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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 81
ANO DE 1963 8 DE FEVEREIRO
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 81 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 7 DE FEVEREIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários:Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 78.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho, parti efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 44865 e a proposta de lei de alterações à Lei Orgânica do Ultramar Português, que ia enviar à Câmara Corporativa. Convocou os presidentes das comissões permanentes para uma reunião no da seguinte, às 11 horas.
O Sr. Deputado Elísio Pimenta requereu informações sobre o aeroporto do Porto e a indústria hoteleira do Norte.
O Sr. Deputado Manuel João Correia preconizou que o caminho de ferro da Beira seja integrado nos caminhos de feno de Moçambique.
O Sr. Deputado Francisco António da Silva louvou a obra de rega do Alentejo e lembrou aspectos a considerar para maior rentabilidade do empreendimento.
O Sr. Deputado Carlos Alves referiu-se às vias de comunicações nos distritos de Vige e Zaire, em Angola.
O Sr. Deputado Agnelo do Rego recordou a última visita do Chefe do Estado ao arquipélago dos Açores.
Ordem do dia. - Continuou o debate, sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Cancella de Abreu relativo a acidentes de viação.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Águedo de Oliveira e Augusto Simões.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
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António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarújo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 83 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está na Mesa o Diário das Sessões n.º 78, correspondente à sessão de 81 de Janeiro findo.
Está em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Visto nenhum dos Srs. Deputados desejar fazer qualquer reclamação, considero aprovado o referido Diário.
Deu-se conta do
Expediente
Ofício
Do governador civil de Coimbra a dar conhecimento de parte do relatório da XXI reunião dos presidentes das câmaras municipais do distrito, em que se aplaude a apresentação do aviso prévio sobre o vale do Mondego e só louva a alta competência que os Deputados por aquele círculo souberam imprimir-lhe.
Telegramas
Vários a aplaudir a intervenção do Sr. Deputado Jorge Correia acerca das tarifas de energia eléctrica.
Vários a apoiar as afirmações do Sr. Deputado Alfredo Brito relativamente ao planeamento industrial.
O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 23, 1.ª série, de 28 do mês passado, inserindo o Decreto-Lei n.º 44 865, que prorroga até 31 de Dezembro de 1963 o disposto no Decreto-Lei n.º 40 049, que permite que aos subsidiados pelo Comissariado do Desemprego presentemente ao serviço seja mantida a sua actual situação.
Está na Mesa a proposta de lei sobre alterações à Lei Orgânica do Ultramar Português, que tenho a honra de apresentar.
Vai ser enviada para efeitos de parecer à Câmara Corporativa. Não a faço baixar a qualquer comissão porque estou na ideia de promover que seja eleito uma comissão eventual expressamente para o fim de estudar essas alterações.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Dois actos entendo dever praticar rio seguimento da declaração que acabo de fazer: primeiro, pedir aos presidentes de todas as comissões permanentes que funcionam na Assembleia para se reunirem comigo aqui na Assembleia amanhã, às 11 horas e 30 minutos; segundo, informar VV. Ex.ªs que no sábado haverá sessão.
Tem a palavra, antes da ordem do dia, para um requerimento o Sr. Deputado Elísio Pimenta.
O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
Desejando tratar na presente sessão legislativa de diversos problemas referentes ao turismo na região norte do País e intervir no aviso prévio que porventura o Sr. Deputado Nunes Barata venha a apre-
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sentar, conforme o anúncio feito no seu requerimento de há dias, requeiro, para meu esclarecimento, os seguintes elementos:
I
Pelo Ministério das Comunicações:
a) Relação das obras e melhoramentos efectuados no aeroporto do Porto a partir de 1947 e até 81 de Dezembro de 1962, em especial no que respeita à construção, ampliação e pavimentação de pistas de aterragem, plataformas de estacionamento,- aerogare, hangares e outros edifícios, sinalização luminosa e sistema de luzes de aproximação, controle de tráfego aéreo, telecomunicações e meteorologia, serviços aduaneiros e de polícia, incluindo os respectivos custos;
b) Relação das obras e melhoramentos em execução e em projecto a partir de 1963, datas previstas para o seu termo e custos;
c) Número devidamente discriminado de aeronaves comerciais e não comerciais, de serviço nacional e internacional, regulares e não regulares, de alternância ou escala técnica, que utilizaram o mesmo aeroporto em cada um dos anos de 1956 a 1962;
d) Número de passageiros de tráfego interno e internacional embarcados e desembarcados no mesmo aeroporto em cada um dos anos de 1956 e 1962;
e) Tráfego, em toneladas, da carga embarcada e desembarcada, referente aos mesmos anos;
f) Idem de correio;
g) Número de horas de encerramento dos aeroportos de Lisboa e do Porto, por motivo de condições meteorológicas, em cada um dos últimos anos;
h) Preço de venda dos combustíveis destinados a aeronaves nos aeroportos de Lisboa e do Porto;
i) Custo dos serviços de despacho das aeronaves nos aeroportos de Lisboa e do Porto:
j) Número de voos de fretamento requeridos à Direcção-Geral da Aeronáutica Civil, nos anos de 1956 a 1962 e até à data da resposta a este requerimento, por agências ou pessoas singulares, nacionais e estrangeiras, e despachos lançados nos respectivos requerimentos;
l) Razões que provocaram a suspensão, pela companhia dos Transportes Aéreos Portugueses, da linha Porto-Londres, iniciada em 1960, e se tal suspensão é definitiva ou se refere apenas ao período de Inverno.
II
Pela Presidência do Conselho (Secretariado Nacional da Informação):
a) Estabelecimentos hoteleiros, sua classificação e número de camas existentes nos distritos do Porto, Braga e Viana do Castelo, com indicação da sua localização;
b) índices de utilização dos mesmos estabelecimentos referentes aos anos de 1955 a 1962;
c) Movimento de estrangeiros nos mesmos estabelecimentos e anos.
O Sr. Manuel João Correia: - Sr. Presidente: esta intervenção não tem intuitos demagógicos. Faço-a com a plena consciência de que vou ao encontro de uma das grandes aspirações da população de Moçambique. E basta-me esta certeza para não hesitar em trazer aqui o assunto de que hoje vou tratar, com a convicção antecipada de que o Governo não deixará de corresponder a essa aspiração quando reconhecer que a razão está inteiramente do lado de quem pede.
Quando existam problemas que vivam no pensamento de todos, quando a resolução desses problemas represente a aspiração profunda de uma população inteira, não pode permitir-se ao Deputado que continue a ignorar a sua existência; compete-lhe então transmitir ao Governo da Nação, clara e construtivamente, os desejos e as aspirações da população do círculo que representa. Só assim desempenhará honestamente a missão que lhe foi confiada e cumprirá o seu dever com verdadeira dignidade.
Há, em Moçambique, um problema que a sua população veria resolvido com grande satisfação e reconhecimento. É o problema relativo ao caminho de ferro da Beira.
Com efeito, não se compreende que aquele caminho de ferro não faça parte do património ferroviário de Moçambique; não se compreende que seja propriedade do Ministério das Finanças.
Não quero agora discutir as razões que levaram aquele Ministério, em 1949, a adquirir para si o caminho de ferro da Beira, em vez de ter optado por um empréstimo a Moçambique, como seria lógico, da importância necessária para o seu resgate.
De resto, nem teria sido necessário conceder à província um empréstimo especialmente destinado a esse fim, pois do empréstimo de 1 milhão de contos, autorizado pelo Decreto-Lei n.º 36 446, de 31 de Julho de 1947, «destinado à execução de planos de fomento da colónia», poderiam ter perfeitamente saído os 372 785 contos pagos ao Beira Railways, tanto mais que do valor daquele empréstimo a província até hoje apenas recebeu a importância de 601 250 contos.
A salientar mesmo a afinidade que aconselharia o pagamento desta operação pelo empréstimo de 1 milhão de contos existe a circunstância de o valor pago pelo resgate do porto da Beira, que ascendeu a 209 775 contos, ter saído do montante daquele empréstimo.
Sabemos todos que o Ministério das Finanças nunca retirou qualquer parcela dos lucros de exploração do caminho de ferro da Beira. Todos os lucros têm sido investidos na aquisição e renovação de material e outros melhoramentos. Sabemos também que todos os lucros futuros terão de ter o mesmo destino, pois as necessidades de investimento apresentam-se com aspecto que não indicam diminuição do seu ritmo premente.
Que interesse pode ter, portanto, o Ministério das Finanças em ser o proprietário, incompreensivelmente, de um caminho de ferro localizado numa província ultramarina?
Certamente que nenhum.
A própria administração daquele caminho de ferro nem sequer é feita pelo Ministério das Finanças; está confiada à eficiente administração dos caminhos de ferro de Moçambique, administração que, seja-me permitido dizer, é das mais perfeitas administrações públicas de todo o território nacional.
Respigo do relatório do ano económico de 1960 da Direcção dos Serviços dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportes de Moçambique as seguintes palavras relativas ao caminho de ferro da Beira:
Para se avaliar da eficiência da administração feita neste caminho de ferro, basta verificar que o capital que nos foi entregue inicialmente, no valor de
372 785 contos, sofreu até à data um aumento, de 1 266 769 contos ...
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São números que impressionam e que provam que a administração tem sido, com efeito, eficiente o bem orientada.
As receitas do caminho de ferro da Beira, um 1950, foram de 151 906 contos; em 1961, essas receitas elevaram-se a 360 179 contos. As despesas passaram, nos mesmos anos, de 112 846 para 189 007 contos, e os lucros de exploração de 39 060 para 171 172 contos.
É um caminho de ferro que produz lucros de exploração que caminham rapidamente para a casa dos 200 000 contos anuais. São lucros importantes que têm sido investidos no desenvolvimento do mesmo caminho de ferro e, por conseguinte, no desenvolvimento da vida económica de Moçambique. Mas nada nos garante que continue a ser sempre assim no futuro, se o dito caminho de ferro não passar a pertencer à província. O seu proprietário terá todo o direito, em qualquer altura, de levantar o rendimento do capital investido na sua empresa. Poderá ser
que isto nunca aconteça e até acredito piamente que assim seja. Mas pode acontecer.
O porto da Beira foi resgatado no mesmo ano do resgate do caminho de ferro, mas foi logo integrado nos respectivos serviços pertencentes à, província de Moçambique. Não se compreende por que motivo não se seguiu igual critério com respeito ao caminho de ferro. Não há dúvida que parece haver em tudo isto uma certa anomalia:
Tem de se admitir, portanto, que a população de Moçambique discuta as circunstâncias incompreensíveis que determinaram esse estado de anomalia e deseje que o caminho de ferro da Beira seja integrado nos caminhos de ferro de Moçambique.
A eficiência da administração do caminho de ferro da Beira e os bons resultados obtidos na sua exploração devem-se, em grande parte, à, boa orgânica administrativa - que se afasta dos perniciosos processos burocráticos - da Direcção dós Serviços dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportes da província de Moçambique, como atestam os números respeitantes à exploração destes importantes serviços de tão benéficos reflexos na economia da província.
É com prazer que digo estas palavras de justiça acerca daqueles serviços, a quem a província deve, além de menor desequilíbrio da sua balança de pagamentos, decisivo contributo para o desenvolvimento da sua vida económica.
Foi em 1929, com a promulgação da Carta Orgânica de Moçambique, aprovada pelo Decreto n.º 17 153, de 6 de Junho daquele ano, que foi criada a Direcção dos Portos e Caminhos de Ferro e, por consequência, se procedeu à unificação ferroviária da província - unificação que permitiu o grande desenvolvimento daqueles serviços. A sua reorganização administrativa, porém, só foi feita pelo Diploma Legislativo n.º 315, de 22 de Agosto de 1931, que determinou o seguinte, no seu artigo 1.º:
Os serviços dos portos e caminhos de ferro da colónia constituem uma empresa industrial do Estado, administrada e dirigida segundo os princípios da economia comercial e têm por fim o desenvolvimento da economia geral da colónia ...
Penso, sem receio de que me desmintam, que é precisamente nesta forma inteligente de orgânica desburocratizada, de administração segundo os princípios da economia comercial, que reside o verdadeiro pólo de desenvolvimento vertiginoso dos serviços dos portos e caminhos de ferra de Moçambique e do grande reflexo que isso tem tido no crescimento da própria província:
Ilustremos esta afirmação com alguns números expressivos.
As receitas, despesas e lucros de exploração daqueles serviços foram os seguintes:
[Ver quadro na imagem]
A carga manuseada nos portos de Lourenço Marques e Beira também cresceu de uma maneira vertiginosa. O porto de Lourenço Marques manuseou, em 1940, 1 772 638 t de carga geral; em 1961, 6 707 865 t. O porto da Beira manuseou, em 1949 (ano em que passou para o Estado), 1 935 000 t; em 1961, 3 289 574 t.
Vejamos agora o tráfego de mercadorias e o número de passageiros transportado. Os caminhos de ferro de Moçambique transportaram, em 1960, 6241 873 t de carga e 2 121 332 passageiros.
Não quero terminar esta intervenção sem deixar aqui registada uma palavra d« apreço para o major de engenharia Francisco dos Santos Pinto Teixeira...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... que foi um dos cabouqueiros da unificação ferroviária de Moçambique e durante mais de vinte anos o dinâmico director dos Serviços dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportes, a cujo desenvolvimento deu grande impulso e onde implantou as vigas mestras da grande obra que aqueles serviços representam.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Pinto Teixeira, recordemos ainda, foi também o fundador da D. E. T. A., organização de transportes aéreos de Moçambique, a quem a província deve serviços de incalculável valor. Que esta referência ao seu nome e à sua obra, feita neste lugar, seja uma pequena homenagem de Moçambique e do seu povo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: vou terminar, pedindo a V. Ex.ª se digne ser intérprete junto do Governo da Nação deste pedido de Moçambique feito através de um dos seus filhos mais humildes: que o caminho de ferro da Beira seja integrado nos caminhos de ferro de Moçambique.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Toda a população da província agradecerá reconhecidamente e rejubilará com. tal decisão, nomeadamente a numerosa classe ferroviária, que ascende a mais de 29 000 empregados, desde os mais obscuros colaboradores aos mais altos funcionários, sem esquecer os maquinistas e os fogueiros das locomotivas, que, em noites de tempestade, com a mão firme nas alavancas das suas máquinas, furam a escuridão com os seus comboios coleantes como grandes répteis; sem esquecer os trabalhadores dos portos, na carga e na descarga exaustiva das mercadorias; sem
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esquecer os motoristas da camionagem, por atalhos e caminhos do mato lutando para vencer as distâncias; sem esquecer, finalmente, os bravos pilotos da D. E. T. A., que, rasgando os céus azuis de Moçambique, no voo elegante das suas aeronaves, têm levado o progresso a tantos pontos remotos da província.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Francisco António da Silva: - Sr. Presidente: dirijo a V. Ex.ª os meus mais respeitosos cumprimentos e aos colegas desta Câmara testemunho de muita consideração e apreço.
Sr. Presidente: vivo ainda o ambiente de calor c entusiasmo com que as gentes do Baixo Alentejo receberam, em Odemira, SS. Exas. os Srs. Ministro e Subsecretário de Estado das Obras Públicas no acto inaugural do Plano de rega do Alentejo.
Esta manifestação, tão justa como grandiosa, e que, pela sua espontaneidade, tocou todos aqueles que a ela assistiram, foi uma demonstração de apreço e gratidão ao Governo, pelas perspectivas que esta obra vem trazer ao Alentejo: mas foi ao mesmo tempo, uma homenagem ao ilustre homem público que é o engenheiro Arantes e Oliveira, pela larga visão com que tem encarado e resolvido os problemas alentejanos e pelos altos serviços prestados ao País.
Na verdade, estamos no limiar de uma nova era na vida económico-social desta região.
Ao debruçar-me sobre o projecto do Plano de rega do Alentejo admiro-o pela sua grandeza e pelos cuidados técnicos de que se reveste.
Mandado elaborar pelo Ministério das Obras Públicas, através da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos e em colaboração com outros departamentos do Estado, abrange uma área de 170 000 ha.
No projecto determina-se que sejam aproveitados os recursos hídricos das bacias hidrográficas da região. No entanto, como estas não asseguram mais do que o volume médio anual de 130 000 000 m3, recorre-se à elevação das águas de dois grandes rios - Tejo e Guadiana.
Está previsto que o primeiro forneça um volume médio anual de 190 000 000 m3, que irão irrigar a zona do planalto norte, constituindo o sistema do Alto Alentejo, abrangendo uma área de 42 600 ha; o segundo, fornecendo 260 000 000 m3 anuais, regará os campos do Baixo Alentejo, numa superfície de 79 200 ha.
O custo global desta obra é calculado em cerca de 5 300 000 contos, o que, só por si, é uma prova eloquente da decisão do Governo de dotar o País da armadura económica de que tanto necessita.
No momento em que se está a fazer um extraordinário esforço de industrialização não faria sentido, na verdade, que cumulativamente se não criassem as bases necessárias para uma verdadeira revolução agrícola, que permitisse a reforma de processos, o aumento da produtividade e de riqueza e a melhoria do nível de vida das populações. Não podem, com efeito, dissociar-se estes aspectos da vida económica. E isso faz prever que, a par do plano técnico, que permitirá transformar por completo a estrutura agrária do Alentejo, se elaborará cuidadoso plano económico. Desconhece-se, por enquanto, o estado de adiantamento desse plano e, talvez por isso, há em certo sector da lavoura dúvidas quanto à sua rentabilidade.
Não acompanho estes receios. Acredito que da união de esforços de economistas, técnicos, agricultores e proprietários há-de resultar a viabilidade económica desejada. Com efeito, para destas obras tirar o máximo rendimento, tanto sob o aspecto económico como social, temos de considerar em conjunto vários factores: produção, consumo, produtividade e investimentos. Ora é necessário que as culturas escolhidas para o novo regime de regadio que se aproxima sejam compensadoras.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Acredito no aumento da produção, porque a água é fonte de riqueza, mas só o será se se tiverem em conta as possibilidades de escoamento desses produtos para os mercados tanto interno como externo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Neste aspecto, a indústria, quer-me parecer, terá papel importante a desempenhar. São necessários, a par de investimentos na reorganização agrícola e pecuária, largos investimentos industriais no Alentejo que permitam, junto das fontes de produção, criar novas fontes de riqueza e de trabalho, manufacturando os produtos e possibilitando a sua concorrência nos mercados internacionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Modificação na exploração agrícola, povoamento florestal, desenvolvimento pecuário, apetrechamento industrial, novas redes de comunicação e transporte, mais ampla distribuição de energia eléctrica, são condições necessárias para um plano económico rentável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estou certo de que se hão-de ter em conta todos esses aspectos para uma melhora económica do Alentejo e do nível de vida do rural, terminando de vez o desequilíbrio gritante entre o salário industrial e o salário agrícola, motivo principal da fuga desordenada do homem do campo para os grandes centros urbanos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A continuar-se assim, graves consequências viriam não só para a região como para o próprio País, pois, se é verdade que a terra desempenha função económica e social, também não é menos verdade que a agricultura tem na vida nacional uma maior preponderância sobre todas as outras actividades.
Sr. Presidente: terminarei as minhas considerações com as palavras que Pio XII pronunciou ao referir-se aos problemas do mundo rural:
Apresentam-se hoje oportunidades de se decidir se vai continuar-se a procurar uma rentabilidade unilateral de vistas curtas, ou antes orientá-la para o conjunto da economia social, que é a sua finalidade objectiva, assegurando em toda a parte ao povo dos campos o seu próprio carácter, o seu próprio ascendente, o seu valor próprio na economia e na sociedade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Carlos Alves: - Sr. Presidente: ficaria incompleta a minha última intervenção, sobre as pautas aduaneiras na bacia convencional do Zaire, se não trouxesse ao conhecimento desta Assembleia o gravíssimo problema dos transportes, Intimamente ligado ao estado de atraso em que se encontra o antigo distrito do Congo, actuais distritos de Uíge e Zaire.
Falar de transportes nesta área é o mesmo que dizer que quase tudo está por fazer. A sua rede de estradas, com excepção da estrada Engage-Carmona-Luanda, que está sendo, asfaltada, é constituída por picadas de terra batida que ligam as terras do interior entre si e estas com o litoral, picadas abertas no tempo da penetração e precariamente conservadas, onde as viaturas sofrem os piores tratos que se podem imaginar, onde é vulgar o camião de carga ficar inutilizado, ou quase inutilizado, logo ao primeiro ano de serviço.
Com tal sistema, irregular e caro, não foi possível explorar os géneros chamados pobres nem estimular o desenvolvimento de outras actividades que, para prosperarem, exigem um transporte rápido, certo e económico.
Por isso se espera com ansiedade a conclusão do caminho de ferro do Congo, pois, na imensidão do território angolano, os grandes espaços em branco, como se tem verificado, só se tornaram em fontes estáveis de produção quando foram bafejados com o silvo da locomotiva. O exemplo da região vizinha de Malanje, término da linha de Luanda, ilustra o asserto de modo convincente - uma região produtora dos tais géneros considerados pobres, como a crueira, o feijão, o milho, o tabaco, etc., que lhe deram a prosperidade de uma mediania que nunca teria atingido com o frete proibitivo do camião.
No Congo Português há produtos agrícolas, como o milho, o feijão, a mandioca, a batata, a cebola, etc., além das frutas e dos frescos, que se cultivam em pequena escala, unicamente para o consumo interno, por não haver um transporte económico que permita a sua colocação nas praças exteriores de consumo aos preços da concorrência. Há géneros de exportação, como o arroz, a ginguba, o gergelim, o óleo de palma, etc., que, pelo mesmo motivo e pelas dificuldades já apontadas, provenientes das pautas aduaneiras, estão condenados à estagnação e naturalmente à regressão, se não for vencido o actual panorama económico, fechado, sem horizontes.
A concepção antiga contemplava um caminho de ferro interno, com o respectivo porto-testa, tendo em vista a situação do Congo Belga de então, que, não dispondo de um porto de mar, olhava o nosso território como complemento do seu no tocante à saída para o mar-atlântico. Havia como que a fatalidade de um dilema, do qual não se podia fugir: ou nós construíamos um porto capaz de dar vazão ao trânsito das suas mercadorias, em volumoso crescimento, ou viriam eles construí-lo quando, por insuficiência do porto de Matadi, o problema se apresentasse com mais premência.
Assim o compreendeu o Governo da Nação, que, pelo decreto do Ministério da Marinha e Ultramar, assinado, por João Brissac das Neves Ferreira, em 12 de Julho de 1894. autorizou a contratar com o engenheiro civil Angelo da Serra Prado a construção e exploração de um caminho de ferro que, partindo da margem esquerda do Zaire, se dirija a Matamba e se prolongue até ao rio Cuango.
Era esta a linha que deveria fomentar as riquezas do Congo Português e resolver ao mesmo tempo o problema portuário do território vizinho. Em 1890 os belgas iniciaram a construção do caminho de ferro de Léopoldville, que atingiu Matadi em 1912. Asseguraram-se rapidamente de um porto de certo vulto no único local onde o poderiam construir, no limite com a nossa fronteira, próximo do porto de Noqui.
Arrebataram-nos num momento o movimento comercial e uma grande parte da nossa influência, ponto de partida de uma situação de desvantagem que o tempo havia de acentuar e chegar aos dias de hoje agravada enormemente com a nossa política de inacção, 27 anos depois da Convenção de Berlim, de 1855, que depôs nas mãos do rei Alberto a administração do Estado Independente do Congo, os belgas chegaram à nossa fronteira com o seu caminho du ferro de Léopoldville a Matadi.
Do nosso lado pouco se andou. Iniciou-se nos últimos tempos a construção, mas não se definiu ainda qual o rumo a dar ao caminho de ferro dito do Congo. Não se sabe qual o seu destino; se ficará como simples linha de penetração, para benefício do porto de Luanda, ou se avançará em direcção ao norte, para ligação com um porto no Zaire.
Em seguimento da concepção antiga, que andava ligada a um porto no grande rio, o alto comissário de Angola, general Norton de Matos, em 1920-1921, mandou estudar um caminho de ferro que deveria partir do Bembe e ter o seu porto-testa no rio Zaire. Reconhecia-se, assim, a necessidade de um porto próprio, tomando-se como base o aproveitamento do cobre do Bembe para o movimento inicial.
No relatório do coronel de engenharia Lopes Gaivão, publicado no Boletim da Agência-Geral do Ultramar, vê-se que o local escolhido para o referido porto foi o de Quinvica, a 8 milhas de Santo António do Zaire, próximo de Porto Rico, onde «porto e cidade podem casar-se no mesmo objectivo» e que, «gozando de clima marítimo, se tornaria uma cidade francamente habitável».
Não se sabe que destino tiveram esses estudos, que continham em princípio a solução do problema da ocupação económica do território congolense. No I Plano de Fomento de 1955-1959 aparece a construção do caminho de ferro do Congo, não como a implantação de um plano convenientemente estudado e concluído, mas com uma certa «indeterminação, perfeitamente explicável, por não estarem ainda amadurecidos os estudos prévios», como diz o engenheiro José Manuel de Almeida Fernandes numa separata da Gazeta dos Caminhos de Ferro, intitulada «Algumas Anotações ao Plano de Fomento de Angola».
Diz-se nesse trabalho que, «na conferência que se realizou no Secretariado Nacional da Informação, o Subsecretário do Ultramar, ao referir-se a este caminho de ferro acentuou as dificuldades do traçado e declarou que nos seis anos abrangidos pelo Plano de Fomento se vão construir 150 km de via, acrescentando que depois se definiria qual o traçado mais conveniente para a construção da linha».
33 anos, haviam decorrido sobre os estudos mandados fazer pelo alto comissário de Angola e nada se havia decidido de concreto sobre o rumo definitivo do caminho de ferro. E, quando se iniciou a construção, tomou-se como ponto de partida o porto de Luanda, mas sem saber-se ainda qual a direcção que deveria seguir.
Os 150 km previstos no I Plano de Fomento não foram construídos. Tudo quanto se fez não passou de terraplanagens de Luanda a Lifuni, numa extensão aproximada de 90 km, e o território imenso do antigo distrito do Congo não tem ainda a ferrovia de que tanto necessita para a fixação das actividades capazes de fomentarem um povoamento progressivo, como se observa nas. linhas da Luanda-Malanje, Lobito-Teixeira de Sousa e Moçâmedes-Sá da Bandeira.
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Atentando no porto-testa do caminho de ferro do Congo, anota-se no trabalho atrás citado que «o porto de Noqui, pela sua situação especial, significa, além de um factor de expansão económica, uma afirmação da nossa presença no Zaire». E pondera-se que, «se houver boa colaboração entre os diversos serviços belgas e portugueses, é muito provável que o porto de Noqui venha a ter instalações e funções que de certo modo completem e auxiliem. as do porto de Matadi». Referindo-se às minas de Mavoio (cobre, zinco, chumbo e ferro), diz o autor: «a ligação ferroviária com Luanda ficará assegurada por Lucala. E melhores condições de transporte haverá quando se construir o caminho de ferro para Noqui».
Seja a base económica o cobre do Bembe ou os minérios do Mavoio, há concordância no ponto certo de um porto de escoamento no rio Zaire, divergindo apenas no que diz respeito ao local. Viu-se, porém, que, quando se deu início à construção do caminho de ferro do Congo, a partir do porto de Luanda, havia sido escolhida a directriz fronteira norte, que atingisse a linha férrea de Matadi, na mais curta distância.
No relatório da comissão coordenadora do Plano de Fomento referente ao ano de 1961, assinado pelo engenheiro Raimundo Serrão, diz-se que «estão feitos estudos e aprovados os competentes projectos dos cinco primeiros troços, dos quais o último termina em Nova Caipemba, e foi feito o reconhecimento de Nova Caipemba ata à fronteira». E mais adiante acentua: «só foram adjudicadas as empreitadas do primeiro e segundo troços, de Luanda ao rio Lifuni, praticamente concluídas, e as pontes do Bengo, Panguila e Lifuni».
Em 1960, diz o referido relatório: «por despacho de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado do Fomento Ultramarino de 18 de Setembro, e sob proposta do Governo-Geral de Angola, foi resolvido suspender temporariamente a continuação das obras deste caminho de ferro além Lifuni, não se tendo, em consequência desta resolução, feito a adjudicação da construção das pontes do 4.º troço, para o que se realizara o competente concurso».
Não se sabe quando se reiniciarão, as obras de conclusão dos 150 km previstos no I Plano de Fomento, de Luanda a Nova Caipemba, nem há um rumo definido para o traçado que deverá seguir depois de Nova Caipemba. No relatório que estamos seguindo, quanto a este ponto, diz-se: «está previsto o início do estudo e reconhecimento de novos traçados, com vista a atingir Carmona, a partir do traçado estudado, no ponto em que tal se torne possível técnica e economicamente». E frisa-se: «admite-se que o prolongamento deste caminho de ferro se faça de preferência na direcção nordeste, a partir da região do Uíge».
A concluir-se esta obra, tal como se pensa agora, enriquecer-se-á, sem dúvida, o porto de Luanda, que passará a ter muito por onde encher o ventre, mas no Congo Português ficarão desertos os portos de Ambrizete, Santo António do Zaire e Noqui, e o pequeno comércio que teima em lá estar, apesar, das dificuldades tremendas com que se debate, ver-se-á forçado a retirar, a abandonar as casas à mercê do tempo, que as fará ruir, como ruíram as das antigas povoações de Musserra, Mucula, Quinzau e Cabeça da Cobra.
Todo esse litoral, do Loge ao Zaire, ficará vazio de conteúdo humano e a obra de destruição começada com o artifício das pautas aduaneiras, continuada com a ausência de providências para a sua ocupação económica e concluída com a absorção do seu hipotético, movimento pelo porto de Luanda, sublimar-se-á, melancolicamente, com um distrito morto a girar em torno de Luanda, como a Lua fria em volta da Terra.
Com uma economia incipiente, que, como já vimos, se firma quase exclusivamente na produção do café, o próprio cego vê que se torna preciso andar depressa e ganharmos o tempo perdido em séculos de indecisão. Onde não há estradas, nem ferrovias, nem portos de escoamento, não pode haver uma afirmação de soberania. E o perigo torna-se maior quando se sabe que as forças de subversão visam como objectivo primário o domínio do Zaire e o acesso ao mar atlântico.
Perdeu-se tempo demasiado em estudos e indecisões, sem nada se ter concluído sobre a questão essencial de fomentar a ocupação económica do Congo Português. Seja Porto Rico, Noqui ou qualquer outro ponto, não está em causa o local do porto, um problema secundário a resolver pelos técnicos, mas o próprio porto que os altos interesses nacionais exigem que se construa no Congo Português, no mais curto espaço de tempo, para que seja possível o povoamento necessário à, sua sobrevivência e à sua segurança como terra portuguesa.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador: - Neste território, ora pobre de actividades produtoras, há riquezas conhecidas capazes de modificarem em pouco tempo o mau cariz do panorama actual. Por explorar sabe-se que há diamantes e metalóides considerados ricos, como o urânio. Em exploração incipiente há minas de cobre no Bembe e no Mavoio que garantiriam o tráfego inicial, se se enveredar deliberadamente para o campo de exploração em grande escala. Há oleaginosas, fibras, madeiras e muitos outros produtos agrícolas que se desenvolveriam e garantiriam a vida de muita gente se os problemas de base fossem resolvidos. As actividades que se criariam com o estabelecimento de novos núcleos de povoamento seriam o começo da prosperidade que o território nunca conheceu nos 480 anos da sua existência como terra portuguesa.
Na ordem de importância este é o segundo grande problema, depois do problema fundamental das pautas aduaneiras. Chamando para ele a atenção do Governo, tenho a consciência plena de que estou prestando um serviço útil ao País.
Se economicamente se impõe a ocupação definitiva das ricas regiões que se estendem do Loge ao Zaire, estrategicamente as vantagens apresentam-se de tal modo evidentes que mesmo os leigos na matéria as percebem sem custo.
Mas se estas determinantes não bastassem, o imperativo nacional de manter a soberania portuguesa nas terras sagradas que Diogo Cão nos legou justifica os sacrifícios que haja a fazer e impõe que sejam feitos, custe o que custar.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Agnelo do Rego: - Sr. Presidente: por motivos imperiosos ausente desta magna Assembleia durante largo espaço de tempo, só agora tenho oportunidade de me fazer ouvir nesta legislatura. São para V. Ex.ª, por isso, as minhas primeiras palavras, a exprimir a homenagem que gostosamente presto a V. Ex.ª no exercício do seu eminente cargo e a humilde admiração que nutro pelos singulares dotes de inteligência e de coração que exornam a pessoa de V. Ex.ª
Sr. Presidente: embora, por certo, tardiamente - aliás só em virtude dos motivos já referidos, que atrasaram a minha comparência aqui -, não quero deixar de trazer
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à Assembleia Nacional o eco ainda bem vivo da histórica visita do venerando Chefe do Estado, em Julho último, ao distrito de Angra do Heroísmo.
Testemunha do que foram esses dias de sublimação entusiástica da mais sincera fé patriótica, só pretendo, contudo, por um lado, acentuar a grandeza moral resplandecente na alta dignidade do ilustre visitante e o afectuoso carinho manifestado no franco acolhimento de uma população, medular e secularmente firme, e até heróica, no amor da Pátria, e, por outro lado, pôr em relevo algumas ilações que daí se podem tirar relativamente à unidade nacional, espiritualmente considerada.
Com efeito, há-de perdurar para sempre a lembrança da grande bondade e irradiante simplicidade - devotadamente inclinada para os maiores como para os mais pequenos - posta pelo supremo magistrado da Nação, coerentemente ao serviço da sua elevada missão, com a transparente consciência da origem, em última análise, divina do poder de que está investido para assegurar a realização dos destinos de Portugal; e há-de igualmente ficar inesquecível a recepção, também simples e sem artifícios, mas fervorosa, com que aquelas gentes souberam por toda a parte logicamente vitoriar o Chefe do Estado, com a arreigada consciência do indiscutível acatamento devido à autoridade máxima da grei, que de Deus vem, estabelecida em ordem ao bem de todos os que a constituem, para prosseguimento efectivo da vocação oito vezes centenária desta nação «fidelíssima».
Daquela memorável visita de S. Ex.ª o Presidente da República ressaltam, assim, nítidos, através da consciência aludida - e de modo deveras edificante, em face da desorientação que vai por esse Mundo -, alguns preciosos factores da unidade nacional, os quais só podem derivar da coerência e do respeito para com as bases em que o Criador assentou a sociedade humana e para com o ideal cristão com que o redimiu e a cuja expansão chamou, com especial predilecção, o povo português (coerência e respeito que têm de começar, como é de razão, por parte dos que estiverem mais altamente colocados).
Tais factores parecem-me susceptíveis de sintetizar nestas palavras: autoridade rectamente exercida e confiante acatamento dos súbditos, tudo em diligente consciencialização da vivência cristã na ordem temporal.
Mas foi sempre assim, Sr. Presidente, foi sempre assim caracterizada a verdadeira unidade nacional portuguesa: de ardorosa intenção objectiva superior, sob a fórmula de «serviço de Deus e do rei» ou outras equivalentes, transcendendo os homens e o tempo, projectando-se na eternidade; foi sempre assim no passado, com D. Afonso Henriques, D. João I, o grande infante, D. João IV .... e assim terá de ser hoje e no futuro, para o ser de verdade!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, todos sabemos, até pelos tristes ensinamentos da História Universal, incluindo designadamente a contemporânea, que, sem embargo de todos os requintes da civilização material, os princípios morais e sobrenaturais permanecem absolutos, inalteráveis e intangíveis! sob pena de se cair no caos. Por isso, não pode haver verdadeira ciência, nem economia, nem progresso, nem política, nem respeito pela pessoa humana, nem liberdade, nem justiça, nem paz. nem prosperidade nacional, em Deus, nem contra Ele e a sua moral e o seu Cristo!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pelo que respeita à vibração dos povos do distrito de Angra do Heroísmo, sumamente honrados com a visita do venerando Chefe do Estado, não seriam mesmo de esperar sentimentos diferentes dos que referi e os evidenciam como valioso elo da unidade nacional. Descendentes dos melhores portugueses do século XV, que foram povoar as ilhas, até então inabitadas, guardando, como poucos, intactas as virtudes ancestrais, intimamente ligados a passos decisivos da vida da Nação, como a resistência heróica aos castelhanos, a restauração da independência (que foram, nos Açores, os primeiros a proclamar), as lutas entre D. Miguel e seu irmão, e até, na actualidade, o estabelecimento da tão falada base aérea das Lajes - pode sempre confiar-se no seu intemerato e indefectível portuguesismo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É que as ilhas daquele distrito (como as restantes ilhas açóricas) são, com as do arquipélago da Madeira, as primícias abençoadas da dilatação da «Fé e do Império», e, como tais, bem pode dizer-se, repetindo a expressão de um grande orador, que são uma estância de Os Lusíadas a cantar!
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
rdem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Cancella de Abreu acerca de acidentes de viação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
O Sr. Aguedo de Oliveira: - Sr. Presidente: a minha intervenção de hoje reporta-se a um capítulo que várias estatísticas misturam no mesmo saco, que os depoimentos não destacam e que os estudos da especialidade não isolam convenientemente, deixando-o no limbo.
Refiro-me aos malefícios dos veículos de carga, manobrados sem piedade nem respeitos humanos.
Todos podemos ver, por forma ofensiva, grandes camiões de carga excedendo as velocidades que as suas chapas proclamam, tomando a estrada toda, não respeitando as mãos, entrando nas curvas com a desculpa das cargas, mas conduzidos desabaladamente, semeando o pânico e o infortúnio.
Se há fiscalização nas estradas, se os responsáveis por tudo isto viajam como nós simples mortais, eles não vêem o que todos vêem a todas as horas, ou, se vêem, não providenciam, ou, se providenciam, as suas providências são apenas letra morta.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A minha intervenção nada tem que ver, pois, com os condutores avisados e prudentes.
Nada tem que ver com os camionistas que cumprem os seus deveres e vão cônscios das suas responsabilidades.
Nada tem que ver com as empresas, proprietários o patrões que ordenam e agem para que a lei se cumpra e a vida alheia, nas estradas seja respeitada e poupada.
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A minha intervenção visa um ponto concreto - que a lei que limita as velocidades, define o comportamento nas faixas de rolagem, nos cruzamentos e ultrapassagens, que manda conduzir prudente e moderadamente, e não põe a vida dos outros em cheque, seja também cumprida pelos vários camiões de carga que parecem atestar não terem lei a que obedeçam nem disciplina que lhes diga respeito.
Todos temos visto as placas que afirmam os limites legais de velocidade. Mas todos vemos que, tirando certas estradas, aliás poucas, estes limites não se cumprem.
Que a fiscalização veja pois o que todos vêem.
Que ela, antes das predilecções pelas pequenas quezílias, abra os olhos às clamorosas infracções.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tomo a Câmara por testemunha.
Tem de se lutar contra aqueles grandes camiões mortíferos que semeiam o pânico o o crime, que mutilam, estropiam, destruem, amassam, que esfandegam, porque são conduzidos com temibilidade, com a jactância de que a estrada é sua, com o delírio da velocidade.
Sr. Presidente: porque são conduzidos contra a lei e ninguém se lembra de fazer respeitar o império do direito.
Há países onde passam moderadamente na sua mão e se mostram facilmente, ultrapassáveis.
Sr. Presidente: respeitosamente, as belas recordações de V. Ex.ª do tempo em que, continuador do marquês de Soveral, esse diplomata de fina têmpera que foi o embaixador Teixeira de Sampaio era nosso colega de caçadas estão também ponteadas de negro, porque um camião carregado de cortiça lhes barrou totalmente a estrada de Montemor-o-Novo e os levou ao hospital.
Este exemplo não deixará de impressionar esta Câmara.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Muitos desses veículos automóveis pesados são dotados de cabinas elevadas.
Vão assim fortemente protegidos os seus condutores e ajudantes. Dominam sobranceiramente as distâncias e situações, permitindo noções despachadas.
Se tais alturas conferem horizontes de prudência o de segurança, também, para os velozes infractores, induzem ao erro de que dominam os imprevistos e dificuldades.
Do que tenho lido nos jornais vejo que o coeficiente de segurança pessoal se eleva com as cabinas elevadas, já estudadas e fabricadas para proteger e defender nos choques.
Resulta em muitos casos o seguinte nos abalroamentos de que são culpados os condutores dos pesados: as suas vítimas ficam num estado desgraçado e tantas vezes os autores do malefício escapam às consequências da sua maneira censurável de conduzir.
Temos visto que muitos destes veículos pesados ostentam na retaguarda pneumáticos demasiadamente rodados, lisos, já para além dó limite tecnicamente fixado para a sua duração.
Não estão em condições de serem travados, deslizando quando deviam prender, oferecem perigosas deslocações nas chuvas, geadas em más estradas, põem em perigo os contraventores ou os pouco afortunados.
Culpa das empresas?
Culpa dos proprietários?
Culpa dos condutores?
A lei refere que os rodados devem possuir características e dimensões que correspondam ao peso que suportam.
Qualquer jurista interpretará a disposição do código como não tolerando os pneus lisos, desgastados, que põem em perigo a vida dos que conduzem ou dos que de qualquer sorte se movimentam na estrada.
Segundo uma estatística publicada pelo Diário Ilustrado, 28 por cento das máquinas sinistradas tinham pneus lisos nas rodas traseiras e 7 por cento assim os apresentavam nas quatro rodas.
Eram 30 por cento de sinistros que poderiam eliminar-se em grande parte se os pneus mantivessem condições de segurança devidas.
Muitos desses veículos pesados, à vista de todos, ostensivamente, escandalosamente, flangrantemente, correm pelas estradas ;i velocidades proibidas de 70, 90 e mais quilómetros à hora.
Passam à frente de carros ligeiros velozes, não se deixam ultrapassar, e mesmo um carro lançado a grande velocidade leva muito tempo a alcançá-los.
Tenho andado por muitos países estrangeiros. Há alguns em que isto acontece também. Mas há outros, os de mais aprimorada civilização ou de maior disciplina social espontânea, em que é vê-los pela sua mão, encostados à berma, praticando velocidades de poucas dezenas de quilómetros e deixando-se ultrapassar facilmente.
Muitas vezes teremos de pensar no que de essencial, à primeira vista, nos distingue desses países e assim reconhecer que o primeiro traço de diferença é a disciplina dos veículos pesados nesses países e a fantasia e perigo com que evolucionam entre nós.
Por força do artigo 7.º do Código da Estrada, até 3500 kg e daí até 7000 kg e mais são permitidas velocidades de 30 km a 50 km nas povoações e de 40 km a 60 km fora das localidades.
Estes veículos trazem uma chapa onde se indica visivelmente as velocidades que podem praticar. Nos últimos tempos algumas chapas desapareceram.
Estas chapas são para que os demais condutores e o público em geral possam fiscalizar como a lei se cumpre, como a prudência geral é imposta e o perigo em que uns e outros podemos viver.
Embora haja estradas onde a lei é cumprida, como a de Cacilhas-Setúbal, na maioria delas a lei é com escândalo público postergada e posta de remissa e os seus comandos violados sem disfarce.
Nas estradas de Lisboa-Porto, da Beira, de Trás-os-Montes, do Alentejo, até aqui na cidade, nas barbas dos agentes sinaleiros, nalgumas avenidas, os limites de velocidade vêem-se constantemente infringidos. Este espectáculo parece não impressionar as autoridades e agentes da circulação, que guardam os seus zelos para outros episódios rodoviários.
O 28 de Maio encontrou uma província, uma vida sertaneja marasmada, obscura, quase hostil, retardada e cortada das comunicações e convívio.
Levou às pequenas cidades e vilas e as aldeias luz, água, esplêndidos edifícios, abriu estradas, cortou as montanhas e planuras com belas rodovias. Mas a vida obscura que ali se mantinha, tranquila e alindada depois, ganhou novos confortos e civilização e encheu-se agora de ruídos de intranquilidade e de ameaças.
Não é só a Avenida, que já não se parece com o Passeio Público do Eça ou com a Avenida desfilo de elegâncias do ocaso da monarquia. Quase não há um canto tranquilo onde se possa fazer vida feliz ou repouso merecido e sem história.
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A toda a hora os centros provincianos são cortados a 60 km e mais à hora por grandes camiões de carga, buzinando furiosamente. Mesmo de madrugada, de uma ponta à outra de uma vila, aquelas grandes máquinas com alarmes potentes afirmam a sua passagem sem respeito.
E a polícia de segurança?
No turbilhão da investida a Polícia não acode pronta ou não pode agir eficientemente, ou então testemunha apenas o absurdo da vida hodierna.
E a Guarda Republicana?
A Guarda republicana, uma força eficiente e modelar, que produzia reais esforços para que as leis não fossem letra morta, foi reduzida às condições mais que modestas de polícia rural, tendo de assistir sem prever e menos ainda remediar.
As autoridades locais?
Parece não disporem de força jurídica para contrabater as violações da lei e os desregramentos.
Há a falsa sensação de que os grandes veículos dominam as estradas.
Uma das razões da estatística dos acidentes é o exclusivismo a que são levados os condutores de pesados.
Durante anos e anos, nos concelhos de Trancoso e Celorico viajava um grande Packard, que pertencera à artilharia pesada, que o general Pershing trouxera para o front, em França, por 1917.
Toda a estrada era sua.
Ele não tinha que se desviar, dizia o seu proprietário. Os outros é que deviam abrir-lhe passagem.
Alcandorado lá no alto, nada o podia atingir nessa quadra longínqua.
Este estado de espírito não parece excepção, podendo dizer-se que é frequente.
Mas há mais.
O veículo de carga, movido a velocidade frenética, toma conta das curvas, bloqueia o movimento, obriga os que o cruzam a manobras marginais ou extremas, tolhe o movimento do lado e pela frente.
Sucede que, apertando com o movimento, dificultando o trânsito, eliminando as perspectivas, deixando aos vizinhos apenas uma faixa estreita nos lances da conjuntura, o camião pesado é ainda responsável por acidentes e sinistros que parecerão proceder de imperícias, travagens ou comando defeituoso.
Portanto, além do que só vê há ainda o que se não vê.
Este estado de coisas carece de ser realmente enfrentado, não obstante algumas alegações correntes.
Apela-se para o estado das estradas, para a sua deficiente consistência e asfaltagem, para a estreiteza das faixas de rolagem, para as covas e sub-rodas.
Mas estas circunstâncias obrigam por si a uma condução cautelosa e moderada.
O Sr. Paulo Cancella de Abreu: - Muito bem!
O Orador: - Apela-se para as exigências empresariais, que levam a relegar horários, a ganhar tempo e atam o que conduz muitas horas seguidas.
Um abuso nunca desculpará outro.
Numa época de organização e disciplina corporativa e de respeito pelo homem que trabalha, de intervenção constante das autoridades, não se compreende que assim possa ser e que, se assim é, tal estado persista e continue.
Alega-se a necessidade de praticar velocidades superiores para não perder embalagem e galgar as rampas.
Parece que, dotados os carros de aperfeiçoamentos de toda a ordem, estes percalços não obrigam a práticas perigosas.
Outras alegações ainda sobre a falta de domínio, marcha irresistível, travagens difíceis, etc., são pormenores que à justiça incumbe verificar.
Deram-se há dois anos nada menos de 160 acidentes mortais motivados na camionagem de carga.
A estatística dos transportes terrestres confirma as observações gerais e a indignação geral.
Havia em 1961 rolando nas estradas:
Automóveis ligeiros de passageiros .......164 146
Automóveis ligeiros de carga ..............27 924
Automóveis pesados de carga ...............20 826
Os automóveis pesados eram quase um décimo do número dos automóveis ligeiros. Pois a estatística dos acidentes revelava estes números:
[Ver quadro na imagem]
Apesar do seu número relativo, apesar de os veículos automóveis de carga representarem um décimo do parque automóvel ligeiro, o número de acidentes mortais era de metade - 160 para 386, provocados por um décimo de viaturas.
Estes números julgo-os tão evidentes e trágicos que me recuso a comentá-los.
Também os lesionados, em geral, se comportavam na proporção de um para oito, bastante mais que um décimo.
Não quero desviar-me do meu assunto e lamento que os que estudaram, discutiram e comentaram o problema o não tivessem referido com o destaque que merece.
Os escritores, técnicos e especialistas preconizam várias medidas, aliás, muito conhecidas e discutidas.
Os camiões de carga circulariam de noite e não descarregariam nas grandes cidades senão de noite também.
Seriam sujeitos a estranguladores que lhes não permitissem passar dos limites de velocidade previstos nas leis
Os veículos de carga teriam um limite único, 40, 45 ou mesmo 50 km à hora.
E os seus condutores precisariam de dar provas mais completas de idoneidade profissional e de atenção para com os outros.
Seguro obrigatório?
Talvez. Mas depois de a lei vir aqui, para ser debatida, na plena pormenorização de todos os interesses e explicado por que sendo ruim o negócio tantos o querem.
Mais polícia?
518 agentes com 152 automóveis e motociclos poderiam à vontade eliminar os malefícios mais que visíveis dos camiões em delírio de velocidade.
Uma política humanista que combine a base social com os direitos e garantias fundamentais da pessoa deve assegurar o grande dom de Deus que é a vida e a integridade, que consubstancia todos os demais direitos.
Uma política humanista e de solidariedade social tem de ser humanitária - piedade com os fracos e com os descuidados, defesa dos que cruzam as estradas, sejam eles quem sejam, pois a sua vida e integridade física é um bem sem estimativa nem preço. Os que têm sofrido e os que não escaparam à sanha dos volantes ou à pura infelicidade merecem respeito, e atenção, e deve-se corresponder-lhes de forma resolutiva.
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A lei escrita é um processo de disciplina geral e de ascensão solidária. Contra ela se levanta a inércia, a brandura de nossos costumes e o alheamento funcional.
Deixo aos outros Srs. Deputados reclamar medidas eficazes, reformas de estrutura e alterações de normas e instituições.
Por mim reclamo apenas que se cumpra a lei e que, aqueles a quem incumbe a sua execução a façam cumprir.
Há muitas tragédias nas nossas estradas que poderiam ser eliminadas.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: uma vez mais o Sr. Deputado Cancella de Abreu aqui deixou magistralmente tratado o grande mundo dos problemas relacionados com os acidentes de trânsito rodoviário no aviso prévio que acabou de efectivar, com a notável eficiência que é seu timbre.
De novo se equacionaram as graves facetas destes temíveis flagelos da hora presente, deixando-se perfeitamente definidas as suas tremendas implicações. No seu notável trabalho, o Sr. Deputado Cancella de Abreu, que tanto tem honrado esta tribuna ao longo da sua operosa vida parlamentar, deixa renovada a expressão dos muitos apelos que esta Câmara, sempre com prazer, lhe tem ouvido e reafirmado o seu grande poder de crítica construtiva, porque inteiramente dirigida a servir o mais puro interesse nacional.
Honra lhe seja, e praza a Deus que as suas palavras e os seus votos encontrem a audiência que tanto merecem por banda daqueles que têm obrigação de os ouvir.
Sr. Presidente: vão decorridos quase seis anos depois que, em Maio de 1957, o Sr. Deputado Cancella de Abreu aqui efectivou o seu último aviso prévio sobre os acidentes da viação rodoviária, apontando os defeitos de sistema então vigente e propondo um certo número de apropriadas correcções, com que esta Câmara inteiramente concordou.
Definiram-se e pediram-se melhores e mais eficientes processos de prevenção e repressão dos acidentes de trânsito, cujo ritmo, já nessa altura, era verdadeiramente impressionante.
Tive o gosto de poder deixar aqui o meu depoimento, no qual, com modéstia, mas objectivamente, encarei alguns aspectos essenciais desses fenómenos, analisando-lhes determinadas causas.
Volvidos anos, sou forçado a reconhecer, e faço-o com muita mágoa, que muitas dessas causas permanecem e actuam com a mesma intensidade, porque não foram devidamente corrigidas.
Muitos dos vícios e defeitos do sistema de então continuam hoje a produzir os mesmos males, porque os pequenos retoques que esse sistema experimentou têm sido manifestamente insuficientes, dada a estreiteza dos critérios adoptados. E é bem pena que assim tenha sucedido.
Daqui que os acidentes de trânsito não tenham decrescido, como tanto se desejava, mas aumentado progressivamente, pois, cotados por 17 562 em fins de 1957, já atingiam no término do ano de 1961, último ano considerado nas estatísticas do Ministério das Comunicações, o número de 20 758, com cerca de 18 000 vítimas, entre as quais 740 mortos e 5300 feridos gravemente. Se a estes números fizermos acrescer os do avultado número de viaturas inutilizadas ou danificadas e os dos restantes valores perdidos, encontraremos importâncias de altíssima expressão, que muito pesam na economia nacional.
Sei, Sr. Presidente, que os acidentes desta natureza, porque fazem parte da própria estrutura da vida, não podem ser completamente evitados, mas sei também que eles, a despeito dessa característica, consentem, mesmo assim, apropriados regimes de prevenção e de repressão.
Consabido que tais acidentes são devidos mais aos defeitos das pessoas do que das coisas, importa encarar, ainda que ligeiramente, cada uma destas actuações.
Quando se considera a primeira, a actuação pessoal, desde logo se torna evidente que ela tem na sua base e suscita os grandes problemas da educação, como muito bem frisou o Sr. Deputado avisante.
Na verdade, o trânsito nas vias públicas, para poder desenvolver-se normalmente, pressupõe que as pessoas nele interessadas - condutores, peões e restantes utentes dessas vias -, além de conhecerem as principais regras que o disciplinam, também possuem determinado grau de educação cívica, para bem as compreenderem e saberem executar.
Não basta, por isso, criar todo um sistema legislativo cheio de normas mais ou menos claras; é imperiosamente necessário tornar conhecidas essas normas e fomentar nas pessoas a quem elas se dirigem o espírito do seu conveniente e ajustado entendimento.
Processa-se a vida dos nossos dias em ritmo cada vez mais acelerado. A velocidade entrou, assim, no clima do quotidiano como um dos seus elementos constitutivos. Já ninguém se sujeita aos vagares da liteira ou das diligências da era romântica, nesta era atómica em que a unidade de andamento de uma hora já atingiu nos espaços siderais as dezenas de milhares de quilómetros e na própria terra mais de duas centenas!
Pelas naturais exigências de tal aceleração, as viaturas são também cada vez mais velozes; tudo evoluiu portanto no sentido da rapidez. Sendo assim, também os métodos educacionais se não podem manter dentro dos padrões de antanho, em que as limitadas exigências do trânsito consentiam todos os procedimentos e todas as ignorâncias.
Hoje, bem ao contrário, todos e cada um têm de saber e conhecer os seus direitos e os alheios, as obrigações próprias e as de outrem, pára que, em dado momento, seja adoptado o procedimento mais conveniente à salvaguarda das vidas e das fazendas, sem arrogâncias intoleráveis nem claudicações deprimentes.
Ora isto só se poderá conseguir com uma adequada formação educativa, que deve começar pelo princípio.
Têm sido notáveis as várias campanhas que neste sentido educacional vêm sendo levadas a efeito pela imprensa, pela rádio e pela televisão, de suas iniciativas próprias ou colaborando com determinados organismos e companhias e até com os serviços oficiais da especialidade. São muito de louvar todas estas patrióticas iniciativas, cujos resultados atestam a sua saliente utilidade social, política c económica, mas, tendo todas essas campanhas, como têm, um cunho de manifesta eventualidade, não podem levar à plenitude dos resultados que é mister obter.
Para tanto, haverá do começar-se pelo princípio o estruturar todo o sistema educativo por forma a que possa funcionar permanentemente e com a mais alta eficiência. Entendo assim, com o Sr. Deputado Cancella de Abreu, que a aprendizagem das normas de trânsito deve começar na escola primária, com u indicação dos primeiros rudimentos das obrigações e direitos de cada um. Esse ensino deverá depois desenvolver-se nos liceus, nos colégios e em todos os sectores onde seja ministrada a instrução. Mas também à, organização corporativa pertence uma parte muito importante nesta grande campanha nacional.
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Os grémios, os sindicatos e as Casas do Povo poderão prestar ruiu vantes serviços, instituindo apropriados cursos de divulgação dos preceitos relativos ao trânsito rodoviário.
Por outro lado, também poderão colaborar em tão ingentes tarefas os centros de instrução das forças armadas, da. Polícia e da Guarda Republicana, introduzindo-se nos seus programas de ensino o conhecimento desta importante matéria.
Desta maneira se fomentará a criação do teor de disciplina do trânsito que é imperiosamente necessário conseguir.
Os utentes das vias públicas, sejam peões ou condutores, aprenderão a não se tratarem como senhores absolutos de vasta gama de direitos, mas a compenetrarem-se de que também têm obrigações, entre as quais avulta a do, colaborarem intensamente, corrigindo-se mútuos defeitos e imperfeições, à, luz do melhor civismo, para evitarem os males irreparáveis de qualquer sobreposição num clima de trânsito desordenado e cada vez mais intenso.
Afigura-se-me que todo este sistema educativo será da maior utilidade, pois um grande número de acidentes de viação deriva precisamente da falta de conhecimento das elementares normas que disciplinam o tráfego e das referidas sobreposições por banda daqueles que só sabem veios seus direitos.
Conhecedores dessas regras e compenetrados dos seus deveres e direitos muito lucrarão todos quantos se destinem a ser futuros condutores, pois terão já um apreciável grau de preparação quando se apresentarem às provas dos exames para obtenção do respectivo título.
Como é sabido, no actual sistema, a preparação para esses exames, salvo algumas raras excepções, não oferece qualquer sólida garantia, de eficiência prática do instruendo. Este adquire, geralmente em pequeno período de instrução, apenas o mínimo de conhecimentos técnicos, teóricos e de condução, de acordo com programas feitos ao estilo dos exames, e nada mais. E que, e também de uma maneira geral, certas escolas de condução preocupam-se mais em mecanizar os seus alunos em determinados conhecimentos do que em os preparar para todas as complexas situações em que as exigências do trânsito os vão colocar no futuro.
Desta sorte, se estes condutores chegarem ao período do aprendizagem técnica com os conhecimentos adquiridos dos vários centros de irradiação a que se fez referência, terão a sua preparação facilitada, podendo então consolidar esses mesmos conhecimentos e desenvolvê-los por forma apreciável.
Serão, por isso, lançados na difícil arte da condução das viaturas automóveis com muito melhores e mais sérias garantias de que a podem exercer dentro de mais largos limites de segurança.
Por outro lado, suponho que também haverá vantagem em modificar o actual condicionalismo desses mesmos exames, instituindo-se possivelmente um júri, perante o qual todas as provas serão prestadas.
É claro que esta modificação envolverá uma grande remodelação na Direcção-Geral de Transportes Terrestres.
Essa remodelação, porém, está a tornar-se cada vez mais necessária e mais urgente, para que este importante organismo possa prestar toda a eficiente utilidade que lhe pertence.
Na verdade, não se compreendo nem se justifica que nossa Direcção-Geral se viva ainda, como há três décadas. Efectivamente, a despeito do grandíssimo aumento do parque automóvel nacional e das consequências que tal aumento acarreta para estes serviços, mantêm-se ainda as mesmas quatro Direcções de Viação em Lisboa, Porto, Coimbra e Évora, servidas quase pelo mesmo pessoal técnico e administrativo.
Se se tiver em conta, porém, que a disseminação das viaturas automóveis pelo País se tem feito em condições muito diferentes daquelas que presidiram à criação e fixação destas quatro únicas direcções, e que muito aumentaram os importantes serviços que têm a seu cargo, há-de concluir-se que muito se impõe remodelar totalmente toda esta acanhada estrutura da Direcção-Geral de Transportes Terrestres, para lhe dar uma nova estrutura, que seja inteiramente harmónica com as grandes necessidades deste importante sector da vida nacional.
Deverá ser criada em cada capital do distrito uma direcção de viação ou repartição semelhante o simplificado todo o seu funcionamento. Não faz sentido que os interessados nos serviços destas repartições sejam forçados a longas jornadas, que às vezes atingem centenas de quilómetros, com a consequente perda fie dias de serviço das suas viaturas, quando são forçados a apresentá-las aos exames periódicos, ou quando têm de vir eles mesmos regularizar situações do normal exercício dos seus misteres ou profissões.
A remodelação conveniente e total dos serviços desta Direcção-Geral é, assim, uma necessidade imperiosa, já há muito sentida e denunciada.
E a propósito, não posso deixar do referir também uma outra grande necessidade, que é a de se encontrar a ajustada solução há tantos anos pedida, e até já prometida, para as grandes distorções e altas incongruências do sistema de coordenação dos transportes terrestres agora vigente.
Muito embora tencione tratar do assunto com maior detalhe numa das próximas sessões desta Assembleia, entendo dever deixar vincada, desde já, a minha posição perante estes problemas, aliás bem conhecida. Continuam a chegar-me as mais variadas queixas contra as iniquidades desse sistema, cujo artificialismo já tantas vezes aqui denunciei.
Reconhecidos pelo anterior titular da pasta das Comunicações, Sr. General Gomes de Araújo, muitos dos defeitos apontados, nem por isso já se lhes deu solução, ou, pelo menos, se tranquilizaram aqueles a quem tal sistema interessa, demonstrando intenção de os remediar.
Comissões de estudo e gabinetes do estudo vão devorando o tempo sem que se conheça o resultado dos seus trabalhos. Entretanto, ou não se resolve nada dentro deste sector, ou as decisões que são dadas em cada caso concreto vêm impregnadas de largo poder discricionário e absoluto que ali impera à míngua de legislação apropriada em que se definam direitos e deveres.
Ora este estado de coisas tem evidente reflexo no capítulo dos acidentes de trânsito, dadas as grandes incertezas dessa falta de legislação. Quero ainda referir que o actual sistema de coordenação dos transportes terrestres vigente entre nós nem está de acordo com as reais necessidades do País neste capítulo, nem obedece aos primados internacionalmente aceites e definidos nas conferências dos Ministros das Comunicações de muitos países, entre os quais se tem. contado Portugal.
E na sequência destas considerações ajustado me parece, Sr. Presidente, deixar aqui um breve apontamento sobre uma aspiração da cidade e da região de Coimbra, cuja relevância legal a torna especial monte cabida e oportuna.
Trata-se da construção da sua central de camionagem.
Como de todos é sabido, uma das razões justificativas das imposições tributárias aplicadas à indústria transpor-
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tadora rodoviária é, precisamente, a da necessidade da construção de estações centrais de camionagem nos meios urbanos em que o movimento do tráfego o posso justificar. E compreende-se inteiramente esta. determinação legal.
Tendo existido sempre uma dominante preocupação de rodear os utentes das carreiras de transportes colectivos do maior número de comodidades, exige-se aos concessionários desses transportes que tragam ao serviço material sempre impecável, no qual as lotações são rigorosamente fixadas, bem como a dimensão do espaço a ocupar por cada passageiro.
Como corolário lógico de tal princípio surgiu então a conveniência de se construírem apropriadas instalações nas cidades términos, em que os referidos concessionários possam instalar os seus serviços, garantindo aos seus passageiros uma conveniente acolhida. E, sob compreensivo espírito de poupança e sob um relevante critério de útil realização, também se entendeu que este tão justo mandamento legal haveria de ser cumprido com a colaboração de todos os interessados; uns, os utentes, através do regime tarifário instituído para pagamento dos serviços que lhes são prestados, e os outros, os concessionários, pela sua directa contribuição para o Fundo Especial de Transportes Terrestres, ao qual incumbe especialmente o financiamento destas construções.
Para tanto tem este Fundo arrecadado vultosas receitas, que, segundo se afirma no notável parecer das Contas Públicas da metrópole referentes ao ano de 1960, elaborado pelo Sr. Deputado Araújo Correia (Parecer, p. 477), se elevaram nesse referido ano de 1960 a 208147 contos, provindos dos grandes encargos que pesam sobre a camionagem.
Não será, pois, descabido neste, momento, em que outro ano já decorreu, e, portanto, mais aumentaram as receitas deste Fundo, lembrar aqui a flagrante oportunidade da construção da referida central de camionagem de Coimbra, uma obra de há muito desejada e que se torna cada vez mais indispensável.
Sei, Sr. Presidente, que a Câmara Municipal de Coimbra está profundamente interessada nesta iniciativa, cuja construção postulou não há muito junto da Direcção-Geral de Transportes Terrestres, mas, ao que julgo saber, sem qualquer ganho de causa.
Se assim tiver sucedido, não se compreenderá muito bem a frustração dessa iniciativa perante os claros comandos da lei. Na verdade, se é a lei que manda investir uma parte dos dinheiros que a camionagem paga para o Fundo Especial de Transportes Terrestres na construção destas centrais àquela destinadas, não me parece que seja lícito desviar tais dinheiros para quaisquer outros destinos. Aqui não pode funcionar o tal poder discricionário a que me referi e que tanto impera no sector das comunicações, porque o não consentem os expressos comandos de uma lei ainda vigente.
Impõe-se, por isso, cumprir a lei, já que do seu cumprimento resulta, neste caso, a satisfação de uma imperiosa necessidade do mais puro interesse público.
Efectivamente, e segundo os estudos anexos a um projecto já elaborado para essa obra, o qual foi submetido à apreciação da Câmara Municipal de Coimbra numa das suas reuniões ordinárias do fim do ano passado, de que a imprensa local se fez eco, nomeadamente o Diário de Coimbra, que até publicou uma fotografia da maqueta de tal obra, o movimento rodoviário da cidade, que nos últimos 30 anos experimentou um aumento para o dobro do seu volume, tem hoje uma: expressão muito importante.
Na verdade, demandam hoje a cidade de Coimbra e dela saem em cada dia 232 viaturas de 10 concessionários, transportando, em média, 9240 passageiros para os mais variados destinos nesse mesmo espaço de tempo.
Este volumoso movimento de passageiros, com as suas respectivas bagagens, justifica plenamente a construção da pretendida central.
É que actualmente todo esse tráfego é feito em más acomodações, quase sem comodidades e em vários locais, o que muito dificulta não só a deslocação e o afluxo dos passageiros como até o próprio trânsito local, muitas vezes embaraçado pelos estacionamentos, cargas e descargas das viaturas empregadas nas referidas carreiras.
Por tudo isto, Sr. Presidente, muito de louvar e de encorajar me parece ser esta iniciativa da Câmara Municipal de Coimbra, que estando inteiramente devotada ao integral cumprimento de um amplo programa de valorização da cidade e do concelho que administra, tem esta obra como sendo uma das de maior relevância para o progresso local. Ajustado me parece este pensamento, dada a benéfica influência que esta obra pode exercer na importante rede de comunicações de que Coimbra é o centro e no desenvolvimento do turismo que demanda Coimbra, atraído pelas incomparáveis belezas da rainha do Mondego, pelo muito valor da sua parte monumental u até pela sua latente poesia.
Sr. Presidente: cumpriria agora analisar a actuação das coisas na produção dos acidentes de viação.
Teria de encarar, principalmente, as viaturas e as nossas estradas, umas e outras também responsáveis por muitos desses acidentes. Não me sendo lícito, porém, alongar muito mais este meu depoimento, dou como reproduzido tudo quanto tive o gosto de deixar afirmado naquele que pude aqui fazer na sessão de 19 de Março de 1957, a propósito do anterior aviso prévio do Sr. Deputado Cancella de Abreu.
Reafirmo a necessidade de uma íntima colaboração entro o Ministério das Obras Públicas e o Ministério das Comunicações, para que os pavimentos das nossas estradas se vão melhorando progressivamente por forma a corresponderem às necessidades do trânsito dos nossos dias e também para se tornarem mais conhecidas e serem eliminadas certas curvas onde os acidentes se sucedem com dolorosa frequência.. E não pode deixar de se pensar também na supressão das passagens de nível, ou, pelo menos, na modificação do actual sistema de transposição desses incómodos obstáculos.
Às aumentadas necessidades das circulações ferroviárias corresponde, também uma maior densidade, de trânsito rodoviário, pelo que estão a tornar-se cada vez mais inconvenientes e nocivas as cancelas das passagens de nível, fechadas por largos períodos, às vezes até nas horas de ponto do movimento das estradas.
Isso sucede, por exemplo, na cidade de Coimbra, onde, como já tive oportunidade de referir aqui sete passagens de nível interceptam o trânsito com frequência e durante grandes espaços de tempo.
Ora suponho que há-de haver maneira de dar remédio a todos estes inconvenientes.
Sr. Presidente: vou terminar as minhas palavras. Tendo ouvido ao Sr. Deputado Cancella de Abreu as judiciosas considerações que, com tanto brilho, aqui proferiu e o acervo das conclusões no seu magnífico trabalho, a todas dou a mais completa adesão.
Estamos perante uma tremenda e trágica realidade, quando contemplamos o grave panorama da intensidade dos acidentes de trânsito no nosso país.
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Sei, é certo, que não somos os únicos povos no Mundo a sentir esse fenómeno, mas os nossos males têm de afligir-nos muito mais do que os alheios.
E, porque assim é, deve revigorar-se em cada dia e cada voz mais a nossa determinação de combatermos, com todos os moios ao nosso alcance, tão temível flagelo.
Temos de colaborar, todos som excepção, nessa campanha nacional, auxiliando eficazmente o Governo, a quem sempre pertencerá o quinhão mais importante no seu desenvolvimento.
As medidas apontadas pelo Sr. Deputado Cancella de Abreu, o nesta tribuna igualmente preconizadas pelos oradores que o seguiram, são inteiramente cabidas para o efeito: que as ouçam então e que as sigam aqueles que neste País são homens de boa vontade.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas a 5 minutos.
rs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Henriques de Araújo.
Alexandre Marques Lobato.
António Calheiros Lopes.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Francisco de Jesus Santos.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Olívio da Costa Carvalho.
Rui de Moura Ramos.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Proença Duarte.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco António Martins.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jacinto da Silva Medina.
João Mendes da Costa Amaral.
José Luís Vaz Nunes.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Purxotona Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
Proposta de lei de revisão da Lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1955
(Lei Orgânica do Ultramar Português)
I
1. Anteriormente à revolução de 1820, a organização dos territórios ultramarinos, para efeitos de governo e administração, não se integrava num modelo único.
Cada território tinha a sua organização própria, em função das características do respectivo meio social, embora sempre se observasse um corto número de princípios comuns, fixados em harmonia com os fins gerais da colonização portuguesa.
Na monarquia constitucional, em consequência dos princípios assimiladores que informavam a ideologia liberal, desde cedo se afirmou a preocução de uniformizar a administração ultramarina, mandando aplicar ao ultramar os sistemas político-administrativos em vigor na metrópole.
E assim que, publicado o célebre decreto de Mouzinho da Silveira que introduziu em Portugal o sistema administrativo francês (Decreto n.º 23 de 16 de Maio de 1832), se determinou a sua aplicação ao ultramar.
As perturbações das lutas liberais não permitiram que o decreto entrasse imediatamente em execução, e quando, depois de Évora Monte, já com os constitucionais no poder, se começou a tentar pôr em prática as reformas que haviam de instituir o novo regime, logo se verificou a inviabilidade de um sistema que se limitava a decalcar a divisão e a organização administrativa francesas.
As primeiras cortes que reuniram após a vitória liberal ocuparam-se, por isso, da reforma do Decreto de 1832 e aprovaram a Lei de 25 de Abril de 1835, completada depois pelo Decreto de 18 de Julho do mesmo ano. Estes dois diplomas, juntamente com o Decreto de 6 de Novembro de 1836, estão na origem do Código Administrativo aprovado, no mesmo ano, pelo Decreto de 31 de Dezembro, referendado por Passos Manuel.
2. A inadequação da reforma de Mouzinho da Silveira ao condicionalismo do País acentuava-se especialmente em relação ao ultramar.
A divisão administrativa em províncias, comarcas e concelhos, que o decreto determinava, fora ali mandada aplicar, com as mesmas autoridades, dispondo da mesma competência que para a metrópole. As províncias ultramarinas, como as metropolitanas, tinham a sua frente um prefeito.
Os inconvenientes deste sistema cedo obrigaram a pôr-lhe termo. Uma Lei de 25 de Abril de 1835 substituiu os prefeitos por governadores e, logo no ano seguinte, o Decreto de 7 de Dezembro, referendado pelo Ministro da Marinha e Ultramar, António Manuel Vieira de Castro, aprovou a primeira Carta Orgânica de Administração Ultramarina.
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Os territórios africanos eram agrupados em três governos-gerais e um governo particular.
Pertenciam à primeira categoria Cabo Verde (abrangendo o arquipélago e a Guiné), Angola e Moçambique.
S. Tomé e Príncipe formavam um governo particular, de que dependia o Forte de S. João Baptista de Ajuda.
O Estado da Índia constituía também um governo-geral, que compreendia Macau e Timor (artigos 1.º e 2.º).
Os governadores-gerais tinham as honras de capitães-generais, a competência administrativa, definida no Decreto de 18 de Julho de 1835 para os governadores civis, e a competência militar, que pertencia aos generais das províncias do Reino (artigos 4.º e 5.º).
Estavam-lhe subordinadas todas as autoridades das respectivas províncias, fosse qual fosse a sua denominação, excepto as judiciais, em cujas funções lhes era proibido interferir directa ou indirectamente (artigos 4.º e 5.º).
Eram coadjuvados por um Conselho de Governo, formado pelos chefes das Repartições Judicial, Militar, Fiscal e Eclesiástica e mais dois vogais escolhidos, pelo governador, entre os quatro membros mais votados das juntas provinciais, que correspondiam às juntas gerais dos distritos do Reino (artigo 6.º).
3. Em 18 de Março de 1842, em decreto referendado por Costa Cabral, foi publicado na metrópole um novo código administrativo.
Na orientação estritamente assimiladora, então dominante, foi logo mandado aplicar ao ultramar, sem se lhe introduzir qualquer alteração para o adaptar às condições locais.
Apesar dos óbvios inconvenientes deste sistema, a vigência do Código do Ultramar prolongou-se por mais de vinte anos.
Em 1853 verificou-se uma tentativa de reforma, que não vingou.
Em 31 de Outubro desse ano, por iniciativa de Almeida Garrett, foi apresentada ao Conselho Ultramarino uma proposta sobre as bases em que devem assentar 'os projectos de leis orgânicas para cada uma das colónias portuguesas.
Nelas se defendia o abandono da política de assimilação em matéria administrativa. Cada província ultramarina deveria ter a sua lei orgânica especial, adaptada às condições locais.
O Conselho Ultramarino, na sua reunião de 25 de Abril de 1835, ainda chegou a aprovar a proposta como base de discussão.
Os trabalhos não tiveram, porém, seguimento, para o que contribuiu certamente a morte de Garrett.
O código de 1842 manteve-se em vigor até 1869.
A pasta da Marinha e Ultramar era então ocupada por Rebelo da Silva, que determinou a constituição de uma comissão «composta de pessoas competentes pela capacidade e pelo conhecimento das condições e necessidades das províncias ultramarinas», para estudar a reforma das instituições administrativas, «na parte em que uma prudente descentralização podia conceder à iniciativa local acção mais ampla».
Dos trabalhos desta comissão resultou uma nova carta orgânica, que foi aprovada pelo Decreto de 1 de Dezembro de 1869.
Apesar das intenções que presidiram à reforma e que se mencionavam no preâmbulo, e mau grado o progresso realizado relativamente ao sistema da extensão pura e
simples dos códigos administrativos da metrópole ao ultramar, era ainda a orientação assimiladora que predominava.
O ultramar português dividia-se em seis províncias: Cabo Verde, que continuava a compreender a Guiné (ou Senegâmbia Portuguesa, como o decreto lhe chamava); S. Tomé e Príncipe (com S. João Baptista de Ajuda); Angola, Moçambique, Estado da índia, Macau e Timor (artigo 1.º).
As províncias dividiam-se em distritos, que se subdividiam em concelhos.
Em cada distrito haveria um governador, com atribuições civis e militares e jurisdição em todo o território (artigo 3.º).
Os governadores de Cabo Verde, Angola, Moçambique e Estado da Índia tinham o título de governadores-gerais. Os das outras duas províncias o de governadores (artigo 4.º).
Junto dos governadores-gerais e dos governadores funcionava um Conselho de Governo e uma junta geral de província.
Em cada província funcionava ainda um tribunal administrativo, com o título de Conselho de Província (artigo 5.º). As atribuições dos governadores eram as dos governadores civis das ilhas adjacentes, com pequenas alterações (artigo 13.º).
O Código Administrativo de 1842 continuava em vigor em tudo quanto não contrariasse a nova lei (artigo 76.º).
4. A Carta Orgânica de Rebelo da Silva vigorou até aos primeiros anos da República.
Em 1881 o Ministro Júlio de Vilhena tentou substituí-la por um código administrativo, que, embora aprovado por decreto de Novembro de 1881, nunca chegou a vigorar.
No preâmbulo do diploma justifica-se a reforma pela necessidade de pôr ordem na legislação reguladora da administração ultramarina. Nele se dizia:
No Decreto de 1 de Dezembro de 1869, mandando, em obediência à praxe estabelecida, aplicar numa disposição genérica o Código Administrativo de 1842, não compreendeu que jamais poderia constituir-se um sistema organizador de administração sob o império de uma codificação mal redigida, mutilada por portarias, interpolada de arestos dos tribunais superiores, exautorada, enfim, em todas as repartições da metrópole. Compreende-se a necessidade em que se encontrava o legislador de manter no ultramar o Código Administrativo de 1842, não havia outro. As diversas tentativas de reforma, mais ou menos discutidas, tinham ficado sepultadas nos arquivos das comissões das câmaras. O Código Administrativo de 1842 havia resistido à invasão reformadora, e, depois de haver governado a metrópole e as colónias durante quase 30 anos, não podia ser, naquele momento, substituído vantajosamente, por não haver, como há hoje, uma codificação moderna elaborada com toda a madureza e reflexão depois de uma larga discussão parlamentar. Não obstante as modificações introduzidas pelo Decreto de 1 de Dezembro de 1869, o que é certo é que o código de 1842 não tem conseguido aclimatar-se naquelas possessões por mais esforços que tenham sido empregados pelas estações oficiais.
E, mais adiante:
Com o intuito de remediar quanto possível o actual estado de coisas entendo que era conveniente organizar um código administrativo que possa vantajosamente substituir o de 18 de Março de 1842 e que,
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servindo de lei geral para o ultramar, sofra todavia as modificações reclamadas pelas circunstâncias especiais de cada província.
O código era um diploma muito extenso (tinha 42O artigos). Apesar de algumas inovações, como, por exemplo, o alargamento da competência dos governadores-gerais (artigos 42.º e seguintes), mantinha a orientação assimiladora, embora atenuando-a.
Na verdade, nos termos do artigo 1.º do decreto que o aprovou, seria posto em vigor nas províncias ultramarinas «com as modificações exigidas pelas circunstâncias especiais do seu território e pelo seu estado de civilização».
Para efeito de determinar as modificações a introduzir-lho, nos termos do artigo 2.º, os governadores-gerais e das províncias ultramarinas, logo que tivessem conhecimento oficial do diploma convocariam os Conselhos de Governo «a fim do proporem respectivamente as modificações a que alude o artigo antecedente».
Como já se indicou, o código de Júlio de Vilhena nunca chegou a ser executado. Que conste nem sequer se elaborou nenhuma das propostas de alteração a que aludia o artigo 2.º do Decreto de 3 de Novembro de 1881. Continuou, por isso, a vigorar a carta orgânica de Rebelo da Silva e, entretanto, novas tentativas de reformas se verificaram.
5. Estas tiveram lugar principalmente a partir da campanha de 1895, em Moçambique. De há muito, porém, que se vinha definindo um movimento de reacção contra a política assimiladora.
Mouzinho de Albuquerque governou o distrito de Lourenço Marques durante cerca de dois anos (25 de Setembro de 1890 a 4 de Janeiro de 1892). Dos escritos que ficaram nos arquivos da província, a marcar a sua passagem por aquele cargo e que foram publicados no ano do cinquentenário da sua morte, extrai-se claramente um pensamento acerca do modo como deveria ser orientada a administração dos territórios ultramarinos, em que predominava a ideia da descentralização administrativa e especialidade das leis.
Esta mesma orientação foi preconizada por António Enes no seu conhecido relatório sobre Moçambique.
António Enes fez escola. Os oficiais que com ele serviram naquela província durante o seu curto governo, e que, quase todos, vieram a ocupar altos cargos na administração ultramarina, aplicaram, na prática, as mesmas ideias e procuraram desenvolvê-las definindo a teoria de um sistema de política colonial nelas baseado.
Neste aspecto tem particular interesse o Estudo Sobre a Administração Civil das Nossas Possessões Africanas, apresentado por Eduardo Costa no Congresso Colonial de 1901.
No plano da acção legislativa é de mencionar o Decreto de 23 de Maio de 1907, publicado por Aires de Ornelas quando ocupou a pasta da Marinha e Ultramar no Governo de João Franco e que aprovou a organização administrativa da província de Moçambique.
O diploma representa uma tentativa, embora tardia, de pôr em execução as ideias defendidas por Enes.
Embora seja a Orneias que cabe o mérito de realização da ideia, a preparação da sua execução não foi da sua iniciativa.
Em 30 de Novembro de 1904, o Ministro da. Marinha e Ultramar, conselheiro Moreira Júnior, havia publicado uma portaria nomeando uma comissão com o encargo de rever as leis reguladoras da administração ultramarina. Nela se determinava que os governadores das províncias enviassem àquela Secretaria de Estado, «com
a possível brevidade, todas as informações que possam colher e todas as propostas que julguem conveniente formular», para a revisão dos respectivos diplomas, com o objectivo de integrar neles «todas as leis dispersas que os modificam», de «conceder mais largas atribuições aos governadores para que possam resolver de pronto todos os assuntos de interesse privativo dos ditos territórios, quando não sejam incompatíveis com os interesses gerais da Nação, ou não exijam, pela sua natureza a prévia consulta das estações técnicas ou dos tribunais da metrópole» e de estabelecer «uma administração descentralizadora e progressiva dos referidos territórios».
A esta iniciativa correspondeu apenas o governador de Angola, Ramada Curto, que elaborou um Projecto de Organização Administrativa da Provinda de Angola.
Quando Aires de Orneias subiu ao Poder determinou a continuação dos trabalhos e, para esse efeito, nomeou, em 4 de Junho de 1906, uma nova comissão, de cujos trabalhos saiu o projecto em que se baseou a Reforma Administrativa de Moçambique de 1907.
A revolução republicana de 1910 impediu que a evolução assim iniciada, no sentido da orientação defendida por Enes e pelos que com ele serviram em Moçambique, se desenvolvesse normalmente.
Não quer isto dizer que a República tenha abandonado a orientação descentralizadora. Simplesmente, no período republicano substitui-se o método de reformas parciais, prudentes e cautelosas, por outro tendente a implantar por uma vez só um sistema de administração colonial baseado nos mesmos princípios que a Constituição de 1911 inscreveu no seu artigo 67.º
6. A reforma do sistema de administração do ultramar não podia, evidentemente, reduzir-se à enunciação daqueles princípios, aliás formulados com pouca felicidade. Era indispensável publicar leis novas que regulassem a sua aplicação.
Para esse fim, o artigo 85.º, que figurava entre as disposições transitórias da Constituição, incumbia ao primeiro Congresso da República a elaboração das leis orgânicas das províncias ultramarinas, o que não se cumpriu.
Na verdade, só em 1913, por iniciativa do Ministro das Colónias, Dr. Almeida Ribeiro, o Governo apresentou ao Parlamento as propostas de lei destinadas a definir as bases orgânicas da administração civil e da administração financeira das colónias.
Na concepção do seu autor, o Parlamento devia limitar-se a definir os princípios e as directrizes gerais a que deveria subordinar-se a administração ultramarina.
A isso se destinavam os projectos apresentados, os quais eram precedidos de dois notáveis relatórios, que são dos mais inteligentes e eruditos estudos sobre os problemas da política e administração colonial publicados em língua portuguesa.
Uma vez transformados os projectos em lei pela aprovação parlamentar, então o Governo publicaria, em harmonia com os seus princípios, as cartas orgânicas de cada umas das colónias.
Da discussão parlamentar resultaram a Lei n.º 277, de 15 de Agosto de 1914 (Lei Orgânica de Administração Civil das Províncias Ultramarinas) e a Lei n.º 278, da mesma data (Lei Orgânica da Administração Financeira das Províncias Ultramarinas).
O regime da Lei n.º 277 nunca chegou a ser aplicado integralmente, perturbado como foi o período da sua vigência pelas circunstâncias derivadas da guerra e dos seus reflexos nas colónias portuguesas, pela instabilidade política e pelas crises financeira e económica.
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Depois de um período de sucessivas reformas que abrange o triénio de 1916-1919, foi publicada uma lei de revisão constitucional que definiu nova orientação para a administração colonial - a Lei n.º 1005, de 7 de Agosto de 1920.
Por força deste diploma, o título V da Constituição de 1911, que. na versão original, continha apenas o artigo 67.º, já citado, e se denominava «Das províncias ultramarinas», passou a chamar-se «Das colónias portuguesas» e a contar não um, mas vários artigos (artigos 67.º, 67.º- A, 67.º- B, etc.).
Em 20 de Agosto de 1920 foi publicada a Lei n.º 1022, que alterou a Lei n.º 277, e que, no artigo 21.º, determinava ao Governo a codificação das Leis n.º 277 e 278 numa única que incluísse as modificações que no regime daquelas duas leis haviam sido introduzidas.
Para dar cumprimento a esta determinação foi publicado o Decreto n.º 7008, de 9 do Outubro do mesmo ano, que, juntamente com o Decreto n.º 7030, de 16 de Outubro, e com as Leis n.ºs 1030, de 20 de Marco de 1921, e 1511, de 13 de Dezembro de 1923, vigoraram até ao início da II República, instaurada em 28 de Maio de 1926.
7. As leis de 1914 haviam instituído um sistema em que equilibradamente se combinava a descentralização administrativa com a necessária intervenção do Governo Central na administração das colónias.
Este equilíbrio foi alterado pela Lei n.º 1005, que instituiu dois tipos de sistemas de administração: um geral, para todas as colónias; outro especial, para ser eventualmente aplicado, mediante decreto, apenas a alguma ou algumas delas.
Este último sistema era o dos altos-comissários, a que se referia o artigo 6.º da citada lei nos termos seguintes:
As faculdades do Poder Executivo nas colónias que este julgar conveniente submeter temporariamente ao regime, dos altos-comissariados serão exercidas por altos-comissários, que lhe prestarão contas e por esse exercício ficarão responsáveis nos termos das leis de responsabilidade.
O regime dos altos-comissários só foi aplicado em Angola e Moçambique e, em consequência das críticas que provocou, principalmente a respeito do modo como, na sua primeira fase, foi executado em Angola, pouco tempo esteve em vigor na forma originária, pois logo em 4 de Fevereiro de 1926 o Congresso da República aprovava a Lei n.º 1836, que limitava a competência dos altos-comissários.
8. Depois da Revolução Nacional de 28 de Maio de 1926, foi chamado ao Governo, para a pasta das Colónias, o comandante João Belo, que seguiu, na orientação da Lei n.º 1836, uma política de reforço do Poder Central e correlativa restrição das faculdades dos altos-comissários.
Em 2 de Outubro de 1926, o Decreto n.º 12 421 aprova novas bases orgânicas da administração colonial.
Os princípios a que obedece o sistema da nova lei estão mencionados no seu preâmbulo:
a) Unidade política do território colonial;
b) Continuação do regime de autonomia administrativa e financeira, com uma mais eficaz superintendência e fiscalização da metrópole;
c) Definição, tendente a evitar confusões, da competência da metrópole e dos governos das colónias em matéria legislativa e executiva;
d) Cessação do regime municipal nas regiões onde ele, apesar de um longo regime de assimilação, ainda não conseguiu criar raízes;
e) Exclusão nas bases orgânicas de disposições especiais ou regulamentares, a fim de elas terem a elasticidade precisa para dentro dos seus preceitos gerais, mas rígidos, se poderem formular as cartas orgânicas e códigos administrativos de cada colónia;
f) Modificação do regime dos altos-comissários no sentido da possibilidade da sua adaptação às circunstâncias excepcionais de diversa natureza que determinam em cada caso particular a necessidade de tal regime.
As bases orgânicas de João Belo foram substituídas, em 24 de Março de 1928, por força do Decreto n.º 15 241, dessa data.
No preâmbulo do novo diploma fazia-se referência aos princípios que haviam norteado o decreto de 1926, os quais se reproduziam e se mantinham. Afirmava-se, porém, que a experiência demonstrara a necessidade de para conseguir todos os objectivos em vista, esclarecer e completar algumas das disposições do anterior diploma, embora sem alterar a sua orientação essencial.
Tratava-se, pois, do um diploma que se destinava apenas a completar e aperfeiçoar o anterior. Curta foi a sua vigência, porque apenas dois anos decorridos era publicado o Decreto n.º 18 570, de 8 de Julho de 1930, que aprovou o Acto Colonial.
9. A publicação do Acto Colonial marca o início de uma nova fase da política ultramarina portuguesa e constitui, simultaneamente, o termo de um processo que se iniciou com a Lei n.º 1836.
Nele se procuram definir as bases gerais da política ultramarina, coordenando o princípio da unidade política com o da descentralização administrativa, de modo a permitir uma acção eficaz dos órgãos de soberania no governo dos territórios do ultramar, sem tolher a estes a autonomia necessária ao seu progressivo desenvolvimento. Os princípios fundamentais que nele se definem podem enunciar-se assim:
a) Unidade moral e política:
b) Solidariedade económica;
c) Autonomia e diferenciação administrativa;
d) Autonomia financeira;
e) Especialização do direito.
Ao abrigo dos seus preceitos foi possível pôr em ordem as finanças e realizar uma obra fecunda de desenvolvimento material e progresso social.
Com força constitucional, a partir de 1933, foi completado no mesmo ano pelos Decretos n.ºs 23 228 e 23 229, de 15 de Novembro, que aprovaram, respectivamente, a Carta Orgânica do Império Colonial Português e a Reforma Administrativa Ultramarina.
Estes três diplomas, embora distinguindo regimes diferentes para dois tipos de colónias - as de governo-geral (Estado da índia, Angola e Moçambique) e as de governo simples (as restantes), eram comuns para todo o ultramar.
Assim se abandonava o sistema das cartas orgânicas especiais para cada uma das colónias, que na experiência pregressa fora, aliás, mais aparente do que real, porque, na prática, eram, com ligeiras diferenças, todas iguais.
10. A vigência dos três diplomas citados durou cerca de vinte anos, período durante o qual lhes foram introduzidas várias modificações.
O Acto Colonial foi revisto por várias vezes.
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A Reforma Administrativa Ultramarina foi objecto de numerosas alterações de pormenor que tornaram extremamente difícil o conhecimento exacto do regime administrativo efectivamente em vigor no ultramar, mas sem que nenhuma delas se afastasse da orientação geral desse regime.
Quanto à Carta Orgânica, nela se reflectiram, como a sua natureza impunha, as modificações introduzidas no Acto Colonial. Além disso, em 1946 foram-lhe introduzidas duas inovações: a criação do cargo de secretário-geral em Angola e Moçambique e o novo sistema de elaboração dos orçamentos provinciais.
11. A partir de 1946 acentua-se a pressão do movimento anticolonialista e começou a pensar-se na conveniência de rever a legislação fundamental por que se regia a administração das colónias.
Uma das primeiras manifestações desta tendência foi o reabrir da polémica que a propósito da publicação do Acto Colonial se travara entre os defensores da terminologia monárquico-liberal (províncias ultramarinas) e os defensores da terminologia da República (colónias).
De novo também surgiram os defensores de um sistema de assimilação imediata.
Este movimento de opinião levou o Governo, «na previsão de uma revisão constitucional», a consultar, pelo Ministro das Colónias, o então chamado Conselho do Império Colonial acerca da orientação a seguir numa eventual reforma do Acto Colonial.
A consulta abrangia vinte quesitos, agrupados nas seguintes rubricas: «Da ordem política» (doze perguntas): «Da ordem económica» (três), e «Da ordem financeira» (cinco).
As primeiras (Da ordem política) são as mais importantes para o conhecimento das dúvidas do Governo quanto à nova orientação geral a imprimir à política ultramarina. Têm especial interesse as seguintes:
Deve manter-se a designação de «Acto Colonial», continuando as suas disposições a fazer parte integrante da Constituição Política da República?
Deverá conservar-se a designação oficial de «colónias» dada aos territórios ultramarinos, ou adoptar-se a de províncias, possessões, domínios ou qualquer outra?
Deverá aplicar-se a outros serviços do Ministério das Colónias o critério adoptado recentemente para os militares? (Fazia-se referência à passagem dos serviços militares do ultramar para o então chamado Ministério da Guerra, determinada pelo Decreto-Lei n.º 37 542, de 6 de Setembro de 1949). E, no caso afirmativo, a quais?
Deverá mesmo encarar-se a passagem da administração integral de certas colónias para outros Ministérios?
A orientação preconizada no parecer do Conselho foi a de manter, quanto possível sem alterações, os princípios do Acto Colonial com carácter constitucional, embora integrando-os na Constituição.
Quanto à terminologia, «a maioria dos vogais do Conselho, sem de forma alguma admitir que os princípios essenciais do Acto Colonial viessem a ser atingidos, inclinou-se para a designação de «províncias», em face da manifesta preferência que tinha na opinião pública, tanto nas colónias como na metrópole».
12. Em 1951 foi enviada à Assembleia Nacional a proposta da lei de revisão do Acto Colonial.
A sua orientação estava exposta no relatório que a acompanhava e era dominada pela preocupação de reforçar o princípio da unidade pela integração dos seus preceitos no texto da Constituição e pela reforma da terminologia (em vez do Império Colonial Português, Ultramar Português; em vez de colónias, províncias ultramarinas).
A proposta foi, nos termos da lei constitucional, objecto de parecer da Câmara Corporativa.
Na apreciação na generalidade a Câmara aceita como boa a integração no texto constitucional. Nota porém que «o projecto não se limita a tornar possível a integração da matéria do Acto Colonial no texto da Constituição, a preencher o título VII da II parte, que hoje lá lhe falta ...».
Além de substituir a nomenclatura, o projecto remodelava profundamente o Acto Colonial «quanto ao sistema, à forma e à doutrina», e afirmava «... a verificação deste facto causa sérias apreensões à Câmara».
Depois de discorrer sobre o perigo das alterações constitucionais demasiado frequentes, dizia:
O Acto Colonial tem vinte anos, tempo de menos para se considerar envelhecido, mas suficiente para os seus preceitos terem fixado uma interpretação através das leis complementares e da prática constitucional.
Se há que rever a terminologia, a Câmara aceita que assim seja e as consequências inevitáveis do facto; mas entende que não convém alterar os preceitos vigentes apenas para aperfeiçoar a sua sistematização ou tornar mais claras tendências que. já se encontram suficientemente definidas e asseguradas no texto vigente.
A Câmara chama muito particularmente a atenção para os perigos de uma assimilação prematura dos territórios ultramarinos à metrópole.
As suas condições naturais são e permanecerão diferentes; diferentes, e muito são também, na maior parte delas, as condições sociais e económicas.
Desta diferença, que salta aos olhos do mais desprevenido observador, resulta a necessidade de especialização do Governo, da administração e das leis.
A assimilação tem de ser lenta, acompanhando a civilização dos nativos e o desenvolvimento do povoamento europeu.
E, sendo assim, também não é possível sujeitar todos os territórios a um regime uniforme, antes se devendo prever diferenças, por vezes consideráveis, de estatuto orgânico entre uns e outros, consoante a extensão, a população e o adiantamento de cada qual.
É por estas razões, sumariamente expostas, que a Câmara Corporativa se inclinaria para uma revisão o mais possível restrita, de modo a deixar subsistir do Acto Colonial o máximo de preceitos doutrinários e orgânicos, ainda que com a nomenclatura substituída.
Estas observações não foram, na maior parte dos casos, tidas em conta mi discussão na Assembleia Nacional, e a proposta do Governo, no essencial, foi aprovada.
A Lei n.º 2048, de 11 de Junho de 1951, aditou à Constituição Política o título VII, artigos 135.º e seguintes, sob a epígrafe «Do ultramar português».
Passou, portanto, a haver uma só lei constitucional, embora se mantivessem os princípios de descentralização, autonomia administrativa e financeira e da especialidade do direito que constavam do Acto Colonial.
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O carácter programático e a generalidade próprios dos preceitos constitucionais exigiam, para que a sua execução fosse viável, que se publicasse legislação complementar.
Foi com esse propósito que o Governo apresentou à Assembleia Nacional a proposta de uma lei orgânica do ultramar português destinada a substituir a Carta Orgânica do Império Colonial Português.
13. A Lei Orgânica foi aprovada pula Lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1953. Na sua elaboração, em face do texto constitucional, era possível seguir a orientação da Carta Orgânica do Império Colonial Português, isto é, ser ela o único diploma a definir o regime de governo e administração das províncias ultramarinas, embora prevendo certas modalidades especiais para algumas das províncias, ou regressar à orientação de 1914, incluindo nela as bases gerais dos regimes políticos e administrativos, a desenvolver, depois, em diplomas especiais para cada uma das províncias ultramarinas.
Foi esta última a orientação adoptada no projecto e a que veio a ser consignada no texto aprovado pela Assembleia.
Cada província ficou a ter o seu estatuto político-administrativo próprio.
II
14. É à reforma do sistema definido pela Lei Orgânica que visa a proposta de lei enviada agora à Assembleia Nacional, na sequência do processo iniciado em 22 de Setembro último, quando o Ministro do Ultramar encarregou o Conselho Ultramarino de estudar a revisão daquele diploma.
No desempenho desse cargo, o Conselho, em cujos trabalhos participaram, embora sem voto, os vogais dos Conselhos Legislativos e de Governo de todas as províncias e os representantes das actividades económicas de Angola e Moçambique, e que teve também a assistência de alguns antigos Ministros e Subsecretários de Estado do Ultramar, elaborou um parecer que foi aprovado por unanimidade e que serviu de base à presente proposta.
Na elaboração desta respeitou-se o mais possível a estrutura da lei objecto de revisão, por se afigurar preferível sacrificar qualquer eventual melhoria de sistema e de redacção dos preceitos ao trato continuado da administração à sua aplicação prática e até à doutrina e jurisprudência.
15. As observações que seguem limitam-se a fazer alguns comentários às disposições que modificam substancialmente o regime actual e a uma ou outra alteração de pormenor que deva merecer anotação especial.
16. A matéria tratada na base VII estabelece o princípio de que as províncias ultramarinas estarão adequadamente representadas na Assembleia Nacional, na Câmara Corporativa e nos organismos consultivos de âmbito nacional, como o Conselho Ultramarino. A representação naquele primeiro alto órgão já não é novidade.
Na Câmara Corporativa, porém, embora nela funcione a V subsecção da XII secção, que se ocupa de política ultramarina, não existe esta representação.
A composição e a competência atribuídas à Câmara Corporativa justificam inteiramente o preceito.
Com efeito, a vida local e os interesses morais, culturais e económicos têm já no ultramar pujança e vigor apreciáveis e, desse modo, a sua representação na Câmara Corporativa só pode ser útil e benéfica. Além disso, o conhecimento directo do meio é da maior vantagem no estudo dos problemas que o afectem ou lhe digam respeito. Pela mesma ordem de ideias, se considera conveniente a representação nos órgãos consultivos de âmbito nacional.
17. A base XI suprimiu das funções executivas do Ministro a de autorizar transferências de verbas c aberturas de crédito.
Passam os governadores a ter a faculdade de efectuar essas operações, independentemente de autorização ministerial, porque a experiência parece ter demonstrado os inconvenientes da actual prática pela morosidade que implica. Os meios de comunicação são hoje muito rápidos, é certo, mas o ritmo da vida pública e privada acompanhou, se é que não excedeu, a velocidade daqueles. Todavia, como medida de prudência, adoptou-se a regra constante do n.º IV.
18. Por força do disposto no n.º II da base XVIII, a comissão dos governadores pode ser renovada por períodos de dois anos e não de quatro, como está estabelecido.
Inicialmente, a comissão dos governadores é por quatro anos e a renovação por iguais períodos de tempo oferece inconvenientes demonstrados pela própria experiência.
Com efeito, a administração das províncias exige enorme capacidade de trabalho e, portanto, o correspondente esforço intelectual e físico, a desenvolver em climas depauperantes.
Sacrificar pessoas já fatigadas resulta penoso para elas e prejudicial para a Administração.
Por outro lado, surgem às vezes problemas de outra natureza que seriam mais fáceis de resolver se as renovações tivessem menor duração.
De resto, a continuidade governativa, certamente um dos mais fortes argumentos a favor das longas comissões, não é, no fundo, abalada, visto que a questão se reduz, afinal, a renová-la mais vezes, quando isso convenha.
A partir da base anterior trata a Lei Orgânica, no capítulo IV, da administração provincial e, portanto, dos seus órgãos.
A Constituição não regula concretamente esta matéria. No artigo 151.º diz que «são da competência dos órgãos legislativos que a lei definir todas ...».
Deferiu, portanto, para a lei ordinária a definição dos órgãos locais que devam exercer a competência legislativa sobre as matérias que interessem exclusivamente à respectiva província e não sejam da competência da Assembleia Nacional, do Governo ou do Ministro do Ultramar.
As fórmulas adoptadas no projecto para definir os órgãos que exercem a competência legislativa não são, portanto, susceptíveis de ferir matéria constitucional, dada a latitude do disposto no artigo 151.º e a despeito do preceituado no artigo 152.º
Este preceito, subordinou, lato sensu, o exercício das funções legislativas dos governos provinciais à fiscalização dos órgãos de soberania e, por via de regra, à conformidade do voto de um conselho em que haverá representação adequada às condições do meio social.
A fiscalização dos órgãos de soberania não fica prejudicada, porque ela resulta de disposições especiais que para certos casos a prevêem e da regra geral que por si própria a determina.
O exercício da função legislativa conforme o voto de um conselho também se mantém atribuído agora ao Conselho Económico e Social nas províncias de governo-geral (base XXVIII) e aos Conselhos de Governo nas províncias de governo simples (base XXXV). Como a Constituição se refere a um conselho, é perfeitamente indiferente a designação que se lhe dê. Apenas interessa, em obediência
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ao citado artigo 152.º, que nele haja representação adequada às condições do meio social, o que efectivamente se verifica.
De grande importância e significado são as alterações respeitantes à competência e composição dos Conselhos Legislativos, à extinção dos Conselhos de Governo nas províncias de governo-geral e à criação, nestas, de Conselhos Económicos e Sociais. Considerável alcance e significado tem igualmente a atribuição de pelouros ou conjuntos de serviços fixos aos secretários provinciais.
Reduzem-se as considerações sobre estes assuntos ao essencial, dada a natureza deste trabalho e a sua urgência.
Pela actual Lei Orgânica, as funções legislativas da competência dos governos das províncias são exercidas pelos governadores, competindo aos conselhos legislativos, nas de governo-geral, pronunciar-se sobre os projectos de diplomas legislativos, elaborar o regimento interno e emitir parecer nos casos previstos na lei e sobre os assuntos que lhes forem submetidos pelo Ministro do Ultramar ou pelo governador-geral. Assim o estabeleceram os artigos 18.º dos Estatutos de Angola e Moçambique.
A iniciativa para apresentação de propostas nos Conselhos Legislativos pertence ao governador-geral e, quando não envolvam aumentos de despesa ou diminuição de receita criada por leis anteriores, aos vogais do mesmo Conselho.
Os estatutos político-administrativos de cada província fixariam também o número de vogais, eleitos e nomeados, do seu Conselho Legislativo.
Deste modo, o Estatuto de Angola determina que será constituído por dezoito vogais eleitos e oito nomeados e o de Moçambique, respectivamente, por dezasseis e oito. Estes números foram aumentados posteriormente.
A competência legislativa do governador exercia-se também durante as sessões dos Conselhos Legislativos e sem qualquer limitação.
O projecto introduz as seguintes e fundamentais alteções ao estatuído na lei vigente:
Quando estiver reunido o Conselho Legislativo, pertence-lhe, em princípio, o exercício da função legislativa e a iniciativa da lei cabe indistintamente ao governo da província e aos vogais do Conselho, não podendo, porém, estes apresentar projectos ou propostas de alteração que envolvam aumento de despesa ou diminuição de receita.
Os Conselhos serão constituídos por vogais eleitos e pelo procurador da República, e director dos Serviços de Fazenda, como vogais natos.
Nas províncias de governo-geral funcionará um Conselho Económico e Social, com atribuições consultivas, formado por pessoas especialmente versadas nos problemas administrativos, morais, culturais e sociais da província e por representantes das actividades económicas, que será obrigatoriamente ouvido sobre todos os diplomas apresentados aos Conselhos Legislativos e também sobre os publicados pelos governadores-gerais quando exerçam funções legislativas, funcionando ainda como órgão consultivo destes para o exercício das suas funções executivas.
Torna-se evidente que, tanto pela composição como pela competência que lhes fica atribuída, os Conselhos Legislativos e Económicos e Sociais podem ter uma acção importantíssima na administração das províncias ultramarinas.
As funções legislativas dos governadores serão exercidas conforme o previsto na base XXIV:
a) Durante as sessões legislativas, em matérias que não estejam reservadas ao Conselho Legislativo;
b) No intervalo das sessões legislativas;
c) Quando o Conselho Legislativo haja sido dissolvido.
A regulamentação da alínea a) terá de evitar um de dois riscos: ou minimizar a competência dos Conselhos Legislativos, ou paralisar o governo da província perante casos em que estejam em jogo superiores interesses públicos. Afigura-se não ser difícil evitar os dois. Na prática a eficiência e utilidade dos Conselhos Legislativos dependerá, como em tudo, da capacidade e boa vontade das pessoas que o constituam.
Depositam-se grandes esperanças nos Conselhos Económicos e Sociais, cuja composição garante uma selecção harmónica e um elevado nível ao seus vogais.
O disposto no n.º III da base XXIV já estava em vigor no Estado da índia. Os conflitos que podem surgir nos Conselhos Legislativos e as discordâncias sobre os projectos que hajam de apreciar encontram, portanto, nesta base uma solução já experimentada.
19. O modo como se regulou a distribuição dos serviços pelas secretarias provinciais, consentindo aos governadores a interferência que julguem necessária, deve permitir coordenar com maior eficiência todo o complexo aparelho administrativo das províncias.
O sistema facilita também uma melhor selecção das pessoas que venham a dirigir as secretarias, visto previamente se conhecer a natureza dos serviços que as constituem, acelera as suas relações com o público o resolução dos assuntos que por elas corram.
20. A proposta alarga às províncias de governo simples quase todas as inovações introduzidas nas de governo-geral, salvo quanto à constituição dos Conselhos Legislativos e à criação dos Conselhos Económicos e Sociais. Pelas dificuldades derivadas da carência de pessoas qualificadas em número suficiente para o primeiro daqueles Conselhos se instituir totalmente em bases electivas houve que adoptar uma solução intermédia, deferida, aliás, em parte, para a lei ordinária.
Pelos mesmos motivos não se dotaram de Conselhos Económicos e Sociais, mantendo-se os Conselhos de Governo, com composição e competência semelhante às que actualmente têm.
21. O n.º III da base XXXVI pretende apenas marcar uma orientação, visto o número e a extensão dos serviços nacionais não terem ficado concretamente determinados: serão unicamente, segundo se dispõe, os necessários para assegurar a boa gestão dos interesses comuns a todo o território do Estado Português. Em última análise, as circunstâncias ditarão as condições que justifiquem a necessidade da existência de um maior ou menor número desses serviços. O período final consagra um princípio que já informava a Lei Orgânica, mas prevê mais o estabelecimento de regras tendentes a assegurar o funcionamento normal dos serviços nacionais e a efectiva colaboração dos departamentos interessados.
22. Pela legislação em vigor pertencem aos quadros comuns os funcionários de categoria superior a primeiro-oficial ou administrador de circunscrição. A alínea a) do n.º II da base XL exclui desses quadros os intendentes de distrito e todos os funcionários de categoria equivalente, ficando assim a pertencer aos quadros privativos, o que até agora não acontecia.
Como se sabe, os governadores das províncias podem nomear, promover, transferir, exonerar, etc., os funcionários destes quadros.
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O objectivo visado foi, portanto, o de ampliar a sua competência por forma a permitir-lhes acelerar o movimento do pessoal pertencente às categorias mais numerosas, precisamente aquelas que mais falta fazem no sector relativo à execução dos serviços.
Aliás, a Reforma Administrativa Ultramarina já havia adoptado o mesmo critério, como pode ver-se do disposto no seu artigo 13.º
23. A alteração do n.º V da base XLI resulta de legislação posterior à Lei Orgânica ter regulado por forma diferente os direitos conferidos às nomeações em comissão.
24. O n.º V da base XLVI marca aos órgãos de administração local uma directriz descentralizadora, sem prejuízo, todavia, da eficiência da administração e dos serviços públicos.
Uma vez mais serão as circunstâncias a indicar e a determinar o sentido do caminho a seguir, certamente porque a prudência aconselha só programar com rigor quando as condições para tanto necessárias efectivamente se verifiquem. Ora, se no ultramar existem, como atrás se disse, agregados populacionais dispondo, para a administração dos interesses comuns, de autarquias pletóricas de vigor e de tradição, outras há que tentam, por assim dizer, os primeiros passos e estas não podem prescindir da ajuda permanente do Estado, por carência de recursos materiais ou até por dificuldades de recrutar dentro das respectivas áreas quem possa exercer as respectivas funções.
25. As normas que tratam «Do regime financeiro», «Da ordem económica e social» e «Da administração da justiça» poucas novidades apresentam. Todavia, são da mais alta projecção algumas regras agora insertas.
A Lei Orgânica, por força da base LVIII, conferia aos órgãos da província a faculdade de organizar, votar e mandar executar anualmente o orçamento, nos termos dessa própria disposição e do diploma que regesse a administração da Fazenda.
Os n.ºs II a IV limitavam, porém, essa prerrogativa, permitindo a intervenção do Ministro do Ultramar na sua elaboração, especialmente na parte das receitas e das despesas extraordinárias.
A proposta, como se verifica da nova redacção do n.º II da base LVIII, dá competência aos Conselhos Legislativos para apreciarem e votarem os princípios a que deve obedecer o orçamento relativamente às despesas de quantitativo não determinado por efeito da lei ou contrato preexistente. A organização do orçamento, a sua votação e execução ficam assim, nessa parte, dentro da exclusiva atribuição dos órgãos provinciais.
Será desnecessário salientar a enorme importância desta providência, quer no âmbito financeiro e económico, quer no político.
Deve esclarecer-se que o Estado da Índia Portuguesa se regulava, nesta matéria, por disposições análogas e a experiência foi inteiramente satisfatória.
É de esperar que o mesmo suceda agora. No entanto, tendo especialmente em conta a necessidade de regulamentar convenientemente os serviços de Fazenda, de forma a garantir uma sã administração financeira, determina-se na alínea c) do n.º II da base XCII que se mantêm transitoriamente em vigor as bases LVI a LXIV da Lei Orgânica vigente, enquanto não for publicado o diploma que há-de reger a administração financeira das províncias ultramarinas.
A base LXVIII teve apenas o intuito de adaptar melhor II matéria ao sistema geral da inconstitucionalidade das leis e a base XCII é consequência directa das alterações propostas.
26. O artigo 2.º introduz duas bases novas, de grande alcance nos domínios da economia e das finanças. A primeira garante a participação das províncias na elaboração e execução de programas gerais tendentes a assegurar o desenvolvimento da sua economia e a segunda cria comissões técnicas de planeamento e integração económica.
27. Por último observa-se que a revogação das bases a que se refere o artigo 8.º resulta da extinção do regime de indigenato.
Artigo 1.º As bases VII, X, XI, XV, XVIII, XIX, XXIII a XXVI, inclusive, XXVIII a XXXVII, inclusive, XL, LXI, XLVI, XLVII, XLVIII, LVIII, LXI, LXIII, LXVIII, LXXXI, LXXXVIII e XCII da Lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1953, passam a ter a seguinte redacção:
BASE VII
I - .....................
II - As províncias ultramarinas terão representação adequada não só na Assembleia Nacional como na Câmara Corporativa.
III - Enquanto não for possível organizar a representação da Câmara Corporativa por forma semelhante à da metrópole, os Procuradores de cada província serão designados nos termos prescritos pelos respectivos estatutos político-administrativos.
IV - As províncias estarão ainda devidamente representadas no Conselho Ultramarino, bem como nos órgãos consultivos de âmbito nacional, nos termos dos respectivos diplomas orgânicos.
BASE X
I -.................................................................
a)..................................................................
b)..................................................................
c)..................................................................
d)..................................................................
e) O estatuto político-administrativo de cada província ultramarina, ouvido o respectivo governador e o Conselho Ultramarino em sessão plenária:
f)..................................................................
g)..................................................................
h)..................................................................
i)..................................................................
j) A autorização de empréstimos que não exijam caução ou garantias especiais e não sejam saldados por força das receitas ordinárias dentro do respectivo ano, tanto da província como do serviço autónomo a que se destinam.
II - Sr o autorizados os órgãos legislativos das províncias ultramarinas a expedir diplomas reguladores da composição, recrutamento, atribuições e vencimentos, salários e outras formas da remuneração do pessoal dos seus quadros privativos ou complementares dos seus serviços públicos, observando-se sempre os limites postos pelas leis que definem a organização geral do respectivo ramo de serviço.
III -...........................................................
IV -............................................................
V - ............................................................
VI -............................................................
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BASE XI
I -
1.º.........................................
2.º.........................................
3.º.........................................
4.º.........................................
5.º.........................................
a)..........................................
b)..........................................
6.º Fiscalizar a organização e a execução dos orçamentos das províncias ultramarinas, nos termos legais;
7.º Autorizar os governos das províncias ultramarinas a negociar acordos ou convenções com os governos de outras províncias ou territórios nacionais ou estrangeiros, neste último caso com a concordância do Ministro dos Negócios Estrangeiros;
8.º Ordenar inspecções, sindicâncias e inquéritos, para fins disciplinares ou outros, a todos os serviços públicos do ultramar em que superintenda, quer do Estado, quer dos corpos administrativos e pessoas colectivas de utilidade pública administrativa;
9.º Superintender e fiscalizar as empresas de interesse colectivo, nos termos da Constituição, da presente Lei Orgânica, e de outras leis;
10.º Exercer as demais funções que por lei lhe competirem.
II - O Ministro do Ultramar pode delegar nos governadores das províncias ultramarinas, a título temporário ou permanente, o exercício dos poderes referidos no n.º 1.º para contratar funcionários e conceder licenças registadas e também os referidos na segunda parte do n.º 2.º
III -............................................
IV - Os governadores das províncias ultramarinas sempre que autorizem transferências de verbas ou aberturas de créditos devem comunicar e justificar o facto ao Ministro do Ultramar. As decisões tomadas nesta matéria podem ser anuladas, revogadas, reformadas ou suspensas pelo Ministro do Ultramar, por meio de portaria inserta no Diário do Governo e obrigatoriamente transcrita no Boletim Oficial da respectiva, província.
V - Aos Subsecretários de Estado do Ultramar compete, dentro dos termos da delegação que lhes for dada pelo Ministro, decidir, de acordo com a orientação deste, os assuntos da sua competência executiva.
BASE XV
I - .........................................................
II - As reuniões da conferência não são públicas e a elas presidirá o Ministro do Ultramar ou um dos Subsecretários de Estado. Poderão assistir, com direito de voto, além dos governadores das províncias ultramarinas e dos secretários provinciais, o secretário-geral do Ministério e os directores-gerais.
BASE XVIII
I - ..........................................................
II - A comissão dos governadores durará quatro anos, contados da data da publicação do decreto da sua nomeação no Diário do Governo, podendo ser renovada por períodos de dois anos.
III - ..........................................................
IV - A recondução dos governadores terá de ser feita em decreto publicado até 30 dias antes de terminar a comissão.
V - ............................................................
BASE XIX
Na falta do governador e na sua ausência ou impedimento, e enquanto o Ministro do Ultramar não designe um encarregado do governo, ou por outra forma providencie, as funções governativas são exercidas pelo secretário provincial que tiver a seu cargo a secretaria por onde correm os assuntos da administração civil, ou pelo chefe destes serviços, conforme se trate de província de
governo-geral ou de governo simples.
BASE XXIII
I - ..............................................................
II - As funções executivas, nestas províncias, serão exercidas pelo governador, directamente ou, sob a responsabilidade dele, por intermédio dos secretários provinciais.
III - Os secretários provinciais serão nomeados, para cada secretaria, pelo Ministro do Ultramar, sob proposta do governador, devendo atender-se não só ao mérito como à experiência das pessoas, adquirida pela sua efectiva participação na vida das províncias. As suas funções, se antes não houveram sido exonerados, cessam na data da posse do governador-geral que substituir o que houver proposto a sua nomeação.
IV - A cada secretário provincial competirá normalmente a gestão de um conjunto de serviços, que constituirá uma secretaria provincial.
A administração das finanças da província, porém, será sempre da competência exclusiva do governador.
V - O número de secretarias provinciais, a sua organização, atribuições e denominações serão definidas no estatuto político-administrativo de cada província.
VI - E aplicável aos secretários provinciais o disposto nas bases XX e XXI quanto à responsabilidade civil e criminal e à fiscalização contenciosa dos seus actos.
BASE XXIV
I - ......................................................
II - A competência legislativa dos governadores-gerais será por eles exercida:
1) Durante as sessões legislativas, em matérias que não estejam reservadas ao Conselho Legislativo;
2) No intervalo das sessões legislativas;
3) Quando o Conselho Legislativo haja sido dissolvido.
III - O governador mandará publicar, para serem cumpridos, os diplomas votados pelo Conselho Legislativo nos quinze dias seguintes àquele em que estiverem prontos para a sua assinatura.
IV - Passado este prazo, tratando-se de diploma da iniciativa dos vogais do Conselho Legislativo, considera-se que o governador não concordou com o texto votado. Tratando-se de diploma da iniciativa do governador, pode este informar o Conselho Legislativo que passou a considerar inoportuna a respectiva publicação por motivos supervenientes à proposta.
V - No caso de discordância relativamente a diploma da iniciativa dos vogais do Conselho Legislativo, o texto votado será submetido, com ou sem emendas, a nova votação, e, se nesta for confirmado por maioria de dois terços do número legal de vogais do Conselho Legislativo, o governador deverá efectuar a publicação.
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VI - Se, porém, a discordância se fundar na inconstitucionalidade ou ilegalidade do texto votado, e este for confirmado pela referida maioria, será o processo enviado ao Conselho Ultramarino, que decidirá, em sessão plenária, devendo o governador conformar-se com o seu parecer.
VII - O Conselho Económico e Social será ouvido obrigatoriamente pelo governador-geral quando este haja de exercer a função legislativa.
BASE XXV
I - Nus províncias de governo-geral haverá um Conselho Legislativo constituído por vogais eleitos e pelo procurador da República e pelo director dos Serviços Provinciais de Fazenda e Contabilidade, como vogais natos.
II - A presidência, o número de vogais, sistema de eleição, organização e regras de funcionamento do Conselho Legislativo serão fixados no estatuto político-administrativo de cada província, por forma a garantir representação adequada às condições do meio social.
BASE XXVI
I - O Conselho Legislativo funcionará na capital da província e terá duas sessões ordinárias anuais, cuja duração total não pode exceder três meses, e que se realizarão na época fixada nos respectivos estatutos político-administrativos.
II - A competência legislativa do Conselho terá os limites resultantes da competência atribuída à Assembleia Nacional, ao Governo Central e ao Ministro do Ultramar.
III - A iniciativa da lei nos Conselhos Legislativos pertencerá indistintamente ao governo da província e aos vogais do Conselho, não podendo porém estes apresentar projectos ou propostas de alteração que envolvam aumento de despesa ou diminuição de receitas da província criadas por diplomas anteriores.
BASE XXVIII
I - Nas províncias de governo-geral funcionará um Conselho Económico e Social, com atribuições consultivas permanentes, formado por pessoas especialmente versadas nos problemas administrativos, morais, culturais e sociais da província e por representantes das actividades económicas.
II - O Conselho Económico e Social será obrigatoriamente ouvido sobre todos os diplomas apresentados no Conselho Legislativo antes de neste se iniciar a discussão.
BASE XXIX
O sistema de designação dos vogais do Conselho Económico e Social, a sua organização e regras de funcionamento constarão dos estatutos político-administrativos das respectivas províncias.
BASE XXX
I - O Conselho Económico e Social assistirá ao governador-geral no exercício das suas funções executivas, competindo-lhe emitir parecer em todos os casos previstos na lei e de um modo geral sobre todos os assuntos respeitantes ao governo e administração da província que para esse fim lhe forem apresentados pelo governador.
II - O governador-geral deverá ouvir o Conselho Económico o Social para o exercício das atribuições seguintes e das que forem especificadas no estatuto político-administrativo da província:
a) Regulamentar a execução das leis, decretos-leis, decretos e mais diplomas, vigentes na província, que disso careçam;
b) Declarar provisoriamente o estado de sítio em um ou mais pontos do território da província, no caso de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras ou no de a segurança e a ordem públicas serem gravemente perturbadas ou ameaçadas, dando imediato conhecimento ao Ministro do Ultramar pela via mais rápida;
c) Exercer a acção tutelar prevista na lei sobre os corpos administrativos e as pessoas colectivas de utilidade pública administrativa.
III - O governador-geral pode discordar da opinião do conselho e providenciar como entender mais conveniente.
Nos casos em que, sendo obrigado a consultar o conselho económico e social, tomar resoluções contra o seu voto, comunicará o facto ao Ministro do Ultramar, justificando-o devidamente.
BASE XXXI
I - ...............................................
II - O governador pode ser coadjuvado por um secretário geral, a quem competirá o exercício das funções executivas que a lei definir ou as que nele sejam delegadas pelo governador.
III - O governador, por meio de portaria publicada no Boletim Oficial, pode também, na medida que entender, delegar nos chefes de serviços a solução dos negócios administrativos que por eles devam correr.
IV - A competência do governador em matéria de administração financeira não pode ser delegada.
BASE XXXII
I - Em cada uma das províncias funcionará um Conselho Legislativo constituído de modo a garantir representação adequada às condições do meio social, consoante for estabelecido no estatuto político-administrativo de cada província, e dele farão também parte o secretário-geral, quando o haja, o delegado do procurador da República e o chefe da Repartição Provincial dos Serviços de Fazenda e Contabilidade.
II - Nas províncias onde não houver secretário-geral, fará parte do Conselho Legislativo o chefe da Repartição Provincial de Administração Civil. Em Macau haverá ainda um vogal nomeado pelo governador em representação da comunidade chinesa.
BASE XXXIII
I - O Conselho Legislativo funcionará na capital da província.
II - As normas a que devo obedecer o seu funcionamento constarão do respectivo estatuto político-administrativo.
BASE XXXIV
Nas províncias de governo simples observar-se-á, na parte aplicável, o disposto nas bases XXIV e XXVI.
BASE XXXV
I - Junto do governador, e por ele presidido, funciona permanentemente o Conselho de Governo, ao qual compete assistir ao governador no exercício da
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função legislativa e omitir parecer nos casos previstos na lei o em todos os assuntos relativos ao governo e administração da província que lhe forem apresentados pelo governador.
II - O Conselho de Governo será constituído por seis vogais, pela forma seguinte: o secretário-geral, quando o haja, o delegado do procurador da República da comarca da capital da província, o chefe da Repartição Provincial dos Serviços de Fazenda c Contabilidade, três vogais do Conselho Legislativo por este eleitos.
III - Nas províncias onde não houver secretário-geral, fará parte do Conselho de Governo o chefe dos serviços de administração civil.
IV - As regras a que deve obedecer o funcionamento do Conselho de Governo constarão do estatuto político-administrativo de cada província.
BASE XXXVI
I - ...............................................
II - Os serviços provinciais devem corresponder em cada província ao seu estado de desenvolvimento e às circunstâncias peculiares do seu território. A sua natureza e extensão serão reguladas pelo estatuto das províncias, guardadas sempre as normas gerais de organização do respectivo ramo de serviço vigentes no ultramar. Nos casos previstos na lei, para efeitos de recrutamento do pessoal, coordenação de métodos, utilização de laboratórios ou outras formas de assistência técnica, podem funcionar como prolongamento dos correspondentes serviços metropolitanos.
III - Haverá os serviços nacionais que sejam necessários para a boa gestão dos interesses comuns a todo o território do Estado Português. A natureza e extensão destes serviços serão reguladas por diplomas especiais, donde constarão as regras que assegurem o seu normal funcionamento e a efectiva colaboração dos departamentos interessados.
IV - .......................................
BASE XXXVII
I - Na capital de cada província, e sob a autoridade do respectivo governador, haverá organismos dirigentes de cada um dos ramos de serviço de administração provincial, que terão a categoria e a denominação de direcções provinciais de serviços e de repartições provinciais de serviços, conforme se trate de províncias de governo-geral ou de governo simples. Havendo nisso conveniência, poderá a lei prescrever que a mesma direcção ou repartição provincial reúna mais de um ramo de serviço.
II - Os serviços nacionais, os serviços autónomos e os organismos de coordenação económica são dirigidos de acordo com os diplomas especiais que lhes digam respeito.
III - As direcções provinciais de serviços serão dirigidas por directores de serviço e as repartições provinciais por chefes de serviço. Uns e outros despacham directamente com o governador e, em nome dele, expedem as ordens necessárias para o cumprimento das suas determinações.
IV - Cada governador tem sob a sua directa superintendência uma repartição de gabinete, dirigida, nas províncias de governo-geral e em Macau, por um chefe de gabinete, de livre escolha do governador, e, nas restantes províncias, pelo seu ajudante de campo ou secretário.
BASE XL
I - .................................................
II - ................................................
a) Os funcionários de categoria superior a intendente de distrito ou categoria equivalente, que se determinará, na falta de preceito expresso, pelo vencimento de categoria indicativo dela;
b) ..................................................
III - ...............................................
IV - ................................................
BASE XLI
I - .................................................
II -.................................................
III - ...............................................
IV - ................................................
V - São aplicáveis às nomeações em comissão, além do mais que a lei dispuser, as regras seguintes:
1.ª..................................................
2.ª..................................................
3.ª..................................................
4.ª..................................................
5.ª..................................................
BASE XLVI
I - .................................................
II - ................................................
III - Os concelhos podem compor-se de freguesias, correspondentes às localidades que neles houver, com a população e as condições urbanas por lei exigidas.
IV - As áreas dos concelhos que não constituírem freguesias, bem como, nas circunscrições, as áreas situadas fora da sede, serão atribuídas a postos administrativos, como centros de organização e protecção do povoamento e para os fins de soberania.
V - A divisão administrativa de cada uma das províncias acompanhará as necessidades do seu progresso económico e social. As relações entre os órgãos centrais e os órgãos de administração local serão organizadas por forma a garantir a efectiva descentralização da gestão dos interesses dos respectivos agregados, sem prejuízo porém da eficiência da administração e dos serviços públicos.
BASE XLVII
No distrito a autoridade superior é o governador de distrito. No concelho e nas circunscrições administrativas criadas em sua substituição a autoridade é exercida pelo administrador do concelho ou de circunscrição. No posto administrativo a autoridade cabe ao administrador de posto e na freguesia ao regedor.
BASE XLVIII
I - A administração dos interesses comuns das localidades nas províncias ultramarinas estará a cargo de câmaras municipais, comissões municipais, juntas locais e juntas de freguesia, consoante for regulado nos respectivos estatutos político-administrativos e em lei especial.
II - No distrito haverá juntas distritais com competência deliberativa e consultiva, nos termos da lei, que coadjuvarão os governadores no exercício das suas funções.
III - A câmara municipal é o corpo administrativo do concelho, de natureza electiva. Tem foral e brasão próprios e pode usar a designação honorífica ou título que lhe forem ou tiverem sido conferidos.
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É presidida pelo administrador do concelho ou por um presidente designado pelo governador, nos termos do estatuto respectivo, o qual, neste caso, poderá ser remunerado. O presidente é o órgão executor das deliberações da câmara, nos termos da lei.
IV - Poderá haver comissões municipais nas circunscrições administrativas; nos termos que a lei definir, poderá havê-las também nos concelhos em que não puder constituir-se a câmara, por falta ou nulidade da eleição ou enquanto o número de eleitores inscritos for inferior ao mínimo estabelecido.
V - Nas localidades poderão ser instituídas juntas de freguesia quando nelas existam organismos devidamente constituídos e a quem por lei ou tradição pertença a gerência, de certos interesses comuns dos habitantes.
VI - Serão instituídas juntas locais:
a) Nos postos administrativos, se na sua sede existir povoação ou núcleo de habitantes com as características exigidas por lei;
b) Nos casos de não ser possível ou conveniente a instituição de juntas de freguesia, nos termos previstos no n.º V ou na lei especial.
BASE LVIII
I - .......................................................
II - O governador apresentará, antes do início do ano económico, ao Conselho Legislativo uma proposta do diploma em que serão definidos os princípios a que deve obedecer o orçamento na parte das despesas de quantitativo não determinado por efeito da lei ou contrato preexistente.
De harmonia com o que for votado, o governador organizará o orçamento que mandará executar.
III - Quando, por qualquer circunstância, o orçamento não possa entrar em execução no começo do ano económico, a cobrança das receitas, estabelecidas por tempo indeterminado ou por período que abranja a nova gerência, prosseguirá nos termos das leis preexistentes e, quanto às despesas ordinárias, continuarão provisoriamente em vigor, por duodécimos, o orçamento do ano anterior e os créditos sancionados durante ele para ocorrer a novos encargos permanentes.
BASE LXI
I - ...................................................
II - A iniciativa dos empréstimos pertence ao governador, com autorização do respectivo Conselho Legislativo.
Relativamente, porém, a obras e planos que forem da competência do Ministro do Ultramar, pederá este providenciar acerca do respectivo financiamento, por sua iniciativa ou mediante proposta do governador, ouvido neste caso o Conselho Legislativo ou o de Governo.
III - ...........................................
IV- .............................................
V - .............................................
BASE LXIII
I - ..............................................
II - .............................................
III - ............................................
IV - As despesas da administração provincial serão ordenadas nos termos da presente lei e dos diplomas especiais que regularem a execução dos serviços de Fazenda.
V - O tribunal administrativo de cada província fará a fiscalização judicial do orçamento das despesas, nos termos e na medida que a lei determinar. A fiscalização administrativa cabe ao Ministério do Ultramar, que a fará por meio de inspecções e pelo visto das entidades competentes, e aos governadores.
BASE LXVIII
I - A inconstitucionalidade material dos diplomas legais será, no ultramar, apreciada pelos tribunais nos termos do artigo 123.º da Constituição.
II - A inconstitucionalidade orgânica e formal dos diplomas sujeitos à promulgação do Chefe do Estado só poderá ser apreciada, nos termos daquele preceito constitucional, pela Assembleia Nacional, por sua iniciativa ou do Governo.
III - A inconstitucionalidade orgânica e formal de quaisquer outros diplomas será apreciada pelo Conselho - Ultramarino reunido em sessão plenária.
IV - O processo u que deve obedecer a apreciação da inconstitucionalidade será o fixado no Regimento do Conselho Ultramarino.
BASE LXXXI
I - .............................................
II - O Estado manterá, como lhe parecer conveniente, nas províncias ultramarinas, escolas primárias, complementares, médias, superiores e centros de investigação científica. Nas escolas primárias é autorizado o emprego do idioma vernáculo ou local como instrumento de ensino da língua portuguesa.
III - ...........................................
IV - ............................................
V - .............................................
VI- .............................................
BASE LXXXVIII
I - .............................................
II - Todos os diplomas emanados dos órgãos metropolitanos para vigorar nas províncias ultramarinas deverão conter a menção, aposta pelo Ministro do Ultramar, de que devem ser publicados no Boletim Oficial da província ou províncias onde hajam de executar-se. Esta menção será escrita no original do diploma e assinada pelo Ministro do Ultramar.
III - ...........................................
IV - ............................................
BASE XCII
I - Serão revistos na medida do necessário, de acordo com os preceitos desta lei:
a) A organização do Ministério do Ultramar;
b) Os diplomas orgânicos dos diferentes ramos de serviço público no ultramar, incluindo II Reforma Administrativa Ultramarina;
c) A Lei Orgânica, e o Regimento do Conselho Ultramarino;
d) O Estatuto do Funcionalismo Ultramarino;
e) O Estatuto Político-Administrativo de cada uma das províncias ultramarinas, ouvido o respectivo governador e o Conselho Ultramarino em sessão plenária.
II - Enquanto não forem publicados os diplomas complementares desta lei, continuarão em vigor as disposições vigentes.
Especialmente será observado o seguinte:
a) Continuam a funcionar os Conselhos Legislativos e de Governo nos termos da lei actual até que estejam constituídos os que os substituem;
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b) Continuam os governadores e demais autoridades no exercício da competência actual até que se definam as suas atribuições;
c) Continuam em vigor as bases LVI a LXIV, na actual redacção, enquanto não estiver publicada, a lei especial sobre administração financeira das províncias ultramarinas.
Art. 2.º No fim da secção I do capítulo IV incluir-se-ão duas novas bases, com a seguinte redacção:
BASE ...
As províncias participarão na elaboração de programas gerais tendentes a assegurar o desenvolvimento contínuo e harmónico da sua economia, compatível com o equilíbrio global da balança de pagamentos e a estabilidade do valor da moeda.
BASE ...
Em cada província haverá uma Comissão Técnica de Planeamento e Integração Económica, que funcionará na dependência directa do governador.
Art. 3.º São revogadas as bases LXXXIV, LXXXV e LXXXVI da Lei n.º 2006, de 27 de Junho de 1953.
Art. 4.º O Governo, pelo Ministro do Ultramar, fará nova publicação da Lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1953, donde constem as alterações introduzidas por esta lei.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA