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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 77
ANO DE 1963 31 DE JANEIRO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 77, EM 30 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cid Proença, para se referir à recente exposição documental e iconográfica de S. Francisco Xavier, louvando tal iniciativa; Moreira Longo, sobre problemas industriais desinteresse para a província de Moçambique, e José Alberto de Carvalho, acerca de assuntos de educação e ensino.
Ordem do dia. - Concluiu-se a discussão na generalidade da proposta de lei sobro saúde mental.
Usaram da palavra as Sras. Deputadas D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis e D. Maria Irene Leite da Costa.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 30 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
D. Custódia Lopes.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
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Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegramas
Diversos a aplaudir a intervenção do Sr. Deputado Moura Ramos sobre a defesa do vale do Lis.
De Miranda Andrade a apoiar as afirmações produzidas pelo Sr. Deputado Olívio Carvalho sobre a Faculdade de Letras do Porto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cid Proença.
O Sr. Cid Proença: - Sr. Presidente: a exposição documental e iconográfica de S. Francisco Xavier, há poucos dias inaugurada pelo Chefe do Estado, vale o que valem os espécimes criteriosamente reunidos, mais pela arte com que os dispuseram e pelo ambiente de discreta beleza em que os enquadraram. E muito vale por tudo isso.
Acrescem-lhe, no entanto, as circunstâncias, avivam-lhe mormente as circunstâncias do tempo uma tal e tão declarada mensagem que bem duros de coração e tardos de entendimento seríamos se, como portugueses fiéis, a não escutássemos e não acolhêssemos por memória de responsabilidades aceites e por estímulo de ainda não desmentidas esperanças.
Nem o apóstolo das novas gentes, que se consumira «a fazer bem o que cumpria a seu ofício», e este era a milícia de combate por exigente senhor, havia de reviver aos nossos olhos para nos provocar a uma simples evocação do passado.
Nascido em terra irmã da que adoptou como sua e em cuja língua se despediu dos vivos, a sua presença entre nós terá sentido enquanto receptivos nos mantivermos às solicitações do ideal a que se devotou sem regateio de esforços, sem transigência nem contradição, sem mira de prémio VII ou da honra do próprio nome.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Vindo a Portugal, agradou-se da terra, tanto que nela ficou sepultado, e entendeu-se dos homens, tanto que por dilatados e operosos dez anos entre eles coube e neles se confundiu.
A terra e os homens os reconheceria ainda, em sua natural fisionomia, se a alguns não houvesse de pedir contas da fé titubeante que não missiona e do frouxo portuguesismo que não atenta no que justificou e essencialmente justifica Portugal.
A Nação que lhe foi familiar, a que o cativou e mereceu, estendia-se, realizava-se para além do mar oceano. E como a sua presença ultramarina era gesto de doação mais do que acto de posse, não admira que Francisco Xavier e os seus irmãos a servissem, para maior glória de Deus, nas «Índias que se compreendem desde o Cabo chamado de Boa Esperança até aos reinos da China e do Japão, e províncias a eles anexas, e ilhas adjacentes», mesmo onde a bandeira das quinas não titulava uma soberania política.
Estejamos certos de que no vocabulário português deste português por eleição não existiam as palavras «abandono» e «compromisso», referidas a desguarnecidas fronteiras da Cristandade, a obrigações missionárias enjeitadas, às rebeldias contra o espírito de integridade nacional que são de todas as únicas sem perdão.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A consciência das responsabilidades anda a ser-nos esclarecida por torvas manobras, pelo açoite das inimizades e das traições.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quanto mais caro, porém, e ao mesmo tempo mais obrigante não seria que no-la despertasse a sombra gloriosa do grande e leal amigo que desejou caminhar connosco porque seguíamos rumo direito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: não fora mister que no-lo dissessem por termos explícitos os organizadores da exposição. Nela se subentende uma esperança, aí se nos aponta mais uma razão para esperar. Os nossos pensamentos regressam insensivelmente a Goa, onde o corpo de S. Fran-
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cisco Xavier jaz inteiro para a ressurreição da glória, enquanto a Goa inolvidável aguarda o sinal e a hora da sua reconversão lusíada.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: atrevi-me a julgar que não era sem apropósito aquela interpretação de factos, nem deslocado este meu breve apontamento.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Moreira Longo: - Sr. Presidente: antes de entrar propriamente na exposição do assunto que hoje me propus trazer a esta Câmara e constitui, esta breve intervenção, penso dever uma palavra como justificação dos problemas específicos que aqui tenho posto e fazem parte de um programa que estabeleci a mim próprio.
Reside essa justificação na confiança plena de que as palavras que aqui tenho proferido, e que traduzem e exprimem os nossos anseios, não deixarão jamais de ter aquele eco suficiente para que, pelas entidades e Ministérios a que os assuntos respeitam, tenham a receptividade necessária que as conduza a resultados palpáveis e benéficos.
É, pois, nesta convicção que nos vimos debruçando sobre tantos problemas de natureza diversa com que deparamos em Moçambique e a cuja solução se ficará devendo um enorme avanço na escala de progresso daquela província.
Não creio que seja prejudicial, e penso até ser útil, confessarmos, com sinceridade, que a província de Moçambique se encontra bastante atrasada na marcha do aproveitamento das riquezas de que é possuidora e de cujo aproveitamento, em larga escala, depende essencialmente o seu progresso e o consequente bem-estar das suas populações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Podíamos aludir, por exemplo, às indústrias extractivas, que estão, em relação à enorme superfície de Moçambique, em perfeito ponto morto.
Mas não tracei hoje caminho que me conduza por aquelas terras adentro para apontar regiões riquíssimas em minério vário que clamam por prospecções e por indústrias extractivas que revolucionariam e robusteceriam a economia daquela província.
Não me conduzi, na verdade, com rumo ao interior de Moçambique, aquelas paragens tão distantes que constituem um vasto e rico hinterland!
Deixei-me ficar pelo litoral para me transportar até ao mar, aquele maravilhoso pedaço do Índico que banha a costa de Moçambique, onde a sua enorme riqueza há muito vem desafiando a nossa energia que ali ainda não soubemos empregar convenientemente!
É neste mar imenso que penso devermos dar uma arrancada sem par no sentido de evoluirmos ràpidamente no sector da indústria de pesca, que, embora parecendo de somenos importância, é no entanto de certo relevo se quisermos encarar o problema com realidade, dispensando-lhe a atenção que julgo merecer.
A economia de Moçambique carece de forte evolução no tocante às indústrias de pesca, que considero deficitária neste sector.
Os poucos empreendimentos que existem actualmente não marcam por enquanto nenhuma posição especial na escala económica de Moçambique.
Torna-se imprescindível explorar tão grande riqueza sem delongas, sempre prejudiciais, encorajando todos os empreendimentos e prestando-lhes o maior auxílio técnico e financeiro.
Poucas são as actividades piscatórias existentes e, à excepção de uma empresa que se dedica à pesca de crustáceos para consumo local e para exportação e uma outra empresa da Beira que pretende ocupar lugar marcante, mas está aguardando auxílio financeiro já há muito, não tenho conhecimento que outras actividades estejam trabalhando em moldes que permitam a industrialização e preparo de peixe destinado à exportação, cujos mercados no país vizinho são de largas possibilidades.
Podemos também considerar bastante deficiente o abastecimento de peixe, quer fresco, congelado ou de qualquer outro modo preparado, às populações, mormente às que residem no interior da província.
Talvez pouco se saiba que em grande parte do interior de Moçambique, com certo relevo no extremo norte, as populações, cuja carência de proteínas é bem patente e constitui um problema de certa gravidade que urje resolver, não têm possibilidades de adquirir peixe, alimento que tanto apreciam e é indispensável à sua própria saúde, por as pequenas quantidades disponíveis raramente chegarem ao seu alcance e o seu custo ser proibitivo.
A falta deste elemento de grande valor proteico vai acusando um nítido deficit alimentar nas populações que vivem no interior. E não é fácil suprir tal falta.
Está provado que dificilmente se poderia conseguir, ou seria mesmo impossível conseguir, os proteicos derivados da carne até à quantidade suficiente para as suas necessidades alimentares mínimas.
No I Plano de Fomento manifestava-se já certa apreensão quanto ao problema da nutrição das massas nativas, mas não se preconizavam soluções de vulto para além da piscicultura, tarefa a que aliás o Governo da província tem dado certo incremento, tentando remediar esse mal através do desenvolvimento piscícola em pontos mais aconselháveis.
O II Plano de Fomento não dedicou, com certa surpresa nossa, qualquer referência ao problema da pesca em Moçambique, talvez porque, cientificamente, pouco ou nada se saiba das suas possibilidades.
Posto em linhas gerais o panorama da pesca quanto à nutrição, acho que vale a pena também observá-lo do ponto de vista económico, que poderá ter extraordinário valor se deliberarmos atendê-lo como merece e a que os seguintes números emprestam certa clareza.
A importação de peixe na província de Moçambique no último triénio foi a seguinte:
Peixe fresco e congelado - 3400 t, com o valor de 30000 contos;
Peixe seco (excluindo bacalhau) - 15 056 t, com o valor de 83300 contos;
Bacalhau seco - 3183 t, com o valor de 64 000 contos.
Os números relativos à importação de bacalhau vão a título de mera curiosidade, devendo, no entanto, salientar que o seu consumo aumenta vertiginosamente, como é óbvio, na medida em que vai faltando o abastecimento de peixe fresco e congelado às populações civilizadas.
Por falta de elementos estatísticos não me é possível, como tanto desejava, deixar aqui um ligeiro apontamento destrinçando os valores da importação nacional da estran-
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geira. Direi, no entanto, que é bastante volumosa a importação estrangeira e que tem como consequência pouco desejável a saída de divisas de certo modo apreciável.
Podemos assim concluir ,que a economia da província ficou desfalcada em cerca de 113 300 contos no último triénio por virtude da importação de peixe.
Talvez seja curioso esclarecer que, à excepção da sardinha, que ali não temos igual à da metrópole, quase todas as espécies ali podem ser pescadas!
Ressalta destes números, com certa nitidez e realismo, a necessidade premente de lançarmos mão de tão importante empreendimento, que creio não carecer apenas de auxilio financeiro, mas especialmente de estudos oceanográficos, que não existem.
Bem pouco se sabe do que se passa nesse misterioso fundo do mar na costa moçambicana, tão rica em peixe de variadíssimas qualidades, que comercialmente têm a maior aceitação, e bem pouco também se sabe quanto a espécies migratórias, épocas mais aconselháveis de pesca para determinadas espécies, como, por exemplo, para o atum, ali tão abundante, sistemas de pesca adequados, etc.
Os recursos, por assim dizer inesgotáveis, que nos proporciona e nos oferece uma costa de 3000 km não foram ainda devidamente aproveitados.
Em contrapartida vão-se aproveitando os japoneses, que com barcos-fábricas estendem o seu raio de acção no canal de Moçambique até ao extremo norte, cabo Delgado, com aparelhagem especial adequada à pesca do alto, tendo obtido os melhores resultados na pesca do atum e de outras espécies!
Parece, assim, haver necessidade de se fomentar a indústria da pesca em larga escala, dando-lhe o lugar que lhe compete dentro da economia de Moçambique.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estamos, realmente, era presença de uma riqueza que não exploramos devidamente por falta de estudos que nos permitam caminhar com certa segurança e constituam garantia para a faina das empresas que ali se venham a criar, ou para as que existem na metrópole e para ali se desejem transferir.
Os estudos de biologia marítima no nosso ultramar não avançaram pràticamente para além da costa angolana por falta de técnicos e meios que possibilitassem tão importantes estudos.
A Missão de Estudos de Pesca, que iniciou em Moçambique tais trabalhos, instalando uma estação de biologia marítima na Inhaca, deparou com as mesmas dificuldades de pessoal técnico e científico.
Sr. Presidente: posto, a traços largos, o problema quanto ao estado de atraso em que se encontra Moçambique no sector da pesca, relativamente a estudos de biologia marítima, que emperram completamente ou impossibilitam mesmo a exploração de tão grande riqueza, é lógico formular-se a seguinte pergunta, a que me proponho responder com a sinceridade e espírito de colaboração que sempre pus em todos os assuntos que respeitem e interessem a Moçambique:
Que há, portanto, a fazer?
Iniciar urgentemente os estudos da pesca em Moçambique.
Tais estudos devem ser feitos por um departamento de carácter permanente em Moçambique que lhe possa dar e garantir continuidade para uma boa eficiência.
Não parece aconselhável que tais estudos sejam feitos através de missões, pois o regime de missão implica falta de continuidade nos trabalhos, que muito prejudicaria a actualização dos estudos respectivos.
Para rápido e bom andamento de tais estudos deve a Estação de Biologia da Inhaca, ali já instalada, ser provida com o pessoal técnico e científico necessário, que deverá ser recrutado no estrangeiro, por exemplo na vizinha África do Sul, enquanto não houver técnicos nacionais.
Esta hipótese, porém, não dispensa nunca a forte colaboração da metrópole, que dispõe de um navio adequado a tais fins.
Foi há pouco criada a expedição internacional ao oceano Indico, de que faz parte uma comissão nacional portuguesa, que lamentavelmente não conta nenhum elemento de Moçambique, sendo Moçambique o território nacional directamente interessado!
Essa expedição iniciará os seus trabalhos em Agosto do corrente ano. Parece oportunidade única, que, aliás, devemos aproveitar, não apenas para realizar um programa que se integre no âmbito geral da expedição, mas que corresponda na prática ao que nos interessa directamente, como, por exemplo, os estudos, embora preliminares, da pesca ao atum feitos durante a expedição, que tanto interesse têm para Moçambique.
Finalmente, permito-me sugerir que se deve criar um curso de Biologia Marítima através mesmo de um entendimento com a secção de zoologia da Faculdade de Ciências de Lisboa para a preparação de cientistas, de que tanto necessitamos para o aproveitamento das riquezas que o mar de Moçambique nos promete.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. José Alberto de Carvalho: - Sr. Presidente: a importância da educação na política nacional dos povos representa hoje nos países da Europa e da América um problema que suscita a atenção dos governos no mais alto grau de interesse e de preocupação. Vem essa preocupação da tomada de consciência do papel que representa a educação como elemento de valorização económica e de bem-estar social, contribuindo, por si só, no sentido da promoção do homem como elemento progressivo de produção e consumo. Dessa promoção e do grau de cultura que ao homem será dado no sentido da elevação da pessoa humana dependerá, em grande parte, a salvação dos valores espirituais do Ocidente, em luta aberta com a progressiva conquista das ideias materialistas que sopram do Oriente.
Por isso mesmo é que o acesso à educação vai sendo considerado, cada vez em mais amplo sentido de concretização, como um direito fundamental do homem, direito que surge paralelamente com os direitos à saúde e ao trabalho.
Compete assim aos governos tornar essa educação acessível progressivamente a todos os indivíduos, muito embora tenha de se considerar que o exercício desse direito tenha de ficar condicionado às fontes de receita de cada país, principalmente no que respeita aos graus do ensino superior, o qual poderá temporàriamente ficar reservado aos mais aptos, que não aos mais dotados de possibilidades económicas.
No nosso país, através de diversas medidas, tem-se procurado remediar, buscando-se as soluções que, permitindo ao Ministério passar transitoriamente a barreira, lhe dêem tempo para encontrar uma solução sem envolver despesas para além daquelas que o insuficiente orçamento departamental lhe permite.
Cria-se assim uma situação de círculo fechado, sempre com os mesmos problemas e as mesmas soluções, na esperança de que no passo em frente não se repita a
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emergência, que se sabe no entanto que virá, até porque as estatísticas e todos os estudos dão como certo o aparecimento de novo problema. E, no entanto, é por todos sabido que neste campo os investimentos terão de ser feitos com sentido de generosidade, sem vista à rentabilidade imediata, pois que o lucro que se colherá virá a longo prazo e colher-se-á não só no campo material como no espiritual, o que quer dizer que abrangerá a vida integral da Nação.
Ignorar esta verdade é ficar com a certeza de que todas as reformas que se promulgarem mais não serão do que bem intencionadas tentativas, mais bem ou menos bem estruturadas, até porque falta a quem as esquematiza a certeza de que terão aplicação. E, no entanto, é necessário olhar de frente para o problema com verdadeiro sentido de realização, tornando os estabelecimentos de ensino verdadeiros centros de formação de indivíduos aptos a enfrentarem a realidade da vida, possuidores de uma cultura e de uma ética de aplicação, verdadeiras elites onde seja possível encontrar técnicos e dirigentes à altura das necessidades nacionais, mormente neste momento de desenvolvimento das estruturas económico-políticas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sendo dos que vivem entre a juventude u a infância, ajudando a desenvolver nelas o seu processo normal de formação, acredito na educação como valor primeiro a considerar na formação de uma mentalidade nacional. Essa mentalidade será aquilo que for a juventude que amanhã dirigirá a Nação, e será mais viril e mais portadora de portugalidade na medida em que o for a preparação que receber durante o seu processo educativo.
A Sr.ª D. Margarida Craveiro Lopes: - Muito bem!
O Orador: - Torna-se assim de grande importância a assistência à criança em idade escolar, assistência física, moral e cívica. Sem uma juventude forte a Nação não poderá ser forte, e se conviermos na necessidade da participação consciente e activa da juventude nas realizações nacionais, certos de que é essa participação que faz a grandeza da Pátria e a sua afirmação no Mundo, estaremos todos de acordo em que é aí que se torna urgente fazer profunda reforma.
Vive a nossa juventude alheada de ideal, separada dos elevados interesses e deveres espirituais, entregue a uma vida de pura finalidade material, não por culpa sua.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na educação da juventude cabe, por absolutamente primordial, papel importante à sua formação no sentido dos ideais superiores da vida humana; o ideal de Deus na sua grandeza espiritual, processo radioso na continuidade da vida do homem no sentido da perenidade da existência: o ideal da caridade como consequência da magnanimidade de Cristo, a sublimação da justiça em relação ao próximo; o ideal de Pátria, a grande família dos irmãos na consanguinidade e na comunhão dos costumes e da tradição. Com vista a Deus a educação deve, no entanto, ser humana e absolutamente capaz, tendendo à integração do indivíduo na sociedade em que terá de viver, e nesse sentido deve visar toda a programação dos estabelecimentos onde se formem, educadores. Sob este aspecto destacam-se as escolas do magistério primário, cujos planos de estudo deveriam tender para uma formação profissional e humana dos professores, em ordem a formar educadores.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Já não é de admitir que nessas escolas não exista uma cadeira de estudos sociais, pois que sendo a profissão de professor primário uma profissão eminentemente educativa, o que pressupõe a formação de vidas de relação, não se compreende que falte a cadeira especializada para essa preparação.
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Tal como essas escolas se encontram a funcionar, os professores dali saídos vêm para o exercício da sua função carecidos dos mais elementares meios para enfrentarem as contingências da profissão, dotados de alguma bagagem teórica, e de alguma prática, mas sem o sentido da realidade do que é a vida sob os aspectos sociais, cheia de problemas que terão de resolver e para que não possuem a menor preparação.
Mas não basta formar educadores, urge que os possamos colocar em condições de poderem desempenhar bem a sua função. Ninguém pode dar o que não tem, e ao professor primário falta a possibilidade de dar à função todo o tempo que conviria que desse. Sem uma situação que permita ao professor uma total vida de função, não é possível dizer-se que a escola primária se encontra em condições de realizar cabalmente a sua missão de educadora e de civilizadora, e sem as condições indispensáveis para que ela seja medianamente atraente não será possível manter quadros estáveis e neles contar com professores-homens.
Sob este aspecto não seria difícil conseguir-se alguma melhoria na situação actual, se se cuidasse de promover uma maior responsabilização da função docente em ordem a uma mais eficaz valorização social do professor, libertando-o de receios e de percentagens, pois que compete à administração pública, através dos seus órgãos, no douto parecer da Câmara Corporativa, proporcionar as condições essenciais para que tal missão se exerça com o mínimo de problemas de natureza individual para quem a exerce.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quando vejo a fuga de professores para outras actividades ou a sua ocupação em actividades privadas, penso na falta, que fazem às populações os seus conselhos amigos e esclarecedores, já que sempre foram eles os tradicionais conselheiros rurais, tão úteis e de tão valiosa acção na formação cívica das populações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: mas como será possível fixar o professor à terra onde exerce se lá nem sequer encontra a casa acolhedora...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ...ou os mais simples meios de aperfeiçoamento profissional e do cultura, longe do bibliotecas especializadas ou de cultura geral, obrigado a viver entre, os limites de uma acanhada dependência, quantas vezes situada no âmbito dos centros de desagregação moral, abandonado de compreensão e estímulos?
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Quando da publicação do Plano de Construções para o Ensino Primário, e nele se incluiu uma verba destinada às construções de casas para professores, grande esperança se abriu no que se refere à solução desse grave problema que aflige a classe.
No entanto, e com a realização do Plano, fàcilmente se pode concluir que a medida tomada não tinha possibilidade de efectiva realização, mormente nos meios urbanos, pois que a comparticipação prevista mais não dá do que para o pagamento dos projectos de construção. Posso mesmo asseverar que no distrito do Porto, até hoje, nenhuma habitação foi construída ao abrigo do Plano nem tão-pouco se encontra programada qualquer construção.
Sem habitação, sem assistência cultural, sem garantia de estudo para seus filhos, com um vencimento máximo de 2400$, que atinge apenas após 30 anos de serviço, o que representa em média que. apenas atingirá esse máximo aos 50 anos de vida, desamparado do carinho e da compreensão, convenhamos que a profissão não tem condições de estímulo e que permitam a fixação do professor e a sua integração no meio onde exerce.
Critica-se, no entanto, a maneira como se vem tentando realizar a actualização dos professores quanto a métodos e técnicas do ensino, tentativa feita quase sempre à custa do sacrifício económico dos professores. No entanto, no momento actual e como se encontra organizado o sistema de orientação, com 18 inspectores orientadores e disciplinares para todo o País metropolitano, com um quadro docente que ultrapassa 22 000 unidades, não é possível proceder-se de outra forma. Assim, o defeito não está verdadeiramente na forma como se tenta avançar no campo das técnicas, mas sim na maneira como se encontra estruturado o nosso ensino primário.
Se compararmos os quadros de administração da Direcção-Geral do Ensino Primário com os correspondentes quadros da Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas, dos Serviços Florestais, da Administração-Geral dos Correios, Telégrafos e Telefones e outras, fàcilmente se deduzirá da pobreza de meios de que dispõe essa Direcção-Geral, a fim de poder imprimir, como convém, sem alarmantes sacrifícios e repetidos convites ao sentido de cooperação dos seus funcionários, um movimento de reforma tendente a poder realizar alguma coisa de útil e actual.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Além da indispensável actualização dos quadros dessa Direcção-Geral, parece-me que seria de encarar a solução que julgo mais eficiente para podermos levar até às escolas a orientação, o amparo e o conselho, oportunos, a qual seria a da descentralização dos serviços de inspecção. Uma descentralização baseada no critério de que as delegações escolares poderiam ser efectivamente o segundo grau da hierarquia permitiria que a inspecção e a orientação fossem levadas até ao núcleo mais frequentemente, e no exacto momento em que é de desejar, que não é certamente aquele em que o erro está praticado.
O corpo de inspectores teria então como função a de coordenar o critério de orientação através dos directores escolares, que seriam os garantes do seguimento desse critério em todo o distrito. Isto mesmo o disse já nesta Assembleia, e continuo convencido de que sòmente assim será possível estruturar, numa base de útil realidade, a administração do nosso ensino primário, permitindo ainda a criação de um sistema de acessos que estimularia o aperfeiçoamento.
Desta forma, criada uma hierarquia real, com graus diferenciados de competências e vencimentos, colocados os lugares de directores escolares, seus adjuntos e delegados escolares na conveniente categoria quanto a vencimentos e em nível com os restantes serviços distritais do Estado, contribuir-se-ia bastante para um melhoramento da panorâmica administrativa neste sector da nossa administração.
Parece-me ainda, e com vista ainda a uma maior fixação do professor, que não seria de desprezar a criação do direito de acesso ao grau de ensino imediato, o ciclo comum, aos professores do ensino primário numa base mais larga do que aquela que prevê o estudo publicado pela comissão encarregada do estudo para a unificação dos ciclos, estabelecendo-se o critério de direito geral ao acesso, reservando-se, como preferência de graduação, a classificação do diploma.
Termino, Sr. Presidente, esperançado em que esta minha intervenção tenha a audiência que merece enquanto é tempo, pois que bem basta o muito que já se perdeu por não ter sido possível encontrar para o assunto a melhor solução.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre saúde mental.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
A Sr.ª D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis: - Sr. Presidente: tendo sido apreciada por ilustres médicos e juristas esta proposta de lei, que nos é apresentada com nível digno de registar, merece reparo que se tente acrescentar uma achega, por modesta que seja, a tão notável diploma.
Se me atrevo, porém, a proferir algumas palavras sobre o assunto, é porque esta lei, à primeira vista confinada ao domínio da psiquiatria e interesses afins, atinge, pelos seus fundamentos e repercussões, os mais variados sectores da vida portuguesa, assumindo na hora presente a importância política dos diplomas que surgem no momento oportuno da vida das sociedades. Requer assim de todos nós o caloroso aplauso que signifique agradecimento ao Governo, e a vontade decidida de uma pronta e eficaz colaboração na tarefa premente de realizar o magnífico programa além traçado.
Se aqui represento a voz das famílias, enquanto independentes de qualquer actividade ou qualificação, cabe-me assegurar que a promulgação desta lei será saudada com júbilo e com a esperança de ver solucionados alguns dos mais angustiosos problemas da vida de todos os dias e de todos nós. Quando meditamos no significado de números já aqui apontados, que cifram em cerca de 2 000 000 os portugueses da metrópole necessitados, pelo menos, de alguma modalidade de assistência psiquiátrica, e sabemos por experiência alheia que aquele número tenderá a aumentar à medida que outras doenças vão sendo irradiadas, temos a certeza de que chegou o momento de encarar com seriedade a promoção da saúde mental.
Já vai longe o tempo em que não julgávamos atingidos por esta designação genérica certos problemas que se ligam com preocupações aparentemente vulgares: a educação, a escolha e condições de trabalho, o ambiente
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familiar, as relações de empresa, etc. E sabemos ainda que o seu desprezo conduz facilmente a desadaptações de que podem resultar transtornos mentais de toda a ordem.
É pois tempo de estabelecer a ponte entre uma inquietação ainda vaga e inconsciente da parte das famílias e a riqueza de meios técnicos e científicos que existem nos nossos dias. A lei presente visa precisamente a pô-los ao alcance da sociedade portuguesa.
Não basta dizer que os tempos vão difíceis, e os homens não suportam o peso que eles trazem. É verdade que as possibilidades da vida multiplicaram as mais legítimas aspirações do homem moderno; este já não se julga feliz sem bem-estar, sem vida social, sem cultura, sem recreio. Formaram-se então pressões de que resultou em todos os povos um surto de desenvolvimento económico-social e a consequente modificação de estruturas.
O esforço físico a que eram sujeitas as gerações passadas vai cedendo o passo a um esforço mental violento para o qual não se improvisam resistências de ordem psíquica. Se as populações têm sido incontestavelmente beneficiadas por este ritmo de promoção humana e social, os indivíduos, ainda que usufruindo as vantagens da concomitante melhoria de vida, são muitas vezes afectados pelo ritmo em que esta se processa; exemplificam o facto as elevadas percentagens de doentes mentais dos países de forte industrialização, ainda interpretados sem desprezo do rigor estatístico e da diminuição do outros factores mórbidos.
Sr. Presidente: quando assistimos còmodamente, em casa, ao desenrolar de acontecimentos ocorridos no mesmo instante a milhares de quilómetros, quando vemos nascer cidades ultramodernas na aridez dos desertos, e já assistimos impassíveis ao lançamento de satélites, em afirmações sucessivas do gigantesco poder da técnica, confirmamos, na verdade, que os grandes problemas da hora presente são os problemas humanos, sempre envoltos de misteriosa e insondável complexidade.
Cumpre-nos então constatar que, no momento preciso em que atingiram tamanha acuidade, Deus permitiu que as novas descobertas da neuropsiquiatria e ciências afins viessem projectar luzes até hoje desconhecidas sobre a tarefa de sempre: levar os homens a realizar-se para sua felicidade e glória do Criador. E cumpre-nos, em espírito de gratidão, utilizar com saber e eficácia esses meios científicos e técnicos com a mesma simplicidade e amor ao próximo com que, desde sempre, repartimos o pão da nossa mesa.
Porém, enquanto é possível confiar a uma equipa definida o estudo e solução de problemas de ordem material, compartimentáveis em certa medida, os problemas humanos, encarados embora sob um determinado ângulo envolvem imediatamente uma multiplicidade de aspectos que obrigam a uma acção concertada de toda a sociedade, sob pena de inutilizarem alguns o trabalho de outros.
Quando meditamos no conteúdo desta lei e nos detemos principalmente na base I, que a fundamenta, sentimos a exigência profunda que ela vem trazer a sectores da vida portuguesa, ligados aos mais variados departamentos do Estado e a instituições particulares. Se a letra se fixa sobre os serviços do Ministério da Saúde, o espírito de que informa, claramente incidente sobre a promoção da saúde mental, e não sobre a cura das correspondentes doenças, impõe que leve um sopro novo às actividades dependentes de muitos outros serviços públicos e particulares.
Com o peso e a elevação dos grandes actos da vida nacional, arrasta consigo uma progressiva alteração de medidas já tomadas e abre novos horizontes a outras que venham a tomar-se, sob pena de comprometer os alicerces do edifício que queremos levantar.
Concretizando: outras fases da política da saúde levaram os engenheiros a rasgar janelas ao sol, a prevenir as habitações e as escolas das intempéries, a sanear as cidades e as aldeias, revolucionando projectos, concepções e cálculos ao serviço da higiene; obrigaram as empresas a estudar novos tipos de construção fabril, a modificar os horários de trabalho, a estabelecer normas de protecção e segurança para determinados trabalhos; introduziram na escola métodos de aprendizagem mais adequados ao período de crescimento da criança e do adolescente, e nela obtiveram lugar a educação física, actividades desportivas, etc.
Não se conceberia, segundo a mesma ordem de ideias, que esta lei, reflexo do nível cultural e social da hora presente, não exercesse igual pressão sobre os problemas da actualidade com relevância idêntica à que determinou aquelas reformas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - O urbanismo, com os seus múltiplos aspectos, a organização do trabalho e a formação profissional, a estruturação agrária e o condicionalismo industrial, o povoamento dos territórios ultramarinos, a concentração demográfica dos grandes centros e o acolhimento aos estudantes e aos deslocados, a movimentação de tropas, a promoção social das várias etnias portuguesas, a educação dos novos, etc., são magnos problemas dos nossos dias que terão de equacionar-se e rever-se de futuro com a consideração dos dados científicos e técnicos concernentes à saúde mental, para que sejam atingidos os objectivos do presente diploma.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Enganar-nos-íamos se despendendo verbas que representam neste momento o sacrifício de toda a Nação as aplicássemos na terapêutica de perturbações mentais evitáveis por medida de carácter geral, que mais exigem um concerto e actualização de mentalidades do que avultadas quantias.
Creio por isso não estar fora da hora do dia ao propor-me fazer um breve comentário sobre questões que se ligam com a vida de família, e me parecem estar na base de uma inteligente e sensata prevenção da saúde mental.
Aliás, quando, hesitante ainda sobre o interesse de trazê-las a debate, folheava as actas do Congresso da Saúde Mental, realizado em Lisboa em 1960, encontrei a mesma preocupação de procurar as origens dos problemas com o risco de parecer explorar domínios alheios aos temas em discussão.
Sr. Presidente: como focou magistralmente o nosso ilustre colega Santos Bessa, distinto pediatra, que tem sempre merecido a consideração e a estima desta Câmara, ao debruçarmo-nos sobre as origens de qualquer perturbação mental encontramos, regra geral, as reacções e o comportamento da infância, e, quando tentamos explicá-los, descobrimos a influência profunda do clima de família em que a criança viveu mergulhada, com as consequências de ordem psíquica que dele advieram.
Reconhecemos hoje, mais do que nunca, que o excesso ou carência de afectos e cuidados, o ambiente de desarmonia, de incompreensão, de cedência, de abuso ou de transtorno mental, marcam o indivíduo de forma quase tão indelével como a cor dos olhos ou as aptidões pessoais que lhe foram legadas pelos seus antecessores.
Se esse ambiente perturbado substituiu o clima de amor e de exigência em que a criança deveria normalmente desabrochar, só por milagre se desenvolverá com o equilíbrio
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que, na ordem natural, Deus na sua infinita sabedoria colocou nas mãos dos progenitores, enriquecendo-os dos dons e das bênçãos necessários ao desempenho de tão sublime missão. Os tempos vão agitados, e a família, por vezes afadigada e dispersa, anda esquecida do seu poder e responsabilidades.
A Sr.ª D. Maria Irene Leite da Costa: - Muito bem!
A Oradora: - Já em 1948, no Congresso de Saúde Mental em Londres, se apelava para a recristianização do lar como fundamento desse clima de equilíbrio mental tão necessário à evolução da criança e ao retempero das forças e do espírito do homem de hoje. A Igreja, de facto, pedagoga divinamente inspirada, tem apontado o caminho e amparado carinhosamente a família, em termos tais que, de há vinte séculos para cá, esta teve ao seu dispor os meios sobrenaturais de se realizar, desde que fiel à graça de Deus e atenta aos dados concretos do problema em sucessivas épocas e variadas regiões.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Quando, pelo contrário, a sociedade atraiçoa os princípios cristãos que nos regem, surge a desagregação familiar, tràgicamente acompanhada de consequências que estão à vista: a já tão falada nova vaga da juventude, e os seus desvarios, documenta-as sobejamente, entre outros exemplos que poderiam citar-se.
Em contrapartida, lembro as dificuldades sofridas por populações primitivas que perderam a sua estrutura familiar antes de aderir a outra, provando o valor de uma estabilidade, embora rudimentar, que salvaguarde a célula base da sociedade.
Como vão as coisas entre nós em 1963?
A família portuguesa tem-se imposto pelas suas virtudes à consideração do Mundo. Se há lacunas, e há-as certamente, prefiro neste momento recordar apenas a gloriosa posição de vanguarda daqueles que heroicamente vivem uma vida de família exemplar, digna de continuar as nossas tradições, prometedora de valores humanos tão necessários a uma nação espalhada pelo Mundo e às suas múltiplas tarefas. Mas não podemos esquecer que o heroísmo permanecerá sempre a excepção. Há que rodear a família de protecção tal que os menos fortes encontrem as condições de vida em que o seu equilíbrio não seja comprometido. Tem sido esta a política seguida, de acordo com os princípios da Constituição vigente e posta em relevo em inúmeros decretos e leis que me dispenso de citar.
Eu própria tive a honra de entrar em debates em que os problemas da educação, da família, da habitação, foram largamente focados em vista a melhoria de situações. Ainda há pouco a lei da previdência abriu perspectivas de segurança de incontestável valor no campo que agora nos ocupa.
Mas para além da casa, da economia, da prevenção, e ligado a todos estes problemas como ponto de misteriosa encruzilhada, ergue-se um outro que prevalece sobre os demais, pelo poder de modificar situações, por ingratas que se apresentem. Refiro-me à presença da mulher no lar.
Indubitàvelmente centro de equilíbrio da família, a mulher é mais precisamente, sobre o ponto, de vista que está em discussão, quem condiciona a saúde mental da infância e da adolescência. De que serviria um vasto plano de assistência neuropsiquiátrica, se a chave do problema, de reconhecido valor científico, ficasse esquecida e menosprezada na prossecução daquele objectivo? Encaremos, pois, de frente o assunto sob alguns dos seus múltiplos aspectos.
Se a nossa civilização não aceita a mulher de hoje confinada aos limites da cozinha e dos interesses domésticos, que outras épocas consagraram, é tempo de precavermo-nos contra o progressivo êxodo da mulher para fora do lar, com risco de invalidar a sua missão de educadora ou de esmagar a mãe de família sob o peso de uma dupla tarefa que verdadeiramente não pode cumprir. Razões múltiplas de ordem económica, social e educacional determinaram esta corrente na maioria dos países evoluídos.
No caso português, tinham ocupação profissional definida em 1961 cerca de 725 000 mulheres, contra 700 000 em 1953, valor que significava 22,6 por cento, perto de 1/4 portanto da totalidade da mão-de-obra empregada. Destacam-se como números de maior significado os seguintes: 240 000 na agricultura; 170 000 nas indústrias extractivas; 32 000 no comércio e seguros, e 270 000 nos serviços; isto é, em grande parte, aquela mão-de-obra é absorvida em regime de tempo completo, ou por trabalhos que exigem um grande esforço físico.
Quando conversamos com trabalhadoras, operárias ou diplomadas, agricultoras ou funcionárias, verificamos, na maioria dos casos, que prevalecem razões de ordem económica no seu comportamento, embora nem sempre se verifique o abandono da profissão quando melhora o nível de vida: razões de ordem profissional ou social, hábitos e regalias adquiridos e até o aumento de disponibilidade de tempo adquirido com o rodar dos anos determinam essa atitude. Quase todas, porém, sofrem por abandonar o lar todos os dias, por vezes de madrugada, para regressar já de noite, e acumular o trabalho doméstico, que não se compadece com quaisquer razões nem é facilitado por equipagem moderna, ou pela ajuda de outrem, senão em diminuta escala.
Para essa lida diária - melhor diria, nocturna - nem horário, nem prevenções, nem regalias; as necessidades da família são a lei de amor que levam a mulher a cumprir como sabe e pode, ainda que sacrifique a própria saúde e até o bem-estar que precisamente queria assegurar.
Sr. Presidente: não é a mim que compete dizer o que representa a ausência da mãe de família durante longas horas ou o que vale a sua presença. Que o testemunhem os grandes homens que puderam educar-se sem carências, sem desadaptações, sem complexos, sem psicoses, mercê dos cuidados e carinho de uma mãe esclarecida e equilibrada que pôde estar disponível junto de seus filhos.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Nem me compete dizer quanto a sociedade fica enriquecida com o seu trabalho apagado, e com aquele que às vezes sabe estender por acréscimo a actividades em que pode ter primazia e qualificação.
Mas é a mim que me compete dizer quanto custa à mulher sobrecarregada por excessivo número de horas de trabalho, ou pela natureza esgotante deste, sentir quanto a sua ausência prejudica a família, e quando a sua presença já diminuída e enervada não lhe presta melhor auxílio.
O Sr. Jorge Augusto Correia: - V. Ex.ª dá-me licença?
A Oradora: - Com muito gosto.
O Sr. Jorge Augusto Correia: - Tenho estado a ouvir com muito gosto as considerações de V. Ex.ª Teve V. Ex.ª o mérito de realçar um ponto de vista que acho muito
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importante: o papel da mulher na família, sobretudo a mãe dos filhos. Mas sabe-se que com a vida activa a que por vezes a própria mãe é obrigada para ganhar a vida, abandonando o lar, as crianças vêm muitas vezes a cair na alçada dos médicos psiquiatras, porque adquirem vícios ou desvios de educação. Acho muito interessante, portanto, e felicito V. Ex.ª por pôr em destaque essa faceta da mãe na educação, conseguindo subtrair tantos e tantos indivíduos aos cuidados da psiquiatria.
A Oradora: - Agradeço a intervenção de V. Ex.ª, que vem precisamente ao encontro das minhas considerações.
Que os motivos desta solicitação para o trabalho sejam conjunta ou separadamente de ordem económica, social ou outros, cumpre-nos de qualquer forma estudá-los oportunamente, não se dê o caso de abandonarmos às suas próprias forças quem não é capaz de as medir.
Frágil por natureza, pode ser presa de- perturbações graves, de que a última expressão seria qualquer forma de transtorno mental, a delinquência, o alcoolismo, a prostituição. Quando faz um mês que entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 44 579, cuja publicação honra o País, não podemos esquecer que não basta a letra da lei para abolir a mais degradante, das situações da mulher; é preciso, entre muitas outras medidas de prevenção deste flagelo, que novos horizontes se abram para toda a mulher portuguesa; para aquela que, deficiente, é justo recuperar-se em actividades compatíveis (esta, tão fàcilmente explorada...); para a massa das raparigas que podem convenientemente preparar-se para enfrentar as responsabilidades da vida.
Nem podemos esquecer que a dureza da vida é má conselheira, e quando à mulher falte a resistência física e psíquica para suportá-la, e ainda a preparação integral que permite modificar uma situação difícil, pode sucumbir à mais indigna das solicitações.
Entre as mais trágicas consequências que da sua queda podem advir conta-se o drama dos filhos ilegítimos, das crianças sem lar. Por mais que a legislação vigente as defenda, por melhor que as instituições, de que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é um exemplo, as proteja, serão sempre elas quem mais avoluma o número de perturbados mentais que acorrem um dia ou outro aos dispensários, aos serviços de recuperação, ou, quando estes falhem, à cadeia.
Sr. Presidente: quando está em estudo a reforma do regime do contrato de trabalho e se pensa fazer a planificação do ensino em Portugal, temos razões para esperar quê nova atenção seja dada aos problemas que se ligam com a vida profissional da mulher no espírito de renovação de mentalidades que há pouco preconizei.
Já é notória a protecção que a legislação do trabalho dá à mulher portuguesa. De há muito, porém, que se faz sentir a necessidade de poder optar-se pelo regime do meio tempo, que daria resposta a muitas das dificuldades postas nesta tribuna. Já no Congresso de Saúde Mental, realizado em Lisboa em 1960, foi preconizada essa medida, em concordância com uma política seguida em países evoluídos, onde se fazem sentir os inconvenientes do despovoamento dos lares. Por mim, creio que teria o maior interesse o estudo dessa possibilidade, que asseguraria a mão-de-obra feminina necessária que o regime comum afasta, sem os perigos há pouco apontados.
Outra ambição que acalentamos é de ver substituídas as tarefas que mais cansam a mulher e mais tempo lhe roubam, a troco de compensações necessariamente modestas, por trabalho mais racional e mais leve. À mecanização e à automação devem-se já hoje notáveis melhorias do sistema de produção e trabalho, em que a trabalhadora não qualificada cede o lugar à operária especializada, possivelmente até ao chefe de família em condições bem diferentes de trabalho e remuneração.
Mas para que esta reforma de estruturas corresponda a uma verdadeira melhoria de vida económico-social, não podemos esquecer a necessidade imperiosa de uma conveniente e bem orientada formação, profissional que quis preconizar quando me referi à reforma do ensino.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Devo dizer que encontrei essa preocupação no congresso organizado pelo B. I. C. E. sobre o futuro profissional da criança, a par da maior exigência quanto à formação doméstica e familiar da mulher.
Parecendo à primeira vista que aquela preparação profissional poderia solicitá-la mais ainda para fora da sua casa, verifica-se, pelo contrário, que a trabalhadora qualificada terá de sacrificar muito menos horas e menos forças ao sustento dos seus, e ainda que o seu interesse pelo lar aumenta pelas possibilidades de valorizar o trabalho adentro de portas sem necessidade de ocupação exterior.
Uma condição porém se impõe, a que já fiz alusão e que foi largamente focada no citado congresso do B. I. C. E. e no congresso da família realizado em 1953: que, a par de uma preparação profissional qualificada, não se descure a formação integral da rapariga, sob pena de a desvalorizar profundamente e de comprometer todos os planos de fomento;...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - ...estes não passarão de letra morta se não assentarem sobre estruturas humanas capazes de os levar a cabo.
Ora o sistema de coeducação que hoje se verifica, sem quaisquer exigências de origem feminina para as raparigas, além daquelas que advêm da educação familiar, obriga-nos a fazer um sério exame de consciência, em que espero ter oportunidade de tomar parte; suponho que uma completa planificação do ensino não pode ignorar tão importante capítulo.
Vozes: - Muito bem!
A Oradora: - Uma vez deformadas as mentalidades, já não seria a melhoria de vida económica que fixaria a mulher no lar, com gravíssimo prejuízo de deixar vaga a única tarefa em que somos insubstituíveis, como, aliás, tem sido infelizmente comprovado em meios que não devem àquele factor social nem a desagregação do lar, nem o abandono dos cuidados maternos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Chegada a hora de a criança transpor o limiar da porta, a mãe tem necessidade de ver a sua obra completada pela acção da escola, pelo menos da escola primária. Não podemos esquecer o zelo que o nosso ilustre colega Veiga de Macedo, então Subsecretário de Estado da Educação Nacional, desenvolveu para que fosse atingida a grande massa da população da metrópole. Mas se o problema está pràticamente resolvido em extensão, agravou-se, como é natural, em profundidade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - De facto, dava-se outrora uma espécie de selecção natural que afastava da escola os diminuídos mentais, resultando dessa primeira escolha a existência
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de classes relativamente normais, equilibradas em número e qualidade.
Hoje, mesmo que a criança não esteja interessada ou não tenha aproveitamento, tem obrigação de ocupar os bancos das escolas dos 6 aos 14 anos, se necessário, perturbando o ambiente geral, agravando o seu próprio caso e pondo aos professores tremendas dificuldades que não foram previstas nem na sua preparação; nem na organização escolar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Quererei significar que estamos pior do que há dez anos? De forma nenhuma, mas se a vitória obtida é motivo de justo orgulho, não poderá dar-se por terminada a campanha enquanto não possam encaminhar-se as crianças difíceis para ensino ou actividades adequadas à sua conveniente educação e recuperação. A faltar ainda por muito tempo este complemento da luta contra o analfabetismo, teremos agravadas as percentagens de perturbados mentais e delinquentes possivelmente recuperados. Prejudicar-se-á ainda o recrutamento e a formação das élites, diluídas por classes excessivamente heterogéneas em que as dificuldades mais prementes absorvem a atenção e as energias dos mestres.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Nesta cruzada creio também eu, como aqui se afirmou, que, uma vez actualizada a formação psicopedagógica dos professores nas escolas do magistério primário, grande papel caberia a estes no despiste de casos benignos. De facto, é geralmente a escola o primeiro meio a revelá-los no momento óptimo da sua recuperação, quando ainda ninguém pensaria em conduzir as crianças a serviços especializados.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - À escola primária segue-se o ensino secundário ou médio. Porém, apenas cerca da quarta parte da população beneficia de um ou de outro.
Há oito anos tive ocasião de lembrar aqui a lacuna que existe, para os alunos de bom aproveitamento que não prosseguem os estudos, entre a despedida da escola e a entrada na profissão; dois, três, quatro anos de ociosidade, de rua, de actividades que em geral nada têm de educativas. Poderá dizer-se que o abandono destes adolescentes num dos períodos mais ingratos e decisivos da sua vida, quando a família não pode geralmente ocupar-se deles e ocupá-los por todo o dia, não terá repercussões na sua saúde mental? Faltará ainda muito tempo para que se prolongue a escola primária no ciclo comum, cujas bases estão estudadas, e no ensino pós-primário acessível à periferia? Deixo a interrogação e com ela o desejo veemente de uma resposta tão rápida e eficiente quanto possível.
Volto ao fio da meada. Segue-se o ensino secundário, dizia eu, muitas vezes o liceu se está perto ou a escola profissional se mais perto ainda. Vejamos o critério da escolha: aptidões manifestadas, condições económico-sociais das famílias, diploma em vista?
Devo lealmente confessar, pelo contacto que mantenho com famílias dos mais variados meios, que, se há escolha, em que influem mais ou menos inconscientemente aqueles factores, não é precedida de esclarecimento profundo e da consideração dos dados que justifiquem validamente um critério. Falta, na maioria dos casos, quer a visão do panorama escolar que se oferece ao estudante, quer das necessidades profissionais do País, por um lado; por outro, o exame sério das condições psicológicas da criança.
Em rigor, não há orientação escolar que apoie a boa vontade das famílias e o acolhimento das instituições públicas e particulares e dê a possível garantia de aproveitar os, recursos humanos de cada indivíduo. Se a criança corresponde, tudo vai bem; se começa a revelar complexos, desadaptações, sem que a família e a escola estejam preparadas para acompanhar o caso, e daí resulta, como é corrente, a sucessiva mudança de escola e de curso, a que se seguirá mais tarde a procura de emprego sem qualificação, eis-nos a caminho de um processo que poderia seguir outro curso, desde que previsto a tempo.
Não estamos em época de desperdiçar valores humanos, nem somos bastante ricos para suportar o peso de elementos inúteis ou perturbadores, que poderiam ser produtivos e seriam, sobretudo, mais felizes.
Ficaríamos a conversar durante longas horas sobre estes temas, que a todos VV. Ex.ªs são familiares e se ligam tão de perto com a proposta de lei que apreciamos. Se não me alongo mais é porque o assunto, estudado por especialistas, como constatamos ao abrir os relatos do Congresso de Saúde Mental a que já fiz referência, entre inúmeras publicações sobre o assunto, encontra resposta na efectivação da base XIV da presente proposta de lei, a que se dará certamente relevância na discussão na especialidade. Nem duvido que a reforma do ensino que os tempos reclamam adentro do espírito que atrás preconizei não tenha em conta, entre outras premissas, as que derivam da higiene mental.
Sr. Presidente: a criança e o adolescente não vivem porém apenas na escola e em casa. As famílias sobrecarregadas, vivendo em casas exíguas, muitas vezes desorientadas sobre aspirações dos filhos que não tiveram correspondência no seu meio de infância, deixam em muitos casos que a mocidade solucione por si a ocupação dos tempos livres. Atrai-os o cinema, a rua, a televisão, o convívio da sua idade, sem grandes limitações ou exigências que preservem o seu equilíbrio mental, ou respeitem pelo menos os princípios basilares da educação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Dir-se-á que o problema não é de medidas legais, mas da responsabilidade das famílias. Voltamos atrás, sem dar conta. Fácil é de facto culpar estas, ainda que as condições lhes sejam adversas; como às famílias não é difícil nos momentos de desorientação clamar pela ajuda que lhes falta; mas o problema é sério de mais para uma espécie de jogo da bola em que a vítima é a criança ou o adolescente.
É justo que cada um colabore no sector que lhe cabe; e assim é lícito esperar o necessário esclarecimento de alguns dos serviços previstos na base XIV, e ainda uma melhor colaboração das actividades circum-escolares, cuja finalidade é exactamente a de completar a acção educativa das famílias.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Impõe-se ainda que o cinema, a literatura corrente, as organizações desportivas, etc., para além de outros legítimos objectivos, assumam as responsabilidades educativas que lhes competem, apoiadas por uma legislação que, ao mesmo tempo que as prestigia, não pode deixar de reprimir abusos onde quer que os haja e sempre que esteja em causa a protecção aos menores.
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Não há muito, um inquérito promovido por uma revista belga trouxe à minha mão o depoimento de milhares de rapazes e raparigas, e com ele o testemunho leal do prejuízo que causavam à sua sensibilidade e equilíbrio nervoso a exibição de grande parte dos filmes a que assistiam, tanto pela natureza excitante destes, como pela crueza das imagens, e até pelas condições da sala. É a própria juventude a reconhecer connosco a fraqueza de uma censura que abre as portas a espectáculos públicos a que é levada por hábil propaganda e atraentes cartazes.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - De que serve aconselhar as famílias quando o cinema e ainda a televisão e a rádio, que atingem os lares, levam à cidade e às aldeias programas em que a agressividade da criança é alimentada e a emotividade dos jovens posta a todas as provas?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - E se a Comissão de Censura da Literatura Infantil já melhorou a situação neste sector, lamentavelmente os bolsos dos nossos estudantes continuam cheios de publicações que as esquinas lhes oferecem, numa acção demolidora a que não oferece bastante concorrência uma literatura sã e de mais valor que aventuras aos quadradinhos fortemente emocionantes e agressivas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Vou terminar com um voto de que uma campanha de divulgação e formação séria, entusiástica, como a preconizou o nosso distinto colega Agostinho Cardoso, acompanhe este diploma, para que a sua realização se efective tão depressa quanto possível, tão perfeitamente quanto o desejamos e dependa de nós.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Suponho que devemos distinguir vários aspectos dessa campanha. O primeiro decerto envolve o esclarecimento que leva às famílias e aos educadores, em termos diferentes de uma transcrição da lei nos jornais diários, as noções elementares indispensáveis à colaboração das massas e aos responsáveis pelos vários sectores da vida portuguesa o conhecimento científico profundo que permita a renovação de mentalidades a que me referi no começo da minha intervenção. Nada deverá ser posto de parte entre os modernos meios de difusão e de cultura para atingir a periferia e os centros, desfazendo a velha barreira que confinava à higiene mental o exclusivo domínio da terapêutica de casos dolorosamente agudos.
O segundo aspecto, porém, do interesse manifestado, não só por colher benefícios desta lei mas por tomar parte activa nesta cruzada, reveste-se de importância crucial: não sairemos do domínio da teoria sem pessoal e sem fundos. São precisas escolas, cursos, compensações de ordem económica, que se equilibrem com outros ramos de actividade, mas não menos necessário é um certo ambiente de ordem psicológica que é preciso criar em torno das profissões relacionadas com a promoção da saúde mental. Lembro-me ainda dos termos em que se recrutava e exercia a enfermagem geral quando eu frequentava o liceu. Hoje esta actividade, embora longe de corresponder a crescentes necessidades, da medicina e da cirurgia, atrai às suas fileiras as nossas melhores raparigas. As doenças mentais, por ingratas e desconhecidas até há pouco, afastavam os que não tivessem a caridade heróica de um S. João de Deus, e da falange extraordinária que arrastou consigo e bem merece a nossa veneração. Mas são hoje tantas as necessidades de pessoal, constantemente postas em relevo neste debate, que, ao apontar caminhos aos novos, não podemos, sem trair a nossa sinceridade, deixar de contagiá-los com o nosso profundo interesse.
Resta-me abordar o mais grave e melindroso dos aspectos da questão: o apoio financeiro de que a obra precisa para se erguer. Tão sérias apreensões levanta que, ao reclamar mais dinheiro do Estado, forçosamente temos de tomar consciência de que estes suo a expressão da riqueza nacional e esta o fruto das nossas iniciativas, do nosso trabalho, da nossa austeridade.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Do zelo de todos os trabalhadores, como dos chefes que assumem responsabilidades mais pesadas, dependem, em última análise, as disponibilidades financeiras para desenvolver o País de forma sensível.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - No caso que está em discussão sabemos o que queremos, o programa está traçado, os objectivos concretos estão à vista. Esse facto é já uma conquista que significará uma permanente exigência e uma prevenção contra desperdícios provenientes do amadorismo ou de actividades desconexas. Dir-se-á, por vezes, que algumas iniciativas isoladas têm feito prodígios e mais fàcilmente têm atraído os capitais privados e a generosidade das populações do que os grandes planos que ultrapassam o ângulo de visão do particular. Mas também aí há que esclarecer...
E não acredito que a nossa boa gente, que ergue cantinas por esse Portugal fora, que soube marcar presença na luta contra a tuberculose, que tem apoiado de forma sensível a luta contra o cancro e ampara carinhosamente as Santas Casas da Misericórdia, não acredito, dizia eu, que regateie a sua ajuda a iniciativas que, por complexas e assentes em bases científicas, careceram de estruturação planificada para ser verdadeiramente do nosso tempo.
Sr. Presidente: por mim julgo que nem sempre a falta de iniciativas e de obras significa a pobreza de recursos. Levantem-se os homens, unam-se as forças, e ei-las milagrosamente de pé.
Não será desta vez que faltará o milagre.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
A Sr.ª D. Maria Irene Leite da Costa: - Sr. Presidente: quando, em Março de 1960, falei nesta Assembleia sobre os problemas da higiene mental infantil e a necessidade urgente de se olhar para eles com mais atenção, manifestei a esperança de que nos estudos, então em realização no Ministério da Saúde, para a reforma da assistência psiquiátrica esses problemas não seriam descurados.
Efectivamente, menos de três anos decorridos, aquele Ministério apresenta um projecto de proposta de lei referente à saúde mental, agora em discussão.
A proposta de lei em questão, elaborada por um grupo de especialistas com profundo conhecimento da matéria, não pode deixar, considerada em conjunto, de ser louvada e enaltecida.
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Trata-se de um documento de excepcional importância que honra não só os especialistas que o prepararam, mas também o Governo, que patrocinou a sua elaboração e se propõe dar-lhe execução.
Longe de constituir uma iniciativa isolada, esta proposta de lei enquadra-se no âmbito geral do Estatuto da Saúde e Assistência, há dias votado nesta Câmara, e segue-se à criação do Instituto de Assistência Psiquiátrica.
Sr. Presidente: o número crescente de doentes e de doenças mentais constitui, hoje em dia, um problema inquietante, não só para os médicos e higienistas, mas também para os sociólogos e os governantes de todos os países.
A grande preocupação é, por um lado, a do tratamento adequado dos casos caracterizados de alterações mentais e, sobretudo, por outro lado, a da prevenção e impedimento da génese de tais perturbações. A acção profiláctica assume, deste modo, cada dia que passa, maior importância em relação à acção pròpriamente terapêutica.
Se aos doentes internados nos hospitais psiquiátricos se juntarem os inúmeros casos de doentes mentais em liberdade - psicopatas, neurasténicos, débeis mentais, etc. -, chegar-se-á à conclusão de que, no conjunto, são mais do que todos os outros doentes reunidos.
O movimento que por toda a parte se levanta em prol da saúde mental tem plena justificação, porquanto é pela clareza e pelo equilíbrio do espírito que o homem se impõe como elemento da sociedade.
No fundo, a saúde mental é um dos problemas - talvez o mais importante - da higiene pública.
Ao contrário, porém, do que acontece com a saúde física das populações, cujos progressos nos últimos anos tanto se têm acentuado, as doenças mentais não têm diminuído, antes pelo contrário, cada dia parecem agravar-se mais.
Calcula-se que, de modo geral, o número de neuróticos atinge 10 a 12 por cento dos indivíduos e incomoda cerca de 30 por cento.
Os indivíduos assim classificados compreendem atrasados mentais, entre eles idiotas e imbecis, esquizofrénicos, maníaco-depressivos, etc.
A profilaxia das doenças chamadas epidémicas dispõe hoje de meios rápidos e eficazes na maioria dos casos. Com a saúde mental não só o tratamento é quase sempre difícil e demorado, mas, sobretudo, a profilaxia envolve acções que atingem no geral não apenas o indivíduo, mas toda a estrutura social.
No 1.º Congresso Nacional de Saúde Mental, realizado em Lisboa em 1960, foram largamente debatidos os diferentes aspectos do problema.
Merece ser posto em relevo, entre os estudos apresentados, o relatório dos Profs. Barsona Fernandes e Pedro Polónio, intitulado «Projecção Social da Saúde Mental».
Segundo estes ilustres professores, cerca de 1 milhão de portugueses necessita de cuidados psiquiátricos especializados, existindo outro milhão em que o auxílio psiquiátrico pode ser prestado por médicos de clínica geral.
Conforme acentuava, em 1959, noutro relatório - «O Problema da Saúde Mental» - o primeiro daqueles professores, mais de 1 por cento da população sofre de doenças mentais de certa gravidade, enquanto cerca de 10 por cento sofre das chamadas neuroses «nem sempre sofrimentos menores e, tantas vezes, motivo dos mais cruciantes conflitos».
A percentagem de crianças e adolescentes que necessitam de cuidados psiquiátricos ou de orientação psiquiátrica varia entre 5 e 10 por cento, número que é assombrosamente elevado.
Cerca de 5 por cento das crianças em idade escolar carecem de atenções psicológicas, afirma, com verdade, o Prof. Barsona Fernandes.
As estatísticas das chamadas «doenças sociais», tais como a criminalidade, o suicídio, o alcoolismo, fornecem igualmente elementos eloquentes pelo que respeita à saúde mental. Basta referir que o número de alcoólicos no nosso país atinge cerca de 300 000, dos quais 15 000 devem ser classificados como alcoólicos crónicos, com todas as consequências que advêm do seu comportamento e decadência social.
Em suma, o número de indivíduos com perturbações mentais existente no País atinge cifras assustadoras e evidencia de modo inequívoco a grandeza do problema e a urgência das medidas tendentes a combatê-lo.
Pode dizer-se, com razão, que a chave da prevenção das doenças e da promoção da saúde mental se encontra na infância. A higiene mental infantil está, por isso, na base de toda a acção destinada a atingir aquela finalidade.
Isto significa, como é fácil de concluir, que os mais importantes problemas da saúde mental são os que dizem respeito à infância e à juventude, à sua formação e preparação para a vida, a família e a sociedade. Assim o consideram também os autores da proposta de lei ao dizerem que «as providências dirigidas à saúde mental da infância devem ser consideradas com particular interesse».
É por de mais conhecido que as atitudes viciosas se revelam e se afirmam, no geral, desde a infância. É nesta idade que surgem, frequentemente, as primeiras alterações do carácter, as primeiras atitudes anti-sociais.
A falta de aproveitamento escolar é, no geral, uma das primeiras manifestações de desadaptação. Por isso se justifica que se dê a maior atenção a estas crianças, cujo número é, por toda a parte, bastante elevado.
Em França, por exemplo, de acordo com as estatísticas mais recentes, os atrasados escolares das classe primárias vão de 25 a 43 por cento.
Na maioria, as crianças nestas condições, quando tratadas a tempo, são susceptíveis de aproveitamento e de adaptação à vida social, comportando-se como indivíduos úteis e colaborantes. Abandonados a si próprios, ingressarão, primeiro, no grupo dos atrasados escolares e passarão, depois, a desadaptados sociais, vadios e criminosos.
A desadaptação pode ter, como se sabe, causas várias.
No número dos desadaptados figuram com frequência crianças intelectualmente bem dotadas e, por vezes, excepcionalmente bem dotadas. A anomalia de comportamento pode resultar apenas, conforme o ilustre Deputado Dr. Santos Bessa pôs há dias em relevo, de uma carência afectiva, do abandono a que a criança foi votada, da incompreensão com que é olhada na escola, etc.
Mas pode ser devida, e assim acontece na maioria dos casos, a deficiência mental.
As estatísticas mostram que a grande maioria dos desadaptados sociais foram primeiramente desadaptados escolares.
Um dos temas discutidos numa das últimas conferências internacionais de instrução pública, realizada em Genebra em 1960, foi precisamente o da organização do ensino especial para os débeis mentais. As discussões e as recomendações aprovadas mostram bem quanto este problema preocupa os responsáveis pela educação em todos os países c, de maneira especial, naqueles em que existe a obrigatoriedade escolar.
Efectivamente, constitui grande embaraço económico, social e cultural para um povo a existência no seu seio de um contingente de deficientes mentais não recupera-
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dos, que não serão apenas um pesado fardo a sustentar, mas, pela maior parte, se transformarão, cedo ou tarde, em elementos perturbadores e indesejáveis.
O facto é tanto mais pungente quanto é certo que, como acima se disse, os indivíduos nestas condições podem tornar-se elementos úteis quando educados a tempo. Os progressos realizados pela medicina, a psicologia da criança e a pedagogia curativa permitem despistar bastante cedo as crianças que sofrem de deficiência mental e orientar a sua educação com base em métodos fundados na diferenciação e na individualização do ensino.
É trabalho sem dúvida difícil, que exige a colaboração não só do médico, como do psicopedagogo, da assistente social, etc.
A acção sòmente virá a ser eficaz se for realizada em conjunto, isto é, médica, psicológica, pedagógica e social.
Cada indivíduo recuperado será, em muitos casos, um delinquente a menos, um elemento útil arrancado à voragem da degradação humana.
É sabido que a recuperação terá tanto maior êxito quanto mais precoce for a despistagem da deficiência, o que implica que esta deve ser procurada desde o início da idade escolar ou, se possível, desde o período pré-escolar.
Para este efeito é imprescindível que as técnicas de observação e de medida psicológica, por um lado, os meios de diagnóstico de que dispõem os diferentes especialistas, por outro lado, se encontrem de tal modo aperfeiçoados que sejam capazes de assegurar uma despistagem tão objectiva quanto possível e que evite, entre outros aspectos, a confusão entre a debilidade mental orgânica e a debilidade mental aparente.
Conforme disse anteriormente, cerca de 5 por cento das crianças em idade escolar carecem de atenções médico-psicopedagógicas. Uma em cada 1000 deve ser seguida nos dispensários e clínicas de higiene mental infantil.
Se me demorei na análise deste facto foi, sobretudo, para mostrar a enorme tarefa que se torna necessário realizar no nosso país, onde, neste domínio, quase nada se fez.
Em Portugal existe um único dispensário de higiene mental infantil, instalado em Lisboa.
Torna-se necessário criar urgentemente serviços congéneres, pelo menos nas capitais de distrito (o Prof. Baraona Fernandes considerou, há pouco, imprescindível a ciação de 24 serviços de saúde mental infantil, distribuídos por todo o País), instituir, ao mesmo tempo, centros psicopedagógicos nas escolas e nos liceus, organizar dispensários de higiene mental nas Universidades.
No dispensário de higiene mental infantil acima referido, que há pouco foi transferido do Instituto António Aurélio da Costa Ferreira para o Instituto de Assistência Psiquiátrica do Ministério da Saúde e Assistência (Decreto-Lei n.º 43 752, de 24 de Junho de 1961), no período compreendido entre 1942 e 1962, foram dadas cerca de 20 000 consultas a crianças portadoras das mais diversas anomalias, quer físicas, quer mentais.
Destas, mais de 1 milhar era constituído por crianças que, em virtude de grande atraso mental, deveriam ter sido internadas em instituição especial para grandes deficientes mentais. Todavia, como não há no País nenhuma instituição desta natureza, essas crianças cresceram, fizeram-se homens e mulheres...e para aí andam a arrastar uma existência de maior ou menor miséria e a acrescentar ao grupo dos necessitados de tratamento e assistência a numerosa prole de que, no geral, são progenitores.
As crianças susceptíveis de recuperação, cerca de 4200, permaneceram, na maioria, no meio familiar sem qualquer espécie de assistência.
Para esta categoria de crianças existe em Lisboa uma instituição de reeducação para rapazes, dependente da Casa Pia (Instituto Adolfo Coelho) e outra para raparigas (Instituto Médico-Pedagógico Condessa de Rilvas), o que é manifestamente insuficientíssimo.
Para internamento em estabelecimento psiquiátrico foram consideradas 673 crianças, que, de igual modo, continuam à espera de instituição apropriada onde possam ser recebidas (apenas no Hospital Júlio de Matos existem dois pavilhões para casos de psiquiatria infantil).
Das crianças indicadas para ensino em classes especiais nas escolas primárias apenas uma pequena parte pode beneficiar desse ensino.
O número de classe especiais existente no País é diminuto, ao todo 67, assim distribuídas: 44 em Lisboa, 14 no Porto, 2 em Beire, 2 em Coimbra, 2 em Viseu, 1 em Ponta Delgada e 2 no Funchal.
Isto significa que as crianças nestas condições que têm assistência escolar conveniente atinge 1 milhar (cada classe não comporta mais de 15 crianças).
Existem, neste momento, no Instituto Costa Ferreira, pedidos para a criação, em diversos distritos, de mais de 53 classes especiais.
Há, todavia, necessidade urgente de criar muitas mais classe deste tipo, isto é, de alargar os benefícios do ensino especializado a todo o País.
A Sr.ª D. Custódia Lopes: - Muito bem!
A Oradora: - Com uma despesa diminuta ajudar-se-ão muitas crianças que, de outro modo, não conseguem fazer a aprendizagem na escola.
Sr. Presidente: os números e os factos apontados são expressivos e concludentes quanto à oportunidade flagrante das medidas encaradas na proposta de lei em discussão.
Do mesmo modo que não basta fazer diagnóstico certo para solucionar o problema dos deficientes, também não basta a simples promulgação da lei da saúde mental para que tudo fique resolvido.
A execução da citada lei exigirá grande esforço, não só financeiro, mas também sob outros aspectos. Um dos mais importantes, fundamental para o bom êxito de qualquer iniciativa, é o do pessoal especializado, que não temos e se torna necessário preparar.
Pelo que respeita ao sector que melhor conheço - o da higiene mental infantil -, não falando de médicos especializados em pediatria e em neuropsiquiatria infantil, são precisos em grande número psicopedagogos, professores especializados para o ensino das crianças deficientes, assistentes sociais, educadoras especializadas e outros.
Os centros psicopedagógicos não se improvisam. Precisam de ser orientados por pessoas especializadas e disporem da colaboração de técnicos competentes nos diferentes domínios da psicologia e da pedagogia (psicólogos, educadores especializados, técnicos da pedagogia curativa, ortofonistas, etc).
Onde ir buscá-los?
Tais necessidades poderão ser supridas pela Instituto Costa Ferreira, dependente do Ministério da Educação Nacional, cujas funções são essencialmente psicopedagógicas. O referido Instituto deverá, por isso, continuar a assegurar a formação do pessoal técnico para a educação dos deficientes, embora em maior escala do que o tem feito até aqui. Há actualmente mais de um centena de professores diplomados pelo Instituto Costa Ferreira
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para o ensino dos deficientes, dos quais 67 exercem o ensino em classes especiais nas escolas primárias.
São também diplomados pelo Instituto Gosta Ferreira os directores e os professores dos estabelecimentos especializados de recuperação de crianças deficientes pertencentes ao Ministério da Saúde e Assistência.
Compete ainda ao Instituto Costa Ferreira a observação psicológica das crianças que frequentam as escolas e a orientação das classes especiais. Além disso, realiza investigação científica no campo psicopedagógico e médico-social.
Embora o Instituto referido seja uma das realidades com que pode contar-se para a execução de uma campanha de saúde mental, isso não significa que não continue a impor-se com urgência a criação de um instituto pedagógico nacional, há tanto tempo reclamado e prometido.
Conforme aqui acentuei, hoje mais do que nunca, em virtude das múltiplas influências nefastas capazes de perturbarem o psiquismo infantil, torna-se necessário agir por todos os meios no sentido de proteger e cuidar da saúde mental da mocidade. Esta acção tem de fazer-se não só na escola, mas também na família e na sociedade; é uma acção profiláctica permanente e constante.
Esta profilaxia, como há dias dizia nesta mesma Tribuna o ilustre Deputado Dr. Santos Bessa, nem sempre é fácil e, pior ainda, o êxito das medidas aplicadas para atenuar a acção prejudicial dos factores perturbadores nem sempre é seguro. Apesar das incertezas, impõe-se a necessidade de actuar e utilizar todos os recursos para preservar a saúde mental das populações.
A preparação para a profissão, por exemplo, reveste-se de alta importância, pois não basta ensinar aos jovens a técnica segura do trabalho, é preciso desenvolver-lhes ao mesmo tempo uma sólida estrutura mental e torná-los conscientes das suas obrigações morais e sociais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - A produção e o rendimento do trabalho são fortemente afectados pelas doenças mentais, às quais ninguém se pode considerar imune.
Não basta legislar, é imperioso actuar, mas actuar segundo planos de conjunto em que sejam considerados os diferentes factores que interferem na questão.
Além de amplos meios materiais, esta acção exige a colaboração de numeroso pessoal especializado, compreendendo psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, etc.
Para além dos casos caracterizados de perturbação mental, a actuação tem de exercer-se sobre todos os meios, pois só assim poderá conduzir a resultados apreciáveis. É, em grande parte, uma campanha de educação das populações.
Na escola há a considerar não só a saúde mental do aluno, mas também a saúde mental do professor.
Nos meios industriais há que cuidar da saúde mental do operário e, ao mesmo tempo, exigir dos dirigentes o mesmo equilíbrio e compreensão.
Em todos os serviços deve pedir-se aos que comandam toda a atenção e cuidado nas suas relações com o pessoal sob as suas ordens.
É acção que tem de abranger todas as hierarquias, todas as camadas sociais, todos os elementos da população.
A higiene mental tem sido considerada como o problema n.º 1 da saúde pública e no seu âmbito a primazia pertence à higiene mental infantil, como disse já.
A defesa da família, o robustecimento dó agregado familiar, são a primeira condição para dar à criança a atmosfera sã e equilibrada, indispensável ao desenvolvimento harmónico das suas faculdades e atitudes.
Conforme o salientou o Deputado Dr. Santos Bessa, não há sistemas pedagógicos que possam avantajar-se à mãe na educação da criança.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A Oradora: - Nenhuma instituição, por melhor que seja, pode substituir a acção materna. Daí resultam muitos problemas que se levantam em relação às creches, aos asilos e a outras instituições do género.
A elevação do nível de vida, o salário justo, a possibilidade de dar a todos habitação própria e limpa, mesmo que modesta, são aspectos que não podem deixar de ser encarados com decisão quando se enfrentam os problemas da saúde mental.
É óbvio que a saúde mental está intimamente ligada à saúde física e biológica e ao bem-estar social dos indivíduos.
Só assim se poderá processar o desenvolvimento harmónico da personalidade humana, realizar a formação plena do Homem, corpo e espírito, formação que será tanto mais perfeita e fecunda quanto maior for o equilíbrio entre estes dois atributos.
Assim o compreendeu também o Governo, que, considerando resolvidos alguns dos aspectos fundamentais da saúde física da população (como a tuberculose), julgou chegada a hora de enfrentar os problemas da saúde mental com decisão e largueza.
São eloquentes provas disso não só o projecto de lei agora em discussão como a própria Lei de Meios, onde a promoção da saúde mental foi considerada como primacial no quadro da assistência à doença.
Ao dar a minha aprovação na generalidade ao projecto de lei sobre a saúde mental, não quero deixar de formular os mais sinceros votos de que o Governo encontre os meios necessários para que este diploma tenha imediata e total realização prática.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
A oradora foi muito cumprimentada.
O Sr. Presidente: - Não há mais nenhum orador inscrito para a discussão na generalidade da proposta de lei sobre saúde mental, nem há na Mesa qualquer questão prévia que haja de ser posta à votação em relação com a retirada da discussão desta proposta.
Considero, portanto, aprovada na generalidade a proposta de lei em discussão, e na próxima sessão iniciar-se-á a discussão na especialidade da mesma proposta de lei.
Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, tendo como ordem do dia a discussão na especialidade da proposta de lei cuja discussão na generalidade acaba de terminar.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
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Antão Santos da Cunha.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Magro Borges de Araújo.
António Marques Fernandes.
Armando José Perdigão.
Augusto José Machado.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Luís Vaz Nunes.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Tarujo de Almeida.
Rui de Moura Ramos.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Fernando António da Veiga Frade.
Joaquim de Jesus Santos.
José Guilherme de Melo e Castro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel de Melo Adrião.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA