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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 85
ANO DE 1963 27 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 85, EM 26 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Manuel Augusto Engrácla Carrilho
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 84.
Foram recebidos na Mesa os elementos remetidos pelo Ministério da Saúde e Assistência a requerimento do Sr. Deputado Armando Sampaio, a quem foram entregues; igualmente se receberam na Mesa elementos enviados pelos Ministérios da Educação Nacional, das Finanças, da Saúde e Assistência, das Comunicações, da Presidência do Conselho e da Comissão de Coordenação Económica em satisfação de requerimentos dos Srs. Deputados Martins da Cruz, Alberto de Meireles, Sousa Rosal, Armando Sampaio, Santos Bessa, Quiríno Mealha, Cid Proença, Folhadela de Oliveira, Nunes de Oliveira e Martins da Cruz, respectivamente.
Esses elementos foram entregues aos referidos Srs. Deputados.
Leu-se o expediente.
Foram autorizados o Sr. Deputado Martins da Cruz a depor na Policia Judiciária e o Sr. Deputado João Rocha Cardoso a depor no 5.º juízo correccional da comarca de Lisboa.
O Sr. Presidente comunicou haverem sido recebidos na Mesa diversos elementos enviados pelo Ministério das Obras Públicas relativos a problemas rodoviários da bacia do Mondego e que tais elementos seriam insertos no Diário das Sessões.
O Sr. Presidente deu também conhecimento de haver chegado à Mesa o parecer da Câmara Corporativa acerca da revisão da Lei Orgânica do Ultramar Português, parecer que será publicado no Diário das Sessões.
O Sr. Presidente propôs um voto de pesar pelo falecimento do jornalista Mário Quintela, decano dos jornalistas parlamentares, unanimemente aprovado pela Assembleia, e agradeceu o voto de melhoras, pela sua saúde, proposto na última sessão pelo Sr. Deputado Soares da Fonseca.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Santos Bessa, para um requerimento; Armando Cândido, louvando a decisão do Conselho de Ministros quanto às sanções e distinções aplicadas aos militares que serviam na Índia Portuguesa à data da invasão das tropas indianas; Alberto de Araújo, que se congratulou com o surto de obras em curso no arquipélago da Madeira; Nunes de Oliveira, acerca de uma nota do Ministério das Obras Públicas sobre uma sua intervenção em sessão de 10 de Janeiro passado, tratando de política de bem-estar rural; Nunes Mexia, sobre problemas de interesse para a lavoura, e Délio Santarém, que tratou de assuntos ligados ao ensino e à cultura.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade dos pareceres sobre as Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1961.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Santos Bessa e Pacheco Jorge.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 30 minutos.
CÂMARA CORPORATIVA. - Parecer n.º 9/VIII, acerca da proposta de lei n.º 18/VIII [revisão da Lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1953 (Lei Orgânica do Ultramar Português)].
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
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Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Picheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Bamos.
Sebastião Garcia Ramires.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 88 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está na Mesa o Diário das Sessões n.º 84, de 19 do corrente, correspondente à sessão do dia 18. Submeto-o a aprovação da Assembleia. Se nenhum dos Srs. Deputados deduzir qualquer reclamação, considerá-lo-ei- aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deduz qualquer reclamação, está aprovado o Diário das Sessões.
Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Saúde e Assistência sobre a acção assistencial desenvolvida pelo Instituto de Assistência à Família, com o que se dá satisfação ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Armando Sampaio na sessão de 22 de Janeiro último. Vão ser entregues a este Sr. Deputado.
Está também na Mesa uma relação de elementos recebidos durante o interregno parlamentar, de resposta a requerimentos apresentados por alguns Srs. Deputados. Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
Do Ministério da Educação Nacional, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Martins da Cruz na sessão de 14 de Março de 1962;
Do Ministério das Finanças, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Alberto de Meireles na sessão de 24 de Janeiro de 1963;
Da Comissão de Coordenação Económica, em satisfação do requerimento que o Sr. Deputado Martins da Cruz dirigiu em 15 de Outubro de 1962 à Secretaria de Estado do Comércio;
Da Presidência do Conselho, em satisfação dos requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Cid Proença, Folhadela de Oliveira e Nunes de Oliveira na sessão de 29 de Janeiro de 1963;
Do Ministério da Saúde e Assistência, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Armando Sampaio na sessão de 22 de Janeiro de 1963;
Do Ministério da Saúde e Assistência, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Santos Bessa na sessão de 13 de Dezembro de 1961;
Do Ministério das Comunicações, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Quirino Mealha na sessão de 9 de Fevereiro de 1963;
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Do Ministério da Educação Nacional, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Sousa Rosal na sessão de 6 de Fevereiro de 1963.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofício
Do Grémio dos Importadores, Agentes e Vendedores de Automóveis e Acessórios do Sul sobre alguns elementos constantes dos n.ºs 80 e 82 do Diário das Sessões, na parte respeitante à discussão do aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu sobre acidentes de viação.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um pedido da Polícia Judiciária para que seja autorizado a prestar declarações ali o Sr. Deputado António Martins da Cruz, o qual não vê inconveniente em que lhe seja concedida essa autorização.
Amavelmente, a Polícia Judiciária pede-me que indique o dia e hora em que este Sr. Deputado deseja prestar as suas declarações. Eu peço ao Sr. Deputado Martins da Cruz, caso a Assembleia o autorize a depor, o favor de se entender com aquela Polícia para se fixar o dia e hora em que ali deverá comparecer.
Está também na Mesa um pedido do 5.º juízo correccional da comarca de Lisboa para que o Sr. Deputado João Rocha Cardoso seja autorizado a depor, no dia 27 de Abril, num processo de polícia correccional que ali corre seus termos. O Sr. Deputado Rocha Cardoso não vê inconveniente em ser autorizado a depor.
Submeto à aprovação da Câmara um e outro pedidos.
Consultada a Assembleia, foram concedidas as autorizações solicitadas.
O Sr. Presidente: - Foram enviados pelo Ministério das Obras Públicas à Mesa da Assembleia Nacional elementos relativos a problemas rodoviários na bacia do Mondego a propósito de uma intervenção do Sr. Deputado Augusto Simões, publicada no Diário das Sessões n.º 67, de 10 de Janeiro último. Vão ser publicados no Diário das Sessões.
Está na Mesa, enviado ontem a esta Assembleia, o parecer da Câmara Corporativa n.º 9/VIII, sobre a proposta de lei n.º 18/VIII, de alterações à Lei Orgânica do Ultramar. Vai ser publicado no Diário das Sessões.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: faleceu pode dizer-se que o decano dos jornalistas a esta Assembleia, que acompanhou a vida da Assembleia desde que ela. funciona, desde 1935, o Sr. Mário Quintela. Como todos VV. Ex.ªs tiveram ocasião de reconhecer, e eu particularmente, que era vizinho dele ali junto da tribuna da imprensa, era uma pessoa de um trato encantador, admirável, homem sempre apegado à sua função e sabendo desempenhá-la. Não quero deixar de propor que na acta da Assembleia fique exarado um voto de sentimento da Câmara pelo passamento deste velho camarada, que a morte vindimou mais cedo do que seria de esperar.
Vozes: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Quero agradecer à Assembleia o voto que na última sessão, sob a presidência do Sr. Deputado Soares da Fonseca, exprimiu de melhoras para mim. Estou-lhes muito agradecido, e graças a Deus posso continuar a trabalhar juntamente com VV. Ex.ªs
Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Santos Bessa.
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: mando para a Mesa o seguinte
Requerimento
A) Requeiro que, pelos Ministérios da Saúde e Assistência, das Obras Públicas e da Educação Nacional, me sejam fornecidos os elementos respeitantes à zona hospitalar do Centro e referentes a:
1.º Número de hospitais existentes em cada região; sua categoria; número de camas de cada um e sua média de ocupação; localização, área e população que servem;
2.º Serviços de medicina e de cirurgia gerais e de especialidades médicas e cirúrgicas que cada um possui, com a indicação do respectivo número de camas; média de ocupação das camas de cada serviço; a existência ou não de serviço de transfusões de sangue e de serviço de banco;
3.º Consultas externas de medicina e de cirurgia gerais e de especialidades de cada um deles e sua frequência anual;
4.º Número de admissões de urgência nos hospitais regionais e no central; sua percentagem em relação ao total das admissões; número de admitidos por urgência em cada um destes hospitais e que tenham domicílio de socorro na área dos hospitais sub-regionais;
5.º Pessoal médico que trabalha em cada um deles; sua remuneração; tempo de serviço diariamente; a existência ou não de serviços de urgência e suas características;
6.º Número de médicos de clínica geral e de inscritos como especialistas que vivem na área servida pelos hospitais mas que não trabalham nesses hospitais;
7.º Planos de desenvolvimento hospitalar previstos para os próximos anos - beneficiações, ampliações ou novas construções -, tanto pelo que respeita aos hospitais centrais, regionais, sub-regionais e especializados constantes do plano aprovado em 1946 como pelo que se refere a outros que posteriormente tenham sido julgados necessários;
8.º Cópia dos relatórios, propostas ou informações que digam respeito a esses planos elaborados nos últimos dez anos pelas entidades que superintendem nesses hospitais (Misericórdias, fundações, Faculdade de Medicina de Coimbra, Comissão de Obras da Cidade Universitária, Direcção-Geral da Assistência, Direcção-Geral dos Hospitais, Comissão de Construções Hospitalares e Conselho Coordenador);
9.º Estimativas ou orçamentos já elaborados sobre o custo de beneficiações, ampliações ou novas construções a realizar nesses hospitais;
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10.º Montante das despesas já efectuadas com as obras realizadas nos últimos anos nesses hospitais;
11.º Instituições hospitalares ou secções já em funcionamento ou previstas e sua localização respeitantes a:
a) Maternidades;
b) Assistência hospitalar a crianças doentes;
c) Traumatologia;
d) Neurocirurgia;
e) Reeducação motora;
f) Deficientes sensoriais;
g) Deficientes mentais.
B) Requeiro que pelo Ministério das Obras Públicas me sejam fornecidas cópias dos relatórios ou informações dos três engenheiros da Direcção-Geral dos Serviços Hidráulicos, dos dois do Laboratório de Engenharia Civil, do da Hidroeléctrica do Zêzere e do de Prof. Cotelo Neiva, que, segundo os jornais noticiaram, visitaram, no dia 30 de Janeiro último, após o debate nesta Assembleia do aviso prévio do problema do Mondego, os locais destinados à implantação das barragens da Aguieira e do Caneiro-Dão;
C) Idem da informação n.º 25/63/DSAH, de 7 de Fevereiro de 1963.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: naquela impressionante passagem do seu discurso proferido no dia 3 de Janeiro de 1962 nesta Assembleia, o Presidente do Conselho prometera que se faria ca justiça devida a todos quantos tiveram a honra de ser chamados a bater-se ou a morrer por Goa».
Nunca, duvidei e tive a virtude de saber esperar. Até sofri em silêncio, ao usar da palavra na sessão de 1 de Fevereiro de 1962, a dor de não me poder referir às forças armadas que em Dezembro de 1961 tínhamos na província do Estado Português da Índia. Não que me impedissem de o fazer, mas porque entendi que o assunto me estava vedado enquanto corresse seus termos a averiguação anunciada. Senti então, como nunca, a crueldade das circunstâncias. Desejava proclamar, em voz clara e segura:
Olhai como foram dignos dos seus maiores; como as pedras das fortalezas valeram, de novo, que por cada uma delas se arriscasse um português, tal como nos tempos de D. João de Castro, ao exortar o filho a que defendesse Diu, de forma a mostrar lembrança daqueles de quem descendia e que para a linhagem eram seus avós e para as obras; seus exemplos.
Olhai como guardaram e seguiram as vigorosas palavras de D. João de Mascarenhas, dirigidas também aos solda: dos da Índia Portuguesa:
Não vos assombra a desigualdade do poder, porque a fama não se alcança com perigos vulgares. Navegamos cinco mil léguas, só a buscar este dia, para nele ganhar a honra que nos não podem dar os reis nem as gentes; porque os reis dão prémios, não dão merecimentos.
Olhai, sim, como cumpriram o voto do maior português do nosso tempo - como oraram na Igreja do Bom Jesus, abraçaram os pés do apóstolo das Índias e combateram até fio último extremo, cada qual contra dez ou contra mil, «com a consciência de cumprir apenas um dever».
Relativamente a todos, sem exceptuar um que fosse, queria afirmar tudo isto, com o orgulho de ser português, e senti esse orgulho tocado e malferido.
Aguardei.
Veio a lume a verdade, aquela que «a cada um dá o seu», na lapidar e forte expressão de Vieira.
Os que não souberam cumprir o seu dever na hora suprema receberam o devido castigo.
E doloroso.
Mais dolorosa é a situação da Pátria.
Existe um valor acima da vida: a coragem de viver a vida.
Não quero morrer. Ninguém quer morrer. Que mais não seja, por indeclinável obrigação moral. Mas, por vezes, o destino elege o homem para em determinado momento dar provas da sua qualidade de homem. Daí os que gloriosamente vencem a morte, mesmo através dela ou logrando sobreviver ao transe sublime.
Estimaria encontrar-me agora a louvar só heróis da envergadura e da polpa daqueles que em outras eras se bateram na Índia em espantosas proporções de um contra muitos. Garanto que ofereceria tudo quanto pudesse para que tal se verificasse. Infelizmente não é assim. Estamos diante de um processo destinado a acordar nos tímidos os brios ancestrais e a assegurar aos que revelem a têmpera de lutadores a atenção da Pátria reconhecida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Os que não tiveram a honra de lutar na Índia, quando os falsos neutralistas se lançaram ao assalto, transbordante de gente armada e de meios de guerra mobilizados em criminoso à vontade e no desenvolvimento de estratégia nada difícil - esses, que não foram ou não puderam ser convocados e só por isso não tiveram o ensejo de afrontar a chusma dos invasores embriagados pelo número, andavam suspensos, à espera das conclusões dos juizes militares, encarregados do inquérito, e da consequente decisão a tomar pelo Governo.
E aí está a justiça serena e límpida.
Todos podem agora sossegar na certeza, aliás previsível, de que nem as mais altas patentes, que se pronunciaram através dos Conselhos Superiores do Exército e da Armada sobre a actuação das forças em serviço na província do Estado Português da índia, em Dezembro de 1961, nem o Governo, a quem competia a última palavra, hesitaram no testemunho da sua rectidão. Tanto louvaram o mais graduado que nunca deixou de comungar no amor à Pátria, como o soldado raso que se distinguiu na resistência. Também, e com a mesma soma de integridade, sem olhar aos postos de cada qual, julgaram os grandes e os pequenos que prevaricaram.
Que fique a lição e que se tirem dela o aviso e o apoio para as cautelas e medidas que o estado de emergência requer.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ao observarmos as demonstrações da nossa vida social, nos seus aspectos de maior interesse e saliência, deparamos, aqui e além, com algumas faltas de compreensão acerca do momento grave em que estamos.
Urge imprimir à nossa vida a austeridade digna dos sacrifícios daqueles que se batem na frente pela sobrevivência do nosso património ultramarino.
Teremos todos - todos e por acto voluntário - de atentar em que esta hora não é de paz entremeada de gastos supérfluos, ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - ... mas de duras provações tendentes a conseguir os recursos monetários indispensáveis à luta que nos impuseram e nós aceitámos com o lídimo propósito de. empenhar o sangue e a fazenda na defesa da Nação.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não se pede aos portugueses da retaguarda que vivam acabrunhados, mas que cumpram estòicamente o seu dever de solidariedade total para com os que todos os dias arriscam a vida com denodo e valentia na linha de combate, dando-lhes inequivocamente a saber que por detrás deles se ergue também, viva e persistente, a confiança no futuro.
Todo o dispêndio sem motivo plenamente justificado não é hoje de admitir, e um clima de compreensão do escusado terá de ser imposto por nós próprios ao dia a dia dos nossos processos de vida.
Também se torna urgente actualizar o clima legal, porventura com leis novas, se as existentes não chegarem, para que se torne mais rara, ou mesmo impossível, a solércia e a impunidade dos que nunca deveriam ter nascido portugueses.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Se para uns os argumentos suasórios, através da palavra e do exemplo, dão cabal resultado preventivo, para outros só a lei inexorável pode e deve ser decretada sem demora ou utilizada na extensão do seu rigor.
Todo aquele que discutir a Pátria, postergando o respeito filial que lhe deve, não tem o direito de gozar a nociva liberdade que lhe permitiria continuar a discutir um valor sagrado.
Vozes:- Muito, bem, muito bem!
O Orador: - Todo o serventuário de ideias tendentes à subversão do verdadeiro sentimento nacional deverá, sem perda de tempo, expiar a sua falta.
E toda essa casta de teóricos dos esquemas ou soluções do abandono e da renúncia suicidas, desnorteados da razão, despeitados do Poder ou ingénuos a fingir, devem ser imediatamente travados na sua marcha deletéria.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quem poupa o seu inimigo nas mãos lhe morre - ensina a velha sabedoria popular -, e o inimigo, hoje, tanto pode estar alapado na clandestinidade, como escondido na esquina traiçoeira, como disfarçado na actividade oficial ou particular, como presente, às claras, no, labor quotidiano do seu ofício de promover a ruína e a queda das nossas vidas e haveres.
Razão e força, juntas e oportunas, sem contemplações nem colapsos de sentimento, longe e acima dos reflexos emocionais dos que por vezes se deixam levar pela sedução das falsas ideias e dos falsos propósitos.
Nesta hora em que a justiça arrumou um amargo caso do nosso tempo, glorifiquemos os heróis ou, muito simplesmente, os que preferiram não virar a cara ao invasor.
Entre eles figura António da Cunha Aragão, que não podia deixar de seguir o rumo que a sua têmpera de homem lhe impunha. Alcançou notavelmente o posto de Comodoro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Fui seu companheiro nos estudos liceais, em Ponta Delgada. Conheço-o de longa data. Sabia, por isso, que se portaria como um bravo. Abracei-o, comovidamente, quando regressou, ainda mal refeito das feridas recebidas em combate. Não se batera por qualquer ideia política. Batera-se pela Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A sua alma é suficientemente grande para não ter agido por força de qualquer tendência partidária.
Uma só bandeira flutuava no seu navio e na sua consciência: a bandeira de Portugal. O seu sangue tingiu-a ainda mais de vermelho. Mas singular acontecimento: do vermelho do seu sangue jorrou de tal modo a esperança que na outra metade da bandeira a cor cresceu também.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador: - Permitam-me que reúna neste símbolo todos os que em Dezembro de 1961, como expoentes imarcescíveis, souberam continuar em Goa o honrado e glorioso trâmite da nossa história - aquele Jorge Manuel Oliveira e Carmo, lendário perfil de herói acrescentado ao painel dos mais grados vultos da gesta portuguesa da índia; aquele Alberto Santiago de Carvalho, que em vida, serena e compenetradamente, destinou a morte, sabendo que a encontraria, ao altear-se contra a onda dos atacantes, e outros, graças a Deus e ao fogo da Pátria que lhes lavrava no peito resoluto.
Talvez não devesse atrever-me a diminuir, com o desatavio das minhas palavras, a grandeza dos seus feitos.
Valha-me a firme condição de português.
Valha-me a certeza de ver continuada a epopeia que gravámos em tantos lances valorosos.
Valha-me a prova de que não se apagou no ânimo dos nossos verdadeiros soldados o nobre e alevantado sentido de engrandecer Portugal.
E valha-me a fé no nosso regresso à índia, levando nos olhos os exemplos destes ousados portugueses, que tão galhardamente souberam bater-se «para além do impossível», como deviam «a si próprios, a Goa, à civilização do Ocidente, ao Mundo».
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto Araújo:- Sr. Presidente: na Figueira da Foz foi ontem lançado à água, com a presença, entre outras entidades, do Sr. Ministro das Comunicações, o rebocador Ponta do Garajau, encomendado pela Junta Autónoma dos Portos do Arquipélago da Madeira, em obediência ao plano do apetrechamento do porto do Funchal.
Quero aqui assinalar, especialmente, o facto, dirigindo os agradecimentos mais vivos ao Sr. Ministro das Comunicações pelo interesse que continua a dedicar aos problemas do arquipélago da Madeira que correm pela sua pasta e as minhas felicitações à Junta Central de Portos, à Junta Autónoma, dos Portos do Arquipélago da Madeira e aos estaleiros navais do Mondego, aos quais havia sido oportunamente adjudicada a construção dos dois rebocadores destinados ao porto do Funchal.
Com a próxima entrada ao serviço daqueles dois rebocadores dá-se um passo importantíssimo para a conveniente utilização e o melhor aproveitamento do cais acostável da Pontinha, que acaba de ser prolongado em 475 m, numa obra que custou 165 000 contos, que implicou enrocamentos num volume de 1375 000 m3 e cuja concep-
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ção e perfeição técnicas honram sobremaneira a engenharia portuguesa e as entidades oficiais que a projectaram, primeiro, e fiscalizaram, depois, a sua execução.
A propósito da cerimónia ontem realizada na Figueira da Foz não quero deixar de exprimir o meu regozijo e o de todo o arquipélago da Madeira por ver em plena execução todo um programa de valorização e aproveitamento daquela parcela do território português.
E desejo aproveitar esta oportunidade para, recordando a inauguração das obras do porto do Funchal e das instalações de fornecimentos de combustíveis líquidos à navegação adjudicadas pela Shell Portuguesa, agradecer ao Chefe do Estado a grande honra que nos concedeu, presidindo, em Julho último, às cerimónias solenes que então se realizaram, vivendo e compartilhando do júbilo de toda a população madeirense.
A Madeira não pode esquecer os dias emocionantes e festivo»; da visita do Chefe do Estado, a apoteose magnífica da sua chegada ao Funchal, as aclamações constantes que o rodearam, o respeito e o carinho com que o povo o acompanhou em todos os percursos, mesmo nas localidades mais recônditas e modestas, mas onde todos os ânimos e todos os corações se juntaram para saudar, com sincero entusiasmo e verdadeiro portuguesismo, a personalidade ilustre e insinuante que, com a maior dignidade, ocupa a primeira magistratura da Nação e é, por isso, o seu símbolo mais alto e representativo.
E se a população madeirense evoca esses dias como de perfeita comunhão de sentimentos em volta dos anseios e também das próprias inquietações da Pátria a que nos orgulhamos de pertencer, guardará grata lembrança da visita do Chefe do Estado que, pelos dons do seu espírito, nobreza do seu carácter, simplicidade do seu trato pessoal, conquistou, para sempre, a admiração e o afecto da gente insular.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pode o Chefe do Estado verificar o admirável conjunto de obras públicas realizadas e em execução no arquipélago, como sejam as estradas, melhoramentos urbanos, estabelecimentos de ensino, a rega, o repovoamento fie restai, a automatização e ampliação da rede telefónica, os aeródromos, tendo tido oportunidade de inaugurar oficialmente, como já disse, as obras do porto e as instalações para fornecimentos de óleos à navegação e, ainda, o bairro piscatório de Machico, a luz eléctrica no Curral das Freiras, completando, assim, o alargamento da electrificação a todas as freguesias rurais da Madeira, o Palácio da Justiça, em cuja sala nobre tivemos a honra e o prazer inesquecível de ouvir, numa oração notabilíssima, esse grande mestre do direito e da palavra que é o Prof. Doutor Antunes Varela.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Em contacto directo com o meio local não deixou o Chefe do Estado de sentir o júbilo do nosso povo por ver realizados empreendimentos materiais de grande alcance e projecção e, ao mesmo tempo, o legítimo desejo público de serem efectivadas outras obras de natureza essencialmente social e humana.
Uma delas, anseio unânime dos madeirenses, a mais premente de todas, vai ser iniciada dentro de algumas semanas, em virtude da recente adjudicação dos trabalhos relativos u estrutura, de betão armado, do corpo principal do edifício que constitui a 1.ª fase do futuro hospital regional do Funchal.
Nesse edifício ficarão instalados, além de outros, os serviços de admissão de doentes, os serviços administrativos e culturais, a consulta externa, os serviços de urgência e o serviço de sangue. Quanto a internamento, os serviços de cirurgia geral, que para ali transitam, e bloco operatório disporão de 140 camas; os de oftalmologia, pediatria cirúrgica e obstetrícia de 123, e os quartos particulares de 32, num total de 295 camas.
Numa 2.ª fase, está prevista a construção de instalações para mais 280 camas, correspondentes aos doentes de medicina geral e outros serviços e aos infecto-contagiosos, que, entretanto, continuarão no actual edifício dos Marmeleiros.
Porque mais de uma vez me ocupei, na Assembleia Nacional, do instante problema hospitalar da Madeira, não quero deixar de agradecer, neste momento, ao Governo, aos Sr s. Ministros das Obras Públicas e das Finanças e à Comissão de Construções Hospitalares o interesse que lhes mereceu esta justíssima aspiração da gente da Madeira, que, por falta de acomodações hospitalares, luta frequentemente com dificuldades para preservar a sua saúde e, tantas vezes, defender as suas próprias vidas.
Se havia, realmente, na Madeira problemas sociais e humanos a atender e a resolver, o do hospital era, certamente, um deles.
O Sr. Eng. Arantes e Oliveira, que às suas qualidades de homem de governo e de técnico muito distinto alia uma grande bondade de alma, sempre sensível à dor e ao infortúnio alheios, foi o grande e infatigável animador de uma esperança que, dentro de breves anos, será uma magnífica e bela realidade. Desta tribuna, e em nome da Madeira, quero apresentar-lhe a expressão do nosso melhor e mais vivo reconhecimento.
Sr. Presidente: estou certo de que nada poderá ser mais grato ao Sr. Almirante Américo Tomás, que guarda da sua visita ao arquipélago da Madeira as melhores recordações, do que saber em via de solução um problema que tanto interessa àquela gente boa, simples e laboriosa que o aclamou e cujos anseios o Chefe do Estado tem sempre presentes no seu pensamento e no seu coração.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes de Oliveira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: pedi a palavra para tecer algumas considerações a propósito de uma nota informativa sobre o abastecimento de água e comunicações rodoviárias no concelho de Barcelos, enviada pelo Ministério das Obras Públicas à Assembleia Nacional, com data de 11 de Março corrente, e que aqui foi lida na sessão do dia 18. Trata-se, segundo se acentua, de uma série de esclarecimentos ligados à intervenção que fiz na sessão de 10 de Janeiro do ano em curso sobre alguns problemas inerentes à «política do bem-estar rural».
Antes de entrar propriamente na análise do referido documento, e para prevenir qualquer espécie de especulação sobre o assunto, em que são mestres muitos dos inimigos do Regime, utilizando e deturpando sem escrúpulos toda a crítica construtiva que o Governo recebe de quem, como nós, apenas tem em mente o interesse nacional, penso que será da maior conveniência dedicar-lhes umas palavras.
Todos os bons portugueses se sentem integrados numa obra de ressurgimento sem paralelo; bastaria debruçarmo-nos honestamente sobre as grandes realizações destes últimos 35 anos, motivo por que o povo português não
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quer o «derrubamento do Regime», ao contrário do que podem pensar os corifeus da desordem, infelizmente apoiados algumas vezes por aqueles que julgam encontrar numa transformação política a satisfação dos seus ideais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estou tentado a aconselhar-lhes que melhor será promoverem um recolhido exame de consciência e lançarem-se sobretudo numa campanha de censura e de repúdio aberto contra essa onda de terrorismo bárbaro que vitimou tantos homens, mulheres e crianças na nossa província de Angola. Contra esses mesmos criminosos, inimigos da ordem e da paz, que neste momento se agrupam de novo, com a complacência de algumas nações que se dizem civilizadas, de molde-a imporem-nos uma vigilância constante e a exigirem do País um esforço económico considerável. Melhor será ainda que não olvidem facilmente o roubo da nossa jóia do Oriente - Goa - e vivam com os portugueses de Goa, Damão e Diu a hora amarga e de infortúnio por que estão - a passar e que lhes foi imposta por esse repelente pacifista Nehru.
O povo de Portugal é insensível à voz da traição e o que se passa é bem diferente. Os Deputados à Assembleia Nacional, atentos aos anseios das populações e seus fiéis intérpretes, procuram, em plena liberdade, contribuir pára tornar mais vasta e ainda mais proveitosa a obra de ressurgimento que se vem operando. Sendo obra de homens, não poderia encontrar-se isenta de defeitos, e na busca das necessárias soluções é que pomos toda a nossa dedicação, com a certeza de que o Governo procura, no condicionalismo do momento difícil que atravessamos, atender as reivindicações justas.
Ora, animado do melhor propósito de bem servir é que, na intervenção que realizei na sessão de 10 de Janeiro, pus à consideração do departamento responsável deficiências que me parecem graves e que se impõe remediar com a maior urgência.
Poderia então ter-me ocupado de cada. um dos concelhos que constituem o distrito de Braga, que aqui represento, mas escolhi, como disse, o maior concelho do distrito, pela sua extensão e número de freguesias - julgo que neste aspecto também o maior do País - e com uma capacidade financeira a todos os títulos aflitiva. Daqui resulta, acrescentei, a série de dificuldades que a todo o instante se deparam e o desalento justificado que envolve os responsáveis pela direcção e progresso do concelho que lhes está confiado ao sentirem a impossibilidade material de se valerem das comparticipações indispensáveis, dada a exiguidade dos meios ao seu alcance ...
De entre os aspectos que apontei, como constituindo problemas do maior interesse para a vida de Barcelos e do seu vastíssimo concelho - 89 freguesias -, encontrava-se o abastecimento de água e a rede rodoviária. Foram, portanto, as referências que nessa oportunidade desenvolvi o motivo da nota informativa do Ministério das Obras Públicas, a qual passará a ser objecto das minhas considerações de hoje.
Ocupa-se a primeira parte dessa nota informativa do abastecimento de água à cidade de Barcelos, onde afinal se esclarece e confirma o que estava no meu pensamento. Recordemos, entretanto, as declarações por mim produzidas:
Já vem de longa data a carência de água no período de maior estiagem, mas nos últimos meses do ano findo atingiu-se uma situação da maior gravidade, pela duração excessiva e excepcional do tempo seco, o que provocou, como é lógico, uma série de perturbações sociais e um ambiente local que em nada favorece o trabalho que politicamente tem sido desenvolvido. Sei, entretanto, que o caso foi posto superiormente pelo ilustre presidente da Câmara Municipal e acredito em que todas as dificuldades serão removidas perante a urgente solução que se impõe.
Surge agora a nota do Ministério das Obras Públicas a informar que em Janeiro de 1947 existiu uma comparticipação de 48 000$, que foi sendo aumentada até atingir 165 500$, com destino a trabalhos de pesquisa de água, suponho que nas nascentes de Moinho Torto. Mas, ao contrário do que se diz na nota, só em 1955 foram concluídos os trabalhos de pesquisa, pelo que não houve qualquer obra de captação, o que veio a verificar-se apenas em 1962. E assim os trabalhos de captação estão, como se diz na nota informativa, em curso a partir de Abril de 1962, para o que o Estado comparticipou com 553 860$, tendo a Câmara Municipal recebido 388 360$ e o restante para processar em 1963 e 1964. É possível que a falta desta verba, que a Câmara só receberá em 1963 e 1964, não vá, como se acentua, «aumentar o grande atraso verificado no ritmo da efectivação do melhoramento do abastecimento de água à cidade» - afirmação de que discordo, por se tratar de câmara com as múltiplas dificuldades financeiras que referi -, mas a gravidade resulta de esta 1.ª fase não resolver o problema do abastecimento. Este terá de se efectivar a partir da água do rio Cávado, e para o efeito estou agora informado de que a Câmara Municipal celebrou contrato com um engenheiro particular, em 12 de Março corrente.
Na segunda parte da nota informativa surgem os aspectos relacionados com o abastecimento de água ao concelho.
Salvo o devido respeito, as informações prestadas em nada contrariam o que aqui declarei, antes, pelo contrário, vêm aumentar, em certos aspectos, as minhas preocupações. Senão, vejamos:
1.º No n.º 2 da nota informativa começa-se por dizer que o abastecimento de água normal do concelho de Barcelos vai agora entrar em vias de realização. Para tanto, a Câmara Municipal acaba de celebrar contrato com um engenheiro particular para a elaboração de projecto ou projectos indispensáveis, necessários ao englobamento de todas as povoações, a partir de origem de água já definida, por meio de poços abertos nas margens do rio Cávado.
O contrato, que é o mesmo a que há pouco aludi, estabelece uma gama de trabalhos, que poderei assim enunciar:
1.ª fase - Estudo do abastecimento de água à cidade, a partir do rio Cávado;
2.ª fase - Revisão da rede de distribuição à cidade;
3.ª fase - Estudo do abastecimento de água às freguesias do concelho.
O abastecimento de água aos meios rurais, a partir dos poços abertos nas margens do rio Cávado, como se diz na nota informativa, só terá viabilidade para um número reduzidíssimo de freguesias.
Em relação à grande maioria dos meios rurais, terão a exploração e o abastecimento de água de ser encarados nas próprias freguesias e de acordo com a sua posição geográfica. Dentro de um plano geral desta natureza, quão longo será o prazo necessário para que as populações disponham de água em boas condições de sanidade!
A solução imediata do problema só pode ser a do aproveitamento das fontes de mergulho em condições de recuperação. E para isso é indispensável que aos serviços
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de urbanização sejam facultadas verbas que permitam dar cumprimento ao que o próprio Estado sempre reputou necessidade premente para o bem-estar das populações, a qual foi devidamente considerada na legislação publicada a partir de 1932, e, sobretudo, nos Decretos n.ºs 33 863 (Diário do Governo n.º 179, 1.ª série, de 15 de Agosto de 1944), 36575 (Diário do Governo n.º 256, 1.ª série, de 4 de Novembro de 1947), 42 856 (Diário do Governe n.º 42, 1.ª série, de 20 de Fevereiro de 1960, e Lei n.º 2103 (Diário do Governo n.º 67, 1.ª série, de 22 de Março de 1960).
2.º Na nota informativa refere-se que «das várias povoações do concelho de Barcelos a abastecer, já a Câmara Municipal atendeu à execução dos das localidades de Fragoso e Igreja [penso que deva ser Galegos (Santa Maria), em vez de Igreja], para o que lhe foi dada a comparticipação do Estado, na percentagem de 75 por cento, respectivamente, de 119'250$ e 49 959$. Também, a título informativo, quero acrescentar que houve uma omissão, pois esqueceu indicar a freguesia de Góios, para a qual o Estado comparticipou com 67 500$.
Nenhuma relação tiveram estas comparticipações com as fontes de mergulho, embora, como é evidente, melhorassem grandemente as condições de abastecimento. Nas três freguesias focadas: Fragoso, com 1761 habitantes, Galegos (Santa Maria), com 1555 habitantes, e Góios, com 434 habitantes, foram levadas a efeito explorações e captações de água, que se iniciaram nos anos de 1955, 1951 e 1949, respectivamente, com destino ao abastecimento das suas escolas primárias e mais ainda ao abastecimento de dois fontanários - caso de Fragoso -, de um fontanário - caso de Galegos (Santa Maria) - e de um fontanário - caso de Góios. Apesar disso, existem na freguesia de Fragoso 13 fontes de mergulho registadas, das quais apenas 7 são recuperáveis; na freguesia de Galegos (Santa Maria) existiam, em 1955, 7 fontes de mergulho registadas, sendo consideradas recuperáveis 5, e, finalmente, em Góios assinalava-se, em 1955, a existência de 3 fontes de mergulho, tendo sido considerada recuperável apenas 1.
3.º Por outro lado, e agora sim com destino a fontes de mergulho, apenas houve uma comparticipação de 30 000$ (Diário do Governo n.º 125, 2.ª série, de 27 de Maio de 1958), reforçada mais tarde com 2756$ (Diário do Governo n.º 284, 2.ª série, de 5 de Dezembro de 1959), o que totaliza 32 756$, e não 41 025$, como, possivelmente por lapso se refere na informação que me é prestada. Foi aquela, verba aplicada na beneficiação e captação de algumas fontes existentes nas freguesias de Aldreu e Vila Frescainha, (S. Martinho). E, segundo me consta, foi o que a Câmara Municipal recebeu até à data da minha intervenção. Daqui resultou que eu afirmasse e mantenha que das 89 freguesias, 82 apenas dispunham de fontes de mergulho para abastecimento das suas populações. Tive, portanto, o cuidado de excluir, depois de considerar o abastecimento e as beneficiações nas aldeias mencionadas, um grupo de 7 freguesias e, mesmo estas, permanecendo em situação discutível.
4.º Finalmente, por portaria de 5 de Março corrente, por conseguinte aproximadamente dois meses após a minha intervenção, foi atribuída a verba de 187 975$ como comparticipação, pelo Fundo de Desemprego, para a execução da obra de beneficiação de fontes públicas no concelho de Barcelos, em relação aos projectos enviados pela Câmara Municipal à Direcção de Urbanização, por ofício n.º 3538, de 9 de Setembro de 1961, cujo orçamento previsto era da ordem dos 902 000$, e que corresponderia, numa 1.ª fase, à beneficiação e captação conveniente da água de 208 fontes de mergulho. Entretanto, essa comparticipação foi escalonada do modo seguinte:
Por conta do orçamento de 1963........... 41 475$00
Por conta do orçamento de 1964........... 50 000$00
Por conta do orçamento de 1965........... 96 500$00
E caso para mais uma vez lançar um apelo, não só em relação a Barcelos como a todos os concelhos do distrito, para que as importâncias atribuídas para os três próximos anos, incluindo o de 1963, sejam reforçadas, no sentido de se apressar o prosseguimento de uma obra da mais alta importância higiénica e social.
Numa terceira e última parte é abordado o problema da rede rodoviária, pondo-se em destaque que tanto no concelho de Barcelos como, aliás, nos restantes do distrito, as vias municipais não se apresentam nas condições ideais de circulação.
Não me impressiona que se afirme que a Câmara Municipal de Barcelos tenha sido no distrito a que mais recebeu no ano de 1962 na comparticipação (50 por cento do encargo total) com despesa de manutenção de 46 cantoneiros para 47 cantões. De resto, não podia ser de outro modo, desde que se atendesse, o que nem sempre acontece, ao sentido das proporções. Convém ter sempre presente que o número de cantoneiros indicado se destina à conservação de, aproximadamente, 240 km a 250 km de estrada.
Quanto à abertura de novas vias e grande reparação das existentes, diz-se que «também a Câmara Municipal de Barcelos não tem sido das menos favorecidas» e faz-se referência à ajuda dispensada ao abrigo do Plano de viação rural. Direi, perfeitamente documentado, que para os mesmos anos mencionados não tem sido das mais favorecidas, antes muito pelo contrário.
O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. António Santos da Cunha: - Estou acompanhando com o maior interesse as considerações que V. Ex.ª vem fazendo e que são filhas não só do amor que dedica à sua terra e ao seu distrito, mas também da maneira profunda como estuda todos os problemas sobre que se debruça. Mas queria fazer ressaltar esta coisa: é que não há dúvida. nenhuma de que nos últimos tempos tem havido da parte do Ministério das Obras Públicas uma atenção especial, digamos assim, ao problema das fontes de mergulho, como V. Ex.ª acaba de referir.
E conhecedor da devoção e do carinho com que o Ministério das Obras Públicas e a Direcção dos Serviços de Urbanização se interessam por esses problemas, queria pedir a V. Ex.ª que o seu apelo não fosse só dirigido ao Ministério das Obras Públicas, mas também, e acima de tudo, ao Ministério das Finanças ...
O Orador: - Já o disse antes.
O Sr. António Santos da Cunha: - Peço desculpa de não ter estado com atenção nessa altura. Mas dizia eu que o apelo de V. Ex.ª deveria ser, acima de tudo, dirigido ao Ministério das Finanças, no sentido de que fossem reforçadas as verbas, de maneira que pudessem os técnicos do Ministério das Obras Públicas dispor dos meios necessários para resolver essa chaga que nos envergonha - não há que esconder a verdade! -, e que são as fontes de mergulho.
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O Orador: - Eu disse que era indispensável que aos serviços de urbanização fossem facultadas verbas que permitissem dar cumprimento ao que o próprio Estado sempre reputou premente.
O Sr. António Santos da Cunha: - Pedia a V. Ex.ª, precisamente, que acentuasse isso mesmo.
O Orador: - E que não devemos perder, acentue-se, o sentido das proporções em equivalência com a grandeza do concelho ...
O Sr. António Santos da Cunha: - Eu o que peço a V. Ex.ª é que frise a necessidade de o Ministério das Finanças fornecer ao Ministério das Obras Públicas verbas que permitam aos seus técnicos desenvolver a sua acção.
O Orador: - Perfeitamente de acordo, e assim Barcelos, com as suas 89 freguesias, recebeu, como se diz, em 1959, 302 400$; 1960, 517 000$; 1961, 475 500$; 1962, 679 800$; enquanto um outro concelho do distrito, por exemplo, com 15 freguesias, recebeu em igual período 308 500$; 150 000$; 468 500$, e 195 300$, e ainda um outro concelho, com 17 freguesias, recebeu, pela mesma ordem, 251 500$; 92 000$; 1 126 900$, e 723 900$.
Eis-me chegado ao fim dos comentários que entendi dever trazer ao conhecimento da Assembleia; mas não quero encerrá-los sem um veemente apelo ao Sr. Ministro das Obras Públicas e mais não fazendo do que ser intérprete do sentir da população barcelense. Tem S. Ex.ª visitado com louvável frequência o distrito de Braga e manifestado o maior interesse pelos seus múltiplos problemas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ainda recentemente se deslocou, em viagem inesquecível para as populações locais, dada a importância das inaugurações levadas a efeito, a Vila Nova de Famalicão e à Póvoa de Lanhoso, onde sentiu mais uma vez o carinho e a admiração que lhe tributa a gente sempre generosa e agradecida do nosso Minho.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os barcelenses, sabendo que existem no seu concelho escolas primárias para inaugurar; vivendo desde já a futura construção do Palácio da Justiça, com as implicações resultantes de uma adequada urbanização do local; preocupados com as precárias condições de funcionamento da sua escola técnica e da existência de terreno ideal para a construção do novo edifício, que convinha ser observado in loco; conhecedores da imperiosa necessidade da construção da nova ponte sobre o Cávado, de modo a facilitar o tráfego rodoviário, e das divergências entre vários sectores- técnicos quanto à sua localização; cônscios de que se torna mister promover a valorização do incomparável monte da Franqueira, essencialmente no que respeita à estrada de acesso ao Convento do Bom Jesus do Monte, às ruínas do Castelo de Faria, à Citânia, e finalmente à Ermida da Senhora da Franqueira, etc., ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... os barcelenses, dizia, anseiam por uma visita do Sr. Ministro das Obras Públicas, que há alguns anos não vai à sua terra, no convencimento de
que a sua presença e a observação real dos problemas algo de útil trariam ao progresso da região.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: foi talvez demasiado o tempo em que prendi a atenção de VV. Ex.ªs, mas julgo terem sido oportunas as palavras que proferi.
De resto, o mundo agrário, os aglomerados populacionais, não se conformam com atrasos na resolução de problemas que passaram a constituir uma das suas principais aspirações, motivo por que fundamentalmente não me ocupei de um problema local, nem mesmo distrital, pois tem efectivamente projecção nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Nunes Mexia: - Sr. Presidente: já antes da última conferência de imprensa sobre a economia nacional estava no meu pensamento a necessidade de chamar a atenção do Governo para o problema agrícola. O que então foi dito, se por um lado nos deu a conhecer estar presente nas preocupações dos responsáveis de hoje a existência de uma crise agrícola, por outro mais nos obriga a dar õ nosso contributo para o esclarecimento da situação actual.
Acontece que, embora nunca se tenha falado tanto sobre este tema, a verdade é que o panorama está longe de melhorar, antes pelo contrário. Do Minho ao Algarve cada vez é mais crítica a situação de quantos se dedicam à actividade agrícola, podendo mesmo afirmar-se que nalgumas regiões não se está longe do limite máximo da resistência possível.
Julgo conveniente recordar factos actuais e procedimentos anteriores, que há que ter em conta ao pretender criar-se ambiente propício ao despertar dos sectores privado e público, para uma renovação da economia portuguesa, como foi desejo expresso de S. Ex.ª o Ministro da Economia.
Creio não ser do desconhecimento da Assembleia que grande número de agricultores têm abandonado a actividade, ou para tentar melhor sorte noutros sectores que se mostrem mais aliciantes ou por a isso terem sido forçados por motivo de falência. Há imensas propriedades à venda e já nalgumas regiões se encontram terras por explorar. E notória a redução de investimentos no campo e em poucos anos passou-se de uma procura exagerada de terra para uma oferta a que só põe limite o baixo preço oferecido.
O êxodo agrícola, que em certa medida poderia representar um índice de desenvolvimento e de aumento de produtividade de trabalho, não o traduz por se estar a processar desordenadamente e pelos mais aptos.
O panorama é sombrio, desencorajador para os que continuam e em nada favorece o estado de espírito colectivo, as propagandas e especulações que assacam as responsabilidades àqueles mesmos que mais sacrificados têm sido.
O desconhecimento das verdadeiras causas determinantes da crise existente tem conduzido a injustiças de apreciação e levado muitos a profetizar os mais simplistas e ineficientes remédios. Mesmo daquelas fontes donde seria de esperar compreensão e realidades só têm vindo, a maior parte das vezes, confusão e recriminações, talvez com o fim único de passar as culpas a quem não as tem.
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Não se esqueceu ainda o País da campanha em que o caminho apontado para a salvação e progresso era a cultura do trigo, ...
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - ... e já se condena e se afirma que o mal está justamente em semeá-lo.
Fez-se outra campanha contra todos os que, embora em terras impróprias para culturas e por não haver aplicação rentável, as tinham de mato, e, como desse arrotear desordenado resultassem fenómenos graves de erosão, passou a apontar-se justamente a erosão como a causa das nossas fracas produções e ponto primeiro a vencer para tudo resolver.
Afirmou-se ao País que a água tudo soluciona e não se reconsidera porque será, pois, que as regiões dos nossos regadios tradicionais se encontram tão mal como as outras e até, em alguns casos, se está a dar o seu abandono.
Diz-se que o mal está na estrutura, ou porque é pequena, ou porque é grande, e quando se procura a boa dimensão que deveria ser sinónimo de empresa próspera, esta não se encontra.
Acusa-se também a lavoura de ser retrógrada e rotineira, mas não se dá a conhecer o que tem acontecido a vários que, acreditando em afirmações feitas, montaram as explorações tecnicamente mais progressivas para depois verem reduzidos os parcos rendimentos ou, pior ainda, terem de abandonar a actividade por tudo terem perdido.
Poderia apresentar mais casos e orientações que infelizmente só serviram para criar desconfiança e descrédito, mas não o julgo útil nem necessário para que se possa desde já concluir que o mal que ataca a nossa agricultura não está só nela, como tanta vez se pretende fazer crer.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, no período do pós-guerra toda a agricultara europeia tem sofrido crises, o que só vem provar que o nosso caso não é único. Será interessante ver como outros têm resolvido os seus problemas e estudar os seus ensinamentos, pois muitas vezes da comparação resulta uma mais fácil análise dos defeitos próprios, e do caminho já trilhado por outros podemos sempre tirar conclusões que nos ajudem a resolver os nossos casos particulares.
Dentro desta linha de pensamento, e tendo presente que um dos caminhos que hoje se apontam como necessários para uma melhoria no campo agrícola é o do aumento da produção, vejamos o que já nos dizia a F. A. O. num seu relatório, com data de 4 de Julho de 1952:
«Têm importância primordial para o aumento da produção agrícola os três factores seguintes:
1.º A segurança dos direitos da ocupação da terra perante a legislação.
2.º A segurança para o produtor de escoar os se as produtos a preços que lhe garantam o seu rendimento, cobrindo os custos de produção e o seu trabalho.
3.º A existência de um sistema de crédito ao alcance do produtor, em -termos de ajustamento com as necessidades da sua vida.»
Convirá analisar se estes três requisitos, considerados fundamentais, estarão satisfeitos entre nós, pois, sendo hoje corrente acusar a lavoura de tibieza na evolução, talvez encontremos aqui matéria sobre a qual se impõe reflectir.
Quanto ao 1.º ponto, se não bastasse a intranquilidade criada através de várias campanhas, é absolutamente contrariado, pelo menos no caso do regadio, pelo decreto-lei ultimamente publicado sobre o regime jurídico da colonização interna.
Ao 2.º ponto respondem, de maneira convincente, a situação crítica em que se encontram os que na terra trabalham e os pedidos de há muito feitos e repetidos de revisão de preços e organização de mercados.
O 3.º ponto - crédito - tem constituído também fonte de preocupação, principalmente quanto aos prazos praticados, que não se coadunam com as exigências da vida agrícola, e, para não me alongar, limito-me a transcrever uma passagem de uma publicação da O. E. C. E. (Tendances des Politiques Agricoles depuis 1955) com data de Julho de 1961:
«A comissão encarregada de determinar se os meios de crédito agrícola eram suficientes recomendou a Portugal que aumentasse os meios de crédito, mas ainda nenhuma medida foi tomada a esse respeito».
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - Creio não serem necessários mais comentários e que de uma meditação ponderada do que ficou dito certamente resultará uma indicação do que se impõe fazer, como também uma mais justa apreciação das causas da situação presente.
Vejamos agora quais os objectivos fundamentais da política agrícola definida pelos membros da O. E. C. E.:
1.º Assegurar às pessoas que exercem actividade agrícola um nível de vida satisfatório em relação ao nível geral do País, assim como um rendimento aos capitais investidos na agricultura equiparável aos dos outros sectores.
2.º Facilitar uma agricultura mais eficaz e mais competitiva, para que se torne menos necessária uma ajuda permanente.
3.º Tornar possíveis ao consumidor preços razoáveis.
Como não podia deixar de ser, estão contidas nestes objectivos as grandes aspirações que também nos norteiam.
De facto, constitui preocupação dominante e urgente que se alcance, a curto prazo, para todos os que trabalham no campo um nível de vida equiparável ao dos que exercem actividade noutros sectores da economia nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É imperioso que o fruto do trabalho agrícola renda mais, para que se possibilitem melhores salários; é injusto que o trabalhador não beneficie de um esquema de previdência análogo aos do comércio e da indústria, pois económicamente é o mais débil.
E necessário que o capital encontre remuneração na agricultura, sem o que cada vez se retrairá mais, tornando-se impossível todo o progesso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: bem longe nos levariam as considerações a fazer sobre os objectivos enunciados, mas creio ser mais útil determo-nos antes sobre as indicações de actuar para os alcançarmos, conforme os ensinamentos das numerosas experiências feitas.
E corrente considerarem-se as medidas a tomar divididas em duas categorias: medidas imediatas, as que afectam directamente os preços e a comercialização; medidas a longo prazo, as que não afectam directamente os preços.
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Para execução da política apontada, necessária se .torna a adopção de uma simbiose dos dois tipos de medidas. Enquanto as do primeiro tipo, como se depreende da sua designação de imediatas, se destinam a resolver situações de emergência e a manter a vitalidade necessária para que a actividade possa resistir e evoluir, as do segundo, medidas a longo prazo, têm por fim facilitar, estimular e encaminhar essa evolução num sentido de previsão para o futuro.
Se é verdade que as primeiras não corrigem defeitos nem indicam caminhos, também não o é menos que, para evoluir, são necessárias possibilidades e resistência económica para colaborar e aguardar o efeito das medidas a longo prazo.
Entre nós muito pouco se tem atendido às medidas do primeiro tipo e certamente por isso a situação está no ponto a que chegámos.
Em nome de uma falsa defesa do consumidor, tem-se mantido, e até nalguns casos baixado, o preço dos produtos agrícolas, embora dentro das suas cada vez mais fracas possibilidades a lavoura tenha aumentado progressivamente os salários e compre cada vez mais caro tudo quanto necessita.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Reconhece-se que o nosso clima é adverso, que o nosso solo é pobre, que há gente de mais na actividade agrícola, que não estamos avançados, mas pretende-se que a nossa lavoura cumpra como não o conseguem as agriculturas dos países mais bafejados pela sorte e pelo progresso.
Compra a nossa lavoura tudo quanto necessita para a sua actividade aos preços mais altos praticados na Europa, vende o que produz a preços inferiores a todos, salvo para o caso de alguns cereais, que, contudo, vende mais barato que os países de clima similar. Com um solo e clima piores, torna-se evidente que tal estado de coisas só é possível com o sacrifício do produtor e trabalhador agrícolas.
Não pode, nem é conveniente, manter-se tal situação, sendo até por tanto se ter persistido que agora é preciso actuar com mais largueza, para que, num futuro próximo, não seja necessário pedir sacrifícios incomportáveis aos consumidores ou ao Tesouro, o que já o caso da batata e do arroz deixam antever.
Ainda há poucos anos, mercê de preços remuneradores, éramos excedentários em arroz e alcançámos rapidamente as técnicas de cultura mais avançadas, tendo-se realizado investimentos particulares vultosos num sentido de incremento, e desde logo se iniciou um aumento progressivo dos salários. Com uma baixa de preço e uma não actualização que se impunha, por terem aumentado os factores de produção, desde logo se deu, se não uma contracção, pelo menos uma paragem, na evolução, que faz com que já hoje tenhamos de importar arroz, com todos os inconvenientes de uma saída de divisas que tão necessárias nos são.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Enquanto um aumento de $20 a $30 por quilograma teria sido suficiente para manter a nossa produção, a proposta de fornecimento mais baixa e para o arroz mercantil em branco C. I. F. Lisboa acarretará um prejuízo de $4728 por quilograma ou exigirá um aumento correspondente de venda, e isto se for dispensado de direitos alfandegários. Para o arroz mercantil em película, o que mais nos interessaria, porque algum trabalho ainda seria da nossa indústria, o aumento necessário para cobrir a despesa seria de $6459 por quilograma sem direitos, isto é, a diferença para mais é da ordem do dobro do aumento que teria bastado para manter a nossa posição anterior. O prejuízo, mesmo a ser suportado pelo Tesouro, caso de não haver aumento de preços, acabará, no fundo, por ser pago por todos, logo, de uma ou de outra forma, pelo consumidor, e daqui o eu ter dito atrás que era em nome de uma falsa defesa do consumidor que se mantinham os preços.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A não ser revista, sem demora, a posição tomada, dentro de pouco tempo outros produtos se juntarão à lista dos que já escasseiam e cada vez estaremos mais longe de uma solução possível. Não nos podemos esquecer de que em agricultura não se improvisa, há que dar tempo ao tempo, os reflexos de uma campanha ou os efeitos de uma medida não são imediatos. Num ano prepara-se a terra para semear no outro; para ter uma nova vaca e até dar leite são precisos dois anos ... E muito mais rápido desfazer, e o grave é que quando nos apercebemos de que se andou errado foram anos perdidos, dificilmente recuperáveis.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O não se ter de há mais tempo actualizado o preço do leite, que até hoje é inferior em $20 por litro ao praticado em 1945, está criando sérias dificuldades ao abastecimento, e, a manter-se a situação, é inevitável que começará, se não começou já, o abate de vacas leiteiras, criando-se então uma situação que depois só em anos será recuperável e com evidentes prejuízos para todos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: a situação grave que atravessa a agricultura e os efeitos que já se fazem sentir no complexo da economia nacional só provam que é urgente o recurso às medidas do tipo imediato, até para criar o clima e a resistência económica que tornarão possíveis a realização e a espera dos efeitos que são de prever das medidas a longo prazo já em curso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - De nada servirão planos, por mais bem arquitectados que sejam, se aqueles a quem se destinam não estiverem em condições de os realizar ou de neles colaborar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E preciso inverter o sentido do que se está passando e, para isso, dar cumprimento àquele princípio fundamental, indicado pelo conselho da F. A. O., de ser necessário estabelecer a segurança para o produtor de escoar os seus produtos a preços que lhe garantam o seu rendimento, cobrindo os custos de produção e o seu trabalho.
Aliás, trata-se de um princípio basilar de justiça, a que nada há a contrapor, como o prova a voz autorizada de S. S. o Papa João XXIII na passagem que transcrevo da sua encíclica Mater et Magistra:
Verdade é que os produtos agrícolas são pré-ordenados a satisfazer, antes de mais, necessidades humanas primárias, pelo que os seus preços devem ser
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tais que os tornem acessíveis à totalidade dos consumidores. É, porém, claro que não pode aduzir-se essa razão para forçar toda uma categoria de cidadãos a um estado permanente de inferioridade económico-social, privando-a de um poder de compra indispensável ao seu digno nível de vida, o que também está em contraste com o bem comum.
As perspectivas do ano agrícola em curso são, na generalidade, más e vêm dar ainda mais razão de urgência às medidas de carácter imediato que é preciso adoptar. Não sendo de prever disponibilidades do Tesouro que permitam colmatar as faltas, necessária se torna a revisão imediata dos preços dos principais produtos agrícolas - leite, cereais, carne - para que seja possível a essa actividade continuar a desempenhar o papel que lhe compete no engradecimento e defesa da Pátria.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sanada a situação de momento, restabelecida a confiança, poderemos então pensar no futuro e ver com mais clareza quais as medidas a longo prazo que nos convém equacionar para dar cumprimento às aspirações e objectivos tão bem sintetizados pela O. E. C. E., como referi.
Não cabe numa intervenção deste molde fazer-se uma análise completa de todas as facetas do problema, mas não posso deixar de referir, pela importância de que se revestem, um tipo de medidas a longo prazo muito faladas entre nós mas que ainda não entraram no campo das execuções. Refiro-me aos planeamentos regionais.
De há muito que vem sendo apontada a necessidade de tais medidas, quer nesta Assembleia, onde já em 1959 largamente se debateu o problema, quando da promulgação da Lei n.º 2099, quer em referências feitas em numerosos pareceres da Câmara Corporativa, quer ainda nas palavras de S. Ex.ª o Secretário de Estado da Agricultura ao mostrar a esperança que deposita no planeamento regional como a melhor via para o progresso económico.
As razões invocadas têm hoje mais validade do que nunca, pois cada vez se verifica um maior desnível entre as diversas regiões do País.
A actual crise da agricultura, privando uma grande massa da nossa população de um poder de compra conveniente, reflecte-se, em primeiro lugar, no comércio local, que arrasta no seu infortúnio, e produz a estagnação ou torna pouco sedutora a indústria em tais regiões; tudo se combina assim para um maior agravamento da situação, o que impõe urgência não só às medidas atrás preconizadas, mas também a todas aquelas que têm por fim uma valorização integral dessas regiões.
Definidas as condições básicas para um planeamento nacional e territorial pelo Decreto-Lei n.º 44 652. necessário se torna completar a legislação quanto à parte regional e sobretudo que não se atrase o início dos trabalhos, pois parece que há acordo prévio em que o mal principal está em não se ter já começado. Aliás, até os investimentos sectoriais em que estamos empenhados impõem uma completa coordenação ao nível regional para que possamos tirar deles o máximo proveito. E o que se conclui da apreciação do que se tem passado nos países pioneiros de tais medidas de valorização, e ainda que é indispensável interessar as populações locais nas realizações futuras, e isto desde os planos, para que todos sintam a obra como sua e assim contribuam o mais possível para o seu completo êxito.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A descentralização preconizada no parecer da Câmara Corporativa e já aqui defendida pelo Deputado Armando Perdigão merece a minha completa concordância.
De longe nunca se criam aqueles contactos pessoais que levam ao perfeito conhecimento das aptidões e aspirações locais, nem se cria uma vivência que estimule iniciativas e estabeleça confiança mútua, bases fundamentais para elaboração de planos aceites e realizáveis com pleno rendimento.
Se as grandes linhas mestras da planificação só cabem indubitavelmente num plano nacional, a coordenação para cada território caberá ao plano territorial, mas a elaboração com todo o seu pormenor e a execução dos planos definitivos devem caber à região, pois exigem uma integração perfeita no meio ambiente e um contacto permanente com a população local.
De outra forma nem se criam esses pólos de atracção, que virão a ser os centros de comando do desenvolvimento regional, e que tão necessários são como estímulo e exemplo em regiões que, pelo seu atraso, levam ao desencorajamento das iniciativas e à fuga dos mais aptos.
Parece-me evidente que, a não ser assim, a manter-se todo o comando centralizado nos grandes pólos de atracção já hoje existentes, dificilmente iremos contrariar essa aglomeração que já hoje se verifica; se para resolver qualquer' problema é preciso ir a Lisboa ou ao Porto, é natural que para aí acabem por convergir as sedes e comandos de todas as iniciativas ou empresas que se venham a formar.
Assim, só iríamos em última análise promover uma ainda maior centralização da técnica e do capital, causa já hoje do desigual desenvolvimento regional.
Sr. Presidente: já fui demasiado longo, mas não posso terminar sem fazer uma referência ao que aqui foi dito sobre planeamento regional.
Também a mim me parece que uma das regiões a delimitar virá a ter o Alentejo como base e, dados os grandes investimentos já preconizados para esta província, é necessário começar quanto antes a elaboração dos planos de conjunto.
Também creio que as juntas distritais poderão vir a ser os futuros centros de desenvolvimento sub-regional, desde que a sua orgânica seja completada por forma a dar entrada e representação a todos os interesses locais, e convenientemente dotadas para poderem montar os serviços indispensáveis ao bom cumprimento das novas missões. A coordenação das sub-regiões caberia depois à Junta de Planeamento Regional, verdadeiro centro director e impulsionador das actividades necessárias a uma valorização integral.
Assim, em esquema sumário, teríamos completo o sistema para se poderem iniciar os trabalhos de planificação e estudo de possibilidades locais, dando a maior audiência possível para que, desde logo, se alcance aquela colaboração que é indispensável ao êxito das futuras realizações.
Definido o meu pensamento quanto às linhas gerais e chamada a atenção para o carácter de urgência não só desta política de valorização regional como para aquelas medidas imediatas que parecem indispensáveis, termino, afirmando a minha confiança na resolução da crise agrícola.
Um fracasso num sector que ainda hoje interessa a pelo menos 40 por cento da nossa população comprometeria irremediavelmente todas as possibilidades de êxito na luta em que estamos empenhados, pelo que não é de admitir, tanto mais que o sector agrícola, consciente da responsabilidade que lhe cabe, só necessita de possibili-
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dades para melhor poder cumprir, e o conhecimento da crise actual mostrado pelo Governo é penhor seguro de uma pronta e eficaz actuação, como o exige a natureza do problema.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Délio Santarém: - Sr. Presidente: os aglomerados populacionais formam-se e desenvolvem-se através de uma teia intrincadíssima de mil problemas e de milhares de solicitações e os homens que constituem esses aglomerados apresentam-se, simultânea e fatalmente, aos olhos dos observadores, como os delirantes criadores desse mesmo labirinto e os activos desbravadores dos caminhos mais directos à sedutora miragem do bem-estar social.
Mas é sempre, nesta insatisfeita vida terrena, um caminhar árduo, cada vez mais penoso e sem fim.
Pode traduzir-se, num quadrante de gigantesco caleidoscópio, pela imagem de um exército que venceu a terra firme; ultrapassou as areias do deserto fustigado pelo vento e tisnado pelo sol; entrou no lodo e caiu no pântano onde cada soldado se viu isolado, entre um emaranhado de varas esguias, encharcado até aos ossos e sentindo como que o peso do mundo acorrentado a seus pés. Mas outro exército surgiu depois e sempre mais outro e a caminhada continua indefinidamente.
Nem todos os homens, nesta campanha da vida social, tomam a mesma direcção, embora procurem - os bem intencionados - o mesmo fim, ou os mesmos fins. E é uma graça divina esta diversidade de boas inclinações.
Realmente, se todos nos dirigíssemos para o mesmo extremo da barra em equilíbrio, fatalmente cairíamos no abismo e tudo seria perdido.
As sociedades são, graças a Deus, umas autênticas bilionárias desta diversidade.
Julgo até que esta expressão - bilionárias -, que escolhi por me parecer sugestiva, quanto à ideia quantitativa dessa diversidade, peca, apesar de tudo, ainda por defeito, porque a principal determinante nos rumos das actividades humanas vem mais de um fundo constitucional, que é de concepção sobrenatural, que da força formativa adquirida na ambiência temporal.
Ora as obras divinas processam-se sempre na escala infinita. Podem os psicólogos julgar que catalogaram hoje todas as formas de temperamentos, das inclinações individuais, mas cada dia que nasce lhes fará aumentar o rol dos casos já estudados ou definidos.
Há que estar atento à distribuição dessa graça e tudo tentar para que a obra do Criador não seja deformada nem esquecida pelas criaturas.
Ora, Sr. Presidente, tenho, naturalmente, deixado deambular o meu pensamento nestas divagações - que V. Ex.ª, Sr. Presidente, e VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, poderão achar impertinentes -, porque me seduziu a ideia de tratar aqui de tantas inclinações individuais perdidas, de tantas vocações que não conseguiram germinar por não lhes termos dado todos os meios propícios ao seu desenvolvimento integral.
Simultaneamente julgo, assim, também conseguir explicar a minha insistência nesta Assembleia sobre assuntos relacionados com a educação nacional. Realmente, isto acontece sobretudo por inclinação natural, embora algo também pelo muito que a formação de um médico se prende com toda a ambiência do corpo e do espírito.
Sr. Presidente: há cerca de dois anos, e como presidente de uma comissão de tirsenses que ao Ministério da Educação Nacional se dirigiu para pedir a restituição ampliada do antigo liceu de Santo Tirso, tive já o ensejo de poder dizer ao nosso brilhantíssimo companheiro nesta Câmara - quando S. Ex.ª no seu gabinete de Ministro da Educação Nacional continuava a encher de prestígio e de dignidade aquele importante departamento do Governo - que, estabelecendo a Lei Fundamental do Estado o livre acesso de todas as classes aos benefícios da civilização e sendo a cultura um desses benefícios, e, sem dúvida, um dos maiores, se tornava um imperativo da consciência administrativa proceder ao alargamento perfeito dessa cultura, só possível de obter através da descentralização do ensino.
Concentrado este nas principais cidades, por um lado, mantém-se alheio ao apelo de tantos que vivem longe delas e não possuem bens de fortuna capazes de lhes permitir deslocações frequentes ou demoradas; por outro, arrasta famílias inteiras que, no objectivo de poupar despesas volumosas, acompanham os filhos para os grandes centros de estudo, dessangrando a vida provincial, muitas vezes do seu melhor, e agravando o tão famigerado e preocupante fenómeno do urbanismo.
Difundindo-se mais, por muitos pontos do País, tantos elementos de civilização e progresso, que nos grandes meios chegam até a embaraçar as funções, consegue-se desanuviar estes de certos empecilhos; estabelece-se uma transição mais suave, menos perturbadora, para todos aqueles que da província vão para os grandes meios, onde tantas grandezas e solicitações os podem perder ou, pelo menos, levar à perplexidade; e distribuem-se mais equitativamente os usufrutos do património nacional, do património de todos nós.
Ninguém duvida de que é no meio que se encontra a virtude e que sobre todos nós recai a obrigação de conseguir, se não um equilíbrio estável, pelo menos contrariar o desequilíbrio perigoso.
Ora, apesar do reconhecido esforço do Governo, nós vivemos, quanto à distribuição da cultura, ainda em evidente desequilíbrio. Desequilíbrio menos nefasto para o prato da balança, que se afunda no abismo da complexidade pela potência da sobrecarga, do que para a outra banda, que se esvai nas alturas por ausência de qualquer peso específico.
Para restabelecer o equilíbrio, ou, vá lá, para não agravar o desequilíbrio, é fundamental levar até à periferia de todo o nosso território uma mais intensa pulverização do ensino médio.
No campo do ensino primário tem sido activa essa divulgação, e nunca é de mais destacar, ao recordar a luta ingente contra o analfabetismo, a brilhantíssima, a eficientíssima acção que desenvolveu nesse campo o nosso ilustre colega Dr. Veiga de Macedo quando, com grande entusiasmo, desempenhou o cargo de Subsecretário de Estado da Educação Nacional.
Relativamente ao ensino superior, está reconhecida a necessidade de dar às Universidades do Porto e de Coimbra as Faculdades e institutos que lhes fazem falta para poderem satisfazer cabalmente as obrigações devidas às densas populações das respectivas áreas. Salta-me neste momento ao pensamento o diploma que criará a Escola Nacional de Saúde Pública, que cheguei a estudar convencido de que seria aqui apreciado este ano.
Tive então a oportunidade de verificar que essa Escola se instalará - e muitíssimo bem - em Lisboa. Todavia - sempre com o pensamento agarrado a uma distribuição equitativa de benefícios -, atrevo-me a lembrar a necessidade de um desdobramento, dado que a Escola terá, fatalmente, número elevado de candidatos a alunos do Norte, onde a população do País mais se acotovela.
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A cidade do Porto está naturalmente indicada para acolher esse desdobramento, por todas as razões, e até porque foi lá que tanto se celebrizou o eminente Ricardo Jorge.
Sr. Presidente: mas é sobretudo do ensino médio que especialmente me desejo ocupar.
Por várias vezes, nas minhas intervenções nesta Câmara, tenho feito referências à minha terra, citando alguns exemplos nela colhidos. E se agora mais uma vez o vou fazer, não é por excessivo bairrismo ou pelo desejo de reduzir a restrito âmbito local ou regional uma questão que tem de ser apreciada no plano nacional.
Parece-me óbvio que não viria aqui apresentar-me com características de um egocentrista a advogar uma política de descentralização.
É na amplitude nacional que quero tratar do problema e aqui categoricamente declaro que os exemplos que trago da minha terra têm, evidentemente, similares por esse Portugal fora. Unicamente me refiro aos exemplos de Santo .Urso, porque são do meu mais exacto conhecimento. E, isto bem entendido, continuemos.
Nestes últimos anos, pelos meses de Outubro, têm surgido, na cidade do Porto, grandes preocupações quanto à acomodação da população escolar nos liceus sempre superlotados. À última hora lá se solucionam os casos, não importam] o contar como nem exactamente quando. Basta que aqui fique bem patente a necessidade da descentralização que se está a desejar realizar - e muito bem - na direcção dos grandes meios urbanos de Matosinhos e de Vila Nova de Gaia. Cumpre-me, nesta oportunidade e como Deputado pelo distrito do Porto, pedir ao Sr. Ministro da Educação Nacional a solução urgente destes dois casos. Mas é preciso ir mais longe, com uma pulverização do ensino médio bem doseada.
Desejo referir-me, por exemplo, à manifesta necessidade da criação de um liceu em Santo Tirso. E é esta necessidade que me sugere algumas considerações sobre as inclinações individuais.
Tem sido incansável a acção do Governo, particularmente a dos Ministérios da Educação Nacional e das Obras Públicas, no desenvolvimento e descentralização do ensino técnico. Em brilhantíssimo e recente discurso, o Sr. Subsecretário de Estado da Educação Nacional salientou que cerca de 130 000 jovens frequentam este ano o ensino técnico. E a todo o momento estamos a tomar conhecimento de mais uma escola criada ou da inauguração de roais um edifício para esse fim.
A milha terra não foi esquecida, e logo no primeiro ano de funcionamento da sua nova escola técnica ficou provada a razão dos insistentes pedidos dos tirsenses.
Com efeito, a nova escola, enorme, airosa e bem apetrechada, foi considerada insuficiente logo no primeiro ano da sua inauguração.
De tal forma a frequência excedeu os cálculos mais optimistas que o Ministério da Educação Nacional se viu obrigado a tomar de arrendamento um grande prédio, de que é proprietária a Misericórdia local, para aí alojar os alunos que o edifício acabado de inaugurar já não podia comportar.
A escola, calculada para 500 alunos, teve, no seu primeiro ano lectivo de 1959-1960, a frequência de 531; no ano seguinte, 1960-1961, 653; em ]961-1962, 792, e no ano. corrente anda na margem dos 1000 alunos.
Tanto basta para demonstrar não só a necessidade urgente de se proceder à ampliação das instalações da escola, mas, especialmente, a falta que em Santo Tirso faz um estabelecimento liceal.
Esta lacuna obriga a drenar para a escola em referência elevado número de indivíduos de ambos os sexos, aos quais a carência de meios económicos bastantes impede de se inscreverem em institutos particulares ou liceus fora do concelho.
Esta situação acarreta, como é evidente, dois inconvenientes manifestos: desvia do caminho natural as aptidões pessoais, prejudicando com valores frustrados a região e o País; gera no ensino técnico a ocupação de lugares que deveriam estar reservados para as vocações próprias dele.
A criação de um liceu facilitaria, assim, aos menos providos de bens pecuniários o acesso a estudos que, nas circunstâncias presentes de Santo Tirso, lhes está praticamente vedado, permitindo à escola comercial e industrial votar toda a atenção à grande massa de alunos que, realmente, se interessa pelo estudo das especialidades respectivas.
E já se não falará da excepcional vantagem comum em que se mantenha acesa a braseira tradicional da formação humanística.
Tem o Governo, desde há anos, dedicado atenção especial e precisa à divulgação do ensino técnico comercial e industrial; todavia, como se não regista um ritmo relativo no desenvolvimento do ensino liceal, é já pertinente pensar no prejuízo que representa para o País a deformação das inclinações pessoais e no risco de se cair num pletorismo da técnica à custa da esquema dos mais caros valores espirituais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E verdade que - mas ainda dentro do ensino técnico - existe em Santo Tirso um meio derivativo valioso, que é a Escola de Agentes Rurais Conde de S. Bento.
Esta Escola deve apresentar-se como modelo de magnífica preparação técnica e de óptima formação do carácter.
Dali saem rapazes que patenteiam, em todas as eventualidades, desenvolvidas e aperfeiçoadas aquelas admiráveis virtudes ancestrais próprias dos que se entregam ao trabalho duro da terra e à contemplação da Natureza.
E num país em que os modernos conhecimentos da ciência agrária continuam a representar apanágio de um escol restrito e perante a nova organização da economia europeia, que exige da vida campestre poderoso esforço de aproveitamento, a Escola de Agentes Rurais de Santo Tirso deve, para bem da economia nacional e sem prejuízo da sua actual função, ser elevada à categoria de escola de regentes agrícolas. Desta forma se daria mais fácil acesso a esta especialização à população que se aglomera para o norte de Coimbra, cidade onde actualmente se situa a única escola deste género que serve toda esta populosa região.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: mas de tudo quanto acabo de dizer desejo sublinhar a necessidade de uma maior expansão do ensino liceal, não só - repito - com o objectivo de se aproveitarem todas as vocações, mas também para evitar as deformações profissionais, ora mais de recear pelo grande desenvolvimento dado ultimamente ao ensino técnico.
Mais uma vez, Sr. Presidente, vou trazer de Santo Tirso um exemplo, que, com certeza, se constata em muitos outros pontos do País.
Orgulha-se a minha terra de ter contribuído para o governo de Salazar com dois distintos Ministros da Educação Nacional, professores Carneiro Pacheco e Pires de
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Lima, e actualmente com o ilustre Subsecretário da Administração Ultramarina, professor Silva Cunha.
Nesta altura, dois tirsenses são professores na Universidade de Lisboa, outros dois na Universidade de Coimbra e cinco na Universidade do Porto.
As bibliotecas estão enriquecidas com valiosas obras de escritores tirsenses contemporâneos.
Mas pergunto, Sr. Presidente: de quantas vocações, de quanta riqueza espiritual em potência, se vem privando o património nacional por falta de uma integral aplicação do preceituado na Constituição relativamente ao livre acesso de todas as classes aos benefícios da civilização?
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Li, relativamente há pouco tempo, que cerca de metade dos jovens que concluem a instrução primária, isto é, mais de 50 000 por ano, suspendem os seus estudos.
Ora isto, Sr. Presidente, é a dolorosa consequência de uma deficiente distribuição do ensino médio.
Sr. Presidente: ainda não terminei e parece-me já ouvir murmurar: E a falta de mestres? E a modéstia da nossa economia?
Realmente, é desoladora a imagem de uma fonte sem água. Todavia, não me impressiona melhor a resignação com a incongruência de esperar que a água precisa para o ensino liceal possa vir dos terrenos onde se desenvolve o ensino técnico.
Ainda recordo que os melhores professores - pelo menos os mais bem preparados - estão desaproveitadíssimos, em virtude da dispersão das suas actividades, com notável prejuízo do número de horas de aula.
Por outro lado, entendo -como resultado de uma modesta experiência na economia caseira - que a velha sentença de «semear para colher» continua a merecer o respeito dos povos.
E não faltam sementes - as magníficas vocações - a que devemos facultar os meios necessários para germinar e dar frutos.
Enfim, Sr. Presidente, não desejo adormecer na melancolia de uma fonte sem água, mas, sim, e resolutamente, abraçar o conceito - nesta Câmara já recordado - de que se semear dá.
Sr. Presidente: mais uma vez ocupa o lugar supremo no Ministério da Educação Nacional um eminente professor universitário. Levou consigo, para o desempenho dessa alta função, um passado cheio das melhores recomendações. Mestre insigne de Direito, provou, no Tribunal Internacional da Haia, que Portugal é, neste pobre Mundo desorientado e muito pervertido, o paladino intemerato defensor do direito, da justiça e da honra e marcou para sempre a miserável Índia de Nehru com o ferrete da ignomínia, do roubo e do assassínio.
Além de muito saber e de muito talento, o Sr. Ministro da Educação Nacional é possuidor de um ânimo forte, resoluto e confiante. Em S. Ex.ª vive a certeza de que se semear dá.
Sr. Presidente: comemora Santo Tirso, no ano corrente, o centenário da sua elevação à categoria de vila; e ansiosa, hoje como sempre, de contribuir para o enriquecimento da cultura em Portugal, vai realizar, no próximo mês de Julho, o Congresso Internacional de Etnografia, a que o Governo e a benemérita Fundação Gulbenkian já deram honrosíssimo e indispensável apoio.
Esforço ingente é este - tanto mais para realçar quanto é certo ser a primeira vila em todo o Mundo que se atreve a tão difícil empresa a favor da cultura - que bem merece, realmente, a mais animadora colaboração do Governo.
E melhor, Sr. Presidente, não podem desejar os tirsenses, neste seu ano jubilar, que a restituição com promoção do seu antigo liceu e a elevação da sua escola de agentes rurais a escola de regentes agrícolas.
Representaria isto, Sr. Presidente, a hora D do início da batalha pela divulgação da cultura imposta pela Constituição e a que é preciso dar verdadeiro sentido ecuménico.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar), relativas ao ano de 1961.
Tem a palavra o Sr. Deputado Santos Bessa.
O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: suponho que, na minha já excessivamente longa permanência nesta Câmara, nunca deixei de intervir na apreciação dos projectos de Lei de Meios que o Governo anualmente apresenta à Assembleia Nacional e, também, que nunca deixei de aproveitar essas oportunidades para expor, como as sentia, as necessidades do meu distrito e de analisar, como julgava mais conveniente, certos aspectos da saúde pública do nosso país e particularmente aqueles que, pela sua incidência e pélas suas graves consequências, reclamavam mais urgente solução.
Afigura-se-me lógico que aproveite a apreciação das Contas Gerais do Estado para rever o que se tem feito a respeito de alguns dos problemas aqui apontados e para chamar novamente a atenção do Governo para os que continuam a aguardar oportunidade de serem convenientemente resolvidos. Sirvo-me, para isso, essencialmente, deste excelente parecer que a ilustre Comissão das Contas Públicas nos facultou. Louvo, a um tempo, a elegância, a seriedade, a concisão e a clareza deste magnífico trabalho. Endereço, por isso, aos nossos ilustres colegas que a compõem, e especialmente ao seu esclarecido redactor, as minhas entusiásticas felicitações.
Sr. Presidente: ao analisar estas Contas Gerais do Estado referentes ao ano de 1961, não posso esquecer que são as primeiras que são presentes à Assembleia Nacional depois que se desencadearam contra nós a ingratidão, a incompreensão, a injustiça e a ambição de muitos povos do Mundo, em cujo movimento quiseram também arregimentar-se países que sempre considerámos amigos e aos quais nunca negámos cooperação e auxílio, em momentos graves da sua história.
Estamos a ser vítimas desta lamentável política internacional, que se diz impelida pelos «ventos da história», que está corroendo os alicerces da civilização ocidental, do mundo cristão e que também atinge alguns daqueles países que, velada ou abertamente, aparecem como promotores ou defensores dessa mesma política.
O nosso forte sentimento patriótico, a consciência plena da razão que nos assiste, da obra de civilização que realizámos, dos direitos que temos e do dever que nos incumbe não nos permitem atitude diferente daquela que assumi-
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mós - a de mantermos nosso o que descobrimos e civilizámos e que faz parte integrante do património nacional.
Honra seja ao Governo que tão bem soube interpretar o sentimento nacional!
Homenagem de respeito, de, admiração e de louvor seja prestada ao Exército, que ocupa os pontos nevrálgicos do nosso ultramar e que tão nobremente, com tão elevado patriotismo e heroísmo, tem honrado as suas tradições!
É cem o pensamento nas excepcionais circunstâncias que nos impuseram e nas extraordinárias despesas que fomos obrigados a fazer que vou analisar certos aspectos destas Contas Gerais do Estado.
Nas considerações que vou fazer tenho forçosamente de limitar-me, por imposição regulamentar respeitante ao tempo, e por outras razões, aos problemas mais salientes da saúde pública. Mas não quero iniciá-las sem deixar aqui dois apontamentos, o primeiro dos quais é para declarar o meu mais inteiro aplauso à análise consagrada neste parecer ao problema rodoviário português, cujo passado, presente e futuro foram tão conscienciosa e corajosamente analisados. São 25 preciosas páginas, cujo conteúdo deve ser devidamente analisado e ponderado e cujas soluções devem ser procuradas, urgentemente, à luz dos altos interesses nacionais.
O segundo é para aplaudir o que no parecer tão justamente se afirma sobre a atenção que temos de prestar à melhoria na eficiência de pessoal, à necessidade de fazer reduções substanciais em serviços redundantes e em obras de carácter sumptuário, à economia em transportes em automóveis, etc., assunto de que já aqui nos temos ocupado.
Por isso mesmo, louvamos aquela atitude e chamamos para ela a atenção do Governo, dos directores-gerais e dos chefes responsáveis.
Estamos em fase delicada da nossa vida nacional, obrigados a satisfazer despesas extraordinárias e vultosas, forçados a recorrer a empréstimos para lhes fazer face, e, por isso, todos os dinheiros públicos devem ser aplicados com o maior cuidado, com vista à garantia do maior volume possível do seu rendimento. O carácter sumptuário de certos empreendimentos, cuja necessidade imediata nem sempre se descortina, pode ceder o passo, sem prejuízo e antes com manifestas vantagens materiais e políticas, às obras parcimoniosas, aos pequenos melhoramentos, realizados com a participação e a colaboração activa das populações. O rendimento dos investimentos será maior e a repercussão política das obras realizadas será muito mais substancial. Nem o prestígio dos serviços será afectado, nem será comprometido o desenvolvimento do País. Pelo contrário, esta orientação criará nas volumosas massas rurais o sentimento de reconhecimento que trará necessariamente um clima de maior relevo político.
Temos alguma razão para falar assim. Gomo já aqui disse, em todos os concelhos do distrito de Coimbra está em curso uma obra que reputamos do maior interesse regional e que, se fosse estendida a todo o País, poderia trazer-lhe incalculáveis benefícios materiais e políticos, com reduzidos investimentos de numerário do Estado.
Essa obra que está em curso nos 17 concelhos do distrito já aqui foi descrita por mim, aquando da discussão da Lei de Meios. Agora, não faço mais do que recordá-la, a propósito das contas públicas. E faço-o porque estou convencido de que, se o método se estendesse a todos os distritos, rapidamente se podiam atender muitas das prementes necessidades das populações rurais e mais fácil e logicamente se desenvolveria a política do bem-estar rural em que o Governo se encontra empenhado e a que nós demos inteira aprovação.
O que está a fazer-se nos 17 concelhos do distrito de Coimbra pode resumir-se assim: de Junho de 1960 a Dezembro de 1962 concluíram-se ou estão em curso 686 obras incluídas no Plano de pequenos melhoramentos rurais, classificadas como caminhos e arruamentos, abastecimentos de águas, pontes, edifícios paroquiais, cemitérios, etc.
O valor real destas obras é de 4 451 770$, representados por 1 215 090$ de subsídio do Estado, através do Governo Civil (isto é, 27 por cento), e por 3 238 630$ (73 por cento), que constituíram a contribuição das gentes das freguesias beneficiadas. Quer dizer: nas condições normais, para a realização destas obras, os subsídios do Estado subiriam a 2620 contos, em vez de 1215 contos. Mas mais do que estes 1405 contos que se pouparam ao Estado e que puderam ser aplicados noutras obras, contam o entendimento estabelecido entre o povo e autoridades, a cooperação voluntária daquelas gentes, a consciência que se lhes deu da obrigação e do prazer de realizarem as «suas obras». Mais do que os 3238 contos que constituíram a contribuição do povo, conta o espírito que se desenvolveu, a obra política de promoção rural que se está fazendo.
Antes de mais, e sem embargo das apreciações que vou fazer, quero afirmar que, tal como a comissão autora do parecer, também dou a minha aprovação a esta Conta Geral do Estado.
Sr. Presidente: fala-se habitualmente, com mais ligeireza do que seria para desejar, do nível de vida dos povos, do seu «padrão de vida», e até se fazem comparações e se sacam deduções com base em elementos abusivamente tomados como bastantes, mas que, na realidade, não são reconhecidos como suficientemente expressivos e válidos. E falo assim porque sei que até hoje não foi possível conseguir um padrão internacional para aferir esses níveis de vida. Cada povo e cada região têm as suas características próprias, que não se submetem a qualquer dos padrões propostos. Os dados estatísticos, por sua vez, não são obtidos com o mesmo critério. E esses críticos nem sempre atendem a isso.
Entre nós não têm faltado críticos deste género. Se fosse possível comparar o número destes nossos críticos com os do mesmo género nos demais países, se fosse possível obter uma estatística internacional dos críticos desta categoria, bateríamos, de longe, a grande maioria dos países ...
Por causa daquelas dificuldades é que se têm realizado, nestes últimos dez anos, várias reuniões internacionais, no sentido de as resolver.
Em Junho de 1953 reuniu-se em Nova Iorque um grupo de peritos,, convocado .por deliberação da 6.ª Assembleia Geral das Nações Unidas, ao qual foi cometido o encargo de estudar «a definição e avaliação dos níveis de vida sob o ponto de vista internacional». Nela participaram delegados da O. M. S., da F. A. O., da U. N. E. S. C. O. e do O. I. T.
Esses peritos não chegaram a definir uma fórmula, a encontrar um padrão de aferição, e limitaram-se a reconhecer a complexidade do problema e a sugerir que ele fosse encarado parcelarmente, por análise dos múltiplos factores que o influenciavam.
Recomendaram o uso de doze elementos, chamados indicadores sanitários, à cabeça dos quais colocaram a saúde e estado demográfico. Os outros onze são representados pela alimentação e nutrição; educação (compreendendo a instrução elementar e ensino técnico); condições de trabalho; situação quanto a emprego; consumo e pé-de-meia globais; transporte, habitações e instalações domésticas; vestuário; prazeres e distracções; segurança social; liberdades humanas.
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Em 1954, a O. M. S. fez reunir o Comité de Peritos de Estatísticas Sanitárias para se pronunciar sobre aqueles «indicadores sanitários para medidas dos níveis de vida» e, em Fevereiro de 1955, encarregou o escocês Sir Andrew Davidson, de Edimburgo, de proceder a um estudo prévio sobre o mesmo assunto.
Em Setembro de 1955, o O. I. T.- reuniu um grupo de peritos para discutir os inquéritos sobre as condições de vida das famílias.
Em Outubro do mesmo ano, em Genebra, sob a presidência do Dr. Sutter, então subdirector-geral da O. M. S., reuniu-se um grupo de peritos convocados pela O. M. S., por virtude da recomendação feita pelo Conselho Económico e Social das Nações Unidas nesse mesmo ano. O grupo elegeu para presidente o Dr. Ira Hiscock, de Yale, e classificou os indicadores sanitários em três grupos:
1) Respeitantes ao estado de saúde do indivíduo ou do grupo;
2) Referentes às condições do meio;
3) Concernentes u actividade sanitária.
Reconheceu também, depois de examinar os indicadores habituais, a necessidade de procurar indicadores práticos, embora reconheça que eles são de difícil aplicação, particularmente pelo que toca à saúde mental e ao bem-estar social.
Os indicadores mais adequados podem arrumar-se em dois grupos - os globais e os específicos.
Entre os globais parece que os que melhor satisfazem são: a taxa da mortalidade proporcional (como a proposta por S. Swaroop e K. Uemura, que se refere à proporção de mortes em relação aos 50 e mais anos, mas que prevê também outras comparações, abrangendo vários grupos etários); a esperança da vida (número médio de anos de vida futura dos indivíduos em qualquer idade); a taxa da mortalidade geral (número total de óbitos por 1000 habitantes e por ano).
Entre os específicos (indicados particularmente quando os inquéritos se referem a um aspecto particular ou a um factor isolado) apontam-se como mais expressivos: a taxa da mortalidade infantil (número de óbitos de crianças com menos de 1 ano por 1000 nados-vivos) que é considerada um elemento valioso, mas que reconhece também ser susceptível de influenciar-se por medidas especiais que houvessem sido adoptadas para as baixas idades da vida, sem que tivessem sido aplicadas outras que melhorassem o nível geral da vida da população. Tem-se como bom indicador do nível de saúde dos povos, por virtude da exposição da criança aos múltiplos factores ambientais - quanto mais baixo é o nível de vida, mais elevada será esta taxa.
A taxa da mortalidade específica por doenças infecciosas e parasitárias (número de mortes pelas doenças transmissíveis em relação a 100 000 habitantes) é também um bom indicador, visto que a frequência dessas doenças pode diminuir graças a medidas profilácticas.
O número de médicos e outros elementos com actividades sanitárias e sua distribuição geográfica é outro elemento valioso.
A taxa da mortalidade específica por tuberculose do aparelho respiratório (número de mortes por esta doença em relação a 100 000 habitantes) é igualmente importante, naqueles países com forte incidência tuberculosa. Concordamos, por isso, com o Dr. Santos Reis, ao incluí-lo entre os indicadores sanitários específicos significativos para Portugal.
A saúde e a demografia ocupam muitas páginas do parecer que estamos apreciando e de um apêndice que muito oportunamente se lhe juntou.
Por sua vez, tanto o ilustre relator, como um dos membros da Comissão - o Sr. Deputado Nunes Barata - e também outros ilustres Deputados se têm ocupado, por várias vezes, dos problemas demográficos nacionais. Uns e outros me dispensam de referências pormenorizadas sobre este assunto.
No entanto, no que respeita ao primeiro daqueles doze indicadores sanitários há pouco referidos - saúde e estado demográfico -, permita-se-me que pergunte: o que se passa em Portugal?
Sei que não é possível medir objectivamente a saúde individual ou colectiva, mas sei também que podemos apreciar os estados que dela se afastam e as suas consequências mais desagradáveis - a doença e a morte.
Há já em Portugal estudos recentemente feitos por utilização dos indicadores específicos que mencionei que nos habilitam a ter uma ideia do panorama sanitário português. Entre eles, destaco o do Dr. Santos Reis, há pouco publicado. Torna-se necessário conhecer o valor desses indicadores específicos se se quer conhecer as deficiências que possuímos e entrar resolutamente no estabelecimento de uma política de saúde. Eles indicarão a ordem de prioridade das resoluções a tomar.
Penso que chegámos ao momento de promover a ampla colaboração entre os Ministérios de que dependem os serviços sanitários, cuja necessidade foi aqui largamente demonstrada, fazendo a coordenação estipulada na base I da Lei n.º 2115, de 18 de Junho de 1962, da reforma da previdência e atribuída pela base II ao Conselho Social, inter-ministerial, a que preside o ilustre Chefe do Governo.
O que nos dizem os tais indicadores específicos?
«Entre 1926-1930 e 1951-1955, intervalo para que possuímos informações de todos os indicadores, houve uma diminuição de 61,9 por cento na mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias, de 55,2 por cento na da tuberculose do aparelho respiratório, de 38,2 por cento na infantil tardia, de 37,3 por cento na infantil, de 37,2 por cento na geral, de 29,1 por cento na proporcional de menos de 5 anos e de apenas 23,4 por cento na natalidade. Em contrapartida, o indicador de Swaroop e Uemura elevou-se de 44,6 por cento!» (Dr. S. Reis).
Pelo que respeita à taxa de natalidade, ela passou a estar abaixo de 30 em 1928, sem nunca mais ter recuperado aquele valor. Desceu até 1941 para 23,76.
No entanto, de 1941 a 1960, a natalidade parece estacionar.
A tendência para a descida, que foi quase contínua até 1956, melhorou depois e tem-se mantido com carácter estacionário, sofrendo ligeiras oscilações. Neste ponto, por isso, não estou de acordo com a afirmação feita no parecer, de que ela acusa «lenta, mas constante tendência para a descida».
A nossa taxa de natalidade continua a ser, felizmente, uma das mais elevadas da Europa.
Aliás, a diferença entre 1941 e 1961 é esta: 23,76 e 23,65.
Com esta evolução coincidiu recentemente um aumento da taxa da nupcialidade e uma baixa da taxa de ilegitimidade, que em 1961 atingiu os valores mais baixos de que há memória - era de 157 por 1000 nados-vivos em 1939 e passou para 57,3 em 1961. Destacam-se, com justificado júbilo, estes números.
De 1941 a 1960 a mortalidade geral descreve uma linha de descida com vários acidentes, desde 17,39 até
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10,41. Foi uma regressão que devemos considerar notável, embora tenhamos de lamentar aqueles acidentes que representam falências do sistema sanitário.
A Holanda, porém, já atingiu 7,6 por cento. No entanto, a este respeito, não estamos mal colocados do ponto de vista internacional, visto termos uma taxa mais baixa que u Grã-Bretanha, a França, a Bélgica e a Alemanha.
A mortalidade infantil, que desceu razoavelmente de 1940 a 1951, infelizmente passou a estabilizar-se, com ligeiras oscilações. É um aspecto delicado e grave da nossa saúde pública, já que esta taxa é um indicador valioso e expressivo do nível de vida e do estado sanitário da população.
Dentro da mortalidade infantil, há um elemento que só dificilmente desce - a mortalidade infantil precoce. E o que se tem visto na grande maioria dos países, mesmo naqueles em que a mortalidade infantil tardia sofreu baixas extraordinariamente fortes. A razão disso já aqui a disse, há tempos.
Temos ainda, porém, a mais alta taxa de mortalidade infantil da Europa. Para se ver a que distância nos encontramos, basta dizermos que a nossa taxa de mortalidade infantil foi de 88,60 em 1960 e que, no mesmo ano, a Holanda registou 16,5 por 1000 nados-vivos (aliás, a mais baixa do Mundo). A nossa taxa de mortalidade infantil tardia (número de mortes de 1-11m em relação a 1000 nados-vivos) é 15 vozes mais elevada que a da Suécia e 5 vezes mais alta que a da França.
Pelo contrário, neste mesmo período de 1940 a 1960 foi extraordinariamente acentuada a baixa das taxas de mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias e por tuberculose do aparelho respiratório. Não nos iludamos, porém, com estas reduções, porque elas não nos impedem que sejamos ainda os detentores das mais altas taxas de mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias e por tuberculose entre os diversos países da Europa.
Elas são seis vezes mais elevadas que as da Suécia e são duplas das da França.
Pelo que respeita a mortalidade proporcional, temos melhorado muito - temos melhorado mais que muitos outros países sanitàriamente bem cotados (muito mais que a Suécia, por exemplo), mas essa melhoria não nos permitiu a inclusão no grupo de países de bom nível sanitário. Também não estamos no grupo de baixo nível sanitário - ocupamos posição intermédia.
Quer dizer: vamos no bom caminho, mas como partimos de muito mais longe, temos de acelerar o ritmo de marcha paru chegar depressa onde os outros já estão.
O Sr. Virgílio Cruz: -Muito bem!
O Orador: - Acerca da esperança da vida, também a nossa situação é pouco invejável - temos valores muito baixos. A portuguesa, em 1957-1958, era de 59,8 ao nascer, enquanto a holandesa, em 1960, era de 72 para o sexo masculino e de 74 para o feminino (este é o mais alto do Mundo, no dizer do Prof. Muntendam).
Ressalta daqui que os problemas sanitários mais graves, aqueles a que temos de prestar mais cuidado e mais rápida atenção, são os da luta contra a tuberculose, o combate, às outras doenças transmissíveis e o da luta contra a mortalidade infantil.
Por várias vezes aqui o disse e agora o reafirmo, baseado em dados estatísticos que me merecem confiança.
Dispenso-me de salientar mais uma vez a necessidade urgente de impulsionar o desenvolvimento da assistência materno-infantil, para que possamos fazer desaparecer rapidamente esta situação dolorosa em que nos encontramos e que tão graves repercussões tem sobre a demografia portuguesa. A falta de meios não nos tem permitido alargar os serviços do Instituto Maternal às capitais de distrito - poucas são ainda as que, nestes vinte anos, viram chegar até elas as subdelegações do mesmo Instituto!
E no que se refere a serviços de consulta de pediatria e de internamento hospitalar de crianças nem é bom falar! Prefiro passar adiante.
Pelo que respeita à tuberculose, ainda recentemente me ocupei deste problema nesta tribuna e justifiquei a possibilidade e a necessidade de nos lançarmos numa política de erradicação dessa doença.
As baixas da mortalidade que têm sido registadas não nos devem iludir, não nos devem conduzir injustamente a um afrouxamento da luta. Aliás, a Suécia, muito melhor colocada do que nós neste capítulo, com taxas de mortalidade pela tuberculose seis vezes mais baixas do que as nossas, entende que deve prosseguir na luta, não abandonando mesmo a radiofotografia de massa.
Hans Bauer, do centro de radiologia médica da Suécia, no relatório do balanço anual da tuberculose em 1962, fez ressaltar a importância dos exames radiográficos de massa, não só para o diagnóstico da tuberculose pulmonar, mas também para o de outras doenças torácicas não tuberculosas, afirmando que nas últimas séries de radiofotos realizadas naquele país, de 1955 a 1960, foram diagnosticadas 4,38 por mil de tuberculoses ignoradas e descobertas 10,7 por mil de lesões pulmonares não tuberculosas (entre as quais 7,3 por mil de lesões cardiovasculares e 0,44 por mil de cancro de pulmões). Em menos de 500 000 pessoas (498121) sujeitas a radiofoto. descobriram-se 220 casos de cancro pulmonar!
A Suécia é um país dos mais adiantados na luta anti-tuberculosa, onde esta doença deixou de ser flagelo social e onde a tuberculose aberta se verifica só nesta proporção - menos de 1 para 2000 habitantes (0,48 por mil). Pois, apesar de tão baixa taxa de disseminação, ainda em 1959 se registaram 3038 novos casos de tuberculose, 1077 dos quais eram de tuberculose aberta. Destes, 507 foram despistados pelo radiorrastreio de massa. Este método contribuiu muito para a baixa da mortalidade pela tuberculose na Suécia e aquele cientista considera-o o método mais eficaz e mais barato para a descoberta da tuberculose. Além disso, deve considerar-se praticamente inócuo, visto que no relatório de Gernez-Rieux e colaboradores, publicado no ano passado e referente a um inquérito internacional, afirmou-se que a quantidade de radiações que atingem os indivíduos que se submetem à radiofoto é «extremamente mínima». Não expõe a perigo genético nem a risco somático.
Aliás, nós, em Portugal, só sujeitamos a radiofoto os alérgicos a partir de certa idade; os anérgicos não são sujeitos a radiofoto nem a telerradiografia.
Porque a tuberculose atingiu ali uma tão baixa representação, os serviços de saúde pública da Suécia discutem agora se se torna necessário continuar a radiofoto de massa ... A este respeito disse Hans Bauer, no ano passado:
... porque a tuberculose continua a constituir uma ameaça latente para a saúde da Nação, seria uma política de míope ficar inactivo e mostrar-se satisfeito com as actuais taxas, pouco elevadas, da morbilidade e da mortalidade e ser orientado sómente por motivos de economia.
Quando os suecos assim falam, o que devemos nós dizer?
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Não nos esqueçamos de que em 1959, na X Conferência Internacional de Istambul, se vangloriaram os sábios de possuírem drogas antibióticas que garantiam a prevenção e o tratamento da tuberculose e que, dois anos depois, em 1961, na XVI Conferência, em Toronto, os mesmos tisiologistas reconheciam que as estirpes resistentes aos bacteriostáticos usuais constituíam problema sério na luta antituberculosa.
Temos necessidade absoluta de continuar a luta, intensificando os modernos meios de que actualmente dispomos, e, ao mesmo tempo, substituir o material velho e cansado, que torna cara a campanha, que é a causa de sérios incómodos da população e que até afecta o prestígio dos diversos serviços do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O que disse aqui da última vez, por ocasião da discussão do projecto da Lei de Meios para 1963, mantenho-o integralmente.
O combate às outras doenças transmissíveis pode impulsionar-se rapidamente e de uma maneira notável se criarmos, com a devida amplitude, o Instituto de Higiene Rural, a que aqui me referi aquando da discussão da base XIX do estatuto da saúde.
Espero que o novo Ministro da Saúde e Assistência Social reconheça esta necessidade e que o ilustre Ministro das Finanças, a quem são devidos os mais justos louvores e agradecimentos pelo que tem permitido fazer neste campo da sanidade nacional, reconheça também a necessidade de prosseguir, permitindo mesmo, pelo reforço dos meios postos à disposição do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos, dar execução a um plano de política de erradicação da tuberculose em Portugal. E que, a par desta campanha, lançada com tanto entusiasmo e mantida com admirável tenacidade, se intensifique o combate às outras doenças infecciosas e parasitárias e se alargue substancialmente a possibilidade de expansão dos serviços de assistência à maternidade e à infância, confiados ao Instituto Maternal.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - No que respeita às considerações feitas no parecer acerca do Ministério da Saúde e Assistência, há algumas referências que ainda queria aqui fazer ressaltar, embora resumidamente, dado o avançado da hora.
A primeira delas diz respeito aos hospitais. Foi efectivamente notável o esforço que realizámos desde 1946, melhorando uns, alargando outros e fazendo muitos e excelentes novos hospitais. E ninguém achará despropositado que, embora a tão grande distância no tempo, recordemos aqui o nome do Dr. Trigo de Negreiros como impulsionador desta grande obra.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Isso permitiu-nos dispor hoje de mais de 12 000 camas nos hospitais centrais e regionais e de mais de 9000 camas nos sub-regionais. Atingimos, assim, 2,3 camas de hospitais gerais por 1000 habitantes. A Holanda, porém, atingiu 4 a 5 camas por 1000 habitantes.
No entanto, reconhece-se a necessidade de rever a nossa política hospitalar, pois ainda hoje se mantêm quase às mesmas condições que, há pouco mais de três anos, levaram o Sr. Director-Geral da Assistência a escrever, com transparente amargura:
Faltam, porém, hospitais regionais com a capacidade necessária e dotados das condições de funcionamento convenientes ao preenchimento da sua missão.
Ora estes devem ser considerados como a base, o alicerce, em que assenta toda a nossa política hospitalar.
Mas não se puderam construir os hospitais regionais que faziam parte do 1.º escalão da Lei n.º 2011, porque tiveram prioridade os centrais, para fins escolares. Daí resultou:
a) Que se construíssem hospitais sub-regionais - alguns deles mais postos hospitalares do que hospitais - em número e lugar que seriam de dispensar;
b) Que muitos passassem a funcionar fora do esquema inicial previsto na lei;
c) Que os hospitais regionais, completamente desprovidos de instalações, não preencham a sua função natural de apoio aos hospitais sub-regionais, dando assim lugar a
d) Que os hospitais centrais se encontrem afogados por uma onda de doentes que não deviam ali dar entrada e, por isso, perturbam completamente a sua economia funcional.
Mas não foi só por isto, mas também porque se construíram os hospitais e não se cuidou devidamente do recrutamento, da preparação e da fixação do pessoal que devia assegurar o seu eficaz funcionamento.
O Sr. Santos da Cunha: -Muito bem!
O Orador: - É por isso que o parecer nos diz que a taxa de ocupação dos hospitais centrais e regionais é de 84,25 a 88,94 e o dos sub-regionais é só de 50,1 a 63,73. Nestes, a desocupação ultrapassa em muito os 10 a 15 por cento considerados aceitáveis numa normal gestão hospitalar.
Daqui resulta que temos os hospitais centrais às vezes com lotação ultrapassada e temos, ao mesmo tempo, mais de 5000 camas vagas nos hospitais sub-regionais!
A situação tornou-se já tão aflitiva que o Ministério da Saúde e Assistência se viu compelido a criar um novo tipo hospitalar - o dos hospitais sub-regionais de apoio aos regionais.
Tem-se feito notável esforço para melhorar o funcionamento das admissões e distribuição dos doentes e parece que, nalgumas regiões, se conseguiu bastante. Esperamos que os métodos se aperfeiçoem de modo a que tenhamos a devida compensação para este extraordinário esforço financeira realizado pelo Governo em matéria de assistência hospitalar. O hospital pode e deve dar melhor rendimento social. Estou convencido de que só com uma profunda reforma da estrutura da respectiva orgânica e do financiamento dos hospitais se poderá conseguir o que se torna necessário obter. O hospital deve também estar preparado para completar a preparação pós-universitária dos licenciados em Medicina. E, pelo que respeita a financiamento, consideramos isso um problema urgente, como aliás já aqui referimos na discussão do Estatuto da Saúde, pois que a assistência hospitalar não pode estar dependente de subsídios precários concedidos não em função das necessidades reais dos hospitais, mas sim das escassas disponibilidades orçamentais.
O Sr. Nunes Barata: -Muito bem!
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O Orador: - Além deste problema, o parecer deu particular realce ao pessoal.
Quanto a médicos, já aqui se disse que estão longe de serem em número suficiente, mas sobretudo estão mal distribuídos e mal aproveitados e têm, em geral, má remuneração, mas sobretudo remuneração irregular e injusta. Isto já foi escrito e já aqui foi reafirmado. E também se tem dito que nem a sua preparação escolar nem a pós-escolar são as mais convenientes para satisfazer as necessidades do nosso país. Vem a propósito recordar o que se escreveu, há anos, num parecer da Câmara Corporativa:
Toda e qualquer reforma em Portugal, para ser profunda, tem de assentar na formação dos seus agentes realizadores. Tudo o que não for isto é ilusória mudança de fachada, com que se enganam os governantes a si próprios e se cansam os governados.
A respeito da má distribuição basta dizer que em Coimbra há 1 médico por cada 242 habitantes e que no Porto há 1 para 326; mas já, à volta de Coimbra, em Vila Nova de Poiares, há 1 para 4075 habitantes e, em Miranda do Corvo, 1 para 3455. E, à volta do Porto, citaremos Gondomar com 1 para 3082 habitantes.
O Sr. Nunes Barata: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Eu não quis, propositadamente, referir neste capítulo o concelho de Pampilhosa da Serra ...
O Sr. Nunes Barata: - Muito obrigado pela atenção, mas queria referir que neste concelho há apenas 1 médico para 14 000 habitantes.
O Orador: - Repito que não quis destacar desta maneira Pampilhosa da Serra ...
O Sr. António Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. António Santos da Cunha: - Quanto à má distribuição de médicos pela província, queria chamar a atenção para o facto de há mais de um ano ter sido publicado um decreto que estabeleceu um subsídio para os médicos dos hospitais centrais, excluindo os dos hospitais regionais e sub-regionais. Parece que a política que se seguiu foi concentrar os médicos nos grandes meios, ao contrário do que seria para desejar.
O Orador: - Muito obrigado pela sua achega.
Ora, segundo o Prof. Almeida Garrett, para distribuir convenientemente os médicos, era necessário transferir para a periferia nada menos que 1800 médicos! Dos 7397 médicos inscritos, 4975 estão nos três distritos de Lisboa, Porto e Coimbra, isto é, 67 por cento do total dos médicos!
Pare-se termos um médico para 1208 habitantes no continente, o que não pode considerar-se suficiente. Em muitos países a proporção é muito melhor do que esta, e, na Europa, mais de 14 têm mesmo uma proporção que vai de 1 para 1004 até- 1 para 628 habitantes. Em Portugal criou-se esta situação paradoxal: haver zonas onde há médicos sem doentes e outras, muitas, onde há doentes sem médicos! Por isso mesmo, é que é extraordinariamente elevada a taxa dos que em Portugal morrem sem assistência médica.
Isto é consequência mais de má distribuição do que da insuficiência numérica de médicos.
A profissão não atrai os jovens de Portugal, como se verifica através das matrículas nas Faculdades de Medicina, naturalmente, em grande parte, pela extensão e custo do curso médico e também pelas condições de trabalho médico que eles e as famílias verificam existir no nosso país. A situação tende, por isso, a agravar-se. A média do número dos novos diplomados em Medicina tem-se mantido praticamente estacionária nos últimos vinte anos.
A mobilização de umas centenas de médicos para instrução militar em Mafra, que agora há poucas semanas teve de fazer-se, bastou para perturbar seriamente o funcionamento de muitos serviços hospitalares e o ensino em muitas cadeiras das nossas Faculdades de Medicina. Certos serviços ficaram gravemente desorganizados.
Aqui estão dois capítulos da mais premente actualidade - o do ensino e preparação de novos médicos e o da assistência hospitalar. Com eles se liga o das carreiras médicas concebido pela Ordem dos Médicos e julgado do maior interesse para resolução dos problemas de sanidade nacional.
Em conexão com eles está o problema da deficiência quantitativa e qualitativa das enfermeiras.
Quase metade delas, 41,5 por cento das 3237 que possuímos (1362), estão nos três distritos de Lisboa, Porto e Coimbra e nos de Braga e Setúbal.
No que toca às auxiliares de enfermagem, 85 por cento das 2129 que possuímos, estão em 6 distritos - nos 5 já citados, a que se junta o de Santarém.
Nos outros distritos, a percentagem de enfermeiras e auxiliares de enfermagem é mínima - a maior parte com uma ou duas dezenas. Temos forçosamente de melhorar o recrutamento, o ensino e a remuneração deste pessoal.
Estou convencido de que uma das razões que dificultavam a atracção às escolas dê enfermagem era a disposição do § 4.º do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 31 913, de 12 de Março de 1942, que proibia a prática da enfermagem hospitalar às senhoras casadas e viúvas. O Conselho geral da Ordem dos Médicos expôs a S. Ex.ª o Presidente do Conselho e a S. Ex.ª o Ministro da Saúde e Assistência Social a necessidade de pôr termo a esta disposição proibitiva que vinha de há vinte anos.
Os jornais acabam de publicar que foi enviado à Imprensa Nacional de Lisboa um decreto-lei que substitui a redacção do decreto-lei em causa, e pelo qual serão também admitidas ao tirocínio e à prestação de enfermagem hospitalar feminina as mulheres casadas e as viúvas com filhos.
Aparentemente simples, esta medida deve ser considerada de grande alcance para a resolução de muitos dos nossos problemas de enfermagem hospitalar, permitindo aproveitar para os serviços internos excelentes enfermeiras que, até aqui, só podiam estar nas consultas externas e para atrair à frequência dos cursos muitas que, por causa daquela disposição, se não matriculavam nas escolas de enfermagem.
Não posso fechar este capítulo sobre o pessoal sem, mais uma vez, recordar a situação de injustiça e de anormalidade gritantes em que se encontra o pessoal dependente do Ministério da Saúde e pertencente a uma caixa de previdência com uma organização anacrónica, pessoal que tem direito legal de ser incorporado na Caixa Geral de Aposentações, direito concedido pelo Decreto-Lei n.º 42 210, de 13 de Abril de 1959, e, segundo o qual, devia ser incorporado na Caixa Geral de Aposentações, com os direitos e regalias dos demais funcionários públicos até 1 de Janeiro de 1960. Não se sabe bem porquê, esses mesmos funcionários, a quem o Estado tanto deve, não
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vêem respeitados esses direitos. Já aqui expus o caso com todos os seus pormenores e a imprensa, em excelentes artigos, proclamou esses direitos e pediu que justamente fosse resolvido o caso.
E não, é só o problema das aposentações que está em causa, como se tem dito. É mais do que isso - é o dos descontos no exercício das funções ou por moléstia contraída na actividade profissional.
Dispõe o Decreto n.º 38 523, de 23 de Novembro de 1951, que os trabalhadores por conta de outrem e os serventuários do Estado que não sejam subscritores da Caixa Geral de Aposentações serão protegidos, bem como suas famílias, pela Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, o que quer dizer que esses funcionários:
a) No caso de incapacidade temporária absoluta, perceberão uma indemnização igual a dois terços do salário ou ordenado, mas nos três dias seguintes ao acidente a indemnização será apenas de um terço do salário ou ordenado;
b) No caso de incapacidade temporária parcial, uma indemnização igual a dois terços da redução sofrida no salário, enquanto estiver em regime de tratamento ambulatório e quando, depois de lhe ser dada alta, for submetido a tratamento de readaptação ao trabalho e, enquanto esta durar, uma indemnização igual a dois terços da redução sofrida na capacidade geral do ganho.
Estas indemnizações começam a vencer-se no dia seguinte ao do acidente e terminam na data da alta definitiva.
Esta situação é inteiramente diferente da dos subscritores da Caixa Geral de Aposentações, que têm direito ao vencimento de categoria e exercício durante 60 dias, conforme determina o mesmo decreto.
Por isso, talvez, agora, por defesa, o funcionário acidentado não dá parte do acidente que sofreu em serviço ... mas dá parte de doente, para não sofrer desconto.
Agora volto a ocupar-me do assunto e a lamentar que os serviços do Ministério das Finanças, a quem o caso está confiado, não se mostrem à altura de o poder resolver, que é como quem diz de fazer a regulamentação daquele decreto-lei. Esta situação está prejudicando gravemente alguns milhares de funcionários, cria um ambiente de desconfiança, justifica muitas suposições maliciosas que se aventam e origina um compreensível mal-estar político.
Os elementos que possuo dão-me o direito de pensar que não há a mais ligeira culpa dos funcionários do Ministério da Saúde e Assistência e que ela cabe inteiramente aos funcionários do Ministério das Finanças.
Não estarão os funcionários que disso foram encarregados à altura da sua missão?
Porque é que o ilustre Ministro das Finanças, sempre tão humano, sempre tão atento aos múltiplos problemas nacionais, não incumbe desse trabalho outros funcionários daquele Ministério, tão rico de competências, que porventura sejam mais diligentes ou estejam menos sobrecarregados com outras tarefas, ou, ainda, sejam mais sensíveis a esta falta de regulamentação, que está a prejudicar seriamente alguns milhares de funcionários da assistência e a criar-nos um deplorável clima político?
E certo, porém, que, a despeito das diversas intervenções que aqui tenho feito a este respeito, nunca recebi qualquer explicação ou informação, a não ser as que gentilmente me forneceu o Ministério da Saúde.
A este respeito, estou quase como o ilustre Deputado Augusto Simões, pelo que toca às ramas!...
Limito a estes pontos a minha intervenção.
Foquei, especialmente, embora em apontamento ligeiro, alguns problemas que carecem de atenção imediata e de resolução sem demora do novo Ministro da Saúde e Assistência Social.
Temos de evitar que, a despeito do esforço que temos feito, continue a verificar-se o que agora acontece ao português - «adoece injustamente e morre prematuramente», como diz um jovem e ilustre professor de Medicina de Portugal. Temos percorrido já longa caminhada, a maior parte das vezes pelos trilhos mais convenientes. Partimos de muito longe como todos sabem, tão abandonada e desmantelada estava a sanidade nacional. Por isso mesmo, ainda não chegámos onde muitos já estão há muito. O que nos falta para atingir os objectivos desejados há-de vir a completar-se em breve, se conseguirmos uma estruturação que atraia os jovens à frequência de cursos médicos, que melhore o ensino das Faculdades de Medicina, que cuide da preparação pós-escolar dos médicos, que os atraia à especialização e que lhes garanta condições de trabalho e de vida decente em todo o território nacional.
A adopção das carreiras médicas que a Ordem dos Médicos estudou e cuja criação aqui votámos pode ser um bom passo e uma das vias de maior utilidade para a consecução desses objectivos, se forem devidamente respeitados os princípios que as informam e se a sua aplicação se estender a todos os hospitais do País.
As carreiras médicas já foram aprovadas, é facto; mas a comissão de execução das mesmas ainda não foi convocada. E é indispensável que o seja, para que o trabalho a realizar se não afaste do que foi concebido pela Ordem dos Médicos.
A adopção das carreiras médicas poderá melhorar substancialmente a saúde pública, em particular a assistência hospitalar.
E muito do que se disse dos médicos aplica-se, em grande parte, às enfermeiras.
Sr. Presidente: entendi dever aproveitar esta apreciação do parecer das contas públicas para recordar estes aspectos do problema sanitário nacional.
Presto homenagem ao esforço do mais alto valor político e humano que o Estado Novo tem realizado, com o fim de assegurar a todos os portugueses da metrópole e do ultramar níveis de vida cada vez melhores.
Mas julgo que é azado o momento de fazermos o ponto para corrigir ou prosseguir o rumo, visto que a Assembleia Nacional aprovou o ano passado a reforma da Previdência - que abre novas possibilidades de expansão e de coordenação ao ilustre Ministro das Corporações - e acaba de aprovar dois valiosos documentos - o Estatuto da Saúde e a Lei da Saúde Mental -, que permitirão ao ilustre Ministro da Saúde e Assistência, através da sua cuidadosa e ampla estruturação e regulamentação, realizar um vasto e salutar plano de política de saúde, pelo qual, aliás, há muito se bate o Conselho Geral da Ordem dos Médicos, desde que teve a honra de ser recebido por S. Ex.ª o Presidente do Conselho.
Esses três documentos podem constituir os alicerces de um belo e majestoso edifício, construído à luz da técnica e da ciência modernas, abrangendo todos os aspectos da sanidade nacional, cobrindo do mesmo modo todos os portugueses, promovendo a saúde, prevenindo a doença, tratando os estados por que ela se manifesta, recuperando os que ela deixou inferiorizados e aumentando a nossa esperança de vida.
A estas razões, acresce ainda a circunstância de estar a processar-se no País um notável surto de desenvolvimento industrial, que, a um tempo, impõe necessidades de reforma sanitária imediata e garante o desenvolvimento
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económico que há-de elevar o nível de vida e criar mais amplas condições para a expansão dessa política.
Não quero concluir sem referir aqui as palavras recentemente escritas do antigo Secretário de Estado da Saúde Pública da Holanda o Prof. Muntendam, a despeito da invejável situação sanitária que aquele país desfruta:
Uma parte ainda maior da nossa renda nacional deve ser atribuída à prestação de saúde. A saúde deve ser paga com ouro, porque ela também paga os seus juros em ouro, fornecendo prosperidade e contribuindo, para a paz entre os povos.
Sr! Presidente: o que sobretudo se deseja é uma organização concreta de aplicação prática, que abranja todos os meios que influenciam a saúde; que permita um maior rendimento das verbas investidas; que ponha termo a duplicações que se não compreendem e que extinga sectores estanques que se não podem justificar; que não abafe a técnica médica pela acção administrativa, mas que dê a cada uma o seu lugar e a sua mais conveniente representação; que promova o desenvolvimento da educação sanitária indispensável ao êxito da empresa, principalmente na prevenção da doença, e, sobretudo, que venha impregnada de boa dose de bom senso.
O justo aproveitamento do pessoal -médico, de enfermagem, de serviço social e administrativo- é problema fundamental.
A Nação aguarda com ansiedade a acção que a Assembleia Nacional confiou ao Conselho Social já referido, isto é, uma salutar coordenação de todos os dinheiros que hoje se despendem com a saúde pública através de diversos Ministérios, para que outro seja o seu rendimento social (! outro o nível sanitário do nosso país.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Alberto Pacheco Jorge: - Sr. Presidente: renovo a V. Ex.ª, Sr. Presidente, as homenagens do meu maior respeito e da minha elevada consideração pelas altíssimas qualidades que exornam a pessoa de V. Ex.ª e o tornaram credor de profunda admiração de quantos tiveram o privilégio e a honra de trabalhar ou conviver com V. Ex.ª e determinaram a sua escolha para a presidência desta Assembleia.
As minhas cordiais saudações e os meus sinceros respeitos.
Antes de entrar na breve apreciação que irei fazer às contas referentes a Macau, seja-me permitido dirigir uma palavra de admiração e agradecimento ao muito ilustre relator do parecer sobre as Contas Gerais do Estado, ora em apreciação, Sr. Deputado Araújo Correia, que mais uma vez apresenta à nossa consideração um estudo sério, profundo, conciso e claro do panorama geral das contas gerais do Estado, facilitando enormemente a sua consulta e apreciação.
Ano após ano, o ilustre Deputado tem facilitado, em grande escala, o trabalho dos que se debruçam no estudo da gerência financeira da Nação com uma série de pareceres modelares, que, honrando o seu autor, dignificam esta Câmara.
A S. Exa., pois, as minhas homenagens e os meus agradecimentos.
Limitarei as minhas considerações sobre as contas de Macau, onde me encontro perfeitamente à vontade e com conhecimento directo de causa.
A singularidade da província de Macau, tantas vezes referida e felizmente já reconhecida nos meios governativos, não podia deixar de se reflectir também nas suas contas públicas, ora em apreciação.
Assim, ao passo que nas demais províncias e na própria metrópole as principais fontes de receita ordinárias são constituídas pelos impostos, directos e indirectos, em Macau, no ano de 1961, a sua principal fonte de receita encontra-se nas «Taxas», que representam 27,4 por cento do total das receitas ordinárias cobradas, seguindo-se-lhe as «Indústrias em regime tributário especial», com uma comparticipação de 13,5 por cento, excluindo-se, claro está, a rubrica «Consignação de receitas», constituída, na sua maior parte, pelas receitas dos correios, telégrafos e telefones (serviços autónomos) e pelo Fundo de assistência e beneficência pública.
Outro aspecto saliente e impressionante da situação peculiar de Macau é o da posição da sua balança comercial, que, em 1961, acusou um saldo negativo da ordem de 1 700 000 contos, aproximadamente, superior ao da própria província de Moçambique em cerca de 520 000 contos.
Tal situação tem a sua razão justificativa nas condições especialíssimas da vida de Macau, na sua exiguidade territorial e na circunstância de Macau praticamente nada produzir e tudo consumir ou transformar.
De facto, com um território de pouco mais de 16 km2, em que cerca de um terço é ocupado pela cidade propriamente dita e por duas ilhas que, sendo de origem granítica, não têm possibilidades de aproveitamento agrícola, florestal ou pecuário em larga escala, e ainda por cima com uma população de cerca de 300 000 almas (apesar de a estatística acusar um número sensivelmente inferior, que não me parece ser exacto), será muito difícil, se não impossível, poder a província de Macau alguma vez apresentar uma balança comercial não direi já equilibrada, mas ao menos com um déficit aceitável, dentro da ortodoxia dos princípios económico-financeiros.
De facto, com excepção do peixe, que é pescado nas águas circunvizinhas. Macau vê-se obrigada a importar tudo o resto para o sustento da sua enorme população, importação esta que constituiu cerca de 20 por cento do volume total.
Além disso, com o desenvolvimento que ultimamente se vem notando nas indústrias transformadoras da província, designadamente artigos de vestuário, tecidos estampados, calçados, malas, chapéus, artigos esmaltados e de plástico, as importações das matérias-primas para a sua laboração teriam necessariamente de aumentar, a ponto de terem atingido, neste ano de 1961, 65 por cento do valor das importações.
Acresce que se terá ainda de considerar a importação de um apreciável volume de matérias-primas e de outros materiais e artigos diversos que são absorvidos pelas necessidades da própria província e que assim contribuem inexoravelmente para o desequilíbrio da balança comercial de Macau.
Diga-se, porém, em abono da verdade que o ano de 1961, neste particular aspecto, apresenta uma melhoria apreciável em relação ao ano anterior, pois não só no seu conjunto se importou menos (2 647 700 contos em 1960, contra 2 228 900 contos em 1961), como se exportou mais (422 600 contos em 1960, contra 533 800 contos em 1961), o que representa uma diminuição do déficit da ordem dos 530 000 contos.
Contudo o déficit da balança comercial de Macau é mais aparente do que real, porquanto é ele coberto com o
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comércio de ouro e com os vultosos invisíveis de natureza comercial, que, por assim dizer, neutralizam o déficit referido.
E a vizinha colónia inglesa de Hong-Kong a principal fornecedora de Macau, com 64,3 por cento, assim como é ela a principal consumidora da exportação de Macau, com 32,2 por cento.
Segue-se, em ordem decrescente, no campo das importações de Macau, a China Continental, que lhe fornece 34,4 por cento, a metrópole, com 1 por cento, o ultramar português, com 0,2 por cento, e outros países com 0,1 por cento.
O destino da exportação de Macau é, em primeiro lugar, como se disse, para Hong-Kong, com 32,2 por cento, seguindo-se o ultramar português, com 28,8 por cento, com especial relevo para as províncias de Moçambique e Angola, que, em 1961, importaram, respectivamente, 97 531 contos e 52 074 contos de mercadorias produzidas ou transformadas em Macau.
E de se notar e de se referir a percentagem mínima, para não dizer insignificante, de importações efectuadas da metrópole (1 por cento) e do ultramar (0,2 por cento) pela província de Macau.
Como muito bem observa o ilustre relator das contas desta Assembleia, Sr. Deputado Araújo Correia, Macau «poderia consumir mais quantidade de produtos de origem nacional ou até servir de entreposto à expansão de alguns, tanto europeus como africanos, com consumo no Oriente, como café e outros de origem tropical».
Tem a maior pertinência e oportunidade a observação feita e só a incompreensão ou o esquecimento das possibilidades dos vastos mercados do Extremo Oriente poderão justificar a nossa inércia e o pouco, para não dizer nada, que se tem feito, tanto cá como lá, para retomarmos, em parte, a posição de entreposto comercial, tão ingloriamente perdida em proveito de outros.
E sabido que Macau surgiu em meados do século XVI do génio aventureiro dos portugueses; e até meados do século XIX foi a única posição estrangeira naquele vasto e quase desconhecido Extremo Oriente, constituindo o porto de escala obrigatório da navegação de longo curso que, da Europa e Médio Oriente, demandava tais paragens até o País do Sol Nascente.
Do porto de Macau largavam então embarcações a abarrotar de mercadorias e ali chegavam produtos de estranhas terras numa preciosa permuta.
Eram as célebres naus de prata, provenientes do Japão, que escalavam o porto para longe carrearem a sua preciosa carga, regressando prenhes de mercadorias diversas.
Eram os navios que da Europa ali descarregavam os seus produtos em troca das preciosidades orientais.
De Macau saíam, em profusão, os valiosos e exóticos produtos da China e do Japão, tão apreciados e procurados na Europa; era também por Macau que se fazia o reconhecimento e a penetração comercial europeia das vastas regiões da Ásia.
E por mais de dois séculos deteve Macau tão importante como precioso monopólio!
Porém, com o estabelecimento de Hong-Kong, em 1843, imposto pela força das armas britânicas, e a abertura de vários portos da China ao comércio internacional, iniciou-se o longo e penoso processo da decadência de Macau como entreposto comercial; e esse privilégio de predomínio económico, e até político, na China foi progressivamente desaparecendo em proveito dos ingleses, holandeses, franceses, alemães, belgas, italianos, escandinavos e até norte-americanos.
E nós, portugueses, que, numa luta de gigantes, primeiro abrimos o caminho do Oriente e fomos os precursores da formidável acção europeia na China, ficámos relegados para um segundo plano, obscuro e insignificante, em que nos temos mantido.
Seria ridículo pensar-se que poderíamos voltar agora a ocupar a anterior posição perdida; mas isto não significa que não possamos nem devamos recuperar parte do comércio de exportação que tão ingloriamente deixámos fugir por apatia e por inacção.
Estou convencido de que ainda hoje é possível colocarem-se alguns dos nossos produtos, tanto metropolitanos como ultramarinos, nos sequiosos mercados do Oriente, através de uma divulgação racional e constante.
Começando pelos vinhos, tanto os licorosos como os de mesa, a sua distribuição limita-se praticamente a Macau, e a sua representação qualitativa poderia e deveria ser melhor.
O mesmo se dirá das nossas belas conservas de peixe, carne, enchidos, etc., tão mal conhecidos naquelas paragens e que poderiam certamente competir, em preços e qualidade, com as de outras origens e que ali abundam.
E deveras desolador verem-se nas mercearias de Hong-Kong, tão próximo de Macau, conservas das mais variadas origens, mas nenhuma portuguesa; e confrange-nos entrar nos seus restaurantes e hotéis e pedir a carta de vinhos para verificar que o único vinho português que figura, e nem em todos os estabelecimentos, é o vinho do Porto, em flagrante contraste com a infinidade de variedades de vinhos franceses e italianos de todos os tipos e para todas as ocasiões!
E mais nos entristece esta situação quando pensamos que, até à segunda guerra mundial, os produtos italianos mal eram conhecidos no Extremo Oriente, à excepção das suas massas alimentícias e algumas variedades de queijo.
Presentemente a Itália, mercê de uma política comercial oportuna, inteligente e eficaz, ocupa posição de certo destaque naquelas paragens, e a sua exportação ultrapassa os limites de mero fornecedor de vinhos e produtos alimentícios, para abranger não só os mais diversos artigos de vestuário e artigos utilitários, como até produtos de beleza, em competição com a França, Inglaterra e Estados Unidos da América.
Ora Portugal pode e deve alinhar com os países atrás referidos como fornecedor de tais mercados, não só porque alguns dos seus produtos não terão de recear competição como outros estarão em condições de poder concorrer, tanto em preços como em qualidade, com os de outros países.
Assim, a cortiça em prancha, o azeite de oliveira, as filigranas, os vinhos e conservas, no que diz respeito à indústria metropolitana, poderão certamente ter colocação aceitável.
Dos produtos ultramarinos, pelo menos o café. o açúcar, o algodão e o óleo de amendoim poderiam igualmente ter larga colocação se as suas condições de preço e qualidade pudessem ser, pelo menos, igualadas às dos países que actualmente detêm o exclusivo de tais mercados.
O consumo do café tem entrado facilmente nos hábitos dos orientais, que, actualmente e nos meios citadinos, o preferem ao clássico chá, sendo tal tendência bem notória em Macau, Hong-Kong e nas cidades do Japão, onde o seu consumo tem vindo a aumentar progressivamente.
Há assim que se vencer a inércia em que nos encontramos e tornar conhecidos os nossos produtos no Extremo Oriente, mediante uma política comercial orientada com inteligência e de vistas largas e para a qual a província de Macau seria o entreposto ideal para a sua distribuição.
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Para tanto, além de uma propaganda efectiva, real e contínua feita por órgãos competentes e experimentados e auxiliados pela acção dos nossos agentes consulares naquelas paragens, haveria que se estabelecer em Macau, com o auxílio do Governo Central e a colaboração dos industriais interessados, uma exposição permanente dos nossos produtos, tanto metropolitanos como ultramarinos, mais qualificados para a exportação, com todas as indicações necessárias o úteis para um rápido e perfeito conhecimento dos possíveis importadores e com o fornecimento de amostras e mostruários, sempre necessários e aconselháveis para efeitos de propaganda.
Haveria igualmente que promover a visita a Macau dos dirigentes dos principais estabelecimentos comerciais de importação e exportação de Hong-Kong, Japão, Filipinas e Tailândia (para apenas citar alguns), a fim de os familiarizar com os produtos expostos e os inteirar das facilidades bancárias e outras que porventura lhes pudessem ser concedidas.
Paralelamente, com a criação da zona de turismo, a afluência de turistas a Macau, que se prevê venha a ser cada vez em maior número, poderá igualmente contribuir pára a divulgação dos nossos produtos exportáveis.
E certo que tudo quanto se preconiza se não poderá realizar sem despesas de certo modo avultadas, mas a sua distribuição equitativa não será com certeza tão onerosa que não possa ser suportada, e importa não esquecer que para se colher é imperativo que primeiro se semeie.
Fechado este parêntese acerca das possibilidades da colocação dos produtos portugueses no Oriente e que foi aberto em consequência da ínfima percentagem da importação verificada em Macau de tais produtos, retomo as breves considerações que venho fazendo acerca das contas de Macau.
Dos impostos directos cobrados, nota-se um sensível e apreciável aumento da contribuição do registo por título oneroso, sisa, que, em relação ao ano anterior, apresenta um aumento de cerca de 560 contos, correspondendo a um aumento de 49,5 por cento aproximadamente.
Tal aumento é, de certo modo, consequência da instabilidade da situação nalguns países e territórios do Sudeste asiático, que provocou a vinda a Macau de elementos chineses ou de origem chinesa, mais abastados, que ali viviam e que, chegados a Macau, logo pensaram em fixar a sua residência, adquirindo um ou mais prédios para a sua habitação ou para a continuação do comércio ou indústria que vinham exercendo.
Este fluxo benéfico de pessoas e capitais trouxe a Macau um notável incremento nas transacções de propriedade imobiliária e concomitantemente na construção urbana, em que, na falta de espaço disponível na cidade, se recorre já à conquista de terrenos ao mar e à demolição de prédios velhos para, em sua substituição, se construírem outros de maior volume e capacidade.
Este fenómeno acentuou-se ainda mais no decorrer do passado ano de 1962, e certo estou de que as contas desse ano acusarão ainda mais acentuado aumento neste sector.
Com o desenvolvimento da construção urbana, que se vem verificando, e o estabelecimento de mais indústrias transformadoras, é também de se prever o correspondente crescimento das contribuições predial e industrial, o que, de resto, já se verifica nas contas ora em apreciação, sendo até de se notar que, a seguir à sisa, foi a contribuição predial, de entre os impostos directos, o que acusou maior aumento: cerca de 10 por cento.
Com o aumento da receita ordinária, já referido, foi possível melhorar alguns aspectos da administração até então sujeitos a um regime de compressão de despesas, e que, de certo modo, afectavam a sua eficiência.
Assim, as despesas ordinárias tiveram um acréscimo de 19 242 contos, em relação ao ano anterior, muito embora em alguns capítulos se tenha notado uma diminuição de despesas, que somaram 6752 contos. Deste modo, foi possível dar-se maior incremento aos serviços de fomento, com um dispêndio de 29 095 contos, o que representa um aumento de despesas de 13 021 contos, e beneficiar-se a administração geral e fiscalização, que importou em 31 738 contos, com um aumento de despesa de 7286 contos, com relevo especial para a segurança pública, serviços de saúde e instrução pública, que despenderam, respectivamente, 11 856 contos, 9451 contos e 3468 contos.
O total das despesas ordinárias foi da ordem dos 122 653 contos, dos quais cerca de três quartas partes foram despendidas na administração geral e fiscalização, serviços de fomento e nos encargos gerais.
Este aumento de despesas ordinárias conseguiu-se no entanto sem quebra de equilíbrio das contas, que fecharam com o saldo positivo de 9588 contos, sensivelmente igual ao do ano anterior, que foi de 9672 contos.
E interessante notar-se que Macau, apesar da exiguidade do seu território e da míngua dos seus recursos próprios, sem comparação possível com qualquer das outras províncias de governo simples, qual pigmeu entre gigantes, é, no entanto, de todas elas, a que tem maior volume de receitas ordinárias; 132 241 contos, com mais do dobro das receitas de Cabo Verde (61 188 contos), S. Tomé e Príncipe (59 305 contos) e Timor (54 643 contos) e ainda superior à Guiné, com 127 743 contos.
Da mesma forma, as suas contas fecharam com saldo positivo superior ao de qualquer das províncias atrás referidas, mantendo-se sensivelmente a mesma proporção, com excepção da Guiné, cujo saldo positivo é menos de um quarto do saldo acusado por Macau, e de S. Tomé e Príncipe, inferior em cerca de um terço.
No campo da exportação, e apesar do desequilíbrio da sua balança comercial, a província de Macau sobreleva, de longe, as demais províncias de governo simples no volume da sua exportação, que atingiu 533 800 contos contra 430 500 contos da soma de exportação das demais províncias de governo simples reunidas, o que é muito significativo e dispensa quaisquer outros comentários.
Assim, não oferece dúvida que, dentro do particularismo do ultramar português, Macau é ainda, e por si só, um caso à parte e muito peculiar, e que assim deverá ser sempre considerado e tratado pelos que detêm as rédeas da governação pública, sob pena de se cometerem erros graves, de difícil, se não impossível, reparação e cujas consequências poderão ser funestas.
Pelo que muito sumariamente ficou exposto e tendo em consideração a evolução já verificada no decurso do ano de 1962, com sensível aumento de receitas provenientes da criação da zona de turismo em Macau, o estabelecimento de corridas de galgos, que serão inauguradas no decurso do corrente ano, e as reais possibilidades do turismo em si, desde que devidamente orientado e aproveitado, não será, por certo, excesso de optimismo prever-se ou esperar uma era de certo desafogo para a província, que lhe permita desenvolver e ampliar ainda mais a sua já meritória obra assistencial e social e que constituirá, sem dúvida, o nosso melhor padrão de glória naquelas paragens do Oriente e o maior baluarte de defesa de que poderemos dispor contra os nossos detractores, que, servindo-se da mentira e da calúnia, nos atacam descaradamente.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continuará amanhã à hora regimental com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Ubach Chaves.
Jorge Augusto Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Tito Castelo Branco Ar antes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Magro Borges de Araújo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
José Dias de Araújo Correia.
José Pinto Carneiro.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
Comunicações rodoviárias no distrito de Coimbra
I) Passagens de nível no distrito de Coimbra:
De cerca de 300 passagens de nível de estradas nacionais com linhas de caminho de ferro actualmente existentes no País, situam-se 28 no distrito de Coimbra, sendo: 7 na linha do Norte, 3 na do Oeste, 9 na de Pampilhosa a Coimbra e 9 na da Lousã.
Nos sucessivos planos de trabalhos tem a Junta Autónoma de Estradas incluído verbas destinadas à supressão de passagens de nível e tenciona proceder de igual modo nos seus futuros planos, procurando dar sempre preferência à daquelas em que a maior intensidade do trânsito nas estradas, o maior número de comboios que circulam nas linhas de caminho de ferro e as piores condições de travessia o aconselhem.
Deste modo, é provável que nos próximos planos se incluam verbas para supressão de algumas das passagens de nível do distrito de Coimbra.
A Câmara Municipal de Coimbra tem em elaboração o projecto de uma passagem superior à linha da Lousa, no Calhabé. Com a execução desta obra será suprimida a passagem de nível da estrada nacional n.º 17, solucionando-se, assim, uma das maiores dificuldades da entrada e saída de Coimbra pelo lado da Beira.
II) Estrada nacional n.º 343, entre a Catraia do Rolão e Paul:
Da estrada nacional n.º 343 está por construir o troço entre a Catraia do Rolão (estrada nacional n.º 112) e Paul, que se pode considerar dividido nos seguintes lanços:
1.º Da Catraia do Rolão (estrada nacional n.º 112) às proximidades de Fajão, com 13 km (n.º 1 da carta anexa):
O traçado sobrepõe-se ao das estradas existentes da Hidroeléctrica da Serra da Estrela e municipal, que dão acesso a Fajão.
Como a ligação desta povoação à estrada nacional n.º 112 está assegurada, não se incluiu a construção deste lanço no actual plano de financiamento.
2.º Das proximidades de Fajão (Covo) a Cebola, com 17 km:
Como a povoação de Cebola já está servida pela estrada municipal que, das minas da Panasqueira, conduz à estrada nacional n.º 238, em Silvares, foi resolvido fazer o estudo do lanço Fajão-Cebola. para estabelecer a ligação da estrada nacional n.º 112 à estrada nacional n.º 238 e servir directamente a povoação de Meãs.
Já estão elaborados, embora ainda não tenham sido submetidos à aprovação superior, os projectos de:
Estrada nacional n.º 343, entre proximidades de Fajão e a Portela dos Vilares, com 9482 III (n.º 2 da carta).
Estrada nacional n.º 343, entre a Portela dos Vilares e Cebola, com 7540 III (n.º 3 da carta).
A construção destes sublanços está prevista no actual plano director.
3.º De Cebola a Paul, com 16 km :
Como a estrada não servirá directamente qualquer povoação de relativa importância e apenas passará próximo de Casegas, que já está servida por estrada municipal, não se incluiu a construção deste lanço no actual plano de financiamento da Junta.
III) Entrada nacional entre Coja e Alvares:
A estrada nacional n.º 344, destinada a estabelecer a ligação entre as redes de estradas nacionais que servem os concelhos de Arganil e Oliveira do Hospital com as do concelho de Pampilhosa da Serra, pode considerar-se dividida nos seguintes troços:
1.º De Coja (estrada nacional n.º 342) à estrada nacional n.º 343, nas proximidades de Meãs:
Existindo actualmente uma estrada municipal passando por Cerdeira, prolongada, depois de atingidas
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as proximidades do marco trigonométrico Carambola, pela estrada construída pela Hidroeléctrica da. Serra da Estrela para Ceiroco, passando por Castanheira e Porto da Balsa, verificou a 2.ª brigada de estudos - depois de efectuados os convenientes reconhecimentos - que o traçado da estrada nacional n.º 344 poderia aproveitar os daquelas estradas até à travessia do rio Ceira, em Porto da Balsa (n.º 4).
A partir deste ponto o traçado da estrada nacional n.º 344 desviar-se-ia do da estrada da Hidroeléctrica da Serra da Estrela para subir para a linha das alturas que separa as ribeiras do Ceiroco e da Pampilhosa, até atingir o futuro traçado da estrada nacional n.º 343 na Portela do Asno, nas proximidades de Meãs (n.º 5).
Como a existência das referidas estradas municipal e da Hidroeléctrica da Serra da Estrela já permite o trânsito até ao Porto da Balsa, não foi incluída a construção do lanço do Porto da Balsa à Portela de Asno.
2.º Da estrada nacional n.º 343 à estrada nacional n.º 112:
A estrada, partindo de Meãs, deverá atingir Unhais-o-Velho, mas ainda não foram feitos reconhecimentos que permitam assegurar por qual das margens da albufeira da barragem de Santa Luzia será mais conveniente fazer seguir o traçado.
No caso de se adoptar um traçado pela margem direita até atingir Vidual de Cima, poderia aproveitar-se até Pampilhosa da Serra, sensivelmente, o da estrada municipal existente. Adoptando-se um traçado pela margem esquerda, apenas seria necessário construí-lo até à barragem de Santa Luzia, pois a partir deste ponto aproveitar-se-ia o lanço de estrada construído pela Hidroeléctrica da Serra da Estrela e já integrado na estrada nacional n.º 344. ao abrigo do Decreto n.º 40 985, de 23 de Janeiro de 1957, que por Armadouro conduz a estrada nacional n.º 112 (n.º 7).
Como a região em que se situa Unhais-o-Velho é a mais desprovida de meios de comunicação, apenas se incluiu no autuai plano de financiamento da Junta a construção do lanço da estrada nacional n.º 343 entre Meãs e Unhais-o-Velho (n.º 6 da carta).
3.º Da entrada nacional n.º 118 (Pampilhosa da Serra a Alvares):
Deste troço está estudado o lanço da estrada nacional n.º 343 entre Pampilhosa da Serra e as proximidades de Trinhão, com 13 km (n.º 8), e estão feitos os reconhecimentos do lanço entre as proximidades de Trinhão e Alvares (n.º 9).
Apenas foi possível incluir no actual plano de financiamento da Junta a construção do primeiro daqueles lanços, mas no Plano coordenador de construção de estradas nacionais com o Plano de viação rural incluiu-se a dos dois lanços na 1.ª fase.
Por determinação superior está anotada a execução da obra para a primeira oportunidade.
IV) Entrada nacional n.º 2, entre Alvares e o Alto da Louriceira:
Foi prevista no plano director relativo ao actual plano de financiamento da Junta a construção, por lanços sucessivos, da estrada nacional n.º 2, entre Alvares e Venda da Gaita (entroncamento com a estrada nacional n.º 236), mas, por as disponibilidades da Junta o não terem permitido, apenas foi possível construir, até agora, o sublanço final entre o Alto da Louriceira e a Venda da Gaita, com cerca de 4 km.
Estão ainda por construir cerca de 9 km, correspondendo 7 km ao sublanço entre Alvares e Ribeira de Mega, de que há projecto (ainda não aprovado), e 2 km ao da Ribeira de Mega ao Alto da Louriceira, com projecto aprovado (n.º 10).
A execução desta obra está incluída na 1.ª fase do Plano coordenador de construção de estradas nacionais com o Plano de viação rural.
Por determinação superior está previsto o prosseguimento da obra para a primeira oportunidade.
V) Estrada nacional n.º 230, entre Barreosa e a Portela das Pedras Lavradas:
Foi incluída no actual plano de financiamento da Junta a construção, por sublanços sucessivos, da estrada nacional n.º 230, entre Vide e a Portela das Pedras Lavradas, mas, por as disponibilidades da Junta o não terem permitido, só foi possível, até à data, construir os sublanços entre Vide e a ribeira de Vide, incluindo a ponte sobre aquela ribeira, e o sublanço seguinte até Barreosa.
Falta portanto construir a estrada entre Barreosa e a Portela das Pedras Lavradas (n.º 11), com cerca de 16 km de extensão, de que já há projecto aprovado.
No Plano coordenador de construção de estradas nacionais com o Plano de viação rural apenas figura, na 2.a fase, a construção do sublanço entre Teixeira de Baixo e Pedras Lavradas.
Por determinação superior está anotado o prosseguimento da obra para a primeira oportunidade.
VI) Estrada nacional n.º 17-1, entre Semide e a estrada nacional n.º 17:
A construção da estrada nacional n.º 17-1, entre Semide e a estrada nacional n.º 17 (n.º 12), está prevista no actual plano de financiamento da Junta e na 2.ª fase do Plano coordenador de construção de estradas nacionais com o Plano de viação rural.
Por despacho ministerial de 11 de Janeiro último foi aprovada para o traçado daquele lanço de estrada a solução já inicialmente estudada pela 2.a brigada de estudos, a qual prosseguirá na elaboração do respectivo projecto.
VII) Estrada nacional n.º 334 entre Corticeiro de Cima e Monte Arcado:
Está incluída no actual plano de financiamento da Junta a construção do lanço da estrada nacional n.º 334 entre Corticeiro de Cima e Monte Arcado (n.º 13), cujo projecto está em elaboração pela 2.ª brigada de estudos.
Por determinação superior está anotada a execução daquela obra para a primeira oportunidade.
VIII) Entrada nacional n.º 1 - Variante entre Cernache e Coimbra:
Encontra-se em revisão o projecto da variante à estrada nacional n.º 1 entre Cernache e Coimbra (n.º 14), para cuja construção há dotação no plano de trabalhos da Junta para 1962-1963.
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IX) Estrada nacional n.º 341, entre Alfarelos e Coimbra:
Enquanto não for construído o lanço da estrada nacional n.º 341 entre Arzila e o Sanatório dos Covões (n.º 15) - obra que não está incluída no actual plano de financiamento da Junta-, a ligação de Alfarelos a Coimbra está assegurada pela estrada municipal n.º 605, entre Arzila e Ribeira de Frades, cuja conservação está a cargo da Junta, e pela estrada nacional n.º 110-2, entre Ribeira de Frades e Santa Clara.
Neste percurso existem quatro passagens de nível com a linha do caminho de ferro do Norte, sendo duas na estrada municipal n.º 605 e duas na estrada nacional n.º 110-2.
A supressão destas últimas passagens de nível está prevista para quando houver oportunidade de se proceder à rectificação e melhoria do traçado da estrada nacional n.º 110-2.
X) Estrada nacional n.º 109-8, entre Buarcos e Quiaios:
Pela 2.ª brigada de estudos já foram feitos reconhecimentos para o estabelecimento da directriz da estrada nacional n.º 109-8, entre Buarcos e Quiaios (n.º 16), contornando a serra da Boa Viagem pelo farol do cabo Mondego, mas esta obra não está incluída no plano director relativo ao actual plano de financiamento da Junta.
No caso de, no futuro, se construir a estrada atlântica, é provável que nela venha a ser integrada, no todo ou em parte, a estrada nacional n.º 109-8.
XI) Melhorias do traçado c pavimentação de estradas que saindo de Coimbra se dirigem para as Beiras, para sul e para a Figueira da Foz:
Aquelas estradas são as estradas nacionais n.ºs 1, 17, 110 e 111 e as obras que se solicitam, segundo informa a Direcção de Estradas de Coimbra, vêm sendo executadas em planos de grande reparação. À variante à estrada nacional n.º 1 entre Cernache e Coimbra se fez referência no n.º VIII.
XII) Em resumo, verifica-se:
a) De futuro, e à medida que tal seja possível, serão sucessivamente suprimidas as passagens de nível de estradas nacionais com linhas de caminho de ferro, dando prioridade à supressão daquelas em que as condições de trânsito sejam mais graves;
b) Está incluída no actual plano de trabalhos a variante à estrada nacional n.º 1 entre Cernache e Coimbra (n.º 14);
c) Estão incluídas no actual plano de financiamento da Junta as construções dos seguintes lanços de estradas nacionais:
Estrada nacional n.º 343 - entre Fajão e a Portela dos Vilares (n.º 2).
Estrada nacional n.º 343 - entre a Portela dos Vilares e Cebola (n.º 3).
Estrada nacional n.º 344 - entre Meãs e Unhais-o-Velho (n.º 6).
Estrada nacional n.º 344 - entre Pampilhosa da Serra e Trinhão (n.º 8).
Estrada nacional n.º 2 - entre Alvares e o Alto da Louriceira (n.º 10).
Estrada nacional n.º 230 - entre Barreosa e a Portela das Pedras Lavradas (n.º 11).
Estrada nacional n.º 17-1 - entre Semide e a estrada nacional n.º 17 (n.º 12).
Estrada nacional n.º 334 - entre Corticeiro de Cima e Monte Arcado (n.º 13).
d) Não estão incluídas no actual plano de financiamento as construções dos seguintes lanços de estradas nacionais:
Estrada nacional n.º 344 - entre o Porto da Balsa e a Portela do Asno (n.º 5). Estrada nacional 344 - entre Unhais-o-Velho e a Barragem de Santa Luzia (n.º 7). Estrada nacional n.º 344 - entre Trinhão e Alvares (n.º 9).
Estrada nacional n.º 341 - entre Arzila e Covões (n.º 15).
Estrada nacional n.º 109-8 - entre Buarcos e Quiaios (n.º 16).
nem a adaptação a estradas nacionais das seguintes estradas municipais ou particulares existentes:
Estrada- nacional n.º 343 - entre a Catraia do Rolão e proximidades de Fajão (n.º 1).
Estrada nacional n.º 344 - entre Coja e Porto da Balsa (n.º 4).
Estrada nacional n.º 344 - entre a barragem de Santa Luzia e Pampilhosa da Serra (n.º 7).
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CÂMARA CORPORATIVA
VIII LEGISLATURA
PARECER N.º 9/VIII
Proposta de lei n.º 18/VIII
Revisão da Lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1953
(Lei Orgânica do Ultramar Português)
A Câmara Corporativa, consultada, nos termos do artigo 103.º da Constituição, acerca da proposta de lei n.º 18/VIII, sobre a revisão da Lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1953 (Lei Orgânica do Ultramar Português), emite, pela sua secção de Interesses de ordem administrativa (subsecção de Política e administração ultramarinas), com os Dignos Procuradores agregados Afonso Rodrigues Queiró, António Armando Gonçalves Pereira, António Jorge Martins da Mota Veiga, António Júlio de Castro Fernandes, António Trigo de Morais, Armando Manuel de Almeida Marques Guedes, Carlos Krus Abecasis, Fernando Andrade Pires de Lima, Joaquim Trigo de Negreiros, José Gabriel Pinto Coelho, Manuel Jacinto Nunes, Paulo Arsénio Viríssimo Cunha e Bui Enes Ulrich, sob a presidência, de S. Ex.ª o Presidente da Câmara, o seguinte parecer:
I
Apreciação na generalidade
1. As codificações das bases gerais do regime de governo e administração ultramarina, que em Portugal se têm sucedido desde 1836, tiveram sempre compreensivelmente vida ameaçada pela evolução das ideias respeitantes, em particular, ao problema das relações entre a administração central ou metropolitana (considerada a expressão no seu mais amplo e compreensivo sentido) e a administração das várias parcelas territoriais do nosso ultramar, e ao problema da extensibilidade às províncias ultramarinas da generalidade das normas e instituições de direito administrativo metropolitano. Tão depressa se modificaram as concepções dominantes a este respeito, tão depressa entraram em crise os princípios sobre estes dois pontos em cada momento perfilhados, logo se lançou mãos à obra de alterar, modificar ou substituir tais codificações, em correspondência com os ensinamentos que entretanto ganharam o favor e a adesão quer da doutrina quer de mais ou menos amplas correntes de opinião. Não é outra a explicação para a sucessão das leis orgânicas do ultramar desde 1836 a 1953, o esboço da qual é feito com rigor e exactidão no relatório da proposta de lei ora submetida à Câmara Corporativa para efeitos de parecer. A orientação inicial destas codificações, após o triunfo da revolução liberal, consistiu em se uniformizar o governo, a administração e o direito administrativo respeitantes a todas as províncias ultramarinas pelo figurino metropolitano. Estas não constituiriam mais, a final de contas, do que autarquias e circunscrições territoriais, de índole essencialmente administrativa, praticamente sem
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qualquer relevo constitucional, administradas em moldes fundamentalmente idênticos àqueles de acordo com os quais eram administradas as autarquias e circunscrições metropolitanas correspondentes - com mais ou menos centralização ou mais ou menos descentralização, conforme as ideias que a este respeito tivessem momentaneamente primazia na metrópole.
Seguiu-se a esta a orientação .de especializar o regime geral de governo e administração das províncias ultramarinas, em termos, porém, de, pela latitude ou pela flexibilidade das suas fórmulas e disposições, facultar um segundo grau de especialização, traduzido em seguida num estatuto orgânico particular de cada província, elaborado tendo em conta o seu grau de desenvolvimento e as suas características e condições peculiares. O acento tónico das codificações inspiradas nestes moldes deixou de residir na uniformidade assimiladora e na integração da administração ultramarina, ao nível ministerial, nas várias Secretarias de Estado metropolitanas, para passar a situar-se na diversificação não apenas em relação ao conjunto do ultramar, mas também e sobretudo em relação a cada uma das suas parcelas. Esta diversificação acarretou consigo uma desintegração dos serviços ultramarinos de cada um dos departamentos metropolitanos em que estavam incluídos, para passarem a estar coordenados por uma Secretaria de Estado especializada na administração do ultramar. Mas acarretou mais do que isso, posto que a acentuação da especialidade do condicionalismo de cada território requereu uma transferência de poderes dessa Secretaria metropolitana para órgãos locais, de natureza individual (governadores, comissários régios, altos comissários) e de natureza colegial (conselhos de governo e conselhos legislativos), cuja actuação ficou submetida a um frouxo controle da sua parte. Na medida em que neste sistema se desconcentraram e descentralizaram poderes públicos executivos e legislativos que até aí, por força da lei fundamental, haviam pertencido exclusivamente a órgãos metropolitanos, foi preciso dar à administração do ultramar um especial assento constitucional.
Num terceiro momento, tornou-se necessário estabelecer para o ultramar um regime geral de administração e de governo que, se, por um lado, continuou a ser um regime especial em relação ao da metrópole, passou, por outro lado, a ser rigorosamente uniforme para todas as províncias (no sentido de que não haveria estatutos orgânicos para cada uma delas). Esta orientação legislativa minimizou as diferenças de meio social e outras que antes tinham conduzido a uma legislação orgânica plural e haviam justificado uma política de desconcentração de poderes e de descentralização em relação a cada uma das províncias. Nesta lógica, reforçou os poderes do Ministro que na metrópole tinha o encargo específico dos assuntos ultramarinos, em prejuízo dos governadores e dos conselhos e assembleias locais. Mais precisamente: concentrou-se em Lisboa e nas mãos de um Ministro especializado o mais importante das funções legislativas e executivas referentes ao ultramar, considerado em conjunto ou em cada uma das suas parcelas; eliminaram-se assembleias legislativas territoriais, que ficaram reduzidas à categoria de simples órgãos consultivos do governador no exercício das funções legislativas que a ele exclusivamente ficaram cabendo em matérias, aliás, de índole técnica e de interesse muito caracterizadamente local; outro tanto sucedeu com os corpos administrativos provinciais, que foram convertidos em conselhos de governo, de composição só ou predominantemente burocrática, com funções exclusivamente consultivas.
Até que se chegou à Lei Orgânica do Ultramar Português (Lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1953, com alterações introduzidas pela Lei n.º 2076, de 25 de Maio de 1955, pelo Decreto-Lei n.º 42 515, de 19 de Setembro de 1959, e pelo artigo 32.º do Decreto n.º 44 736, de 28 de Novembro de 1962) e se adoptou um regime geral de governo e administração ultramarina em que puderam ser tidas em conta todas as experiências do passado, realizadas na base das orientações que vêm de ser sumariamente esboçadas, aproveitando de cada uma delas o seu contributo positivo.
Foi assim que se reputou adequado regressar ao sistema de uma lei orgânica básica sobre o regime geral de governo e administração das províncias ultramarinas, de conteúdo suficientemente lato e elástico para justificar a sua integração por estatutos político-administrativos especiais para cada província. E, se se conservou nas mãos do Ministro do Ultramar uma ampla competência legislativa e executiva, a verdade é que se procurou que ela ficasse restrita a limites razoáveis, ou seja, às matérias que representassem interesses superiores ou gerais da política nacional no ultramar ou fossem comuns a mais de uma província ultramarina. Quanto aos assuntos que interessassem exclusivamente a cada província, entregou-os a referida Lei Orgânica à competência dos respectivos órgãos locais - ao governador e a um conselho em que haveria a representação adequada às condições do meio social os de natureza legislativa, e ao governador exclusivamente (com a possibilidade e eventualmente com a obrigação de ouvir um adequado conselho, de atribuições exclusivamente consultivas) as de natureza executiva. Finalmente, à mais antiga orientação assimilacionista e uniformizadora, o legislador de 1953 foi em particular buscar a instituição de serviços públicos nacionais, ou seja, de organizações unitárias de meios pessoais e materiais, unificadas na metrópole e nas províncias ultramarinas, destinadas à realização de fins comuns a uma e outras (colocando-se, assim, neste ponto, de acordo com exigências geralmente reconhecidas hoje nas próprias federações de estados, em que o desenvolvimento económico e a facilidade das comunicações têm levado de vencida as tradições localistas, de acordo com as quais as organizações de serviços públicos se situavam no passado predominantemente ao nível «estadual», e não ao nível federal). Assim como os «direitos dos estados» cedem cada dia mais .perante os «poderes federais» no duelo federal versus state administration, assim também ao legislador de 1953 pareceu que a pretensão de um home rule absoluto das províncias ultramarinas em relação aos serviços que nelas gerem interesses públicos deveria em muitos casos ceder o passo a uma directriz da moderna ciência da administração, que é claramente no sentido de robustecer e alargar o quadro dos serviços públicos de gestão uniforme e unificada a partir de um centro ao nível do qual se integram, em detrimento dos serviços locais desintegrados.
2. Passados que são apenas cerca de dez anos sobre a entrada em vigor da Lei Orgânica do Ultramar Português, suscita-se, com a proposta de lei em exame, o ensejo de a aperfeiçoar e pôr tanto quanto possível de acordo com o condicionalismo sempre em evolução nas províncias ultramarinas. Não se suscita, porém, nem poderia, naturalmente, suscitar, ante claros e vinculantes preceitos constitucionais, ante os imperativos da história e ante as exigências do bom senso, o problema de mudar radicalmente de rumo.
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Não que falte quem sugira novas orientações, novos rumos. Temos aí quem nos ensine o sistema prático e necessariamente eficaz de administrar o ultramar para o abandonarmos a curto prazo. São os que falam de uma «autonomia progressiva», que desembocaria, quando. Deus quisesse, na plena soberania das várias parcelas territoriais da parte ultramarina da Nação. Não vêem eles senão uma das determinantes de ordem geral da evolução política dos povos «colonizados» - a propensão para a independência ou o pendor para o «nacionalismo» dos povos do «terceiro mundo». Não atentam, pelo que respeita ao ultramar português, nem na diversidade dos casos e das situações, nem na radical carência de meios humanos e materiais para que essa independência se consolide e não seja mais do que pura forma, nem na fundamental necessidade, que há-de acabar por ser reconhecida, de se não largar mão de mais territórios, que em caso de uma outra guerra seriam indispensáveis no plano estratégico e no plano económico, entregando-os a forças neutralistas ou declaradamente hostis ao Ocidente, nem, por último, na tendência nova e característica da nossa época, que é a da formação de grandes espaços económicos unificados, de grandes espaços não só económica, mas politicamente integrados, tendência que fez ou fará esbater a virulência dos «nacionalismos». E sobretudo crêem que a secessão política nos permitiria manter nos territórios abandonados, no futuro, uma presença espiritual e económica que se não vê p:>ssa ser, nessas condições, exercida por um país com a estrutura que a metrópole possui, em concorrência com quem em qualquer desses domínios facilmente nos eliminaria e afastaria.
A estes, que se colocam para além das imposições de todos os estatutos fundamentais da Nação desde 1822, contrapõem-se, com objectivos e recomendações diametralmente: opostas, os que consideram essencial e indispensável, para salvar a estrutura unitária do Estado português, retomar a orientação abandonada na lei orgânica de 1881 e, consequentemente, uniformizar não só a organização da administração e do governo das províncias ultramarinas e da metrópole, como também, de um modo geral, todo o direito público e privado, que, assim, deveria passar a ser sistematicamente comum à metrópole e ao ultramar.
Este movimento de ideias, caracterizado por um forte idealismo e por um vincado portuguesismo, parte de um mais ou ou menos patente erro de diagnóstico sobre os perigos que para a unidade política nacional pretensamente decorrem, quer da especialização da administração e do governo das províncias ultramarinas, quer da especialidade das leis que lhes dizem respeito, quer ainda da descentralização ou desconcentração, em particular, dos poderes legislativos em órgãos provinciais. Os que o encabeçam recusam-se - é o termo - a reconhecer a legitimidade de se tirarem quaisquer consequências das diferenças do condicionalismo geográfico, étnico, humano, cultural e económico que inegavelmente se verificam entre a metrópole e o ultramar e, dentro do próprio ultramar, entre as suas várias parcelas territoriais. Consideram que por sobre tudo isto se deve passar, que se deve fechar os olhos a estas realidades - e se deve legislar, em matéria de organização do governo e da administração ultramarina, e em tudo o mais que diga respeito ao ultramar, como se tais diferenças não existissem ou fossem realmente de considerar irrelevantes.
Atentar em toda a larga série de dificuldades de ordem prática, de ordem técnica e de ordem política que se levantam a esta política uniformizante e integradora é, para estes portugueses, estar-se ainda apegado a uma política «autonomista de associação» que teria sido importada e passada aos direitos, vinda de França, por alturas do último quartel do século XIX, exactamente por uma geração até agora indevidamente exaltada e sobrestimada.
Não é difícil diagnosticar neste movimento de ideias a presença de influências francesas da corrente dos que, além-Pirenéus, proclamaram a praticabilidade de uma política de «departamentalização» ou de «integração», em especial em relação à Argélia. Como quer que seja, o que é especialmente de assinalar é que é injusta e menos exacta a sua apreciação sobre o alcance e intenções da doutrina dos homens da geração de António Enes, de Mouzinho e de Eduardo da Costa; e, sobretudo, que é completamente falho de realismo pressupor que a unidade política da Nação se serve melhor ou só se pode mesmo servir deixando de contemporizar com o condicionalismo geográfico e sociocultural dos territórios ultramarinos. Pelo contrário: trata-se de uma regra de ouro, elementar mas eterna, de sabedoria política, que a tais condicionalismos, quando suficientemente vincados, não pode deixar de se atender. O abandono desta regra pagar-se-ia, uma vez mais, exactamente pelo preço da frustração na realização dos objectivos que os partidários de um «integracionismo» sem reservas desejam ver alcançados.
Uma terceira corrente, no combate que move aos integracionistas e aos seus patentes exageros, acaba, por sua vez, por resvalar no que podemos chamar uma espécie de «autonomismo tácito» ou «implícito», que lógica e necessariamente antecederia de pouco uma autonomia caracterizada - porta aberta ou antecâmara, por sua vez, como sempre e em toda a parte foi e é, para a outorga ou conquista do estatuto de estadualidade ou de plena soberania. A lógica é, neste domínio, correspondente às lições da mais recente história. A atribuição a um território de um «poder legislativo» em relação a todos os seus negócios, sem controle do Poder Central, e a instituição de um «poder executivo» praticamente, independente, quer do executivo da metrópole, quer do seu representante no território, constituem sempre, inevitavelmente, o princípio do fim. Aliás, o próprio facto de às recomendações deste tipo se associar a de se eliminarem ou restringirem ao mínimo os serviços públicos de âmbito nacional, por pretensamente incompatíveis com uma coordenação das autoridades locais, denuncia a coerência imanente e o sentido objectivo de uma tal corrente de ideias - sem embargo de se fazer justiça aos que nela se enquadram, devendo os seus desvios doutrinários imputar-se ao ardor e às exigências da polémica anti-integracionista que conduzem. E só como pensamento objectivo que a tese que nos suscita este apontamento dá margem a reparos - porque a ortodoxia e o portuguesismo dos que a emitem não pode estar em causa nem nunca esteve em dúvida.
3. De um modo geral, podem sintetizar-se assim os princípios dominantes da proposta de lei sob apreciação:
1) Desconcentração da competência executiva do Ministro do Ultramar, investindo-se os governadores em alguns dos seus actuais poderes, de alcance e interesse mais caracterizadamente locais (sobressaindo especialmente a transferência para os governos ultramarinos da competência ministerial actual em matéria financeira);
2) Reforço do carácter representativo dos órgãos colegiais legislativos das províncias;
3) Alargamento da participação das províncias ultramarinas nas grandes assembleias ou corpos político-legislativos do Estado;
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4) Desburocratização do Conselho Ultramarino, pela participação na sua composição de representantes das províncias;
5) Garantia de uma representação regional adequada em todos os órgãos consultivos de âmbito nacional;
6) Aumento do grau de descentralização local, no âmbito de cada província
Esta Câmara entende que a orientação que inspirou a codificação de 1953 continua, de um modo geral, adequada à evolução das províncias ultramarinas, mas que se tornam convenientes e são possíveis algumas correcções e adaptações que ponham a Lei Orgânica mais de acordo com alguns dos princípios constitucionais hoje vigentes, designadtimente levando os princípios da descentralização, quer provincial, quer local, e o da integração (este, por sua vez, explicitado pela Lei Constitucional n.º 2100, de 29 de Agosto de 1959) até adquirirem toda a execução de que são susceptíveis sem contrariarem, respectivamente, a unidade política da Nação e os interesses específicos e particulares de cada um dos territórios de além-mar. A Câmara Corporativa colaborará, na análise a que vai proceder da proposta na especialidade e nas conclusões com que fechará este parecer, na procura da mais feliz harmonização destes dois princípios, que são, aliás, duas constantes da história da nossa administração ultramarina (em relação às quais naturalmente se verificaram, em cada época, desvios ou más interpretações). Tem-se a impressão de que as alterações que se sugerem ao texto da proposta não lhe retiram o alcance e o significado que o Governo lhe atribuiu e pretendeu que tivesse - e que, bem vistas as coisas, se vai até, na realidade, pelo menos em alguns pontos, mais longe do que o que vem proposto.
4. Esta proposta é mais um índice da solicitude e do carinho com que a velha metrópole encara os problemas de toda a ordem respeitantes à parte ultramarina da Nação. Atenta a todos os seus problemas e dificuldades, a metrópole aqui está, uma vez mais, a procurar resolver os que se suscitam no plano da sua organização política e administrativa - com a mesma generosidade, e espírito de solidariedade sempre comprovados, mas sobretudo bem documentados no último decénio.
A metrópole, na verdade, não tem sido avara, designadamente no concurso das suas possibilidades financeiras, ao desenvolvimento económico e social das províncias e à defesa do ultramar.
Os resultados desta política aferem-se por vários índices, de que só se deseja evocar os referentes à intensificação dos investimentos por efeito da execução dos planos de fomento, ao povoamento europeu e à expansão das exportações de Angola e de Moçambique, sendo ainda de notar que na defesa do ultramar contra as cobiças externas o tesouro metropolitano tem suportado vultosos encargos.
A metrópole - seria ingratidão esquecê-lo e mesmo só não o destacar devidamente - tem desmonstrado bem, pelos sacrifícios a que se tem sujeitado, como concebe e como pratica o princípio da unidade moral e política da Nação. Não tem apelado para a sua «individualidade», ou «personalidade» própria nem chamado a atenção para a «individualidade» e «personalidade» de cada província para se isentar do fardo dos sacrifícios e dos encargos e até do holocausto das vidas: tem sabido servir a grande, a nobre, a elevada ideia da unidade da Nação!
Ao apresentar esta proposta de lei, o Governo procurou, mais uma vez, servir esta ideia - e a Câmara não lhe regateia nem colaboração nem apoio.
II
Exame na especialidade
Artigo 1.º
Base VII
5. A Câmara Corporativa entende que não tem qualquer alcance prático a inclusão na Lei Orgânica de uma norma segundo a qual «as províncias ultramarinas terão representação adequada na Assembleia Nacional». Trata-se, por um lado, de qualquer coisa de tão manifesto que se não compreende que haja necessidade de o proclamar em lei; e, por outro lado, o preceito proposto pode levar a supor que as províncias estão hoje prejudicadas quanto ao número de representantes que enviam à Assembleia Nacional. Ora esta Câmara não está segura de que, em termos de justiça relativa, as províncias ultramarinas tenham naquela Assembleia uma representação deficiente, sobretudo se se tiver em conta que essa representação se deve pautar pela densidade da população com capacidade eleitoral activa -dos círculos eleitorais e que a Assembleia Nacional não é um órgão com competência normal para legislar para o ultramar. De qualquer maneira, repugna admitir que o legislador, de todas as vezes que remodelar a lei eleitoral a que se refere o § 1.º do artigo 85.º da Constituição, não se cinja à directriz de adequar os círculos eleitorais à necessidade de dar à generalidade da população portuguesa a representação proporcionalmente mais justa. Não se vê, portanto, conveniência em deixar isso expresso, pró memória, na Lei Orgânica, pela mesma razão que não é aconselhável dizer-se coisa idêntica em relação à representação da metrópole em qualquer texto de direito metropolitano.
Se, em vez de constituir uma directriz para o legislador ordinário, a ter em conta quando se modificar a lei eleitoral, o preceito proposto pretende lembrar ao legislador constitucional a conveniência de alargar, na altura própria, a composição da Assembleia Nacional, a conclusão da Câmara Corporativa não pode ser diferente. Não pode, efectivamente, deixar de se considerar anómalo que, numa lei de. hierarquia inferior à da lei constitucional, cuja função é desenvolver e pormenorizar o pensamento do estatuto fundamental, se incorporem disposições cujo destinatário seja justamente o órgão legiferante que tem competência para comandar ou orientar a actuação do legislador ordinário. Esta espécie de proconstituição de um futuro e eventual preceito constitucional não parece ter sentido útil.
Seja, porém, como for, o facto de a Câmara Corporativa desaconselhar a inclusão na Lei Orgânica de uma tal directriz legislativa não significa que se não deva chamar a atenção do Governo para a conveniência de proceder a inquérito sobre a densidade da população com capacidade eleitoral activa em cada um dos círculos eleitorais do ultramar, ante os critérios por que ela se afere nos termos da legislação eleitoral de aplicação comum à metrópole e às províncias ultramarinas e tendo em conta as reformas legislativas de Setembro de 1961. Com base nessa indagação, o Governo procederá oportunamente, se for caso disso, por forma a dar representação mais adequada às províncias ultramarinas na Assembleia Nacional.
6. O problema da representação do ultramar na Câmara Corporativa tem aspectos diferentes dos respeitantes ao problema da sua representação na Assembleia Nacional.
Esta Casa parlamentar não é nem pode ser chamada a dar o seu parecer sobre a maior parte dos diplomas legislativos e regulamentares aplicáveis nas províncias ultra-
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marinas. Escapa, necessariamente, à sua competência consultiva toda a actividade legislativa e regulamentar da competência dos órgãos provinciais e escapa-lhe normalmente a actividade legislativa e regulamentar da competência do Ministro do Ultramar. A Câmara Corporativa tem de ser ouvida sobre as propostas de lei do Ministro do Ultramar apresentadas à Assembleia Nacional no âmbito da competência reservada deste órgão em matéria de legislação ultramarina (Constituição, artigo 150.º, n.º 1.º) e, fora desta hipótese, poderá ser ouvida pelo Governo ou mesmo pelo Ministro do Ultramar no âmbito da sua competência legislativa respectiva (n.ºs 2.º e 3.º do citado artigo 150.º) ou da sua actividade regulamentar referida ao ultramar.
Daqui resulta que a participação desta Câmara na actividade de produção normativa é necessariamente muito maior em relação à metrópole do que em relação ao ultramar.
Terá sido, antes de mais, a consciência deste facto que terá levado o legislador a não equiparar na Câmara a representação metropolitana e a representação ultramarina.
No mesmo sentido terá concorrido a circunstância de se não considerar praticável o sistema de convocar para participarem sistematicamente nos trabalhos das suas secções e subsecções os representantes das autarquias locais e dos interesses sociais ultramarinos, obrigando-os a frequentes e porventura largos estágios na metrópole, afastados das obrigações das suas actividades e cargos.
O legislador viu-se, assim, conduzido a optar pela solução de fazer representar o ultramar na Câmara Corporativa por um número restrito de Procuradores designados pelo Conselho Corporativo, devendo a escolha deles recair em pessoas de superior competência e com comprovado conhecimento das questões de administração ultramarina. Hoje, esses Procuradores constituem a 5.ª subsecção da secção de Interesses de ordem administrativa (Política e administração ultramarinas).
Esta Câmara reconhece que o sistema actualmente em vigor em matéria de representação do ultramar na sua composição não é satisfatório. Parece-lhe que a orientação a seguir, em tal problema, deverá ser a de dar representação às autarquias locais e aos interesses sociais das províncias ultramarinas nas suas várias secções e subsecções. A presidência da Câmara, no uso das suas atribuições normais, fará a convocação das secções, subsecções e Procuradores que deverão intervir no estudo das propostas e projectos, conforme o âmbito de aplicação dos diplomas em que são destinados a converter-se ou a natureza do interesse das matérias a regular.
A forma de dar execução a esta ideia parece dever ser a de o Governo alterar o actual diploma legal sobre a constituição da Câmara Corporativa, definindo, nos termos convenientes, a composição das várias secções e subsecções, e ficando para os estatutos político-administrativos das províncias a regulamentação da matéria respeitante ao processo de designação dos procuradores das respectivas autarquias locais e interesses sociais, de acordo com esse diploma legal.
A Câmara Corporativa entende, pois, que é desde já possível ao legislador ordinário modificar a sua constituição, em termos de dar representação adequada às autarquias locais e aos interesses sociais das províncias ultramarina (e não, como na proposta de lei se diz, às províncias ultramarinas), reservando-se a matéria do processo de designação dos respectivos Procuradores para o estatuto de cada uma delas. De acordo com esta conclusão, sugere uma nova redacção para o projectado preceito.
Simplesmente, pensa-se que o lugar mais próprio para inscrever na Lei Orgânica esta nova norma é, não a base VII, mas a base XIII. Na base VII apenas se enunciam os órgãos centrais da administração ultramarina, quer deliberativos, quer consultivos. Tudo o que se julgou oportuno dispor na Lei Orgânica, em matéria de organização dos colégios consultivos centrais, consta da secção IV do seu capítulo m, de que a base XIII faz parte. Impõe-se seguir, mais uma vez, esta orientação sistemática e proceder também assim com a Câmara Corporativa, a que se refere precisamente a referida base XIII.
7. Quanto à proposta de que na composição do Conselho Ultramarino entrem vogais representantes das províncias ultramarinas, há, antes de mais, que recordar que não seria esta uma inovação na história deste alto corpo consultivo. O, sistema já foi, digamos assim, experimentado, primeiro no Conselho Colonial, a partir de 1911, e depois no Conselho Superior das Colónias, no período de 1926 a 1928. Os representantes do ultramar no Conselho eram designados, pela legislação de 1911, por sufrágio indirecto, de base censitária, e passaram, a partir de 1926, a ser eleitos por sufrágio geral e directo.
A experiência não deu grande resultado. O Conselho deixou de ser o que sempre fora, um sereno e objectivo órgão de estudo e de consulta do Governo, uma espécie de Conselho de Estado do Ultramar, para passar a ser uma espécie de parlamento do conjunto do ultramar, paralelo ao parlamento geral da Nação e em parte fazendo duplo emprego com ele. É por isso que esta Câmara põe as suas reservas ao que ora vem proposto e prefere sugerir que se legisle em termos de fazer do Conselho Ultramarino, enquanto órgão consultivo, uma espécie de «câmara corporativa» do ultramar no seu conjunto, para o que será necessário dispor que nele estejam representados os interesses sociais das províncias ultramarinas.
Com estas reservas, a Câmara aconselha a adopção da proposta do Governo. Sugere, porém, que a matéria seja versada na base XIV, e não na base VII, pelas razões atrás invocadas em relação à Câmara Corporativa.
8. A proposta do Governo, juntamente com o Conselho Ultramarino, refere-se também aos órgãos consultivos de âmbito nacional, advogando que nestes haja igualmente a devida representação das províncias.
A ideia dó Governo deve ser, não rigorosamente que deva haver, em tais órgãos, representantes das províncias (o que implicaria haver neles, correspondentemente, representantes da metrópole), mas antes que, na composição que para eles nos respectivos diplomas orgânicos se estabeleça, se deverá atender a um critério de adequada distribuição regional, por forma que aí tenham assento e participação elementos radicados nas várias parcelas do território nacional, conhecedores qualificados dos problemas e interesses particulares das diferentes regiões do País. Sem uma composição baseada em semelhante critério, dificilmente se pode esperar de tais órgãos que desempenhem devidamente as suas funções consultivas.
Uma directriz destas, endereçada, afinal de contas, ao legislador, será tão naturalmente observada, independentemente da sua explícita consagração, que esta Câmara duvida da necessidade ou da simples utilidade de ela ser estabelecida na Lei Orgânica. Tanto é assim que, ainda recentemente, o legislador criou, na Presidência do Conselho, um órgão consultivo de «âmbito nacional» - a Comissão Consultiva de Política Económica -, e espontaneamente dispôs que na designação dos seus vogais se deverá realizar uma equilibrada representação da actividade económica dos diferentes territórios nacionais (Decreto-Lei n.º 44 652, de 27 de Outubro de 1962, artigo 29.º, § 1.º). A Câmara, no entanto, não vê razões su-
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ficientemente fortes para se opor à ideia. Simplesmente, entende que o assunto deve ser tratado, não na base VII, mas sob a forma de uma nova base, que ficaria sendo a última da secção IV do capítulo III, relativa aos órgãos consultivos do Governo.
Base X
9. No que respeita a esta base, pretende o Governo ver nela introduzidas três alterações. Uma, relativa à alínea e) do n.º I, traduz-se em retirar aos conselhos legislativos ou de governo (conforme os casos) a competência consultiva que nessa alínea hoje se lhes atribui no processo de feitura dos estatutos político-administrativos; outra cifra-se na supressão da actual alínea j) do n.º I, em cujos termos cabe hoje ao Ministro do Ultramar, no exercício da sua competência legislativa, a solução das divergências entre os governadores-gerais e os conselhos legislativos, ou entre os governadores de província e os conselho de governo, sobre a oportunidade, conveniência ou legalidade das providências legislativas por esses conselhos aprovadas; a terceira consiste em também se outorgar aos órgãos legislativos das províncias ultramarinas competência para a regulamentação da composição dos quadros privativos ou complementares dos seus serviços públicos e do recrutamento, atribuições, vencimentos, salários e outras formas de remuneração do pessoal desses quadros, hoje atribuída exclusivamente ao Ministro do Ultramar, embora seja susceptível de ser delegada nos órgãos legislativos, a título temporário ou permanente.
A Câmara vai sucessivamente analisar cada uma destas alterações.
10. Segundo o direito vigente, a competência legislativa do Ministro do Ultramar para elaborar o estatuto político-administrativo de cada província ultramarina exerce-se ouvido previamente o seu conselho legislativo ou de governo, conforme os casos. Pretende-se agora que ela seja exercida ouvindo-se previamente o respectivo governador e o Conselho Ultramarino em sessão plena.
Considerada a nova estrutura que se pretende dar ao Conselho Ultramarino, em que passará a haver representação das províncias ultramarinas, não parece de repudiar a ideia de ele ter de ser necessariamente ouvido pelo Ministro do Ultramar antes de exercer a sua competência em tal matéria. E compreende-se que o parecer deva ser dado pelo Conselho em sessão plena, que não apenas pela respectiva secção, dada a transcendente importância que revestem os diplomas em causa.
Também parece aconselhável que o governador seja ouvido pelo Ministro do Ultramar sobre o estatuto da respectiva província. Tratando-se naturalmente de pessoa com experiência da administração da província e conhecedor, portanto, dos problemas próprios dela, o seu conselho não pode deixar de ser do maior interesse para o Ministro, no exercício da sua competência em tal matéria.
Não tem, pois, esta Câmara objecções a opor ao que a este respeito vem proposto pelo Governo.
11. Da apreciação que a esta Câmara merecerá a proposta do Governo em matéria de competência dos órgãos legislativos das províncias ultramarinas se depreenderá que não se torna necessária a eliminação da alínea j) do n.º I desta base. Apenas se torna necessário modificá-la.
12. O sistema que o Governo propôs quanto à matéria hoje regulada pelo n.º II desta base consiste fundamentalmente em conferir uma competência paralela ao Ministro do Ultramar e aos órgãos legislativos provinciais para a disciplinar legislativamente. A competência do Ministro decorrerá das alíneas d) e g) do n.º I; a competência dos órgãos provinciais fundar-se-á na nova redacção proposta pelo Governo para o n.º II.
Crê-se que o sistema não oferece inconvenientes especiais.
Base XI
13. Faz o Governo um certo número de propostas quanto à base XI, cujo sentido geral é o de se transferirem do Ministro do Ultramar para os governadores das províncias ultramarinas certas competências administrativas. A primeira dessas propostas de alteração refere-se ao n.º I, 5.º, alínea c).
Pelo direito vigente, cabe ao Ministro do Ultramar autorizar as obras, planos de urbanização e planos de fomento custeados por receitas extraordinárias ou pelo excesso das receitas ordinárias previstas para o respectivo ano.
Com a eliminação dessa alínea o Governo não pretende, porém, retirar ao Ministro do Ultramar a competência exclusiva que este ora possui de autorizar tais obras e planos (salva a possibilidade de delegação dela). De outro modo não se compreenderia o que vem proposto com referência à segunda parte do n.º II da base LXI. O alcance da eliminação da alínea em causa parece ser que tais matérias deixarão de pertencer necessariamente ao Ministro para poderem pertencer-lhe em parte e em parte poderem ser atribuídas aos governadores, conforme se dispuser nos estatutos político-administrativos das províncias ultramarinas ou em outras leis (o que se tornaria possível ante o disposto na base XI, n.º I, 11.º).
É natural que a repartição das competências entre o Ministro e os governadores venha a ter por base o valor das obras e dos planos. A ser assim, não tem a Câmara objecção a opor à alteração proposta.
Apenas lembra que será oportuno que nos estatutos político-administrativos ou nas leis que versarem o assunto se consagre a possibilidade de o Ministro delegar os seus poderes em tais matérias, sob pena de se retrogradar em relação ao sistema hoje vigente, num sentido ainda mais centralizador.
14. Modificação particularmente significativa e importante é também a que o Governo sugere com relação ao n.º I, 6.º Dentro de uma orientação geral descentralizadora. deseja-se agora que, em vez de orientar e fiscalizar a organização e a execução dos orçamentos das províncias ultramarinas, o Ministro do Ultramar passe simplesmente a fiscalizar essa organização e essa execução.
Depois que, reagindo contra uma exagerada autonomia, financeira das províncias ultramarinas, que conduziu a toda a sorte de abusos e desregramentos, ainda na memória de muitos, pela sua gravidade, o legislador se decidiu a enveredar pela instituição de um controle do Ministro do Ultramar nos actos em que se exprime o exercício dessa autonomia, várias têm sido as modalidades que esse controle tem revestido. Os rigores e disciplinas iniciais foram sendo progressivamente atenuados, como se pode ver, por exemplo, no parecer desta Câmara n.º 35/V. No momento actual, consagra-se um sistema, digamos, misto: o Ministro do Ultramar substitui-se à província no que respeita ao estabelecimento da previsão de certas receitas e à programação de certas despesas (n.º II da base LVIII) e exerce uma espécie de «tutela directiva» no que respeita às restantes receitas e despesas e de um modo geral em matéria de organização e execução do orçamento (base XI, n.º I, 6.º); por último, exerce uma «tutela inspectiva», fiscalizando a forma como se procede
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na província a essa organização e execução (mesma base XI, n.º I, 6.º).
Deixando agora de lado o problema de saber se o Ministro deva continuar a poder substituir-se aos órgãos provinciais mi organização de certos capítulos do orçamento de cada província - que será tratado quando se analisarem as alterações propostas pelo Governo em relação à base LVIII -, consideremos de momento apenas a questão de saber se se pode retirar ao Ministro do Ultramar a sua competência tutelar directiva em matéria de organização e de execução do orçamento de cada província. A este respeito, a Câmara apressa-se a dizer que não vê particulares inconvenientes na supressão dessa competência. É que, apesar da eliminação dela, não se destroem todos os meios de que o Ministro dispõe para garantir a ordem financeira das províncias e, através desta, a realização do interesse geral. O Ministro conserva, na verdade, o poder de anular, revogar, suspender ou reformar as decisões tomadas pelos governos ultramarinos em tal matéria (base XI, n.º III) - e nem outro alcance se compreende que tenha a competência fiscalizadora que o Governo pretende continuar a deixar nas mãos do Ministro do Ultramar, a não ser justamente o de fornecer os pressupostos do exercício dos poderes a que se refere a base XI, n.º III, citada.
A Câmara Corporativa não encontra, portanto, motivo sério para não recomendar a aprovação da alteração proposta pelo Governo para a base XI, n.º I, 6.º
15. Desde que o Governo propõe que passe a competir exclusivamente aos governos das províncias ultramarinas a organização e execução do orçamento, sob controle inspectivo do Ministro do Ultramar, desde que, portanto, esses governos passam a ter responsabilidade primordial na gestão financeira das respectivas províncias, seria incoerente conservar ao Ministro a competência que hoje tem, nos termos da base XI, n.º I, 7.º, para autorizar transferências de verbas e aberturas de créditos, sem embargo de já hoje poder fazer delegações dessa competência (base XI, n.º II).
A Câmara sugere, no entanto, que, para proceder às aberturas de crédito e às transferências de verbas, o governador deva ouvir o conselho de governo (paralelamente com o que sugerirá em relação à organização do orçamento)
Não se diga, em contra da proposta, que é perigosa a transferência, sem reservas, desta competência para os governadores, alegando que estes poderão facilmente enveredar por uma política imoderada de realização de despesas sem previsão orçamental e de modificações indesejáveis do plano de administração fixado no orçamento. A administração central conserva nas suas mãos as armas próprias para reprimir abusos ou actuações atrabiliárias era tal domínio, posto que poderá utilizar, os poderes que lhe são conferidos pela base XI, n.º III, e, assim, anular, revogar, reformar ou suspender as aberturas de créditos e as transferências de verbas que bem entender.
Parece, entretanto, à Câmara que, estando consagrada, em favor do Ministro do Ultramar, a competência hierárquica ou quase hierárquica de anulação, revogação, reforma e suspensão das decisões não constitutivas de direitos dos governadores das províncias ultramarinas, não se torna necessário inscrevê-la em novo preceito, como se faz na proposta do Governo, com referência especificada às autorizações de transferências de verbas e de aberturas de créditos. Afigura-se-lhe isso desnecessário, uma vez que se não pode contestar a natureza não constitutiva de tais decisões dos governadores. A única coisa necessária é a inscrição de um preceito em que se diga exclusivamente que os governadores deverão comunicar imediatamente ao Ministro do Ultramar as decisões que tomarem nesta matéria, com a respectiva justificação.
16. É óbvia a necessidade de se alterar o actual n.º IV da base XI. Apenas se objecta que não parece adequado falar-se em «Subsecretários de Estado do Ultramar». Melhor será dizer «Subsecretários de Estado do Ministério do Ultramar», ou simplesmente «Subsecretários de Estado», por não poder supor-se que se quer aludir a outros que não os do Ministério do Ultramar.
Base XV
17. A referência aos Subsecretários de Estado como possíveis presidentes da conferência dos governadores ultramarinos é determinada pela actual organização do Ministério do Ultramar e não dá naturalmente origem a qualquer reparo.
Já o mesmo se não pode dizer da outra alteração proposta para o n.º II desta base. Com efeito, à Câmara não parece aconselhável pôr lado a lado, a participarem na conferência em pé de igualdade com os governadores e as demais entidades que nela tomam parte, os secretários provinciais.
A Câmara é de parecer que eles deverão poder ser convocados a participar nos trabalhos da conferência, mas entende que não se lhes deve reconhecer direito de voto. O seu papel será apenas de elucidação - e é natural que neste plano a sua contribuição seja particularmente útil.
Uma vez que a Câmara Corporativa se pronunciará adiante pela subsistência do cargo de secretário-geral, sugere que este funcionário possa participar na conferência com o mesmo estatuto que se propõe para os secretários provinciais.
Base XVIII
18. O Governo propõe que as comissões dos governadores das províncias ultramarinas poderão ser prorrogadas por períodos sucessivos de dois anos, e não de quatro anos, como até aqui.
Dão-se para esta alteração, no relatório da proposta de lei, certas razões que são de aceitar.
A Câmara limita-se a sugerir uma outra formulação, mais aproximada da ordenação actual desta base. Nestes termos, o n.º II não seria alterado e no n.º IV dir-se-ia que a comissão dos governadores poderá ser renovada por períodos de dois anos em decreto publicado até 30 dias antes de ela terminar.
Base XIX
19. Uma nova redacção para esta base tornar-se-ia realmente necessária se se concordasse com as propostas do Governo quanto à supressão do cargo de secretário-geral e dos conselhos de governo nas províncias de governo-geral. Mas esta Câmara não poderá concordar com estas alterações na administração provincial - e, por isso, não sugere a alteração que o Governo propõe para a base XIX. A base deverá manter a actual redacção.
Aliás, o texto proposto pelo Governo, mesmo quando o seu conteúdo fundamental merecesse aprovação, teria de ser retocado. Nele se consideram, conjunta e indistintamente, a falta de governador e as suas ausências da província, de um lado, e os seus impedimentos temporários e ausências da sede do governo, mas em território da província, por outro, dizendo-se quem o substituirá enquanto o Ministro do Ultramar não designar um encarregado do governo. Ora durante o impedimento temporário do governador ou na sua ausência da sede do
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governo, mas em território da província, não haverá naturalmente que nomear um encarregado do governo. Seria ainda de ponderar a questão de saber se, na falta de encarregado do governo, o substituto do governador nas províncias de governo simples deverá ser o chefe de serviços de administração civil ou, quando existisse, o secretário-geral, posto que o Governo deseja ver criada a possibilidade nessas províncias de se instituir tal cargo. Finalmente, não é clara a razão por que na base sob consideração se deixaria de dizer qual a forma especial que deve revestir a designação dos encarregados de governo.
Base XXIII
20. Propõe o Governo, antes de mais, a eliminação do cargo de secretário-geral nas províncias de governo-geral. Justificar-se-á, realmente, que se termine com a existência deste órgão?
Na feição que, por último, veio a assumir, o secretário-geral é um funcionário de carreira, cuja permanência no cargo não é, em princípio, afectada pela sucessão dos governadores. Tem competência própria na direcção dos serviços da secretaria-geral e na superintendência e coordenação das direcções de serviços. Além destes poderes próprios, poderá exercer poderes delegados: nas províncias de Angola e Moçambique os governadores podem delegar nele as funções respeitantes ao expediente geral ou ao domínio da administração política e civil. Nesta última medida, o secretário-geral, tal como os secretários provinciais, surge-nos, para utilizar terminologia técnica, como um órgão secundário do governo-geral.
Já em 1953, na discussão parlamentar sobre o contra-projecto de proposta de lei que veio a converter-se na actual Lei Orgânica do Ultramar Português, não faltou quem contrariasse a ideia de fazer subsistir o cargo de secretário-geral e se mostrasse favorável à de os governadores-gerais serem coadjuvados apenas por secretários provinciais. Salientou-se, em apoio deste desígnio, que a permanência do secretário-geral em relação à transitoriedade do governador pode gerar nele uma tendência para lhe criar dificuldades, dado que não é da confiança política do governador e o substituirá ou poderá substituir na hipótese da sua exoneração, e que o cargo se não poderia justificar pela continuidade que emprestaria à administração pública da província, visto que o governador-geral só poderá delegar no secretário-geral, em Angola e Moçambique, as funções respeitantes ao expediente geral e ao domínio da administração política e civil, e nunca as restantes, que são em muito maior número.
A tais objecções se respondeu, salientando que não é de presumir a falta de espírito de colaboração do secretário-geral em relação ao governador, havendo, de resto, sempre forma de forçar as pessoas a cumprirem com o seu dever, quando mais não seja substituindo-as por outras, e que a continuidade da administração provincial é efectivamente assegurada pelo secretário-geral, não obstante lhe não poderem ser delegadas todas as funções executivas, na medida em que ele tem necessariamente contacto com todas elas, por lhe caber superintender e coordenar todas as direcções de serviços e por lhe poderem ser, e em regra serem, delegadas as funções respeitantes ao expediente geral do governo provincial.
A Câmara Corporativa considera perfeitamente pertinentes e de todo convincentes estas considerações. Sobretudo, não encontra, na proposta do Governo, fórmula que adequadamente substitua a dos secretários-gerais para se garantir a continuidade do governo provincial. Chama mesmo a atenção para que o regime actual das nomeações em comissão de serviço não coloca os secretários-gerais tão
fora como isso da confiança dos governadores-gerais (cf. base XLI, n.º II, da Lei Orgânica do Ultramar Português e artigo 37.º do Estatuto do Funcionalismo Ultramarino). Nestas condições, a Câmara emite o parecer de que deve persistir, nas províncias de governo-geral, o cargo de secretário-geral.
21. Em Angola e Moçambique pode haver, neste momento, além do secretário-geral, quatro secretários provinciais (base XXIII, n.º II, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 42 515, de 19 de Setembro de 1959). Podem os respectivos governadores-gerais delegar neles as suas funções executivas, exceptuadas as de administração financeira, que só pelos governadores podem ser exercidas, e as respeitantes à administração política e civil e ao expediente geral, que, como vimos, só podem ser delegadas no secretário-geral.
Os secretários provinciais são, segundo o direito vigente, agentes da confiança do governador-geral, uma vez que, embora nomeados e exonerados pelo Ministro do Ultramar, este só o pode fazer sob proposta daquele.
Uma diferença que se nota entre o sistema actual e o que vem proposto consiste em que o governador-geral passaria a ter, em vez de um máximo de cinco agentes coadjutores (um secretário-geral e quatro secretários provinciais), tantos quantos os que fossem previstos no estatuto político-administrativo da respectiva província.
Não tem a Câmara nada a objectar a esta nova fórmula. À medida que Angola e Moçambique se vão desenvolvendo, a acção governativa é cada vez mais desproporcionada às possibilidades de um único homem, por mais dotado que seja em resistência física, em capacidade intelectual e em preparação técnica. Dia a dia se impõe mais que os governadores-gerais destas províncias se possam rodear de uma equipa ampla de agentes especializados em quem possam delegar o despacho dos vários ramos de serviço. Quantos hão-de ser os secretários provinciais em cada uma dessas províncias? É realmente preferível deixar a resposta a esta pergunta para os estatutos político-administrativos, após a ponderação do caso particular de cada uma das províncias de governo-geral por parte das entidades que têm a este respeito que dizer a última palavra: o Ministro do Ultramar, o Conselho Ultramarino e os governadores-gerais interessados.
Segundo a Lei Orgânica, na sua versão em vigor, é inteiramente claro que os secretários provinciais exercem as suas funções com base numa delegação de poderes que em seu favor é feita pelo governador-geral.
É de admitir que a proposta governamental não tenha querido afastar-se deste sistema, dado designadamente o texto do n.º II da base sob consideração, na redacção sugerida pelo Governo. Parece, na verdade, que, ao contraporem-se aí as funções executivas exercidas directamente pelo governador às exercidas sob a responsabilidade dele, por intermédio dos secretários provinciais, no fundo se terá querido justamente dizer que estes últimos exercem funções do governador, que este neles delegue. Os secretários provinciais seriam, portanto, agentes em quem o governador delega parte dos seus poderes executivos.
Se este é o pensamento da proposta, há então que dar-lhe uma expressão mais adequada, de modo a não ficarem dúvidas sobre o estatuto com base no qual os secretários provinciais exercem a sua competência.
Para isso, não só é necessário dizer-se francamente que o título da competência dos secretários provinciais é a delegação do governador-geral. como se requer também definir o regime da delegação, em termos de ela ser uma autêntica delegação de poderes e não, como diria Hauriou (Précis de Droit Administratif, 11.ª edição, p. 47), uma
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«delegação de poder público», ou seja uma transferência definitiva de funções dos governadores para os secretários provinciais, feita na Lei Orgânica e, com base nela, nos estatutos político-administrativos (o que, aliás, contrariaria o artigo 155.º da Constituição).
Segundo o texto em vigor da base XXIII, a delegação é bem uma delegação de poderes, feita, pelo governador. Na redacção proposta pelo Governo a delegação não será rigorosamente feita pelo governador, uma vez que as atribuições dos secretários provinciais seriam fixadas pelo estatuto político-administrativo de cada província, isto é, por um diploma legal (da competência do Ministro do Ultramar). A delegação seria assim feita não pelo governador, mas por uma lei de que ele não seria o autor.
Uma tal solução afectaria a autoridade do governador, na medida em que este viria, assim, a encontrar-se perante um colégio de secretários provinciais que exerceria um poder rigorosamente seu, porque lhe fora atribuído pela lei. É certo que, na hipótese de discordância com a orientação de qualquer deles, o governador poderia propor superiormente a sua exoneração - mas esta poderia tardar ou não ser mesmo concedida, em consequência de o Ministro não se mostrar sensível às queixas que lhe fossem dirigidas. A posição do governador sairia inconvenientemente diminuída se a delegação de poderes não fosse feita por ele próprio.
Certamente que não foi este o intuito da proposta governamental. Assim, para corresponder aos que não deixarão de ter sido os desígnios do Governo, entende a Câmara que a redacção da base deve ser alterada.
22. Na proposta diz-se que a organização, as atribuições e as denominações dos secretários provinciais serão definidas no estatuto político-administrativo de cada província, cabendo a cada secretário provincial normalmente a gestão de um conjunto de serviços que constituirá uma secretaria provincial.
Consideradas as reflexões atrás formuladas, a Câmara entende que deverá ser das atribuições legislativas reservadas ou privativas do governador-geral dispor sobre tais pontos. Noutras palavras: o governador-geral ou cada governador-geral editará, em diploma legislativo da sua competência exclusiva, as normas respeitantes a estes pontos - podendo, evidentemente, essas normas por ele ser revogadas ou modificadas em qualquer momento. Pode, entretanto, consignar-se na Lei Orgânica que as delegações se devam fazer em relação a conjuntos de serviços que constituirão secretarias provinciais.
23. No modo de ver da Câmara, a lógica estrita imporia que as funções dos secretários provinciais cessassem com o termo da comissão ou a exoneração dos governadores que houvessem proposto a sua nomeação. Tal decorre do facto de eles não terem funções próprias, antes simplesmente delegadas, bem como de eles serem e deverem continuar a ser agentes da exclusiva confiança política do governador-geral. Simplesmente, também se reconhece que uma tal solução teria inconvenientes de certa gravidade: a saída do governador provocaria um vácuo governativo intolerável, por um período que pode não ser de dias apenas, prolongando-se por semanas ou meses. Os secretários provinciais podem «solidarizar-se» com o governador que sai ou, de qualquer modo, não desejar servir com outra pessoa - e o recrutamento de uma nova equipa pode não se fazer de uma hora para a outra.
Salvando os princípios e atendendo a estas considerações, a Câmara sugere que na lei se consigne que os secretários provinciais em funções à data do termo da comissão ou da exoneração do governador-geral se presumem da confiança do seu substituto, mantendo-se no exercício delas até à data da posse do novo governador-geral, salvo se entretanto forem exonerados.
24. A Câmara entende, por outro lado, que a directriz proposta para ser observada na escolha dos secretários provinciais deve ser omitida. Ela reflecte, com efeito, um preconceito contra aqueles que possuem, em matéria de administração em geral e de administração ultramarina em especial, uma formação exclusivamente científica e um manifesto e exagerado apreço por aqueles cuja formação é de ordem predominantemente prática, adquirida ao contacto com a experiência e com as realidades.
Melhor parece deixar liberdade de opção entre todos aqueles que, a qualquer título, se mostrarem particularmente aptos para o exercício de funções governativas, de colaboração com os governadores-gerais.
25. Está-se de acordo em que se inclua na base XXIII um número correspondente ao n.º VI proposto pelo Governo. Se não é legítimo duvidar-se de que os actos praticados por delegação pelos secretários-gerais e provinciais são contenciosamente impugnáveis, já poderia discutir-se se o privilégio de foro que na base XX se estabelece em favor dos governadores e encarregados do governo se aplicaria também àqueles.
Como resulta das sugestões feitas pela Câmara sobre a subsistência dos secretários-gerais, esse novo número deve abranger não só os secretários provinciais mas também esses secretários-gerais.
26. A Câmara Corporativa, tendo em conta as observações antecedentes, entende conveniente sugerir para a base em exame uma redacção diferente da proposta pelo Governo, que se incluirá nas conclusões do presente parecer.
Base XXIV
27. Como se mostrou no parecer desta Câmara n.º 35/V, sobre o projecto de proposta de lei n.º 517, o texto actual da Constituição consagra uma fórmula de repartição da competência legislativa para o ultramar segundo a qual os governadores das províncias ultramarinas têm funções legislativas nas matérias que interessem exclusivamente à respectiva província e não sejam da competência dos órgãos legislativos metropolitanos ou centrais. Simplesmente, essa competência deverão os governadores exercê-la de colaboração, em princípio, com um conselho em que haverá representação adequada às condições do meio social (Constituição, artigo 152.º).
Não nos esclarece este texto constitucional sobre qual a natureza da intervenção que o referido conselho há-de ter no exercício das funções legislativas do governador. Como se mostrou no citado parecer, o legislador constitucional deixou, muito de caso pensado, ao legislador ordinário duas vias a este respeito: uma seria a de instituir, em cada província, apenas um órgão legislativo, que seria então necessariamente o governador, exercendo este a sua competência mediante prévia consulta de um conselho, constituído em obediência aos mencionados requisitos, cujos votos ou pareceres não seriam para ele vinculantes; outra seria a de o legislador ordinário instituir, ao lado do governador, um outro órgão legislativo (possibilidade facultada pelo artigo 151.º), que seria justamente tal conselho, por forma que os actos legislativos provinciais acabariam por ser, normalmente, a união de duas actividades paralelas e homogéneas, realizadas por dois órgãos diversos, com o mesmo fim imediato: a produção de determinadas normas jurídicas.
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Pois muito bem: verifica-se que a Lei Orgânica vigente utilizou apenas a segunda solução. Assim:
Nas províncias de governo-geral há um conselho legislativo, constituído com respeito pelos requisitos do artigo 152.º da Constituição, que colabora com o governador no exercício das "funções legislativas. Se este conselho estiver reunido ordinária ou extraordinariamente, a legislação provincial é, em princípio, o resultado da colaboração de duas vontades paralelas - a do governador e a desse conselho. Havendo divergência entre um e outro, o governador não é obrigado a converter em lei a vontade do conselho. A decisão será então tomada pelo superior hierárquico ou quase hierárquico do governador: o Ministro do Ultramar. No intervalo das sessões ordinárias do conselho legislativo, e não estando este reunido em sessão extraordinária, poderá o governador publicar diplomas legislativos, ouvido outro conselho, designado conselho de governo.
Nas províncias de governo simples a Lei Orgânica estabeleceu, a este respeito, um regime paralelo ao das províncias de governo-geral, tomando aqui o .conselho de governo o lugar do conselho legislativo e a secção permanente o lugar do conselho de governo.
Em suma, no sistema da Lei Orgânica o conselho legislativo não pode impor, em caso nenhum, a sua vontade à do governador. As duas vontades, a do governador e a do conselho legislativo, têm, em princípio, valor jurídico igual. Excepcionalmente, a vontade do governador pode sobrepor-se à do conselho legislativo, evitando que as suas resoluções se convertam em lei.
28. A proposta, quanto a esta base, orienta-se num sentido que comporta, se não real, pelo menos potencialmente, certos perigos para a unidade política do Estado Português, consagrada explicitamente no artigo 5.º da Constituição, na medida em que admite que certas resoluções de uma assembleia política própria de uma parcela do território nacional se podem impor, ao cabo de um certo processo, ao órgão que no território representa o Governo da Nação.
É certo que as hipóteses em que tal poderá acontecer serão raras e que não ficam prejudicados os meios a que, como ultima ratio, é possível recorrer para repor as coisas no seu devido pé, restabelecendo-se o primado da autoridade do Poder Central, representativo da unidade política nacional (base X, n.º III).
De toda a maneira, não parece à Câmara que deva transigir-se, por pouco que seja e mesmo que a alteração tenha, no final de contas, um alcance de momento apenas formal, com um princípio que de algum modo sacrifique outro, básico e para nós sagrado, que é o princípio da unidade política do Estado Português.
A Câmara não duvida um momento de que esteve fora das intenções da proposta pactuar, no mínimo, com uma orientação contraposta a uma norma fundamental como é a da unidade do Estado. É, aliás, nessa convicção que chama a atenção para a conveniência de se redigir esta base em termos de não transparecer nenhum compromisso, mesmo só formal, com uma solução que possa representar a menor quebra daquela norma fundamental.
É curioso notar-se que os textos legislativos votados pelos «conselhos regionais» das Regiões italianas, na medida em que sejam reputados, pelo respectivo comissário do governo central, ofensivos do interesse nacional ou do interêssse da região, podem ser reapreciados por um órgão central do Estado, no caso particular pelo Parlamento de Roma, valendo em último termo o voto deste órgão, e não o do órgão legislativo da região.
Em relação ao seu ultramar, Portugal está, no parecer desta Câmara, um pouco como a Itália em relação às várias comunidades repartidas pela península italiana, com características étnicas, culturais e económicas amplamente diferenciadas umas em relação às outras. Também nós reconhecemos utilidade e justiça em reservar às províncias ultramarinas uma espécie de autonomia regional, compatível com o carácter unitário e indivisível do Estado Português - autonomia que compreende, além do mais, um certo poder legislativo, destinado especialmente a permitir a realização do interesse provincial ou regional, a prossecução dos fins da comunidade provincial ou regional. Ora a indivisibilidade e unidade do Estado Português, como as do Estado Italiano, não seriam preservadas se não se reservasse, em último termo, a órgãos políticos centrais si competência para definirem o interesse nacional e, inclusive, o interesso provincial ou regional. A indivisibilidade e a unidade são compatíveis com a descentralização legislativa em sentido estrito, mas já não são compatíveis com a independência legislativa, ainda que, confinada a interesses locais.
29. A Câmara Corporativa, por outro lado, entende que é de pôr o problema de saber se é compatível com a Constituição a proposta do Governo no ponto em que consagra a solução de serem entregues à arbitragem do Conselho Ultramarino, reunido em sessão plena, as divergências que se suscitem entre o governador e o conselho legislativo acerca da legalidade ou da constitucionalidade dos textos votados por este órgão e de o governador dever conformar-se com a decisão dele. Poderá sustentar-se que, se o governador fica estritamente obrigado a dar expressão legislativa formal à resolução do Conselho Ultramarino, o que no fundo sucede é serem conjuntamente legisladores em tais casos o conselho legislativo da província e o Conselho Ultramarino. Ora a Constituição - dir-se-á - não consente que outros órgãos metropolitanos, além dos radicados no seu artigo 150.º, possam exercer funções legislativas em relação ao ultramar. Em todo o caso, a Câmara inclina-se para que a intervenção do Conselho Ultramarino, numa hipótese destas, não é, afinal de contas, uma intervenção de que resulte a criação de normas jurídicas, não é, noutras palavras, uma intervenção que redunde numa actividade materialmente legislativa. Traduzir-se-á antes numa decisão de índole jurisdicional de uma controvérsia entre dois órgãos com relevância constitucional. Estamos aqui, por assim dizer, perante uma forma de justiça constitucional, que bem pode ser consagrada por lei ordinária, paralelamente, aliás, com o que sucede quando nesta Lei Orgânica se atribui ao Conselho Ultramarino competência para apreciar a inconstitucionalidade orgânica ou formal do certos diplomas de direito ultramarino.
30. Depois do que se acaba de expor, não se vê melhor solução do que recomendar uma redacção nova para a base em apreciação, em que se combinariam elementos da redacção actual e da redacção proposta pelo Governo, por forma a satisfazer, em toda a medida compatível com a Constituição, e portanto com as exigências da unidade política da Nação, a conveniência de descentralizar a função legislativa em órgãos representativos das províncias ultramarinas.
Nesta ordem de ideias, não haveria que alterar os n.ºs I e II da base XXIV na sua actual redacção. No n.º III dir-se-ia que o governador-geral mandará publicar as disposições votadas pelo conselho legislativo, para que sejam cumpridas, sob a forma de diploma legislativo, dentro dos quinze dias seguintes àquele em que o projecto votado estiver pronto para a sua assinatura. No n.º IV estabelecer-
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-se-ia que no caso de o governador-geral considerar inconstitucionais ou ilegais as disposições votadas, enviá-las-á ao conselho para nova apreciação. Se este as aprovar por maioria de dois terços do número legal dos seus vogais, será o projecto de diploma enviado ao Conselho Ultramarino, que decidirá, em sessão plena, devendo o governador conformar-se com o que este resolver. No n.º V dispor-se-ia que o governador-geral, tratando-se de diploma da sua iniciativa, poderá não o publicar, informando o conselho de que passou a não considerar oportuna a sua publicação. Tratando-se de diploma de iniciativa de vogais do conselho, o governador-geral, se considerar as disposições votadas contrárias ao interesse nacional ou ao interesse da província, submeterá logo o assunto a resolução do Ministro do Ultramar ou solicitará que as disposições votadas sejam objecto de nova resolução do conselho. No primeiro caso, o Ministro, ouvido, nos termos gerais, o Conselho Ultramarino, poderá determinar que o governador-geral publique, total ou parcialmente, as disposições votadas pelo conselho legislativo, ou legislar sobre o assunto nos termos que entender mais convenientes. No segundo caso, se as disposições forem aprovadas por maioria de dois terços do número legal dos vogais, o governador mandá-las-á publicar. Finalmente, no n.º VI dispor-se-ia que no intervalo das sessões ordinárias do conselho legislativo, não estando este reunido em sessão extraordinária, quando haja sido dissolvido e nos casos em que a lei lhe atribua competência reservada, poderá o governador-geral publicar diplomas legislativos, ouvido o conselho de governo.
Do passagem, não quer a Câmara deixar de esclarecer que interpreta a base em apreciação, na sua redacção actual, como proibindo ao governador legislar, durante as sessões legislativas ou estando o conselho legislativo reunido extraordinariamente, sem qualquer limitação. É só no intervalo das sessões legislativas, ou não estando ò conselho legislativo reunido em sessão extraordinária, que o governador pode, segundo o direito vigente, publicar diplomas legislativos, ouvindo o conselho de governo.
Por outro lado, será de boa prática, para obedecer ao espírito do preceito constitucional (o qual, de um modo geral, confere ao governador funções legislativas, a exercer em regra conforme o voto de um conselho em que haja representação adequada às condições do meio social), que o governador convoque o conselho legislativo para reunir extraordinariamente com a frequência necessária para que se não possa dizer que o governador legisla em regra sem o voto conforme desse conselho.
Finalmente, a Câmara acentua desde já que não está de acordo com a instituição, ao lado do conselho legislativo, de um conselho económico e social, pelo que, no n.º VI da base XXIV, com a redacção que sugere, continua a haver lugar para se falar da audição do conselho de governo.
Base XXV
31. Foi esta Câmara de opinião, no seu parecer n.º 35/V, que não é aconselhável a criação de duas assembleias - corporativa uma. de representação territorial-individualista a outra. E não é recomendável - acrescenta-se agora- porque, impondo o artigo 152.º da Constituição que haja no conselho de harmonia com cujo voto o governador normalmente legisla «representação adequada às condições do meio social», torna-se imperioso que esse conselho tenha uma composição mista, de representantes das autarquias locais e dos interesses sociais nas suas várias modalidades e de representantes dos círculos eleitorais, isto é, de todos os elementos estruturais da Nação no âmbito de cada província. A não ser que se tenha concebido o proposto conselho económico e social com uma parcial duplicação do conselho legislativo, o que não é legítimo supor-se, temos de concluir que o Governo pensou numa representação territorial-individualista para este conselho, a qual, portanto, não corresponde à ideia que dele fez no artigo 152.º o legislador constitucional.
32. A assembleia em questão deve, pois, ter natureza electiva, mista de representação orgânica e de representação territorial. Foi já nesse, sentido, aliás, a proposta do Governo em 1952 (projecto de proposta de lei n.º 517), corroborada pelo parecer da Câmara Corporativa n.º 35/V. Deverá, pois, acabar-se com as categorias dos vogais natos e dos vogais nomeados para o conselho legislativo. Não se torna necessário justificar a supressão dos vogais nomeados. Quanto à dos vogais natos, explica-se ela, que mais não seja, porque a Câmara Corporativa (que, como já se deixou incidentalmente dito, não tenciona propor o desaparecimento dos conselhos de governo nas províncias de governo-geral) é de opinião que os vogais do conselho de governo possam assistir às sessões do conselho legislativo e tomar parte nas respectivas discussões, nos termos de direito hoje em vigor.
33. A Câmara entende, depois do que acaba de expor, que a base em discussão deve manter o actual n.º I. No n.º II dir-se-ia que o conselho legislativo é uma assembleia de representação adequada às condições do meio social da província, constituído por vogais eleitos quadrienalmente entre cidadãos portugueses que reunam os requisitos de elegibilidade indicados na lei. No n.º III consignar-se-ia que o estatuto de cada uma das províncias de governo-geral fixará o número de vogais do seu conselho legislativo e regulará a eleição, de modo a garantir adequada representação aos colégios de eleitores dos círculos em que o território da província for dividido, às autarquias locais e aos interesses sociais da província, nos seus ramos fundamentais.
Concorda a Câmara Corporativa com que se reserve para o estatuto político-administrativo de cada uma das províncias de governo-geral a fixação do número de vogais do respectivo conselho legislativo. Quanto ao mais a que se refere o n.º II da base XXV, na redacção proposta pelo Governo, aludir-se-á na apreciação que vai sucessivamente fazer-se da base XXVI.
Base XXVI
34. Na vigente base XXVI o legislador dispôs sobre o local das reuniões do conselho legislativo, sobre a presidência desse órgão, sobre alguns dos poderes desta, sobre a iniciativa legislativa e sobre a participação nas reuniões desse conselho dos vogais do conselho de governo, devolvendo quanto às demais regras sobre o funcionamento do conselho legislativo para o que a este respeito se dispuser no estatuto político-administrativo da respectiva província.
Não diz a proposta a quem, de futuro, caberá a presidência do conselho legislativo, quando actualmente se diz que ela cabe ao governador-geral ou a quem suas vezes fizer.
A Câmara entende que não é aceitável omitir-se na Lei Orgânica uma disposição sobre este ponto, dada a sua particular importância.
Reputa-se conveniente que ao governador-geral, ou a quem legalmente o substitua, continue a pertencer a presidência do conselho legislativo. Simplesmente, não deve criar-se-lhe, ou antes, manter-se-lhe, o encargo de estar sempre presente às suas reuniões e trabalhos. Deverá
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admitir-se, portanto, que ele possa ser substituído. Já hoje, é certo, essa possibilidade está consagrada na lei (n.º I da base xxvi). A Câmara, em todo o caso, entende que deve atribuir-se ao próprio conselho a designação deste substituto. Assim, deverá dispor-se que o conselho elegerá entre os seus membros um vice-presidente.
A Câmara entende, porém, que, em qualquer caso, ao secretário-geral e aos secretários provinciais por incumbência do governador deve ser facultado comparecerem no conselho para aí sustentarem as propostas do governo-geral ou para fazerem as comunicações e darem os esclarecimentos que entenderem, em matéria de política e administração da província.
Por outro lado, a Câmara concorda com que se inscreva na Lei Orgânica e precisamente na base XXVI um preceito sobre a duração das sessões ordinárias do conselho legislativo. A proposta é no sentido de que sejam duas essas sessões, com duração anual u ao superior a três meses. Entende, no entanto, a Câmara que se deve dispor que o governador-geral, quando o julgar conveniente, pode prorrogar até um mês o funcionamento efectivo do conselho. Aliás, coisa semelhante se encontra já estabelecida nos estatutos político-administrativos.
Como já houve ocasião de salientar, somando-se os intervalos das sessões legislativas em, no mínimo, oito meses em cada ano, só poderá dar-se leal cumprimento ao disposto no artigo 152.º da Constituição se os governadores-gerais convocarem extraordinariamente os conselhos legislativos com razoável frequência. Os estatutos político-administrativos deverão disciplinar esta matéria convenientemente, e para eles a este respeito deverá justamente devolver a presente base.
Em matéria de iniciativa legislativa, a solução da proposta tem conteúdo idêntico ao do actual n.º III da base xxvi, nada havendo a objectar-lhe.
Como já se disse noutro lugar deste parecer, a Câmara entende que deve subsistir o n.º IV desta base.
Finalmente, concorda a Câmara com que se reserve para o estatuto político-administrativo de cada província a generalidade das disposições sobre o funcionamento do respectivo conselho legislativo. Entre elas se contarão, naturalmente, diga-se de passagem, as respeitantes à constituição de comissões para o estudo das propostas apresentadas ao conselho.
Considerando o que se acaba de expor, haverá que propor uma outra redacção para esta base. Dela, deve dizer-se, não constará um preceito como o do n.º II da redacção do Governo, uma vez que será incluído na base XXIV, conforme a redacção proposta pela Câmara.
Base XXVIII
35. O conselho económico e social, cuja criação nesta proposta se prevê, não pode, dada a sua composição, considerar-se como satisfazendo aos requisitos enunciados no artigo 152.º da Constituição. Basta atentar em que nele, em matéria de representação, só a haverá das actividades económicas, não se prevendo representação propriamente dita das autarquias locais, nem dos interesses sociais, nem, finalmente, dos cidadãos eleitores. As funções que na proposta se lhe atribuem, para serem exercidas durante o processo de formação da vontade legislativa, realizá-las-á o próprio conselho legislativo, desde que se consagre a composição mista, de representação meio orgânica meio territorial, que esta Câmara entende dever dar-se-lhe. Nada impedirá, então, que, em comissões especializadas, de que façam parte os representantes das autarquias e dos interesses sociais da província, se faça um estudo preliminar das propostas apresentadas ao conselho, exactamente com a mesma feição daquele a que essas propostas seriam sujeitas na referida "segunda câmara" ou "câmara de reflexão".
De qualquer modo, não se percebe bem porque é que na proposta se distingue entre as actividades económicas da província e os demais interesses sociais (administrativos, morais, culturais e sociais), prevendo-se que as primeiras tenham no conselho os seus representantes, enquanto as outras os não terão. Segundo parece, as pessoas especialmente versadas nos problemas administrativos, morais, culturais e sociais da província, a que a proposta se refere, participariam no conselho a título pessoal e não como representantes dos interesses sociais da província, uma vez que, na" proposta, elas surgem contrapostas aos representantes das actividades económicas.
A Câmara Corporativa pronuncia-se pela subsistência da actual base XXVIII, entendendo que se devem manter nas províncias de governo-geral os conselhos de governo, como órgãos utilíssimos que são para assistirem aos governadores no desempenho das suas funções executivas.
Põe-se, no entanto, a questão de saber se não deverá remodelar-se a composição destes conselhos, eliminando os dois vogais nomeados e pondo no lugar deles representantes das autarquias locais e dos interesses sociais da província nos seus ramos fundamentais de ordem administrativa, moral, cultural e económica, um por cada ramo.
Seria esta uma forma adequada de levar até ao governo-geral, para este a ter em conta no exercício das suas atribuições executivas, a voz dos interesses da província, na sua autenticidade. Essa voz confrontar-se-ia, no conselho, com a experiência administrativa que naturalmente reside nos outros vogais, ou seja, nos vogais natos - e chegaria ao governador convincente, ponderada e moderada.
Crê a Câmara Corporativa que esta fórmula é superior à que vem proposta pelo Governo, a qual faz do seu conselho económico e social um órgão com funções não só legislativas como também consultivas no plano administrativo. Demonstrada a impossibilidade de atribuir supremacia ao conselho legislativo sobre o governador e de o conselho económico e social desempenhar as funções que o artigo 152.º da Constituição prevê, provada, portanto, assim, ta necessidade de o condenar como "segunda câmara" legislativa, não deverá haver empenho nem conveniência em, apesar de tudo, o fazer tomar o lugar do actual conselho de governo.
A Câmara vai mesmo mais longe, pois crê que a solução que apresenta constitui uma feliz fórmula de transacção entre a estrutura actual dos conselhos de governo, que os reduz à categoria de órgãos consultivos estritamente burocráticos, e a concepção que já fez deles, em certa altura, corpos administrativos, de feição só ou predominantemente representativa e deliberativa. Esta solução, "a meio caminho" entre aquelas duas, seria um passo significativo e razoável no sentido da descentralização provincial, que se julga poder ser dado sem inconvenientes.
Base XXIX
36. Na lógica dos reparos feitos e das sugestões formuladas em relação à base anterior, a Câmara Corporativa propõe a conservação da base XXIX com a sua actual redacção, salvo no que toca à substituição, aí prevista, dos vogais nomeados, posto que estes, como se viu, deverão ser suprimidos.
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Base XXX
37. Pelas mesmas razões expressas com referência à base antecedente, esta Câmara pronuncia-se pela sobrevivência da base XXX, tal como hoje se encontra redigida.
Deve salientar-se, entretanto, que a inclusão de uma alínea com a redacção da alínea b) do n.º II da proposta não poderá verificar-se, pois tal preceito foi justificadamente eliminado do texto actual da base XXX pela Lei n.º 2076. de 20 de Maio de 1955.
Base XXXI
38. A Câmara está ao corrente de necessidades que justificam a solução de se prever a possibilidade de criação de um lugar de secretário-geral nas províncias de governo simples. O governador devo poder ser aliviado das obrigações do despacho de todos os assuntos, deve poder dedicar-se ao estudo dos grandes problemas da província e deve. poder contactar intensamente com as populações, para auscultar as suas aspirações e ouvir a sua voz e certo que já está habilitado, pelo direito vigente, a delegar nos chefes de serviços a solução dos negócios administrativos que por eles devam ser tratados. Mas não pode qualquer destes desempenhar as funções de coordenação e de representação que, pelo menos em certas províncias, se torna conveniente serem desempenhadas por uma "segunda figura".
Desde que se previu, quanto aos governadores-gerais, que estes não poderão delegar as suas atribuições financeiras, deve seguir-se, em relação aos governadores das províncias de governo simples, a mesma orientação - razão por que se concorda com o que o Governo propõe neste ponto.
Por último, há a observar que se não impõe a alteração sistemática proposta pelo Governo, que consiste em transferir a matéria do actual n.º III desta base para uma base nova, que seria a base XXXIV.
Base XXXII
39. A Câmara Corporativa concorda com a instituição de conselhos legislativos nas províncias de governo simples.
Se bem se interpreta o pensamento da proposta, os conselhos em causa teriam uma composição mista de vogais eleitos o de vogais oficiais natos.
Nada só diz, porém, sobre a constituição da parte electiva dos conselhos. No modo de ver da Câmara, hão-de observar-se aqui, integralmente, as directrizes sugeridas com referência à designação dos vogais dos conselhos legislativos das províncias de governo-geral (base XXV), devendo, portanto, neles ter representação as autarquias locais, os diferentes interesses sociais e os eleitores da província.
Deixa, assim, de justificar-se que haja, nos conselhos em questão, vogais nomeados. Pelo direito vigente, os vogais nomeados destinam-se a dar "representação" aos organismos o sectores da população nacional de considerável importância na economia e na vida pública da província, que não tiverem voto nos colégios eleitorais. Quanto a tais organismos, na fórmula proposta pela Câmara, passariam a ser representados por vogais eleitos. Fica de parte apenas a representação da comunidade chinesa em Macau. A Câmara inclina-se para que se continue a usar a fórmula da alínea c) do n.º III da actual base XXXII. ficando assim reservado para o estatuto político-administrativo dessa província prescrever sobre o sistema de designação dessa representação.
Entende a Câmara, por outro lado, que nos conselhos legislativos das províncias de governo simples hão-de poder figurar vogais natos. As condições do desenvolvimento social e o meio humano de cada uma destas províncias são diferentes - e porventura em alguma ou algumas delas não se poderão facilmente constituir assembleias de natureza integralmente electiva, em termos de caber esperar-se delas um rendimento aceitável e uma actuação plenamente responsável. E certo que às suas reuniões deverão poder assistir e deverão poder tomar parte nas respectivas discussões os vogais do outro conselho da província, que virá a chamar-se conselho de governo, do qual farão parte os vogais natos que, de acordo com a proposta, entrariam a fazer parte do conselho legislativo. Simplesmente, nesta qualidade, esses vogais não terão direito de voto - e é isso que em alguns casos se pode tornar inconveniente.
Ficará, assim, para os estatutos político-admnimstrativos estatuir sobre se na respectiva província hão-de ou não fazer parte do conselho legislativo vogais natos.
De acordo com o exposto, terá de remodelar-se a redacção proposta pelo Governo para a base XXXII.
Base XXXIII
40. A Câmara Corporativa é de parecer que nesta base se diga simplesmente que é aplicável ao conselho legislativo das províncias do governo simples o disposto na base xxvi.
Base XXXIV
41. A devolução que na redacção proposta pelo Governo se fez para a base XXIV é feita na contraproposta desta Câmara pela base XXXI, e a que nessa redacção se faz para a base XXVI é, por sua vez, na contraproposta da Câmara, feita na base XXXIII
Como conteúdo adequado para esta base xxxiv elege a Câmara Corporativa uma devolução para a base xxvii cuja aplicação aos vogais dos conselhos legislativos das províncias de governo simples e a estes mesmos conselhos se torna indispensável ante as funções que estes órgãos desempenham.
Base XXXV
42. Esta Câmara concorda com a instituição de um segundo conselho, em cada uma das províncias de governo simples, que tome o lugar da actual "secção permanente do conselho de governo".
Parece-lhe igualmente muito bem que do conselho de governo fiquem a fazer parte o secretário-geral, quando o haja, o delegado do procurador da República da comarca da capital da província e o chefe da repartição provincial dos serviços de Fazenda e contabilidade, como vogais natos. Em vez do secretário-geral, quando o não houver, deverá fazer parte desse conselho o chefe dos serviços de administração civil. Apenas se sugere que do conselho façam parte os elementos militares que os estatutos político-administrativos indicarem, a título de vogais natos. A presença destes elementos no conselho é indispensável, quer para elucidarem os outros vogais dos aspectos militares a ter em conta na administração da província, quer para eles próprios terem em conta, na sua actuação, as exigências da administração civil, com que no conselho se familiarizarão.
Para que o conselho de governo não fique tendo uma composição exclusivamente burocrática, propõe o Governo que nele entrem três vogais eleitos pelo conselho legislativo. Esta Câmara sugere uma fórmula diferente, para dar carácter representativo ao conselho de governo; nele
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participariam representantes das autarquias locais e doe interesses sociais das províncias, cujo mandato seria de dois anos - por simetria com o que sugere para os conselhos de governo das províncias de governo-geral.
Nada deverá obstar a que os vogais eleitos, membros do conselho de governo, sejam eventualmente membros eleitos do conselho legislativo, pois não se vê por que se haverá de consignar esta incompatibilidade, designadamente sabendo-se que será restrito o campo de recrutamento dos representantes a estes dois conselhos.
À diferença de duração do mandato, num e noutro caso, resulta de que, sendo a participação no conselho de governo, dada a sua permanência, mais onerosa para os seus membros, não é justo obrigá-los a permanecer em funções por um período de quatro anos.
43. Diz-se na proposta, em referência às atribuições dos conselhos de governo, que lhes competirá assistir aos governadores no exercício da função legislativa e emitir parecer nos casos previstos na lei e em todos os assuntos relativos ao governo e administração das províncias que lhes forem apresentados pelos governadores. Desde que, porém, na base XXXI, na redacção sugerida pela Câmara, se remete para a base XXIV e portanto também para o seu n.º VI, não haverá necessidade de se dizer, nesta base xxxv, que o conselho de governo assistirá ao governador no exercício da função legislativa. Também isso se não dirá na base XXVIII, a respeito dos conselhos de governo das províncias de governo-geral - e, todavia, por força do mencionado n.º VI da base XXIV, esses conselhos assistirão ao governador-geral no exercício da função legislativa, no intervalo das sessões ordinárias do conselho legislativo, não estando este reunido em sessão extraordinária ou tendo ele sido dissolvido. Julga a Câmara que as coisas deverão decorrer nos mesmos termos nas províncias de governo simples.
Em matéria de atribuições consultivas no plano administrativo, entende a Câmara Corporativa que a formulação mais adequada para as definir é aquela nos termos da qual lhe competirá o desempenho das funções consultivas enunciadas na base XXX, com referência ao conselho de governo das províncias de governo-geral.
44. Na proposta remete-se inteiramente para os estatutos político-administrativos das províncias em matéria de regras de funcionamento dos conselhos de governo. À Câmara aprova a ideia.
Base XXXVI
45. A proposta do Governo não pretende introduzir nesta base uma directriz nova, em matéria de serviços públicos nacionais, quer dizer, de serviços públicos de administração provincial integrados na organização geral da administração de todo o território português.
Mantém-se o princípio de que por via de regra os serviços públicos ultramarinos constituem organizações próprias de cada província, directamente subordinados ao governador, e, por intermédio deste, ao Ministro do Ultramar - princípio que se encontra inscrito no n.º I desta base. Mas acrescenta-se isto, que não constava dela: os serviços nacionais serão os "necessários para a boa gestão dos interesses comuns de todo o território do Estado Português". Vejamos se esta alteração se justifica.
A Câmara tem, antes de mais, dúvidas sobre se o n.º I da base em análise, tal como se encontra redigido e como o Governo propõe se mantenha, estará hoje de perfeito acordo com a segunda parte do artigo 134.º da
Constituição, introduzida pela Lei constitucional n.º 2100, do 29 de Agosto de 1959.
Com tal texto procurou-se, não apenas estabelecer constitucionalmente a possibilidade de qualquer das províncias ultramarinas vir no futuro a integrar-se na administração metropolitana (possibilidade já consagrada no n.º II da base v, mas sem apoio constitucional visível), mas também, como resulta dos trabalhos preparatórios da revisão constitucional de 1959, estabelecer uma directriz de política legislativa no sentido de se "continuar na senda aberta com a integração dos serviços de meteorologia, dos serviços aéreos e dos serviços de vigilância, pela forma eficaz como se fez".
Se, pois, o alcance do artigo 134.º, segunda parte, da Constituição é duplo, e é o que vimos de explicitar, não é mais possível manter o n.º I da base xxxvi com uma redacção que poderia de algum modo inculcar o carácter excepcional dos serviços públicos nacionais, cumprindo alterá-lo no sentido de nele se dizer apenas que os serviços de administração provincial tanto podem ser provinciais como nacionais.
Ora muito bem. Feitos estes reparos e redigido neste sentido o n.º I da base xxxvi, compreende-se que se deva procurar para o pensamento expresso na proposta uma formulação que esteja mais de acordo com a referida directriz constitucional.
Sem dúvida nenhuma que deverão lógica e também constitucionalmente ser constituídos como serviços nacionais os que giram ou sirvam para gerir interesses comuns a todo o território nacional. Estará nestas condições, por exemplo, o serviço público da defesa nacional.
Parece, porém, que a directriz constitucional apontada impõe algo mais do que isso - impõe que se utilize o sistema organizatório dos serviços públicos nacionais sempre que e até onde razões de ordem técnica ou as especiais características e o particular condicionalismo de cada província não imponham como mais adequada e mais rendosa a solução dos serviços públicos estritamente provinciais. O legislador ordinário, na organização dos serviços públicos, deve, portanto, explorar, digamos assim, a solução integracionista ou uniformizadora até onde ela seja susceptível de ser percorrida e utilizada sem prejuízo. Só depois deste limite prático e constitucional é que se abre o campo natural da especialização da administração pública ultramarina.
Tudo ponderado, a Câmara entende que a directriz que a este respeito a proposta governamental pretende ver consagrada no n.º III da base em estudo deve ser aceite, com as convenientes adaptações de redacção.
46. Na segunda parte do proposto n.º III entende o Governo que se deve dispor que a natureza e extensão dos serviços nacionais serão reguladas por diplomas especiais, donde constarão as regras que assegurem o seu normal funcionamento e a efectiva colaboração dos departamentos interessados.
Não encontra a Câmara Corporativa neste texto conteúdo essencialmente diferente do n.º VI da base IX, no qual o Governo não propôs que se tocasse. O texto deste n.º VI viria, assim, a fazer duplo emprego com o texto agora proposto. Basta aquele para que se legitime toda a legislação que se queira editar no sentido de coordenar, quanto aos serviços nacionais, os comandis dos vários departamentos metropolitanos funcionalmente competentes com a intervenção do Ministério do Ultramar e especialmente com a intervenção dos governos ultramarinos. Há reparos ao statu que nesta matéria - e sugestões que se fazem de vários lados. Trata-se de pormenores de organização em que não é fácil nem oportuno
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a Câmara entrar agora. Uma coisa, no entanto, se impõe sublinhar: é que tal legislação especial não pode transcender um certo limite imperativo, que é este: não sejam os serviços nacionais organizados em termos de constituírem simulacros ou ficções de autênticos serviços nacionais, frustrando a ideia que está na base da sua consagração, como categoria à parte, em 1953, na Lei Orgânica do Ultramar Português. E não teremos autênticos serviços nacionais de todas as vezes que o comando e orientação superior deles caiba ao Ministro do Ultramar, e não ao Ministro funcionalmente competente. Não há prova nem justificação para o ponto de vista de que tais organizações seriam mais eficientes se fossem especiais de cada província, desintegradas das correspondentes organizações metropolitanas. Os serviços nacionais, dentro das actuais condições de fácil comunicação entre a metrópole e o ultramar, beneficiam altamente da especialização técnica dos serviços metropolitanos em que se integram, dos seus meios e capacidade e da sua experiência.
47. A Câmara Corporativa, por último, não concorda com que a directriz que se contém hoje na primeira parte do n.º li desta base fique sendo restrita, como o Governo propõe, aos serviços provinciais. Como se mostrou no parecer E.º 35/V, a doutrina deste número é válida em relação aos serviços provinciais propriamente ditos e em relação às parcelas provinciais dos serviços públicos nacionais.
48. A partir de tudo quanto acaba de ser observado, a Câmara Corporativa sugere para a base xxxvi uma redacção diferente da proposta pelo Governo.
Base XXXVII
49. Limita-se II proposta, quanto a esta base, a eliminar o seu n.º i, isto é, a suprimir nas províncias dê governo-geral a secretaria-geral. Havendo esta Câmara, no lugar próprio, desaconselhado a supressão do cargo de secretário-geral nas referidas províncias, tem também de desaconselhar logicamente agora a eliminação do serviço ou órgão correspondente.
Base XL
50. A única alteração que o Governo sugere para esta base vem justificada no relatório da proposta de lei.
Não convencem as razões invocadas aí. A Câmara tem a impressão de que a solução desejada tem inconvenientes pura a unidade administrativa do ultramar, considerado no seu conjunto, o que ainda seria o menos. O pior, porém, é que ela criará provavelmente sérios obstáculos ao recrutamento do pessoal administrativo nas províncias de governo simples. A Câmara não se sente, assim, inclinada a advogar este enriquecimento dos quadros privativos à custa dos quadros comuns.
Base XLI
51. O Estatuto do Funcionalismo Ultramarino, aprovado pelo Decreto n.º 40 708, de 31 de Julho de 1956, regulou a matéria das nomeações em comissão de serviço, nos seus artigos 35.º e seguintes - mas nada do que dos seus preceitos consta se mostra incompatível com o que se encontra regulado na Lei Orgânica. O que esse estatuto contém é uma disciplina mais minuciosa da matéria.
Â. Câmara afigura-se-lhe, em face disso, que a alteração a introduzir no n.º V desta base deve consistir apenas em se reproduzir o artigo 38.º daquele referido diploma
legal, que reza assim: "as nomeações em comissão apenas conferem os direitos e impõem os deveres correspondentes aos cargos durante o prazo da sua duração, sem prejuízo, porém, da contagem do tempo para efeito de antiguidade e aposentação". A isto seguir-se-ia o texto actual do referido n.º v.
Base XLVI
52. A Câmara Corporativa sugere que se aproveite o ensejo para estabelecer as bases de uma reforma da divisão administrativa das províncias ultramarinas. Julga-se, em primeiro lugar, oportuno eliminar definitivamente as "circunscrições administrativas", reminiscências do período da ocupação e expressão de uma forma autoritária da administração local comum. Não que se tenham demasiadas ilusões sobre a possibilidade de estender a vida municipal, de índole colegial e representativa, a todo o território ultramarino. Em todo o caso, convém abrir mais francamente a porta e apontar mais deliberadamente o rumo para aplicação da fórmula municipalista na vida local das províncias. Por outro lado, a Câmara entende que a "assimilação", em matéria de administração local comum, deve levar também, como na metrópole, a considerar os concelhos divididos em freguesias. Pela lei actual, os concelhos podem compor-se de freguesias. Na redacção que ora se propõe para a base em apreciação os concelhos formam-se (sempre) de freguesias, correspondentes a agregados de famílias que, dentro doa concelhos, desenvolvem uma acção social comum poz intermédio de órgãos próprios, na forma prevista na lei. Também a vida administrativa paroquial será, ou poderá ser, em muitos e muitos casos, rudimentar e embrionária, ou não coincidir mesmo com o tipo da vida paroquial normal. Valerão, porém, aqui as mesmas razões apontadas para o alargamento da rede dos concelhos.
Ao lado da divisão administrativa autárquica haverá uma outra, instituída para fins de administração centralizada. Teríamos, assim, que os concelhos poderiam ser divididos em bairros (no caso das cidades de mais de um certo número de habitantes) ou ter áreas atribuídas a postos administrativos, com fins de organização e protecção do povoamento. Onde o justifiquem a grandeza ou a descontinuidade do território e as conveniências da administração, os concelhos agrupar-se-iam em distritos (tal como hoje já sucede). Eliminar-se-ia a disposição do actual n.º III da base em análise, no seguimento da revogação, em Setembro de 1961, do Estatuto dos Indígenas Portugueses da Guiné, Angola e Moçambique, de 1954, pois não é legítimo manter uma divisão administrativa especial para efeitos de realização de uma política que deixou de poder realizar-se.
Persistiria, por último, a directriz inscrita no actual n.º vi.
53. Propõe o Governo que ao actual n.º VI se acrescente um novo período, correspondente a uma nova directriz em matéria de relações entre a administração central da província e a administração local.
Antes de mais, entende-se dever chamar a atenção para um aspecto de ordem sistemática. Crê a Câmara Corporativa que o lugar próprio para se consignar na Lei Orgânica uma directriz como esta não é a base XLVI: será antes a base L, justamente dedicada a incluir os princípios fundamentais em matéria de relações entre as autarquias locais e o governo da província.
Certas restrições incidentais à administração local alimentaram e fizeram avultar no ultramar a ansiedade por se verem restauradas as autonomias locais, em bases representativas e descentralizadas.
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A ideia da reestruturação dos corpos administrativos em termos de se lhes dar mais carácter representativo, nada há a opor. O que não pode é ir-se no ultramar para a solução de fazer designar por eleição os presidentes desses órgãos, não só porque tal solução não tem paralelismo na metrópole como também porque a "ciência da administração" não fornece grandes apoios para uma semelhante viragem.
Com estas reservas, a Câmara advoga a aprovação da referida directriz, que, com alterações convenientes de redacção, será formulada como n.º I da base L, modificando-se consequentemente a numeração restante.
Base XLVII
54. A Câmara propõe nova redacção para esta base, designadamente em função das alterações que sugeriu em relação à base antecedente.
No seu modo de ver, a base em apreciação deve consignar, como vem proposto e é direito vigente, que no distrito a autoridade superior é o governador de distrito. Como consta da proposta, devem eliminar-se os intendentes administrativos, já que as intendências são suprimidas. No concelho, no bairro e no posto administrativo deverá dizer-se que a autoridade será aí exercida, respectivamente, pelo administrador do concelho, pelo administrador de bairro e pelo administrador de posto. Na freguesia a autoridade caberá ao regedor. Em cada regedoria, grupo de povoações ou povoações haverá a autoridade que a lei e o costume estabelecerem.
Base XLVIII
55. A primeira inovação que se pretende introduzir nesta base respeita às juntas de freguesia, que entrariam a fazer parte do elenco dos corpos administrativos das províncias ultramarinas.
Esta Câmara, no seu parecer n.º 35/V, várias vezes citado, pronunciou-se por que se deveria consagrar, em todo o território nacional, esse tradicional órgão da administração paroquial - mas a sua sugestão não foi então seguida. Agora que o problema se põe de novo, a Câmara Corporativa entende dever insistir na sua ideia expressa em 1952 no referido parecer. Consequentemente, sugere-se que se instituam juntas de freguesia nas freguesias urbanas e rurais - com excepção, quanto a estas, daquelas onde houver conselhos ou organismos a quem por lei ou tradição pertença a gerência de certos interesses comuns dos habitantes, pois, neste caso, poderão ser-lhes confiadas as atribuições das juntas de freguesia, nos termos que a lei definir. Assim se articularão as instituições consagradas pelo uso local com as do tipo importado da metrópole. Uma atitude semelhante já se adoptou no Estado da Índia com relação às gãocarias.
Esta orientação conduz à eliminação das juntas locais. Quanto às comissões municipais, subsistirão para funcionarem nos concelhos em que não puder constituir-se câmara, por falta ou nulidade da eleição ou enquanto o número de eleitores inscritos for inferior ao número estabelecido. O que se propõe quanto a esta e às bases anteriores implica a remodelação da base XLIX.
56. Outra inovação respeita à instituição de "juntas distritais".
No pensamento do Governo não está que o distrito passe a constituir uma autarquia local (n.º I da base XLIX) e a junta distrital um corpo administrativo. Tanto que se diz dela que se limitará a coadjuvar o governador de distrito no exercício das suas funções. É certo, em todo o caso, que na proposta se diz também que a junta terá, além
do funções consultivas, funções deliberativas - como sucedia com as juntas provinciais, antes da Lei Orgânica, acontecendo que a Reforma Administrativa Ultramarina expressamente as qualificava como corpos administrativos. Reconhece-se, porém, que não será impossível (longo disso) atribuir às juntas distritais competência deliberativa sem que o facto importe a sua qualificação como corpos administrativos.
A ideia de se instituírem juntas distritais resulta, segundo parece, de se pretender associar à administração distrital, constituída por uma extensa série de competências, distraídas da esfera de funções executivas do governador de província e atribuídas aos governadores de distrito na medida em que respeitem a interêssse e tenham amplitude predominantemente distrital, os representantes do próprio distrito. Assim se combinam e associam os dois processos de técnica organizatória: a desconcentração e a descentralização.
A Câmara Corporativa considera a fórmula encontrada como uma fórmula feliz - e por isso recomenda a sua aprovação. No entender dela, as juntas distritais deveriam ter uma constituição moldada na dos conselhos de governo, com membros natos e membros electivos, e deveriam ser presididas pelo governador de distrito. A Câmara deixará isto consignado no texto de substituição, que proporá nas conclusões deste parecer.
Base LVIII
57. No seu parecer n.º 35/V a Câmara Corporativa teve ocasião de descrever, nas suas linhas gerais, a evolução que sofrera até então o problema da autonomia financeira das províncias ultramarinas.
Não vai, por isso, traçar de novo esse esquema evolutivo.
O sentido, da proposta em estudo é o de se entregar inteiramente aos órgãos provinciais a organização do orçamento, incluindo a avaliação definitiva das receitas extraordinárias e a fixação das despesas da mesma espécie - matérias que, polo regime legal vigente, pertencem fundamentalmente ao Ministro do Ultramar. Como já houve ocasião de acentuar, o Ministro do Ultramar pode continuar a exercer um adequado controle da ordem financeira nas províncias ultramarinas, posto que se lhe conservam latos poderes de fiscalização e de superintendência, pode restringir a autonomia financeira de qualquer das províncias em circunstâncias excepcionais e, por último, mantém um poder considerável em matéria de autorização do empréstimos das províncias. Por outro lado. diz-se-nos que o novo sistema já foi experimentado com êxito no Estado da índia. Em face disto, é caso realmente para levar a experiência às demais províncias.
Em todo o caso, e para afastar quaisquer dúvidas, há-de dizer-se na lei que ao diploma votado pelo conselho legislativo será aplicável o disposto na base XXIV sobro publicação dos projectos de diploma votados pelos conselhos legislativos, em geral. Correspondentemente, deverá também dispor-se que o governador organizará o orçamento, não de acordo com o diploma que for votado, mas de acordo com o diploma que foi finalmente aprovado ou publicado.
Deverá ainda dizer-se, como se diz na base em vigor, que o orçamento deverá ser votado pelo conselho de governo. E recorde-se que serás, no lugar próprio, se sugeriu que o mesmo deverá dispor-se paralelamente em relação às transferências de verba e às aberturas de créditos, pelos quais a organização do orçamento vem, afinal de contas, a ser alterada. Ficará isto consignado no n.º II da base LXIII.
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Base LXI
58. A primeira parte do que vem proposto quanto ao n.º II esta base justifica-se por ser realmente necessário adaptar este preceito às alterações propostas em matéria de órgãos legislativos das províncias de governo simples.
Base LXIII
59. Segundo o n.º IV desta base, em vigor, as despesas da administração provincial serão ordenadas pelos governadores ou pelo Ministro do Ultramar, nos termos da Lei Orgânica e dos diplomas especiais que regulam a execução do orçamento das despesas. No parecer desta Câmara n.º 35/V deu-se a explicação desta repartição de competências, que parece dever continuar a verificar-se enquanto vigorar o Decreto n.º 17 881, de 11 de Janeiro do 1930. Há, no entanto, despesas que não carecem de ser ordenadas - e isto, de per si, já justificaria que se alterasse a redacção em vigor.
60. A eliminação do n.º V desta base é consequência necessária da supressão da competência do Ministro do Ultramar para orientar a execução dos orçamentos (agora estabelecida na base XI, n.º i, 6.º), supressão proposta pelo Governo, como na devida altura se anotou.
Base LXVIII
61. O problema da apreciação da inconstitucionalidade das normas de direito ultramarino não tem tido solução pacífica, nem de legelata nem de legeferenda. As controvérsias a que tem dado origem no primeiro destes planos podem, por último, ver-se sintetizadas na Revista de Legislação c de Jurisprudência, ano 89, 195G-1957, pp. 58 e segs. e 77 e segs.
62. Designadamente, depois que foi decretada a assimilação da organização judiciária das províncias ultramarinas à da metrópole (v. o Decreto n.º 43 898, de 6 de Setembro de 1961, a Lei n.º 2113, de 11 de Abril de 1962, e o Decreto-Lei n.º 44 278, de 13 de Abril do mesmo ano), deixou de ser legítimo argumentar-se contra a solução da extensão a todos os órgãos judiciários ultramarinos da competência para apreciar da inconstitucionalidade material das normas jurídicas. Por outro lado, não se descortina que a solução proposta tenha mais inconvenientes no ultramar do que na metrópole, no plano do interêssse da uniformidade na aplicação do direito. Desta sorte, não é legítimo pretender-se que a solução consagrada no corpo do artigo 123.º da Constituição tenha sido pensada ou possa ser considerada como pensada pelo legislador constitucional como aplicável exclusivamente ao direito e aos tribunais metropolitanos.
A Câmara Corporativa concorda, portanto, com a ideia de atribuir aos tribunais do ultramar competência para apreciarem a inconstitucionalidade material das normas jurídicas, nos termos do corpo do artigo 123.º da Constituição.
Um reparo, entretanto, se tem de fazer à redacção do n.º I desta base, proposta pelo Governo. Ela refere-se apenas à inconstitucionalidade material dos diplomas legais - e é evidente que não podem ser esses, restritamente, os diplomas cuja inconstitucionalidade material há-de poder ser apreciada pelos tribunais do ultramar. Convirá, por isso, melhorar essa redacção.
63. Não pode haver dúvidas de que a norma do § único do artigo 123.º da Constituição é aplicável não só aos
diplomas de direito metropolitano como também aos diplomas de direito ultramarino. Assim, reputa-se como incontestável que a inconstitucionalidade orgânica ou formal das regras de direito ultramarino constantes de diplomas promulgados pelo Presidente da República só poderá ser apreciada pela Assembleia Nacional e não pelos tribunais ultramarinos. A solução consagrada nesse § único é, a todas as luzes, de direito constitucional comum à metrópole e ao ultramar.
Aliás, tal solução está expressamente perfilhada por um texto de direito constitucional especial para o ultramar, que é o § 3.º do artigo 150.º da Constituição.
Simplesmente, este § 3.º vai mais longe e considera igualmente subtraídos ao controle dos tribunais ultramarinos os diplomas legais aplicáveis ao ultramar que não tenham sido promulgados pelo Presidente da República. Ele abrange, na verdade, os diplomas legislativos ministeriais e as portarias legislativas do Ministro do Ultramar, a que se refere o § 1.º do mesmo artigo 150.º
Segundo parece, a devolução que no referido § 3.º do artigo 150.º se faz para o § 1.º do artigo 123.º não se refere à parte deste preceito em que se traçam os limites a que se estende o regime de controle meramente político da inconstitucionalidade, mas sim, antes e apenas, à parte dele em que se consagra ou fixa esse regime. E, na verdade, o próprio § 3.º que circunscreve, quanto ao direito ultramarino, os limites a que se estende tal regime; é ele, por outras palavras, que nos diz quais são os diplomas cuja inconstitucionalidade orgânica ou formal não pode ser jurisdicionalmente apreciada e só o pode ser pela Assembleia Nacional.
A redacção proposta para o n.º II da base LXVIII não mostra que se tenha feito do § 3.º a devida interpretação, carecendo, por isso, de ser remodelada.
64. Besta analisar a solução proposta pelo Governo para o problema da fiscalização da inconstitucionalidade orgânica ou formal de outros diplomas, diferentes dos considerados até aqui. Serão eles:
a) Diplomas genéricos, sem a forma de decreto regulamentar, expedidos pelo Ministro do Ultramar ou eventualmente por outros Ministros;
b) Diplomas legislativos emanados dos órgãos legislativos das províncias ultramarinas:
c) Diplomas regulamentares emanados dos governos das províncias ultramarinas e de quaisquer autoridades ou entidades públicas das províncias, com competência normativa.
A Constituição vem sendo interpretada pelo legislador ordinário, desde 1933, com a Carta Orgânica, no sentido de o corpo do artigo 123.º não ser aplicável a tais diplomas de direito ultramarino e, portanto, no sentido de que os tribunais do ultramar não podem deixar de aplicar, nos feitos submetidos a julgamento, esses diplomas, quando afectados de inconstitucionalidade orgânica ou formal. O legislador ordinário partiu, efectivamente, sempre do princípio de que se impunha uma interpretação restritiva deste preceito constitucional, em termos de ele se considerar como não tendo pretendido abranger a inconstitucionalidade orgânica ou formal dos diplomas de direito ultramarino não promulgados pelo Presidente da República.
Considerou-se como improvável que o legislador constitucional tivesse pretendido, em especial, deixar aos tribunais ultramarinos a possibilidade de recusar a aplicação de quaisquer diplomas emanados do Ministro do Ultramar, a pretexto de que esses diplomas caberiam na com-
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petência dos órgãos legislativos ou executivos da província respectiva, e de negar a aplicação de diplomas locais, legislativos ou regulamentares, com a invocação de que os órgãos provinciais não eram constitucionalmente competentes para os editar. Com certeza que o legislador constitucional não terá pretendido dar aos tribunais do ultramar uma tal oportunidade de negarem a autoridade do Ministro e dos governadores e de resolverem os conflitos de atribuições normativas entre eles. A interpretação segundo a qual o controle da inconstitucionalidade orgânica ou formal de tais diplomas estaria realmente confiado pela Constituição a todos os tribunais ultramarinos teria como consequência atrair estes para um campo que é menos adequado à sua intervenção fiscalizadora.
Partindo desta interpretação restritiva do artigo 123.º da Constituição, quer o legislador da Carta Orgânica., no artigo 199.º deste diploma, quer o legislador da Lei Orgânica, na base LXVIII, entenderam poder licitamente estabelecer, pára o controle da inconstitucionalidade orgânica ou formal de tais diplomas, um regime inteiramente divergente do estabelecido no corpo do artigo 123.º da Constituição para a fiscalização da inconstitucionalidade orgânica ou formal de diplomas metropolitanos não promulgados pelo Presidente da Eepública. (Tal preceito, na verdade, não se refere apenas à inconstitucionalidade material das regras de direito metropolitano e ultra marino).
Consistiu ele em confiar exclusivamente ao Conselho Ultramarino o julgamento da inconstitucionalidade em questão, retirando a competência para tanto aos tribunais do ultramar, perante os quais o problema da inconstitucionalidade de suscitar. O Conselho funcionaria em tais casos como uma espécie de "tribunal constitucional".
A Câmara Corporativa, verificando que o n.º III da base em análise, na redacção agora proposta, está na linha tradicional de interpretação do artigo 123.º da Constituição, e que não há razão para nos afastarmos dessa interpretação nem da solução que vem sendo legislativamente seguida desde a Carta Orgânica a este respeito, dá a sua concordância à orientação desse novo n.º m.
65. Não se pronuncia a proposta sobre o processo ou meio de impugnação dos diplomas inconstitucionais perante o Conselho Ultramarino. Como se sabe, as possibilidade teóricas a este respeito são duas: ou se admite uma acção ou recurso directo destinado a obter a declaração de inconstitucionalidade, ou se admite apenas uma excepção ou incidente de inconstitucionalidade. A proposta também nada nos diz acerca dos efeitos da decisão proferida sobre a inconstitucionalidade pelo Conselho Ultramarino: anulação ou validação do diploma erga omnes, ou simples inaplicação? São pontos estes que, pela sua suprema importância, não devem ser omitidos na Lei Orgânica. A Câmara não vê razão para se alterar sobre tais pontos o direito vigente.
Base LXXXI
66. A alteração proposta consiste apenas em também se fazer referência nesta base às escolas superiores que o Estado poderá manter no ultramar. A Lei Orgânica vai consagrar, assim, uma política em vias de execução em relação a Angola e Moçambique. À. Câmara apraz-lhe recordar que no seu parecer de 1952, n.º 35/V, recomendou a inscrição na Lei Orgânica então em preparação de uma norma segundo a qual o Estado, quando se tornasse aconselhável, poderia criar nas províncias ultramarinas escolas superiores. Esta ideia foi desaprovada, vindo o n.º II desta base a ficar com a redacção que ora se pretende modificar naquele sentido.
Deve aproveitar-se o ensejo para pôr o n.º II desta base de acordo com a lei actual em matéria de graus de ensino e de escolas e para eliminar a referência ao idioma vernáculo, por ser inapropriada.
Base LXXXVIII
67. Não é fácil descortinar o alcance das modificações de redacção que o Governo propõe para o n.º II desta base. Tudo se traduz em dizer "dos órgãos metropolitanos" em vez de "de órgãos metropolitanos" e em se substituir a forma "carecem de conter" pela forma "deverão conter".
Parece indiferente, quanto ao primeiro ponto, utilizar qualquer das duas redacções. Quanto ao segundo, o caso é diverso: a forma actual de dizer é superior à proposta.
Não se impõe qualquer remodelação formal do referido texto.
Base XCII
68. Não há praticamente nada a objectar à redacção proposta para esta base. Justifica-se, em especial, que fique dependente de condição suspensiva a aplicação do novo regime sobre a administração financeira das províncias ultramarinas nos termos propostos. Com o que se não concorda é com a forma como* tal providência é expressa. Não faz, na verdade, grande sentido dizer, como se diz em n, c), que as bases LVI a LXIV continuarão em vigor na actual redacção até ser publicada a lei da administração financeira das províncias ultramarinas, quando é certo que destas bases só a LVIII, a LXI e a LXIII se destinam a ser agora alteradas. Assim, o que se deverá dizer é que estas três bases continuarão em vigor durante este período.
Artigo 2.º
69. O sistema recentemente instituído para a criação de um "mercado comum" nacional, com o seu mecanismo adequado de pagamentos, está necessariamente associado à ideia de que é preciso considerar globalmente o desenvolvimento harmónico e equilibrado de todo o território português de aquém e de além-mar. A integração não pode ser concebida apenas num aspecto da economia nacional -o das trocas e dos pagamentos-, mas em todos os que contendem com o problema fundamental do desenvolvimento.
Uma política desta ordem só pode ser definida pelo Governo. Mas na sua definição ele deve ter a cooperação das autoridades responsável e das actividades económicas das províncias ultramarinas, prestada através da sua participação nos órgãos consultivos que for oportuno utilizar e instituir. Está nestas condições a Comissão Consultiva de Política Económica, criada pelo Decreto-Lei n.º 44 652. de 27 de Outubro de 1962, em que participarão "representantes" dos interesses e dos sectores de actividade das diferentes "regiões" do País e que terá entre os setis vice-presidentes. possivelmente, um governador de província ultramarina. Segundo se crê, será, por outro lado, remodelado e ampliado, para poder intervir num plano verdadeiramente nacional, quanto ao crédito, o Conselho Nacional de Crédito.
A primeira das bases que o Governo neste artigo 2.º da proposta pretende ver incluídas na Lei Orgânica encontra-se na linha de pensamento do Decreto-Lei
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n.º 44 652 e justifica-se, portanto, perfeitamente. A sua colocação na lei é que não pode ser a sugerida pelo Governo. Ela deverá, de preferência, surgir como um número novo, o penúltimo da base LXX.
70. Definida pelo Governo (mais rigorosamente, nos termos do Decreto-Lei n.º 44 652, pelo Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos) a orientação a observar em matéria de desenvolvimento equilibrado dos territórios do espaço português, cumprirá aos governos ultramarinos elaborar os planos de fomento territoriais e executá-los. Para assistir aos governadores nessa elaboração e nessa execução está prevista a criação, em cada uma das províncias ultramarinas, sob a dependência directa do respectivo governador, de um serviço ou comissão de planeamento e de integração económica (decreto-lei citado, artigo 51.º). A segunda das duas novas bases propostas não é mais do que a elevação ao plano da Lei Orgânica de uma ideia que já encontrou tradução naquele diploma. Nada, pois, há que objectar à inclusão de tal preceito na Lei Orgânica, a não ser que, em vez de constituir uma base nova e autónoma, ele deverá aparecer como um número, o último, da base LXX.
Artigo 3.º
71. Foi julgado, em Setembro de 1961, que chegara o momento de terminar com o especial regime transitório de protecção e defesa de importantes grupos humanos de três das províncias ultramarinas, estabelecido no Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique. Isto explica que se revoguem agora as bases LXXXIV e LXXXV.
72. Merece também apoio a ideia de se revogar a base LXXXVI. No ultramar, por força, além de outros diplomas, principalmente do Código do Trabalho Rural, aprovado pelo Decreto n.º 44 309, de 27 de Abril de 1962, há em matéria de direito laboral, inteira equiparação entre todos os sectores populacionais.
Desde que se instituiu e consagrou a assimilação de todos os trabalhadores do ultramar português, deixou de ser Leito manter-se o regime especial esboçado na base LXXXVI. Esta base deve, portanto, desaparecer.
73. O Governo não propôs, certamente por lapso, nem II supressão, nem qualquer alteração da base LXXXII da Lei Orgânica. Parece, porém, que essa base não se deve manter. Se ela se legitima perante o Acordo Missionário com a Santa Sé, não se justifica perante a orientação assimilacionista que se entende perfilhar.
Recorda-se, por isso, ao Governo a conveniência de tomar as medidas de ordem constitucional e regimental necessárias para que a Assembleia Nacional possa revogar esta base.
Artigo 4.º
74. Não se trata de o Ministro do Ultramar mandar fazer uma nova publicação da Lei n.º 2066, donde constem as alterações que venham a ser-lhe agora introduzidas - visto o fazer publicar as leis ser da competência do Presidente da República. Do que se trata é de, pelo Ministério do Ultramar, se fazer publicar uma edição oficial da Lei Orgânica do Ultramar Português, inserindo no lugar próprio as alterações que lhe foram introduzidas depois de 1953 e as que lhe forem agora feitas. Foi assim que se procedeu com a Constituição Política, por força do artigo n.º da Lei n.º 1963, de 18 de Dezembro de 1937.
Ë uma fórmula parecida com a deste artigo que se deve agora adoptar para o presente artigo 4.º
Note-se que o Governo fez a edição oficial, prevista naquele artigo 5.º, publicando-a no Diário do Governo. O mesmo se deveria fazer agora com a Lei Orgânica.
III
Conclusões
75. Em conclusão, a Câmara Corporativa sugere para a proposta de lei a seguinte redacção:
Artigo 1.º As bases X, XI, XII, XIV, XV, XVIII, XXIII,XXIV, XXV, XXVI, XXVIII, XXIX, XXXI XXXH, XXXIII, XXXIV, XXXV, XXXVI, XLI, XLVI, XLVII, XLVIII, XLIX, L, LVIII, LXI, LXIII, LXVIII, LXX, LXXXI e XCN da Lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1953, passam a ter a seguinte redacção:
BASE X
l ..............................................................................
a)..............................................................................
b) .............................................................................
c).......................................................................... ...
d)..............................................................................
e) O estatuto político-administrativo de cada uma das províncias ultramarinas, ouvido o respectivo governador e o Conselho Ultramarino em sessão plena;
f).............................................................................
g) .............................................................................
h) .............................................................................
i) .............................................................................
j) A solução por via legislativa das divergências entre os governadores e os conselhos legislativos sobre a oportunidade e conveniência das providências legislativas por esses conselhos aprovadas;
z) .....................................................
II) São autorizados os órgãos legislativos das províncias ultramarinas a expedir diplomas reguladores da composição, recrutamento, atribuições e vencimentos, salários e outras formas de remuneração do pessoal dos quadros privativos ou complementares dos seus serviços públicos, observando-se sempre os limites postos pelas leis que definem a organização geral do respectivo ramo de serviço.
Ill-.....................
TV-.....................
V -....................
VI -.....................
BASE XI
l -
1.º .............................
2.º .............................
3.º ..............................
4.º ................................
5.º . a) ..............................
6.º Fiscalizar a organização e a execução dos orçamentos das províncias ultramarinas, nos termos legais;
7.º Autorizar os governos das províncias ultramarinas a negociar acordos ou convenções com os governos de outras províncias ou territórios, nacionais ou estrangeiros, neste último caso com a concordância do Ministro dos Negócios Estrangeiros;
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8.º Ordenar "inspecções, sindicâncias e inquéritos, para fins disciplinares ou outros, a todos os serviços públicos do ultramar em que superintenda, quer do Estado, quer dos corpos administrativos e pessoas colectivas de utilidade pública administrativa;
9.º Superintender e fiscalizar as empresas de interêssse colectivo, nos termos da Constituição, da presente Lei Orgânica e de outras leis;
10.º Exercer as demais funções que por lei lhe competirem.
II - O Ministro do Ultramar tem a faculdade de delegar nos governadores das províncias ultramarinas, a título temporário ou permanente, o exercício dos poderes referidos no n.º 1.º para contratar funcionários e conceder licenças registadas e também os referidos na segunda parte do n.º 2.º
III-....................
IV - Para os efeitos do número anterior, os governadores deverão imediatamente comunicar ao Ministro do Ultramar as autorizações de transferências de verbas e de aberturas de créditos que decidirem, com a respectiva justificação.
V - Aos Subsecretários de Estado compete, dentro dos termos da delegação que lhes for dada pelo Ministro, decidir, de acordo com a orientação deste, os assuntos da sua competência executiva.
BASE XIII
I - O Governo poderá consultar a Câmara Corporativa sobre diplomas a publicar ou sobre propostas de lei a apresentar à Assembleia Nacional, uns e outras aplicáveis ao ultramar.
II - As autarquias e os interesses sociais das províncias ultramarinas terão representação na Câmara Corporativa. O processo de designação dos respectivos Procuradores será regulado no estatuto político-administrativo de cada província, de acordo com o que se dispuser na lei orgânica da Câmara Corporativa.
BASE XIV
I - O Conselho Ultramarino é o órgão permanente de consulta do Ministro do Ultramar em matéria de política e administração ultramarinas.
Nele estarão representados os interesses sociais das províncias ultramarinas.
II - A organização e as atribuições do Conselho Ultramarino serão definidas em lei especial.
BASE XVIII
I -....................
BASE xv
I -....................
II - As reuniões da conferência não são públicas e a elas presidirá o Ministro do Ultramar ou um dos Subsecretários de Estado. Poderão assistir, com direito de voto, além dos governadores das províncias ultramarinas, o secretário-geral do Ministério e os directores-gerais e, quando convocados mas sem direito de voto, os secretários-gerais e os secretários provinciais.
BASE XVIII
I-.....................
II- ....................
III-....................
IV - A comissão dos governadores poderá ser renovada por períodos de dois anos em decreto publicado até 30 dias antes de ela terminar.
V- ....................
II - Nas províncias de Angola e Moçambique poderá haver o número de secretários provinciais que nos respectivos estatutos politico-administrativos for fixado, nomeados e exonerados pelo Ministro do Ultramar, sob proposta do governador-geral, e equiparados a inspectores superiores de administração ultramarina. Os secretários provinciais em funções à data do termo da comissão ou da exoneração do governador-geral presumem-se da confiança de quem assumir as funções governativas, mantendo-se no exercício dos seus cargos até à posse do novo governador, salvo se entretanto forem exonerados.
III-....................
IV- ....................
V - As delegações referir-se-ão normalmente a um conjunto de serviços, que constituirá uma secretaria provincial, u serão feitas em diploma legislativo da competência privativa do governador-geral. Deste diploma constarão igualmente a denominação e a organização das secretarias.
VI- É aplicável ao secretário-geral e aos secretários provinciais o disposto nas bases XX e XXI quanto à responsabilidade civil e criminal e à fiscalização contenciosa dos seus actos.
BASE XXIV
I-. II -...........................
III - O governador-geral mandará publicar as disposições votadas pelo Conselho Legislativo para que sejam cumpridas, sob a forma de diploma legislativo, dentro dos quinze dias seguintes àquele em que o projecto votado estiver pronto para a sua assinatura.
IV - No caso de o governador-geral considerar inconstitucionais ou ilegais as disposições votadas, enviá-las-á ao conselho para nova apreciação. Se este as aprovar por maioria de dois terços do número legal dos seus vogais, será o projecto enviado ao Conselho Ultramarino, que decidirá em sessão plena, devendo o governador conformar-se com o que este resolver.
V - Tratando-se de diploma da iniciativa do governo-geral, o governador poderá não o publicar, informando o Conselho de que passou a não considerar oportuna a sua publicação.
VI - Se se tratar de diploma da iniciativa de vogais do Conselho, o governador-geral, caso considere as disposições votadas contrárias ao interêssse nacional ou ao interêssse da província, submeterá logo o assunto a resolução do Ministro do Ultramar ou solicitará que as disposições votadas sejam objecto de nova resolução do Conselho. Na primeira hipótese, o Ministro, ouvido, nos termos gerais, o Conselho Ultramarino, poderá determinar que o governador-geral publique, total ou parcialmente, as disposições votadas pelo Conselho Legislativo ou legislar sobre o assunto nos termos que entender mais convenientes. Na segunda hipótese, se as disposições forem aprovadas por maioria de dois terços do número legal dos vogais, o governador mandá-las-á publicar.
VII - No intervalo das sessões ordinárias do Conselho Legislativo, não estando este reunido em sessão extraordinária, quando haja sido dissolvido e nos casos em que a lei lhe atribua competência reservada, poderá o governador-geral publicar diplomas legislativos, ouvido o Conselho de Governo.
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BASE xxv
I -............................
II - O Conselho Legislativo é uma assembleia de representação adequada às condições do meio social da província, constituído por vogais eleitos quadrienalmente entre cidadãos portugueses que reunam os requisitos de elegibilidade indicados na lei.
III - O estatuto político-administrativo da cada umu das províncias de governo-geral fixará o número de vogais do seu Conselho Legislativo e regalará a eleição de modo a garantir adequada representação dos colégios de eleitores do recenseamento geral dos círculos em que o território da província foi dividido, das autarquias locais e dos interesses sociais nas suas modalidades fundamentais.
IV- ................
BASE XXVI
I - O Conselho Legislativo funcionará na capital da província e será presidido pelo governador-geral ou por quem suas vezes fizer, com a faculdade de, quando assim o entender, se fazer substituir por um vice-presidente eleito pelo Conselho.
II - O Conselho Legislativo terá duas sessões ordinárias em cada ano, com duração total de três meses, e as sessões extraordinárias que forem convocadas pele- governador-geral, nos termos que serão regulados no estatuto político-administrativo de cada província. O governador-geral poderá prorrogar até um mês o funcionamento efectivo do Conselho.
III-....................
IV-.....................
V - Os secretários provinciais e o secretário-geral poderão comparecer, por incumbência do governador, perante o Conselho Legislativo para sustentarem as propostas de que o governo-geral tenha tido a iniciativa ou para aí fazerem as comunicações e darem os esclarecimentos que entenderem necessários.
VI - As demais disposições sobre o funcionamento do Conselho Legislativo serão estabelecidas no estatuto político-administrativo da respectiva província.
BASE XXVIII
1 - Compõem o Conselho de Governo os vogais seguintes:
Secretários provinciais e secretário-geral, comandante militar, comandante naval, comandante da região aérea, procurador da Kepública, director dos Serviços Provinciais de Fazenda e Contabilidade, como vogais natos, e um representante das autarquias locais e de cada um dos interesses sociais da província, eleitos por dois anos, conforme se dispuser no estatuto político-administrativo da província.
BASE XXIX
II - Os vogais natos do Conselho serão substituídos nas suas faltas, ausências ou impedimentos pelos directores de serviços designados pelo governador-geral e, quando não houver designação, pelos seus substitutos na função pública.
III - O estatuto político-administrativo da província incluirá as demais normas respeitantes ao funcionamento do Conselho de Governo.
II - O governador pode ser coadjuvado por um secretário-geral, a quem competirá o exercício das funções executivas que nele sejam delegadas pelo governador.
III-....................
IV - A competência do governador em matéria de administração financeira não pode ser delegada.
V - Aplicam-se aos governadores os preceitos da base XXIV respeitantes aos governadores-gerais.
BASE XXXII
I - Nas províncias de governo simples funcionará, com atribuições legislativas, um Conselho Legislativo.
II - O Conselho Legislativo é uma assembleia de representação adequada às condições do meio social da província, constituída por vogais eleitos quadrienaldalmente que reunam os requisitos de elegibilidade indicados na lei. No estatuto político-administrativo de cada província poderá estabelecer-se que do Conselho façam também parte vogais natos.
III - O estatuto político-administrativo de cada uma das províncias de governo simples fixará o número de vogais do seu Conselho Legislativo e regulará a eleição de acordo com as directrizes fixadas no n.º III da base XXV desta lei.
IV - E aplicável, quando os eleitores não escolherem os seus representantes ao Conselho Legislativo, o disposto no n.º IV da base XXV.
V - Em Macau será dada representação à comunidade chinesa, nos termos que forem regulados no "eu estatuto político-administrativo.
BASE XXXIII
É aplicável ao Conselho Legislativo das províncias d u governo simples o disposto na base XXVI da presente lei.
BASE XXXIV
33 aplicável ao Conselho Legislativo das províncias de governo simples e aos seus vogais o disposto na base XXVII da presente lei.
BASE XXXV
I - Junto do governador, e por ele presidido, funcionará um Conselho de Governo, com atribuições consultivas permanentes.
II - Compõem o Conselho de Governo os vogais seguintes:
O secretário-geral, quando o houver, o delegado do procurador da República da comarca da capital da província, o chefe dos serviços de administração civil quando não haja secretário-geral, o chefe da repartição provincial dos serviços de Fazenda e contabilidade, como vogais natos, e representantes das autarquias e dos interesses sociais da província em número fixado no respectivo estatuto político-administrativo, cujo mandato será de dois anos. Farão também parte do Conselho as autoridades militares que forem indicadas neste estatuto.
III - Ao Conselho de Governo compete o desempenho das funções consultivas atribuídas na base XXX ao Conselho de Governo das províncias de governo-geral.
IV - O governador pode discordar da opinião do Conselho e providenciar como entender mais conveniente, nos termos do n.º III da base XXX.
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V - O estatuto político-administrativo de cada província incluirá as normas respeitantes à eleição dos vogais e ao funcionamento do Conselho de Governo.
BASE XXVI
I - Os serviços públicos da administração provincial podem estar integrados na organização geral da administração de todo o território português ou constituir organizações próprias de cada província, directamente subordinadas ao governador e, por intermédio deste, ao Ministro do Ultramar.
II - Quer os serviços nacionais, quer os serviços provinciais propriamente ditos, devem corresponder em cada província ao seu estado de desenvolvimento e às circunstâncias peculiares do seu território.
III - Haverá os serviços nacionais que forem necessários para a boa gestão dos interesses comuns a todo o território português e aqueles cuja criação não seja desaconselhada por motivos de ordem técnica ou pelas características e condicionalismo próprios de cada território; de acordo com estes princípios, a natureza e a extensão dos serviços nacionais que hão-de funcionar em cada província serão regulados por diplomas especiais.
IV - A natureza e extensão dos serviços provinciais propriamente ditos serão regidos pelo estatuto da província, guardados o princípio consignado no n.º II desta base e as normas de organização do respectivo ramo de serviço vigentes no ultramar.
V - Os serviços provinciais podem, nos casos previstos na lei, para efeitos de recrutamento de pessoal, coordenação de métodos, utilização de laboratórios ou outras formas de assistência técnica, funcionar como prolongamento dos correspondentes serviços metropolitanos.
VI - Todas as organizações de serviços públicos, incluindo os concedidos, das províncias ultramarinas terão em vista as necessidades supremas da defesa do território, procurando adaptar-se a elas e facilitar a missão das instituições militares.
BASE XLI
I-
III - ....................
IV- ....................
V - As nomeações em comissão apenas conferem os direitos e impõem os deveres correspondentes aos cargos durante o prazo da sua duração, sem prejuízo, porém, da contagem do tempo para efeito de antiguidade e aposentação. São-lhes aplicáveis, além do mais que a lei dispuser, as regras seguintes:
1.º
2.º
3.º
4.º
5.º
BASE XLVI
I - Para os uns da administração local, as províncias ultramarinas dividem-se em concelhos, que se formam de freguesias, correspondentes aos agregados de famílias que desenvolvem uma acção social comum por intermédio de órgãos próprios, na forma prevista na lei.
II - Os concelhos poderão ser divididos em bairros e em postos administrativos.
III - Onde o justitiquem a grandeza ou a descontiuuidade do território e as conveniências da administração, os concelhos agrupam-se em distritos.
IV - A divisão administrativa de cada uma das províncias ultramarinas acompanhará as necessidades do seu progresso económico e social.
BASE XLVII
No distrito a autoridade superior é o governador de distrito. No concelho, no bairro e no posto administrativo a autoridade é exercida, respectivamente, pelo administrador do concelho, pelo administrador de bairro e pelo administrador de posto. Na freguesia a autoridade caberá ao regedor. Em cada regedoria, grupo de povoações ou povoação haverá a autoridade que a lei e o costume estabelecerem.
BASE XLVIII
I - Nas províncias ultramarinas a administração dos interesses comuns das autarquias locais está a cargo de câmaras municipais, comissões municipais e juntas de freguesia.
II - No distrito haverá uma junta distrital, composta de vogais natos e de vogais eleitos, a qual caberá coadjuvar o governador no exercício das suas funções. Esta junta disporá de competência consultiva e deliberativa.
III - A câmara, municipal é o corpo administrativo do concelho, de natureza electiva. Tem foral e brasão próprios e pode usar a designação honorífica ou título que lhe forem ou tiverem sido conferidos. É presidida pelo administrador do concelho ou por um presidente designado pelo governador, nos termos do estatuto respectivo, o qual, neste caso, poderá ser remunerado. O presidente é o orgão executor das deliberações da câmara, nos termos da lei.
IV - Poderá haver comissões municipais nos concelhos em que não se puder constituir câmara, por falta ou nulidade da eleição ou enquanto o número de eleitores inscritos for inferior ao número estabelecido.
V - A junta de freguesia é o corpo administrativo da freguesia, de natureza electiva. Nas povoações ou grupos de povoações rurais onde houver constituídos organismos ou conselhos a quem por lei ou tradição pertença a gerência de certos interesses comuns da família poderão ser-lhes confiadas as atribuições das juntas de freguesia, nos termos que II lei definir.
BASE XLIX
Os concelhos e as freguesias são as autarquias locais propriamente ditas e constituem pessoas colectivas de direito público, com a autonomia administrativa e financeira que a lei lhes atribuir. A sua personalidade jurídica mantém-se, mesmo quando geridos por órgãos transitórios ou supletivos.
BASE L
I - As relações entre os órgãos governativos e os órgãos da administração local serão organizadas por forma a garantir uma efectiva descentralização, sem prejuízo, porém, da eficiência dessa administração e dos seus serviços públicos.
II - A vida administrativa das autarquias locais está sujeita à fiscalização do governo da província, directamente ou por intermédio do governador do dis-
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trito, onde o houver, e a inspecção pelos funcionários que a lei determinar, podendo a mesma lei tornar dependentes as deliberações dos respectivos corpos administrativos da autorização ou da aprovação de outros organismos ou autoridades.
III - As deliberações dos corpos administrativos das autarquias locais só podem ser modificadas ou anuladas nos casos e pela forma previstos na lei.
IV - Os corpos administrativos de eleição podem ser dissolvidos pelo governo da província, conforme a lei determinar. As comissões e juntas nomeadas podem ser livremente demitidas.
BASE LVIII
I -.................................
II - O governador apresentará, antes do início do ano económico, ao Conselho Legislativo, uma proposta de diploma em que serão definidos os princípios a que deve obedecer o orçamento na parte das despesas de quantitativo não determinado por efeito de lei ou contrato preexistente. De harmonia com o diploma que for publicado, o governador organizará o orçamento, que, depois de votado pelo Conselho de Governo, mandará executar.
III - Quando, por qualquer circunstância, o orçamento não possa entrar em execução no começo do ano económico, a cobrança das receitas, estabelecidas por tempo indeterminado ou por período que abranja a nova gerência, prosseguirá nos termos das leis preexistentes e, quanto às despesas ordinárias, continuarão provisoriamente em vigor, por duodécimos, o orçamento do ano anterior e os créditos sancionados durante ele para ocorrer a novos encargos permanentes.
BASE LXI
I ......................
II - A iniciativa dos empréstimos pertence ao governador, com autorização do respectivo Conselho Legislativo. Relativamente, porém, a obras e planos que forem da competência do Ministro do Ultramar, poderá este providenciar acerca do respectivo financiamento, por sua iniciativa ou mediante proposta do governador, ouvido neste caso o Conselho Legislativo ou o de Governo.
III- ....................
IV- ....................
V- ....................
BASE LXIII
l.....................
II- ....................
III - As verbas autorizadas para certa despesa não podem ter aplicação diversa da que estiver indicada no orçamento. O governador poderá, porém, autorizar aberturas de créditos ou transferências de verbas, com o voto do Conselho de Governo.
IV - As despesas da administração provincial serão ordenadas nos termos da presente lei e dos diplomas especiais que regularem a execução dos serviços da Fazenda.
V - O tribunal administrativo de cada província fará a fiscalização judicial do orçamento das despesas, nos, termos e na medida que a lei determinar. A fiscalização administrativa cabe ao Ministério do Ultramar, que a fará por meio de inspecções e pelo viste das entidades competentes, e aos governadores.
BASE LXVIII
I - A inconstitucionalidade material das normas jurídicas será, nas províncias ultramarinas, apreciada pelos tribunais de conformidade com o disposto no corpo do artigo 123.º da Constituição.
II - A inconstitucionalidade orgânica ou formal dos diplomas promulgados pelo Presidente da República, bem como dos diplomas legislativos ministeriais e portarias do Ministro do Ultramar a que se refere o § 1.º do artigo 150.º da Constituição, só poderá ser apreciada pela Assembleia Nacional e por sua iniciativa ou do Governo, determinando a mesma Assembleia os efeitos da inconstitucionalidade, sem ofensa porém das situações criadas pelos casos julgados.
III - Sempre que nos tribunais das províncias ultramarinas se levantar um incidente de inconstitucionalidade orgânica ou formal de qualquer outro diploma, quer por iniciativa das partes, quer dos magistrados-, se o tribunal entender que a arguição tem fundamento, subirá o incidente em separado ao Conselho Ultramarino, para julgamento.
IV - Recebido o processo, seguir-se-ão os trâmites legais e no final será lavrado acórdão sobre a inconstitucionalidade do diploma, mandando-o observar ou determinando que se não aplique.
V - A conclusão do acórdão do Conselho Ultramarino será telegràficamente comunicada à província ou províncias interessadas, a fim de que, uma vez publicada no respectivo Boletim Oficial, se lhe dê cumprimento.
BASE LXX
II-.....................
III - As províncias ultramarinas participarão na elaboração de programas gerais tendentes a assegurar o desenvolvimento contínuo e harmónico da sua economia, compatível com o equilíbrio global da balança de pagamentos e a estabilidade do valor da moeda.
IV - Em cada província ultramarina haverá uma comissão ou serviço de planeamento e integração económica, que funcionará na dependência directa do governador.
BASE LXXXI
I..........................
II - O Estado manterá, como lhe parecer conveniente, nas províncias ultramarinas, escolas de qualquer grau de ensino e centros de investigação científica. Nas escolas primárias é autorizado o emprego do idioma local como instrumento de ensino da língua portuguesa.
III -....................,
IV-....................
V
VI- ................... . .
BASE XCII
I - Serão revistos de acordo com os preceitos da presente lei:
a) A organização do Ministério do Ultramar;
b) Os diplomas orgânicos dos diferentes ramos de serviço público no ultramar, incluindo a revisão da Reforma Administrativa Ultramarina;
c) A Lei Orgânica e o Regimento do Conselho Ultramarino ;
d) O Estatuto do Funcionalismo Ultramarino;
c) O estatuto político-administrativo de cada uma das províncias ultramarinas, ouvido o respectivo governador e o Conselho Ultramarino em sessão plena.
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II - Enquanto não forem publicados os diplomas complementares desta lei, continuarão em vigor as disposições vigentes. Especialmente será observado o seguinte:
a) Continuam a funcionar os Conselhos Legislativos e de Governo nos termos da lei actual até que estejam constituídos os que os substituem;
b) Continuam os governadores e demais autoridades no exercício da competência actual até que se definam as suas atribuições;
c) Continuam em vigor, na actual redacção, as bases LVIII, LXI e LXII enquanto não for publicada a lei especial sobre administração financeira das províncias ultramarinas.
Art. 2.º No fim da secção IV do capítulo III incluir-se-á uma nova base com a seguintes redacção:
BASE XVI-A
Nos diplomas orgânicos de todos os órgãos consultivos de âmbito nacional dispor-se-á que na sua composição hão-de entrar elementos radicados nas próvíncias ultramarinas, de acordo com um critério de distribuição regional equitativa.
Art. 3.º São revogadas as bases LXXXII, LXXXIV, LXXXV e LXXXVI da Lei Orgânica do Ultramar Português.
Art. 4.º O Governo, pelo Ministro do Ultramar, fará publicar uma edição oficial da Lei Orgânica do Ultramar Português, inserindo no lugar próprio as alterações introduzidas pela presente lei.
Palácio de S. Bento, 21 de Março de 1963.
Albano Rodrigues de Oliveira.
Álvaro Rodrigues da Silva Tavares.
Francisco José Vieira Machado.
Vasco Lopes Alvos.
António Jorge Martins da Motta Veiga.
António Júlio de Castro Fernandes .
Fernando Andrade Pires de Lima.
Joaquim Trigo de Negreiros.
José Gabriel Pinto Coelho.
Manuel Jacinto Nunes Paulo Arsénio Virissimo Cunha.
Afonso Rodrigues Queira, relator.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA