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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 66

ANO DE 1963 9 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 66, EM 8 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs:
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMARIO: - O Sr. Presidenta declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta ao expediente.

O Sr. Deputado Bento Levy ocupou-se dos problemas o principais aspirações do arquipélago de Cabo Verde.
O Sr. Deputado Alexandre Lobato apreciou a intervenção feita no dia 12 de Dezembro pelo Sr. Deputado Lopes Roseira.

O Sr. Deputado António Santos da Cunha expôs a situação angustiosa da lavoura ao Minho o os problemas com ela relacionados.

Ordem do dia. - Começou o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Barata relativamente ao aproveitamento das potencialidades económicas do rio Mondego.

Usaram da palavra os Srs. Deputados Santos Bessa e Pinto Carneiro.

O Sr. Presidente encerrou a sessão ás 19 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se a chamada. Eram 16 liaras e 5 minutos.

Procedeu-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Beis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Burity da Silva.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.

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Francisco Lopes Vasques.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramirez.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Banos.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 84 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Eram 16 horas a 15 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Do Sindicato Nacional dos Motoristas do Distrito de Santarém a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Calheiros Lopes sobre a industrialização daquele distrito.

Do Sindicato Nacional dos Empregados de Escritório e Caixeiros do Distrito de Santarém no mesmo sentido.

Telegrama

Do governador civil de Coimbra a saudar, em nome do distrito, o Sr. Presidente por motivo do início do debate sobre o aviso prévio acerca do aproveitamento do rio Mondego.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Bento Levy.

O Sr. Bento Levy: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: no primeiro período legislativo, ao iniciar a minha actividade parlamentar, apresentei-me a VV. Ex.ªs como caloiro. No segundo ano dessa actividade não posso dizer, em linguagem académica, o que sou, mas isso não me impede de solicitar e esperar a benevolência de VV. Ex.ªs para as minhas descoloridas intervenções. (Não apoiados).

Sr. Presidente: de regresso das minhas ilhas, antes de mais, não quero deixar de apresentar a V. Ex.ªs e aos Srs. Deputados os meus - se mo permitem - amigos cumprimentos e manifestai: a VV. Ex.ªs a minha satisfação por me encontrar de novo nesta Casa, donde levei gratas recordações do magnifico convívio gerado na fase inicial desta legislatura.

Faço-o com tanto mais prazer quanto é certo que tinha vindo para aqui enganado. Enganado por informação colhida numa deformada, capciosa e injusta crítica lida, já lá vão alguns anos, aos trabalhos decorrentes nesta Assembleia. Afirmava-se que alguns Deputados haviam orado, proferindo os restantes o sacramental ámen. Ainda jovem, sem experiência, ficou-me no espírito a falsa ideia resultante dessa verrina, lançada com um humorismo de mau gosto e de certo em momento de ... muito mau humor ...

A que extremos pode conduzir a paixão política!

Com efeito, pelo meu testemunho, só quem não viu ou não se interessou pelo trabalho intenso aqui desenvolvido poderá continuar a laborar em tão grave como injusto erro.

Mca culpa, Sr. Presidente? Se a culpa foi minha, aqui me penitencio, prestando a V. Ex.ª e à Câmara os minhas homenagens, para lhes dizer quanto me honra encontrar-me entre aqueles que constituem tão elevado, quão nobre e independente órgão da soberania do País, no seio do qual vi discutir com liberdade, correcção, aprumo e dignidade inexcedíveis problemas graves da vida nacional, para fazer prevalecer a verdade da nossa consciência - «a nossa verdade», como V. Ex.ª muito bem acentuou - sem tibieza vergonhosas e sem pressões que não dignificam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por certo desejariam esses críticos que as nossas divergências se resolvessem com a transformação desta sala em ringue de luta livre e a utilização destas cadeiras para convencer os mais teimosos ... Por mim, confesso que em tal ambiente só me restaria uma atitude: sair por uma destas portas e recolher-me às minhas ilhas ... ditas desafortunadas.

Mas nem só esse factor inibitório teria influído na minha formação pré-parlamenta1.

Eu conto, porque vale a pena - quanto mais não seja para edificação daqueles cuja receptividade possa ficar sujeita a tão nefastas influências.

Há já alguns anos que não vinha a Lisboa no Inverno, de modo que muitos eram os meus velhos amigos e conhecidos que não via há mais de 25 anos. Nos encontros ocorridos, por entre a efusão própria de uma camaradagem que nem o tempo nem a distância dissiparam, lá vinha a pergunta da praxe: «Então e o que fazes em Lisboa?».

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A principio respondia, com mal disfarçado orgulho, que era Deputado e que vinha participar nos trabalhos desta Assembleia. Alguns olhavam para mim de soslaio, com ar desconfiado, como se eu fosse um polícia à paisana. E se outros me felicitavam pela posição alcançada, não faltou quem me atirasse com esta: «Deputado? Mas para quê?». Isto para me persuadir de que toda a minha actividade era inútil. Ninguém me ouviria!

Ora a realidade é muito outra, e só por maldade ela pode ser deturpada a tal ponto.

De facto, não sou homem para desistir, e tinha, acima de tudo, um mandato a cumprir. Resolvi, pois, cumpri-lo, e fiz, dentro das minhas limitações - repito: das minhas limitações -, o que me foi possível pelas gentes de quem recebi esse mandato - o mais honroso que até agora me foi confiado. E em boa hora o fiz, porque tenho neste momento a oportunidade de convencer os cépticos e de afirmar que não estou arrependido do esforço despendido - antes, só tenho razões para me congratular.

Na verdade, Sr. Presidente, estou hoje aqui rendido e agradecido. E para agradecer ao Governo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é para registar com o mais vivo apreço e profundamente reconhecido, em meu nome próprio e no das populações que represento, a satisfação de algumas aspirações aqui expostas e o bom encaminhamento em que outras se encontram já.

O navio Santo Antão navega nas águas de Cabo Verde desde Julho último, com grande aprazimento da minha gente. Só se espera que a sua exploração se faça em condições de servir as ilhas. Estou certo que isso não deixará de suceder logo que as naturais hesitações iniciais se solucionem e em termos que permitam a conjugação dos interesses de todas as ilhas, sem pressas e sem atropelos. É indispensável adaptar-se o navio à província, e não a província aos caprichos ou comodidade de cada um.

A companhia que explora as pozolanas da ilha de Santo Antão tem novos estatutos, nos quais se prevê a entrada do Estado como accionista, com 500 acções, aliás já subscritas - segundo me consta -, o que envolve uma actuação ainda mais pertinaz do Governo na protecção do produto. Assim ficará melhor assegurado o cumprimento dos despachos que a propósito citei na intervenção feita no primeiro período. A pozolana será um produto pobre, mas representa alguma coisa na economia também pobre de Cabo Verde.

Vejo com certo entusiasmo, não sem alguma preocupação ainda, que se formou uma sociedade com sede em S. Vicente, tendo por objecto toda e qualquer actividade industrial relativa a ou relacionada com hidrocarbonetos sólidos, líquidos ou gasosos, o que me foz supor que se vai caminhando para a instalação de uma refinaria naquela ilha. Sei, porém - e aqui estão as causas da minha preocupação -, que a coisa é difícil e que grandes peias se têm levantado e outras se levantarão por certo.

Aliás, dizia-me «há dias alguém, em tom displicente: «Mas. porque se há-de instalar uma refinaria em S. Vivente?»

Ora, valha-nos Deus! Pergunta a minha ingenuidade: mas porque se não há-de instalar uma refinaria em S. Vicente?

Vozes - Muito bem!

O Orador: - Numa terra de tão depauperada economia, porque se há-de entravar toda a tentativa para a fazer sair do ponto morto em que caiu? Se há quem queira instalar a refinaria, porque impedi-lo de o fazer, desde que não se trata de uma aventura?

Deixo as perguntas em suspenso e responda quem for capaz.

Apenas acrescentarei que não fizemos o cais acostável para «inglês ver». Antes - suponho - temos de tirar partido de tanto dinheiro gasto e da magnífica posição do Porto Grande, que durante tantos anos desprezámos em benefício de outros que bastos proveitos tiraram da nossa inércia. Daqui a pouco instalam-se refinarias em Dacar ou nas Canárias e nós teremos de transformar o cais em objecto de arte ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Finalmente, Sr. Presidente: nem eu fui a Angola ou a Moçambique, nem V. Ex.ª ou os Srs. Deputados foram a Cabo Verde. E certo. Não tive, assim, a honra e o grande prazer de receber VV. Ex.ª Mas a ideia de os responsáveis visitarem as províncias ultramarinas não caiu em cesto roto, ou antes, não foi só minha. O Ministro do Ultramar cessante, Sr. Prof. Doutor Adriano Moreira, acompanhado de altas personalidades ligadas à nossa administração ultramarina, esteve no arquipélago durante 28 dias e percorreu, com a sua comitiva, todos as ilhas, sem esquecer mesmo a desabitada Santa Luzia.

Claro que, em face deste balanço do realizações, a que se liga ainda o alargamento da pista do Sal para jactos, já em preparativos de execução, não vou dizer: «Que grande sucesso!» De modo nenhum!

Não me cabem, na verdade, as honras de tão úteis medidas tomadas, mas ao ilustre Prof. Adriano Moreira, a quem dirijo deste lugar as mais efusivas saudações do povo de Cabo Verde, reiterando ao que foi um dos mais dinâmicos Ministros do Ultramar os protestos da nossa maior consideração e do mais elevado respeito e apreço pelas suas extraordinárias qualidades de trabalho, a que se aliam uma lúcida inteligência e uma sólida cultura, alicerçada em profundo e directo conhecimento das terras e das gentes do nosso ultramar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estavam, sem dúvida, na linha de orientação administrativa do distinto professor tais medidas, e caber-lhe-iam todas as homenagens ainda que assim não fosse. Não importa, de resto, discutir se as intervenções do Deputado influíram ou não nas decisões tomados. O que importa - sim - é registá-las,- para agradecer. O Deputado, esse dirá aos detractores do que se passa nesta Cosa que, se tivesse o talento do eminente professor, era caso para concluir, em face das coincidências, que «les beaux esprits se rencontrent» ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Seja como for, Sr. Presidente, Cabo Verde orgulha-se pelo interesse que, mesmo pobre como é, mereceu do Prof. Adriano Moreira, além do mais que fica dito, pela viagem que fez às suas ilhas, que visitou uma a uma e de lês a lês.

E não foi tarefa cómoda, nem fácil. Eu tive a prerrogativa de acompanhar S. Ex.ª e sei quão dura e fatigante foi a longa caminhada por montes e vales, a pé, a cavalo, de jeep, de avião, de borco, por mares encapelados e ate às cavalitas sobre homens ...

E verdade, Sr. Presidente - até às cavalitas sobre homens!!!

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E sabem VV. Ex.ªs porquê? Porque na ilha do Fogo - como eu disse aqui o ano passado - se desembarca ainda num primitivismo que choca, em plena era atómica e numa época em que se procura alcançar a própria Lua! Eu senti o perigo na minha pele e tive medo! Mas senti-me, sobretudo, envergonhado, Sr. Presidente! Nós éramos todos portugueses. Estávamos em terra nossa.

Mas eu era assim uma espécie de dono da casa e ninguém pode imaginar quanto me feriu, quanto me doeu, aquela manobra de varar o barco na areia e ver-me antes transportado - eu, o meu bote e os meus companheiros, entre os quais o Sr. Eng.º Carlos Abecasis - às costas de um punhado de homens que se tinham enfiado pelo mar dentro para, depois da sétima onda, segurar a embarcação! Positivamente, temos de acabar com aquela vergonha!

O cais do Fogo, tão ansiosamente esperado, desde há quinhentos anos, pela laboriosa população da ilha, tem de ser uma realidade. Se o não for, manteremos um estado de coisas que desdoura a própria dignidade da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ainda neste deambular pelas ilhas impôs-se á minha consciência voltar a falar também do cais da Praia. À ponte está em estado deplorável. O assoreamento é um facto consumado. Se não acudirmos a tempo a vergonha do Fogo vai repetir-se dentro em pouco na Praia. Será mais um desembarque às cavalitas, o que, aliás, tem sucedido mais de uma vez já. Os redactores do jornal que dirijo - O Arquipélago - informam que ainda há dias se desembarcou do Manuel Alfredo tal como fez Diogo Gomes ...

E ali, Sr. Presidente, é a capital da província, na ilha celeiro do arquipélago!

Já vi o projecto do novo cais a construir. Falta deitar mãos à obra e era agora o momento propício para o fazer. Concluídos os cais do Porto Grande, em S. Vicente, e do Porto Novo, em Santo Antão, seria mais económico aproveitarmos para a Praia a dispendiosíssima maquinaria e utensilagem empregadas para aqueles portos e que ainda se encontram na província, em vez de as deixarmos sair paru depois a transportarmos de novo para Cabo Verde.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Deixo a ponderação do Governo o aproveitamento desta oportunidade que não me parece de desprezar, permitindo-me lembrar que, de resto, a necessidade das obras é urgente. O porto da Praia é o escoadouro da produção da ilha de Santiago e, além de não oferecer nenhuma segurança aos que chegam ou partem, o seu estado actual não anima a agricultura para exportação nem permite qualquer tentativa de industrialização na ilha. Queixam-se os armadores; queixa-se o comércio, queixa-se a população, queixam-se todos, e todos têm razão.

Ao fim e ao cabo, Sr. Presidente, as obras de fomento em Cabo Verde trazem benefícios para toda a Nação, ainda que os descrentes não queiram acreditar.

«Plantando dá» - dizem os nossos irmãos brasileiros. Nós estivemos desde cerca de 1890 a 1942-1948 praticamente parados em Cabo Verde. Como havíamos de colher?

Ora, em vez do desânimo e da descrença; em vez de acudirmos a famintos, quando se impõe, temos de nos capacitar que Cabo Verde, é a chave da nossa permanência em África.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Temos de criar ali condições de vida, se quisermos tirar proveito de uma posição que é nossa e de que não abdicaremos.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Orador: - Plantando da! Nilo é exacto que tem sido em vão o nosso esforço em. Cabo Verde.

Veja-se, por exemplo,- que promissora esperança é já o cais acostável do Porto Grande de S. Vicente. Há uma companhia interessada em instalar uma refinaria na ilha. Duas companhias com grandes capitais - 250 000 contos cada uma - pretendem explorar em larga escala a indústria de pesca, para o que os mares dás ilhas lhes oferecem óptimas condições.

Se não tivéssemos construído o cais, isso seria possível?

250 000 contos, Sr. Presidente, a empregar por cada uma das empresas, representam, por junto, quase dez anos do orçamento ordinário de Cabo Verde!

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não valeu a pena? O cais não será uma obra reprodutiva?

Se o não soubermos explorar evidentemente que não será ...

Em parêntese e a propósito da pesca, apenas me ocorre uma pergunta - talvez despropositada: porquê juntarem-se as duas empresas numa mesma ilha, onde acabarão em disputa, em vez de se instalar cada uma em sua ilha? Elas são dez ... e há tanta mão-de-obra disponível ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não ficam, todavia, por aqui os aspectos positivos da nossa digressão pelas ilhas. Além do cais acostável do Porto Novo, em Santo Antão, e de uma esplêndida pista de aterragem na Boa Vista, há que referir mais em especial as grandes obras de estradas em curso no arquipélago. São obras com carácter definitivo, estruturadas em planos previamente estudados e que, apesar de muito discutidas e de muita tinta terem feito verter por parte de leigos, mereceram o apoio e aprovação de técnicos de reconhecido mérito.

Acontece, porém, que nenhuma delas está concluída, o que é motivo para sérias apreensões dos meus conterrâneos.

Explico porquê: choveu este ano em Cabo Verde, não tanto como seria para desejar, sendo certo até que as notícias que me chegam do Maio e de S.º Nicolau, por exemplo, suo muito pouco animadoras. Em todo o caso, choveu nalgumas ilhas, e é isso que me preocupa.

Dirão VV. Ex.ªs: mas então choveu em Cabo Verde e você esta preocupado? Isso é um desconchavo ...

Parece ... respondo eu. E que tenho as minhas razões.

Dizem os versos de uma morna - a morna é uma canção típica de Cabo Verde - que nas ilhas, se não chove, morre-se de sede; se chove, morre-se afogado.-

Ora não queria que esta dolorosa alternativa de chover ou não chover se verificasse também na Administração, embora sob um prisma diferente, mas com os factores comuns do desânimo, da descrença e da frustração.

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E que em tempos que já lá vão, felizmente, nesse sector as coisas não ofereciam melhor esperança que a revelada na amargura dos versos fatalistas e dramáticos.

Se não chovia, abriam-se alguns trabalhos, mas com o ato quase exclusivo de não deixar morrer de fome as populações. Se chovia, suspendiam-se os trabalhos e o pouco que se realizara acabava em pura perda. Esqueciam-se os maus bocados, como se eles não fossem uma constante ameaça a pesar sobre aquele povo infeliz ou como se o progresso - em si mesmo - fosse letra morta para as ilhas.

Desta maneira de agir resultava que as secas constituíam uma calamidade de desastrosas consequências. Os resultados chegaram a ser catastróficos. Além das vidas ceifadas, ainda tínhamos de lamentar as astronómicas cifras despendidas. Trabalhos abertos à pressa, para dar de comer a trabalhadores depauperados - mais mortos do que vivos -, só serviam de paliativo, sem resolverem nada de essencial e que seria, a par da salvação de vidas - que se não salvavam todas-, a utilidade das obras.

Daí uma fama de preguiçosos para os subalimentados ou esfomeados cabo-verdianos, que - diga-se de passagem - são magníficos trabalhadores fora da sua terra, nunca esquecendo no estrangeiro a sua pátria de origem, que procuram dignificar com apreciável dedicação e aprumo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como se esse tão injusto labéu não chegasse, ainda tínhamos de contar com a completa descrença na reprodutividade de obras que se não concluíram e que, por isso mesmo, não atingiram a sua finalidade.

Chegámos, assim, ao ponto a que eu queria chegar.

Consta-me, com efeito - as notícias são alarmantes - que alguns lanços de estradas já encetados foram abandonados ou estão para o ser, como seja a estrada de penetração de Santo An tão, que representa um esforço gigantesco da engenharia nacional e cujos trabalhos estariam parados. Além desta, temos ainda de pensar noutras começadas pelo meio, noutras ilhas, especialmente em Santiago e no Fogo, para acudir aos centros populacionais mais necessitados e que não podemos deixar perder.

E o que me aflige.

Tenho de reconhecer que a partir do esforço notável a que algures chamei a «arrancada do comandante João de Figueiredo», em 1947-1948, até ao último governador, muito tem progredido a província.

Há que reconhecer, para evitar lamentáveis confusões, que não foram os chamados eventos da história» que nos impeliram para Cabo Verde, pois muito antes de eles começarem a soprar já nós havíamos iniciado ali uma obra de fomento de apreciável envergadura.

Há que reconhecer, também em abono da verdade e da justiça, que os tempos efectivamente mudaram e que, graças ao governador tenente-coronel Silvino Silvério Marques, com direito a todos os encómios e á gratidão do País, Cabo Verde não perdeu um único homem por fome em três anos consecutivos de seca, o que bastante deve ter prejudicado os desígnios de alguns mercenários da A. N. U., que nem mesmo assim deixaram de nos atacar, mas com uma tibieza e uma tal frouxidão que não convenceram nem os seus próprios apaniguados.

Em presença de todos estes postulados quero convencer-me de que as notícias que me chegam não têm fundamento ou que se trata de um trop de zèlo ... demasiadamente preventivo.

Em todo o caso, eu sou um mandatário e, na dúvida, faço eco das preocupações da minha gente.

Receamos, na verdade, voltar aos velhos tempos. Que paralisemos as obras. Que caiamos numa euforia fictícia. Que esqueçamos a ameaça das crises, para depois atamancarmos tudo a pressa, para salvar vidas,- do mesmo passo que continuaremos a apodar os cabo-verdianos de preguiçosos e madraços e a não acreditar nas possibilidades das ilhas.

Sr. Presidente: Cabo Verde é, no dizer do Prof. Jorge Dias, o exemplo mais perfeito da nossa capacidade colonizadora, que, infelizmente, nem sempre temos sabido valorizar. Se nos orgulhamos do Brasil - prossegue o referido professor - com a mesma razão nos devemos orgulhar de Cabo Verde.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador:-Pois valorizemos Cabo Verde! Ou melhor dizendo, continuemos a valorizar Cabo Verde! Plantando da!

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Orador: - Encontra-se à frente dos destinos do ultramar um grande português que Cabo Verde considera cidadão das suas ilhas. Tive o privilégio e o grande prazer de trabalhar com o Sr. Comandante Peixoto Correia, quando governou a província, donde saiu com indizível, mas bem patente, mágoa da população, que tanto o estimava e estima. Chamado para governar a Guiné, onde o seu tacto político se mostrou mais necessário do que em Cabo Verde, o comandante Peixoto Correia bem deve ter sentido quanta amizade deixou em cada habitante do arquipélago. Conheço o equilíbrio, o bom senso, a invulgar noção do dever e as excelentes qualidades de carácter e de inteligência que exornam o homem que, por seus méritos próprios, ascendeu ao mais alto posto da nossa administração ultramarina e em quem Cabo Verde plenamente confia, por muitas e justificadas razões.

Aqui lhe deixo postas as minhas apreensões e as do povo que represento, bem como algumas das nossas aspirações.

Fico na certeza de que as deponho nas mãos firmes de um timoneiro que bem conhece as rotas a desbravar e por entre as quais encontrará um Cabo Verde que é seu pelo coração e por esta Pátria a que nos orgulhamos de pertencer e que temos de engrandecer qualquer que seja a latitude em que se tenha firmado.

Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

Q Sr. Alexandre Lobato: - Sr. Presidente: em 12 de Dezembro pronunciou nesta Câmara um discurso, que a muitos títulos merece reparo, o Sr. Deputado Lopes Roseira, representante ilustre dos povos do círculo de Angola nesta Assembleia Nacional. E merece um modesto reparo moçambicano, precisamente por vir de Angola, pois a Câmara estará decerto recordada de que na agitada sessão de 15 de Março, e na tempestade emocional que se gerou, nenhum Deputado dos círculos do ultramar disse uma palavra, ao menos, em abono ou desabono do discurso em que outro ilustre Deputado trouxe, vive e autêntico, para o ambiente esplendoroso e requintado desta magnificente sala europeia o ciclone apavorante das florestas ciclópicas de Angola. Nenhum, excepto

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Sr. Deputado Lopes Roseira, cujo vigoroso apoiado só com irónica contradição pode considerar-se restritivo.

Lembro-me de que houve quem convidasse o presidente da Comissão do Ultramar a intervir e a resposta foi que de modo algum, porque seria muito grave que no momento em que Moçambique acompanhava com apaixonada ansiedade a tragédia de Angola se levantasse uma sua voz que, no bom desejo de suavizar a chicotada ouvida com o amaciar da linguagem ou o desenvolver mais sereno das ideias formuladas com agressividades bravias de micaias, pudesse interpretar-se como sendo Moçambique a negar a sua compreensiva solidariedade de fundo à martirizada e ensanguentada Angola.

Aliás, o tempo, cujo transcurso é precioso auxiliar da inteligência dos factos, encarregou-se, com a sabedoria que tem, porque é velho, de provar, insofismavelmente,- que, para além da violência e da veemência com que se disse, e de como se disse, foi posta à consciência nacional em 15 de Março uma problemática considerável e fundamental.

Também a Câmara não ignora que esse discurso produziu grande emoção em toda a metrópole, Angola e Moçambique, como novos estilhaços da guerra de Angola que caíssem em Lisboa, Luanda, Beira ou Loureço Marques. Muitos meses depois, quando cheguei ao Chiado da minha terra, era ainda fresca a ânsia de pormenores. Queriam saber como reagira, na superioridade do seu altíssimo espírito e como guardiã e suprema garantia do bem dos povos nacionais, esta Assembleia Nacional, que faz as leis que os regem.

E eu contei. Contei que a Assembleia, com o mais acrisolado amor pelos povos, manifestara, na orquestração eloquente das autorizadas vozes que patrioticamente ripostaram em nome do brio nacional, a sua mais convicta fé nos gloriosos destinos da Pátria e invectivara duramente o Deputado que duvidara desses destinos nos caminhos seguidos até agora. Alguém me perguntou: «E então? Vocês não disseram nada?» E eu respondi: «Não, nós não dissemos nada». Todas as caras que me rodeavam ficaram mudas a olhar-me, com seus olhos de censura incómoda, e por momentos breves e angustiosos caiu o silêncio sobre nós, pesado como o mármore negro da mesa.

Pois sobre um memorável discurso temos agora o de 12 de Dezembro. Não me é possível medir aqui a impressão que este terá causado em Moçambique. Mas de qualquer forma não aconselho ninguém a ser fiador dela, porque eu estava lá quando apareceram na imprensa local as primeiras referências ao livro do Sr. Doutor Pacheco de Amorim, que aliás- já conhecia, porque o lera antes de sair de Lisboa.

Deste modo, quando a opinião pública de Moçambique começou a alvoroçar-se e a manifestar forte propósito depreciativo a traduzir indignação unânime em tom de escândalo público, eu estava senhor da doutrina e da sua forma, e podia tentar avaliar a reacção pública a tal ideia. Foi, portanto, em pleno ambiente laboratorial que me dediquei a observar as reacções da cobaia, isto é, do público, ao estupefaciente da integração nova, medicada com o auxílio valioso e expressivo do ilustre Deputado angolano.

A Câmara não estava lá, e tenho por isso muito gosto em informá-la, mas peço a cada um dos Srs. Deputados que me escutam o favor de obter por outras vias a contraprova do que digo.

Também chegaram a Moçambique curiosas notícias telegráficas referentes à peregrinação do ilustre Deputado ?- seu conjunto, que alertaram a opinião pública mais esclarecida da província, a qual, como é seu hábito e seu direito secular, fiscaliza com zelo verdadeiramente policial todos os actos da metrópole e verbera impiedosamente os insensatos.

O Sr. Pinheiro da Silva: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Rogo a V. Ex.ª se digne pedir a palavra depois de terminar o meu discurso.

O Sr. Pinheira da Silva: -Compreendo ... V. Ex.ª está no uso de um direito que lhe assiste.

O Orador: - O meu escrúpulo, na simples reportagem que estou a fornecer a Câmara, obriga-me a acentuar o espanto com que Moçambique viu envolvido no caso o ilustre Deputado de Angola, pelo que ao povo que pensa não foi possível deixar de considerar estranha tal presença.

Estranha, porque Moçambique sabe quanto Angola tem suplicado em vão que o Governo lhe outorgue uma descentralização tão ampla que lhe permita governar sobre si a sua própria vida e intervir directa e activamente na orientação, preparação e execução das soluções requeridas pelos problemas autenticamente nacionais, o que significa que Angola quer legitimamente participar nas decisões nacionais, sem ser apenas com o mero formalismo do sete Deputados nesta Assembleia, onde aliás estão inteiramente privados de qualquer iniciativa de lei que dê satisfação suficiente a tão razoáveis, justos e coerentes desejos.

Sinto que Moçambique está inteiramente de acordo com esta problemática angolana, que é sua também, e não só deseja que se efective a participação angolense na solução dos problemas nacionais que também se repercutem em Moçambique, como deseja que todas as províncias ultramarinas tenham voz autenticamente activa nos destinos da Nação que todas formam.

Outro motivo de espanto em Moçambique diz respeito a ter-se efectuado intencionalmente na metrópole a digressão divulgadora. Moçambique não levou isso a bem, porque pensa com justa razão que qualquer grupo que surja com a intenção de apregoar ideias contrárias às das províncias deve deslocar-se às próprias províncias para localmente convencer as populações interessadas do erro em que estejam.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - E meu dever acentuar quanto Moçambique é sensível ao que ela considera movimentos tendentes a erguerem a opinião metropolitana contra a opinião ultramarina. É inegável que o ultramar considera a metrópole mal informada das realidades ultramarinas e mal preparada, portanto, para elaborar sozinha teorias governativas de âmbito nacional, que forçosamente assentam em falsas verdades.

O Sr. Aguedo de Oliveira: - A recíproca também pode ser verdadeira.

O Sr. Pinheiro da Silva: -É a única verdadeira, Sr. Dr. Aguedo de Oliveira.

O Orador: - Todavia, Moçambique não está certa se essas falsas verdades, feitas mais de lógica geométrica do que de factos reais, traduzem apenas ignorância ingénua ou não exprimem nem ignorância nem ingenuidade, nem sequer o patriotismo exaltado que é tão comum á

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retórica portuguesa, e não são mais do que reacções violentas e extremistas que tentam consolidar posições condenáveis, condenadas e vencidas, pelo velho, diabólico e conhecido processo do cavalo de Tróia. De qualquer modo, será útil que cada um dos Srs. Deputados queira fazer à Câmara o favor de estudar as formas de reacção ultramarina ao laço da integração nova, para esclarecimento perfeito da consciência nacional desta Assembleia.

Todavia não há dúvida de que ao ilustre Deputado devemos o prestante serviço de ter trazido a esta Casa Nacional a tese da Integração Nova com o convite ao diálogo comparativo em torno de todas as teses que sirvam o interesse nacional. Não podia o convite deixar de ser aceite, tanto mais que numa recente volta de contacto por Moçambique, em Outubro, tive ocasião de verificar quanto é funda a ansiedade e premente a necessidade do que chamarei a «dupla descentralização», pois se não pretende ali apenas mais autonomia na decisão e na execução, para Loureço Marques em relação a Lisboa, mas também para qualquer distrito provincial em relação à esmagadora concentração de poderes na capital da província, o que dá ao problema uma tessitura e feição completamente novas, mostrando- amplamente as suas verdadeiras e inegáveis origens, e pondo-o no campo realístico dos factos tão concretos que ninguém será capaz de sofismá-los, porque no mato se não sabe discutir o sexo dos anjos e ninguém ali se interessa pelas coisas inúteis.

Foi portanto excelente a dupla iniciativa, uma a de se promover a construção de um corpo de doutrina como se nos disse, outra a de o trazer a esta Casa e oferecê-lo a discussão no trabalho publicado pelo - Sr. Doutor Pacheco de Amorim.

Só é de lamentar que logo de início os dois ilustres arautos da integração nova, que é uma falsa via de integração, e que foram percorrer o Norte e o Centro da metrópole para, «com outros dedicados portugueses de boa fibra espalharem o conhecimento das suas ideias, que, dizem, são também ideias do Governo acerca do problema ultramarino, despertando a consciência pública», não tivessem ido ao ultramar na mesma missão, ou pelo menos a Moçambique, que terá muito interesse em ouvi-los, contraditá-los e responder-lhes, pelo que aqui fica o convite em nome dos superiores interesses do Portugal que a minha província também é. Podem escolher qualquer ponto, porque os aguardará em qualquer parte a mesma violentíssima reacção que encontrei claramente formulada de Loureço Marques a Mocimboa da Praia, Vila Cabral e Tete.

Nesta breve reportagem falta-me ainda um apontamento curioso que não posso omitir. É o que foca, no meio da indignação unânime contra o processo retrógrado da Integração Nova, a gargalhada que se ouviu de norte a sul de Moçambique ao saber-se que se preconiza para o ultramar o mesmo regime político-administrativo das províncias do continente, isto é, que ali haja apenas governadores civis e a província se pulverize em distritos sujeitos ao Ministério do Interior.

De facto, é incrível, a não ser que nos queiram agora meter os dedos pelos olhos e convencer-nos de que as províncias não são apenas um expediente de legisladores liberais atrapalhados.

Porque a verdade é que na autêntica tradição nacional da metrópole a unidade socioterritorial-politico-administrativa é o concelho, a judiciária é a comarca e a militar é que é a província, tendo, respectivamente, uma câmara, um corregedor e um governador das armas.

As províncias eram meras regiões militares, e foram estas formas que se levaram para a índia, onde os 1000 km2 das velhas conquistas do pequeno e originário território de Goa se dividiam em três províncias - Sàlsete, Bardes e Ilhas -, cada qual com seu general. Estas três províncias militares formavam também três concelhos administrativos, cada qual com seu Senado da Câmara. À nossa índia era politicamente um estado, isto é, uma soberania, que socialmente se designava por Estados da índia, visto estarem organizados com seus foros privativos os três braços do. Estado - clero, nobreza e povo.

Mas em Moçambique já não foi assim. Começou por haver uma simples capitania com seu capitão; houve, depois de modificações efémeras, uma capitania com capitão-geral e um tenente-general subalterno na capitania subalterna de Rios de Sena - a Zambézia -, política e economicamente mais importante que tudo o mais, e, finalmente, houve um estado com seu capitão-general e capitanias subalternas com governadores. Só há 200 anos se instituíram os primeiros concelhos.

Quando o liberalismo acabou por transformar o estado em província e designou o capitão-general por governador-geral as capitanias passaram a distritos, com governadores militares. Os distritos chegaram a ser numerados.

A evolução foi totalmente outra, de raiz, e por isso é incontestável que não tenha raízes na tradição portuguesa o regime dos governadores-gerais, porque nós negamos basicamente no ultramar que tradição portuguesa seja exclusivamente a tradição da metrópole, porque negamos que Portugal seja apenas a metrópole.

O Sr. Soares da Fonseca: - V. Ex.ª diria melhor: nós afirmamos que Portugal não é apenas a metrópole.

O Orador:-Pois Moçambique riu, e riu saborosamente, porque o riso é muitas vezes a única resposta possível e coerente, quando se falam coisas que se não sabem, invocam tradições que se não conhecem, geometrizam as vidas dos povos como quem demonstra em casa aos filhos o teorema de Pitágoras.

A sua indignação é muito grande. E não pode deixar de ser porque sente e vê que a enleiam em sofismas. Onde é que isto tudo irá parar ainda o não sabemos, mas de qualquer forma não posso deixar de pôr de sobreaviso a Câmara contra qualquer tentativa que fira u consciência portuguesa que se desenvolve e fortalece em Moçambique no sentido dê se fazer do- província uma pedra fundamental, decisiva e indispensável do bloco português no Mundo.

Considero perigosamente explosiva a ideia de esta Casa voltar por hipótese longínqua a praticar o mesmo subterfúgio que em 1822 atirou com o Brasil para a independência, auxiliado pela pressão inglesa, e que foi como se sabe o incluir-se na Constituição a autonomia dos estados do Brasil e estabelecer-se simultaneamente que alguns deles poderiam ficar, por circunstâncias especiais, subordinados directamente ao Governo de Lisboa, o que 'era equivalente a tirar com uma das mãos o que se dava com a outra.
A Nação está a reviver os anos trágicos de 1806 a 1825, quando participou nos acontecimentos que levaram a ascensão mundial da Inglaterra sobre as ruínas europeias no continente americano. Agora, assistimos & luta pela supremacia mundial dos Estados Unidos ...

O Sr. Aguedo de Oliveira: - E da Rússia!

O Orador: - ... que procuram desesperadamente pontos de apoio em África. A estratégia é a mesma, a táctica é igual, e o argumento psicológico que alicia as consciên-

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cias não pode deixar de ser o mesmo anticolonialismo do começo do século passado.

Estes ciclos, que suo revoluções autênticas com ideias iniciais que o tempo transforma de tal modo que os factos finais já correspondem a outras completamente diferentes, têm altos e baixos, sinuosidade de reajustamento e pausas que suo pequenas bonanças. E porque o homem é sempre o mesmo em pessoas diversas, só seria de estranhar que os reacções fossem diferentes e se não verificasse uma idêntica correspondência de factos.

Dedico atenção especial a interpretação dos factos e das ideias da vida nacional do século XV á actualidade, o que significa que a minha perspectivação é amplamente nacional e dominada pela acção ultramarina, que é a vida autêntica de Portugal, e portanto a verdadeira expressão de Portugal.

Penso, pois, que é do máximo interesse um amplo confronto entre os dois grandes ciclos anticolonialistas da história do mundo moderno e das nossas posições e atitudes neles. O paralelo será flagrante.

Não sendo aqui o lugar para isso, nem eu a pessoa indicada para fazê-lo, limito-me a duas observações muito breves. Uma delas, a estranha ideia, que já ouvi defendida aqui, da localização dos órgãos de soberania no ultramar como forma prática de contrabalançar as necessidades de uma descentralização ampla e instante. Outra, a salvaguarda da unidade nacional pela ficção jurídica construída, para o Brasil, com a teoria de um poder real já impotente, ultrapassado e condicionado pela Constituição que proclamava a soberania do povo, e construída agora pela Integração Nova com corolários de puro abstractismo jurídico, em que se parte do princípio de que, em virtude de ser a metrópole a matriz da Nação, os territórios do ultramar são simples prolongamentos da metrópole, onde a vida deve revestir-se das mesmas formas.

Pelo princípio que preside a identificação das coisas idênticas há-de verificar-se ponto por ponto a identidade e será absoluta a transposição. Se duas coisas são iguais a uma terceira, são todas iguais entre si, e o Minho, como o Algarve, é igual a Timor, pelo que há-de haver na Maliana um regedor como o de Lanhelas e se dançará no bazar de Bobonaro o vira do Minho:

Com esta caricatura não pretendo mais do que mostrar o vício do raciocínio e insinuar até onde pode o abuso da lógica jurídica anular a lógica da vida e tornar as coisas burlescas. Porque no ultramar negamos, e negamos a pés juntos, que os territórios ultramarinos sejam simples prolongamentos da metrópole. Isso é o mero conteúdo sentimental da nossa vida no ultramar ...

O Sr. Pinheiro da Silva: - E isso é gravíssimo! ...

O Orador: - ... o nosso mais sincero, leal e puro preito de menagem à metrópole pelo altíssimo valor, significado e sentido que ela tem para nós, como prima inter pares, mas na realidade da vida nacional ela não é mais nem pode ser mais do que, como nós, uma parte integrante da Nação, que sem ela não existe, mas também não pode existir sem nós, porque sem o ultramar pode existir Portugal reduzido á inexpressiva metrópole, mas não subsistirá a Nação Portuguesa que se idealizou fazer no Mundo depois de se perder o Brasil.

E como a História cáustica ironicamente os homens que não sabem conduzi-la!, pois foi precisamente por quererem salvar e reforçar a unidade nacional ameaçada por fortíssimas pressões externas - como agora, exactamente - que os liberais a perderam. Com o seu idealismo revolucionário, a geometria constitucional salvava tudo, porque todo o mal residia no despotismo absolutista.

Passando a soberania para a Nação ficava automaticamente garantida a felicidade dos povos portugueses com a solene afirmação das suas liberdades na Lei Fundamental do Reino.

Que mais era preciso paru haver da noite para o dia um mundo novo do que aquela mão-cheia de princípios redentores jurados pelo rei aos santos Evangelhos e proclamados em nome da Santíssima Trindade?

Que ingleses tinham retirado da índia, da Madeira e do Reino, o que salvara o patriotismo excitado. O mapa das possessões ficara intacto; o próprio Brasil se expandia na América. E poucos foram, por isso, os que se deram conta de que com as armas e as bagagens os ingleses levavam também quatro importantes tratados em que nas entrelinhas havia de ir o Brasil, em dia breve, como haviam de ir o comércio, navegação e indústria da índia Portuguesa para Bombaim, e o franqueamento das feitorias da nossa África á mesma Inglaterra.

Julgo ter dado em breve relance um sumário de como foi recebida em Moçambique a ideia da nova integração, mas quero ainda, nos minutos que me restam, focar o que eu chamo a essência do equívoco, que é ter o ilustre Deputado confundido a integração que preconiza com a que se acha expressa na Constituição.

O equívoco já mereceu à Câmara alguns elucidativos reparos, que figuram no Diário das Sessões de 12 de Dezembro, e resulta de dar-se o mesmo rótulo a duas coisas diferentes. Utiliza-se a mesma palavra integração em acepções antagónicas, pois a Constituição parte de situações reais diversas, diferentes umas das outras, para as quais visa um processamento comum de nivelamento para uma integração final de espírito colectivo e unitário. E a integração é um fim.

Mas na integração nova parte-se do princípio de que unidade é homogeneidade, que pressupõe fusão ou integração e esta só existe no fim se tiver existido no princípio do processo e se se tiver mantido nele sempre igual. A integração é simultaneamente um meio e um fim. Por isso a integração constitucional é dinâmica, psicológica, progressiva, humana, e a integração agora inventada é estática, violenta, absurda e meramente política e formal.

À integração autêntica, visada pela Constituição, é um acto psicológico íntimo e voluntário, absolutamente livre. Haja a legislação que houver, sem o imperativo da consciência não há integração possível, e o esquecimento deste primado da liberdade humana foi o gerador da negritude política.

O homem negro pode ser posto num enquadramento político, económico, social e jurídico de integração de facto, forçada, mas se ele o não tiver intimamente desejado, não estará integrado e pode tornar-se um elemento perturbador. Daí a óbvia necessidade de um estado de passagem que ele percorrerá livremente, como e quando quiser, com a liberdade de o não percorrer sequer.

A teoria da integração progressiva exige, portanto, que ela seja oferecida sem qualquer obrigatoriedade, e a melhor forma de oferecê-la é rechear a legislação de possibilidades, de factos, de oportunidades novas, que dêem outros horizontes mais humanos e futurantes à vida. E que tudo se ofereça com a liberdade de não ser aceite, para que o seja, e se manifeste em factos insofismáveis, para que haja autenticidade.

E nas formas da autenticidade que está o cerne do problema, e a autenticidade consiste em fazer dos homens do variado matiz ultramarino pessoas como outras quais-

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quer. Se, como penso, a mensagem do ideal português ao Mundo, determinante da sua acção proselítica, foi a da igualdade do género humano, a essência do problema é a dos fins a atingir, dado que as pessoas suo diferentes e se encontram em posições psíquicas, sociais e culturais diversas e heterogéneas. Situações de facto criadoras de atitudes de espírito que requerem obviamente uma variedade de meios e de formas para uma identidade de fins.

O problema da integração é, portanto, de raiz psicológica, porque se trata da integração do homem, da integração do espírito e da vida, o que necessariamente requer formas progressivas e integradoras que tenham em conta as diversidade básicas das pessoas que condicionam as diferenciações básicas da vida. Neste esquema realístico a descentralização é a única forma de se processar e atingir a integração, porque esta é essencialmente uma atitude, o querer forte da vontade quanto à maneira de ser e estar, o fim, o objectivo.

Não estamos dispostos em Moçambique a consentir na criação de condições de subversão dos espíritos, porque todos andamos ali fortemente empenhados na pacificação das almas por meio de uma melhor compreensão da dignificação humana e de um mais alto civismo com a noção exacta dos direitos, dos deveres, dos limites e das possibilidades.

Não quereríamos, a título algum, ter de aplicar este programa à metrópole, e contrabater grupos de pressão que nela surjam, provando-lhe que, afinal, somos nós quem está senhor da doutrina que serve verdadeiramente os interesses da metrópole na medida em que ela é quota-parte de Portugal, porque não é possível defender-se outra posição; aliás, qualquer outra posição não é existível no autêntico quadro nacional.

Finalmente, uma confidência que me parece importante, saneadora, e esclarecedora. Nós temos a impressão, em Moçambique, de que há uma grande corrente responsável na metrópole que, pelo rumo que levam as coisas de África, está tomada de apreensões quanto a nós.

Não se imagina quanto isso nos magoa e nos inibe, embora compreendamos, pois somos também parte do mesmo vivo sentimento que impregna o ideal e o pensamento nacionais, porque também nós, que conhecemos em nós próprios a têmpera forte e sofredora do carácter português, temos inquietações, e muitas vezes nos perguntamos até onde será capaz a metrópole de prolongar, simultaneamente por si e por nós, o seu sacrifício gigante.

Já se escreveu que Moçambique só pode ser Moçambique se for Portugal, e ninguém mais nem melhor do que os moçambicanos tem a consciência plena dessa verdade, profunda e elementar. Estaria porém a mentir se quisesse sugerir, ao menos, que todas as populações de Moçambique, tão heterogéneas como em diferentes estados de cultura, estão totalmente e igualmente consciencializadas a ponto de compreenderem de forma clara os seus interesses políticos, sociais e culturais de portuguesas.

O Sr. Sousa Meneses: - Aí, sim, aí, muito bem.

O Orador: - A esse respeito há uma tarefa imensa & nossa frente, a executar ainda, e todos os nossos problemas giram, em torno disto. A opinião consciente e responsável da província sente, vê, sabe, que a terra está a começar a fazer-se em termos, o homem começa a valorizar-se como convém e a vida principia a decorrer em padrões estáveis, nivelados e comuns a todos. Tudo o que pedimos, e procuramos demonstrar, é que as formas actuais já não têm medidas, amplitudes e processos correspondentes às necessidades actuais.

O nosso problema não é um problema político, embora possa implicar aspectos políticos. O nosso problema é o problema dos nossos modos de viver em desenvolvimento e progressos contínuos. Consideramos que a descentralização administrativa, intercalada nos circuitos de encaminhamento por onde se processa a vida provincial, satisfaz e garante o interesse nacional no sector em que estamos, e reforça a unidade nacional, porque passarão para as atribuições directas da administração da província responsabilidades importantes que respeitam particularmente aos interesses das populações locais.

Ninguém que esteja consciente pensa em Moçambique em autonomias políticas que afastem a província da metrópole. A corrente de opinião que defende uma ampla participação de Moçambique na vida nacional, por meio de intervenção na decisão dos problemas, e quer que isso se faça com audiência contínua da província, e com a sua presença na metrópole, por formas e processos convenientes, entende que a metrópole, por ser metrópole, pertence por definição ao ultramar. A metrópole é nossa, e desse facto decorrem os nossos direitos e os nossos deveres. Que isto possa servir de base ao desfazer de um equívoco que se vai radicando e me parece iquietante, equívoco que as violentas formas centralizadoras agora preconizadas com o rótulo aliciante de integração exprimem com eloquência.

«A Nação é profundamente unitária», e temos a certeza de estar na vanguarda desse espírito porque vivemos na encruzilhada dos caminhos onde podem surgir os obstáculos insuperáveis que a nossa vivência das realidades tenta evitar. E nessa vivência que fundamentamos a nossa certeza de não ser possível salvaguardar e robustecer a unidade nacional senão pelos princípios tradicionais e constitucionais, cujas formas realizadoras devem ser continuamente aperfeiçoadas de modo a conseguir-se por processos adequados a integração psicológica das pessoas para se realizar uma integração' nacional autêntica, com as populações e os territórios em igualdade de facto, para haver uma identidade de princípios nacionais, e assim uma unidade nacional.

Quero terminar dirigindo ao Sr. Deputado Lopes Roseira os meus cumprimentos pela oportunidade que me facultou, ao aceitar o seu convite, de produzir hoje e aqui estas considerações de generalidade sobre este problema tão candente e da maior amplitude nacional. E com permissão de V. Ex.ª começarei a desmontar amanhã a máquina inventada, dado que é impossível que ela funcione em termos, em virtude dos princípios errados a que obedece a errada concepção da sua estrutura.

Muito obrigado.

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Lopes Roseira: - Sr. Presidente: se V. Ex.ª me dá licença e não ofendo gravemente o Regimento, desejaria que V. Ex.ª me concedesse a palavra por uns minutos.

O Sr. Presidente: - Tenho muita pena, mas não posse conceder-lhe a palavra para estabelecer, no período de antes da ordem do dia, um debate que não é permitido
Tenho muita pena, mas V. Ex.ª em qualquer das sessões subsequentes pode pedir-me a palavra sobre determinado assunto, este mesmo, e conceder-lhe-ei. Agora não posso conceder-lha, porque no período de antes da ordem do dia não é admissível estabelecer debate.

O Sr. Lopes Roseira: - Aceito a explicação, mas certo ...

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O Sr. Presidente: - V. Ex.ª não insista, porque, como já disse, o Regimento não admite que se estabeleça o debate no período de antes da ordem do dia e custar-me-ia muito ter de lhe retirar a palavra. Mas, também, como já frisei, V. Ex.ª pode pedir a palavra sobre determinada matéria, esta mesmo, para qualquer das sessões subsequentes.

O Sr. Lopes Roseira: - Então peço a V. Ex.ª que me reserve a palavra para a sessão de amanha.

O Sr. Presidente: - Não lhe reservo a palavra. Dar-lhe-ei a palavra em qualquer das sessões subsequentes quando V. Ex.ª ma pedir para tratar de qualquer assunto, mesmo este. Tem a palavra o Sr. Deputado António Santos da Cunha.

O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: há tempos, o ilustre titular das Obras Públicas, numa das suas frutuosas peregrinações por esse país além, que nunca é demasiado louvar ...

Vozes: -Muito bem!

O Orador: -... visitou a nobre cidade de Guimarães e, na terra-berço da nacionalidade, referiu-se a uma passagem de um sermão do nosso padre António Vieira em que o egrégio jesuíta, dirigindo-se aos Ministros do reino, os adverte de que, mais do que por aquilo que de mal vierem a fazer; terão de dar contas a Deus daquilo que de bom poderiam ter feito e não fizeram.

Lembrei-me nesse momento - eu que sou dos que confiam na misericórdia de Deus mas temo, por igual, a sua justiça - que, de certeza, se Vieira fosse do nosso tempo, não deixaria de bradar aos membros das assembleias que, como esta, têm poderes de representação: tanto ou mais do que por aquilo que de mal disserdes tereis de responder perante Deus por aquilo que de bom poderíeis ter dito e não dissestes. È que a verdade tem direitos inalienáveis. O mal do nosso tempo, dizia há pouco João XXIÏÏ, é a falta de verdade nas relações sociais. A falta de sinceridade nas relações entre os homens, como nas relações entre os povos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: no ano findo chamei a atenção do Governo para a necessidade de salvar de uma falência absoluta - já tecnicamente verificada - a lavoura da minha região. Longe de se aligeirarem, as cores do quadro que pintei, elas mais se acentuaram, e não nos podemos iludir com o insignificante crescimento do rendimento agrícola que na Lei de Meios foi anotado. Trata-se de um aumento fortuito, que se deve a uma melhoria das condições climatéricas - como honestamente não se diz -, que não corresponde de verdade a qualquer melhoria efectiva verificada no mundo agrário.

A fuga dos campos é cada vez maior; ficam a ela agarrados apenas os que não podem fugir:, os velhos, os inválidos, as mulheres e as crianças. Daí resulta que, cada vez mais, vamos de encontro a uma produtividade menosendosa. No alto Minho, referia-me há pouco um zeloso pároco daquelas paragens, tudo vai para a estranja. Roídos de saudade, é certo - quem como o minhoto ama o seu x>rrão natal? -, sujeitos à vida miserável que por vezes já espera, e já aqui por mim foi largamente referida, mas a lei natural a impor-se, a necessidade de viver, a conquista de um lugar ao sol, que nos nossos campos nada deixa vislumbrar para já, nem sequei- de longe. Há terras ao abandono e outras, muitas outras, em vias disso.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Não há medidas de ordem repressiva que possam evitar este mal: só a elevação do viver dessa boa gente para um nível digno o poderá fazer.

Vozes: - Muito bem!

a Orador: - Na verdade, que providências estão tomadas ou se pensa tomar ou se anunciam que possam a sério ir de encontro a esta gravíssima situação que em pouco se tornará irremediável? Não quero, por forma alguma, longe de mim esse intuito, subestimar as medidas de ordem jurídica que, entendo, muito bem foram promulgadas no ano passado. A minha posição perante as mesmas ficou, julgo eu, claramente definida: apoio total. Continuo a acreditar nos efeitos benéficos de uma mudança na estrutura da propriedade agrícola.

Mas á lavoura, a situação dramática que se vive nos campos, não admite delongas, não pode esperar resultados que essas medidas nos hão-de trazer e que, de resto, seriam verdadeiramente insuficientes se desacompanhadas de outras. Sabemos, além do mais, que à disposição dos órgãos competentes não estão postos, nem por certo o poderão estar, os meios necessários para uma acção de larga envergadura que pudesse, na verdade, reflectir-se beneficamente no panorama geral.

Nós os lavradores, temos, pois, o direito de reclamar do Governo um conjunto de medidas imediatas que ponha fim á situação em que nos encontramos. Quando digo imediatas falo na linguagem aflita de quem chama os bombeiros com as labaredas a devorar-lhe a casa.

Fala-se muito na mudança de culturas, na mecanização, nas rotinas dos nossos lavradores, enfim, nos deficiências que se encontram na nossa exploração agrícola. Como pode, no entanto, o lavrador atirar-se para uma política de renovação, que tem por base, forçosamente, o crédito, a amortizar, se os produtos da sua terra, sua única riqueza, não chegam, nem de longe, para cobrir as despesas normais de um casal agrícola e, pelo contrário, se vê obrigado a endividar-se cada vez mais?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Falo por experiência própria e temo, Sr. Presidente - temo muito -, os sábios das abstracções teóricas que nunca tiveram ensejo de calçar uns sapatos velhos e embrenhar-se nos campos.

Vozes:-Muito bem!

O Orador: - A lavoura precisa de crédito, mas crédito barato. Não pode a lavoura suportar o juro de 4,5 por cento, como aquele que generosamente lhe é anunciado.

A crise fundamental da lavoura está no baixo preço por que são pagos ao campo pela cidade os produtos que o mesmo produz.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Fora disto, estamos no campo da poesia, poesia lúgubre, lúgubre porque cheira a finados. As redes de distribuição dos mesmos são onerosas.

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Em Braga, na minha qualidade de presidente da Camará, função que então exercia, ajudei a criar uma cooperativa que promovesse o fornecimento de leite a cidade. Levou-me a isso não só a melhoria higiénica que ao produto seria dada, e de facto se deu, mas também uma prometida melhoria de condições de compra à lavoura local. Resultado, resultado de que me penitencio, a lavoura está a vender o leite a um preço que mal chega a 50 por cento daquele a que é vendido ao consumidor.

Os lavradores queixam-se justamente do baixo preço por que lhe compram o produto. Os dirigentes da cooperativa, a quem levei a reclamação, dizem-se abandonados por determinadas entidades do Ministério da Economia, que tinham obrigação de os amparar, e que a falta de fiscalização permite a entrada de leite clandestino, o que onera, como é lógico, a distribuição, além do desrespeito pela lei a que habitua a população, o que também considero grave.

Vão agora falar aos meus amigos das aldeias - a quem escutei os desabafos e prometi trazer o caso até esta tribuna - em cooperativas e coisas no género. Há experiências que têm de ser muito cautelosas, para que não se desacredite o sistema.

Pressinto que me vão acusar de estar a fazer demagogia, mas a verdade é que as palavras que estou pronunciando não agradam ao homem da cidade, e é este, o das esquinas e das mesas de café, que desgraçadamente faz opinião.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Se na verdade este não pode pagar mais pelos produtos que o campo lhe entrega, creio que de momento não há que indemnizar a lavoura através de subsídios que possam ajudá-la a manter a sua exploração agrícola de pé.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De contrário, não tardará que o homem da cidade seja obrigado a pagar mais caro os produtos da terra, pois estes vêm forçosamente a escassear e teremos de recorrer a importação, e a fuga de divisas será enorme. Repare-se no que se está a passar já com a batata.

O Sr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Amaral Neto: - O problema para o Homem da cidade não é só o risco de lhe faltar a alimentação. É também o de lhe faltar a colocação dos seus próprios produtos, pela falta de recursos da enorme população do campo.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Técnicos, crédito e valorização dos produtos, eis as medidas de emergência que é necessário encarar muito a sério. E a propósito, porque esperamos para criar escolas, fora dos grandes centros, que formem técnicos de nível médio, que são aqueles de que a lavoura mais precisa? Apelo para o Sr. Ministro dos Finanças, para que estabeleça desde já os necessários e indispensáveis créditos, e para as juntas distritais, que bem poderiam auxiliar estes desígnios, aumentando assim a sua esfera de actividade, reduzida pelas últimas reformas do Código Administrativo.

Sr. Presidente: uma das maneiras de devolver ao agrário aquilo que o urbano lhe tem surripiado constantemente seria a concessão do abono de família aos trabalhadores rurais.

Em reunião recentemente realizada na vizinha Espanha, sabem-no bem os portugueses que ali nos representaram, fomos severamente criticados por ainda não termos concedido o abono de família aos nossos rurais. E que constituímos quase excepção na Europa.

A Corporação da Lavoura reclamou ao Governo uma série de medidas que vão de encontro às instantes necessidades do momento - fê-lo com um vigor que agradou a minha consciência de homem livre -, e entre elas a concessão do abono de família aos trabalhadores do campo.

Estou certo de que o Governo não se recusará a encarar de frente este problema de ordem social, de ordem económica e de ordem política. Não pode negar-se por mais tempo a fazê-lo. Não se diga que não temos possibilidades financeiras. Mobilizem-se para o efeito determinados fundos, em grande parte criados à custa da lavoura, e elas serão encontradas.

E evidente que a pobreza da nossa economia põe dificuldades a resolução deste e de outros problemas.
Não podemos negar que o nosso desenvolvimento, apesar de vivermos no período de plena expansão do nosso II Plano de Fomento, é de molde a criar as mais justas preocupações.

No Porto, no simpósio que benemeritamente promoveu a União Católica dos Industriais e Dirigentes do Trabalho - a que eficientemente preside o nosso distinto colega Alfredo Brito -, perante uma numerosa e qualificada assembleia, escutámos um homem de grandes responsabilidades e autoridade, o antigo Ministro e Deputado engenheiro Daniel Barbosa, afirmar que Portugal continua com a lanterna vermelha nos índices da produção e consumo.

Há, pois, que procurar a causa da nossa relativa estagnação, encontrar o motivo do marasmo em que se desenvolve penosamente a nossa economia.

Se uma actividade económica se desenvolve naturalmente, de modo a procurar satisfazer as necessidades materiais, que são o alicerce da vida humana e a preocupação constante de todos nós, se satisfaz, em toda a plenitude, as necessidades básicas da conservação da espécie e permite a satisfação de outras que o progresso material vai tornando apetecíveis a todos, então poderemos, sobre ela, firmar o estabelecimento de novos progressos sociais e políticos. Mas se, mesmo dirigida, não consegue que o progresso traga satisfação às necessidades mais prementes do povo, então não poderemos construir nenhum sistema social ou político sobre tais alicerces, e teremos de procurar determinar se o defeito está no sistema ou nos homens, dirigidos ou dirigentes. As leis e os homens que as executam servem ou não conforme servem ou não o bem dos povos.

Se a nossa economia vive, como parece confirmar-se, como a semente da parábola que cai em terreno bom, cresce, mas é abafada pelos espinhos, é necessário e urgente que esses espinhos sejam arrancados, para que se não estiole e seque a planta que nasceu da boa semente. Proceda-se a selecção devida e que conhecedores do seu ofício, conscientes da escolha, distingam o trigo do joio - que tantas vezes se veste com as mesmas roupagens daquele. E que, depois de feita a selecção é a escolha, seja possível utilizar todos os meios de que o Governo pode lançar mão para destruir as ervas daninhas, de modo a que a seara cresça e se desenvolva em toda a sua plenitude.

A recente publicação do Decreto-Lei n.º 44652, remodelando profundamente a orgânica funcional da economia nacional, alegrou-me sobremaneira, pois o seu aspecto de orientação no nosso futuro económico é de forma a

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provocar variações no nosso nível de vida, que desejaríamos se aproximasse do dos restantes países da Europa Ocidental.

O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!

O Orador: - Esperemos que os organismos que entrarão em breve em pleno trabalho o façam com a consciência de que têm nu mão a chave da sobrevivência de Portugal como nação livre e a base do desenvolvimento de todos os portugueses, orientando a nossa ascensão económica pela linha mestra, ainda há pouco definida pela Igreja na encíclica Mater et Magistra. Esperamos que a decisão que se impõe não falte nesta hora crucial em que, tanto como na frente da batalha das terras africanas, há que ganhar a batalha económica que tudo pode possibilitar ou tudo fazer perder.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Um dos pontos abordados no Decreto-Lei n.º 44 652 a que me referi, e nele bem sublinhado, é o da conservação e robustecimento da iniciativa privada e o do incentivo e apoio a dar pelo Estado ao sector económico da produção. Não estará aqui uma das causas do lento caminhar da nossa economia?

A existência da iniciativa privada no sector da produção apresenta um aspecto muito confuso na nossa legislação industrial. De tal modo é confuso e deprimente o panorama que não se consegue adivinhar até que ponto se harmoniza a confessada liberdade de iniciativa privada, expressa na lei, com as bases fundamentais da nossa Constituição Política, no que diz respeito à liberdade de trabalho.

Na Lei n.º 2005 se estabeleceram os princípios fundamentais do fomento industrial, cuja necessidade já então se previa, e se formulou ser indispensável estudar e impor a reorganização das indústrias existentes de modo a dar-lhes consistência técnica e financeira capazes de promover o seu progresso no sentido do aperfeiçoamento dos produtos fabricados e, consequentemente, o abaixamento do preço de venda desses produtos.

Não se pretende agora discutir princípios que nela se estabelecem como fundamentais, pois são passados dezassete anos de revolução industrial. Só o sentido positivo da economia do seu articulado mantém ainda hoje a sua actualidade. Verifica-se que, passados dezassete anos depois da sua aprovação, o panorama que então se divisava no horizonte da economia portuguesa, salvo alguns empreendimentos de elevada projecção, sobretudo no sector primário, continua cheio de trevas.

Sem esquecermos os benefícios económicos devidos, por exemplo, ao estabelecimento das indústrias de petróleo, celulose, amoníaco e têxtil, temos de reconhecer que o caminho percorrido é pequeno e que a reorganização industrial prevista naquela lei não se processou de modo harmónico, de molde a melhorar, sensivelmente, o nível de vida nacional ao ritmo dos outros países. Não se negam esforços árduos e constantes, mas temos de verificar que não se encontra a larga correspondência que seria de admitir para os mesmos.

Na Lei n.º 2052 prevê-se ser a iniciativa particular a base do desenvolvimento económico, reconhecendo-se-lhe o direito de promover a instalação de novas unidades industriais e a modificação e transferência das existentes.

No entanto, é estabelecido o condicionamento da iniciativa privada, tornando dependente da autorização do Estado a instalação de novos estabelecimentos fabris, reabertura de instalações antigas, modificação de equipamentos e transferências de estabelecimentos industriais enquanto o progresso e o equilíbrio da nossa economia o exigirem.

E sobre que indústrias pesa o ferrete do condicionamento? Não só sobre aquelas para as quais existem instalações com capacidade para o consumo do País ou para as possibilidades de exportação, mas também sobre aquelas que utilizem muita mão-de-obra, que exijam grande volume de capitais para a sua instalação ou se encontrem em nítido atraso técnico. Praticamente, toda a actividade industrial sé encontra sujeita a condicionamento.

A análise dos actos condicionados, o estabelecimento das características das modalidades industriais condicionadas, a atribuição ao Estado do poder de discriminar os actos sujeitos a condicionamento e a maneira como se redigiu e estabeleceu o quadro das indústrias condicionadas, anexo ao Decreto-Lei n.º 39 634, que regulamenta a Lei n.º 2052, dariam motivo a contundente crítica, mas não é este o momento.

Só se deseja por agora frisar que não só se encontra condicionada toda a actividade industrial em si mesma, mas também na natureza dos produtos fabricados, e que, sendo o poder da Administração discricionário para o julgamento dos actos sujeitos a condicionamento, só depende da sua capacidade social e económica e da sua perfeita noção de bem comum a eficiência do funcionamento do nosso sistema económico. O que, debaixo do ponto de vista doutrinário, se verifica é uma inversão de valores, que, económica, política e moralmente, pode trazer as mais graves consequências.

Uma vez mais ainda se chama a atenção de quem manda para os sãos princípios definidos pela Igreja - mãe e mestra de todos os povos - através da voz dos papas. De facto, no sábio dizer de Pio XII, a sociedade não foi feita para o Estado, mas sim o Estado para a sociedade. A definição deste princípio, que já vinha sendo feita na encíclica Quadragésimo Armo como salvaguarda da própria dignidade humana, é um dos pólos da doutrina social da Igreja, constituindo a sua condensação com uma autoridade igual à do 1.º mandamento.

A dignidade humana exige que o Estado aproveite, oriente e valorize a iniciativa particular, suprindo-a ou superando-a somente quando ela se toma incapaz de caminhar no sentido da realidade do bem comum rectamente entendido.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ai sim. Mas só aí.

Dentro das actuais circunstâncias, verifica-se que o industrial que pretenda progredir ou aquele que o deseje ser verdadeiramente se encontra indefeso e só em presença do poder do Estado. E quando vê o seu pedido indeferido, na sua quase totalidade dos casos, verifica que o facto se deu devido ao grande número dê licenças concedidas no sector que lhe interessa, estejam elas a ser ou não utilizadas, estejam ou não em condições técnicas ou financeiras de bem desempenharem a sua missão. É evidente que assim se cria uma protecção indevida a indústrias ronceiras, ineficazes e mal administradas e se estabelece um clima económico contrário ao próprio espírito da Lei n.º 2052, em que se defende o progresso da nossa economia.

O inevitável resultado desta interpretação da lei tem sido a proliferação de grande número de indústrias e in-

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dustriais que vivem a coberto de uma tácita e injusta protecção legal, tudo fabricando com uma inconsciência técnica e económica que á largamente ofensiva para a nossa dignidade de consumidor. O certo é que o público vai adquirindo os seus produtos, o que lhe vai minando a sua capacidade de escolha. O panorama do nosso mercado, que consegue consumir toda a classe de produtos de segunda ordem de que se encontra inundado, é de molde a causar verdadeiro, alarme aos futuros industriais.

Chegamos assim a um ponto em que um círculo vicioso entre as necessidades de consumo e a qualidade dos produtos fabricados toma impossível qualquer progresso económico, a não ser que a nossa possível entrada no Mercado Comum torne forçado o progresso da nossa indústria, por libertação de produtos estrangeiros. Lamente-se, contudo, que só assim seja possível encontrar um motivo de progresso e que só a competência assim estabelecida possa transformar o público em juiz da sua escolha.

A dignidade do consumidor exige necessariamente que lhe seja atribuído este papel e que seja ele de facto o determinante consciente do desenvolvimento industrial e da sua linha de rumo. Querer o contrário é inverter a ordem natural dos coisas.

Além disso, devemos acentuar que uma imposição aos gostos, preferências e necessidades do consumidor, feita, embora indirectamente, pelo Estado e à base da lei, corresponde a defender-se o princípio do esmagamento da dignidade humana e a estender a este Portugal cristão os princípios socialistas e comunistas que combatemos teoricamente. (Risos).

Estamos na hora em que a própria navegação se orienta pela pilotagem automática, a que só é necessária a regulação de posta em marcha e pequenas intervenções de correcção; sigamos os mesmos princípios na ordem económica, e que a intervenção do Estado, neste sector, não passe de uma orientação primária e de simples acções de correcção do rumo traçado.

E tempo de considerarmos ultrapassada a fase a que faz referência a lei do condicionamento, pois que, dada a evolução da política económica internacional, o desenvolvimento e o equilíbrio da nossa economia processam-se no sentido da libertação de peias legais e burocráticas para indústrias e industriais válidos produtores de bens de consumo necessários - ao desenvolvimento e ascensão do nosso nível de vida.

Toma-se necessário proteger o consumidor contra o industrial sem escrúpulos, obrigando-o a produzir bem e barato, integrando-o numa perfeita economia de mercado, obrigando-o a viver num ambiente de competência honesta, sujeita ao tribunal imparcial dos interesses do consumidor, que são, afinal, os interesses da comunidade.

O nosso sistema económico, nos sectores de oferta e procura de bens de consumo - que são aqueles que farão prosperar o nosso nível económico e aumentar o valor do produto bruto nacional -, vive numa situação de atraso histórico, sendo o ambiente mais parecido com o da economia medieval do que com os sistemas económicos que tornaram materialmente feliz a vida dos homens que constituem as nações do chamado Mundo Livre.

Há outro ponto fundamental a considerar nas medidas que o Estado possa tomar no sector da economia: dizem respeito às suas consequências consideradas a curto e a largo prazo. Nem são justificadas medidas que, beneficiando a sociedade neste momento, a venham a prejudicar mais tarde, nem medidas que exigem sacrifícios actuais para a concessão de benefícios a longo prazo. Ainda mais uma vez a Igreja se pronuncia sobre assunto de tão magna importância económica, através da voz autorizada do actual Papa, aconselhando a máxima prudência no estabelecimento entre o presente e o futuro. A geração presente não pode ser, por mais tempo, uma geração de sacrifício, mas, se todos quisermos, ela será, sem dúvida, a geração do resgate.

Não foi meu intuito trazer a esta Casa soluções - o que seria ridículo -, mas sim denunciar uma situação alarmante: a da lavoura nortenha, e apontar possíveis motivos de entrave que se verificam e ainda uma palavra de incentivo aos que sobre si tomavam a tarefa de fazer esta velha Nação cada vez maior. Tenho a consciência de que usei uma terminologia que não será talvez a mais conveniente, mas, como sempre, não quis deixar de ser igual a mim próprio. Nasci e vivo no Norte, onde as almas se temperam na rigidez da verdade, talvez porque as dificuldades que se lhe deparam são maiores. Deixei que os cabelos brancos me poisassem na fronte sem dar por isso. Quase não conheci a mocidade: desde novo, mesmo muito novo, me deixei seduzir pelo serviço do regime em que vivemos e em cuja potencialidade continuo a acreditar para resolver as dificuldades que nos afligem.

Sabemos que o nosso atraso económico advém da rotina de séculos e não negamos, antes orgulhosos o podemos afirmar, o progresso deste país nas últimas décadas, progresso que se tem reflectido no melhor viver da nossa gente. Não estamos de mãos vazias - quem poderá negá-lo? -, mas o que Afirmamos é que no sector económico se tem perdido muito tempo e estamos, possivelmente, agarrados a conceitos e disposições que, longe de favorecerem o seu desenvolvimento, têm contribuído para uma certa estagnação.

Temos de considerar que o equilíbrio e desenvolvimento da nossa economia, em breve integrada no Mercado Comum, não se coaduna com os impedimentos legais e burocráticos a que está sujeito o sector da produção. Há que dar mais amplas possibilidades a iniciativa privada, considerando que a liberdade de trabalho é uma das liberdades expressamente definidas na nossa Constituição Política.

Estimular o gosto do consumidor de forma a podermos modificar os nossos índices de consumo é absolutamente necessário e, para isso, há que amparar a apresentação no mercado de bens de consumo em qualidade e quantidade satisfatórias. Impõe-se diminuir, tanto quanto o permita a concepção do bem comum rectamente entendida, a intervenção do Estado no sector da economia debaixo da orientação dos princípios definidos pela Igreja.

Temos de eliminar os desequilíbrios gritantes existentes entre diferentes sectores de produção que se verificam entre nós, nomeadamente promovendo a ascensão ao nível humano no sector agrícola. Mais do que em qualquer outro campo, o sector agrário precisa de ajuda, e ajuda imediata.

Termino, Sr. Presidente, com uma palavra de certeza: temos as condições necessárias para nos libertarmos da mediania em que vivemos e não nos permite voar tão longe quanto se toma necessário. O que é preciso é decisão. Que ela não falte aos homens, pois seria pena não conseguirmos tirar do muito que temos feito os apetecidos frutos, frutos necessários ao viver digno da nossa gente e a posição de Portugal como nação livre e eterna no mundo que se avizinha.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Vai iniciar-se o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Nunes Barata acerca do aproveitamento das potencialidades económicas do Mondego.

Tem a palavra o Sr. Deputado Santos Bessa.

O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: requer a V. Ex.ª a generalização deste debate porque penso que os assuntos que, com tanto brilho e tão profundos conhecimentos, analisou o Sr. Deputado Nunes Barata, bem como muitos outros que lhe estão ligados, merecem ser ponderados pela Câmara, por dizerem respeito a uma vasta zona do País, para que o próprio Governo possa ser convenientemente informado do seu real valor e para que a solução de muitos deles seja urgentemente encarada. O problema do Mondego não tem só carácter regional. Pêlos seus aspectos políticos, económicos e técnicos deve ter mesmo considerado problema nacional. Quero testemunhar ao Sr. Deputado Nunes Barata o alto apreço em que tenho a sua inteligência, o seu carácter e o seu afincado amor aos problemas sócio-económicos não só da região que aqui representa mas também dos que respeitam a variados sectores nacionais. Os variadíssimos problemas que abordou e que respeitam à zona central do País dão bem a medida da sua preparação no campo da política económica e justificam amplamente os sentimentos que acabo de exprimir.

O Sr. André Navarro: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: alguns aspectos dos vários problemas do Mondego, aliás, já foram aqui analisados em Abril de 1938, por ocasião de outro aviso prévio - o do comandante Álvaro Morna - e nele intervieram os Deputados Moura Relvas, Cortês Lobão e Carlos Borges. Foram, então, explanadas as causas de grande parte dos males resultantes das enchentes e da invasão das terras de cultura pelas areias arrastadas do rio e discutidos os fundamentos e consequências dos dois planos de obras então existentes - o da Junta do Rio Mondego e o da Junta Autónoma de Hidráulica Agrícola - com que sê pretendia ocorrer às causas determinantes dos prejuízos originados pelas mesmas.

Quero por isso prestar homenagem a estes Deputados, que deram particular brilho às legislaturas a que pertenceram e aos quais a minha região ficou ligada por imperecíveis sentimentos de gratidão.

Envolvo no mesmo reconhecimento todos aqueles que nesta Câmara ou fora dela consagraram a sua inteligência e o seu labor ao estudo da resolução dos problemas do Mondego.

Coloco em primeiro lugar o ilustre Presidente do Conselho, a quem se deve a proposta que se converteu na Lei n.º 1914, da reconstituição económica, o qual ordenou, em 1937, a elaboração do primeiro plano de obras de aproveitamento hidroagrícola do Mondego e que à Figueira, e especialmente ao seu porto, consagrou sempre um particular carinho.

Cumpro também um acto de justiça recordando aqui o nome do ilustre Ministro das Obras Públicas Arantes e Oliveira, a quem a região do Mondego tanto deve, e os dos engenheiros Trigo de Morais, Palma Carlos e Rui Sanches, que trabalharam intensamente em projectos destinados a solucionar os seus graves problemas.

Justo é recordar também o nome de um figueirense ilustre, o Dr. Manuel Gaspar de Lemos, que, quando Ministro do Comércio, criou a Junta do Rio Mondego, e lembrar, com o devido respeito, a memória dos que ilustraram os seus nomes com trabalhos de extraordinário relevo acerca do Mondego ou do porto da Figueira da Foz: o P.º Estêvão Cabral e os engenheiros Adolfo Loureiro, Leonardo Castro Freire, Francisco Maria Teixeira da Silva, Manuel Afonso Espregueira, Jorge de Lucena e Henrique Buas.

Sr. Presidente: já por mais de uma vez, nesta Câmara, me foi dado chamar a atenção do Governo e dos serviços hidráulicos para a deplorável situação em que se encontram o precioso vale do Mondego e o porto da Figueira da Foz. Foram a discussão dos planos de fomento e as apreciações das propostas da Lei de Meios que me proporcionaram o ensejo.

A alguns desses problemas volto agora, mercê da oportunidade que me oferece este aviso prévio.

Não fica mal, ao encararmos os actuais problemas do vale do Mondego, sobretudo a jusante de Coimbra, volver os olhos para o passado, ir rebuscar elementos a fontes de informação que temos por fidedignas, para termos uma ideia acerca da evolução de alguns dos fenómenos que justificam o aviso prévio de que nos estamos ocupando:

A causa fundamental de prejuízos acarretados à agricultura do vale do Mondego encontra-se na erosão e no arrastamento dos detritos sólidos que vieram reduzir a capacidade dos rios - velho e novo - e das valas de drenagem e, secundariamente, promover o rebentamento das respectivas motas. Essa invasão de areias tem sido contínua e progressiva, como aqui o afirmou e documentou, há anos, o então Deputado Moura Relvas, hoje ilustre presidente da Câmara Municipal de Coimbra.

Vale a pena recordar, aqui, para informação de boa fonte que nanja por pecado de exibição de erudição ou por simples regalo do bom vernáculo que nos deixou a tal respeito frei Luís de Sousa e que já foi recordado nesta Câmara, há alguns anos. Na edição datada de Benfica, em 1623, da sua História do Convento do S. Domingos, elaborada sobre elementos recolhidos pelo P.º Luís Cácegas, daquele convento, que fora fundado, no século XII, por D. Branca, filha de D. Sancho I, ali à beira de Coimbra - "da ponte para baixo", "na ribeira direita do rio Mondego que lava a cidade" - "o rio que naquela idade corria fundo e alcantilado" - encontra-se o seguinte:

Sendo corridos trezentos anos da sua fundação vieram a ser tão grandes os enchentes do Mondego, que acontecia no Inverno estar o Convento muitos dias feito ilha, e posto em cerco. Seguirão anos invernosos, continuaram e crescerão as agoas com novo mal, que foi trazerem consigo grande poder de áreas, e cegarem com elas a madre do rio, de maneira que, de onde antes corria tão fundo, que o sítio do convento lhe ficava sobranceiro, e senhor, veio igualar a corrente ordinária com ele, e a força da agoa começou a lançar as áreas por cima das mais altas margens, senhoriando-se do campo e entupindo cerca e oficinas.

E acontecia, pela muita abundância de áreas, subir o rio a tanta, altura com qualquer pequena enchente que não só cobria os campos e alagava o convento, mas lançava por cima da ponte. Donde nasceu que temendo-se ficar brevemente vencidas as áreas como já se ia sumindo nelas, tratou a cidade de fazer com tempo outra, que é a que hoje vemos; e afirma-se que foi direitamente fundada sobre a antiga de que não temos mais do que fama. E com

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a podermos chamar nova, vai fazendo testemunho ao que dizemos. Porque acontece em alguns dos arcos terem estreita e trabalhosa passagem os mesmos barcos que poucos anos atrás passavam folgadamente à vela. A causa de tanto mal sabida é e não está tão sem remédio pelo estado a que tem chegado, como por ser negócio publico, porque estes em quase nenhuma parto do Mundo tem hoje amparo ou valedor.

E diz ainda frei Luís de Sousa:

Em tempos muito antigos eram invioláveis as costas e ladeiras que caiam sobre os rios, com medo do que hoje se padece e, como causa sagrada, estava a cargo de se guardarem a conta dos melhores do Reyno.

E também:

Faz perder os campos, muito largos e muito proveitosos, o querer aproveitar montes pela maior parte estéreis, ou pouco frutíferos; achão as invernias a terra bolida, levam-na ao baixo; e ficão despidos os altos até descobrirem os ossos que são as lageas e as penedias do centro e assim ficão os campos perdidos e os montes não dão proveito.

A esta tão lúcida exposição dos causas dos moles, An evolução das suas consequências e do desinteresse do Poder pelo "negócio público" vale a pena juntar esta outra, da Carta Régia de D. Afonso V, datada de Tentúgal, em 1464, e que, pelo contrário, revela o mais desvelado interesse pelo problema:

... para isso haver algum reparo lhe não achava senão um remédio - que da dita cidade (Coimbra) até Ceira nenhuma pessoa, de qualquer estado ou condição que fosse, não pusesse fogo a uma légua do dito rio, de uma porte e outra e por esta maneira não correria mais área ao dito rio e a que em elle jaz iria dando lugar à agoa.

Não só o Convento de S. Domingos aqui referido, mas também o de Santana, o de S. Francisco e o de Santa Clara tiveram de ser abandonados pela mesma razão - a subida do rio e as inundações subsequentes. À Igreja de Santa Clara-a-Velha aí está ainda a atestar o que se passou nos 600 anos da sua existência - o seu pavimento, outrora muito acima do nível do rio, está agora mais de 2,5 m abaixo dele.

Da história também consta que três pontes foram colocadas sucessivamente uma sobre a outra-a de D. Afonso Henriques, a de D. Manuel I e a metálica, que foi recentemente substituída pela actual.

Essas pontes, as obras realizadas pelo P.º Estêvão Cabral, abrindo o rio Novo entre 1791 e 1807, os planos da Junta do Rio Mondego e da Junta Autónoma da Hidráulica Agrícola, os providências tomadas pelos serviços florestais e os estudos realizados pela Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos demonstram que nem sempre o "negócio público" a que se referia frei Luís de Sousa deixou de ter samparo ou valedor".

A despeito dos esforços feitos, o problema tem hoje uma extraordinária acuidade, e é por isso que aqui estamos.

Porque se encara neste aviso prévio toda a bacia hidrográfica do Mondego e não só o distrito a que pertence o Deputado avisante e os que se lhe juntaram na sua apresentação?

Porque a água do Mondego é o elemento fundamental do aproveitamento, os problemas que lhe dizem respeito hão-de ser encarados nos quadros da sua bacia hidrográfica, no quadro que lhe foi traçado pela natureza, onde melhor se podem confrontar os recursos de que lançar mão, as potencialidades económicas existentes, as necessidades a atender, os defeitos a corrigir e as novas estruturas complementares o criar.

É na sua bacia hidrográfica que melhor se podem confrontar os recursos que a água em si contém, os prejuízos e as necessidades que ela mesmo originou e é ali que se patenteia o carácter de solidariedade natural entre todas as actividades ribeirinhas". Por isso mesmo, em 1950, a Water Ressources Policy Commission dos Estados Unidos disse que a bacia hidrográfica deve constituir um quadro de acção conjunta e que deve elaborar-se um plano para cada bacia, em vez de instalar nela vários planos parcelares.

Nesses planos há precedências a respeitar. A cabeça, como é natural, estará a mobilização, a disciplina e o ordenamento de potencial hidráulico, "convertendo em amiga e colaboradora uma natureza hostil" (Trigo de Morais); ela acarretará o desenvolvimento da indústria e da agricultura. A ela se seguirão o desenvolvimento económico e n valorização do potencial humano.

Estamos de acordo com a Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos quando diz que há primeiro que converter o Mondego num "rio amigo do homem, de águas comandadas e governadas, de várzeas defendidas, cultiváveis e exploráveis quando mais convenha, sem subordinação a meteorologia das cheias. Então milhares de famílias poderão beneficiar da defesa feita, convertida em fonte de riqueza, e a solução terá mesmo abarcado ali a questão agrária, pela criação das possibilidades de uma adequada exploração agrícola e do imperativo de um arranjo parcelar conservador".

Em toda esta bacia do Mondego há vitimas da corrida torrencial e desordenada deste romântico rio; em toda ela há populações que têm direito a que o Governo e os serviços competentes se decidam corajosamente a pôr termo aos males que vêm de longe, que inutilizam ou apoucam o seu esforço e que envolvem empobrecimento progressivo de toda a região ...

O Sr. Rocha Cardoso: - Tem V. Ex.ª razoo. Desse mal sofria a região de Silves nos suas várzeas, mas, depois da construção da barragem do Arade, foram regularizadas todas as águas, nunca mais tivemos cheias, deixou de haver prejuízos nas culturas. Antes, verificavam-se grandes prejuízos e, às vezes, vítimas. Há dez ou quinze anos, desde que se construiu a barragem, que não se verifica uma cheia nem há prejuízos; todos os laranjais se criam bem.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª É uma achega preciosa que V. Ex.ª me vem fornecer. Mais uma vez se demonstra que o Algarve é uma terra privilegiada.

... e, mais do que isso, que ponham ao serviço delas e do País todos os elementos de valorização económica que a região em si contém.

Somos pobres e, por isso mesmo, não podemos assistir indiferentes a este adiamento constante da conveniente solução dos problemas. Não nos podemos dar ao luxe de deixar arrastar sem solução problemas desta importância.

Suponho que dispomos de técnicos e dos demais condições para encarar de frente e de vez este importantíssimo problema. E, se assim é, porque o não fazemos?

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Sr. Presidente: no parecer da Câmara Corporativa sobre o I Plano de Fomento, há dez anos, afirmou-se o seguinte:

Outro problema que se afigura merecer menção especial é o da beneficiação dos campos do Mondego.

Já em pareceres anteriores - entre eles os relativos ao Plano de Estudo e Obras de Hidráulica Agrícola (1938) e ao projecto de lei de electrificação nacional (1944) - a Câmara Corporativa se referiu a importância deste empreendimento.

Do ponto de vista hidroagrícola, que não é o único aspecto notável da obra, torna-se cada vez mais premente a necessidade de dar remédio eficaz à situação actual, sucessivamente agravada, de uma extensa área de terrenos marginais, a jusante de Coimbra, tornados improdutivos pela invasão indisciplinada das águas do rio e impedir o progresso alarmante deste processo de esterilização de terrenos de grande fertilidade.

Em Julho de 1954 o ilustre Ministro das Obras Públicas expedia as seguintes directivas aos respectivos serviços:

Entre os aproveitamentos hidráulicos encarados pelo Ministério das Obras Públicas com mais empenho figura o da bacia do rio Mondego. Justificam-no o elevado interesse desta bacia nos pontos de vista da produção da energia e da rega e a existência de problemas importantes da regularização do leito do rio, de defesa e enxugo dos campos marginais e de navegação fluvial, cuja resolução se desejaria assegurar, dentro de um esquema de conjunto, economicamente viável, de valorização e aproveitamento integral da referida bacia.

No relatório final preparatório do II Plano de Fomento (1958) disse-se:

A beneficiação dos campos do Mondego torna-se cada vez mais urgente, pela necessidade imperiosa de remediar a situação grave de esterilização progressiva de terrenos de grande fertilidade. A construção de barragens regularizadoras, cuja Agua seria aproveitada para rega dos campos marginais e a arborização florestal da bacia hidrográfica são medidas urgentes, a tomar desde já.

E não fica por aqui o interesse do Governo, já que, no final de 1960, o Conselho Económico pôs a disposição do Ministério das Obras Públicas uma dotação para dar maior incremento aos trabalhos de conservação e reparação, admitiu um regime de anulação total ou parcial da contribuição predial, financiou os produtores de milho e arroz da região e fixou, transitoriamente, um preço mais favorável para o arroz produzido no vale do Mondego. Já aqui agradeci esta solicita, atitude, na legislatura passada.

Em relatório oficial recente afirma-se que o estado dos campos do Mondego se mantém "como mostruário candente dos grandes malefícios das cheias, do assoreamento dos leitos, da delapidação do solo, da desordem hidráulica da bacia hidrográfica". Na verdade, há forte delapidação do solo na parte superior e ruína dos campos marginais no terço inferior do Mondego.

Por várias vezes expus nesta Câmara a situação aflitiva dos campos do Mondego e referi a de muitos milhares de agricultores que ali exercem a sua actividade, que assistem ao aniquilamento progressivo dos seus campos e que constantemente reclamam providências, que nunca mais chegam, para deter as causas que ameaçam subverter toda aquela riqueza, todos aqueles outrora fertilíssimos campos que as quebradas frequentemente transformam em extensas superfícies de areia e que, assim, ficam inutilizados para as culturas arvenses. Já aqui disse que, no decorrer de um século, o trigo que ali se 'produziu em abundância foi substituído pelo milho e este pelo arroz - única cultura arvense possível dentro em breve.

Nestes últimos anos, os extensos areais em que se transformaram os campos que deram trigo, milho e arroz passaram a matas de choupos. Se não acudirmos ao Mondego, não virá longe o tempo em que todo aquele vale excelente que se estende de Coimbra a Figueira nem arroz poderá dar, porque os terrenos, depois de transformados em areias, serão vendidos por uma bagatela a certas empresas e uma floresta de choupos passará a ligar as duas cidades! A coisa já começou há anos.

A situação do rio é tal que há zonas onde a quota do seu leito é superior a dos campos - o rio, em vez de passar numa depressão, passa em caleira altal

E difícil traduzir em números os prejuízos que este estado de coisas causa a região e ao País. O regime torrencial do rio tem determinado forte erosão na parte superior da sua bacia e carreado toneladas e toneladas de materiais sólidos que continuamente têm reduzido n sua capacidade. Daí resulta que pequenas enchentes provocam já a inundação dos campos, a rotura das motas e o assoreamento e a inutilização de extensas zonas de outrora fertilíssimos terrenos.

O esgotamento das águas que transbordam do rio por cima das motas ou através dos rombos nelas feitos tem um escoamento difícil e, portanto, o aproveitamento desses campos para cultura está agora reduzido a um período que vai normalmente de Maio a Setembro para a maioria deles. Daí decorre a obrigação de nos limitarmos a cultura de plantas de curto ciclo vegetativo, pouco remuneradora e, mesmo assim, correndo frequentemente o risco de ver tudo inutilizado com as chuvas habituais de Setembro.

Assim aconteceu em 1960, como aqui referi.

Na exposição que em 30 de Janeiro de 1961 os lavradores da região e a Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Litoral entregaram a S. Ex.ª o Presidente do Conselho, e no trabalho elaborado pelo presidente do Grémio da Lavoura de Montemor-o-Velho, as perdas nas colheitas foram avaliadas em 55 000 contos, além do que custaram o amanho das terras, as sementes etc., e que foi computado em mais de 22 000 contos. 5300 ha de sementeiras do arroz e de milho ficaram definitivamente perdidos!

Tudo isto se tem dito e escrito e a solução do problema tem-se arrastado ao longo do decénios!

Como respondeu a Junta Autónoma de Hidráulica Agrícola a determinação do ilustre Presidente do Conselho?

Organizando, em 1938, um projecto inicial, que, segundo o parecer da Câmara Corporativa "foi orientado pelo propósito da pluralidade dos objectivos das obras a realizar, compreendendo essencialmente a protecção das encostas contra a erosão pelo povoamento florestal e a regularização dos caudais do rio pela construção de quatro grandes albufeiras nas cabeceiras dos principais afluentes, com aproveitamento sucessivo das águas armazenadas para a produção da energia eléctrica e para a rega. Beneficiavam-se pelas obras de rega e enxugo 18 000 ha de terrenos no vale do Mondego e produziam-se cerca de 130 X 10º kWh de energia eléctrica temporária e permanente.

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Posteriormente (1940) o projecto foi ampliado consideravelmente, passando a incluir a beneficiação dos campos de Cantanhede ao Vouga, além dos campos do Mondego, num total de 50 000 ha e a produção cerca de 290 X 10º kWh de energia hidroeléctrica.

A envergadura dente empreendimento, de longe o mais importante de todos os que o precederam, no duplo aspecto da área beneficiada e da energia produzida, pode medir-se por estes números e ainda pelo seu custo, orçamentado em 706 000 contos em 1940. Esta será provavelmente a razão mais importante do adiamento da sua execução, que não logrou ainda ser considerada no plano de fomento.

Todavia, o problema da beneficiação, das margens do troco inferior do Mondego persiste em toda a sua importância; melhor dizendo; torna-se cada vez mais premente e de mais dispendiosa resolução".

E, mais adiante, aconselha a realizá-lo por fases sucessivas e afirma que sé conveniente encarar a questão logo que possível".

Como corresponderam os serviços hidráulicos às directivas dadas pelo Ministro das Obras Públicas em 1954? Devo à extremada gentileza do Ex.mo Director-Geral dos Serviços Hidráulicos a possibilidade de me documentar a este respeito. Aqui lhe reitero os meus agradecimentos.

Os serviços elaboraram, através de longos e minuciosos trabalhos de campo e de gabinete, um novo plano, para o qual foram aproveitados não só os elementos e a orientação geral que presidiu ao projecto da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, mas também, conforme se lê em documento oficial, a grande soma de elementos trazidos pelo "Plano geral para o aproveitamento integral do Mondego", entregue em 1959 aos serviços oficiais pela Companhia Eléctrica das Beiras, e que contempla preponderantemente o interesse da realização cios aproveitamentos hidroeléctricos da bacia e ainda os estudos a que se tem procedido para elaboração do projecto definitivo do Aproveitamento da A guieira, confiado, por contrato, aos serviços técnicos da Hidroeléctrica do Zèzere, segundo as directrizes dadas pela Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos e por esta custeada.

Quer dizer: o plano é elaborado com base nos estudos da própria Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, nos realizados espontânea e gratuitamente pela Companhia Eléctrica das Beiras e naqueles que, por virtude do contrato, foram feitos pela Hidroeléctrica do Zèzere.

O plano encontra-se distribuído por oito espessos volumes, contendo escritos, desenhos, cálculos e plantas várias respeitantes à regularização das cheias, regularização dos leitos, produção de energia, condições agro-climáticas, agrologia e condições de regadio dos campos do Mondego e de Cantanhede ao Vouga e elementos agrícolas e económicos desses campos.

Poupo a Câmara à descrição de todos estes elementos, obtidos com uma minúcia e um rigor dignos dos maiores louvores.

Quais são os seus objectivos? Resumidamente podem assim enunciar-se:

1) Regularizar os caudais do Mondego e dos seus afluentes Duo e Alva, mediante a constituição de duas albufeiras, uma a jusante da confluência do Dão e do Mondego (a da Aguieira) e outra no Alva (a do Mucelão);

2) Alargar e aprofundar os leitos do curso inferior do Mondego, especialmente o rio Velho, a Vagem Grande e a vala da Cova, de modo a comportarem os caudais regularizados nas albufeiras e a evitar a inundação dos campos. Por umas e outras destas obras garantir-se-á a defesa contra as cheias de 15 de Abril a 15 de Outubro e uma redução das pontas das grandes cheias de Inverno;

3) Constituir dois canais do rega, a jusante de Coimbra, para condução das águas represadas nas albufeiras e que se distribuirão pelos campos a norte e a sul do Mondego;

4) Abrir valas de enxugo por campos do baixo Mondego, algumas delas com estações de bombagem para as de mais baixa quota. Prevêem-se quinze destas estações!

5) Regar com águas provenientes das albufeiras, por bombagem, numa só estação elevatória, os campos de Cantanhede ao Vouga nu parte adaptável a regadio (50 km de comprimento por 13 km de largura, entre Maiorca e Aveiro):

6) Produzir energia eléctrica com as águas das duas albufeiras;

7) Acessoriamente, redução dos carrejos sólidos do rio, por correcção torrencial e arborização das encostas a montante, beneficiação da barra da Figueira da Foz, abastecimento de água a diversas povoações e aumento da rede rodoviária.

Afirma-se que "a constituição das albufeiras da Aguieira e de Alva em nada interfere com esquemas possíveis de aproveitamento hidroeléctrico de montante, antes lhes traz importante contributo".

Calcula-se a produção média anual da energia eléctrica em 165 GWh na l.ª- fase e 155 GWh na 2.ª na central da Aguieira e em 34 GWh na de Alva.

A realização das obras traria a garantia da manutenção de um caudal mínimo de estiagem suficiente para as regas das duas zonas de campos já citadas, grandes vantagens turísticas e sanitárias para Coimbra e a vantagem da conservação de um maior caudal no leito do rio, na sua foz, o qual se oporia à subida das águas salgadas das marés.

A albufeira da Aguieira e a do Mucelão abrangeriam 3757 km2 de bacia e garantiriam a rega de 14 930 ha de terrenos dos campos do Mondego e de 29 177 ha dos de Cantanhede ao Vouga, portanto - um total de 44 107 ha.

Para a rega destes últimos campos este projecto distingue-se do da Hidráulica Agrícola por passar de três para uma as estações elevatórias, o que corresponde a uma redução de custo de 125 000 contos para 35 000 contos e a uma redução de 30 por cento dos encargos fixos de explorações e de 70 por cento nos da energia.

Seria estultícia fazer aqui uma apreciação crítica deste projecto ou de qualquer outro ou mesmo reproduzir aqui opiniões de técnicos contra afirmações de outros técnicos para pretender anular ou diminuir o seu valor.

Mas há-de relevar-se-me que me faça eco de certas preocupações das gentes do vale do Mondego que aqui represento e que são a consequência de dolorosas experiências doutras regiões, onde os cálculos do custo das obras e do seu funcionamento foram largamente ultrapassados, a água para rega foi em muito menor quantidade que a prevista e os benefícios reais da produção ficaram muito aquém das estimativas dos técnicos. Para não citar outros, limito-me a recordar o que se passou no vale do Lis e que foi aqui brilhantemente exposto, ainda não há um ano, pelo ilustre Deputado Moura Rumos.

A todas aquelas razões veio ainda juntar-se o preço elevado da energia eléctrica para a exploração e o condicionamento rígido e parece que nem sempre feliz quanto as culturas permitidas, segundo se deduz das afirmações produzidas. A obra foi prevista com rigor técnico, mas tenho informações de que a exploração das terras não tenta ninguém, nem mesmo aqueles que nelas sempre moirejaram

Ora na minha região, no mesmo tempo que se deseja intensamente uma transformação do estado em que se encontram os campos, que se anseia pela realização das obras de correcção e aproveitamento do Mondego, teme-se

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que o custo da obra seja tão elevado que as taxas de exploração e de conservação sejam insuportáveis por aquelas terras. Calculo que as taxas de rega vão justificar idênticas apreensões.

O Sr. Rocha Cardoso: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz obséquio.

O Sr. Rocha Cardoso: - Mas a taxa de rega, de exploração, é dividida depois pelas despesas e dividida seguidamente pelo número de hectares. Portanto, nunca pode ser insuportável. Nós, em Silves, estamos n pagar 600$ por hectare.

O Orador: - Não me quis referir propriamente à taxa de rega, mas tenho medo que ela, acrescida da taxa de beneficiação, atinja uma soma tal que acabe por se tornar insuportável.

Por esta via, tudo o que venha encarecer a obra há-de forçosamente ter o seu reflexo nos encargos da propriedade beneficiada ou assim considerada no plano.

A este propósito seja-me permitido referir algumas apreensões acerca da barragem prevista para a Aguieira - umas de ordem política, outras de natureza económica.

Dos elementos que tenho consultado e do que tem sido publicado depreendo que a realização da barragem da Aguieira envolve n submersão da excelente Ponte Salazar, sobre o Mondego, na Foz do Dão, e a própria povoação que não se encontra!

Hão-de consentir que lamente sinceramente que os serviços não tenham podido descobrir outro local para a realização da barragem, de modo a não arrastar o desaparecimento daquela excelente obra da engenharia portuguesa! Propositadamente calo o muito que se me oferecia dizer a tal respeito e que VV. Ex.ªs naturalmente bem compreendem!

Verifiquei também que os estudos geológicos forneceram elementos que obrigaram u mudar duas vezes o local da implantação da barragem e que só um terceiro foi aceite. Os dois primeiros eram manifestamente contrários à garantia de segurança da instalação da barragem e, para que ò terceiro fosse aceite, houve que modificar o tipo de barragem primitivamente previsto, substituindo-o por outro mais caro. As consolidações do terreno para a tornar possível custarão também muito dinheiro e concorrerão parn tornar ainda mais cara aquela obra.

Parece, Srs. Deputados, que a natureza, naquela região da Aguieira, numa e noutra margem do Mondego, dispôs de tal maneira os grauvaques, os xistos grauvacóides e os filódios mais ou menos gravitosos e as suas estratificações que até parece que foi para protecção daquela ponte, que é orgulho da engenharia portuguesa e marco de honra de uma situação política!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não vi em nenhum dos trabalhos que consultei a opinião do Laboratório Nacional de Engenharia Civil a tal respeito! Já foi consultado? Já respondeu? E, se respondeu, como o fez?

Habituados como estamos ao extraordinário rigor científico, a absoluta idoneidade, ao prestígio que conquistou no Mundo o nosso Laboratório de Engenharia Civil, parece-nos do maior interesse conhecer o seu parecer antes de nos entregarmos à realização de uma obra que, teoricamente, pode estar excelentemente concebida, mas cuja realização prática a pode encarecer excessivamente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não é uma questão técnica impossível de realização paru a nossa engenharia, constituída por gente que tem dado as maiores provas de capacidade profissional e que tem resolvido dificílimos problema".

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É antes o caso de poder repetir-se o que parece ter acontecido em Cambambe e em Pisões, onde, segundo se diz, as obras ultrapassaram em algumas dezenas de milhares de contos o custo inicialmente previsto.

E isto, porque nos pode tocar pela porta, dói-nos francamente!

Sou pelo mais barato e pelo mais seguro. E não será possível obter outras barragens que sejam mais económicas, que dêem maior segurança e que desempenhem as mesmas funções das atribuídas à Aguieira? Não mu compete responder, mas tenho razões para manter a pergunta e julgo ter direito a esperar uma resposta.

E, nessas barragens já estudadas, pela Companhia Eléctrica das Beiras, e cujos estudos foram citados e aproveitados pela Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, se, além do custo da sua construção ser inferior, a produção da energia eléctrica for muito superior, não haverá uma dupla vantagem- para os lavradores a proprietários do baixo Mondego e para a economia nacional. O sistema estudado parece garantir a produção de 650 milhões de quilowatts-horas, sem necessidade de apoio exterior. Segundo o Dr. Nunes Barata, o sistema explorado com a central de Asse Dasse, dando apoio interanual à rede eléctrica nacional, pode garantir um acréscimo de "energia marginal" da ordem dos 1100 milhões de quilowatts-hora.

Julgo que esse estudo merece que sobre ele se debrucem os técnicos responsáveis para julgar da sua possibilidade de realização e das preferências que ele pode apresentar sobre aquele que foi elaborado pela Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos com a colaboração técnica da Hidroeléctrica do Zèzere.

O aproveitamento desta capacidade energética não nos pode ser indiferente. Urge mesmo considerá-la com urgência - até mesmo antes do III Plano de Fomento, como afirmou, há meses, o ilustre autor deste aviso prévio.

Além das taxas de conservação, de beneficiação e de rega que preocupam os lavradores e proprietários da região, outra existe, e esta é a da dúvida que têm sobre as consequências da supressão do enateiramento, fertilização normal e espontânea daqueles campos do baixo Mondego.

Segundo eles, esses elementos em suspensão ou dissolução nas águas das cheias que se espraiam sobre os campos e ali ficam depositados em parte e que suo resultantes dos esgotos, da lavagem e da erosão de terreno de cultura, de matos, caminhos, etc., têm um alto poder fertilizante e dispensam até adubação de algumas culturas.

Essa riqueza, qualquer que seja o seu valor, não ó senão consequência das erosões a montante, da delapidação de outras terras, do regime desordenado do rio, e, portanto, há que lhe descontar o valor dos rombos nus motas, das despesas de conservação das margens dos rios, a desvalorização, parcial ou total, dos terrenos atingidos pelas quebradas, o prejuízo do atraso dos sementeiras, do risco das colheitas, do estado de permanente insegurança que tudo isto origina.

A conservação das motas e leitos leva normalmente 500 a 1000 contos anuais ao orçamento do Estado. As sementeiras tardias em terrenos com más condições de enxugo acarretam redução, da produção e impõem cul-

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turas de plantas de curto ciclo vegetativo e pouco remuneradoras e as cheias precoces de Setembro podem fazer perder quase tudo, ou mesmo tudo, que ali se semeou. Km 1960 os prejuízos de uma cheia destas foram avaliados pela Federação dos Grémios da Lavoura da Beira Litoral em 77 000 contos, como já disse.

E quanto valem os nateiros depositados sobre os 14 930 ha do baixo Mondego que provêm dos 495 000 ha da bacia superior do rio ou dos 670 000 ha de toda a bacia hidrográfica? São os beneficies que eles trazem a esta parcela da bacia hidrográfica compensadores dos prejuízos que lhe são causados pelas cheias? Devemos continuar agarrados às concepções arcaicas da fertilização do vale do Nilo? Convém continuarmos atidos à fertilização das terras que resulta da deposição desses materiais em suspensão, ou devemos recorrer aos fertilizantes que a moderna indústria põe à disposição da lavoura para uma adubação racionalmente estabelecida e para arrancar da terra cada vez maiores rendimentos por unidade de superfície?

Estudos feitos na Europa, na América do Norte e no Egipto levaram ao conhecimento dos valores sólidos carreados pelos rios durante as médias e as grande" cheias, valores estes muito variáveis de rio para rio, conforme as características da sua bacia hidrográfica e a sua composição geológica.

A Junta Autónoma de Hidráulica Agrícola estudou os do vale do Mondego, que, para o efeito, foi comparado ao Colorado, da América do Norte.

E. Risher e G. Wery dizem no seu livro Riegos (1981): "A não ser casos excepcionais, como nos depósitos do Nilo, que, se não suo os mais ricos, contam-se entre eles, não podemos dizer que os nateiros, de uma maneira geral, sejam capazes de enriquecer as terras, pois, como se verifica pelos dados atrás apresentados (refere-se a quadros que aqui não transcrevo), não suo mais ricos do que cies. No entanto, desempenham acção de importância sobre as terras pobres.

A principal importância dos nateiros resulta do seu estado de extrema divisão, podendo pôr à disposição das plantas os poucos elementos nutritivos que possuem, numa forma facilmente assimilável.

Assim, pode admitir-se, na generalidade dos casos, que os nateiros restituem, em parte, os elementos úteis que as colheitas retiram, podendo, pois, considerá-los até certo ponto como adubos pobres, mas de acção rápida, graças no sou estado físico".

Sobretudo nas terras areentas e pobres (as que resultam de quebradas, por exemplo) podem exercer boa acção fertilizadora.

Mas dizem os mesmos autores que os nateiros podem até ser prejudiciais nas terras de regadio, que tornam mais impermeáveis pela deposição dos seus elementos finos e nas terras férteis de boa constituição física.

Há-de ser difícil fazer aceitar poios lavradores da minha região esta afirmação da acção prejudicial dos nateiros, mesmo nestes dois tipos de terrenos! ...

Estudos mais pormenorizados incidiram nobre a composição química dos nateiros de vários rios e vales, cujos resultados foram comparados com os das análises de terras de culturas de média fertilidade e com os dos estrumes de composição média. Deles resulta a afirmação de que o seu valor fertilizante é menor do que os dos outros dois.

Segundo os estudos feitos no Mondego, acima da ponte de Coimbra, pelo engenheiro agrónomo Albuquerque Paixão, os valores mínimo e máximo oscilam entre 200 e 580 m3/km2 de bacia e também, que a quantidade de material carregado por metro cúbico varia entre 0,612 kg e 1,776 kg. Como só 50 por cento dos nateiros se depositam (porque os outros são conduzidos para o mar), conclui que a camada de nateiros depositada variaria de 0,12 mm a 0,34 mm, se se pudesse fazer uma distribuição uniforme sobre toda a superfície inundada.

As zonas mais baixas terão, por certo, uma camada mais espessa do que as terras altas, portanto uma mais rica fertilização pelos nateiros das cheias. Mas essas são as que se cultivam mais tarde, que têm pior enxugo e que correm mais risco.

Em Fevereiro de 1962 (lê-se no relatório do engenheiro agrónomo Luís André Rodrigues) foram feitas análises sobre amostras dos nateiros do Mondego, colhidas em doze pontos diferentes e em vários períodos do ano, desde a ponte de Santa Clara, Arzila e S. João do Campo até às pontes da Figueira, quer dizer em toda a largura e comprimento do vale.

Afirma-se nesse relatório que em face da quantidade de elementos fertilizantes que as colheitas retiram por hectare e dos elementos que os nateiros possam fornecer chega-se à conclusão que a acção benéfica destes é diminuta e escasso o seu valor em relação ao daqueles. Mesmo que em vez dos 50 por cento depositados, fossem depositados os 100 por cento, mesmo assim ficaria muito aquém do que as culturas necessitam para serem econòmicamete viáveis.

Os cálculos feitos sobre o azoto, o fósforo e o potássio distribuídos em cada ano pelos 15 000 ha inundáveis dão, respectivamente, 90 000 kg, 45 000 kg e 112 500 kg que, ao preço médio do mercado, seriam computados em 1500 contos. Quer dizer, pouco mais do que se despende com a conservação das motas e h reparação das quebradas.

Foi também calculado o prejuízo causado nos 4957 km das bacias superior e média do Mondego - uma mediu de 10$ por- hectare -, totalizando 4957 contos, isto é cerca de 3,5 vezes mais de que os benefícios apontados.

Julgo que, após estes elementos, obtidos através de estudos conduzidos cuidadosamente por investigadores respeitáveis, não há que hesitar - não defender o benefício dos nateiros em face dos múltiplos prejuízos que a erosão e as cheias ocasionam e procurar obter a defesa integral dos campos contra as cheias desordenadas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É aliás, assim que pensa a grande maioria dos lavradores da região. E é, aliás, o que se faz até no próprio vale do Nilo, de nateiros muito ricos, onde a barragem de Assuão virá a pôr termo às grandes enchentes e às deposições de nateiro particularmente rico.

O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem!

O Orador: - O que entre nós se gastar em estrumes e adubos há-de ser compensado, pelas melhores condições da agricultura, por novas possibilidades de cultura, pela rega e pelo desenvolvimento de armentio.

O Sr. Rocha Cardoso: - É uma verdade.

O Orador: - Sr. Presidente: volto agora a ocuparam de um assunto que respeita aos campos de Coimbra e que aqui tratei na sessão de 24 de Março de 1960. Refiro-me à elevação e alargamento do leito da estrada que, através do campo, prolonga a de Aveiro a Lavariz, desde este ponto até à estação de Alfarelos e à ponte que urge fazer sobre a estação de Alfarelos, melhoramento que reputo de mais alto interesse para os povos não só desta região mas da Bairrada, Aveiro, etc., que pela estrada nacion-

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n.º 335 queiram atingir aquela estação, Condeixa, Penela ou as estradas que por nu passam.

Disse então o seguinte, que tem hoje ainda maior justificação:

A partir deste ponto (Lavariz, término actual da estrada nacional n.º 335) toda a circulação desta estrada tem de fazer um percurso de mais de 13 km pura atingir, quer a estação de Alfarelos, quer a estrada de Alfarelos a Condeixa, a n.º 347, quando, afinal, Lavariz não se encontra senão a menos de 3 km daquela importante estacão de caminhos de ferral Mais: nos últimos anos a antiga serventia de campo que ia de Lavariz a Alfarelos foi substituída por uma estrada de cimento: sobre o Mondego, no Vale da Granja, foi construída uma elegante ponte de cimento armado; sobre as valas foram construídas novas pontes e, deste modo, está praticamente realizado o prolongamento da estrada nacional n.º 335 até à estação de Alfarelos por estrada e pontes que podem servir mesmo para a camionagem de carga.

Não falta senão resolver a passagem sobre a estação do Alfarelos e alargar e subir nalguns pontos a estrada de cimento. Assim se economizarão 10 km de percurso e se servirá muito melhor o acesso no caminho de ferro. S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas, a cuja gentileza devo uma recente visita àquela estrada e àquela ponte, conhece bem o problema e a extraordinária vantagem da realização desta obra, que interessa paralelamente os concelhos de Cantanhede, Montemor, Condeixa, e Soure. Se hoje me ocupo deste assunto nesta Assembleia é porque sei que o estudo da passagem superior, junto da estação de Alfarelos, quase no enfiamento da estrada, tem de ser feito urgentemente, impõem-no os trabalhos de electrificação da linha do Norte, do Entroncamento ao Porto, que vão realizar-se dentro em breve. Técnicos que muito considero e que ouvi u tal respeito confirmam-mo que é indispensável proceder imediatamente aos estudos necessários para a construção dessa passagem superior para que a obra se realize antes ou a par dos trabalhos de electrificação da linha.

As condições naturais do terreno tornam a obra de fácil realização naquele sitio, dispensando mesmo n rampa do lado sul. Essa passagem superior, destinada a veículos, garantiria também o acesso de peões à gare de Alfarelos e evitaria, assim, a repetição dos lamentáveis desastres de que aquela estacão tem sido teatro em virtude das deploráveis condições em que se faz a sua entrada.

Porque volto ao assunto?

Porque mantenho a mesma opinião que aqui defendi; porque sei que a C. P., pretende deslocar a actual passagem de nível muito mais para poente, mantendo uma travessia sobre o ramal da Figueira da Foz e passando em túnel de muito escassa altura em relação à camionagem de carga sob a linha do Norte, solução que vem agravar, em vez de beneficiar, as condições existentes, sem o devido respeito pelos interesses do público; porque recebi uma informação oficial com a qual me não conformo, e ainda por virtude de certa frase que S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas se dignou acrescentar ao seu despacho exarado sobre o respectivo processo.

A informação a que me reporto, e que devo à gentileza do Ex.mo Director-Geral dos Serviços Hidráulicos diz que e não reconheceu "imediatamente viável o prolongamento da estrada nacional n.º 335 através da serventia de Lavariz e sobre a passagem superior da mesma estação de Alfarelos, dado tratar-se de uma ligação de interesse local e que teria de ser lançada sobre terrenos inundáveis".

Também ali se afirma que teria sido considerado que a ponte sobre a estação de Alfarelos "estaria fora das obrigações do Ministério das Obras Públicas - ou seria obra municipal ou uma obra ferroviária".

Peço vénia para a respeito destes elementos dizer o seguinte:

1.º Não se trata de uma ligação de interesse loca! - não pode assim ser considerada a elevação e o alargamento de 3 km de estrada o a construção de uma ponte para prolongamento de uma estrada nacional que traz uma economia de trajecto de cerca de 10 km, que serve uma larga região que abrange vários concelhos e que dá acesso directo e rápido a uma grande estação de caminho de ferro. Toda a região da Bairrada, Aveiro, etc., servidas pela estrada nacional n.º 335, e os concelhos de Condeixa, Penela e vizinhos são altamente beneficiados, quer em relação à viação rodoviária, quer no que respeita às suas relações com o caminho de ferro. Pelas mesmas razões, não me parece justo dizer-se que a obra será municipal ou ferroviária. Por mim, continuo a considerá-la da competência do Ministério das Obras Públicas, quer pela Direcção dos Serviços Hidráulicos, quer pela Junta Autónoma de Estradas.

2.º Não me parece que o ser lançada sobre terrenos inundáveis possa servir de justificação à não realização da obra; primeiro, porque a estrada já lá está; segundo, porque são bastante numerosas as estradas nacionais que são submersas, num ou noutro troço, por ocasião das enchentes; aqui mesmo, na região, temos a de Montemor ao apeadeiro do mesmo nome, a de Coimbra à Geria e a de Coimbra à Figueira da Foz; no Ribatejo há-as nas mesmas condições. Além de que, com a elevação da cota pedida e com as obras de regularização do Mondego, de que nos estamos ocupando, a impossibilidade de utilização dessa estrada por motivo das inundações nunca iria além 'de 10 a 15 dias nos 365 de cada ano. Na de Montemor uo apeadeiro só em raras unos se terão atingidos os .10 dias.

3.º O ser uma "serventia". Aquilo já não é uma serventia! Aquilo é uma verdadeira estrada, de cimento numa parte, de calçada na outra, com uma ponte elegante e com resistência para a camionagem de carga, que devemos aos serviços hidráulicos do Mondego. Por causa de se manter assim inconvenientemente classificada é que essa bela ponte ficou angustiada. Se a classificação estivesse actualizada outra seria a largura dessa ponte. Vem a propósito dizer que ficámos a devei- a S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas nova visita a esta ponte e que estamos convencidos de que S. Ex.ª reconheceu- as nossas razões e que não tardará em mandar alargar o seu leito de rodagem, como se torna necessário, transferindo para fora dele os passeios, que o restringem.

Por se persistir na classificação de "serventia" não se fará a ponte sobre a estação de Alfarelos antes ou durante os trabalhos de electrificação da linha do Norte e perder-se-á a única oportunidade de a realizar?!

Sei que na parte final do seu despacho S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas se dignou exprimir: "pode ser que a execução do plano do Mondego venha a tornar oportuna nova ponderação deste problema".

Aqui estamos, por isso, com toda a oportunidade, ao tratarmos do aviso prévio sobre os problemas do Mondego, a solicitar de S. Ex.ª o Ministro que, de acordo com o seu despacho, promova a revisão deste assunto e considere oportuna a ponderação da resolução a tomar.

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Temos razões para confiar em que a classificação de "serventia" não continuara a opor-se a realização de uma obra que corresponde a satisfação de justificados anseios dos povos e que virá a servir não só a região à volta, mas o caminho de ferro e o próprio País, e que a obra se farit.com a urgência que o caso requer.

Sr. Presidente: ninguém me perdoaria se não aproveitasse esta oportunidade para, mais uma vez, chamar a atenção do Governo para a deplorável situação em que se encontra a actual Escola de Regentes Agrícolas do Coimbra - deplorável pelo seu aspecto, pelo abandono a que foi votada, pelo regime de ensino ali instituído e pela reduzidíssima influência que tem sobre a agricultura da região. Tratando-se de um aviso prévio sobre o aproveitamento integral da zona, não posso deixar de voltar a protestar contra o que se está passando. Não me movem só os sentimentos de- particular afeição àquela Escola, a que devo uma boa parte da minha preparação para a vida. O confronto do que foi e do que ó e a visão do que pode e deve ser á que me impõem esta atitude.

Trata-se da mais antiga escola de regentes agrícolas, que foi, ainda não há muitos anos, no tempo em que se chamava Escola Nacional de Agricultura, a mais importante escola de ensino médio agrícola deste país. Não sei por que ventos de desgraça, uma vez passada ao Ministério da Educação Nacional, esta Escola, de tão profundas e importantes tradições, foi votada ao mais descaroável abandono. E o abandono foi tal que os próprios edifícios começaram uns n cair e outros a serem evacuados por ameaça de ruína iminente. Ruíram o pavilhão de material e as pocilgas da Quinta do Bispo a padaria e o forno. Estão já desocupados os locais onde estavam instalados a leitaria, a garrafeira e o fruteiro, a antiga residência dos alunos mais novos, a casa das sementes, a lavadaria, o anexo do lagar de azeite, etc.

O aspecto dos demais edifícios é seriamente lamentável. A instalação dos actuais alunos carece de uma transformação total e urgente. Devo ao Ministro Arantes e Oliveira e ao então Ministro Lopes de Almeida o favor de uma visita oficial àquela Escola e o extraordinário interesso que manifestaram pela sua restauração e adaptação às actuais exigências da região e do País. Foi elaborado um anteprojecto das novas instalações para os alunos.

Em 1919, a rapacidade máxima das instalações dos alunos mais novos (a chamada casa da direcção) e das dos mais velhos (colégio) foi fixada em 120 alunos. As aulas e as oficinas tecnológicas eram já acanhadas para esta população, visto terem sido feitas muito antes e para uma frequência muito menor. A residência dos alunos mais novos teve de sei- abandonada e as aulas, oficinas e demais instalações tem hoje de albergar mais de 250 alunos! O internato e o externato estão largamente, excedidos, com todos os seus graves inconvenientes.

A Escola tem uma área de cerca de 2 ha ocupada por edifícios que tem alguns 70 a 100 anos e outros ainda mais, cuja conservação exigiria, desde há muitos anos, verbas avultadas, de que ela nunca dispôs.

E não só os edifícios carecem de reforma - tudo precisa dela! Tudo aquilo precisa de amparo, de reforma, de renovação, colocando a Escola à altura das nossas reais necessidades. Não nos podemos conformar que estejam ali 137 ha de terrenos preciosos, 20 dos quais de regadio, sem que tudo aquilo seja convenientemente aproveitado para o ensino s para a preparação e estágio de técnicos, para campos experimentais e oficinas tecnológicas modelares, enfim, para uma verdadeira e moderna estação agrária.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ninguém poderá admitir que Coimbra seja a sede de uma brigada técnica agrícola instalada filtre quatro paredes de um bom edifício da cidade é que os seus serviços não tenham o mínimo contacto oficial com a Escola. Que magnífica cooperação, que excelente colaboração se poderia fazer se houvesse outra compreensão e outra organização, se os nossos serviços não vivessem em compartimentos estanques!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: aqui fica o meu apelo, dirigido aos ilustres Ministros da Educação Nacional, das finanças e das Obras Públicas e ao ilustre Secretário de Estado da Agricultura, para que se debrucem sobre este gritante problema, que tantas incidências económicas e políticas contém.

Sr. Presidente: seja-me ainda permitido dizer alguma coisa sobre o porto da Figueira da Foz, que o Sr. Deputado Nunes Barata incluiu no seu aviso prévio e que, como ele muito bem disse, constituía, nos primórdios da nacionalidade, um importante centro de comércio marítimo.

Efectivamente, as suas condições de outrora permitiam que ele fosse frequentado por navios de grande calado e que ali viessem com frequência navios das mais diversas nacionalidades. A isso estava ligada, com certeza, uma intensa actividade comercial:

Com o rolar dos anos, os areias que se foram progressivamente acumulando nu foz do Mondego comprometeram continuamente a entrada da barra, os navios de maior tonelagem deixaram de poder demandar o porto e a sua actividade foi-se reduzindo cada vez mais.

Desde o começo do século XIX, o estado do porto e barra preocupa seriamente a população da Figueira da Foz e seu termo e os próprios governantes. Pode mesmo dizer-se que, desde então, a Figueira vive intensa e apaixonadamente o problema rio seu porto, e a tal ponto que ele é capaz de congregar todos os figueirenses sem distinção, de se sobrepor a todas as dissidências e rivalidades em que aquela fascinante cidade é tão fértil.

Aquele "bairrismo", a que presto a minha homenagem, desafia, nu sua dedicação e no calor e veemência da sua expressão, o de qualquer outra cidade. Ele tem sido a causa de uma série amarga de desilusões o de desgostos, mas tem sido também a fonte das mais exuberantes manifestações de euforia e de esfusiante alegria, numa alternância constante, mercê das tragédias de que o porto tem sido teatro e das promessas de realização tio obras e de garantia de novas perspectivas comerciais e industriais.

Esse bairrismo tem sido servido por um espírito de sacrifício, por uma abnegação e uma fé dignos da maior admiração. Posso mesmo dizer que a Figueira vive com verdadeiro e extraordinário amor o problema do seu porto e barra. Esse amor leva-a a confiar em todas as promessas, a colocar-se incondicionalmente ao lado de quantos prometem resolver ou interessar-se pelo destino do seu porto.

Ao longo de mais de um século, têm-se, multiplicado as exposições e as reclamações das gentes da Figueira da Foz. Durante o mesmo período tem o seu bairrismo sido explorado politicamente e muitas vezes de forma não louvável. A Figueira da Foz movimentou-se sempre com entusiasmo entregou-se sempre com confiança, cada vez que algum político lhe fazia promessas, mesmo que elas não tivessem um conteúdo de fortes possibilidades de realização.

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Vale a pena, embora muito resumidamente, dizer algo acerca das tentativas feitas para resolver o problema do porto e barra ao longo deste período. Omito propositadamente os aspectos técnicos das soluções propostas, para me cingir quase exclusivamente à enumeração tias comissões e dos projectos. Poupo à Câmara a citação dos molhes, dos diques, dos paredões, dos cais, dos canais, etc., que destes constam.

O primeiro relatório e projecto de que tenho notícia (através da tese apresentada em Aveiro no 3.º Congresso Regional das Beiras pelo Dr. José Maria Cardoso) foi elaborado pela Inspecção-Geral de Obras Públicas em Maio de 1837.

Era um plano de obras elementar, constituído por uma barragem na origem do braço sul do Mondego, no Pontão, um paredão em frente de Figueira da Foz, partindo da Murraceira, e o unis na margem direita até ao forte. Propôs-se realizá-lo o conde de Farrobo, associado a um brasileiro e com a assistência técnica primeiro de um e depois de outro engenheiro francês.

O contrato foi aprovado em 9 de Fevereiro de 1343, ficando a empresa com o direito de receber, durante 30 anos, l por cento do valor da importação e da exportação pela barra de Figueira da Foz, 10 por cento do produto bruto do rendimento da alfândega e 50 réis por tonelada de todos os navios que entrassem no porto. O Estado comprometia-se também a fornecer-lhe das suas matas todas, as madeiras, necessárias para a construção e conservação das obras.

Duraram as obras e o contrato pouco mais de sete anos. Durante elas, os primeiras vistorias técnicas (a do inspector-geral Luís Mouzinho, autor do projecto, e a do Dr. Agostinho de Almeida) deram origem a dois relatórios laudatórios; mas as reclamações surgiram, e pouco depois uma nova vistoria, do visconde da Luz, declarava em estado deplorável a barra, com banco de areia a meio do rio e dois pequenos canais laterais, e aconselhava a realização de dragagens.

O agravamento continuava e nova vistoria se fez em 1850. O relatório declarava a barra como antes das obras - sete meses má e cinco meses boa- e que a empresa havia recebido seis vezes mais do que tinha gasto. Foi, por isso, rescindido o contrato. De 1852 a 1857 uma comissão, presidida pelo engenheiro Silva, fez estudos e elaborou novo projecto, que recebeu parecer do engenheiro John Rennie, o qual lhe introduziu algumas alterações, mas não chegou a executar-se.

O que teve de fazer-se em 1857, por força das circunstâncias, foi tapar a comunicação do mar com o rio de Lavos, já entoo estabelecida. Lá se conseguiu pôr um dique a restabelecer novamente a barra ao norte.

De 1863 a 1888 vários engenheiros e várias comissões fórum encarregadas de fazer estudos ou de realizar obras, sem grande resultado.

Foi nesta altura que foi nomeada uma comissão de três engenheiros, de que fazia parte Adolfo Loureiro, para proceder a elaboração do projecto geral definitivo para a conclusão das obras.

Das alterações propostas resultou novo projecto, de que "foi incumbido o engenheiro Leonardo Castro Freire, que o apresentou em 30 de Julho de 1889, com o respectivo caderno de encargos, trabalho que pode classificar-se de modelar", diz o Dr. José Maria Cardoso.

Também não foi executado o plano.

As coisas foram-se agravando, e em 1903 a barra podia considerar-se fechada. Pois bem, o bairrismo da Figueira ião deixou abater o ânimo dos figueirenses, que saltaram para o cabeço da barra e à pá e à enxada abriram a barra para a entrada do mar e para a entrada do barco.

Pequenos arranjos, novas cheias, que varriam parte da areia, lá iam entretendo a barra e mantendo o ânimo e a fé dos figueirenses.

Em 1911 apresentou Adolfo Loureiro um anteprojecto, com uma estimativa de 360 contos. O concurso mandado abrir pelo Governo para apresentação de projectos ficou deserto. Por virtude disso foram encarregados os engenheiros Lucena e Ruas, dos serviços fluviais e marítimos, de elaborar o projecto. Fizeram um novo anteprojecto.

O Conselho Superior de Obras Públicas aprovou-o em parte e propôs alterações nalgumas obras previstas.

De acordo com aquele parecer, elaborou o engenheiro Buas um projecto das obras mais urgentes. Novas alterações do Conselho Superior de Obras Públicas e o agravamento dos preços dos jornais e dos materiais levaram à execução de novo projecto, que se concluiu em 12 de Abril de 1919, e que foi aprovado pelo Governo. Nem sequer começou a executar-se!

A este respeito diz-se na tese que já citei:

Continuando o engenheiro Henrique Buas as suas observações, já então como director das obras, a cargo da Junta Autónoma, foi levado a propor importantes modificações ao projecto aprovado, que, em seu entender, não podia produzir tão apreciáveis efeitos como desejava desde que se não efectuassem importantes trabalhos para melhoramento do Mondego, entre os quais a arborização das vertentes da bacia hidrográfica, para diminuir os assoreamentos. E como este melhoramento só muito lentamente e com o dispêndio de importantes verbas podia conseguir-se, aquele engenheiro, partindo do princípio de que tinha de contar apenas com a bacia de marés tal como se encontrava e reconhecendo a conveniência de deslocação para montante da confluência dos dois braços do Mondego, apresentou um plano geral de melhoramentos do porto em 20 de Abril de 1924, o qual essencialmente consistia na redução de 200 m de largura da entrada do porto e na deslocação daquela confluência para montante, construindo-se novo dique em curva, em substituição do paredão de entrebocas. Nesse plano delineava-se também um porto comercial na Murraceira, com capacidade para fazer face ao movimento de 1 500 0001. Submetido esse novo plano à apreciação do Conselho Superior de Obras Públicas, foi esse de parecer que deviam fazer-se dragagens intensas para aumentar a capacidade da bacia das marés.

Está bem de ver que estas dragagens foram um expediente que procurava ocultar a impossibilidade técnica e financeira da situação política de então.

Nem por isso deixou de manifestar-se exuberantemente o entusiasmo e a confiança das gentes da Figueira!

E nem vale a pena contar o que foi a chegada da draga! ...

Começaram as dragagens sem qualquer plano e, por isso, terminaram u breve trecho. Elaborou depois o engenheiro Ruas (1927) um plano de dragagens compreendendo obras acessórias destinadas a fixar os aterros, e a executar em duas etapas, a primeira calculada em 20 000 contos e a segunda em 12 000 contos.

Ao longo de todo este período, em que se inutilizou quase completamente aquele porto e se comprometeu extraordinariamente o desenvolvimento comercial e industrial de uma cidade e de uma extensa região que àquele

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porto está ligada, houve, como vêem, muitas comissões, muitos projectos, mas poucas obras. Estas resumiam-se a tentar orientar a corrente das águas, quer fluviais, quer das marés, no sentido de arredarem a areia que se depositava na embocadura.

As marés, porém, não tinham potencial hidráulico suficiente para remover, e daí o insucesso das obras..

Foi preciso chegar a situação política actual para se poder elaborar e dar execução a um projecto completo e bem estruturado de obras do porto e barra da Figueira da Foz.

Esse projecto foi precedido de laboriosos trabalhos de investigação de distintos engenheiros. Durante anos foram estudadas "s correntes marítimas, as marés, os movimentos das areias o um sem-número de problemas técnicos em relação com o porto.

Elaborado outro projecto, foi ele sujeito a estudos demorados, minuciosos e do maior rigor científico, executados no Laboratório Nacional de Engenharia Civil.

De uns e de outros resultou a elaboração do projecto definitivo, que foi aprovado superiormente e que está em execução, com total satisfação das gentes não só da Figueira da Foz, mas de todo o Centro do País.

Sobre o projecto da ponte e barra da Figueira da Foz, cujas obras da 1ª fase estão em pleno desenvolvimento, nada tenho a acrescentar a resumida, mas transparente e lúcida, exposição que aqui fez o Sr. Deputado Nunes Barata.

Mas quero recordar aqui os nomes dos engenheiros Duarte Pacheco e Almeida de Brito, a cujas memórias presto a minha homenagem, e os cios ilustres Ministros Arantes e Oliveira e Carlos Ribeiro e os dos engenheiros Abecassis, Matias e Muaoz de Oliveira, que a esta obra de restauração do porto da Figueira da Foz se dedicaram ardorosamente e :i quem a minha região, por meu intermédio, patenteia o seu mais profundo reconhecimento. No que respeita às areias acumuladas à entrada da barra, as obras em curso destinam-se a evitar, na medida do possível, que as areias marítimas a invadam, orientando u sua marcha ao longo da costa, de modo a não impedir o tráfego que a demanda. Os estudos realizados demonstraram que uma grande parte dessas areias era de origem marítima, carreadas para ali pelas marés.

Bastou a construção desta primeira parte do molhe norte pura que se reduzisse substancialmente essa entrada e que se originasse um aprofundamento d" barra, de modo u permitir a entrada de barcos carregados, que já há muitos anos ali não entravam. O movimento da pesca aumentou já extraordinariamente e vemos agora acolherem-se ali traineiras de todo o litoral português.

Mas não podemos confiar exclusivamente às ohms em curso o papel de protecção e limpeza da barra, embora elas tenham sido realizadas de modo a aproveitar a força hidráulica disponível para executar a sua limpeza por arrastamento das areias. Temos de contar com movimentos constantes do fundo arenoso da barra e porto e temos de prestar atenção às areias de origem fluvial, que são milhões de toneladas, se acumulam no leito do Mondego, desde um pouco acima da ponte de Lares até a embocadura do Dão.

Vale a pena recordar aqui, como homenagem ao engenheiro Adolfo Loureiro, a quem a Figueira da Foz tanto ficou a dever, o que ele escreveu em 1905 sobre a acção marítima e fluvial combinadas no seu livro. O Porto da Figueira da Foz:

O que fica exposto conduz logicamente a conclusão de que, absolutamente falando, não deve o engenheiro limitar-se a tratar unicamente da acção marítima e exterior ou da fluvial e interior isoladamente quando tiver por fim o melhoramento de qualquer porto e barra. A preponderância que um tem sobre o outro não é constante. E, portanto, lógico e curial admitir que do bom estado de uma barra podem derivar-se, em geral, os condições do porto, assim como do bom estado deste pode originar-se o da sua barra. E certo que as causas externas e marítimas são poderosíssimas. Mas é igualmente certo que para combatê-las não bastam as obras exteriores, que pouco farão se as interiores ou fluviais as não auxiliarem, já pela sua boa disposição, já pela conveniente forma adoptada para o recipiente das águas da maré, já pela boa direcção das correntes, já, finalmente, pelo grande caudal do rio.

E é também útil recordar que no XVI Congresso de Navegação, realizado em Bruxelas, se afirmou que a manutenção dos grandes profundidades dos portos de fundo de areia, no interior e no exterior dos portos, não pode sor conseguida senão por dragagens.

Os traçados convenientes das obras exteriores e interiores destes portos podem trazer grandes economias às dragagens.

No novo porto da Figueira da Foz a dragagem está prevista como necessidade permanente, de modo a assegurar o êxito das obras em curso. Essas obras reduziram ao mínimo possível essas dragagens, mas não as podem dispensar. E é urgente que isso se faça, para tirar o máximo proveito das obras em curso. Há que manter o porto com profundidade suficiente para a entrada de barcos de maior calado e há também que alargar o estreito canal de areia agora utilizado pelos barcos para que eles possam manobrar. É a dragagem frequente que há-de manter a largura e a profundidade suficiente do porto, como complemento da obra, como está previsto no plano. Este problema da dragagem é considerado pelos técnicos como da maior importância e da maior urgência. Por isso mesmo me permito chamar para ele a esclarecida Atenção de SS. Ex.º os Ministros das Obras Públicas e das Comunicações.

Não pode esperar-se pela conclusão desta l.ª fase das obras, isto é, da construção dos molhes norte e sul, para depois fazer as dragagens, nem esperar que eles as dispensem.

O porto tem de ser urgentemente apetrechado com dragas próprias, mus o custo das dragagens há-de ser mantido pelas condições da exploração do próprio porto, e não por verbas orçamentais do Ministério das Comunicações ou por subsídios eventuais pura tal fim. Temos, portanto, de levá-lo a um nível de exploração que lhe garanta receitas que comportem, além do mais, também esta despesa. Ou se consegue este nível de exploração, dando-lhe possibilidades do vida, e então serão amplamente aproveitados os investimentos ali feitos, e colocar-se-á o porto a margem rios flutuações políticas e dos favores dos subsídios de manutenção, ou então condenamo-lo a regressar, mais ano menos ano, a um nível bastante inferior aquele a que a obras em curso agora o podem levar.

Além, das dragagens, outras obras importantes e urgentes, complementares das que estão em curso, há que realizar. Uma delas é a destruição dos afloramentos rochoso, que ali, ao lado do Forte de Santa Catarina, reduzir extraordinariamente a profundidade da entrada da barra Há que destruí-los para poder escavar essa zona. Em quanto ali existirem, de pouco valerá andarmos a fazer a dragagens a que venho a referir-me.

Outra coisa a reclamar urgente resolução é a definição da largura que há-de ter o braço norte do rio no seu troe terminal entre Salmanha e a foz. Há que marcá-la e há

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que construir ou regularizar as futuras margens. Para além dos limites do porto, a montante, há também obras de protecção a realizar com urgência. Uma diz respeito à defesa das salinas, que cobrem uma área de perto de 800 ha e ocupam 1500 trabalhadores, e outra consiste na defesa do 8000 ha de terrenos f l u bem produção agrícola e que estuo ameaçados desde já pela salinidade da água das marés desde que as obras do porto permitiram a. redução das areias que se acumulavam na barra. Os regantes do baixo Mondego e do vale do Pranto, que estão altamente interessados na realização das obras do porto, carecem urgentemente de protecção e defesa, sem aguardar o III Plano de Fomento. Permito-me, por isso, recomendar o assunto aos serviços hidráulicos, a que estão confiadas estas duas obras de finalidades opostas. Igualmente importante é a remoção da actual ponte a, entrada da Figueira da Foz. Impõem-na o necessidade de alongar o porto e também aqueles bojudos e imponentes pilares, que quase constituem um dique, a provocar assoreamento a montante e o jusante, e ainda a própria altura a que se encontra o seu tabuleiro. Já está marcado o local onde há-de ficar a nova ponte e já estuo estudadas as suas ligações rodoviárias com a cidade da Figueira da Foz, com a estrada da Figueira da Foz a Coimbra e com a da Figueira da Foz a Aveiro. A ponte deslocar-se-á para 2 km a montante da actual, segundo o parecer da comissão expressamente nomeada pura tal, o qual já foi homologado por S. Ex.ª o Ministro das Obras Publicas.

Não pode haver razões sentimentais nem argumentações turísticas válidas paru que aquela ponte velhíssima e inestética, que é um empenho ao normal e lógico desenvolvimento do porto, ali se mantenha. Além do mais, está no limite da sua duração e não tem largura suficiente para garantir o tráfego e não pode ficar ali a estrangular o porto e a assorear os seus fundos. Aqui fica o meu apelo a S. Ex.ª o Sr. Ministro das Obras Públicas para que encare a construção da nova ponte o mais rapidamente possível, sem esperar a conclusão dos molhes. Com isso está também relacionada a estrada Atlântica, através do cabo Mondego, da maior importância para o nosso país. Igualmente o está a continuação das obras de rectificação e de alargamento da estrada de Coimbra à Figueira do- Foz no sector compreendido entre Maiorca s a Figueira da Foz e a eliminação daquela lamentável passagem de nível junto do Casal do Mato. A conclusão do alargamento e cia rectificação dessa estrada - cujas obras, iniciadas há poucos anos, devemos à boa vontade e à esclarecida inteligência do engenheiro Arantes e Oliveira - é da maior importância turística e do maior interesse para o desenvolvimento comercial do porto. É ela que há-de ser a espinha dorsal do escoamento rodoviário para o hinterland que o porto há-de servir, não só para a que respeita ao centro do País. mas também para uma extensa zona da Espanha, para o qual este porto virá a ter excepcional interesse.

Não pode haver solução de continuidade no programa lê alargamento e rectificação dessa estrada e, pelas mesmas razões, há que encarar para breve o alargamento e rectificação da estrada da Beira, via da maior importância para o desenvolvimento deste porto e para a orientação de todo o turismo internacional rodoviário. Outra obra urgente é o problema do equipamento do porto - locais acostável, os guindastes, os armazéns, os terralenos para depósitos de madeira e outras mercadorias, is madeiras em bruto e as trabalhadas, os resinosos, os .ar voes. a cal hidráulica, os cimentas, etc., são mercadorias tradicionalmente movimentadas neste porto, provenientes de industrias em pleno desenvolvimento, que calcem de extensos terraplenos e de grandes armazéns.

Não tenho, Sr. Presidente, de juntar quaisquer outras considerações ao que aqui disse o Sr. Deputado avisante acerca da categoria do porto da Figueira da Foz como terceiro porto comercial do País, nem a inteligente e exaustiva enumeração das possibilidades a desenvolver no sector do desenvolvimento agrícola, comercial, industrial, rodoviário e ferroviário de todo o hinterland que o há-de servir. Aplaudo, sem reservas, o que aqui nos expôs com o seu habitual brilho o com a sua já tradicional sobriedade e seriedade.

Hás há-de permitir-se-me que a respeito da pesca saliente a necessidade de ser prestado um maior apoio as unidades existentes destinadas à pesca longínqua do bacalhau, que seja reforçado o número de unidades que lhe estão atribuídas e que aqui deixe expresso o meu desejo do Ver regressar a Figueira as outras unidades e empresas que, pelas más condições do porto o barra, foram obrigadas a demandar outras regiões.

Pelo que se refere às unidades do pesca' costeira de arrasto, é igualmente necessário que o seu número seja aumentado.

A proximidade de excelentes pesqueiros, a facilidade de transportes, o extenso hinterland, justificam amplamente esse reforço.

Tudo isto virá dai- alento a este porto e aos excelentes estaleiros navais do Mondego, que têm dado exuberantes provas da sua competência técnica e da sua seriedade na construção naval e que têm condições para poder prestar ao País serviços do mais alto nível na sua especialidade.

Deixo todas estas razões e este apelo à consideração do nosso ilustre colega almirante Tenreiro, que a Figueira estima e admira e a quem todos os problemas cia pesca e da assistência social aos pescadores tanto estuo devendo.

Sr. Presidente: não quero concluir esta minha intervenção neste aviso prévio sem prestar a V. Ex.ª as minhas homenagens e agradecer-lhe as suas generosas deferências para comigo e sem deixar aqui uma palavra de esperança na solução que o Governo irá dar a toda este conjunto de problemas que tanto virão a valorizar não só a região que aqui represento, mas o próprio País.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi mito cumprimentado.

O Sr. Pinto Carneiro: - Sr. Presidente: numa exposição sobejamente elucidativa ao traçar a arquitectura geral do presente aviso prévia, sem descurar o trabalho do pormenor, o nosso distinto colega Nunes Barata evidenciou os benefícios que, para os concelhos das Doiras P pura u economia nacional, emergem do aproveitamento da bacia hidrográfica do Mondego.

Mas as potencialidades do maior rio que em terras portuguesas nasce e em águas portuguesas morre não se confinam tão-somente à sua capacidade energética, a beneficiação da agricultura, ao desenvolvimento da indústria, a correcção dos seus fluxos torrenciais e acção erosiva, e nos impulsos da sua projecção económico-social.

Vantagens de vária ordem, patenteadas no esplendor da palavra de outros ilustres oradores, advirão daquele arrojado empreendimento.

Neste momento sentir-me-ei desvanecido se a Câmara, generosamente esquecida da modéstia da minha palavra, se dignar conceder a sua benévola atenção para um aspecto daquele magno problema cuja relevância, se eu a não souber exaltar, o fulgor intelectual de VV. Ex.ª não deixará de encarecer.

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Reporto-me ao desenvolvimento turístico da bacia do Mondego, que constitui uma região pletórica de belezas paisagísticas, do admiráveis monumentos, de sedutoras tradições, de lendas sugestivas e de colorido folclore.

Neste aspecto, Coimbra e os concelhos adjacentes proporcionam ao turista Ávido de sensações cenários opulentos de recursos inexauríveis.

Sr. Presidente: foi Augusto de Castro quem escreveu:

No fundo, o turismo é a arte de vender sol, de vender paisagem, de vender natureza e historia.

Tem foros do incontroversa veracidade tal asserção.

Mas temos de aceitar que se ainda não são de mais os "compradores" do nosso sol, da nossa paisagem e da nossa história é porque nos tem desamparado o engenho de expormos no "mercado" turístico as prodigalidades sem conta que a natureza nos dispensou.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A paisagem geográfica e humana, de Portugal pode ser, se nós quisermos, fonte de emoções belas e reconforto espiritual para os que, de perto ou de longe, demandam belezas desconhecidas.

Já Ramalho, que talentosamente descrevera e tanto amara as coisas da nossa terra, afirmou que as viagens pelos recantos de Portugal "são indispensáveis para nos ensinarem a conhecer e a amar a Pátria pelo que nela é imortal e sagrado; pelo doce aspecto dos seus montes, dos seus vales, dos seus rios; pelo sorriso melancólico, mas contente, dos vinhedos, dos olivais, dos soutos, das hortas e dos pomares; pela tradição vivida nos monumentos arquitectónicos, nas romarias, nos contos, nas cantigas populares, nas indústrias caseiras, nas alfaias agrícolas, nas ferramentas dos ofícios rurais, na configuração dos lares".

Sr. Presidente: quando, com o misticismo dos romeiros da beleza, percorro o País de lês a lês; quando, alvoroçado, subo os píncaros do Geres, do Marão ou da Estrela, a alagar os olhos na claridade violácea dos horizontes e, recolhido, desço à planície ressumante de verdura e fertilidade; quando viajo pelo Minho gárrulo e florido, solene nas casas senhoriais e buliçoso nos descantes à desgarrada, e estreito num abraço o Algarve pequenino e donairoso como um presépio, onde a luz perfumada tem tonalidades de uma canção bíblica; quando me embriago na beleza rústica das nossas Beiras, que o homem musculoso e endurecido cava e fertiliza com ímpetos de leão, e me enterneço nas restevas alentejonas, por onde se dilui a toada dolente das suas canções; quando miro a esmeralda imensa do nosso céu ou a tela azul do nosso mar, tenho muitas vezes desejos de gritar com António Nobre:

Onde estão os pintores do meu pais estranho?

Onde estão eles, que não vêm pintar! ...

Sr. Presidente: desde que, há 51 anos, se relanceou o primeiro olhar pelo turismo em Portugal, gratas realizações se efectuaram, quer no plano nacional, quer no regional, através dos seus organismos superiores e das suas comissões e juntas, que o Código Administrativo incorporou no seu ordenamento legal, numa visão menos exacta do problema, pois não parece plausível que se demarquem as zonas de turismo pelos limites das circunscrições administrativas.

Seria injustiça, que não cometo, ignorar aquilo que se fez, mas constituiria diletantismo descabido não reconhecer o muito que há a fazer.

Urge que o turismo seja elevado ao nível dos grandes problemas nacionais, mercê de uma reforma do estrutura, quer na delimitação das regiões turísticas, quer na orgânica dos seus corpos administrativos, quer no quadro do seu pessoal, quer nos meios de actuação e difusão, quer na localização dos seus postos de informação, quer na sua orgânica financeira, quer na autonomia da sua vida administrativa.

Um turismo como o nosso, fragmentado por meia centena de comissões municipais e três dezenas e meia de juntas de turismo, umas desarticuladas, outras inoperantes, financeiramente débeis quase todas, pouco poderá fazer do muito que é legítimo exigir-se-lhe a bem do nosso prestígio e da economia nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: numa reforma básica do turismo português, cujo ritmo os favores da fortuna hão-de, por certo, acelerar, Coimbra, com todo o seu património de riquezas naturais e artísticas, acrescido de forma incalculável com o aproveitamento do Mondego, pelo qual pugnamos, poderá constituir o centro de uma notável região turística.

Como já ponderou Amorim Girão, a paisagem de Coimbra é variada na constituição do solo, onde se aglomeram elementos geológicos heterogéneos; no relevo orográfico, em que sobressaem as serras luminosas da Lousa e do Buçaco, cujos cumes contemplam virentes planícies que se dilatam até aos longes da distância.

Coimbra é variada nas condições hidrográficas, com uma rede de pequenos rios, além do Mondego, sinuosos e pitorescos, a darem voz à terra, como diria Balzac, e com estâncias termais de renome assinalado a oferecerem saúde e repouso a quem, esperançado, as procura; no revestimento florestal, onde negrejam os pinhais, frutificam as vinhas, os olivedos, os laranjais é medram viçosos os Salgueiros, os olmos e os choupais.

Coimbra é variada, por fim, no aspecto antropogeográfico, em que o homem, afim da terra e das coisas, mantém, apesar de tudo, uma fisionomia característica nos ritmos psicossociais, a que Bergson chamou élan vital.

Coimbra, com as Beiras que a circundam, oferece aos olhos curiosos do viajante sôfrego de imprevistos e de emoções fortes um dos mais belos, dos mais sugestivos, dos mais inspiradores, retalhos da paisagem portuguesa.

Por isso, Coimbra tem de constituir um centro de turismo irradiante.

Coimbra tem a sua Universidade, gloriosa de tradições no mundo da língua portuguesa e curiosa na pompa dos seus rituais, onde se surpreende uma Academia estuante que, agarrada às suas praxes multisseculares, quando cintila a sua boa estrela, sabe ser irreverente e elegante, aguerrida e generosa.

Coimbra tem admiráveis monumentos que constituem magníficos exemplares arquitectónicos, como, e entre tantos outros, a Sé Velha, Santiago, Santa Clara, S. Salvador, Almedina e a carcomida Igreja de Santa Cruz, onde dormem, num clarão de glória, as cinzas do nosso primeiro rei, cujo túmulo já há muito deveria ser veludo, nas hora de serviço, por uma sentinela perfilada que, a semelhança do túmulo do soldado desconhecido, assinalasse, com sua presença, aos visitantes que ali descansa o bravo lutador sem o qual Portugal não teria existido, como afirma Herculano.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Coimbra no domínio das artes plásticas tem no Seu inventario autênticas jóias representativas de todos os nossos ciclos artísticos, desde os medievais até aos contemporâneos.

Coimbra tem graciosos jardins e frondosas alamedas, como o Jardim Botânico único em Portugal, a Alameda de Santa Cruz, o Parque Manuel Braga, o Choupal e a mata do Vale de Canas.

Coimbra tem nos seus miradouros sínteses de beleza incomparável, como o Penedo da Saudade, o Penedo da Meditação e o Vale do Inferno.

Coimbra tem recantos onde o bucolismo do local vivo em noivado perene com o romantismo da tradição, como a Quinta das Lagrimas e a Lapa dos Esteios.

Coimbra tem encantos, como o Portugal dos Pequeninos, que, apesar de ser dos pequeninos, é para os grandes motivo de aliciante atracção pela sua originalidade, pelo seu fino gosto e pelo seu simbolismo altamente educativo.

Coimbra tem as suas festas, como a romaria da Rússia Santa, luzeiro de milhares de peregrinos, a Queima das Fitos, transbordante de graça e de alegria, e as +fogueiras" dos santos populares, que em Coimbra revestem características especiais.

Coimbra tem os seus tipos humanos, em que se salienta o "estudante", de capa e batina, e a "tricana", de xale a tiracole ou traçado sobre o ombro, e que infelizmente se vai esbatendo nas exigências dissolventes da moda.

Coimbra tem as suas canções, em que avultam os fados e as serenatas, as marchas das "fogueiras" e as cantigas dos seus numerosos ranchos.

Coimbra tem também uma doçaria regional, como os pastéis de Santa Clara, as arrufadas de Coimbra, as queijadas de Pereira, os pastais de Tentúgal, os bolos de coroa e as espigas de Montemor.

Na alma do povo de Coimbra vivem factos adormecidos que a lenda rendilhou de magia e de beleza, como o Bispo Negro, Inês de Castro, a Fonte dos Amores e o Milagre das Rosas.

Por isso, e não obstante o nosso movimento turístico ser acentuadamente reduzido em confronto com outros países, como a Franca, a Suíça, a Itália e a nossa vizinha Espanha, os estrangeiros que se utilizaram dos serviços de turismo da cidade de Coimbra atingiram em 1957 o número de 9598; em 1958, 9276; em 1959, 13 516; em 1960, 19 784; em 1961, 15 598, e em 1962, excluindo o mês de Dezembro, 12 395.

Um eficiente aproveitamento turístico de Coimbra exige a urbanização condigna da mata do Vale de Canas e que se não percam de vista os preciosos recursos do Choupal, cujas artérias interiores, no estado de abandono a que foram votadas, são, no Inverno, cursos de Agua e, no Verão, montões de areia, devendo ser ligado ao aglomerado citadino pela avenida marginal, cujo prolongamento se impõe.

Numa época de velocidade não se pode descurar, também, u conclusão, que já vai tardando, do campo de aviação de Coimbra, cujos pistas, já rasgadas, aguardam apenas a pavimentação para darem a toda a região o seu valioso concurso.

Não obstante a louvável iniciativa privada neste sector, Coimbra carece de uma revisão da sua indústria hoteleira, pois, no presente, além de algumas pensões, tem dois hotéis de 1ª classe, três de 3.ª, mas não tem nenhum hotel de 2.ª classe, o que constitui uma lacuna que é imperioso preencher.

O aproveitamento do Mondego permitirá também a formação de um regolfo junto da cidade, para natação e praia fluvial, que será do maior alcance turístico numa zona que no Estio, é dadejada pelos raios de um sol que nem sempre se mostra afagoso e clemente.

As albufeiras o lagos artificiais resultantes daquele aproveitamento proporcionarão o desporto da vela. do remo e do esqui aquático na zona central do País.

Sr. Presidente: o aproveitamento da bacia do Mondego, que já foi objecto de numerosos estudos doutamente elaborados pela Companhia Eléctrica das Beiras, proporcionará o incremento turístico, não apenas de Coimbra, mas de outras localidades, entre as quais se destaca a Figueira da Foz onde só polarizam recursos extraordinários que ainda não foram devidamente considerados. E nem só a cidade, mas todo o conjunto dos seus arredores, sentirá o dealbar de um surto de progresso.

Da serra da Boa Viagem, em instantâneos surpreendentes, o turista descortina a altivez da montanha, a amenidade de imensas planuras e a sedução de um mar majestoso.

Serra dotada de condições apreciáveis para o desporto, designadamente a caça e o golfe em certas áreas, deverá ver as suas lombas e vertentes enriquecidas com o conforto de convidativas estalagens, magnífico complemento hoteleiro da risonha cidade que bucolicamente se espalma a seus pés.

As lagoas de Quiaios, ainda tão pouco conhecidas do grande público, podem constituir um admirável recanto do pesca desportiva desde que se proceda ao seu povoamento com espécies adequadas.

As praias da Figueira, com areias aveludadas e invulgares cambiantes de luz, acorrem não só os nacionais, mas numerosos estrangeiros, mormente os espanhóis das regiões de Salamanca, de Cáceres e de Badajoz, ambiciosos de brisas e de mar refrescantes que a natureza lhes não prodigalizou.

E nem se diga que a temperatura das águas do mar da Figueira, que oscila entre 15º e 17º, não é a mais cobiçada pelo turista estrangeiro que viria a Portugal na mira de águas mais tépidas, pois aquela temperatura é a mais aconselhável na época estival e, designadamente, para turistas oriundos de climas menos temperados que o nosso.

O aproveitamento integral do Mondego possibilitará ainda a abertura da estrada marginal entre Coimbra e a Figueira, numa perspectiva de benefícios que seria supérfluo encarecer.

Outro local de turismo que aguarda impaciente a hora em que se lhe faça justiça é o pitoresco burgo de Mira, com a sua praia de mar sereno e de floresta acolhedora e a sua barrinha de água doce, de margens caprichosas, atufadas de verdura e de flores silvestres, que brotam a esmo numa feiticeira policromia. Pois esta praia ainda há pouco não possuía uma estação de correio.

Quando soará a hora em que os órgãos do turismo olhem com magnanimidade e solicitude para a praia de Mira, descobrindo aos olhos do visitante as belezas que ela encerra?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: não é só Coimbra que beneficiará turisticamente do aproveitamento do Mondego, mas toda a região que a circunda e se perde pelas Beiras dentro, desde o mar até aos oure-los nevados da Estrala.

E Condeixa com as suas valiosas ruínas romanas, por onde pairam rondas evocativas.

É Montemor-o-Velho e Penela, com os seus admiráveis castelos, onde ainda se descobre a glória de passadas eras.

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9 DE JANEIRO DE 1963 1761.

E a Lousã, com os seus monumentos e a sua seira soberba de cumeadas e impressionante de ravinas e barrocais.

E esse magnífico triângulo turístico por onde o visitante, coleando vertentes graciosas e ribas alcantiladas, torneia Penacova e, deixando à esquerda o Mosteiro de Lorvão, tilo pejado de arte como de tradições, descobre os incomparáveis panoramas do Buçaco e do Luso, e, espreitando ainda a estância da Cúria, regressa a Coimbra com os olhos deslumbrados de beleza, depois de ter dialogado com as coisas, com os horizontes e com as alturas.

Região de serras altas e de terra chã, de maciços florestais e abertos descampados, de estâncias termais e praias douradas, de aguarelas fortes e tonalidades repousantes, por onde se expande o sonho das almas, Coimbra, com o aproveitamento das virtualidades que o Mondego lhe oferece, tem de erguer-se e bracejar como centro de uma das mais aprazíveis regiões turísticas de Portugal.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

Amanhã haverá sessão com a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 25 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto da Bocha Cardoso de Matos.
André Francisco Navarro.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Carneiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Jorge Augusto Correia.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Rogério Vargas Moniz.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Gonçalves de Faria.
António Martins da Cruz.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Fernando António da Veiga Frade.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Tarujo de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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