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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 62

ANO DE 1962 15 DE DEZEMBRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 62, EM 14 DE DEZEMBRO

Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMARIO: - O Sr. Presidente aberta declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia - Foi lido o expediente. O Sr. Deputado Alberto Carlos Figueiredo Franco Falcão foi autorizado a depor no Tribunal Tutelar Central de Menores de Lisboa.
Remetido pela Presidência do Concelho e para efeitos do disposto no artigo 109º da Constituição, foi recebido na Mesa o Diário do Governo nº 283, 1ª série, que insere os Decretos-Leis n.º 44 787 e 44 788.
O Sr. Deputado Artur Proença Duarte exaltou a figura de Sidónio Pais, a propósito do aniversário da sua morte.
O Sr. Deputado Sala Loureiro requereu vários elementos a fornecer pelo Ministério da Educação Nacional.

Ordem do dia. - O Sr. Presidente considerou encerrado o debate e aprovada na generalidade a proposta de lei relativa à autorização das receitas e despesas para 1963.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Águedo de Oliveira, Tito Arauto, Calheiros Lopes, D. Maria Irene Leite da Costa, Vargas Moniz e Vitória Pires.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.

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Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Bocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel Pires.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estilo presentes 74 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofício

Da Câmara Municipal do Fundão a apoiar as intervenções dos Srs. antigo Deputado José Saraiva e Deputado Martins da Cruz acerca da criação de uma escola técnica no Fundão.

Telegrama

Do reitor e professores do Liceu de Castelo Branco a apoiar as intervenções do Sr. Deputado Martins da Cruz relativas a criação e construção de um liceu feminino naquela cidade.

O Sr. Presidente: -Está na Mesa um ofício do Tribunal Tutelar Central de Menores de Lisboa a pedir autorização para o Sr. Deputado Alberto Carlos Figueiredo Franco Falcão depor como testemunha na audiência de discussão e julgamento a realizar no dia 20 do corrente naquele Tribunal.
Ouvido o mesmo Sr. Deputado, este informou a fio ver qualquer inconveniente para a sua actuação parlamentar em fazer o referido depoimento.
Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização.

O Sr. Presidente: -Para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo ]09.º da Constituição, encontra-se na Mesa o Diário do Governo n.º 283, l.º série, do 11 do corrente, que insere os seguintes decretos-leis: n.º 44 787, que dá um redacção ao artigo 56.º Decreto-Lei n.º 30 407, que reorganiza a Polícia de Segurança Pública; e n.º 44 788, que autoriza o Metropolitano de Lisboa, S. A. B. L., a emitir obrigações no corrente ano e por uma só vez, no total de 74 000, do valor nominal de 1000$ caria obrigação, observando-se na emissão o disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 39 795.

Tem a palavra o Sr. Deputado Proença Duarte.

O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: em 5 de Dezembro de 1917 n Nação acolheu com alvoroço e cheia de esperança a notícia de que a juventude de Portugal, comandada por um eminente professor da Universidade de Coimbra e esclarecido diplomata, o Doutor Sidónio Pais, afastara do Poder um Governo que não correspondia aos anseios da grei, porque vivia e actuava desintegrado dos princípios que geraram a nacionalidade e presidiram ao seu desenvolvimento e a colocaram em momentos decisivos como guia e orientadora nos caminhos do progresso de uma civilização de carácter universal.
E a Nação, que não se conformava nem aceitava o estado de degradação por que via estava sendo arrastada, aderiu aberta e vigorosamente a esse movimento, que se apresentava como de reintegração da vida colectiva na linha da sim tradição histórica.
E foi esse surto de esperança e de aspirações que constituiu a força indomável que se opôs e levou de vencida todas as tentativas do regresso aos comandos da vida nacional dos que deles tinham sido afastados.
E durante um ano Sidónio Pais, com visão clara e lúcida do caminho do futuro, esboçou novas estruturas para o Estado, reintegrando nelas os verdadeiros interesses da vida da Nação.
E todo o País, despertado do estado de letargia em que o tinham abismado, apoiou com firmeza, decisão e entusiasmo o novo condutor dos seus destinos, por sentir que, cie organizava os seus anseios e aspirações.
Foi um ano de euforia e de livre expansão do sentimento colectivo que de há largos anos se sentia oprimido e atraiçoado.
Foi um curto período na vida da Nação que não permitiu esse novo interesse produzisse todos os benefícios que em potência nele se continham.
Uma bala traiçoeira extinguiu a vida de um português de lei que representava a alma nacional.
Faz hoje 44 anos que um dementado pelo ódio torvo de uma política de divisão exercida sem nobreza e sem finalidade nacional interrompeu o curso de renovação e restauração da vida colectiva que Sidónio Pais iniciara.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

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O Orador:-A morte de Sidónio Pais trouxe de novo à superfície toda a gama de baixos interesses e individualismo que até 5 de Dezembro tinham comandado a vida da Nação e que logo conseguiram desarticular a unidade nacional que se estava a formar e em vias de consolidação.
Aqui nesta Casa logo o sentimos com tristeza os que nela exercíamos o mandato da Nação Novo período cie perturbação e lutas políticas dominou e desprestigiou o País, que culminou nesse trágico 19 de Outubro.
Mas não morrera com Sidónio a ideia generosa e patriótica que o fizera surgir na vida política da Nação.
Essa ideia triunfava e refloria em 28 de Maio de 1926 e veio a encontrar novo realizador num outro professor da Universidade de Coimbra, o Sr. Presidente, do Conselho, que pelo seu talento, vontade forte fidelidade indestrutível- trouxe ao País o momento alto de renovação e restauração que temos vivido, a despeito de todas as conturbações em que o Mundo tem vivido e que profundas incidências têm tido. na vida de todos as nações.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Prestemos aqui, no seio da Representação Nacional, a comovida homenagem que é devida a memória de Sidónio Pais e a todos quantos com ele colaboraram e se mantiveram fiéis aos princípios que ele representava.

Tenho dito.

Vozes: -Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra pura um requerimento o Sr. Deputado Sales Loureiro.

O Sr. Sales Loureiro: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguintes

Requerimento

«Ao abrigo das disposições regimentais venho mais uma vez, junto de V. Ex.º, solicitar que pelo Ministério da Educação Nacional me sejam fornecidos os elementos pedidos no dia 23 de Março da sessão legislativa anterior, elementos que reputo da maior urgência, pela flagrante actualidade do problema que se procura versar.»

O Sr. Presidente: - Peço a V. Ex.ª o favor de enviar o requerimento para a Mesa.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: -Continua em discussão na generalidade a proposta de lei relativa & autorização das receitas e despesas para 1968.
Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.

O Sr. Águedo de Oliveira: - Sr. Presidente: o curso dos tempos e o seu desgaste, a evolução institucional, o triunfo de algumas ideias forças tornam o acesso a esta tribuna talvez menos íntimo, mas não direi menos passional - em qualquer caso, sempre significativo.

Os cuidados do governo não deixaram que homens como Manuel Rodrigues, Armindo Monteiro e Duarte Pacheco passassem por este lugar e lhe emprestassem o fulgor dos seus talentos e das suas convicções.
Por muito intelectualismo e demasias de autoridade que ostentem as palavras proferidas em outro lugar ou escritas, elas não possuem o dom representativo, o selo popular que as leva a toda uma coincidência e uma aceitação insensível que assegura a permanente intimidade com a Nação e que as sagra politicamente.
Entre um parecer claro, lógico e inexcedível, como o do Prof. Jacinto Nunes - que só tem o senão do imposto sobre os réditos do capital - e as intervenções dos meus pares - não a rainha - haverá sempre a diferença entre a voz doutoral, gerada no gabinete, no austero claustro da especialização representativa, e os anseios e franquezas da voz geral, proferida aqui em prol do comum, sem outra preocupação que mio seja de corresponder ao mandato popular.
Nesta tribuna se perdem ilusões como castelos, se apagam fumos que não sobem, se jogam os destinos colectivos, mas se, por vezes, se tropeça nos degraus dos novos Rostros nem por isso a queixa, a reclamação, o argumento cacm da sua força de convencimento e da sua significação político-social.
Lembro-me com saudade., como se fora crónica de outras épocas, da Câmara do levantamento nacional, entregue ao seu esforço de vencer o atraso, construir para as gerações e realizar obra renovadora.
Lembro-me dos teoremas inabaláveis do Prof. José Alberto, do optimismo rebrilhante de Carneiro Pacheco, das intervenções primorosas de Manuel Fratel, das violentas propugnações de Dinis de Fonseca, do esfuziante Carlos Borges, de Pinheiro Torres, 'Botelho Moniz, Múrias, Antunes, etc, e tantos outros diluídos na névoa das recordações.
Passara por aqui a Câmara romântica que, com a dignidade do cidadão e fraternidade dos homens e dos partidos, pretendera reconstruir o velho Portugal.
José Estêvão, Garrett, Arroio, António Cândido, levaram a tribuna aos esplendores das alturas e quiseram vivificar o sistema pelo predomínio sobre o Governo e uma expressão alternada de conservantismo e progressismo, numa monarquia mais que liberal.
Veio depois a Câmara com o ideal pespegado da democracia popular e directa, pautada na Suíça dos cantões e na contemporização das então chamadas forças vivas.
Resultou daí para as nossas circunstâncias e erros uma demofilia agitada e truculenta, onde sobrenadava a eloquência de Alexandre Braga, de António José e de outros.
Em qualquer destas Câmaras, como dizia Rui Barbosa, o candidato eleito fica com a vontade cativada pela gratidão e sem o arbítrio da resistência aos desejos dos seus eleitores. Fica preso aos conceitos do país indistinto.
Mas fica preso como uma parcela. E por isso Clemenceau, no seu Demóstenes, podia afirmar que foi o poder da coesão nacional que tornou triunfante a Grécia.
Também a França ... e também Portugal!
Sempre as propostas de finanças, sobretudo no tocante a impostos, foram objecto de debates políticos e mereceram aprovações ou desaprovações. Nunca o contribuinte. pagou da mesma forma o que foi aqui autorizado e o que o não foi, tamanho o poder de convicção e a legitimidade que começa nesta tribuna.
O grande José Estêvão dizia uma vez para os seus contrários: votarei os impostos que forem precisos para obras publicas».

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E o infeliz Vieira de Castro no mesmo sentido- proclamava: «o Governo teve necessidade de dar o passo que dá. Sente-o n Câmara, o País e nós todos».
Contar com receitas abundantes, frutuosas, ascensionais, no serviço dos fins políticos, sem esgotar a mina fidelidade derivam nem apagar a justiça que as rege, mas tudo claro e bem compreendido, inteiramente à luz do Sol.
Conservar elástica, viva e pronta a capacidade de endividamento da Nação, mas dentro dos limite» comportáveis i; aceites pelas zonas apropriadas, sem estancar as fontes perenes donde, emanam os meios.
Canalizar a poupança publica para os empregos socialmente mais úteis, por colaboração permanente' entre o Estado, os capitalistas e os remediados, sem servir de obstáculo tis necessidades das economias privadas, alimentadas pelo processo privado.
Organizar o orçamento por forma que se não afaste dos padrões tradicionais de equilíbrio, moderação, que continuo a acudir ao essencial e também a não [altar ao inesperado u, sobretudo, servir o grande o pequeno, o construtivo o necessário, o socialmente útil ë o socialmente recomendável - banindo o espectro do deficit, repelindo a precipitação e a desordem, resistindo às pequenas ambições departamentais, aos atropelos e as fugas, para subir de ponto f- eficiência c. as utilidades públicas. .
Tal foi o clima laboriosa e pertinagamente edificado, na quadra longínqua da Reconstituição.
Ajustar as finanças aos modelos fundamentais do rendimento nacional, colhendo e recolhendo, ajudando e promovendo, derivando e, como a água de rega, buscando novos canteiros, fazendo-a circular, aproveitando-a sem perder um dedal e ainda - manter com a estabilidade interior o valor inquebrantável da moeda, de maneira a defender os mais modestos, os aposentados, as. viúvas, os isolados e a classe média rentista e os que sem obrigação emprestam ao Estado.
Promover o progresso bancário e segurador, alargar os empreendimentos do Estado-Fisco, alargar o crédito, tornar mais abundantes os depósitos sem ceder a excessos de posição e a domínios alheios nos negócios públicos.
Combinar da melhor forma, e por método suasório, o tradicional francamente! consagrado, mas resistindo ao isolamento das linhas universais e da metodologia mais recente, defensável para as aspirações comuns e um mercado grandioso.
Não faltar, não atrasar nem um instante no fornecimento do nervo da guerra às forças incumbidas de defender as populações inermes dos terroristas incruentos preparados no exterior e os territórios consagrados paio sangue, do roubo e da extorsão e salvaguardar as populações e riqueza dos espolindores que como nuvens vêm de todos os lados obscurecem a clara torra dos portugueses.
Continuar despachadamente a política de fomento, as suas assentes programações, os capítulos actualizados e desejáveis aditamentos, sem parar, sem hesitar, sem tempo de olhar para o caminho percorrido.
Assegurar os quadros e os serviços, sem continuidade, nem desvio de trajectória, sem voltas e contravoltas, para que a Administração se torne cada vez mais desenvolta e pronta.
Manter intacto o património da cultura portuguesa , fornecer os meios indispensáveis ao seu derramamento e elevação, alargar e multiplicar os institutos, apetrechar e dotar.
Afirmar a dignidade de Portugal longe da Pátria sem querer saber de desprezíveis calúnias ou dos prejuízos e preconceitos espalhados.
Tudo isto são alvos e metas da política financeira; tudo isto tem que ser obra daquele inabalável pilar nacional que é o Ministério das Finanças; tudo isto é ofício de técnica, de burocracia, de regulamentação, execução e de força política, de prestígio e crédito, de razões de ciência u de pragmáticas, de métodos e de regras e de orientação e direcção suprema.
Mas tudo isto tem de ser completado, coroado, vivificado pelos princípios mais salutares da justiça - a cada um segundo as suas faculdades: em primeiro lugar, pela justiça social; igualdade de sacrifícios; respeito pelos direitos pessoais consagrados; publicidade de relações públicas entre administradores e administrados, as quais começam nesta casa parlamentar; paguem primeiro os que puderem: fiscalização jurisdicional e política; sem independência do alguns, sem fundos que se autonomizam, sem viveres à margem-sem finanças não financeiras, sem finanças fora do acervo comum, sem finanças à merca de grupos de pressão ou influências.
Esta obra, que não é de boje nem de ontem, esta obra, que uma compreensível reserva me obriga a não elogiar clamorosamente, está bem à vista, de pé, recortada no horizonte e nas primeiras horas foi a própria alma renovadora do esforço colectivo.
Por isso se afirma que as finanças estiveram e continuam ao serviço da comunidade nacional.
Não podemos; portanto, pensar que um finanças lia apenas a panorâmica económica, o suporte económico, a caleidoscopia dos que enriquecem e mais ricos virão a ser; de que os métodos fiscais, do crédito público, o processo da despesa e a programação são funções daquela sociedade feliz da volta ao Mundo em 80 dias, ou do tempo de Proust, em que o jovem activo podia fazer fortuna sem obstáculos em qualquer canto da Terra e os pais passavam a sua velhice tranquila, retirados num cantinho longamente escolhido e preparado.
Não podemos sacrificar, dobrar e pautar as novas concepções financeiras pela suserania sem fronteiras do económico dominador; pela suserania de que tudo é emprego, juro, salário real e capital secular e que as finanças são apenas um criado mandado, um acólito, um escudeiro atento que levanta a serpentina acesa e abre o reposteiro para que os outros passem senhorialmente. A obra financeira tem a participação total, a todos se dirige, implica com o comum .
Perante a multiplicidade dos objectivos, a proliferação das despesas e das programações, o renvivamento dos métodos e a prontidão das decisões, o judicioso das escolhas e opções, não têm faltado até aqui, da parte das autoridades financeiras, concepções claras, previdência mais que atenta, direcção firme, sem renunciar a renovação possível.
Ou seja, não têm faltado ideias de rigor sobre os grandes capítulos da actividade nacional.
Ou seja, marcha cuidada e atenciosa, prevendo com tempo necessidades e meios, palpitando o que se vai passar para remediar, em vez de acudir no último momento.
Ou seja, uma direcção que segue rumos marcados, compreensíveis, justificados à primeira vista.
Ou seja, que não anquilosa, não envelhece, não se desvia perante a marcha fulgurante da coisa pública.
Assim, nestes momentos dificílimos, em que a angústia colectiva é o tema de altas lucubrações da nova psicologia, bem merecem as autoridades financeiras, o centro de decisões financeiras, onde pontificam o Ministro, os Subsecretários e os inspectores e directores-gerais da velha Secretaria de Estado que João da Silva pôde ré t ratar como uma barca vogando calmamente, timonada pela prudência e pela fortuna.
Mas vivemos numa época singular e perturbadora.

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Assistimos agora os limitações cios conceitos, no obscurecimento da lógica, à psicologia du nevrose e a filosofia cio homem sem horizontes para além dos montes que a sua vista abarca.
Assistimos à soalheira da história, à proletarização da literatura, ao nefelibatismo da arte, ao triunfo do hediondo sobre u beleza, do retorcido sobre a clareza ateniense, no antitentro e ao anti - romance e à desmitificação pela destruição dos mitos que não são inteiramente pertença rios desmitificadores.
César não é César, mus um homem da City, à mercê da bolsa e dos câmbios.
Cresus faz política como Monsieur Jourdan faz prosa.
Países enormes e que se crêem avançados nem sequer têm lições de direito constitucional nas suas Universidades.
Entretanto, Spinosn, o judeu português do tratado político, revive; Aristóteles e Maquiavel nunca tiveram tantos leitores, até na América do Norte.
Será esta época :i da automação, a da linha de montagem, a do juízo final atómico, a anonimato, dos mais que anónimos e a tecnicidade, mas só de alguns técnicos. Será ...
Na terra clara de Franca, no solar do Aquinense e da lógica alastram as imposições absurdas dos absurdistas.
A colonização foi transformada num juízo implacável em que: são juizes os infractores da lei, os corruptores a os cruéis.
Como aves rapaces, Incidem improvisados, grupelhos propuguadores do partido único no poder, democracia risível, se não fora trágica, querem enriquecer e avantajar-se do pronto, à custa alheia, à custa do capital secular e também da estupidez e ignorância secular.
Singular época esta nossa !
Mas também a época de Bergson, de Del Vechio, de Maritain , de Haurion, de Keynes, de Gulton, de Badbruch, de von Hayek, de Georges Burdeau, du Moncada e de tantos paru quem a ordem social é uma síntese; a ideia de direito se comporta nu objectividade; a dignidade das pessoas nela frutifica e rejuvenesce e a ideia de comunidade livre expande e intensifica, mas na ordem e no equilíbrio.
A doutrina du existência se aceita nos seus começos, mas se excede uns alturas, para se dirigir ao mistério e à graça.
Assim a penúria intelectual, a mendicidade dos conceitos, a substituição da arte pelas técnicas serão atributos destes tempos, mas nau podem ser elmos fechados onde entre apenas a luz das muralhas a conquistar.
E as finanças?
Já nos meus primeiros tempos de estudo uma certa uniformidade de tipos fiscais vingava nos meios políticos e parlamentares do Ocidente como concepção apropriada do Estado moderno à sua realização da justiça e à alteração de posições notada no Terceiro Estado. Radical ou progressiva, ou socializadora, perfilhada pelas forças políticas e sociais, considerava-se fatal, mais dia menos dia, que o tipo de impostos directos analíticos e um imposto corrector dos efeitos do imposto indirecto fizesse a sua erupção, no Estado demo-liberal ou nos Estados desobstaculizados. Mais dia menos dia - tal era a evolução fatal das concepções tributárias.
Hoje, ultrapassada essa fase, vencida grande parte do nosso atraso, as finanças perfilham uma unidade ocidental, porventura não too desejável, mas decerto mais vigorosa à uniformização de técnicas financeiras consideradas mananciais.
Não devemos lamentar o desvio das altas concepções de justiça, pois o significado do movimento político é o de que em tais condições são as grandes necessidades de despesa e financiamento que avassalam a economia pública.
As finanças actuais entram desembaraçadamente pelo sector privado, promovendo, acalentando, ajudando e até engordando algumas empresas de alcance nacional.
As finanças procuram atrair, interessar, obrigar à poupança nacional, garantindo-a, defendendo-a, mas também esclarecendo-a e canalizando-a.
Lord Keyues escreveu o seu revolucionário Tratado da Mocda e mostrou u importância dos meios depositados e investidos.
Beveridge proclamou o equilíbrio social e construiu, na esteira daquele inovador, o pleno emprego e o equilíbrio social.
E as finanças?
Hansen, o belga Masoin, Somers e tantos, mantiveram o receio do ciclo e, com Marchai, puseram as questões da sensibilidade à tributação, afinando estudos sobre a psicologia do contribuinte, as fugas e evasões.
Desmitificou-se - como se diz agora - a tributação indirecta, triste apanágio das famílias numerosas de poucos haveres e clamor dos meios radicais e socialistas, na quadra passada.
Os italianos criticaram e isolaram para o conhecimento científico a parafiscal idade e verberaram o caçador travostido, caçando no mesmo terreno.
E grande número de autores, entre eles o ilustre Ministro da Economia, Prof. Teixeira Pinto, penetraram e desvendaram, os segredos necessários do desenvolvimento económico-social.
Mas as finanças modernas, como disciplina autónoma, surpreenderam-se a invadir a ínvia floresta das hipóteses e modelos, os altos castelos, fora da realidade, balística pura o infinito, que tem feito reviver a cabala e que lança os leitores na maior perplexidade.
Também foram injustas ao apodar de neutralidade o funcionamento do sistema anterior.
Ericeira, Mouzinho, Barjona ,o Sr. Presidente do Conselho, não foram neutrais.
Trabalhavam com regimes jurídicos, como o do açúcar, com as pautas aduaneiras, com o crédito oficial, com isenções e abatimentos, com privilégios e autorizações, facultados sempre com cautelas políticas e legais.
Portanto, reconhece-se em Timbergen, Cohn, Alain Barrére. Kjeld Philip e outros um esforço inédito para elevar a disciplina das políticas qualitativas e quantitativas, mas não se pode conceder-lhes patente de invenção, detenção da novidade pura, novo estilo, uma arte e mesmo política que já estava definitivamente assente.
Singular esta nossa época!
E entro agora na matéria.
Na minha intervenção parlamentar, tendente u esclarecer curtas faces dos problemas e a cumprir com a missão representativa, referir-me-ei apenas: primeiramente, às questões teóricas puras da contabilidade nacional e da apresentação económica do orçamento; em segundo lugar, os perspectivas reformadoras da nova contribuição industrial, da tributação dos lucros agrícolas e da conversão do imposto sobre o supérfluo, amplamente entendido em imposto sobre as vendas do armazenista; e em terceiro lugar aos desequilíbrios agrario-industriais e as perturbações possíveis de uma incidência exagerada num sector fundamental.
Agora, que acaba de operar-se um remodelação tão rasgada nos quadros da direcção política, parece chegado o momento, supomos que azado, para, em nome desta Câmara, chamar a superior atenção da Presidência do Con-

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solho e dos Ministérios das Finanças, Ultramar o Economia para a necessidade de considerar como instante o problema du contabilidade nacional, das contas du Nação.
Não podemos considerar como tal simplesmente a elevação de grau da esplêndida Contabilidade Pública, a aparelhagem estatística organizada para o Plano de fomento ou os trabalhos da especialidade do nosso grande Instituto de Estatística, que aguarda a todo n instante a nomeação de um director-geral.
O orçamento da Nação, o plano contabilista, as contos da Nação, são, já há alguns anos, instrumentos de construção social destes tempos que irão permitir análises mais completas, estudos fundados, noções e elementos que acabarão por preencher as clareiras que existem entre nós no alinhamento com alguns Estados e que são o desespero dos que nos estudam lealmente.
Nomeie-se, uma comissão, encarregue-se algum departamento já experimentado, incumbam-se os serviços consagrados dos trabalhos preliminares, mas tome-se em inflo um instrumento novo de governar de promover o liem comum, cuja falta se sente há tempos.
Passo agora rapidamente sobre um problema actualizado e por igual palpitante - o da apresentação orçamentaria e contábil que permita estimar e apreciar o custo e o rendimento dos serviços públicos.
Desde o Decreto n.º 15465, de 1028, legislações de 1949, 1950, 1957, 1960 e Ü961 estabeleceram normas neste sentido e procuraram que o orçamento obedecesse a normas de ostensiva eficiência e de natural produtividade.
Tem que se solicitar e recomendar ao ilustre Ministro das Finanças para que novos avanços sejam iniciados neste capítulo.
Embora difíceis e laboriosas, as reformas da Contabilidade Pública neste capítulo de adaptação às técnicas mais recentes e ú leitura política progressiva dos documentos financeiros merecem atenção continuada.
Reporto-me agora ás medidas projectadas e que na Comissão mereceram atenção e análise duplicada.
O projecto de novo código da contribuição industrial parece-me estruturado com grande habilidade técnica e não menor prudência política - trabalho magnífico.
Julgo que, neste capítulo, a reforma empreendida, depois de largos unos passados nas comissões, avançou bastante sem recear os efeitos inesperados, derivados da admissão do princípio novo, du princípio inovador da tributação realística dos lucros, que foi preocupação geral nos demais capítulos.
Fez-se um esforço decidido pura tributar as realidades económicas industriais e pura colectar com verdade fiscal, sem arruinar ou abalar por baixo o edifício construído pelas leis de 1860 e seguintes, herdado das velhas décimas.
Sei que neste código trabalharam afanosamente ó ilustre jurisconsulto, doublé de economista, Prof. Fernando Seabra, o director-geral Faveiro, que passou com brilho do direito penal para o direito fiscal, e o director de finanças Pinho.
Trabalhou-se no Porto, com base no conhecimento do meio fabril, da grande zona progressiva do Norte, zona natural do irridentismo industrial.
Viabilidade económica, justeza de conceitos, modernização, consciência técnica sem problemática embaraçosa, contabilidade específica e de rigor, harmonia com as pretensões actuais de dilatação dos mercados, solidariedade de exercício, expurgação do arbítrio, para se chegar à tributação do lucro apurado - todos estes aspectos se concebem, articulam e organizam em diploma com vigor e justiça!
Talvez algumas disposições tendentes a limitar a evasão ou impossibilitar as fugas possam ser melhoradas.
Talvez ...
Mas a classificação em grupos, as modalidades de contrôle, as correcções que acompanham a evolução das presunções, 'das patentes, das licenças de estabelecimento corrigidas para o sistema realístico foi posta, como disse, com habilidade e sem dúvida com a vontade de concluir e de deixar edificado para a quadra seguinte.
Eis agora uma novidade, não sorridente.
Além da contribuição paga pelos prédios e que tem por base os rendimentos rústicos, irá pagar-se, de 1963 em diante, um imposto sobre as explorações agrícolas cujo rendimento colectável líquido passe de 30 000$.
Os relatórios oficiais falam em desdobramento, mas é, no fim de contas, uma dualidade que merece cuidados à .Representação Nacional.
Não restam dúvidas de que, em teoria, a tributação da indústria agrícola pretende atingir os lucros resultantes du exploração de um conjunto de propriedades, ou da separação do domínio útil pelo arrendamento e parceria.- E que só funcionará nos anos bons.
Trata-se de uma categoria económica autónoma, a qual permite o acabamento do sistema de tributação analítica dos rendimentos.
Sem dúvida melhora a sistematização indo-se buscar uma modalidade de rendimentos empresariais que no arrendamento, na parceria e até no usufruto se autonomizam e destacam perfeitamente.
O contribuinte, a partir de Abril de 1964, produzirá para o fisco uma declaração das entradas e saídas e disponibilidades da sua casa agrícola o, na sua declaração, o segredo d u sua casa estará exposto ao conhecimento e revisão ' das repartições de finanças. O segredo acabou para este sector do País.
Terá de manter, por rudimentar que seja, uma escrita de. que a grande maioria não dispõe ainda e não poderá esquecer nada, nem deixar de fora seja o que for. Pesada responsabilidade para os homens de bem.
Para a província, para os novos hábitos, vai ser muito grave e muito delicado - não u revelação do segredo -, mas o conhecimento dos encargos e das dívidas, transformadas as relações numa fonte de atrito, de discussão e desconfiança.

Vozes: -Muito bem !

O Orador: - Ainda que pareça justo um imposto de sobreposição pura as casas agrícolas de relativa importância, os seus defeitos saltam a primeira vista.
Esta sobreposição parece legítima nos países onde a contribuição predial se reduz a uma taxa local ou n um tributo menos pesado sobre a fertilidade du terra. Mas, em muitos concelhos, a predial já subiu a alturas descompassadas, o próprio lucro dos casais já entrou em linha de conta e, portanto, 'a sobreposição será tomada como uma sobrecarga e como uma incidência precuciante sobre o .homem que cultiva e explora directamente. Parecerá uma penalidade para os que compõem, plantam, levantam e dão trabalho e salários, e parecerá um prémio para os que arrendam e nada perdoam aos arrendatários.

Vozes:.-Muito bem!

O Orador: -Existe assim justo receio de que a pressão fiscal sobre a terra e n arte agrícola se acentue e progrida e venha a ser duplo ónus incomportável.

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Devemos notar que a reforma do Código Predial vem atrasada e chega numa hora na qual em outros Estados se procede já ao desagravamento da terra.
A terra pode ser sobrecarregada, mas não pode ser esvaída. Á. empresa agrícola de certo vulto não pode condenar-se ao esmagamento.
O problema, põe-se. assim: se com os novos diplomas legais e ulteriores tributações se estabelece a igualdade de sacrifício e a utilidade social da repartição dos encargos e a agricultura não fica em posição minorada ou tolhida perante a indústria, o transporte, o seguro, a banca, as casas e as profissões, nenhuma dúvida de que um ideal moderno de justiça é aproximado ou atingido.
Mas se as cargas, pelo jogo das avaliações, declarações sérias, ostensividade dos valores prediais, excedem aqueles limites de equiponderação entre o sector agrícola e os demais sectores, praticar-se-á uma deplorável injustiça.
Os proprietários da terra pagam imenso - por adicionais, licenças, taxas parafiscais, pura as Casas do Povo, etc.
Não posso discutir inteiramente o assunto, pela tirania temporal do debate, mas posso fazer algumas notas que, se forem muito pessimistas, a Câmara corrija na sua consciência.
Que ganhou a Inglaterra destroçando os domínios rurais de grande tradição - e alguns eram dívidas de sangue da própria Albion -, convertendo os seus pares em cicerones e os seus palácios em museus pagos
Vantagens políticas? Vantagens de um partido que os eleitores não corroboraram a seguir.
Vantagens do igualitarismo?
Quando se fala em democracia igualitária as desigualdades acentuam e proliferam. Vejam os livros, a mais de libra cada um.
Vantagens económico-sociais?
A produção, o investimento e o consumo não cresceram nestes países de alta fiscalidade predial.
Que se ganha com invasão da temi pelos capitalistas citadinos?
Que melhoria social ou política resulta da venda da terra e da sua conversão em prédios urbanos de renda certa e sem quebras?
Que superioridade resulta da invasão dos recantos provincianos pelos chefes da indústria, do capital e do comércio, a não ser quando a família rural se demite e o novo senhor arroteia, planta, constrói?
Não se deverá nunca, pela acentuação dos tributos, provocar o êxodo agrícola nem tão-pouco a escalada da terra pelos que de alguma forma ganham a mais quando quase todos perdem.
Pior que a invidia [...] só a invidia detentora torrão.
O exemplo francês está à minha vista e próximo. Ali, alguns preços estão Usados, as produções foram coordenadas, os ganhos sujeitos a limitação, as dificuldades em reconstruir e melhorar soo patentes.
Por isso -dizem os mestres- a tendência actual é para a exoneração do imposto sobre lucros agrícolas.
Em 1926 havia 705 000 contribuintes; em 1935 eram apenas 97 000.
O rendimento do imposto sobre lucros agrícolas passou de 269 milhões, em 1927, a 15 milhões em 1985.
Quis-se explicar este caso por motivos eleitorais, mas o problema excede as invocações de simples estratégia política.
Falam tristemente nos campos as paredes arruinadas, os ribeiros assoreados, as casas fendidas; as plantações sem reconstituição.
Repito, u tributação dos lucros agrícolas é teoricamente defensável, deveria ter sido introduzida há mais tempo, atinge o real, mas, atingindo este, deixa de pé presunções e induções de normalidade que não existem.
Na saída da guerra mundial e já no epílogo da anterior, escritores argutos, economistas experientes e políticos responsáveis apontaram as crescentes diferenças de situação entre a agricultura e a indústria.
Esta ultima crescia em capacidade e pujança, ao passo que a primeira definhava.

Com a era dos planos económicos e das programações de desenvolvimento, o desequilíbrio acentuou-se. A industrialização foi reconhecida como' a fonte de enriquecimento geral pela alta dos salários, ti munificência dos resultados e o potencial de compra posto ao serviço do país, baseado na sua técnica incomparável e na inteligência indubitável dos seus dirigentes. • Pequito Rebelo referiu-se ao assunto com evidente apreensão, mas é um Instituto de Investigação da Universidade de Oxford que nos as últimas premissas sobre o relativamente inferior do rendimento nacional, dos salários e dos preços.
As perspectivas de recomposição do equilíbrio perturbado não são brilhantes.
As novas fontes de energia, a indústria de combustíveis, arruinam n produção de lenhas e carvão.
A fabricação de fibras e de têxteis artificiais prejudica e empata o comércio das lãs.
A descoberta de sucedâneos e o recurso a tais métodos atingem os. montados e a produção de cortiças.
A extracção de margarinas e de óleos vegetais perturba os mercados da manteiga e do azeite.
Certos produtos artificiais conscrevem o uso do vinho.
Ao campo, às quintas, às fazendas e as herdades chegam produtos industriais como velas, conservas, cordas, petróleo, etc., mais caros, que decaíram qualitativamente do fabrico primoroso de há meio século.
Além disso, a inflação comercial provinciana onera ainda os mercados consumidores.
Portanto o desequilíbrio agrário-industrial não é só na soberania dos mercados, também se afirma nas casas de cada um.
Mas o mundo agrícola não está isento .e possui as suas responsabilidade», se cruza os braços, se demite de contribuir para o progresso, se não apresenta a mobilidade necessária.
E a terra generosa ou ingrata -em Portugal, na sua grande maioria, mais ingrata do que generosa- atrai e oferece variedade e valores que conferem oportunidades e também prodigaliza alguns meios de fugir as depressões e a imobilidade.
Ou números confirmam a menos relevante potencialidade da propriedade rústica, frente à da propriedade urbana e industrial.
Havia 5883 rendimentos colectáveis rústicos superiores a 20 000$. A estatística fiscal não possui os escalões correspondentes ao projecto de código da indústria agrícola. Dispunham, porém, os correspondentes contribuintes de rendimentos colectáveis líquidos no valor de 354 482 000$, o que é ínfima fracção do rendimento nacional.
Em compensação, os rendimentos prediais urbanos de mais de 20 000$ eram -pelo mesmo ano de 1960- 18 709, ou seja mais do triplo, e dispunham de rendimentos colectáveis no valor de 1063995000$.
Na contribuição industrial a repartição por grupos era diferente.

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Acima de 10 000$ havia apenas 18 colectas do grupo A, 511 do grupo B e 7802 do grupo C.
As colectas concentravam-se, na sua esmagadora maioria, em Lisboa, Porto e Santarém.
Eram minúsculas nos Açores, Bragança, Viana do Custeio e Vila Real.
Esta desigualdade regional, esta concentração poderosa agravava-se quando se torne conta dos números relativos ao que cada distrito paga e às capitações por contribuinte.
Existe aqui um problema de economia sou i ai e do industrialização que todos conhecem e, sobretudo, existe uma injustiça que não deveria escurecer as nossas coisas.
Criada em Junho de 1961 uma taxa sobre as vendas de artigos supérfluos e sobre as vendas de artigos de luxo -é necessário acentuar que são categorias diversas do processo económico, como o são os bens necessários! -, logo em Março do uno seguinte houve que substituir a sua taxa única e substituí-la por uma taxa tríplice.
A taxa de 15 por cento era excessiva nu generalidade e na particularidade! dos negócios portugueses, sobretudo caindo de repente como os raios de Vulcano.
Nós não somos dotados da margem de elasticidade dos grandes países de vanguarda.
Taxas mais moderadas produziam mais sem levantar tamanha reacção.
Houve contracção da procura - quebras de negócio, renúncias, abandonos.
Fugiu-se de alguns sectores.
Casas recomendáveis o elegantes converteram-se em cemitérios. E vinte metros mais adiante firmas poderosas viam-se isentos.
Noutros estabelecimentos resistiu-se e o contribuinte passou a pagar muito mais.
Em vários casos o mesmo contribuinte pagou sempre e não parou, mas a inflação não podia disfarçar-se.
A questão do luxo e a questão do supérfluo vêm muito discutidas pelos economistas desde o tempo de Maria Antonieta, com suas jóias e suas sedas.
O português Isaac Pinto concedeu-lhes os seus vagares e concluiu um estudo primoroso não muito pessimista.
O Sr. Ministro das Finanças propõe-se substituí-lo por um imposto mais generalizado, menos incómodo, mais rentável e menos sensível - o imposto sobre o valor das transacções, do qual já há relativa experiência entre nós.
O novo tributo possui velhos alicerces teóricos.
Pigou, o falecido presidente da Itália Einandi, o belga Ligenbleek, desenvolveram um teorema de Stuart Mill sobre a tributação do rendimento, mas com isenção da poupança.
Devia tributar-se o rendimento pela sua fracção destinada ao consumo, mas devia isentar-se a parcela que viesse a tomar o caminho do depósito e do investimento.
Era a tributação do rendimento despendido, traduzido em despesas, orientado pelas antigas contribuições sumptuárias e que podia transformar-se num imposto geral sobre as transacções, onde era possível abater ou desagravar os bens necessários à vida familiar.
Reporto-me a estes princípios e fórmulas para acentuar que a conversão das tributações sobre o supérfluo e luxo num imposto mais generalizado sobre os rendimentos consumidos, através das vendas grossistas, deve provocai1 menores reacções, assegurar superiores rendimentos e obedecer a conhecidas razões de princípio.
Para concluir:
Não se dirá que eu não tenha estudado estes problemas uma vida inteira, nem que, estando ligado a uma concepção estreita do poder tributário, me entregue agora a um excesso de legítima defesa dos contribuintes, por virtude do mandato das minhas serras frias e alcantiladas e dos seus vales estreitos.
Penso que para respeitar os princípios tradicionais de justiça distributiva e para assentar devidamente uma tributação cada vez mais realista e ligada às diferentes capacidades, as autoridades financeiras, um órgão superior, uma coordenação devem existir acima dos vários códigos, a fim de perequar os concelhos, as regiões e os grupos de contribuintes, uniformizando os encargos, estabelecendo peso igual correspondente a taxas, mas taxas adequadas, de maneira que uns não paguem de mais e outros de menos, que todas as indústrias sintam o mesmo peso e não haja irmãs pobres, filhos espúrios ou Atlas para sustentar o peso do globo.
Apesar das teorias de crescimento, das técnicas de desenvolvimento fabril a das multiplicações e acelerações, u justiça tem uma palavra a dizer ainda.
Os fenómenos fiscais e financeiras são problemas de distribuição d e encargos e neles o que é justo deverá obter, por fim, o primeiro lugar.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado!

O Sr. Tito Arantes: -Sr. Presidente: a minha intervenção neste debate vai ser breve e concisa.
Desejo focar um aspecto do regime fiscal que, segundo toda verosimilhança, vigorará no próximo ano, e decerto nos seguintes, e que interessa fundamentalmente pela forma mais grave todos quantos exercem profissões liberais, como médicos, engenheiros, advogados, professores, arquitectos, comercialistas, etc.
Para exposição da tese que pretendo sustentar, cumpre-me primeiramente estabelecer uma premissa que me parece irrecusável: o rendimento do trabalho individual, e mormente -adiante explicarei porquê- o das profissões liberais, não pode ser de forma alguma tributado em imposto progressivo de rendimento - isto é, em imposto complementar - segundo a mesma medida por que o são os rendimentos do capital ou da propriedade.
A justiça desta afirmação parece-me tão evidente que poderia julgar-me dispensado de demonstrá-la.
Mas não deixarei de a sublinhar, lembrando que os rendimentos do capital e da propriedade são, de uma forma geral, permanentes e constantes.
Inversamente, o rendimento das profissões liberais é irregular, instável e precário.
O médico, o engenheiro, o advogado, leva os primeiros largos anos da sua profissão a estudar, a preparar-se, a procurar sair do anonimato.
Se ao cabo de quinze ou vinte anos consegue triunfar, pode então dizer-se que começa a ganhar a sua vida corri largueza, embora mercê de um trabalho extenuante "se não morrer antes, ou se a sua capacidade funcional não se reduzir, pode ter a perspectiva de, durante outros vinte anos, se manter num invejável nível de ganho". Porque depois começa o cansaço, a perda de faculdades, a concorrência dos novos astros que despontam. E vem a reforma, que ninguém lhe concede, mas com que ele tem de arrostar.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Com o possuidor de títulos, que corta semestralmente os seus cupões, com o senhorio, que cobra mensalmente as suas rendas, com o proprietário de um

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estabelecimento afreguesado, que para vender os seus artigos não precisa da presença do patrão, dá-se exactamente o contrário: desde que nascem (se herdaram esses bens) até que morrem recebem diariamente, mensalmente, anualmente, b seu rendimento certo e constante.
Não me refiro, como é evidente, àquelas actividades comerciais ou industriais onde a presença, a direcção e a inteligência do empresário são indispensáveis.
Daqui já resulta a tremenda injustiça que consistiria em se equipararem para efeitos de imposto complementar estas duas categorias de contribuintes: é que, enquanto o capitalista, o senhorio, o dono da loja, mercê dos rendimentos constantes que recebem, nunca atingem (a menos que possuam enormes fortunas, e então não importa) os altos escalões do imposto, o profissional liberal que logrou triunfar, digamos durante um terço da sua carreira, tempo em que obteve de facto grandes proventos, deixaria nas mãos do fisco a maior parte, sem se atender a que, somados esses proventos aos recebidos durante os outros dois terços - o da aprendizagem e o do ocaso -, e dividido o total por todos os anos de profissão, também então o profissional liberal nunca seria atingido pelos altos escalões do imposto progressivo.
Procurarei ser mais claro, apontando uns números, embora, puramente arbitrários: suponhamos que um proprietário ou capitalista recebe durante 45 anos um rendimento anual de 300 0001 - portanto 13 500 000$ ao todo.
Pagará pela tabela actual do complementar 25 320$ anuais, ou sejam l 140 000$ nos 45 anos.
Suponhamos agora um profissional liberal que durante os mesmos 45 anos ganhou os mesmos 18 500 000$.
Durante os primeiros 15 anos da sua carreira, porém, e durante os 15 últimos ganhou 100 000$ por ano Mas nos 16 anos de triunfo ganhou 700 000$ anualmente.
Como nesses 16 anos já apanha um escalão médio de 16,29 por cento, esse profissional ao cabo dos 45 anos terá pago l 770 000$ de imposto complementar, ou sejam mais 630 000$ do que os l 140 000$ que pelos mesmos proventos, somente melhor repartidos, pagou o proprietário ou capitalista.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas há mais e mais importante.
O médico, o advogado, o engenheiro, o arquitecto, têm necessidade, no exercício da sua profissão, de procurar constituir um pecúlio que os garanta na velhice, visto que o seu rendimento cessa quando cessam as suas faculdades de trabalho.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - O mesmo não acontece com os rendimentos do capital ou da propriedade, que não diminuem com o envelhecimento do seu beneficiário.
Grave injustiça se praticará, portanto, quando em matéria tributária, e especialmente em imposto progressivo, não se procure conceder ao rendimento do trabalho individual um regime mais favorável.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - E por último, Sr. Presidente: É preciso não esquecer que o trabalho individual depende do estímulo que se conceder ao trabalhador.
Se se for tão longe na tributação, que a partir de um determinado momento o particular esteja trabalhando muito mais para os outros do que para si próprio, é absolutamente humano que o profissional desista de se matar prematuramente com esforços, vigílias e canseiras e que apenas produza dentro dos limites em que está trabalhando com interesse próprio.
Exagerando, o fisco arrisca-se a matar a galinha dos ovos de ouro.
Ainda- há pouco tive a informação de que um distintíssimo advogado deu baixa da sua profissão em virtude do regime tributário que estamos ameaçados de sofrer.
Tudo quanto venho dizendo a este respeito di-lo em breve síntese o parecer da Câmara Corporativa, quando, ao falar do novo Código do Imposto Profissional, afirma:
Justifica-se a taxa máxima de 8 por cento, por se entender que a natureza instável e precária dos rendimentos do trabalho leva a fazer incidir sobre eles uma tributação mais leve que a dos rendimentos da propriedade.
E o mesmo foi proclamado por um Ministro das Finanças que se chamou Oliveira Salazar e que no relatório do Decreto n.º 16 781, referindo-se aos proventos que resultam exclusivamente do trabalho pessoal, escreveu que eles haviam sido "mais brandamente tributados, como é de razão, que os lucros do capital ou da indústria".
E já antes fora referido que no cálculo do imposto profissional se traduzia "o benefício concedido aos rendimentos do trabalho".
É, o momento de perguntar a que vêm estas considera.
Acaso o regime tributário que se anuncia é, ou ameaça ser, mais desfavorável para os que exercem profissões liberais do que o regime até aqui vigente?
Quanto ao imposto profissional propriamente dito, sim.
Quanto ao imposto complementar, aparentemente não.
Mas de facto é precisamente quanto a este segundo imposto que a questão assume uma particular gravidade.
Expliquemo-nos.
É sabido que até aqui os contribuintes das profissões liberais eram colectados não segundo os rendimentos reais da sua profissão, mas de harmonia com determinadas taxas fixas, que lhes eram distribuídas por uma comissão composta por dois funcionários de finanças e um delegado da classe interessada.
E para efeitos de imposto complementar considerava-se rendimento da profissão a importância correspondente a quinze vezes a verba principal do imposto profissional daquela maneira liquidado.
Não havia até agora, é certo, no imposto complementar qualquer taxa diferente para tributar os rendimentos das profissões liberais e os rendimentos do capital, da propriedade ou da indústria.
Tão-pouco havia uma disposição expressa mandando abater ao rendimento da profissão qualquer percentagem para o efeito da incidência do imposto complementar.
Na realidade, porém, as coisas passavam-se como se houvesse essa disposição, visto que o fisco não podia ignorar que a importância de quinze vezes o imposto profissional pago era, na grande generalidade dos casos, para não dizer sempre, sensivelmente inferior ao rendimento real líquido da profissão.
Desta sorte, se não havia diferença de taxa no complementar, se não havia abatimento expresso de uma percentagem - havia" contudo, uma evidente protecção ao trabalhador intelectual, uma vez que, ao passo que os restantes rendimentos sujeitos ao complementar (rendas de prédios, juros de capitais mutuados, dividendos de títulos, etc.) entravam integralmente para a determinação da

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matéria colectável, os rendimentos das profissões liberais entravam por uma verba reconhecidamente inferior à real.
Agora, com a publicação do Decreto-Lei n.º 44 305, de 27 de Abril de 1962, esta situação modificou-se radicalmente.
O novo Código do Imposto Profissional assenta na tributação do rendimento real da profissão.
Para o manifesto dos seus proventos são os profissionais liberais compelidos a complicadas formalidades e trabalhos de que antes estavam completamente dispensados.
E sobre o rendimento real da profissão, depois de abatida a percentagem para fazer face às despesas inerentes, incide então o imposto de 8 por cento - ou menos, se o profissional ganhar quantia inferior a 800 000$ anuais.
Aplaudo a preocupação do legislador de tributar os proventos reais.
Compreendo, embora lamente, a necessidade que há, para apurar o seu quantitativo, de impor aos contribuintes incomodidades fastidiosas como as que foram decretadas.
E tenho também como razoável a taxa de 8 por cento estabelecida, embora crente de que, só por si, ela trará ao Estado uma receita muito superior à do regime das taxas em que até agora se vivia.
Mas o grande inconveniente, para o qual me permito chamar a atenção desta Câmara e do Governo, é no que diz respeito à repercussão desta total reforma sobre o regime do imposto complementar.
Até agora, como referi, o rendimento da profissão, para efeito deste imposto, era considerado numa verba sensivelmente inferior à real: quinze vezes a verba principal do imposto profissional pago.
Nisto estava o tratamento favorável que o rendimento do trabalho merecia ao legislador, visto que os rendimentos do capital, os da propriedade e (tanto quanto era possível apurá-lo) os da indústria entravam integralmente para o cômputo do imposto complementar.
No regime agora vigente, sim, respeitava-se o princípio fundamental, não só de política financeira, mas de política social e cristã, no sentido de tributar de uma forma mais suave os proventos do trabalho individual.
Para manter agora esse mesmo princípio, uma vez que o rendimento integral dos profissionais liberais vai ser determinado com uma precisão que não cuido possível conseguir quanto às empresas, mormente individuais, que se dediquem ao comércio ou indústria, para manter esse mesmo princípio, dizia eu, seria necessário que o legislador tomasse, em matéria de imposto complementar, uma destas duas atitudes: ou deduzir ao rendimento líquido da profissão liberal determinada percentagem antes de o considerar no cômputo para efeitos de imposto complementar, ou estabelecer uma redução nas taxas deste imposto, na parte em que abrangesse os proventos daquela profissão.
Parece evidente que a primeira solução era muito mais prática e mais simples.
Podíamos acalentar a esperança de que na reforma do imposto complementar, que se anuncia, fosse adoptada uma dessas duas soluções.
Porém, pela alínea) e pelo n.º l da alínea g) do artigo 6.º da proposta de lei em discussão, receio que tenhamos de considerar já ambas prejudicadas relativamente ao próximo ano de 1068.
Com efeito, na alínea) declara-se que ficam mantidas, sem qualquer distinção, as taxas constantes da tabela anexa ao Decreto n.º 42 101.
E na alínea gr), n.º l, afirma-se que, para efeitos do complementar, se englobará todo o rendimento das profissões liberais que for tributado em 1968.
Por conseguinte: no englobamento dos rendimentos passíveis de imposto complementar entrarão - segundo parece decorrer da proposta em discussão - todos os proventos líquidos das profissões liberais, sendo-lhes aplicada a mesma taxa que aos rendimentos do capital, da propriedade ou da indústria, o que, a confirmar-se, não posso deixar de classificar como uma flagrante injustiça.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nem se diga que o tratamento benévolo aos profissionais liberais já está dado na taxa de 8 por cento de imposto profissional que onera os seus proventos, quando, em aplicação de capitais, os outros contribuintes pagam 15 por cento ou 10,5 por cento em contribuição predial sobre prédios urbanos.
A isso responder-se-á que os rendimentos da propriedade rústica com matrizes posteriores a l de Janeiro de 1958 também só pagam 8 por cento de contribuição predial.
Responder-se-á que essa diferença é menor do que aparenta, uma vez que, sendo abatidos os impostos pagos para o cálculo do complementar, aqueles que antes pagaram outras contribuições superiores também vêem diminuída em certa medida a sua matéria colectável.
Mas principalmente responder-se-á que não é a magra diferença entre 8 e 10,5 por cento ou mesmo 15 por cento que tem uma extraordinária importância, quando depois, para efeitos do complementar, todos os rendimentos estão englobados sem a menor distinção.
Aí que as taxas com os agravamentos possíveis (Decretos n.01 42 101 e 48 768) já ultrapassam 80 por cento, aí, sim, é que haveria de marcar também, e principalmente, uma diferenciação entre o rendimento do trabalho e os restantes rendimentos.
Não se trata de uma ideia que tenha brotado singularmente no meu espírito: na vizinha Espanha, por exemplo, segundo o artigo 9.º da Lei de 16 de Dezembro de 1954, os proventos do trabalho, para efeitos do complementar - lá chamado contribuição sobre o rendimento -, "são sempre abatidos de um terço, em atenção à sua própria natureza", com o limite máximo de 100 000 pesetas.
Cá não estou pedindo ao legislador para inovar. Estou apenas, procurando demonstrar que não se devia, tal como parece resultar da proposta de lei, alterar por forma tão radical aquilo que praticamente resultava do regime vigente.
Procurando demonstrar que o que convém é apenas adaptar, a regulamentação do imposto complementar às alterações profundíssimas introduzidas no imposto profissional, de sorte que a reforma deste imposto - já comportando grandes agravamentos para os profissionais liberais- não vá ainda por cima repercutir-se por forma incomportável no imposto complementar.

O Sr. Gamboa de Vasconcelos: -Muito bem!

O Orador: - Em muitos casos, a soma do que um médico, um engenheiro, um advogado, irá pagar futuramente por imposto profissional e complementar será dez vezes mais do que pagava até aqui.
E se contra tal facto é possível dizer-se que o defeito pode não residir apenas na nova tributação excessiva, mas também na circunstância de a tributação anterior ser reduzida, eu não constestarei essa afirmação, mas o que digo é que se eventualmente antes não se pagava o bastante, pagava-se o que a lei determinava.

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E, de qualquer forma, o que é absolutamente catastrófico e impolítico é procurar remediar o que porventura não está totalmente certo, passando de um penada de 8 para 80.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Orador: -Tudo quanto venho a dizer relativamente às profissões liberais parece que também deveria ser aplicável aos empregados por conta de ou trem, e até com maioria de razão, visto que, geralmente, constituem uma classe economicamente mais débil.
Contudo, não os considerei nesta intervenção por dois motivos: em primeiro lugar, porque, estando isentos de imposto complementar os proventos anuais inferiores a 60 000$, já a enorme maioria dos empregados por conta de outrem esta, por esse simples facto, desinteressada do problema do complementar.
Em segundo lugar, quanto aos outros, porque a regularidade dos ordenados dos empregados por conta de outrem não faz nascer aqueles problemas de injustiça, quanto ao imposto progressivo, que resultam para os profissionais liberais, como atrás apontei, dos grandes altos e baixos cios seus proventos.
Sr. Presidente: não esqueço que estamos numa guerra - movida por inimigos externos - que a todos os portugueses cumpre sustentar; e sei também que temos tarefas ingentes a custear, mormente as do Plano de Fomento, que hão-de contribuir para a constante elevação do nosso nível de vida.
E ninguém ousará, não já negar, mas somente regatear ao Governo os meios indispensáveis para triunfar nessas duas lutas.
Porém, a repartição dos encargos fiscais tem de fazer-se sempre com justiça.
E é porque estou firmemente convicto de que esse princípio fundamental saiu ferido nas alíneas) e g) do artigo 6.º da proposta que estamos discutindo - se a, esta for dada a interpretação que me parece decorrer da sua letra - e porque sei do intenso mal-estar e dos protestos que esta radical reforma está despertando entre todos aqueles que exercem profissões liberais, e que, portanto, constituem uma das principais élitca da Nação, que me decidi a trazer este problema à consideração da Gamara c. do Governo, na esperança de que ainda possa ser solucionado com equidade e bom senso.
Tenho dito.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Calheiros Lopes: -Sr. Presidente: é esta a primeira vez que na actual sessão legislativa tenho ocasião de subir a esta tribuna, e, por tal motivo, as minhas primeiras palavras são, como não podiam deixar de ser, dirigidas a V. Exa., a quem apresento as mais sinceras e calorosas saudações.
Desde há muito me habituei a admirar em V. Exa. o professor ilustre, o estadista e o político, homem de doutrina e de acção, que, nos diversos cargos que justamente tem ocupado, marcou sempre, com inteligência brilhante, com coerência ideológica, com dedicação patriótica e, digamos mesmo, com inalterável consciência da sua formação religiosa e nacionalista, uma posição indiscutível de servidor, entre os de melhor fibra e mais eficiente acção, na defesa dos altos princípios da Revolução Nacional, do Estado Novo, ou seja do regime erguido e chefiado por Salazar.
A VV. Exas., Exa. e Colegas, cumpro, com a maior sinceridade, o dever de vos apresentar as minhas mais expressivas saudações.
Sr. Presidente: as breves considerações com que quero sublinhar o meu voto- a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1963 abro-as com o registo da satisfação que desperta em todos nós, e decerto no País, a regularidade e o estrito cumprimento da lei constitucional que representa o facto de, mais uma vez, sei- submetida a Assembleia Nacional nos prazos legais esta chamada Lei de Meios. Mostra assim o Governo seguir rigorosamente os princípios de ordem e sanidade financeira introduzidos na administração pública, há já 34 anos, pelo Ministro das Finanças de então, esse insigne estadista que ascendeu depois e, para bem dos portugueses, ocupa hoje a chefia do Governo.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Orador: - Na verdade, foram essas as normas do legalidade e rigor administrativo, de equilíbrio de receita e despesas, de recuperação do prestígio do Estado, num n palavra, de preocupação constante de fazer deste uma pessoa de bem, de contas abertas e direitas, h vista de toda a gente, imprimidas por Salazar na vida financeira da Nação, ante a surpresa de nacionais e estrangeiros, habituados, desde havia longos anos, a considerar Portugal um país de finanças desordenadas e sem crédito.
Essas regras de honesta e sã administração têm sido escrupulosamente mantidas pelos vários Ministros que se sucederam na pasta das Finanças, e cumpre-as igualmente, com assinalável espirito de continuidade e firmeza, o actual Ministro signatário da proposta de lei que estamos apreciando.
Aliás, permito-me salientar que a mesma admirável orientação de esclarecimento do País sobre a situação financeira e económica se encontra nos relatórios anuais das contas públicas, como o de 1961, publicado em Agosto último, e que constitui um dos mais brilhantes e. esclarecidos estudos da vida portuguesa no ano transacto, tanto no aspecto estritamente financeiro, como no plano da conjuntura económica nacional, enquadrada, além disso, no vasto panorama da conjuntura internacional.
Esse magnífico trabalho de análise retrospectiva dos problemas financeiros, económicos e. administrativos do País, completado cora o das incidências prováveis e evoluções previsíveis na vida portuguesa, tem agora o seu natural e não menos apreciável complemento no relatório que acompanha a proposta da Lei de Meios.
Se ambos esses documentos representam a prova, mais uma prova, do alto valor técnico-financeiro e de estadista do Sr. Prof. Doutor Pinto Barbosa, constituem simultaneamente a pública e universal demonstração de como se acha definitivamente integrado na nossa administração a norma estabelecida por Salazar de elucidar, clara e francamente, o País, por intermédio desta Assembleia, sobre os mais importantes problemas que afectam o presente e o futuro dos portugueses.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Orador: - Correspondendo, pois, com o meu fraco contributo, ao imperativo legal que nos convoca a apreciar e votar este documento basilar da vida da Nação para o ano próximo, permitir-me-ei acompanhar o voto francamente concordante que lhe darei de um ligeiro comentário a alguns dos seus aspectos e incidências que mais interesse me merecem.

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Nenhum português digno desse nome poderá recusar o Réu aplauso, em primeiro lugar, à ordenação das prioridades adoptada na proposta de lei pura os encargos a que o Estado deve ocorrer no fino futuro.
Razões de patriotismo, e a própria consciente noção dos fundamentos essenciais da sobrevivência de Portugal como nação independente e soberana, levam-nos a aplaudir sem a menor hesitação a matéria do artigo 15.º, que coloca à frente de todas as prioridades dos encargos da Nação os decorrentes da defesa nacional, ou seja os que visam "a preservação da integridade territorial da Nação".
Se pode haver - e ninguém conscientemente o nega - entre os portugueses diferenciações ideológicas ou políticas, num ponto todos estamos concordantes e unidos em volta do nosso venerando Chefe do Estado e do Governo que lhe mereceu a confiança para dirigir os destinos supremos da Nação: a defesa intransigente da Pátria, considerada em toda a sua plena integridade metropolitana e ultramarina, este Portugal de aquém e além-mar que os nossos avós descobriram e desbravaram e, com esforço heróico de vidas e valores, souberam integrai- no espírito civilizador e cristão do Ocidente.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quaisquer que sejam a sanha odienta dos nossos inimigos declarados e as cobiças, invejas e traições dos nossos falsos amigos, os portugueses, unidos em volta do Governo, estão dispostos aos sacrifícios necessários para manter íntegra, sob a bandeira da Pátria, a herança recebida. Essa herança, de que 400 anos de história nos dão n plena consciência dos deveres e direitos inerentes, não a consideramos apenas na sua extensão geográfica ou importância económica, mas em toda a plenitude moral do seu espírito de portugalidade e cristandade.
Portanto, é com perfeita noção desses mesmos deveres e direitos que vemos colocados à frente das prioridades estabelecidas na proposta de lei os encargos da defesa nacional.
No que respeita à prioridade nos investimentos públicos, à margem do II Plano de Fomento, tal como se acha desenvolvido no artigo 19.º, parece-me digna de aplauso a manutenção da preferência, já marcada nos exercícios anteriores, para as obras classificadas de "Fomento económico", a cabeça das quais se coloca muito justamente o aproveitamento hidráulico das bacias hidrográficas.
Todavia, julgo que será possível ao Governo conciliar o interesse que essas obras merecem com a necessidade de estender as zonas rurais do País de tal mais carecidas uma acção de fomento e de vitalização que aumente a sua actividade económica e, consequentemente, eleve o nível social das suas populações. Citarei como uma das regiões mais carecidas dessa obra de progresso o distrito de Santarém, onde considero urgente uma renovação de actividades que equilibre a sua vida, até aqui pode dizer-se votada a um quase exclusivismo agrícola, e lhe imprima, como noutras regiões se está verificando, a vivificação económica, o aumento de nível social, o incremento de actividade e de riqueza que, nos tempos actuais, são sobretudo consequência da instalação local de novas indústrias.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Orador: - A importante actividade agrícola e o volume sempre crescente das massas demográficas da região ribatejana constituem, ao que penso, factores económicos seguros do êxito que teria a instalação nessa zona de
novas indústrias. Penso que Santarém, centro magnifico dessa vasta zona ribatejana onde a agricultura e a pecuária se exercem em escala importantíssima, está indicada para a instalação de indústrias que têm na lavoura ou a fonte natural das matérias-primas ou o melhor cliente para os produtos fabricados. E, contudo, no notável incremento que se está verificando na industrialização do nosso pais não vemos que Santarém tenha sido abrangida, como parece indicado.
Bem sei que, essencialmente, é quase sempre a iniciativa privada que se devem todas essas novas instalações que estão seguindo quase quotidianamente, entre as quais algumas de tanto interesse sob o ponto de vista da lavoura, como máquinas agrícolas,, camiões, adubos, etc. Mas não posso ignorar ao mesmo tempo quanto o Estado influi, directa e indirectamente, tanto na criação das empresas como na localização das instalações industriais. E como ao Estado incumbe orientar a distribuição geosocial das actividades nacionais, julgo que não será descabido solicitar a atenção do Poder para a necessidade de incluir Santarém no movimento de industrialização com que se está procurando adaptar o País ao realismo económico dos tempos presentes e, talvez principalmente, do futuro próximo.
A industrialização, sempre que seja possível levá-la a determinada região, traz consigo um incremento tal do vida económica e social que justifica plenamente todos os esforços e sacrifícios que se lhe dediquem. Porque, na verdade, o aumento da riqueza pública e, no caso especial que estou encarando, da actividade produtiva industrial aproveita a todas as classes sociais e é indispensável para que o nosso país ocupe posição eficiente na grande evolução económico-social que se processa no Mundo, ou, pelo menos, na Europa.
Já em tempos tive ocasião de me referir, nesta Assembleia, a necessidade imperiosa de descongestionarmos os grandes centros onde presentemente se encontra instalada excessiva percentagem da indústria. Sinto-me forçado a insistir no mesmo pensamento. Continuamos a verificar uma exagerada concentração industrial nas grandes cidades, em especial em Lisboa e arredores, quando me parece certo que para grande parte dessas instalações industriais; sobretudo aquelas que a actividade agrícola estão ligadas como suas clientes ou fornecedoras, haveria incontestável vantagem em serem distribuídas por localizações afastadas, em meios rurais como a cidade de Santarém e diversas outras terras do distrito, que participam, entre outros factores, da vantagem de constituírem activíssima zona agrícola e pecuária.
Assim se conseguiria, fomentando os investimentos de capital e a industrialização desses meios rurais, melhorar as condições de vida das populações e acabar com as crises mais ou menos cíclicas de desemprego, que são características dos centros quase exclusivamente agrícolas.
Apoiado.
Este é, Sr. Presidente, o caso da cidade e distrito de Santarém. Parece-me poder afirmar que essa tão portuguesa, tão activa, de população tão rica de elementos de trabalho, região ribatejana tem direito a esperar que chegue até ela o movimento de industrialização que o País está vivendo, pela instalação das indústrias que julgo viáveis naquela zona e que tanto poderiam melhorar as condições de vida da sua população.
Permito-me confiar em que o Governo, a partir do ano próximo, possa levar até ao distrito de Santarém e a província do Ribatejo BR realizações materiais e sociais abrangidas na Lei de Meios pelas expressões sobras de fomento económico" e, tanto quanto possível, pelas iniciativas de

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industrialização que beneficiem, como é mister, as condições de vida local.
Outro ponto que não pouso deixar de frisar, com o mais decidido aplauso, é a relevância dada na proposta ao capítulo «Educação e cultura» - alínea c) do artigo 19.º -, comparativamente até com a Lei de Meios para 1962. De facto, logo no título dessa alínea - que na lei antecedente era «Educação e ensino» e na presente proposta de lei se designa de «Educação e cultura» - se nota uma ideia de ampliação e superiorização da matéria que se me afigura de alto interesse. Mas de valor ainda mais significativo é o aumento que tiveram os pontos em que se desdobrou esse capítulo, colocando logo a frente de todos a «Aceleração na formação de pessoal docente universitário».
Julgo ser de salientar que, ao passo que na lei para 1962, nesse capítulo da «Educação e ensino», apenas se mencionava o «reapetrechamento das Universidades e escolas» e a «construção e utensilagem de edifícios para Universidades», na lei presente alarga-se de forma notável o programa de acção do Governo neste sector, não somente pela citada aceleração na formação do pessoal docente universitário, como pelos subsequentes pontos expressos, tais outras animadoras promessas de orientação estadual, que, postas em prática, contribuirão de forma tão importante para a solução dos problemas que afligem o nosso ensino em todos os graus - e não apenas no universitário -, com tanta influência no presente e no futuro do País.
Nos princípios apontados neste capítulo da Lei de Meios encontram-se esboçadas as bases de um programa que, realizado com vigor, com sentido das realidades e com oportunidade, contribuirá grandemente para a formação cultural, moral e política das futuras gerações e, o que é mais importante, do escol de dirigentes e técnicos que orientarão a vida portuguesa de amanhã.
Realmente, não se pode pensar em lançar um país em cheio na industrialização se não estiverem estabelecidos os diversos graus de ensino técnico, se não se qualificou a mão-de-obra e, sobretudo, se não se estabelecerem nas novas indústrias as técnicas da produtividade, as quais também necessitam de ser ensinadas.
A imprensa americana vem reclamando o aperfeiçoamento do ensino secundário e a reforma de programas, condições indispensáveis para o número crescente de engenheiros e técnicos exigidos pela expansão industrial.
O presidente da Comissão de Energia Atómica alertou a opinião pública ao afirmar que a Rússia produz anualmente mais engenheiros e técnicos que os Estados Unidos.
Poderosas sociedades americanas enviam regularmente comissões à Europa para recrutarem elementos possuidores de uma formação e experiência técnicas suficientes e desejosos de emigrar.
Parece-me que é mais do que altura de evitarmos a drenagem de técnicos e de mão-de-obra principalmente qualificada, que tanto necessitamos para o nosso desenvolvimento económico, quer na metrópole, quer no ultramar.
A continuar esta drenagem, dentro em breve ficamos com uma boa percentagem da nossa mão-de-obra de gente idosa, com um valor fraco e impressionante, com as devidas consequências na economia geral do País.
Ainda há pouco, num país forte e altamente industrializado, o Secretário de Estado do Comércio e Indústria de França declarava na imprensa:

Um obstáculo se apresenta entre nós: a falta de pessoal técnico e científico. O caso é tão importante que tem de lançar um grito de alarme em nome da indústria francesa.
E isto, Sr. Presidente, quando nos encontramos em presença de uma tendência que, qualquer, que seja a nossa opinião sobre o assunto, há que considerar com fortes probabilidades de vir a transformar-se em facto - mas em facto visível -, e, por isso mesmo, torna-se necessário prever, desde já, os reflexos que pode vir a ter na nossa economia própria ou, talvez melhor, em que grau temos necessidade de estudar a adaptação da nossa economia própria a essa nova tendência para o Mercado Comum Europeu e maior ou menor liberalização do comércio intereuropeu.
Para países de elevado, nível industrial, possuindo mão-de-obra suficiente capaz, devidamente especializada, a" adesão a esses planos, após as necessárias adaptações das suas estruturas económicas, vem muito provavelmente trazer-lhes vantagens imediatas.
Mas para nós, por assim dizer, no início da sua industrialização, com uma agricultura ainda longe de ter atingido o necessário nível e com uma estrutura geral económica constituída por territórios metropolitanos e ultramarinos, somente pode beneficiar da sua inclusão no Mercado Comum desde que tenhamos pessoal necessário e devidamente habilitado.
Tomei há pouco conhecimento de que o nosso Governo está estudando o assunto, de forma a tomar as medidas necessárias para que amanhã, e no futuro, não tenhamos carência de mão-de-obra, gente capaz e especializada. E tanto nós temos necessidade nas nossas províncias da metrópole e do ultramar!
Felicito, pois, o Governo pelas medidas que vai tomar, e estou certo que brevemente serão postas em prática.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Cada vez é maior a necessidade que tem a indústria de pessoal especializado em todos os escalões. Perante estes imperativos, concede-se hoje em dia uma atenção verdadeiramente rigorosa e de todos os momentos à educação técnica da gente nova que escolhe as carreiras que a economia nacional tem para lhe oferecer cada vez em maior número. E preciso ainda que este ensino esteja à altura de facultar uma preparação completa, muito actual e projectada mesmo para as questões técnicas do futuro, uma das quais, e das mais importantes, é o factor «produtividade».
Não pode haver um incremento sólido no nível de vida de um país enquanto não houver o incremento respectivo no índice de produtividade das actividades produtoras, distribuidoras e consumidoras de bens e serviços.
Os benefícios que se alcancem pela aplicação directa ou indirecta das técnicas de produtividade devem ser repartidos, em forma proporcional, entre a empresa, os operários e o consumidor. Ao reduzir os custos dos produtos graças às técnicas de produtividade, o consumidor goza com efectividade de um poder aquisitivo superior.
Está bem patente que na vigência do regime actual tem havido o propósito definido de procurar conseguir um melhoramento social. Daí as medidas de nacionalismo económico, a legislação e a firme decisão de conseguir para as massas populacionais uma melhor maneira de viver. Mas, para que esse propósito se realize completamente e com mais êxito, torna-se indispensável criar riqueza para distribuir, riqueza que se obterá fomentando o desenvolvimento económico e modificando alguns aspectos da política fiscal, económica e social.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Também é indispensável que o Estado proteja decididamente toda a espécie de operações de exportação que venham a incrementar os volumes de produção da indústria, baixando os custos, melhorando as posições de concorrência, estimulando a posição industrial do País no campo internacional. Essa acção deverá realizar-se mesmo com diminuição transitória das receitas fiscais, pois o beneficio a alcançar, ainda que seja a longo prazo, será, sob todos os aspectos, de tal grandeza que compensará amplamente qualquer sacrifício imediato da parte do Estado.
Impõe-se a necessidade de alcançar um aumento do rendimento real por habitante; e para se alcançar esse objectivo é indispensável fomentar o desenvolvimento do sector agrícola, como fonte de produção de alimentos e matérias-primas, e, evidentemente, a indústria terá de ser o elemento dinâmico do crescimento sectorial nos próximos anos.
As indústrias-chave do crescimento industrial requerem expansões maiores do que as restantes. Portanto, é de esperar que nos próximos anos registaremos esforços maiores na produção, não só do sector vital da indústria, mas também em todo o sistema de produção geral, de forma que se produza mais para um número sempre crescente de consumidores.
O crescimento demográfico é desejável, mas sempre acompanhado de uma receita nacional crescente, único meio de ir elevando o nível de vida do povo.
Sr. Presidente, meus Senhores: não somos um povo essencialmente agrícola, nem somos um povo essencialmente industrial. Somos um país semi-industrial, com visíveis tendências a alcançar uma razoável industrialização.
Visto que nos encontrávamos há mais de ires décadas num estado de grande atraso, o caminho tem sido árduo. Mas o que falta percorrer é ainda mais duro, mais complicado e mais difícil.
O desenvolvimento económico requer a conjugação de dois elementos básicos: recursos financeiros e recursos humanos.
Tão importante é contar com o capital indispensável ao desenvolvimento de uma operação industrial como dispor dós homens que, pela sua preparação e sentido de responsabilidade, tornem possível o aproveitamento dos recursos técnicos e financeiros.
Da experiência dos últimos anos parece ressaltar a verdade desta afirmação.
São muitos os países em processo de desenvolvimento que receberam considerável ajuda proveniente de países melhor integrados economicamente, e, apesar disso, as nações que não dispuseram de um elemento humano adequadamente preparado não puderam aproveitar-se das ajudas recebidas nem dos créditos outorgados. Não souberam utilizar os recursos postos ao seu alcance.
A tarefa fundamental dos países em via de desenvolvimento radico-se na formação de uma classe de empresários plenamente consciente da sua responsabilidade e dotada de uma noção clara das metas a alcançar a curto e longo prazo. Impõe-se a capacitação técnica, mas é indispensável também, e com a maior urgência, a formação moral do grupo directivo da vida económica.
O notável crescimento económico que se observa nos últimos anos torna indispensável que os componentes das empresas actuais se esmerem em adquirir conhecimentos de carácter científico, com o fim de conseguir que as empresas sejam organizações cada vez mais fortes, que possam contribuir positivamente para o progresso integral da comunidade.
No mundo presente a função de chefe de empresa tende a transformar-se, a ampliar-se e tornar-se, cada ano que possa, mais complexa. Tem de abrir suficientemente os olhos para o mundo que o rodeia, fazendo penetrar na vida da sua própria empresa os diversos factores técnicos, económicos e sociológicos que se afirmam na evolução contemporânea.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O nosso processo de industrialização iniciou-se sem nenhuma planificação - e, mais ou menos sem ela, tem crescido.
O desenvolvimento industrial não pode fazer-se livre e desordenadamente. Isso seria contraprodutivo e poderia levar a um total desequilíbrio económico.
Há que adoptar uma forma de desenvolvimento controlado, ordenado, não permitindo situações privilegiadas, eximidas de concorrência e que possam dominar a seu talante os mercados e os preços.
A acção do Estado tem de aplicar-se em vigiar e coordenar o exercício das actividades - tanto as industriais como todas as outras que formam o conjunto da economia nacional - de modo a não permitir que seja prejudicado o equilíbrio necessário desse mesmo conjunto.
Por esta razão, necessitamos de uma planificação integral que nos mostre quais as rotas a seguir para melhor encaminharmos o nosso futuro industrial.
Necessitamos saber quais são os nossos recursos e como se podem aproveitar da maneira mais racional e mais efectiva. Além disso existe a necessidade de determinar quais são as nossas carências e quais os obstáculos que se devem vencer.
Investigar e planificar soo duas acções que, coordenadamente, se têm de realizar, se desejarmos que Portugal se transforme num país devidamente industrializado e que os portugueses desfrutem de melhores condições de vida.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Julgo que não é possível progresso económico sem justiça social, mas tão-pouco é possível fazer autêntica justiça social sem esse progresso.
Traduzido isto em termos económicos, equivale a dizer que o único desenvolvimento estável e válido é o que se baseia em crescentes investimentos numa crescente produtividade e no crescente nível de vida de toda a população. Há, pois, que continuar não apenas a investir, mas também a confiar e crer.
Confiar nas nossas instituições. Crer num Portugal melhor.
É, pois, com toda a satisfação que dou o meu voto à proposta da Lei de Meios para 1963 apresentada pelo .Governo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

A Sra. D. Maria Irene Leite da Costa: - Sr. Presidente: o projecto de proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1963 não só merece a minha aprovação na generalidade como me sugere algumas considerações, em especial pelos aspectos novos que contém e que merecem ser postos em relevo.

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Quero referir-me, em especial, aos problemas de educação e ensino e da saúde e assistência.
Foi com grande júbilo que vi terem sido inscritas no projecto de proposta de lei duas novas rubricas, referentes à formação do pessoal docente universitário e a intensificação da concessão de bolsas de estudo.
O problema fundamental do nosso país é o problema educativo. Embora complexo e multiforme, é necessário encará-lo de frente e resolvê-lo com coragem. Como há já alguns anos declarei aqui, a resolução da maior parte dos problemas da educação e do ensino encontra-se no Ministério das Finanças.
E, por isso, com grande satisfação que verifico que este Ministério julgou oportuna a ocasião pura desenvolver o grande esforço da educação.
Para o Sr. Ministro das Finanças vão os nossos maiores aplausos, esporando que este esforço se amplie e alargue cada vez mais.
O nível educativo e cultural está na base de todo o progresso económico, técnico, social e humano. As despesas feitas com a educação e o ensino nunca são supérfluas, nunca são bastantes.
Como salienta o parecer da Câmara Corporativa, há estreita relação entre a expansão da instrução e o aumento da produtividade geral.
Todavia, embora haja interdependência entre o desenvolvimento da educação e o desenvolvimento económico e social, a educação, conforme se acentua nas conclusões da XXV Conferência Internacional de Instrução Pública - e considera o parecer da Câmara Corporativa -, tem de manter o seu carácter próprio, ou seja formar a personalidade humana e desenvolver harmoniosamente todas as suas capacidades morais, intelectuais e físicas.
Os problemas da educação e do ensino são, sem dúvida, dos mais complicados. Além de somas enormes de dinheiro, a resolução de tais problemas exige planos cuidadosa e conscientemente elaborados, desde o ensino primário ao médio e ao superior. Há uma interligação tal entre os aspectos que assumem os diversos níveis de ensino e os vários tipos de escolas existentes no País que aqueles não podem deixar de ser considerados em conjunto.
Um dos assuntos tratados na última Conferência Internacional de Instrução Pública, realizada em Genebra em Julho passado, foi precisamente o da planificação da educação, tema da maior importância, largamente debatido.
O desenvolvimento da educação depende, em última instância, dos recursos económicos, financeiros e humanos do que o País pode dispor; só uma planificação adequada da educação permitirá tirar todo o proveito dos recursos em questão.
Por outro lado, o aumento constante das necessidades humanas e a evolução cada vez mais rápida que caracteriza a nossa época exigem a adaptação da educação, sob todos os aspectos, as exigências e às possibilidades de amanhã. Deste modo, os organismos responsáveis pela educação devem realizar uma acção sistemática destinada a estabelecer as necessidades e os objectivos do desenvolvimento da educação para um certo período, e a determinar as fases essenciais para a efectivação das realizações correspondentes, assim como as medidas de ordem concreta necessárias paru a solução dos problemas postos.
Assim, o considera também o lúcido parecer da Câmara Corporativa quando assevera que há que equacionar os problemas, que tomar consciência das nossas faltas e que programar metodicamente e em tempo oportuno, a orientação a seguir nos anos futuros. Por isso, importa começar com uma visão global dos assuntos, por forma a «podermos caminhar mais depressa e com maior segurança e economia».
A improvisação é o mais condenável dos processos quando se trata de assuntos desta natureza. Tem, por isso, a minha inteira aprovação a sugestão da Cumaru Corporativa de introduzir no capítulo V «Investimentos públicos» um novo artigo com a seguinte redacção:

O Governo promoverá a elaboração de um programa nacional de educação e formação, no qual se deverá atender às necessidades da Nação nos aspectos científico, técnico e profissional.

Sr. Presidente: a formação de professores universitários, começando pelo alargamento das condições de recrutamento de assistentes, é, sem dúvida, medida de grande alcance. Não basta, todavia, é preciso rever as condições de trabalho e remuneração dos referidos assistentes.
É fundamental, além disso, que se proceda a uma reforma geral do ensino, reestruturando-o e actualizando-o.
Como afirmou há pouco, na inauguração do Congresso do Ensino de Engenharia, o nosso colega e entoo Ministro da Educação Nacional Sr. Prof. Doutor Lopes de Almeida - a quem dirijo, deste lugar, as minhas mais sinceras homenagens:

O nosso ensino público vem sofrendo de uma crise de crescimento, cujas origens francamente não estão ignoradas, mas a consciência dessa realidade insofismável nem sempre nos permite acompanhar o seu discernimento das condições convenientes à resolução imediata de cada um dos seus estádios, qualquer que seja o grau que possamos considerar. Apreciado em toda a sua extensão, o nosso ensino público só com imensa dificuldade poderá manter-se nos quadros materiais dos estabelecimentos em que actualmente se exerce e sobretudo persistir-se validamente sem o emprego de profundo esforço para uma revisão sensível e necessariamente próxima dos quadros educacionais que a preocupação do futuro nos está entremostrando.

Das nossas escolas superiores cito, a título de exemplo, a angustiosa situação das Faculdades de Ciências, funcionando com uma orgânica desactualizada, cada vez com mais alunos, mas com o mesmo quadro de professores e os mesmos laboratórios.
Nos países mais desenvolvidos, as Faculdades de Ciências desempenham um papel de grande relevo, quer quanto à preparação de profissionais científicos, como matemáticos, físicos, químicos, biólogos, zoólogos, geólogos, etc., e de professores, quer no desenvolvimento da investigação científica.
Ora neste aspecto há ainda entre nós quem negue às Faculdades de Ciências a prerrogativa de conceder diplomas profissionais, considerando-as apenas aptas a produzir professores de ensino médio.
Por isso, quando há necessidade de técnicos competentes daquelas especialidades, improvisam-se ou vão buscar-se ao estrangeiro.
Chegam-me, por exemplo, os ecos de que estão em curso negociações para entregar o estudo geológico de uma das nossas províncias ultramarinas a uma empresa estrangeira. Que razões levaram as entidades responsáveis a esta resolução?
Por que razão este trabalho não pode ser feito por portu-

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Mas se da geologia passarmos para a botânica ou para a zoologia, não são menos os exemplos que se podem citar.
O parecer da Câmara Corporativa acentua, com justificada razão, que uma das finalidades do ensino universitário é a formação profissional:

A Universidade tem de formar os indivíduos capazes de elaborar e fazer executar os programas de desenvolvimento, tem de formar os. técnicos paru a administração pública e para as empresas e todos os demais técnicos, para que o processo de desenvolvimento se não retarde.

As Faculdades de Ciências têm papel importante a desempenhar neste campo. Cerceá-lo será atraiçoar a Universidade e o País.
As Faculdades de Letras estão há funcionar com um plano de estudos há pouco reformado, mas com o quadro de professores antigo, que se torna necessário alargar de acordo com aquele plano. Basta recordar o que aqui disse o ano passado sobre este assunto o ilustre Deputado Prof. Doutor Gonçalves Rodrigues.
Outras escolas superiores aguardam medidas idênticas.
Não me parece feliz a expressão «aceleração da formação de pessoal docente universitário». Julgo que se trata antes do alargamento do campo de recrutamento de assistentes,- portanto, da possibilidade da formação de maior número de professores.
Não se trata somente de ter mais professores, pois o que é essencial é que sejam professores competentes. E estes não podem ser feitos à pressa.
Medida de grande alcance, que vem sendo executada há já alguns anos, é a de consagrar verbas avultadas para o reapetrechamento dos laboratórios e oficinas escolares, elemento fundamental para a preparação técnica - e científica dos diplomados. Sem técnicos especializados não será possível desenvolver os processos de exploração industrial e agrícola, tornar-se-á impossível levar a cabo, com êxito, qualquer plano de fomento, por melhor concebido que seja.
Não há-de esquecer-se, também, o lugar que compete à investigação científica, pedra angular de todo o aperfeiçoamento e desenvolvimento técnico, na busca de novos rumos, novos horizontes, novas descobertas.
Não só o Governo, como as próprias empresas industriais, têm de decidir-se a conceder à investigação científica verbas avultadas. E é precisamente nas ocasiões de crise que as despesas com a investigação científica terão de ser maiores.
O Instituto de Alta Cultura, ao qual se deve uma obra notável (embora dispondo de verbas diminutas), precisa do ser remodelado e alargadas as suas dotações.
Sem dúvida que há hoje no País, no campo científico e cultural,- um largo movimento de renovação, em que tem sido grande a acção da Fundação Calouste Gulbenkian, que por isso é merecedora dos nossos mais vibrantes aplausos.
E este movimento de renovação que só toma mister aproveitar e desenvolver.
Sr. Presidente: referi-me até agora quase somente as Universidades e à investigação científica.
Não posso deixar, todavia, de aludir ao ensino liceal e ao ensino médio profissional. Com uma frequência que todos os anos aumenta, os problemas, que estes ensinos enfrentam não são apenas de edifícios. São, sobretudo, de professores. E uma assunto que tem de ser considerado urgentemente, estudada a melhor solução para o resolver.

A Sra. D. Custódia Lopes: - Muito bem!

A Oradora: - A carência de professores não é um mal apenas nosso. Verifica-se em todos os países. Mas isso não significa que não procuremos resolvê-la. Há, de resto, situações manifestamente de injustiça, que urge remediar, e para as quais já aqui foi chamada a atenção do Governo.
Ainda esta manhã o Sr. Deputado Dr. Martins da Cruz expôs magistralmente a situação angustiosa dos professores do ensino secundário.
O alargamento dos quadros, a criação de estímulos e justa compensação e também a possibilidade de acesso, em determinadas circunstâncias, ao ensino superior são aspectos que, a meu ver, poderão ajudar a atrair os jovens diplomados para o professorado.
Sr. Presidente: à escola primária consagrarei também algumas considerações.
Em primeiro lugar, temos de fazer um esforço para alargar o ensino obrigatório para seis anos. Neste aspecto tem, também, o meu inteiro apoio o parecer da Câmara Corporativa. Somos o único país da Europa que mantém n escolaridade de quatro anos.
Como já aqui afirmei, ao defender para o nosso país o regime dos seis anos, pretendo a instituição de uma escola que não se limite a ensinar apenas a ler, escrever e pouco mais, mas que dê a todos os alunos os conhecimentos de base essenciais, isto é, que permita a todos os portugueses adquirir o nível de instrução e cultura imprescindível em povos civilizados.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

A Oradora: - A escola, além de educar, de ensinar a ler, a escrever e a contar, tem de ministrar aos alunos uma soma de conhecimentos que de outro modo não poderão adquirir, pois a família não se encontra, na maior parte dos casos, em condições de lhos dar.
A necessidade da criação de um instituto de ciências da educação já foi diversas vezes defendida nesta Câmara. Não desejo repetir o que já aqui disse, certa de que o Governo está atento ao problema e considerará a criação do referido instituto quando o julgar possível.
Sr. Presidente: hoje a Nação tem de aproveitar todos os valores, de modo a constituir amplo escol. A instituição de bolsas de estudo, a conceder aos alunos com melhor aproveitamento, tem essa finalidade, ajudando os que por motivos financeiros ficariam impedidos de prosseguir.
Não basta, porém, a meu ver, a concessão de bolsas de estudo a partir do ensino médio.
É preciso ir à escola primária procurar os alunos que mais se tenham distinguido e trazê-los para o liceu e, se continuarem a revelar-se bons alunos, acompanhá-los na Universidade.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

A Oradora: - Outro capítulo do projecto da proposta de lei cuja importância desejo salientar é o que se refere às providências sobre o funcionalismo, em particular a assistência, em todas as formas de doença, aos serventuários civis do Estado.
O assunto foi já largamente tratado pela Câmara Corporativa. Temos, portanto, de nos congratular pelos propósitos manifestados pelo Governo da próxima publicação do diploma em questão.
No quadro assistencial deu-se particular relevo à promoção da saúde mental, considerando-a, e muito bem, um dos objectivos primordiais da assistência, que é preciso enfrentar com decisão e amplitude.

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A saúde mental infantil, assunto de que por diversas vezes me ocupei nesta Assembleia, constitui um aspecto importantíssimo da questão.
Sobre a saúde mental encontra-se presentemente em estudo na Câmara Corporativa um projecto de proposta de lei, elaborado pelo Ministério da Saúde e Assistência. Reservo-me, portanto, para mais extensas considerações quando o referido diploma descer a esta Câmara.
Sr. Presidente: conforme afirmei antes, o problema fundamental do nosso país é o problema educativo. O projecto de proposta de lei agora em discussão mostra que o Governo decidiu enfrentá-lo com largueza, escolhendo alguns dos aspectos mais relevantes.
As verbas concedidas para dar realização a obra anunciada trarão amplos benefícios para o Puís. Assim o compreendeu o alto espírito do Sr. Ministro das Finanças, a quem endereço os mais vivos aplausos.
Dispondo das verbas indispensáveis pode o Ministério de Educação Nacional empreender os reformas que desde há muito se impõem e entrar no caminho das realizações. E ninguém melhor do que o Sr. Ministro da Educação Nacional, professor dos mais ilustres, conhece os problemas do nosso ensino e a maneira de os enfrentar.
O alto saber, o dinamismo, o entusiasmo do Sr. Prof. Doutor Galvão Teles são a melhor garantia do novo impulso e da obra de renovação que vai iniciar-se no campo da educação e do ensino.
Motivou as minhas considerações o desejo de que se proceda à estruturação de um plano de conjunto abrangendo todos os graus de ensino, para que na execução das reformas a fazer não venham a surgir deficiências ou lacunas difíceis, ou mesmo impossíveis, de solucionar.
Termino dando a minha aprovação na generalidade à proposta de lei agora em discussão.
Tenho dito.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Vargas Moniz: - Permitir-me-á V. Exa., Sr. Presidente, que, no limiar das considerações que vou produzir, lhe dirija as minhas saudações e as minhas homenagens.
Faço-o, sem dúvida, por dever de cortesia a que n fio posso eximir-me, mas também e muito especialmente por forte imperativo de admiração e de amizade. Rendendo preito à sim alta personalidade retribuo, aliás, as provas de deferência e de simpatia que V. Exa. benevolamente me tem dispensado e que singularmente me honram e desvanecem.
Discute-se presentemente nesta Assembleia a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1968.
O debate em curso é indubitavelmente de uma importância capital na actividade parlamentar e corresponde a uma atribuição essencial - ia a dizer histórica - deste órgão da soberania.
Uma vez mais, com aquela regularidade o pontualidade. que são características da rida política do Regime, a Assembleia Nacional vai ter oportunidade de se debruçar sobre a situação económica do País e a sua marcha, sobre a administração financeira e as suas características, sobre os grandes problemas nacionais e a solução que lhes é dada por via orçamental.
Saúde, assistência, cultura, justiça, defesa, obras públicas, comunicações, fomento, eis alguns dos capítulos em que vão distribuir-se as receitas fiscais que vamos votar e em que a obra de progresso dos últimos anos registará sem dúvida novas iniciativas e ainda mais vastas realizações. Mas, para além dos sectores exemplificativamente enumerados, sobressai de modo especialmente significativo o da salvaguarda da integridade territorial da Nação, a que a proposta assegura, como é imperioso, a situação de prioridade que lhe cabe na presente e delicada emergência da vida nacional.
O notável relatório que precede a proposta, e que é devido à proficiência do Sr. Ministro das Finanças, a cuja competência técnica e dotes de homem de Estado presto a minha homenagem, constitui um documento altamente instrutivo e onde podemos colher os elementos indispensáveis a formação da nossa consciência para um voto esclarecido.
Nele se expõe a evolução da conjuntura interna e internacional, os seus indicadores mais representativos, as bases e princípios da política tributária, a hierarquia das despesas públicas, a acção a empreender nos vários sectores de actividade do Estado, particularmente no aspecto social e de fomento. Dele se deduzem, numa palavra, as grandes directivas a que vai obedecer a vida financeira cia Nação no exercício que se avizinha e de que não podem menosprezar-se as graves dificuldades.
Há um ano, nesta tribuna, foram expostas sem atenuações as preocupações suscitadas pela evolução da economia nacional.
Sem embargo do ritmo satisfatório da expansão económica e da notável dimensão das taxas de crescimento obtidas, designadamente nos sectores da indústria, da energia e dos serviços, algumas sombras empanavam o panorama nacional e determinavam profundas apreensões. As trocas comerciais com o estrangeiro acusavam um déficit de quantitativo nunca atingido. A balança de pagamentos, por sua vez,, manifestava forte desequilíbrio. Na posição cambial do País registava-se sensível deterioração, traduzida num decréscimo de 10 por cento do potencial de divisas. As incidências destes factores nos sectores da moeda e do crédito revestiam-se de acuidade que não carece de ser salientada.
O quadro não era, pois, animador e exigia acção enérgica e providências adequadas u esta difícil situação.
Decorrido um ano a conjuntura revela apreciável melhoria, traduzindo resultados favoráveis que cumpre acentuar com verdade e registar com fundadas esperanças.
No decurso do ano corrente e até 81 de Outubro o saldo negativo da balança comercial com o exterior desceu consideràvelmente em relação ao período homólogo do uno findo. Os pagamentos externos regressaram no equilíbrio. As reservas monetárias mostram um movimento de recuperação que as situa de novo próximo do mais alto valor anteriormente atingido.
A solidez da moeda, que aliás nunca foi abalada, fortaleceu-se, pois, e revigorou-se. O sistema bancário viu também ampliada a sua capacidade de crédito e pôde facultar apoio valioso as actividades produtivas e ao fomento económico do País.
Os resultados da gestão financeira, patenteados no brilhantíssimo relatório das contas públicas de 1961, mostram, por outro lado, de modo inequívoco, que, devido à flexibilidade do sistema financeiro e a eficácia das decisões tomadas, se pôde salvaguardar o equilíbrio das contas e ocorrer simultaneamente ao peso acrescido dos encargos militares e às exigências do desenvolvimento económico.
É esta a orientação que informa fundamentalmente a proposta de lei em debate e que me parece ser a que melhor se ajusta as circunstâncias de momento e aos imperativos do interesse nacional.
Mas, para além dos valores essenciais que salvaguarda e dos princípios irrenunciáveis de que não abdica, a proposta de Lei de Meios denuncia também outras preocupa-

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ções, sobretudo de ordem social cultural, dignas de justo aplauso e a que devo fazer a referência que merecem.
Quero aludir à assistência na doença dos funcionados do Estado, à resolução do problema de habitação na parte que lhes respeita, a política do bem-estar rural, no reequipamento das instituições de ensino, a aceleração da formação universitária e ainda do alargamento das bolsas de estudo aos estudantes menos favorecidos, como meio de impulsionar o seu acesso à cultura.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O primeiro destes problemas correspondia a uma necessidade premente, não só como modalidade de protecção que não podia ser adiada, mas ainda como correcção da injusta disparidade em que o funcionalismo público se encontrava relativamente aos trabalhadores das empresas privadas. O diploma anunciado para resolver esta instante questão e o esquema de assistência nele previsto representam um importante passo no sentido da melhoria das condições sociais de um vasto sector do trabalho nacional e da realização das suas justas e já retardadas aspirações.
No que toca ao problema da habitação, as realizações enumeradas no relatório da proposta e os programas em execução mostram a amplitude, verdadeiramente notável, de esforço que está a desenvolver-se.
Sem subestimar a acção meritória do Ministério das Obras Públicas, das corporações e das câmaras municipais - antes reconhecendo-a e aplandindo-a com todo o calor -, não pode esquecer-se a obra que está a ser empreendida por outras instituições, nomeadamente pela Caixa Nacional de Previdência, sob a orientação e directivas do Sr. Ministro das Finanças.
Neste último aspecto, os investimentos programados situam-se já no elevado nível de cerca de 200 000 contos e são extensivos a várias regiões do País, num esforço de descentralização merecedor dos maiores encómios.

Vozes:- Muito bem!

O Orador: - Aos aglomerados habitacionais já concluídos ou em execução na capital, que vemos crescer em ritmo que denuncia técnica perfeita, juntam-se outros planos de edificações no Porto, Coimbra, Castelo Branco, Vila Real e Ponta Delgada, do que só espera com confiança e rápida e dinâmica execução.
Como açoriano, que mantém inquebrantáveis os laços afectivos que o ligam à sua terra e que sente com alvoroço tudo o que possa contribuir para a sua valorização e progresso, não posso deixar de dirigir os meus agradecimentos ao Governo pelos benefícios concedidos e em que as construções previstas pura Ponta Delgada e a edificação, também próxima, do Palácio da Justiça constituem empreendimentos dignos de menção especial e de vivo reconhecimento.
E pena tenho que neste momento não possa transmitir a completa alegria dos meus conterrâneos pelo início das carreiras aéreas nacionais entre aquelas ilhas e o continente. Uma vez mais, infelizmente, conforme noticiam os jornais, o pequeno avião que deve assegurar as ligações entre S. Miguel e Santa Maria não pôde, no dia da inauguração, descolar do campo de Santana, dada a impraticabilidade da sua pista, certamente em consequência das chuvas, como frequente e vulgarmente acontece. Não tenho dúvidas, porém, que esta inconveniente situação se modificará e em breve os micaelenses poderão agradecer mais este importantíssimo e inadiável melhoramento.
Referir-me-ei agora à elevação das condições de existência das populações rurais, que desde há unos tom sido objecto de uma acção de vasta envergadura e que vai prosseguir nu próximo exercício com acrescida intensidade.
O Governo continua empenhado em proporcionar aos meios agrícolas, onde se concentra a fracção mais numerosa da população activa nacional, melhores condições de conforto, existência mais higiénica, melhoramentos mais amplos e nível de vida mais elevado.
Quer no domínio do abastecimento de água, da distribuição de energia eléctrica e da construção de habitações para famílias economicamente débeis, quer no da abertura de novas estradas, de edificação de escolas e de tantas nutras realizações materiais, o conjunto de obras levado a efeito pode contar-se entre as mais úteis e prestimosas iniciativas do Governo.
O condicionalismo adverso do último ano e o sistema de prioridades adoptado obrigou a mu afrouxamento nas dotações destinadas àquelas finalidades.
A melhoria da situação actual possibilita, porém, que se retome a acção anteriormente desenvolvida e que se lhe imprima mais larga dimensão e cadência de maior celeridade.
Congratulo-me com o facto e daqui o aplaudo com calor, não só pelo seu sentido social, mas ainda pelo que representa de justiça para com um sector populacional ultimamente experimentado por graves dificuldades, infelizmente ainda não removidas, embora apreciavelmente atenuadas.
Um aspecto da proposta me merece, porém, particular atenção e, por isso, não omitirei a alusão que lhe é devida.
Refiro-me à formação do pessoal docente universitário e no alargamento das bolsas de estudo, além do reapetrechamento das Universidades e estabelecimentos de ensino, de modo a prepará-los mais eficazmente para o desempenho da sua missão.
Pelas situações que tenho ocupado e pela minha própria formação e pendor de espírito sinto de modo muito especial as necessidades neste domínio, sobretudo na hora de renovação que atravessamos.
O crescimento de uma economia não depende apenas de capitais suficientes, de espírito de iniciativa, de equipamento adequado, de capacidade empresarial e de dinamismo criador.
Exige também, como base indispensável, técnica progressiva o apurada qualificação do trabalho.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - Cada vez mais a produção se organiza em moldes científicos e o problema dos quadros assume destacada relevância.
É relativamente fácil instalar máquinas, renovar processos de cultivo ou montar cadeias de fabrico; mas formar homens, preparar especialistas, adestrar técnicos, constitui obra mais difícil o de que não pode prescindir-se nas tarefas económicas modernas.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - Já se disse que o homem é o capital mais precioso, e o asserto representa verdade incontestável na era técnica que vivemos.
Ainda há pouco François Perroux - um dos mais altos espíritos que se têm ocupado dos problemas do desenvolvimento económico - tratava no seu livro L'Économie des Jeunes Nations da exiguidade dos recursos humanos no Ocidente e da penúria de pessoal qualificado,

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citando números verdadeiramente inquietantes para comprovar esta carência no duplo aspecto técnico e científico.
É, pois, com profundo regozijo que verifico as preocupações do Governo nesta matéria e a receptividade por ele manifestada em problemas de interesse vital para o progresso colectivo e para as exigências imperativas do nosso tempo.
Eis, em breve síntese, Sr. Presidente, as singelas considerações que a proposta me sugeriu.
Não careço de acrescentá-las para definir a minha posição e exprimir o voto que me cumpre formular. As razões enunciadas bastam para fundamentar a minha atitude e justificar a minha conclusão.
Esta é - e não podia deixar de ser - de total aprovação da proposta e, de calorosa adesão aos sons princípios.
Tenho dito.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Vitória Pires: - Sr. Presidente: ao usar da palavra pela primeira vez este ano nesta Assembleia desejo começar por apresentar a V. Exa. os meus cumprimentos.

eguidamente, quero dizer que foi com grande, satisfação que li o notável trabalho elaborado pelo Sr. Ministro das Finanças, e que constitui a proposta de lei de automação das receitas e despesas para 1963, enviada à Assembleia Nacional para nela ser apreciada.
É da maior justiça, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fazer especial referência a forma como estas propostas têm vindo, de ano para ano, cada vez mais pormenorizadas, focando os aspectos vitais dos diversos sectores da Administração com clareza, precisão e invulgar prudência.
Toda a linha de princípios expostos na proposta afigura-se ao meu espírito absolutamente certa, o que não quer, todavia, dizer que não me surjam algumas dúvidas quanto ao detalhe executório, mas talvez porque mio conheço essas minúcias para algumas medidas que se anunciam.
Desejo, portanto, afirmar que considero do mais alto valor a proposta em discussão.
Antecede-a uma série de considerações sobre assuntos económicos no campo internacional e no respeitante ao nosso puís, o que nos permite avaliar as tendências que se definem.
No campo internacional impressionam-me três factos:

a) A sistemática subida de preços ao consumidor nos países da Europa Ocidental desde 1960, circunstanciadamente, acentuada no douto parecer da Câmara Corporativa:
b) O aumento do deficit comercial dos países europeus, embora os tenha diminuído, quanto aos participantes da Associação Europeia de Comércio Livre, em virtude de o acréscimo das exportações ter ultrapassado o das importações;
c) O afrouxamento do ritmo de expansão da economia americana em relação a 1961.

O agravamento dos preços ao consumidor nos países da Europa Ocidental atribui-se a elevação de salários provocada pela rarefacção da mão-de-obra e, se não houver maior produtividade para compensar esse aumento de salários, a situação não poderá melhorar.
Internamente tem-se verificado um certo estacionamento de preços nos últimos anos. No 1.º semestre deste ano, porém, notou-se uma pequena subida de cerca do 2,5 por cento em Lisboa, Porto e Coimbra, mantendo-se, no entanto, as médias referentes a Évora e Viseu.
Por outro lado, o índice ponderado dos salários aumentou 9 por cento, segundo os cálculos do Banco de Portugal.
Apresenta-se, assim, uma tendência idêntica a que se vem verificando nos países da Europa Ocidental desde 1960, tendo nós tido a vantagem de só este ano termos começado a senti-la.
No produto interno bruto regista-se um aumento de 7 por cento, para o que contribuíram principalmente os acréscimos conseguidos na indústria e serviços e, em menor escala, o aumento verificado nas actividades primárias.
Espera-se que o produto obtido na «agricultura, silvicultura, pecuária e pesca», que figura com o valor de 25 por cento do produto interno bruto, registe um aumento superior ao de 1061, em virtude de se terem verificado condições climáticas menos adversas para a produção agrícola e até bastante favoráveis no que respeita a anotar do vinho.
A legítima preocupação de manter o equilíbrio financeiro a que estamos habituados desde que o Sr. Presidente do Conselho sobraçou a pasta das Finanças leva a introduzir na Lei de Meios disposições que permitam ao Governo realizar esse equilíbrio.
Atravessamos um período cheio de dificuldades, a maior das quais reside na guerra que nos impuseram em Angola, o que, embora praticamente terminada, nos obriga a permanente estado de alerta. O mesmo pode dizer-se em relação a outras províncias ultramarinas.
E, portanto, indispensável que se habilite o Ministro das Finanças a tomar as medidas que as circunstâncias futuras reclamem.
Deseja o Ministério das Finanças publicar no decorrer do próximo ano os Códigos da Contribuição Predial e do Imposto da Exploração Agrícola e da Contribuição Industrial, o diploma que cria um novo imposto sobre as mais-valias e a reforma do imposto complementar, assim como as medidas de adaptação dos regimes tributários especiais.
Estes diplomas, que são da mais alta importância, vera completar as medidas já tomadas com a publicação do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, do Código do Imposto Profissional e do Código do Imposto de Capitais, constituindo no seu conjunto a política fiscal que o Ministério das Finanças deseja levar a efeito depois de aturado e, minucioso estudo.
Por essa forma poder-se-á fazer uma melhor distribuição dos impostos, tornando mais justa, mais cómoda e mais equilibrada a sua aplicação.
Como e natural, tem de se dar prioridade aos encargos impostos pela defesa nacional, mas não se deixa de atender à necessidade de prosseguir com as realizações previstas no II Plano de Fomento e ainda a outras obras a realizar com verbas inscritas em despesas extraordinárias, estabelecendo-se para elas uma ordem de preferência, na qual figura, em primeiro lugar, o fomento económico, seguindo-se-lhe a saúde pública e assistência, a educação e cultura e, por último, outras despesas, entre as quais as aquisições de material para a segurança pública, os melhoramentos e construções que interessam o turismo e investimentos de carácter social, que incluem as dotações para as Casas do Povo.
No que respeita ao fomento económico, considerou-se também o povoamento florestal e, defesa contra a erosão, em modalidades não previstas no Plano de Fomento.
Tem extraordinária importância esta medida, porque permitirá dar maior impulso ao revestimento florestal

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do País e à protecção do solo contra os fenómenos erosivos, projectando, assim, os mais benéficos efeitos na economia nacional.
Merecem igualmente o mais caloroso aplauso as medidas previstas quanto à formação do pessoal docente universitário, a intensificação da concessão de bolsas de estudo, ao reapetrechamento das Universidades e escolas e a construção de edifícios para as Universidades.
Não resta dúvida de que é premente atender-se à falta de pessoal docente universitário.
O ensino, para ser ministrado eficientemente, reclama a existência numérica de professores compatível com a frequência das escolas, e a actual situação dos corpos docentes é verdadeiramente insustentável, porque, por maior que seja o esforço de cada professor, não consegue atender o exaustivo trabalho que lhe é solicitado.
As escolas precisam, pois, de preparar convenientemente os seus futuros diplomados e cada vez o País necessita deles em maior número.
Por forma geral, é enorme a falta de técnicos para a metrópole e ultramar. Nos campos da agronomia e silvicultura, por exemplo, não há técnicos para preencherem as necessidades dos serviços oficiais, e as dificuldades ainda se agravam com a circunstância de as empresas particulares concederem regalias muito superiores às que o Estado confere aos seus funcionários.

O Sr. Martins da Cruz: - Quanto a formação de engenheiros silvicultores, desejo dizer a V. Exa. e a Assembleia que, segundo informação que possuo, a frequência dos respectivos cursos vem decrescendo nos últimos anos e que a manter-se o ritmo deste decrescimento correremos o risco de, dentro de poucos anos, aquele curso se reduzir a condições de não significado, o que acarretará ao País uma perda de milhares de contos.

O Sr. André Navarro: - Isso está absolutamente certo.

O Orador: - Agradeço muito a V. Exa. a sua informação, a qual reforça a minha tese.
Creio que é assunto que bem merece a atenção do Governo.
Neste sentido, muito me alegrara as medidas que estão previstas para breve - e elas têm a minha total e entusiástica aprovação -, respeitantes ao funcionalismo, no que se refere a assistência médica e cirúrgica, materno -infantil, de enfermagem e medicamentosa, visto que são da maior justiça e muito podem contribuir - tudo depende da maneira como forem estabelecidas - para modificar em grande parte o aspecto que referi.
Não posso esquecer a enorme projecção que vai também ter o esforço desenvolvido no campo da construção de habitações destinadas aos funcionários do Estado e dos corpos administrativos, quer por arrendamento, quer sob a forma de propriedade resolúvel, para a que, ùltimamente muito contribuiu a eficiente e decidida actuação da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência, que marcou, assim, mais uma das suas notáveis intervenções no campo económico-social do País.
Com idêntico objectivo já vinham prestando valioso auxílio os Cofres de Previdência dos Ministérios das Finanças e da Educação Nacional.
Sr. Presidente: é certo que não pode fazer-se tudo ao mesmo tempo e que tem de se estabelecer uma ordem de prioridade se quisermos trabalhar num método o segurança para chegarmos a bom termo.
De resto, só temos que render as maiores homenagens e o mais grato reconhecimento ao Governo pela forma como tem conseguido satisfazer as enormes despesas reclamadas pela defesa nacional - que bem podiam ser evitadas, se não fossem as criminosas intervenções de carácter internacional, apoiadas por alguns traidores portugueses -, sem quebra do desenvolvimento económico do País, anteriormente planeado.
Atrevo-me, todavia a solicitar a boa atenção do Governo para a necessidade que há de dar substancial apoio à investigação científica.
As medidas que vão ser tomadas, com inteira justiça e oportunidade, quanto às Universidades necessitam de ser. quase simultaneamente, completadas com as que hão-de respeitar aos outros organismos de investigação científica.
É indiscutível que em primeiro lugar se tem de dar uma boa formação ao aluno universitário, mas essa formação não pode deixar de ser, na maioria dos casos, de carácter geral.
Os conhecimentos profundos de uma especialização a que ele queira dedicar-se - e não deve perder-se de vista que a tendência científica mundial é para as especializações de âmbito cada vez mais restrito -, esses, só poderão adquirir-se com trabalho e estudo aturado em organismos de investigação especializada que disponham de vasta o bem actualizada bibliografia da especialidade.
Ora, se os alunos, ao saírem das Universidades, não encontrarem nos centros de investigação correspondentes às suas vocações e desejos a actualização necessária quilhes permita alcançar o aprofundamento científico e técnico necessário a determinado sector, para que possa contribuir proficientemente para a solução dos numerosos e variados problemas nacionais, o País não poderá tirar perfeito proveito do esforço que fez em preparar esses universitários, porque a eficiência dá sua noção sem muito reduzida.
Nós temos, Sr. Presidente, muitos problemas a resolver e estou a pensar, principalmente, no campo da agricultura. Eu sei que haverá quem me diga: na realidade temos imensos problemas e para eles precisamos de soluções práticas.
Concordo, mas na medida em que se não esqueça a frase de Claude Bernard:

Só pela investigação científica podem resolver-se. problemas práticos de ciência experimental.

Alguém escreveu algures, recentemente:

Verifica-se que é precisamente onde se observa o maior progresso económico que a investigação científica atinge nível mais elevado, intervindo, simultaneamente, como causa e efeito daquele progresso, mas mais como causa do que efeito, porque é através dela que se forma o escol de especialistas com que se guarnecem os órgãos, aos quais estão cometidas as grandes tarefas de acumular continuamente informações científicas, de aplicá-las à busca das soluções para os problemas de superação e de apoiar e, dar impulso às forças produtivas, que, são a base essencial de todo o progresso económico.
Os organismos de investigação, e continuo a pensar nos que se encontram no serviço da agricultura, porque naturalmente são os que melhor conheço, mas isso não quer dizer que não haja outros em idênticas circunstâncias, necessitam de actualizar os seus quadros e o meu material.
A Câmara Corporativa propõe no seu douto parecer a seguinte nova redacção para o artigo 19.º:

O Governo promoverá a elaboração de um programa nacional de educação e formação no qual se deverá atender às necessidades da Nação nos aspectos científico, técnico e profissional.

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Satisfaz-me essa proposta; simplesmente julgo que o Governo quis começar por dar um primeiro passo em relação à investigação científica e inicia-o pelas Universidades, o que considero absolutamente certo.
Não teve em vista a reforma completa do Ministério da Educação Nacional, porque, provavelmente, isso iria ainda levar muito tempo e o problema é premente.
A Câmara Corporativa pede para se acrescentar a educação a formação nos aspectos científico, técnico e profissional.
Ora eu julgo que no pensamento da Câmara Corporativa está abrangida a investigação que se realiza fora do âmbito das Universidades.
Assim, a elaboração do referido plano vai requerer ainda mais tempo do que se ficasse circunscrito ao Ministério da Educação Nacional e, por isso, ouso solicitar ao Governo que, embora procedendo ao estudo solicitado pela Câmara Corporativa, sem dúvida de grande utilidade, tome desde já as medidas referidas na proposta da Lei de Meios para as Universidades e resolva, logo que lhe for possível, o problema instante dos organismos de investigação científica, concedendo-lhes os quadros e a actualização de material que o II Plano de Fomento lhes não pode dar por estar fora das suas atribuições.
Sr. Presidente: tem-se publicado ùltimamente uma série de diplomas de carácter económico-social que visam o sector da agricultura, tudo no sentido de melhorar as suas condições de vida.
Ninguém ignora a situação aflitiva em que se debate essa actividade, que é, sem dúvida, um dos principais pilares da nossa economia.
Julgo que é urgente resolver o problema. As medidas previstas nesses diplomas suo de carácter mediato e só podem produzir efeito passados alguns anos; afigura-se-me assim que, entretanto, outras disposições se deveriam tomar para. se evitar uma situação que pode trazer ao Governo as maiores preocupações e ao País forte perturbação.
Sei que o problema não é de fácil solução e só ura estudo consciente e desapaixonado pode fornecer elementos para apreciação; portanto, longe de mim a ideia de estar aqui a levantar sequer meras hipóteses de solução.
Não quero, no entanto, deixar de referir um facto que é do domínio público e pode ser facilmente verificado.
Todos os produtos que o agricultor tem de comprar sofreram, em maior ou menor escala, aumentos sucessivos de preços ou diminuição de facilidades de pagamento. Todos os produtos que o agricultor vende têm, de uma maneira geral, mantido os preços e, alguns, até diminuíram !

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há aqui qualquer coisa que se mo afigura precisa de ser corrigida e para que me permito pedir a atenção de quem de direito.
Bem sei que nos últimos dois anos foi concedido um subsídio de $30 a cada quilograma de trigo entregue à Federação Nacional dos Produtores de Trigo. Convinha, no entanto, ver se ele foi suficiente, e, mesmo que o tenha sido, não me parece que possa considerar-se sistema normal de solução.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quanto às medidas tomadas com vista a um futuro mais ou menos próximo, elas constituem um conjunto, obedecem a uma finalidade económico-social, são da maior oportunidade política e podem, sem dúvida, dar resultados apreciáveis, se for controlada a sua aplicação por forma que nunca falte a prudência, o bom senso e o conhecimento das realidades que sempre se devem ter presentes nas relações entre os homens.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - Â última dessas medidas foi detalhada há dias pelo Sr. Ministro das Obras Públicas e diz respeito ao Plano de rega do Alentejo.
Esse gigantesco estudo, ao qual o Sr. Ministro das Obras Públicas dedicou especial atenção, emprestando-lhe o melhor da sua inteligência e dinamismo, bem merece a admiração e o reconhecimento de todos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quero, assim, manifestar ao ilustre titular daquela posta os meus agradecimentos por mais uma grandiosa obra que o País fica devendo a proficiente acção do notável estadista que é o Sr. Eng.º Arantes e Oliveira.
Sr. Presidente: vou terminar; não o farei, porém, sem dirigir ao Sr. Ministro das Finanças, digno continuador da magistral orientação traçada há mais de 30 anos pelo Sr. Presidente do Conselho, as minhas homenagens pela excepcional obra financeira que vem desenvolvendo no País, a expressão do meu maior apreço e a minha mais elevada admiração pela clarividência, método e profundidade com que elabora sempre os seus admiráveis trabalhos.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: não há na Mesa mais nenhum orador inscrito para a discussão na generalidade, nem há qualquer questão prévia que vise a retirada da proposta da discussão, ou a sua substituição, pelo que a considero aprovada na generalidade.
Amanhã haverá sessão às 11 horas, com esta ordem do dia: discussão na especialidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1963; mas, antes de entrarmos propriamente naquela discussão, teremos de proceder a eleição de um vogal para a Comissão de Legislação e Redacção, para a vaga deixada pela saída de um nosso ilustre colega para o Governo, Comissão que irá trabalhar imediatamente após a votação da Lei de Meios.
Portanto, primeira parte da ordem do dia: eleição de um vogal para a Comissão de Legislação e Redacção; segunda parte: discussão na especialidade da proposta de
lei de autorização das receitas o despesas para o próximo ano.
Está encerrada n sessão.

Eram 19 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Alexandre Marques Lobato.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Burity da Silva.

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António Calheiros Lopes.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
D. Custódia Lopes.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Paulo Cancella de Abreu.
Sebastião Garcia Ramires.

Os Srs. Deputados que faltaram à sessão

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Pacheco Jorge.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Maria Santos da Cunha.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomas Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
James Pinto Buli.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Manuel da Costa.
José Pinto Carneiro.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Lopes de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

Proposta enviada para a Mesa no decorrer da sessão:

Proposta de aditamento

Proponho que ao texto da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1963, apresentada pelo Governo, seja aditado um parágrafo no artigo 6.º:

Art. 6.º ....................

§ 4.º Os adicionamentos previstos nas alíneas b) e c) deste artigo aplicar-se-ão só quando os prédios urbanos ocupados pelos seus proprietários excedam as necessidades normais do respectivo agregado familiar ou a colecta tenha sido estabelecida em função da natureza luxuosa da habitação.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 14 de Dezembro de 1962. - O Deputado, Quirino dos Santos Mealha.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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