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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65

ANO DE 1963 8 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 65, EM 7 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs.

Fernando Cld Oliveira Proença

Luís Folhadela de Oliveira

Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 50, que insere o relatório das contas de gerência, e exercício das províncias ultramarinas de 1961, e outro ao n.º 64, que insere o texto aprovado pela Comissão de Legislação e Redacção referente ao decreto da Assembleia Nacional sobre a autorização das receitas e despesas para 1963.

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 19 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 60 a 64 do Diário das Sessões.

Foram recebidos na Mesa, para efeitos do disposto no artigo 109.º da Constituição, os n.ºs 290, 291 e 292,o 2.º suplemente deste, do Diário do Governo, 1.ª série, que inserem, respectivamente, os Decretos-Leis n.ºs 44 798, 44 803, 44 807 e 44 800.

Foi concedida autorização para o Sr. Deputado Alfredo Brito depor como testemunha na 2ª vara cível da comarca do Porto.

O Sr. Presidente anunciou calar na Mesa, acompanhada do respectivo parecer da Câmara Corporativa, uma proposta de lei sobre saúde mental, a qual baixou à Comissão de Trabalho, Providência e Assistência Social.

Foram lidas na Mesa duas notas de perguntas formuladas nos termos do n.º 1.º do artigo 96.º da Constituição pelo Sr. Deputado Amaral Neto.

O Sr. Presidente referiu-se à morte do Doutor Caciro da Mata , sublinhando a projecção nacional e internacional do seu nome, e de um irmão do Sr. Deputado Albino dos Reis; pôs em destaque as qualidades do antigo Deputado coronel Rai Pereira da Cunha, cujo falecimento também ocorreu recentemente, e exprimiu ainda, em nome da Assembleia, o profundo sentimento pela morte da mãe do Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Deputado José Alberto de Carvalho fez considerações sobre o Decreto-Lei n.º 35 892, pedindo que o mesmo fosse tornado exclusivo aos bombeiros municipais.

O Sr. Deputado Moreira Longo tratou de vários problemas do ultramar- português.

O Sr. Deputado Carlos Alves produziu algumas criticas acerca da moção afro-asiática aprovada na Assembleia geral da O. N. U.

O Sr. Presidente disse ter acabado de receber a resposta a uma das notas de perguntas lidar no começo da sessão pelo Sr. Deputado Amaral Neto, tendo a mesma sido lida na Mesa.

Ordem do dia. - Usou da palavra o Sr. Deputado Nunes Barata para efectivar o seu aviso prévio relativo à bacia hidrográfica do Mondego.

O Sr. Deputado Santos Bessa requereu a generalização do debate daquele aviso prévio, que foi concedida, e pediu que lhe fosse reservada a palavra para a sessão seguinte.

Durante a sessão o Sr. Deputado Jorge Correia enviou para a Mesa um requerimento solicitando o envio de diversas publicações oficiais.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.

CÂMARA CORPORATIVA.- Parecer n.º 8/VII, acerca do projecto de proposta de lei n.º 522/VII (saúde mental).

O Sr. Presidente: - vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Faz-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.

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Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Martins da Cruz. António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio. Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimental.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado. Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Buli.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Bocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva. José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.

O. Sr. Presidente: -Estão presentes 71 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: -Estão em reclamação os n.ºs 60, 61, 62, 63 e 64 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr Presidente: - Se nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, considero-os aprovados.

Pausa.

O Sr. Presidente:-Estão aprovados.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.ºs 290, 291 e 292 do Diário ao Governo, 1.ª série, de 19, 20 e 2.1 do mês findo, que inserem-os seguintes Decretos-Leis: n.º 44 798, que autoriza as repartições da Direcção-Geral da Contabilidade Pública junto de vários Ministérios e a Administração-Geral do Porto de Lisboa a mandarem satisfazer diversas quantias em conta da verba de despesas de anos económicos findos inscrita nos orçamentos 3o actual ano económico e considera legitimados os abonos de vencimentos a dois professores de línguas da Academia Militar efectuados nos anos de 1960 e 1961; n.º 44803, que modifica o esquema para elaboração dos orçamentos das receitas e das despesas da Administracão-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones- e revoga o Decreto-Lei n.º 31044; e n.º 44807, que autoriza a Administração-Geral do Porto de Lisboa a contrair empréstimos amortizáveis até ao montante de 75 000 contos para a execução do programa de realizações do porto de Lisboa, integrado no II Plano de Fomento, e permite a referida Administração-Geral contratar, no ano de 1962, com a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência-um empréstimo de 21 000 contos.

Ainda para o mesmo efeito está na Mesa o 2.º suplemento ao n.º 292 do Diário do Governo, 1.ª série, de 21 de Dezembro último, que insere o Decreto-Lei n.º 44 809. que aprova para ratificação o Acordo internacional do trigo, 1962.

Está na Mesa um ofício da 2.ª vara cível da comarca do Porto ' a pedir autorização à Câmara para que o Sr. Deputado Alfredo Brito possa comparecer naquele tribunal no dia 11 do corrente mês, pelas 34 horas, a fim de depor como testemunha num julgamento. O Sr. Deputado Alfredo Brito informa que não vê qualquer inconveniente para a sua acção parlamentar em que a autorização lhe seja concedida, pelo que consulto a Câmara sobre se autoriza que o Sr. Deputado compareça no referido tribunal.

Consultada a Assembleia, foi concedida autorização.

O Sr. Presidente: - Para ser submetida à apreciação ria Assembleia Nacional, está na Mesa uma proposta de lei sobre saúde mental, acompanhada já do parecer da Câmara Corporativa.

Vai baixar à Comissão de Trabalho, Previdência e Assistência Social, para entrar em discussão na devida oportunidade.

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Vou mandar ler duas notas de perguntas que, ao abrigo do n.º 1.º do artigo 96.º da Constituição, foram formuladas pelo Sr. Deputado Amaral Neto em 11 e 14 de Dezembro de 1962 e sobre as quais ainda não foi recebida resposta do Governo. Nos termos do Regimento, estas notas de perguntas deverão ser lidas na sessão imediata ao 10.º dia posterior a sua apresentação com a resposta, se ela tiver sido dada, ou sem ela, se o não houver sido. Vão ser lidas as duas perguntas.

Foram lidas. São as seguintes:

Notas de perguntas

Ao abrigo do n.º 1.º do artigo 96.º da Constituição, pergunto ao Governo, pelos Ministérios da Economia, das Finanças e do Ultramar:

1) Foram feitos estudos sobre n viabilidade económica da cultura do tabaco no território metropolitano português? As conclusões destes estudos desaconselham ou não tal cultura, ao menos como tentativa?

2) Quais são as razões determinantes da actual proibição da cultura do tabaco em Portugal metropolitano?

3) A evolução quantitativa e qualitativa das produções de tabaco no ultramar português e das respectivas exportações para a metrópole permite prever o total abastecimento desta? Para quando?

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 11 de Dezembro de 1962. - O Deputado, Carlos Monteiro ao Amaral Netto.

Ao abrigo do n.º 1.º do artigo 96.º da Constituição, pergunto ao Governo, pelo Ministério da Economia, se na publicação do Decreto-Lei n.º 44 764, de 4 do corrente mês, foi considerado que, pelo n.º l do seu artigo 1.º e pelo seu artigo 2.º, se concedem efectivamente prémios às fábricas que, desrespeitando os condicionamentos legais e as normas corporativas, se anteciparam comprando logo no início da corrente campanba mais arroz do que lhes era então lícito.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 14 de Dezembro de 1962. - O Deputado, Carlos Monteiro do Amaral Netto.

O Sr. Presidente: -Srs. Deputados: morreu o Doutor Caeiro da Mata. O seu nome é de tal projecção nacional e mesmo internacional que sobreviverá tanto no tempo como na eternidade. Prestou tantos serviços no País que posso afirmar que interpreto o sentimento da Nação e desta Assembleia, como traduzo o meu próprio, deixando exarada no Diário a expressão do pesar de todos.

Vozes:-Muito bem, muito bem

O Sr. Presidente: - Ao seu filho, engenheiro Basílio Freire Caeiro da Mata, quero daqui afirmar que todos sofremos da dor que o magoa.

Morreu um irmão do Sr. Deputado Albino dos Reis. A Câmara, cujos sentimentos interpreto, deseja que na acta fique exarado um voto de profundo penar pela dor que feriu o coração do nosso respeitado colega nesta Assembleia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Morreu também um antigo Deputado, com o qual bastantes dos que estão hoje aqui contactaram, o coronel Rui Pereira da Cunha. Alguns se lembrarão das suas grandes qualidades, da seriedade com que se dedicava aos assuntos de importância discutidos nesta Câmara. Alguns se lembrarão, e eu mesmo trabalhei muito insistentemente com ele. Por isso, sugiro que na acta fique exarado um voto de pesar pelo seu passamento.

Morreu ainda a mãe do Sr. Deputado Carlos Coelho. Exprimo em nome de todos profundo sentimento pelo triste acontecimento.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Alberto de Carvalho.

O Sr. José Alberto de Carvalho:.- Sr. Presidente: o Decreto-Lei n.º 35 892 determina no seu artigo 1.º que o pessoal dos sapadores bombeiros terá direito a que o número de anos de serviço prestado nos mesmos batalhões lhe seja aumentado, para efeito de aposentação, de percentagens que vão de 15 a 80 por cento, conforme o lugar hierárquico que ocupa.

• Com estas disposições procurou o Ministério do Interior, e muito justamente, concretizar o reconhecimento pelo esforço extranormal do serviço a que a profissão de bombeiro obriga, esforço que forçosamente consome e desgasta a vida de uma maneira diferente do normal das profissões.

Mais tarde, dado que existe paralelismo no serviço que desempenham, foi esta disposição tornada extensiva ao pessoal da Polícia, da Guarda Republicana e da Guarda Fiscal.

Sendo assim, e porque a profissão de bombeiro é igual para todos os que a exercem, ocorre perguntar por que razão ficou limitada aos sapadores, corporações existentes apenas nas cidades de Lisboa e Porto, a concessão desta .regalia, enquanto os bombeiros municipais de Braga, Coimbra, Leiria, Setúbal e Vila Nova de Gaia continuam a ter direito a aposentação apenas aos 70 anos de idade.

No entanto, eles também são profissionais e vivem apenas da profissão que escolheram, com um horário de serviço violento e exaustivo, desempenhado em condições bem mais difíceis do que aquelas em que se desenvolve a vida do sapador. Sem querer de maneira alguma diminuir o valor do serviço que prestam os sapadores, pois que todos me merecem a maior e melhor das admirações, não posso deixar de fazer notar, em rápido cotejo, que os bombeiros municipais são precisamente, na classe de profissionais, os que trabalham em condições mais deficientes, quer em relação ao material, quer ainda em relação aos percursos.

Quantas vezes vemos esses funcionários galgando íngremes encostas ou calcorriando escabrosos caminhos, material ás costas, porque os carros ficaram para trás na sua impotência mecânica perante o acidentado do terreno. E se o incêndio ó de grandes proporções e a sua extinção vai para além do normal, esses mesmos bombeiros esgotam-se em tarefa sobre-humana, sem limite de horas, pois bem sabem que os quadros não permitem rendição de turnos e que tudo é preciso fazer para bem cumprir e salvar o máximo de vidas e haveres. É então que, ao regressar a suas casas, contentes pelo dever cumprido, quantas vezes averbando mais uma vida ao seu curriculum, sentem a amargura pela incerteza do dia de amanhã, quando as forças já faltam e é longa ainda a caminhada a percorrer para atingir a longínqua meta dos 70 anos. E então, gastas as forças, lá se vão arrastando pelos anos, vivendo para um esforço a que o corpo se nega, mas a que a necessidade obriga, lado a lado com esse material que deveria ser uma

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orgulhosa recordação de horas, belas de luta, e que mais não é já do que amarga visão de horas dolorosas que ainda é preciso viver.

Para além dos 60 anos um bombeiro não pode, e não deve, permanecer no serviço activo, pois essa permanência representará gravo inconveniente para a saúde do interessado e pesado fardo de acção neutra para os quadros.

Ao pedir a S. Ex.ª o Ministro do Interior que se digne tomar em atenção esta minha intervenção, tornando extensivas aos bombeiros municipais as regalias concedidas pelo Decreto n.º 35 892, não quero deixar de sugerir que seja revista a tabela de vencimentos que vigora, no sentido de uma eficaz equidade e actualização.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: outro assunto de que me quero ocupar hoje aqui é o da angustiosa situação em que se encontram os regentes escolares.

Muito embora tenha sido objecto de vasta campanha na imprensa e até de diversas intervenções nesta Assembleia, o caso ainda não teve a satisfatória solução que era de desejar.

O ilustre Deputado Dr. Nunes de Oliveira, na sessão de 2 de Março passado, expôs, com elevada objectividade, este assunto e para ele propôs duas hipóteses de solução: o alargamento para além dos 35 anos das regalias concedidas pelo Decreto n.º 43 369 e a permissão de esses servidores do Estado poderem inscrever-se na Caixa Geral de Aposentações, embora com a obrigação de liquidarem as suas quotas desde a data da posse. Muito embora tenha sido atendido pelo Ministério da Educação na parte relativa às disposições do citado decreto, não foi dada, até agora, qualquer solução no que respeita à segunda hipótese, sendo, no entanto, esta a que melhor resolveria a questão no sentido da generalidade.

Posto o assunto neste ponto, parece-me que persiste a razão que o tem trazido a esta Assembleia, tanto mais que muitos regentes escolares, levados por uma quase certeza de continuidade profissional, certeza que lhes d a dava a Lei n.º 1979, lei essa que felizmente ficou sem aplicação, estruturaram toda a sim vida familiar e económica na função que abraçaram, criando em mais de 20 anos de serviço um teor de actividade profissional que orientou toda essa vida e que dificilmente poderá permitir-lhes um recomeço de vida orientada noutro sentido.

E, assim, sem possibilidade de poderem vir a usufruir das regalias que o Decreto n.º 43 369 lhes permite, porque a idade e as preocupações que os problemas de subsistência e saúda oneram lhes não consentem o regresso a uma vida de estudo que teriam de viver durante pelo menos três anos, muitos desses servidores suportam, irmanados com n desespero e a revolta, uma situação que lhos foi criada portas adentro do seu lar em luta aberta com a miséria e o sofrimento. E perante este quadro, de que eu e muitos de VV. Ex.º temos conhecimento directo, que não me é possível deixar de novamente trazer a consideração do Governo esta pertinente questão, ainda mais porque se vai tornando absolutamente longínqua a ténue esperança que aos regentes escolares ainda ficava de virem a ser chamados ao exercício da sua função, pois que felizmente o número de professores diplomados já vai chegando para o preenchimento dos quadros.

Por isso torna-se necessário encontrar-lhes uma ocupação fora tios quadros docentes, e não me parece que fosse muito difícil consegui-lo, desde que lhes seja concedida prioridade na admissão para as vagas de escriturários das diversas repartições, de contínuos das escolas técnicas e liceus, ou para o preenchimento das vagas existentes nos lugares compatíveis com as suas habilitações nos organismos corporativos, dispensando-se, para esse efeito, o limite de idade.

De forma alguma pretendo trazer para aqui, em fundamento da minha intervenção, a descrição pormenorizada das razões que por de mais assistem aos regentes escolares, pois que elas são de sobejo conhecidas. Quero sim, como a mais elementar medida de justiça, apelar para o Governo no sentido de que estude com atenção o aspecto da vida • destes' seus humildes servidores, que muito deram de esforçado trabalho e compreensão na função em que os investiram, muitos mesmo indo para além da única função para que os poderiam ter investido, a qual não poderia ser outra quê não fosse apenas ensinar a ler, escrever e contar. E se assim exerceram, na certeza de tudo terem feito conforme lho permitiam as suas possibilidades, merecem o amparo que por tal lhes é devido, pois culpa não tem quem para ela não contribuiu.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: ao apelar para o Governo a fim de que dê solução a este preocupante aspecto da vida de alguns dos seus funcionários fico certo de que para ele será encontrada solução, a única solução, que terá de ser justa, como compete a quem governa, mas que será também, e compreensivamente, uma solução humana.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Moreira Longo: -Sr. Presidente: ao iniciar estas breves considerações neste segundo período legislativo desejo saudar V. Ex.ª em nome de Moçambique, não apenas por imposição de protocolo, mas pelo muito respeito e pela alta consideração que todos nutrimos pela ilustre pessoa de V.Ex.ª

A VV. Ex.ma, Srs. Deputados, quero saudar, também em nome daquela distante província, que em todos VV. Ex.ma depôs sempre a maior confiança na defesa dos seus interesses, que são os interesses de toda a comunidade nacional.

Sr. Presidente: ao fazer-se uma ligeira análise do panorama actual do nosso ultramar breve se nos depara um ponto que nos causa a maior apreensão e traz ao nosso espírito uma pronunciada interrogação: até que ponto pode a Nação suportar as vultosas despesas inerentes à defesa militar das nossas parcelas ultramarinas?

O País despende diariamente pesados cifras, que traduzem largos milhares de contos, com a manutenção das forças militares em África, com tendência para aumentar, pois, como é do conhecimento gorai, o inimigo vem do estrangeiro, residindo fora dos nossos territórios, e esses focos infecciosos continuam a ser acalentados por nações menos escrupulosas e interessadas directamente nos ataques que nos suo desferidos, cuja finalidade a ninguém já causa estranheza.

Esta guerra, que nos tem sido imposta por fantoches comandados por Moscovo e consentida por Washington, e tomou grande vulto por uma inconcebível passividade do bloco ocidental, que, por estranha comodidade, deixa aos outros isoladamente a resolução de um problema que lhe pertence em conjunto e cujo objectivo é o domínio do Mundo inteiro, tem actualmente como uma das suas principais finalidades não apenas os ataques terroristas, que prontamente são debelados pelos nossos heróicos militares, mas o desgaste económico da Nação, que, com o decorrer dos tempos, pode assumir proporções assustadoras.

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Embora eu tenha pura mim que o problema africano obtenha uma mais eficaz solução pela via política do que pela via militar, o certo é que não podemos, nem devemos, afrouxar, mas antes multiplicar1 u defesa nus nossos territórios, que civilizámos por direito e defendemos por justiça, sem cuja defesa não haveria a calma necessária para se poder progredir social e economicamente, como é mister, em benefício daqueles milhões de almas que sempre humanamente protegemos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E Deus sabe até quando esse mundo desvairado nos obrigará a tão grande vigília na ocupação de um lugar que compete não apenas ao esforço português, mus no mundo dos mesmos princípios cristãos e de cultura que compreendo todas as nações que condenam e repelem as teorias do comunismo.

Já a nossa tarefa é tanto mais difícil quanto é certo que é necessário algum tempo para se conseguir melhorar aquela confiança mútua entre pretos e brancos que sempre existiu desde há cinco séculos e que constitui um exemplo ímpar e tanta inveja causou a algumas nações que tudo têm feito para destruir, atacando-nos cobardemente através de inimigos pagos e inventando as mais torpes mentiras que se forjam na O. N. U., nesse organismo que traiu a missão para que fora criado, desprezando métodos de paz para perfilhar a guerra!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estamos assim na presença de um problema que requer aturada meditação e exige uma solução que permita minorar tão pesadas despesas, que a longo tempo podem forçar o desequilíbrio da nossa balança orçamental.

Ocorre, por isso, perguntar se nalguns pontos do ultramar, como, por exemplo, em Moçambique, onde reina a paz e o sossego, não poderão as forças armadas adoptar o mesmo sistema, aliás já posto em prática por alguns sectores da engenharia militar? Tão relevantes têm sido os seus serviços prestados a Nação em obras de vulto, como construção de pontes e estradas definitivas, tão benéficas não só para fins estratégicos como para maior facilidade de transportes, que tanto interessa à economia daquelas regiões, economizando ao Estudo grandes somas que teriam de ser despendidas com empreitadas particulares.

Os contingentes militares em efectivo serviço, sem perda de prestígio da sua função e sem prejuízo da defesa a que heroicamente estão devotados, não poderiam ser aproveitados em serviços que cumulativamente fariam onde fosse aconselhável e economicamente viável, talvez na agricultura ou na indústria?

O Sr. Pinheiro da Silva: - Muito bem!

O Orador: - Assim se conseguiria por um Indo uma melhoria de vencimentos e por outro atenuar as despesas que o País faz com a sua estuda em África, que tem obrigado a um agravamento de taxas e impostos de tão grandes reflexos, sobretudo nas classes baixas, cujos orçamentos não permitem qualquer aumento de despesa nos géneros necessários à sua manutenção.

O Sr. Herculano de Carvalho: -V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Herculano de Carvalho: - Devo dizer a V. Ex.ª que a ideia vem, até certo ponto, de encontro ao que pensam os próprios Ministérios militares sobre o problema. E, assim, para mero exemplo, em Timor, na era de 1960, nós tínhamos praças que na sua profissão civil tinham misteres ligados a certas actividades que se exerciam na província, tais como olarias e outras, e que os ensinaram à populações nativas, ficando estas mais ou menos aptas a exercer aqueles misteres.

Inclusivamente, recordo-me de que em Setembro ou Outubro de 1960 a actividade piscatória naquela província se exercia de um modo rudimentar e tínhamos um grupo de praças metropolitanas da região de Setúbal que lhes ensinaram novos métodos de pescar, mas quero dizer a V. Ex.ª que concordo com aquilo que ouvi dizer e que vum ao encontro do meu pensamento.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª as palavras que proferiu e que vêm de certo modo valorizar este meu modesto trabalho, tanto mais que elas são proferidas por um ilustre oficial do Estado-Maior.

Ponho este problema em síntese nesta mais alta Câmara, por me parecer que sobre ele deverá recair uma especial atenção do nosso Governo e a melhor boa vontade e dinamismo sempre demonstrados por quantos, cá e lá, estão trabalhando pela integridade e defesa do nosso Portugal uno e indivisível.

Outro ponto, não menos importante e que se relaciona também com as forças armadas no ultramar, refere-se aos contingentes que terminam a sua comissão de serviço e passam à disponibilidade, regressando a metrópole, em vez de ali se radicarem na dupla missão a que poderemos chamar de "produção e defesa".

Creio não ser desacertado observar que se deve iniciar desde já, a todo o custo, o povoamento de alguns pontos, sobretudo de Moçambique, absorvendo a maior percentagem de militares que findem a sua comissão de serviço e que estão regressando h metrópole, contristados e desiludidos até, por falta de condições de vida que ali ainda lhes não criámos, de modo a aproveitar rapidamente todos esses valores humanos, distribuindo-os por aquelas áreas enormes, riquíssimas, que um toda a parte, mormente no interior, exigem uma mais deusa ocupação civilizada.

O Sr. Herculano de Carvalho: -V. Ex.ª com o que acaba de dizer sobre as condições que há que criar às praças põe o dedo na ferida. Os Ministérios militares dão o máximo apoio para as praças em serviço nas províncias ultramarinas, depois de terminado o período de prestação de serviço, se fixarem nos territórios onde servem. O problema consiste em criar condições para que se fixem em actividades remuneradoras, que lhes tornem possível viver em boas condições. É realmente uma política que a meu ver é a melhor.

O Orador: - Acho que é necessário empregar estes valores nas nossas províncias, em vez de voltarem para as terras da sua naturalidade, onde não têm condições de vida.

O ar. Herculano de Carvalho:- Vêm sentir uma grande diferença, visto que os vencimentos que lá recebem lhes permitem uma vida em condições bastante mais razoáveis do que aqui na metrópole. Isto cria mesmo uma posição de desequilíbrio social.

O Orador: - É. certo que as juntas de povoamento, em tão boa hora criadas pelo Ministério do Ultramar o já em funcionamento, estão activando os seus trabalhos, envidando os seus melhores esforços para que tal problema

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se resolva tão breve quanto possível, e não é menos certo que a sua obra, tão cheia de dificuldades, não é tarefa tão simples como poderá parecer-nos, pois interfere com sectores variadíssimos, nem sempre de fácil maleabilidade.

Tais dificuldades são, na verdade, de considerar, mas os tempos presentes exigem-nos tal celeridade que os meses se contam por unos na resolução destes problemas que nos afligem, obrigando-nos a caminhar com a maior rapidez, pois estamos a desperdiçar capital humano tão útil na valorização daquelas terras que continuam a reclamar a sua presença.

É essa gente activa adquiriu já, pelo contacto a que o serviço militar durante dois anos obrigou, certas vantagens em todos os aspectos e tem prioridade sobre a gente que pisa pela primeira vez as terras do ultramar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A força das circunstâncias exige, assim, ás juntas de povoamento um redobrar de esforços, um ritmo de trabalho aceleradíssimo que nos permita uma rápida recuperação do tempo perdido e que foi, na verdade, preciosíssimo, sobretudo no sector referente a povoamento, pois não podemos deixar de reconhecer que se há dez anos atrás tivéssemos pugnado com especial interesse e com mais larga visão pelo povoamento daquelas duas províncias não teríamos criado tão grandes problemas, que hoje exigem a nossa maior atenção, e teríamos por certo uma estrutura económica mais fortalecida.

Mas não devemos desperdiçar tempo na contemplação do passado, lamentando o que deixámos dê fazer ou o que fizemos mal, mas antes, com a experiência adquirida, devemos virar-nos resolutamente para o presente, preparando condições de vida e de trabalho para os contingentes militares que vão passando a disponibilidade e que, como já se disse, regressam à sua terra natal paru procurar emprego, por não lhes ter sido possível fixarem-se naquelas vastas regiões onde permaneceram durante um período de dois anos, colhendo útil experiência da vida de África. Não têm, na verdade, outra alternativa que não seja n de regressarem aos seus lares, desiludidos por não terem conseguido, como desejavam, lançar-se numa nova vida prometedora que os conduzisse a uma, maior prosperidade e colaborassem no desenvolvimento daquelas terras tão carecidas de um mais célere aproveitamento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Eu próprio pretendi fazer alguma coisa em lavor dessa gente moça, activa, que a mini recorreu para lhes conseguir créditos para se dedicarem à agricultura de produtos ricos por meios mecanizados, mas nada consegui, especialmente porque os bancos carecem de garantias sólidas, que ela não possuía.

Parece-me haver aqui cabimento para algumas palavras, embora breves, sobre a falta de créditos, especialmente nos sectores agrícola e industrial, já aqui tão debatida. que muito tem contribuído para o fracasso e sérias dificuldades que grande parte de empresas; tanto colectivas como individuais, tem enfrentado nestes últimos tempos, especialmente no Norte da província, onde tanto há que fazer e a iniciativa privada rica pouco tem feito, sem quaisquer argumentos válidos que justifiquem tão grande desinteresse pelo progresso das terras onde acumularam a sua fortuna e a prosperidade de que hoje desfrutam, e a iniciativa particular pobre pouco consegue fazer por falta de recursos financeiros.

Torna-se imperioso, por tais razões, criar instituições que concedam efectivamente créditos em todos os distritos e não apenas na capital, paru que a gente de trabalho que pretende progredir rasgando novos horizontes a elas pousa recorrer e ser atendida. Com créditos racionalmente concedidos a quem nos dê provas de trabalho honesto e boa administração fácil é aumentar o progresso, multiplicando os valores agrícolas que na sua exportação muito contribuiriam para melhorar a posição das nossas balanças económica e de pagamentos.

Numa visita que há pouco fiz ao Norte de Moçambique, onde contactei com comerciantes, industriais e agricultores, tive oportunidade de verificar que a difícil situação um que os menos abastados se encontravam provinha exclusivamente da falta de créditos, alguns de pequena monta, que lhes permitisse a compra por vezes de um pequeno tractor para a substituição da mão-de-obra, cara e de difícil obtenção, ou para a ajuda da aquisição de um simples camião que facilitasse os transportes dos seus produtos e lhes diminuísse as despesas.

Não quero, porém, por ser de inteira justiça, deixar de prestar aqui as nossas homenagens e o nosso reconhecimento ao Banco Nacional Ultramarino, pelo auxílio financeiro que tem prestado, dentro dos seus limites legais, em toda a província, de norte a sul, concorrendo grandemente, deste modo, para o seu desenvolvimento e dando possibilidades de êxito a grandes e pequenos obreiros que trabalham noa vários sectores da vida económica de Moçambique.

A sua missão de banco emissor não lhe permite, porém, assumir inteiramente a posição de banco de crédito, razão por que se impõe, e mais uma vez se reclama, a criação de instituições dessa natureza pura impulsionar os vários ramos que compreendem a economia moçambicana.

O Sr. Martins da Cruz: -V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: -Faz obséquio!

O Sr. Martins da Cruz: - Mas o que é que o Estado tem que ver com a criação de possíveis instituições de crédito comercial, industrial e agrícola, já que o Banco Nacional Ultramarino parece ter a sua acção muito limitada?

O Orador: - Só tenho que lamentar o facto.

É claro que o Banco Nacional Ultramarino vai até onde pode chegar, visto ser um banco emissor, mas, independentemente disso, tem até concedido créditos indus-trais, comerciais e agrícolas.

Quanto às instituições de crédito, penso que não se instalaram lá- ainda com receio, talvez, do chamado panorama africano.

O Sr. Reis Faria: - Há em Moçambique, que eu saiba, uma instituição de crédito chamada Caixa de Crédito Agrícola, e foi por intermédio dela que se instalou a empresa do Chá Namuli.

O Orador: -Algumas companhias da província conseguiram absorver completamente, e direi também infelizmente, todo o crédito, porque ele não pode chegar para mais de uma ou duas companhias, visto que é uma coisa muito pequena.

O Sr. Martins da Cruz: - A minha pergunta continua em suspenso.

O Sr. Soares da Fonseca: - V. Ex.ª pode fazer o favor de me dizer se o Estado tem dificultado a criação, ou a difusão de outros estabelecimentos de crédito?.

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O Orador. - Não senhor. Mas não proferi sequer a palavra "Estado", podendo, pelo contrário, afirmar que o Estado tem facilitado todo o género de créditos que está ao seu alcance.

Sr. Presidente: o facto de verificarmos, de há muito, a necessidade premente de aumentar a densidade demográfica civilizada de Angola e Moçambique e vermos partir de regresso à sua terra natal tão grandes contingentes de homens válidos, tão necessários no desenvolvimento daqueles espaçou infindos, onde essa gente moça tanto poderia fazer para a valorização daquelas duas grandes províncias, firma um doloroso contraste que cria grande desânimo em quantos ali estão radicados há longos anos! Realmente entristece ver tanta riqueza por explorar, tanto solo ubérrimo inculto e tantos valores humanos desaproveitados, que, devidamente orientados e animados por uma inquebrantável força de vencer, são capazes de construir verdadeiros impérios!

Por isso não me canso de focar o assunto relativo ao povoamento das nossas províncias ultramarinas. E na convicção firme de que quanto mais se diz mais se afirma, quero aqui dizer, sem receio de errar, que não estará longe o dia em que uma sincronização de técnicos e créditos permitirá um povoamento rápido, com inicio já no aproveitamento dessas almas nobres, ávidas de progresso, que sempre sonharam com uma vida promissora naquelas terras tão longe da sua aldeia, mas bem perto do seu coração!

E não se pense que esses homens, a quem o ultramar transmitiu um nível de vida mais elevado do que o que possuíam anteriormente, se vão acomodar na sua terra, num ambiente que já não aceitam facilmente. No seu espírito, bem português, de conhecer novos mundos, essa mocidade não terá descanso enquanto não emigrar, e infelizmente tentará fazê-lo para país estranho enquanto não couber na sua própria terra de além-mar!

E o que se me afigura também de certa gravidade é o efeito psicológico derivante de tal desfecho com que não contavam, que lhes comunica o maior desânimo e corrói até a esperança, que sempre alimentaram, de irem para a África à procura de fortuna, em busca de uma. vida mais esperançosa.

Sr. Presidente: a função cometida às juntas de povoamento compreende uma obra de vastos planos que pela sua grandiosidade se torna bastante morosa, pois terão de fazer variadíssimos estudos que não existem e que por isso lhes absorve muitíssimo tempo, sem o qual não é possível obter um planeamento de tão grandes proporções. E sem dúvida uma obra necessária, estruturada em moldes seguros, mau que só terá os seus frutos num futuro mais ou menos longo, - e o presente impõe-nos realizações rápidas.

Parece-me portanto aconselhável que, independentemente desses altos planos de povoamento para a fixação de largos contingentes, deverá funcionar uma secção especial com capacidade técnica e financeira que permita a colocação imediata dos militares que passam à disponibilidade e que ali desejem radicar-se.

A missão destes homens, claramente definida no título já atrás referido, de "Produção e defesa", teria, além do mais, grandes reflexos políticos revestidos de certo efeito psicológico nas populações autóctones, naquelas almas nobres a que só a maldade de agentes mercenários, usando de estratagemas maquiavélicos para fins premeditados, desviam do seu trabalho honesto, do seu caminho honroso, conduzindo à perversão!

Não devemos descurar este problema por nos parecer simples e por simples ser por enquanto o número de companhias desmobilizadas. Hoje são três ou quatro em An-gola e Moçambique. Amanhã serão mais, e esse número, multiplicado pelo efectivo de cada companhia, em breve atingirá a classe dos milhares, cifra bem apreciável para um território tão imenso e tão carecido de uma maior ocupação civilizadora.

Sr. Presidente: nesta difícil conjuntura que objectivamente nos tem sido criada e nos obriga a um alerta constante, um 'dos mais prementes problemas do ultramar, paralelamente a estruturação económica, é sem dúvida o da demografia, que exige rápida e racional solução.

Confiamos nos altos governantes, que tão abnegadamente conduzem os nossos destinos. Em S. Ex.ª o Ministro do Ultramar pomos as nossas maiores esperanças na resolução dos problemas que nos afligem para continuarmos a obra grandiosa que os nossos antepassados nos legaram e que devemos transmitir protegida e valorizada aos nossos vindouros, como exemplo digno de uma nacionalidade multirracial que não receia confronto.

Tenho dito.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Carlos Alves: - Sr. Presidente: no dia 18 de Dezembro findo deu-se um acontecimento que me cumpre referir, em especial, como Deputado que sou de Angola, nado e criado em Angola.

Com vista à independência imediata daquela província, foi aprovada na assembleia geral da O. N. U. uma moção afro-asiática cujo conteúdo denuncia a preocupação dominante naquele areópago de resolver o problema político do continente africano por meio de uma miraculosa fórmula única.

Os autores da moção, impermeáveis as considerações de ordem local, entendem que a autodeterminação é o fim u atingir, com urgência, ainda que tenha de ser imposta pela forca, sem curarem de saber se os interessados estão de acordo ou não, o que considero absurdo para nós, vizinhos como somos do Congo ex-Belga, testemunhas da desgraça que assolou aquele país, agora a ferro e fogo, pelo simples facto de uma região querer autodeterminar-se.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Donde se vê que o alvo dos "salvadores da África" não é a felicidade dos povos, mas sim a satisfação de interesses secretos que nem sempre se podem confessar.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - O n.º 3.º da referida moção, como foi publicado nos jornais, confirma o inalienável direito dos povos dos territórios sob administração portuguesa à autodeterminação e à independência e apoia sem qualquer reserva as reivindicações desses povos para a sua imediata acessão à independência.

Sabendo-se, como se sabe, que a facção combativa em Angola é constituída pelos terroristas de Holden Roberto, ficamos cientes, da espécie da autodeterminação e do motivo por que se pretende impor. Dos representantes dos estados novos de África nenhum se lembrou de introduzir n condição mínima de serem ouvidos os autodeterminandos. E quando o Governo Português dá o seu acordo à proposta americana de serem enviados a Angola e Moçambique os observadores directos que deveriam ouvi-los, tiveram o cuidado de anular essa possibilidade, que havia de revelar a verdade e destruir os seus planos secretos.

Vozes: -Muito bem!

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O Orador: -À cegueira dos autores da moção pode juntar-se, pois, a manifestação do seu ódio, explosão incontida de um recalque que mal conseguem reprimir.

Antes de' prosseguir quero pôr em evidência a inanidade de um estribilho muito em voga, imaginado pelos empresários da nova África e assoprado aos ouvidos de miríades de tribos que nela habitam. Quando se diz "a África para os africanos" devia compreender-se para os que lá nasceram, lá cresceram e lá edificaram os seus lares, como, por exemplo, os americanos dos Estados Unidos.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: -Devia compreender-se para os que a povoaram e a organizaram em estados constituídos, como, por exemplo, os dos vários estados das Américas Central e do Sul.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Ligadas por idêntico fenómeno de atraso, a África e a América conservaram-se estáticas no passado, sem grande avanço nas manifestações da sua civilização. Foi preciso que o homem europeu para lá fosse, lá se instalasse e para lá transportasse a civilização cristã para que esses continentes progredissem e ganhassem a feição moderna de estudos organizados.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Se a África para os africanos tiver que assentar no mesmo princípio que a América para os americanos, não vejo o motivo por que os pretos hão-de escorraçar os brancos da África.

Vozes:-Muito bem!

O Orador: -Na expressão popular, porém,. e na luta que se trava em Angola, é exactamente isto que está em evidência.
O Sr. Lopes Roseira: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador:-Faz obséquio.

O Sr. Lopes Roseira:-Não é isso que está em evidência em África ou Angola. Em Angola quem luta são os brancos, mas escondem-se atrás dos pretos, que empurram para a fogueira.

O Orador: -Muito obrigado pela intervenção de V. Ex.ª. Mas queria referir-me aos terroristas em acção activa.

O Sr. Lopes Roseira: - Os terroristas são elementos activos sob o comando encoberto de brancos.

O Orador: - A mística da negritude é tal, no arraial das reivindicações, que um grupo de dirigentes negros norte-americanos, conforme noticiaram os jornais, avistou-se com o Presidente Kennedy e com o delegado à O. N. U., Stevenson, para pedir que sejam adoptadas sanções económicas à África do Sul e proibido o fornecimento de armas a Portugal. Pediram também um "vasto Plano Marshall" de auxílio a África e o emprego de maior número de negros norte-americanos, devidamente preparados para a diplomacia e a condução de política externa.

No conceito destes negros americanos não deviam ser fornecidas armas ao verdadeiro povo angolano, que vive em Angola e defende vidas e bens dos intrusos que os pretendem subverter. No conceito destes negros americanos o povo de Angola, constituído por brancos, pretos e mestiços, devia deixar-se matar para dar entrada aos bandos de criminosos que os seus sequazes açularam, candidatando-se eles para seus dirigentes imediatos.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - E o complexo rácico ressalta dessa proposição oportuna, despida de disfarces, como se a cor da pele bastasse paru moldar a consciência dos povos.

É difícil para os que estão fora do ambiente a compreensão do nosso modo de viver. Embora se tenha dito já em vários tons, no próprio seio da O. N. U., repito: em Angola não há segregação racial, nem há lugares reservados para pretos ou para brancos. Há, sim, a consciência de um povo em formação; de naturais e não naturais, aglutinados pela civilização cristã, a coberto da paz portuguesa.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Na apreciação do comum dos casos pode compreender-se o recalque dos colonizados que não tiveram honras de cidadania, Compreende-se ainda a luta dos excluídos pela conquista de uma posição no Mundo e pela realização dos sagrados princípios da fraternidade humana. O que não se compreende já é que essa luta seja orientada no sentido de dar a todos os casos a solução forçada de um modelo único, que não se ajusta do mesmo modo aos variados povos que tem de servir, alguns dos quais estão sofrendo as consequências desastrosas, vítimas desse mesmo modelo único.

Vi no Congo Português os assassinos de Holden Roberto alcunhados de nacionalistas angolanos. Vi como eliminaram vidas a esmo de homens indefesos e de crianças inocentes. Vi como violentaram as mulheres e as retalharam em seguida, na mais hedionda expressão de animalidade. Vi como saquearam os haveres dos proprietários e incendiaram os edifícios que levaram anos a construir. Vi como escalavraram as estradas e destruíram as pontes. Vi como se fez tudo isto, com ódio impregnado por uma propaganda persistente e estimulado por pregoeiros incansáveis da legitimidade do roubo e do crime.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Aqui, deste lugar, acuso Holden Roberto como criminoso de alto coturno, responsável pela supressão violenta de milhares de vidas, levada a efeito pelos bandos de assassinos que lançou em Angola.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - O seu ódio ao branco, amadurecido no Congo ex-Belga, depressa se transmudou em ódio generalizado ao português de Angola.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na impossibilidade de extremar raças, como aconteceu naquela antiga colónia belga, quando lhe foi dada a independência, mandou matar indiscriminadamente homens e mulheres de todas as cores que confessavam ser portugueses.

Comprometido numa decisão, com outros que como ele desconhecem o nosso modo de viver, esbarrou contra uma situação de firmeza que lhe causou engulhas. Não contava com ela o estranho homem que cresceu no Congo

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ex-Belga, lá viveu e lá se instruiu. Não se apercebeu da diferença de métodos de colonização e da política de assimilação seguida por Portugal. A cegueira que o levou a praticar o erro de julgamento, quanto aos efeitos desta política, é a mesma que o leva o pedir auxílio estranho PIAVU organizar, um exército e invadir Angola, a mesma ainda que prevalece no espírito dos patronos afro-asiáticos, autores da moção aprovada na Assembleia Geral da O. N. U.

Mas, Sr. Presidente, quero proclamar, deste lugar, a diferença do caso português, no conjunto dos sistemas de colonização. Elevo a minha voz para afirmar que a colonização portuguesa, em qualquer parte do Mundo, faz excepção à regra, num ponto de suma importância para a vitalidade dos territórios colonizados. Nas províncias ultramarinas portuguesas não Lá o critério duplo de diferenciação entre o colonizador e o colonizado. Nas províncias ultramarinas portuguesas há sim o aborígene, é um português. O aborígene é um português um potência, pronto a gozar, dos seus direitos de cidadão, logo quedisso tome consciência.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Nilo há colonizadores contra colonizados, não há brancos contra pretos nem europeus contra africanos. Há sim portugueses formados na escola comum da civilização, moldados na universalidade do espírito cristão, à semelhança dos portugueses da metrópole. Desse amálgama multirracial poderá dizer-se que se estão formando povos aglutinados, sim, que poderão chamar-se angolano ou moçambicano, mas de estruturação portuguesa' e de sentimento português.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Esta é a verificação do caso português, onde quer que haja portugueses.

Se esta verdade é para nós sagrada, permita-me, Sr. Presidente, que proclame aqui a excepção do caso português no conjunto dos sistemas de colonização e peça ao Governo para que a apresente, em termos de ser reconhecida, na O. N. U. ou em qualquer parte onde se discutam os colonialismos.

Só assim nos livraremos do malfadado modelo único que nos querem impor pela força. Os meus irmãos de Angola, posso afirmar, não querem a autodeterminação da O. N. U. ...

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... portadora da guerra e de um" forma nova de colonização. Querem, sim, trabalhar em paz, progredir em todos os campos da produção e do saber, para intervirem, eles próprios, e não outros, cada vez mais, nos vários ramos de administração publica. E para atingirem esta finalidade não querem outras instituições que não sejam as portuguesas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: -No sistema evolutivo da administração portuguesa acreditamos, firmemente, há forças um potência capazes de tornarem grandes as províncias ultramarinas, como aquelas que edificaram o Brasil. Nós queremos progredir, sim, mas como portugueses, e não sob o jugo estrangeiro.

Por isso apoiamos todos os esforços que o Governo está fazendo para manter a integridade de Angola e agradecemos a sua determinação do a defender, a todo o custo, dos intrusos que a pretendem subverter:
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: acabo de receber a resposta a uma das notas de perguntas formuladas pelo Sr. Deputado Amaral Neto. Como ainda estamos no período de antes da ordem do dia, vou mandar lê-la.

Foi lida. É a seguinte:

Elementos para resposta ao requerimento apresentado, na sessão de 14 de Dezembro de 1962 da Assembleia Nacional, pelo Sr. Deputado Carlos Monteiro do Amaral Neto sobra o Decreto-Lei n.º 44 764, de 4 de Dezembro findo:

Na publicação do Decreto-Lei n.º 44 764, de 4 do corrente mês, unicamente se considerou que a manutenção do regime rígido de quotas de rateio não era o mais adequado a função que a indústria tem a desempenhar no circuito económico do arroz.

Sobre se ainda foi considerado que pelo n.º l do seu artigo 1.º, e pelo seu artigo 2.º, se concedem efectivamente prémios às fábricas que, desrespeitando os condicionamentos legais e as normas corporativas, se anteciparam, comprando logo no início da corrente campanha mais arroz do que lhes era então lícito, é difícil ao actual Governo, pelo Ministério da Economia, pronunciar-se, em virtude de não conhecer o espírito que presidiu à elaboração do decreto neste aspecto particular.

Poderá, no entanto, este Ministério, notando-se conveniência em tal, averiguar se o referido prémio, efectivamente se verifica.

Lisboa, 27 de Dezembro do 1962. - O Ministro da Economia, Luís Maria Teixeira Pinto.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nunes Barata, que vai efectivar o seu aviso prévio relativo a bacia hidrográfica do Mondego.

O Sr. Nunes Barata: -Sr. Presidente e Srs. Deputados: as minhas primeiras palavras são de homenagem para todos os que, antes de mim, nesta tribuna ou em quaisquer outras circunstâncias de tempo e de lugar, se debruçaram sobre os problemas do rio Mondego.

O seu estudo aturado ou o d evo ta mento a campanhas lúcidas a oportunas justificam que, nesta hora, se retome um tema cuja importância é primordial para a vida e progresso de grande número de portugueses.

Quero ainda incluir nesta evocação a memória do querido colega Egberto Pedro, tão prematuramente apartado do nosso convívio. O seu apoio à ideia deste aviso prévio foi entusiástico e todos esperávamos da sua devoção e saber um contributo bem positivo.

Recordar Egberto Pedro é ainda fazer votos para que Deus' o tenha acolhido na santa morada dos justos.

Sr. Presidente: todos reconhecemos a posição modesta que Portugal ocupa no conjunto das economias da Europa Ocidental.

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Assim, minimizar a importância do esforço que o desenvolvimento económico-social, nos impõe seria atitude menos lúcida.

Dir-se-á que a época da restauração financeira, o período da Lei de Reconstituição Económica, o esforço do I Plano de Fomento e a execução, em curso, do II Plano são testemunhos de como temos estado atentos às exigências do progresso.

Considere-se, no entanto, que o nível médio de vida no continente corresponde a cerca de um. terço do dos países industrializados da Europa e a um sexto do dos Estados Unidos. Atente-se na flagrante desigualdade na repartição dos rendimentos. Observe-se, finalmente, a modéstia de alguns dos índices do nosso crescimento. Tudo1 permite concluir pela magnitude de uma tarefa que ainda se nos impõe, até para evitar que sejamos ultrapassados por países ainda ontem menos evoluídos do que Portugal.

Assinala Jules Milhau (cf. o relatório incluído em Étude sur une politique des economics régionales) que. a pobreza do solo ou a severidade do clima foram elementos a que se conferiu excessiva importância como factores explicativos da história económica de determinada região. De facto, não obstante a pouca fertilidade dos areias de Israel, o grau menos propício do solos da Jutlândia, o mar forte do Zuyderzée e o escarpado das montanhas da Suíça, nada disto impediu que tais países atingissem pela produtividade do seu esforço o mais alto grau de importância. Os verdadeiros obstáculos ao desenvolvimento económico de uma região residem fundamentalmente nos homens e nas suas realizações.

Temos nós um conhecimento completo das riquezas do subsolo português? Fizemos tempestiva e ordenadamente o aproveitamento das potencialidades hidroeléctricas dos nossos rios? Soubemos adaptar os montanhas a uma economia florestal, cujas possibilidades hoje em dia se multiplicam? Estivemos atentos à direcção dos investimentos, optando pelos de maior reprodutividade? Preocupámo-nos com um equilíbrio regional nas forças produtivas e consequente distribuição de riqueza?

A actual situação do País, quanto aos movimentos de população e localização das actividades, pode, por exemplo, sintetizar-se nestes termos:

1.º Acentuado êxodo rural, mormente nas regiões montanhosas do interior, com abandono da agricultura;

2.º Desequilibrada distribuição de pessoas e actividades secundárias e terciárias, com notória concentração em alguns distritos do litoral, os quais dispõem de um esquema de iufra-estruturas mais completo;

3.º Crescimento desmedido das cidades de Lisboa e do Porto e respectivas zonas satélites, regiões que detêm alta percentagem do potencial económico da Nação;

4.º Ausência de centros populacionais ou polarizadores de relevo, para lá de Lisboa e do Porto, que contribuam para um melhor ordenamento espacial e eliminem o contraste flagrante entre estos duos capitais e o resto do País.

Justifiquemos mesmo com mais pormenor estas afirmações.

O êxodo rural alimenta-se a si próprio. Mas não será difícil descobrir, além das determinantes de ordem tradicional, razões de natureza económico-social, como a inexistência de um mínimo de melhoramentos e serviços públicos, as acentuadas crises da agricultura e o deficiente aproveitamento de recursos disponíveis, que justificam o abandono dos nossos campos.

É indiscutível que uma boa parte dos centros rurais não dispõem de um mínimo de condições que proporcionem aos seus habitantes um nível de vida atractivo ou facilitem a criação e circulação de riqueza.

Exemplifique-se com as reconhecidas carências em matéria de viação rural, abastecimento de águas e electrificação.

Toda esta ausência de comodidades se revela igualmente na vida familiar. Os elementos' relativos ao inquérito sobre os condições de habitação promovido em 1950 são, por exemplo, elucidativos. No conjunto dos distritos rurais 94 por cento das famílias não dispunham de casa de banho, 80 por cento de electricidade ou água canalizada, mais de 75 por cento de retrete e mais de 70 por cento de esgoto ou fossa.

A agricultura animava, ainda assim, a nossa vida rural. Ora esta "irmã pobre" viu a sua sorte muito abalada nos últimos tempos.

Para lá das deficiências estruturais ou da adversidade meteorológica estão razões fundadas em políticas de preços.

Os proprietários rurais têm sido vítimas do agravamento na diferença entre os preços dos produtos agrícolas e os solários rurais e dos desequilíbrios na evolução dos preços dos produtos agrícolas e dos preços dos produtos industriais utilizados na agricultura.

Os assalariados na agricultura, por seu turno, ressentem-se com a instabilidade no emprego, a ausência de esquemas de segurança social e um certo desajustamento entre os salários rurais e as modalidades de salários industriais.

Mas passemos à segunda questão.

Já nesta tribuna, e usando números do recenseamento de 1950, salientei o acerto dos que dividem, na analise económica, o País em três regiões:

1.ª A constituída pelos distritos de Aveiro, Braga, Porto, t Lisboa e Setúbal, com 67 por cento da nossa população industrial, variando a percentagem da população industrial na população activa entre 44 e 28 por cento.

Estes distritos tinham, no seu conjunto, uma densidade rodoviária (metros de estrada por quilómetro quadrado de superfície) de 683 e uma densidade ferroviária (metros de via por quilómetro quadrado) de 102;

2.ª A constituída pelos distritos de Castelo Branco, Coimbra, Faro, Leiria, Santarém e Viana do Castelo, com 21 por cento da nossa população industrial, variando a população industrial na população activa entre 23 e 17 por cento.

A densidade rodoviária era de 376 e a densidade ferroviária de 48;

3.ª Finalmente, os distritos de Beja, Bragança, Évora, Portalegre, Guarda, Vila Real e Viseu, com 12 por cento da população industrial, oscilando a percentagem desta população na população activa entre 14 e 9 por cento.

A densidade rodoviária baixava para 254 e a ferroviária para 41.

Estes números sairão confirmados com os resultados do censo de 1960. O confronto entre as densidades médias da população entre 1940 e 1960 permite-nos tirar essa conclusão:

[... Ver tabela na imagem]

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Mas é a desproporção entre o conjunto de Lisboa e do Porto e o resto do País que assume aspectos mais graves.

O nosso ilustre colega engenheiro Araújo Correia nos relatórios sobre os pareceres das contas públicas refere-se ao assunto, tendo inserido mesmo, em anexo ao parecer sobre as contas de 1951, elementos bem ilustrativos sobre a evolução no período de 1890 a 1950.

Ainda aqui os resultados provisórios do censo de 1960 indicam que a situação continua a manter-se.

Eis os números relativos à região de Lisboa (cf. a publicação Resultados Prováveis Ao IX Recenseamento Geral da População):

[... Ver tabela na imagem]

Quanto assim região do Porto, a evolução processou-se assim:

[...Ver tabela na imagem]

Podemos assim concluir que:

1) A população das regiões de Lisboa e do Porto é de cerca de 24 por cento da população do continente;

2) Enquanto a população geral do continente aumentou de 7,6 por cento no decénio de 1950-1960, o acréscimo verificado na região de Lisboa foi de 20,9 por cento e na região do Porto de 14,9 por cento.

Este ligeiro enunciado permite-nos, pois, concluir pela necessidade da valorização da vida local portuguesa através de uma política de melhoramentos rurais, de que soo exemplo as leis votadas nu última legislatura sobre o abastecimento de água os populações rurais (Lei n.º 2103), a viação rural (Lei n.º 2108) e a construção de escolas primárias (Lei n.º 2107), e, sobretudo, do estudo e execução de esquemas de planeamento regional.

A discussão nesta Assembleia Nacional, ainda na última legislatura, da proposta dê lei relativa ao Plano Director do Desenvolvimento Urbanístico da Região de Lisboa (Lei n.º 2099) e o projecto de decreto-lei n.º 520, sobre a criação da Junta do Planeamento Económico Regional, enviado pelo Governo à Câmara Corporativa, testemunham a oportunidade de um esforço do planeamento regional.

Ora é neste espírito de desenvolvimento regional que se integra o problema do aproveitamento das potencialidades económicas do rio Mondego, objecto do presente aviso prévio.

Sr. Presidente: o desenvolvimento regional conta já hoje em países estrangeiros numerosas experiências, muitas das quais acompanhadas de êxito.

Como salientou Maurice Byé (in l" Rapport présenté, au nom du Conscil Ëconomique sur lês moycus d'une politique des économics regionales}, não existe uma política de economias regionais, mas antes várias políticas, as quais utilizam métodos diversos para alcançar fins diferentes.

Refiram-se, como exemplos de "grandes conjuntos", onde se pretendeu efectivar o aproveitamento de extensas regiões com recursos mal explorados, o vale do Tenessi (nos Estados Unidos da América), a Compagnie Nationale du Bus Rhône - Languedoc (em França) e o Sul da Itália (cf., por exemplo, José Luís Sampedro, Princípios práticos de la localisación industrial).

Já na Inglaterra a tarefa consistiu em eliminar a depressão resultante da crise de 1929 e da crise do carvão. Uma política de reconversão traduziu-se aí na criação de indústrias novas, que possibilitaram emprego a milhares de desocupados (cf., por exemplo, J-L Fyot et J-Y Calvez, Politique Economique regionale en Grande-Bretagne).

Não será difícil, contudo, realizar um ordenamento de todos estes objectivos, podendo, em suma, falar-se, como acentuei noutra oportunidade, de:

1.º Propósitos de reconversão justificados pela iminência de desemprego industrial ou por exigências de transformações profundas nos sectores produtivos;

2.º Promoção regional baseada, além do mais, na existência de recursos inaproveitados;

3.º Organização do território contrariando a excessiva concentração e permitindo, um equilíbrio na distribuição de pessoas e actividades que se projecte favoravelmente não só no sector económico, mas ainda nos domínios demográfico, social e até político.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: quando se discutiu na Assembleia Nacional o já citado Plano Director do Desenvolvimento Urbanístico da Região de Lisboa tive ocasião de, além do mais, afirmar:

1.º Que o planeamento de Lisboa só atingirá aquele grau de utilidade indispensável ao equilíbrio do País se definirmos igualmente una plano nacional onde se integrem e coordenem os esquemas de desenvolvimento regional;

2.º Que estudos oportunos permitiram concluir pela aptidão da bacia hidrográfica do Mondego para um esquema de planeamento regional, estando nós em presença de uma

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feliz realização que desde já se oferece ao País, até para evitar os inconvenientes políticos, económicos v sociais da concentração verificada nus últimas décadas nas regiões de Lisboa e do Porto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -É a convicção de tal excelência e a urgência que há em encarar positivamente o problema que me animam a voltar ao assunte no presente aviso prévio.

Nesta segunda parte da minha intervenção, e depois de uma ligeira referência geográfica à bacia do Mondego, partirei de uma análise das condições económico-sociais dos distritos de Coimbra, da Guarda e de Viseu. Desenvolverei seguidamente o que julgo mais essencial relativamente as potencialidades económicas que se apoiam nu Mondego. E depois de falar das estruturas indispensáveis ao êxito do aproveitamento e de outros apoios que reputo complementares para o sucesso do esquema regional, oferecerei a consideração da Câmara algumas conclusões que de momento serão necessariamente provisórias.

Perdoar-me-á, Sr. Presidente, que repita algumas generalidades relacionadas com o Mondego (cf. Alfredo Fernandes Martins, O esforço do Homem na Bacia do Mondego).

' Começámos por ouvir na escola primária que se trata do maior rio que nasce em Portugal. De facto, partindo de uma altitude de 1425 m (Corgo das Mós), percorre 227 km até chegar à Figueira da Foz.

É costume considerar quatro secções no seu curso principal: a primeira, com um declive médio de 23,5 m por mil, corresponde à parte serrana, desde a Fonte dos Ferreiros ao Porto da Carne; a segunda estende-se até a foz do Dão, acusando um declive médio de 3,6 m por mil; a terceira, da foz do Dão até à Portela, com um declivo de 1,1 m por mil, constitui o troço em que o rio recebe o contributo dos principais afluentes - Dão, Alva e Ceira; finalmente, a quarta secção inicia-se na orla mesozóica e prolonga-se até ao mar, acusando um declive de 0,40 m por mil. Aos meandros encaixados de montante sucedem-se agora os meandros divagantes, fazendo-se a marcha na planície sobre aluviões seculares, correndo mesmo o rio entre diques e motas num plano mais elevado do que os campos marginais.

O rio de montanha manifesta-se no seu poder erosivo nos primeiros 43 km. Este caracter torrencial abranda nos 100 km seguintes, quando, até à foz do Dão, o Mondego é um verdadeiro adolescente. Os 36 km da idade viril vence-os através de uma série de meandros profundos, apresentando já na fase terminal os primeiras depósitos. Mas é na planície aluvial que o rio velho dos últimos 48 km encontra os seus grandes problemas.

Embora alimentado pelas neves da Estrela e do Caramulo, tem nas chuvas o principal factor do seu regime hidrográfico. A constituição geológica dos terrenos da bacia superior, com a sua fraca permeabilidade, as grandes manchas desarborizadas da montanha e a diferença de altura das chuvas registadas nas estações do ano acentuam as características torrenciais. A relação calculada para Coimbra entre o caudal mínimo e o caudal máximo oscila entre l m3 e 3000 m3. (Cf. engenheiro Henrique Buas, Estudos sobre o Mondego).

A velocidade de propagação do máximo de cheias entre S. João de Areias e a ponte de Santa Clara já se fixou em 7 km/hora, valor sem dúvida notável. Logo, as cheias se espraiam pelos campos marginais (a velocidade horária entre Coimbra e Montemor diminui para 2,3 km), cortando os diques, fazendo quebradas, depositando milhares de toneladas de areia, num afã de ruína

que faz erguer gritos de dor, bem expressos naquele clamor angustioso de "Salvem os nossos campos!" que não raro tem subido até ao Governo da Nação.

Dos afluentes do Mondego, o Dão é um rio de planalto, com os seus.90 km de percurso. Partindo de uma altitude de 775 m, sem quedas de nível muito acentuadas, o Dão permite constatar que os afluentes da- margem direita do Mondego têm um declive médio inferior aos da margem esquerda, o que se explica pela maior inclinação das vertentes do flanco esquerdo do rio principal.

O Alva nasce bem perto do Mondego, a 1525 m de altitude, para se lhe reunir depois de correr 107 km.

Os primeiros 15 km vence-os vertiginosamente com um declive de 7 m por mil. Autêntico rio de montanha, apresenta-se aqui com grande poder erosivo. Neste curso superior o engenho do homem procurou tirar dele o melhor proveito. Passada a ponte de Jugais, o declive desce para 15.6 m por mil, através de formações xistosas num pequeno percurso de 6,5 km, puni voltar a atingir, á cota • 300, o domínio dos granitos. Mais adiante, de novo entro formações xistosas, ajudará a compor o cenário da celebrizada "ponte dos três entradas". De Penalva até à cota 50 o declive médio acusa 3 m por mil e nos restantes 12 km baixa para 1,6 m por mil.

O Ceira, .cuja extensão é de 82 km, nasce para lá da serra do Açor, a 1200 m de altitude. Rasga um vale profundo, com um declive de 71,8 m por mil, até encontrar os quartzitos silúricos de Fajão, onde a sua marcha inicial conhece obstáculos. O declive virá a reduzir-se para 10,7 m por mil até Serpins, acentuando-se ainda mais (2.8 km por mil) nos restantes 25 km, até junto da Portela.

Ao rio de planalto que é o Dão, aos rios de montanha que são o Alva e o Ceira, corresponde, na bacia do Mondego, um afluente de planície! que é o Arunca. Nasce a uma cota 325, nas colinas de Albergaria. Uma vez atingida a região de Soure, passa a correr entre formações aluviais, reduzindo-se, nos últimos 12 km, dos 53 km do seu percurso, o declive médio para 0,87 m por mil.

Esta bacia hidrográfica do Mondego abrange uma área de 6700 km3, repartida pelos distritos da Guarda, Viseu, Coimbra, Aveiro e Leiria, através dos seguintes concelhos: distrito da Guarda: Aguiar da Beira, Celorico da Beira, Fornos de Algodres, Gouveia, Guarda, Manteigas, Seia e Trancoso; distrito de Viseu: Distrito de Coimbra: Arganil, Cantanhede, Coimbra, Condeixa, Figueira da Foz, Góis, Lousão, Mirauda do Corvo, Montemor-o-Velho, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra, Penacova, Penela, Poiares, Soure e Tábua; distrito de Leira: Ansião, Figueiró dos Vinhos e Pombal; distrito de Aveiro: Mealhada.

Sr. Presidente: parece-me agora oportuno chamar AS atenções da Câmara para o condicionalismo económico-social da região do Mondego.

Os elementos que passo a referir dizem respeito ao conjunto dos distritos de Coimbra, da Guarda e de Viseu.

Embora a área destes distritos não pertença, toda ela, ao Mondego, procedo assim por três razões:

1.ª Nem sempre me foi possível obter elementos estatísticos respeitantes exclusivamente a área da bacia hidrográfica do Mondego;

2.ª A importância do distrito como região u como circunscrição administrativa não pode ser minimizada nas tarefas de planeamento;

3.ª Os restantes conselhos dos três distritos estranhos à bacia do rio beneficiarão, mais ou menos directamente, do esforço de desenvolvimento que se concentre na mesma.

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Na análise do conjunto partimos dos seguintes elementos-base:

[...Ver tabela na imagem]

Os três distritos têm, assim, 16,3 por cento da área do continente (14 470 km3), 14,4 por cento da população (l 233 629 habitantes), a que corresponde uma densidade média de 85 habitantes por quilómetro quadrado.

Não será despiciendo atender aqui a aspectos muito gerais da região conexionados com a demografia, o equipamento social, os sectores agrícolas e industriais e as comunicações.

A evolução da população nos três distritos tem-se operado em termos monos favoráveis do que a variação no conjunto do continente. É o que resulta da seguinte variação entre 1864 e 1960:

[...Ver tabela na imagem]

O facto ò bastante grave, relativamente ao distrito da Guarda, onde o censo de 1960 acusava uma população inferior à de 1950.

Se nos reportarmos à evolução da população dos concelhos nas últimas décadas, podemos mesmo concluir que 9 dos 17 concelhos de Coimbra, 8 dos 14 concelhos da Guarda e 5 dos 24 concelhos de Viseu tinham em 1960 menos população do que em 1940.

As taxas dos movimentos naturais da população podem apreender-se do seguinte quadro, relativo a 1960, e onde também se referem os valores de Lisboa e do Porto:

[...Ver tabela na imagem]

Fonte: Anuário Estatístico de 1960.

Não será difícil relacionar a baixa taxa de natalidade com o êxodo rural. A saída da população em idade viril afecta as perspectivas demográficas futuras.

Os elementos que mais facilmente se podem contabilizar no que respeita aos movimentos artificiais da população (emigração e saídas para o ultramar) revelam como tem sido notável a sangria verificada nestas regiões. Em 1960, por exemplo, a soma dos saldos do movimento emigratório e do movimento com o ultramar atingiu no continente 28 por cento do saldo fisiológico, ao passo que no distrito de Coimbra foi de 87,7 por cento, no da Guarda do 67,6 por cento e no de .Viseu de 41,7 por cento.

As saídas no distrito da Guarda em 1956 foram mesmo superiores ao saldo fisiológico desse ano.

A frequência emigratória, ou seja os emigrantes por 1000 habitantes de população, atingiu, ainda em 1960, 2,1 para Coimbra. 5,1 para a Guarda e 4,1 para Viseu, tendo-se estimado a média do continente em 2,38. E isto sem ter em conta a emigração clandestina, que se supõe relativamente elevada nalgumas regiões raianas.

Por outro lado, as migrações internas, mormente as deslocações para Lisboa, atingiram nalgumas zonas proporções de autêntica debandada. É o caso, por exemplo, dos concelhos da região da comarca de Arganil (Arganil, Góis e Pampilhosa da Serra).

Se deslocar-mos a nossa análise para os aspectos qualitativos da população, poderemos concluir que a situação nos três distritos nem sempre é lisonjeira.

A taxa média de analfabetismo era de 40,3, em 1950, para o continente e de 41,3 para o distrito de Coimbra, 44,3 para o de Viseu e 43,4 para o da Guarda.

Os progressos entretanto verificados, e que à falta de outros elementos se podem, em dada medida, apreender da observação das estatísticas respeitantes à evolução da percentagem de cônjuges analfabetos nos três distritos, não permitem grandes optimismos quanto à recuperação verificado, na Guarda e em Viseu. De facto, enquanto em 1959 a percentagem de cônjuges analfabetos (HM) era de 17,6 no continente, atingia ainda na Guarda 22,2 e em Viseu 23,7.

Para se fazer uma ideia do estado sanitário das populações poderemos lançar mão de índices tais como as taxas de mortalidade global, já referidos, de mortalidade infantil e de mortalidade por tuberculose. Um outro elemento de interesse, mas de que não me foi possível obter dados completos, diz respeito a percentagem de mancebos isentos do serviço militar.

A recuperação da mortalidade infantil tem sido importante, embora o País ainda ocupe posição pouco honrosa no concerto europeu:

[...Ver tabela na imagem]

A melhoria de situação na mortalidade por tuberculose encontra-se patente nos seguintes números:

[...Ver tabela na imagem]

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Dentro da panorâmica qualitativa cabe igualmente uma referência à distribuição da população activa pelos sectores de actividade. A situação dos três distritos, em 1950, era menos favorável do que a média do País e bem distante dos valores verificados aos distritos de Lisboa e do Porto:

[...Ver tabela na imagem]

Na base destas insuficiências quantitativas e qualitativas da população está, além do mais, o próprio equipamento social da região.

Seria impertinência da minha parte esboçar aqui um inventario de tal. equipamento. Tentarei contudo referir um ou outro aspecto que se me afigura mais relevante ou permite tirar conclusões monos discutíveis.

Anote-se, desde logo, o equipamento escolar.

O número de estabelecimentos de ensino existentes em 1959 é dado pelo seguinte quadro:

[...Ver tabela na imagem]

Fonte: Estatística de Educação do 1950.

Se procurarmos estabelecer uma comparação entre os alunos matriculados nos vários graus de ensino nos três distritos e ainda em relação ao total do continente e aos valores das cidades de Lisboa e do Porto poderemos socorrer-nos dos seguintes números, relativos a 1958-1959:

[...Ver tabela na imagem]

Fonte: Estatística de Educação de 1959.

As cantinas escolares ligam-se A escola primária. Ainda aqui a situação reflecte as insuficiências gerais do País, embora a situação de Viseu seja bastante melhor do que a de Coimbra e da Guarda. De facto, em 1959 o distrito de Viseu possuía 13,4 por cento dos alunos beneficiados por cantinas escolares no continente.

A comparação entre o número de alunos matriculados no ensino primário e o número de alunos que beneficiam de cantinas escolares permite fazer uma ideia da magnitude do esforço que se nos impõe neste sector:

[...Ver tabela na imagem]

Passamos a aspectos relacionados com o equipamento sanitário.

A desigualdade é ainda aqui patente, mormente em relação aos distritos da Guarda e de Viseu (e à parte rural do distrito de Coimbra), se analisarmos a distribuição dos profissionais dos serviços de saúde.

Já em 1950 o distrito de Lisboa contava 1 médico por 552 habitantes, o do Porto 1 médico por 1004 habitantes, o de Coimbra 1 médico por 1034 habitantes, enquanto a Guarda contava com um médico por 2902 habitantes o Viseu 1 médico por 2763 habitantes.

Em 1960 os distritos de Lisboa (2705) e do Porto (1418) possuíam 4132 dos 6865 médicos do continente.

Quanto aos enfermeiros, a percentagem é igualmente notável. Dos 3267 enfermeiros existentes em 1960 no País, 1637 concentravam-se no distrito de Lisboa e 698 no do Porto.

A percentagem de partos sem assistência foi, por exemplo, em 1959, de 61,2 no distrito de Coimbra, 83,8 no distrito da Guarda e 79,8 no distrito de Viseu.

Os serviços de justiça cabem igualmente na análise do equipamento social.

A presença de servidores desta natureza nos meios rurais ultrapassa naturalmente a utilidade imediata da fun-

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cão; enobrecem as elites locais e constituem, por vezes, recurso estimável para outras tarefas de valorização social.

Dos 340 juizes existentes no continente, em 1960, pertenciam à cidade de Lisboa 103 e à cidade do Porto 43. Dos 1887 advogados inscritos na Ordem, 785 exerciam a sua actividade na capital e 224 no Porto. O distrito de Coimbra possuía, ainda assim, um número mais elevado de advogados (101) do que os distritos de Viseu (75) e da Guarda (37).

Nos domínios das manifestações culturais, os elementos respeitantes aos editores-livreiros inscritos no respectivo grémio, ao movimento das bibliotecas e dos museus, à imprensa periódica, aos espectáculos e aos grupos desportivos revelam certa actividade na região do Mondego. Para tanto concorre, fundamentalmente, a natureza universitária de Coimbra.

O movimento das casas de espectáculos, no que respeita a média de espectadores por 1000 habitantes, dava um índice de 3194 para o continente, 1362 no distrito de Coimbra, 396 no distrito da Guarda, 479 no distrito de Viseu, 13 946 na cidade de Lisboa e 11 431 na cidade do Porto.

As condições de habitação ilustram igualmente as excelências ou deficiências do equipamento social.

Em 1950 havia no distrito de Coimbra 86 551 famílias com habitação ocupando um fogo sem electricidade e água o só 20 548 com electricidade e 10 799 com água. A relação agrava-se mais quando nos restringimos a certas zonas rurais. No concelho de Pampilhosa da Serra, por exemplo, contavam-se 3455 famílias com habitação ocupando um fogo sem electricidade e água e só 28 com casa de banho, 40 com electricidade e 54 com água.

Sr. Presidente: uma referência, ainda que bastante sumária, a alguns aspectos da produção nos três distritos envolve anotações conexionadas com a agricultura, silvicultura, pesca, indústrias extractivas, indústrias transformadoras e electricidade.

Afirma-se geralmente que os três distritos têm uma feição agrícola. Ainda aqui se reflecte, em dada medida, aquela verdade generalizada a quase todo o País: uma estrutura essencialmente agrícola, não pelo excessivo valor dos recursos naturais, mas antes porque não existe indústria.

Não se trata, no caso presente, de uma única região agrícola, mas antes de uma zona variada, onde, ainda assim, é possível considerar afinidades de estruturas ou complementaridades de aptidões.

Uma nota comum, é a da excessiva divisão da propriedade. De resto, o parcelamento tem-se acentuado nas últimas décadas.

O distrito de Coimbra, que em 1877 contava com 567 689 prédios rústicos inscritos na matriz, a que correspondia uma área média por prédio de 0,70 ha, viu esse número elevado para l 152 099 em 1954 e a correspondente área média diminuída para 0,34 ha. De igual modo, o número de prédios subiu, no distrito da Guarda, de 349 215 (com uma área média por prédio de 1,57 ha) para 662 524 (com 0,83 ha de área média) e, no distrito de Viseu, de 621 493 (com 0,81 ha de área média por prédio) para l 594 380 (com 0,31 ha de área média).

O grande número de explorações, nos três distritos, oscila, quanto a área, entre 0,25 ha e 3 ha. Com mais de 50. ha apenas existiam 20 explorações no distrito de Coimbra, 72 no distrito da Guarda e 6 no distrito de Viseu.

As árvores de fruto e as oliveiras integram-se normalmente nas explorações agrícolas. De facto, das 75 665 explorações do distrito de Coimbra, 65 764 dispunham de pomares, olivais ou árvores dispersas. O mesmo acontecia em 39 404 explorações das 54 322 do distrito da Guarda e em 74 703 das 89 312 do distrito de Viseu.

Infelizmente, o número de pomares é relativamente pequeno, e mesmo quanto a pomares industriais a sua importância é ainda mais reduzida.

O inquérito às explorações agrícolas de 1954 revela ainda assim riqueza em amendoeiras (no distrito da Guarda e fora da zona do Mondego), castanheiros (Guarda e Viseu), cerejeiras (Viseu), laranjeiras (Coimbra e Viseu) e macieiras. Mas ainda aqui, regra geral, se reflectem as deficiências da fruticultura portuguesa.

O inquérito de 1954 permitiu apurar as seguintes existências quanto ao número de oliveiras:

[...Ver tabela na imagem]

A produção por quintal de azeitona, em 1960, foi inferior ao valor médio do continente (0,16) no distrito de Coimbra (0,14) e ligeiramente superior nos distritos da Guarda e de Viseu (O,17). Coimbra é igualmente o distrito onde o grau de acidez do azeite é, em regra, mais elevado.

Não obstante os esforços realizados nos últimos tempos, ainda existem lagares de azeite primitivos ou com deficiente capacidade de aproveitamento. Tal situação prejudica a riqueza oleícola da região.

A produção do vinho em 1960 atingiu os seguintes quantitativos:

[...Ver tabela na imagem]

O contributo da região do Dão é importante, mesmo no conjunto da produção portuguesa.

Se esta agricultura nos três distritos é deficiente nas suas estruturas e na produtividade de algumas explorações, também não é rica em equipamentos. Os números de ]960 permitem afirmar que dos 9550 tractores existentes no continente apenas 141 pertenciam ao distrito de Coimbra, 107 ao distrito da Guarda e 40 ao distrito do Viseu, e que das 5097 debulhadoras 227 encontravam-se no distrito de Coimbra, 387 no da Guarda e 248 no de Viseu.

O arrolamento geral de gado e animais de capoeira de 1955 tem naturalmente interesse para o cômputo dos efectivos pecuários.

Assim, dos 895 489 bovinos existentes, 50 153 pertenciam ao distrito de Coimbra, 30 799 ao da Guarda e 68 231 ao de Viseu. Qualquer destes valores distritais está longe dos de Braga (113 659), Porto (106 169) ou Viana do Castelo (86 705). Quanto aos ovinos (3 592 912 no continente), 120 799 pertenciam ao distrito de Coimbra, 277 678 ao da Guarda e 234 749 ao de Viseu. Estes números são bastante inferiores aos de Beja (455 418), Évora (416 498), Portalegre (402 972) e Castelo Branco (349 180).

As possibilidades silvícolas dos três distritos são grandes, cobrindo já largas manchas de florestas algumas regiões. Mas, como adiante acentuaremos, o caminho a percorrer é ainda muito vasto.

O eucalipto e o choupo têm conquistado nalgumas zonas áreas outrora destinadas a-cultura arvense.

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O verdadeiro senhor ó hoje o pinheiro. Eis um quadro que permite fazer uma ideia do rendimento dos pinheiros quanto a extracção de resina:

Fonte: Estatística Agrícola de 1960.

Sr. Presidente: se quisermos obter elementos sobre a posição da pesca na economia da região, deveremos atender ao porto da Figueira da Foz.

Assim, a Estatística Industrial de 1960 indica que a pesca desembarcada na Capitania da Figueira atingiu nesse ano 14 000 t, a que correspondeu o valor de 63 000 contos..

Estes números repartem-se pelas seguintes espécies:

Sorte igualmente modesta têm as indústrias extractivas, situação que se harmoniza, de resto, com a mediocridade dos valores de todo o continente. Simplesmente, afigura-se-me que ainda aqui há bastante que fazer, desde o reconhecimento dos recursos do subsolo até à conveniente estruturação das actividades.

No sector da extracção do carvão (lignite) existiam, em 1960, no distrito de Coimbra 3 concessões, a que correspondiam 8 minas, mas só 2, com 7 minas, se encontravam em actividade.

Quanto à extracção de minérios metalíferos - com excepção dos minérios de ferro -, havia 38 concessões no distrito de Coimbra, 513 no distrito da Guarda e 172 no distrito de Viseu, mas apenas se encontravam em actividade 4 no distrito de Coimbra, 20 no distrito da Guarda e 11 no distrito de Viseu.

Em Coimbra havia l de chumbo e 3 de estanho e volfrâmio (com 17 minas).

No distrito da Guarda contavam-se 7 de estanho (com 10 minas), 8 de estanho e titânio (com 13 minas), l de estanho e volfrâmio, outra de estanho, volfrâmio e lítio e 3 de volfrâmio.

No distrito de Viseu laboravam l de berílio, outra de berílio, tântalo e nióbio, 9 de estanho e volfrâmio (com 60 minas) e l de volfrâmio, prata, ouro, chumbo e estanho (com 67 minas).

O valor da produção dos minérios metalíferos, com excepção dos minérios de ferro e o total das remunerações, foi, ainda em 1960, o seguinte:

Fonte: Estatística Industriai de 1960.

E passamos à indústria transformadora.

Tornar-se-ia fastidioso fazer aqui uma análise pormenorizada dos vários sectores da indústria transformadora nos distritos de Coimbra, Guarda e Viseu.

De resto, já no decorrer desta intervenção referi alguns números de interesse geral para o problema.

Quero apenas chamar as atenções para o mapa que elaborei, baseado na Estatística Industrial. Tais elementos permitem estabelecer um confronto não só entre as indústrias dos três distritos e as indústrias do País, como ainda dar relevo n posição dos distritos de Lisboa e do Porto no conjunto nacional.

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MAPA

Continuação do Mapa I

Indústrias transformadoras (Valores em contos relativos ao ano de 1960)

[ ver tabela na imagem]

Guarda
Viseu
Continente
Lisboa
Porto
Coimbra
Guarda
Número do estabelecimentos em actividade
Produção
Total de remunerações

(a) Valor desconhecido.
(b) Matosinhos.
(c) Inclui fábricas, moinhos e azenhas, estabelecimentos para consumo público e particular. A produção é em toneladas e só a produção das instalações para consumo publico. Desconhece-se o total das remunerações.
(d) Não dispomos do elementos completos sobro a localização geográfica destes estabelecimentos.
(e) Pela forma como as informações são prestadas torna-se impossível obter um total geral deste sector. O valor da produção da flação seria do 2 410 734 contos e o da tecelagem o acabamentos 2 951045 contos.
(f) Inactivos.
(g) A Estatística Industrial de 1960 insere, a p. 237, sob a rubrica «Produção do algumas indústrias valores notáveis relativos a «Outras industrias transformadoras não discriminadas». Para lá remetemos os interessados. Como não nos foi possível obter esclarecimentos tais unidades, permitimos a sua referência no presente mapa.

Fonte: Estatística Industrial de 1960.

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MAPA I

[...Ver tabela na imagem]

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Estes números harmonizam-se com a fraca percentagem da população industrial na população activa. De resto, se é a indústria que acelera o crescimento das riquezas, poderemos encontrar na sua falta a causa mais decisiva da relativa estagnação que se manifesta na vida económica de boa parte das regiões dos três distritos. Uma ou outra indústria de maior relevo, aqui ou além, apenas confirma, pelo contraste, a regra. Estas unidades parecem-nos ainda insuficientes para caracterizar grandes centros polarizadores.

E quanto à electricidade?

'Com excepção dos aproveitamentos do Alva e de Santa Luzia, este no concelho de Pampilhosa da Serra, não existem centros produtores de relevo nos três distritos.

Mas é precisamente nas reconhecidas potencialidades hidroeléctricas do Mondego que se deve alicerçar o principal factor de arranque para o desenvolvimento de toda a região.

Os seguintes números são ilustrativos quanto a comparação entre o total dos aproveitamentos hidroeléctricos do Pais (serviço público e serviço particular) e as actuais realidades do Mondego (1960):

Aproveitamentos hidroeléctricos (centrais) de potência igual ou superior a 500 cv em exploração em 1960

[...Ver tabela na imagem]

Fonte: Estatística Industrial de 1960

Sr. Presidente: já se tem relacionado, no nosso país, a relevância da capital do distrito - centro de região - com a rede das estradas. Este teria sido mesmo um propósito dos homens do século passado, que nalguns casos, é certo, se limitaram a modernizar o traçado das milenárias vias romanas.

O sucesso da autarquia distrital sobre a provincial encontraria, ainda aqui, segundo alguns administrativistas, uma fundada razão.

Coimbra e um caso típico. Pela capital do Mondego passa a estrada de Lisboa ao Porto, recordando a via de Olíssipo a Calém, que se apoiava em Emínio. Da cidade partem a estrada da Beira, que também tinha correspondência nas vias romanas, e a estrada para a Figueira.

Estes quatro percursos conhecem bifurcações que estendendo-se em novos troços permitem, por exemplo, atingir outros centros importantes das Beiras: Viseu (com o trajecto pela serra do Buçaco a Mortágua, .Santa Comba e Tondela e uma outra variante por Penacova e Raiva até à Foz do Dão) e Castelo Branco (pela cordilheira central, com escala em Pampilhosa da Serra) são dois casos típicos.

A malha das estradas aperta-se nas regiões do litoral, onde a densidade é maior e a circulação mais fácil, e alarga-se muito nas zonas montanhosas da Estrela, do Açor e da Lousa.

Num trabalho apresentado ao II Congresso- dos Economistas (Faria Lapa e Tomais Valente, Industrialização e Transportei no Continente Português) fez-se uma avaliação minuciosa das comunicações rodoviárias. É com base neste trabalho que me permito referir alguns elementos:

A extensão das rodovias no continente seria em 1955 de 29 707 km, pertencendo 2123 km ao distrito de Coimbra, 1746 km ao distrito da Guarda e 2028 km ao distrito de Viseu.

Deste modo, Coimbra tinha 7,1 por cento da extensão das estradas do continente, a Guarda 5,9 por cento e Viseu 6,8 por cento. Se aproximarmos estas percentagens das que as áreas dos distritos têm relativamente a área do continente, concluiremos que o da Guarda é o menos favorecido.

Tal situação confirma-se ao analisar a densidade rodoviária (metro por quilómetro quadrado). Enquanto a densidade média no continente era de 335,1, atingia no distrito de Coimbra 536,7, no distrito de Viseu 404,1, mas já baixava no distrito da Guarda para 317,7.

Já não foi do mesmo modo feliz a cidade de Coimbra, quanto às comunicações ferroviárias.

A linha do Norte passou ao lodo de Coimbra e só na Pampilhosa do Botão se realiza o seu entroncamento com a da Beira Alta. A solução da Beira Alta, em tempos reconhecida como prejudicial para a defesa militar, dada a linha de invasão que é o vale do Mondego, limita-se a servir da Pampilhosa à Figueira a região pobre da Gândara. (Cf. Abel Urbano, Coimbra e as Vias de Comunicação da Bacia do Mondego na Defesa do País). Refira-se ainda a duplicidade de estacões em Coimbra e o indesejável prolongamento através da cidade do caminho de ferro que se dirige a Serpins.

A extensão das linhas férreas e das vias era no continente, segundo o estudo mencionado do Prof. Faria Lapa, respectivamente, de 3597,3 km e 4615 km. Destes pertenciam a Coimbra 184,2 km de' linha e 271,3 km de vias,

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à Guarda 162,4 km de linha e 185,9 km de vias e a Viseu 223,9 km de linhas e 257,5 km de vias.

Deste modo, a percentagem de linhas e vias em relação ao total do continente era, respectivamente, de 5,1 e 5,9 para Coimbra, 4,5 e 4 para a Guarda e 6,3 e 5,6 para Viseu.

Reveste-se de algum interesse o agrupamento das freguesias dos três distritos e respectiva população (1950), segundo as distâncias ao caminho de ferro. O quadro que se segue é ilustrativo, a tal propósito, indicando as respectivas percentagens:

E das estradas e caminhos de ferro passamos à via fluvial que é o Mondego. Já se calculou uma extensão navegável potencial de 85 km. As realidades, porém, suo outras: em regra, durante dois meses no ano, poderá ser navegável por barcos até 10 t de carga numa extensão de 80 km.

O relato de Edrisi ou até a recordação dos portos fluvio-marítimos de Soure, Montemor e Coimbra, no tempo dos árabes e dos normandos, constituem hoje mera divagação sentimental.

Em conclusão: o ligeiro balanço realizado demonstra o atraso da região, ao mesmo tempo que nos permitiu salientar a sua posição modesta em confronto com os dois grandes centros de Lisboa e do Porto.

Sr. Presidente: já aqui salientei que o problema do Mondego nasceu com a sorte dos campos a jusante de Coimbra. As insuficiências do sistema determinam hoje que 15 000 ha desses campos marginais se cultivem apenas dentro do período estival e em restrito condicionalismo (cf., por exemplo, o Boletim Trimestral de Informaçãoo de Julho de 1961, da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos).

As inundações registadas nos meses de Março a Junho são frequentes.

Os viveiros de arroz -e o arroz é já uma cultura de recurso- devem ser semeados em Abril e transplantados em Maio. Logo as cheias inutilizam os viveiros e obrigam portanto a sementeira em vez de plantação. Daqui uma diminuição no rendimento da cultura.

O milho deve ser semeado em Maio, realizando-se a colheita em Setembro. As cheias de Abril atrasam a lavoura e as sementeiras. Com o mês de Maio outras inundações trazem prejuízo às terras de milho. E quando se aproxima o Outono a ameaça de novas cheias impõe que as colheitas se façam muito cedo.

Mais grave ainda é o assoreamento.

Já na exposição que os lavradores do Mondego dirigiram em 1938 ao Sr. Presidente do Conselho se afirmava:

Ora o rio Mondego, que deveria constituir o mais importante elemento de valorização dos terrenos que o marginam, vem-os destruindo, inutilizando-os com formidáveis montões de areia que todos os anos sobre eles lança. Na verdade, já se contam por milhares de contos o valor dos terrenos que para sempre se perderam para a cultura.

Este drama encontrava-se já reflectido nas palavras do P.º Estêvão Cabral quando, em 1790, escrevia:.

Depois que o Mondego lava a cidade de Coimbra não há quem não saiba que ele entra de repente nos seus campos planos e nos mesmos corre sete léguas até ao março, mas a história destas sete léguas, se alguém com miudeza1 a escrevesse, não poderia ser senão dolorosíssima.
Já noutra oportunidade recordei nesta tribuna as seculares providências com o objectivo de evitarem os assoreamentos.

Data de 1461 a carta régia de D. Afonso V que proibia as queimadas, com a pretensão de sustar a erosão e consequente aumento do volume dos carrejos anuídos no rio

Uma determinação de 1538, no reinado de D. João III, diz respeito .à construção de um emparedamento ao longo de Coimbra. No ano de 1540 proibia-se a pesca de lampreias, para evitar que o rio fosse alombado.

Em 1565 o cardeal D. Henrique mandou estudar o encanamento do rio e em 1568 a construção de oito marachões.

Em 1791 chegou o baixo Mondego "ao último estado de perdição e abandono", e porque já em 1783 o álveo velho tinha secado e o rio corria disperso pelos campos, as areias vinham ocupar em 1790 uma área de duas léguas e seis mil palmos de largura. As terras apenas, se encontravam a quatro palmos acima das águas claras do rio. Havia muitos pauis que apenas se cultivavam em pequena parte nos meses de Julho e Agosto. [Cf. "Memória sobre os Danos do Mondego nos Campos de Coimbra", no tomo 3.º (1791) das Memórias Económicas da Academia Real de Ciências de Lisboa].

Foi esta situação que levou a encarar as soluções do P.º Estêvão Cabral.

Nasceu assim o rio novo, traçado nas antigas vargens abertas pelas águas das cheias, nos terrenos, então baixos, dos campos de S. Martinho, Taveiro, Arzila, etc., desde a quebrada grande até Montemor.

Mas a solução do P.º Estêvão Cabral, que, além do mais, ficou incompleta, não resolveu o problema.

Adolfo Loureiro (Memórias sobre o Mondego e a Barra da Figueira, 1874) refere que as maiores cheias de que houve memória no século passado foram as de 1821, 1842, 1852, 1860 e 1872.

A cheia de 1860 foi notável, tendo a água atingido o altar-mor da igreja de Santa Cruz.

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Maior ainda foi a cheia de Fevereiro de 1900, que atingiu a altura de 6 m na escala da ponte de Coimbra, tendo ficado a água apenas 1,20 m abaixo do tabuleiro da ponte e sido inundada quase totalmente a parte baixa de Coimbra.

Mas seria inútil, por fastidioso, recordar as próprias cheias deste século, as grandes cheias dos últimos anos.

Assim, a luta do homem contra o Mondego teve de assumir nas últimas décadas maiores proporções.

Pela Lei n.º 913, de 29 de Setembro de 1919, foi criada a Junta do Rio Mondego, com o objectivo da correcção do rio e defesa e melhoramento dos campos.

Mais recente é o plano da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, que se encontra publicado no relatório daquele organismo relativo a 1939-1940.

Trata-se de um trabalho notável, onde o problema do Mondego é encarado numa solução de conjunto.. Considera-se a regularização dos caudais do rio e seus afluentes por meio de albufeiras (uma no Dão, outra no Mondego, outra no Alva e outra no Ceira) e pela regularização dos leitos a jusante de Coimbra.

Pode afirmar-se que esta é a primeira grande solução para o rio Mondego.

Os objectivos então propostos resumiam assim:

a) Redução dos caudais de cheia, em Coimbra, de cerca de 4000 m8/s-1 verificados e de 4500nx3/8-1 possíveis para 1500m3/8-1 prováveis e 2050m3/s-' possíveis;

b) Produção de energia eléctrica num montante anual' mínimo de 287 k Wh X10 k Wh;

c) Defesa dos campos do Mondego por meio de diques e seu enxugo;

d) Elevação do caudal de estiagem do rio a 30 m3/s-1, assegurando a navegação entre a Foz do Duo e a Figueira da Foz;

e) Rega de 50 000 ha, sendo 15 000 ha dos campos do Mondego e 35 000 ha dos campos de Cantanhede ao Vouga;

f) Instalação de uma fábrica de amoníaco sintético em Coimbra junto da estação velha.

Infelizmente este esquema não teve o desejável seguimento.

Volvidos anos é uma empresa particular, com sede em Coimbra, que apresentou superiormente um "Plano Geral para o Aproveitamento dos Recursos Hidráulicos do Bio Mondego" (Março de 1959).

Trata-se de um esquema onde se considera o aproveitamento das potencialidades económicas para fins múltiplos.

Um estudo cuidado sobre o Mondego levou à conclusão de que o rio tinha um valor energético muito considerável. Tão feliz circunstância deu novo sentido à viabilidade de um aproveitamento integral projectando-se, consequentemente, com um alto sentido multiplicador no desenvolvimento económico-social da região da bacia hidrográfica.

O aproveitamento permitiria igualmente um domínio dos caudais sólidos, uma regularização das cheias, a possibilidade de rega para os campos da Cova da Beira, de Celorico, de Coimbra e de Cantanhede ao Vouga e o abastecimento de água a 21 concelhos pertencentes aos distritos da Guarda, Viseu e Coimbra.

O domínio dos caudais sólidos, além de depender do aceleramento da florestação e dos trabalhos de correcção torrencial, seria igualmente' obtido por intermédio de grandes barragens. As capacidades de retenção dos carrejos nas diferentes albufeiras atingiriam cerca de 100 000 000 m3.

A regularização das cheias, além de ter em conta as obras de regularização fluvial a jusante de Coimbra, que naturalmente aumentarão a capacidade de vazão do, rio, depende ainda da existência, no curso superior e médio do Mondego, de albufeiras, convenientemente dimensionadas, que façam o abatimento das grandes pontas das cheias.

No esquema da Companhia Eléctrica das Beiras as albufeiras projectadas disporiam de Dezembro a fins de Março de uma capacidade livre de 220 000 000 m3 para amortecimento das grandes pontas de cheia.

Esta capacidade, conjugada com uma vazão do leito do rio, a jusante de Coimbra, da ordem dos 1500 m3/s, permitiria dominar as maiores cheias dos últimos decénios.

Quanto a rega dos campos da Cova da Beira - se porventura não fosse encarada- outra solução com base no próprio Zêzere -, poderia ser considerada a partir da grande albufeira de Asse-Dasse.

Outra solução consistiria em aumentar o armazenamento da albufeira de Vila Soeiro de 12 para 45 X 1O m3, derivando através de um túnel de 316 m os 30 X10 m3 de água necessários à rega dos 5000 ha ou 6000 ha da Cova da Beira.

Os campos de Celorico da Beira teriam na albufeira do Caldeirão os 3XlOGm3 de água necessários para a rega da área provável de 1000 ha.

Finalmente, os 15 000 ha a jusante de Coimbra e os 35 000 ha dos campos de Cantanhede ao Vouga teriam no esquema em questão sempre garantidos os 94 X 10a m3 e 247X10ª m3 de água, indispensáveis ao seu regadio.

O abastecimento conjunto de água para consumos domésticos e pequenas utilizações complementares basear-se-ia igualmente nas albufeiras projectadas.

Assim, a partir de Asse-Dasse seriam abastecidos os concelhos de Gouveia, Seia, Oliveira do Hospital e Tábua; a partir do Caldeirão, os concelhos de Celorico da Beira e da Guarda; a partir de Girabolhos, Os concelhos de Nelas, Carregai do Sal, Mangualde, Viseu, Tondela, Fornos de Algodres, Penalva do Castelo e Sátão; a partir do Ázere, o concelho de Santa Comba Dão; a partir do Dão, o concelho de Mortágua, e a partir do Alva, os concelhos de Arganil, Gois, Poiares, Soure e Miranda do Corvo.

Entretanto, na continuação dos estudos da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos e segundo comunicação pública feita primeiramente pelo Sr. Ministro das Obras Públicas, numa deslocação propositada a Coimbra, também se encara um plano de aproveitamento integral da bacia do Mondego, onde suo considerados os seguintes objectivos fundamentais (cf. também o Boletim Trimestral de Informação de Julho de 1961, da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos):

A regularização das cheias e a defesa dos campos marginais do Mondego entre Coimbra e a Figueira da Foz;

A rega e o enxugo desses mesmos campos (I5000ha): A rega dos campos que se estendem de Cantanhede ao Vouga,

A rega dos campos de Celorico da Beira e da Cova da Beira;

O domínio do transporte sólido, quer na bacia do Mondego, a montante de Coimbra quer nos vale do curso inferior;

A produção de energia eléctrica.

Quanto ao aproveitamento hidroeléctrico, segundo se lê no Boletim referido, o âmbito do plano é limitado a definição das' possibilidades energéticas da bacia e a esquematização da solução preferível da sua utilização na época que vier a ser mais conveniente.

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Quanto à defesa dos campos contra o malefício das cheias, opta aquela Direcção-Geral por uma regularização parcial, por armazenamentos, e controlo dos escoamentos assim diminuídos, utilizando diques longitudinais insubmersíveis.

Foi ainda parecer daqueles serviços que se poderia dar prioridade a criação de uma albufeira dominando o Mondego e o Dão, com uma barragem na Aguieira.

Sr. Presidente: um esquema de aproveitamento do Mondego, tarefa cuja execução se impõe com a maior urgência, não se opõe à adopção de medidas a curto prazo, em favor dos proprietários dos campos a jusante, de Coimbra.

Em tal sentido têm diligenciado inúmeras vezes as populações interessadas e as respectivas instituições ou entidades que as representam.

O resultado de tais diligências encontra-se, por exemplo, na resolução do Conselho Económico de 14 de Março de 1961, que igualmente deu lugar a manifestação de agradecimento ao Sr. Presidente do Conselho realizada pelas gentes do Mondego.

Quanto a estas medidas a curto prazo, será de desejar que os serviços públicos não esmoreçam nas suas obrigações, dispondo igualmente dos meios financeiros indispensáveis ao bom termo da sua tarefa.

Sr. Presidente: assente, portanto, que é grande o poder energético do Mondego, tudo parece justificar que se encare o seu aproveitamento através de um esquema integral, procurando seriar os empreendimentos de forma a obter-se a mais acentuada reprodutividade.

Acontece que o êxito deste esquema se conjuga com outros problemas que deverão, paralelamente, ser encarados. Refira-se o repovoamento florestal, a agricultura dos campos do Mondego, o fomento da industrialização, o porto da figueira da Foz e as vias de comunicação.

A aptidão florestal destas regiões é indiscutível.

As. áreas submetidas ao regime florestal são, alias, grandes, como se pode depreender destes números:

[...Ver tabela na imagem]

Fonte: Estatística Agrícola de 1960. .

Se descermos a uma análise, por concelhos, obteremos os seguintes elementos relativamente a distribuição da área baldia submetida ao regime florestal em cada um deles (cf. a publicação da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas 75 Anos de Actividade na Arborização de Borras):

[...Ver tabela na imagem]

Concretizaremos mais indicando a distribuição geográfica dos perímetros florestais, a data da submissão, a arpa aproximada, a percentagem arborizada e o arvoredo dominante.

(Cf. a publicação citada da Direcção-Geral dos Serviços Florestais).

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Urge, porém,' acelerar a obra de repovoamento florestal. Cada ano que se perde á um atraso de consequências notáveis não só para o sucesso da luta contra a erosão como, principalmente, para a execução deste meritório empreendimento da criação da riqueza através da floresta, tarefa que não foi possível ir executando de forma a chegar a bom termo dentro do prazo que a lei inicial previra.

Julgo oportuno voltar a repetir aqui o que noutra oportunidade já defendi nesta Assembleia:

1) O artigo 401.º do Código Administrativo prescrevo que os corpos administrativos em cuja circunscrição existam baldios arborizáveis são obrigados a promover a respectiva arborização por força do seu orçamento ou em comparticipação com o Estado, no prazo de vinte anos e segundo o plano estabelecido pelo Governo.

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Por sua vez, da base XIV da Lei n.º 1971 resulta que o Ministério du Economia poderá fornecer gratuitamente aos corpos administrativos ou aos particulares plantas e sementes para a arborização de terrenos próprios para a floresta.

Devem, pois, os municípios aproveitar tamanha oportunidade de valorização do seu património e constituição de grandes fontes de receita futura.

Mais do que a assistência em técnicos, em sementes e em plantas, conviria que o Governo, pelas suas instituições de crédito, proporcionasse aos municípios uma modalidade especial de empréstimos para repovoamento florestal.

2) Mas para lá dos auxílios previstos quanto aos particulares e da aplicação dos preceitos da Lei n.º 2069, deveria o Estado promover uma activa campanha de propaganda em prol da floresta.

3) Desmandos criminosos comprometem não só o potencial produtivo do arvoredo como atigem a sua própria existência.

Importa pôr-lhes cobro, afeiçoando a legislação o tornando eficaz a fiscalização complementar.

Sabemos, de resto, que o próprio assoreamento do Mondego foi acelerado, em determinadas épocas, pelo desbaste indiscriminado que se realizou nas encostas do curso superior.

A presença dos serviços florestais tem-se revelado ainda na construção de uma útil rede de caminhos de que beneficiam as populações serranas.

Já em 1960 se contavam 1433 km de caminhos florestais, dos quais 270 km pertenciam ao distrito de Coimbra, 86 km ao da Guarda e 93 km ao de Viseu.
Se refiro o facto é ainda para enaltecer a utilidade destes caminhos relativamente a tantas populações isoladas nas serranias.

Com as minhas palavras de louvor vão os votos para que os serviços florestais prossigam nesta meritória tarefa.

Os trabalhos de correcção torrencial encontram-se igualmente a cargo dos serviços florestais.

O tratamento dos leitos tem-se realizado segundo dois tipos de obras: aquele que tem por objectivo a fixação de leitos ou encostas em desagregação através de pequenas barragens ou obras longitudíonais, com o intuito de reter directamente o material sólido; um outro, que consiste em reduzir as cheias e seu poder erosivo através da construção de barragens, cujas albufeiras retardam a propagação das torrentes.

Pela nota do esquema das obras de correcção torrencial do Mondego transcrita a seguir pode ver-se o trabalho já realizado e, sobretudo, a vastidão do caminho que ainda falta percorrer:

[...Ver tabela na imagem]

E passo à agricultura dos campos do Mondego.

Como é natural, reflectem-se aqui os problemas gerais du agricultura portuguesa: estruturas agrárias; regime da possível hidráulica agrícola; defesa e conservação do solo; mecanização; melhoramentos agrícolas; crédito e seguros agrícolas; assistência técnica; investigação aplicada; formação profissional; vulgarização agrária; melhoramentos rurais; armazenagem e transformação dos produtos agrícolas; racionalização da comercialização; racionalização du produção; preços dos produtos agrícolas; esquemas associativos ...

O sucesso que viermos a colheir nestes sectores de actuação projectar-se-á nas nossas regiões hoje empobrecidas, descrentes.

Mais particularmente os problemas específicos dos campos a jusante de Coimbra são os que resultam, como já disse, das inundações e assoreamentos referidos e aqueles que seriam postos por uma reconversão cultural. A útil publicação Pela Terra, órgão da Federação dos Grémios da Lavoura da província da Beira Litoral, a que tão proficientemente preside o ilustre Procurador a Câmara Corporativa D. Manuel de Almeida e Vasconcelos, constitui um repositório interessado e sempre actualizado de tais problemas. Limito-me ainda, Sr. Presidente, a repetir duas ou três questões particulares:

1) O projecto da cultura e industrialização, na área do Mondego, da beterraba sacarina - conforme ainda parecer do presidente da Federação dos Grémios da Lavoura - encontra na situação presente obstáculos por deficiência na drenagem do extenso vale e pela dificuldade consequente de fixação de rotações de culturas que assegurem o êxito da iniciativa. Ainda aqui o aproveitamento do rio, com a defesa e enxugo dos campos, aparece como condição essencial.

2) Outro aspecto é o da produção leiteira regional (cf. o relatório sobre "O problema do leite na Beira Litoral").

Feita uma avaliação dos níveis de consumo de leite na cidade de Coimbra, chegou-se ao seguinte apuramento:

[...Ver tabela na imagem]

O consumo diário no ano de 1958 atingiu valores máximos no mês de Maio (7000 1) e valores mínimos nos meses de Agosto (4746 1) e Setembro (47761).

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As. oscilações são grandes, talvez devido a natureza estudantil de uma parte da população da cidade, mas em qualquer dos casos o consumo é bem insignificante, se atendermos a uma população de mais de 50 000 habitantes.

Mesmo fazendo uma correcção n estes números e admitindo que 25 por cento do leite consumido não é registado as capitações serão ainda bastante baixas.

Igualmente com base em elementos oficiais estimaram-se os seguintes consumos, em litros, para a figueira da Foz:

[...Ver tabela na imagem]

A quebra dos números de 1958 deve-se talvez mais a uma fuga a fiscalização do que a uma diminuição efectiva nos consumos.

O nível dos consumos nos meses de praia (Julho, Agosto e Setembro) é três vezes superior ao dos outras meses. De qualquer modo, as capitações são insignificantes se tivermos em conta a população da Figueira da Foz (10 400 habitantes em 1950), a de Buarcos (6 194 habitantes) e o aumento estimado da população balnear (15 000 pessoas).

A produção leiteira regional poderia, segundo a Federação do Grémio da Lavoura, assegurar-se pelo sistema previsto no Decreto-Lei n.º 39 178, que dá à organização corporativa da lavoura a faculdade de erguer em exclusivo um serviço de recolha de leite para defesa económica da produção e sanitária do consumo.

Não há dúvida que a intensificação da pecuária, em novos moldes, poderá ser um dos grandes caminhos da agricultura do Mondego. Esperemos que ainda o anunciado plano de fomento pecuário beneficie efectivamente esta região.

3) Também a fruticultura tem as suas tradições nesta região (cf. por exemplo o relatório final do curso do engenheiro Archer de Carvalho, Subsidias para o Estudo da Produção e Comercio de Fruta" na Região da Coimbra).

Das 147 835 laranjeiras existentes em 1954 no distrito, 32 270 pertenciam ao concelho de Coimbra, 14 436 ao concelho da Figueira e 27 825 ao concelho de Mon-temor.

Os números relativos ao movimento de frutas nos mercados abastecedores de Lisboa e do Porto revelam que no quinquénio de 1956/1960 a região de Coimbra forneceu uma média anual de 427 188 kg de fruta, dos quais 281 565 kg para Lisboa.

Neste total avultavam as laranjas e as tangerinas, com 234 766 kg e 100 568 kg, respectivamente.

Numa visão de conjunto, ainda aqui, porém, poderíamos denunciar aquelas deficiências comuns a fruticultura do Pais: poucos pomares dignos de tal nome; persistência em plantio disperso ou promíscuo; vegetação de espécies desajudadas de cuidados de granjeio; flora frutícola pobre e desactualizada; baixa qualidade da produção; • insuficiências no panorama fitossanitário.

A conveniência de um abastecimento do mercado interno, as novas condições resultantes das fórmulas europeias de associação económica e as tradições e possibilidades da região justificam uma intensificação da fruticultura no vale do Mondego.

O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. Amaral Neto: - Enquanto lá tiver viveiristas que não suo capazes de fazer coisa que preste.

O Orador: -Eu já falo nos viveiros.

Ainda aqui terão lugar as exigências do anunciado plano nacional, actuando-se nos sectores da produção, do comércio e da industrialização.

Mais concretamente poderíamos, porém, referir algumas aspirações da região: localizar em Coimbra um núcleo de assistência técnica, integrado numa futura estação agrária da Bencanta; construir os armazéns indispensáveis; erguer, a exemplo da região de Alcobaça, uma conveniente solução cooperativa.

Relacionado com este problema está o da produção e do comércio das plantas de viveiro.

Nos concelhos de Coimbra, Miranda do Corvo, Lousa, Montemor-o-Velho e Cantanhede existem cerca de 1400 agricultores que produzem, para venda, plantas de viveiro. Destes só metade se encontravam há tempos devidamente inscritos. Ora os viveiristas clandestinos cultivavam uma área calculada em 64 ha, com mais de 1500 canteiros. No vale do Ceira tal actividade constitui mesmo importante fonte de riquezas.

Se o interesse nacional impôs que se regularizasse convenientemente tal actividade, o interesse local recomenda que não se lance mão de soluções radicais que agravem as situações económicas ou criem graves problemas humanos. Convirá, em suma, retirar da aptidão e experiência existentes o melhor apoio para uma reorganização a que não será estranha a ajuda dos serviços técnicos e talvez o ensaio de um enquadramento cooperativo.

Sr. Presidente: salientei que na industrialização reside um factor essencial ao fomento. Esta é uma preocupação comum nos esquemas de desenvolvimento regional (cf., por exemplo, Michel Phlipponneau, Lc probléme breton et le programme d'action regionale e, ainda, Inventaire des possibilites d'implantations industriclles en Bretagnc).

A actuação poderá dirigir-se no sentido de renovação de indústrias existentes ou de implantação de novas indústrias.
Como já afirmei inúmeras vezes, a reorganização industrial portuguesa deve ter ainda em conta a desconcentração. Parece-me assim defensável que esta reorganização permita a localização de indústrias na região do Mondego.

A abundância de energia, a existência de mão-de-obra com capacidade de adaptação e a rede de comunicações, tudo poderá justificar a instalação de tais unidades.

Já no plano da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola se previa, como salientei, a instalação de uma fábrica de adubos sintéticos junto da estação velha, em Coimbra.

As potencialidades energéticos do Mondego poderão, de facto, conjugar-se com as indústrias químicas.

A perspectiva de um grande porto na Figueira Foz harmonizar-se-ia, por exemplo, com a construção de uma refinam de petróleo.

Dado que o condicionalismo do plano director de Lisboa leva a arredar desta região algumas indústrias novas, como a de montagem de automóveis, estas poderiam também instalar-se nas terras do Mondego.

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O aproveitamento dos recursos naturais justificaria ainda a existência na Figueira da Foz de fábricas para a transformação de produtos do mar. De igual modo, outros centros encontrar-se-iam aptos para acolher unidades convenientemente dimensionadas que servissem o vasto mercado da construção civil ou realizassem o aproveitamento e transformação de recursos florestais e do subsolo.

Mas é a industrialização dos produtos agrícolas que oferece melhores perspectivas. Além da beterraba açucareira, a que, como vimos, se referia a Federação dos Grémios da Lavoura, existem outras possibilidades de industrialização de produtos agrícolas, conforme se deduz do seguinte esquema, que adaptei de uma publicação espanhola:.

[...Ver tabela na imagem]

Ora este esquema fornece-nos um mundo de soluções paru a bacia do Mondego. Ainda aqui se exige a presença e compreensão dos serviços públicos, em colaboração com as actividades particulares (cf. a publicação Jornadas das Indústrias Agrícolas, que contém, além do mais, o notável discurso do Ministro da Economia engenheiro Ferreira Dias sobre a industrialização dos produtos agrícolas) .

Refiram-se, finalmente, as pequenas unidades agrícolas, como os lagares de azeite, ou certas expressões artesanais com tradições ou possibilidades. A melhoria ou defesa destas formas de actividade tem uma projecção local de valor não despiciendo.

Repito que todo o êxito da industrialização depende, além do mais, do apoio prestado pelos Poderes Públicos.

O artigo 17.º da Lei de Meios para 1961 revestiu-se, a tal propósito, de importância ao preceituar que o Governo favorecerá, nomeadamente pela concessão de incentivos de ordem fiscal e de facilidades de crédito ao investimento nas regiões rurais e economicamente mais desfavorecidas, a instalação de indústrias de aproveitamento de recursos locais e, bem assim, a descentralização de outras localizadas em meios urbanos.

Em que poderão consistir estas vantagens?

Eis o que se escreve no relatório da proposta da Lei de Meios para 1961:

Estas vantagens poderão vir a revestir varias formas, desde tis simples exonerações fiscais e isenções, por prazos maiores ou menores, e mesmo superiores aos máximos previstos em leis especiais já existentes, até à concessão, em regime de prioridade, de crédito a taxas de juro ou em períodos de amortização mais favoráveis nos financiamentos contratados para a instalação, alargamento de capacidade ou transferência de unidades, ou, ainda em subvenções de estabelecimentos, pela comparticipação integral ou em determinada percentagem, no custo de ramais de alimentação de energia, no fornecimento de águas, na construção de vias de acesso, etc., ou na redução de tarifas de transporte.

Seria, portanto, necessário que oportunamente se definissem para a região do Mondego tais vantagens.

Sr. Presidente: o porto da Figueira da Foz constituía nos primórdios cia nacionalidade o mais importante centro de comércio marítimo.

Em foral de D. Manuel I (1516) estabeleciam-se dízimas u cobrar relativamente às mercadorias que se movimentavam no porto. O pescado constituía receita partilhada entre o Cabido de Coimbra, os Mosteiros de Santa Cruz e de Lorvão e os franciscanos do Convento de Santo António da Figueira.

Com a Restauração conheceu o Porto grande desenvolvimento, atestado pelo volume das receitas da alfândega.

No século XIX, porém, já as condições de navegação e de acesso eram precárias. Adolfo Loureiro (cf. Memória, sobre o Mondego e a Barra da Figueira, 1874) viria a escrever:

O porto caíra em tal descrédito que nas praças estrangeiras não se contratava seguro para navios que o demandavam, nem para cargas que lhe eram confiadas, senão por um prémio exorbitante.

Daí os estudos sobre a melhoria das condições do acesso.

Já no presente século as obras de 1920 a 1934 constituíram uma realização que deu origem a discussões apaixonadas.

Em 1949 foi concluído o projecto de obras de grande melhoramento do porto.

Estabeleciam-se três fases nessas obras:

] .ª fase - Obras exteriores e de dragagem para melhoramento da barra e da zona do porto;

2.ª fase - Obras de correcção do regime do estuário;

3.ª fase - Obras de regularização flúvio-marítima em ligação com as de regularização fluvial-navegação interna. Instalações portuárias.

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As obras exteriores constam de dois molhes e de um cantil de acesso que ligará a entrada do porto à zona do cais comercial.

A l.ª fase proporciona ao porto as seguintes condições de serventia:

a) No acesso:

Entrada de navios de 18 pés de calado, em P. M.

A. M. med.;

Entrada de navios de 16 pés em qualquer preia-mar;
Entraria permanente a navios de 12 pés de calado.

b) Nos cais e fundeadouros:

Flutuação a navios de 18 pés, um B. M. A. V. med.:
Flutuação a navios de 16 pés, em B. M. A. V. E.;
Flutuação permanente a navios de 12 pés.

Numa 2.ª fase prevê-se a entrada, em P. M. A. V. med., a navios de 23 pés por calado e respectivo estacionamento em B. M. A. V. med.

Junto do porto da Figueira da Foz desenvolvem-se já hoje várias actividades. Assim:

A pesca de bacalhau, com uma frota de cerca de 5800 t e as instalações complementares de secagem;

A pesca de sardinha, com a respectiva frota de traineiras;
A pesca de arrasto;

A salicultura, com coreu de 230 marinhas e cuja produção anual ultrapassa as 30 000 t;

A construção naval, com três estaleiros, um para a construção de navios até 5000 t e os outros para embarcações até 500 t;

As conservas de peixe, com duas fábricas de conservas em salmoura e outra em azeite, em Buarcos, e uma fabrica de conservas em azeite em Tavarede;

A fábrica de cimento portland, a 8 km do porto, com uma capacidade de produção anual de 60 000 t;

Duas fábricas de vidros, das quais a da Fontela tem uma capacidade e uma produção anual de 3 500 000 garrafas, 300 000 garrafões e 70 000 m3 de vidraça;

Três fábricas de cal hidráulica, todas localizadas a menos de 9 km do porto, com uma capacidade de produção anual de 60 000 t;

As minas do Cabo Mondego, a 10 km do porto, de onde se extrai carvão com características intermédias da hulha e du lignite, com 50 por cento de cinzas e 25 por cento de matérias voláteis. A extracção anual já se estimou em mais de 50 000 t.

A Figueira da Foz dispõe de boas ligações rodoviárias e ferroviárias. Além da estrada n.º 109, de ligação de Leiria ao Porto, conta-se a estrada n.º 111, da Figueira da Foz a Coimbra. Testa de três caminhos de ferro (Beira Alta, ramal de Alfarelos e linha do Oeste), estes constituem autênticas vias de penetração para um vasto hinterland.

Do facto este hinterland já foi definido em trabalho do antigo e ilustre Deputado Engenheiro Muñoz de Oliveira, em primeira aproximação, como limitado pelo norte por uma linha que, partindo de Anadia, ligue Viseu a Barca de Alva e ao Sul, pelo contorno Marinha Grande, Leiria e rio Zêzere, até a Covilhã, com todas as suas variadas indústrias de resinas (66 por cento da produção nacional), madeiras, vinhos, tecelagem, cimentas, etc.

As obras do porto da Figueira da Foz agora em execução trouxeram natural regozijo as gentes do Mondego.

Simplesmente sou de parecer que não se deve afrouxai-nos trabalhos, mas ordená-los, desde já, para nova fase de execução. De outro modo os investimentos em curso, o que são da casa dos 80 000 contos, não teriam um seguimento que lhes assegurasse tempestiva improdutividade.

De entre as tarefas mais imediatas destaca-se a da construção da nova ponte, cuja realização já foi superiormente aprovada. Como desta construção depende a melhor ordenação do porto interior urge que a mesma seja encarada.

Mas nós pretendemos o porto da Figueira da Foz como algo mais do que simples porto de cabotagem. O congestionamento de Lisboa e de Leixões exigem, um terceiro grande porto. Ora u Figueira da Foz, pela sua localização, pelos acessos que a servem e, de futuro, como coroamento de todo o esquema do Mondego, justifica este novo e grande destino. '

Sr. Presidente: a influência da rede de comunicações nos esquemas de desenvolvimento é decisiva.

No que respeita aos caminhos de ferro na região do Mondego creio justificar-se a electrificação do ramal de Aluardes à Figueira da Foz, complemento da linha do Norte, e ainda que tenha realidade o sonho de tantas gerações relativamente ao prolongamento do caminho de ferro de Arganil.

Esta chamada linha de Arganil serviria, alem de Ceira, Miranda do Corvo, Lousa e Serpins, a Várzea, a vila de Gois e Arganil, tudo numa extensão de 62 km. O percurso em exploração queda-se actualmente em Serpins, datando de 1930 a inauguração do último troço de 6 km entre Lousa e Serpins.

No plano de 1930 foi não só incluída a conclusão do caminho de ferro de Arganil como ainda considerada tal obra como das mais urgentes.

Numa segunda fase a linha de Arganil prolongar-se-ia até Santa Camba, numa extensão de 72 km, ou até Viseu. Outro prolongamento, muitas vezes defendido, seria o de Arganil à Covilhã, que assumiria características de autêntica espinha dorsal nas comunicações regionais.

O plano rodoviário da região deveria, além do mais, considerar:

a) A construção ou grande reparação, no distrito da Guarda, das vias de penetração na serra da Estrela e a grande reparação da estrada da Beira, desde Coimbra a fronteira;

b) A construção das projectadas estradas n.ºs 343 [entre a estrada nacional n.º 112 (alto da Cerdeira) e Paul] e 344 (entre as proximidades de Avô e Alvares). Estas duas estradas são de importância fundamental, não só pelos pontos extremos que servem como ainda pelas povoações que atravessam e pelas possibilidades que abrem à drenagem de produtos florestais;

c) O prosseguimento de Alvares até ao rio Zêzere da estrada nacional n.º 2;

d) O completo alargamento e rectificação da estrada de Coimbra à Figueira da Foz;
e) A realização dos acessos convenientes a Coimbra na estrada Lisboa-Porto;

f) O prolongamento da estrada n.º 335 (do Aveiro a Lavariz), com necessária passagem sobre a linha do Norte em Alfarelos.

Naturalmente que esta enumeração não é exaustiva. O próprio desenvolvimento do esquema do Mondego justificaria ou recomendaria novos traçados.

Sr. Presidente: é incontestável a importância das cidades terciárias para o planeamento regional.

A zona do Mondego, reflectindo, aliás, o panorama do País, dispõe de poucas cidades populosas.

Á política de criação de pólos de desenvolvimento recomenda que o Governo esteja igualmente atento a localização do serviços públicos. De facto, mesmo para lá do interesse de uma conveniente articulação regional, con-

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vêm contrariar o sistema de concentrai- em Lisboa os serviços públicos. Também a burocracia se alimenta a si mesmo e a tendência centralista apoia uma lei sociológica bem conhecida sobre a multiplicação do funcionalismo público.

A capital regional deve ser um centro intelectual. E o que acontece em Coimbra.

Mas ainda aqui existem problemas. Para lá da necessidade de generalizar o acesso ao ensino, conviria criar em Coimbra um instituto comercial e industrial e introduzir reformas na vida universitária.

Estas reformas universitárias não dizem somente respeito à estrutura institucional da Universidade, às facilidades a conceder aos escolares e à regulamentação das actividades académicas. Impõ-se dotar as escolas do pessoal indispensável, reformar os estudos nas Faculdades de Ciências e de Direito e criar as novas Faculdades, como Teologia, Farmácia, Engenharia e Agronomia.

Esta desconcentração de actividades deve estender-se aos sectores privados, nomeadamente no que respeita a localização das sedes das empresas. Existem empresas que exploram riquezas nos três distritos das Beiras mas cujas sedes são em Lisboa ou no Porto.

O seguinte quadro é elucidativo a propósito das sociedades existentes nos três distritos em comparação com aquelas que pertencem às cidades de Lisboa e do Porto:

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[...Ver tabela na imagem]

Fonte: Estatística das Sociedad

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Sr. Presidente: a política de desenvolvimento regional pressupõe a existência de órgãos que a apoiam e executam.

A França, pata de larga experiência nestes aspectos, conhece, ao lado de toda uma legislação impulsionadora, organismos que tanto no plano nacional como no plano regional se dedicam a tal política. É o caso, por um lado, do Fundo de Desenvolvimento Económico-Social, do Fundo Nacional para o Arranjo do Território, da Sociedade Central para o Equipamento do Território e, por outro lado, das sociedades de desenvolvimento regional, das sociedades de economia mista, das sociedades de estudos financeiros e dos agrupamentos profissionais.

Gomo organismos nacionais de estudo existem em França a Conferência Nacional dos Comités e o Instituto Francês das Economias Regionais e, no plano local, os vomites de expansão económica.

O projecto de decreto-lei sobre a criação da Junta de Planeamento Regional prevê, alam da criação deste organismo, cuja finalidade será "promover o estudo, a coordenação e o planeamento de desenvolvimento económico regional, integrados na orientação definida pelo Plano de Fomento", a existência de comissões consultivas regionais "constituídas pela representação local de interesses colectivos e individuais, públicos, corporativos ou privados, que possam prestar a colaboração necessária durante a elaboração de planos de acção regional".

À execução do aproveitamento do Mondego poderá justificar a existência de um organismo que desempenhe, no caso concreto, uma função de decisão. Tratar-se-ia de uma junta para o aproveitamento do rio Mondego, que responderia pelas iniciativas e coordenaria a actuação das pessoas públicas ou privadas que terão interferência na execução das tarefas de aproveitamento.

Se se reconhecesse à junta de planeamento regional capacidade de iniciativa e execução, e dado que o artigo 5.º do respectivo projecto do decreto-lei diz que ela terá a sua sede onde for julgado mais conveniente, poderia a mesma localizar-se em Coimbra. Este organismo colheria na execução do aproveitamento do Mondego, além do mais, experiência para outras tarefas.

O planeamento regional faz, por outro lado, justificado apelo as instituições administrativas existentes.

Põe-se ainda aqui o problema de ordenação e revisão de competência e atribuições, a que, aliás, já me referi noutras oportunidades.

Assim um propósito de aproveitamento e revigoramento destes organismos deveria preocupar-se:

1.º Com uma definição clara das suas atribuições, de forma a evitarem-se conflitos positivos ou negativos de competências;

2.º Com uma defesa do espírito descentralizador e autonomista, pois para que as instituições locais sejam células vivas na orgânica social importa que gozem de possível liberdade e responsabilidade;

3.º Com uma conveniente articulação horizontal e vertical. Assim as instituições de determinado grau devem ser solidárias na sua função complementar; as instituições de grau superior devem coordenar as instituições-base e realizar tarefas que ultrapassem a força singular das mesmas ou o seu âmbito territorial.

As juntas gerais de distrito, como também tenho advogado, deveriam constituir federações obrigatórias de municípios. Esta nova estrutura ligá-las-ia ao planeamento regional, com possibilidades de aí desempenharem meritórias tarefas.

Este espírito de fortalecimento das instituições administrativas locais colocar-se-ia em posição oposta aquele processo de desagregação local que tantas vezes tem sido lamentado na Assembleia Nacional.

Na verdade, a fuga das elites do mundo rural, a debilidade económica do sector agrário, a ausência de industrialização, a primazia que o Estudo passou a ter na cobrança dos impostos, a desvalorização da moeda e as consequências das leis de desamortização contam-se, numa análise a longo prazo, entre as causas do enfranquecimento das instituições municipais.

O aproveitamento das possibilidades do Mondego repercutir-se-ia ainda aqui, dando nova vida ou câmaras municipais.

Mas este sucesso dependeria ainda de uma ordenação conveniente no que respeita à intervenção dos municípios em matéria económica e de uma revisão da sua situação financeira.

A intervenção dos municípios em matéria económica, em termos latos, deverá abranger variados aspectos que atingem sectores diversos (cf., por exemplo, Jean Singer, L'Intervention des collectivitès locales en matière économique, Paris, 1956), tais como o apoio a actividades privadas, o controle dessas actividades e a satisfação, mais ou menos directa, de necessidades colectivas.

Assim, nos domínios do apoio as actividades privadas, poderemos exemplificar com os trabalhos públicos que criam Infra-estruturas ou servem outras utilidades, com a luta contra o desemprego, com o efeito multiplicador dos investimentos e sua projecção nos consumos, com a política fiscal que afecta disponibilidades líquidas e opera alterações na distribuição do rendimento e com a política de urbanização e seus efeitos sobre a localização de actividades económicas.

O abrandamento nas faculdades impositivas dos municípios minimizou a sua intervenção nas actividades privadas. Ainda assim o problema da articulação entre a tributação central e a tributação local, tendo em conta a integração das faculdades tributárias numa política geral de coordenação económica, é de valor não despiciendo.

A localização das actividades económicas é, como temos salientado, um dos pontos fundamentais do nosso problema, nomeadamente tendo em conta a descentralização industrial. Ora entre as medidas de interesse a cargo dos municípios poderiam ainda contar-se as regulamentares (limitação do desenvolvimento em certas zonas, descentralização de serviços públicos, intervenção nas expropriações), as fiscais (deduções na tributação) e as de ajuda financeira mais ou menos directa.

O controle das actividades privadas liga-se à chamada policia económica. Não é difícil já entre nós (cf. artigos 44.º e seguintes do Código Administrativo) descobrir algumas atribuições dos municípios nestas matérias.

Mas onde a presença da administração local na gestão económica pode assumir particular importância é nos serviços públicos. De facto, a gestão destes serviços realiza-se directamente, pelos entes públicos, ou indirectamente, através de fórmulas resultantes de acordos entre a Administração e os particulares. No primeiro caso poderá utilizar-se um órgão especial ou o simples concurso dos serviços gerais; no segundo caso recorrer-se-á ao arrendamente, à concessão e as sociedades de economia mista.

É em relação à participação dos municípios nestas sociedades que a nossa legislação revela insuficiências.

Podemos, em suma, concluir que o aproveitamento do Mondego exigiria, quanto à intervenção ou colaboração dos respectivos municípios, que se introduzissem disposições legais capazes de lhes permitirem cumprir as atribuições delineadas e, nomeadamente, a possibilidade de promover

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a constituição de determinadas sociedades de economia mista com o objectivo da exploração de utilidades regionais.

Mas toda esta estruturação jurídica pressupõe uma situação financeira que os municípios da região estão longe de usufruir.

Importaria, de facto, atender ainda aqui ao seguinte:

1.º Eliminar a ideia de que o Estado pode exigir tudo dos municípios e nem sempre estará disposto a conceder-Ihes facilidades. Nesta conformidade problemas como os da sujeição dos municípios à tributação do Estado ou o das deduções nos adicionais às contribuições poderiam ter solução diferente da actual;

2.º Aceitar que a natureza genérica de certas necessidades públicas, hoje satisfeitas com o dinheiro das câmaras municipais, justifica que o Estado chame a si tais encargos. Refira-se, como exemplo, o artigo 751.º do Código Administrativo;

3.º Advogar a ideia de uma larga comparticipação do Estudo numa política intensiva de melhoramentos rurais e a criação de modalidades especiais de crédito;

. 4.º Rever o sistema tributário municipal, elevando os adicionais às contribuições e impostos e integrando o imposto para o serviço de incêndios e a licença sobre estabelecimento comercial ou industrial nesses mesmos adicio- nais, ao mesmo tempo que se deveria proceder à revisão do sistema de taxas, tudo harmonizado ainda com u estrutura da reforma fiscal em curso.

Vitalizadas assim as câmaras municipais dos três distritos das Beiras, poderíamos esperar delas largo concurso para o desenvolvimento económico social da região.

Sr. Presidente: Srs. Deputados: sinto bastante ter sido excessivamente longo, ao mesmo tempo que reconheço a minha incapacidade para tratar com a profundidade necessária um problema de tamanha magnitude, como é este do aproveitamento integral do Mondego.

Besta-me a boa vontade e o espírito de servir. Que estas disposições me absolvam perante a Cumaru e as populações do vale do Mondego.

Do que expus creio poder concluir-se:

1.º Que o desenvolvimento económico do País é uma obrigação urgente que recai, de forma especial, sobre as gerações presentes;

2.º Tal desenvolvimento compadece-se com as tarefas de planeamento regional, que importa igualmente encarar;

3.º Ora, dentro de possíveis esquemas de desenvolvimento regional, avulta desde já, como realidade indiscutível, o aproveitamento do rio Mondego;

4.º Reconhecidas as potencialidades energéticas do rio, será ainda a electricidade a grande alavanca para um arranque decisivo;

5.º Este aproveitamento conhecerá igualmente a obra de repovoamento florestal, o domínio dos caudais sólidos, a regularização das cheias, a rega dos campos da Cova da Beira, de Celorico, do Mondego e de Cantanhede do Vouga, a industrialização, o abastecimento de água a muitos concelhos ribeirinhos, a valorização do porto da Figueira da Foz e todo uni conjunto de melhorias marginais complementares, desde as comunicações à valorização de centros teroiários, entre os quais avulta a cidade de Coimbra;

6.º A magnitude de uma tarefa a longo prazo não se opõe, por outro lado, a que prossigam as necessárias e urgentes obras de defesa, e valorização dos campos a jusante de Coimbra;

7.º A realização do aproveitamento do Mondego contribuirá para o robustecimento das instituições administrativas locais, ao mesmo tempo que permitirá uma elevação no nível de vida das populações, com eliminação de desemprego oculto e a atenuação do êxodo rural;

8.º Tamanho contributo no Centro do País será altamente meritório não só para a região, mas ainda como fautor de desenvolvimento geral;

9.º Num momento em que deve já encontrar-se em estudo a elaboração do III Plano de Fomento deve o Governo atender às possibilidades que o Mondego oferece, considerando a execução das respectivas obras de aproveitamento nos esquemas desse III Plano.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: não há na Mesa quaisquer explicações do Governo relativamente no aviso prévio que acaba de ser efectivado. Não posso, como teria de fazer de acordo com o Regimento, mandar ler as ditas explicações, dado que não existem. Há, no entanto, a possibilidade da generalização do debate, se ela for requerida.

O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: queria precisamente requerer a generalização do debate, se V. Ex.ª houver por bem concedê-la.

O Sr. Presidente: - Está deferido o requerimento de V. Ex.ª

O Sr. Santos Bessa: - Em consequência do requerimento que fiz a Y. Ex.ª desejaria que me fosse amanhã concedida a palavra.

O Sr. Presidente: - Será satisfeita a pretensão de V. Ex.ª

Dado o adiantado da hora, o debate iniciar-se-á amanhã. Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Marques Fernandes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Coelho.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Jerónimo Henriques Jorge.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Colares Pereira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Seabra Carquèijeiro.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

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8 DE JANEIRO DE 1903 1677

Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Tomás Prisónio Furtado.
Artur Alves Moreira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa
Fernando António da Veiga Frade.
Jacinto da Silva Medina.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
José Manuel Pires.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel João Correia.
Manuel Nunes Fernandes.
Olívio da Costa Carvalho.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

Requerimento enviado para a Mesa pelo Sr. Deputado Jorge Correía durante a sessão:

Requeiro, no abrigo do § 3.º do artigo 19.º do Regimento da Assembleia Nacional, que, pelas entidades competentes, me sejam fornecidos exemplares da obra Dez Anos de Política Externa (1936-1947), vol. I, e o Porto de Lisboa. Quinto Centenário do Infante D. Henrique, editado pela Administração-Geral do Porto de Lisboa, visto constituírem publicações oficiais.

Anexos ao discurso do Sr. Deputado Nunes Barata:

ANEXO N.º l

Evolução da população e respectivas densidades

[...Ver tabela na imagem]

Fontes: Anuário Demográfico de 1960 e Resultados Prováveis do 10.º Recenseamento Geral da População do I. N. E.

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1678 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65

ANEXO N.º 2

Distrito de Coimbra

Evolução da população, por concelhos, nos últimos vinte anos

[...Ver tabela na imagem]

Fonte: X Recenseamento Geral da População (resultados prováveis).

Distrito da Guarda

Evolução da população, por concelhos, nos últimos vinte anos

ANEXO N.º 3

[...Ver tabela na imagem]

Fonte: X Recenseamento Geral da População (resultados prováveis).

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8 DE JANEIRO DE 1963 1679

ANEXO N.º 4

Distrito de Viseu

Evolução da população, por concelhos, nos últimos vinte anos

[...Ver tabela na imagem]

Fonte: X Recenseamento Geral da População (resultados prováveis)

Evolução da taxa de analfabetismo

ANEXO N.º 5

[...Ver tabela na imagem]

Fonte: Anuário Estatístico de 1960.

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1680 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65

ANEXO N.º 6

Explorações segundo a extensão da cultura arvense

(1952-1954)

[...Ver tabela na imagem]

Fonte: Estatística Agrícola do 1960.

ANEXO N.º 7

Produção de leguminosas e tubérculos em 1960

[...Ver tabela em imagem]

Fonte: Anuário Estatísticio

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Produção de cereais em 1960

ANEXO N.º 8

[...Ver tabela na imagem]

Fonte: Anuário Estatístico do 1960.

Produção do vinho por distritos em 1960

(Em hectolitros)

ANEXO N.º9

[...Ver tabela na imagem]
Fonte: Estatística Agrícola de 1960.

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1682 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 65

ANEXO N.º 10

Árvores de fruto e oliveiras existentes em 1954

[...Ver tabela na imagem]

Fonte: Inquérito às explorações agrícolas do Instituto Nacional de Estatística.

Lagares de azeite e prensas existentes em 1960.

[...Ver tabela na imagem]

Fonte: Estatística Agrícola de 196O.

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8 DE JANEIRO DE 1963 1683

ANEXO N.º 12

Movimentos das dormidas de estrangeiros em hotéis e pensões em 1960

(Por distritos)

[ ver tabela na imagem]
Países Coimbra Guarda Viseu

Anexo N.º 13
Aproveitamento do rio Mondego

(Esquemas da C.E.B.)

Sistema I

[ ver tabela na imagem]

Escalões Asse-Dasse Vila Soeiro Ervedal I Foz do Dão Alva
Observações. - 1) Sistema explorado sem apoio exterior. 2) O sistema explorado com a central de Asse-Dasse, dando apoio interanual à R. E. N., pode garantir um acréscimo de «energia marginal» da ordem de 1100000000 k Wh.

Anexo N.º 14

Aproveitamento do rio Mondego

( Esquema da C.E.B.)

Sistema II

[ ver tabela na imagem]

Escalões Asse-Dase Vila Soeiro Girabolhos Everdal II Ázere Caneiro Dão Alva
Observações. - 1) Sistema explorado sem apoio exterior. 2) O sistema explorado com a central de Asse-Dasse, dando apoio interanual á R.E.N., pode garantir um créscimo de «energia marginal» da ordem de 1100 000000 kwh. 3) Neste quadro não foi incluído o escalão do Porto da Raiva, que poderá produzir cerca de 40 000000 kWh, por não estarem definidas todas as suas características.

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Proposta do lei o que o Sr. Presidente se referiu no decorrer da sessao:

Proposta de lei

1. A promoção da saúde mental visa permitir aos indivíduos, sob o ponto de vista sanitário, a realização das suas potencialidades pessoais e a sua conveniente integração no meio familiar, social e cultural. Compreende, por isso, não só a prevenção e tratamento das doenças mentais, mas, sobretudo, a recuperação dos diminuídos, restabelecendo neles, na maior medida do possível, a estabilidade do respectivo equilíbrio psíquico.

Reduzida a mortalidade geral e a incidência das doenças transmissíveis, tornou-se a saúde mental, hoje em dia, um dos mais importantes problemas da saúde pública dos países civilizados.

Sobretudo depois da última guerra, foram feitos extensos e pormenorizados estudos sobre o assunto. E verificou-se pela primeira vez, por exemplo, e além do mais, a grande importância das doenças desta natureza na diminuição da rentabilidade económica dos países.

Segundo determinadas estatísticas, cerca de 12 por cento dos indivíduos com mais de 20 anos sofrem ou sofreram de perturbações do foro psiquiátrico, dos quais l por cento de oligofrenias, 7 por cento de psico-patias ou psiconeuroses e os restantes 4 por cento de outras doenças mentais (esquizofrenias, psicoses ma-níaco-depressivas, psicoses orgânicas e senis). As neuroses ligeiras e as outras doenças determinadas em parte por factores psíquicos ainda fazem subir a percentagem de anomalias desta índole. E tal é o quadro triste que os técnicos apresentam à nossa consideração: a frequência e a longa duração de muitas destas doenças fazem com que, por exemplo, nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, cerca de 40 a 50 por cento dos leitos dos hospitais estejam hoje ocupados por doentes psiquiátricos.

No nosso país (e embora se não haja ainda efectuado em pormenor um estudo estatístico adequado), se compararmos o censo de 1940 com o de 1950, verifica-se um aumento geral de 10,7 por cento no número de doentes mentais. E os inquéritos já levados a efeito em determinadas zonas pelo Instituto de Assistência Psiquiátrica mostram a importância que o problema assume e a necessidade de o considerar) na sua integralidade, com energia e com rapidez.

2. A Lei n.º 2006, de 11 de Abril de 1945, que tão brilhantemente reformou entre nós a assistência psiquiátrica, criou um surto de interesse que fez duplicar, em pouco mais de dez anos, o número de leitos existentes: de 4000 passou-se para 8000 camas, aproximadamente.

Na situação presente, e atendendo aos doentes actualmente internados ou em tratamento, ao tipo da nossa cultura, à circunstância de a população portuguesa ser talvez das mais jovens da Europa, (este facto tem grande importância, pois o aumento da população urbana e o envelhecimento são dos factores que mais decididamente contribuem para a necessidade de maior número de camas para os doentes mentais) e atendendo ainda ao desenvolvimento do serviço social especializado e da assistência extra-hospitalar, parece seguro que, para Portugal, a permilagem adoptada pela Organização Mundial de Saúde para os países da Europa Ocidental deve ser reduzida para cerca de 1,5 por cento.

Esta permilagem e o previsível aumento da população nos próximos dez anos deverá por isso determinar um programa de construções que permita atingirem-se cerca de 16 000 leitos em 1970. Tal é o limite tecnicamente aconselhável para uma luta eficaz mo campo das doença mentais entre nós.

Nenhum país possui, nem talvez venha a possuir, as camas reputadas teoricamente suficientes para todos os seus doentes mentais. Mas não é este, aliás, o conteúdo exclusivo dos programas de saúde mental: o que interessa sobretudo é, desse ou doutro modo, dar ao doente a possibilidade de cura e de recuperação social, a fim de o tornar valido e socialmente útil.

3. A presente proposta de lei continua a dispensar atenção preferencial às medidas de carácter preventivo e de higiene mental com vista à defesa e conservação da saúde dos indivíduos, sobretudo durante a infância e a adolescência. Na verdade, a profilaxia das doenças mentais acompanha de perto a evolução da medicina preventiva nos outros campos da saúde pública.

As medidas mais eficazes e económicas são, portanto, as de natureza preventiva, conjugadas com o tratamento precoce em regime ambulatório ou domiciliário. Por isso, neste campo, os serviços sociais têm tanta importância como. os próprios hospitais psiquiátricos. Estes últimos falharão nas suas missões, ou não as prosseguirão integralmente, se não forem apoiados por serviços sociais especializados e actuando por métodos actuais.

Salienta-se nesta proposta de lei a atenção que merece a promoção da saúde mental infantil, não só pela prevenção e despiste das doenças, mas também pelo tratamento e recuperação dos afectados ou diminuídos psíquico. De facto, no grande mundo da saúde mental, a recuperação da infância (e da adolescência) significa uma preferência pelas medidas preventivas ou outras que conduzam à diminuição da morbilidade ou da incidência geral das doenças e anomalias mentais. A infância, mentalmente recuperada constituirá mais cedo um elemento activo da população; quanto mais cedo a criança for recuperada, tanto menos, como adulto, se tornará pesada à sociedade e aos próprios serviços de saúde mental, que então a teriam de suportar em tratamento mais demorado e de resultado problemático.

4. Entre a Lei n.º 2006 e a presente proposta há diferenças bastante sensíveis, que resultam da grande evolução verificada nos últimos anos pelo que respeita à promoção da saúde mental. Destacar-se-ão algumas delas.

A primeira diferença - e talvez a mais importante - resulta da própria evolução havida e está já, de certo modo, contida no que foi dito.

O objectivo da presente lei não se circunscreve ao mero aspecto da assistência psiquiátrica, hoje subordinado e de alguma forma supletório. Ao contrário, apresenta-se como sendo a promoção da saúde mental, tarefa activa que não aguarda a verificação do caso de doença, mas lhe antepõe um esforço para manutenção do estado sanitário positivo.

5. Reporta-se outra das diferenças à integração ou reintegração do doente no seu meio social, isto é, à sua recuperação para a complexidade da vida humana.

E que não bastará fazer profilaxia e tratar os doentes, se não conseguir que, através da terapêutica ocupa-

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cional e de outras medidas, eles se adaptem à sua própria vida ou à profissão mais indicada ao seu déficit básico ou ao de que porventura fiquem a sofrer.

Por outro lado, a experiência revelou que os doentes carecendo de ser tratados devem ter o direito de livremente procurar qualquer hospital, sem formalidades desnecessárias e, tanto quanto possível, sem serem segregados do convívio social.

Os serviços de recuperação devem por isso ser localizados, preferentemente, fora dos hospitais psiquiátricos, pois é hoje geralmente aceite que muitos doentes, mesmo quando não completamente curados, podem ter em liberdade uma vida social útil.

6. Outra diferença importante reside no facto de se considerarem expressamente incluídos no âmbito da saúde mental o alcoolismo e as outras toxicomanias, ao lado das doenças psíquicas propriamente ditas.

Na verdade, os internamentos verificados nos últimos dez anos no nosso maior hospital psiquiátrico revelam que cerca de 10 por cento do total das admissões resultaram de psicoses alcoólicas.

E do conhecimento geral que os alcoólicos têm a capacidade de trabalho afectada e a resistência diminuída, pelo que entre eles se verificam os maiores índices de mortalidade. Em França, apurou-se que são responsáveis por 40 a 50 por cento dos acidentes mortais de viação e por 20 por cento das doenças profissionais, e que sofrem de acidentes de trabalho com frequência três vezes superior à dos outros trabalhadores. E também entre nós as consequências sociais do alcoolismo e o seu papel na desagregação da família e na criminalidade são de sobejo conhecidas.

O que na lei agora é decidido quanto ao alcoolismo postula a necessidade de uma campanha destinada a dar a conhecer ao público os malefícios que o abuso do álcool pode provocar e a organizar em bases técnicas os programas de luta contra esta toxicomania. For isso, a presente proposta prevê a criação, junto do Instituto de Saúde Mental, de uma comissão de estudo e informação sobre o alcoolismo e as outras toxicomanias.

7. Uma outra diferença reside no expresso reconhecimento do princípio da unidade da promoção da saúde mental, quer no que diz respeito ao agrupamento dos estabelecimentos e serviços, quer pelo que se refere à evolução da doença dos indivíduos.

E sempre vantajoso que o doente seja seguido, no decurso da evolução da sua doença, ceio mesmo médico ou pela mesma equipa clínica, pois o conhecimento do seu modo individual de reacção é muito útil para uma terapêutica eficaz. Ora em psiquiatria, mais do que em qualquer outro ramo da medicina, a necessidade do conhecimento íntimo e profundo do doente, do seu meio ambiente, das suas acções e reacções (e isto muitas vezes só se consegue ao cabo de longos e repetidos contactos) torna mais imperioso que cada doente seja tratado pelo mesmo clínico.

Esta é uma das razões por que a competência* técnica dos serviços de promoção da saúde mental é definida em função de áreas de recrutamento geográfico dos doentes e estas são traçadas conforme as necessidades específicas dos agrupamentos populacionais dessas áreas.

8. Uma política de saúde exige flexibilidade e variedade de serviços. Mas exige também uma posição, porventura mais definida, da parte do Estado, garantindo (ainda que sempre supletivamente) a existência deles, já acompanhando a sua organização e actividade em termos de não haver inconvenientes disparidades em matéria de tanto relevo. A estas necessidades se pretendeu também obviar.

E igualmente se- considerou conveniente reforçar o regime de defesa dos direitos individuais, particularmente delicada no caso dos internados em regime fechado.

Bem se compreende, na verdade, que o estatuto do doente mental nessas condições seja a de uma incapacidade jurídica quase total. Mas exactamente por isso, e porque a incapacidade é imposta por motivos técnicos, em princípio susceptíveis de discussão, é que se julgou da maior necessidade assegurar sempre, dentro do conveniente equilíbrio dos interesses em j a maior latitude de defesa possível às garantias viduais de cada um.

9. Outra diferença importante: a presente proposta de lei prevê uma curatela especial, destinada aos. doentes que fiquem temporariamente inibidos de gerir os seus bens.

Na verdade, os grandes progressos verificados recentemente no tratamento das doenças mentais fizeram que se deixasse de olhar o doente psíquico como muito provavelmente destinado a uma evolução crónica e presumivelmente incapacitado, de forma definitiva e permanente, de reger a sua pessoa e bens. Hoje, em princípio, apenas deve ser considerado como um indivíduo transitoriamente incapaz de cuidar de algum ou alguns dos seus interesses. E esta situação de obnubilação temporária das faculdades que motivará cada vez menos o recurso ao processo de interdição e levará a recorrer, nos países que o prevejam, a um instituto de aplicação e suspensão mais rápidas e, por conseguinte, mais adequadas ao ritmo de progresso da medicina, nos sectores da saúde mental.

De futuro, e nos casos normais, a evolução da doença nem já terá duração suficiente para permitir recorrer à interdição do doente. Por isso, a Organização Mundial de Saúde recomenda repetidamente, há já algum tempo, a instituição de uma curatela especial, aplicável, aos doentes momentaneamente incapacitados, quer internados, quer não.

10. A evolução dos métodos utilizados na promoção da saúde mental e o alargamento do âmbito de acção' dos serviços implicam não só a preparação do pessoal técnico adequado às necessidades, mas a intensificação da sua formação.

As Faculdades de Medicina é cometida a incumbência da preparação activa do pessoal médico especializado. Mas ao Instituto de Saúde Mental incumbe também promover a preparação e o aperfeiçoamento do pessoal indispensável, desde o médico (na diversidade das suas especializações e subespecializações) aos trabalhadores de serviço social,, de enfermagem e das técnicas auxiliares, sem esquecer o recurso a pessoal especializado estrangeiro e aos estágios, em centros de saúde mental de outros países, do pessoal reputado necessário.

Tais são os linhas gerais da proposta de lei que o Governo tem a honra de submeter u apreciação da Câmara Corporativa e da Assembleia Nacional.

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BASE I

1. A promoção da saúde mental visa a estabelecer o equilíbrio psíquico da pessoa humana e abrange a acção profiláctica, a acção terapêutica e a acção recuperadora.

2. A acção profiláctica é exercida por medidas de carácter preventivo geral e por medidas de higiene mental, individuais ou colectivas. As providências dirigidas à saúde mental da infância devem ser consideradas com particular interesse.

3. A acção terapêutica' consiste no tratamento das doenças e na correcção das anomalias mentais, bem como no tratamento das toxicomanias, em regime ambulatório, domiciliário, de colocação familiar ou de hospitalização.

4. A acção recuperadora realiza-se pela aplicação de medidas psicopedagógicas, sociais e de outras naturezas, destinadas ao treino e readaptação dos portadores de doenças e anomalias mentais, bem como de toxicomanias, para sua integração, tão completa quanto possível, no meio social.

BASE II

No campo da saúde mental, incumbe ao Estado:

a) Orientar, coordenar e fiscalizar a acção profiláctica, terapêutica e recuperadora no domínio das doenças e anomalias mentais, bem como das toxicomanias; ,

b) Estimular e favorecer as iniciativas particulares que contribuam para a realização de qualquer das formas de actividade que promovam a saúde mental, autorizando o funcionamento de estabelecimentos adequados e aprovando os respectivos regulamentos gerais;

c) Criar e manter os serviços considerados necessários :i promoção da saúde mental.

BASE III

1. A acção do Estudo será exercida pelo Ministério da Saúde e Assistência, por intermédio do Instituto da Saúde Mental.

2. O Instituto terá sede em Lisboa e gozará de personalidade jurídica e de autonomia técnica e administrativa.

3. A direcção do Instituto será exercida por uni psiquiatra e assistida de um conselho técnico de saúde mental. •

BASE IV

1. Compete ao Instituto de Saúde Mental dar execução, em geral, às funções do Estado enumerados nu base n e designadamente:

a) Sob parecer do respectivo conselho técnico, fixar as condições de funcionamento dos estabelecimentos e serviços destinados à realização de qualquer das modalidades de promoção da saúde mental;

l) Intensificar a colaboração entre estabelecimentos e serviços já existentes ou que venham a criar-se;

c) Cooperar com os organismos que se ocupem da higiene mental no estudo dos problemas relativos às condições económico-sociais e de trabalho e aos factores sanitários que influam na mobilidade das doenças e anomalias mentais, bem como das toxicomanias;

d) Promover a preparação e o aperfeiçoamento do pessoal médico, psicológico, de serviço social, de enfermagem e auxiliar técnico, necessário ao funcionamento dos serviços de saúde mental e de outros correlativos;

c) Promover a investigação científica e prestar a assistência técnica que jaó campo da saúde mental lhe for solicitada;

f) Proceder aos exames médico-legais que lhe sejam requisitados pelas entidades competentes, nos termos da lei e sem prejuízo, dos recursos nela estabelecidos; '

g) Assegurar o registo dos doentes admitidos em estabelecimentos oficiais e particulares e elaborar as estatísticas relativas nos serviços de saúde mental.

2. Os serviços de saúde, hospitalares assistenciais prestarão no Instituto, dentro- das suas possibilidades, a colaboração de que este carecer para conveniente realização dos seus fins.

3. As funções atribuídas no Instituto de Saúde Mental não prejudicam as que por lei competirem aos serviços prisionais e jurisdicionais de menores.

BASE V

1. Ao conselho técnico incumbe emitir parecer sobre os assuntos relativos a promoção da saúde mental e, obrigatoriamente, sobre:

a) Os planos de saúde mental;

b) As medidas destinadas ao aperfeiçoamento da formação do pessoal médico, de serviço social, de enfermagem e auxiliar, bem como acerca das providências destinadas a promover o aumento do seu número e a melhoria das suas condições de trabalho;

c) Os programas de investigação científica a realizar e financiar pelo Instituto ou com a sua colaboração.

2. O conselho técnico será presidido pulo director do Instituto e constituído pelos seguintes vogais:

a) Os professores de Psicologia e de Psiquiatria das Faculdades de Letras e de Medicina;

b) Um professor universitário de Sociologia;

c) O director do Instituto António Aurélio da Costa Ferreira;

d) Os delegados do Instituto nas zonas norte e centro;

e) Os directores e chefes de serviço dós hospitais e dispensários de saúde mental do distrito de Lisboa, nos termos dos regulamentos respectivos;

f) Um representante da Igreja Católica.

3. Podem ser convidados a participar nas reuniões do conselho, para exame de questões que interessem às suas funções ou serviços, os demais professores das cadeiras de Psiquiatria das Faculdades de Medicina e outros médicos ou funcionários dos estabelecimentos oficiais ou particulares.

BASE VI

1. Para efeitos da organização dos serviços de saúde mental, o País é dividido em três zonas, correspondentes às zonas hospitalares do Norte, Centro e Sul, com sedes, respectivamente, no Porto, Coimbra e Lisboa.

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2. Cora superintendência na respectiva zona, funcionarão no Porto e em Coimbra delegações do Instituto, às quais especialmente incumbirá orientar e coordenar os respectivos centros de saúde mental. Nos distritos onde existam serviços previstos nesta lei poderá haver subdelegações.

BASE VII

1. O serviço do Instituto é assegurado, em cada zona, por centros de saúde mental.

2. Os centros gozarão de autonomia técnica e administrativa e terão área de actuação de base geográfica, de acordo com as necessidades específicas dos agrupamentos populacionais.

A sede dos centros será, de preferência, na sede dos distritos ou das regiões hospitalares. Os centros funcionarão integrados com os restantes serviços de saúde e assistência, de modo a constituírem com eles centros médico-sociais locais.

3. As suas direcções compete:

a) Orientar, coordenar e fiscalizar as actividades dos centros;

b) Organizar, de acordo com as indicações médico-psicológicas e sociais) os processos de admissão em estabelecimentos adequados dos doentes do foro mental;

c) Propor a concessão de subsídios;

d) Assegurar o registo dos doentes em estabelecimentos oficiais e particulares;

e) Elaborar as estatísticas relativas à sua área.

BASE VIII

1. Os centros de saúde mental, dirigidos por psiquiatras de reconhecido mérito e competência, deverão dispor, no todo ou em parte, de serviços diferenciados para menores e adultos.

2. Os estabelecimentos oficiais de saúde mental integrados nos centros terão receitas próprias, podendo ser-lhes concedida autonomia técnica e administrativa.

Os mesmos estabelecimentos terão ainda capacidade jurídica para aceitar heranças, legados ou doações e podem receber subsídios do Estado, das autarquias locais, dos organismos corporativos ou de coordenação económica e das entidades particulares.

3. E facultado aos referidos estabelecimentos receber pensionistas, competindo ao Ministério da Saúde e Assistência aprovar as tabelas das respectivas pensões u honorários clínicos.

4. Deverá revertei- a favor dos assistidos ou de suas famílias uma quota-parte do produto líquido do trabalho remunerado que realizarem.

BASE IX

São especialmente destinados à promoção da saúde mental infantil os seguintes estabelecimentos e serviços:

a) Os dispensários de higiene e profilaxia mental

infantil, destinados à prevenção, tratamento e recuperação dos menores que não necessitem de ser hospitalizados;

b) As brigadas móveis, dependentes dos dispensários e destinadas à observação e selecção de menores para fins' terapêuticos e de recuperação;

c) Os serviços especializados de psicoterapia e psicopedagogia infantil;

d) As clínicas psiquiátricas, infantis para tratamento das perturbações psíquicas agudas e das anomalias do comportamento;

c) Os serviços destinados ao tratamento de menores epilépticos, com perturbações motoras ou com deficiências sensoriais;

f) Os estabelecimentos destinados à recuperação de menores educáveis;

g) Os estabelecimentos destinados, à educação e tratamento de menores dependentes e treináveis;

h) Os serviços de colocação familiar e de assistência domiciliária;

i). Os lares educativos.

BASE X

Incumbe ao Instituto António Aurélio da Costa Ferreira a orientação psicopedagógica dos serviços de ensino destinados à reeducação dos menores com anomalias mentais e n preparação do pessoal docente e técnico necessário aos mesmos serviços.

BASE XI

1. São especial mente destinados à promoção da saúdo mental dos adultos os seguintes estabelecimentos e serviços:

a) Dispensários destinados à profilaxia, terapêutica e recuperação dos portadores de doenças e anomalias mentais que não necessitem de ser hospitalizados;

a) Brigadas móveis dependentes dos dispensários e destinadas a percorrer regularmente as áreas que lhes forem demarcadas, dando consultas, despistando e diagnosticando os portadores de doenças e anomalias mentais e tomando as medidas adequadas de profilaxia e higiene mental;

c) Hospitais psiquiátricos, destinados ao tratamento com internamento dos portadores de doenças e anomalias mentais;

d) Clínicas e serviços psiquiátricos, autónomos ou agregados a hospitais gerais;

e) Serviços de recuperação para doentes de evolução prolongada;

f) Secções psiquiátricas em asilos gerais;

g) Estabelecimentos para tratamento e recuperação de alcoólicos e outros toxicómanos;

h) Estabelecimentos destinados ao tratamento e correcção dos portadores de anomalias mentais sem psicose e, principalmente, dos delinquentes:

h) Serviços destinados ao tratamento dos doentes mentais tuberculosos, em hospitais psiquiátricos ou em sanatórios;

j) Hospitais de dia e hospitais de noite, em ligação com os hospitais psiquiátricos ou com os hospitais gerais;

h) Serviços de dia, destinados especialmente à assistência dos doentes senis e dos deficientes mentais;

m) Serviços oficiais adequados (oficinas protegidas);

n) Serviços de colocação familiar e de assistência domiciliária;

o) Clubes de portadores ou de antigos portadores de doenças e anomalias mentais.

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2. Será autorizado o funcionamento de instituições particulares com finalidades semelhantes às dos serviços e estabelecimentos oficiais previstos nesta base, nas condições a estabelecer em regulamento.

BASE XII

1. Os serviços referidos nas bases anteriores deverão, tanto quanto possível, funcionar agrupados, para garantia da unidade da promoção da saúde mental através da concorrência das actividades profilácticas, terapêuticas e recuperadoras.

2. Deverá procurar conseguir-se que o portador de doença ou anomalia mental ou de toxicomania seja acompanhado, na respectiva evolução, pelo mesmo médico ou pela mesma equipa clínica.

BASE XIII

1. As clínicas e os serviços psiquiátricos das Faculdades de Medicina gozam de autonomia técnica. Deverão, no entanto, coordenar as suas actividades com as do centro de saúde mental da área respectiva.

2. Quando se mostrar conveniente, as Faculdades de Medicina poderão exercer a sua actividade pedagógica e científica nos serviços dependentes do Instituto de Saúde Mental. Neste caso, os referidos serviços gozarão de autonomia técnica, sob a chefia do professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina respectiva, sem embargo do funcionamento em estreita colaboração com o estabelecimento em que se encontrem integrados.

3. As clínicas psiquiátricas universitárias poderão solicitar dos serviços de saúde mental, sem prejuízo da actividade destes, dos direitos, dos próprios doentes e de terceiros, os doentes e elementos necessários ao ensino e à investigação.

4. A coordenação da actividade das clínicas psiquiátricas das Faculdades com a dos centros de saúde mental e dos serviços deles dependentes será assegurada pelo director do centro e pelos professores de Psiquiatria daquelas clínicas.

5. Os médicos e outro pessoal técnico dos serviços do Instituto poderão trabalhar nos serviços adstritos às Faculdades de Medicina, nos termos dos respectivos regulamentos e sob orientação do competente professor de Psiquiatria.

6. As Faculdades de Medicina deverão participar activamente na preparação do pessoal médico especializado nos serviços de saúde mental.

BASE XIV

1. As instituições particulares de assistência que prossigam actividades ligadas à saúde mental gozam de autonomia técnica e administrativa.

2. O Instituto de Saúde Mental exercerá sobre as instituições particulares a conveniente acção orientadora e fiscalizadora, dentro dos limites da lei. Designadamente, ficarão dependentes do prévio parecer favorável do Instituto a abertura, bem como as obras de construção, ampliação ou grande remodelação de edifícios das instituições, casas de saúde, hospitais ou serviços de entidades privadas que se destinem a prestar assistência no campo da saúde mental.

3. Sob parecer fundamentado do Instituto, a Direcção-Geral de Saúde poderá determinar o encerramento dos estabelecimentos ou serviços destinados ao tratamento ou recepção de portadores de doenças ou anomalias mentais, de alcoólicos e de outros toxicómanos, que funcionem sem observância das disposições da presente lei e respectivos regulamentos.

BASE XV

1. No Instituto de Saúde Mental ou nos estabelecimentos e serviços dele dependentes poderão funcionar cursos e estágios para formação, especialização e aperfeiçoamento do pessoal médico, do serviço social e de enfermagem e dos outros técnicos que se tornem necessários.

2. Ao Ministro da Saúde e Assistência cabe autorizar o contrato de pessoal especializado estrangeiro, quando o não haja em Portugal, e, bem assim, conceder bolsas de estudo a pessoal médico ou outro para praticar em quaisquer serviços de saúde mental de outros países.

BASE XVI

1. A observação de menores portadores de doença ou anomalia mental ou de toxicomania, para efeitos da sua orientação educativa e eventual hospitalização, poderá ser requerida aos centros de saúde mental pelos pais, tutores ou quaisquer pessoas de família que, na falta daqueles, os tenham a seu cargo. Poderá também ser solicitada, nos termos regulamentares, pelos tribunais de menores e pelas demais pessoas ou 'entidades que, nos termos da legislação sobre saúde e assistência, possam promover ou requisitar socorros.

2. Os menores em idade de instrução obrigatória que não sejam susceptíveis de educação em classes normais ou especiais deverão ser apresentados nos estabelecimentos referidos nas alíneas f) ou g) da base IX.

BASE XVII

A hospitalização dos afectados de doença ou anomalia mental ou de qualquer toxicomania pode fazer-se em regime aberto ou fechado.

BASE XVIII

1. A admissão em regime de hospitalização poderá ser pedida pelo próprio, pela sua família ou tutor ou ainda pelas pessoas ou entidades a quem incumbam os encargos com esta admissão. Poderá também ser requisitada pelos tribunais ou outras autoridades.

As autoridades policiais deverão requisitar a hospitalização sempre que ocorram razões de ordem, tranquilidade, segurança ou moralidade pública, informando, porém, a direcção do estabelecimento das circunstâncias que determinaram a requisição.

2. A justificação para admissão em regime aberto será feita pelo médico do dispensário ou do estabelecimento em que deva fazer-se a hospitalização.

3. A justificação para admissão em regime fechado será feita por atestados, válidos por dez dias, passados por dois médicos, sempre que possível psiquiatras, não parentes ou afins do doente, nem dependentes do estabelecimento onde haja de ser hospitalizado.

4. A passagem do regime aberto para o regime fechado será determinada pelas indicações médicas ou pelas necessidades de segurança e ordem pública e carece sempre da justificação exigida para esta última forma de hospitalização.

5. Em caso de admissão de urgência, reconhecida pelo director do estabelecimento, a justificação de hospitalização deverá ser feita no prazo máximo de oito dias, a contar da admissão, prorrogável por igual período se o director do estabelecimento reputar a alta perigosa para o próprio doente ou para a ordem, segurança e tranquilidade públicas. Mas, passada essa prorrogação, a situação do doente terá de estar regularizada nos termos gerais estabelecidos.

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6. Qualquer pessoa ou entidade poderá requerer ao tribunal da comarca que conheça da legalidade da admissão em regime fechado e, se houver suspeita de erro ou abuso, mande proceder a exames médico--forenses ou outras diligências, a fim de decidir consoante lhe parecer mais conforme ao esiado do hospitalizado. Porém, a confirmação judicial da admissão não obsta a que, a todo o tempo, se apliquem as disposições relativas à alta dos doentes.

7. O hospitalizado tem direito a escolher advogado que vele pela legalidade do regime que lhe é aplicado. Se o não fizer, ser-lhe-á nomeado defensor oficioso, quando necessário.

8. Os directores dos estabelecimentos que admitirem ou mantiverem a hospitalização sem ser nos termos e condições estabelecidos nesta base incorrerão nas penas do artigo 291.º do Código Penal.

9. O processo previsto no n.º 6 é isento de custas. Mas se o requerente tiver procedido com má fé ou com negligência grave ficará sujeito às penas e responsabilidades estabelecidas na lei.

BASE XIX

1. A alta dos hospitalizados pode ser dada:

a) Por iniciativa do director do respectivo estabelecimento;

b) A pedido dos próprios hospitalizados, suas famílias, tutores ou curadores;

c) Por ordem dos tribunais ou pela Inspecção Superior de Saúde e Assistência.

2. No caso de a alta ser pedida nos termos da alínea b) do número anterior, os directores dos estabelecimentos apenas poderão recusá-la com fundamento em perigo para o próprio hospitalizado ou para a segurança, tranquilidade e ordem pública.

Mas da sua decisão cabe recurso para o tribunal da comarca, que praticará as- diligências necessárias ao apuramento da verdade.

3. Se a recusa for confirmada, não se admitirá recurso de nova recusa da alta quando esta for pedida antes de decorridos três meses sobre a decisão que houver confirmado a recusa anterior.

4. Se o director do estabelecimento a quem for ordenada a alta a reputar perigosa para o próprio hospitalizado ou para a segurança, tranquilidade e ordem pública, assim o comunicará imediatamente às competentes autoridades policiais, podendo nesse caso reter o hospitalizado por 48 horas, improrrogáveis.

5. As infracções ao que se dispõe nesta base fazem incorrer os directores dos estabelecimentos nas penas referidas no n.º 8 da base anterior.

6. E aplicável o n.º 9 da mesma base aos processos previstos nos n.º 2 e 3 da presente.

BASE XX

1. O hospitalizado tem o direito de contactar ou corresponder-se livremente:.

a) Com o tutor ou curador e com as pessoas de sua família ou que por ele revelem interesse;
b) b) Com os ministros da sua religião;

c) Com os seus advogados ou outros mandatários;

d) Com o director do estabelecimento, o Instituto de Saúde Mental, a Inspecção Superior de Saúde e Assistência e a Procuradoria da República

2. A correspondência enviada pelo hospitalizado poderá ser remetida ao seu tutor ou curador por ordem do director do estabelecimento, sempre que:

a) O destinatário solicitar ao director do estabelecimento que lhe não seja enviada essa correspondência;

b) O médico assistente considerar que a correspondência é contrária aos interesses do doente.

3. O director do estabelecimento poderá também determinar que a correspondência dirigida ao hospitalizado lhe não seja entregue se, no parecer do médico assistente, a sua leitura prejudicar o tratamento. A correspondência não entregue será devolvida à procedência, sempre que seja possível identificar o remetente, ou, caso contrário, arquivada, comunicando-se o facto ao tutor ou curador do doente.

4. Os contactos do hospitalizado com o exterior serão regulados pela mesma forma, na parte aplicável.

BASE XXI

O director do Instituto ou os directores dos centros e estabelecimentos de saúde mental poderão propor a confirmação judicial das medidas de segurança adequadas, com relação aos hospitalizados que se mostrem perigosos ou anti-sociais.

BASE XXII

As regras relativas à admissão, à passagem de regime aberto para fechado, à alta dos hospitalizados e ao exercício de livre contacto exterior são aplicáveis a todos os estabelecimentos de saúde mental, oficiais ou particulares.

BASE XXIII

Incumbe especialmente ao procurador da República zelar pela salvaguarda da liberdade individual em todos os casos de hospitalização, tomando conhecimento das restrições impostas em execução da presente lei e seus regulamentos, e providenciar, em cada caso, pela forma legal adequada. Designadamente, deverá intervir sempre que, por qualquer razão, tenha suspeita de que indevidamente se mantém o internamento ou o isolamento de algum doente.

BASE XXIV

1. Poderá ser nomeado curador às pessoas maiores ou emancipadas, hospitalizadas ou não, que, por motivo de doença ou anomalia mental, bem como de toxicomania, se mostrarem temporariamente incapazes ou estejam impedidas de reger a sua pessoa e administrar os seus bens.

2. O regime jurídico da curatela será estabelecido na lei civil, que deverá considerar especialmente os casos de urgência.

BASE XXV

1. Junto do Instituto de Saúde Mental funcionará uma comissão para estudo e informação sobre o alcoolismo e outras toxicomanias, a qual compete, neste assunto:

a) Organizar programas de lutas profilácticas;

b) Orientar campanhas educativas;

c) Submeter à aprovação do Ministro da Saúde e Assistência as medidas convenientes para melhor combater os referidos males sociais.

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2. A comissão será constituída pelo director do Instituto que presidirá, por delegados as direcções-gerais do Ministério da Saúde e Assistência e por delegados dos Ministérios do Interior, Justiça, Exército, Marinha, Ultramar, Educação Nacional, Economia e Corporações e Previdência Social e do Estado da Aeronáutica.
Ministério da Saúde e Assistência, 17 de Junho de 1961. - O Ministro da Saúde e Assistência, Henrique Miranda de Vasconcelos Martins de Carvalho.

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CÂMARA CORPORATIVA

VIII LEGISLATURA

PARECER N.º 8/VIII

Projecto de proposta de lei n.º 522/VII

Saúde mental

A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 105 da Constituição, acerca do projecto de proposta de lei nº 522, elaborado pelo Governo sobre a saúde mental, emite, pelas suas secções de Interesses de ordem espiritual e moral e Interesses de ordem administrativa (subsecção de Justiça), com os Dignos Procuradores agregados Guilherme Braga da Cruz, António Sobral Mendes de Magalhães Ramallio, Mário dos Santos Guerra, Hildebrando Pinho de Oliveira, Joaquim Trigo de Negreiros e António Jorge Martins da Mota Veiga, sob a presidência do S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I

Apreciação na generalidade

A) Introdução

1. A Câmara Corporativa e chamada a dar parecer sobre o projecto de proposta de lei n.º 522, que trata da promoção da saúde mental:

Ao relatar-se o parecer, é justo pôr em evidência o sentido de oportunidade com que o problema foi encarado e a actualização de conhecimentos que orientaram o trabalho.

Na verdade, nenhum dos flagelos que perturbam u equilíbrio do Mundo necessita de ser tratado mais em profundidade e mais em extensão. Embora se não diga, depreender-se da largueza com que o assunto é cuidado que se pretende criar um armamento que actue, para já, com firmeza e segurança, em todo o território continental e insular.

2. Pareceu conveniente à Câmara, na apreciação na generalidade que fará do projecto, inserir um conjunto do notas, mais ou menos independentes, justificativas das modificações que entendeu dever propor.

Verificar-se-á que certas afirmações se repetem com frequência; procedeu-se assim muito propositadamente; há princípios em que é preciso insistir e adoptou-se a insistência como sinal de valorização; demais houve o propósito de, com simplicidade e clareza, sem exibicionismos de teorias nem ciência, elaborar um parecer que sirva a todos os sectores interessados.

Na elaboração deste parecer houve um pensamento dominante: ser prático, ser objectivo, viver na terra e só na terra; não desprender a imaginação querendo o que devia ser, mas encarando só o que pode ser. E até por isso a obra não saiu perfeita - de resto, a perfeição não é deste mundo; mas julga a Câmara que o trabalho que produziu ajudará à realização e implantação do que se pretende seja executado com efi-

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ciência e em curto prazo, se houver os recursos indispensáveis e a tarefa for dirigida por uma vontade firme, que saiba querer e que saiba o que quer.

3. Como adiante se verá, não Louve a preocupação de defender um regime rígido, de aplicação igualmente rígida.

No mundo em activa revolução, pareceu-nos prudente adoptar directrizes assistenciais e propor normas legais, harmónicas e coerentes, conformes com a nossa organização social, mas com certa elasticidade, elasticidade que permita segui-lo nas suas mutações, evitando assim a discordância, em muitos países observada, onde a uma psiquiatria moderna e eficiente corresponde uma legislação atrasada, ultrapassada ... e vice-versa?

Enfim, dar ao doente tratamento, conforme as suas necessidades médicas, dar ao doente protecção conforme a sua insuficiência social, tudo isto de uma maneira prática e realizável, apesar das dificuldades a vencer, foi e é a finalidade deste parecer.

4. Quem conhece a evolução da psiquiatria através dos tempos e não desconhece a história da assistência aos doentes mentais no nosso país, conclui que Portugal esteve sempre em dia com as práticas aceites nos meios civilizados.

Assim, em documento de Fevereiro de 1539 faz-se referência à nomeação de Pedro Fernandes de Gouveia para curar todos os doentes fora do seu siso que no Hospital de Todos-os-Santos fossem recebidos para serem curados por ele disso ter muita experiência e os saber bem curar».

E quando, no limiar do século XVII, se procedeu à reconstituição daquele Hospital, que havia sido destruído, por um incêndio, o mesmo foi ampliado com nove casas, sendo quatro destinadas aos doentes mentais do sexo masculino e cinco aos do sexo feminino.

Após o terramoto de 1755, os loucos estiveram algum tempo apor baixo das cabanas do Rossio», e mais tarde e nas cocheiras do conde de Castelo Melhor», mas em 1755 deram entrada no novo Hospital de S. José, onde passaram a ocupar as enfermarias n.ºs 13 (S. Teotónio) e 19 (Santa Eufemia).

Esta situação durou até Dezembro de 1848, em que, por iniciativa do duque de Saldanha, então Ministro do Reino, foi instalado o Hospital dos Alienados no Convento de Rilhafoles, ou seja no edifício presentemente ocupado pelo Hospital Miguel Bombarda.

Três anos decorridos sobre a abertura do Hospital de Bilhafoles foi publicado o seu primeiro regulamento, em que, pela primeira vez, se previu não só «a ocupação, trabalho, instrução e recreio dos alienados», mas ainda o modo de «evitar os abusos que possam cometer-se na sua detenção».

A Lei de 4 de Julho de 1889, publicada de harmonia com o decreto das Cortes Gerais de 12 de Junho do mesmo ano, dividiu, para o efeito do serviço de alienados, o continente e as ilhas adjacentes em quatro círculos, autorizou o Governo a construir diversos estabelecimentos e a dar novo destino ao Hospital de Bilhafoles e criou o fundo de beneficência pública dos alienados. Diploma notável, a que ficaram ligados os nomes de José Luciano de Castro, à data Presidente do Ministério, e do médico António Maria de Sena, foi pena que não tivesse sido executado.

Em 1911 foi publicada uma nova reforma da assistência aos alienados (Lei Júlio de Matos), que, tal como acontecera com a de 1889, não chegou a executar-se, salvo quanto ao ensino oficial de psiquiatria, que passou a realizar-se em Lisboa, no Manicómio Bombarda, no Porto, no Hospital Conde de Ferreira, e em Coimbra, no Hospital da Universidade.

Mas se as leis, no que respeita à sua projecção nos factos, quedavam inoperantes, a beneficência privada não esmoreceu no propósito de melhorar a assistência aos doentes mentais.

Assim, em 1883, a Santa Casa da Misericórdia do Porto, dando cumprimento ao testamento do benemérito conde de Ferreira, mandou construir o primeiro hospital destinado exclusivamente à assistência aos alienados no nosso país.

Logo a seguir, um membro da ordem hospitaleira criada por S. João de Deus, o grande reformador e impulsionador da assistência psiquiátrica em Espanha, o P.º Benito Menni, vem a Portugal e manda construir a Cosa de Saúde do Telhai, onde, a partir de 1893, a referida ordem começou a prestar assistência aos doentes mentais ali internados.

Passados dois anos, em 1895, através da Casa de Saúde de Idanha (Belas), também aquela ordem hospitalar passou a assistir aos alienados do sexo feminino.

Ho que respeita à assistência pública, em 1942, procedeu-se à inauguração do Hospital Júlio de Matos e, em 1943, à abertura do Manicómio Sena, em Coimbra.

Em 11 de Abril de 1940 é publicada a Lei n.º 2006, logo seguida da publicação dos Decretos n.º 34 502, 34 534, 34 547 e 36 049, que reformaram profundamente a assistência psiquiátrica.

A referida lei dá, e pela primeira vez, relevo à acção profiláctica e à terapêutica de ocupação e trabalho e estabelece novas normas de internamento, que inclui o regime aberto.

Ao contrário do que sucedera com as reformas anteriores, a Lei n.º 2006 entrou logo em execução e, na sua vigência, aumentaram e melhoraram as instalações hospitalares, de que é justo destacar o Hospital Sobral Cid, em Coimbra, criaram-se centros e dispensários, alargou-se a rede de consultas e completou-se a acção destas através de brigadas móveis, com vista ao tratamento precoce e por forma a obter-se a cura clínica e a readaptação social do maior número de doentes.

Pelo Decreto-Lei n.º 41 759, de 25 de Junho de 1958, foi criado o Instituto de Assistência Psiquiátrica, ficando a competir-lhe «o superior enquadramento dos estabelecimentos e serviços oficiais, aos quais se atribuiu como fim a acção profiláctica e pedagógica no domínio das anomalias e doenças mentais, e, bem assim, a orientação e fiscalização das iniciativas particulares que se proponham o mesmo objectivo».

5. Também esta Câmara se tem ocupado dos problemas relacionados com a assistência psiquiátrica.

Assim, no parecer relativo à proposta de lei sobre o Estatuto da Assistência Social apontou as suas deficiências e referiu o armamento considerado indispensável a uma assistência eficaz.

A proposta de lei sobre a assistência psiquiátrica, que veio a converter-se na citada Lei n.º 2006, foi objecto de parecer desta Câmara, parecer em que foram sugeridas várias alterações e aditamentos que contribuíram para a melhoria da referida proposta.

Ainda recentemente, no parecer acerca do projecto de proposta de lei n.º 514, elaborado pelo Governo, sobre o Estatuto da Saúde e Assistência, projecto em discussão na Assembleia Nacional, teve a Câmara oca-

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sião de chamar a atenção para a gravidade do problema, «visto o estudo do mesmo haver levado à conclusão de que o aumento do número de doentes mentais é constante de há um século a esta parte».
E, depois de referir as causas desse acréscimo

- «traumatismos físicos e morais, hereditariedade, materialismo, desarmonia, inquietude, insegurança, fadiga, desconfiança, desadaptação e pessimismo»-, a Câmara sugeriu que, sem prejuízo da acção profiláctica, terapêutica e pedagógica, já prevista na Lei n.º 2006, se procurasse dar mais desenvolvimento à acção recuperadora, à assistência psiquiátrica infantil, ao serviço social e ainda à coordenação dos serviços de assistência psiquiátrica com os outros serviços, designadamente com os hospitalares e de saúde pública. Também e o grau de incidência do alcoolismo», segundo o referido parecer, justificava aã criação de serviços especiais de desintoxicação e de psicoterapia, os quais podem abranger outras toxicomanias» (Pareceres da Câmara Corporativa, ano de 1961, vol. II, p. 243).

Ainda que o projecto em apreciação se situe na linha de orientação preconizada e os organismos e serviços a criar ou a desenvolver sejam, de um modo geral, os sugeridos no parecer em referência, nem por isso esta Câmara deixará de proceder ao seu estudo atento, em ordem a rever um ou outro aspecto ou definir, sendo caso disso, nova orientação ou rumo.

B) Apreciação do ponto de vista médico-psiquiátrico

6. A lição da nótula histórica atrás exposta, no n.º 4, é a seguinte: Portugal nunca descurou a assistência psiquiátrica e tem acompanhado desveladamente o curso das ideias que, nos outros países, vão regulando a assistência aos doentes mentais; é mesmo de prever que, transformado em lei o presente projecto sobre a promoção da saúde mental - desde que o diploma seja convenientemente regulamentado e alargados no futuro os meios de acção previstos -, Portugal irá ocupar a vanguarda do movimento, movimento que, em todo o Mundo, cresce e se avoluma no propósito de dar aos doentes mentais os cuidados e tratamentos de que precisam.

Da higiene mental se espera não só deter a marcha do desequilíbrio progressivo, que dá ao Mundo, por vezes, o aspecto de uma casa de orates, mas o renascer de uma nova época em que a cultura, a ciência e a fé o orientem para novos rumos.

7. Várias razões explicam este surto de interesse pelos portadores de doenças e anomalias mentais, seja qual for o grau e tipo dessa diminuição. Em primeiro lugar, verifica-se que o seu número cresce assustadoramente, de modo a constituir hoje a profilaxia e tratamento das doenças do espírito forte preocupação dos Estados. Portugal tem acompanhado, e acompanha, este movimento de humanidade, e poder-se-á dizer mesmo que em breve ficará na vanguarda.

Não é muito distante o tempo em que, para um louco conseguir internamento, era preciso praticar um crime ...; sem tal acto precursor, um psicopata aguardaria durante anos a admissão, que ... não chegava, e, se chegava, recebia o doente já em estado de incurabilidade ...

O conhecimento daquele facto, a melhor preparação dos médicos, a descoberta de um numeroso e rico arsenal de terapêutica e ainda a maior familiaridade que o dia a dia nos traz com os grandes e pequenos psicopatas contribuem para uma maior confiança na acção da psiquiatria; uma maior valorização dos psiquiatras, um confiante interesse pela assistência dos perturbados da razão, permitem a sua descoberta precoce e em grande número. Daí a necessidade, cada vez mais premente e mais necessária, de se proceder a uma eficiente promoção da higiene mental.

Por outro lado, e colaborando no mesmo sentido, a medicina vai sendo orientada num rumo mais humano, tratando, sim, o corpo, mas procurando com igual ou maior interesse encarar os sofrimentos da alma e uma série de alterações de carácter, que levam à perversão, ao vício, ao crime ...

Caminha-se no sentido de se fazer medicina de homens, praticada por homens, em substituição de medicina tecnificada, feita por técnicos, espécie de engenheiros do corpo humano ...

Vai-se reagindo, felizmente, contra a medicina como simples ciência e arte em que se julga possível fazer diagnósticos sem conhecimento do doente, simplesmente à custa de um mundo de gráficos, análises, radiografias, microscópio, da química biológica e em que a própria terapêutica é feita automaticamente segundo a rotina, seja qual for o doente e independentemente da causa da doença.

Freud, com a psicanálise, veio demonstrar que o doente não é só um conjunto de órgãos, sistemas e aparelhos e que a enfermidade não é só o funcionamento anormal de uns e de outros, mas sim um desequilíbrio do ser humano, perante si próprio e perante o ambiente; e veio dizer mais: que toda a doença tem um componente psicológico, que é indispensável considerar e que todo o médico tem de conhecer.

Quer dizer: o médico moderno tem de se familiarizar com a medicina psicossomática e tem de ser médico integral, o que lhe permitirá um melhor e mais completo conhecimento do homem são e do homem doente ...

O médico, deixando de conhecer o doente só por fora - vendo-o - e passando a ouvi-lo, isto é, a receber - ouvindo-o - informações que vêm de dentro, age em mais largos horizontes - a intimidade do homem, a sua humanidade. O médico revelará então maior capacidade científica e maior poder de actuação.

A sua actuação será mais eficiente quando estiver certo de que não há doenças puramente orgânicas, nem puramente psíquicas; não se deve ser médico de órgãos, mas médico de homens.

Se ao médico não interessar apenas o conhecimento das funções cardíacas, renais, hepáticas e outras, mas se, em face do doente, puder conhecer e compreender os seus pensamentos, os seus desejos, os seus temores, se a consulta não for somente um acto objectivo, que permita ver o doente num momento, mas tiver em vista conhecer a sua história, acompanhando no espaço e no tempo toda a sua vida, será possível descobrir mais e mais doentes, será possível surpreender u doença mais precocemente e, portanto, o movimento psiquiátrico ir-se-á avolumando e, de certeza, assistiremos a um maior surto de doentes e de interesse no domínio da psiquiatria e em todos os seus aspectos ...

Estas e outras razões tornaram premente a promulgação da nova lei sobre a promoção da higiene mental.

8. As transformações precipitadas que a humanidade vai sofrendo nestes últimos anos, as numerosas descobertas com que a ciência vai enriquecendo o Mundo, a velocidade com que se vive e para a qual o homem não tem estrutura bastante, a inquietação e a angústia que o atormentam e o dominam deram

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lugar a que nenhum ramo da medicina se encontre em semelhante ebulição, de maneira que as doutrinas surgem, vivem e envelhecem em curto prazo ...

Bem faz o Governo em querer acompanhar esse movimento progressivo, apresentando este projecto de proposta de lei. Sendo o primeiro diplomei da nossa legislação que regula no seu conjunto a assistência nos alienados de 1889 (Lei Sena), o segundo de 1911 (Lei de Júlio de Matos) e o terceiro já de 1945 (Lei n.º 2006), tornava-se, na' verdade, necessário seguir essa marcha acelerada das doutrinas sobre a saúde mental e actualizar a solução do nosso problema, de maneira a corresponder assim ao interesse que as gerações passadas sempre manifestaram pela defesa dos loucos.

Por outro lado, o conhecimento das estatísticas, a observação dos factos, a contemplação do que vai pelos outros países, o raciocínio sobre os acontecimentos que sobressaltam o globo dão-nos a certeza e a justificação do número, sempre assustadoramente crescente, de perturbados mentais e do aparecimento, igualmente crescente, de novas causas que alteram o equilíbrio mental das gentes; por isso, prevê-se a impossibilidade de se conseguir o tratamento dos doentes por falta de instalações e de pessoal segundo as directrizes habitualmente usadas. Há, pois, que pensar em evitar a doença para não ter de a remediar ... Com u programa que o projecto enuncia procura-se organizar e pôr em marcha uma campanha de profilaxia psiquiátrica, preparar um equipamento que permita um maior rendimento, aproveitando instalações j ú um trabalho, organizando outras mais económicas, anexando algumas a serviços de saúde já instalados ou coordenando ainda a sua acção de maneira mais lógica e fomentando o tratamento dos doentes, sempre que possível, em consultas, em regime ambulatório, em regime domiciliário e em regime familiar. Não dizemos em regime asilar, porque entendemos que a palavra asilo deve desaparecer da nomenclatura dos estabelecimentos de assistência psiquiátrica, como já havia desaparecido o termo manicómio.

Asilos, hospícios, pressupõem a morte em vida, inactividade, quietação, quando é certo que hoje, em qualquer período de vida, mesmo para aqueles doentes crónicos, que outrora se atiravam para o esquecimento em estabelecimentos pouco cuidados, há indicações formais de os chamar a actividade, conseguindo-se muitas vezes, se não uma reabilitação suficiente, pelo menos condições humanas que lhes amenizem a vida.

Em sua substituição entende a Câmara que deve haver «centros de recuperação», ou, melhor, o centros de recuperação pelo trabalho»; sob esta rubrica englobam-se os antigos asilos centrais e regionais, as colónias agrícolas, os centros para anormais perigosos e associais, asilos para crianças ou adolescentes anormais e ainda as colónias e casas de recuperação para alcoólicos, toxicómanos, etc.

Com a recuperação pretende-se, à custa da medicina física, de serviços psicossociais e de orientação profissional, que o indivíduo se baste, se sustente e se respeite a si mesmo.

Quer dizer: pretende-se restituir a um indivíduo incapacitado a sua utilidade óptima sob o ponto de vista físico, mental, social, profissional e económico.

Nos centros de recuperação trabalham, além do psiquiatra, do sociólogo e do antropólogo, do intemista, do enfermeiro, dos fisioterapeutas ocupacionais e re-creacionais, trabalhadoras sociais, psicólogos e mestres de oficinas. For muito dispendiosa que pareça esta tarefa, é fácil verificar que custa menos recuperar uma pessoa do que ficar toda a vida a assistir a um inválido, razão esta que leva a Câmara a considerar urgente a organização de estudos superiores, se possível integrados na Universidade portuguesa (1) e onde seja instruído e preparado todo o pessoal tão necessário, visto ser grande o número de crónicos incapacitados que têm vivido em albergues e que urge procurar recuperar.

Cada vez se considera de mais alto valor a terapêutica ocupacional e recreativa, a ponto de se dizer, em psiquiatria, que, antes de se prescrever uma droga ou uma dieta, há que estudar o enfermo por forma integral, averiguar das suas necessidades de diversão e de ocupação e saber escolher as que mais convêm, pois entre os extremos de comportamento de uma pessoa solitária, silenciosa, deprimida, hipoactiva e um eufórico e híperactivo há muitos graus de introversão e extroversão, depressão e exaltação, de reserva, timidez, agressividade, arrogância, etc., que costumam modificar-se profunda e rapidamente por actividades ocupacionais e recreativas.

E, pois, a enfermeira bem preparada que desempenha o papel predominante na recuperação do paciente, levando-o a reter ou recuperar a sua independência para comer, descomer, dormir, mover-se, vestir-se, comunicar e restabelecer relações humanas satisfatórias, isto é, executar as actividades comuns da vida diária.

9. Promover a saúde mental representa, no momento presente, um dever urgente e imperioso, pois, independentemente do valor intrínseco do problema, há que considerar a sua acuidade, visto as perturbações mentais entre nós, como em toda a parto, evoluírem em ritmo aceleradamente progressivo.

Em todos os países se vive sob a pressão, para não dizer a mais impressionante preocupação, do valor cias alterações da razão que os povos vão apresentando através das diferentes classes, alterações desencadeadas por vários factores, alguns por enquanto inamovíveis e outros removíveis com grandes dificuldades e a largo prazo ...

Há, pois, necessidade inadiável de prestar assistência aos grandes e pequenos alienados e bem assim proceder à defesa da sociedade no sentido de se obter uma profilaxia eficiente, uma terapêutica activa da loucura e uma reabilitação tanto quanto possível perfeita das suas vítimas.

Correspondendo a estas três modalidades da actuação, há que organizar, na verdade, um arsenal numeroso e bem equipado, constituído por dispensários e serviço social; hospitais psiquiátricos paru tratamento de casos agudos; centros de recuperação para os doentes de doença prolongada em regime de ergoterapia (colónias agrícolas, fábricas, oficinas, colocação familiar, - etc.); centros de educação e assistência para crianças anormais; centros de observação, hospitais de dia, hospitais de noite nos grandes meios, como instituições complementares de estudo e assistência.

Vive-se num mundo de angústia. A angústia dos homens já não é hoje uma modificação superficial e passageira dos seus sentimentos pessoais; afecta gravemente o equilíbrio individual, como transformo as suas reacções de conjunto; é, pois, uma fonte (permanente de sofrimento.

(1) Assim á Universidade portuguesa fosso concedida a autonomia suficiente para, de modo próprio, responder ás solicitações sociais oriundo os cursos e centros de investigarão cada vez mais necessários?

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A aceleração das transformações técnicas e sociais inquieta-nos, aflige-nos ... e a velocidade, as mudanças bruscas, o imprevisto, criam o desequilíbrio na vida e nas pessoas.

A própria juventude responde quase sempre com movimentos espontâneos, incompreensíveis e absurdos ...

Olhando para o Mundo, sente-se, pois, que está doente. A doença chama-se angústia, medo, cólera, ódio, enjoo ...

Ora as tensões, as nevroses, os estados de loucura, são em grande parte o fruto da ansiedade, da insatisfação, do desvairamento, da desordem e da confusão da época que atravessamos» (1).

Semelhantes perturbações psicológicas vão-se agravando ao mesmo tempo que as dificuldades sociais aumentam.

E o mal será progressivo se se lhe não opuser nina terapêutica activa, enérgica, imediata.

10. A aplicação da lei sobre n promoção da saúde 'mental pressupõe um suficiente equipamento psiquiátrico e uma organização da assistência psiquiátrica, da molde a ir correspondendo às necessidades da Nação.

Terá de ser formado por:

1) Dispensários, cuja função consiste em ciar consultas psiquiátricas gratuitas para:

a) Despistar as perturbações mentais, tão precocemente quanto possível, a fim de reduzir a duração do tratamento hospitalar quando o não puder evitar;

b) Manter em vigilância os doentes quando curados ou em licença de ensaio;

c) Fazer o tratamento dos doentes, toxicómanos e outros, em regime ambulatório;

ã) Cuidar da educação sanitária, sob o ponto de vista de higiene mental;

e) Enquanto se não criar cobertura sanitária diferenciada para estas doenças, assistir a doentes de foro neurológico.

O funcionamento técnico deverá ser executado por um ou mais médicos psiquiatras e neurologistas e por um serviço social, sempre que seja possível, pertencentes aos quadros de qualquer outra organização psiquiátrica superior da mesma região geográfica.

Quer dizer: a assistência deverá ser feita por uma equipa composta por médico, psiquiatra, assistentes sociais, psicólogo e enfermeiras especializadas.

Há, pois, que integrar em cada região e numa mesma unidade a actividade destinada a promover, a manter o melhorar a saúde mental (higiene mental), dotando-a de meios para prevenir o aparecimento das doenças psíquicas (profilaxia mental; e de meios que permitam fazer diagnósticos certos e tratamentos eficazes, isto é, realizar as funções tradicionais da antiga psiquiatria e ainda mais: proceder ao diagnóstico e tratamento das afecções do foro neurológico.

2) Hospitais psiquiátricos e serviços neuropsiquiátricos, especializados para tratamento dos doentes mentais.

Os hospitais psiquiátricos serão autónomos sob a orientação do Instituto de Saúde Mental.

(1) Parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto de proposta do lei n.º 514 (1961) - Estatuto da Saúde e Assistência, relator o Digno Procurador Joaquim Trigo do Negreiros, in Parecer, 1902, vol. II P. 285

Os serviços neuropsiquiátricos podem ser autónomos, podem fazer parte dos hospitais psiquiátricos ou mesmo dos hospitais gerais regionais, onde, obrigatoriamente, deverão vir a existir sempre que na sua área não haja outro serviço para tratamento desta espécie de doentes.

Nas três zonas, Lisboa, Porto e Coimbra, anexos aos hospitais psiquiátricos, embora em instalações próprias, haverá serviços para doentes difíceis (doentes mentais perigosos e, particularmente, criminosos).

Neles deverão ser admitidos doentes dotados de e «personalidades psicopáticas» desequilibradas, perversos lúcidos, muitas vezes inteligentes, absolutamente inadaptados à sociedade e incompatíveis com a vida disciplinada de um hospital psiquiátrico.

O doente que não pôde ser tratado com resultado no dispensário deve, nos primeiros tempos da sua doença, passar ao hospital psiquiátrico; o que quer dizer: terá o hospital psiquiátrico, como lhe é próprio, de possuir todo o equipamento médico-cirúrgico para diagnóstico e terapêutica activa destes doentes (laboratórios, cura de insulina, cura de sono, etc., organizações para psicoterapia individual e colectiva, instalações para ergoterapia e socioterapia).

Mas o número sempre crescente de doentes mentais o doentes nevrosados, as condições de vida nos grandes centros populacionais, cada vez mais difíceis e perturbantes, as dificuldades cada vez maiores de internamento dos casos agudos, levam a aconselhar para já a criação e a instalação, como já se fez em Lisboa e Coimbra, do chamado hospital de dia e do hospital de noite, que permitam ao doente, durante o dia ou durante a noite, o repouso o u isolamento de que necessitem, e bem assim receber a terapêutica psiquiátrica aconselhada.

O facto de o tratamento dos doentes mentais ser cada vez mais precoce, mais activo, mais racional e mais eficaz tem valorizado extraordinariamente o hospital psiquiátrico; daí os êxitos obtidos, a atmosfera de simpatia e de optimismo junto dos doentes, das famílias, o público e dos médicos não só da especialidade como dos médicos que trabalham em ciências afins (psicólogos, pedagogos, sociólogos, etc.).

Tudo isto contribui para que o hospital psiquiatria» possa e deva ser a base fundamental de toda actividade preventiva e curativa das doenças mentais.

As consultas externas, o tratamento ambulatório e o serviço social dele dependentes são valiosas armas do arsenal contra a loucura, pela rapidez e precocidade com que actuam, porque permitem embaratecer o tratamento dos doentes - e até dispensar o internamento de alguns cuja hospitalização se julgava outrora absolutamente necessária.

Por outro lado, sabe-se que é precisamente através das consultas externas (dependências do hospital psiquiátrico) que se torna possível um contacto mais directo com o público e fazer a sua educação no que se relaciona com a saúde mentol. Indispensável se torna que haja uma perfeita comunicação entre o binómio hospital e seu pessoal e a colectividade, permitindo uma boa convivência entre os doentes e a sociedade donde vêm e aonde devem regressar.

O hospital psiquiátrico permitirá, pois, um diagnóstico precoce, um tratamento activo e uma eficaz assistência pós-institucional, conseguindo assim reduzir o número de casos que evolucionariam para a cronicidade e evitar as recaídas após a saída do hospital.. Nenhuma outra unidade do equipamento psiquiátrico pode ter igual acção, independentemente, como se vera, da sua

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posição e acção como escola de educação e preparação do pessoal técnico especializado - médicos, pessoal de enfermagem e auxiliar, trabalhadores sociais - e independentemente ainda do seu valor na educação sanitária, sob o ponto de vista de higiene mental do público.

Poderá parecer estranha a doutrina de colocar o hospital psiquiátrico à frente de toda a luta contra a loucura, mas de facto não é, pois caminha-se no sentido aconselhável, como se depreende da opinião expressa por autoridades bem qualificadas:

«A concepção dualista da medicina preventiva e da medicina curativa está hoje ultrapassada; o hospital constitui o eixo da totalidade do armamento sanitário» - Dr. J. Joanay (presidente do Conselho Supremo de Hospitais de França).

As funções do hospital moderno são inicialmente quatro: a) tratar doentes e sinistrados; b) instruir médicos, enfermeiras e outro pessoal; c) saúde pública (prevenção das doenças e promoção de saúde); d) fazer progredir a investigação da medicina científica» - Dr. Mac Eachern (médico e administrador dos hospitais).

E ainda:

«O hospital expressão única e, se possível, da medicina integral» - Dr. Osvaldo Queijada Cerda (cirurgião da Universidade do Chile e administrador de hospitais).

«O hospital não deve limitar as suas funções exclusivamente à esfera curativa; deve_ organizar-se, antes, para atender também às necessidades da prevenção das doenças, ao ensino e à investigação» - Do relatório da Companhia de Técnicas de Organização da Assistência da Organização Mundial de Saúde.

Confirmam a orientação moderna de considerar o hospital o centro de uma actividade médica completa para a comunidade as palavras do Prof. A. Querido no discurso «A Evolução do Hospital - Um Mundo Que Evolui», pronunciado na inauguração do XII Congresso da Federação Internacional de Hospitais, em Veneza. Dizem assim:

Se o hospital baseia a sua importância no facto de ser o lugar da comunidade em que uma maioria de auxílios médicos se encontra reunida, não há razão para não saltar os seus limites e tornar acessíveis estas facilidades tanto aos que estão dentro como aos que. estão fora das suas paredes.

Isto transformaria os nossos hospitais em centros médicos ou, ainda melhor, em centros de organização sanitária, que reunissem as actividades dos médicos na comunidade e suportassem estas actividades com os seus recursos coordenados e concentrados.

Deste modo, poder-se-á estabelecer uma cadeia contínua de cuidados médicos. Facilidades no diagnóstico, terapêutica, investigação e ensino, instrumentando e assistindo à prática médica. Uma cadeia que se inicia com a pura prevenção, procede ao diagnóstico e tratamento precoce e continua com a passagem do doente para o tratamento ambulatório, cuidados pós-cura, seguida de trabalho social em cooperação com o médico de família e coordenado com as demais instituições de sanidade e bem-estar.

Finalmente, a reforma hospitalar francesa, tão discutida na imprensa especializada e não especializada, apresenta o hospital como organismo de assistência à saúde diminuída ou ameaçada, local de ensino escolar e pós-escolar, centro de investigação médica e social.

«E doutrina assente que o hospital moderno, como senhor único na parte assistência! médico-sanitária, cujas funções básicas são curativa, profiláctica e social, há-de resultar da transformação dos velhos hospitais em centros sanitários (life-extension).

O hospital moderno é uma ideia e só poderá merecer esta denominação se estiver plenamente integrado na colectividade, desenvolvendo estudo e pesquisas sobre a comunidade, no propósito de servir, em todos os sentidos, o indivíduo e a população, vivendo dinamicamente os problemas da área onde actua, no firme propósito de curar, recuperar e reintegrar- na sociedade o doente e auxiliar a manutenção da saúde e do bem-estar do são.»

Este o seu programa.

Diverso não é mesmo o conceito emitido pela própria Organização Mundial da Saúde, que define o hospital como sendo suma entidade de diagnóstico e tratamento, que exerce a medicina curativa e preventiva da população e concorre para o bem-estar físico, mental e social dos indivíduos».

Sendo assim, o hospital, para ser considerado moderno, deve desenvolver, dentro dos princípios técnicos e administrativos hospitalares actuais, as seguintes funções: função de diagnóstico, função preventiva, função científica ou de pesquisa, função didáctica ou de ensino e função moral («Actividade da Saúde Pública do Hospital Dr. D. C. da Gosta Alemão - Hospital de Hoje»).

Mais um depoimento autorizado a demonstrar que, ao pensar-se no equipamento em defesa da saúde mental, se deve instalar no hospital psiquiátrico o centro de todos as actividades.

11. Será fácil organizar instalações onde se internem os doentes de evolução prolongada.

Hoje não deve haver asilos, mas sim centros de recuperação. Todos os doentes podem e devem exercer uma certa actividade escolhida e regulada pelo psiquiatra.

O trabalho é remédio, é medicamento, aconselhado e doseado pelo médico.

A ergoterapia e a terapêutica recreativa proporcionam aos doentes um considerável bem-estar e representam importante benefício moral e material para a instituição, para o doente e para o pessoal.

Em face disso, admite-se que uma grande parte dos crónicos hospitalizados deve ocupar empregos vigiados, viver em famílias próprias ou alheias sob vigilância de especialistas e de assistentes sociais, enfermeiras especializadas, visitadoras sociais, etc.

Admite-se no entanto que alguns terão necessidade, na verdade, de viver era instalações de internamente prolongado, pois alguns deles, como as estatísticas provam, lucram com um novo tratamento activo. Tem-se registado que 10 a 15 por cento desses doentes respondem muito bem a um segundo tratamento médico sistemático, tratamento que lhes permite melhorar a sua vida no internamento. Um estabelecimento desta natureza praticamente não exige instalações especiais para diagnóstico e tratamento; mais não será preciso que as dos velhos asilos ou dos actuais albergues da polícia, completados com oficinas para recuperação e, se se atender a que a maioria dos doentes são antigos traba-

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lhadores rurais, o que mais interessa é que o centro de recuperação assim organizado fique instalado fora dos meios citadinos, numa grande área agrícola, que irá absorvendo a actividade dos doentes.

Prevê-se, pois, que é possível criar instalações para muitos centos de doentes, instalações simples, modestas, com higiene e limpeza, por baixo preço, e cuja manutenção -muito, de atender- ficaria por baixo preço também.

For outro lado, é de supor que o Hospital Sobral Cid, Lorvão, o Hospital Júlio de Matos, o Hospital Miguel Bombarda, o Hospital Conde de Ferreira e o futuro Hospital Magalhães Lemos, transformados em verdadeiros hospitais psiquiátricos, desembaraçados de crónicos, com apoio das clínicas psiquiátricas das Faculdades de Medicina e das formações neuropsiquiátricas dos hospitais regionais, permitam rapidamente uma cobertura do País sob o ponto de vista de assistência aos doentes mentais agudos.

Semelhante solução, a realizar em poucos anos, será bastante económica, visto as instalações caras na organização e manutenção já existirem em condições suficientes para bem cumprirem.

Mas há outro aspecto do problema a considerar.

O sucesso terapêutico, que geralmente se consegue nas formações psiquiátricas, constitui a principal razão do crédito e da confiança que o público tem na psiquiatria. Ora esse êxito depende, em grande parte, da qualidade e do número de elementos de trabalho. O pessoal tem de ser numeroso e bem categorizado, tanto sob o ponto de vista profissional como sob o ponto de vista de qualidades e de vocação.

Em nenhum outro ramo de medicina o problema da preparação do pessoal técnico tem tanta importância e influência como no caso da psiquiatria.

Fundamentalmente, é às Universidades que compete fazer o ensino da psiquiatria clínica e da psiquiatria social, da psicologia médica e da psicoterapia.

Fundamentalmente, á às Universidades que compete despertar o interesse pelas doenças mentais nos médicos novos; atraí-los, e não aterrorizá-los. Às escolas de enfermagem especializadas compete a preparação conveniente das enfermeiras, auxiliares e do próprio pessoal auxiliar e pessoal menor, que precisa de ter uma formação e preparação bem especializada, tão grande e decisiva é a convivência deste pessoal com os enfermos agudos e crónicos e tão necessária é a organização de cursos de aperfeiçoamento e actualização dos conhecimentos do que este pessoal necessita.

A importância que desempenha na acção curativa e preventiva o trabalho do pessoal colaborante em toda a organização, a dificuldade em se encontrar pessoal de todos os graus com o conjunto de qualidades físicas e espirituais bastantes para um grande rendimento da sua acção, constitui, a nosso ver, o obstáculo maior à realização do plano que deixamos esboçado.

Ora, é precisamente naqueles hospitais psiquiátricos que se hão-de criar centros de ensino, centros de aprendizagem e centros de investigação que permitam resolver o nosso problema da assistência psiquiátrica e de higiene mental, dando assim satisfação à finalidade da lei sobre promoção da saúde mental.

12. Aprecie-se agora o problema das brigadas.

E bem fácil de compreender a pouca utilidade do estudo dos doentes feito pelas brigadas, em cujas consultas aparecem por vezes dúzias de doentes, muitos para primeiras consultas ...

O estudo consciente e completo de um enfermo desta natureza pode levar horas ...

O simples diagnóstico tem de assentar em causas físicas, psicológicas e sociais ou na combinação delas; terá de ser sujeito a uma minuciosa observação e a um estudo metódico em ambiente próprio; a decisão sobre a necessidade de internamento exige um estudo sobre o meio e as condições em que vive, como vive e com quem vive.

No diálogo, bem orientado, está muitas vezes a chave do diagnóstico.

Para eficiência do tratamento há que criar uma perfeita confiança e compreensão entre o médico e o doente; em muitos doentes não bastam os medicamentos e as boas palavras, mas é sempre necessário ter calma, afabilidade, serenidade, e não se impacientar mesmo perante grandes dificuldades; saber despertar no espírito do doente um optimismo fundamentado, como meio terapêutico. Ouvir o que o doente diz e como diz, inquirir das suas doenças, informar-se com os parentes, inquirir com habilidade; levá-lo a falar com sinceridade, averiguando com detalhe o que se passa no exercício da sua função, saber das suas relações e completar o exame com informações de outras pessoas, averiguar do que se passa com a família.

Depois ... tem de se saber das preocupações que o atormentam, das dificuldades que o preocupam, das causas que o não deixam descansar, das esperanças que povoam a sua imaginação, dos factos da vida que mais decepções lhe causam ...

Se o doente se defende e não está sendo sincero, há que chegar a conclusões fundamentadas com factos observados no mundo exterior.

Se o doente divaga e se afasta do assunto, há que pôr fim ao monólogo.

O médico da brigada não deve contentar-se em fazer o diagnóstico clínico: tem que fazer o diagnóstico etiológico. Não basta pois a exploração clínica, mesmo h custa dos novos métodos de investigação; o diagnóstico dado pelo laboratório, diagnóstico desumanizado, sem o estudo da personalidade do doente, nas doenças do espírito mais do que nas outras, não nos conduz a nina terapêutica adequada e eficiente. Há que voltar ao velho critério humanista, tomando em consideração, e em grande consideração; todos os factores que dizem respeito ao indivíduo, à família, actual e passada, ao meio e às condições em que o doente desenvolve a sua actividade.

E quantas vezes depois de um minucioso exame não se descobre causa agressiva que justifique o estado do doente ... £ que a causa está na própria vida, e contra a vida dura e má não há remédios nas farmácias!

Ora, toda esta conversa médico-doente tem de ser necessariamente demorada, sem pressas nem precipitações, de modo que o doente se abra perante o médico, sinta que ele está interessado e que com paciência procura conhecer a doença e o doente. O exame exige pois um ambiente próprio de calma e tranquilidade que permita criar confiança.. Mas a verdade é que não é principalmente perante doentes
Às dúzias, que aguardam a brigada, que muitas vezes chega tarde e em suspense perante tão elevado número de doentes, que se cria o clima indispensável a um bom exame, a uma boa terapêutica ...

Pelo contrário, estes factos agravam o estado de espírito dos doentes, pois poucas horas podem demorar a consulta porque outras consultas esperam noutra localidade, onde outros doentes já esperam ...

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Resultado: em muitos casos não se faz diagnóstico ou faz-se um diagnóstico provisório; às vezes poderá etiquetar-se o doente com um diagnóstico definitivo ...

Passadas semanas, nova brigada, mas com novos médicos; atendem-se, como é natural, as primeiras consultas; não Lá tempo de atender as segundas, as terceiras e todas as demais; não lia pois possibilidade de completar ou rectificar as observações. E como observar os doentes em tratamento ambulatório antigo, os doentes em regime de ensaio e tantos outros? Gomo ouvi-los para alteração ou mudança de terapêutica? Como tomar conhecimento das modificações operadas, das intercorrências e de alterações ligadas à evolução da doença?

Qual a repercussão social e humana que se opera nos doentes e famílias que se deslocaram de longas terras, com' dificuldades de toda a espécie, até mesmo ligadas às características do doente, e que têm de regressar a casa sem consulta, sem conselhos, sem tratamento e com despesas feitas?

Estes apontamentos, muito esquematizados, só servem para demonstrar que há necessidade de uma cobertura neuropsiquiátrica da Nação mais produtiva e de maior eficiência.

Como?

Criando:

1.º Dispensários centrais junto de cada hospital psiquiátrico;

2.º Dispensários regionais em algumas sedes de distrito;

3.º Dispensários sub-regionais nas cidades ou regiões de grande densidade de população.

O dispensário central, dispensário do hospital psiquiátrico, terá sob sua dependência e fiscalização os dispensários regionais, cada um dos quais superintenderia sobre um grupo de dispensários sub-regionais.

Em cada dispensário regional haveria um ou mais médicos psiquiátricos.

Exemplifiquemos:

Coimbra possuiria um hospital psiquiátrico com o seu dispensário central.

Na Covilhã haveria um dispensário regional, ligado ao dispensário central, e sob sua dependência dispensários sub-regionais em Castelo Branco e Guarda.

Em Viseu, um dispensário regional, ligado ao dispensário central, que teria sob sua orientação dispensários em Lamego e Aveiro.

Em Leiria, um dispensário regional com dispensários sub-regionais em Caldas .da Rainha e Figueira da Foz.

Em cada dispensário haveria duas consultas semanais, sempre pelo mesma psiquiatra, director do dispensário regional; quer dizer: com três médicos-psiquiatras, independentemente do pessoal do dispensário central, é possível fazer na zona centro uma assistência psiquiátrica suficiente e dentro das exigências que a psiquiatria moderna recomenda.

Os dispensários poderão ter a sede própria, mas é de recomendar que vivam dentro do hospital local ou fazendo parte de qualquer outra organização de assistência neuropsiquiátrica. Não se deve adoptar uma norma rígida para a integração deste serviço de saúde mental nas instalações sanitárias locais, públicas ou particulares.

A única dificuldade a pôr à execução deste programa de assistência mental está certamente, na falta de pessoal de enfermagem convenientemente preparado sob o
ponto de vista técnico e social, pois é de absoluta necessidade que o serviço seja o mais aberto possível, de maneira que a osmose entre o serviço e a colectividade se torne permanente, obrigue a um contacto estreito e a uma supremacia efectiva sobre o público, de modo a conseguir-se, muitas vezes, a cura do doente sem o retirar do meio em que vive, podendo até actuar sobre esse mesmo meio e impedindo que o estado dos doentes evolucione de forma a tornar indispensável a hospitalização, impedindo as recaídas dos antigos hospitalizados ou procurando mesmo impedir que a doença evolucione até à cronicidade.
Ora estes objectivos não podem conseguir-se com as brigadas em passagem fugaz, mas sim com os postos de observação e tratamento psiquiátrico, onde deve actuar permanentemente o pessoal de enfermagem e do serviço social e, em dias alternados, o médico especialista, o qual tem de estar sempre presente. Só com semelhante organização os doentes serão observados e acompanhados psiquiàtricamente, como convém e o projecto aconselha, com regularidade e frequência.

Ë da maior importância realizar um certo número de averiguações sobre os doentes saídos dos hospitais psiquiátricos, a fim de inquirir a influência que tem na evolução de cada doença o sexo, a idade do doente, a duração da hospitalização, o tipo de tratamento aplicado, as condições sociais e o meio para onde o doente vai à saída do hospital e ainda a frequência das recaídas e remissões.

Há que averiguar, com relativa precisão, as doses dos medicamentos aconselhadas nos tratamentos extra-hospitalares e bem assim saber dos problemas que surgem para a família pelo uso daquela medicação; há que determinar também as instruções a fornecer à família e bem assim as medidas a adoptar pelos serviços públicos, a fim de serem vigiados convenientemente os doentes com alta, de modo a evitar complicações graves, evitar as presumíveis, proteger o doente, a família, a colectividade, e por fim facilitar a readaptação do doente à vida no exterior.

Ora estas e muitas outras questões de grande interesse para a compreensão e resolução de muitos problemas pelos psiquiatras não podem ser esclarecidas pelos médicos das brigadas, que, em marcha muito acelerada, percorrem em correria o País, sem aquele sossego, tranquilidade e ponderação que a importância dos assuntos exige (as brigados gastam mais tempo nas viagens que em consultas e tratamentos). Mas todos estes problemas e outros estudos epidemiológicos, sociológicos e sociopsicológicos só podem ser enfrentados com consciência e sucesso através da organização dos dispensários regionais e sub-regionais, como fica preconizado.

E depois ... só com este equipamento e com esta organização será possível aplicar à psiquiatria as técnicas epidemiológicas, obtendo das doenças tratadas e não tratadas de uma determinada colectividade dados, na verdade indispensáveis, para instalar devidamente os serviços psiquiátricos, e bem assim inquirir certas características da população relacionadas com os costumes, a organização social, o ambiente, capazes de ter influência sobre o aparecimento e desenvolvimento das perturbações mentais, e ainda a acção de cada uma delas na sua estrutura etiológica.

As técnicas epidemiológicas constituem pois um instrumento indispensável para se julgar da prevalência e da incidência das perturbações mentais em determinados grupos de população, para se saber do uso que

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eles fazem dos serviços existentes e se presumir do provável resultado das modificações ou alterações que forem sendo introduzidas na organização vigente.

Não é pois com as brigadas e nas brigadas que se podem seguir estes novos rumos da psiquiatria de hoje.

O estudo destes doentes exige cuidados muito particulares e o uso de uma táctica e de uma técnica bem especializada. O médico não pode limitar-se a conhecer o doente por fora; precisa de penetrar na sua alma e viver os seus problemas.

Não podem ser vistos cinematogràficamente, em desfile contínuo, por vezes em número de dezenas, em ritmo mais ou menos acelerado. Eles têm de ser vistos pelo médico, e não o médico visto por eles.

«Hay que seguir a los mismos enfermos - dizia Baruk - pues Ia experiência más fructuosa en psiquiatria es trabajar en profundidad v non eh superfície. No se puede juzgar dei valor psico-patologico de una vida por haberla observado durante un acto o un en-treacto».

A observação do doente, a história clínica do doente, tem de ser completa e perfeita. A biografia incompleta e imperfeita leva certamente a um caminho errado; com ela - não se chega à cura. Estes doentes são mais difíceis do que os doentes somáticos. Estes colaboram com o médico; os mentais muitas vezes procuram desorientar o médico. Mas é preciso conquistar o doente; para isso necessita de merecer a sua confiança; não basta estudá-lo e compreendê-lo, é preciso querer-lhe muito; necessita quase sempre mais de ternura do que. de remédios. O espírito é o melhor instrumento para curar outro espírito.

Ora os métodos e a orientação de que depende um diagnóstico certo e uma terapêutica activa e eficiente não se podem conseguir no regime das brigadas a serem vistas ... pelos doentes ...

Só a criação sugerida de dispensários poderá conseguir uma assistência psiquiátrica no País com resultados seguros e em curto prazo; só assim se obterá uma obra de profilaxia que oporá um dique ao número crescente de doentes mentais e portadores de anomalias de carácter e de comportamento.

Esta a realidade dos factos, apesar do esforço enorme despendido pelo Estado e pelos médicos, que, com a consciência do dever cumprido, têm dedicadamente procurado vencer a insuficiência e deficiência da assistência psiquiátrica no País!

De quem a culpa?

Do grande número de doentes e do pequeno número de psiquiatras, além de outras razões, comuns em todo o Mundo ...

Não vemos razões invencíveis que se possam opor, com resultado positivo, ao planeamento sugerido e a estudar que fica esboçado.

Oremos que nem o factor económico o poderá contrariar, pois a organização das brigadas, como funcionam, não será muito menos dispendiosa do que a rede dos dispensários ... De resto, o programa pode ser executado em fases; nada obriga a cumpri-lo de um jacto; o que interessa é aceitá-lo e estabelecer um ritmo de trabalhos de maneira a adquirir-se a certeza de que, dentro de um prazo - três ou quatro anos -, todas as cidades terão um estabelecimento de assistência neuropsiquiátrica, ligado a uma rede de outros estabelecimentos, que permitam a cobertura suficiente e eficiente da nossa terra para se fazer a profilaxia das psicoses e o tratamento integral dos doentes do espírito.

13. Compreende a Câmara, no entanto, que provisoriamnte a cobertura do País por meio de dispensários seja insuficiente. Para este período provisório - e só para ele - aceita a persistência das brigadas, com todos os seus inconvenientes.

Assim se justifica a base XVII do projecto da Câmara.

14. Cremos que a maior dificuldade em se conseguir para breve uma organização psiquiátrica suficiente e eficiente esteja na falta de pessoal técnico, maior e menor, necessário ao bom funcionamento das diferentes unidades psiquiátricas.

Uma enfermeira psiquiátrica não se improvisa, e em nenhum ramo da medicina o papel da enfermagem tem igual importância e exige tão complicada formação. Poder-se-á mesmo afirmar que o êxito do diagnóstico, mas sobretudo da terapêutica, depende da maneira como a enfermeira souber cumprir.

Os métodos de educação da enfermeira psiquiátrica têm de seguir paralelamente à marcha das doutrinas e da técnica de diagnóstico e de tratamentos usados nas doenças do espírito.

A sua educação tem, pois, de estar sempre actualizada.

Que distância da enfermeira simples guarda do doente mental às enfermeiras de hoje, sabedoras dos métodos terapêuticos a aplicar aos doentes, com conhecimentos, técnicos e práticos, da formação e desenvolvimento da personalidade, conhecedoras das técnicas da conduta humana,. dos conceitos de angústia, dos aspectos sociológicos da assistência psiquiátrica, dos métodos de trabalho «sem grupo», no propósito de se criar um ambiente dá vida colectiva análogo ao ambiente para onde o doente há-de voltar!

E depois ... o problema do número de enfermeiras e de auxiliares é grave problema, que, em geral, as administrações não compreendem, podendo o facto originar sérias dificuldades e até impossibilidade de bons efeitos no tratamento dos doentes! Só a enfermeira com as habilitações referidas poderá conhecer perfeitamente os seus doentes e conhecer a sua personalidade, isto é, as suas particularidades, as suas excentricidades, qualidades e sintomas, a sua conduta, as suas conversações e actividade preferidas; só então a enfermeira compreenderá que é preciso respeitar o doente, considerando-o um ser humano, tratá-lo, acarinhá-lo, cuidá-lo com atenção e com interesse e não ... suportá-lo I

A enfermeira precisa, por consequência, independentemente de conhecimentos técnicos, de possuir um conjunto de predicados especiais, que formam a sua vocação, apropriada e destinada a tão delicada missão.

Em tais circunstâncias e com tal pessoal, o doente encontra-se protegido, encontro-se acompanhado, e não repelido, como sucede quando, erradamente, se lhe mostra que é um ser à parte das pessoas normais! O doente, em muitos casos, procura refugiar-se e é para a enfermeira que apela nos momentos de maior perturbação ...

A enfermeira ouvindo, falando, aconselhando, sugestionando, explicando, torna-se em sua confidente e consegue modificar as desordens de comportamento, as perturbações de conduta ... E quantas vezes, inquirindo das causas no passado do doente, das suas relações e reacções com o meio social em que vivia e em que vive no próprio hospital, consegue uma série de dados da maior importância para ser regulado e ordenado o melhor tratamento contra o estado psíquico do doente I

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A enfermeira terá, pois, de viver com o doente, acompanhando-o e estimulando-o no trabalho; pacientemente procurar- mesmo que o próprio doente tente solucionar por si os seus problemas; não o desamparar, nem deixar de ser a sua colaboradora fiel. Só assim conseguirá interpretar o espírito da terapêutica activa de Zeller - estimular o que há de são no doente e reprimir o que há de doentio.

A enfermeira terá de saber também trabalhar «em grupo», método a que, modernamente, se liga excepcional importância como complemento de assistência individual.

As enfermeiras têm de estar preparadas para dirigir discussões de grupos reduzidos de pessoas, método que os hospitais psiquiátricos usam com grande proveito, chegando alguns a considerá-lo elemento indispensável de tratamento e de administração. Nenhum hospital que haja posto em prática semelhante técnica volta a usar as antigas práticas administrativas.

Alguns estabelecimentos organizam mesmo essas reuniões com um escolhido e determinado programa. Evidentemente, uma boa enfermeira tem de possuir conhecimentos e aptidões que lhe permitam colaborar e, até, orientar e dirigir tal tipo de actividade.

Um dos maiores factores de cura no hospital psiquiátrico está precisamente no ambiente psicoterápico que nele exista. E criado à custa de um conjunto de condições fundamentais: respeitar a personalidade do doente, mostrar confiança aos doentes, estimular a sua boa conduta, dar-lhes a impressão de que os julgamos capazes de tomarem iniciativas e responsabilidade», dar-lhes sempre uma actividade.

Pois bem, este conjunto de factores, de elevado valor terapêutico, é manejado pela enfermeira por meio da sua acção directa junto dos doentes; conversando, explicando, sugestionando, consultando-os até sobre todos os problemas de administração e, ainda mais, encarregando os doentes de actividades cada vez mais complicadas e mais difíceis, no propósito de os ir levando para uma vida normal ...

A enfermeira, ligando-se ao doente, sabendo dos seus receios e das suas preocupações, conhecendo as incompatibilidades com as pessoas e com o ambiente em que o doente viva, pode colaborar imediatamente e com proveito, mesmo nos casos agudos, embora muito delicados, na sua solução rápida!

A enfermeira, dentro de sua tríplice função - técnica, pessoal e pluripessoal -, pode e deve, na verdade, desempenhar a mais importante acção terapêutica.

A enfermeira junto do doente desempenhará, pois, um papel activo e permanente como observadora e como colaboradora; tem de acompanhar o paciente em todas as suas atitudes e reacções, saber registá-las, interpretá-las, fazer um relato, a transmitir ao médico em relatório, dos pensamentos, sentimentos e acções que descobriu e verificou no doente.

Todos estes pormenores, talvez excessivos e dispensáveis, servem sobretudo para mostrar a influência extraordinária que tem, na vida e nos êxitos dos estabelecimentos de assistência psiquiátrica, o pessoal de enfermagem, a sua vocação, a sua preparação, a sua formação; servem ainda para chamar a atenção sobre a grande necessidade de se proceder à instalação condigna e funcionamento perfeito das escolas de enfermagem psiquiátrica, mesmo que isso represente valioso encargo financeiro para a Nação.

Delas depende, em grande parte, o rendimento desta dispendiosa e complicada organização, que há-de ser a assistência psiquiátrica no nosso país.

15. Vivemos numa sociedade em plena evolução, onde tudo muda, tudo se discute, de tudo se duvida, numa ânsia de mudança, de transformações, de novas soluções.

A própria criança surge no meio desta agitação, nesta inquietação, e hoje sabe-se bem da influência do ambiente na formação da sua personalidade.

Os conhecimentos modernos da pedagogia científica, a descoberta e a aplicação da psicanálise fizeram nascer novos métodos, novos sistemas de educação, que não pode ser a educação severa de outrora, por vezes autêntica tirania, nem tão-pouco a educação amimalhada.

A educação científica, aconselhada, moderna, humanista, fundada nos conhecimentos da psicologia da criança, não fará dela nem um autónomo, nem um abúlico, nem um conformista, nem também um inconformista, mas deve procurar formar os indivíduos com condições de vontade, de iniciativa e de compreensão - que os levam a trabalhar para um meio mais justo e mais humano.

Exprime-se no projecto em estudo o desejo, bem justificado, de que mereça um interesse muito especial o problema dos desadaptados sociais, problema que leva à delinquência juvenil, e bem assim de que se cuide da organização de um movimento, activo e intensivo, de modo a pôr cobro a certos excessos que parece quererem estender-se através do País, grave perigo do nosso tempo, que urge combater, ou melhor, remediar.

Reclama-se da higiene mental que procure suprimir as causas, entre as quais se contam defeitos de educação e defeitos do meio social em que se vive.

Há que lutar contra a doutrina de respeitar em absoluto a personalidade da criança, deixando-a expandir e manifestar livremente as suas tendências e impulsos afectivos e instintivos sem qualquer interferência de direcção e orientação. Assim nasce na criança o espírito de rebeldia e assim se torna insociável.

Por outro lado, o abandono dos filhos pelos pais, o afastamento em que vivem, a desobediência e a falta de respeito pelos próprios pais, levam, necessariamente, à insubmissão e rebeldia que minam a juventude de hoje.

E preciso não esquecer que a formação dos homens de amanhã depende dos cuidados e da educação que se derem à juventude de hoje. É preciso não lhe dar tanto, é absolutamente indispensável pedir-lhe mais ...

As crianças precisam de começar cedo a sentir a vida, a sentir a sua dureza; é preciso prepará-las para a suportar e prepará-las para enfrentar as dificuldades que ela traz. Sem tirania, mas sem maneirismos exagerados, há que agir através de todos os meios da lei e da higiene mental, no sentido de reprimir as aflorações anárquicas e de rebeldia que vão surgindo, desgraçadamente, num ou noutro ponto. E trabalho urgente a pôr em prática, porque os novos têm tendência sempre a copiar o que tem teatro, o que pode ferir a sensibilidade do público e causar escândalo; trata-se, pois, de casos de profilaxia, resultantes da inadaptação social destes exibicionistas, obra das mais urgentes e mais precisas; por isso se exprime o desejo de que se encare com especial cuidado o problema da educação da mocidade, educando quem precisar de ser educado, castigando quem não for educável, responsabilizando quem tiver culpa, modificando as condições do meio ...

E obra de educação nacional, a realizar com a colaboração de todos os organismos de saúde pública, de saúde escolar, de higiene mental;

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Há que cuidar também dos estudantes e crianças nas escolas, seja qual for o grau de ensino, há que educar os educadores, há mesmo que ter em conta o valor de factores culturais e sociais e apreciar a sua influência sobre a sanidade mental, utilizando a acção combinada do psiquiatra, do psicólogo e do antropólogo.

Não esqueçamos que do valor e da natureza dos cuidados prestados pelos pais nos primeiros anos depende, em grande escala, a saúde mental dos filhos, como o tem demonstrado o tratamento psicanalítico dos adultos, a psicanálise das crianças, e como é de concluir ainda dos trabalhos de psicólogos e psiquiatras especializados na protecção à infância.

A criança, desde os primeiros tempos, tem de viver e crescer numa atmosfera amorosa, e ligada à mãe por laços afectivos, íntimos e constantes, motivo de grande satisfação e alegria para os dois.

Graças a esse sentimento afectivo, os estados de angústia e culpabilidade, cujo desenvolvimento exagerado caracteriza a perturbação da saúde mental, serão disciplinados e ordenados. Da mesma maneira, as exigências características e contraditórias da criança - desejo de amor ilimitado da parte dos pais e desejo de vingança quando tem a impressão de que os pais não a amam bastante - manifestar-se-ão sob uma forma moderada e serão mais fàcilmente submetidas ao controle da personalidade que desperta.

A complexidade, a riqueza e os benefícios destes laços afectivos entre a mãe e o filho durante os primeiros anos presidem, segundo os psicólogos, ao desenvolvimento do carácter e da saúde mental.

A carência dos cuidados da mãe tem pois uma perigosa repercussão, criando perturbações da estrutura psíquica da criança, e mais tarde sobre o desenvolvimento do carácter.

E necessário, pois, sair do campo doutrinário e entrar activamente no campo das realizações. A palavra de ordem tem de ser acção; fala-se muito e faz-se pouco. Precisamos, como nunca, da acção dos higienistas da mente (psiquiatras, assistentes sociais e psicólogos) sobre os pais, as famílias, os professores, as escolas, os médicos escolares, os chefes das oficinas e escritórios, no sentido de melhoria das relações humanas, da compreensão da personalidade, da adaptação à vida e da harmonia interna do próprio e de cada qual em relação aos outros.

«Criem-se centros de saúde, centros médicos, pedagógicos nas escolas, liceus e Universidades. Multipliquem-se os dispensários de higiene mental com a finalidade de dar consultas psicológicas e promulgar medidas profilácticas (do alcoólico, toxicomaníaco e outras) e do cultivo da saúde mental» (Prof. Baraona Fernandes).

Verificada a impossibilidade de conceder ao homem de hoje o bem-estar que deseja e para o qual lhe não foi dada formação bastante, há que orientar para a criança toda a actividade no sentido de a tornarmos feliz, com mens sana incorpore sano. É obra que pode começar, e deve começar, na primeira infância, continuar na adolescência e seguir através de uma rede de meios de acção e de prevenção durante toda a vida escolar, de modo a serem assistidos os próprios adolescentes em centros universitários e em centros das escolas técnicas, onde nada - nem instrumentos, nem especialistas - deverá faltar, de maneira a ser possível determinar até - com relativa exactidão - a orientação profissional, a vocação de cada um ...

É preciso, por consequência, adquirir um equipamento eficiente que cuide e acompanhe, o mais cedo possível, a criança, observando e interpretando todas as suas manifestações, acompanhando a evolução da sua personalidade.

Sabe-se que, em higiene mental infantil, interessa sobretudo a despistagem precoce dos casos, indo ao seu encontro, e não aguardando que os casos vão ao encontro do médico ...

Hoje, entre nós, este problema é de quase impossível solução; semelhante tarefa era, até há pouco tempo, como diz o Prof. Vítor Fontes, desempenhada pelo médico da família, personalidade que, infelizmente, tende a desaparecer ...

« Conhecedor do organismo de todos os membros da família, dos seus factores hereditários, das condições e do ambiente da vida familiar, do passado psíquico, das reacções de cada um perante as próprias doenças e em face uns dos outros, o médico de família era o primeiro a surpreender as alterações psicológicas no comportamento da criança e era o primeiro a fazer a sua despistagem precoce». É bem que acabará em breve ... A satisfação das necessidades médicas elementares de uma família exige hoje os serviços de nada menos de seis médicos: um obstetra, um pediatra, um otorrinolaringologista, um cirurgião, um psiquiatra e um internista!

A doutrina em voga de que um mesmo médico não tem competência para tratar filhos, pais e avós dos dois sexos é inteiramente falsa e faz perder as vantagens que resultavam de o mesmo clínico conhecer e seguir, durante gerações, todos os membros do mesmo grupo familiar.

Daí a necessidade de o fazer substituir no futuro, sob o ponto de vista de higiene mental da criança, por pediatras ... que ainda não existem, e cuja especialização terá de ser fortemente vincada por largos conhecimentos de neuropsiquiatria infantil, conhecimentos que os habilitem à descoberta precoce de todas as anomalias de ordem mental e ao seu envio imediato para os dispensários de higiene mental infantil, cuja criação se reputa da maior importância. Nada mais urgente que a campanha vigorosa a instituir a favor do futuro mental do nosso povo - começando pela despistagem precoce das crianças suspeitas de alteração mental. É pois por aqui que se tem de começar.

O rendimento previsto para já desta lei de promoção da saúde mental será bastante reduzido quando aplicada aos adultos; evidentemente, haverá doentes que hão-de melhorar, doentes que hão-de curar-se, doentes que hão-de reabilitar-se ... mas a grande finalidade esperada e desejada - evitar a doença, evitar os doentes, enfim obra grande de profilaxia e de prevenção - só se obterá aquando da sua aplicação à criança.

Como proceder então?

No caminho da multiespecialização, que a medicina de hoje desorientadamente segue, constitui programa mínimo ter pediatras com uma boa formação neuropsiquiatra e encarregá-los de despistar as crianças anormais, embora semelhante função devesse pertencer verdadeiramente ao pedopsiquiatra.

Pretende-se por isso chamar a atenção, muito especial, para a instalação, sempre que possível, de dispensários de higiene mental infantil, destinados a essa profilaxia e despistagem precoce das perturbações mentais nas crianças durante todo o crescimento, indo ao encontro - repetimos, porque é fundamental- das crianças, e não esperando que elas lhe sejam entregues pelos

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Pais já depois de suspeita ou de declaração confirmada e alterações mentais. Não esquecer que os benefícios da terapêutica psicopedagógica dependem da precocidade da sua aplicação.

Dispensários onde se trabalhe em equipa, com a colaboração de um pedopsiquiatra, de um pediatra, de assistentes sociais especializadas, de. um psicólogo, de um pedagogo, de um policlínico.

Poder-se-á dizer que neste pensar há muito de teoria e pouco de objectivismo de possibilidades ... Não temos, presentemente, pessoal formado, nem condições de o formar com brevidade. E certo; mas poder-se-ão organizar outros grupos de trabalho, mais modestos, mas bastante eficientes também, em que actuem sobretudo assistentes sociais competentemente especializados e pedagogos.

Na acção das assistentes sociais, observando muitas vezes a criança e sabendo registar o que houver de estranho, conhecendo e vivendo o meio familiar, resolvendo os problemas e conflitos sociais que formam o clima em que a vida decorre, se encontrará a peça fundamental sobre a qual têm de raciocinar o pedagogo, o médico e o psicólogo.

Dentro desta orientação, é possível realizar já uma obra, embora modesta, mas de resultados garantidos, que amanhã terá grande e benéfica influência sobre o estado mental do nosso povo.

Comecemos pois, mas já pelo princípio e segundo as nossas possibilidades ... que são estas.

16. Das toxicomanias, o alcoolismo constitui para nós o perigo social mais importante; importante como gerador de loucos, gerador de criminosos,- gerador de acidentes de trabalho e de viação, gerador e impulsionador de doenças graves, que levam a hospitalização e frequentemente à morte.

Não contando com a sua influência na origem de atrasados e de delinquentes juvenis - aquand lês pareuts boivent, lês enfants trinquent» (Villemot).

A verdade indiscutível é que o alcoolismo, causa ou efeito de doenças mentais, representa um grave perigo nacional, que a lei de promoção da saúde mental precisa de encarar de frente e tentar resolver. Problema deveras difícil no nosso país, em que os trabalhadores - homens e mulheres - exigem litros de vinho por dia como complemento de salários; no nosso país, em que a taberna é o casino dos pobres e os negócios se tratam entre dois copos ...

O problema da luta contra o alcoolismo é ainda difícil pelo tipo do nosso bebedor; bebe todos os dias, bebe muitas vezes por dia e o uso e abuso do vinho nestas condições, criando intoxicações crónicas, gera muito mais o aparecimento de cirroses, de delírio, de psicoses alcoólicas ...

Em todos os países, e em especial na Suíça, se procura estabelecer uma frente contra este flagelo social. Medidas de rigor, e por vezes violentas, estão em uso no sentido de evitar mesmo leves sinais de embriaguez; as autoridades estão habilitadas e apetrechadas para o diagnóstico da intoxicação alcoólica, provada e comprovada por vários meios e reacções vulgarizadas no seu emprego até ... pela polícia de trânsito, habilitada a dosear a alcoolemia pelo método colorimétrico ou a colher e enviar o sangue para dosear a taxa do álcool nele existente.

E de louvar o propósito verdadeiramente patriótico de fazer a prevenção e a cura do alcoolismo como flagelo social, flagelo digamos generosamente tolerado e até aceite pela nossa população ... A psiquiatria, adoptando a sua técnica, tem de organizar o combate, tem de provar que é falso o conceito de que «quem bebe beberá» ... e que é igualmente falsa a afirmação de que a campanha a encetar terá «aussi peu d'influence sur un alooolique qu'un astrónomo sur lês cours dês astres».

Não basta um centro de desintoxicação, útil e mesmo indispensável, para os casos graves e perigosos; há que considerar dispensários com o respectivo serviço social, cujas vantagens são reconhecidas pela facilidade de prestar serviços nas curas ligeiras e ainda pela assistência psicológica e psiquiátrica que podem prestar, visto o alcoólico ser Sempre um fraco, que perdeu a liberdade de se abster do álcool e que necessita em primeiro- lugar de fazer a sua desintoxicação mental.

Parece-nos, pois, que o programa a estabelecer terá de enfrentar o alcoolismo agudo através de uma lei que permita a captura de todo o indivíduo que na via pública se apresente em estado de embriaguez; e impor, quanto ao alcoolismo crónico, a hospitalização obrigatória, tal como para as doenças venéreas em período de contágio (Estados Unido e Suíça).

Em França, nos casos de periculosidade alcoólica, há obrigação, pura o doente, de se submeter e suportar u cura, com a existência de sanções penais para os casos de recusa.

A alta é concedida depois de declaração por escrito, feita pelo doente, de que não voltará a beber.

Em caso de reincidência, há lugar a hospitalização prolongada depois da cura; e no caso de incorrigibilidade do bebedor, à segregação.

Poderão parecer violentas estas medidas, mas não o são de verdade, se atender-mos à nocividade do alcoólico.

O alcoólico é prolífico e nas piores condições. A taxa da mortalidade infantil é considerável. Secundo elementos estatísticos suíços, entre os sobreviventes há apenas 15 a 20 por cento de crianças normais.

Nos restantes: atraso mental, epilepsia, perversão, etc.

Criminalidade infantil: entre 338 crianças delinquentes, 117 heredo-alcoólicas.

Família de alcoólicos: dramas, crianças mártires, contaminação alcoólica.

Abandono imoral das crianças: vagabundagem, vadiagem, manifestações patológicas variadas, progressivas, prolongadas, conduzindo à demência. .

Há ainda um problema grave, que poderíamos intitular: alcoolismo e segurança.

Nas causas dos acidentes provocados pelos automobilistas é considerável o número das que são imputáveis ao estado de imbibição alcoólica dos condutores ou de verdadeira embriaguez.

A maior frequência dos acidentes regista-se aos sábados e domingos.

Nos serviços de cirurgia de urgência verifica-se que muitos casos de acidentes - 33 por mil - incidem em indivíduos em estado de embriaguez ou de imbibição alcoólica.

Em 11 acidentes hospitalizado, 7 apresentavam alcoolemia superior a 2,5 por mil.

Nos traumatizados cranianos, alcoolemia superior a l por cento em 58 por mil.

Em outros traumatizados, idêntica taxa de alcoolemia em 38 por mil.

A mortalidade nos traumatizados cranianos alcoolizados é dupla da que se regista nos traumatizados não alcoolizados.

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Em vários países existe legislação que institui de forma sistemática e obrigatória a verificação da alcoolemia, não só para os casos de acidentes de circulação, mas também quando não lia acidente (delito de condução em estado de embriaguez).

Muitos outros problemas referentes ao alcoolismo e aos alcoólicos (indemnização nos casos de acidente de trabalho, capacidade civil do alcoólico e outros) devem ser estudados em colaboração com a psiquiatria.

17. É axiomático que tem de fazer parte da educação sanitária do público a higiene mental;

Reconhece-se que a acção educativa é sobretudo eficiente quando prestada ao indivíduo isoladamente, ou a pequenos grupos de indivíduos, e quando o educador conhece o meio e o meio o conhece a ele.

Pelo contrário, a colectividade reage e a acção torna-se inoperante ou mesmo perigosa se aparece um desconhecido a querer orientá-la.

Compreende-se, portanto, que a função educativa sobre higiene mental lucra em ser exercida pelo pessoal de saúde pública, aquando do seu trabalho diário na solução de problemas individuais, na discussão dos problemas de grupos, enfim em todos os casos em que tenha de actuar. Quando o agente de saúde pública é sabedor, está dentro dos assuntos e da técnica, possui conhecimento de princípios de pedagogia e tem uma clara noção dos mecanismos psicológicos fundamentais que presidem à aceitação ou à recusa das doutrinas ensinadas, notável e muito eficiente pode ser a sua acção a respeito da higiene mental.

Por outro lado, não se podem descurar as relações que devem existir entre a organização da higiene mental e a administração dos serviços de saúde pública.

A Administração não pode desinteressar-se dos problemas essenciais da higiene mental e tem de os integrar no seu trabalho administrativo.

A Organização Mundial da Saúde formulou mesmo recomendações concretas sobre a introdução dos princípios de saúde mental na prática dos serviços de saúde pública.

Presentemente dá-se grande incremento ao tratamento dos doentes de doença prolongada, em regime ambulatório ou em regime familiar, sob o controle de um psiquiatra e com a ajuda da enfermeira de saúde pública e das enfermeiras visitadoras sociais. Estas e outras razões justificam o desejo da Câmara, expresso mais adiante (l), de que faça parte do conselho técnico do Instituto de Saúde Mental um representante da Direcção-Geral de Saúde e outro da Direcção-Geral dos Hospitais.

Acresce outra ordem de considerações:

A função-base de qualquer hospital é o tratamento dos doentes.

O hospital psiquiátrico distingue-se do hospital geral simplesmente porque se especializa no tratamento das neuroses e das psicoses.

A experiência colhida no tratamento dos enfermos tem provado que há necessidade de uma estreita ligação entre os hospitais e os serviços de saúde pública, para vantagem mútua, e mais tem provado que aos hospitais gerais se deve atribuir uma função preventiva; e, pelo que diz respeito aos hospitais psiquiátricos, ó necessário que, diz a Organização Mundial da Saúde, não limite as suas actividades à acção terapêutica, mas que as actividades preventivas façam parte integrante das suas funções normais, como centro de protecção, que é, da saúde mental no sentido mais amplo da palavra».

18. Quem conhece a evolução da psiquiatria através dos tempos e não desconhece a história da assistência aos doentes mentais no nosso país conclui que Portugal esteve sempre em dia com as doutrinas e as práticas aceites nos meios mais civilizados.

Também temos uma galeria de psiquiatras muito ilustres, de larga nomeada, mesmo para além das nossas fronteiras; psiquiatras que dedicaram a sua inteligência ao estudo dos problemas da psiquiatria e entregaram o coração a resolver, com humanidade, os grave» problemas destes pobres enfermos. Em nenhum ramo de medicina se tem manifestado maior inquietação e mais instabilidade; vive-se verdadeiramente em terreno movediço; doutrinas que pareciam ter atingido a verdade foram de repente projectadas à distância, restando delas apenas fraca nebulosa, quando não triste lembrança, para serem substituídas, em curto prazo, por ideias antípodas. Haja em vista o passado no Congresso de Amiens, onde, em verdadeira batalha, os anti-isolacionistas foram completamente derrotados pelos isolacionistas, que se limitaram, à maneira de condescendência, a declarar que a «cura livre», em certos casos, pode ser útil ... mas só em certos casos! Pois hoje o problema rodou 180 graus; só em casos muito excepcionais se vai para a reclusão.

A psiquiatria, durante séculos sem categoria de ciência, prepara-se hoje para ser a base de toda a ciência médica. E talvez tenha razão ...

Os psiquiatras têm sempre um diagnóstico a pôr a tudo e a todos ...

«La escuela psico-analitica considera a todo o indivíduo más o menos neurótico ...». Ou, como dizia Dudreue: «Cette extension abusive du rale du psychia-tre qui aboutit à proposer pour tout conflit de groupe, que cê soit un conflit économique ou politique, que cê soit un conflit national ou international, une interpré-tation psychopathologique et une solution psychotera-pique ...».

E bem a desforra de quando eram mal tratados e, no conceito dos povos, se dizia: «La psychiatrie c'est Ia medicine dês fous prodiguée par d'antres fous».

Fechado este parêntesis anedótico, todos recordam, com elevada admiração, os grandes psiquiatras Miguel Bombarda, Júlio de Matos e Sobral Cid, o mestre orientador dessa plêiade brilhante de psiquiatras novos, sôfregos de estudo e de trabalho, a quem se pode confiar, com fé e segurança, a moderna e activa assistência psiquiátrica de absoluta necessidade ao nosso país.

Por isso bem fez o Governo em aproveitar o entusiasmo vitalizante da actual geração, factor fundamental para triunfo do seu pensamento, trazendo à discussão um conjunto de bases para a nova lei sobre promoção da saúde mental.

E fê-lo, como já se disse, no momento mais oportuno; a urgência é bem justificada, pois nunca, como agora, se tornou too premente ir ao encontro da onda, da nova vaga, de perturbações mentais, que agridem no Mundo todos os povos e em todas as idades, dando lugar a gravíssima epidemia, que ameaça destruir os doutrina», os conceitos, as bases da própria, Humanidade e pretende até criai um novo mundo sobre moldes que não podemos compreender, nem mesmo prever.....

Eis pois a grandeza da obra a realizar e a maior urgência em a realizar, visto que a rápida transformação que se vai operando por todo o Globo leva, necessária-

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mente e em breve, a novas formas de existência à custa de modificações nos problemas humanos, pessoais, familiares e educativos.

Importância que, no nosso país, deve revestir ainda aspectos de excepcional grandeza, mercê do Plano de Fomento em curso, no qual está incluída a transformação da estrutura agrária, o emparcelamento da propriedade, intensa e extensa industrialização e tantas outras modificações profundas a perturbar o quietismo em que se tem vivido ...

A apresentação do projecto para a promoção da saúde mental, trazido a estudo e a apreciação, surge no melhor momento; pois aparece quando se sente, em todas as nossas classes, uma ânsia de colaboração na resolução dos problemas da higiene mental, como acaba de provar o entusiasmo de rara intensidade em que decorreu o I Congresso Nacional de Higiene Mental, de frequência multiprofissional, em que colaboraram 2352

O problema é, na verdade, da maior urgência e da maior gravidade, mas estamos certos de que, por mais prodigiosas que sejam as possibilidades de realização e por mais rasgadas que fossem as condições económicas, nos difíceis momentos que vivemos não é possível proceder já à total e completa cobertura neuropsiquiatra do País, de modo a obter-se um rendimento substancial e com o maior aproveitamento.

O programa que se apresenta define de facto obra de vulto, grande em extensão e em profundidade, de que virá a beneficiar de certeza o País inteiro; mas exige tantos e tantos requisitos, encontra para já tantos e tantos obstáculos, que só uma vontade forte, e apaixonada pelo ideal que a lei de promoção da saúde mental prossegue, poderá levar a cabo, trabalhando fervorosamente.

Julgamos indispensável, feito o planeamento dos estudos, adoptar um certo método, uma certa ordenação na sua execução, de maneira a não haver perdas de tempo, esforço ou rendimento, e de maneira a não se perderem esforços alguns. Por isso e para isso, entende a Câmara que se devia estudar uma zona do nosso país onde se encontrassem já condições materiais e funcionais que permitissem s até facilitassem um ensaio, tão completo e rápido quanto possível; zona que representasse verdadeiro laboratório experimental da aplicação ao caso português das técnicas, dos métodos, dos meios e das instalações consideradas as melhores. Esta medida seria do mais alto relevo.

E como, sob o ponto de vista orgânico, o Centro do País tem mais condições materiais e de fácil coordenação, poder-se-á localizar aqui essa experiência, formando uma zona-piloto, modelo a adoptar depois, feitas as necessárias modificações, ao resto do País. Acresce a estas razões o aspecto misto da população, em que se não observam com grande frequência os factores acusados correntemente de provocarem maior frequência das manifestações de desorganização da personalidade' e da colectividade.

Até há meia dúzia de décadas de anos as doenças mentais não eram pertiirbadas na sua evolução natural; muitas levavam à demência, que é crónica, irreversível, incurável. Só havia uma preocupação: isolar os doentes e proteger a sociedade.

Em nenhum ramo de medicina, em tão pouco tempo, se operou tão profunda remodelação de doutrinas, conceitos e orientação!

Tudo mudou, tudo é diferente; os psiquiatras realizaram a mais profunda e extensa revolução no campo da investigação, no domínio da ciência. E obra de uma geração: as prisões para os doentes, os a depósitos» dos alienados, foram substituídos por clinicas psiquiátricas, de portas abertas como qualquer outro hospital. O alienado ascendeu à categoria de doente e deixou de ser prisioneiro.

O conceito de iucurabilidade sumiu-se e foi substituído por uma regra, talvez demasiadamente optimista - em geral, todas as psicoses são curáveis..

Portugal tem acompanhado com dignidade o progresso deste ramo de medicina; pode mesmo afirmar-se, sem receio de contestação, que no nosso país se cultiva e se pratica a psiquiatria, acompanhando os seus progressos, os seus triunfos. Portugal, pelos seus técnicos e pelos serviços de especialidade de que dispõe, está europeizado; simplesmente há que os multiplicar, e há que despertar nos médicos novos o interesse pela psiquiatria, de maneira a possuirmos um maior número de técnicos.

Logo que as circunstâncias o permitam, devem ser criadas nos hospitais regionais clinicas psiquiátricas, onde o regime aberto de admissão de doentes constitua, sob o ponto de vista assistencial, umas das características mais marcadas, de molde a receber os casos agudo» de doença mental e a intervir nas situações de urgência.

Assim, grande número de casos seriam sem demora tratados nas clínicas distritais (psicoses infecciosas, delírios mentais, excitação maníaca, depressão melancólica, etc.).

Paralelamente seriam criados na

Embora pareça de carácter regulamentar, convém sugerir que em todos os estabelecimentos e serviços destinados ao tratamento com internamento de doentes agudos exista uma secção especial de acolhimento ao doente. Esta destina-se a amortecer ou neutralizar o choque moral provocado pela separação do meio habitual (sentimento de abandono, temor de isolamento, etc.) que experimente o doente. A acção de acolhimento tem efeito psicológico (positivo no plano de tratamento do doente.

O pessoal que tenha a seu cargo o acolhimento deve ser constituído por enfermeiras ou assistentes sociais dotadas de especial vocação para a recepção e nesta cuidadosamente instruídas.

19. Na reorganização dos serviços de assistência psiquiátrica pretende dar-se maior - relevância e bem - à profilaxia das doenças de espírito, em obediência ao axioma de que a medicina preventiva vale bem mais que a medicina curativa.

Dentro desta orientação, aconselha-se uma grande actividade em defesa da higiene mental, actividade em que deve intervir toda a gente - especialista e não especializada-, seja qual for o seu campo de acção. Há que utilizar todos os modernos métodos de propaganda de educação sanitária, por mais variados que possam ser. Mas todos ainda são poucos para os muitos preconceitos a destruir, para as muitas noções a ministrar, para as muitas medidas a pôr em prática.

Todos os meios de higienizarão da vida e dos costumes, todas as medidas de protecção do corpo e da alma, suo armas de incalculável valor para evitar as perturbações do espírito que podem levar à loucura. Não é, pois, tarefa a desempenhar somente pelos psiquiatras, mas sim por todos os trabalhadores da saúde

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e por todos que sejam capazes de compreender e viver a magnitude de tão importante missão. É obra que exige a mobilização do País; há, pois, necessidade e urgência de a pôr em marcha.

Cremos bem que, mais por educação através dos serviços de saúde pública do que por imposição, há-de ser possível melhorar o nível sanitário e mental da nossa gente e reduzir assim o número de candidatos às perturbações mentais.

E os casos que se não puderem evitar serão descobertos no início da doença, tornando possível um tratamento precoce - da precocidade da terapêutica depende a maior eficácia.

Há que contar, pois, com uma apertada organização que permita - ou, melhor, facilite - as melhores condições de tratamento em instalações próprias e adequadas.

Com esse propósito se sugere que em cada zona haja um dispensário central e se instalem dois ou três dispensários regionais, correspondendo cada um destes dispensários a um grupo de distritos vizinhos, o qual terá, sob a sua dependência, um dispensário em cada região ou cidade de grande densidade de população, dispensário sub-regional (local ou citadino).

Através de semelhantes unidades assistenciais será possível fazer uma eficiente acção educativa de higiene mental, obra intensa de profilaxia das doenças mentais, tratamento activo dos doentes mentais em regime ambulatório, uma mais segura e apertada vigilância dos doentes em regime domiciliário e dos doentes em licença de ensaio.

A cada dispensário regional corresponderão um ou dois médicos neuropsiquiatras, conforme a importância da respectiva região, importância averiguada por meio de inquérito.

Estes serviços poderão ser independentes ou anexos a outros estabelecimentos destinados a tratamento de doentes com perturbações mentais ou mesmo a hospitais gerais.

A assistência será prestada por médicos especialistas sob a orientação e fiscalização do dispensário de zona, que deve funcionar no hospital psiquiátrico da respectiva zona.

Semelhante organização substituirá as brigadas com grande vantagem, pela sua acção mais directa, mais activa e mais assídua e, consequentemente, pela sua maior e mais perfeita eficiência.

Exprime-se o desejo de que dentro de cinco anos se instale nos hospitais regionais um serviço aberto para hospitalização livre de doentes agudos, portadores de perturbações psicopáticas não perigosas para a ordem pública e segurança das pessoas e que não exijam condições especiais de vigilância.

20. A palavra loucura foi substituída por alienação mental para indicar as alterações do psiquismo, que colocam o indivíduo na impossibilidade de se adaptar à vida social, por haver perdido o contacto, inteligente e vital, com a realidade: o indivíduo é um estranho no seu meio e um estranho a si mesmo; passou a ser outro e, em geral, sem a consciência da transformação sofrida. Na definição de Bali, o alienado é um homem que sonha com os olhos abertos; é estranho à realidade dos coisas; estranho a si mesmo. Perdeu a liberdade moral porque, como o homem dominado por um sonho, é incapaz de se socorrer das faculdades intelectuais para deliberar sobre as impressões que recebe, razão por que, até certo ponto, deixou de ser responsável pelas suas acções perante a sociedade.

Mas tonto a palavra loucura como a expressão alienação mental traduziam estados de espírito caracterizados pela perda definitiva da liberdade moral do doente e marcavam o doente para sempre.

Hoje tudo se passa de maneira diferente.

As palavras louco e alienado, que estigmatizam o doente, devem ser suprimidas da linguagem oficial e substituídas por doente do espírito, doente mental, doente da mente, psicótico ou por qualquer outra expressão semelhante, mas que não desvalorize o indivíduo, pois cie hoje, na medicina, tem um lugar semelhante ao doente de outro órgão, do coração, do estômago, etc.

A precocidade com que se surpreendem estas doenças nervosas, a rapidez com que se lhes acode, a brevidade com que muitas vezes se curam (e tantas vezes sem quaisquer sequelas), dão origem a que a sociedade as arranque da posição degradante que ocupavam no quadro nosológico e as situe na medicina ao lado das doenças dos outros órgãos. E, precisamente por essa compreensão, a sociedade já se não defende dos seus portadores, vai mesmo ao encontro deles, procura descobri-los muito cedo, dá-lhes o auxílio mental de que necessitam, coopera com humanidade no seu tratamento, não os marca para a sua vida futura; e, mantendo-os, sempre que possível, no seu ambiente, procura modificá-los para mais facilmente conquistarem o equilíbrio que perderam, e procura reintegrá-los numa vida normal.

Para quê estigmatizar pois estes doentes com o nome de alienados se, em poucos meses, os suas perturbações podem desaparecer por completo e para sempre? Para quê comprometer para sempre a sua situação na sociedade, na sua vida profissional, no seu futuro?

Cada vez é mais necessário organizar a psiquiatria social, despistando os propensos ás doenças do espírito e os portadores de doenças mentais para os integrar na sociedade no uso de uma vida normal.

E o problema tem actualidade e é urgente porque as transformações sociais, a industrialização crescente a que assistimos, a fuga da gente dos campos para os grandes centros, a ambição insatisfeita de outras situações, a dispersão frequente dos membros da família, a mecanização da vida, são causas permanentes e torturantes que actuam malèficamente sobre o espírito dos indivíduos, que, arrancados ao seu meio e à sua vida,' se tornam nuns inadaptados ao novo meio e à nova vida.

Se se adoptasse o tratamento clássico do isolamento, impossível seria conseguir condições que pudessem receber tão 'grande número de doentes; mas, felizmente, a ciência, a investigação, a observação, conseguiram romper o mistério e a magia que envolviam as doenças do espírito e abrir novos horizontes, a permitir compreender parte do muito de incompreensível que neles havia. Assim nasceram doutrinas e técnicas, que, em renovação constante, vão aumentando os conhecimentos, que a medicina vai utilizando, a ponto de já haver hoje uma orientação, bastante segura, quanto ao estudo dos doentes, estudo que leva ao conhecimento da doença e do seu tratamento mais apropriado.

Desta forma, a sociedade vai-se familiarizando com estes doentes e consegue-se, na frase do Prof. Baraona Fernandes, a desalienação da psiquiatria, permitindo a clinica de muitos doentes de espírito no seu ambiente e em condições semelhantes às dos doentes da medicina geral.

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Os médicos têm mudado de opinião, através dos tempos, sobre o valor relativo dos factores somáticos, sociais e psicológicos na génese da doença.

Cremos aproximar-se o fim da época em que se atribuía a principal importância às causas e efeitos somáticos e em que os médicos deixavam na sua acção de considerar o homem integral, para o tratarem apenas como conjunto de órgãos e aparelhos, à maneira de pecas articuladas de um mecanismo bem estruturado.

Para essa orientação contribuiu fortemente o grande desenvolvimento das ciências físicas e da biologia experimental, com as suas grandes descobertas e com as suas inovações surpreendentes.

Mas, apesar de tudo isso, sentia-se que o problema da saúde do homem não estava completamente esclarecido nem compreendido, e procurou-se encontrar melhor explicação para as relações complexas entre os factores somáticos, sociais e psicológicos.

Assim nasceu a medicina psicossomática, que, no seu avanço e aperfeiçoamento, vem explicando o que parecia inexplicável, vem abrindo caminho a novas e novas doutrinas, que rasgam largos horizontes à medicina preventiva dos males que atormentam sobretudo os países de maior nível, sob o ponto de vista cultural e económico - as doenças mentais.

Tais doenças constituem, na verdade, problema grave de legítima preocupação dos Estados: basta considerar que a taxa da alienação mental é da ordem de l por cento da população e que a percentagem das nevroses - consideradas a partir do momento em que começam a provocar incapacidade parcial - é de cerca de 10 por cento.

Se atendermos a que o factor económico tem porventura a maior responsabilidade em tais números, e se é de prever o seu agravamento com o progresso da chamada civilização actual, compreende-se bem a importância da lei que procura prevenir e tratar as doenças mentais.

Mantendo-se o ritmo de agravamento das perturbações mentais, é legítimo concluir que, em breve, não seria possível ter pessoal nem adquirir material suficiente para tratar as suas vítimas. Quer dizer que, em breve, a medicina curativa seria insuficiente para dominar o mal; o problema está, pois, em o evitar, isto é, em fazer a profilaxia das doenças mentais. Para isso o médico teve de mudar de direcção no exercício da sua arte; teve de cuidar do homem completo, olhando o corpo sim, mas vendo também o espírito; estudando o homem isolado, estudando o homem entre os homens e em sociedade; cuidando o homem doente, encarando 1 o homem são e examinando-o no seu ambiente.

C) Apreciação do ponto de vista jurídico

21. Do ponto de vista jurídico, o projecto em análise levanta problemas vários, alguns dos quais de gravidade e melindre.

De entre as questões jurídicas que um projecto de lei sobre saúde mental suscita, destacamos como mais importantes as três seguintes (1):

A coordenação dos serviços psicossanitários dependentes do Ministério da Saúde e Assistência com os dependentes do Ministério da Justiça;

A gestão do património dos doentes mentais não feridos de incapacidade jurídica;

A protecção da liberdade individual, em face da possibilidade de aplicação, contra vontade do paciente, de medidas de tratamento psiquiátrico.

22. Destes três problemas, o primeiro é afastado, pelo projecto em análise, dos limites do seu objecto. Com efeito, no n.º 3 da base IV exclui-se qualquer intromissão nos domínios reservados aos serviços do Ministério da Justiça (prisionais e de menores).

A zona de competência reservada em princípio ao Ministério da Justiça - delinquentes e menores - interfere com a zona de competência reservada, em princípios, ao Ministério da Saúde e Assistência - doentes mentais -, uma vez que pode haver delinquentes que sejam doentes mentais (não falando já da escola criminológica positiva que pretendia que todos o eram) e menores atingidos igualmente por esse mal.

Que os primeiros permaneçam sob a alçada do Ministério da Justiça, justifica-se inteiramente pela ideia, salientada pelo Prof. Cavaleiro de Ferreira, de que, quanto a eles, ao interesse da cura se sobrepõe, em virtude do perigo criminal, o interesse da defesa social (l).

Já quanto aos menores - em que o interesse dominante é, evidentemente, o da promoção da sua saúde mental -, parece que, em caso de anomalia mental, devia caber ao Ministério da Saúde e Assistência prover sobre a situação; até porque a promoção da saúde mental infantil é - lhe confiada, pelo projecto, com particular interesse (base I, n.º 2, designadamente). Parece à Câmara Corporativa, na verdade, que, em face de um menor psiquicamente anormal, a função dos serviços tutelares dependentes do Ministério da Justiça-se devia limitar a promover, o seu internamento em estabelecimento oficial ou particular de assistência psiquiátrica, dependente do Ministério da Saúde e Assistência - nos termos da alínea h) do artigo 21.º da Organização Tutelar de Menores, aprovada pelo Decreto-Lei n.9 44 288, de 20 de Abril de 1962.

O regime jurídico em vigor não é totalmente este, devido à integração no Ministério da Justiça de um estabelecimento de fronteira (cuja competência se encontra no limite da que devia, no rigor dos princípios, ser atribuída ao Ministério da Justiça, invadindo já a do Ministério da Saúde e Assistência). Referimo-nos ao Instituto Navarro de Paiva, pelo corpo do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 40701, de 25 de Julho de 1956, destinado «à observação médico-psicológica e ao internamento dos menores delinquentes e indisciplinados do sexo masculino, mentalmente deficientes ou irregulares, sujeitos à jurisdição do tribunal de menores».

Mesmo aqui, porém, a distinção permanece, pelo menos em teoria. A lei distingue entre serviços médico-psicológicos [alínea l) do artigo 21.º da Organização Tutelar de Menores] e serviços de assistência psiquiátrica propriamente dita. Os primeiros podem considerar-se como uma forma-limite de educação correctiva, mais do que uma forma que rigorosamente se deva considerar de tratamento psiquiátrico próprio sensu. Quando este é necessário, o § 2.º do artigo 2.º do atrás citado Decreto-Lei n.º 40 701 dispõe que aos menores cujas anomalias mentais exijam tratamento incompatível com as possibilidades do Instituto serão internados em estabelecimentos psiquiátricos adequados».

(1) A ordem por que se indicam não é necessariamente a da sua importância.

(') Despacho de S. Ex.ª o Ministro da Justiça de 15 de Agosto de 1946, in Boletim Oficial do Ministério da Justiça, ano vi, n.º 87, p. 463. O artigo 124.º da Constituição Política subordina a readaptação social do delinquente, como fim da pena, à defesa da sociedade.

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A separação que o projecto faz entre os serviços dependentes do Ministério da Saúde e Assistência e os serviços dependentes do Ministério da Justiça tem assim plena justificação, bem como a restrição aos primeiros do campo de aplicação do projecto (base IV, n.º 3). Mas este princípio, por um lado, deverá ser levado aos seus justos limites (reconhecendo-se que no campo da saúde mental nem toda a acção do Estado é exercida pelo Ministério da Saúde e Assistência, havendo uma parte que, por razões especiais, é atribuída a outros serviços - este ponto envolverá a revisão, que faremos aquando da apreciação na especialidade, da base m, n.º 1); por outro lado, não deve ser levado longe de mais - devem multiplicar-se os meios de coordenação entre as actividades dos dois Ministérios, e nesse sentido propomos uma alteração u base v, n.º 2, do projecto em análise.

23. A administração dos bens dos doentes mentais é problema que tem merecido ultimamente, na doutrina estrangeira, um trabalho de revisão.

Às novas orientações que se têm desenhado procura corresponder no projecto governamental a base XXIV. E como apenas de uma base se trata; pareceria que a questão .seria de encarar e estudar mais adiante, no exame do projecto na especialidade. No entanto, a sua importância justifica que seja estudada agora em profundidade, como um dos mais importantes pontos da reforma proposta pelo Governo.

Antes de se introduzir qualquer alteração no sistema vigente, convém ver quais os meios que este oferece para assegurar a gestão dos interesses de uma pessoa que esteja por razão de anomalia psíquica incapaz de a ela proceder pessoalmente.

O meio central previsto na lei é a interdição por demência, regulada nos artigos 314." e seguintes do Código Civil e nos artigos 944.º e seguintes do Código de Processo Civil.

Independentemente desta, o Código Civil permite que, sendo o demente casado, a mulher assuma a administração do património do casal enquanto durar o seu impedimento (artigos 1117.º, § único, e 1189.º). Para certos actos, permite-se a nomeação de um curador especial - assim, para se defender em acção contra ele proposta em juízo (artigos 14.º e 236." do Código de Processo Civil). E, é claro, enquanto o demente não for interditado, poderá sempre conferir a outrem mandato para gerir os seus negócios.

O sistema da lei é portanto o de só substituir outra pessoa ao interessado na gestão dos seus negócios, sem consentimento deste, mediante intervenção judicial. Só se exceptua o caso da mulher; a excepção compreende-se dadas as relações que a ligam àquele que é destituído da administração dos seus interesses.

Simplesmente, a interdição tem sido vivamente criticada, considerando-se meio moroso, impopular e caro.

Moroso, antes de mais; moroso quer na sua aplicação, quer no seu levantamento (1), cercada como é das cautelas necessárias em medida de tal melindre. Essencial-

(l) Artigo 958.º do Código de Processo Civil. «Sabe-se como é complicado, demorado e custoso o processo de interdição. Sabe-se que não o é menos o processo de levantamento... são designadamente reuniões do conselho de família, intervenções de peritos, interrogatórios pelo tribunal..., notificações e publicações ... Não se pode pensar em submeter o doente curado, após a sua alta, a um tal regime» («Projet de texte presente par lê Ministère de Ia Justice Concernont LAdministration dês Bions dês Malodes Mentaux», in L'Informatíon Psychiatrique, 1061, p. 24).

mente é esta a característica que salienta o relatório (n.º 9), como fundamento para propor uma alteração do regime vigente, através da base XXIV do projecto.

Note-se que a lei se preocupa em evitar os pericula in mora, os prejuízos que advêm da morosidade do processo. Logo após o requerimento da interdição e constituição de defesa do arguido, «o representante do arguido no processo pode ... promover a nomeação judicial de um tutor provisório» (artigo 946.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Em momento mais adiantado do processo de interdição, o juiz pode decretar, a título provisório, a própria interdição se ... reconhecer ... que há necessidade de providenciar imediatamente quanto à regência da pessoa e administração dos bens do arguido» (artigo 953.º, n.º l, do Código de Processo Civil).

Em todo o caso, a crítica permanece: o processo de interdição demora, é lento, é moroso. Além disso, diz-se que a interdição é também um meio impopular - receiam as famílias a sua publicidade e o estigma que uma sentença judicial de interdição acarreta. Por último, afirma-se, a interdição é uma medida cora, o que a possibilidade de assistência judiciária pouco atenua. E fora de dúvida que todos os inconvenientes apontados se fazem sentir; embora todos tenham causa justificativa. A morosidade resulta de, neste domínio, à celeridade se procurar, e bem, contrapor a ponderação; a impopularidade resulta do facto de o interesse de terceiros exigir que se exponha a público uma situação que a família preferiria ocultar; por último, a onerosidade do processo - aliás neutralizável através do instituto da assistência - resulta da necessidade de prover o órgão jurisdicional com os meios necessários a uma decisão conscienciosa e ponderada, sem isso vir injustamente a pesar sobre a colectividade.

A única alternativa a este regime (ao sistema da nomeação de um tutor ou curador, nomeação que só se pode defender seja feita pelo tribunal) que a Câmara reputa digna de atenção é a da constituição da tutela ou curatela ipso jure - isto é, sem intervenção do tribunal ou de qualquer entidade - daqueles que só colocarem em situação de dela necessitarem por virtude de certo facto - sujeição a tratamento psiquiátrico, internamento.

A ordem jurídica francesa oferece-nos um sistema deste tipo. O Código Civil apenas previa, como o nosso, a interdição judicial. Mas uma lei de 30 de Junho de 1838 (artigo 31.º) veio estabelecer que, quanto aos estabelecimentos públicos, o internamento dava ipso facto origem a uma situação de representação legal do internado, cuja esfera patrimonial seria gerida por um administrador provisório, escolhido entre os membros da comissão administrativa do estabelecimento. O sistema não se aplica aos doentes internados nos estabelecimentos particulares, nem quanto aos não internados. Quanto aos primeiros (além sempre, claro, da interdição) pode-se requerer a nomeação judicial de um curador (administrateur judiciaire); quanto aos segundos, em rigor apenas. a interdição é possível, embora a jurisprudência admita por vezes também a possibilidade de nomeação judicial de um curador provisório (1).

Simplesmente, não parece à Câmara de aplaudir o sistema segundo o qual se permita, sem precedência

(1) Lauzier, «La Proteotion dês Biens de Certaines Catégories d^Hospifealisés», ia L'information Paychiatriqiie, 1950, pp. 171 e segs.

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das diligências probatórias necessárias para apurar a verdadeira situação (substituídas por uma presunção - verdade formal - resultante do internamento e durando o que este dura), a nomeação ipso jure como uma medida normal, destinada a estabelecer o regime da gestão dos interesses do internado, enquanto o for. Podem diminuir-se as formalidades da interdição aumentar-se a celeridade à custa da 'ponderação, mas só para estabelecer um sistema provisório de gerência dos interesses do demente em face da urgência em o fazer, do periculum in mora. Não se pode assentar numa summaria cognitio, num procedimento célere e por isso pouco seguro, uma deslocação para outrem do poder de gerir o próprio património, deslocação essa a título definitivo, ou pelo menos por tempo indeterminado, sem a justificação da urgência e a garantia de que a situação será apreciada mais detidamente. Crê a Câmara que tal possibilidade representaria uma violação grave das garantias da pessoa, sujeita a ver-se privada da gestão do seu património, com todos os perigos e prejuízos materiais que tal acarreta, sem um exame atento e profundo das circunstâncias, feito ou a fazer no mais curto possível espaço de tempo.

A imposição da curatela ipso jure, sem a intervenção judicial, sem um exame do caso concreto (que só em tribunal se concebe) (1), traz necessariamente casos de injustiça, ainda mesmo que se excluam (como é devido) os casos em que o internado se mostre apto a continuar a gerir o seu património (que elo melhor que ninguém conhece e poderá manejar) (1), os casos em que, sendo o internado casado, a mulher assegure a gestão dos seus interesses e os casos em que o internado constitua representante voluntário (como pode fazer enquanto não for interdito, assim como destituí-lo).

Por outro lado, sujeito o internado a um regime de curatela in abstracto, há o problema da determinação do curador in concreto.

Essa determinação pode ser feita também ipso jure - por exemplo: o director do estabelecimento onde alguém fosse internado seria ipso jure seu curador. Esta solução é referida só como exemplo, para esclarecimento do sistema que se analisa, porque as suas desvantagens são patentes. Não parece conveniente sobrecarregar uma pessoa que é - normalmente pelo menos - técnico em psiquiatria, com funções de administração patrimonial, que não terá interesse, tempo, ou competência especial para desempenhar.

O sistema da lei francesa em Portugal não seria possível sem uma profunda reforma da orgânica dos nossos hospitais de psiquiatria, cuja direcção clínica e administração estão confiadas a órgãos singulares (um director clínico e um administrador, por vezes com um adjunto).

Foi propositadamente guardada para último lugar a apreciação do sistema da lei civil quanto à interdição por demência, sistema que consta do artigo 320." do Código Civil. Aplicando-o à matéria em causa, poderia ' estatuir-se que, internado o doente num estabelecimento de saúde mental, automaticamente ficaria investido nas funções do seu curador de bens o cônjuge (1); na falta, o pai; na falta de ambos, a mãe, e assim por diante, pela ordem do artigo 320." do Código Civil. Simplesmente, a determinação no caso concreto da pessoa que fica investida na curatela, a comunicação a essa pessoa das suas funções, a solução das múltiplas questões que neste domínio se podem levantar, como escusas, remoções, reunião do conselho de família, etc ... ., tudo são factores que aconselham a intervenção do tribunal e apoiam o sistema da jurisdicionalização.

Acresce que, nas hipóteses em que aã evolução da doença nem já terá duração suficiente para permitir recorrer à interdição do doentes (relatório, n.º 9), nesse tempo diminuto pode uma pessoa que pretenda desempenhar-se das suas funções conscienciosamentc não ter tempo para se habilitar a bem gerir um património que desconhecia. Uma doença mental fulminante e rápida do sen titular representará sempre, na gestão do património, um mal inevitável - não há sistema que possa evitar neste caso que sobrevenham prejuízos. E há sempre ainda que recear o perigo da desonestidade de qualquer substituto do titular do património para a sua gerência e administração.

24. Estudado o problema em abstracto, aprecie-se agora a solução que lhe dá o projecto governamental, na sua base XIXIV.

Por mais estranho que pareça, parece poder afirmar-se que lhe não dá nenhuma. A base XXIV contém dois números: o n.º 2 é uma mera remissão ,para a lei civil; o n.º l ajusta-se sem dificuldade ao sistema - vigente, com a única ressalva da substituição da palavra curador pela palavra tutor.

E nem se pense que esta diferença terminológica tem valor relevante. A interpretar a palavra pelo rigor dos princípios, a palavra curador restringiria os poderes do representante legal à esfera jurídica patrimonial (tutor datur personae, curator bonis). No entanto, por um lado, isso não se justifica para um doente temporariamente incapaz de reger a sua pessoa; por outro lado, esta diferença não é levada pelo projecto governamental às suas consequências lógicas, dado que se' atribuem ao curador poderes no hemisfério pessoal - o de exigir a alta do doente [base XIX, n.º l, alínea a)],'o de tomar conta da sua correspondência (base XX, n.º 2). Aliás, se o fundamento do regime proposto no projecto é a conveniência de se nomear uma pessoa com poderes apenas para gerir e administrar o património do doente, deve então notar-se que o § 1.º do artigo 314.º do Código Civil permite, sem sombra de dúvida, uma nomeação de tutor assim restrita.

E pois já válida no direito português a norma segundo a qual poderá ser nomeado curador às pessoas maiores ou emancipadas (deveria aliás dizer-se: capazes), hospitalizadas ou não, que por motivo de doença ou anomalia mental, bem como de toxicomania, se amostrarem temporariamente (2) incapazes ou estejam

(1) Salvo nos casos do artigo 820.º, n.º l, do Código Civil, aos quais se devem juntar ^s do artigo 234.º, por força .do artigo 234.º Note-se que, no impedimento do marido, o cônjuge administra os bens do casal; neste ponto, o sistema em vigor não carece de ser alterado.

(2) Fundamento da interdição por demência (artigo 814.º do Código Civil) é o estado de mentecapto, ou qualquer estado anormal de faculdades mentais, seja temporário (só se devendo ressalvar o que seja de considerar acidental - artigo 858.º do Código Civil) ou permanente, provenha ou não de toxicomania ou alcoolismo.

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impedidas (1) de reger a sua pessoa e administrar os seus bens.

Se a base XXIV não traz ao sistema vigente modificação de vulto, não parece curial deixá-las para decreto regulamentar-suprindo neste designadamente o agente da passiva, ausente da oração principal da base XXIV, n.º l, do projecto.

25. Parece à Câmara que o problema se põe desta forma:

Há que gizar dois tipos de regimes de suprimento cio impedimento dos diminuídos mentais:

A) Regimes provisórios;
B) B) Regimes definitivos.

Os primeiros destinam-se a solucionar os problemas urgentes e imediatos que a doença mental acarreta, e ainda os problemas mau simples da sua gestão patrimonial (mera guarda de valores, por exemplo). E este carácter de urgência ou de simplicidade que justifica que, nestes regimes, à ponderação se substitua a celeridade. Nestes problemas, demorar para resolver bem é já de si resolver mal; pelo que se procura estabelecer um sistema que permita resolvê-los o mais depressa è melhor que seja possível.

Os segundos destinam-se a dar ao problema da administração do património do diminuído mental, enquanto ela estiver vaga em virtude da própria anomalia, uma solução definitiva - solução por tempo indeterminado e sem restrição a tipos de questões de administração (mais urgentes, mais simples), embora, claro, não necessariamente perpétua.

Ora, como regime definitivo de administração dos bens do incapacitado por anomalia mental parece à Câmara que só é de encarar a interdição judicial, ponderadamente julgada e, portanto, necessariamente um tanto lenta. As soluções alternativas -melhor, a solução alternativa - oferecem os inconvenientes enunciados há pouco, e por esse motivo se rejeitam.

E sendo esta matéria de direito privado, e estando em estudo e preparação um novo Código Civil -para o qual, em última análise, a base XXIV, n.º 2, remete-, parece que será neste que, após um estudo aprofundado e ponderado, tomando em conta os pareceres e leis mais recentes,' sopesando todos os interesses em causa e harmonizando o regime jurídico da matéria; cabe a disciplina jurídica da tutela dos dementes. Não parece curial nem sequer a recomendação programática contida na parte final do n.º 2 da base XXIV.

Poderá o regime da interdição simplificar-se Talvez. Deixou-se já até passar uma oportunidade em que tal revisão teria cabimento - a reforma do Código de Processo Civil, concluída há pouco pela publicação do Decreto-Lei n.º 44 129, de 28 de Dezembro de 1961. Contudo, está em preparação o Código Civil; o anteprojecto referente as incapacidade, ida autoria do Dr. Américo de Campos Costa, foi oferecido já à apreciação e crítica pública (2) e revela-se nele a preocupação de

(l) A possibilidade do curatela em caso de impedimento, fazendo diferença entre cato e n incapacita-lo, é que poderia considerar-se uma inovação da base XXIV. Bastaria que o tratamento exigisse o afastamento dos negócios, embora não incapacitando para os reger. Nesta caso, porém, não parece aconselhável a tutela ou curatela, mas a representação voluntária, tal como era caso de qualquer outra doença.

(2) incapacidade e Formas do seu Suprimento - Anteprojecto do Código Civil», in Boletim do Ministério da Justiça n.º 111, pp. 195 e seguintes.

afastar a nossa lei civil da rotina de formas clássicas e acolher novas técnicas e classificações (1). Pois bem, parece que será aos membros competentes da comissão preparadora do novo Código Civil que a psiquiatria deverá levar, quanto a este ponto, as suas sugestões e os seus anseios, a fim de que às novas técnicas de tratamento psiquiátrico correspondam novos técnicas de disciplina jurídica dos doentes mentais.

26. Terá cabimento, porém, na Lei de Saúde Mental o delineamento de um regime provisório de administração dos bens dos doentes mentais, regime esse que permita suprir os inconvenientes do regime definitivo em casos em que estes se façam sentir com particular acuidade: casos urgentes, em que é extremamente nociva a morosidade do processo de interdição; casos mais simples, para os quais um processo caro e estigmatizaste se apresente como odiosamente inútil.

27. Parece à Câmara que, destes casos, há a separar uma primeira categoria nitidamente diferenciàvel: a dos valores que se encontram na dependência imediata do demente aquando do seu internamento. Esses valores consistirão normalmente em roupas, valores de carteira e objectos de uso pessoal; mas podem também cifrar-se em bens diferentes - um caso houve em que um internado de urgência conduzia um veículo carregado com animais vivos.

O problema que estes valores levantam não é específico dos hospitais e estabelecimentos psiquiátricos - diremos mesmo que é quanto a estes que menos frequentemente levantará dificuldades. Cabe mais a uma lei sobre organização hospitalar em geral que a um estatuto particular do domínio psicossanitário. Uma vez porém que não existe disposição que discipline a matéria em tal plano de generalidade, parece à Câmara ficar mais completo o projecto de estatuto inserindo uma base (a base XXX proposta) a consagrar o que já é rotina nos regulamentos hospitalares: que os valores que se encontrem na detenção de qualquer demente que venha a ser internado fiquem confiados à guarda a direcção (a) do respectivo estabelecimento; acrescentando que só poderão ser entregues a qualquer outra . pessoa (que não o internado após a alta) que os exija e invoque direito a eles com autorização do curador de doentes mentais (entidade a que mais adiante se fará desenvolvida referência), e acrescentando ainda que os órgãos de assistência psiquiátrica (scilicet o director do estabelecimento, ou o mesmo curador) poderão, sempre que se trate de bens perecíveis ou que pela sua natureza não possam ser guardados no hospital, depois de fazerem o possível por os "entregar a pessoa com direito a recebê-los (o seu proprietário, por exemplo, quando não seja o internado) ou dever de os guardar (o tutor ou representante do internado, por exemplo, quando haja), depositá-los em lugar idóneo u custa do seu proprietário ou mesmo, em caso de necessidade absoluta, dispor deles, consignando em depósito o que por eles porventura hajam recebido.

Este quadro de disposições deve, claro, ser completado com as do Código Civil relativas ao depósito

l) Signantor a importantíssima disbinção entre interdição e inabilitação, distinção que se baseia na profundidade do mal, não na sua duração.

(2) Direcção, lato sensu - em regulamento se especificará se cabe ao director, ou a tesouraria, ou a outro órgão em especial.

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[entre as quais o artigo 1450.º (1)], e ainda com algumas disposições regulamentares, designadamente sobre a forma de se proceder à disposição dos bens quando esta se torne necessária, ou sobre o processo através do qual o curador de doentes mentais se certificará de que a pessoa que exige a entrega de bens do internado tem realmente direito a essa entrega, recursos possíveis da sua recusa, etc.

A disposição referida, dado que apenas pode dizer respeito a internados, parece à Câmara dever colocar-se entre as normas que regem o internamento.

28. Fora destes casos, é possível encontrar uma solução para os problemas de administração do património dos dementes que se compadeçam mal com a morosidade do processo de interdição por serem urgentes ou que se compadeçam mal com a sua impopularidade e o seu preço por serem relativamente simples.

Notem-se antes de mais dois pontos:

Em primeiro lugar, urgente e simples são palavras a entender aqui em termos hábeis - designadamente em sentido relativo e não absoluto. Urgente não é a questão a solucionar em horas ou de um dia para o outro: é a questão cuja solução não permite aguardar a cura do doente ou o resultado de um processo de interdição. Simples, por seu turno, é a questão cujos termos tornam o recurso ao pesado processo interditório um dispêndio inútil de energia processual.

Em segundo lugar, as questões para que a Câmara propõe um regime inovador revestir-se-ão em regra normalmente das duas características. E o caso do pagamento da renda da casa do doente sujeito a tratamento, pagamento que, se negligenciado, envolverá a possibilidade de despedimento deste; é o caso do levantamento do vencimento ou pensão do mesmo, muitas vezes único sustento de todos os seus dependentes familiares; e hipóteses semelhantes. Hipóteses humildes - não será frequente verificarem-se acerca de grandes fortunas -, mas hipóteses que poderão comparativamente trazer mais dano aos pequenos patrimónios (a que o Estado deve particular atenção, Constituição Política, artigo 6.º, n.º 3.º) do que a transitória paralisação da administração de uma grande riqueza.

Sobre estas questões debruçou-se a Câmara com especial carinho, procurando um regime com as seguintes características: facilidade de ser constituído e facilidade de ser levantado (pedia-se que se cingisse estreitamente à situação de necessidade, sem hiato entre a constituição ou a cessação do estado psicológico e a do estado jurídico de demência) e ausência ou pelo menos carácter diminuto do perigo de injustiças.

Em virtude da primeira exigência, pôs a 'Câmara de lado qualquer regime judicialmente constituído. Repita-se que a morosidade é uma constante judicial, resultante já do assoberbamento normal dos nossos tribunais, já da necessidade de exigir das suas decisões a devida e necessária ponderação, incompatível com a celeridade.

E assim foi a Câmara levada a considerar a única alternativa (ao sistema da instauração da tutoria ou curadoria pelo tribunal) que, como se disse atrás, a Câmara considera digna de atenção: a instauração dessa tutoria ou curadoria ipso jure, pelo simples facto da sujeição a tratamento - e, repita-se sempre, para o âmbito restrito dos problemas urgentes e mais simples, compatíveis com uma solução meramente provisória, do problema da administração de um património deixado vago pela doença do seu titular.

A questão que imediatamente então se levantou foi a da designação do curador ipso jure nomeado.

E nesse ponto, ponderadas as diversas soluções possíveis, parece à Câmara de propor um sistema que, inovador embora (1), lhe parece prático e eficaz.

O sistema que parece à Câmara preferível é o da criação, junto de cada centro de saúde mental, de um órgão novo, a que suo atribuídas funções de curadoria dos bens dos doentes mentais em tratamento, sempre que tal curadoria se mostre necessária e conveniente.

Esse órgão - a que a Câmara dá o nome de curador de doentes mentais (3) - é pelo projecto regulado nas suas grandes linhas gerais, primeiro porque assim deve ser numa lei de bases (Constituição Política, artigo 92.º), segundo porque se pretende conservar neste campo uma certa elasticidade, permitindo ao Governo amoldar a instituição, através de regulamentos, às necessidades sentidas.

Fundamentalmente definem-se na lei - além da denominação, da integração administrativa e da necessidade de provimento em licenciado em Direito (3) - as funções dos curadores, que são basicamente cinco: função de habilitação, função de administração, função de promoção do processo interditório, função de protecção e função de esclarecimento e conselho.

A primeira função exerce-se caso o doente mental tenha administrador que o supra no seu impedimento - designadamente esposa (artigos 1117.º, § único, e 1189.º). Nessa altura, o problema com que se debate o administrador legal é sempre o da prova desta qualidade. Essa prova será feita por certificado do curador, certificado esse que habilitará o administrador a praticar qualquer acto de administração, inclusivamente receber qualquer vencimento, pensão ou quantia devida a qualquer título.

A segunda função - que só será exercível quando o não for a primeira - é a mais delicada de traçar. Incumbe-se ao curador, não havendo administrador legal ou voluntário, praticar os actos de administração dos bens do doente mental que este não possa praticar e ou sejam urgentes (por a sua não realização causar ao doente prejuízo de outra forma evitável, como seja o despedimento do prédio que habita, a caducidade de uma compra a prestações por falta de pagamento de uma prestação, a perda de bens perecíveis, etc.) ou se traduzam apenas ou muito prevalentemente em proveito do doente (como recebimento de uma dívida, pensão ou vencimento, a ser depositado em nome do doente) ou se destinem a prestar alimentos que o doente deva (sustentar os filhos, ou parentes a cargo deste).

Quando o curador seja da opinião que o património do doente e a duração provável da sua doença exijam.

(1) Poderá haver-se como provisório ou experimental em relação ao futuro Código Civil - então se colherão os fruto da experiência do sistema que, a ser acolhida a proposta da Câmara, ora se estabelece.

(2) Em rigor deveria ser curador de dementes não (judicialmente) interditos, para o distinguir do curador de dementes (Judicialmente) interditos, que á o Ministério Público (artigos 187.º, 220.º e 821.º do Código Civil).

(3) Omitem-se, note-se, pontos de importância, como o carácter gratuito ou oneroso da intervenção do curador, a responsabilidade deste, etc.

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que se recorra ao processo de interdição, assim o comunicará ao Ministério Público, bem como ao cônjuge, se o houver, e aos parentes sucessíveis do desassisado (cf. artigo 315.º do Código Civil) cuja identidade possa descobrir. Parece à Câmara que nisto se deve cifrar a função de promoção ao processo interditaria confiada ao curador. Não lhe deve ser lícito propor ele tal processo, já que este é predominantemente de natureza pessoal, ao passo que as funções atribuídas ao curador são de natureza exclusivamente patrimonial.

Por último, caberá ao curador uma função de protecção do doente mental. Nesta ordem de ideias, sempre que venha ao conhecimento do curador que certa pessoa tira ou pretende vir a tirar vantagens da situação mental do doente, deverá, além de comunicar o facto ao Ministério Público, se for caso disso, comunicar oficialmente à pessoa em causa o estado mental do doente. Com isso preencher-se-á uma condição de que o artigo 335.º do Código Civil faz depender a possibilidade de anulação futura de actos e contratos celebrados por demente não interdito - ser o estado de demência conhecido- da outra parte. Se o recipiente da comunicação persistir em praticar o acto e se dele resultar grave prejuízo patrimonial para o demente, atribui-se ao curador legitimidade para, em nome do doente, propor a acção de anulação.

Por último, a função de esclarecimento e conselho traduz-se (como a designação indica) no poder-dever de esclarecer e aconselhar todos aqueles a quem certo caso de doença mental levanta problemas de carácter jurídico patrimonial ou pessoal (e esperamos mesmo que problemas de carácter moral, se aqueles que forem investidos nestes cargos de curador cuja criação a Câmara ora propõe entenderem a sua função como verdadeiramente um múnus público).

Restringe-se porém a legitimidade para pedir esclarecimento ou conselho àqueles que não possam recorrer a outro consultor: as pessoas cujos meios habilitem a recorrer a um advogado, ou aqueles que se possam dirigir a um consultor jurídico qualquer, não parece justo que tomem o tempo do curador como os desamparados e pobres para quem ele se pretende seja o conselheiro natural.

Assim se pretende que este órgão se integre por conseguinte na rede de para-assistência (ou peri-assistência) social que deve acompanhar e rodear toda a assistência psico ou somático-sanitária.

Convém ainda registar que o curador pode, se o considerar conveniente, delegar as suas funções num parente próximo do doente mental, desde que este se apresente como idóneo; poderá então exigir-lhe a prestação de caução (ou dispensá-la, a seu critério) e em qualquer dos casos esta delegação será sempre revogável.

Em regulamento se disciplinarão os aspectos menos importantes; aí se estabelecerão os quadros do órgão ora criado, permitindo-se designadamente ao curador ter delegados sob as suas ordens nos estabelecimentos mais importantes. Por isso na base XII, n.º l, proposta pela Camará se fala das funções de curadoria e não do curador.

Esta é a posição que a Câmara entende dever tomar quanto ao segundo dos problemas jurídicos fundamentais enunciados: o da gestão do património dos doentes mentais não feridos de incapacidade jurídica.

29. Passamos assim ao terceiro e último dos referidos problemas, que pelo seu carácter fundamental serão tratados na apreciação na generalidade - o da protecção da liberdade individual, em face da possibilidade de aplicação, contra vontade do paciente, de medidas de tratamento psiquiátrico.

30. À. protecção da liberdade das pessoas contra a aplicação irregular de medidas de assistência psiquiátrica consagra o projecto uma série de disposições que pretendem, segundo diz o relatório (n.º 8), «reforçar o regime de defesa dos direitos individuais, particularmente delicada no caso dos internados em regime fechado».

Estas disposições são bastante particularizadas e incidem sobre diversos pontos. Regulam antes de mais com certo pormenor as formalidades de admissão, exigindo a sua justificação. E consagram o direito, para qualquer pessoa ou entidade, de requerer que o tribunal de comarca conheça da legalidade da admissão em regime fechado; o direito, para o tribunal, de ordenar a alta de hospitalizados (podendo fazê-lo sobre recurso interposto da recusa do director do estabelecimento onde a pessoa em causa está internada); o direito para o hospitalizado de manter contacto com o exterior e o dever, para o procurador da República, de zelar pela salvaguarda da liberdade individual nos casos de hospitalização.

Os pontos em que este regime se afasta do actualmente vigente (contido na Lei n.º 2006, de 11 de Abril de 1945, e no Decreto-Lei n.º 34 502, de 18 de Abril do mesmo ano) são, de resto - com uma única excepção, discutível e criticáveis -, de pormenor. Assim, no referente à legitimidade para requerer que o tribunal conheça da legalidade de certa hospitalização, pela lei vigente essa legitimidade só cabe a quem justifique interesse (base XVII, n.º 8, da Lei n.º 2006), hoje cabe a quem quer que seja; regulou-se também de maneira diferente o direito de contacto e introduziram-se outras alterações puramente de forma (1).

A diferença mais importante está na supressão, no projecto, da base XIX da Lei n.º 2006, segundo a qual ao internamento nos asilos para anormais perigosos ou anti-sociais carece de confirmação judicial», dada através do processo a que se refere o artigo 66.º do Decreto-Lei n.º 34 502. Embora a expressão da referida base possa dar lugar a dúvidas, o Prof. Cavaleiro de Ferreira faz equivaler o internamento nela previsto ao internamento em regime fechado, definido no artigo 52.º, alínea n), do Decreto-Lei n.º 34 502 (a), e essa interpretação parece demonstrar-se pela comparação entre os artigos 12.º e 16.º do referido decreto-lei.

31. A tutela da liberdade pessoal contra a aplicação ilícita de medidas psicossanitárias pode confiar-se fundamentalmente a duas ordens ou categorias de órgãos: os órgãos judiciais; os órgãos administrativos de saúde mental. A estruturação da intervenção de uns e outros neste problema exige uma delicada ponderação de vantagens e inconvenientes.

(1) Assim, pela base XX, n.º 2, da Lei n.º 2006, o Procurador da República «poderá promover... quaisquer ... diligências necessárias para salvaguarda da liberdade individual»; pela base XXIII do projecto, a ele «incumbe ... zelar pela salvaguarda da liberdade individual». A diferença é só de fornia: trata-se juridicamente de um poder-dever.

(2) Curso de Processo Penal, II, p. 462. A base XIX da Lei n.º 2006 foi substituída pela base XXI do projecto. Aparentemente semelhantes, as disposições são profundamente diferentes; e a segunda parece inteiramente de suprimir, como se dirá quando do seu exame, na especialidade.

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32. Vejamos antes de mais qual o papel reservado aos primeiros: órgãos judiciais.

Meio fundamental de defesa da liberdade individual em matéria de assistência psiquiátrica será sempre a intervenção de órgãos judiciais (juizes ou magistrados do Ministério Público).

Esta intervenção - destinada sempre, claro, a combater possíveis irregularidade neste domínio - pode ser estabelecida e disciplinada na lei primordialmente como preventiva ou primordialmente como repressiva. Será preventiva se se destinar prima ordine a evitar as situações ilegais de privação de liberdade no internamento, tornando este dependente (na sua licitude) de autorização de um órgão judicial; será repressiva se tender prima ordine a fazer cessar quaisquer situações ilegais que porventura se verifiquem (mas após a sua verificação).

A intervenção preventiva é necessária: todos os casos são examinados por um órgão judicial, que se assegura da legalidade do internamento; e de forma alguma exclui - embora, como é evidente, reduza em muito - a necessidade de intervenção repressiva, nos casos de ilegalidade superveniente, e ainda nos casos em que o exame judicial haja conduzido a conclusão inexacta (sem falar no caso em que tenha sido ilicitamente preterido). A intervenção repressiva é eventual: verifica-se apenas nos casos em que qualquer irregularidade chegue ao conhecimento do órgão judicial.

A intervenção preventiva pode ser ainda anterior ao internamento (regime de autorização] ou posterior a ele [regime de aprovação ou confirmação, que é o actualmente vigente (1)]. A intervenção repressiva é como é óbvio, necessariamente ex post facto. Uma e outra têm vantagens e inconvenientes.

A primeira constitui uma garantia sólida de respeito por um direito da relevância do direito de liberdade: direito originário, natural, fundamental, primitivo ou pessoalíssimo, no dizer dos civilistas, direito e garantia individual do cidadão português, pelo artigo 8.º da Constituição Política. Tem porém a desvantagem de acarretar uma maior massa de trabalho aos já sobrecarregados órgãos judiciais e de complicar em extremo os processos de administração; não podendo ser, na maioria dos casos, já devido à massa de trabalho que impende sobre os juizes, já devido à sua falta de preparação técnica neste sector, mais do que uma vigilância meramente formal, diremos mesmo aparente (e perigosa então porque acobertadora de responsabilidades), do cumprimento dos pressupostos do internamento. . •

Por isso parece à Câmara que as vantagens de uma intervenção judicial necessária - mesmo segundo o regime da legislação actualmente em vigor, de confirmação ex post facto (que em qualquer dos casos não livra o abusivamente internado dos vexames do internamento em si) - não superam nem igualam, pelo menos no caso de internamento em estabelecimentos públicos, os inconvenientes. E propõe por conseguinte, para este caso, um regime de mera intervenção judicial repressiva, moldado sobre as disposições do projecto que a regulavam já (designadamente bases XVIII, n.º 6, XIX, n.º 2, XXIII, etc.).

Ver-se-á adiante que se contrabalança esta diminuição de garantias por uma providência que parece à Câmara largamente superá-la: a imposição da necessidade de uma periódica inspecção, por parte das autoridades psicossanitárias, à legalidade da situação e condições de internamento dos hospitalizados e internados.

Por último, convém afastar um argumento que prima fade se poderia invocar contra o regime defendido pela Câmara Corporativa: o argumento segundo o qual o regime de intervenção judicial necessária seria imposto pelo § 4.º do artigo 8.º da Constituição Política (na tradição do artigo 333.º do Código Civil).
0 problema, aliás, note-se, só se poria quanto ao internamento em regime fechado, o qual, privando n doente [segundo a base viu da Lei n.º 2006 e o artigo 52.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 34502] idas garantias dos assistidos em hospitais comuns», designadamente do direito de saída (1), bem poderia considerar-se verdadeira detenção para efeito de aplicação do § 4.º do artigo 8.º da Constituição Política, e bem se compreenderia exigir autorização judicial preventiva.

Mas, lendo-se com atenção a referida disposição constitucional, chega-se à conclusão que ela impõe apenas e unicamente que «a detenção em ... estabelecimento de alienados P se leve a efeito somente «mediante ordem por escrito da autoridade competente»; a qual parece á Câmara poder ser uma autoridade administrativa, e não necessariamente jurisdicional.

33. Quanto à intervenção dos órgãos ou autoridades administrativas de saúde mental, ela deve ser preventiva e repressiva.

O primeiro ponto, estreitamente ligado ao regime jurídico das formalidades, de internamento, será tratado com o necessário detalhe num momento ulterior.

Quanto ao segundo, propõe a Câmara o restabelecimento de um regime que já tem entre nós tradições, pois constava já do artigo 7.º do regulamento do antigo Hospital de Alienados de Bilhafoles, regulamento aprovado por Decreto de 7 de Abril de 1851 (2): o regime de inspecção periódica obrigatória da situação jurídica e condições de internamento dos internados nos diferentes estabelecimentos de saúde mental, públicos ou privados.

Esta inspecção periódica é confiada às direcções dos centros de saúde mental (base X, alínea f), do projecto da Camará]. Para além desta atribuição de competência (à direcção, note-se, e não ao director), parece u Câmara que, muna lei de bases, convém apenas consagrar o princípio, uma regra flexível e' maleável, deixando deliberadamente para regulamento os pormenores da sua concretização.

(1) Por direito do saída entendo-se aqui o direito de abandonar o estabelecimento, não evidentemente o de saída transitória. Sobro este» pontos, cf. Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, u, p. 402.

(2) «Para. evitar os abuso» que possam cometer-se na detenção dos alienados assim como para obstar a que só atente contra a liberdade e segurança pessoal doe indivíduos dando-os* como alienados, ou seja no acto da sua admissão, ou durante st sua permanência no Hospital, são incumbidos os membros da administração superior do Hospital de fiscalizar a admissão dos doentes, e de visitar, ex officio, de três em três meses, pelo monos., o mesmo Hospital: fazendo ias convenientes investigações paira conhecerem a verdadeira posição e estado de cada alienado, o recebendo as reclamações, que em todo o tempo lhes queiram dirigir, a respeito de qualquer alienado, os seus parentes ou amigos». Vide também artigo 10.º, § 17.º

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Igual dever de inspecção parece dever impor-se -mas sem periodicidade- ao próprio Instituto de Saúde Mental, para os doentes de todo o País [vide base IV, alínea f), da proposta da Câmara].

34. Como ficou dito, o regime do projecto quanto à protecção da liberdade individual é sensivelmente o da Lei n.º 2006.e Decreto-Lei n.º 34502.

Este regime tem de ser harmonizado com os princípios gerais adoptados, e pode além disso ser esclarecido e aperfeiçoado.

Para ser examinado em detalhe, convém fazer previamente duas ordens de distinções, cujos termos servirão de material conceptual para a análise subsequente:

A) Distinção de tipos de admissão;

B) Distinção de momentos em que interessa prover à defesa da liberdade individual.

35. A) Distinção de tipos de admissão. - O artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 34 502 estabelece três classificações de admissão de doentes mentais em regime de internamento:

a) Em regime aberto ou em regime fechado;

b) Ordinária ou de urgência;

c) Particular ou oficial.

A mais importante classificação é som dúvida a primeira, que o mesmo decreto-lei (no seguimento, aliás, da base VIII da Lei n.º 2006) resolve pelo critério um tanto vago da atribuição ou não atribuição ao internado das garantias dos admitidos em hospitais comuns (1).

Na admissão em regime aberto não há qualquer perigo de restrição abusiva do direito de liberdade, doente submete-se a ela voluntariamente (no sentido pelo menos do «sem oposição manifestada»), e permanece nela voluntariamente, dado que conserva o direito de saída, tal como os doentes admitidos em hospitais comuns »(2)•

 admissão em regime fechado caracteriza-se essencialmente pela irrelevância da vontade do internado ou hospitalizado - este será intentado querendo ou não querendo, - e manter-se-á internado queira ou - não queira.

Assim, a admissão e internamento em regime aberto 6 dependente da vontade do admitido e internado; a admissão e internamento em regime fechado é independente da vontade do admitido o internado. Esta s distinção essencial entre as duas formas(3).

(1) Das outras classificações feitas polo artigo 52.º, alínea a), a distinção entre admissão ordinária e do urgência explica-se por si a elaborada definição do § 1.º do mesmo artigo diz respeito no regime e não ao conceito) o a distinção entre admissão particular o oficial), pela natureza da entidade requerente, não tem importunei» de maior. Outras classificações só podem, aliás, fazer da admissão o do internamento, o em algumas delas serio mais tardo baseados diferenças do disciplina legal, assim, - a admissão e o internamento podem ser em estabelecimento oficial ou particular, provisória ou definitiva, para observação ou para tratamento, e etc.

(2).Referir-nos-emos sempre aos doentes juridicamente capazes - quanto aos outros, a sua vontade é de jure substituída pela do seu representante legal. E aos «doentes admitidos em hospitais comuna» não contamos os de internamento obrigatório:

Note-se que parece à Câmara dever especificar-se na lei os motivos que podem justificar a admissão e internamento um regime fechado; e que parece u Câmara igualmente útil que, n p»r do internamento em regime fechado - internamento compulsivo - se fale de duas outras matérias afins: o tratamento domiciliar compulsivo, ou em regime fechado, e a chamada compulsiva para tratamento ambulatório ou observação.

Convém apreciar todos estes pontos com alguma demora.

36. Comecemos pelo primeiro: fundamentos legais de internamento em regime fechado.

A Lei n.º 2006, de 11 de Abril de 1945, actual Estatuto da Assistência Psiquiátrica, submete a internamento em regime fechado os sanormais perigosos ou anti-sociais» a que se refere a base XIX (1). Efectivamente, quanto a estes, em face da sua perigosidade ou anti-socialidade, o interesse público justifica que se não atenda para os internar à sua vontade: o .interesse público supre o consentimento do doente (2).

Simplesmente, não se deverá ir mais longe?

Ë certo que o direito de liberdade exige que seja lícito ao doente recusar-se a tratar-se (embora já seja difícil compatibilizar esta ideia com a ilicitude do suicídio, quando a recusa acarreta necessariamente a morte, de outra forma evitável). Mas entende-se que o médico pode tratar o doente (do corpo) sem o seu consentimento quando este o não possa prestar, por estar inconsciente, por exemplo. Ora, os casos de anomalia mental têm afinidade com os casos de inconsciência - são hipóteses em que o doente não pode exprimir uma vontade racional e esclarecida.

Não segue a Câmara esta ideia até ao ponto de entender legítima a imposição do tratamento, invito patiente, em todos os casos de doença ou anomalia mental. Entre ambos os extremos - respeito absoluto pela vontade, ainda que desrazoável, do doente ou desrespeito absoluto pela sua liberdade - escolhe a Câmara um terceiro caminho, médio e balizado.

Só será lícito internar em regime fechado o doente verificando-se cumulativamente os seguintes requisitos:

1.º Provável oposição futura do doente, durante o tratamento. Caso o doente se não oponha (consentindo ou nada fazendo) o regime deve ser aberto. Se desrazoavelmente o doente quiser então sair, poderá a todo o tempo pedir-se a passagem para regime fechado - urgente, se tal for o caso.

2.º lnjustificabilidade dessa oposição. Ë preciso que o doente não dê razão alguma da recusa, ou dê razões claramente privadas de validade.

3.º Ser o tratamento presumivelmente eficaz para a cura ou melhoria do doente.

4.º Tratar-se de doença grave e prejudicial ao próprio doente, quer actualmente grave e prejudicial, quer na sua provável evolução.

(1) Embora a lei possa suscitar neste ponto algumas dúvidas, esta á a solução que parece certa. V. Prof. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, u, p. 462.

(2) O interesse público é mais relevante que a vontade, mas não que o interesse do doente, e por isso o internamento em regime fechado permanece medida de assistência o não de segurança.

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Cumulando-se estes requisitos, parece à Câmara lícito sacrificar a vontade do indivíduo, a sua liberdade, ao seu próprio interesse, internando-o contra vontade.

Ou em nome da defesa social, ou em nome do próprio interesse do internado, a admissão em regime fechado caracteriza-se, portanto, em face da admissão em regime aberto, pela irrelevância da vontade do internado, que pode até, se fugir, ser reconduzido ao estabelecimento manu militari (base XXXVII proposta).

37. Vejamos agora os outros pontos assinalados.

O projecto governamental (base I, n.º 3) prevê quatro regimes de tratamento dos doentes mentais: ambulatório, domiciliário, de colocação familiar e de hospitalização.

Só este último porém - ao qual prefere a Camará denominar internamento, porque por hospitais só são referidos os estabelecimentos previstos nas alíneas c) e j) do n.º l da base XI do projecto governamental - é regulado em detalhe. Os outros suo pura e simplesmente omitidos.

Ora, quanto a eles põem-se da mesma forma problemas de equilíbrio entre a tutela da liberdade pessoal e a necessidade de a restringir em tratamento psicossa-nitário. Isto mesmo revela a Constituição Política da República Portuguesa, quando no seu artigo 8.º, § 4.º, equipara, para o efeito de exigir «ordem por escrito da autoridade competente», a «detenção em ... estabelecimento de alineados» à «detenção em domicílio privado».

Abordado o problema, parece à Câmara, antes de mais, que o esquema de formas de tratamento constante do n.º 3 da base I do projecto governamental é na realidade susceptível de esquematização e simplificação. O doente ou vive e é tratado em casa (sua ou de outrem) -tratamento domiciliário; ou vive em casa e é tratado em serviço ou estabelecimento próprio - tratamento ambulatório; ou vive e é trotado em estabelecimento de saúde mental (oficial ou particular) - internamento (1).

Em qualquer dos casos, pode ser retido e tratado à força, se preciso for, ou retido e tratado sem oposição sua. O tratamento domiciliário, designadamente, pois dele começamos por tratar, pode ser do tipo do regime fechado (e então exige a Constituição «ordem por escrito da autoridade, competente») ou do tipo do regime aberto (cometendo,- quem retenha o doente - quando capaz de jure - contra sua vontade, o crime de cárcere privado nos termos do artigo 330." do Código Penal.

O doente tem de ser protegido contra possíveis abusos no tratamento domiciliário como no hospitalar.

Numa lei de bases, parece só caber a equiparação em princípio do tratamento domiciliário em regime fechado ao internamento em regime fechado em estabelecimento particular; criando-se para o primeiro a figura do responsável pelo tratamento, que será em princípio o requerente do mesmo (que por esse motivo não poderá ser um órgão público).

Em princípio, portanto, deveria como orientação de base nesta matéria bastar a base XXIII, n.º 2, proposta. Quis-se, no entanto, fazer aflorar essa equiparação em pontos especiais, sempre que se fez sentir uma razão convincente. Assim, pelo facto de a necessidade de autorização superior para que tal situação jurídica se constitua ser disposição constitucional (artigo 8.º, § 4.º, da Constituição Política), vê a Câmara conveniência em afirmar tal necessidade na base X, alínea e); como tal autorização levanta problemas particulares, são estes resolvidos na base XXIX proposta; a tripartição de formas de tratamento tem reflexo na repressão penal dos abusos neles cometidos (base XXXVI proposta); e na base XXXVII convém indicar todos os casos em que certa pessoa capaz pode, por virtude de tratamento psiquiátrico, ser compelida a manter-se em certo local a fim de permitir a contrario sensu qualificar de ilícita a retenção em qualquer outro caso.

Mas estes afloramentos do princípio geral já contido na referida base XXIII, n.º 2, não podem significar a contrario que se não aplicam as restantes regras referentes ao internamento em regime fechado - como os da base X proposta, alínea f), ou da base XXXVIII, como meros exemplos (e sem contar com as bases redigidas em termos amplexivos, como a base XXXIX, n.º 1).

E possível que esta juridicização de uma matéria que tem sido tradicionalmente confiada ao bom senso das famílias e autoridades administrativas e policiais traga consigo um retraimento das pessoas a ocuparem-se de dementes, ainda que seus familiares, quando necessitem de os submeter a regime fechado. No entanto, as regras que a Câmara propõe parecem-lhe necessárias para evitar que, com o pretexto da incapacidade mental (não oficialmente verificada), se coarcte a liberdade dos indivíduos. E o inconveniente apontado não é grande, pois tais dementes estarão sempre melhor em estabelecimentos próprios do que em casas de família (1).

A lei, nesta matéria, tem de ser sempre muito melhor que os factos ...

38. Parece à Câmara, no entanto, que a este princípio da equiparação do doente em tratamento domiciliário em regime fechado ao internado no mesmo regime se deve introduzir uma excepção importante.

Se o internamento em regime fechado em serviços do Estado oferece garantias que justificam a dispensa de uma necessária autorização judicial, contentando-se a Gamara com a proposta de uma necessária autorização administrativa, repugna no entanto mais que, mediante simples acto da Administração, se vergue a liberdade de um particular pondo-a à, mercê de outro particular.

A situação é demasiado parecida com um cárcere privado para a Câmara não sentir que exige cautelas especiais. E assim, o internamento em regime fechado em estabelecimento particular e a sujeição do doente a tratamento ambulatório em regime fechado são regulados na proposta da Câmara de harmonia com o sistema da autorização judicial (intervenção judicial necessária preventiva ex ante facto).

O pedido de tal internamento ou sujeição a tratamento será sujeito a aprovação por parte do Centro de Saúde Mental, que o enviará seguidamente ao tribunal competente. Só depois da autorização deste o doente poderá ser internado.

Quaisquer pormenores do sistema poderão ser desenvolvidos em regulamento.
(*) Poderia até pensar-se em proibir o tratamento domiciliário em regime fechado. Não parece porém à Câmara aconselhável privar parentes s amigos da faculdade de zelarem, em condições de especial sacrifício, por um doeste mental.

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39. Resta o problema da legitimidade de submissão compulsiva de alguém a tratamento ambulatório.

Aqui há a distinguir o tratamento propriamente dito e a observação.

Quanto ao primeiro, parece aconselhável submetê-lo ao mesmo condicionalismo do internamento em regime fechado - nesse sentido se propõe a base XXXI, n.º 1. Só poderá ser portanto sujeito a tratamento ambulatório compulsivo o demente anti-social (este excepcionalmente, pois normalmente deverá ser internado) e o demente a respeito do qual se verifiquem os requisitos anteriormente apontados. Fora disso, não é lícito impor a ninguém, contra sua vontade (ou de quem o represente), tratamento psiquiátrico; se algum funcionário o fizer, incorre nas penas do crime de violências (artigo 299.º do Código Penal, com algum alargamento do tipo, base XXXVI n.º 3, proposta); se o fizer algum particular, incorrerá sempre pelo menos nas penas do artigo 329.º do Código Penal, que não parece necessário repetir nesta lei.

A entidade competente para determinar este tratamento parece dever ser a mesma de que depende o internamento em regime fechado: o director do centro de saúde mental quando o tratamento deva ser feito em serviços públicos; o tribunal, quando em instituições particulares (l).

Quanto à observação compulsiva, parece à Câmara só dever impor-se se houver fortes indícios de que os requisitos atrás referidos se verificam.

Mas aqui parece dever alargar-se a competência para determinar a mera observação compulsiva a qualquer director de estabelecimento ou serviço de saúde mental - isto para evitar que uma brigada móvel, por exemplo, tenha de aguardar licença do centro para observar doentes renitentes (e nas condições referidas). Neste sentido se propõem os n.ºs 2 e 3 da base XXXI.

40. Convém intercalar neste momento o seguinte reparo:

Procura a Câmara com o projecto que apresenta regular com justiça certa matéria, e não acudir a certo estado de coisas. A lei que propõe não é ocasiona] ou de emergência; é um estatuto, regime estável e tanto quanto possível completo de determinada zona de relações sociais. Pelo que é evidente que qualquer disposição que à Câmara pareça justo incluir nunca pode ser tomada como significando que, na opinião da Câmara, se tem procedido em Portugal contrariamente, sendo preciso um remédio legislativo para o que se vem praticando.

Assim como a projectada reforma do Código Pena] não pode ter como significado a verificação de qualquer surto anormal de criminalidade, assim a estruturação de todo um regime de garantias no estatuto de assistência psiquiátrica não pode levar a concluir que em Portugal se repetem - ou esperam - abusos e prepotências. Que nenhum se tente sequer verificar, a existência de uma lei completa e ponderada só prestigia o sistema jurídico nacional; que um se tenha evitado, e a lei está amplamente justificada.

41. B) Distinção de momentos de necessidade de defesa.

Convém encarar agora a segunda ordem de distinções que anteriormente foi enunciada.

Para esclarecimento do regime a fixar, interessa distinguir três momentos em que cabe prover à defesa da liberdade individual em face da possibilidade de abusos no internamento (1).

São eles os seguintes:

a) Início do internamento;
b) b) Decurso do internamento;
c) c) Termo do internamento.

42. a) O inicio do internamento é aquilo a que se chama admissão (em regime de internamento).

O início de certo tipo especial de internamento pode verificar-se também por passagem de outro tipo àquele.

Primeiro apreciar-se-á o regime de admissão e seguidamente o da passagem.

Dentro da admissão interessa considerar três submo-mentos:

1) Pedido de admissão;

2) Processo de admissão;

3) Decisão da admissão.

Esta análise é válida qualquer que seja o tipo de admissão que se considere.

1) Quanto ao pedido de admissão, interessa considerar a pessoa ou entidade que o faz (legitimidade para formular o pedido) e a entidade que o recebe (competência para aceitar o pedido).

O primeiro ponto é regulado pelo projecto na base XVIII, n.º l, em termos extremamente amplos e sem qualquer distinção de regimes consoante os vários tipos de admissão e internamento.

Este regime parece de criticar.

Quanto à admissão em regime aberto, dado que não oferece perigo para a liberdade individual, compreende-se que se ligue a legitimidade para requerer o internamento (não sendo o próprio) a qualquer vínculo familiar ou à mera responsabilidade pelos encargos que o mesmo internamento acarreta.

Não assim, porém, na admissão em regime fechado.

Legitimidade para pedir a admissão em regime fechado deve ter antes de mais o próprio, evidentemente (a). Mas já não concorda a Câmara com a atribuição de legitimidade para este efeito a toda a extensa e indeterminada série de pessoas a que se refere a base XVIII, n.º 1.

E que, no caso da admissão em regime fechado, está em jogo muito mais do que a responsabilidade por despesas de tratamento; está em jogo a liberdade pessoal do indivíduo, e só se deve admitir que peçam a sua restrição pessoas e entidades que dêem suficientes garantias de que este pedido é feito realmente no interesse do alienado.

Não propõe a Câmara um regime tão estreito como o do artigo 27.º do Mental Health Aet inglês, de 29 de Julho de 1959, segundo o qual nos pedidos de admissão de um doente para observação ou tratamento podem ser formulados ou pelo seu parente mais próximo ou por um funcionário da assistência aos doentes mentais»,

(1) Deverá a autorização judicial para tratamento domiciliário em regime fechado implicar automática e necessariamente autorização para tratamento ambulatório compulsivo? Parecem a Câmara inconvenientes automatizamos nesta mataria. O que nada impede é que sejam pedidas e concedidas simultaneamente ambas as autorizações, a usar na medida do necessário.

(1) Só do internamento se falará, porque os tratamentos domiciliário-
e ambulatório se regulam afinal por remissão para este.

(2) Admite-se que o próprio proveja que de futuro se oporainjustificada e prejudicialmente a continuação do seu tratamento (sobretudo no caso dos toxicómanos).

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gozando neste último caso o parente mais próximo de um direito de veto ou oposição. Mas não se considera conveniente um regime tão lato como o do Marrocos, um que (nos termos do artigo 9 do Dahir n.º 1-58-295, de 30 de Abril de 1959, publicado no Boletim Oficial de 15 de Maio de 1959) "a hospitalização pode verificar-se a pedido do doente ou de qualquer pessoa pública ou privada agindo no interesse do doente, dos seus parentes próximos ou da ordem pública".

Em princípio, a legitimidade para requerer o internamento em regime fechado deve coincidir com a legitimidade para requerer a interdição por demência; ou seja, deve ser atribuída ao cônjuge do desassisado, ou a qualquer parente sucessível (artigo 315.º do Código Civil) e ainda ao Ministério Público, em casos especiais, que convém regular ex novo, abandonando p preceito antiquado do artigo 316.º do Código Civil (1). A esta enumeração deve juntar-se o próprio doente e o seu tutor, quando o tenha.

O Ministério Público deve intervir no caso de falta ou desconhecimento de qualquer outra pessoa legítima, no caso de a inacção destas resultar manifestamente de negligência ou má vontade, no caso de o doente mental ser tratado com negligência ou crueldade ou ainda no caso previsto na parte 2.º do n.º l da base XVIIT (às autoridade policiais só deverá ser reconhecida competência para promover a admissão urgente).

O decreto regulamentar desta lei deverá determinar qual o agente do Ministério Público competente; e convém que afirme expressamente o direito de qualquer pessoa ou entidade particular se dirigir a ele, comunicando-lhe quaisquer casos de doentes mentais que conheça nas condições acima referidas, e o dever de as entidades de direito público assim procederem igualmente.

Convém ainda especificar sanções contra todas as pessoas que requererem a admissão em regime fechado de outra, quando esta se encontre isenta de qualquer, anomalia mental que o justifique, nos casos em que o requerimento seja formulado dolosamente (com perfeito conhecimento da sanidade mental do requerido) ou com negligência (falta de cuidado na averiguação dos fundamentos do requerimento). A sanção deve ser uma indemnização ao requerido, que abranja os danos morais por este sofridos. No caso de dolo - uma vez que aquele que requerer a admissão de outrem em regime fechado, pelo menos implicitamente, afirma a sua convicção de que o requerido o necessita -, parece justo submeter ainda o requerente às penas do artigo 242.º do Código Penal.

Também podem os tribunais ordenar a admissão em regime fechado, mas só nos casos em que a lei expressamente o preveja, como nos dos artigo Código de Processo Civil, 132.º e 629.º do Código de Processo Penal, ou no do artigo 6.º da Lei de 3 de Abril de 1896. A respeito deste último caso - internamento para exame da integridade mental do arguido em processo-crime - não vê a Câmara senão vantagens em colmatar uma lacuna do nosso direito processual pe-

(1) Pelo anteprojecto da porte do futuro Código Civil referente ás incapacidades, artigo 3.º (Boletim do Ministério da Justiça. n.º 111, p. 219), a legitimidade do Ministério Público deixa de estar sujeita s quaisquer condições. O anteprojecto baseia esta solução no facto de a interdição ter em vista sobretudo o interesse do próprio incapaz (além de em razões de direito comparado); o que, se justifica a legitimidade do Ministério Público, não justifica que ela não seja subsidiária, como no Código Civil e no projecto proposto pela Câmara.

nal, estabelecendo que este internamento para exame - que é, em todo o caso, uma detenção do arguido - só seja lícito quando o seja a prisão preventiva daquele.

Quanto à competência para receber o podido de admissão, deve caber em regra aos centros de saúde montai, onde o processo correrá, nos termos da alínea 6) do n.º 3 da base VII. Exceptuam-se apenas os processos de admissão em regime aberto em estabelecimentos particulares, que parece poderem correr no próprio estabelecimento, embora devam ser posteriormente remetidos ao centro de que o estabelecimento dependa, para serem por aquele centro visados, assim se assegurando a sua regularidade e o cumprimento pelo centro das funções de registo e estatística que lhe são atribuídas pelas alíneas d) e e) do n.º 3 da base VII. A admissão em. regime aberto em estabelecimento particular não é mais do que um contrato de direito privado, em benefício de um dos contraentes ou de terceiro, e como tal deve, em princípio, ser tratado.

O centro de saúde mental a estabelecer como competente deve ser o do domicílio do internando, ou, na sua falta, o da residência, excepto quando razões ponderosas, devidamente especificadas no requerimento de admissão, justifiquem que seja outro o centro escolhido.

Quando o pedido se refira a internamento em estabelecimento oficial, é o centro que o acolhe entre aqueles que dele dependem; quando julgar mais adequado um estabelecimento dependente de outro centro, admiti-lo-á provisoriamente num dos seus e remeterá o processo, com a sua proposta fundamentada, ao delegado de zona ou, quando este não exista (zona sul) ou o estabelecimento a outra zona pertencer, ao Instituto de Saúde Mental.

Nada parece opor-se, porém, a que no pedido de admissão se especifique um estabelecimento oficial preferido; esta especificação não deve, porém, vincular u centro, que a tomará em atenção se os interesses do doente e as conveniências do serviço o permitirem. Parece também conveniente estatuir expressamente que os estabelecimentos dependentes do Ministério da Saúde e Assistência, bem como as autoridades judiciais, administrativas e policiais, deverão encaminhar aqueles que se lhes dirijam e informá-los das formalidades necessárias para conseguir a hospitalização em estabelecimentos psiquiátricos.

Mas os últimos pontos referidos parece deverem ser reservados para decreto regulamentar.

2) Convém agora fixar os princípios referentes ao processo de admissão em regime fechado.

A base XVIII, n.º 3, do projecto exige que o pedido de admissão seja instruído por "atestados, válidos por i]e" dias, passados por dois médicos, sempre que possível psiquiatras, não parentes ou afins do doente, nem dependentes do estabelecimento onde haja de ser hospitalizado".

Ora, para assegurar o esclarecimento da autoridade psicossanitária, ou desta e da judicial, em assunto de tal gravidade, convém frisar que os atestados médicos não se devem limitar a atestar cruamente a doença ou anomalia, mas devem descrever os fundamentos das suas conclusões.

Neste sentido se propõe a base XXVI, n.º 3.
3) A admissão em regime aberto envolve uma dupla decisão: a do estabelecimento oficial ou particular (ou serviços de que estes dependam) em aceitar internar, e sempre a do doente em aceitar ser internado, dado que ao doente (nesta forma de admissão) se reconhece o direito de saída. A admissão em regime aberto é voluntária.

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E por isso a admissão cia regime aberto não é tão estreitamente regulada como a admissão em regime fechado. Em regulamento se poderão suprir as lacunas neste ponto deixadas.

Mais ainda:

A admissão em regime aberto eleve poder ser feita em regime de aprovação ou confirmação. Quem se dirija a um estabelecimento psiquiátrico solicitando admissão deve poder ser logo internado. Se se tratar de um estabelecimento particular, o seu processo será visado pelo centro de saúde mental; se se tratar de um estabelecimento oficial, o internamento será confirmado pelo mesmo centro, o qual, se for caso disso, desempenhará a sua função de distribuição dos doentes mentais da sua zona pelos vários estabelecimentos aí existentes mediante uma transferência.
A decisão sobre a admissão um regime fechado pode caber nu tribunal (no caso de internamento em estabelecimento particular) ou ao centro de saúde mental (no caso de internamento em estabelecimento oficial). No primeiro caso, o centro de saúde mental ajuíza da necessidade e o tribunal da legalidade do internamento; no segundo caso, a decisão compete unicamente ao director do centro de saúde mental, que ajuizará da necessidade e legalidade do internamento e assumirá a responsabilidade respectiva.

A decisão de internamento em regime fechado é proferida em regime de autorização, ou seja precedendo o efectivo internamento - excepto em, caso de admissão de urgência.

Com efeito, tudo quanto ficou dito refere-se à admissão ordinária. A admissão de urgência justifica o desvio estabelecido no n.º 5 da base XVIII e ainda o alargamento da legitimidade para requerer a admissão às autoridades policiais.

43. Convém deixar assente na lei o princípio de que a admissão em regime de internamento, como aliás todo o tratamento psiquiátrico, só pode ser motivada, em qualquer hipótese, pelo estado mental do internado. O próprio internamento em regime aberto em estabelecimentos particulares não deve ser consentido por pura excentricidade ou brincadeira, ou - como já tem acontecido -, para fina de reportagem jornalística ou outros. Todos os estabelecimentos dedicados primariamente u promoção da saúde mental devem concentrar-se nesta finalidade f não são hotéis ou casas de aberrante diversão.

A admissão em regime fechado deveria considerar-se provisória nos primeiros três meses de internamento, carecendo, para se converter em definitiva, de confirmação do director do estabelecimento, devidamente justificada e comunicada ao centro de saúde mental (ou a este e ao tribunal, no caso de o estabelecimento ser particular) . Na verdade, a primeira fase da hospitalização em regime fechado será necessariamente (apesar dos atestados) fase de observação, que pode conduzir à conclusão de que não é necessária. Este ponto, porém, pode ser reservado para o decreto regulamentar (1).

(1) V. no já citado Regulamento do Hospital de Alienados de Rilhafoles, Decreto de 7 rio Abril do 1851, artigo 32: "admitido o doente, será posto em observação por tantos dias quanto" forem bastantes para se formar juízo seguro do seu estado mental, contanto, porém, que não excedam quinze"; artigo 88: "a definitiva admissão será precedida de verificação da efectiva alienação mental do doente pelos médicos do hospital, e, no caso de dúvidas, precedera também despacho da administração superior".

44. A passagem do internamento em regime aberto para regime fechado é, e muito bem, sujeita pelo projecto às formalidades da admissão, pelo menos quanto á justificação (base XVIII, n.º 4). Na realidade, deve ser sujeita ao regime da admissão, com a única ressalva de se alargar a Legitimidade para a requerer ao director do estabelecimento onde o doente se encontra internado.

A passagem do regime fechado ao regime aberto parece deverem aplicar-se as regras referentes à alta dos hospitalizados; nesse ponto o projecto é omisso.

45. b) No decurso do internamento - além da mudança de regimes a que se refere o n.º 4 - da base XVIII do projecto e que já foi apreciada - Lá que regular as seguintes matérias:
1.º Fiscalização da sua legalidade;

2.º Direitos irremovíveis ao hospitalizado;

3.º Possibilidade de transferência.

1) O projecto estabelece um sistema bastante completo e satisfatório de normas tendentes à fiscalização da legalidade da continuação do internamento. Esse sistema consta fundamentalmente das bases XVIII, n.º 6 a O, e XXIII.

Os aperfeiçoamentos que a Câmara crê propor a este sistema, além daqueles que decorrem das considerações já feitas (muito designadamente o que decorre do princípio da inspecção periódica obrigatória), serão referidos aquando do exame dessas disposições na especialidade.

2) Convém numa lei de bases estabelecer o princípio geral de que o internamento só pode acarretar as restrições dos direitos e liberdade do internado necessárias ao tratamento deste e ao bom funcionamento dos serviços.

Seguir-se-á- a disciplina de Alguns direitos especiais do internado, entre os quais avulta, como necessitando na lei clara formulação e disciplina, o direito de contacto com o exterior, designadamente por via epistolar.

O regime do projecto a este respeito consta da base XX, que igualmente será analisada em pormenor posteriormente, aquando do exame do projecto na especialidade.

3) Não contém o projecto, sobre a possibilidade de transferência do doente entre os vários estabelecimentos existentes, senão a particularíssima disposição da base XIII, n.º 3.

Propõe a Câmara Corporativa por isso que entre as disposições que correspondem no projecto às bases XVIII e XIX figure uma outra do seguinte teor:

1. A transferência de um doente internado de um para outro estabelecimento só poderá fazer-se por determinação ou mediante autorização do centro de saúde mental, do delegado de zona ou do director do Instituto de Saúde mental, consoante os estabelecimentos entre os quais se opera a transferência dependam ou não do mesmo centro.

2. Exceptua-se a transferência entre estabelecimentos particulares de internados em regime aberto, a qual só deverá ser comunicada ao centro ou centros de saúde mental de que os mesmos estabelecimentos dependam.

3. A transferência de internados em regime fechado entre estabelecimentos particulares, ou de oficial paru particular, carece de autorização judicial.

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Às funções dos centros na transferência de doentes parece convir fazer referência na base VII, n.º 3 [base x, alínea g), proposta].

46. c) Quanto ao termo ou fim do internamento (alta), regula a base XIX do projecto. A ela nos referiremos quando do exame na especialidade.

47. Parece ainda caber numa lei de bases a indicação, como direito subsidiário dos processos referidos neste projecto, das regras que disciplinam o processo civil de jurisdição graciosa: artigos 1409.º e seguintes do Código de Processo Civil. Entre essas normas se couta a do artigo 1411.º, n.º 2, do mesmo diploma: das decisões (resoluções) do tribunal cabe recurso para a Relação, mas não para o Supremo Tribunal de Justiça.

Neste sentido propõe a Câmara a base XIII; n.º 2.

Uma lei completa deveria conter ainda duas normas mais.

Primeiro uma disposição revogatória da anterior, a fim de explicitar revogações que de outra fornia são tácitas e portanto menos claras [como a da alínea e) do n.º l do artigo 91.º do actual Estatuto Judiciário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44 278, de 14 de Abril de 1962, pelo regime proposto de intervenção judicial repressiva] e a fim de conter a revogação expressa em bloco de diplomas como a Lei n.º 2006 e o Decreto-Lei n.º 34 502, evitando o problema, sempre difícil, da sobrevivência de alguma disposição isolada destes diplomas, não incompatível com as disposições da presente lei.

Em segundo lugar, uma disposição regulando expressamente a entrada em vigor da lei - remetendo-a, como parece melhor, para a data da entrada em vigor do respectivo regulamento. Isto para evitar o problema, que se tem vindo tornando clássico, da entrada em vigor das leis de bases.

No entanto, o Governo nada propõe sobre estes pontos; não parece à Câmara dever supri-los. Se a regulamentação deste projecto (se convertido em lei) for feita - como vem sendo costume - em decreto-lei, aí só poderão inserir as disposições respectivas.

48. As 25 bases do projecto podem distribuir-se por 3 capítulos:

Disposições gerais - bases I e II;

Estabelecimentos, serviços e instituições particulares de saúde mental - bases III e XV

Tratamento e internamento dos doentes mentais - bases XVI a XXIV.

A Câmara propõe a sujeição do projecto a esta sistematização.

II

Exame na especialidade

Base I do projecto

49. Neste ponto, parece convir introduzir-se (além de algumas modificações de forma e redacção) a sistematização que atrás ficou exposta quanto aos tipos de tratamento psiquiátrico.

E, dado que o medidas de Higiene são também em rigor medidas preventivas, que parece não dever uma lei fixar o grau de interesse com que serão encarados pela administração pública problemas desta gravidade, a Câmara Corporativa propõe a seguinte redacção da base I:

1. A promoção da saúde mental visa a assegurar ou a restabelecer o equilíbrio psíquico da pessoa humana e abrange a acção profiláctica, a acção terapêutica e a acção recuperadora.

2. A acção profiláctica é exercida por medidas de carácter preventivo, designadamente pedagógicas e de higiene mental, individuais ou colectivas. As providências concernentes à saúde mental da infância e da adolescência devem ser consideradas como de importância primordial.

3. A acção terapêutica consiste no tratamento das doenças e na correcção das anomalias mentais, bem coroo no tratamento das toxicomanias, em regime ambulatório, domiciliário, ou de internamento.

4. A acção recuperadora realiza-se pela aplicação de medidas psicopedagógicas, sociais e de outra natureza, destinadas à readaptação dos portadores de doenças e anomalias mentais, bem como de toxicomanins, com vista à sua integração no meio social.

Base II do projecto

50. Nada tem a Câmara a observar.

Base III do projecto

51. A acção do Estado, no campo da saúde mental, é bambam exercida pelo 'Ministério da Justiça, maxime quanto aos delinquentes. Só que neste ponto o Ministério da Justiça não prossegue primariamente a promoção da saúde mental, mas sim a defesa social, e só secundariamente aquela.

O mesmo se verifica quanto ao Ministério da Educação Nacional, em que há serviços que prosseguem primariamente funções de investigação e ensino, mas secundariamente de promoção da saúde mental ("as clínicas e serviços psiquiátricos das Faculdades de Medicina", a que se refere a base XIII). Isto sem contar com o Ministério do Ultramar.

Torna-se assim necessária uma correcção restritiva a introduzir no n.º l da base III.

Nesta ordem de ideias, e tomando em linha de conta certas alterações de forma que parecem convenientes, a Câmara propõe que a base III tenha a seguinte redacção:

1. A acção do Estado destinada primariamente á promoção da saúde mental será exercida pelo Ministério da Saúde e Assistência, por intermédio do Instituto de Saúde Mental.

2. Como está.

3. O director do Instituto será um psiquiatra.

4. A direcção será assistida de um conselho técnico de saúde mental.

Base IV do projecto

52. O proémio do n.º l, pelas razões aduzidas acerca da base anterior, devia ter redacção mais restrita.

Neste n.º l refere-se a competência do Instituto de Saúde Mental, em globo, e não a da direcção do mesmo Instituto. Fica assim havendo uma certa lacuna

quanto à competência do órgão especial que, dentro o Instituto de Saúde Mental, é a sua direcção [em face da formulação expressa da competência do conselho técnico (base V, n.º 1), ou das direcções dos centros (base VII, n.º 3)]. Mas a Câmara não vê neste defeito

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de pormenor inconveniente bastante para justificar a sua sanação através de uma algo profunda modificação das bases do projecto.

Convém impor ao Instituto de Saúde Mental a criação e manutenção de um boletim, sobretudo como arquivo de trabalhos de investigação científica.

Às alíneas do n.º l da base em análise conviria acrescentar:

i) Dar parecer, sob o aspecto psiquiátrico, acerca dos projectos de construção, grande ampliação e remodelação dos edifícios dos estabelecimentos e serviços psiquiátricos.

53. O n.º 2 desta base levanta o problema da colaboração entre os serviços públicos.

Oremos que a regra aí expresso, (restrita aos serviços de saúde, hospitalares e assistenciais em relação ao Instituto de Saúde Mental) vigora de jure condito (embora sem expressão constitucional, consoante deveria), como princípio fundamental de relação entre todos os serviços públicos em geral. Todos os serviços públicos deverão prestar-se entre si, dentro das suas possibilidades, colaboração. Pelo que a Coimara considera este n.º 2 inútil (l) (e prejudicial, na medida em que pode inculcar que os serviços não abrangidos não têm qualquer dever de colaboração) e propõe a sua supressão (2).

54. O n.º 3 desta base, muito importante, foi já examinado mas suas implicações, quando da apreciação na generalidade.

55. Pelas razões expostas, e julgando úteis outras alterações de forma, a Câmara propõe a seguinte redacção da base IV:

1. Compete ao Instituto de Saúde Mental dar execução, em geral, às funções do Estado enumeradas ma base n e exercidas pelo Ministério da Saúde e Assistência, e designadamente:

o) Fixar, precedendo parecer do respectivo conselho técnico, as condições de funcionamento dos estabelecimentos e serviços destinados à realização de qualquer das modalidades de promoção da saúde mental;

b) Como está;

c) Como está;

d) Como está;

e) Fomentar a investigação científica e prestar n assistência técnica que no campo da saúde mental lhe for solicitada;

f) Inspeccionar a situação e condições de internamento e tratamento dos doentes mentais, designadamente para verificar a sua legalidade;
g) Como a alínea f) da base IV do projecto;

h) Manter em dia o registo dos doentes admitidos em estabelecimentos oficiais e particulares e elaborar as estatísticas relativas aos serviços de saúde mental;

i) Dar parecer, sob o aspecto psiquiátrico, acerca dos projectos de construção, grande ampliação e remodelação dos edifícios dos estabelecimentos e serviços psiquiátricos;

(1) Tanto mais que se trata de serviços dependentes de um único Ministro, e em que a colaboração pode ser sempre imposta por ordem hierárquica.

(2) Mais razão terá havido então para expressamente vincular a prestação de auxílio às brigadas móveis feridas nas bases IX, alínea b), e XI, alínea b), as autoridades administrativas e funcionários do Ministério da Educação Nacional de competência local.

j) Publicar periodicamente um boletim de estudos psiquiátricos e relacionados.

. Suprimir;

3. Passa a n.º 2.

Base V do projecto

56. O princípio da coordenação dos serviços psicossanitários dependentes dos Ministérios da Justiça e da Saúde e Assistência devia reflectir-se aqui através da presença, no conselho técnico do Instituto de Saúde Mental, de um criminologista que representasse o Ministério da Justiça.

Afigura-se além disso excessiva a representação dos directores e chefies de serviços de saúde mental do distrito de Lisboa [alínea e) do n.º 2], sendo mais equilibrado com o princípio contido na alínea d) do n.º 2 que - na falta de uma delegação do Instituto de Saúde Mental na zona sul (base vi, n.º 2, do projecto governamental)- os directores dos hospitais e dispensários de saúde mental da zona sul se façam representar no conselho por uma .única pessoa.

Parece, também à Camará ser de dar representação no conselho à Ordem dos Médicos, ao director-geral de Saúde, ao director-geral dos Hospitais e à previdência.

Por último, o n.º 3 desta base pode ser simplificado sem alteração de sentido.

Base VI do projecto

57. Porque se entende que a matéria da base XXV do projecto melhor se situa a seguir à base V (conforme se demonstrará aquando do exame da referida base XXV), a base VI deverá tomar o n.º VII, passando a base XXV a ser a base VI.

O último período da base vi do projecto parece, além disso, dever autonomizar-se como seu n.º 3.

Base VII do projecto

58. A base VII, pelas razões atrás aduzidas, passará a viu.

Como melhor técnica de redacção legislativa1, e a fim de facilitar a citação e referência de pontos do texto dispositivo (finalidade principal da articulação dos diplomas legais), parece à Camará conveniente que os números de cada base não possam abranger mais do que um parágrafo gramatical (excepto quando contenham uma enumeração de alíneas, números ou trechos semelhantes).

Assim, a parte final do n.º 2 desta base, que começa em "A sede dos centros ...", deve ser transformada em n.º 3.

Ainda neste grupo de modificações - de mera forma e técnica legislativa -, a Câmara propõe que o n.º l da base viu constitua uma base autónoma, com o n.º IX. E para esta disposição propõe-se a seguinte redacção:

Os centros de saúde mental serão dirigidos por psiquiatras de reconhecido mérito e competência e deverão dispor de serviços diferenciados, se possível independentes, para crianças, adolescentes e adultos.

Justificação: convém não insistir no erro que representa a instalação, no mesmo hospital psiquiátrico, de clínicas psiquiátricas e secções asilares infantis, em íntimo contacto com os serviços destinados aos adultos.

Julga-se de grande vantagem manter o serviço das crianças e adolescentes em hospital psiquiátrico pró-

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prio, deslocando-os do meio e ambiente hospitalar actual.

59. Propõe-se a divisão desta base em três, uma sobre a estrutura dos centros de saúde mental, outra fundamentalmente sobre a direcção e uma ainda sobre as suas funções. Esta última corresponde ao 11.º 3 da base VII do projecto governamental, com os seguintes modificações:

Na alínea a), acrescentando, para maior clareza, a expressão "... e estabelecimentos neles integrados";

Nas alíneas b) a g), esclarecendo melhor quais as funções dos centros na admissão e, além disso, na transferência de doentes.

Numa alínea h), estabelecendo o princípio da inspecção periódica obrigatória.

Seguindo-se, como alíneas i), j) e l), respectivamente, as alíneas c), d) e c) do n.º 3 da base VII do projecto governamental.

60. Em face destas considerações, e da conveniência de outras alterações de redacção, a Gamara propõe a seguinte redacção para a base em exame:

BASE VIII

1. O serviço do Instituto é assegurado, em cada zona, por um centro de saúde mental.

2. Os centros gozarão de autonomia técnica e administrativa e a sua área de actuação será fixada de acordo com as necessidades específicas dos agrupamentos populacionais.

3. A sede dos centros será, de preferência, na sede dos distritos ou das regiões hospitalares. Os centros funcionarão em ligação com os restantes serviços de saúde e assistência, de modo a constituírem com eles centros médico-sociais locais.

BASE IX

Os centros de saúde mental serão dirigidos por psiquiatras de reconhecido mérito e competência e deverão dispor de serviços diferenciados, se possível independentes, para crianças, adolescentes e adultos.

BASE x

A direcção Aos centros de saúde mental compete:

a) Orientar, coordenar e fiscalizar as actividades dos centros e estabelecimentos neles integrados;

b) Distribuir os doentes mentais pelos estabelecimentos oficiais da sua zona, de acordo com as indicações médicas e sociais;

c) Aprovar a admissão de doentes em regime aberto, internados nos estabelecimentos da sua zona; ,

d) Autorizar a admissão de doentes em regime fechado, a internar em estabelecimentos oficiais da sua zona, bem como a sujeição a tratamento ambulatório compulsivo nos mesmos estabelecimentos;
e) Dar parecer sobre os pedidos de admissão em regime fechado, ou de sujeição a tratamento ambulatório compulsivo, em instituições particulares, bem como sobre os pedidos de sujeição a tratamento domiciliário em regime fechado, enviando-os, quando o parecer for favorável, ao tribunal de comarca competente, a fim de este dar a necessária autorização;

f) Visar o processo de admissão de doentes em regime aberto, em estabelecimentos particulares;

g] Determinar, autorizar ou tomar conhecimento das transferências de doentes, nos termos da base XXXII;

h) Inspeccionar periodicamente a situação e as condições de internamento de todo e qualquer internado em estabelecimento de saúde mental, oficial ou particular, da sua área, designadamente para fiscalizar a sua legalidade;

i) Como a alínea c) do n.º 3 da base VII;

j) Manter em dia o registo dos doentes em estabelecimentos oficiais e particulares da sua zona e elaborar as estatísticas referentes à respectiva área.

Base VIII do projecto

61. Esta base passa a ter o n.º XIII, dado que antes se inserem as disposições que consagram a curatela de doentes mentais, estruturada e justificada quando da apreciação na generalidade.

Desloca-se também para a base anterior, como ficou dito, o n.º l desta base VIII (do projecto).

Quanto ao n.º 2.º, a sua parte 2.ª (a qual traduz uma quebra das boas regras de articulação, quebra que desaparecerá na redacção proposta pela Câmara) levanta várias questões do natureza jurídica.

Assim:

1.º Tratando-se de uma qualidade de direito público, atribuída a órgãos desprovidos de personalidade jurídica (os estabelecimentos oficiais de saúde mental - parece que a personalidade jurídica é atribuída apenas ao Instituto de Saúde Mental, cf. base III, n.º 2, em comparação, designadamente, com a base VII, n.º 2, do projecto), a expressão "capacidade jurídica" deve ser substituída pelo termo "competência".

2.º Para acautelamento dos interesses dos estabelecimentos referidos e do Instituto em que se integram, convém:
Que as heranças só possam ser aceites a benefício de inventário;

Que só as doações não onerosas (sejam, aliás, puras, condicionais ou remuneratórias - cf. artigo 1454.º do Código Civil) sejam livremente aceitáveis pelos estabelecimentos oficiais de saúde mental, devendo a aceitação de doações onerosas ser superiormente autorizada pelo director do Instituto de Saúde Mental - entidade que em última análise suportará o encargo;

Que o mesmo se estabeleça quanto aos legados o outros actos a título gratuito.

Quanto ao n.º 4 da base em análise, nela se deverá fixar a percentagem mínima do produto líquido do trabalho remunerado do assistido, que deve reverter em favor do próprio assistido ou de sua família. Parece justo que esse mínimo seja o de um terço desse produto.

Essa percentagem destina-se primariamente ao pecúlio ou subsídio de alta.

Esclarece-se que o pecúlio ou subsídio de alta é uma soma destinada a ser recebida pelo internado normalmente após a alta, se o internado do mesmo pecúlio carecer.

62. Em harmonia cora estas observações, a Câmara propõe para esta base a seguinte redacção:

1. Os estabelecimentos oficiais de saúde mental integrados nos centros terão receitas próprias, pó-

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dendo ser-lhes concedida autonomia técnica e administrativa.

3. E da competência dos mesmos estabelecimentos:

a) Aceitar legados, doações e outras liberdades não onerosos, e ainda onerosos precedendo autorização do director do Instituto de Saúde Mental;

b) Aceitar heranças, a benefício de inventário;.

c) Receber pensionistas, competindo ao Ministério da Saúde e Assistência aprovar as tabelas das respectivas pensões e honorários clínicos;

d) Tirar proveito do trabalho realizado pelos seus internados ou assistidos em harmonia com o seu tratamento, devendo reverter a favor dos mesmos ou de sua família uma quota-parte não inferior a um terço do produto líquido desse seu trabalho.

3. Com as somas que, nos termos da alínea d) da base anterior, reverterem em favor do internado, constituir-se-á para ele um pecúlio que lhe será entregue quando o internado dele necessitar para refazer a sua vida.

Bases IX e X do projecto

63. A base IX pode chamar a si a base X, que igualmente se ocupa de aspectos da promoção da saúde mental infantil, e que passará a constituir nesta base um n.º 2.

A ausência, nesta base IX, de disposição semelhante à do n.º 2 da base XI, leva a crer ser intenção do Governo vedar em absoluto, no campo da saúde mental infantil, "o funcionamento de instituições particulares com finalidades semelhantes às dos serviços e estabelecimentos oficiais. Não vê a Câmara o que possa justificar semelhante dureza de regime; se o campo da psiquiatria infantil oferece particular melindre e importância (cf. parte final do n.º 2 da base I), isso só será razão para tomar particular cuidado na concessão de autorizações - nada mais.

A tradução desta ideia far-se-á, porém, mais tarde, pelo deslocamento do n.º 2 da base XI (alterado na sua redacção) para n.º l da base XIV.

Deve substituir-se a designação dispensário de higiene e profilaxia mental por dispensário de higiene e profilaxia mental infantil neuropsiquiâtrico, visto nele deverem funcionar consultas de neurologia, tão frequentes são as perturbações de natureza neurológica (motoras, etc.), que andam associadas. Por outro lado, os métodos de diagnóstico e tratamento em psiquiatria recorrem actualmente à intervenção do neurologista (electroencefalografia, pneumografia e pneumoterapia cerebrais, psicocirurgia).

Para o seu funcionamento perfeito, além do médico especializado em neuropsiquiatria infantil, outros colaboradores médicos (ortofomistas, electroencefalografistas, etc.) serão precisos.

Deve, além disso, fazer-se referência ao carácter provisório das brigadas móveis [alínea b)], as quais serão extintas logo que possível e substituídas por consultas de neuropsiquiatria infantil, a funcionar periodicamente e com regularidade nos hospitais psiquiátricos, hospitais gerais e nos dispensários de higiene mental. Neste ponto, porém, dado que a orientação é semelhante em relação aos adultos, propõe a Câmara uma única base, que se inserirá após a base XI do projecto governamental (base XVII do projecto da Câmara).

Os serviços de psicotécnica e orientação profissional encontram-se sob a dependência do Ministério da Educação Nacional. Não se compreende que o Ministério da Saúde e Assistência não possa dispor de tais meio de estudo.

Insiste-se em que os estabelecimentos destinados às crianças e adolescentes devem localizar-se fora dos estabelecimentos destinados a adultos, mesmo de acordo com o n.º l da base VIII do projecto (n.º 4 da base VIII proposta pela Câmara).

64. Nestes termos, a Câmara propõe que as matérias das bases IX e X do projecto se agrupem numa só base assim redigida, e que tomará o n.º XIV:

1. São especialmente destinados à promoção da saúde mental infantil os seguintes estabelecimentos e serviços:

a) Os dispensários de higiene e profilaxia mental infantil neuropsiquiátricos, destinados a prevenção, tratamento e recuperação dos menores que não necessitem de ser hospitalizados;

b) Como a alínea c) da base IX do projecto;

c) Os hospitais psiquiátricos infantis, para tratamento das perturbações psíquicas agudas e das anomalias de comportamento;

d) Como a alínea e) da base IX do projecto;
e) Como a alínea f) da base IX do projecto;
f) COMO a alínea g)da base IX projecto
g)Como a alínea h) da base IX do projecto;
h)Como a alínea i) da base X do projecto;

i) Os serviços de psicotécnica e orientação profissional.
2. Como a base X do projecto.

Base XI do projecto

65. Acerca desta base, a Câmara propõe:

A supressão da parte final da alínea h) do n.º l, dado que os serviços destinados a delinquentes, dependentes do Ministério, da Justiça, não se destinam especialmente à promoção da saúde mental, mas primariamente à defesa social e só secundariamente aquela finalidade.

O deslocamento do n.º 2 desta base para o n.º l da base XIV a fim de o converter numa disposição geral também aplicável aos estabelecimentos e serviços previstos na base IX do projecto.

Além disso, e pelos motivos já expostos, todo o equipamento assistencial neuropsiquiátrico dos adultos deve girar em torno dos hospitais psiquiátricos, onde funcionará o dispensário central, que deve comandar todos os outros dispensário distritais e outros, criados em agrupamentos populacionais, que justifiquem a sua criação.

66. Por consequência, quanto à enumeração dos estabelecimentos e serviços especialmente destinados u promoção da saúde mental dos adultos, há que observar:

a) Devem substituir-se por hospitais psiquiátricos, com uma rede de dispensários e serviço social especializado, destinados aos casos agudos;

b) Das brigadas trata-se em base autónoma;

c) Estes estabelecimentos passam, como se disse, a constituir a base do sistema [e por isso devem constar da alínea a)]; mas, a par deles e dos dispensários neles integrados, prevêem-se dispensários e postos de consulta autónomos;

d) Suprimem-se as clínicas, cuja função é exercida pelos hospitais psiquiátricos;

e) Mantêm-se os serviços de recuperação para doentes de evolução prolongada;

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f) Mantêm-se as secções psiquiátricas em asilos gentis, e mesmo prevê-se que se possam constituir em hospitais gerais (com ou sem autonomia);

g) Subentende-se que são estabelecimentos destinados a recuperação e tratamento de casos crónicos, pois os casos agudos podem ser tratados nos hospitais psiquiátricos; o período de desabituação do doente é demorado e exige meios especiais de terapêutica (acção psicológica e educativa a fazer por palestras, colóquios, filmes, etc.);

h) Suprime-se a parte final, como ficou dito.

Os estabelecimentos destinados ao tratamento e correcção dos portadores de anomalias mentais (neuróticos) devem funcionar no sistema chamado "serviço aberto". Os serviços de medicina geral e os serviços neurológicos não os aceitam - também a sua entrada não é aceite nos hospitais psiquiátricos para não contactarem com doenças nas fases mais exuberantes das manifestações mórbidas e ainda paru fugirem ao labéu de louco, alienado, etc.

Por outro lado, o número de neuróticos, pelas razões já apontadas, cresce assustadoramente e continuará a crescer até que se possam conseguir resultados apreciáveis das medidas de higiene mental e da terapêutica que se preconizam.

Razão por que se aconselha a organização de um serviço funcionando como serviço aberto (admissão e alta normalmente a pedido do doente, condições psicológicas especiais para a cura, etc.).

i) De manter-se a alínea i), embora seja de prever que, presentemente, bastem as instalações já feitas nos hospitais psiquiátricos, uma vez que as estatísticas acusam uma diminuição substancial - 8 por cento nas estatísticas de Passy. Uma vez desnecessários, os pavilhões feitos têm fácil e útil aplicação até como estabelecimentos de desabituação dos alcoólicos, toxicómanos, etc.

j) Ë de manter;
l) JË de manter;

m) Passa a ser um caso especial mima alínea mais genérica;

n) E de manter;

o) Parece de suprimir em absoluto.

67. Propõe-se a criação, para além dos "serviços oficiais adequados (oficinas protegidas)" previstos na alínea m), e abrangendo-os, de serviços livres, agrícolas, artesanais ou mistos, em que os doentes viverão em regime de comunidade, percebendo uma remuneração pelo trabalho que executam.

Da remuneração (salário) e do produto de venda dos artigos manufacturados ou colhidos da terra, uma parte é aplicada às despesas gerais do serviço (alimentação dos assistidos, roupas, etc.); outra, a benefícios de conforto (rádio, televisão, etc.); outra, a aquisição de artigos para manufacturas, ferramentas, etc.

O restante constitui o capital do serviço. No estudo óptimo do seu funcionamento, o serviço vive dos recursos próprios, dispensando qualquer subsídio ou comparticipação do Estado.

O serviço permite a reinserção social dos assistidos.

68. Propõe-se ainda uma outra alínea: lares educativos, cuja instalação será do tipo do serviço de reinserção social, para os casos em que não seja aconselhável o reingresso do assistido no meio familiar ou se haja de evitar o seu isolamento, devendo manter o assistido em actividade profissional e social de nível normal.

No lar, o assistido encontra uma atmosfera familiar e de revalorização social, tanto mais que custeará as suas despesas (quarto, alimentação, etc.).

A actividade do assistido não deve ser exercida no lar.

Propõe-se, por último, uma nova alínea: serviços de reintegração.

69. .Em face destas observações, u Câmara propõe a seguinte redacção para a base XI (que passa a base XV):

São especialmente destinados si promoção da saúde mental dos adultos os seguintes estabelecimentos e serviços:

a) Hospitais psiquiátricos, com uma rede de dispensários e serviço social especializado;

b) Dispensários e postos de consulta autónomos)
Serviços de recuperação, para doentes de evolução prolongada;

d) Secções ou serviços psiquiátricos funcionando em hospitais ou asilos gerais, com ou sem autonomia ;

e) Estabelecimentos para tratamento e recuperação de alcoólicos e outros toxicómanos;

e) Estabelecimentos destinados ao tratamento e correcção dos portadores de anomalias mentais sem psicose;

g) Como a alínea i);

li) Como a alínea j);

i) Como a alínea l);

j) Como a alínea n) ;

Z) Serviços livres, agrícolas, artesanais ou mistos, como as oficinas protegidas, em que os doentes viverão em regime de comunidade, percebendo uma remuneração pelo trabalho que executam;

m) Lares educativos, para reinserção social do ex-doente, que custeará pelo seu trabalho exterior as despesas que no lar fizer;

n) Serviços de reintegração.

70. Não vê a Câmara conveniência na disposição constante do n.º 2 da base XI do projecto governamental, pelo que propõe a sua supressão.

Base XII do projecto

71. É de manter - como base XVI - com uma pequena alteração de redacção. A doutrina, do n.º 2 só será exequível fazendo viver em torno do hospital psiquiátrico toda a rede assistencial neuropsiquiática, como se propõe.

Entre esta base e a seguinte inserir-se-á a que diz respeito às brigadas móveis, a qual tomará o n.º XVII e conterá a doutrina anteriormente justificada (1).

Base XIII do projecto

72. A integração das clínicas e serviços psiquiátricos das Faculdades de Medicina das Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra - integrada no Ministério da Educação Nacional - distinta daquela a que pertence o Instituto de Saúde Mental assegura-lhes, em face deste, autonomia tanto no plano técnico como no administrativo. E isto que importa frisar, não a clispo-

(l) Em rigor é uma disposição transitória, pelo que não devia ser colocada no meio do articulado; mas a sua importância justifica que assim se proceda.

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sição algo vaga da base XIII, n.º l (autonomia em relação a quê? Até à própria Faculdade em que se integram?).

O n.º l desta base levanta o problema do modo como se efectivará ou assegurará a coordenação aí prevista. Sendo os serviços das Faculdades de Medicina integrados no Ministério da Educação Nacional, em rigor só ao nível ministerial se poderia estabelecer contacto entre eles e os serviços de saúde mental. Para poderem contactar directamente, como a coordenação exige, é necessário que isso expressamente se permita por lei. O estabelecimento de contactos directos tem, não deixe de se assinalar, a desvantagem de atingir a subordinação dos serviços e clínicas nesta base previstos ao director da Faculdade de Medicina, ao reitor da Universidade e órgãos superiores ainda.

Parece à Câmara que a solução deste problema deve ter cabimento em regulamento, ouvidas as entidades interessadas, e não em lei emanada superiormente da Assembleia Nacional. No n.º l da base XIII só se necessita salientar os dois grandes princípios da autonomia e coordenação dos serviço psiquiátrico das Faculdades de Medicina em face dos do Ministério da Saúde e Assistência.

Quanto ao n.º 3, a requisição aí permitida não deve poder alargar-se aos estabelecimentos particulares.

73. Em face destas observações, e da conveniência de outras alterações que se justificam por si mesmas, a Gamara propõe a seguinte redacção da base XIII do projecto (á qual tomará o n.º XVIII):

1. As clínicas e os serviços psiquiátricos das Faculdades de Medicina gozam de autonomia perante o Instituto de Saúde Mental, mas deverão, na medida do possível, coordenar as actividades com os do centro de saúde mental da área respectiva.

2. Como o primeiro período do n.º 2 da base XIII;
3. As clínicas e os serviços psiquiátricos universitários poderão solicitar dos serviços de saúde mental, sem prejuízo dos interesses dos doentes ou da actividade dos mesmos serviços, os doentes e elementos necessários ao ensino e à investigação.

. Como o n.º 6 da base XIII do projecto.

Base XIV do projecto

74. Esta base deverá, a fim de conter a regulamentação unitária do que respeita às instituições particulares de saúde mental, começar por disposição moldada sobre a do n.º 2 da base XI do projecto.

Pelo contrário, parece de suprimir o n.º l da mesma base (XIV do projecto). A referência aí contida à autonomia administrativa é absolutamente dispensável, já que se trata de instituições particulares, não integradas na hierarquia administrativa do Instituto de Saúde Mental. A referência à autonomia técnica é fortemente restringida no seu alcance pelos poderes de orientação e fiscalização concedidos ao Instituto de Saúde Mental pelo n.º 2 da base em estudo.

A respeito do n.º 2, parece que só o primeiro período cabe numa lei de bases. A especificação contida no segundo período fica melhor, parece, em decreto regulamentar.

A disposição do n.º 3 desta base também pode ser remetida para decreto regulamentar, pelo processo de remissão, para o artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 32 171, de 29 de Julho de 1942, com alterações (à Direcção-Geral de Saúde, mais que uma participação, dirige-se um pedido de autorização; também ao Instituto de Saúde Mental deve caber formular o requerimento a que a disposição se refere).

75. Nestes termos, a Câmara propõe para a base XIV do projecto a seguinte redacção:

BASE XIX

1. A constituição e o funcionamento de instituições particulares com finalidades semelhantes às dos estabelecimentos e serviços previstos nas bases XIV e XV ficam dependentes de automação do Ministério da Saúde e Assistência.

2. O Instituto de Saúde Mental exercerá sobre estas instituições acção orientadora e fiscalizadora nos termos a estabelecer em regulamento.

Base XV do projecto

76. O n.º 2 desta base suscita quatro observações:

1ª A palavra não técnico-jurídica "acabe" deve ser substituída por "compete".

2.ª A referência ao contrato como meio necessário de recrutamento de pessoal especializado estrangeiro (a contrato necessariamente celebrado pelo Ministro) deve ser substituída pela forma mais genérica admissão (pelo Ministro autorizada).

3.ª Não vê a Câmara motivo válido para não confiar ao critério do Ministro da Saúde e Assistência o ajuizar da necessidade de admissão de pessoal especializado estrangeiro, restringindo-o ao caso único da inexistência (e não mera insuficiência, por exemplo, ou outra razão atendível) de pessoal português.

4.ª Esta disposição parece reservar para o Ministro da Saúde e Assistência a competência exclusiva para conceder bolsas de estudo e "para praticar em quaisquer serviços de saúde mental de outros serviços", dado que a esta competência se refere uma das partes do n.º 2 da base XV do projecto, sendo que a outra parte nitidamente se reporta a um caso de competência exclusiva: o contrato de pessoal especializado estrangeiro.

Ora, não vê a Câmara razão para cercear neste ponto a competência do Instituto para a Alta Cultura, competência que nenhum inconveniente parece haver em que seja atribuída cumulativamente a um e outro dos órgãos em causa.

Embora o problema se não tenha posto na vigência do n.º 2 da base XIV da Lei n.º 2006, semelhante ao que está em análise, convém evitá-lo por uma redacção mais clara do preceito em causa.

77. E assim propõe-se para a base XV do projecto governamental - base XX do projecto da Câmara - a seguinte redacção:

1. Gomo está;

2. Compete ao Ministro da Saúde e Assistência autorizar a admissão de pessoal especializado estrangeiro, bem como conceder bolsas de estudo, sem prejuízo da competência neste ponto de outras entidades.

Bases XVI e XVII do projecto

78. A base XVI marca o início do capítulo m da pró posta (tratamento e internamento dos doentes mentais), tal como se sugeriu atrás (n.º 48 do parecer). Ora parece justificar-se mal que se comece este capítulo pó

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uma base referente a um caso particular: a admissão de menores para observação (l).

A primeira base do capítulo deve marcar o seu objecto: formas possíveis de tratamento (algo da ordem da base XVII do projecto), formas de tratamento reguladas na lei (algo da ordem da base XXII do projecto).

A Câmara propõe assim três bases, que tomariam os n.ºs XXI, XXII e XXIII:

BASE XXI

1. O tratamento dos afectados de doença ou anomalia mental, ou toxicomania, pode fazer-se em regime ambulatório, domiciliário ou de internamento em estabelecimento de saúde mental, oficial ou particular.

2. Qualquer tratamento ou internamento regulado nesta lei só é admissível quando corresponda a necessidade real do que a ele se sujeita, em atenção ao seu estado mental, e deve prosseguir primordialmente a sua cura.

BASE XXII

As normas que se seguem aplicam-se, salvo reserva em contrário, ao internamento em qualquer estabelecimento de saúde mental, seja oficial, seja particular.

BASE XXIII

1. O internamento pode ser em regime aberto ou fechado, consoante sejam ou não reconhecidas ao internado os garantias normais dos admitidos em hospitais comuns, em especial o direito de saída.

2. O tratamento domiciliário pode ser igualmente em regime aberto ou em regime fechado, aplicando-se a este último, na medida do possível, as normas que regem o internamento em regime fechado em estabelecimento particular.

Base XVIII do projecto

79. A Camará não pode concordar, com a redacção dada à base XVIII do projecto, que se lhe afigura defeituosa. Além disso, a mesma deverá ser sistematizada e dividida segundo os princípios formulados aquando da apreciação na generalidade.

Sob reserva de serem explicadas e justificadas à frente, em confronto com o sistema constante do projecto, a Câmara propõe a seguinte sequência de bases:

BASE XXIV

1. A admissão em regime aberto poderá ser pedida pelo próprio doente, seu representante legal ou ainda por qualquer pessoa ou entidade a quem incumbam os encargos com esta admissão, ou por eles se responsabilize, ainda que temporariamente.

2. A admissão em regime fechado só poderá ser pedida pelo próprio doente, pelo seu representante legal, por qualquer pessoa com legitimidade para requerer a sua interdição, pelas autoridades administrativas e policiais no caso de admissão de urgência ou pelo Ministério Público.

3. O Ministério Público poderá requerer a admissão em regime fechado apenas em algum dos seguintes casos:

a) Falta ou desconhecimento da existência ou paradeiro de qualquer pessoa prevista no número anterior;

(1) Grande parte desta base caberia até melhor em decreto regulamentar, designadamente o n.º 2.

b) Resultar a não actuação das pessoas previstas no número anterior manifestamente de negligência ou má vontade;

e) Ser o doente mental tratado com negligência ou crueldade;

d) Ocorrerem razões graves de ordem, tranquilidade, segurança ou moralidade pública.

4. O tribunal pode determinar de ofício a admissão em regime fechado nos casos expressamente previstos na lei; mas para exame da integridade mental do arguido em processo-crime só quando seja legal a prisão preventiva.

BASE XXV

1. O pedido de admissão para internamento em regime fechado deverá ser dirigido ao centro de saúde mental do domicílio do internando, ou, na sua falta, da residência, excepto quando razões ponderosas, devidamente comprovadas, justifiquem ser outro o centro escolhido.

2. Quando o pedido diga respeito a estabelecimento oficial, o centro autorizará o internamento, quando o entender justificado; quando o pedido diga respeito a estabelecimento particular, o centro dará o seu parecer, e, se este for favorável, remeterá o processo ao tribunal de comarca a fim de este conceder a necessária autorização.

3. O pedido de admissão para internamento em regime aberto poderá ser dirigido ao director do próprio estabelecimento hospitalar onde o internamento se pretende, devendo ser então aprovado pelo centro de saúde mental, ou a este centro, aplicando-se então o n.º l e a primeira parte do n.º 2 deste artigo.

4. O pedido de admissão para internamento em regime aberto em estabelecimentos particulares correrá os seus termos no próprio estabelecimento, sendo posteriormente o respectivo processo visado pelo centro de saúde mental.

BASE XXVI

1. Como o n.º 2 da base XVIII do projecto.

2. A justificação para admissão em regime fechado será feita por atestados, válidos por vinte dias, passados por dois médicos, sempre que possível psiquiatras, não parentes ou afins do doente, nem dependentes do estabelecimento onde haja de ser hospitalizado.

3. Os atestados previstos no número anterior conterão descrição dos exames feitos ao doente e conclusões daí tiradas, e devem certificar não só a doença ou anomalia mental, mas também a necessidade de imposição do regime fechado, pelo carácter perigoso ou anti-social do internando, ou pela sua actual ou eventual oposição injustificada a um internamento que se apresente como meio presumivelmente eficaz de debelar um estado anormal de espírito grave e prejudicial ao doente, actualmente ou na sua provável evolução.

BASE XXVII

1. A passagem do regime aberto para o regime fechado aplicam-se as formalidades previstas na lei para a admissão em regime fechado.

2. A passagem do regime fechado para o regime aberto aplicam-se as normas referentes à alta dos internados.

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BASE XXVIII

1. Como o n.º J da base XVIII do projecto.

2. Para requerer u admissão de urgência em regime fechado tem legitimidade, além das pessoas e entidades referidas na base XVII, qualquer autoridade administrativa ou policial.

3. A passagem do regime aberto a fechado também pode ser requerida como urgente, sendo então competente para tal também o director do estabelecimento onde o doente está internado.

BASE XXIX

1. A automação para tratamento domiciliário em regime fechado poderá ser pedida, nos termos da base XXV, n.º 2, ao tribunal, através do centro de saúde mental, por qualquer das entidades referidas no n.º 2 da base XXIV, com excepção do Ministério Público; e não pode ser requerida como urgente.

2. O requerente assume a posição de responsável polo doente e seu tratamento.

3. Esta posição caduca com a morte ou interdição do requerente, com a nomeação de representante legal ao doente ou com o seu internamento; e pode ser levantada, ocorrendo razões ponderosas, pelo tribuna que a instituiu.

BASE XXX

1. Os valores que, no momento do internamento, se encontrem na detenção imediata do internado, serão conservados em depósito pela direcção do respectivo estabelecimento.

2. A direcção só poderá entregá-los a pessoa que invoque direito a eles, não sendo o internado quando obtiver alta, por determinação do curador de doentes mentais.

3. Quando se trate de bens perecíveis ou que pela sua natureza não possam ser guardados no estabelecimento em que o clemente se encontra internado, os órgãos de assistência psiquiátrica procurarão entregá-los a pessoa com direito a recebê-los ou dever de os guardar; não o conseguindo, poderão, a seu critério, depositá-los em lugar idóneo, à custa do proprietário, ou mesmo, em caso de absoluta necessidade, dispor deles, consignando em depósito o que por eles porventura hajam recebido.

BASE XXXI

1. A sujeição compulsiva a quaisquer medidas de tratamento psiquiátrico não previstas nas bases anteriores só pode ser determinada com os mesmos fundamentos e, na medida do possível, com o mesmo condicionalismo que legitima o internamento em regime fechado.

2. A sujeição compulsiva a consulta para observação só pode ser determinada se houver fortes indícios de que tais fundamentos se verificam.

3. É competente para determinar sujeição compulsiva a consulta para observação qualquer director de estabelecimento ou serviço oficial de saúde mentol.

BASE XXXII

1. A transferência de um doente internado de um para, outro estabelecimento só pode fazer-se por determinação ou mediante autorização do centro de saúde mental, do delegado de zona ou do director do Instituto de Saúde Mental, consoante os estabelecimentos entre os quais se opera a transferência dependam ou não do mesmo centro ou zona.

2. Exceptua-se a transferência entre estabelecimentos particulares de internados em regime aberto, a qual só carece de ser comunicada ao centro ou centros de que os mesmos estabelecimentos dependem.

3. A transferência de internados em regime fechado entre estabelecimentos particulares, ou de oficial para particular, carece de autorização judicial.

80. Comparando agora esta série de bases com a base XVIII do projecto, o que há de mais importante a observar é o seguinte:

legitimidade para requerer a admissão, disciplinada no n.º l da base XVIII do projecto em termos de que ficou feita a critica, na apreciação na generalidade, é regulada pela forma que então foi fundamentada (base XXIV proposta). Segue-se a competência para receber o pedido de admissão e organizar o respectivo processo (base XXV proposta), ponto a que só fazia alusão a alínea 6) do n.º 3 da base VII do projecto.

Os n.º 2 e 3 da base XVIII do projecto parecem de poder manter-se como n.º l e 2 da base XXVI proposta, aumentando-se para vinte dias o prazo previsto na 2.º disposição e acrescentando-se algumas normas cuja justificação foi estabelecida aquando da apreciação na generalidade.

Na base XXVII proposta integra-se, reduzido nos seus termos essenciais, o n.º 4 da base XVIII do projecto. O n.º 5 passa ipsis verbis & ser o n.º l da base XXVIII proposta.

A matéria de custas processuais (base XVIII, n.º O, do projecto) e sanções por irregularidade e abusos (base XVIII, n.º 8, do projecto) é deslocada para o fim, assim se evitando as remissões da base XIX, n.(tm) 5 e 6.

Gomo igualmente é remetida para o fim a matéria de fiscalização da legalidade da admissão e internamento (base XVIII, n.º 6 e 7, e XXIII do projecto).

Por fim, as últimas bases propostas correspondem n pontos cuja inserção foi justificada, aquando da apreciação do projecto na generalidade: disciplina do tratamento domiciliário em regime fechado (base XXIX proposta), guarda dos valores na detenção do internado (base XXX proposta), regime do tratamento ambulatório compulsivo (base XXXI proposta) e, por último, transferência de doentes internados (base XXXII proposta).

Base XIX do projecto

81. A matéria referente à alta de internados também carece de uma revisão.

Quanto á competência para a conceder, deduz-se da base XIX do projecto que cabe ao director do estabelecimento onde o internado se encontra. Tal orientação não merece reparo, só podendo desejar-se que estivesse mais claramente expressa.

E também não merece reparo que a alta possa partir da livre iniciativa do director (sempre) ou de ordem judicial ou hierárquica - só não se compreendendo por que motivo esta deva emanar necessariamente apenas Inspecção Superior de Saúde e Assistência, e não da direcção dos centros de saúde mental, das delega coes de zona ou do próprio Instituto da Saúde Mental por intermédio do qual se exerce toda a acção do Estado neste domínio (base III, n.º 1).

Quanto, porém, aos poderes de pessoas particulares e que o regime do projecto governamental - express

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na alínea b) do n.º l e nos n.º 2 e 3 da base XIX - parece merecer críticas.

Há que distinguir o direito de pedir a alta e o direito de exigir a alta.

O primeiro - direito de pedir a alta, que será concedida ou recusada, primeiro pelo director do estabelecimento, em segundo lugar pelo órgão de recurso ou reclamação hierárquica - não tem relevância ou importância de maior. Traduz-se numa mera sugestão; quando muito num meio de fiscalização como o que a base XVIII, n.º 6, atribui - e bem - a "qualquer pessoa e entidades. Somente, como se traduz no pedido de uma medida concreta, pedido que pode não ter por base suspeita de erro, legalidade ou abuso que o justifique, parece a Câmara dever -restringir-se este direito (usando o sistema do n.º 8 da base XVII da Lei n.º 2006 para o pedido de fiscalização judicial, paralelo ao do n.º 6 da base XVIII do projecto) a quem "justifique interesse" no pedido, que deve ser fundamentado.

Não assim o direito da exigir a alta, não sendo lícita a recusa ou sendo-o só restritamente.

O direito de exigir a alta pressupõe um poder sobre a pessoa do internado, de cuja situação pessoal se dispõe, possivelmente até contra o interesse dele em prosseguir o tratamento. Não pode, por isso, ser atribuído largamente às entidades a que se refere a alínea b) da base XIX (a qualquer membro de família: a um parente em 5.º grau?), mas a sua atribuição carece e ser fundamentada.

No internamento em regime aberto, dado que este repousa no consentimento do internado, deve conceder-se direito de exigir a alta ao próprio internado ou seu representante legal (1). E esta alta só pode ser recusada se o director do estabelecimento simultaneamente requerer a passagem urgente de regime aberto para fechado.

No internamento em regime fechado, a vontade da doente é irrelevante. Só pode então exigir a alta quem tenha o poder de determinar ou fixar a situação pessoal do doente, ou seja, o seu tutor. E como este actua nu interesse do doente, parece bem conservarem-se os fundamentos de recusa previstos no n.º 2 da base XIX.

A um outro ponto se deve fazer referência expressa no projecto: á proibição de recusar a alta por falta de pagamento de qualquer prestação ou quantia (recusa que se traduziria numa verdadeira prisão por dívidas, que o nosso sistema jurídico repele).

82. Com base nestes pontos, a Câmara propõe as seguintes bases em substituição da base XIX do projecto:

BASE XXXIII

1. A alta dos internados num estabelecimento será dada pelo respectivo director, por sua determinação ou por ordem judicial ou hierárquica, sendo imediatamente comunicada ao centro de saúde mental, e, no caso de internamento em regime fechado, por este centro ao tribunal que o autorizou.

2. A alta de certo internado pode ser pedida ao director do estabelecimento por quem justifique interesse e fundamente o pedido.

3. A alta de certo internado em regime aberto pedida pelo próprio ou seu representante Legal só

(1) E quem suporte na despesas do internamento, se o fizer vonlatariamente e não por dever? Este poderá retirar o seu auxílio, mas não exigir n alta: a direcção do estabelecimento solverá. Está é justificado em pedir a alta.

pode ser recusada havendo motivo para requerer a passagem urgente para regime fechado, e requerendo-se tal nos cinco dias seguintes à recusa.

4. A alta nunca pode em caso algum ser recusada com o fundamento de falta de pagamento de qualquer quantia ou prestação.

XXXIIIV

1. Da recusa em conceder a alta cabe recurso judicial ou reclamação hierárquica.

2. Se a recusa for confirmada, não se admitirá recurso ou reclamação de nova recusa de alta antes de decorridos três meses sobre a confirmação.

BASE XXXV

Se o director do estabelecimento a quem for ordenada a alta a reputar perigosa para o próprio hospitalizado ou para a ordem, tranquilidade, segurança ou moralidade pública, assim o representará ao autor da ordem e comunicará imediatamente o facto às autoridades policiais, podendo nesse raso reter o hospitalizado pelo prazo máximo de oito dias improrrogáveis.

BASE XXXVI

1. Os directores de estabelecimentos oficiais que admitirem ou mantiverem um internamento contra os termos estabelecidos nesta lei, violando o direito de liberdade do internado ou as garantias de que a lei o cerca, incorrerão nas penas do artigo 291.º do Código Penal.

2. Os directores de estabelecimentos particulares e responsáveis por tratamento domiciliário que procederem nos termos do número anterior incorrerão nas penas do artigo 330.º do Código Penal.

3. Todo o funcionário dos estabelecimentos serviços de saúde mental que sujeite compulsivamente alguma pessoa a tratamento psiquiátrico, fora dos casos em que a lei o permite, incorre nas penas do artigo 299.º do Código Penal.

4. Nenhuma destas disposições impede a aplicação de pena mais grave, se os actos praticados caírem sob a alçada de lei que a imponha.

BASE XXXVII

1. O internado em regime fechado que, sem alta nem licença, se ausente do estabelecimento em que se encontra, pode ser compelido a regressar a ele.

2. Igual disposição se aplica ao doente sob tratamento domiciliário em regime fechado.

83. Pelo perigo particular que apresenta em matéria de saúde mental, foi considerada a hipótese de incriminar e sancionar penalmente a medicamentação abusiva, ou seja, a ministração de qualquer droga ou medicamento, não tendo como finalidade a cura, melhora, bem-estar ou defesa do doente ou, quando muito, a defesa das pessoas que o rodeiam.

No mesmo plano se deveria considerar a cirurgia abusiva, e mesmo qualquer forma de tratamento igualmente doloso ou desviado dos seus fins (por exemplo a psicanálise).

Dada a dificuldade e melindre da matéria, pareceu à Câmara Corporativa não dever sobre ela inovar. Não quis porém deixar de registar este ponto importante.

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Base XX do projecto

84. A base XX do projecto governamental regula, o que se pode chamar direito de contanto.

O direito da contacto desdobra-se fundamentalmente em direito de visita e direito de correspondência, e ainda em direito de contacto activo (direito a fazer visitas, a enviar correspondência) e direito de contacto passivo (direito a receber visitas e correspondência). Nesta lei é encarado primordialmente do ponto de vista do doente e à luz do seu interesse; mas isso não quer dizer que do direito de contacto ora regulado seja sempre titular o doente. Interessa, numa lei de assistência psiquiátrica, determinar ainda em que medida pessoas titulares de interesses especialmente relevantes - o seu curador, o seu cônjuge, o seu advogado - só pode considerar terem o direito de visitar o doente ou de lhe enviar correspondência, sem que u direcção do estabelecimento em que o mesmo doente está internado possa a isso opor-se.

A Lei n.º 2006 consagra ao direito de contacto uma disposição única e breve, a do n.º l da base XX, que diz:

É assegurado ao internado, em qualquer regime, o direito de se corresponder livremente com o director do estabelecimento, a Inspecção da Assistência Social e o Ministério Público.

A disposição o por um lado insuficiente (trata apenas do direito activo de correspondência do doente, e entre as entidades que refere alta flagrantemente o seu tutor); por outro lado, é demasiado rígida. São concebíveis casos em que o exercício deste direito de livre correspondência prejudica o tratamento do doente, sem que a isso se possa opor o director do estabelecimento, mesmo assegurando de outro modo (visita, por exemplo) a fiscalização das condições da sua situação.

O projecto consagra ao assunto uma disposição bastante extensa: a da base XX, ora em análise.

O direito de correspondência é regulado em pormenor, embora por vezes talvez não com o melhor critério, quer do ponto de vista da forma [não havia necessidade de uma tão detalhada enumeração de pessoas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º l, dado que a parte final da alínea a) - "pessoas ... que por ele revelem interesse" - engloba toda a gente], quer do ponto de vista do conteúdo (a correspondência não entregue ao hospitalizado deve ser remetida ao seu tutor ou representante legal, e não devolvida ou arquivada).

O direito de visita é englobado num direito de contacto com o exterior (que permite abranger os telefonemas), e este submetido ao mesmo regime "na parte aplicável" - forma que parece incorrecta quando um dos pontos fundamentais do regime (termos da proibição do exercício do direito, n.ºs 2 e 3) não pode ser aplicado por natureza - não se pode devolver ou arquivar ou remeter uma visita ou um telefonema -, pelo que a aplicação dos referidos n.ºs 2 e 3 seria sempre por semelhança, quase por metáfora.

Parece à Câmara de novo oportuno lembrar a disposição do artigo 92.º da Constituição Política - "as leis votadas pela Assembleia Nacional devem restringir-se às bases fundamentais dos regimes jurídicos"- como um dos fundamentos do regime que passará a propor.

As bases gerais do regime jurídico desta matéria parecem dever ser as seguintes:

Manutenção, como princípio, do direito de liberdade do internado - em qualquer regime -, só sendo lícitas as restrições impostas polo tratamento do doente, pelo bom funcionamento dos serviços e pela ordem e segurança públicas (restrições aliás que - é ponto a incluir em regulamento - deverão, sempre que possível, ser sujeitas a um prazo certo;

Aplicação expressa do mesmo princípio ao direito de contacto com o exterior, acrescentando-se que é proibido o regime que por completo o tolha;

Possibilidade de recurso judicial ou de reclamação hierárquica a qualquer pessoa ou entidade injustificadamente afectada, nas suas relações com o internado, pelas restrições impostas.

Tudo o mais será desdobramento destas bases gerais do regime jurídico, a fixar - com cuidado e pormenor, aliás, dada a importância e melindre da matéria - em regulamento.

85. E assim a Câmara propõe a seguinte redacção para a base XX, a qual passaria a ter o n.º XXXVIII.

A liberdade do internado só pode ser restringida na medida em que o justifiquem o seu tratamento, o bom funcionamento dos serviços ou a ordem e segurança públicas.

2. Este princípio é aplicável ao contacto do internado com o exterior, sendo proibido o regime que em absoluto o tolha.

3. Toda a pessoa ou entidade injustificadamente afectada, nas suas relações com o internado, por qualquer restrição imposta, pode dela recorrer ou reclamar hierarquicamente.

Base XXI do projecto

86. Como ficou justificado quando da apreciação nu generalidade, a Câmara propõe que o internamento em regime fechado (que não é, aliás, uma medida de segurança, mas uma medida de assistência) seja objecto de autorização, ex ante facto, rejeitando o sistema que o sujeita a aprovação ou confirmação, ex post facto.

Aliás, este preceito merece o seguinte reparo: sendo a intervenção judicial uma garantia, garantia da liberdade individual contra medidas abusivas de tratamento psiquiátrico, tomadas na maioria dos casos pelas entidades n que a base se refere, não se compreende que fique dependente da vontade destas (como o dá a entender o termo poderão) a efectivação da mesma garantia. A antecessora desta base XXI do projecto, a base XIX da Lei n.º 2006, se pouco clara também, e no entanto de melhor técnica, pois diz:

O internamento nos asilos para anormais perigosos e anti-sociais carece de confirmação judicial.

Por estes motivos, a Câmara propõe a supressão da base XXI do projecto.

Base XXII do projecto

87. A base XXII, com alterações, foi deslocada para lugar anterior (base XXII proposta pela Câmara).

Base XXIII do projecto

88. A base XXIII é a peça mais importante do sistema de fiscalização do respeito pelos direitos e garantias consignados na lei. Cabe agora justificar a sequência de bases com a qual, segundo a proposta da Guinar Corporativa, se deverá encerrar o projecto. Estas base dizem respeito justamente a tal sistema de fiscalização

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e, além disso, às custas dos processos judiciais e administrativos (recursos hierárquicos) previstos no projecto.

Parece inteiramente de aplaudir a atribuição ao Ministério Púbico em geral (talvez melhor que só aos três procuradores da República de Lisboa, Porto e Coimbra) da incumbência (poder-dever) de zelar pela salvaguarda da liberdade individual. Pode deixar-se para decreto regulamentar a pormenorização desta incumbência e dos meios de a concretizar: direito a receber cópia dos registos a que se referem as bases IV, n.º l, alínea g), e VII,. n.º 3, alínea d), do projecto e a ser informado dos factos mais importantes relativos a internados; direitos de inspecção, visita e correspondência; direito de ordenar exames, etc. ...

Entre as disposições que procuram igualmente tecer uma rede de meios de protecção aos internados e que a Câmara Corporativa propõe concentrarem-se neste ponto, a final, depois da enumeração dos direitos e garantias que protegem, figura o n.º 6 da base XVIII do projecto, com ligeiras alterações, e o n.º 7 da base XVIII cio projecto, amputado da sua parte final, algo vaga, e acrescentado da possibilidade de pedir - o doente, seu tutor ou qualquer parente sucessível (cf. artigo 946.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) - a nomeação de advogado à respectiva Ordem.

Por último, figura a matéria de custas processuais, bem como a das sanções aos requerentes de má fé. Nesta base se integra o n.º 9 da base XVIII do projecto, substituindo-se a expressão extremamente vaga «penas e responsabilidades estabelecidas na lei» pela ideia concreta de multa e indemnização por litigância de má fé, possível em jurisdição voluntária e regulada nos artigos 456.º e seguintes do Código de Processo Civil. Só parece dever-se alargar esta sanção (como faz o projecto) aos casos, não de dolo, mas de negligência grave esta era no Código do Processo Civil de 1939 artigo 465.º) fundamento de condenação como litigante má fé, não o sendo hoje em face do artigo 456.º, n.º 2, do vigente Código de Processo Civil (solução que de jure condendo não é de aplaudir).

89. E assim, a Câmara Corporativa propõe a substituição da base XXIII pela seguinte sequência do bases:

BASE XXXIX

1. Qualquer pessoa ou entidade poderá requerer ao tribunal de comarca que conheça de abusos que se suspeitem em alguma admissão, internamento ou sujeição a qualquer tipo de tratamento psiquiátrico e providencie no sentido da sua cessação. Poderá também dirigir-se às autoridades competentes no Ministério da Saúde e Assistência.

2. Incumbe especialmente ao Ministério Público zelar pela salvaguarda da liberdade individual em todos os casos referentes a pessoas tratadas como feridas de doença ou anomalia mental.

3. Os agentes do Ministério Público devem designadamente intervir sempre que suspeitem de que indevidamente se mantém o internamento ou isolamento de qualquer doente, ou que este é tratado com negligência ou crueldade.

BASE XL

1. O internado tem o direito a escolher advogado que vele pela legalidade do regime que lhe é aplicado, ou a pedir a nomeação de um à Ordem dos Advogados.

2. Pode pedir também tal nomeação à Ordem dos Advogados o representante legal, cônjuge ou qualquer parente sucessível do internado ou custodiado.

3. O advogado constituído goza, para os efeitos da presente lei, de todos os poderes do representante legal.

BASE XLI

Aquele que de outra pessoa requerer o internamento ou tratamento domiciliário em regime fechado, quando se venha a verificar que o requerido manifestamente se não achava em estado de saúde mental que o justificasse, pagará uma indemnização de perdas e danos, incluindo danos morais, ao requerido, se agiu com negligência grave ou com dolo; neste último caso é passível ainda das penas do artigo 242.º do Código Penal.

BASE XLII

1. Os processos e recursos hierárquicos e contenciosos previstos nesta lei são isentos de custas, mas os requerentes podem ser condenados em multa e indemnização se procederem de má fé ou com negligência grave.

2. Os processos judiciais previstos nesta lei regem-se, em tudo que for omisso, pelas normas que regulam o processo civil de jurisdição voluntária.

Base XXIV do projecto

85. Dada a importância do problema que contempla (cf. relatório, n.º 9), foi examinada durante a apreciação na generalidade, justificando-se então a proposta da sua supressão.

Base XXV do projecto

86. A matéria desta base deve passar para a zona do projecto onde se disciplinam os órgãos centrais de promoção da saúde mental. Assim, porque a base XXV regula um desses órgãos, deve passar para ali, tomando o n.º VI.

O n.º l da base não oferece reparo. Mas o n.º 2 já se não encontra nas mesmas condições.

Com efeito, a composição deste órgão de «estudo e informação» oferece o flanco à seguinte crítica: compõe-se de representantes, o que é mais normal num órgão de decisão que de estudo. E de representantes dos mais variados Ministérios, desde o do Ultramar (cuja organização de saúde mental não pode estar em causa neste projecto) até ao das Corporações e Previdência Social e diferenciadamente do Exército, Marinha e Secretaria de Estado da Aeronáutica.

A Câmara propõe a supressão deste n.º 2 e a determinação dos vogais componentes da comissão nesta base referida através de derreto regulamentar, até para ter a flexibilidade que uma fixação por lei impediria.

87. E assim propõe a Câmara a seguinte redacção da base xxv do projecto, a qual passaria a ser a base VI:

1. Como o n.º l da base XXV do projecto.

2. A composição e funcionamento desta comissão serão fixados em regulamento.

III Conclusões

88. A Câmara Corporativa, tendo em atenção as considerações gerais e especiais produzidas no decorrer

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deste parecer, sugere que o projecto de proposta de lei sobre a saúde mental tenha a seguinte redacção e sistematização:

CAPITULO I

Disposições gorais

BASE. I

1. A promoção da saúde mental visa a assegurar ou a restabelecer o equilíbrio psíquico da pessoa humana e abrange a acção profiláctica, a acção terapêutica e a acção recuperadora.

2. A acção profiláctica é exercida por medidas de carácter preventivo, designadamente pedagógicas e de higiene mental, individuais ou colectivas. As providências concernentes à saúde mental da infância e da adolescência devem ser consideradas como de importância primordial.

3. A acção terapêutica consiste no tratamento das doenças e na correcção das anomalias mentais, bem como no tratamento das toxicomanias, em regime ambulatório, domiciliário, ou de internamento.

4. A acção recuperadora realizo-se pela aplicação de medidas psicopedagógicas, sociais e de outra natureza, destinadas à readaptação dos portadores de doenças e anomalias mentais, bem como de toxicomanias, com vista à sua integração no meio social.

BASE II

No campo da saúde mental, incumbe ao Estado:

a) Orientar, coordenar e fiscalizar a acção profiláctica, terapêutica e recuperadora no domínio das doenças e anomalias mentais, bem como das toxicomanias;

b) Estimular e favorecer as iniciativas particulares que contribuam para a realização de qualquer das formas de actividade que promovam a saúde mental, autorizando o funcionamento de estabelecimentos adequados e aprovando os respectivos regulamentos gerais;

c) Criar e manter os serviços considerados necessários à promoção da saúde mental.

CAPÍTULO II

Estabelecimentos, serviços e Instituições particulares do saúde mental

BASE III

1. A acção do Estado destinada primariamente á promoção da saúde mental será exercida pelo Ministério da Saúde e Assistência, por intermédio do Instituto de Saúde Mental.

2. O Instituto terá sede em Lisboa e gozará de personalidade jurídica e de autonomia técnica e administrativa.

3. O director do Instituto será um psiquiatra.

4. A direcção será assistida de um conselho técnico de saúde mental.

BASE IV

1. Compete ao Instituto de Saúde Mental dar execução, em geral, às funções do Estado enumeradas na base n e exercidas pelo Ministério da Saúde e Assistência, e designadamente:

a) Fixar, precedendo parecer do respectivo conselho técnico, as condições de funcionamento dos estabelecimentos e serviços destinados à realização de qualquer das modalidades de promoção da saúde mental;

b) Intensificar a colaboração entre estabelecimentos e serviços já existentes ou que venham a criar-se;

c) Cooperar com os organismos que se ocupem da higiene mental no estudo dos problemas relativos às condições económico-sociais e de trabalho e aos factores sanitários que influam na morbilidade das doenças e anomalias mentais, bem como dos toxicomanias;

d) Promover a preparação e o aperfeiçoamento do pessoal médico, psicológico, de serviço social, de enfermagem e auxiliar técnico, necessário ao funcionamento dos serviços de saúde mental e de outros correlativos;

e) Fomentar a investigação científica e prestar a assistência técnica que no campo da saúde mental lhe for solicitada;

f) Inspeccionar a situação e condições de internamento e tratamento dos doentes mentais, designadamente para verificar a sua legalidade;

g) Proceder aos exames médico-legais que lhe sejam requisitados pelas entidades competentes, nos termos da lei e sem prejuízo dos recursos nela estabelecidos;

h) Manter em dia o registo dos doentes admitidos em estabelecimentos oficiais e particulares e elaborar os estatísticas relativas aos serviços de saúde mental;

i) Dar parecer, sob o aspecto psiquiátrico, acerca dos projectos de construção, grande ampliação e remodelação dos edifícios dos estabelecimentos e serviços psiquiátricos;

j) Publicar periodicamente um boletim de estudos psiquiátricos e relacionados.

2. As funções atribuídas ao Instituto de Saúde Mental não prejudicam as que por lei competirem aos serviços prisionais e jurisdicionais de menores.

BASE V

1. Ao conselho técnico incumbe emitir parecer sobre os assuntos relativos à promoção da saúde mental e, obrigatoriamente, sobre:

a) Os planos de saúde mental;

b) As medidas destinadas ao aperfeiçoamento da formação do pessoal médico, de serviço social, de enfermagem e auxiliar, bem como acerca das providências destinadas a promover o aumento do seu número e a melhoria das suas condições de trabalho;

c) Os programas de investigação científica a realizar e financiar pelo Instituto ou com a sua colaboração.

2. O conselho técnico será presidido pelo director do Instituto e constituído pelos seguintes vogais:

a) Os professores de Psicologia e de Psiquiatria das Faculdades de Letras e de Medicina;

b) Um professor universitário de Sociologia;

c) O director do Instituto António Aurélio da Costa Ferreira;

d) Os delegados do Instituto nas zonas norte e centro;

e) Um representante dos directores dos hospitais e dispensários de saúde mental da zona sul;

f) Um representante da Ordem dos Médicos;

g) Um criminologista, designado pelo Ministério da Justiça e que o representará;

h) Um representante do director-geral de Saúde;

i) Um representante dos director-geral dos Hospitais;

j) Um representante da previdência, designado pelo Ministério das Corporações e Previdência Social.

l) Um representante da Igreja Católica;

3. Podem ser convidados a participar nas reuniões do conselho, para exame de questões que interessem às suas funções ou serviços, outros médicos ou funcionários de estabelecimentos oficiais ou particulares.

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BASE VI

1. Junto do Instituto de Saúde Mental funcionará uma comissão para estudo e informação sobre o alcoolismo e outras toxicomanias,á qual compete, neste assunto:

a) Organizar programas de lutas profilácticas;

í) Orientar campanhas educativas;

c) Submeter à aprovação do Ministro da Saúde e Assistência as medidas convenientes para melhor combater os referidos males sociais.

2. A composição e funcionamento desta comissão serão fixados em regulamento.

BASE VII

1. Para efeitos da organização cios serviços do saúdo mental, o País á dividido em três zonas, correspondentes às zonas hospitalares do Norte, Centro e Sul, com sedes, respectivamente, no Porto, Coimbra e Lisboa.

2. Com superintendência na respectiva zona, funcionarão no Porto e em Coimbra delegações do Instituto, às quais especialmente incumbirá orientar e coordenar os respectivos centros de saúde mental.

3. Nos distritos onde existam serviços previstos nesta lei poderá haver subdelegações.

BASE VIII

1. O serviço do Instituto é assegurado, em cada zona, por um centro de saúde mental.

2. Os centros gozarão de autonomia técnica e administrativa e a sua área de actuação será fixada du acordo com as necessidades especificas dos agrupamentos populacionais.

3. A sede dos centros será, de preferência, na sede dos distritos ou das regiões hospitalares. Os centros funcionarão em ligação com os restantes serviços de saúde e assistência, de modo a constituírem com eles centros médico-sociais locais.

BASE IX

Os centros de saúde mental serão dirigidos por psiquiatras de reconhecido mérito e competência e deverão dispor de serviços diferenciados, se possível independentes, para uri ancas, adolescentes e adultos.

BASE X

A direcção dos centros de saúde mentol compele:
a) Orientar, coordenar e fiscalizar as actividades dos centros e estabelecimentos neles integrados;

b) Distribuir os doentes mentais pelos estabelecimentos oficiais da sua zona, de acordo com as indicações médicas e sociais ;

c) Aprovar a admissão de doentes em regime aberto, internados nos estabelecimentos da sua zona;

d) Autorizar a admissão de doentes em regime fechado, a internar em estabelecimentos oficiais da sua zona, bem como a sujeição a tratamento ambulatório compulsivo nos mesmos estabelecimentos;

e) Dar parecer sobre os pedidos de admissão em regime fechado, ou de sujeição a tratamento ambulatório compulsivo, em instituições particulares, bem como sobre os pedidos de sujeição a tratamento domiciliário em regime fechado, enviando-os, quando o parecer for favorável, ao tribunal de comarca competente, a fim de este dar a necessária autorização;

f) Visar o processo de admissão de doentes em regime aberto, em estabelecimentos particulares;

g) Determinar, autorizar ou tomar conhecimento das transferências de doentes, nos termos da base XXXII;

h) Inspeccionar periodicamente a situação e a» condições de internamento de todo e qualquer internado em estabelecimento de saúde mental, oficial ou particular, da sua área, designadamente para fiscalizar a sua legalidade;

i) Propor a concessão de subsídios;

j) Manter em dia o registo dos doentes em estabelecimentos oficiais e particulares da sua zona e elaborar as estatísticas referentes à respectiva área.

BASE XI

1. Junto de cada centro de saúde mental funcionará uma curadoria de doentes mentais.

2. A curadoria será dirigida por um curador, licenciado um Direito.

BASE XII

1. Compete á curadoria de doentes mentais:
2. b) Habilitar os administradores, legais ou voluntários, dos bens de qualquer doente mental durante o seu impedimento a praticar os necessários actos de administração, incluindo o recebimento de pensões, vencimentos ou quaisquer quantias devidas ao mesmo doente, mediante a passagem de atestados de se encontrarem efectivamente investidos em tal administração;

b) Praticar quaisquer actos de administração de bens do doente mental que este ou seu representante não possam praticar e sejam urgentes, se traduzam apenas ou muito prevalentemente um proveito do doente, ou se destinem a prestar alimentos por este devidos;

c) Quando entenda que o património do doente e a duração provável da doença exijam que se recorra ao processo de interdição, comunicá-lo ao Ministério Público e a qualquer pessoa que conheça com legitimidade para propor o mesmo processo;

d) Comunicar ao Ministério Público os actos de conteúdo criminal de que tenha conhecimento, em detrimento de doentes mentais;

e) Comunicar oficialmente o estado mental do doente a qualquer pessoa que dele pretenda tirar proveito, se intender necessário, a fim de tornar possível, nos termos da lei civil, a anulação dos actos e contratos pelo mesmo doente celebrados, anulação que terá legitimidade para pedir judicialmente;

f) Aconselhar e esclarecer os interessados que se lhe dirijam e que não disponham por outro modo de consultor quanto aos problemas de carácter jurídico emergentes de doença mental ou com ela relacionados;

g) Exercer quaisquer outras funções que lhe sejam atribuídas.

2. A competência nesta base atribuída abrange apenas os doentes mentais juridicamente capazes, em tratamento na área do respectivo centro de saúde mental, internados ou não.

3. O curador de doentes mentais pode delegar as suas funções ou alguma delas em parente próximo idóneo do doente mental, exigindo-lhe ou não a prestação de caução. Esta delegação é livremente revogável.

BASE XIII

1. Os estabelecimentos oficiais de saúde mental integrados nos centros terão receitas próprias, podendo ser-lhes concedida autonomia técnica e administrativa,.

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2. É da competência dos mesmos estabelecimentos:
a) Aceitar legados, doações e outras liberalidade não onerosos, e ainda onerosos procedendo autorização do director do Instituto de Saúde Mental;

b) Aceitar heranças, a benefício de inventário;

c) receber pensionistas, competindo ao Ministério da Saúde e Assistência aprovar as tabelas das respectivas pensões e honorários clínicos;

d) Tirar proveito do trabalho realizado pelos seus internados ou assistidos em harmonia com o seu tratamento, devendo reverter a favor dos mesmos ou de sua família uma quota-parte não inferior a um terço do produto líquido desse seu trabalho.

3. Com as somas que, nos termos da alínea d) da base anterior, reverterem em favor do internado, constituir-se-á para ele um pecúlio que lhe será entregue quando o internado dele necessitar para refazer a, sua vida.

BASE XIV

1. São especialmente destinados u promoção da saúde mental infantil os seguintes estabelecimentos e serviços:

a) Os dispensários de higiene e profilaxia mental infantil neuropsiquiátricos, destinados u prevenção, tratamento e recuperação dos menores que não necessitem de ser hospitalizados;

b) Os serviços especializados de psicoterapia e psicopedagogia infantil;

c) As clínicas e os hospitais psiquiátricos infantis, para tratamento das perturbações psíquicas agudas e das anomalias de comportamento;

d) Os serviços destinados ao tratamento de menores epilépticos, com perturbações motoras ou com deficiências sensoriais;

e) Os estabelecimentos destinados u recuperação de menores educáveis;

f) Os estabelecimentos destinados à educação e tratamento de menores dependentes e treináveis;

g) Os serviços de colocação familiar e de assistência domiciliária;

h) Os lares educativos;

i) Os serviços de psicotécnica e orientação profissional .

2. Incumbe ao Instituto António Aurélio da Costa Ferreira a orientação psicopedagógica dos serviços de ensino destinados á reeducação dos menores com anomalias mentais e à preparação do pessoal docente e técnico necessário aos mesmos serviços.

BASE XV

São especialmente destinados á promoção da saúde mental dos adultos os seguintes estabelecimentos o serviços:

a) Hospitais psiquiátricos, com uma rede de dispensários e serviço social especializado;

6) Dispensários e postos de consulta autónomos;

c) Serviços de recuperação, para doentes de evolução prolongada;

d) Secções ou serviços psiquiátricos funcionando em hospitais ou asilos gerais, com ou sem autonomia;

e) Estabelecimentos para tratamento e recuperação de alcoólicos e outros toxicómanos;

f) Estabelecimentos destinados ao tratamento e correcção dos portadores de anomalias mentais sem psicose;

g) Serviços destinados ao tratamento dos doentes mentais tuberculosos, em hospitais psiquiátricos ou em sanatórios;

h) Hospitais de dia e hospitais de noite, em ligação com os hospitais psiquiátricos ou com os hospitais gerais;

i) Serviços de dia, destinados especialmente à assistência dos doentes senis e dos deficientes mentais;

j) Serviços de colocação familiar e de assistência domiciliária ;

l) Serviços livres, agrícolas, artesanais ou mistos, como as oficinas protegidas, em que os doentes viverão em regime de comunidade, percebendo uma remuneração pelo trabalho que executam;

m) Lares educativo, para reinserção social do ex-doente, que custeará pelo seu trabalho exterior as despesas que no lar fizer;
n) Serviços de reintegração.

BASE XVI

1. Os serviços referidos nas bases anteriores deverão, tanto quanto possível, funcionar agrupados, para garantia da unidade da promoção da saúde mental através da concorrência das actividades profilácticas, terapêuticas e de reabilitação.

2. Deverá procurar conseguir-se que o portador de doença ou anomalia mental ou de toxicomania seja acompanhado, na respectiva evolução, pelo mesmo médico ou pela mesma equipa clínica.

BASE XVII

Enquanto e na medida em que não puderem ser substituídas pelos tipos de estabelecimentos e serviços previstos nas bases anteriores, haverá brigadas móveis.

BASE XVIII

1. As clínicas e os serviços psiquiátricos das Faculdades de Medicina gozam de autonomia perante o Instituto de Saúde Mental, mas deverão, na medida do possível, coordenar os actividades com as do centro de saúdo mental da área respectiva.

2. Quando se mostrar conveniente, as Faculdades de Medicina poderão exercer a sua actividade pedagógica e científica nos serviços dependentes do Instituto de Saúde Mental.

3. As clínicas e os serviços psiquiátricos universitários poderão solicitar dos serviços do saúde mental, sem prejuízo dos interesses dos doentes ou da actividade dos mesmos serviços, os doentes e elementos necessários no ensino e à investigação.

4. As Faculdades de Medicina deverão participar activamente na preparação do pessoal médico especializado mis serviços de saúde mental.

BASE XIX

1. A constituição e o funcionamento de instituições particulares com finalidades semelhantes às dos estabelecimentos e serviços previstos nas bases XIV e XV ficam dependentes de autorização do Ministério da Saúde e Assistência.

2. O Instituto de Saúde Mental exercerá sobre estas instituições acção orientadora e fiscalizadora nos termos a estabelecer em regulamento.

BASE XX

1. No Instituto de Saúde Mental ou nos estabelecimentos e serviços dele dependentes poderão funcionar cursos e estágios para formação, especialização e aper

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feiçoamento do pessoal médico, do serviço social e de enfermagem e dos outros técnicos que se tornem necessários.

2. Compete ao Ministro da Saúde e Assistência autorizar a admissão de pessoal especializado estrangeiro, bem como conceder bolsas de estudo, sem prejuízo da competência neste ponto de outras entidades.

CAPITULO III

Tratamento e internamento dos doentes mentais

BASE XXI

1. O tratamento dos afectados de doença ou anomalia mental, ou toxicómana», pode fazer-se em regime ambulatório, domiciliário ou de internamento em estabelecimento de saúde mental, oficial ou particular.

2. Qualquer tratamento ou internamento regulado nesta lei só é admissível quando corresponda a necessidade real do que a ele se sujeita em atenção ao seu estado mental, e deve prosseguir primordialmente a sua cura.

BASE XXII

As normas que se seguem aplicam-se, salvo reserva em contrário, ao internamento em qualquer estabelecimento de saúde mental, seja oficial, seja particular.

BASE XXIII

1. O internamento pode ser em regime aberto ou fechado, consoante sejam ou não reconhecidas ao internado as garantias normais dos admitidos em hospitais comuns, em especial o direito de saída.

2. O tratamento domiciliário pode ser igualmente em regime aberto ou em regime fechado, aplicando-se a este último, na medida do possível, as normas que regem o internamento em regime fechado em estabelecimento particular.

BASE XXIV

1. A admissão em regime aberto poderá ser pedida pelo próprio doente, seu representante legal ou ainda por qualquer pessoa ou entidade a quem incumbam os encargos com esta admissão, ou por eles se responsabilize, ainda que temporariamente.

2. A admissão em regime fechado só poderá ser pedida pelo próprio doente, pelo seu representante legal, por qualquer pessoa com legitimidade cara requerer n sua interdição pelas autoridades administrativas e policiais, no caso de admissão de urgência, ou pelo Ministério Público.

3. O Ministério Público poderá requerer a admissão em regime fechado apenas em algum dos seguintes casos:

a) Falta ou desconhecimento da existência ou paradeiro de qualquer pessoa prevista no número anterior;

6) Resultar a não actuação das pessoas previstas no número anterior manifestamente de negligência ou má vontade;

c) Ser o doente mental tratado com negligência ou crueldade;

d) Ocorrerem razões graves de ordem, tranquilidade, segurança ou moralidade pública.

4. O tribunal pode determinar de ofício a admissão em regime fechado nos casos expressamente previstos na lei; mas para exame da integridade mental do arguido em processo-crime só quando seja legal a prisão preventiva.

BASE XXV

1. O pedido de admissão para internamento em regime fechado deverá ser dirigido ao centro de saúde mental do domicilio do internando, ou, na sua falta, da residência, excepto quando razões ponderosas, devidamente comprovadas, justifiquem ser outro o centro escolhido.

2. Quando o pedido diga respeito a estabelecimento oficial, o centro autorizará o internamento quando o entender justificado; quando o pedido diga respeito a estabelecimento particular, o centro dará o seu parecer, e, se este for favorável, remeterá o processo ao tribunal de comarca a fim de este conceder a necessária autorização.

3. O pedido de admissão para internamento em regime aberto poderá ser dirigido ao director do próprio estabelecimento hospitalar onde o internamento se pretende, devendo ser então aprovado pelo centro de saúde mental, ou a este centro, aplicando-se então o n.º l e a primeira parte do n.º 2 deste artigo.

4. O pedido de admissão para internamento em regime aberto em estabelecimentos particulares correrá os seus termos no próprio estabelecimento, sendo posteriormente o respectivo processo visado pelo centro de saúde mental.

BASE XXVI

1. A justificação para admissão em regime aberto será feita pelo médico do dispensário ou do estabelecimento em que deva fazer-se a hospitalização.

2. A justificação para admissão em regime fechado será feita por atestados, válidos por vinte dias, passados por dois médicos, sempre que possível psiquiatras, não parentes ou afins do doente, nem dependentes do estabelecimento onde haja de ser hospitalizado.

3. Os atestados previstos no número anterior conterão descrição dos exames feitos ao doente e conclusões daí tiradas, e devem certificar não só a doença ou anomalia mental, mas também a necessidade de imposição do regime fechado, pelo carácter perigoso ou anti-social do internando, ou pela sua actual ou eventual oposição injustificada a um internamento que se apresente como meio presumivelmente eficaz de debelar um estado anormal de espírito grave e prejudicial ao doente, actualmente ou na sua provável evolução.

BASE XXVII

1. À passagem do regime aberto para o regime fechado aplicam-se as formalidades previstas na lei para a admissão em regime fechado.

2. À. passagem do regime fechado para o regime aberto aplicam-se as normas referentes à alta dos internados.

BASE XXVIII

1. Em caso de admissão de urgência, reconhecida pelo director do estabelecimento, a justificação de hospitalização deverá ser feita no prazo máximo de oito dias, a contar da admissão, prorrogável por igual período se o director do estabelecimento reputar a alta perigosa para o próprio doente ou para a ordem, segurança e tranquilidade públicas. Mas, passada essa prorrogação, a situação do doente terá de estar regularizada nos termos gerais estabelecidos.

2. Para requerer a admissão de urgência em regime fechado tem legitimidade, além das pessoas e

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entidades referidas na base XVII, qualquer autoridade administrativa ou policial.

3. A passagem do regime aberto a fechado também pode ser requerida como urgente, sendo então competente para tal também o director do estabelecimento onde o doente está internado.

BASE XXIX

1. A autorização para tratamento domiciliário em regime fechado poderá ser pedida, nos termos da base XXV, n.º 2, ao tribunal, através do centro de saúde mental, por qualquer das entidades referidas no n.º 2 da base XXIV, com excepção do Ministério Público; e não pode ser requerida como urgente.

2. O requerente assume a posição de responsável pelo doente e seu tratamento.

3. Esta posição caduca com a morte ou interdição do requerente, com a nomeação de representante legal ao doente ou com o seu internamento; e pode ser levantada, ocorrendo razões ponderosas, pelo tribunal que a instituiu.

BASE XXX

1. Os valores que, no momento do internamento, se encontrem na detenção imediata do internado, serão conservados em depósito pela direcção do respectivo estabelecimento.

2. A direcção só poderá entregá-los á pessoa que invoque direito a eles, não sendo o internado quando obtiver alta, por determinação do curador de doentes mentais.

3. Quando se trate de bens perecíveis ou que pela sua natureza não possam ser guardados no estabelecimento em que o demente se encontra internado, os órgãos de assistência psiquiátrica procurarão entregá-los a pessoa com direito a recebê-los ou dever de os guardar; não o conseguindo, poderão, a seu critério, depositá-los em lugar idóneo, à custa do proprietário ou mesmo, em caso de absoluta necessidade, dispor deles, consignando em depósito o que por eles porventura hajam recebido.

BASE XXXI

1. A sujeição compulsiva a quaisquer medidas de tratamento psiquiátrico não previstas nas bases anteriores só pode ser determinada com os mesmos fundamentos e, na medida do possível, com o mesmo condicionalismo que legitima o internamento em regime fechado.

2. A sujeição compulsiva a consulta para observação só pode ser determinada se houver fortes indícios de que tais fundamentos se verificam.

3. E competente para determinar sujeição compulsiva a consulta para observação qualquer director de estabelecimento ou serviço oficial de saúde mental.

BASE XXXII

1. A transferência de um doente internado de um para outro estabelecimento só pode fazer-se por determinação ou mediante autorização do centro de saúde mental, do delegado de zona ou do director do Instituto de Saúde Mental, consoante os estabelecimentos entre os quais se opera a transferência dependam ou não do mesmo centro ou zona.

2. Exceptua-se a transferência entre estabelecimentos particulares de internados em regime aberto, a qual só carece de ser comunicada ao centro ou centros de que os mesmos estabelecimentos dependem.

3. A transferência de internados em regime fechado entre estabelecimentos particulares, ou de oficial para particular, carece de autorização judicial.

BASE XXXIII

1. A alta dos internados num estabelecimento será dada pelo respectivo director, por sua determinação ou por ordem judicial ou hierárquica, sendo imediatamente comunicada ao centro de saúde mental, e, no caso de internamento em regime fechado, por este centro ao tribunal que o autorizou.

2. A alta de certo internado pode ser pedida ao director do estabelecimento por quem justifique interesse e fundamente o pedido.

3. A alta de certo internado em regime aberto pedida pelo próprio ou seu representante legal só pode ser recusada havendo motivo para requerer a passagem urgente para regime fechado, e requerendo-se tal nos cinco dias seguintes à recusa.

4. A alta nunca pode em caso algum ser recusada com o fundamento de falta de pagamento de qualquer quantia ou prestação.

BASE XXXIV

1. Da recusa em conceder a alta cabe recurso judicial ou reclamação hierárquica.

2. Se a recusa for confirmada, não se admitirá recurso ou reclamação de nova recusa de alta antes de decorridos três meses sobre a confirmação.

BASE XXXV

Se o director do estabelecimento a quem for ordenada a alta a reputar perigosa para o próprio hospitalizado ou para a ordem, tranquilidade, segurança ou moralidade pública, assim o representará ao autor da ordem e comunicará imediatamente o facto às autoridades policiais, podendo nesse caso reter o hospitalizado pelo prazo máximo de oito dias improrrogáveis.

BASE XXXIV

1. Os directores de estabelecimentos oficiais que admitirem ou mantiverem um internamento contra os termos estabelecidos nesta lei, violando o direito de liberdade do internado ou as garantias de que a lei o cerca, incorrerão nas penas do artigo 291.º do Código Penal.

2. Os directores de estabelecimentos particulares e responsáveis por tratamento domiciliário que procederem nos termos do número anterior incorrerão nas penas do artigo 330.º do Código Penal.

3. Todo o funcionário dos estabelecimentos e serviços de saúde mental que sujeite compulsivamente alguma pessoa a tratamento psiquiátrico, fora dos casos em que a lei o permite, incorre nas penas do artigo 299.º do Código Penal.

4. Nenhuma destas disposições impede a aplicação de pena mais grave, se os actos praticados caírem sob a alçada de lei que a imponha.

BASE XXXVII

1. O internado em regime fechado que, sem alta nem licença, se ausente do estabelecimento em que se encontra, pode ser compelido a regressar a ele.

2. Igual disposição se aplica ao doente sob tratamento domiciliário em regime fechado.

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BASE XXXVIII

1. A liberdade do internado só pode sor na medida em que o justifiquem o seu tratamento, o bom funcionamento dos serviços ou a ordem e segurança públicas.

2. Este princípio é aplicável ao contacto do internado com o exterior, sendo proibido o regime que em absoluto o tolha.

3. Toda a pessoa ou entidade injustificadamente afectada, nas suas relações com o internado, por qualquer restrição imposta, pode dela recorrer ou reclamar hierarquicamente.

BASE XXXIX

1. Qualquer pessoa ou entidade poderá requerer no tribunal, de comarca que conheça de abusos que se suspeitem em alguma admissão, internamento ou sujeição a qualquer tipo de tratamento psiquiátrico e providencie no sentido da sua cessação. Poderá também dirigir-se às autoridades competentes no Ministério da Saúde e Assistência.

2. Incumbe especialmente ao Ministério Público zelar pela salvaguarda da liberdade individual em todos os casos referentes a pessoas tratadas como feridas de doença ou anomalia mental.

3. Os agentes do Ministério Público devem designadamente intervir sempre que suspeitem de que indevidamente se mantém o internamento ou isolamento de qualquer doente, ou que este é tratado com negligencia ou crueldade.

BASE XL

1. O internado tem o direito a escolher advogado que vele pela legalidade do regime que lhe é aplicado, ou a pedir a nomeação de um à Ordem dos Advogados.

2. Pode pedir também tal nomeação á Ordem dos Advogados o representante legal, cônjuge ou qualquer parente sucessível do internado ou custodiado.

3. O advogado constituído goza, para os efeitos da presente lei, de todos os poderes do representante legal.

BASE XLX

Aquele que de outra pessoa requerer u internamento ou tratamento domiciliário em regime fechado; quando se venha a verificar que o requerido manifestamente se não achava em estado de saúde mental que o justificasse, pagará uma indemnização de perdas e danos, incluindo danos morais, ao requerido, se agiu com negligência grave ou com dolo; neste último caso é passível ainda das penas do artigo 242.º do Código Penal.
BASE XLII

1. Os processos e recursos hierárquicos e contenciosos previstos nesta lei são isentos do custas, mas os requerentes podem ser condenados em multa e indemnização se procederem, de má fé ou com negligência grave.

2. Os processos judiciais previstos nesta lei regem-se, em tudo que for omisso, pelas normas que regulam o processo civil de jurisdição voluntária.

Palácio de S. Bento, 29 de Novembro de 1962.

António dos Reis Rodrigues.
António da Silva Rego.
Domingos Cândido Braga da Cruz.
João de Castro Mendes.
José Alberto da Veiga Leite Pinto Coelho.
José Augusto Vaz Pinto.
José Damasceno Campos.
José Gabriel Pinto Coelho.
Adelino da Palma, Carlos.
Mário dos Santos Guerra.
Hildebrando Pinto de Oliveira.
Joaquim Trigo de Negreiros.
António Jorge Martins da Mota Veiga.
Fernando Baeta Bissaia Barreto Rosa, relator.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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