
Sr. Presidente: os portugueses do Brasil, apoiando sem tibiezas e subterfúgios a guerra que justamente sustentamos em várias frentes, cumprem um dever e honram uma tradição.
De facto, é dever que incumbe a todos os portugueses de lei. onde quer que residam, coadjuvar, sem desfalecimentos ou hesitações suspeitas, o Governo nos esforços, ordenados e contínuos, que envida no sentido da preservação do património herdado dos nossos maiores. E isto está conforme com a boa e pura tradição da comunidade portuguesa do Brasil.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ocorre-me, com efeito, recordar que outra não foi a sua atitude quando, em fina da passada centúria e alvores desta, D. Carlos ï tomou a peito a salvaguarda do ultramar e a regeneração da vida política da Nação.
Sem embargo disso, é-me grato dirigir-lhes uma bem sentida palavra de saudação e reconhecimento por mais uma vez terem sabido corresponder as exigências do interesse nacional.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Que sejam muito felizes em tão nobres intentos são os votos que, neste momento e lugar, gostosamente formulo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. José Manuel Pires: - Sr. Presidente: ao retomar os meus trabalhos nesta Câmara, como representante da província de Moçambique, quero reiterar a V. Ex.ª o meu sincero propósito da mais leal e dedicada colaboração.
Para V. Ex.ªs, Srs. Deputados, vão as minhas mais cordeais saudações.
Agudas são hoje, Srs. Deputados, as nossas ansiedades; prementes as ameaças que sobre nós pesam. Inimigos de dentro e de fora querem lançar aos ventos da desgraça e da mentira os tesouros que os nossos pais amealharam para nós, no suor das suas fadigas e na paixão da sua

Página 1590

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 61 1590

fidelidade ao culto da Pátria. Forque é directamente contra a nossa essência de povo livre que ò comunismo se levanta nesta hora decisiva. Disse-o bem claramente o Sr. Presidente do Conselho ua sua última entrevista. Ele é hoje o nosso maior inimigo, porque fez seus aliados os estrangeiros de dentro. Temos de o combater sem descanso, pois ele é a negação formal de tudo o que constitui a nossa razão de ser: Pátria livre, família, dignidade da pessoa humana, Deus.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Por isso se me afigura hoje extremamente ingrata a tarefa pesada que cabe nesta Câmara a um Deputado ultramarino. E no ultramar que se jogam hoje os destinos do Portugal civilizador de povos, é no ultramar que se há-de construir o futuro da Pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas um Deputado ultramarino terá de enfrentar, por isso mesmo, de ânimo resoluto, e até com raro estoicismo, toda a casta de incompreensões, de críticas acerbas e quantas vezes de doestos .que deixam chagas fundas na alma, se quiser ser sincero e dizer a verdade toda, sem a envolver em roupagens de linguagem colorida, que a desfiguram e a desvirtuam.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E como me sentiria feliz, Srs. Deputados, no desempenho desta missão, tão superior às minhas forças, se conseguisse dar a Câmara um retrato, ainda que pálido e descolorido, do esforço quase sobre-humano do colono anónimo que, escorado apenas na sua robusta armadura moral e dominado pela ânsia febricitante de vencer a natureza bravia, foi lançando, entre perigos sem conta, os fundamentos dos vários núcleos populacionais e enriquecendo a economia da província.
Estes portugueses de rija têmpera, ignorados quase sempre da propaganda jornalística e desprezados - quantas vezes! - rios detentores do mando e da burocracia arrogante dos grandes centros citadinos, deveriam ser apontados como exemplo seguro a tantos calculistas de riqueza fácil, que vão consumindo a vida, ingloriamente, a mendigar um lugar de amanuense de secretaria. Foram eles quem desbravou e fecundou a terra virgem, foram eles quem abriu a golpes de audácia as primeiras vias de penetração no interior de um território imenso, foram eles quem lançou os fundamentos indestrutíveis daquela realidade maravilhosa, produto do génio civilizador português, que é a província de Moçambique.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Citar aqui os seus nomes? Para quê, se homens desta têmpera de aço se sentiriam amesquinhados na sua dignidade e no seu justo orgulho de pioneiros da soberania lusíada em terras das margens distantes do Indico se medíssemos a sua alma gigante pelos padrões correntes do elogio fácil. Deixemos, pois, Srs. Deputados, que o tempo lhes renda o tributo merecido.
Mas Moçambique não pode viver hoje simplesmente do cultivo da terra. Precisa de crescer também industrialmente. Os territórios ultramarinos não podem ser hoje encarados apenas a maneira do século passado, como simples fontes de abastecimento de matérias-primas destinadas a alimentar as pujantes indústrias metropolitanas, servindo-lhes depois como centros de colocação assegurada puni os seus produtos industrializados. Temos de abrir os olhos à realidade enquanto é tempo.
E urgente, pois, que as principais matérias-primas de extracção local, como o algodão, o sisal e tantas outras, sejam, pelo menos em parte, industrializadas em Moçambique. Estuo as forças vivos daquela província ultramarina, através das suas Associações Comercial e Industrial, altamente empenhadas na tarefa, quase homérica, de vencer resistências incompreensíveis, movidas por entidades que trabalham na sombra, um trabalho de sapa persistente e aturado, extremamente difícil de destruir, para que a industrialização de Moçambique, em nível dignificante e compensador, possa ser em breve uma realidade insofismável.
Por mim considerei sempre estes impertinentes «Velhos do Restelo» que teimam em ver no progresso económico das nossas províncias ultramarinas um possível caminho, de trilho mais ou menos fácil, para a completa autodeterminação, figuras altamente prejudiciais u soberania nacional.
Sei bem que campeia à solta, ainda, infelizmente, este preconceito anacrónico e cediço em certos sectores da industrialização metropolitana. Mas temos de o combater sem descanso, numa luta árdua, certamente, mas sem tréguas nem quartel, por ser altamente desnacionalizou te. O grande, o maior problema de Moçambique, nesta hora tão dramática que vive o nosso ultramar, consiste no aproveitamento rápido, imediato, das suas imensas riquezas latentes - mineiras, agro-pecuários, hidroeléctricas, piscícolas, e tantas outras -, dando-lhes como pano de fundo a imperiosa fixação de populações laboriosas, em condições de franca produtividade, especialmente nos imensos distritos do Niassa e do Cabo Delgado.
Quando a Europa e a Ásia se debatem com a solução do problema angustiante da procura de espaço vital para a colocação dos seus excessos demográficos não faz sentido que nós tenhamos ainda aqueles vastos e férteis territórios nortenhos abertos, assim, a cobiça estranha. E não esqueçamos que o Japão tem territórios com densidade demográfica de 2500 habitantes por quilómetro quadrado e uma turbulenta Indonésia possui ilhas com a densidade média de 1800 habitantes. Além de que vivem do outro lodo da fronteira inimigos irredutíveis que nos espreitam constantemente os passos. Para mais, os primeiros embates e, porventura, os mais furibundos do terrorismo internacional no Norte de Angola foram aguentados pela valentia heróica do colono rijo, de têmpera de aço, agarrado à terra fecundada com as bagas de suor do seu rosto generoso, ao longo de anos sucessivos de canseiras e de contrariedades sem conta.
Mas, Srs. Deputados, para erguermos em bases sólidas de projecção futura esta obra tão premente e tão inadiável da valorização económica dos vastos recursos latentes da província de Moçambique são precisos muitos técnicos e são precisos também muitos capitais. É toda uma tarefa ingente de conjunto, complexa na sua estrutura e cara na sua execução, que está em perspectiva, E a fixação do colono em condições de sobrevivência franca para que a dureza do clima inclemente e a nostalgia do torrão natal distante lhe não esmoreçam a vontade decidida de vencer; é a sistemática prospecção e consequente aproveitamento da fabulosa riqueza do seu subsolo; é o aproveitamento da abundante riqueza piscícola da sua extensa costa e dos lagos Niassa e Amaramba; é o rasgar de amplas vias de comunicação que permitam o escoamento fácil e em condições económicas compensadoras de toda esta riqueza que está ainda perdida para a economia nacional. E, em suma, a urgência de uma planificação séria,

Página 1591

15 DE DEZEMBRO DE 1962 1591

criteriosa, por brigadas técnicas dê reconhecida idoneidade, à semelhança do que se fez já para a bacia do Zambeze. E Moçambique não é só a bacia do Zambeze. O que Moçambique precisa - isso sim lá que a compreendam na sua ânsia justíssima de crescimento económico-social e cultural.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas não é justo nem lógico imputar ao Governo da Nação a mais leve responsabilidade neste atraso tão perigoso. Sempre vigilante a todas as ciladas de estrangeiros, de dentro e de fora, armadas certeiramente contra a- nossa permanência em África, a sua posição inequívoca e aberta tem-se mantido sempre de uma clareza meridiana e de uma dignidade patriótica insofismáveis. ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, o Governo Central encarnou bem, 'desde a primeira hora, todas as dores e todas as angústias das populações portuguesas do ultramar. Repudiamos/por isso, os clássicos lugares comuns do «diálogo» e dos «ventos da história», que têm servido apenas nas nações em que se lhes deu guarida franca, para as conduzir ao caos e à barbárie desenfreada, em que campeia à solta o mais desbragado primitivismo da lei da selva. Demonstrou-o há tempos, com o seu raro brilho de jornalista e de escritor de garra, o Dr. Augusto de Castro, em primoroso artigo do Diário de Noticias.
Srs. Deputados: Moçambique, a província ultramarina que tenho a honra de representar nesta Câmara, é um mundo imenso, prenhe de riquezas sem conta, na maior parte ainda por explorar. E é esta, na hora actual, a maior mágoa, a mais pungente, das suas populações.
A planificação séria, metódica - volto a repeti-lo -, que se fez já para as impressionantes riquezas da bacia do Zambeze é preciso que se faça também, na mesma escala de valores e com a mesma amplitude, para o resto da província, especialmente para os distritos do Niassa e do Cabo Delgado. Isto sim, que será trabalho meritório e urgente, de uma urgência que não se compadece com a dialéctica fácil de comicieiros de ocasião, nem tão-pouco com as habituais morosidades da nossa burocracia prepotente, perfeitos «régulos dos serviços públicos», como alguém lhe chamou já tão acertadamente.
A população laboriosa e ordeira daquela província, de pés bem fincados na terra dura que arroteou e fecundou à custa de trabalhos e de contrariedades sem conta, é portuguesa até à raiz dos cabelos e tem nisso o seu maior orgulho. .Mas quer que a sua terra - justa aspiração! - acompanhe o ritmo vertiginoso de crescimento económico dos territórios vizinhos. Será este, aliás, o melhor processo da responder a toda a casta de flibusteiros internacionais que sé divertem a discutir naquele hilariante sinédrio da O. N. U. os nossos direitos seculares de permanência em África.
Eu sei, Srs. Deputados, e todos quantos trabalham em África sabem, que é esforço quase sobre-humano atender simultaneamente aos deveres da soberania militar, a que o terrorismo internacional nos forçou, e ao imperativo premente de esventrar a prodigiosa- riqueza latente daqueles vastos territórios moçambicanos, desde a foz do Rovuma à Ponta do Ouro. Creio, contudo, que estas duas tarefas tão desencontradas. - a da guerra e a da paz, a da soberania militar e a do fomento económico-social e cultural - poderão caminhar paralelamente, para maior prestígio e dignidade nacionais se os titulares da banca, que abarrotaram os seus cofres-fortes de ouro sonante à custa da riqueza ultramarina, tiverem, ao menos agora, um patriótico rebate de consciência que os mova a investirem pelo menos parte das suas somas astronómicas em obra de fomento ultramarino, em vez de as colocarem em segurança em instituições de crédito estrangeiras.
E sem crédito assegurado e de fácil acesso, anota um economista contemporâneo, «não é possível o incremento económico de países em formação, como são os territórios ultramarinos, onde quase tudo de fundamental está ainda por fazer».
Quase todos os estados modernos com domínios ultramarinos compreenderam- esta verdade elementar. Por isso, paralelamente aos movimentos militares de ocupação, para o rápido incremento económico dos territórios senhorados, foram criando instituições de crédito, destinadas a valorizá-los o mais rapidamente possível. Foi este o critério seguido pela ocupação francesa no Extremo Oriente, pelos ingleses na Ásia, pelos italianos na Tripolitânia e pelos norte-americanos nas Filipinas.
E se a princípio o não fizeram os alemães na sua antiga colónia do Sudoeste Africano, deixando esgotar os modestos recursos económicos dos primeiros colonos, isso constituiu a causa fundamental do completo fracasso da sua primeira fase de colonização deste território.
Creio vir a propósito, Srs. Deputados, salientar à Câmara o valioso contributo do Banco Nacional Ultramarino, como instituição de crédito, dado ao incremento económico de Moçambique. Criado por Carta de Lei de Maio de 1864, com privilégio emissor, tem, desde então para cá, prestado relevantes serviços a Moçambique. A propósito, comenta o falecido engenheiro Vicente Ferreira:

Então, em lugar de crédito, que desperta e estimula a vida económica, havia tão-somente a desaforada agiotagem, que a sufoca e extingue.

E se não havia crédito também não havia circulação monetária. Nestas condições, comenta ainda Vicente Ferreira:

Não admira que a criação do banco emissor, com as relativas facilidades de crédito que proporcionou ao comércio, à agricultura e às indústrias, marque o início das transformações das províncias ultramarinas.

E remata assim estas judiciosas considerações:

Julgamos, portanto, que, quaisquer que sejam os erros e deficiências, mais ou menos atribuídos ao Banco Nacional Ultramarino, é de elementar justiça conceder-lhe, a seu activo, uma larga soma de bons serviços prestados ao ultramar português.

Justíssimas estas palavras de Vicente Ferreira. Mas a verdade é que, com o vulto que tomou já o fomento moçambicano, não será uma única instituição de crédito, por mais amplas que sejam as suas possibilidades monetárias, que poderá atender, pronta e satisfatoriamente, a todas as necessidades de financiamento às actividades industriais nascentes, à agricultura, à pecuária, em suma, a todas as tentativas de valorização económica do vasto território moçambicano.
Não desprezemos, pois, esta oportunidade única de firmar em bases de solidez indestrutível, a nossa soberania em Moçambique, pois ela não será apenas função do esforço gigante e altamente patriótico da força, armada, mãe também, e principalmente, do seu progresso económico, e da promoção social das suas populações autóctones, valorizando-as económica e culturalmente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Página 1592

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 61 1592

O Orador: - Não tenho o meu nome ligado, nem espero tê-lo, a qualquer empresa comercial, industrial ou instituição de crédito daquela província. Ali vivo, vai para dezoito anos, apenas do produto da minha actividade profissional. E estou tão rico de bens materiais como naquela clara madrugada de Julho já distante em que entrei pela' primeira vez na majestosa baía do Espírito Santo. Mas, como português que deu já a Moçambique o melhor do seu esforço profissional, e onde me nasceu e se criou um filho que Deus me deu, sinto que é meu dever de honra pugnar sem descanso pelo progresso e bem-estar das suas populações.
Será este o meu maior orgulho, que espero transmitir íntegro ao meu filho, que quer entranhadamente àquela terra tão hospitaleira, que lhe afagou os primeiros sonhos da sua meninice.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Engrácia Carrilho: - Sr. Presidente: por ser esta a primeira vez que uso da palavra nesta sessão legislativa, apresento a V. Ex.ª os meus cordiais cumprimentos.
Pedi a palavra a V. Ex.ª para fazer um breve apontamento sobre a recente visita que quatro ilustres membros do Governo, e no curto espaço de tempo de dois meses, fizeram ao distrito de Viseu.
Tal acontecimento, Sr. Presidente, merece que seja posto em relevo nesta Assembleia pelo. seu alto significado de justiça e de interesse pôr parte do Governo em relação a todas as parcelas do País.
A esse acontecimento me vou referir sem outro intuito que não seja louvar, com razão e justiça, quem devotadamente se vem entregando a uma política de verdadeiro engrandecimento nacional.
Sr. Presidente: o Ministro das Corporações e Previdência Social, Sr. Doutor José Gonçalves de Proença, dignou-se visitar oficialmente a cidade de Viseu, no dia 6 de Setembro do ano corrente, a fim de inaugurar alguns melhoramentos que encerram o mais elevado sentido social, político e económico.
Jornada de júbilo e de esperança foi, sem dúvida, esta honrosa visita. Foi inaugurado o primeiro grupo de casas de renda económica das Habitações Económicas - Federação de Caixas de Previdência, constituído por 4 blocos e 32 habitações. O Estado garantiu assim a 82 famílias uma habitação condigna, sendo esta um dos valores que asseguram à família dignidade, saúde e felicidade.
A colaboração prestada à política da habitação na cidade de Viseu por simples particulares e outras entidades é digna da maior relevância, podendo afoitamente assegurar-se que- não há grave problema habitacional para rendas mensais que oscilem entre 400$ e 1000$.
Mas, Sr. Presidente, há muitas centenas de famílias na cidade de Viseu cujo rendimento familiar não lhes permite suportar rendas mensais que não oscilem entre 80$ e 250$, e muitas outras há, e em grande número, que nem a este escalão poderão chegar.
Em ordem a debelar esta situação, o Ministro das Corporações quis louvavelmente aproveitar a sua ida à capital da Beira Alta para proceder à assinatura do novo acordo entre a Câmara Municipal e as Habitações Económicas. Federação de Caixas de Previdência para a construção de um bairro de casas de renda económica, num total de 21 blocos, perfazendo 171 habitações, para o qual a Câmara Municipal de Viseu colaborou pronta e eficazmente.
O Prof. Gonçalves de Proença assinalou a sua passagem por Viseu com medidas de largo alcance em matéria de política habitacional' para as classes mais necessitadas, que sinceramente, agradeço em nome daqueles que me elegeram para esta Câmara, e é em nome dos mesmos que desta tribuna dirijo um veemente apelo ao Sr. Ministro das Corporações no sentido de mandar acelerar a elaboração do projecto do conjunto habitacional e, consequentemente, a sua adjudicação, para que a breve trecho 171 famílias disponham de um lar ao qual se possam prender e que seja abrigo atraente e ao mesmo tempo escola de formação.
O Doutor Gonçalves de Proença estudou também à localização das futuras instalações da Caixa Distrital de Previdência e dos restantes serviços do seu Ministério, edificações que muito irão contribuir não só para a eficiência dos serviços como também para o engrandecimento e embelezamento da cidade de Viseu. Tenho esperança de que S. Ex.ª não deixará de prestar a esta cidade e com urgência mais este valioso serviço, para o qual os responsáveis da política e da Administração estão dispostos a prestar a mais larga e leal colaboração.
Nos dias 8, 9 e 10 de Outubro último o Sr. Secretario de Estado da Agricultura, Dr. Mota de Campos, visitou o distrito de Viseu, onde foi recebido com a maior cortesia e hospitalidade.
Q ilustre titular da Agricultura deslocou-se a terras da Beira Alta em missão de estudo e de trabalho, contactando com todos os departamentos dependentes da sua. Secretaria de Estado.
Foi um programa de visitas e dê reuniões de trabalho extraordinariamente intenso, pois que o Dr. Mota de Campos dignou-se não só trabalhar com os técnicos do seu Ministério, mas também contactar com organismos particulares de marcado interesse agrário.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Com efeito, visitou em pleno funcionamento as adegas cooperativas da região demarcada dos vinhos do Dão, vinhos que, sem sombra de dúvida, ocupam lugar de relevo entre os melhores vinhos de mesa de todo o Mundo, e procedeu à inauguração de uma nova adega cooperativa, situada em S. Paio de Gouveia.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Do mesmo passo foram oficialmente inaugurados os lagares cooperativos de Mangualde e Carregal do Sal e visitadas várias explorações avícolas.
Sr. Presidente: o Sr. Secretário de Estado da Agricultura teve ensejo de apreciar a alta importância económica da província da Beira Alta, província da qual têm saído tantas e tão grandes figuras nacionais e província sempre pronta a trabalhar, a lutar e a sacrificar-se em alto grau pelo engrandecimento da Nação, e neste caso pela melhoria da lavoura nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O Sr. Dr. Mota de Campos a todos conquistou, merca da sua juventude dinâmica, do seu saber e do seu encantador trato.
Neste momento S. Ex.ª já não é responsável pelos destinos da Secretaria de- Estado da Agricultura. Por um imperativo de consciência e de justiça manifesto ao Sr. Dr. Mota de Campos toda a minha admiração e con

Página 1593

15 DE DEZEMBRO DE 1962 1593

sideração, pois no curto espaço de tempo de ano e meio, e em luta aberta e vigorosa, abriu novos horizontes para um trabalho futuro da lavoura portuguesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Trabalho que fica documentado numa série de realizações concretas, que significam a materialização de um pensamento estuante.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Afinal, Sr. Presidente, o Dr. Mota de Campos trabalhou sempre, com entusiasmo e vigor, dentro da política agrária superiormente traçada pelo Governo da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O ilustre titular da Agricultura foi substituído nas suas funções pelo nosso ilustre colega nesta Câmara engenheiro agrónomo Luís de Azevedo Coutinho. Esta escolha constituiu para todos nós uma honra. Técnico distinto, conhecedor profundo da panorâmica agraria nacional, o engenheiro agrónomo Azevedo Coutinho tem qualidades de carácter e de trato humano que muito contribuirão para o êxito das suas novas e altas funções.
Por isso a lavoura nacional pode continuar á confiar no novo Secretario de Estado da Agricultura, pois que as virtudes que exornam o seu espírito são garantia de que continuará a trabalhar, a lutar e a sofrer pelo seu engrandecimento, cumprindo assim as directivas já traçadas pelo Governo no campo da valorização agraria do País. Assim confiamos.
No dia 4 de Novembro último o 'Ministro da Saúde e Assistência, Sr. Dr. Martins de Carvalho, deslocou-se à cidade de Viseu a fim de presidir às cerimónias integradas no Dia da Misericórdia. Este dia foi consagrado à inauguração de melhoramentos do mais elevado sentido social e de reconhecimento à edificante generosidade dos seus benfeitores.
Foi um dia de gratidão, de júbilo e de emoção.
Foi uma bela e promissora jornada, da qual hão-de resultar magníficos frutos.
Agradeço ao Dr. Martins de Carvalho, então Ministro da Saúde e Assistência, a honra da sua presença, as palavras de orientação e estímulo que teve a bondade de nos deixar e o auxílio material que sempre nos dispensou.
Aproveito esta feliz oportunidade para prestar homenagem às altas qualidades de trabalho, método e inteligência fulgurante que o Dr. Martins de Carvalho revelou durante o período em que sobraçou a pasta da Saúde e Assistência.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Saúdo o novo Ministro da Saúde e Assistência, Doutor Pedro Soares Martinez, figura prestigiosa da nossa Universidade, espírito brilhante, portador das mais elevadas virtudes morais e intelectuais, penhor seguro dos mais assinalados êxitos.
Muitos, variados e da mais alta importância serão os problemas quê o novo Ministro terá de enfrentar, e com coragem, no campo da política, da saúde e da assistência.
Há um para o qual dirijo um apelo a S. Ex.ª, no sentido de o encarar bem de frente e pôr-lhe imediatamente termo, num esforço sério que vença todas as dificuldades e transponha todas as barreiras. Ë ò que se refere aos acordos a celebrar entre os estabelecimentos hospitalares oficiais e as Misericórdias com os Serviços Médico-Sociais - Federação de Caixas de Previdência, porque os existentes são muito incompletos, não se compreendendo que a assistência continue a suportar encargos que competem à previdência, encargos esses que aumentam de ano para ano.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Confio em que o Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social, espírito aberto às mais nobres realizações sociais, prestará a este importante problema, e com urgência, toda a atenção no sentido de uma rápida e frutuosa solução.
Finalmente, o ilustre Ministro das Obras Públicas, Eng.º Arantes e Oliveira, visitou nos dias 15 e 16 do mês de Novembro último a parte Norte do distrito. Em Tarouca, S. João da Pesqueira, Armamar, Resende, Cinfães e Lamego presidiu à inauguração de um volumoso conjunto de melhoramentos do mais alto interesse económico e social para a vida daqueles povos, não deixando esquecido o estudo de outros não menos .importantes a levar a cabo a breve trecho.
Chegou a vez à parte Norte do distrito de Viseu em receber os melhoramentos a que tem jus. O problema rodoviário está em franco desenvolvimento, dando o Sr. Ministro Arantes e Oliveira a reconfortante notícia de ser construído mais um lanço da estrada n.º 821, que liga os concelhos de Cinfães e Castro Daire.
Este é, sem dúvida nenhuma, o problema número um do concelho de Cinfães, que virá a servir todo o alto do concelho e encurtar em mais de 50 km a distância que o separa da capital do distrito. Lamego, cidade de turismo e de encanto, tem em franco andamento duas grandiosas obras da mais alta importância, e que muito contribuirão para o seu embelezamento.
Uma refere-se à escadaria que estabelece a ligação da Avenida dos Combatentes com a escadaria do monumento de Nossa Senhora dos Remédios. Esta obra constituía uma grande aspiração de todos os Lamecences e que, graças à boa vontade do Eng.º Arantes e Oliveira, será dentro em pouco uma realidade.
A outra obra é a Casa da Justiça de Lamego.
Este imóvel, de traços arquitectónicos elegantes e dignos, ao lado do Museu Regional e a curta distância da vetusta Sé Catedral, enriquecerá profundamente a arquitectura da cidade de Lamego, já tão famosa e apreciada. Para o Sr. Ministro da Justiça, Doutor Antunes Varela, vão todos os louvores e agradecimentos.
Lamego precisa, tem urgência de uma escola técnica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sobre esto assunto já o nosso ilustre colega Nunes Fernandes fez nesta Câmara, no mês de Março do ano corrente, uma valiosa e oportuna intervenção. Agora limito-me a reforçar o apelo que o ilustre Deputado Nunes Fernandes dirigiu ao Sr. Ministro da Educação Nacional, no sentido de ser criada no mais curto espaço de tempo a escola técnica de Lamego, pois dia a dia a sua falta se nota assustadoramente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: assim se comprova, por forma impressionante, o vigor da política de engrandecimento da Nação, que nem as preocupações, nem os en

Página 1594

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 61 1594

cargos da defesa da nossa integridade territorial conseguem abalar o progresso de todos os recantos de Portugal. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

A Sr.ª D. Custódia Lopes: - Sr. Presidente: no momento em que Portugal é mais uma vez alvo de injustificadas acusações na O. N. U., por parte de países africanos, asiáticos e outros que se arrogam o direito de exigir autonomias que não foram pedidas, permita-me V. Ex.ª que, como representante dei uma das maiores parcelas do ultramar português nesta Assembleia manifeste a minha indignação pela atitude que esses mistificadores da verdade têm tomado contra o nosso país e reafirme a vontade inabalável que existe e se sente em toda a província de Moçambique de se continuar a viver dentro do espírito de unidade nacional que tem norteado a política portuguesa nos vastos territórios espalhados pêlos diversos continentes.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: é doloroso observar-se como, por desejos inconfessáveis ou mero maquiavelismo, alguns países persistem em levantar calúnias contra uma nação que sabem ter adoptado, desde sempre, para com povos de raças diferentes uma atitude de verdadeiro convívio. Só à má fé se poderá atribuir referências a ódio de raças, a escravatura e desarmonia social nos territórios do ultramar, expressas por povos que, por experiência própria, conhecem bem o ambiente em que tais sentimentos imperam.
Moçambique é, sem dúvida, um exemplo flagrante de como é possível viver-se em paz na diversidade de etnias que labutam lado a lado e consideram, em igualdade, aquela terra como sua.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Se reivindicações têm de ser feitas, e estão a sê-lo, sobre aspectos da vida ultramarina, elas em nada afectam, a unidade nacional, antes a reforçam, porquanto significam que às populações do ultramar, como as da- metrópole, desejam o progresso das suas terras, a justiça e o bem-estar das suas gentes, dentro do todo que constitui a Nação Portuguesa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Acontece que o ritmo da vida no mundo actual, sobretudo em África, se acelerou a tal ponto que houve necessidade de se adoptar no ultramar novas medidas e actualizar regras que tinham servido para regular e dirigir a vida dos povos.
O Governo, consciente deste particular, empreendeu amplas e decididas reformas, algumas das quais já aplicadas, outras em vias de execução, com. manifesto regozijo das populações.
É justo, Sr. Presidente, que Moçambique preste aqui, pela minha voz, as merecidas homenagens ao ilustre Ministro cessante da pasta do Ultramar, Prof. Adriano Moreira, que, no momento mais cruciante da história nacional, soube, com larga visão, compreender e satisfazer muitos dos mais prementes problemas das províncias ultramarinas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Se é certo que as necessidades nacionais têm de estar, pelas circunstâncias que de fora nos são. impostas, subordinadas às exigências de defesa dá integridade do território, não é menos verdade que não podemos afrouxar o ritmo de realizações e reformas que vimos empreendendo no ultramar para uma maior valorização dos seus povos, sob pena de não ganharmos completamente a vitória que não pode deixar de pertencer-nos.

Vozes: - Muito bem!

À Oradora: - Estamos confiados em que o Governo continuará com segurança no caminho traçado, ainda que com sacrifício de bens e pessoas, pois que acima do bem particular se situa o bem comum e a sobrevivência, de uma pátria.
O surto de inovações ultimamente realizadas nos vários sectores da vida ultramarina, a esperança de novas reformas que permitam novos processos na administração, a tranquilidade assegurada pelo cuidado que o Governo põe na defesa dos seus bens e das suas vidas, deram aos povos do ultramar tal confiança nos destinos da Nação que as atoardas exteriores e as falsas alusões não conseguem- abalar a sua fé e perturbar o seu tranquilo labor quotidiano. Contudo, a vastidão do território de Moçambique, a diversidade dos seus povos, e o ritmo sempre crescente da sua vida exigem do Governo e de todos um esforço ainda maior, no sentido de se resolverem problemas que estão na base do viver das suas populações.
Quem, como nós, percorra a extensa província e a observe atentamente notará, a par do acentuado progresso das cidades, vastos territórios do interior, sobretudo no Centro e no Norte, prometedores mas ainda incultos, ávidos de braços e meios que os transformem em fontes e caudais de riquezas da terra.
São largas e extensas planícies que permanecem na quietude dos matos è que se poderiam converter em férteis campos de lavoura, que chegariam para abastecer todo um povo, se não fora a falta de recursos materiais e técnicos.
Urge, pois, que amplas medidas agrárias se empreendam nestas zonas e se processe aceleradamente o povoamento dessas terras para que não só se desenvolva a economia da província, mas também se promova com ela a ascensão social dos seus povos mais débeis, fortalecendo-os física e espiritualmente, num acto de justiça que os fará felizes e os tornará, certamente, mais conscientes dos seus deveres e dos seus direitos como cidadãos portugueses.
O acentuado contraste entre as populações que vivem nas regiões economicamente mais desenvolvidas do litoral e as menos desenvolvidas do interior atenuar-se-á decerto, quando se promover, em larga escala, a valorização dos produtos agrícolas que estão na base da economia de Moçambique em termos tais que assegurem às comunidades rurais melhores condições de vida e interesse pelo trabalho da terra.

Vozes: - Muito bem!

A Oradora: - E este último aspecto parece-nos essencial, pois que, vivendo as populações mais desfavorecidas apenas da terra, há que fornecer-lhes estímulos e entusiasmos que se traduzam em ensino de técnicas apropriadas em vista a um maior rendimento das culturas, facilidades na aquisição de terras e instrumentos de trabalho e, sobretudo, compensação justa pelo esforço despendido.

Página 1595

15 DE DEZEMBRO DE 1962 1595

Deste modo poderemos prosseguir mais rapidamente no progresso social, em que tanto estamos empenhados, de povos que, pelo seu bem-estar, hão-de garantir a paz em que têm vivido dentro da comunidade portuguesa multirracial em que todos os homens de boa vontade têm o seu lugar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa à autorização das receitas e despesas para 1963.
Tem a palavra o Sr. Deputado Martins da Cruz.

O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente: a razão do progresso social e económico de uma nação é a sua população, a sua comunidade.
Quando tal se pensa aceita-se evidentemente, em pressuposto e como alcançado, o seu desenvolvimento intelectual, em ordem a dotá-la da instrução, do saber profissional e da cultura correlativos da idade corrente da história.
Lançado assim o acerto, logo se infere a sua exactidão e propriedade: nem matérias-primas, nem máquinas, nem capitais, nem planos, nem reformas, nem reorganizações estruturais, nenhum, enfim, de tão momentosos, factores valerá no progresso nacional, frente aos diversos sectores das diferentes actividades, a mole humana que, devidamente instruída, pensa, projecta, trabalha e executa.
Enriquecida na destreza do seu espírito, ela é a primeira das infra-estruturas no plano social e económico.
A relevância desta condição vem expressamente afirmada e reconhecida no excelente e acabado relatório da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1963 na parte em que o Sr. Ministro das Finanças oportuna e justamente salienta que pela primeira vez figuram este ano duas novas rubricas: «Aceleração na formação do pessoal docente universitário» e «Intensificação da concessão de bolsas de estudo».
O aspecto assim evidenciado é entre nós, e como sintoma de uma situação mais vasta, um dos dois de maior e decisiva incidência na valorização mental do povo português, isto é, na disponibilização de todas as potencialidades do seu espírito, alteado pelo saber.
Por isso, a inclusão na futura Lei de Meios de preceitos que explicitamente traduzem o propósito governamental de acudir à situação que nesse campo nos vem deprimindo abriu perspectivas de alentadora esperança a quantos mais costumam deter-se na análise da situação educacional do País.
Agradecimentos, e bem vivos, são, por isso, devidos ao ilustre titular da pasta das Finanças, o Sr. Prof. Pinto Barbosa.
E certo que as providências a decretar, as que a presente conjuntura orçamental permite, mesmo na maior amplitude do seu texto, não alcançam senão dois limitados aspectos da formação dos quadros docentes. Embora assim elas granjeiem ao seu autor a nossa gratidão e o nosso agradecimento: é que não irão figurar apenas como um ponto de partida para ulteriores decisões, mas, sobretudo, hão-de permitir, mesmo no condicionalismo que as envolve, uma prática orçamental que há-de reflectir-se de modo incisivo, e já no ano de 1963, na crise de pessoal docente, que tão gravemente está a sacrificar a nossa juventude, negando-lhe ou diminuindo-lhe as oportunidades de uma adequada preparação e de uma formação idónea. Porque esse é, sem dúvida, um dos males de mais viva e profunda repercussão, de efeito mais pernicioso e perturbador na desorientação da população escolar - a carência de professores que, em quantidade e qualidade, a assistam convenientemente.
Diminuto será o valor das reformas da educação, e não importa o grau, se lhes faltar o mestre à altura de atingidas, de realizá-las, de moldá-las, no ânimo dos alunos a que se destinam.
É pelo professor que os planos educativos se concretizam e que os princípios que os informam são aplicados, traduzidos em forma e em vida.
Por isso, «um quadro de professores competentes, actualizados e progressivos, activos e empreendedores, respeitados e prestigiados, satisfeitos na sua profissão, dela orgulhosos, deve ser um objectivo a ter sempre em vista como factor essencial de qualquer organização escolar para que esta possa realizar os seus objectivos. O espírito do professor e a sua capacidade pedagógica constituem os valores supremos em qualquer organização educativa».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A missão do professor adquire assim, na finalidade que visa, a formação dos homens de amanhã, que hão-de ser a garantia da continuidade da Pátria nas glórias e na dignidade da sua história, um carácter e uma natureza da maior transcendência, frente à qual teremos de rever e ponderar razões orçamentais e regras financeiras.
E que Portugal será o que for o nosso ensino, e este não será senão o que forem os seus professores.
Se o futuro da Nação aqui se prende, mal se entenderiam limitações de verba que o tolhessem. Esta esperança permite-a, sem dúvida, o feliz anúncio desta Lei de Meios em apreço.
Dela é permitido aguardar o início do esforço que dominará nos anos futuros a situação pedagogicamente calamitosa em que, de um modo geral, vivem os quadros docentes do nosso ensino superior e secundário, sobretudo.
O primeiro, em grande parte profissionalmente desviado da docência e das actividades compatíveis, a distrair o seu tempo útil por algumas aulas semanais e ocupações mais absorventes e dominantes, se cumpre a função de ensinar, não parece que leve a bom termo e de educar. O seu tempo, infelizmente muito mal remunerado pelo Estado, e que por isso tem de procurar melhor compensação noutras actividades, não pode consumi-lo na múltipla acção educativa, no convívio escolar, na criação do ambiente comunicativo que atrairá, à sombra da escola, quantos a constituem, professores e alunos, num clima de recíproco trabalho, de mútua compreensão, benéfica a uns e necessária a outros.
As dúvidas, os problemas, os audácias, as esperanças, as incertezas, os desesperos, as revoltas da juventude, ficam, assim, a sós com ela, a envenenar o seu espirito, a perturbar o seu presente e a comprometer o seu futuro. E o mais grave é que as consequências deste erro, desta lamentável situação, enraizada também numa contraproducente parcimónia orçamental, são em regra irreversíveis.
Elas deixam marcas definitivas no destino da juventude que as sofreu.
O segundo detém uma situação mais grave ainda.

Página 1596

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 61 1596

Tenho de referir, e com estranheza ó direi, que frequentemente vimos ouvindo e lendo declarações, solenes ou de circunstância, da responsabilidade de responsáveis na governação, que é urgente, que é inadiável, estudar e resolver o momentoso problema dos professores do ensino secundário; que não os temos em número suficiente; que faltam, e faltam cada vez mais, na proporção em que, ao invés, cada vez temos mais estudantes, não obstante a catastrófica e escandalosa «matança de inocentes», que é o anacrónico, condenável e altamente prejudicial exame de admissão ...; que mesmo os de que dispomos, na sim grande maioria, não possuem preparação pedagógica bastante ou mesmo nenhuma; que o ensino se reflecte, no seu nível e na sua finalidade, de tilo lamentável deficiência, a que urge pôr termo.
Quando tal ouço e leio, neste jeito de confiar em quem fala revestido da autoridade do Poder, logo sacudo, com alguma violência, por vezes, o homo cepticus que no nosso íntimo, e qual cardeal-diabo tenta sempre minar a nossa fé.
Quando tal ouço e leio logo a esperança me ocorre e, com alguma euforia, consolo-me repetindo e tentando, assim, convencer-me de que desta vez será ...
Não me confesso desiludido, embora o tal cardeal-diabo venha, desde há muito, a rir-se, escarninho, e a arreliar-me, retorquindo aos meus argumentos, construídos na mais pura lógica aristotélica, com os factos, simples e comezinhos factos da vida corrente, da vida corrente do magistério secundário.
É que, não obstante aquele repetido reconhecimento de deficiências acumuladas, pouco ou mesmo nada foi feito para vencê-las. E porque assim é, elas se apresentam ano a ano, numa ânsia de vitória de que já começam a exultar: elas, que seriam a excepção, de sua natureza anormal, condenada a perecer com o triunfo certo da regra, estão a tomar a feição desta, frente & qual a pretensa normalidade será a excepção, de sua natureza condenada a perecer ...
E que as necessidades do corpo docente dos liceus do País andam por 1800 professores, com acentuada e permanente tendência para subir, evidentemente.
Pois o quadro dos seus professores efectivos é de menos de um terço daquele número! A grande maioria dos dois terços restantes não possui qualquer preparação pedagógica, constituída, como é, por professores eventuais, adrede contratados ao sabor da oferta e da procura, mais desta que daquela ...
O ensino-técnico, por sua vez, como enjeitado que sempre tem sido no quadro dos serviços de instrução, ainda nem ao menos alcançou a bem modesta proporção do liceal.
O seu quadro tem apenas cerca do 1200 lugares! Nele cabem apenas 20 por cento dos professores e mestres que aí ensinam, em número aproximado de 5500!
Isto é: 80 por cento dos professores do ensino técnico, em número quê anda à volta de 4300, prestam também mero serviço eventual!
A regra inverteu-se. Ela bem recomenda e aconselha que os professores efectivos, os professores do quadro, detenham a grande maioria. É que são eles que possuem a adequada preparação pedagógica. São eles que constituem a classe, a corporação, profissionalmente votados a uma carreira que escolheram, pára a qual vivem, na qual encontram u segurança e a tranquilidade que todo o homem busca na ocupação vocacional que elegeu para seu modo definitivo de vida.
Esse condicionalismo lhes faculta a prática do magistério em plena consciência da grande responsabilidade da sua missão, a exigir não apenas a competência científica, mas também a capacidade de a pôr, com entusiasmo e dedicação, ao serviço da juventude «com integração consciente nos ideais da comunidade em que esta fundamenta a sua existência e a sobrevivência da sua individualidade, valores que aos professores incumbe transmitir».
Porque assim é, eles deveriam constituir a regra, a maioria, a quase totalidade.
Os professores eventuais não cabem nesse quadro. Diminuídos e inseguros na sua função, desvinculados da profissão que exercem em condições precárias, adventícios tantas vezes numa ocupação que sentem transitória, não poderá exigir-se-lhes nem a competência, nem a prática, nem o interesse, nem a dedicação, nem o entusiasmo, nem o ideal que o magistério supõe para ser fecundo como deve ser.
Eles deveriam, por isso, constituir a excepção, a minoria que fosse absorvida na benéfica acção da maioria.
Assim deveria ser e não é. Vivemos aí ao contrário.

O Sr. Ubach Chaves: - Muito bem!

O Orador: - Esta situação de tão fundas como lamentáveis consequências na preparação e formação da juventude - que é a maior riqueza da Nação- deveríamos modificá-la sem demora.
Na raiz dessa necessária tarefa estaria nova fórmula de preparação pedagógica dos professores do ensino secundário. No sistema ora seguido escassas dezenas deles logram anualmente concluí-la. E como o número de professores eventuais sobe todos os anos em maior proporção, a manter-se o actual condicionalismo a situação agravar-se-á coda vez mais, mal para que é forçoso e parece impossível encontrar remédio ...
Remédio que multiplique os centros e os modos de formação pedagógica em termos de neles caberem centenas de candidatos; remédio que valha e acuda à avareza orçamental que, como causa primeira, se encontra no fundo do problema.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A carreira do magistério liceal e técnico, neste século materialista de ambições desmedidas e em clima de fomento e revigoramento económico a solicitar os melhores através de maiores compensações, não é sedutora para os que não possuam acentuada vocação pedagógica, e poucos serão.
Depois de um curso universitário, seguido de um estágio gratuito de dois anos, no qual se entra e do qual se sai mediante rigorosos exames que afugentam, o professor iniciará a sua carreira como agregado e percebendo o vencimento de 4000$ mensais e apenas nos meses de trabalho! Salta aqui a primeira injustiça que o atinge e diminui: em férias terá de procurar nova ocupação para viver.
Aos estabelecimentos de ensino particular impõe n Estado que paguem ao seu pessoal docente mesmo durante os meses de férias. E bem está.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas ele, Estado, julga-se assim mesmo dispensado de cumprir para com mais de 80 por cento dos quadros docentes do ensino liceal e técnico aquele imperioso dever de justiça social.
Na modéstia dos meus recursos não chego a entender tamanha contradição.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

Página 1597

15 DE DEZEMBRO DE 1962 1597

O Orador: Mas voltemos à carreira do magistério secundário.
Quando no restrito quadro auxiliar ocorrer vaga, aí poderá entrar o professor agregado - o que por vezes se verifica após dez, quinze, vinte e mais anos de exercício.
No quadro auxiliar continuará com o mesmo vencimento de 4000$ mensais, embora agora já percebido durante férias.
A difícil entrada no diminuto quadro efectivo há-de trazer-lhe o vencimento mensal de 4500$, no qual permanecerá dez anos, ao fim dos quais passará a receber 6400$ mensais, seguidos dez anos mais tarde, isto é, só após vinte anos de professor efectivo, do vencimento mensal de 6500$, com que terminará a sua carreira ao atingir o limite de idade!

O Sr. Olívio de Carvalho: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Olívio de Carvalho: - Só um esclarecimento para corroborar a opinião de V. Ex.ª.
Em 6 de Agosto foi publicado o aviso em que havia mais de 150 vagas de professores efectivos dos vários grupos. Só do 2.º grupo havia 55 vagas, das quais apenas 3 ou 4 serio preenchidas, as outras ficarão abertos. Não se compreende que não haja concorrentes, ou antes, compreende-se, pois a falta de condições económicas não estimula candidatos ao ensino.
Nas Faculdades de Letras, por exemplo, a frequência de alunos do sexo masculino do 1.º e 2.º grupos é muito diminuta.

O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª.
Em contraste, assinale-se que é precisamente com este vencimento de 6500$ mensais que um jovem juiz inicia a sua, carreira, e não é de mais, mesmo para começar.
Propositadamente deixo a margem destas considerações o comentário que poderia suscitar o vencimento dos professores eventuais - a grande multidão dos quadros docentes do nosso ensino liceal e técnico. Não agravarei o quadro, porém.
Não esqueço que estamos a travar a «batalha da guerra», e dela são o nervo as finanças, na recente lição de Salazar. Direi, porém, que a «batalha da paz» é tão decisiva como aquela no futuro da Pátria, e a sua primeira condição é o ensino. Daí o meu desejo de que o orçamento do Ministério da Educação Nacional seja revisto e corresponda, no próximo ano, à esperança que- a Lei de Meios já criou.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E que aquele Ministério não vem tendo, no Orçamento Geral do Estado, a relevância indispensável e até a que o aproxime do nível alcançado noutras nações pelo departamento do ensino.
No orçamento executado ficamo-nos pela média dos 950 000 contos nos últimos três anos - média que anda por 8 por cento das receitas totais do orçamento praticado em 1961.
Anotarei que as receitas destinadas na Itália à educação sobem a mais de 30 milhões de contos, representando cerca de 18 por cento das receitas do Orçamento do Estado, e não fujo a referir que a Noruega, com os seus 3 milhões e meio de habitantes, gasta na educação cerca de 5 milhões de contos ...
Não prosseguirei no confronto com ou troa países por me parecer desnecessário para realçar quanto se torna urgente uma audácia maior no que respeita as dotações orçamentais a atribuir ao Ministério da Educação Nacional.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Não é de hoje, infelizmente, esta lamentável parcimónia orçamental com o ensino: já em 1870 não íamos, na instrução primária, além de 350 contou, quando a Holanda aí despendia 1800, a Bélgica 1400, a Suíça 1600!
A progressão das receitas atribuídas ao Ministério da Educação Nacional no Orçamento Geral do Estado é de cerca de 40 000 contos anuais - verba de todo insuficiente para acompanhar o ritmo do nosso crescimento escolar.
E já nem refiro o ensino primário, a exigir todos os unos centenas de novas escolas e de novos professores.
O ensino secundário, só de per si, exige um movimento de verbas várias vezes maiores que aqueles 40 000 contos.
Em 1961 ascendeu a cerca de 900 000 o número de alunos em idade escolar matriculados no ensino primário. Cerca de 170 000 frequentaram então com regularidade a 4.ª e última classe. Ingressaram no ensino secundário - liceal e técnico - 45 000 aproximadamente. Deixando de lado quantos hão-de repetir a 4." classe, ronda por 110 000 ó número de alunos naquele ano aprovados no exame da 4.ª classe que não puderam prosseguir seus estudos por falta de liceus, de escolas técnicas e de professores. Na raiz destas deficiências está a pouquidão orçamental. Mas aquele número vem subindo ano a ano de forma que reconforta e assusta.
Em 1951 não excedia os 48 000 alunos. Dez anos depois aumentara cerca de 125 por cento!
À tendência para subir manter-se-á nos anos seguintes, desde que o incremento do ensino secundário não acompanha o progresso quantitativo do ensino primário.
E mesmo em 1961 aquele número aproximar-se-ia dos 150 000, se se considerassem os alunos adolescentes e adultos que, tendo então concluído com aproveitamento a instrução primária, de igual modo não tiveram possibilidade de continuar a estudar.
A manter-se este ritmo e pelo que respeita a instrução primária tudo indica felizmente que não sofrerá abrandamento nos próximos dez anos e o número de jovens portugueses dessa década apenas cuja instrução terá parado às portas do bem elementar 1.º ciclo do ensino secundário estará muito além do milhão.
Aliás é este o número aproximado dos nossos jovens dos 11 aos 16 anos. Pois bem: frequentara, neste grupo etário, o ensino secundário nos diferentes ramos cerca de 150 000 apenas, e andam ainda pelo ensino primário 100 000, em números redondos.
Por onde ficam, como se aproveitam e valorizam os restantes 750 000?
Precisam apenas de liceus, escolas profissionais e professores que os recebam e lhes ensinem o que desejam aprender.
Estes números deixam um vazio imenso na nossa medida: a comunidade nacional extraordinariamente empobrecida no seu valor humano, o que é o mais, e na utilização de todos os seus recursos económicos, o que também é muito.
Estes aspectos meramente quantitativos são de per si suficientes para demonstrarem que no ensino constitui o sector mais deficiente da vida do País, com incidência particularmente delicada no ultramar», mas superado esse aspecto, se se considerasse o lado qualitativo, o ní

Página 1598

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 61 1598

vel pedagógico, a natureza e finalidade do ensino, os seus resultados com apavorantes números de reprovações em todos os graus, as suas instalações com o seu deficientíssimo funcionamento - estabelecimentos construídos para 1000 alunos albergam 1500, construídos para 1000 servem para 20001 -, o desvio profissional do seu corpo docente, a multidão de professores auxiliares, agregados, eventuais, diminuídos na sua vocação e na sua preparação e em tantos outros aspectos que atingem, na sua função essencial, o nosso ensino, mais se acentuaria que, dessa e de outra forma, temos abandonado a juventude portuguesa, a qual não temos dado nem instrução suficiente, nem ensino capaz, nem formação idónea. Seja qual for o ângulo por que as consideremos, afiguram-se gravíssimas para o País as consequências que daí decorrem, que decorrem de uma insuficiência orçamental que urge remediar.
Este problema vem sendo sentido e vivido desde há muito pelos sectores responsáveis do Ministério da Educação Nacional, cujos anseios e esperanças param inexoravelmente na barreira da verba.
Felizmente, esta parece que vai ser ultrapassada. Assim no-lo anuncia a Lei de Meios.
Assim o aguardamos, e desde já agradecemos ao Sr. Ministro das Finanças o propósito anunciado na proposta de lei a que vou dar, nesse ponto, a minha calorosa aprovação.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Logo à tarde, a hora regimental, haverá sessão com a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas o 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Alexandre Marques Lobato.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Águedo de Oliveira.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco Lopes Vasques.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Fernando Nunes Barata.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Tito Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Pacheco Jorge.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Gonçalves de Faria.
António Maria Santos da Cunha.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
James Pinto Buli.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Sousa Birne.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rogério Vargas Moniz.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortas.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Luiz de Avilles.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×