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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 82

ANO DE 1963 9 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 82, EM 8 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foi lido o expediente.

O Sr. Deputado Manuel Augusto Engrácia Carrilho não foi autorizado a depor no S.º juízo de direito de Viseu.
O Sr. Deputado Nunes de Oliveira enviou para a Mesa um requerimento solicitando algumas informações a fornecer pelo Ministério da. Educação Nacional.
O Sr. Deputado Alves Moreira falou da necessidade de novas instalações para o hospital regional de Aveiro.
O Sr. Deputado Soares Birne focou vários aspectos da indústria mineira.
O Sr. Deputado Sales Loureiro tratou, de questões relativas à formação da juventude.
O Sr. Deputado Amaral Neto analisou problemas do azeite e da batata e o caso da exportação de borregos.

Ordem do dia.- Prosseguiu o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu relativo aos acidentes de viação.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alberto Meireles e Sousa Birne.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Gonçalves de Faria.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.

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Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 78 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Manuel João Correia sobre os transportes de Moçambique.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um pedido do 2.º juízo de direito da comarca de Viseu para o Sr. Deputado Manuel Augusto Engrácia Carrilho depor naquele tribunal no dia 21 do próximo mês de Março.
Ouvido o Sr. Deputado Engrácia Carrilho, declarou que podia haver inconveniente para o exercício do seu mandato no facto de ser autorizado a comparecer no tribunal. Nestas condições, ponho o problema à Assembleia.

Consultada a Câmara, foi negada automação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Nunes de Oliveira.

O Sr. Nunes de Oliveira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

Nos termos da alínea d) do artigo 11.º do Regimento, requeiro que pelo Ministério da Educação Nacional e outros departamentos ministeriais competentes me sejam fornecidos com urgência os seguintes elementos:

1.º Quais os actuais cursos das Universidades Clássica e Técnica, com a indicação das Faculdades, escolas ou institutos em que são professados e das cadeiras que os compõem, segundo a ordem do respectivo plano de estudos;
2.º Qual o quadro do corpo docente de cada Faculdade, escola ou instituto no ano de 1900, ou na data da sua criação se for posterior, e ainda no último ano lectivo, com a indicação da sua categoria, e bem assim do respectivo vencimento.
3.º Quais as condições de acesso ao professorado em cada Faculdade, escola ou instituto, com a indicação dos requisitos a preencher por cada candidato, número, forma e qualidade das provas a que é submetido;
4.º Quais os centros de investigação científica existentes nas Faculdades, escolas ou institutos, subsidiados pelo Instituto de Alta Cultura, dotações anuais que lhes são concedidas e ainda o número de investigadores que aí trabalham;
5.º Número e designação dos estabelecimentos oficiais de investigação científica existentes, seu quadro de investigadores e respectivo vencimento e a quem compete a sua direcção;

6.º Número de alunos inscritos nos diferentes cursos no ano de 1900, ou na data da sua criação se for posterior, de cada Faculdade, escola ou instituto, e dos inscritos no último ano lectivo;

7.º Número de bolsas de estudo e de isenção de propinas concedidas aos estudantes nas várias Faculdades, escolas ou institutos, em referência ao ano lectivo findo;

8.º Se está considerada a instalação de todos os estabelecimentos de ensino superior do País em cidades universitárias, quais as Faculdades, escolas ou institutos que integram cada cidade universitária, e bem assim se estão concluídos os respectivos projectos;

9.º Se o plano das cidades universitárias inclui residências para professores e alunos e instalações destinadas a actividades circumescolares e, na hipótese afirmativa, quais as instalações previstas para qualquer dos casos.

O Sr. Alves Moreira: - Sr. Presidente: é preocupação presente do nosso Governo criar condições novas e melhorar aquelas que até agora têm estado em vigor, no sentido de estabilizar, ou por outra, condicionar os meios de vida das populações, tendo como finalidade o seu bem-estar social. E nesta rubrica toma particular relevo a

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posição assistencial, tão discutida, por se saber ser bem precária presentemente.
Factores vários têm sido os responsáveis, evidenciando-se notoriamente o atraso que o nosso Governo teve de enfrentar quando tomou as directrizes da nova situação política. Muito foi feito, de facto, no sentido do recuperar o tempo perdido neste sector, mas não o suficiente para a tal estabilidade que todos apregoam, e que, de facto, o mundo civilizado actual reclama e exige.
Torna-se assim bem evidente que os nossos governantes determinem, orientem e façam cumprir leis e disposições que venham melhorar o nível médio da nossa gente. E, por tal motivo, bem oportunos foram os novos diplomas sobre o novo Estatuto da Saúde e Assistência e da Saúde Mental, além da reforma da previdência, em boa hora submetidos à aprovação desta Assembleia, onde ficou bem expresso o seu significado e a sua actualidade.
Vêm esses diplomas melhorar muito a situação actual do nosso nível social, mas para se conseguir dar cumprimento rápido às inovações agora introduzidas devem ser criados efectivamente os meios indispensáveis para um eficiente resultado.
E nesta ordem de ideias que venho fazer umas breves considerações, mas que entendo bem oportunas, acerca de uma modalidade de assistência, a médico-cirúrgica, prestada na minha cidade, num hospital que, sendo da Misericórdia, funciona como hospital regional, o hospital de Aveiro.
A tal respeito quero referir-me designadamente às suas instalações, aos funcionários, particularmente aos médicos, e às condições financeiras a que o seu funcionamento está necessariamente sujeito.
Está o hospital de Aveiro instalado em terreno próprio da Misericórdia, ocupando uma larga área, mas numa situação actual nada compatível com as funções que, mercê das circunstâncias e das disposições regulamentares, é obrigado a desempenhar.
De facto, até há pouco tempo ainda todas as instalações do hospital se situavam em edifício bastante antigo e, como tal, sem as possibilidades de acomodação que então as circunstâncias exigiam.
Viu-se assim a mesa que à altura dirigia administrativamente a Misericórdia na necessidade de apelar para as entidades oficiais de que dependia, no sentido de serem instaladas as enfermarias e blocos operatórios em edifício apropriado. E assim, aproveitando-se a oportunidade de se encontrar em construção um pavilhão destinado a internamento de doentes tuberculosos e infecto-contagiosos, foi lançado o apelo para a utilização de tais instalações, a título precário, tanto mais que só em parte se solucionava o problema dominante, e que era precisamente o dispor o hospital de instalações condignas, atendendo às necessidades de momento.
Após diligências demoradas e nem sempre compreendidas, conseguiu a administração do hospital que lhe fossem cedidas as instalações citadas, ficando de pé a promessa de oportunamente se construir um novo hospital regional.
Foi de facto uma solução de emergência, mas não definitiva, tanto mais que o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos não abdicou da sua pretensão quanto às instalações que inicialmente lhe haviam sido destinadas, continuando a reclamá-las.
Está assim o hospital de Aveiro instalado, parte nas velhas dependências do hospital primitivo e outra parte, provisoriamente, no bloco que foi construído com o fim de albergar sómente doentes infecto-contagiosos, com a inerente insuficiência que advém de tal facto, não só por serem antiquadas umas, mas por serem sobretudo insuficientes outras, as novas, em que estão instaladas enfermarias de cirurgia, de parturientes, de medicina (homens) e os blocos operatórios, além de alguns quartos particulares, como se compreende em regime de compressão, dada a pouca área utilizável.
Dispersos pela velha construção, aliás em deficiente estado de conservação, há outros serviços, compreendendo os administrativos, consulta externa e banco, laboratório de análises clínicas, de radiologia e agentes físicos, enfermarias de pediatria e medicina (mulheres), banco de sangue, farmácia e até as instalações das religiosas, que têm a seu cargo parte da enfermagem, e demais secções.
Do exposto evidencia-se a dispersão de serviços por edifícios independentes e até afastados, de que resulta uma relativa e não aconselhável eficiência, a acrescentar à limitação, como já disse, em área utilizável, com as restrições que advêm de tal facto, além do deficiente apetrechamento em quantidade e qualidade dos variados serviços.
Acresce ainda que as condições de funcionamento e o número de doentes que poderão ser atendidos fica muito aquém daquilo que é exigido a este estabelecimento hospitalar de assistência, a que recorrem não só os doentes do concelho, mas também de todos os estabelecimentos considerados como hospitais sub-regionais, que por determinação de recentes disposições são seus subsidiários.
Ora se este estado de coisas já é incompatível com a actualidade, muito distante ficará do mínimo que o desenvolvimento crescente da população da região e sobretudo da cidade exige e promete, pois é bem notório o aumento populacional atraído pelo ritmo crescente do incremento industrial, traduzido pelas unidades existentes e porventura pelas que venham a estabelecer-se, e prevê-se serem várias, além de outros factores ligados à vida activa e condicionamentos naturais da região.
Impõe-se, pois, a construção o mais breve possível de uma unidade hospitalar de forma a obviar aos inconvenientes apontados, criando-se-lhe condições de vida a não se poderem apontar deficiências do género das existentes e tendo em vista as que o futuro obrigatoriamente determinará.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para tal, é urgente elaborar-se um projecto que se execute a breve trecho com todos os condicionamentos modernos respeitante a uma unidade que baste à região. Não permitem os capitais da Misericórdia enfrentar esta necessidade nem sequer comparticipar na sua construção, tanto mais que o seu regime financeiro é deficitário há vários anos, dado que as suas receitas próprias, donativos e subsídios ficam aquém daquilo que é gasto no desempenho do socorro aos pacientes que reclamam os préstimos de tal estabelecimento hospitalar, apesar de todos os esforços que os provedores e seus directos colaboradores vêm dispensando na sua nobre missão de dar cumprimento ao objectivo que tão abnegadamente impuseram a si próprios, pela incumbência dos irmãos que neles depositaram a sua fundada esperança.
Conheço de perto a acção das últimas mesas e sei o quanto despenderam de canseiras para conseguirem aquilo que para já é uma realidade, se bem que esteja ainda muito longe daquela que a região requer.
Quero aqui manifestar o reconhecimento de que são credores, pois sempre com grandes sacrifícios e muitas vezes com algumas incompreensões, não só por parte do público, mas até de entidades oficiais, têm sabido arrostar com todos os contratempos e manter de pé uma instituição que se não fora a sua perseverança já há muito

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tinha encerrado as suas portas, com as consequências funestas que facilmente se deduzem.
Ainda dentro desta ordem apreciativa devo realçar a acção do actual provedor e demais mesários, que têm envidado todos os esforços no sentido de melhorar os serviços, não só no que diz respeito ao alargamento e apetrechamento parcial das dispersas instalações, suprindo em parte deficiências que se arrastavam, mas também na parte assistencial, no que diz respeito às prestações médicas, estabelecendo novas directrizes a par da boa colaboração da direcção clínica e do corpo de médicos, no sentido de uma melhor e mais estreita eficiência.
A tal respeito quero assinalar a recente criação de um serviço permanente de urgência, a cargo de médicos de turno, pelo qual há muito se pugnava, mas que as condições, não só materiais, mas também a carência de espaço disponível para as instalações de tal serviço, não permitiam a satisfação de tão ansiada como premente necessidade.
Também o quadro clínico de médicos, cirurgiões e especialistas tem sido aumentado, de maneira que presentemente funcionam, além dos serviços de clínica médica, quatro equipas de cirurgia e as especialidades de otorrinolaringologia, oftalmologia, urologia, pediatria, cardiologia, tisiologia, ortopedia, além das análises clínicas e radiologia e banco de sangue, enquadrando um total de 25 médicos.
Enfim, pessoal médico não falta, apesar dos irrisórios vencimentos que usufruem, meramente simbólicos, pois se atribuem mensalidades de 100$ e 150$, respectivamente a médicos de clínica geral e especialistas.
Neste momento quero abrir um parêntesis na minha exposição e manifestar a tal respeito o desejo de que brevemente se criem as condições que permitam remunerar melhor os médicos que abnegadamente vêm trabalhando para a Misericórdia, dignificando-se mais uma tarefa que os tempos actuais pouco têm posto em evidência, sabendo, no entanto, todos muito bem o alto significado da sua missão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas nem por isso se tem deixado de tratar com todos os requisitos de que se dispõe um número de doentes cujas cifras, que a seguir cito, deixam bem transparecer. Assim, fazendo referência aos três anos de 1959, 1960 e 1961, posso enunciar:

[Ver Tabela na Imagem]

Quanto ao ano de 1962, embora ainda não tenha conhecimento exacto destes números, sei que sofreram alteração para mais, sendo de admitir que futuramente atinjam ainda, um escalão mais elevado.
Apreciando estas cifras e sabendo-se que a percentagem de doentes pobres foi de 79,4 por cento, 82 por cento e 85,9 por cento, respectivamente, nos três anos mencionados, conclui-se facilmente quanto bem foi prestado pelo hospital de Aveiro a tantos infelizes a quem a doença não poupou, não só pelo estabelecimento em si com as suas instalações, embora precárias, mas também pelos médicos que nele trabalham com tanta devoção.
Deste modo, não será lógico que sejam dadas aquelas facilidades de boa colaboração pelas entidades oficiais de que naturalmente dependem?
Sendo assim, não se impõe a edificação de um hospital capaz, devidamente apetrechado - e parte do apetrechamento já existe, havendo só que o melhorar -, à altura da cidade e da região?
Sòmente a afirmativa será resposta razoável e atinente a resolver eficazmente esta modalidade de assistência à população mais desprotegida, que, por falta de amparo material, não pode acorrer a outros estabelecimentos particulares de assistência, por onerosos.
Poderiam ainda as novas instalações melhorar as condições financeiras da instituição Misericórdia desde que fossem de molde a facultar em mais larga escala assistência a doentes pensionistas, que recorreriam aos seus serviços desde que o número de camas e meios terapêuticos aumentasse, diminuindo-se assim até a necessidade de suprir deficits e, consequentemente, os subsídios pelas entidades oficiais.
Apelo, pois, para S. Ex.ª o Ministro da Saúde e Assistência e necessária e implicitamente para os Srs. Ministros das Finanças e Obras Públicas, para que o problema seja encarado como premente e urgente, começando por serem dadas providências no sentido do que o novo hospital de Aveiro seja uma realidade o mais brevemente possível. Só assim se satisfazem anseios bem fundados dos aveirenses da cidade e do distrito.
Parecerá, no momento actual, pedir muito? Sou o primeiro a compreender que as circunstâncias desfavoráveis da situação que malèficamente nos foi criada, com os pesados encargos na manutenção da nossa indesmentível soberania no ultramar, dificultem a tarefa que o nosso Governo vem despendendo em obras de vária natureza a realizar no território nacional, mas há que encarar as realidades « perspectivas que se antevêem e prever que o futuro se há-de mostrar mais consentâneo de possibilidades, de molde a permitir iniciar diligências no sentido de se não perder tempo, projectando aquelas obras que são mais urgentes, como considero esta.
Sugeria ainda que nas instalações a prever na construção fossem previstas disposições no sentido de futuramente se encarar a hipótese da criação de uma escola de enfermagem anexa ao hospital, cuja necessidade é de enaltecer, dado que seria uma contribuição a considerar para suprir o deficiente número actual de enfermeiros diplomados e até de auxiliares requeridos para acorrerem aos estabelecimentos que os reclamam e aqueles que em maior número se prevê sejam necessários para se cumprirem as determinações que os diplomas recentes enumeram. Deste modo, muitos candidatos a enfermeiros do concelho e do distrito poderiam com maior facilidade frequentar tal escola e, consequentemente, suprir as deficiências que, por falta de numerário, se fazem sentir na região. Se faço esta sugestão é porque as escolas de enfermagem actuais, por ficarem distantes, e por tal motivo obrigarem possíveis

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candidatos a despesas de deslocação que a sua bolsa não comporta, não permitem a sua frequência.
Aliás, não seria esta escola, afastada dos três centros principais do País, a única, pois sei quanto de proveitoso tem desempenhado nesta finalidade a escola de enfermagem anexa ao Hospital de S. Marcos, em Braga, donde têm saído enfermeiros que são zelosos profissionais, pois aonde acorrem mostram possuir conhecimentos que não ficam II desmerecer em relação às escolas tradicionais.
E porque não pensar-se também na criação de um instituto materno-infantil, adstrito ao mesmo hospital?
Não só, deste modo, se atenderia a outra premente necessidade, mas também se evitariam duplicações de serviços, com os seus consequentes inconvenientes.
Deixo a sugestão à apreciação das entidades competentes.
Sr. Presidenta: ao terminar, quero exprimir desta lugar, onde represento uma cidade de real valor no conjunto do espaço português, o desejo sincero de que S. Ex.ª o Ministro da Saúde e Assistência tomo em consideração o significado desta minha modesta referência e, mais, atrevo-me mesmo a sugerir que S. Ex.ª se desloque a Aveiro, quando entender oportuno, a fim de, pessoalmente, se inteirar e ajuizar da razão do exposto, aliás como em devido tempo o fez o seu muito ilustre antecessor, no desempenho das suas elevadas funções.
Estou certo de que a oportunidade é a melhor e de que o reparo que entendi dever fazer merecerá a criteriosa atenção de S. Exa., pois a cidade e a região, confiando nos seus recursos, também crêem merecer serem distinguidas nos seus anseios e necessidades, de harmonia com o seu crescente desenvolvimento económico-social.
Tenho dito.

Vozes:-~Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa Birne: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: não sei se é porque a vida ali se passa em dose elevada às ocultas debaixo do chão, se é porque a sua actividade se desenvolve muito nas paisagens agrestes e isoladas das serras e dos recôncavos perdidos dos mapas, a indústria mineira tem o ferrete da tendência natural a ser pouco conhecida, a ser posta de parte e menosprezada por pessoas e colectividades e a ser esquecida e desinteressada das grandes iniciativas industriais.
E no entanto pessoas e colectividades, portanto a humanidade, devem à indústria mineira, quando a sabem focar em profundidade, preciosa contribuição do seu desenvolvimento e do seu bem-estar. Não são, com efeito, poucas as nações que apoiam nos recursos do seu subsolo elevada percentagem da sua economia total e, portanto, elevada contribuição na expansão do progresso das suas greis. É evidente que é premissa de que assim seja que o subsolo das áreas em que essas nações se circunscrevem não seja avaro, mas é também premissa de que assim seja que os homens se saibam debruçar com coragem, com fé e com saber sobre a plenitude do problema, para que os resultados se concretizem.
O subsolo da Nação Portuguesa - aqui e além-mar - não se tem mostrado avaro; os homens é que lhe têm regateado cabedais, cérebro e dignidade dinâmica. E sabido que todas as realizações industriais requerem ânimo forte dos seus empreendedores; a realização mineira requere-o ainda em mais alto grau.
Na indústria, transformadora o planeamento da unidade industrial pode, regra geral, firmar-se desde o início da concepção numa análise integral de dados concretos: o custo das instalações necessárias, das matérias-primas que utiliza, da energia que vai consumir, da mão-de-obra que emprega, etc. Pode assim desde logo definir o preço de custo da produção e, com os olhos postos no mercado daquilo que vai vender, avaliar o provável grau de rentabilidade do capital que precisa de investir.
As indústrias extractivas - muito especialmente as indústrias mineiras - são de base heróica. Geram-se em perspectivas que podem ser esperanças, mas são abstractas em valor real e em grandeza. O empreendedor mineiro parte, quase sempre, da certeza de que a sua futura mina tem minério, porque o viu, ou porque analisou o material do seu filão. Mas não sabe quanto tem, nem muitas vezes sabe se o seu valor é económico.
A técnica, só de per si, pode indicar possibilidades, mas é ao determina certezas. O jazigo mineral de valor industrial evidente à simples inspecção é cada vez mais tipo de excepção. O mineiro para conhecer esse valor industrial - e tem que o conhecer, se quiser construir sobre alicerce firme - corajosa e previamente precisa de abrir galerias, aprofundar poços, medir e analisar. Esta é a barreira heróica. Só depois de a atravessar está na posse de valores concretos.
É passando, abnegada e criteriosamente, por essa barreira que apenas correm risco capitais moderados e se constróem, em bases sólidas, as grandes e florescentes unidades mineiras que asseguram estabilidade e dignidade de interesse para quem nelas trabalha e para quem as empreende.
Pelo contrário, a imprevidência de investimentos em construções, instalações e todo o equipamento do complexo industrial mineiro, antes de se conhecer a uma e de lhe ter determinado um número mínimo de reservas e valores minerais, pode conduzir, e já conduziu, por esse mundo fora e no País, a desastres espectaculares, de dupla consequência funesta: perda inglória de avultados capitais e criação de ambiente de pânico, prejudicial a novos empreendimentos.
Foi o caso acontecido no País há pouco mais de três décadas com uma. mina de carvão, em que só depois de se terem gasto dezenas de milhares de contos em instalações e na construção de um caminho de ferro de acesso, de 35 km, verificaram que a mina não tinha carvão, e é o caso recente de uma mina de ouro, em que, também igualmente tarde, foi reconhecido que, neste caso, tinha ouro, mas de custo duplo do preço de venda.
O concessionário de fracos recursos financeiros - que está contra-indicado e é muito geral entre nós - esse vai, regra geral, para a aventura com a mira de se salvar a curto prazo, se não instantaneamente: improvisa instalações e equipamento de meia dúzia ou, quando muito, escassas dezenas de contos - instalações que não prestam, que desperdiçam dinheiro e minério - e a produção começa.
É muito raro que deste sistema nasça uma mina. Mas têm nascido as muitas «minocas» que há pelo País fora, sem quaisquer condições orgânicas e técnicas de defesa, que, regra geral, só podem trabalhar nos períodos de vértice dos mercados, estando ainda por definir qual a vantagem que de tais unidades industriais advém ao País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Um aspecto que se refere, pelo que tem ao sintomático, é que entre as dez maiores unidades mineiras do País só três de carvão são de investimento de capitais nacionais, sondo todas as sete restantes (seis metálicas e uma de antracite), aliás, as sete maiores,

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propriedade e resultado de investimentos de capital estrangeiro. A excepção para os carvões insere-se no estímulo e na protecção especiais de que sempre desfrutaram pela carência e importância vital do seu consumo interno. A intervenção dos capitais portugueses começa só a revelar-se a seguir e nas minas de grandeza média, com produções anuais da ordem dos 1000 aos 6000 contos de valor bruto de produção, para se concentrar nas minas de investimentos mínimos ou nulos.

O Sr. Reis Faria: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Reis Faria: -Há uma mina que está, talvez, em 5.º lugar e que é totalmente de capitais portugueses. É a de Jales.

O Orador: - Estes dados fórum obtidos calculando o produto bruto com base no imposto industrial; até talvez pudesse citá-los a V. Ex.ª S. Domingos, a Panasqueira, uma de caulinos ...

O Sr. Reis Faria: - Em contribuição paga ao Estado é a de Jales.

O Orador: - Tenho a impressão de que está bem assim, em todo o caso guardo como remissa.

O Sr. Reis Faria: - Só quis frisar que é inteiramente de capitais portugueses.

O Orador: - Lamentam-se, com razão, os milhões de contos que as grandes empresas mineiras estrangeiras têm carreado do subsolo da Nação para os seus países, mas nem sempre ocorre que o lamentável facto se deveu apenas à debilidade ou relutância do capital nacional para os investimentos mineiros, e tanto assim é que todas essas minas foram descobertas e originalmente concessionadas a cidadãos ou firmas portuguesas.
Tal debilidade e relutância compreendem-se e desculpam-se no passado; são, no entanto, menos justificadas na actualidade, mas infelizmente persistem.
Quanto a nós, o incremento da produção de parte das minas de pequena e média grandeza é em muito uma questão de maior amplitude de investimentos e aconteceu há bem pouco ainda que, por não se ter conseguido despertar o interesse do capital nacional, foram transaccionadas para uma firma estrangeira minas de boas características, que o futuro confirmará se não são também minas que ingressaram no número dos valores subtraídos ao interesse directo do capital nacional.
Em complemento desta ligeira diversão por simples aspectos panorâmicos mineiros pedimos ainda licença para juntar um pequeno esclarecimento sobre um ponto que, pelo menos para mim, do início estabeleceu certa confusão.
Refere-se nos mapas e relatórios do Ministério das Finanças que usual e brilhantemente acompanham as propostas da Lei de Meios que, por exemplo nos anos de 1957, 1959 e 1961, são respectivamente de 487 000, 409 000 e 405 000 contos os valores do produto nacional bruto das indústrias extractivas. Aqueles valores são, no entanto, os do produto nacional bruto, aliás à boca da mina, portanto sensivelmente inferiores ao valor de mercado, das indústrias mineiras, utilizando-se portanto a primeira expressão como sinónimo da última.
Tecnicamente pareceria mais correcto considerar como indústrias extractivas todas aquelas que se dedicam a extrair os valores minerais do subsolo, portanto abrangendo minas e pedreiras, as últimas dizendo respeito a mármores, lousas, calcários, granitos, arguas, areias, etc.
Assumido nesta base o valor anual do produto nacional bruto das indústrias extractivas cifrar-se-ia com certeza em milhões de contos, representando actualmente só os mármores valor comparável ao de toda a extracção mineira, com um valor de produto exportado de cerca de 225.000 contos e um valor sensivelmente igual do consumo interno.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: há no activo do campo concessionário do continente 3341 concessões mineiras, das mais variadas espécies minerais: carvões, pirites de cobre, volframites e schelites, cassiterites, ilmenites, ouro, prata, chumbo, ferro, antimónio, glucínio, bário, manganês, fosforites, caulinos, sal-gema, etc.
A área total concessionada é de cerca de 1700 km3 e representa 2 por cento da superfície total do continente.
As concessões agrupam-se por vezes em coutos mineiros, de forma que das 3341 resultam 2420 minas ou unidades mineiras, que se distribuem geogràficamente por todos os 18 distritos, com uma incidência máxima nos distritos das Beiras e de Trás-os-Montes, da Guarda (com 503 minas), Vila Real (com 449), Castelo Branco (com 224), Bragança (com 210) e Viseu (com 172), e uma incidência mínima nos distritos de Leiria (com 40), Évora (com 27), Faro (com 10) e Lisboa (com 3).
Dado que desde sempre foi norma que as concessões só eram concedidas perante verificação da existência de mineralização, e dado que desde 1930 começou a vigorar, embora de uma maneira muito vaga, o condicionalismo do «valor industrial dos jazigos» para que as concessões se obtivessem, teria de chegar-se u conclusão de que é altamente considerável a expressão do potencial básico mineiro.
O quadro, porém, torna-se pesadamente sombrio quando se verifica que das 2420 minas existentes estão totalmente paralisadas 94 por cento, ou sejam 2272 minas. O número das que se consideram em actividade, ou maior ou menor, é assim apenas de 148.
Mas a sombra adensa-se ainda muito mais ao examinar-se, com maior pormenor, a expressão da actividade das 148 minas em trabalho, expressão que se traduz da forma seguinte: 58 minas dão levíssimos sinais de vida, com valores de produção anual por unidade mineira desde apenas centenas de escudos a 50 000$; 63 minas têm vida ainda irregular, na maior parte dos casos esporádica, com produções anuais por unidade desde 50 000$ a 1 000 000$.
Vêm a seguir: 9 minas, que se podem considerar já como unidades mineiras industriais, embora de pequena grandeza, com produções anuais unitárias de 1 000 000$ a 3000000$; 7 minas, que designamos de «grandeza média», com produções anuais desde 3 000 000$ a 6 000 000$, e por último 11 minas, que constituem as maiores unidades mineiras do País e que abrangem produções anuais unitárias, desde 6 000 000$ a 64 000 000$. Entre estas 11, 6, no entanto, atingem produções anuais superiores a 20 000 000$.
Refere-se ainda que o valor da produção anual total das 11 grandes unidades mineiras é de cerca de 275 000 000$, número que significa aproximadamente 68 por cento do valor da produção global do País.
De todos estes elementos estatísticos está excluída a actividade do urânio, que só de per si representou nos últimos sete anos um valor de cerca de 20 por cento de toda a actividade mineira do País. Infelizmente essa actividade está paralisada desde Abril de 1962.

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Por espécies minerais a actividade mineira desenvolve-se aproximadamente, como passamos a referir, por ordem decrescente de valores da produção anual:

Contos
1) Cobre ................ 101 000
2) Carvões ............... 87 000
3) Volframites ........... 68 000
4) Ferro ................ 59 000
5) Cassiterites ........... 28 000
6) Complexo ouro, prata, zinco...... 22 000
7) Misto cassiterites e volframites .. 21 000
8) Caulinos .............. 8 100
9) Manganês .............. 5 700
10) Sal-gema .............. 3 700

E seguem-se depois, com montantes sucessivamente descendentes de 900 a 45 contos anuais, o trípoli, o berílio, o bário, as fosforitos e o chumbo.
Daqui se infere que a vitalidade extractiva mineira do País se apoia essencialmente no cobre, nos carvões, nas volframites, no ferro, nas cassiterites e no ouro.
Pelo que diz respeito a concessionários, apontamos que ás 2420 minas estão distribuídas por cerca de 600 concessionários, na sua grande maioria constituídos por sociedades, empresas ou companhias, c ainda por concessionários individuais. Com excepção de cerca de 20 empresas que dominam as unidades industriais mineiras de maior grandeza, a grande maioria das entidades concessionárias, que assim são detentoras da quase totalidade das concessões, constituem-se por pequenas sociedades ou por indivíduos, sem recursos financeiros e, muitas vezes mesmo, sem qualquer capacidade ou fibra industrial, limitando-se exclusivamente, ou quase exclusivamente, a ser meros comerciantes de minas.
Para esses, e são muitos, a sua acção limita-se a obter a concessão e, uma vez obtida, ou a mante-la pura e simplesmente parada à espera de comprador, para então pretender as negociação, quantas vezes, montante impossível, ou então limitam-se a entregá-la a trabalhadores locais, em regime de percentagem, reservando-se apenas o direito de recepcionado da produção e o dever de uma fiscalização mais ou menos simbólica, para se colocar dentro da lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o aspecto mencionado da elevadíssima percentagem das minas paradas e quase paradas, aspecto que se resume em que das 2420 minas existentes apenas cerca de 80 estão a contar para o valor da produção do País, impressiona fundamentalmente, pelo que pode significar ou que essas minas não têm valor ou que se não tenha ainda equacionado o problema da investigação das suas possibilidades minerais e do seu desenvolvimento, podendo neste último caso a indústria vir a esperar ainda, pelo ingresso de novas actividades, uma viragem de rumo surpreendente.
A indústria mineira, com excepção do período anormal de 1945 e 1946, da proibição temporária do volfrâmio e do estanho, passa actualmente pela maior crise dos últimos 25 anos.
Com efeito, o valor da sua produção, que durante os anos da última guerra ascendeu a montante anual superior a 1 milhão de contos (isto sempre valor à boca da mina, que, na altura, era muito inferior ao valor do mercado, mercê da autêntica guerra comercial então desencadeada no País sobre o volfrâmio e estanho), esse montante anual, superior a 1 milhão de contos, desceu para pouco mais de 100 000 contos nos anos de 1945 e 1946, da proibição das explorações do volfrâmio e estanho, iniciando a seguir uma fase de ascensão, que culminou em 1951, com o valor de 750 000 contos. Desde então a linha de produção tomou um rumo geral de persistente sentido descendente, até atingir, nos últimos anos, o mais baixo valor, da ordem dos 400 000 contos.
É bem relevante a sensibilidade da produtividade mineira do País, à variação do mercado do volfrâmio, e é fora de dúvida que o acentuado agravamento recente das condições de procura e do preço deste metal e a queda temporária vertical da situação internacional do urânio dão largo concurso para a crise em que a indústria se debate.
Mas querer confinar exclusivamente nestes factos a causalidade da baixa prestação da indústria mineira à economia nacional parece demasiada comodidade. Não basta, com efeito, limitar a questão ao canto fúnebre dos 100 000 ou 200 000 contos com que p volfrâmio e o urânio podem afectar o valor da produção anual das minas, aliás temporariamente, uma vez que por via de regra é de aspecto cíclico a variação dos mercados.
O que se torna necessário é compulsar possibilidades e determinar tentativas para que, em contrapartida, o valor da produção suba até ao limite a que puder subir.
De resto o que se passa com as cassiterites é bem sintomático do que se afirma.
O mercado do estanho tem-se mantido há bastantes anos em bom nível e as suas perspectivas de futuro continuam firmes.
Assim, o preço de venda das cassiterites no País tem-se conservado, desde 1950, sempre superior a 42$ por quilograma. No entanto, a sua produção, que em 1952 era de cerca de 2300 t anuais, desce progressivamente desde então, primeiro até 1957 de forma mais suave, e a seguir de maneira mais acentuada, até rondar em 1962 as escassas 1000 t. De tal forma que, se a descida se não susta, o País, que desde os recuados tempos do Império Romano assumiu preponderância de exportador de estanho, corre o risco de em breve registar o facto histórico de passar a importador.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As causas que estaticamente colocam a indústria mineira na baixa posição que ocupa são de vária ordem e de trato complexo, que requer intervenção conjunta do sector privado e do sector estatal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O princípio básico é que nem sequer se está em posição de definir até que ponto a economia do País se pode firmar nas possibilidades do seu subsolo. Não se sabe ainda quantas das 2420 minas são para deitar fora, nem com quanto contar das que ficarem.
Aqueles que por dever profissional compulsam este património podem afirmar que muitas dessas concessões não valem nada, ou quando muito só constituirão volante de produção na culminância de preços eufóricos dos tempos de guerra, quando as províncias das Beiras e de Trás-os-Montes desordenadamente se invadem de gentes à caça do minério.
Basta no entanto que, daquele conjunto total, se salientem 1, 2 ou 5 por cento, que mereçam e sejam fomentadas, para que a situação se inverta notavelmente.
E, assim, o problema mineiro é, originalmente, problema de investigação das possibilidades do subsolo, pela determinação e inventário das reservas económicas minerais.

O Sr. Reis Faria: - E de financiamento.

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O Orador: - E uma delas. Os concessionários detentores de tantas concessões, cujo real valor está por definir, são, como mencionámos há pouco e já o revelaram nos largos anos de posse, incapazes de promover essa determinação.
A indústria precisa muito da acção tonificante de uma iniciativa privada renovadora, com capacidade de realização e idoneidade financeira reconhecida, capaz de enfrentar os problemas básicos mineiros, e apoiada numa forte compreensão dos organismos oficiais, para poder vencer exigências e contrariedades, consequentes da forte pulverização concessionária. E dessa forma ou se poderá contar com a formação ou aparecimento de novas grandes empresas nacionais, ou o concurso privado terá de continuar condicionado e compartimentado à eventual intervenção do capital estrangeiro, onde as grandes empresas não receiam retirar dos seus lucros anuais verbas substanciais para a aventura mineira, certas de que ela acabará por compensá-las largamente.
Competirá, no entanto, sempre ao Estado larga intervenção nos trabalhos de valorização básica. A Direcção-Geral de Minas, através dos seus serviços do fomento mineiro, desenvolveu já, dentro das verbas que lhe são atribuídas e da orgânica que lhe é permitida, acção notável na concretização de novos valores mineiros, quer pela realização de novas descobertas, quer por robustecimento do índice produtor de jazigos conhecidos. Contam-se, assim, no número dos depósitos valorizados ou evidenciados, as pirites das minas de Aljustrel, os jazigos de ferro-manganês de Cercal do Alentejo, os de cobre da zona de Barrancos, os de zinco e chumbo da área de Moura, os de prata, chumbo e zinco de Gondarém, em Castelo de Paiva, os de siderite de Guadramil, no distrito de Bragança, os carvões da zona carbonífera do Douro, etc.
Impõe-se, no entanto, que a cadência deste processamento de alto valor seja acelerada. A Europa encaminha-se para um novo ciclo de exploração de minérios, pela carência de metais de base, carência que se acentua com o crescente poder vital das suas indústrias e com o anseio de um auto-abastecimento.
Integremo-nos no desenvolvimento deste surto, materializando e preparando, com cadência ordenada, mas firme, as possibilidades do nosso subsolo, sem o apuro do recurso à tardia improvisação da última hora, de que tanto tem sofrido já a economia da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Importa em primeiro lugar que se fundamente a estrutura directiva oficial de uma maneira que lhe permita acompanhar a larga extensão do seu vasto campo de acção. Debate-se, com efeito, a Direcção-Geral de Minas com a aflitiva dificuldade que não pode suprir, embora com culminâncias de boa vontade, da orgânica por que ainda se rege e que vem desde 1918, orgânica essa que define uma limitação de quadros, absurda de admitir para a acção dinâmica que o País requer e lhe impõe.
Ao Sr. Ministro da Economia ousamos pedir assim desde já alta consideração urgente para a reforma da mencionada orgânica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Uma vez assegurado o meio executivo, importa que o Governo materializo, até ao limite possível a exigência devidamente planificada do financiamento da fomentação mineira.
E um facto dizer que a indústria estabeleceu já avultado crédito no Tesouro Público, porque lhe permitiu arrecadar, dos impostos extraordinários que sobre as cassiterites e as volframites impenderam nos últimos dez anos, montante não muito inferior a 1 milhão de contos.
Além disso, não desperta receios para a futura investida qualquer possibilidade de reconhecer-se irreversível a verba anteriormente gasta, uma vez que parece confirmar-se que ascende a 10 milhões de contos o valor bruto total das descobertas e do incremento de reservas, postas em evidência nos jazigos que já mencionámos, quer por acção exclusiva, quer por contributo dos trabalhos e estudos anteriores do fomento mineiro da Direcção-Geral de Minas. Mesmo que a verba total despendida representasse 3 por cento do valor das reservas evidenciadas (e é com certeza menor), o resultado é sintomático do prometedor aspecto que estes investimentos oferecem.
Na sequência da planificação do problema mineiro compete ainda ao sector governamental que, para aperfeiçoamento da ética industrial, se actualizem e desenvolvam critérios e princípios da legislação mineira vigente.
Dignifique-se o ambiente industrial pelo reconhecimento da amplitude da idoneidade financeira que o complexo da indústria requer, só permitindo concessões a quem puder concretizá-lo.
Avulte-se a importância do princípio do «valor industrial» que a lei existente já admite, mas não define, estabelecendo bases sobre as quais deve incidir a objectividade dos trabalhos de pesquisa e a prova desse valor industrial, de forma a tornar impossível ou rara a concessão de áreas sem interesse económico.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Contrarie-se a retenção prejudicial ao País das minas paradas, actualizando, por elevação substancial, o «imposto fixo», que se mantém na insignificante base de 5$ por hectare, ou sejam 250$ anuais por propriedade concessionada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: -E finalizo estas considerações pelo regresso brevíssimo ao caso especial das cassiterites.
A baixa produção destes minérios é em parte consequência de causas fortuitas de sentido imediato e restrito, mas é sobretudo em larga escala consequência do mesmo mal de que enfermam as condições gerais da indústria mineira.
Entre as primeiras registam-se a paralisação, por exaustão de reservas, da mina maior produtora de cassiterites, com cerca de 3001 anuais, a paralisação de algumas minas do binário estanho-volfrâmio, por baixo preço do último, ainda o reflexo do «imposto extraordinário» (felizmente já abolido), aplicado sobre as cassiterites e volframites e que fez parar minas de lucros marginais, e, finalmente, o contrabando.
E claro que o contrabando não afecta intrinsecamente a produção, mas afecta o número oficial que a exprime, porque é produção que vai para a saída clandestina sem ser registada nem documentada.
O contrabando pode assumir nos períodos de acentuada diferença de preços dos dois lados da fronteira proporções altamente calamitosas e, por todos os aspectos e pelos prejuízos materiais que causa pela fuga aos impostos e labor das nossas fundições de estanho. A naturalmente em regime de elevada carência de matéria-prima, impõe-se que as entidades a quem compete a vigilância das nossas fronteiras reprimam esse contrabando com muito mais eficácia.

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Quanto ao aspecto básico de que em larga escala enferma a produção das cassiterites, aprecia-se facilmente:
São cerca de 1500 concessões, constituindo 1360 minas, das quais apenas 18 representam unidades mineiras em lavra organicamente regularizada, que com valores das suas produções anuais, por unidade, de 500 a 7000 contos, asseguram a quase totalidade da produção existente, e ainda mais 66 que dão só ligeiros sinais de uma actividade com resultados produtivos precários e esporádicos.
São assim 1284 minas paradas, numa estática situação de passividade industrial, e embora, de idêntica forma à afirmação geral já feita, se saiba que muitas delas não têm qualquer valor económico, ou não o têm à altura de ser industrializado, não é difícil acreditar que de tão avultado potencial numérico se expressará a possibilidade produtiva- que reconduzirá a posição nacional do estanho a um nível de preponderante relevo.
Na previsão de uma tendência evolutiva da produção de polaridade contrária à que se revelou, instalaram-se há poucos anos, no País, unidades fabris de fundição com capacidade fundidora de 6000 t anuais de cassiterite, unidades que reúnem condições técnicas que garantem eficiente aproveitamento e resultados de alta qualidade, que asseguram ao estanho produzido firme poder de concorrência na procura internacional.
O problema do estanho reveste-se assim de dupla acuidade pelas extremas dificuldades em que esta indústria se debate, consequentes da enorme carência de matéria-prima, uma vez que a produção total de cassiterites não excede uma sexta parte da capacidade de laboração das fundições existentes. Há mesmo casos em que a situação ultrapassou já a de extrema dificuldade e se tornou caótica.
O problema oferece, no entanto, além de outras, possibilidades de uma acção específica directa e imediata, que se impõe explorar e promover. Com efeito, o compulsar de perto das hesitações e óbices que impedem algumas das já mais importantes unidades mineiras produtoras de cassiterites do País de aumentar mais as suas produções pode conduzir a resultados positivos apreciáveis.
Há dificuldades específicas financeiras e de escassez de mão-de-obra que ultrapassam o domínio das empresas, dificuldades que no entanto a colaboração e a compreensão oficiais podem ajudar a resolver e que são a única causa impeditiva de ser incrementada a produção das suas minas.
No campo da investigação de novas possibilidades sabemos que é intenção dos serviços oficiais estabelecer no futuro plano de trabalhos do fomento mineiro prioridade no problema das minas de estanho, prioridade que inteiramente se justifica e se considera da maior importância.
Estes foram os aspectos que me foi dado realçar nesta singela intervenção.
Outros há ainda de grandeza sectorial que merecem ponderada reflexão, mas não desejo exceder-me, nem no tempo, nem no abuso da paciência de VV. Ex.ªs, e reservo-me para ulterior intervenção.
Apenas me permito, para que a oportunidade não fuja, apontar ao País a alta necessidade de acompanhar e de se integrar no anseio, que paira no mundo económico do Ocidente, em resolver a crítica situação do mercado do volfrâmio, crítica situação que o dumping russo ocasionou, ou pelo menos reforçou.
Os interesses da indústria do volfrâmio são na verdade de uma grandeza que justifica essa relevante preocupação nacional.
Com efeito, a mina da Panasqueira - a unidade de maior grandeza de toda a actividade mineira do País e a uma maior produtora de volfrâmio no Mundo - debate-se já em sérias dificuldades e está a impor ao País um grave problema, de ordem económica e de ordem social, que afecta uma população trabalhadora de milhares de operários, problema que só de per si tem que merecer alta preocupação e toda a ponderação dos sectores governamentais competentes.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - E as restantes minas de volfrâmio, de maior ou menor grandeza, estão desde há tempo paradas, com excepção apenas de algumas do binário volfrâmio-estanho, que o esteio deste último ainda mantém.
Já como resultado daquele anseio internacional em resolver a crítica, situação do mercado do volfrâmio está fixada - segundo notícia inserida na imprensa - uma reunião, a, realizar nos Estados Unidos no próximo mês do Junho, salvo erro no dia 37, reunião para a qual estão convidados os países europeus com interesses ligados à economia do volfrâmio, entre eles Portugal.
Registo fortemente a relevância desta reunião e faço os melhores votos por que o País ali esteja presente, com a competência e a propriedade que lhe advêm de país maior produtor de volfrâmio da Europa que é.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: não sei porquê, quando me ocorrem dificuldades da vida mineira vem-me muitas vezes à ideia aquele conceito popular que diz que o Mundo é feito pelos encolhidos e pertence aos atrevidos.
E que o palpitar febril do labor heróico das minas e dos mineiros, a angústia das suas preocupações e o império dos seus obstáculos retumbam perdidamente nas serranias e nos ermos em que se originam, mas diluem-se e emudecem antes de entrar na ostentação e na opulência dos grandes salões citadinos, onde deveriam gerar-se as decisões dos seus magnos problemas.
Às grandes iniciativas não chega o eco das possibilidades oferecidas por valores escondidos de um mundo subterrâneo.
E os próprios governantes têm sido mais activos em arrecadar o supérfluo dos seus labores do que em promover a resolução das suas dificuldades.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Dirijo-me ao dinamismo e ao anseio de bem servir o País do Sr. Ministro da Economia, pedindo-lhe o favor de me ouvir no veemente apelo que lhe faço para que não hesite em se debruçar objectivamente e com fé sobre estes problemas, certo de que a sua resolução será de elevado interesse nacional pela expansão a que vai elevar a indústria mineira, esta indústria mineira que encerra em si a rara qualidade de descentralização natural, que directamente promove vida, progresso e bem-estar social e económico, entre as classes rurais menos favorecidas, das solidões incultas e das montanhas agrestes.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Peço imensa desculpa a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, para a atenção que lhes roubei com uma intervenção tão sem lustre.
Procurei apenas ser objectivo na análise de um problema que, não poucas vezes, se tem prestado aos devaneios da fantasia.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Sales Loureiro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: tudo o que respeita à juventude interessa afervoradamente à consciência do País.
O que contribui para o seu progresso ou para a sua formação é labor, não apenas de interesse social, mas sim dilatado trabalho do mais alto préstimo nacional; da mesma sorte, aquilo que a distorça, a deforme ou degrade é serviço ignominioso, de autêntica traição, que a sã consciência nacional repele, combate e aniquila, porque o considera um ultraje a uma parte - a mais querida! - de si própria!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A juventude é o repositório sublime, o tesouro inexaurível das melhores virtudes de uma raça.
Daí a necessidade de se fazer um aproveitamento da soma das suas virtualidades em ordem a torná-la eficaz, útil, valorizada, no combate do futuro, que não é sómente de sobrevivência nacional, mas sim árdua batalha de cujo desiderato vai fatalmente sair a vitória ou a morte de um mundo que, surgido na Hélada e passando pelo Lácio, foi a Jerusalém buscar o conteúdo espiritual que deu sentido pleno à vida e encheu de radiosa luz o caminho da humanidade!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E o homem, entendido em si próprio ou na totalidade do género humano, julgado em si mesmo ou na trama das suas relações sociais, todo ele é um conjunto psicossomático, um eu físico, intelectual e anímico, que a educação informa e enforma, de modo a torná-lo consciente dos seus direitos e obrigações; de qualquer forma um ser responsável, esclarecido e virtuoso, apto para a luta, que é a vida, luta essa a que não fica indiferente o corpo social da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E esta há-de ser sempre a medida do valor exacto dos seus cidadãos.
E estes formam-se através da família, da escola, da religião.
Assim, não pode haver formação completa, integral, sem a conjugação planificada desta tríplice acção educativa.

O Sr. Pinheiro da Silva: - Muito bem!

O Orador: - Cada uma delas, entretanto, tem de ajustar as suas ideias, os seus métodos, às realidades da época que passa.
Não podem ser utópicas nem anacrónicas!
Ensinar teorias ultrapassadas a homens que se recusam a compreendê-las é tempo perdido; do mesmo modo, querer reduzir o homem da actualidade ao do passado é não ter em conta circunstâncias e gravitações tão diferentes, que dão a essa redução, quando procurada, contorno a tal ponto disforme que a torna impraticável.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Por isso, já aí se fala de um «homem novo», a que preferíamos chamar «homem dos novos tempos», porquanto o homem, na sua essência, não é velho nem novo - mas simplesmente: homem!

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - Desta forma, e ante esta realidade incontroversa - que os descrentes e desesperados apelidam de «fatalidade» -, temos, todos - e neste todos estão a família, a escola e a Igreja -, de reunir os nossos mais instantes esforços, no sentido de ajudar esse homem - «novo» ou da actualidade - a fazer-se, sacudindo as poeiras do passado que porventura briguem com as estruturas em que se vai mentalizar o seu futuro.
É certo que o condicionalismo actual, com a progressiva materialização da vida de trabalho, com um cada vez maior enredamento de sugestões ou solicitações de ordem técnica, confina os passos do homem na senda do seu destino. E os horizontes que hoje lhe são oferecidos já não são os mesmos das gerações passadas.
Assim, as antigas estruturas começam a ficar desactualizadas, muitas delas ameaçam mesmo perder-se.
Desta forma, o homem da actualidade, e muito particularmente o jovem actual, arrisca-se a ficar cada vez mais só.
Ele tem de resolver quase unicamente por si os grandes problemas que se lhe deparam.
A nova técnica, o novo cientismo, o excessivo comodismo da vida moderna, apenas lhe oferecem o desespero, a náusea, o absurdo, o vazio.

O Sr. Pinheiro da Silva: - Muito bem!

O Orador: - E o jovem cresce e faz-se através de tão estranhas sombras, e já que ao Estado, através da escola, como, para além dele, à família e à religião, compete a educação, toda ela terá de ter em conta estadura realidade, que constitui o enquadramento sob o qual se faz todo o desenvolvimento do ser humano.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - Há, pois, que preparar o homem do futuro por uma nova pedagogia, por uma especial acção educativa, que vá directamente ao encontro dos seus melhores anseios.
Temos de alicerçar as novas estruturas em vista a dar um conteúdo espiritual aos jovens de hoje, refazendo a vida de muitos por meio de uma acção apologética que plenamente satisfaça a sua curiosidade e a sua ansiedade.
Num mundo tecnocrático, que se barbarizou, são-lhes absolutamente indispensáveis os valores de uma cultura, de uma civilização, que se vai perdendo, porque os génios, os heróis u os mártires que o serviram se tornaram cada vez mais raros!
A estandardização das ideias poluiu muito do que era ocidental e bastante do que era nacional.
Por isso, tudo o que surja e sirva para opor um dique a esse novo caudal escatológico, de que resultarão os mais trágicos inconvenientes, as mais nefastas consequências, é obra de redenção humana e de salvação nacional.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - Assim, observámos muito recentemente afirmações públicas de tal relevo e proferidas por tão ilustres personalidades, a propósito destes magnos problemas, que, tomados pelo enlevo, pela sedução do seu significado, não podemos escusar-nos a comentá-las.
Sr. Presidente: umas dizem respeito aos problemas da juventude universitária; outras aos da juventude em geral.
Ligadas a elas os nomes ilustres do Sr. Ministro da Educação Nacional e de S. E. o Cardeal-Patriarca de Lisboa.

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Em qualquer dos casos, o Estado e a Igreja, caminhando em frente, não enjeitando responsabilidades na tarefa que se lhes depara!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A propósito da posse da Comissão Permanente das Organizações Circum-Escolares, criada pelo Decreto-Lei n.º 44 632, da autoria do antigo e preclaro Ministro Prof. Doutor Lopes de Almeida, teceu o distinto Ministro Prof. Doutor Galvão Teles considerações da mais flagrante actualidade sobre os problemas mais agudos da nossa Universidade.
A Universidade já através das intenções do diploma e para a resolução dos seus assuntos se revela uma realidade mista: corporação de mestre e alunos, na linha da mais autêntica tradição!
Mas a corporação intelectual mais alta só será verdadeiramente corporação na medida com que seja una, coesa, verdadeira.
E depois de definir o que se deve entender por autonomia da Universidade, o Sr. Ministro da Educação salientou que, sendo «um elemento vital e orgânico da Nação», tem a mesma de se integrar «na sua pluriforme estrutura», havendo assim «de estar subordinada, como tudo o mais, a uma ideia nacional».
Desta sorte, perante a gravidade das questões com que o País se debate na presente conjuntura, não é lícito pensar-se numa Universidade neutralista, apolítica, porque nessa altura ela constituiria um corpo estranho na sociedade portuguesa, de que ela deve ser o mais esclarecido guia.
Em todas as circunstâncias, a mocidade universitária, generosa e galharda, vibrou com o sentimento pátrio, que encontrou nela, nas horas boas como nas más, o termómetro que nos forneceu as mais elevadas temperaturas do melhor patriotismo, do mais elevado e acendrado nacionalismo.
E a juventude de hoje, esperança radiosa do futuro, não pode alhear-se do que é património seu, a herança sacrossanta dos nobres ideais, que a história - a nossa história! - nos legou e que a consciência nacional requer se transmita incólume às gerações futuras!
A Universidade portuguesa é um todo de que a Nação se orgulha, pelo prestígio e esclarecimento dos seus mestres, pela dedicação e amor ao estudo dos seus escolares. Mas para que estes sejam um seguro aval, na mentalização e valorização das sociedades que hão-de vir, preciso se torna que se cuide, com particular carinho, inexcedível desvelo, da sua educação integral. E não pode haver formação completa sem formação cívica, moral, intelectual e já, por determinação histórica, nacional!
Da amplitude dessa educação totalista e dos seus objectivos curará o trabalho da Comissão, debruçada sobre a questão habitacional e, para além dela, sobre os de índole formativa, «à luz dos valores que são e devem ser norte da nossa civilização; sem deformações nem desvios, que a consciência portuguesa não deixaria de veementemente verberar e repudiar» - como muito bem disse o Sr. Ministro.
À juventude portuguesa, com a qual, por formação e pendor, estamos em estreito contacto, há que dar muito do que ela reclama por nossa justa compreensão. Os seus anseios, as reivindicações legítimas, hão-de encontrar sempre, pela via hierárquica superior, a que há que se subordinar, o melhor deferimento.
Só se lhe exige que na sua acção, como no preenchimento do seu conteúdo espiritual, se integre no ritmo histórico do nosso mundo, que não pode ser olvidado, subvertido, interrompido, porque, superior às gerações, seria sacrilégio se se pretendesse interromper.
Da mocidade se reclama, em suma: pureza de intenções; nobreza de ideais!
E aqui tem lugar próprio o muito que S. E. o Cardeal-Patriarca disse sobre o próximo encontro da juventude católica de Portugal.
Salientando de uma forma verdadeiramente notável toda a riqueza humana e espiritual que os jovens hão-de extrair da opção «os novos escolhem Deus», o glorioso antístite referiu que tal opção é «a grande vitória contra o materialismo reinante».
E prosseguindo na sua exegese, extraordinariamente oportuna, S. E. pôs o dedo na verdadeira ferida do nosso tempo: «o materialismo contemporâneo é um desafio aos cristãos ineficazes»!
«A opção dos Novos - continua o Sr. Cardeal-Patriarca - não é uma fuga, mas uma voluntária adesão da inteligência e do coração ao que é infinitamente anterior, posterior e superior a este Mundo.
Àquele que hoje e sempre atrai a si e conquista e enamora as almas puras, os corações heróicos da juventude».
Amemos, pois, a nossa juventude, porque ela, na sua quase totalidade, ama os grandes ideais!
Glorifiquemos essa magnífica mocidade que no ultramar vem escrevendo maravilhosas páginas da mais autêntica epopeia nacional!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Amemo-la, e mais do que a tudo, porque ela é hoje o que nós ontem fomos e há-de sentir amanhã aquilo que nós hoje mesmo vamos sentindo!
Saudemo-la, a essa geração em flor, em cuja inteligência e coração há-de caber o melhor dos ideais - o do homem e o da Pátria -, facho esplendoroso que ela. pundonorosa, não há-de, de qualquer forma, deixar perder!
Olhemos o futuro confiantes na juventude dos nossos dias, porque ela é a melhor garantia do Portugal continuado, a soberana certeza do Portugal eterno!

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: as pessoas passantes dos 30 anos hão-de ter tido recentemente em Lisboa, e não sei se em mais localidades, a desagradável impressão de haverem voltado aos maus tempos da última guerra, por toparem a cada passo, sobretudo nos bairros mais populosos, longas bichas às portas das mercearias, bichas de pessoas desejosas de se abastecerem de azeite e de batatas, e nem sempre, ao que parece, recompensadas das suas pacientes esperas por fornecimentos satisfatórios.
E quando o sentimento de carências, que já ninguém suporia possíveis, num tempo de paz ao menos suficiente para as relações de troca se processarem regularmente, quando esse sentimento lhes não haja sido sugerido pelos espectáculos- da rua, hão-de tê-lo formado - mas então por todo o País fora - no cochichar de advertências, no fervilhar de procuras, no murmúrio de boatos, que rapidamente se materializaram em faltas confessadas nas lojas e logo sofridas nas despensas.
Haverá vantagem, Sr. Presidente e meus senhores, em trazer para esta Assembleia, que deve ser o lugar dos mais abertos diálogos entre o Governo e a Nação, haverá vantagem em trazer para aqui o eco das queixas e a notícia das preocupações, haverá vantagem em avolumar nesta caixa de ressonância factos sem dúvida penosos, mas realmente de origem acidental e, aliás, em via de receberem o remédio possível, ganhar-se-á em entreter mais a opinião

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pública e distrair os governantes com dificuldades sem dúvida substanciais, mas na verdade mínimas perante outras que se acastelam e desabarão porventura sobre nós se não nos mantivermos todos unidos e calmos?
Pus-me todas estas perguntas e concluí pela afirmativa, pois ainda não li que se desse ao público a explicação clara e completa a que tem direito ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... nem tenho por provado que com todo o tempo possível se acautelasse uma situação desenhada já a certa distância ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... o receio que sem um franco exame das origens desta crise, por enquanto pequena, corramos o risco do não arredar factores possíveis de outras iguais ou maiores, além de que vejo nas contrariedades sofridas pelos consumidores amostra apenas pálida das que podem sobrevir em diversos sectores do abastecimento público se não for criada com tempo a consciência geral de uma situação séria, que exige o bom esclarecimento de todos os interessados para poder vir a ser suportada, se não vencida.
Sr. Presidente: parece-me ser a pura verdade que as actuais faltas de azeite e de batatas provêm fundamentalmente das más colheitas do ano que lindou; e essas colheitas foram más ainda não tanto por os lavradores haverem descuidado as culturas, como por a Providência não ter permitido que fossem frutuosas.
Quanto ao azeite, é bem sabido que em toda a parte, ainda mesmo onde o apuro dos amanhos tem reduzido a amplitude dos desvios, a produção das oliveiras alterna escassez com fartura; não se podia esperar, e provavelmente ninguém esperava, que depois das três colheitas dos anos de 1959 a 1961, todas, contra a regra, consecutivamente abundantes, e a última a frisar o excepcional, não se podia esperar, repito, que a safra de 1962 viesse igualar-se ao consumo.
Os números são grandes empecilhos dos discursos; mas são ainda a maneira mais curta e elucidativa de figurar a evolução dos fenómenos; seja-me, pois, lícito recordar aqui o que foram as produções de azeito registadas pela estatística oficial no continente metropolitano nos últimos anos expressas em milhões de litros:

1950............ 43,7
1951............ 115,8
1952............ 57,1
1953............ 133,3
1954........... 52,9
1955........... 75
1956........... 101,7
1957 .......... 110,2
1958 .......... 67,3
1959 .......... 100
1960 ......... 94,2
1961 .......... 123,4

Ainda não saiu a lume, nem poderia ter saído, qualquer cômputo da produção de azeite de 1962, mas sabe-se que as publicações mensais do Instituto Nacional de Estatística sobre o estado das culturas vieram, de Outubro a Dezembro últimos, apresentando estimativas sucessivamente decrescentes da produção provável de azeitona; expressa um termos da média do decénio de 1952 a 1961, inclusive, começaram por calculá-la em 71 por cento para chegarem ultimamente a 65 por cento dessa média, o que, supondo à azeitona igual funda, faz figurar a produção na casa dos 59 000 000 l, volume que nos 12 anos anteriores só duas vezes não foi excedido.
Ocorrerá indagar porque, havendo sido farta, a ponto de criar, por isso, problemas também sérios, a colheita de 1961, e bem de prever a contrariedade a seguir, não se obedeceu à regra prudente e, clássica de guardar as sobras para o ano de magreza. Ocorre, sem dúvida, e anda por aí já o público sabedor, porque não faltam «bem intencionados» para lho lembrar, explicando mal, que, em vez de se guardar todo o azeite, muito foi exportado, na proporção de quatro vezes a média usual em bons anos, pois saíram do País, durante os primeiros onze meses de 1962, mais de 16 500 t, quando em 1961 a exportação não excedera 4833 t em igual período.
Exportou-se, é facto; e é facto que faria agora jeito cá o que saiu; mas é facto ainda que II exportação era recurso que absolutamente se impunha nas circunstâncias do tempo, para evitar um verdadeiro descalabro deste sector económico perante a impossibilidade financeira de suportar os encargos de armazenamento de tudo quanto o comércio não queria, ou não podia, comprar e a vantagem de aproveitar uma oportunidade de melhorar a balança comercial e cambial.

O Sr. Martins da Cruz: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Martins da Cruz: - Não existe um organismo de coordenação económica - a Junta Nacional do Azeite - com a finalidade específica de ajustar os excedentes dos anos de maior produção às faltas dos mais escassos?

O Orador: - Suponho que sim, pelo menos está claramente escrito na lei; mas V. Ex.ª sabe que todos os organismos para desempenharem a sua função precisam de condições de vida, de condições de exercício dessa função.
Ora parece que o público foi devidamente informado já em relação à colheita de 1961. Circunstâncias que todos nós podemos conhecer não permitiram dotar esses organismos com os meios indispensáveis para exercer a sua função, não permitiram que as autoridades responsáveis se julgassem em condições para dotar esses organismos com tais meios.
Aliás, quem quiser saber melhor as razões de tal exportação só tem que procurar a imprensa do dia 18 de Novembro de 1961, onde as encontrará expostas com minúcia e verdade; agora o que importa é reconhecer que essa exportação, não perfazendo um sétimo da colheita, não teria bastado, transformada em reserva, para cobrir as faltas de hoje, pois o consumo metropolitano de azeite anda por 90 000 000 l, e excede-os mesmo, sensivelmente, quando o público encontra no comércio todo quanto quer.
Ora, sendo certo que a colheita foi fraca, e que quando é fraca entre nós também o é, mais ou menos, nos outros países produtores, visto situarem-se todos numa zona de condições semelhantes, inevitável se tornava, no corrente ano, recorrer em maiores proporções ao óleo de amendoim para suprir a falta de azeite, como tem sucedido sempre.
Sempre, mas com fortunas diversas, perante a opinião pública, conforme o modo de oferecer ao consumo esse óleo, de que não farei o elogio, mas reconheço a indispensabilidade nestas conjunturas.

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E aqui é que tenho de dizei- os meus receios de que em algum ponto do sistema criado não para coordenar o abastecimento público em azeite e óleo vegetais não tenha havido toda a eficiência que a fácil previsibilidade da crise e a longa experiência passada autorizavam a esperar, se não a exigir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Parece que se teve que precipitar providências, e é, pelo menos, claro que na execução delas não houve toda a prudência aconselhável à luz de velhos dissabores.
Não é fácil tirar outra conclusão do método adoptado para provocar o acréscimo da substituição do azeite por óleo de amendoim, ao menos na cidade de Lisboa. Ele já suscitou bastante discussão pública para poder ser abordado sem eufemismos, e se será verdade que ninguém ordenou a imposição da compra de óleo de amendoim, não parece menos verdade que se prestava facilmente a tal entendimento a ordem, a certo momento dada, e não sei se ainda vigente, para serem satisfeitas as requisições dos comerciantes retalhistas, fossem quais fossem, com quantidades iguais de azeite e de óleo de amendoim.
Que reacção se podia esperar do comerciante, ao ver acumularem-se nas traseiras da loja os tambores do óleo de amendoim que lhe metiam pela porta, mas os fregueses não procuravam, enquanto os de azeite se esvaziavam rapidamente perante uma procura cada vez mais ansiosa?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se não fosse essa, de querer forçar às claras os clientes a comprarem-lhe o óleo, usando o azeite como engodo, só poderia ser a outra, a de fazer ele próprio à socapa o lote, ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... que em outras épocas tanto protesto já levantou!
Não concebo que a franca e temporânea exposição ao público do estado das coisas pudesse ter conduzido a ambiente e efeitos piores do que os já verificados, e por isto quis fazer aqui este rápido comentário para justificar o voto de que à volta deste problema a autêntica política de verdade - verdade dos serviços na adequação às suas funções, verdade sem receios dos responsáveis na informação do País - possa rapidamente dissipar todas as dúvidas sobre o acerto e oportunidade das medidas postas em prática para vencer uma carência que decerto se suportará melhor quando se conhecer até onde efectivamente vai e de que provém.
Outro pólo dos cuidados populares do momento é a falta de batata. Também aqui ela resulta mais dos caprichos da natureza do que da vontade dos homens, embora se possa dizer que boa razão teriam no ano passado muitos lavradores para não quererem arriscar-se a semear batatas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É, com efeito, bem sabido que o escoamento da colheita de 1961, embora não pareça ter sido anormalmente grande - a estatística oficial não lhe atribui valor superior à média do decénio de 1952 até esse ano -, suscitou nas regiões grandes produtoras os maiores desapontamentos, porque de grande parte das colheitas a batata que não saiu mesmo a preços vis acabou por apodrecer. Não obstante, parece ter sido bem pequena a redução das áreas cultivadas em 1962: nas suas últimas estimativas o Instituto Nacional de Estatística calculou-a apenas em 6 por cento para a batata de sequeiro t: o por cento para a de regadio.
O que, porém, foi substancial foi a quebra de produção dos batatais: foi previsto que a produção média por hectare, tanto nos sequeiros como nos regadios, seria em 1962 inferior em 18 por conto à de 1961. E daqui resultou, por fim, que, segundo os melhores cálculos, a produção total de batata, combinada a pequena redução das áreas cultivadas com a substancial quebra dos rendimentos das sementeiras, terá sido em 1962 inferior em 21 por cento à. do ano de 1961.
Numa economia psicologicamente muito sensível a pequenos excessos, como a pequenas faltas, tanto terá bastado para criar uma sensação de carência nos meios produtores e uma activação dos preços, com reflexos nas cotações praticáveis no comércio de retalho; ora, como estas são apertadamente fiscalizadas, explica-se muito facilmente que agora, chegados quase ao fim da campanha da batata nacional, ela falte nos grandes centros e até nos pequenos meios.
Isto mesmo nos explicou ontem a Junta Nacional das Frutas através dos jornais, enquanto anunciava a subida do preço para a batata estrangeira a chegar; mas, se a explicação parece procedente, nem por isto deixa menos lugar a duas ordens do comentários.
A primeira será a que naturalmente surgirá do público. Não é fácil de aceitar que ao cabo de vinte, se não mais, anos de existência o mecanismo que tem justamente como uma das principais das suas funções enquadrar o comércio da batata se encontre ainda sujeito a percalços como o de deixar o mercado vazio de um alimento tão importante.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - Consabidamente, a produção e venda da batata nacional oferecem problemas altamente complexos, à volta dos quais, ano após ano, se reúnem as pessoas na verdade melhor informadas e melhor intencionadas sem adregarem acordar em soluções universalmente satisfatórias; mas parece que, pelo menos, maior segurança na previsão das necessidades e das fontes do abastecimento já deveria ter sido conseguida.
Não pretendo fazer a mínima insinuação quanto à capacidade das pessoas que estão à frente destes serviços, entre as quais conto amigos que quero conservar; mas é meu dever de Deputado dizer ao Governo que esta questão se pode pôr, se põe de facto, e que tanto o crédito dos seus funcionários como o respeito devido à opinião pública justificariam que se explicasse melhor porque é que a batata estrangeira, se se reconheceu necessária, não pôde vir mais a tempo.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - O outro comentário poderia fazê-lo qualquer observador, mas surge mais pronto da boca de quem conheça- mais de perto as vicissitudes da produção agrícola, e é o de se aceitar finalmente dar ao género estrangeiro um preço que se recusou demasiado tempo ao artigo nacional.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O Orador: - Que se recusou demasiado tempo ao artigo nacional, e continuará recusando, pois, se a subida é só

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até ao fim da campanha, é para não aproveitar à batata nacional, que, entretanto, não virá aos grandes mercados.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ora, a escassez ultimamente sofrida resulta essencialmente disto: o preço que se tem querido impor no retalho deixou de ser um preço realista, porque nos mercados das regiões produtoras já corre mais alto. Uma carta que correspondente desconhecido (não anónimo!) me enviou há dias de Chaves diz isto, e com isto diz tudo:

Na feira do fim do mês, ontem, em Chaves, a batata vendia-se a 2$30 cada quilograma, e não aparecia quase. Chaves é cognominada a capital da batata: como se pode vender em Lisboa a 1$90?

Não pode, e tanto é que teve de vir do fora, ganhar o preço negado à de cá.
Sr. Presidente: a luta do Governo pela estabilidade dos preços dos géneros essenciais à alimentação pública tem sido longa, e tem sido verdadeiramente heróica. Ano após ano, resistindo a solicitações tão repetidas como prementes, o Governo, com pertinácia que admiro antes do que louvo, tem-se recusado a consentir em mais do que em actualizações mínimas, considerando de maior vantagem para o público sujeitá-lo a ocasionais privações do que a uma inflação com riscos de ir longe.
Esta tenacidade, e o rigor das fiscalizações, tem sido talvez a característica mais constante de uma política económica que no mais, servida por Ministros ora dirigistas, ora liberais, por Secretários de Estado ora revolucionários, ora conservadores, deixa muito observador indeciso na busca de uma linha de continuidade (risos).
Aplicada em toda a sua força aos produtos agrícolas - é só ver como têm subido os preços do peixe! -, ela tem constrangido a lavoura a tensões económicas que começam a atingir os valores de ruptura.
Aos agricultores queixosos da sua triste condição responde-se oferecendo crédito, sobretudo apontado à continuação das mesmas culturas que os arruinam, ou aconselhando-os a reconversões, para as quais nem já há capital, que os constrangimentos dos preços queimaram ou não deixaram arrecadar, nem abundam atractivos. De sorte que um número crescente de explorações agrícolas está em vias de ter de cessar actividades por atingirem a falência ou de as restringir quase até à paralisação para não chegarem lá tão depressa.
O Governo e o País têm de se ir preparando para novas e maiores crises no abastecimento público, de que esta da batata não é senão pálida amostra, e o aviso que quis deixar, ao debruçar-me sobre as dificuldades do momento, é o de que essas se desencadearão inevitavelmente se dirigentes e consumidores não se resignarem à actualização dos preços dos produtos alimentares de origem agrícola, actualizações que terão de ser tanto mais gravosas quanto mais se têm demorado.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Martins da Cruz: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Martins da Cruz: - Pareceu-me na última afirmação de V. Ex.ª um certo pessimismo. Quero dizer que confio muito nos organismos de coordenação económica.

O Orador: - Bem-aventurados os simples de espírito! (Risos).
De outro modo regressaremos ao regime do género barato, sim, no papel, mas ausente dos mercados, que tão profagado foi sob este mesmo tecto há duas dezenas de anos.
Nem pense alguém que poderá fugir-se às actualizações de preços, como de outra vez, pelas importações maciças de produtos estrangeiros. Muitos desses já estão mais caros do que os nossos - veja-se ainda a nota de ontem sobre a batata -, e de qualquer maneira as divisas de que a Nação pode dispor têm de ter outras aplicações.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Estas crisezitas incomodaram? Pois bem, outras maiores virão se providências não forem tomadas para tornar economicamente possível a continuação da produção agrícola. Não se iludam tão-pouco com que a alternativa esteja nas receitas de gabinete para aumentar a produtividade: essas receitas custam caro a aplicar, e à lavoura não a deixaram capitalizar para investir na própria modernização.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A mais próxima crise será talvez a do leite, que se insiste em não consentir valorizar em mais de dois terços do preço do vinho; ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... esta, tudo indica que está à porta.
Há que consciencializar o público para estas verdades; há que lembrar aos homens das cidades que os maiores consumidores dos seus próprios produtos são ainda os campesinos, mas não poderão continuar a comprar-lhos se não tiverem com quê!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A imprensa pode ser um precioso elemento esclarecedor e orientador da opinião nesta conjuntura; e a imprensa, que se lastima dos efeitos do encarecimento dos artigos industriais no custo do seu próprio produto, há-de decerto compreender a situação da lavoura, vendendo com ainda bem menos valorização produtos em cuja base entram também em proporção crescente matérias provindas da indústria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vítimas ambas da subida dos preços fabris, estão nas condições de se entenderem e entreajudarem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - São porém muitos os que ainda querem explorar, até ao limite das extremas possibilidades, em proveito próprio, os magros restos da lavoura, e lhe saem ao caminho procurando tolher qualquer iniciativa que ofereça dar alentos à produção agrícola para resistir às suas maquinações.
Tivemos ainda há dias um exemplo que impressionou certos sectores do público e se concretizou não sei se num se em mais artigos de jornal e em não sei também quantos telegramas de protesto nas secretarias ministeriais.

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Quero referir-me ao pretenso patriotismo com que só veio denunciar o plano de uma pequena exportação de borregos, que agora e até à Primavera constituem importante produto da ovinicultura.
Calcula-se em perto de 3 milhões o número de borregos postos à venda para matança em cada ano e que proporcionam ao público um abastecimento de carne muito apreciada, como é em regra a de todos os animais jovens. O seu preço de venda pela lavoura costuma começar por 8$ ou 9$ por quilograma de peso vivo, descendo à medida que aumenta a oferta; no ano passado chegaram a apenas 6$ no auge das vendas.
Não consta, porém, que o preço da venda da respectiva carne ao público, preço que, aliás, é livre, tenha acompanhado, sequer de longe, a baixa do custo de compra, o que legitima a presunção de tais baixas serem essencialmente em benefício dos comerciantes da carne, e por extensão a desconfiança de que os contrarie tudo quanto possa tender a manter a animação do mercado das reses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora este ano a lavoura encontrou no estrangeiro comprador para uma pequena partida de borregos: a licença de exportação que pediu foi para 45 000 animais, mas parece certo que não se excederão os 25 000, ou seja, menos de 1 por cento das disponibilidades para venda. O preço médio prevê-se que fique em 11$ por quilograma de peso vivo: nenhuma grande ucharia, mas um fermento animador, de real interesse.
Sucede que o destinatário final será a Argélia, país cujas relações diplomáticas connosco são bem conhecidas: e de que se há-de lembrar alguém, porventura na busca de pretexto para sustar uma exportação que poderia estragar negócios cá dentro? Pois de agitar os sentimentos mais respeitáveis, denunciando a exportação como antipatriótica! E já amigos meus vieram até mim, usando de adjectivos que me dispensarei de repetir, increpando, como dizem, o propósito de engordar os argelinos com carnes dos nossos gados.
Ora convém lembrar que Portugal tem outros negócios com a Argélia. Por exemplo, de Janeiro a Novembro de 1962 importámos de lá 97 815 t de petróleo em rama, quase tanto como de Angola em igual tempo (97 914 t), apesar de Angola carecer bem de que lhe compremos todo o seu petróleo disponível. E destarte, sempre nos mesmos onze meses de 1962, importámos da Argélia 58 194 contos de mercadorias, exportando sómente o valor de 49 798 contos.
Perante esta balança deficitária, será realmente a lavoura a antipatriota, procurando trocar uma ou duas centenas de toneladas de borregos por bons francos suíços?
Outra tecla a propósito ferida - esta por via de telegramas queixosos - foi a da falta que fariam à indústria nacional de curtumes - confessadamente em crise de vendas - as cerca de 20 t de peles que iriam nos tais borregos ...

O Sr. António Santos da Cunha: - Isso é ridículo!

O Orador: - Perante tempestade tão evidentemente em copo de água não será lícito pensar em manobra de interesses inconfessados? Se tal é, e se continuar, daqui aviso o Governo e o País: dentro de dias far-se-á faltar a carne de carneiro em Lisboa, se não noutras partes, porque foi tudo para a Argélia!
Vali-me deste exemplo, não só para amenizar um discurso necessariamente pesado, mas para ilustrar como é fácil e frequente envenenar perante o público a posição dos produtores agrícolas. Na perspectiva da inevitável actualização dos preços de venda dos géneros produzidos no campo todos os portugueses de boa vontade terão de estar preparados contra malsinações interessadas.
Mas não deverá ser pelo temor destas, em regra fáceis de destruir com a simples verdade, que se há-de sobrestar na revisão de valores há muito devida.
Tenho dito, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: -Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu acerca de acidentes de viação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Meireles.

O Sr. Alberto Meireles: - Sr. Presidente: decididamente não tem, não poderia ter, o desconsolado gosto do «referido chá de Tolentino» (não obstante receá-lo com fina ironia o ilustre autor deste aviso prévio) o debate, aberto de novo nesta Assembleia sobre acidentes de viação.
Pelo contrário, direi considerá-lo de cada vez mais actual e oportuno, na medida em que, paralelamente à crescente circulação rodoviária, vai subindo a sinistralidade por essas estradas e ruas de Portugal. A iniciativa do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu é assim digna de aplauso e da homenagem que gostosamente rendo à sua infatigável actividade parlamentar, que vem de longe, mas continua sempre viva, não obstante as desilusões e lutas em que o seu carácter e arcaboico de lutador intemerato o impuseram à admiração geral.
É-me grato de resto trazer a este debate alguma despretensiosa achega, pois desde a minha adolescência que transpus para o mundo motorizado o entusiasmo pelas coisas do hipismo, então dominante. E destes 30 anos de constante e intensa utilização do automóvel, através de muitas centenas de milhares de quilómetros percorridos conduzindo, e não poucos milhares por estradas da Europa Ocidental, terei adquirido alguma experiência, útil até para mais fácil compreensão da grande maioria dos feitos judiciais sobre que tenho de debruçar-me desde há meia dúzia de anos, e que respeitam exactamente às consequências assistenciais de acidentes de viação.
Sr. Presidente: a circulação de veículos motorizados tomou tal incremento no mundo civilizado, principalmente a partir do segundo quartel deste século, que pode considerar-se um dos seus fenómenos caracterizadores.
Desde que em 1889 o engenheiro francês Serpollet criou o primeiro tipo de automóvel susceptível de utilização prática e que seis anos depois outro francês, René Gillet, conseguiu adaptar um motor a uma bicicleta, estava aberto o caminho para um surto de motorização cujas proporções ninguém, no entanto, poderia visionar.
Já em 1925 circulavam no Mundo inteiro pouco menos de 24 500 000 veículos automóveis, mas, desses, quase 20 000 000 constituíam o quinhão monstruoso dos Estados Unidos da América. A Grã-Bretanha, por seu lado, dispunha apenas de 853 000 e a França de 763 000 veículos.

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No início de 1928 havia atingido 29 500 000 o número de viaturas para uma população mundial do 1900 000 000 de habitantes. Portugal aparece na estatística com 20 000 veículos e 310 habitantes por veículo.
Em 1984 as estatísticas da Câmara do Comércio Automóvel dos Estados Unidos da América apontam o número de 33 30000, dos quais quase 24 000 000 dos Estados Unidos da América, correspondendo já a um veículo automóvel por cada 5 1/4 habitantes desse país.
Portugal teria nessa época 38 741 veículos automóveis e uma proporcionalidade de 160 habitantes por veículo.
Em 1939 circulavam em Portugal 50 800 automóveis, o que estatisticamente corresponde a 140 habitantes por viatura.
E demorou treze anos ainda a duplicação do parque automóvel português, que só em 1952 atingiu 103 374 unidades. A partir de então acelerou-se notavelmente este crescimento, que o nosso muito douto colega engenheiro Araújo Correia, classifica saborosamente de «frenesim automobilístico» no Relatório das Contas Públicas de 1960. Bastaram realmente oito anos -os decorridos entre 1952 e 1960- para duplicar o parque automóvel português, atingindo em 1960 208 000 unidades e uma proporcionalidade de 80 habitantes por veículo.
Em 1961 o total de veículos automóveis em circulação, no continente e ilhas adjacentes, excluindo os veículos do Estado e das forças armadas, era de 231 052, afora, 26 359 motociclos e 9658 tractores (Anuário Estatístico dos Transportes Terrestres, 1961; outras estatísticas foram colhidas em Renó Béringuier, Le Problème de la Circulation, Paris, 1929; O Automóvel na Economia Nacional, de Augusto Ribeiro Vaz, 1935, e Linha de Rumo, do Prof. Ferreira Dias).
Salienta-se que nas estatísticas nacionais não figuram as bicicletas motorizadas, certamente pelo facto de o seu registo se efectuar apenas nas câmaras municipais. Dada a extraordinária expansão desta espécie de veículos, que em tilo grande parte concorrem, como veremos, para a sinistralidade, teria interesse que passassem a figurar no cadastro dos veículos motorizados do Anuário dos Transportas Terrestres.
Deste breve e incompleto apontamento estatístico poderá concluir-se que o parque automóvel nacional tem crescido substancialmente, e mais aceleradamente nos últimos anos, como resulta da verificação seguinte:

Em 25 anos (1985-1960) cresceu cinco vezes e meia;
Em 20 anos (1989-1959) quase quadruplicou;
Em 8 anos (1952-1960) duplicou.

Se a utilização rodoviária e o parque automóvel constituem hoje um dos índices de desenvolvimento e crescimento económico, nesta bizarra competição estatística entre nações, com atribuição de pontos na tabela de classificação, podemos dizer que Portugal tem acompanhado o ritmo, e até conseguido, em relação a outros, algum avanço relativo, embora não tanto como aquele que a Itália pôde apontar - o de ter duplicado em seis anos o seu já imenso parque automóvel, que atingiu 6 500 000 veículos motorizados em 1962.
Mas lá chegaremos certamente, a continuar assim.
E teremos então, lá para 1968, com meio milhão de viaturas automóveis em circulação, agravado ainda fatalmente o absurdo congestionamento de trânsito, o ar citadino mais poluído, os tímpanos mais brutalizados ainda pelo ruído e uma estatística confrangedora de vítimas do acidentes. Este é o reverso sombrio da brilhante subida na escala do progresso económico, traduzido em mais automóveis por habitante; parece, de resto, que já agora só satisfatoriamente definido, desde que toda a população possa ter assento simultaneamente dentro de veículos, desiderato atingido, aliás, desde que a relação veículo-habitante se situe em 1 para 5. E vimos que no já distante ano de 1927 os Estados Unidos da América haviam atingido essa meta, hoje ultrapassada certamente por mais alguns países.
Foi Henry Ford, pioneiro da produção em massa e certamente o grande impulsionador da indústria automóvel, quem disse esta coisa revolucionária:

Não temos muitos automóveis por sermos ricos; somos ricos por termos muitos automóveis.

A aparente boutade corresponde hoje a uma realidade económica e até social inegável. A motorização, a mecanização, são sem dúvida um factor de riqueza, progresso económico e social e, a par disso, uma imensa fonte de recursos fiscais.
Bastará referir que a receita total dos diversos impostos e taxas provenientes da circulação rodoviária atingiu em Portugal quase 1 milhão de contos em 1961 (precisamente 967 692 contos), não se incluindo os direitos aduaneiros sobre a importação de veículos e peças. Lembra-se que esses direitos aduaneiros incidiram em 1961 sobre 25 973 veículos importados, com 1 096 000 contos de valor atribuído. E o crescimento destas múltiplas receitas fiscais mais avulta se tivermos presente que não excediam em média anual 113 000 contos de 1935 a 1939. (Anuário Estatístico dos Transportes Terrestres, 1961 - mapas 65 e 64).
A enorme rede de interesses ligados à circulação automóvel (refinação e distribuição de combustíveis, construção de carroçarias, fábricas de pneus e câmaras-de-ar, oficinas de reparação, instalações de recolha e manutenção, carreiras de serviço público urbano e rodoviário, automóveis e camiões de aluguer) constitui hoje um imenso valor económico e factor de trabalho de dimensão certamente ímpar no conjunto da nossa economia. E agora, tardiamente, acordamos para a criação de uma indústria automóvel nacionalizada, em vias de montagem acelerada, e de que há a esperar, não obstante o atraso, ainda perspectivas enormes na vida industrial portuguesa.
E capítulo em que não poderá dizer-se que fomos audaciosos ou mesmo razoavelmente expeditos, se tivermos presente o facto de desde 1934 se ter pretendido instalar linhas de montagem em Portugal sem que tal tivesse sido autorizado. E todas as iniciativas se goraram até que em 1961 se iniciou um programa de fixação de indústria automóvel, agora em execução dispersa através de numerosos grupos industriais estrangeiros. (Eng.º Ferreira Dias, Linha de Rumo, p. 236).
E entretanto o Brasil havia criado uma fluorescente actividade que já produz mais de 300 000 veículos por ano e está em franco crescimento. A Espanha soube nacionalizar rasgadamente a produção de automóveis e o seu parque é hoje quase totalmente abastecido com produtos de seu fabrico.
E leio algures que só uma marca popular alemã logrou construir em 1962 mais de 1 000 000 de unidades, o que é muito, mas dessas conseguiu colocar no mercado americano (sublinho americano) coisa de 300 000 veículos, o que é surpreendente.
Que de tempo e de oportunidades inexplicavelmente perdidos, neste domínio, em Portugal.

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Perdoar-me-ão estas variações sobre tema tão do meu agrado e apenas apontarei outro aspecto, para mim apaixonante, do progresso automóvel:
O admirável aperfeiçoamento mecânico que conduziu às actuais maravilhas de conforto, velocidade, simplicidade, eficiência, que são os automóveis actuais.
Talvez não nos demos suficientemente conta do caminho andado, e rapidamente, neste domínio, desde os antepassados mecânicos de há 40 anos. A progressiva redução de cilindrada dos motores e seu alto rendimento, o espectacular aligeiramento no peso total dos veículos, a suavidade das suspensões, a precisão da direcção, a eficiência dos órgãos de travagem, a perfeita ténue de route, a duração e aderência dos pneus, e tudo isso generalizado em maior ou menor grau a uma enorme gama de tipos e marcas a preços que seriam acessíveis se não fora a pesada incidência dos direitos e taxas.
Na realidade o automóvel democratizou-se, fabricado em grande série em todos os modelos e destinos, e por forma geral com grande nível de eficiência.
Conseguiram-se velocidades espantosas, mesmo em carros de pequena cilindrada e baixo custo, e há no mercado carros de série de grande turismo que atingem os 160 km e mesmo 200 km por hora.
O banco de ensaio dessas fascinantes maravilhas mecânicas foi sem dúvida a pista de corridas, em que foram sucessivamente dominando as criações precursoras dos grandes especialistas europeus, franceses, alemães, italianos e, agora, ingleses, desde Delage e Etore Bugatti até Enzo Ferrari, passando pelo Dr. Porsche, por Alfa Romeo, Maserati e Mercedes, conduzidos por esses novos gladiadores das pistas que se chamaram Nuvolari, Benoist, Acchile Varzi, Vimile, Von Stuck, Carraciolo, Ascari, De Portago e Juan Manuel Fângio.
Este delírio ambulatório, que é uma das características da nossa época, e também uma das suas forças vitais, tem o reflexo trágico no imenso cortejo de vítimas, que, por fatalidade das coisas, vai crescendo inexoravelmente.
É esse afinal o preço, em sangue e vidas, da civilização mecânica que o homem deste século esforçadamente ergueu, colocando-a ao seu serviço.
Como o aprendiz de feiticeiro, o homem fez deflagrar uma medonha força, em si útil e já hoje irreversível, capaz no entanto de o triturar em proporções alarmantes.
E o sangue que para o asfalto vai escorrendo de tantos corpos dilacerados e estropiados nesta cavalgada implacável do progresso emociona crescentemente, e justificadamente, por toda a parte, a opinião pública, ainda não totalmente embotada na sua sensibilidade.
Daí um clamor geral para que se ponha um dique àquilo que já foi denominado de desumana carnificina por um pontífice romano.
São esses também afinal os generosos impulsos que determinaram a realização deste aviso prévio, que a Câmara acolheu com compreensível interesse.
Penso que todos estaremos de acordo em reconhecer que por mais eficazes que sejam as medidas destinadas a evitar os riscos de acidentes de viação estes não serão jamais suprimidos. Admitindo mesmo que relativamente seja possível reduzir o número e gravidade dos acidentes, o aumento sempre crescente, e desejável aliás, dos veículos em circulação não permitirá alimentar esperanças quanto à redução do número absoluto dos acidentes de viação.
Temos de partir desta premissa, sem dúvida trágica, mas única ajustada às realidades, sem que isso invalide os objectivos que estão na base deste aviso prévio e das meritórias intenções do seu autor.
Temos de fazer realmente um esforço - todos os esforços, para reduzir as possibilidades de acidentes de viação e lançar mão de todos os meios para a sua prevenção.
No enunciado do aviso prévio se enumeram alguns, que vão desde uma acção pedagógica a partir da escola primária (dando execução ao legislado em 1960), ao aumento dos meios de acção da Polícia de Viação e Trânsito, à obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil para todos os veículos motorizados e ao melhoramento das estradas.
Valerá a pena, entretanto, determo-nos um pouco no exame das estatísticas da sinistralidade de viação em Portugal, referido ao último ano de que estão apuradas, 1961.
Na totalidade foram registados 20 756 acidentes de trânsito, o que corresponde a um aumento substancial de cerca de 10 por cento em relação a 1960, quando é certo que a progressão de aumento havia sido mais suave nos anos anteriores, como mostra o seguinte quadro:

Número total de acidentes registados

1957......... 17 562
1958......... 18 125
1959........ 18 112
1960 ....... 18 900
1961....... 20 756

Quanto às consequências dos acidentes, há a notar um aumento substancial naqueles de que resultaram lesões corporais, tendo diminuído em números absolutos aqueles em que sómente se verificaram danos materiais (quadro n.º 39 do Anuário Estatístico dos Transportes Terrestres, 1961).
Afigura-se-me, no entanto, ser possível encontrar explicação para o facto na tendência de todos conhecida, e compreensível, de os condutores e proprietários de veículos evitarem sempre que possível a intervenção das autoridades no caso de o acidente sómente causar danos materiais nos veículos, chegando a acordo directo, ou através dos respectivos seguradores, quanto ao custeio das reparações.
De interesse é salientar que o número de vítimas de acidentes mortais foi em 1961 de 738 e de 17 197 o número de feridos, dos quais 5279 gravemente.
Dos 738 mortos, 339 eram peões, ou seja pouco menos de 50 por cento do total, avultando ainda a mortalidade dos condutores e passageiros de velocípedes sem motor, 94, e de velocípedes motorizados, 82. Isto significa que a sinistralidade mortal é sensivelmente maior nos peões e nos condutores de bicicletas, com e sem motor, como, de resto, o é também na sinistralidade geral por acidentes de viação.
Bastará dizer que em 17 935 vítimas 11 849 se incluem nos grupos «peões» e «condutores e passageiros de velocípedes».
Seria de interesse ainda uma apreciação mais detalhada da sinistralidade, extraindo dos quadros estatísticos, aliás muito elucidativos, do Anuário aos Transportes Terrestres elementos curiosos. Mas já que tal me não é possível, sem exceder os limites razoáveis desta exposição, respigarei apenas os seguintes apontamentos:
Dos 339 peões vítimas de acidentes de trânsito 76 eram crianças até aos 4 anos e 50 dos 5 aos 14. E dos feridos distribuíram-se por esses grupos de idades nada menos do que 670 e 1487.
A distribuição dos acidentes de viação por meses do ano revela que nos meses de Junho, Julho e Agosto se verificam mais acidentes, e que os sábados e domingos

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são os dias da semana mais sobrecarregados de tragédias na estrada. Quanto às horas, as compreendidas entre as 17 e as 20 são as de sinistralidade mais elevada.
Desejo referir-me a este propósito a uma notícia há dias inserta na imprensa e divulgada em telegrama de agência estrangeira referindo uma informação da Comissão Económica da O.N. U. (sempre ela!) para a Europa.
Aí se diz que «Portugal é o país que mata mais peões em acidentes de automóvel».
Como é óbvio, trata-se de mais uma fantasia jornalística, não sei até que ponto inocente, mas que pasmo não tenha sido filtrada por elementar reflexão do bom senso.
Exacto é, como já deixei referido, que das vítimas de acidentes mortais de viação em Portugal, no ano de 1961, quase 50 por cento eram peões, quando é certo que essa percentagem é ligeiramente mais baixa em. Inglaterra (40 por cento) e se situa entre 25 e 30 por cento nos outros países, se as indagações da O. N.º U. são exactas.
Mas daí a dizer-se que «de todos os países civilizados Portugal é aquele que mata mais peões em desastres de automóvel» (cito textualmente o título da notícia que tenho aqui presente) vai um abismo.
Em números absolutos - e não pode entender-se que se refira a coisa diferente a fantástica notícia - os 339 peões sacrificados em acidentes de trânsito em Portugal no ano de 1961 são apenas gota no lago imenso de sangue dos acidentes de viação «nos outros países civilizados». Afoito-me a arriscar como seguro que longe desse número anual não andará o contingente de peões mortos mensalmente ou até semanalmente (não sei se diariamente até) em alguns desses civilizados países.
São assim as estatísticas. Servem para tudo, mesmo para se convencer o Mundo de que Portugal até no número de peões sacrificados ao trânsito é um país execrável.
Porque se não disse honesta e simplesmente que a proporção de peões mortos em acidentes de viação, em relação ao total geral das vítimas, era em Portugal superior à verificada em alguns países?
Fica-se a pensar que a esse género de jornalismo interessa menos a verdade do que um título sensacional e agressivo de resumo mal digerido.
Pena é que ao menos a imprensa diária portuguesa se não tivesse abstido de acolher e sublinhar a desagradável aleivosia.
Revertendo ao tema - acidentes dê viação - relembro um excelente trabalho apresentado ao I Congresso Nacional de Automobilismo e Aviação Civil, realizado no Porto em Abril de 1935, pelo meu bom amigo Dr. Mário Madeira, actual presidente do Automóvel Clube de Portugal, com a sua especial autoridade. Denominava-se ele «A segurança, problema fundamental da circulação». São ainda bem actuais as suas considerações e conclusões. E já que me não é possível resumi-las aqui, enunciarei- no entanto o ordenamento dos temos: I) A estrada; II) Os veículos; III) Os condutores; IV) A regulamentação do trânsito e a educação dos peões.
Quanto à estrada, factor básico da segurança na circulação, sabemos todos que, não obstante o enorme es: forço feito pela Junta Autónoma, as nossas estradas estão ainda longe de corresponder às exigências actuais do tráfego.
A rectificação e alargamento de muitos traçados inadaptados às velocidades normais de hoje e às dimensões asfixiantes dos camiões de grande tonelagem, a supressão de autênticas ratoeiras, estrangulamentos e curvas de raio diminuto, obras em que a Junta-Autónoma de Estradas se empenha com- êxito digno de reconhecimento, urge acelerá-las e generalizá-las. De resto não se pense
que só em Portugal existem ainda estradas difíceis, ou mesmo perigosas.
Posso dar o meu depoimento sobre numerosos troços de estradas de grande trânsito, por esses países da Europa Ocidental, que constituem desagradáveis surpresas. A par de realizações magníficas, lá fora também há estradas estreitas, de traçado incómodo e pavimentos deficientes, e sobrecarregadas com trânsito ainda mais denso do que entre nós. E não esqueçamos que principalmente no Norte de Portugal o acidentado do terreno encarece e dificulta extraordinariamente o lançamento ou actualização das estradas.
Quanto aos veículos lembrarei a necessidade de uma fiscalização regular sobre o estado dos pneus, direcção e travões, com um mínimo de formalidades e incómodos. E quanto aos veículos que atinjam certa idade, vistorias periódicas, essas mais rigorosas.
Relativamente aos condutores afigura-se-me ser indispensável a criação de um serviço de verificação psicofísica, através de testes adequados, a realizar em anexo especializado de cada direcção de viação. O despiste de contra-indicações para a condução, indispensável em geral, mas predominantemente para os condutores de transporte colectivo de passageiros, deveria efectuar-se através de testes realizados por pessoal médico especializado, dispondo de aparelhagem apropriada. A que existe no Instituto de Orientação Profissional, como é evidente, só poderá praticamente atender Lisboa e o seu termo, e sabemos que não é sistemática e generalizadamente utilizada em relação aos candidatos a condutores, ou nas revisões periódicas a que estes estão sujeitos. Seria um grande passo, afastando da condução indivíduos sem o mínimo de possibilidades psicofísicas para uma condução capaz.
Lembra-se ainda que o critério adoptado para o exame de condutores, sem que se lhes exija uma prova convincente de condução em estrada à velocidade que normalmente irão circular, é mais dirigida ao apuramento das habilidades do condutor nas inversões de marcha e voltas e voltinhas a 20 km à hora do que a ajuizar das reais aptidões e possibilidades de condução nas circunstâncias normais de trânsito na estrada.
Queria deter-me ainda, e não é sem tempo, num aspecto particular da problemática dos acidentes de viação: o da supressão ou atenuação dos riscos de insolvabilidade dos responsáveis por acidentes de viação, assunto aliás tratado com certa objectividade e interesse pelo nosso estimado colega Dr. Folhadela de Oliveira.
Aceite na doutrina e na legislação portuguesas o princípio da responsabilidade objectiva, baseada na teoria do risco, segundo o princípio ibi ónus ubi emolumentum, consignada no artigo 56.º do Código da Estrada, na prática verifica-se que em muitos casos, e desde que não haja seguro, b lesado na sua integridade física ou património nada receberá por insolvabilidade do responsável. A experiência de todos os dias confirma-nos o asserto, em todos os aspectos, inclusive no pagamento dos encargos assistenciais decorrentes do tratamento das vítimas.
Daqui o desenhar-se de há muito uma corrente de opinião no sentido de. tornar obrigatória a transferência da responsabilidade civil emergente de acidentes de viação, como pressuposto da possibilidade de circulação de quaisquer veículos. Só assim se suprimiria o risco de insolvabilidade dos condutores ou proprietários de veículos.
Valerá a pena no entanto lembrar que teve já alguma voga a tese de que o seguro obrigatório poderia concorrer para incrementar a sinistralidade de viação, uma vez que o condutor ao abrigo de seguro, como sabe que não irá supor-

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tar pessoalmente e no seu património quaisquer consequências pecuniárias das lesões que causar a terceiros, será levado a agir menos cautelosamente, ou a confiar sem precauções o seu veículo a qualquer pessoa.- Assim, o melhor meio de limitar e reduzir os acidentes seria ainda o de responsabilizar pessoal e patrimonialmente os condutores e proprietários dos veículos.
Se é certo que «o medo guarda a vinha», nem por isso o argumento tem qualquer valor, pelo menos desde que a propriedade de veículos motorizados deixou de sor privilégio de gente abastada.
Na realidade, quem tem por onde responda não deixará de cautelosamente efectuar o seguro, como garantia de conservação do seu património. E aqueles que o não têm - pelo menos à vista - não será por receio de pagamento de indemnizações que deixarão de ser imprudentes. Esta é a realidade.

O Sr. Gonçalves Rapazote: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz o obséquio.

O Sr. Gonçalves Rapazote: - Creio até que uma boa organização do seguro de responsabilidade tenderá para deixar uma pequena parte dessa mesma responsabilidade para o condutor.

O Orador: - Essa solução foi sustentada com muito brilho por um nosso ilustre colega; cujo nome não valerá a pena dizer, em 1936, ao apresentar um projecto de lei com a solução, que poderemos chamar mitigada, no sentido de a responsabilidade ser transferida parcialmente à volta de quatro quintos e a impender obrigatoriamente sobre o responsável, proprietário ou condutor, o quinto-restante.
Na doutrina francesa, de 1929 para trás, foi sustentada essa posição intermédia. Mas penso que está hoje prejudicada por esta consideração, que já fiz, de resto, mas que reforço.
Quando o possuir automóvel era apanágio de gente endinheirada compreendia-se que se pudesse deixar à incerteza o quinto. Mas hoje a experiência - e a de V. Ex.ª é, se calhar, ainda maior do que a minha - é que o automóvel que o Dr. Antunes Guimarães dizia garantir muitas coisas, porque era arrestado e só se podia levantar pagando 20 contos de caução, o automóvel não chega a pagar os curativos, porque alguns que causam dezenas ou centenas de contos de prejuízos não valem, ia a dizer, o papel em que se escreve a participação.
Portanto, a evolução do tempo, a democratização do automóvel, conduziu, para mim, à perfeita inanidade da solução intermédia, que já não se justifica, porque até esse quinto teremos em grande número de casos a impossibilidade de cobrar. No entanto, agradeço a intervenção sempre autorizada de V. Ex.ª, que me permitiu, de resto, alongar um pouco mais a exposição sobre esse assunto, que tencionava ser um simples apontamento, uma vez que a considero primorosamente feita nesta tribuna pelo Sr. Deputado que dedicou especial cuidado ao seu estudo.

O Sr. Gonçalves Rapazote: - Não é bem essa a minha posição. Posso aceitar o seguro obrigatório com a transferência total da responsabilidade e deixar na liquidação de contas uma pequena parte para o condutor culpado, por forma a travar a sua liberdade de movimentos.

O Orador: - Posta assim a questão, aceito essa fórmula...
No relatório que precede o Decreto-Lei n.º 39 672, de 20 de Maio de 1954, que aprovou o novo Código da Estrada, o problema é referido nos seguintes termos:
A conveniência da obrigatoriedade do seguro, tão frequentemente requerida, foi também encarada com particular cuidado. Todavia, surgiram razões de ordem económica insuperáveis, pois a imposição de tal obrigatoriedade exigiria o estudo e a reorganização de toda a indústria de seguros. Uma regulamentação parcial poderia, portanto, acarretar consequências dificilmente previsíveis.
Estas considerações não impediram, contudo, que se mantivesse a obrigatoriedade já prevista em certos casos, com um ou outro aperfeiçoamento que pareceu conveniente introduzir.
Não obstante as reservas formuladas aí quanto a imposição do seguro obrigatório, continuo a pensar que as circunstâncias actuais impõem que se caminhe urgentemente nesse sentido. E não só em relação aos veículos automóveis de todos os tipos e motociclos, como ainda em relação aos velocípedes com motor, que consabidamente contribuem em alta percentagem para a sinistralidade. E porque não mesmo um seguro, embora de mais modesto limite, para cobrir os eventuais danos causados por bicicletas a pedal?
Por outro lado, a pericolosidade da utilização de bicicletas motorizadas aconselharia que, a par da cobertura do risco de responsabilidade civil em relação a terceiros, se impusesse a obrigatoriedade de seguro de acidentes pessoais sofridos pelos próprios condutores.
Basta pensar que o total de condutores destes veículos atingidos em desastres no ano de 1961 em Portugal foi de 2286, dos quais 81 fatais.
E certamente na sua grande maioria houveram de ser socorridos, tratados e internados gratuitamente nos hospitais, pois por via de regra não dispõem de recursos, e quantos deles nem sequer pagaram ainda o velocípede, adquirido a prestações semanais ou mensais.

O Dr. Amaral Neto: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Amaral Neto: - Era só para dizer que se deste debate puderem surgir resultados imediatos talvez nenhum fosse tão proveitoso, tão claramente benéfico para instituições e fins respeitáveis como a satisfação do anseio de V. Ex.ª, porque os condutores e proprietários de bicicletas motorizadas estão geralmente sujeitos a frequentes acidentes pela própria natureza dos seus veículos e às vezes pela circunstância de nos acidentes frequentemente sofrerem graves lesões, cujo tratamento hospitalar resulta extremamente oneroso, e concomitantemente trazem à sustentação da própria família as mais graves dificuldades.
Seria difícil um sistema de seguro que cobrisse uma e outra incapacidade material. Mas, pelo menos por amor às nossas instituições assistenciais, que às vezes se deparam com contas avultadíssimas de indivíduos sem recursos, talvez fosse urgentemente necessário legislar no sentido de que do uso de bicicleta motorizada se tornasse forçosamente acessório o de uma apólice de seguro contra os acidentes pessoais do proprietário da bicicleta e seu tripulante.
E eu até quase que iria ao ponto de fazer depender da possibilidade dessa apólice ou do prémio dessa apólice á concessão da licença anual de circulação. É um método que talvez repugne a certos espíritos, mas que creio traria

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necessariamente muitas vantagens práticas, dada a natureza dos veículos a que aludi.

O Orador: - Estou perfeitamente de acordo com V. Ex.ª, pois é exactamente essa a angustiosa situação que na minha carreira de advogado tenho encontrado. É essa exactamente. Na minha pequena exposição tive oportunidade de referir ao seu número, que é grande.
Os condutores de veículos a que V. Ex.ª se refere, veículos com motor, tiveram, em 1961, 81 casos fatais, ou seja de mortes, mas os feridos, que são os que pesam mais nos tratamentos - um morto acaba, é um enterro, é um drama! -, que são às dezenas, se não às centenas, e dão lugar a outros tantos dias de hospitalização e de tratamentos dispendiosos. Os 2286 feridos é que pesam enormemente em todos os hospitais. E o mais estranho é que, como acabei de referir, eles foram tratados, socorridos é internados gratuitamente na maior parte dos casos, porque, por via de regra, os condutores não dispõem de quaisquer recursos, e muitos deles nem sequer pagaram totalmente os veículos, que adquirem a prestações semanais.

O Sr. António Santos da Cunha: - E terão recursos para adquirir a apólice de seguro?

O Orador: - Não têm possibilidades de comprar a pronto e não têm possibilidades também de pagar os 60$ por ano por seguros contra terceiros e, o que é pior, dê segurar o próprio tripulante.

O Sr. António Santos da Ganha: - Então, fechem-se as fábricas!

O Orador: - Não estava a falar da fábrica de Braga ... (risos).
Um dia, em Roma, tive conhecimento de um apelo da imprensa a pedir para se pôr cobro aos desmandos das bicicletas motorizadas em toda a Itália. O ruído era de tal modo intenso em todas as ruas de Roma que os turistas americanos não se aguentavam lá mais de uma noite, por não poderem dormir. E eu próprio, na segunda ou terceira noite que lá dormi, verifiquei que o ruído era, na verdade, ensurdecedor. Além dos desastres, do impecilho do trânsito, o barulho.
Não sou inimigo da motorização nem das bicicletas motorizadas. Mas sei o drama das vítimas das bicicletas; por isso me atrevi, pelo menos, com o aplauso do Sr. Deputado Amaral Neto, a sugerir aqui que o seguro não fosse de mera responsabilidade civil, mas também do próprio condutor.
Não vejo impossibilidade de a nossa indústria seguradora poder cobrir os riscos referidos e em condições razoáveis de preço. Bastará pensar que o vultoso aumento de carteira de seguro permitirá certamente uma mais económica cobertura individual dos riscos e a organização de serviços eficientes à escala nacional. Requeri há dias alguns elementos que me permitissem ajuizar mais concretamente da percentagem dos veículos em circulação no País a coberto de apólices de seguro de responsabilidade civil.
Não os obtive ainda (e isto não envolve qualquer crítica, pois reconheço ter sido escasso o tempo de dilação).
Mas nem por isso deixo de manifestar a esperança de que em breve seja imposta a obrigatoriedade de transferência do risco em causa em relação a todos os veículos motorizados, incluindo os velocípedes com motor, e quanto a estes também a cobertura dos riscos pessoais do próprio condutor.
Não considero essa imposição impeditiva da circulação rodoviária nem o seu gravame incomportável.
Todos os que se deslocam por estrada ao estrangeiro sabem, como eu, que nas fronteiras o único documento verdadeiramente essencial para o trânsito é a carie verte, a apólice de seguro válida. Já me sucedeu em diversas passagens de fronteiras, nomeadamente nas de Itália, Suíça, Bélgica, Holanda e França, ser esse o único documento exigido, e com interesse. Os passaportes, esses quantas vezes nem chegam a merecer uma simples olhadela, quanto mais um carimbo!
Se é assim por toda a Europa Ocidental, porque não há-de ser também em Portugal.
Mal se compreende que haja ainda quem ponha em circulação um veículo motorizado de qualquer tipo, sem se assegurar da possibilidade de arcar efectivamente com os danos que ele possa causar, por fatalidade, nas pessoas e nas coisas.
E doloroso é tantas vezes ver a inutilidade do arbitramento de indemnizações ou obrigação de pagamento de encargos às vítimas, seus familiares ou instituições assistenciais, que afinal nada recebem, porque não há património exequível.
Vou terminar.
É realmente inesgotável a problemática que este aviso prévio sugere.
Acidentes de viação havê-los-á sempre e, o que é pior, cada vez em maior número. Temos todos, no entanto, o dever de, na medida das nossas luzes e possibilidades, concorrer para que não se percam tantas vidas e haveres nesta medonha corrida contra o tempo que é a circulação rodoviária.
Antigamente rezava-se nas velhas casas pelos que, embora estranhos, andavam sobre as ondas do mar. Penso que agora já ninguém se lembra de encomendar a S. Cristóvão os que a pé ou, como curiosamente se diz no Alentejo, a cavalo (isto é, sobre qualquer veículo) se afoitam a cruzar os caminhos perigosos do mundo sólido.
Disse-se que nas estradas, não só as portuguesas, mas de todo o orbe, dominava a lei da selva.
Creio haver algum exagero nisso.
O que haverá por toda a parte, cá como lá, é peões deambulando descontraidamente; crianças à solta e em correrias nas estradas; camiões mastodônticos que só por ironia trazem apostos dísticos a indicar a velocidade máxima e que temos dificuldade de ultrapassar ao dobro dessa velocidade; condutores distraídos a ver a paisagem ou a cavaquear alegremente com a companheira (que pode revestir a agradável e perigosa forma discretamente denominada «flausina» pelo respeitável autor do aviso prévio e que me veria embaraçado para traduzir para vernáculo); os que andam devagar de mais, empecilhando o trânsito; os que andam depressa de mais, deixando um rasto de pânico; os apopléticos e sanguíneos, que parece verem em cada desconhecido que cruzam um velho inimigo; os cheios de si, que receiam sofrer o desaire de uma ultrapassagem; os impulsivos; os hesitantes, que nunca sabem se vão parar, virar ou prosseguir; as senhoras - nem todas - que devaneiam ao volante como perante uma passagem de modelos; os ciclistas suicidas, enfim, toda uma fauna indesejável de inexperientes, egoístas, incapazes ou simplesmente embriagados pela euforia da velocidade ou até outra forma de embriaguez.
E por trás de tudo isto não haverá uma crise de adaptação? Foi demasiado rápida a passagem dos sossegados

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tempos que ainda conhecemos, afinal, para este frenesim de movimento que domina tudo e todos. E, no entanto, é ainda o mesmo homem que se move ao compasso das suas pernas (5 km por hora) e assim viveu milénios. Pobre dele, talvez não tenha tido tempo ainda de se adaptar ao ritmo fulgurante que o nosso século lhe impôs.

O Sr. António Santos da Cunha: V. Ex.ª não quis restaurar a diligência?!

O Orador: - Mas gosto ainda de lembrar.
Não sei que pensador fez notar esse desfasamento e a inadaptação da estrutura humana ao ritmo actual e às velocidades supersónicas no ar (mach 1, 2 e seguintes...), mas já também consideráveis em terra.
Tenho para mim que o espírito humano e as suas reacções psicofisiológicas levarão tempo ainda a sincronizar-se com a aceleração a que o submeteram.
Reparo no entanto na diferença entre a geração a que pertenço, a que a antecedeu e a que desponta quanto às suas reacções em relação ao mundo mecânico, em que esta foi já nascida e criada.
Quantos adolescentes de hoje se mostram capazes, quase instintivamente, de conduzir um veículo motorizado, de colocar esquis aquáticos e arrancar atrás de uma canoa automóvel, ou de entrar num avião de jacto (1000 km/hora) sem a menor crispação de surpresa ou medo?
Só não sei se será legítimo concluir se esse processo de adaptação se está a fazer naturalmente e que o mundo que surge será diferente, veloz, sintético, sem sentir sequer a frenagem das limitações ancestrais, apto a novos voos insuspeitados ...
E será progresso ou regresso?
Essa é afinal a incógnita dramática de todas as gerações, através dos tempos.
Lembro-me de ter visto há tempos uma deliciosa caricatura, parisiense em que desfilavam pelos Campos Elísios as costumadas filas compactas de automóveis. E dois marcianos, esses pedestres, comentavam cheios de espanto:
Não há dúvida - os habitantes da Terra têm cabeça, dois braços e quatro rodas.
E é esse afinal o nosso problema ...
Disse.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa Birne: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: razões de vária ordem resultaram em que suba a esta tribuna sob o terrível peso de uma contribuição que nada acrescenta, peso que duplamente me intimida pela elevada consideração por VV. Ex.ªs e pela alta dignidade desta magna Assembleia.
E só venho impelido pelo dever, perante a relevante importância e a permanente- oportunidade deste aviso prévio, que o ilustríssimo. Sr. Deputado Cancella de Abreu em boa hora e tão brilhantemente apresentou. Para pouco mais venho, na verdade, que para felicitar vivamente o mesmo Sr. Deputado e para manifestar o meu integral apoio à magnitude do assunto.
É que o País não vê quebrar o ritmo ascendente e cada vez mais tenebroso das desgraças que, diariamente, ensombram a rede das nossas estradas, e respectivamente das mais meritórias e deliberadas campanhas que à pugna constante e judiciosamente dedicam a imprensa, os órgãos associativos e o Governo da Nação, campanhas que quase de per si deveriam ser eficazes se só pelas estradas andasse quem soubesse andar.
Mas tantos são os loucos, os inconscientes ou os ignorantes, que transitam com criminoso desprezo por regras, por deveres, até pelos mais elementares princípios de educação cívica, que o País tem de continuar a preocupar-se séria e perseverantemente se quiser ver restringido aquele calamitoso ritmo de dor, de luto e de tremendos prejuízos materiais.
Já aqui foi dito, e não queria de forma nenhuma maçar com repetições, que os elementos estatísticos nos anunciam a ocorrência em 1961, nas rodovias nacionais, de 20 756 acidentes, acidentes que ocasionaram 738 mortos e 17 197, feridos. Só meditando um pouco se abre a frieza numérica para nos dar a justa e enorme medida da sua significância em danos morais, sentimentais e afectivos, danos que se consomem no silêncio íntimo dos lares, em sofrimento, em dor e em choro por irreparáveis perdas de entes queridos.
E quem desejar debruçar-se sobre a expressão do valor material dos prejuízos que aquela acidentalidade de 1961 revela não terá dificuldade em encontrar um número da ordem superior a 200 000 contos.
Por outro lado, revelam-nos os mesmos elementos estatísticos o grau da tendência óbvia ao crescente agravamento futuro de uma situação já muito grave.
Com efeito, o ritmo dos últimos anos de evolução de existências faz prever que o parque de veículos (com exclusão dos de tracção animal), que em 1961 se constituía por 779 095 unidades, das quais 317 095 referentes a automóveis ligeiros e pesados, tractores e motociclos e 462 000 a velocípedes, com e sem motor, o ritmo da evolução faz prever, repetimos, que este parque das 779 095 unidades de 1961 passará a ser da ordem de 1 120 000 em 1970 e a ser duplo do actual em 1980, com 1 540 000 unidades. Isto sem contar com a progressividade do índice evolutivo, que se desconhece, mas que deve existir.
E se proporcionalmente progredir a evolução da acidentalidade - e é lógico admitir que o aumento de tráfego, intensificando embaraços e problemas de trânsito, a relevará muito mais ainda, se não for acorrentada - o quadro negro será cada vez mais negro e a tenebrosa lista das vítimas poderá atingir dentro de alguns anos grandeza anual superior a 1000 mortos, e 25 000 a 30 000 feridos.
E assumirá assim também cada vez mais impressionante severidade aquele elevado montante de prejuízos materiais resultantes, que já hoje tão improficuamente assoberba o rendimento do País.
Desta forma se reveste o problema dos acidentes de viação, pelo que já é e pelo calafrio da sua crescente e tenebrosa amplitude, da magnânima autoridade que o torna credor de todo o carinho e preocupação, nem que carinho e preocupação signifiquem agressividade coerciva para os que teimarem em querer matar.
Era intenção nossa apreciar com algum pormenor a natureza e o seu índice de influência das causas específicas que a leitura da imprensa e o exame da estatística nos revelam e confirmam estar na origem da quase totalidade dos acidentes.
Essa apreciação já foi no entanto aqui brilhantemente feita com toda a propriedade e com alto conhecimento da causa pelo Sr. Deputado Cancella de Abreu.
Abstenho-me, assim, de a fazer para não incorrer de novo numa repetição, com certeza ainda por cima altamente desvalorizada, dos mesmos conceitos.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: os domínios do regime de causalidade dos acidentes de viação situam-se, em resumo: na própria estrada, nos condutores automobilísticos e de motociclos, nos ciclistas e nos peões.
Todos sabemos que grande parte da nossa rede de estradas - de 27 909 km - sofre de características impróprias para as grandes velocidades que os potentes carros de hoje podem imprimir. Os pavimentos são estreitos, os traçados - são ainda em muitos casos os originais, do tempo em que a curva era atracção turística de mudança de paisagem nas viagens pachorrentas, do tempo em que a terraplenagem barata era a premissa dominante do engenheiro que as concebia - enfermam de acidentados e de sinuosos, com sequências impressionantes e longas de curvas e contracurvas, sem visibilidade e de raios apertados, sobretudo em toda a zona enrugada a leste da orla marítima a norte do Tejo.
E é indiscutível que tais traçados constituem perigo proeminente para a viação acelerada. A atestá-lo está o número elevado de acidentes nas muitas curvas da morte que há por esse país fora, acidentes que em 1961 foram em número de 3134 e ocasionaram 126 mortos.
Todos nós sabemos que assim é, e sabe-o, com muito mais propriedade e conhecimento de causa, a Junta Autónoma de Estradas, que vai corrigindo e abrindo novos traçados, à medida que lho permitem as disponibilidades do Tesouro. E nunca será de mais fazer um apelo ao Sr. Ministro das Finanças para que concentre na actualização da rede de estradas o maior vulto de verbas que lhe for possível.
Mas por maior que seja o esforço ninguém espera com certeza que as nossas rodovias permitirão nos próximos vinte anos andar por toda a parte a 100 km à hora.
O que importa, entretanto, a quem nelas anda é admitir o princípio de que o perigo existe, respeitar o condicionamento que sobre ele o Código da Estrada exerce e adaptar a velocidade à sinuosidade e aos embaraços do trajecto que percorre.
Nem sequer adiantaria imputar-se ao precipício a responsabilidade da morte de quem para ele se arremessa.
Na estrada é a sinalização que merece, no entanto, um apontamento de alta discordância.
Peca a sinalização por tal irregularidade e deficiência que o automobilista prudente não confia nela. Há por aí muita curva, em planta e em perfil, apertada e sem visibilidade, sem qualquer espécie de aviso, e há bastantes pontos de percurso, de acentuada proeminência de perigo, que se não compreende que não estejam vincados por sinal de especial relevo, clamando por rigorosa precaução, aos que se distraem ou aos que desconhecem que a estrada ainda comporta ratoeiras de tal natureza.
Um outro ponto digno de reparo, pela aflição que provoca, quantas vezes calafrios profundos e acidentes, é que se permita a circulação em estradas de pavimentos estreitíssimos de enormes veículos pesados de larguras descomunais, que apanham literalmente as faixas de rodagem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto aos condutores automobilísticos e de motociclos: pelo poder destruidor das máquinas que conduzem, poder que está só nas suas mãos eliminar, pertence ao domínio dos condutores o regime da maior causalidade e da maior responsabilidade, do sombrio cortejo dos acidentes das rodovias: são a velocidade exagerada e desordenada, a ultrapassagem arriscada, a manobra perigosa, o seguir fora de mão e o encandeamento de faróis não cruzados, toda uma série que o condutor sabe evitar se quiser, série que provoca a colisão,- o atropelamento ou o despiste, conjunto que, em natureza, reúne a grande maioria de acidentes e vítimas.
Muitos destes provocadores da morte são os novatos, os que vêm para a estrada com a carta fresca, alardeando ã psicose da alta velocidade, do passar à frente, do golpe de vista, toda uma insensatez atrevida, que tem na raiz a descrença na materialização do acidente que, por principiante, ainda lhe não aconteceu, insensatez que só não seria criminosa se- os outros não tivessem de morrer por causa dela.
Como minimizar o perigo dos novatos? É possível que se, a par do conhecimento do Código da Estrada, ao candidato a condutor se exigisse perfeito conhecimento da estatística tenebrosa dos últimos anos - o número de acidentes, as suas causas, a maneira de as evitar, o número de mortos e feridos que ocasionam, o valor dos prejuízos materiais e as responsabilidades em que incorre quem os pratica -, é possível, dizia, que algum amadurecimento precoce se conseguisse.
Os outros, os provocadores da morte, embora mais veteranos, parece que já deveriam ter tido tempo de acusar receptividade de tudo o que já lhes aconteceu e das campanhas de prevenção e de persuasão de que já tiveram conhecimento. Para bastantes ainda é provável que, infelizmente, só a intensificação de uma vigilância das estradas poderá conduzir a resultados concretos, intensificação que, no entanto, a exiguidade do quadro de agentes do corpo da Polícia de Viação e Trânsito e dos meios de que dispõem não permite por agora assegurar com regularidade. Por esse motivo, apoiamos inteiramente o Sr. Deputado Cancella de Abreu na defesa que fez da necessidade de reforçar quadros e equipamento da nossa Polícia de Viação. Que circula pela estrada encoberto potencial de perigo demonstra-o o número de autos de transgressão e o volume de multas aplicadas nas campanhas especiais que, embora com dificuldade, a Polícia de Viação consegue promover em períodos de acentuado clamor.
Os 462 000 velocípedes constituem outro grande perigo da circulação rodoviária, que deve o não ser mais catastrófico ainda apenas ao limitado recurso energético do motor humano que os movimenta.
Pedalam os ciclistas por essas estradas fora, aos esses largos e profundos, sós ou a dois no mesmo velocípede, com ou sem luz, quantas vezes em grupos que abrangem toda a largura das faixas de rolagem, num impressionante desfile de ignorância ou desprezo por todos os preceitos e deveres que o Código da Estrada lhes impõe.
Como consequência da indisciplina e da desordem do tráfego velocipédico não surpreende o elevado número de 14 294 ciclistas que em 1961 estiveram implicados só em acidentes registados, embora nem sempre lhes tenha pertencido a culpa.
Uma demonstração inequívoca dessas indisciplina e desordem está no resultado de uma das campanhas de vigilância intensificada a que aludimos, da qual resultou a autuação e multa de 19 791 ciclistas nos meses de Novembro e Dezembro últimos, autuação e multa na sua grande maioria ocasionadas por falta de luzes, reflectores e infracção às regras de trânsito.
E, embora elevado, como é, o número dos ciclistas apanhados em transgressão, esse número representa com certeza moderada percentagem dos que em transgressão transitam.
No capítulo de velocipedistas somos de parecer que a sem-cerimónia e o alheamento de responsabilidade com

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que se passam as cartas de condução explicam muita deficiência.
Os exames são obrigatórios, mas quase se não fazem. O ciclista vai para a estrada numa. quase completa ignorância do perigo em que se mete e do perigo em que pode meter os outros.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente os peões. Está neles a origem dos acidentes por atropelamento, que no país têm situação de alto relevo, quase equiparável à dos acidentes por colisão. São em menor número, mas fazem mais vítimas. Em 1961 registaram-se 7223 acidentes por atropelamento (contra 10 268 por colisão), acidentes que ocasionaram 7542 feridos (contra 6595) e 337 mortes (contra 285).
São os peões, sem dúvida, as grandes vítimas do atropelamento, mas também sem dúvida que muitas vezes lhes cabe a responsabilidade da própria morte.
A distracção ocasional, a falta momentânea de domínio perante a iminência do perigo imprevisto, são características profundamente humanas, que um instante de fatalidade pode não perdoar.
O atropelamento ocorre no entanto com muito mais frequência por actos de flagrante imprevidência e de profunda ignorância em transitar.
Todas as campanhas no sentido da elucidar o peão sobre a maneira de andar na estrada e sobre o respeito que, pelo seu perigo, a estrada lhe deve merecer têm a maior importância: a propaganda por cartazes, afixados por essas povoações, cujas travessias dão o maior contingente de vítimas, é de fácil execução e parece de importância aconselhar.
Na educação de peões a grande solução de fundo competirá, no entanto, à obrigatoriedade do ensino nas escolas de instrução primária das regras essenciais do trânsito e dos perigos e responsabilidades em que o peão incorre pelo seu não cumprimento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: de entre vários aspectos que era minha intenção mencionar, e não menciono para não maçar com a repetição, excepciono, pela especial oportunidade e importância de que se reveste, uma referência, embora ligeira, ao seguro obrigatório da responsabilidade civil.
A oportunidade provém de estar nomeada há já algum tempo, por portaria publicada pelos Ministérios das Finanças e das Comunicações, uma comissão para estudar a adopção no nosso país desse seguro obrigatório.
A obrigatoriedade presta-se a uma certa controvérsia, como aliás se prestam quase sempre a controvérsia os mais variados conceitos, mesmo os de princípios mais evidentes, sobretudo quando está em causa inovação de deliberações.
O assunto mereceu já demorada atenção e brilhante apreciação do ilustre Deputado Folhadela de Oliveira e ainda há pouco o Sr. Dr. Alberto Meireles o desenvolveu e sobre ele nos elucidou da forma mais notável.
Quanto a nós, sempre inclinados à objectividade directa, bastaria verificar que a obrigatoriedade do seguro de responsabilidade civil está instituída em quase toda a Europa - na Inglaterra, na Finlândia, na Noruega, na Suécia, na Dinamarca, no Luxemburgo, na Áustria, na Suíça, na Bélgica, na França e na Turquia - para se admitir que não cheguemos cedo e que, embora tarde, será preferível chegar.
E termino pelo regresso ao regime de causalidade dos acidentes de viação, fazendo o apontamento da importância de intensificar-se o ensino da educação cívica como uma das soluções de fundo, de que a acidentalidade das estradas tem a esperar efeitos redutores mais surpreendentes.
Dedique-se à ministração e ao culto da educação cívica entre os homens de amanhã, e entre os homens de hoje, toda a atenção e proficiência na instrução primária, na instrução secundária dos liceus e das escolas técnicas, nos lares, nas agremiações associativas, nos cafés e no convívio, na certeza de que com um bocadinho mais de civismo haveria muitos acidentes a menos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã, à hora regimental, haverá sessão, com a seguinte ordem do dia: primeira parte: eleição da comissão eventual a que ontem tive ensejo de fazer referência; segunda parte: conclusão do debate sobre os acidentes de viação.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas c 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão

Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Marques Fernandes.
Armando Cândido de Medeiros.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel da Costa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Olívio da Costa Carvalho.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
Antonio Tomás Prisónio Furtado.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Fernando António da Veiga Frade.

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Jacinto da Silva Medina.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Jesus Santos.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís Vaz Nunes.
José dos Santos Bessa.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Purzotoma Ramanata Quenin.
Rui de Moura Ramos.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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