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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 73

ANO DE 1963 23 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA, EM 22 DE JANEIRO

Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos - Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença;
Luís Folhadela de Oliveira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 hora o 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 70.

Foi lido o expediente.

Para efeito do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foram recebidos na Mesa os n.01 18 e 13 do Diário do Governo, 1.ª série, que inserem os Decretos-leis n.º 44 851, 44 8S3 e 44,854.

O Sr. Deputado Franco Falcão foi autorizado a depor como testemunha no 8.º juízo correccional de Lisboa.

Foram recebidos na Mesa e entregues ao requerente os elementos solicitados pelo Sr. Deputado Jorge Augusto Correia na sessão do 7 do corrente.

O Sr.- Deputado Dias Correia falou sobre a necessidade de desassorear a lagoa de Óbidos.

O Sr. Deputado Pinto Carneiro referiu-se a vários aspectos do anticolonialismo.

O Sr. Deputado Pinheiro da Silva analisou algumas questões emergentes dos últimos acontecimentos universitários.

O Sr. Deputado Armando Sampaio requereu alguns elementos a fornecer pelo Ministério da Saúde e Assistência.

Também o Sr. Deputado Cutileiro Ferreira requereu elementos a fornecer pelo Ministério da Educação Nacional.

Ordem do dia. - Começou o debate na generalidade da proposta de lei sobre saúde mentol. Usou da palavra o Sr. Deputado Santos Dessa. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada. Eram 16 horas o 5 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Magro Borges de Araújo.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Francisco Coelho Sampaio.

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Armando José Perdigão.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Fimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
José Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga 4e Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 79 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está na Mesa o Diário das Sessões n.º 70, correspondente a sessão de 15 do corrente. Está em reclamação.

Pausa.

O Sr. Presidente: -Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, considera-o aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente Oficias

Diversos a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Calheiros Lopes sobre a industrialização do distrito de Santarém.

Telegramas

Vários a agradecer a intervenção do Sr. Deputado Moura Ramos em defesa dos proprietários dos campos do Lis.

De Henrique Cruz a- apoiar o discurso do Sr. Deputado Reis Faria acerca da indústria e do comércio de madeiras.

Do Presidente da Câmara Municipal do Fogo a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Bento Levi na sessão de 8 do corrente.

O Sr. Presidente: -Para efeitos do disposto no § 8.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.º 12 e 13 do Diário do Governo, 1.º série, de 15 e 36 do corrente, que inserem os seguintes Decretos-lei: n.º 44 851, que autoriza a Direcção-Geral da Fazenda Pública a ceder, a título definitivo, à Câmara Municipal de Almada uma parcela de terreno situada na Fonte da Telha, freguesia da Costa da Caparica, destinada a construção de uma escola primária; n.º 44 853, que dá nova redacção ao artigo 53.º do Decreto-lei n.º 26 117, que reorganiza os serviços do Ministério das Obras Públicas, e n.º 44 854, que estabelece o regime por que deve reger-se durante o ano de 1963 o Fundo de Socorro Social, instituído pelo Decreto-Lei n.º 35 427.

Está na Mesa um ofício do 8.º juízo correccional de Lisboa, a pedir à Câmara que o Sr. Deputado Franco Falcão seja autorizado a ir depor como testemunha naquele tribunal no próximo dia 28. O Sr. Deputado Franco Falcão informa que não vê qualquer inconveniente para a sua actuação parlamentar em que a referida autorização lhe seja concedida.

Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização.

O Sr. Presidente:- Estudo na Mesa os elementos pedidos pelo Sr. Deputado Jorge Augusto Correia em requerimento apresentado na sessão de 7 do corrente. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.

Tem a palavra, antes da ordem do dia, o Sr. Deputado Dias Correia.

O Sr. Dias Correia: - Sr. Presidente: o distrito de Leiria, a que me honro de pertencer e que me escolheu para ser um dos seus representantes nesta magna Assembleia, é um dos maiores e mais ricos do nosso país e talvez aquele que pode proporcionar aos turistas as mais variadas atracções e belezas naturais do maior interesse para o turismo e a economia nacionais.

Quem o atravessar na sua maior extensão terá de percorrer cerca de 200 km de boa estrada; e desde o con-

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celho de Castanheta de Pêra, que lhe fica na parte cimeira ao norte, com a sua altitude média de 600 m, até aos concelhos do Bombarral e Peniche, que lhe ficam ao sul e quase ao nível do mar, poderá admirar extasiado uma diversidade de belezas sem par, desde a paisagem serrana, com as suas ravinas e vales profundos, onde por vezes só o pinheiro consegue crescer, até à mais suave planura de campos férteis e várzeas fecundas e as praias maravilhosas de S. Pedro de Manuel, Nazaré, S. Martinho do Porto, Baleai e tantas outras.

Nele ficam situados alguns dos mais ricos e históricos monumentos nacionais, entre os quais figuram os Mosteiros de Santa Maria da Vitória e de Alcobaça, os Castelos de Leiria, de Óbidos e outros.

A sua indústria vidreira figura em primeiro lugar no País, a de lanifícios em terceiro e as de resinosos, madeiras e cerâmica são igualmente das mais importantes na economia nacional, o mesmo acontecendo em relação aos seus portos de pesca da Nazaré e Peniche,' cujos rendimentos anuais atingem cifras de muitos milhares de contos.

Vem tudo isto à guisa de intróito para o assunto que pretendo versar e que considero do maior interesse para o turismo nacional e, em especial, para os concelhos das Caldas da Bainha e de Óbidos.

Quero referir-me à lagoa de Óbidos, que fica situada, na sua maior extensão, dentro do concelho que lhe deu o nome e vai confinar com o mar nu praia da Foz do Arelho, banhando uma boa parte desta mesma freguesia.

A caça e u pesca na lagoa são desportos favoritos de todos quantos conhecem aquele local, dadas as suas condições privilegiadas, o mesmo acontecendo com os que praticam o remo, a vela e a natação.

Ela constitui desde há longos anos um dos mais importantes motivos de atracção de toda aquela região, e de modo particular das Caldas da Bainha, que alguém já considerou como fulcro ou sede de uma vasta zona turística a criar oportunamente, dadas as excepcionais condições que reúne aquela cidade, na qual funciona desde ha séculos o mais antigo hospital termal do Mundo inteiro e que entre nós é hoje considerado legalmente como hospital central da zona sul, que é o Hospital Termal Bainha D. Leonor, pertencente à Fundação do mesmo nome.

A. lagoa de Óbidos é a maior de Portugal continental e, pela sua configuração e magnífica situação geográfica, é uma das mais belas atracções turísticas daquela região, e até do País.

Com o seu comprimento superior a 6 km, por mais de 3 km de largura, é nela que os milhares de habitantes das povoações que a circundam vão ganhar o pão de cada dia, na faina da pesca e na colheita das algas e do limo.

Durante todo o ano, e principalmente na época estival, acorrem ali dezenas de milhares de pessoas de todos os pontos do País, para nela gozarem os fins de semana durante o Inverno e as suas férias na época de Verão.

A amenidade do seu clima, os pinhais que a envolvem, a variedade da sua fauna piscícola e a pouca distância a que fica da cidade das Caldas da Bainha, a que está ligada por escassos 10 km de boa estrada alcatroada, proporcionam ao visitante condições de excepcional beleza e comodidade.

Durante os meses de Verão é na mesma lagoa que milhares de banhistas tomam o seu banho, pois raros são os dias em que é possível fazê-lo no mar, que lhe fica próximo, dada a braveza quase permanente das suas ondas.

Foi devido u mesma lagoa que a Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho ali adquiriu o Palácio Gran-dela com a sua cerca e nela mandou construir os magníficos edifícios, que albergam milhares dos seus associados durante o ano, sobranceiros a lagoa, donde se desfruta uma das mais belas paisagens portuguesas, que pode considerar-se deslumbrante.

Merece neste momento uma palavra de homenagem e gratidão, e faço-o muito gostosamente deste lugar, o nosso ilustre colega Sr. Deputado Veiga de Macedo, a quem as Caldas da Rainha e a Foz do Arelho muito devem, pela criação de uma vara do Tribunal do Trabalho naquela cidade e pelo incremento que deu à freguesia e praia da Foz do Arelho, enquanto Ministro das Corporações e Previdência Social, quando mandou construir os belos edifícios que ali se encontram e quê suo propriedade da Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, razão por que em nome daquele concelho lhe exprimo reconhecidamente o agradecimento que lhe é devido.

Em contraste com o que acima deixo referido, e porque a fúria do mar não se compadece com a obra maravilhosa de Deus, a lagoa está a assorear-se de tal modo que se prevê o seu desaparecimento dentro de poucos anos, se não lhe acudirem com urgência.

Antigamente a lagoa mantinha-se em comunicação directa com o mar durante uma parte do ano, o que lhe permitia renovar a agua diariamente, com as marés, e ao mesmo tempo manter em abundância enorme variedade de peixes e mariscos, que constituíam uma das suas maiores riquezas.

O braço do homem só era necessário para abrir a comunicação com o mar, na época própria de. cada ano, quando uma estreita faixa de areia os separava; mas, nos últimos anos, essa abertura de comunicação tornou-se impraticável, dada a grande extensão de areia que passou a existir entre o mar e a lagoa e que é necessário remover para os ligar.

No passado ano de 1962, apesar dos esforços e boa vontade dispensados pelo presidente da Câmara Municipal das Caldas da Bainha e pelos serviços hidráulicos, que ali tiveram uma escavadora a funcionar durante algumas semanas, não foi possível manter a comunicação da lagoa com o mar, e, por tal razão, a maior parte dos banhistas afastou-se. dela, com grave prejuízo para todos.

A venda dos belos mariscos que nela abundam foi proibida pela Direcção-Geral de Saúde nos longos períodos em que fica isolada pela grande extensão de areia que a separa do oceano.

As chuvas torrenciais que caíram durante as últimas semanas encheram-na de lês a lês, alagando os campos marginais e ameaçando invadir a estrada nacional que lhe fica próxima, com a grave consequência da sua destruição, o que só por milagre não aconteceu, devido a um estreito canal que o peso da água ali contida rasgou para se esvaziar no mar, há poucos dias ainda.

Mas esta comunicação é transitória e não se mantém por muito tempo, podendo fechar em poucas horas e de um momento para o outro.

Quando a lagoa fica isolada do mar durante muitos meses, as suas águas ficam represadas, dando lugar à morte do peixe e ao afastamento dos que a utilizam como praia de banhos.

Para que a lagoa se mantenha com todas as suas riquezas e atracções é indispensável estabelecer a comunicação das suas águas com as do mar com carácter permanente.

E porque o assoreamento dos últimos anos aumentou consideravelmente, já não basta o trabalho manual dos homens daquelas localidades, que antigamente escavavam essa pequena vivia de comunicação, mas sim é necessária a intervenção do respectivo departamento do Estado para a realização da obra, que é grande e de certo modo dispendiosa.

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Seja qual for o tempo de duração da sua precária comunicação com o mar, isto é, com a actual comunicação ou sem ela, a lagoa está condenada a perder-se irremediavelmente e com ela o turismo e a riqueza da região, com o correspondente reflexo na economia nacional, se o nosso Governo n3o intervier eficazmente e com a maior urgência.

Segundo informação de técnicos competentes, ainda é tempo para salvar a lagoa da sua perda total e de evitar que fiquem empobrecidas as populações que dela vivem exclusivamente.

Para tanto bastará levar por diante as obras que se impõe fazer-lhe, ainda que com o dispêndio de alguns milhares de contos, pois o turismo e a economia nacionais serão bem recompensados de tudo o que ali for gasto.

Ouvi dizer a alguém, que considero da maior competência nesta matéria, que um sistema especial de comportas ;i estabelecer em determinado local da praia não só impediria 11 invasão das areias trazidas pelo mar, e que provocam o assoreamento, mas também facilitaria e conduziria 111 é ao desassoreamento da lagoa.

Mas esta referência nada quer dizer, pois que a parte técnica é para os especializados, e não para mim, que não sou técnico de engenharia.

Apesar das enormes responsabilidades financeiras ocasionadas pelos acontecimentos nas nossas províncias ultramarinas, o nosso Governo tem sabido levar a bom termo e com segurança, tal como vem fazendo de há mais de 80 anos a esta parte, um surto de realizações e de progresso nunca anteriormente igualado, em todos os cantos de Portugal, de aquém e de além-mar, tendo já iniciado a obra mais dispendiosa deste século, que é a ponte sobre o Tejo em Lisboa; por isso, devemos continuar a manifestar-lhe a confiança que sempre nos mereceu, na esperança, e até na certeza, de que a obra da lagoa de Óbidos será realizada com a urgência que se impõe.

Aqui fica o apelo que faço ao Sr. Ministro das Obras Públicas, para que dispense a nossa lagoa a atenção que esta lhe deve merecer, incluindo-a na sua agenda de trabalhos na visita que dentro em breve irá fazer aos concelhos das Caldas da Bainha e de Óbidos.

Igual apelo daqui dirijo ao Sr. Subsecretário de Estado da Presidência, Dr. José Venâncio Paulo Rodrigues, a quem presto a devida homenagem, manifestando-lhe a minha grande admiração e apreço pela maneira sensata e inteligente com que nesta Assembleia representou o mesmo distrito de Leiria até ser guindado ao alto cargo que actualmente ocupa, na certeza em que fico de que o ilustre governante há-de dispensar à terra que lhe serviu de berço o carinho e interesse que por ela sempre demonstrou e que agora poderá mais uma vez testemunhar-lhe.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinto Carneiro: - Sr. Presidente: Vieira, O orador português sem par em toda a nossa literatura, desferindo um dos seus voos gigantescos na arte sublime da eloquência, assinalou neste Afundo angustiado três espécies de mortais vitimados por uma estranha "cegueira de olhos abertos".

Cegos que vêem e não vêem juntamente; cegos que vêem uma coisa por outra; cegos que vêem tudo, só não vêem que estão cegos.

O génio de Vieira, numa profunda análise extrospectiva, focou o panorama psicossocial do seu tempo. Mas a veracidade do seu asserto transpõe a muralha dos séculos e projecta-se nos caminhos do futuro.

Na verdade, se .no conspecto da época contemporânea volvermos o olhar pelo teatro político do Mundo, surpreenderemos nas galerias do Poder figuras que avultam na diletante presunção de verem tudo, só não vêem que estão cegos.

Assim se explica que, perante a mística aguerrida, insidiosa e persistente dos países emoldurados na sinistra cortina de ferro, cuja infiltração expansionista desconhece obstáculos e barreiras, o Ocidente pareça cansado, tímido, ferido de patética e fatídica complacência. E, na estranha filantropia de acalentar a cúspide virulenta que já lhe vai mordendo o peito, o Ocidente vai estendendo as mãos ao espectro das flâmulas vermelhas e, em vez de obturar os ouvidos e velejai: ao largo, como na epopeia virgiliana, parece consentir que a sua nau, enfeitiçada por novas melodias, se despedace nas escarpas traiçoeiras do oceano.

Sr. Presidente: vivem os povos o doce enlevo do princípio da autodeterminação, fascinando os incautos que o abraçam entre cânticos de alvorada; mas, na volúpia alucinante com que o festejam, ninguém até hoje lhe definiu, com rigor, o conteúdo e lhe delimitou, com precisão, os contornos.

Até a O. N. U., cuja cegueira tonto carece dos cuidados de solícitos oftalmologistas, no confuso vozear das suas .investidas, de sessão para sessão ou de caso paru caso, o torno- mais esfumado e movediço, ampliando ou restringindo o seu significado, conforme a coloração da pele ou das ideias dos comparsas intervenientes.

Na germinação latente de intuitos que se adivinham ou na aura que circunda a conquista de ruidosos prose-litismo o Ocidente esquece que o princípio da autodeterminação, na forma demagógica em que se corporiza, é o corolário das teses incendiárias de Lenine que, em 1921, plasmaram a segurança internacional comunista.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nessa pira flamante sobre a qual drapejava o pensamento totalitário de domínio universal se caldeou o programa dos nacionalismos indígenas, aí se delineou a infiltração de agentes disfarçados em conselheiros e dirigentes sindicais, aí se propôs o auxílio financeiro e técnico para o prosseguimento de tais objectivos, aí se forjou a ideia macabra dos ataques terroristas.

A continuidade deste pensamento logo se consolidou quando, em 1028, Estaline arquitectou as linhas mestras de uma federação das repúblicas soviéticas com os povos coloniais pretensamente oprimidos.

E, para que a combustão modeladora do pensamento de Marx e de Lenine tomasse novos alentos, em 1047 Zhukov apressa-se a identificar os movimentos da libertação das colónias com a luta do proletariado, para nove anos depois Kruschtchev, enfático e arrogante, no tropel de promessas e ilusões com que alicia servidores e tripudia sobre multidões narcotizadas, proclamar solenemente "a decomposição do sistema colonial do imperialismo".

Agitando, fremente e emocionada, o estandarte da autodeterminação, a astúcia soviética fomenta a proliferação de novas soberanias, mas, constituídas estas, imediatamente altera os pólos da sua táctica, atrofiando-as, perturbando-as, criando-lhes um condicionalismo de insegurança e confusão demolidora.

Mas no Ocidente há chefes políticos que supõem ver tudo, só não vêem que estão cegos ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Sr. Presidente: nesta desolada época de mitos ideológicos, de fantasias políticas e de pregões sedutores, afaga os ouvidos de muitos povos ocidentais o princípio do anticolonialismo, que, tal e qual é apresentado pela maioria dos seus estrénuos paladinos, também vai haurindo nas raízes comunistas a seiva de que se aviventa.

Já Karl Marx e Lenine pretenderam ver no colonialismo apenas o fantasma da tirania e a volúpia de lucros amaldiçoados, identificando expressamente a colonização com a exploração, e, no humanitarismo aparente com que ataviaram a sua real desumanidade, sonharam uma «aliança natural» do comunismo «redentor» com os povos oprimidos pelo tão apregoado despotismo das nações colonizadoras.

Não esquecendo as benemerências da colonização em cultura, em formação espiritual, em libertação do barbarismo, em vias de comunicação, em portos, em sanidade, em estabelecimentos hospitalares, em escolas, em progresso técnico, industrial e agrícola, na conquista de mercados, na mobilização de mão-de-obra, na fixação de núcleos populacionais, numa série ininterrupta de utilidades para os povos colonizados, não esquecendo todos estes benefícios, que sem colonização seriam inviáveis, nós também somos contra o colonialismo, no sentido pejorativo com que o termo corre fama, pois nunca praticámos colonialismo à russa, nem à asiática, nem de qualquer outra forma que não seja o progresso profundamente humano e entranhadamente cristão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A linha de rumo da nossa colonização assenta nesta norma sublime: brancos ou negros, amarelos ou peles-vermelhas, todos somos irmãos.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - 33 certo que nações poderosas e civilizadas como os Estados Unidos nem sempre têm comungado do nosso ponto de vista.

Mas a grande nação americana não esquece que a independência que usufrui não se alicerçou na emancipação dos povos autóctones, mas na repressão dos aborígenes, de que resta uma reserva em desafortunada condição social - colorido rebanho humano para fins turísticos neste contraditório século XX em que tanto se fala em direitos do homem e em dignidade da pessoa humana.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os Estados Unidos não poderão esquecer que fizeram a integração do Alasca e do Hawai e que no Pacífico têm sob a sua jurisdição territórios insulares em verdadeiro regime colonial, a cujos habitantes não são reconhecidos direitos políticos nem cidadania americana.

O Sr. Pinheiro da Silva: - Muito bem!

O Orador: - Não fazemos, Sr. Presidente, colonização à russa, que subjuga, esmaga e explora económicamente nações culturalmente diferenciadas que já fruíram da mais ampla independência política, com fronteiras geogràficamente demarcadas.

E assim, sem qualquer espécie de pudor, e não falando já na coerciva sovietização dos países satélites, a Rússia incorpora nos seus domínios povos de 27 nacionalidades, falando línguas diferentes e constituindo diferenciadas etnias.

Será em nome do anticolonialismo que, só na Europa, a Rússia exerce a sua hegemonia sobre gentes que integram onze nações: Albânia, Alemanha Oriental, Bulgária, Checoslováquia, Estónia, Letónia e Lituânia, Polónia, Hungria, Jugoslávia e Roménia?

Será em nome do anticolonialismo que a Rússia, só no período do pós-guerra, já incorporou no seu território mais de 13 000 000 km2?

Será em nome do anticolonialismo que as gentes submetidas ao imperialismo moscovita, que em 1945 constituíam apenas 8 por cento da população mundial, no nosso tempo já ascendem a 33 por cento?

Não será contra o colonialismo russo que a Hungria há-de erguer-se, na história trágica do Mundo, como um grito sangrento de ré vindicta?

E quem não vê o turbilhão do imperialismo russo, alastrando pela Ásia, pela África e até pela América, cumprindo com fidelidade geométrica o programa de Lenine. despertando movimentos de nacionalismos exacerbados, organizando frentes de libertação, treinando guerrilhas e terroristas, fornecendo armamento, fazendo retiradas estratégicas, firmando acordos comerciais, prestando assistência técnica, instruindo nas suas Universidades estudantes arregimentados a quem familiariza nos segredos do marxismo, do materialismo histórico e nas perversidades do anarquismo?

O Sr. Pinheiro da Silva: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, Sr. Presidente, os olhos ocidentais sofrerão tão prolongada miopia que não vejam o colonialismo asiático, langoroso e rastejante, envolvendo nas suas espiras grandes parcelas do continente africano, na mira de expulsar dali o branco e amanhã submeter o negro à hegemonia do amarelo, preenchendo os espaços vazios com o fluxo dos seus excedentes demográficos?

O Sr. Pinheiro da Silva: - Muito bem!

O Orador: - A conferência de Nova Deli, sob os auspícios do vesgo pacifismo de Nehru; a conferência de Bandung, onde a China Vermelha pontificou com autoridade e com êxito; a conferência do Cairo, em que o Egipto depôs no rosto da União Soviética o beijo da fraternidade socialista; a conferência de Acra, onde NKrumah, olhando da sala das sessões a cadeia que o recolhera como presidiário, salpicou de bílis a velha fronte da Europa, todas estas conferências deixam ver, a plena luz, as infrenes ambições do imperialismo asiático.

Espanto-me, Sr. Presidente, de que o Mundo não veja as fauces hiantes de Nehru, que deglutiu Goa, Damão e Diu, Caxemira, o Heiderabad e o Nepal; que cinicamente tritura os indefesos nagas; que, mergulhado no charco das suas ambições, afagando sofregamente os dólares e as libras com que os Estados Unidos e a Inglaterra têm laureado a sua política de mentira e de agressão, ainda volve as suas pupilas ressumantes de paludismo político para as bandas da África Oriental, procurando transformá-la em couto de ribaldos indianos, saídos de uma enorme massa populacional onde a reverberação faustosa de poucos contrasta com a execranda miséria de autênticas carcaças humanas, ressequidas de fome, como múmias antigas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No Ocidente todos deveriam ver isto, mas muitos que blasonam da agudeza dos seus olhos não vêem que estão cegos

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Mas, neste aspecto da política internacional, Sr. Presidente, a cegueira mais lastimosa e incurável atingiu as Nações Unidas, essa Babilónia do século xx, onde o arteirismo tem um trono e a mentira venerável audiência; esse pretório histriónico onde os culpados se erguem como acusadores e os inocentes são abominàvelmente sentenciados como réus.

Que há a esperar das Nações Unidas, onde a legalidade foi substituída pelo oportunismo, a ética pelos expedientes da maioria e a análise serena dos factos pela visão deturpada, fantasiosa e emocionante de títeres em mórbido delírio?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Que há a esperar dessas Nações Unidas que se estadeiam num plenário demagógico, exibicionista e inútil e depois se fragmentam em comissões e subcomissões que são os bastidores onde se encenam os actos de uma autêntica farsa que, num assomo de paixão violenta, poderá redundar em deplorável tragédia?

Nenhum português poderá confiar numa organização que, através de excêntricas comissões para as nossas províncias ultramarinas, tem a insolente ousadia de silenciar o esforço gigantesco por nós despendido em prol da civilização e, em contrapartida, louva a perversidade do banditismo terrorista, consagrando sicários, assassinos e traidores embuçados no delido bioco de ridículos chefes políticos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De uma organização internacional de má língua, de más intenções e de más contas nada mais há a esperar, ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... além do recrudescimento de lutas ideológicas, de conflitos de interesses e de brechas sangrentas na solidariedade dos povos.

Não creio Sr. Presidente, que, pela natureza dos interesses que ali se debatem, pelo sistema de trabalho e de votação dos grupos previamente comprometidos e pela inconsciência de certas delegações, algum dia a O. N. U. nos faça justiça.

Pode a nossa razão ser pura como a linfa das rochas e luminosa como o sol das Primaveras. Apesar disso, dentro da teia das Nações Unidas não conseguirá triunfar sobre as águas pantanosas em que uns navegam nem desanuviar as sombras simuladoras com que outros se disfarçam.

Mas estou de igual modo convencido de que a O. N.º U. acabará por desmoronar-se carcomida das suas próprias iniquidades e envergonhada da sua fragorosa inutilidade.

Os seus frenéticos bramidos mergulharão no vácuo imenso das coisas sem valor e, então, sobre o Mundo amanhecerá a hora da verdade e da justiça.

Sr. Presidente: neste momento conturbado para a humanidade consciente da sua missão aquece-me o peito a certeza na vitória deste bastião ibérico que se ergue entre o resto da Europa e a África como Atlante da velha e gloriosa civilização.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Enquanto as tempestades embravecidas rugem, fustigando a loucura dos homens, Portugal, com uma firmeza a que o Mundo não estava habituado, teima em manter acesas aquelas últimas brasas que restam da civilização ocidental.

Mas, para que este lume bendito se não extinga na lareira onde crepitam as nossas esperanças, mais do que nunca é preciso estarmos alerta e consolidarmos a união de todos os portugueses de boa vontade contra o inimigo comum.

Vozes: - Muito bom!

O Orador: - A Pátria fulminará com o seu anátema aqueles que semeiam a discórdia e satânicamente desunem a velha casa lusitana.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, em horas de febre e de vigília, retemperados pela paz ou curtidos pela luta, todos temos de trabalhar com estoicismo, com fé e com ardor.

Permanecer inerte ou indiferente é dormir à beira do abismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tenho veneração por aqueles que, militando nas nossas fileiras, servem com amor o nosso ideal.

Respeito aqueles que, pensando de forma diferente, nos criticam com fins construtivos, visando apenas o aperfeiçoamento das instituições o os altos interesses nacionais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas provocam-me fastio os políticos bailarinos que se ensaiam para dançarem todas as árias com encenação multicolor. Políticos moluscos, sem coluna vertebral, sempre barricados na defesa do aparelho digestivo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Empoleirados tantas vezes nos visos da fortuna, são galos de campanário a afeiçoar-se a direcção das ventanias.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Neste trabalho de omnímodas figurações há ainda, Sr. Presidente, os que se mostram indiferentes porque, apesar de tudo, ainda não conhecem a essência da nossa doutrina e nem aferem a gravidade do solene momento histórico que cruza o nosso caminho.

Por isso, torna-se necessário organizar e intensificar campanhas de doutrinação política, através de elucidativos programas de imprensa, da rádio, da televisão, do cinema ambulante e de colóquios regionais.

Mostre-se a excelência dos princípios, evidencie-se a lógica das ilações, dimensione-se o volume dos empreendimentos cometidos, e não haja receio de aceitar o diálogo desde que este deflua em moldes sérios, sensatos e construtivos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Nesta emergência político-social em que todos seremos poucos não se esqueçam também os valores que tragam o cunho da autenticidade e queiram servir com sinceridade e com devoção a causa nacional. A injustiça do esquecimento até na morte é dura.

E preciso, de igual modo, prestigiar as instituições políticas, vitalizando as suas funções e não as deixando morrer de inanição.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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23 DE JANEIRO DE 1963 1891

O Orador: - Estabeleça-se mais íntima colaboração entre a Administração e a política e maior contacto entre a política e o povo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A Nação não pode ser formada por compartimentos estanques, mas por intercâmbio de ideias, sentimentos e interesses.

E então todos unidos, orgulhosos da grandeza intangível do nosso património histórico, continuaremos esta arrancada que, iniciando-se em 28 de Maio de 1926, só poderá ter fim quando, por cima do fumo e do sangue que o tempo nos deixar, mostrarmos às outras nações Portugal florido de mil louçanias e reluzente ao sol da glória.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinheiro da Silva: - Sr. Presidente: depois de ter ouvido as palavras brilhantes de fé patriótica e de esperança na civilização ocidental que o Sr. Deputado Pinto Carneiro acaba de proferir, penso que faria bem em alterar a minha ordem de inscrição. Com efeito, é um verdadeiro suplício de Tântalo ver-se alguém tomar t\ palavra após ter ouvido o Sr. Deputado Pinto Carneiro. Todavia, não deixarei de respeitar a ordem de inscrição e fazer as considerações que me tinha proposto, ainda animado do sopro de patriotismo que o Sr. Deputado Pinto Carneiro teve o condão de inocular-me, se assim me posso exprimir ...

Sr. Presidente: os acontecimentos que ultimamente tiveram como teatro a Universidade Portuguesa, com reflexos mais ou menos profundos nos próprios liceus do País, assim perturbando directamente a vida de vastas camadas da população nacional, vieram denunciar com clareza deficiências graves da estrutura do ensino e da formação integral da nossa juventude.

Uma delas, pelo seu carácter, creio dever merecer a esta Assembleia cuidado especial. Tendo em mente o valor e extensão que se têm dado à cultura política da juventude, cuido que, neste aspecto, desamparamos perigosamente as gerações que temos o dever e a obrigação de preparar o melhor possível para as pesadas responsabilidades da vida de amanhã.

Em boa verdade, o desnorteamento, a insegurança, a ausência de combatividade, etc., que durante aqueles acontecimentos se notaram na maioria dos jovens, bem que enquadrados ou saídos de certas instituições oficiais que, pela sua natureza, deviam ser centros de doutrinação e esclarecimento políticos, não devem atribuir-se tanto a inexperiência das pugnas político-sociais ou ideológicas, como à impreparação política a que temos vindo a votai-os nossos rapazes e raparigas.

E, dado que é sobre os novos que, inteligentemente, os comunistas e criptocomunistas incidem os seus melhores esforços de captação e subversão, o facto é de molde a causar-nos sérias apreensões.

Isto induz-me a preconizar a reorganização do ensino, o que, de resto, está na mente e no coração de todos, e a revisão das directivas e métodos de trabalho da Mocidade Portuguesa e Mocidade Portuguesa Feminina, de forma que correspondam melhor ao condicionalismo político-social do tempo presente e aos fins a que se destinam ou deviam destinar-se.

Com efeito, certo apoliticismo que se verifica na actuação daquelas instituições, para só me referir a estas, é, além de incompreensível, altamente pernicioso. É convicção minha, bem sentida e fundada, que estas corporações só serão verdadeiramente válidas quando tiverem o político como preocupação essencial. E isto deverá estar no espírito de quem as oriente e zele.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quer-me parecer, todavia, que, a par disso, há toda a conveniência em amparar, estimular e fortalecer as organizações privadas, espontaneamente surgidas no seio dos jovens nacionalistas, situados na linha orientadora do pensamento de Salazar, de modo que da conjugação das energias de umas e outras - oficiais e particulares - possa nascer uma numerosa, consciente e aguerrida falange juvenil, que, no próprio terreno dos estudantes, saiba simultaneamente opor-se com eficácia á acção deletéria e recuperar os transviados.

Nesta ordem de ideias, uma das organizações estudantis merecedora de carinho é a Frente dos Estudantes Nacionalistas, aparecida há meses em plena crise universitária e cuja actuação se revelou já fecunda no meio estudantil e na angariação de fundos para o Natal do soldado, como a imprensa noticiou.

Pretende estabelecer a coordenação e cooperação entre as mais associações juvenis privadas e de feição política existentes entre nós, antigas ou recentes, uma vez que o nacionalismo que a todos informa lhes oferece o indispensável denominador comum.

Sr. Presidente: das visitas que fiz à sede da Frente dos Estudantes Nacionalistas, e que foram a pedra de toque para estas breves considerações, capacitei-me de que está ali a formar-se mais um núcleo dos rapazes que, pelo seu estuante entusiasmo, fina inteligência, agudo senso cívico, acrisolado patriotismo e firme vontade de respeitar os princípios do Regime. bem poderão servir de base ao grande movimento da criação da mística nacionalista de que carecemos para vencer a mística comunista. Que, como por de mais se sabe, uma mística não se destrói só com obras de fomento, mas também e sobretudo com outra mística.

Porque os seus esforços, intuitos e exemplo não devem morrer em vão, por míngua de amparo moral - o único de que realmente têm muita necessidade -, ouso apelar para o Governo, pais e professores, no sentido de que lhes não faltem com a sua assistência e dedicação.

E daqui gostosa e sentidamente dirijo uma palavra de louvor e incitamento a esses rapazes da Frente dos Estudantes Nacionalistas pela atitude corajosa que assumiram em tão grave momento da vida nacional e para que, sejam quais forem os dissabores e vicissitudes que a vida lhes reserve, jamais esmoreçam nos seus sãos propósitos de garantir a Portugal um futuro digno do seu passado.

Disse.

Vozes: -Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Armando Sampaio: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Requeiro que, pelo Ministério da Saúde e Assistência, me sejam fornecidos elementos relativos à acção assistência desenvolvida pelo Instituto de Assistência à Família, em particular nos concelhos do País que não sejam sede de distrito e no ano de 1962».

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1892 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 73

O Sr. Cutileiro Ferreira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«Porque chegou ao meu conhecimento que o Arquivo Distrital de Évora - um dos mais importantes do País - está em risco de eminente destruição, pela humidade e suas devastadoras consequências; porque me consta que não foram consideradas as opiniões dos técnicos competentes no assunto, requeiro, Sr. Presidente, que, pelo Ministério da Educação Nacional, me sejam urgentemente fornecidos os pareceres que levaram à transferência do referido Arquivo para as novas instalações, que tudo leva a crer conduzirão a gravíssimos prejuízos num valorosíssimo sector do património cultural nacional.

Fundamentalmente interessam os pareceres e relatórios dos Srs. Inspector Superior das Bibliotecas e Arquivos e Director da Biblioteca Pública e Arquivo de Évora».

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente:-Está em discussão na generalidade a proposta de lei sobre saúde mental. Tem a palavra o Sr. Deputado Santos Bessa.

O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: a extraordinária importância que há-de vir a ter para a saúde pública a execução da lei em que for transformado o projecto agora em discussão obriga-me a fazer algumas considerações a respeito dos objectivos que ele visa atingir: a prevenção e tratamento das doenças mentais, a recuperação dos indivíduos diminuídos por efeito dessas mesmas doenças e o estabelecimento da estabilidade do seu equilíbrio psíquico.

Em Portugal, como, aliás, no Mundo inteiro, o problema da saúde mental tem tomado sérias proporções, diremos mesmo uma acuidade tal que passou a ocupar um dos primeiros lugares entre os problemas sanitários a resolver com urgência.

A Câmara e o País têm consciência da gravidade do problema, e por isso mesmo não é necessária a citação de números para justificar a atitude do ilustre Ministro da Saúde e Assistência Martins de Carvalho, que subscreveu este projecto de lei, e o louvor que lhe dirijo por o ter feito. E quero felicitar também o autor do douto parecer da Câmara Corporativa, o Prof. Bissaia Barreto, ...

O Sr. Pinto Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - ... que desde há algumas décadas se consagra ao problema da assistência psiquiátrica, a quem se deve o Hospital Sobral Cid e o de Lorvão e a mais intensa campanha em prol da actualização das técnicas de assistência psiquiátrica que neste país se realizou e que serviu de base à reforma que se concretizou na Lei n.º 2006.

O Sr. Pinto Carneiro: - Muito bem!

O Orador: - Em todo o Mundo, desde há um século a esta parte, tem sido constante o aumento do número de doentes mentais, em proporção variável conforme a incidência dos múltiplos factores que o determinam.

Isto apresenta-se como uma verdade a toda a gente.

No entanto, um professor ilustre (Miller Guerra) diz textualmente, em trabalho recente:

Não há nenhuma prova de que as doenças mentais (psicoses) tenham aumentado com a civilização e também ainda se não demonstrou que as psicopatias e as neuroses sejam mais numerosas do que foram algumas décadas atrás, embora seja provável que assim aconteça. A única coisa incontestável é que o indivíduo procura o auxílio do psiquiatra mais frequentemente do que outrora procurava.

E uma verdade que a vida civilizada exerce hoje sobre o homem uma mais intensa pressão que noutras eras e que nas sociedades evoluídas se repetem com frequência as tensões e com elas se geram conflitos emocionais e reacções psicológicas abnormes que o indivíduo procura resolver com o apoio do médico, como diz o mesmo professor. Mas isto mesmo gera a insegurança e a ansiedade e, portanto, a desadaptação.

A passagem do meio natural ao meio técnico, segundo o conceito de G. Friedmann, arrasta consigo a submersão de certas massas sem preparação psicológica ou cultural para essa mudança de condição de vida. A industrialização de certos países tem-no demonstrado claramente e o nosso, em plena fase de industrialização progressiva, não faltará à regra.

Entre os factores que geram essas perturbações mentais citaremos: a racionalização do trabalho das oficinas, os ruídos das fábricas e da própria cidade, a intensidade do tráfego, as exigências cada vez maiores das famílias, a atracção das diversões, a mudança dos hábitos, o desejo de ascensão social, a sensação de insegurança, a mais frequente desarmonia familiar, a desadaptação, etc.

Todos esses estímulos e traumas, principalmente quando ligados a um factor hereditário, geram perturbações mentais, tanto mais intensas e frequentes quanto mais frequente e intensa é a acção desses agentes e menos robusta a capacidade do indivíduo para lhe resistir. Se não aumentam as psicoses, aumentam pelo menos as neuroses e algumas psicopatias.

Pêlos últimos inquéritos realizados, e segundo o Prof. Baraona Fernandes, um quarto ou um terço das faltas do pessoal registadas na indústria são causadas por afecções mentais, muitas delas consequências de neuroses geradas por perturbações do meio familiar e das condições de trabalho. Neste particular, têm marcada influência a selecção profissional dos operários, o tamanho da fábrica (quanto maior, pior), a monotonia do trabalho mecanizado (aliás já salientado num excelente filme de há anos), a automatização anulando a iniciativa individual, má adaptação às condições de trabalho, etc.

A profilaxia nem sempre é fácil e o êxito das medidas aplicadas para atenuar a acção prejudicial destes elementos nem sempre é segura.

Como se diz na proposta, nos Estados Unidos da América, 40 a 50 por cento dos leitos dos hospitais são agora ocupados por doentes mentais e em Portugal, em dez anos, houve um aumento de 10,7 por cento destes doentes.

E podemos juntar que na Inglaterra uma pessoa em cada vinte precisa de tratamento psiquiátrico em qualquer altura da vida. Isto sem falar nas neuroses e na maioria das psicopatias. Estas parece serem quatro a cinco vezes mais numerosas que as formas psicóticas (Miller Guerra).

E, efectivamente, estatísticas recentes de Fein (1958) e de Ablee (1959), citadas por peritos da Organização Mundial de Saúde, mostraram um aumento real das perturbações mentais nos últimos anos.

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23 DE JANEIRO DE 1963 1893

Quer dizer: ou por aumento real de doentes ou por mais frequente solicitação médica dos mesmos, o que é uma verdade é que os países têm de ter os seus serviços assistências em condições de responder a esta maior afluência dos doentes.

Portugal, aliás, sempre procurou ter os seus serviços de assistência psiquiátrica devidamente actualizados para fazer face a esse problema, como claramente ressalta das afirmações feitas pelo ilustre relator do douto parecer da Câmara Corporativa. Tanto as reformas como os hospitais e as demais instituições acompanharam sempre a evolução da psiquiatria no Mundo.

Volvidos dezoito anos sobre a publicação da Lei n.º 2006, que constituiu uma larga e profunda reforma da assistência psiquiátrica (e em que a acção profiláctica, a terapêutica ocupacional, as novas normas de internamento, a instituição de regime aberto, que constituíam novidade, tiveram larga representação); passados quatro anos sobro a criação do Instituto de Assistência Psiquiátrica (que marcou novo passo em frente na nossa organização), toma o Governo a decisão de apresentar à Câmara um projecto de uma nova reforma destes serviços assistências especializados e concebido em tais termos que o ilustre relator do douto parecer que o acompanha prevê que a lei em que ele virá a transformar-se, depois de devidamente regulamentada e alargados os meios de acção no futuro, conduzirá Portugal «a ocupar a vanguarda do movimento que em todo o Mundo cresce e se avoluma no propósito de dar aos doentes mentais os cuidados e tratamentos de que precisam».

O que permitiu ao País acompanhar essa evolução da psiquiatria foi a plêiade de psiquiatras de que, no decorrer de quase um século, tivemos a felicidade de dispor, e entre os quais se destacam os nomes de António Maria Sena, Júlio de Matos, Magalhães de Lemos, Miguel Bombarda e Sobral Cid. A psiquiatria moderna é servida actualmente por uma nova série de professores e especialistas que muito nos honra e graças à qual se puderam criar as condições necessárias à elaboração do presente projecto de lei.

Ele visa essencialmente a promoção da saúde mental e, portanto, do ponto de vista sanitário, a permitir aos indivíduos a realização das suas potencialidades pessoais e a sua conveniente integração no meio social, familiar e cultural, como claramente se afirma no seu próprio texto.

Esta ambição do projecto dá perfeita satisfação ao moderno e amplíssimo conceito de saúde definido e aprovado há poucos anos pela Organização Mundial de Saúde - «saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidades» -, conceito que teve o mérito de acentuar o seu carácter positivo, e não se limitar, como até então, a, marcar ausência ou privação de doença. Ele envolve a ideia da adaptação do indivíduo ao seu meio.

Não nos embrenharemos nos meandros da apreciação dos elementos subjectivos e objectivos do conceito de saúde e muito menos do de saúde mental. Tomamos esta como um estado de equilíbrio psíquico de cada indivíduo com o ambiente e com os seus anseios. Todos temos uma noção aproximada do que é a saúde mental, embora não a saibamos definir concretamente.

Aliás, nem os mestres nos trouxeram até hoje uma definição universalmente aceite, nem isso nos é indispensável para nos pronunciarmos sobre um projecto de lei que visa a criar as melhores condições para a sua promoção.

De entre os seus objectivos, salienta-se o de prevenção das doenças mentais e, no n.º 2.º da base, diz-se claramente que a «acção profiláctica é exercida por medidas de carácter preventivo geral e por medidas de higiene mental, individuais ou colectivas. As providências dirigidas à saúde mental da infância devem ser consideradas com particular interesse».

Destaco este; elevado objectivo deste novo projecto de lei, desejando que ele tenha, na prática., a maior execução possível, embora saiba as dificuldades que o escopo contém. Sobre II prevenção etiológica das grandes psicoses, que é o problema, central, a ciência ainda não forneceu elementos concretos o seguros para uma profilaxia eficaz. No campo das neuroses há um número cada vez mais considerável de. estados em que bastante se pode fazer no condicionalmente) psicológico, social e cultural. Mas, numas e noutras, o tratamento precoce e continuado, com métodos apropriado* a cada. caso, previne evoluções graves, originando, assim, uma prevenção relativa muito importante.

Neste capítulo muito se, pode conseguir com uma rede de estabelecimentos que cubra o País e com a constituição de equipas formadas por técnicos especializados nos vários aspectos dos problemas. Da sua colaboração provirá um mais amplo e profundo esclarecimento dos casos. O problema não depende só dos psiquiatras, embora eles sejam uma peça fundamental da solução do problema.

«Não há, pois, que psiquiatrizar o Mundo para o tornar mais saudável. Por terem tais e tão quiméricos propósitos, não são porventura mais ouvidos e melhor entendidos os psiquiatras, nos seus justos clamores» (Baraona Fernandes) .

Ainda a respeito da profilaxia e das providências dirigidas à saúde mental da infância, seja-me permitido louvar com particular entusiasmo esta maneira de encarar tão importante sector, dentro do plano de promoção da saúde mental. Vários são os aspectos que ela envolve e, sobre alguns, quero deixar aqui um breve apontamento.

O primeiro é sobre a carência afectiva da primeira idade, que «pode determinar graves perturbações da personalidade da criança, e do adulto que dela devem» (Baraona Fernandes).

Os primeiros estudos sobre a carência afectiva e suas consequências no desenvolvimento das crianças provêm de Lowrey, Bakwin, Goldfarb, Bender e Spitz, confirmados, depois, pelos trabalhos de John Bowlby e pelos de Jenny Houdinesco (hoje M(tm)0 Aubry) e de Ana Freude.

Os estudos realizados e em curso são tão importantes que justificaram a reunião de um colóquio escandinavo sobre psiquiatria e educação infantil, em Abril e Maio de 1952; a do colóquio de Londres sobre as crianças privadas de famílias em Junho do mesmo ano; o de Chichester (Inglaterra), também em 1952 (Agosto), e este organizado pela Federação Mundial de Saúde Mental e consagrado à saúde mental dos bebés nas suas relações com o meio afectivo (durou três semanas e teve a representação de 30 países); a reunião de um grupo de estudos do Centro Internacional da Infância, em Paris, em Junho de 1953, e a reunião de outro grupo de estudos - este do Bureau Regional da Europa da Organização Mundial de Saúde, que teve lugar em Estocolmo, em Agosto de 1954.

Estes assuntos interessaram de tal modo a Organização Mundial de Saúde e o Centro Internacional da Infância que de um e de outro lado da Mancha passaram a trabalhar desde 1950 duas equipas de especialistas consagradas ao problema: a. da Inglaterra chefiada por Bowlby e a de Paris sob a direcção de Mme Roudinesco Aubry.

Nelas trabalham pediatras, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais e jardineiras de infância.

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Em que consistem e que importância têm essas carências afectivas?

E o próprio Bowlby, da Tavistock Clinic, que assim se pronuncia:

... uma das aquisições mais significativas da psiquiatria, no decurso do último quarto de século, tem consistido em projectar uma luz cada vez mais viva sobre a importância vital que representa para o futuro da sua saúde mental a qualidade dos cuidados prodigalizados à infância pelos seus pais durante os primeiros anos.

Chama-se «carência de carinhos maternos» a privação sofrida pela criança dos laços afectivos que deviam ligá-la à mãe (ou à pessoa que fizesse as suas vezes). E uma necessidade que não foi satisfeita. Numerosos estudos têm demonstrado que a carência do amor materno na primeira infância toca profundamente a saúde mental e o desenvolvimento da personalidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Essa carência afectiva não se gera só nas crianças separadas da família - nas que estão em asilos ou creches (órfãos e outros) e nas que estão em colocação familiar -, mas até mesmo nas que vivem no lar - naquelas cujas mães, ocupadas pelo trabalho, as privam parcialmente desses carinhos, ou que, embora em casa, não dispensam aos filhos a dose de carinho de que eles carecem.

As consequências são variáveis, com vários factores, entre os quais há a destacar a idade da criança à data da separação (se a houver), a sua duração, o grau de afectividade existente antes da separação, etc.

Quais são as consequências?

Há efeitos imediatos e outros a distância - variáveis com os factores que já citei, mas que podem levar a situações de angustia, a atraso do desenvolvimento intelectual, a pobreza ou indiferença afectiva e a diversas perturbações neuróticas. Ora isto pode e deve evitar-se. Conhecemos muitos casos deste género.

Atender convenientemente estas crianças frustradas, procurar criá-las e educá-las em ambiente apropriado e com pessoal qualitativamente e quantitativamente à altura das circunstâncias, «não é sómente um acto de humanidade, mas um elemento essencial de equilíbrio mental e social de uma comunidade» (Bowlby). Estas crianças virão a ser perturbadoras da harmonia social, maus elementos da comunidade, fontes da infecção social.

Muitas crianças com atraso de desenvolvimento intelectual, que exibem dificuldades caracteriais (dificuldades de estabelecimento de laços afectivos com os demais, coléricos, instáveis, mal adaptados à vida social, etc.), muitos adolescentes delinquentes e muitos adultos que exibem neuroses sofreram privação afectiva na infância.

E o que se faz em matéria de saúde mental a todas essas crianças que povoam as pouponnières, as creches, os asilos e os hospitais, isoladas das mães e sem pessoal convenientemente preparado para se ocupar delas e evitar estas tão graves consequências?

A vigilância médica da nutrição e do crescimento, a profilaxia das infecções ou o tratamento das suas doenças orgânicas que constituem a rotina, não chegam. Há manifestações discretas, reveladoras dessas carências afectivas, que passam à observação corrente. Há que ter pessoal capaz de as detectar, de registar qualquer desvio do comportamento, e há que conjugar a observação clínica com todos os outros elementos colhidos pela enfermeira,

pela psicóloga e pela pedagoga que devem fazer parte da equipa que deve assistir a criança nestas condições.

Já um dia aqui disse, e agora o repito, que a puericultura moderna não se deve limitar a reduzir as taxas da mortalidade infantil, mas promover um harmónico desenvolvimento físico e psíquico das crianças.

A Sr.ª D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis: -

Muito bem!

O Orador: - Não vejo no projecto qualquer referência a este tão importante capítulo da profilaxia das perturbações mentais e, na base XIV, que se ocupa particularmente dos estabelecimentos especialmente destinados às promoções de saúde mental infantil, nada há que possa traduzir a intenção de encarar a sério este problema nas creches, asilos e hospitais que recolhem crianças nesta fase da vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Espero que o Governo, ao regulamentar a lei, não deixe de considerar este assunto, que tem plena actualidade. Essas instituições não devem ser simples depósitos de crianças: carecem de ter, além do médico, o pessoal capaz de assegurar a sua integridade física, o seu desenvolvimento somático, a sua educação e o seu normal desenvolvimento mental e de evitar ou atenuar os efeitos da carência afectiva.

Pelo que respeita a idade pré-escolar, ela é um período de transição e de crise, de passagem de um a outro estádio distinto - o da idade escolar; de crise é também a fase de adolescência, pela passagem do indivíduo a novos meios, à aquisição de novas responsabilidades, uma espécie de «metamorfose» para a idade adulta.

A idade pré-escolar, no plano afectivo-social, é a da passagem da mãe ao professor, da família à escola; no plano intelectual, é a da passagem da expressão pré-verbal e verbal ao da sinalização altamente simbólica da linguagem lida e escrita, como diz Koupernick. A ambivalência que a caracteriza, traduzida por movimento de regressão infantil alternando com outros de conquista da independência, tem particularidades que dificilmente se poderão resolver capazmente sem a cooperação da mãe, que é o elemento fundamental da higiene mental nestas idades, e sem a família, que é o seu meio natural. Não há sistemas pedagógicos, por maior que seja a ciência psicológica que os conceber, que possam avantajar-se à mãe na educação da criança. Daqui decorrem todos os problemas ligados às creches, asilos, hospitais e outras instituições fechadas para crianças e outros relacionados com o trabalho das mães fora do lar, da desarmonia dos casais, etc.

A idade escolar tem também os seus problemas particulares - uns que são consequência daquelas carências afectivas e outros de outra natureza. E uma população numerosa que oferece campo do maior interesse para aplicação de uma política de promoção de saúde mental.

Para a realizar há que criar centros médico-pedagógicos e formar equipas constituídas por médico escolar, pedopsiquiatra, professor, psicólogo escolar, perito orientador, trabalhador social, etc., tal como foi proposto no relatório da Comissão de Estudos da Reforma da Saúde Escolar, presidida pelo Prof. Vítor Fontes e de que faziam parte médicos, professores e psicólogos, que eu subscrevi, que foi entregue no Ministério da Educação Nacional em Fevereiro de 1956 e que nunca teve qualquer andamento. E campo onde urge fazer uma ampla e profunda reforma.

O projecto de lei em discussão, confinado ao Ministério da Saúde e Assistência, não atingirá este sector senão indirectamente. Urge, por isso, que o Ministério da Edu-

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cação Nacional encare de frente e resolutamente este importantíssimo problema.

Alguns países têm já uma organização de higiene mental escolar de certo vulto. A cidade de Estocolmo tem um pedo-psiquiatra para cada 1100 alunos, que trabalha em equipa com o psicólogo, a enfermeira, o professor, etc. Estas equipas têm de ter um papel activo, de busca sistemática dos sinais reveladores de perturbações mesmo ligeiras, porque os serviços de saúde escolar não se podem limitar a conduzir ao psiquiatra os alunos que têm dificuldades escolares. O trabalho deve ser essencialmente profiláctico.

A este assunto se tem consagrado a psiquiatria infantil, desde que ela recebeu confirmação internacional como especialidade independente, por sugestão do Prof. Tramer e proposta do Prof. Henyer, em 1937, no ].º Congresso Internacional de Pediatria.

Tem sido imenso o seu labor, consubstanciado na realização de quatro congressos internacionais, na Reunião Mundial de Higiene Mental e na Fundação da União Europeia dos Pedo-Psiquiatras. O 4.º Congresso Internacional, realizado em Lisboa em 1958, cuja comissão organizadora foi presidida pelo Prof. Vítor Fontes e à qual eu tive também a honra de pertencer, tratou da carência afectiva na criança de 6 a 10 anos, do trabalho de equipa em psiquiatria infantil, da formação de psicotera-peutas da criança, da saúde mental dos escolares e de muitos outros problemas.

O Prof. Vítor Fontes teve então oportunidade de prestar mais um valioso serviço não só aos problemas da psiquiatria infantil em Portugal, onde a sua acção tem tido extraordinária projecção, mas também aos problemas da psiquiatria infantil no mundo actual.

A importância destes problemas é tal que a Federação Mundial da Saúde Mental marcou para 1960 o Ano Mundial da Saúde Mental, destinado a agitar em todo o Mundo os problemas da promoção da saúde mental.

Sr. Presidente: ao analisar este projecto de lei, que pretende ser um documento actualizado para a promoção da saúde mental, não me pude dispensar de aflorar aqueles assuntos de foro pediátrico, que reputo da maior importância, de chamar para eles a atenção do Governo e de esperar que o futuro director do Instituto de Saúde Mental e o seu conselho técnico os tomem na devida consideração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se conseguirmos montar devidamente tais serviços, teremos certamente uma notável redução do número dos inadaptados e da frequência da delinquência juvenil.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A respeito deste assunto, ouso ainda chamar a atenção dos mesmos elementos para as conclusões do 1.º Congresso Nacional de Protecção à Infância, que a Sociedade Portuguesa de Pediatria realizou no ano de 1952, onde todos esses problemas foram devidamente ventilados.

E já que falei da delinquência juvenil, quero deixar aqui uma nota sobre o excelente trabalho que se tem vindo a realizar no Ministério da Justiça, tanto no que respeita à protecção e recuperação de menores, como ao tratamento dos delinquentes adultos anormais. Essa obra tem sido particularmente acarinhada pelo Prof. Antunes Varela, ilustre titular daquela pasta, e mereceu aos representantes e dirigentes do Curso de Pediatria Social do Centro Internacional da Infância, de Paris, quê em 1956

visitaram obras de protecção à infância em Portugal, as mais elogiosas referências.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a respeito da profilaxia, tão destacada neste projecto, diz o ilustre relator:

Na reorganização dos serviços de assistência psiquiátrica pretende dar-se maior relevância - e bem - à profilaxia, rias doenças do espírito, em obediência ao axioma de que a medicina preventiva vale bem mais do que a medicina curativa.

Dentro desta orientação, aconselha-se uma grande actividade em defesa da higiene mental, actividade em que deve intervir toda a gente - especialista e não especializada -. seja qual for o seu campo de acção.

Estamos de acordo com isto e com as considerações que se lhe seguem no douto parecer. Para realizar este admirável programa não podemos confiar a tarefa sómente aos especializados. Todos os médicos devem estar preparados para intervir nela com êxito e, além dos médicos, muitos outros elementos têm de colaborar numa vasta campanha de educação sanitária com vista à higiene mental.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Isto impõe uma remodelação do ensino médico neste sector e uma mais intensa especialização.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - As coisas têm corrido de tal modo entre nós que, a despeito da necessidade crescente de psiquiatras, o ritmo da especialização tem sido diminuto. Nos últimos 10 anos foram aprovados nos respectivos exames e inscritos na Ordem dos Médicos 28 psiquiatras - uma média anual inferior a 3! E, pelo que respeita a neurologistas, foram ainda inferiores esses números - só 20; portanto, uma média anual de 2. Com este ritmo não é possível fazer obra de vulto.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - È necessário que o Ministério da Saúde e Assistência crie condições que permitam uma maior atracção dos médicos para este sector especializado e que uma ampla reforma do ensino médico garanta ao clínico geral uma preparação que lhe permita compreender e resolver muitos dos casos de foro psiquiátrico que lhe são presentes e que possa colaborar mais activamente na educação sanitária da população no campo da promoção da saúde mental.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Fazendo-o, não fazemos mais do que corresponder à solicitação feita pela Organização Mundial de Saúde e integrarmo-nos na moderna corrente mundial.

Em trabalho publicado pela Organização Mundial de Saúde, em 1962, sobre o ensino da psiquiatria e higiene mental, diz" o Dr. Krapf:

Estatísticas recentes (Fein, 1958; Ablee, 1959) mostraram que, ao ritmo actual do aumento das perturbações mentais, não tardaremos a chegar a um ponto em que a sociedade já não estará em condições de tratar dos numerosos doentes que buscam tratamento. As perturbações mentais vão a caminho de se tornarem a principal doença de massa da nossa época;

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1896 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 73

torna-se, por isso, cada vez mais urgente que nos consagremos a elas, da mesma maneira que as gerações precedentes se dedicaram às doenças infecciosas, isto é, por lima intensificação sistemática da profilaxia.

Ora para esto ataque a esta nova doença de massa não podem actuar sómente os psiquiatras, mas devem estar preparados para isso todos os médicos, tanto mais que, regra geral, só os doentes mentais é que procuram o especialista; os que estão em riscos de vir a sê-lo procuram e são assistidos pelo médico geral.

Segundo o comité de peritos da Organização Mundial de Saúde que reuniu em 1953, verifica-se que em muitos países 30 por cento dos doentes que consultam o seu médico de família fazem-no por virtude de perturbações psíquicas; mas os inquéritos feitos pelo grupo para o avanço da psiquiatria em 1948, por Alvarez em 1951 e por Paullet em 1956 levam esse número para 50 por conto.

E não só em consulta ambulatória: Mac Calman em 1953, no Jornal Britânico de Medicina e Psicologia, dizia que 48 por cento dos leitos dos hospitais são ocupados por doentes ou deficientes mentais; dos outros 52 por cento, dois terços são constituídos por pessoas que não podem retomar uma actividade social útil enquanto os factores afectivos que provocaram e prolongaram a sua doença não forem modificados.

Não temos estatísticas que marquem a posição de Portugal a respeito das consultas nem da frequência hospitalar de indivíduos nestas condições. Mas não temos razões para duvidar de que Portugal se não afastará muito delas.

Como estão preparados os nossos métodos práticos para atender aqueles 30 ou 50 por cento das consultas e estes outros dos hospitais?

Responda quem puder ... e quiser. Por mim, limito-me a pedir uma revisão do ensino médico, com vista às nossas reais necessidades. Tanto na psiquiatria, como na neurologia, na pediatria e em tantos outros campos, temos a impressão de que a orientação dada à preparação dos médicos está em flagrante contradição com as reais necessidades do País.

Mas não é só com médicos que hão-de pôr-se de pé as magníficas ambições contidas neste projecto. Nessa campanha hão-de ter representação importante, como auxiliares de médicos, os psicólogos, as assistentes sociais, as enfermeiras, etc. E aí também há muito que rever, que reorganizar.

Sr. Presidente: o Regimento não me permite o tempo suficiente para me deter na análise de outros elementos contidos neste doutíssimo parecer da Câmara Corporativa. Termino estas minhas considerações dando o meu voto na generalidade a este projecto de lei, ao mesmo tempo que exprimo o desejo de que a regulamentação da respectiva lei se não faça esperar, de que as reformas complementares que ele impõe dentro do Ministério da Saúde e do da Educação se executem com rapidez e com atenção devida às nossas reais necessidades e de que os meios financeiros não sejam regateados para que a aplicação da lei se possa realizar integralmente.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

Amanhã haverá sessão, tendo por ordem do dia a continuação do debate na generalidade da proposta de lei sobre saúde mental. Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas.

Sr s. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alexandre Marques Lobato.
António Calheiros Lopes.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
Armando Cândido de Medeiros.
Carlos Coelho.
Domingos Bosado Vitória Pires.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Joaquim de Sousa Birne.
José Guilherme de Melo e Castro.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Alberto dos Reis Faria.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Antão Santos da Cunha.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Maria Santos da Cunha.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge Augusto Correia.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Tarujo de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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