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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 88

ANO DE 1963 30 DE MARÇO

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 88 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 29 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 86.
Leu-se o expediente.
O Sr. Presidente informou estar na Mesa para cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição o Diário do Governo n.º 73, 1.ª série, inserindo o Decreto-Lei n.º 44 939.
Foi autorizado o Sr. Deputado Francisco Lopes Vasques a depor no Tribunal do Trabalho de Beja.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Armando Cândido sobre o problema portuário da ilha de Santa Maria e Lopes Vasques acerca da construção dos matadouros de Beja e outras localidades do distrito.

Ordem do dia. - Continuou a discussão das Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1961.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Jerónimo Jorge e Martins da Cruz.
Concluída a discussão foram enviadas para a Mesa duas propostas de resolução: uma sobre as Contas Gerais do Estado, outra sobre as da Junta do Crédito Público, que foram lidas, postas separadamente à votação e aprovadas por unanimidade.
O Sr. Presidente, no uso do direito que a Constituição lhe confere, deliberou prorrogar os trabalhos da Assembleia Nacional por mais um mês.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Antão Santos da Cunha.
António Burity da Silva.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.

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Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco Lopes Vasques.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.

osé Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 67 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está na Mesa, para aprovação, o Diário das Sessões n.º 86, correspondente à sessão de 27 do corrente. Se algum dos Srs. Deputados deseja deduzir qualquer reclamação é agora o momento de o fazer.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado fez qualquer reclamação, considero aquele Diário aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Do presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo a aplaudir a intervenção do Sr. Deputado António Santos da Cunha sobre problemas de turismo do Minho.
Da direcção do Grémio da Lavoura de Moura e Barrancos a apoiar o discurso do Sr. Deputado Nunes Mexia acerca da situação da lavoura.

O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 73, 1.ª série, de 27 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 44 939, que estabelece as sanções de punição para os crimes de furto de quaisquer veículos, peças ou acessórios a eles pertencentes e de objectos neles deixados, e de furto do uso de qualquer objecto.
Está ainda na Mesa um pedido do Tribunal do Trabalho de Beja para que seja autorizado a depor, no dia 23 de Abril, pelas 14 horas, o Sr. Deputado Francisco Lopes Vasques. Ouvido o Sr. Deputado, declarou não ver qualquer inconveniente para o exercício do seu mandato em que lhe seja concedida a autorização solicitada. Nestes termos, consulto a Câmara.

Consultada a Câmara, foi autorizado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Cândido.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: se, porventura, algum reconhecimento superior merece o devotado e aturado esforço desenvolvido no desempenho dos vários e sucessivos mandatos que me foram confiados, nomeio a resolução do problema portuário da ilha de Santa Maria como a melhor recompensa que nesta altura da minha vida de parlamentar me poderia ser dada. E que de todas as legítimas aspirações que de começo advoguei nesta Assembleia, após o ter sido para ela eleito pelo primeira vez, em 1945, essa é a única ainda por satisfazer. E não desejaria, confesso, que a presente legislatura findasse, sem ver, pelo menos, iniciadas as obras do porto principal daquela ilha, a construir, exactamente, em Vila do Porto - naquela vila que por sinal tem o nome daquilo que não cessa de reclamar há tanto tempo.
Mero capricho?
Teimosia infundada?
Nada disso. Sempre tive por lema tomar as questões como elas são, sem exagero nem apoucamento de proporções, tal qual se mostram, desnudadas perante as exigências da mais pura objectividade crítica. Muito menos a sereia da demagogia alguma vez me tentou, e se o dificultoso ofício de Deputado não implicasse a obrigação de falar para todos - para aqueles a quem as palavras se oferecem em petição de justiça, e para aqueles que desejam saber, ao certo, que a petição não deixou de ser feita - a minha voz não se ouviria aqui, só para que à volta dela se não pudesse levantar, mesmo que sincero, o aplauso das gentes interessadas e atentas.
Não estimaria viver sob a iminência da aura popular, ainda que a ela tivesse rematado direito.
Trabalhar, trabalhar com discrição e eficiência, como o poder da semente que germina e se apaga na certeza do fruto ou como as raízes que não se vêem e criam e alimentam as árvores que crescem.
Mas neste lugar não pode ser bem assim, até porque os governantes nem sempre dispensam que se lhes demonstre, serena e publicamente, a razão dos anseios gerais e porque existem casos de consciência que, por si mesmos, nos impõem o dever e o risco de os expor com devotado propósito e inequívoca linguagem.
O certo é que conheci a ilha de Santa Maria quando o ritmo da sua vida se definia pelo ritmo do seu isolamento.
Na roda do ano, contadas eram as vezes que chegavam até ela navios de alto bordo. O mais, e no Verão, eram

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os pequenos barcos de cabotagem, que se aventuravam ao mar, vindos das outras ilhas do arquipélago, designadamente de S. Miguel.
Em dado momento, durante o desenrolar do último conflito mundial, foi ali construído um grande aeroporto, que é boje a porta de antrada e de saída de todo o tráfego aéreo comercial com os Açores.
Assim, a população de Santa Maria viu e sentiu profundamente alterado o seu ritmo de vida.
A própria ilha cresceu de importância.
E é aqui que principia a avolumar-se e a agravar-se o velho problema das comunicações marítimas.
Vila do Porto é aberta ao sul, fronteira aos ventos predominantes e particularmente violentos no Inverno. Possui um pequeno cais. O resto é calhau, nada acolhedor, como no tempo em que as caravelas do infante o acharam.
Dizia-me um velho e arrojado marinheiro que por aquelas paragens tem navegado o bastante para afirmar o que a experiência lhe ensinou:

Vila do Porto, em Santa Maria, tem-me dado horas difíceis, sobretudo de noite. Em caso de dúvida, com ventos de fora, aconselha-se nunca ficar ali.

Também posso depor neste processo e já o fiz através de várias intervenções, algumas delas, as mais distantes, certamente esfumadas na bruma do tempo.
Na sessão de 18 de Janeiro de 1950 proferi, entre outras, estas palavras que recordo e traduzem, ainda hoje a desoladora verdade:

Em todos os Invernos são lançados apelos aflitivos: navios que não fazem serviço, mercadorias que não são descarregadas, passageiros que não podem ser embarcados ou desembarcados e não raro vidas que se perdem nas difíceis manobras de largar ou abordar a terra...

Não foram palavras ditas ao acaso. Sofri algumas vezes directa e pessoalmente as agruras do problema nas minhas frequentes viagens entre os Açores e o continente. Com o vento forte e o mar bravo, por mais de uma vez os navios em que embarcara passaram ao largo ou procuraram refúgio precário na costa norte da ilha. Hoje, com a ajuda da metereologia, talvez se evitem essas contrariedades, evitando as viagens, mas nem por isso o problema crucial deixa de subsistir.
Continuando a referir-se à falta de portos de abrigo na ilha de Santa Maria, contou-me ainda o experiente marinheiro a que aludi, como que a reforçar a sua primeira, afirmação:

Tenho passado dos piores momentos da minha vida em volta das suas perigosas e desabrigadas encostas.

Na sessão de 20 de Janeiro de 1961 - para invocar «i última vez em que me ocupei do assunto nesta Assembleia - creio ter acrescentado algumas notas úteis. Além da premente necessidade, que voltei a salientar, resumi o esquema das obras a executar em duas fases, envolvendo a inicial a construção de um porto razoável em Vila do Porto -razoável, pelo menos, segundo as exigências do serviço de cabotagem, confiado aos navios que ligam as ilhas entre si - e a segunda o aproveitamento da baía de S. Lourenço, que tem bons fundos, aliado à abertura de uma boa estrada até Vila do Porto.
Não me referi então, mas refiro-me agora, a uma terceira fase, que julgo necessária e que diz respeito à construção de um pequeno cais nos Anjos, um simples mas conveniente cais de socorro para as ocasiões em que Vila do Porto e S. Lourenço não sejam praticáveis.
Assim o Governo cumpriria o seu dever para com a população da ilha de Santa Maria, bem digna da sua atenção e desvelo, e jamais lhe poderiam assacar quaisquer culpas na falta da resolução do problema.
Sei que o assunto constitui uma das preocupações dominantes da Administração - deveras empenhada em encontrar a solução técnica e econòmicamente aceitável, para o que prosseguem os necessários estudos sobre projectos já concluídos e ensaiados - e sei das dificuldades financeiras que poderão advir, uma vez adoptado o esquema portuário mais conveniente.
Por isso, e essencialmente, precisamos de saber donde pode vir o dinheiro. E eu lembraria o recurso a um empréstimo a contrair pela Junta Autónoma dos Portos de Ponta Delgada, à semelhança do que a Junta Autónoma dos Portos do Funchal contraiu para o apetrechamento do porto daquela, cidade.
Conheço também, e de sobra, as dificuldades actuais para a realização de empréstimos de tal natureza. Mas insisto no alvitre, e era para ele que tornaria a liberdade de chamar a atenção do Sr. Ministro das Obras Públicas - consciência sempre pronta a servir o interesse nacional com o mais devotado e atento valimento -, da Junta Autónoma dos Portos de Ponta Delgada, que tem desenvolvido assinalada actividade, e do Sr. Ministro das Comunicações, a quem os Açores, bem como a Nação, já muito devem e esperam dever mais ainda.
Resta-me, Sr. Presidente, formular os mais veementes e sinceros votos para que esta minha modesta mas construtiva sugestão logre ser aceite e convertida em pronta e fecunda realidade.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Lopes Vasques: - Sr. Presidente: em Dezembro de 1961, pela Portaria n.º 18 911, o Governo da Nação, com base em considerações pertinentes e justíssimas, resolveu que fosse criada a comissão reorganizadora da indústria de abate, à qual foi entregue a missão de estudar, em plano nacional, o importante assunto do abastecimento de carne, «problema que transcende os aspectos locais, para tomar foros de interesse comum da generalidade das populações», e estudá-lo no duplo aspecto industrial e municipal, ou seja, saber, sobretudo, se a instalação de uma rede de matadouros abastecedores deve substituir o actual sistema de matanças concelhias, isto até porque, pelo condicionalismo da base VI da Lei n.º 2005, de 14 de Março de 1945. o Governo deve intervir na reorganização do sector industrial, a fim de se evitarem indesejáveis condições de exploração. Mais deve a comissão procurar adaptar os interesses dos diversos concelhos à conveniente organização da actividade.
Assim, tudo o que se refere à construção de novos matadouros ficou na dependência exclusiva dos trabalhos e informações da comissão reorganizadora da indústria do abate.
Nós, Sr. Presidente, aplaudimos o espírito e letra da portaria, em concordância plena com os seus fins.
No entanto, criada a comissão reorganizadora da indústria do abate por aquela portaria, comissão que é constituída, além do presidente e dos agregados previstos na lei, pelos representantes da Direcção-Geral de Administração Política e Civil, da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários, da Junta Nacional dos Produtos Pecuários e representantes de quatro câmaras municipais, sendo duas

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delas as de Lisboa e Porto - são nove membros de Ministérios diferentes, além dos agregados previstos na lei -, ficou-se à espera das conclusões dos seus trabalhos, mas espera que, para algumas regiões, é posição de muita e justificada urgência.
Não pretendo dizer que já se passou muito tempo sem conhecermos os resultados dos trabalhos da comissão; penso, mesmo, que o ano decorrido terá sido exíguo para a tão vultosa e importante tarefa que a comissão de abate tem de enfrentar, sobretudo se aconteceu que esses nove membros, mais os agregados previstos na lei, são pessoas a quem incumbem outras tarefas, talvez pesadas se, igualmente, de muito responsabilidade.
Tão-sòmente receio que a numerosa comissão - até por ser tão numerosa - tenha especiais dificuldades em poder reunir e realizar trabalho efectivo e que, assim, se vá protelando, por dilatados meses, e, quiçá, na conta de anos. o conhecimento do que. se deve como melhor fazer, deixando manter em seu precaríssimo estado situações que estão a exigir soluções imediatas.
Sr. Presidente: estas considerações surgiram-me como resultantes do conhecimento directo de alguns casos do distrito de Beja, entre os quais se destaca o da própria cidade. E lá, naquela cidade que se alinda, que se asseia, que se dilata, que aumenta em perspectivas que têm vindo a torná-la de desolada, feia e triste, em terra agradável, bonita e cativante, espalhando-se em avenidas de beleza pelos campos da majestosa «planície heróica», lá, em Beja, onde um surto de felicíssima urbanização insuflou o ar das modernas urbes e se soube tratar com carinho os recantos de seculares tradições, permanece, tristissimamente, ameaçadoramente, um grave, um gravíssimo problema de higiene pública. E está ele num casarão, infecto e imundo, a que se dá o nome de matadouro municipal. E aquela paupérrima e desolada construção, que vem de 1882, tem como solução única o camartelo que a apeie e liberte o largo que a emoldura, pois nela não há. ao menos, a mais elementar possibilidade de qualquer higienização. O que se passa em abates na cidade de Beja choca e arrepia.
O problema é de uma premência de todas as horas, e isto mesmo o reconhece a presidência da Câmara, que lhe dedica o mais assinalado interesse.
Este o caso da cidade de Beja, mas pelo distrito outros mais ocorrem, muito semelhantes, nomeadamente nas vilas de Aljustrel, Ourique, Vidigueira e Almodôvar, os quais também estão, em sua solução, nos desejos das edilidades respectivas. E quantos outros casos, também urgentes, estarão pelo País fora na dependência dos trabalhos desta comissão?
Sr. Presidente: pelo que deixo dito bem se evidencia que o caso do matadouro da cidade de Beja se encontra em situação de precariedade que, para além de chocar as sensibilidades, arrasta consigo o cunho de uma gravidade que atinge, de forma alarmante, a própria saúde pública.
Deixo aqui o meu receio. Deixo-o ao pensamento desta Assembleia e ao das entidades com maior responsabilidade a ele ligadas. Acrescentarei, porém, o pedido que faço à ilustre comissão reorganizadora do abate para que procure conhecer, com toda a urgência, aquilo a que lá, por Beja. chamamos matadouro; nesse dia - temos a certeza - será reconhecida a extrema urgência de se consentir que a Gamara Municipal realize, tal como deseja, o seu novo e ambicionado matadouro municipal.
E ainda outro pedido faço o mesmo comissão: que, dentro das possibilidades que lhe possam ser concedidas, apresse 3 ultime o estudo - pesado, sem dúvida - de que foi incumbida pela Portaria n.º 18 911.
É que o problema, adentro da saúde pública portuguesa, tem tanto de capital importância como de extrema urgência.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar) relativas ao ano de 1961.
Tem a palavra o Sr. Deputado Henriques Jorge.

O Sr. Henriques Jorge: - Sr. Presidente: o desenvolvido e bem elaborado parecer da Comissão das Contas Públicas sobre as Contas Gerais do Estado de 1961, de que foi relator o distinto Deputado e economista engenheiro Araújo Correia, orientou-se, como habitualmente, por uma criteriosa e profunda análise dos factores que influem, ou devem influir, directa e indirectamente, no cálculo da carga tributária o no cômputo das despesas emergentes da presente conjuntura político-económica nacional.
Começa esse cuidadoso trabalho por analisar, na sua introdução, os diversos elementos que determinaram, relativamente aos anos anteriores, as diferenças registadas nas Contas Gerais do Estado em 1961.
Encontra-se na base dessas diferenças o aumento das despesas extraordinárias, resultante dos acontecimentos ocorridos no ultramar.
Depois de considerar a densidade populacional e a evolução demográfica, de determinar a população activa e estudar o produto bruto nacional, o parecer foca especialmente a necessidade de ampliação da nossa rede rodoviária; a protecção e fomento do povoamento florestal; o problema da fruticultura, e, finalmente, o importante factor que representa para o desenvolvimento de um país a cultura e preparação técnico-profissional da sua população activa, frisando, com toda a razão, que esta cultura, bem como a formação de uma mentalidade cônscia da sua importância e valor no desenvolvimento do País, constituem fundamentos do progresso da Nação.
No capítulo das receitas, salienta que só a um aumento do produto interno bruto, especialmente no sector agrícola, pode corresponder um acréscimo nas receitas do Estado, e que será igualmente com base no aumento das receitas que se avaliará do desenvolvimento económico do País. Tomando como base o índice de 1927, das receitas totais, em escudos de 1961, mostra que a receita total subiu de cerca de 7 milhões de contos em 1938 para cerca de 14 milhões de contos em 1961.
Quanto a despesas, regista terem tido papel importante no seu acréscimo os acontecimentos resultantes da política nefasta e ambiciosa de potências estrangeiras contra a nossa soberania nas províncias de além-mar.
Diz o citado parecer, e muito correctamente, que este aumento deve obrigar a uma disciplina rígida na realização das despesas que não sejam de necessidade imediata ou premente e à proibição das que se reputem de luxo ou supérfluas - política já, aliás, expressa nas últimas leis de meios.
Debruçando-se sobre as receitas e despesas extraordinárias, observa que as receitas conseguiram cobrir as des-

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pesas numa percentagem de 42,4 por cento, facto notável, dado o grande volume dessas despesas.
Os restantes 57,6 por cento das despesas extraordinárias (que atingiram cerca de 5,5 milhões de contos) foram cobertos por outras fontes de receita, por empréstimos e pelos saldos de anos económicos findos.
Na parte respeitante ao fomento económico, é interessante verificar que para a execução do II Plano de Fomento processaram-se em 1961 despesas num total de 1584 220 contos, o que corresponde a mais de 10 por cento das despesas totais do Estado naquele ano, quantia por si só elevada, mas, no entanto, ainda insuficiente para ocorrer às nossas necessidades e aspirações.
Inclui por fim o parecer algumas considerações gerais, nas quais se observa que, ao conseguir-se no ano de 1961 um saldo de cerca de 497 000 contos, diferença total das receitas arrecadadas e o das despesas efectuadas, o saldo acumulado de anos económicos findos se elevou para 836 000 contos, montante que, sem dúvida, mais vem consolidar a posição financeira do Estado.
Quanto ao parecer relativo às contas do ultramar, será certamente objecto de apreciação dos nossos ilustres colegas pelas províncias ultramarinas, que sobre o assunto aqui usam da palavra. Não quero, porém, deixar de mencionar o facto de, apesar dos distúrbios de Angola e Guiné, a situação geral ter evoluído favoravelmente, o que mostra a falta de fundamento de certas afirmações pessimistas e derrotistas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Aí está a prová-lo a melhoria do saldo da balança de pagamentos de Angola, o que, aliás, também se verifica na balança de comércio de Moçambique, embora não tanto que ela não continue a ser deficitária.
Verifica-se, pois, que a política serena e firme do Governo vai dando os seus frutos com o resultado da maior confiança no nosso desenvolvimento económico.
E esse desenvolvimento económico, essa confiança no futuro, não deixarão, certamente, de representar um factor valioso para atrair os necessários capitais, a mão-de-obra precisa e os técnicos indispensáveis, para que o surto de progresso que se regista se processe ainda mais rapidamente.
Cada passo em frente que se dê no ultramar, por pequeno que seja, constituirá um reforço na defesa dos nossos interesses.
As Contas Gerais do Estado de 1961 relativas ao ultramar vêm confirmar o acerto de uma política que só tem os olhos postos no futuro e no bem-estar das populações.
Voltando às Contas Gerais relativas à metrópole, e efectuando um exame retrospectivo destas no septénio decorrido entre 1955 e 1961, verifica-se que as despesas totais de cada ano têm vindo a aumentar, subindo de 7 335 700 contos em 1955 para 13 447 500 pontos em 1961 (quadro I).

QUADRO I

[Ver Tabela na Imagem]

Dessas despesas totais permito-me salientar as referentes à defesa nacional e, de entre estas, as com o Ministério da Marinha.
Em 1955 despenderam-se com a defesa nacional 2 052 300 contos, valor que em 1961 ascendeu a 4 794 000 contos.
Das verbas absorvidas pela defesa nacional foram em 1955 destinados à Marinha 660800 contos e em 1961 1 094 900 contos, o que traduz, inegavelmente, um aumento notável. Poderia, portanto, concluir-se pela existência de uma correlação equilibrada na variação dos valores respeitantes às duas rubricas.
No entanto, se levarmos mais longe a nossa análise, e a basearmos em percentagens (quadro II), que relacionem os três valores em questão (despesas totais do Estado, despesas com a defesa nacional e, dentro destas, as despesas com o Ministério da Marinha), vemos pela análise comparativa dos seus valores:

QUADRO II

[Ver Tabela na Imagem]

1.º Que em 1955 as despesas com a defesa nacional absorveram 27,9 por cento das despesas gerais do Estado e que em 1961 este índice passou a 35,6 por cento;
2.º Que enquanto em 1955 a Marinha despendeu 32 por cento da verba destinada à defesa nacional, em 1961 essa percentagem desceu para 22,8;
3.º Que em relação às despesas gerais do Estado se despenderam com a Marinha em 1955 9 por cento e em 1961 8,14 por cento.
Poderá argumentar-se que, em relação às despesas gerais do Estado, a percentagem destinada à Marinha tem sido praticamente a mesma e, por consequência, tem havido um aumento gradual nas verbas correspondentes, dado o maior investimento nas despesas gerais do Estado.
Importa, no entanto, considerar que a evolução económica verificada no decorrer destes sete anos justifica, por si só, a absorção da diferença para mais, resultante da constância da percentagem em relação a um valor sempre crescente.
Evidentemente, isto II fio significa que se tenha descurado, sem justificação plausível, o importante sector da marinha de guerra na defesa nacional, que é de vital interesse num país como o nosso, com parcelas espalhadas por todos os continentes e onde as missões de soberania e a protecção a dispensar à marinha mercante requerem actuação apropriada e permanente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Das responsabilidades nacionais da marinha militar em tempo de paz destaco, no actual momento, a da vigilância defensiva das águas costeiras de Angola, Moçambique e Guiné.

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Notícias de que a imprensa já se fez eco dão como certa a presença, quase permanente, especialmente na costa de Angola, de navios estrangeiros de pesca, que, pelo seu aspecto exterior e comportamento suspeito, parecem entregar-se a actividades estranhas.

O Sr. Soaras da Fonseca: - Tal e qual.

O Orador: - A costa de Angola reúne condições propícias para qualquer navio de nação não amiga efectuar missões de transportes de armas, de desembarque de agentes perturbadores, etc. A comprovar tal basta citar a sua extensão: as suas numerosas praias de areia com acesso fácil para o interior; "is normais boas condições de tempo; o isolamento dos desembarcadouros dos centros populacionais, etc.

Certamente através da fronteira nor-nordeste da província é sempre possível a passagem clandestina de homens e armas vindos do exterior, mas não há dúvida de que as fronteiras marítimas oferecem condições muito favoráveis a actividades desta natureza e exigem, por este facto, um sistema de vigilância constante e eficiente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Assim, um dispositivo defensivo de vigilância marítima, tendo por fim a neutralização das actividades clandestinas - de navios de superfície e submarinos de frotas não amigas, requer um núcleo de unidades operacionais apropriadas e suficientes.

Na costa de Moçambique, o problema da vigilância defensiva das águas costeiras e fluviais não apresenta ainda a mesma acuidade e urgência, mas tem, no entanto, .segundo se me afigura, igual importância.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Um dispositivo de vigilância aeronaval, com a constituição em número e tipos de unidades adequadas, torna-se ali igualmente imprescindível.

A política financeira iniciada com o actual regime teve por base uma severa redução das despesas, de que resultou uma. acumulação de saldos, com os quais se pôde fazer face ao saneamento financeiro do Estado.

Foi à sombra desta política que no período de 1932-1985 se dou início à reorganização da marinha de guerra, despendendo-se cerca de 350 000 contos durante este período com a aquisição de navios e aviões navais, verba que correspondeu a mais de metade das despesas extraordinárias desse mesmo período (623 000 contos).

Mandámos construir então 14 unidades novas: 5 contratorpedeiros, tipo Vouga, 2 avisos de 1.ª classe, tipo Afonso de Albuquerque, 4 avisos de 2.ª classe, tipos Gonçalo V cílio e Pedro Nunes, e 3 submarinos.

Posteriormente, não foi possível realizar um programa naval homogéneo, embora se tenha adquirido ou construído em estaleiros nacionais e estrangeiros um certo número de unidades consideradas essenciais para missões de soberania e de treino. Uma parte destas adições ao efectivo da nossa Armada foi levada a cabo nos últimos anos, por iniciativa e esforço do actual titular da pasta da Marinha, almirante Fernando Quintanilha Mendonça Dias, que tem sido um paladino incansável da actualização e desenvolvimento da marinha nacional, prosseguindo, assim, a política do seu eminente antecessor.

Vozes; - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas o material obtido c em construção não chega para suprir as necessidades normais da nossa marinha militar e, menos ainda, para, num momento crucial como o que atravessamos, valorizar o seu constante e elevado esforço em defesa da soberania nacional, quer no continente, quer - nomeadamente - no ultramar.

Não esqueçamos que à frente das pastas da Defesa Nacional e da Marinha se encontram dois dos nossos mais distintos oficiais generais, para os quais o problema da integridade territorial e o prestígio da nossa soberania constituem preocupação dominante e absorvente; temos bem vivo, por outro lado, que as finanças públicas têm ao leme um hábil e notável Ministro, com relevantes serviços prestados à Nação e a quem estes problemas também não podem ser, e não o são, de modo algum, indiferentes; reconhecemos a indispensabilidade de se acorrer às necessidades vitais e prementes de outros sectores das forças armadas, em face das circunstâncias especiais do momento, e, consequentemente, confiamos que o Governo, logo que lhe seja possível, não deixará de equipar a marinha militar com o material indispensável a um mais eficaz desempenho das altas funções que honrosamente lhe cabem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Feitas estas breves considerações, que me pareceram de todo o modo oportunas, desejo, ao dar por findas as minhas palavras, manifestar a minha inteira concordância e aprovação às Contas Gerais do Estado de 1961.

Tenho dito.

Vozes:- Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente: não me coíbo de confessar que serei um obcecado da instrução, do seu fomento, sem demora e em todos os graus, posto ao alcance dos portugueses de todas as condições económicas e sociais a quem a generosidade de Deus tenha enriquecido com as faculdades de alma que a alcancem c a dominem.

Serei aí um obcecado, sem dúvida. Sei-o bem, e é até essa íntima certeza que, para minha própria defesa frente ao que poderia ser uma ideia força a retirar aos meus assertos o harmónico e desejado equilíbrio, me leva, sempre que volto ao seu estudo, a um ponderado exame de consciência.

Faço-o quase sempre na expectativa de ao cabo ir dar ao reconhecimento de um pessimismo injustificado a atormentar-me.

Faço-o quase sempre na esperança de ao fim poder concluir pela sem-razão do meu descontentamento - e bom seria que assim acontecesse. Porque, devo dizê-lo, sou um descontente neste sector da instrução e do seu fomento ainda não oferecido, em todos os graus, a todos os portugueses.

Pois hei-de revelar que a conclusão dos meus exames de consciência me sai sempre ao contrário do que esperava: o meu descontentamento não o fundamenta o meu possível pessimismo de aprendiz de político - e jamais lograrei outro grau que não seja este de aprendiz! -, antes se determina por motivos e razões da inelutável realidade da instrução na vida portuguesa contemporânea.

Para quem estuda e medita o problema na apreensão de recear se não estaria a consentir num descontentamento de origem introspectiva e, consequentemente, dês-

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pido de significado real c efectivo facilmente se alcança o conforto que pôde buscar no douto parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1961, quando nele viu classificado de problema fundamental o do fomento da instrução, comentado, com a proficiência unanimemente reconhecida ao insigne economista que é o nosso ilustre colega Eng.º José de Araújo Correia, na forma seguinte:

A vida moderna progressiva baseia-se no desenvolvimento da inteligência e das aptidões de cada um. A mentalidade do indivíduo, a sua capacidade de iniciativa, as suas faculdades de observação, o emprego das suas possibilidades mentais, constituem hoje, em quase todos os sectores da vida social e económica, fundamentos de progresso. Parece que o agregado nacional ainda se não apercebeu desta verdade intangível, que pode transformar, em poucos anos, zonas atrasadas em zonas prósperas. A reforma da mentalidade nacional, como por diversas vezes tem sido vincado nestes pareceres, condiciona a adopção de medidas que tendam a alargar os benefícios de uma educação mais realista e mais intensiva, aproveitando os melhores valores e inoculando-lhes o espírito de coesão nacional e solidariedade social que ainda faltam em alguns sectores.

Para isso será necessário alterar métodos de ensino, em quase todos os graus, alargar a sua projecção até aos melhores valores mentais, tornar práticos os resultados da cultura, e educação nas oficinas, nos campos e em toda a organização social.

Só deste modo se poderá aumentar sensivelmente a produtividade do trabalho e o esforço orientado no sentido do bem comum e de todas as camadas sociais.

Não sei exprimir por forma tão adequada doutrina tão profunda e tão certa. Aias sinto-a, vivo-a com todas as forças da minha alma, e é por isso que, neste passo, acompanho com toda a fidelidade e admiração de que sou capaz o sapiente relator daquele parecer.

Alargar a instrução em todos os graus e a toda a comunidade nacional, em ordem ao aproveitamento de todos os seus valores mentais, porque está aí a condição essencial para transformar, em poucos anos, zonas atrasadas em zonas prósperas, constitui, ensina o Sr. Eng.º Araújo Correia, nas técnicas do progresso económico e social uma verdade intangível, verdade intangível de que o agregado nacional não se terá ainda apercebido, lamenta o abalizado relator.

Também creio que assim será: o agregado nacional, na medida em que o integram os responsáveis pela solução que continuamos a aguardar, ainda não se apercebeu daquela intangível verdade.

Pois não há-de dizer-se que seja por falta de vozes, e bem autorizadas, a clamar tal verdade e desde há muito.

Com a sua providencial visão dos problemas fundamentais da vida nacional, para lá das perturbações originadas na desordem polivalente em que o País caíra, o Sr. Presidente do Conselho anunciava mal começado ia o seu magistério político o direito à instrução como um dos dois maiores que ao homem podem ser assegurados.

E logo ensinava que anunciá-lo como tal nos discursos e inscrevê-lo nas leis constituía, sem dúvida, uma conquista de extraordinário significado social, mas impunha-se, diria anos volvidos, que não sendo a Revolução Nacional socialmente parasitária, com a estreita finalidade de distribuir a riqueza existente, antes se definindo por um propósito de produzir mais, de dinâmico aumento da riqueza a distribuir, para maior bem social, impunha-se, dizia, ir mais longe, seria de todo indispensável efectivar tal direito na prática, isto é, realizá-lo na vida quotidiana, trazê-lo para o alcance de todos, extinguindo assim de uma vez para sempre o que lapidarmente designava de privilégio da instrução - nocivo preconceito de tão lamentáveis como profundas e funestas consequências no nosso atraso económico-social.

É que, acentuaria ainda o Sr. Presidente do Conselho, para que a Revolução Nacional atingisse seus propósitos era mister que trabalhássemos todos, que todos trabalhássemos mais e sobretudo que todos trabalhássemos melhor.

Como, porém, trabalhar melhor sem instrução e sem instrução adequada?

Decorreram já anos às dezenas desde que o Sr. Presidente do Conselho assim definiu as nossas necessidades no âmbito da instrução.

Não obstante e infelizmente pôde o Sr. Eng.º Araújo Correia, com toda a autoridade do seu saber e da sua responsabilidade de homem público, deplorar que ainda hoje o agregado nacional se não tenha apercebido da relevância de um tal problema na vida económica e social do País que neste domínio detém uma situação da qual ansiamos por sair quanto antes a história do nosso tempo, dos nossos dias é a própria actualidade das nações que traz para diante do nosso olhar, que traz para a contemplação da nossa inteligência e da nossa responsabilidade de elementos do órgão de soberania representativo da Nação, esta realidade consoladora e extraordinária - nenhum povo instruído vive na pobreza, realidade bem confirmada pela sua oposta - nenhuma nação pobre é instruída, e culta.

Se toda a acção política e governativa se propõe, a par, evidentemente, de objectivos de outra natureza, conduzir a Nação a um elevado nível de vida, óbvio parece que o fomento da instrução terá de estar nas primeiras preocupações de toda a acção política e governativa.

Quando, neste ano de 1963, volvemos a memória para as décadas transcorridas desde 1926 encontramos, graças a Deus, um largo e longo caminho percorrido, uma obra de profundo significado realizada no sector da instrução. Caminho andado e obra feita, longo aquele e vultosa esta, ficam, no entanto, muito aquém do limite que se impõe tocar, para que não continue o desperdício de tanta energia mental - a melhor de todas! -, até agora inaproveitada.

Ë certo que com os recursos financeiros outorgados ao Ministério da Educação Nacional não terá sido possível conquistar mais assinalados êxitos. E destes seja-me permitido registar os que tão justamente cabem ao- Ministro Prof. Mário de Figueiredo - sempre nosso querido mestre e hoje presidente, que todos tanto respeitamos, admiramos e estimamos -, a cuja acção na pasta da Educação Nacional o País ficou a dever as primeiras providências que estão na base de todo o incremento da instrução, tanto pelo que respeita a novos edifícios, como a renovação pedagógica e a formação de agentes de ensino, e ainda os que a Nação unanimemente consagra ao Ministro Dr. Henrique Veiga de Macedo, nosso ilustre colega nesta Câmara, quando Subsecretário de Estado da Educação Nacional, pela verdadeira revolução que levou aos negócios da instrução pública, arrancando o País, mercê do seu iluminado idealismo e da sua coragem, ao analfabetismo, ainda então avassalador entre as próprias populações em idade escolar.

Outros governantes, também ilustres, terão deixado naquela pasta tão exigente como primordial na vida da Na-

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cão seu ingente esforço, sua inexcedível dedicação à causa da instrução e do ensino.

No entanto, e apesar de tudo, não atormentarei a consciência de VV. Ex.ªs descrevendo-lhes em pormenor qual a nossa situação actual nesse sector, nem me socorrerei, para avivar o quadro, de confrontos com o que, neste capítulo, vai por esse Mundo e sobretudo por essa Europa.

Direi apenas o que não constituirá novidade: ao contrário do que nos acontece em certas pugnas desportivas, aqui não somos campeões da Europa e, se nelas a vitória se obtivesse pela comparação de recíprocos elementos, seríamos, afastados da contenda logo na primeira eliminatória, fosse qual fosse o adversário europeu que o sorteio nos designasse ...

Mas porquê esta desalentadora condição? Apenas por que é relativamente modesta a percentagem das receitas orçamentais destinadas ao Ministério da Educação Nacional.

Nas contas públicas relativas a 1961, que ora apreciamos, couberam àquele Ministério 973 000 contos apenas, incluindo as despesas ordinárias e as extraordinárias. Em relação ao total do orçamento do Estado, que foi de 13 942 300 pontos, o Ministério da Educação Nacional recebeu tão-sòmente 7,2 por cento, o que a mim se afigura percentagem bastante diminuta.

Posta a função do ensino na valorização humana, espiritual, moral e física e também na conveniente aplicação à vida económica e social do capital humano cujo índice de aproveitamento é correlativo do investimento financeiro no sector educacional, haverá que registar a fraca dimensão daquela percentagem de 7,2 por cento e o parco volume daquela verba total de 973 000 contos. Trata-se aí de uma poupança de contraproducentes resultados, creio eu.

O facto deverá ainda sublinhar-se anotando que as despesas totais do Ministério da Educação Nacional apresentam em 1961 um aumento de 31 000 contos em relação a 1960. Tão escassa diferença mal chega para acudir ao incremento do ensino primário, que, ano a ano, tem de ver acrescido de 400 unidades o número de salas e, consequentemente, de agentes de ensino.

Pondere-se, em face disso, a que exíguos limites tiveram de cingir-se, no seu actual crescimento, o ensino liceal, o ensino técnico e o ensino superior.

Aquele aumento de 31 000 contos verificado de 1960 para 1961 no orçamento das despesas do Ministério da Educação Nacional representa uma percentagem de crescimento de 3,2 por cento.

Pois nesse mesmo período as despesas totais na conta do Estado aumentaram de 15,7 por cento.

Não esqueço que neste ano de 1961 a integridade da Pátria nas suas fronteiras ultramarinas nos exigiu a verba maior da despesa nacional. Sei-o. E aí encontro a explicação para o que, sem tal clima, teria de considerar anómala perturbação na conveniente repartição das receitas orçamentais pelos diferentes sectores da vida nacional.

Também não esqueço que para este ano de 1963 já o Sr. Ministro das Finanças prometeu à Nação substancial subida nas dotações orçamentais do Ministério da Educação Nacional.

Por mim, agradeço ao ilustre governante a radiosa esperança que às suas palavras abriram em nossa alma.

No entanto, quero esclarecer que, embora não afaste do meu espírito o factor de análise que tais elementos nele depositam, uma conclusão me vejo impelido a extrair em relação às Contas Gerais do Estado de 1961 - e só estas estamos apreciando: a exiguidade das verbas e das percentagens referidas para o Ministério da Educação Nacional, considerando que o problema da instrução e da cultura é, na vida nacional, um problema fundamental, como tão apropriadamente se lê no parecer das Contas Gerais do Estado de 1961.

Em relação à população portuguesa, a despesa efectuada no Ministério da Educação Nacional representa uma capitação que não atinge 110$ por pessoa naquele ano de 1961.

Países há, na Europa, em que aquela capitação se aproxima dos 2000$, noutros ronda os 1500$ e a média geral não é inferior a 1000$.

Também as percentagens das despesas do Ministério da Educação Nacional, em relação ao total do orçamento do Estado, sobem aí a 20 por cento, e a 18 por cento como na Holanda e na Itália, com os seus 20 milhões e 35 milhões de contos para a educação nacional.

Estes números exprimem apenas o caminho que temos de percorrer e o esforço que se nos impõe criar para vencê-lo, já que verdade intangível será a indiscutível necessidade de alcançar os povos que nesse sector vão à nossa frente.

Creio sinceramente que podemos consegui-lo.

Importa para tanto, primeiro, que não sejamos de alma pequena, que vençamos o cepticismo que a rotina implantou dentro de nós e que tantas vezes nos leva a duvidar das nossas próprias possibilidades.

Importa, depois, que jamais olvidemos que, vivendo em clima de Revolução Nacional, será traí-la se consentirmos que o comodismo da habituação abafe e extinga na nossa alma os salutares impulsos revolucionários que esmaltam toda a doutrina e pensamento do Sr. Presidente do Conselho. Pois vamos segui-lo no seu permanente e profundo anseio de renovar Portugal, dotando-o de uma nova mentalidade - votada com coragem e decisão às maiores tarefas da grei, seja qual for o seu preço no sacrifício que a cada um de nós seja pedido.

A dimensão das nossas necessidades no sector da instrução, ponderado apenas o grupo etário dos 11 aos 16 anos, parece desencorajante: não o deve ser, porém. Antes nela havemos de buscar vigoroso estímulo para a batalha da paz que temos de encarar e vencer.

Afastado o analfabetismo na população em idade de ensino primário, o nosso combate tem de deslocar-se para o plano da instrução secundária, quer na sua forma de aquisição de uma cultura indiferenciada, se é permitida a expressão, quer na sua forma de preparação profissional - agrícola, comercial e industrial. É aqui que o mundo de hoje alevanta o acento tónico quando da instrução se ocupa. É a esse grau de ensino que se confia a descoberta e o aproveitamento da capacidade intelectual dos povos civilizados. Além de por ele se processar o rastreio mental de toda a Nação, em ordem a que todos possam, seja qual for a sua condição, doar à Pátria toda a virtualidade do seu espírito, por ele ainda se hão-de definir e encontrar, através da selecção entre todos que não apenas entre alguns, os melhores que devem ascender aos horizontes superiores de cultura e do saber.

E só assim, nesse método e sistema, poderá alcançar sossego a consciência de quantos a História colocou no lugar e no dever de criar para a Pátria o condicionalismo mais adequado e idóneo à grandeza e à dignidade do seu presente e do seu destino.

Que escalão detemos naquele ensino? De que meios dispomos para ocorrer ao de que precisamos? E de que carecemos ?

Dos 11 aos 16 anos - a idade mais própria para a instrução secundária que venho considerando - a juventude portuguesa conta cerca de 1 milhão, como já aqui referi.

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Ascendem a cerca de 250 000 os que estudam nessa idade.

O saldo negativo, negativo porque lhe negamos a possibilidade de ingressar no ensino secundário, é assim de 750 000 rapazes e raparigas entre os 11 e os 16 anos!

Ora, sob pena de virmos a merecer grave condenação da História e nos tornarmos réus de pesada responsabilidade política, temos de procurar, temos de encontrar e temos de realizar a solução que inverta de negativa em positiva a natureza daquele saldo, que à minha exígua capacidade de responsabilidades públicas se antolha como um pesadelo.

750000 candidatos a alunos do ensino liceal, comercial, industrial e agrícola pedem à Nação 750 estabelecimentos daqueles ensinos, supondo a frequência média de 1000 alunos por estabelecimento.

Segundo informação colhida no Ministério das Obras Públicas, o custo de construção de uma escola técnica ou liceu para. a frequência de 1000 alunos está orçamentado em cerca de 12 500 contos.

Como o seu apetrechamento pedagógico, de material didáctico, laboratorial e oficinal, se estima em 2500 contos, cada estabelecimento apto a funcionar exige ao Tesouro Público cerca de 15 000 contos. Daí ocorre que aqueles 750 liceus e escolas técnicas de que carecemos implicariam uma despesa, de 11 250 000 contos!

Em termos orçamentais, esta verba, posta como de necessidade imediata, acarretaria as mais sérias incidências cardíacas a qualquer responsável pelas finanças públicas.

Mesmo que nos abalançássemos a executar aquele programa até ao ano 2000, o dispêndio anual seria de 300 000 contos, sem ter em conta que nestes 40 anos há-de aumentar de muitas dezenas de milhares aquele número de candidatos ao ensino e hão-de avolumar-se as exigências da instrução, mesmo ao nível secundário.

Para bem se medir todo o alcance da dificuldade que se nos depara considere-se ainda que a solução do problema não estaria apenas em disponibilidades financeiras, de que, aliás, não desfrutamos, mas também em quadros docentes bastantes em número, ao menos.

Guiando-me pela mais recente estatística que pude consultar, no nosso ensino secundário é de 18 o número de alunos por professor. Ampliando mesmo aquela proporção a 25 alunos por professor, teríamos de pedir às nossas Universidades que nos fornecessem 30 000 professores que viessem ensinar aqueles 750 000 candidatos a alunos, se por aí pensássemos encontrar a solução.

Ora, admitindo que, além dos licenciados em Letras e Ciências, também os engenheiros, os licenciados em Economia e Finanças e os agrónomos enveredariam pelo magistério, nem assim, fazendo fé, repito, na mais recente estatística, disporíamos de 30 000 novos professores nos próximos 40 anos, já que nas nossas quatro Universidades e nos cursos mencionados apenas cerca de 750 alunos por ano concluem seus cursos. Mas deles nem todos preferem a função docente e ainda bem ...

De uma e de outra forma, a conclusão é, pois, a de absoluta impossibilidade de resolvermos o problema pelos meios tradicionais no que eles supõem de recursos financeiros e quadros docentes, porque é apenas a falta daqueles meios e destes quadros que nos não permitem corresponder a um dos fundamentais anseios da Nação no seu progresso social e económico.

Pesa então sobre nós esta fatalidade a acorrentar-nos a uma situação que nos esmaga o de que jamais poderemos desprender-nos?

Tenho uma confiança ilimitada, no engenho humano, no poder da inteligência e na força da vontade.

Quando se tem fé, as próprias montanhas se afastam do nosso caminho.

Em cada época da história a civilização cria os meios adequados às exigências, que a definem. E porque das do nosso tempo faz parte a instrução para todos, havia ela de criar os meios que assim a permitem. E tê-lo, revolucionando completamente o sistema pedagógico conhecido em toda a história do ensino e no qual todos nós aprendemos: criou a telescola., que responde a uma necessidade presente sentida não apenas entre nós mas a bem dizer em todo o mundo civilizado.

E aponto já o exemplo dos Estados Unidos da América.

O seu dcficit nos quadros docentes era de 135 000 professores e o de salas de aula ascendia a 300 000. Embora de recursos financeiros praticamente ilimitados e dispondo de milhões de alunos e milhares de escolas superiores que em tempo breve lhe permitiriam formar os professores precisos, optou a grande nação, com II eu sentido prático da vida, pelo ensino através da televisão c excedem hoje os 2 000 000 as telescolas. E porque havia zonas fora do alcance normal da televisão criou para elas a telescola com "o emissor da televisão montado a bordo de um avião que se mantém a uma altura conveniente e em forma mais ou menos estacionária, voando em círculo, no centro da zona a atingir".

E refiro também o exemplo do Japão.

"É dos países onde a televisão escolar se encontra mais desenvolvida.

Funciona ali desde í953.

Há uns dez anos. Sobe a mais de 28 000 o número de escolas de vários graus que a utilizam: 3600 escolas maternais, 16 995 escolas primárias, 5973 escolas secundárias e 1529 escolas superiores. Os programas abrangem desde os 4 aos 17 anos. Emissões puramente escolares e de formação profissional. Como matéria de ensino, japonês, inglês, matemática, ciências, história, geografia, tecnologia, sociologia, música, arte, ginástica, trabalhos manuais, etc.

Programa tão vasto supõe evidentemente uma rede privativa de emissores de televisão a funcionar cada dia durante cerca de dez horas e meia.

A rede paralela de emissores do serviço geral, que emito ininterruptamente durante dezoito horas diárias, consagra 8 por cento da emissão à educação e 41 por cento à cultura".

Na Suécia a telescola abrange 6000 escolas e visa sobretudo o ensino profissional, merecendo atenção especial os rapazes dos 14 aos 16 anos.

Na Alemanha a telescola dispõe de seis programas semanais, sobretudo para o ensino secundário e profissional.

A França socorre-se da telescola para o ensino da história, geografia, física, ciências, desenho, economia e línguas em 5000 escolas primárias e secundárias.

Na Inglaterra, na Venezuela, no México e na Suíça, a telescola está em amplo progresso e nela são objecto do ensino, a história, a geografia, as ciências, as línguas, a psicologia, a química, a biologia, a matemática, a agronomia, a arqueologia, etc.

A Espanha, segundo a informação que pude colher, está já a estudar o problema com decidido interesse, pensando encontrar aí a solução para a sua situação escolar.

Não desejo encerrar esta série de referências à telescola por esse Mundo, sem anotar o caso da Itália, que bem merece uma referência muito particular, por se me afigurar que ocorreu a condições muito semelhantes às nossas.

Em 1958 o Ministério da Educação pôde verificar que por carência de instalações, de equipamento pedagógico e de quadros docentes no sector da escola secundária,

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cerca de 75 por cento da população escolar saída da escola primária não podia continuar a estudar, não recebendo por isso qualquer ensino secundário, o que afectava de modo grave a formação profissional das camadas novas. Um inquérito então realizado veio a revelar que era de 700 000 o número de jovens de menos de 21 anos desempregados por não lhes ter sido ministrada instrução profissional, comercial, industrial ou agrícola após a instrução primária.

Era uma situação angustiante para que não se descortinava solução imediata.

Foi então que o Ministério da Educação pensou em socorrer-se da televisão, criando a telescola. Estudado convenientemente o caso, começou a televisão a transmitir no ano lectivo de 1958-1959 o programa do 1.º ano do curso de formação profissional, curso que tem a duração de três anos e abrange a formação profissional industrial, comercial e agrícola.

Nos anos lectivos imediatos, a telescola praticou os programas dos anos seguintes - o 2.º e o 3.º -, repetindo sempre os programas dos anos anteriores, para que não fosse quebrada a continuidade do ensino.

A recepção das transmissões faz-se em postos de recepção que funcionam em salas cedidas para o efeito por associações culturais, de beneficência, organismos oficiais, câmaras municipais, empresas industriais e simples particulares.

Os postos de recepção, que se tem procurado instalar de preferência em localidades com menos de 3000 habitantes, as mais desprotegidas quanto ao fomento da instrução secundária, subiam a 1600 logo no primeiro ano da telescola e ultrapassavam pouco depois os 3000, e estão hoje largamente espalhados por todo o país, sobretudo nas zonas rurais.

Além dos alunos oficialmente matriculados nos centros de recepção, os cursos de telescola são ainda seguidos, de forma metódica e sistemática, por muita gente, sobretudo adultos, quer em casa, quer em fábricas, quer em hospitais e até em prisões. Todos têm direito a enviar os respectivos trabalhos aos organismos centrais, podendo apresentar-se a prestar provas de exame nas escolas oficiais.

Em Junho de 1961, dos telalunos que fizeram exames nos estabelecimentos oficiais obtiveram aprovação 80 por cento!

A matéria de ensino abrange a história, a geografia, II educação cívica, as ciências, a matemática, o italiano, a caligrafia, o francês, prática de trabalho, desenho técnico, ginástica, religião, economia, música e canto coral.

Em cada centro de recepção há um prefeito, que vela pela disciplina e boa ordem e presta a primeira ajuda às dúvidas dos alunos. Para casos mais difíceis há os organismos centrais que superintendem em todo o ensino da telescola.

Os estúdios para a telescola estão montados como se se tratasse de uma verdadeira escola e os professores têm a assistência de um pequeno grupo de alunos, criteriosamente, escolhidos do ponto de vista da idade e da aptidão mental, por forma a corresponderem à média normal da grande massa escolar do país.

A telescola italiana é assim uma autêntica escola no sentido pleno da expressão. Uma escola gratuita, sem limite de idade e sem dificuldades burocráticas na matrícula e na frequência.

O Sr. Jorge Moita: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Jorge Moita: - Tenho estado a seguir as considerações de V. Ex.ª com todo o interesse e acho que o ponto focado tem a maior actualidade. De resto, através do que V. Ex.ª disse, o condicionalismo mundial e a própria crise de professores que estamos a atravessar no nosso país indicam que é aí que temos de cair.

Mas quando V. Ex.ª afirma que a telescola é uma verdadeira escola eu pergunto se o facto de ela fazer cessar a convivência entre o professor e o aluno não compromete a missão educativa da escola. Quero acreditar que o aspecto instrutivo se; a salvaguardado, mas acho que fica comprometido o aspecto educativo.

O Orador: - Tenho escrita mais adiante a resposta à objecção de V. Ex.ª Devo desde já prevenir que escrevi essa resposta pensando num objector possível, que nunca supus pudesse ser V. Ex.ª E possível que a resposta, tal como está redigida, possa parecer menos elegante, mas não é. E repito: quando a escrevi nunca pensei que o possível objector viesse a ser V. Ex.ª

O Sr. Jorge Moita: - Muito obrigado!

O Orador: - Em resumo: olhando às suas especiais características, ao realismo dos problemas que se teve em vista solucionar, ao bom acolhimento e eficiência prática das soluções adoptadas, à estrutura racional e orgânica dos programas criados, à coragem que houve em oficializar, com exames finais e diplomas legalmente reconhecidos, o ensino ministrado nesta escola revolucionária, a experiência italiana constitui, no campo da televisão europeia e. mesmo mundial, um caso único e particularmente sugestivo sobre o muito de que é capaz, a televisão hodierna no campo vasto da educação e da cultura popular.

Tal como na Itália, também entre nós, segundo já referi, o problema da instrução das camadas juvenis que concluem o ensino primário é aflitivo pela dimensão, já que todos os anos ficam sem possibilidade de continuarem a estudar cerca de 100 000 rapazes e raparigas à volta dos onze anos de idade, após terem concluído a instrução primária, subindo a cerca de 80 por cento a população escolar que fica com a 4.a classe apenas; é angustiante pela impossibilidade em que nos encontramos de satisfazer o seu justo e legítimo anseio, já que não temos nem liceus nem escolas técnicas por esses meios rurais além, nem dispomos de professores que lhes possam valer; é tremendo de responsabilidade pela perda irreparável que daí advém para o futuro da Nação, privada da imensa e maravilhosa potencialidade da inteligência de centenas de milhares de jovens, nesse aspecto para sempre perdidos; é doloroso pela de minutio capitis de valorização pessoal e social a que por essa forma estão condenados tantos e tantos portugueses cuja medida de faculdades mentais jamais será conhecida.

Pois bem, inclino-me a crer que todo esse requisitório de lamentos e frustrações está no nosso alcance afastá-lo de vez da sociedade portuguesa. Já não temos agora pela nossa frente o espectro dos inacessíveis recursos financeiros para a construção de centenas de edifícios - os centros de recepção do ensino da telescola funcionariam, à semelhança do que na Itália acontece, por essas vilas e aldeias, nas escolas primárias, nas Casas do Povo, nas beneméritas colectividades de cultura e recreio, nas salas oferecidas por empresas industriais e comerciais ou por simples e generosos particulares.

Já não nos assustará a falta de dezenas de milhares de professores - uma equipa deles, menos numerosa do que o corpo docente de um liceu ou de uma escola técnica,

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ensina o País inteiro, já que na telescola não é preciso um professor por turma, mas apenas por disciplina.

Os professores primários, os párocos e outras pessoas idóneas que facilmente se encontrariam nos meios rurais, com bem módica remuneração, poderiam superintender na ordem e na disciplina da telescola.

Dificuldades ainda? Certamente, mas todas removíveis. De natureza pedagógica, de organização, de funcionamento e muitas outras. A maior, contudo, será a que provém da própria natureza revolucionária da solução e que, por o ser, contende com todo o comodismo rotineiro das ideias feitas e das situações física e mentalmente estabilizadas.

Os velhos do Restelo hão-de mesmo contrapor o óptimo da solução clássica ao simples bom desta solução inovadora.

Se lhes dermos ouvidos ficaremos como estamos - sem o óptimo e sem o bom!

Penso que a telescola constituirá remédio eficaz contra o mal que nos aflige neste aspecto da vida nacional. Toda ela não custará, na sua instalação, o .preço de duas escolas técnicas, mas verba tão escassa passará despercebida nas contas gerais do Estado. O que eu desejo é que nela figure quanto antes.

O Sr. Jorge Moita: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz o obséquio.

O Sr. Jorge Moita: - Era só para acrescentar um pequeno aditamento ao que há pouco afirmei. Não queria que V. Ex.ª visse nas minhas palavras uma condenação do que V. Ex.ª estava a defender. Pelo menos, de início estava a aderir às ideias de V. Ex.ª No entanto, a minha prevenção parece-me oportuna, nem V. Ex.ª disse que ela não tinha cabimento na resposta que me deu. Ora não há dúvida de que o aspecto educativo da escola fica comprometido com a telescola. Não condeno a telescola, até porque o seu benefício instrutivo é enorme. Mas mantenho, e creio que V. Ex.ª está de acordo comigo, que o aspecto educativo da escola fica irremediavelmente comprometido.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a sua observação e concordo que no puro plano pedagógico a telescola não tem condições de formação que possui a escola. Simplesmente, a telescola pode vencer dificuldades que para nós, no aspecto do ensino secundário, são no momento intrasponíveis de outra forma.

Trata-se, portanto, de uma solução. Não será de uma substituição radical da escola clássica pela telescola.

Poderemos, assim, finalmente trazer à realidade um dos maiores anseios do Sr. Presidente do Conselho e que é não anunciar apenas nos discursos nem inscrever nas leis o direito à instrução que é um dos dois maiores que ao homem podem ser assegurados, mas efectivá-lo na prática, pô-lo na vida corrente de todos os portugueses, sejam pobres, ricos ou remediados, vivam na cidade, na vila ou no campo, dando assim fim ao privilégio da instrução anatematizado há tantos anos por Salazar.

Confio em que aqueles de que a Nação aguarda solução para tão urgente como gloriosa tarefa hão-de considerar as possibilidades que para tanto a civilização criou e que venho de referir.

Mas ainda que tal não suceda, nem por isso hei-de arrepender-me de quanto disse.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não há mais nenhum orador inscrito para falar das contas públicas da metrópole e do ultramar. Em consequência disso considero o debate encerrado e vou submeter à votação da Câmara as propostas de resolução sobre as Contas, que vão ser lidas.

Foram lidas, são as seguintes:

Proposta de resolução

A Assembleia Nacional, tendo examinado os pareceres sobre as Contas Gerais do Estado da metrópole e das províncias ultramarinas relativas ao exercício de 1961 e concordando com as conclusões da Comissão das Contas Públicas, resolve dar a sua aprovação à , Conta Geral do Estado e às contas das províncias ultramarinas referentes ao ano de 1961.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 29 de Março de 1963. - O Deputado, José Fernando Nunes Barata.

Proposta de resolução

Tenho a honra de submeter à Assembleia Nacional a seguinte base de resolução:

A Assembleia Nacional, depois de tomar conhecimento do parecer da sua Comissão das Contas Públicas relativo às contas da Junta do Crédito Público, resolve dar-lhe a sua aprovação.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 29 de Março de 1963. - O Deputado, Joaquim de Jesus Santos.

O Sr. Presidente: - Vou submeter à votação em primeiro lugar a proposta de resolução relativa às Contas Gerais do Estado, metrópole e ultramar, que acaba de ser lida.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou submeter agora à votação a proposta de resolução relativa às contas da Junta do Crédito Público.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: é-me comunicado por pessoas qualificadas para o fazer que a comissão eventual desejaria, antes de se iniciar o debate, fazer um estudo mais aprofundado do parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei de alterações à Lei Orgânica do Ultramar Português.

VV. Ex.ªs sabem que nós estamos limitados pelo tempo; em todo o caso, não quero de maneira nenhuma deixar de colaborar com a comissão no sentido de lhe tornar possível que tome, antes de iniciar o debate na generalidade, posição sobre a generalidade dos problemas suscitados pelo parecer da Câmara Corporativa. Calculo que sobre a generalidade dos problemas suscitados pela proposta já tomou posição durante o tempo em que funcionou antes de ser conhecido o parecer da Câmara Corporativa. Não marcarei, por isso, sessão senão para quinta-feira da próxima semana, dia 4 de Abril. Creio que a comissão eventual tomará as disposições necessárias para poder atingir o seu desiderato. E isso que me determina a não marcar sessão plenária para antes de quinta-feira.

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2250 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 88

Se as minhas coutas estão bem feitas, termina amanhã, conforme a Constituição, o tempo normal do funcionamento da Assembleia. Este tempo pode ser ainda prorrogado pelo presidente por mais um mês.
Como amanhã não haverá sessão, declaro desde já, usando da faculdade conferida pelo § único do artigo 94.º da Constituição, prorrogado o funcionamento efectivo da Assembleia por mais um mês.
A próxima sessão, como disse há pouco, será na quinta-feira, dia 4 de Abril, tendo como ordem do dia o debate nu generalidade da proposta de lei de alteração à Lei Orgânica do Ultramar.
Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 45 minutos.

Sr s. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Carneiros Lopes:
António de Castro e Brito Meneses Soares.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Gonçalves de Faria.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Alves.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Mendes da Costa Amaral.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Olívio da Costa Carvalho.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rui de Moura Ramos.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Luiz de Avillez

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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