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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 89
ANO DE 1963 5 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 69, EM 4 DE ABRIL
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 87 e 88 do Diário das Sessões.
Deu-se conta, do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que receber» da Presidência do Conselho, para. efeito do disposto no § 3.º do artigo 100.º de Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 44 940, 44 941, 44 043, d4 946, 44 947, 44 948 e 44 949.
A Assembleia negou autorização para o Sr. Deputado José Alberto de Carvalho depor como testemunha, num tribunal do Porto.
O Sr. Presidente comunicou que recebem da Presidência do Conselho uma proposta de aditamento às alterações à Lei Orgânica do Ultramar Português.
O Sr. Deputado Alberto de Araújo requereu informações em vista à possibilidade da criação de uma zona franca na ilha da Madeira.
O Sr. Deputado Teles Grilo chamou a atenção do Governo para o mau estado das estradas do distrito de Vila Real.
O Sr. Deputado Fernando Frade referiu-se aos riscos que corre a exploração comercial do porto de Lourenço Marques e do caminho de ferro que o liga à África do Sul.
O Sr. Deputado Cardoso de Matos falou sobre as incidências, em Angola, dos diplomas que promovem a integração económica do espaço português.
O Sr. Deputado Cutileiro Ferreira expôs c examinou os aspectos da crise do Alentejo.
O Sr. Deputado Júlio Evangelista referiu-se ao incêndio que destruiu a fragata D. Fernando.
O Sr. Deputado Burity da Silva falou sobre a catástrofe de Luanda.
O Sr. Presidente propôs um voto de pesar, que foi aprovado, pela mesma catástrofe.
Ordem do dia. - Começou a discussão da proposta do Governo que promove a revisão da Lei Orgânica, do Ultramar Português.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Proença Duarte, Manuel João Correia e Pinto Carneiro.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Gonçalves de Faria.
António Magro Borges de Araújo.
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António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel Pires.
José Maria Bebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca..
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 83 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os n.ºs 87 e 88 do Diário das Sessões, correspondentes às sessões de 28 e 29 de Março. Se algum dos Srs. Deputados deseja deduzir qualquer reclamação, é agora o momento de fazê-lo.
O Sr. Pinto de Mesquita:- Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação: no Diário das Sessões n.º 87, a p. 2206, col. 2.ª, 1. 55, onde se lê: «deter», deve ler-se: «de ter», e onde se lê: «neoliberalismo», deve ler-se: «neoliberalista».
O Sr. Presidente: - Continuam em reclamação.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Se mais nenhum dos Srs. Deputados deseja deduzir qualquer reclamação, considero aprovados aqueles números do Diário das Sessões, com a rectificação apresentada.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofício
Do Sindicato Nacional dos Jornalistas a agradecer a homenagem prestada pela Assembleia à memória do jornalista Mário Quintela.
Telegramas
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Nunes Mexia em defesa da lavoura.
Do pároco de Pedrógão a felicitar o Sr. Deputado Martins da Cruz em virtude do seu discurso sobre problemas de ensino.
Diversos acerca do discurso do Sr. Deputado Alves Moreira relativo aos transportes aveirenses.
Da empresa de Transportes Luso-Buçaco a aplaudir as considerações do Sr. Deputado Antão Santos da Cunha em defesa dos direitos adquiridos pelos concessionários de transportes públicos.
O Sr. Presidente:- Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.ºs 74, 75 e 76 do Diário do Governo, 1.ª série, de 28, 29 e 30 de Março, que inserem os decretos-leis: n.º 44 940, que estabelece as penas a aplicar a todo aquele que, sem qualquer motivo justificado, pedir a intervenção da autoridade ou seus agentes, de serviços de bombeiros ou de socorros a náufragos, de serviços médicos ou hospitalares, ou que, por meio de falso alarme, cause pânico em casa ou recinto de espectáculo, em estabelecimento hospitalar ou em qualquer outro edifício ou local; n.º 44 941, que designa as situações em que os oficiais e sargentos ou equiparados, os alunos dos estabelecimentos de ensino do Ministério do Exército e os indivíduos sujeitos à prestação do serviço militar têm direito ao abono de alimentação e alojamento por conta do Estado e revoga o Decreto-Lei n.º 41 896 e o Decreto n.º 44 964, ressalvadas, quanto a
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este último, as suas disposições de carácter regulamentar, enquanto não for publicado novo regulamento; n.º 44943, que cria as Secretarias-Gerais da Presidência da República e da Assembleia Nacional; n.º 44 946, que abre um crédito no Ministério das Finanças, a inscrever no orçamento dos Encargos Gerais da Nação, destinado a dotar o Secretariado Técnico da Presidência do Conselho com os meios indispensáveis ao seu funcionamento; n.º 44 947, que regula o condicionalismo a que ficam submetidas as despesas e administração das verbas anualmente consignadas à realização de manobras das forças militares terrestres; n.º 44 948, que cria o Centro de Estudos de Urbanização e Habitação, para funcionar junto do Gabinete do Ministro das Obras Públicas, a que é dado o nome de Engenheiro Duarte Pacheco; n.º 44 949, que altera as condições em que na Armada é ministrada a instrução de condução de veículos automóveis e conferidos os documentos que habilitam os militares da Armada a conduzir os mesmos veículos na via pública e revoga o Decreto-Lei n.º 40 567. Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério das Corporações e Previdência Social para dar satisfação ao requerimento do Sr. Deputado Elísio Pimenta, apresentado na sessão de 31 de Janeiro último. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Está na Mesa um pedido do 2.º juízo correccional do Porto a solicitar autorização para que o Sr. Deputado José Alberto de Carvalho deponha em julgamento naquele tribunal.
O Sr. Deputado José Alberto de Carvalho, consultado sobre o assunto, informou que via inconveniente em ser autorizado a depor no dia indicado. Nestas condições, ponho à consideração da Câmara o pedido de autorização.
Consultada a Câmara, foi negada a autorização.
O Sr. Presidente: - Enviada pelo Gabinete de S. Ex.ª o Presidente do Conselho, está na Mesa uma proposta de aditamento às alterações à Lei Orgânica do Ultramar Português.
Vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
Proposta de aditamento
Em cumprimento de despacho de S. Ex.ª o Presidente do Conselho, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que o Governo substitui, na proposta de lei n.º 18/VIII [Revisão da Lei n.º 2066, de 27 de Junho de 1953 (Lei Orgânica do Ultramar Português)], a redacção do artigo 3.º pela que consta do parecer que acerca da mesma proposta foi emitido pela Câmara Corporativa (parecer n.º 9/VIII).
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Alberto de Araújo.
O Sr. Alberto de Araújo:- Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a mesa o seguinte
Requerimento
Sendo da maior vantagem, tanto para a economia regional como para a economia geral do País, valorizar os recursos da Madeira, que pode considerar-se a mais importante e conhecida região turística portuguesa, proponho-me tratar na Assembleia Nacional da possibilidade de se criar naquela ilha uma zona franca, a exemplo do que se faz em outras estâncias estrangeiras, e que a esse facto devem, em grande parte, o seu desenvolvimento e progresso.
Nesta ordem de ideias, requeiro que, pelos Ministérios abaixo mencionados, me sejam fornecidos os seguintes elementos de estudo e informação:
Ministério das Comunicações (Administração-Geral do Porto de Lisboa):
Cópia do relatório e conclusões da comissão presidida pelo Sr. Eng.º Salvador Sá Nogueira sobre a criação de uma zona franca no porto de Lisboa e de outros estudos e relatórios apresentados sobre esta matéria.
Ministério do Ultramar:
Estudos em curso sobre a criação de uma zona franca no arquipélago de Cabo Verde.
Ministério das Finanças:
a) Estudos também presentemente em curso sobre o estabelecimento em Lisboa de zonas para a venda de mercadorias em regime de franquia.
b) Rendimentos da Alfândega do Funchal nos últimos três anos e direitos pagos pela importação de mercadorias que interessam ao turismo.
Quanto ao estudos em curso, requeiro que, além dos relatórios e outros elementos de informação, me sejam fornecidas as respectivas conclusões logo que as mesmas tenham sido formuladas pelas entidades competentes.
O Sr. Teles Grilo: - Sr. Presidente: vão para V. Ex.ª as minhas saudações muito cordiais, a que junto, gostosamente, a expressão dos meus sentimentos de muito respeito e admiração pelas excelsas virtudes quê ornam o espírito e a alma de V. Ex.ª
Sr. Presidente: no dia 19 do mês findo, e na sede da Junta Autónoma de Estradas, realizou-se o concurso público para a arrematação da empreitada de reparação da estrada nacional n.º 213, entre o quilómetro 4,500 (próximo de S. Lourenço) e o quilómetro 12,500 (próximo do Barracão), na extensão de 8000 m.
O facto, em si mesmo, nada tem de extraordinário. Concursos para arrematação de obras públicas passaram a ser no nosso país, desde há muitos anos, coisa tão banal que os. respectivos anúncios, vindos a lume na imprensa oficial ou particular, quase são lidos apenas pelos empreiteiros interessados na realização dessas obras e por poucos mais.
A mim, porém, como Deputado pelo distrito de Vila Real, e em especial pela região a que a referida estrada n.º 213 particularmente interessa, a notícia e a efectivação do dito concurso, que aliás não ficou deserto e culminou pela adjudicação da respectiva empreitada, sugeriu-me a série de considerações que vão seguir-se e que, devo preveni-lo desde já, reflectem a opinião e os sentimentos de todos aqueles que, do uma maneira ou outra, estão ligados ao assunto.
Ora esses todos são dezenas e dezenas de milhares, o que sem dúvida constitui número muito apreciável, sobretudo quando se considere a fraca densidade populacional do Noroeste transmontano, que aquela estrada atravessa e serve.
É que esta via de ... comunicações - chamemos-lhe assim ... -, no longo troço de 24 km ainda por reparar é tão singular, tão incrível, tão espantosa, que todos os que, por má sorte, necessidade, ignorância ou logro, são obrigados a transitar por ela conduzindo um veículo auto-
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móvel ficam de tal modo «apavorados com o que vêem, sentem e sofrem que logo lhes foge, cerce, a vontade de repetir «a heroicidade (que o é!) de se abalançarem outra vez por esse inconcebível caminho!
Claro que não vou descrever em pormenor no que consistem os horrores que tomam detestado e quase odiado esse troço de 24 km da estrada nacional n.º 213.
Mas posso garantir que ali há de tudo o que é preciso para o considerar, de longe, o pior do distrito de Vila Real, e decerto um dos piores, se não mesmo o pior, do País.
Lamas de palmo, e mais, de altura, covas e buracos de palmo, e mais, de profundidade, cortes em todos os sentidos, valas, protuberâncias de várias formas e espécie, esventramentos por onde a brita jorra em liberdade, centenas de. curvas e contracurvas, mal lançadas, sem releve nem visibilidade, mas com fartura de boas pedras soltas e de regos transversais paralelos, a formar excelentes tábuas de lavar roupa!
Não! Não é possível, nem acredito, que em todo o Portugal do ano XXXVII da Revolução Nacional haja uma rodovia tão execrável como a 213, nos seus 24 km, entre o quilómetro 4,500 (próximo de S. Lourenço) e o quilómetro 29 (Valpaços)!
Ela constitui, sem dúvida alguma, o último abencerragem daquelas péssimas estradas que antes de 1926 impunham que o nosso país figurasse no fundo da escala de valorização ou excelência das redes nacionais de estradas!
Outra igual não existe, decerto, mas existem outras muito parecidas, e essas, por malfadada coincidência, também se situam e servem o mesmíssimo distrito de Vila Real!
Apontam-se, como exemplo vivo, as estradas ou certos troços de estrada entre Chaves e Argemil (estrada nacional n.º 314), entre Vila Real e Régua, por Vila Seca de Poiares (estrada nacional n.º 313), entre Loivos e Peto de Lagarelhos (estrada nacional n.º 311), entre Montalegre e Barracão (estrada nacional n.º 308), entre Ribeira de Pena e Mondim de Basto (estrada nacional n.º 332), entre Vila Pouca e Valpaços (estrada nacional n.º 206), entre Carrazedo de Montenegro e Jou (estrada nacional n.º 314), entre Boticas e Campos, etc.
Fica-se realmente perplexo quando se pondera no extraordinário desenvolvimento e beneficiação da rede de estradas nacional e se constata a existência desses verdadeiros anacronismos em matéria de vias de comunicação!
E já nem falo das calamitosas consequências que daí resultam para determinados sectores da economia, da política, do turismo, etc.
A estrada é, com efeito, factor de excepcional importância para o progresso económico e social da Nação, de modo genérico, e de. cada uma das regiões que a integram, de modo particular.
Esquecida esta verdade, minimizado o seu real valor, ou tornado frouxo o entusiasmo que sempre deverá pôr-se ao seu serviço, certo é que os povos e territórios afectados por tal atitude logo terão a lamentar um retrocesso mais ou menos grave nos sectores acima indicados.
Se isto é assim, se isto tem sido reconhecido unanimemente por todos os sistemas políticos e económicos, torna-se custoso explicar a razão por que o Noroeste transmontano, a zona menos evoluída do País, continua a ser uma das mais esquecidas e abandonadas no capítulo era questão!
Não basta que os serviços florestais vão transformando, tenaz e persistentemente, a aridez, incultura e agressividade da serra transmontana em vastíssimas lonjuras de pinhal, eucaliptal, carvalhal, souto, etc., num alarde de exuberância e riqueza que não pode nem deve ignorar-se, e antes merece realce especial e justo; não basta ainda que a Junta de Colonização Interna promova, com notável amplitude, a criação de novos aldeamentos, a instalação de casais agrícolas e o aproveitamento racional de solos baldios, ou estude e realize complexas operações de emparcelamento da propriedade rústica, com a consequente melhoria do nível de vida das populações campesinas; muito menos basta que se instituam comissões ou secções de turismo, à escala regional ou nacional, melhor ou pior apetrechadas em material e pessoal directivo ou dirigido, com boas ou más sedes e mais ou menos folhetos, cartazes e desdobráveis de propaganda; e nem é sequer suficiente que a iniciativa privada, para além do esforço quase sempre inglório das autarquias locais, se multiplique em canseirosas realizações, procure com afã, interesse e entusiasmo desenvolver o seu comércio, a sua indústria, a sua agricultura, num sério propósito de contribuir para o progresso da respectiva região!
Tudo isso, que é já alguma coisa, que é mesmo já muito, nunca poderá desabrochar em apetecida vitória final se não tiver a adjuvá-lo, a todo o momento, o benefício, a comodidade, o bem-estar, o aforro, a facilidade, a rapidez, a economia e o progresso que são ofertados, generosamente, por uma rede de estradas completa e eficiente.
«Sem vias de comunicação os bens e as pessoas não circulam e perdem muito da sua utilidade, e a estrada, mais flexível e mais ramificada que o caminho de ferro, presta-se melhor àquela circulação, em muitos casos» - afirma-se no relatório da Junta Autónoma de Estradas referente às suas actividades no ano de 1960.
«A estrada - lê-se no relatório da mesma Junta respeitante ao ano de 1961 -, facilitando as relações entre os aglomerados populacionais, aproximando o produtor do consumidor, promovendo o equilíbrio entre centros de diferente nível económico e fomentando o intercâmbio social, cultural e desportivo, é factor importante de progresso e civilização».
Ora estas verdades, que ninguém ousará contestar, exigem que se estabeleçam com urgência (se se considerar que ainda não estão estabelecidos) e se apliquem sem desvios ou tendenciosas interpretações (se se considerar que já estão estabelecidos) adequados critérios de prioridade na execução das obras a realizar pela Junta Autónoma de Estradas, por forma que daquele progresso e daquela civilização venham a beneficiar, por igual, todos os distritos, sem esquecimento ou detrimento de nenhum.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Por exemplo: se a estrada X do distrito Z está já toda revestida a betuminoso, dispondo por isso de um piso razoável, que justificação haverá para que se gastem depois alguns milhares de contos com o seu alargamento, corte de curvas e aformoseamento, antes que a estrada K do distrito Y, da mesma categoria da anterior, veja também o seu péssimo macadame reparado e tratado a alcatrão?
Outro exemplo: se no distrito A existem duas ou mais estradas a necessitar igualmente de grande reparação, algo explicará que se não beneficie primeiro a de maior movimento, a de maior importância, a que servir regiões populacionalmente mais densas e econòmicamente mais desenvolvidas?
Um rígido mas justo critério de prioridade tornará impossível que as respostas a estas perguntas, ou a outras
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análogas, não sejam aquelas que a lógica, o bom senso e a equidade impõem.
Nós supomos, aliás, que esse critério foi já anunciado pelo Ministério das Obras Públicas na altura em que se estabeleceram os novos planos bienais da Junta Autónoma de Estradas, em 1960.
Com efeito, a p. 15 do relatório da actividade daquele Ministério, referente ao dito ano de 1960, lê-se que uma das características daqueles planos reside na «nítida preponderância conferida neles aos trabalhos de grande reparação das estradas existentes com sacrifício correspondente da construção de novas estradas», consistindo outra particularidade na «tendência para uma maior concentração dos trabalhos, em oposição com a excessiva dispersão de que porventura podiam ter sido acusados os anteriores planos, e que se traduzia num inconveniente prolongamento dos prazos de conclusão das obras mais importantes, retardando a sua entrada em funcionamento com sacrifício do aspectos económicos essenciais e desprestígio para o organismo público responsável».
Também a Junta Autónoma de Estradas, em perfeita concordância com o quê acaba de referir-se, afirma no seu relatório de actividades do mesmo ano de 1960 que a orientação na elaboração dos novos planos bienais foi a de «reforçar substancialmente a dotação para grande reparação das estradas, pois se preferiu abrandar o ritmo da construção de novas estradas e dar maior importância à conservação das existentes. Com efeito - prossegue a Junta -, torna-se indispensável garantir o trânsito por estradas cuja idade dos pavimentos as tornou incapazes de suportar a actual circulação rodoviária.
O plano de trabalhos de 1960-1961 - acrescenta ainda - enveredou também pelo caminho de não parcelar muito as obras, preferindo antes dar execução completa a menor número delas.
A execução de obras por fases dá como resultado um protelamento da sua execução, o que origina uma crítica mais acerba do que um maior prazo de execução de uma obra completa com interesse para o desenvolvimento económico ou turístico da região».
Executado o primeiro dos nossos planos bienais em 1960-1961, a Junta Autónoma de Estradas veio dizer-nos no seu relatório de actividades do ano de 1961 que se manteve «a orientação do plano anterior, no sentido de reforçar principalmente a dotação para a grande reparação de estradas, por se entender que importa mais, de momento, a conservação e reparação das estradas existentes do que a ampliação da rede actual. Entendeu-se também que há vantagem em não parcelar muito as obras, preferindo-se menor número delas».
E conclui:
«Trabalhos de pequena monta, embora em maior número u satisfazendo interesses locais, dão sempre obras incompletas e não resistem às críticas dos que, a nosso ver com razão, preferem trabalhos de vulto e de visível utilidade ... As dotações têm de ser parcimoniosamente distribuídas, acudindo-se ao que exige mais urgentes providências e deixando para mais tarde o que, embora também necessário, não obriga a uma actuação tão rápida e imediata».
De tudo quanto acaba de dizer-se parece efectivamente resultar que a Junta Autónoma de Estradas, a partir do estabelecimento dos planos bienais, em 1960, deveria passar a orientar-se segundo determinados critérios do preferência na execução de obras em estradas.
Deveria. Mas, possivelmente por excepção - visto eu desconhecer o que vai pelos outros distritos -, não foi exactamente isso que aconteceu no distrito de Vila Real.
Nada de dispersão, parcelamento ou execução de obras por fases; nada de prolongamentos de prazos na conclusão das obras mais importantes e urgentes; dotações substanciais para a grande reparação, garantia do trânsito por estradas já tomadas incapazes, fuga a críticas e censuras pelo protelamento na conclusão das obras, respeito pelos interesses económicos, sociais e turísticos das regiões: tudo isto se afirma e garante, por estas ou outras palavras, nos mencionados relatórios.
E, todavia - e eis-nos agora de regresso ao ponto de partida -, não foi isso que se verificou com a estrada mártir do distrito de Vila Real, a estrada nacional n.º 213, no seu troço Chaves-Valpaços, nem o que aconteceu com a estrada nacional n.º 206, no troço Vila Pouca-Valpaços, nem com as estradas nacionais n.º 308 (troço Montalegre-Barracão), com a n.º 312 (troço Ribeira de Pona-Mondim de Basto), com a n.º 313 (Vila Real-Bégmi, por Vila Seca de Poiares), etc.
Fixemo-nos, porém, e apenas, na primeira, porque a análise do que se passa com todo o distrito tornaria esta intervenção longa de mais para caber nos estreitos limites da meia hora regimental.
Antes do estabelecimento dos aludidos planos bienais já o coro de protestos e reclamações contra o deplorável estado daquele troço de estrada atingia um tal volume que não é crível pudesse ser ignorado pela Junta.
A imprensa regional e até a grande imprensa diária fizeram-se eco dessas reclamações. As edilidades das regiões interessadas (Chaves e Valpaços) expuseram a situação com grande objectividade a quem de direito. Queixavam-se as empresas de camionagem com unidades em trânsito obrigatório por aquela via. Lamentavam-se amargamente todos os particulares que por ali tinham de passar com os seus carros.
Finalmente, após intermináveis anos de sofrimento e expectativa, de contrariedades sem conta e avultados prejuízos, anunciou-se que o troço mártir ia ser reparado!
Tudo e todos exultaram de alegria! Aqueles malditos 29 km iam acabar e surgiriam em seu lugar outros tantos quilómetros de estrada amiga, convidativa, fácil, cómoda!
Os dois concelhos mais ticos, ou dos mais ricos e populosos, do distrito de Vila Real iam por fim dispor de uma via de comunicação digna da importância económica e turística das suas respectivas regiões.
As dezenas de povoações que, mais ou menos directamente, só dispunham dessa estrada para ligação com os grandes centros e escoamento dos seus abundantíssimos produtos agrícolas e pecuários, com referência especial para a batata, o vinho, o azeite e os cereais, saudaram a boa nova com indizível contentamento, pois ela representava a concretização de um sonho de longos anos e a satisfação de uma necessidade premente e dia a dia mais agravada!
As centenas de automobilistas, ciclistas, motociclistas e motoretistas que, fixados na zona em referência, outro remédio não tinham do que transitar pela mesma estrada deram graças ao bom Deus pelo extraordinário benefício que lhes ia ser concedido, pois dessa forma a despesa com os seus veículos baixaria para menos de metade: menos pneus inutilizados, menos molas partidas, menos amortecedores substituídos, menos óleo e gasolina gastos, menos concertos, menos mecânica, menos estações de serviço, menos tudo!
Uma felicidade!
E afinal ... Mons parturiens!
Contra tudo o que era de esperar e apesar de tudo o que se tinha passado e estava a passar, dos 29 malditos quilómetros apenas 5 (cinco!), foram tornados benditos!
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Era esta a satisfação dada a tantos e tantos anseios e pedidos e reclamações e solicitações!
Logo a seguir vieram os planos bienais, e com eles o anúncio dos tais critérios de prioridade para a execução de certas obras. E pensou-se, logicamente: agora é que ela vai, a miserabunda 213!
Como está iniciada a sua grande reparação a partir de Chaves, como só faltam 24 km para essa grande reparação só completar, como é cada vez mais precário o estado em que ela se encontra, cada vez maior o trânsito através dela feito e maiores os interesses de ordem económica, social e turística que ela serve, como o caso especial que ela representa está 100 por cento contemplado pela doutrina emergente dos princípios que dominam os referidos planos bienais, como tudo isto acontece, em perfeita e feliz coincidência, não há dúvida de que chegou finalmente a grande hora da estrada nacional n.º 213!
E, todavia, e por mais incrível que pareça, a grande hora chegara, sim, mas para outra estrada nacional, a n.º 103, entre Assureiras e a ponte do rio Rabaçal, uma extensão de cerca de 30 km, todos dentro do concelho de Chaves!
Ninguém pugnara por tal obra, aliás vultosa, pois constava de rectificação, alargamento e pavimentação; ninguém protestara ou reclamara, oralmente ou por escrito, contra o estado de conservação dessa estrada, de longe superior ao da estrada nacional n.º 213; ninguém solicitara ou pedira fosse o que fosse em relação a ela, e tudo pela simples razão de que no concelho de Chaves era a estrada nacional n.º 213 que mais interessava ver reparada, por ser, entre as carentes de beneficiação, a mais importante sob todos os aspectos!
Quer dizer: em resposta aos anseios, por mil formas expressos, de uma grande parte da população e das próprias entidades administrativas dos concelhos de Chaves e Valpaços, no sentido de se proceder urgentemente à conclusão dos trabalhos de reparação da estrada nacional n.º 213, na aludida extensão de 24 km, a Junta Autónoma de Estradas mandou proceder à reparação de outra estrada da mesma categoria, mas menos má do que aquela, e num troço situado adentro dos limites dos mesmos concelhos. E logo numa extensão maior do que aquela que seria precisa para completar a solicitada reparação da triste 213!
E chegamos ao plano de 1962-1963.
Por algum tempo renasceu a esperança de que a Junta Autónoma de Estradas fosse, dessa feita, reparar a dita 213, e com essa reparação reparasse também aquilo que os concelhos de Chaves e Valpaços haviam considerado como flagrante injustiça!
Afinal, e uma vez mais, a notícia de que no plano ora em execução apenas seriam considerados mais 8 km dessa anatematizada estrada nacional n.º 213 veio dar-nos a certeza de que os princípios e critérios proclamados em 3960 tinham aberto falência, definitivamente, em tudo que respeitava à única o infeliz via de comunicação entre Chaves e Valpaços!
Estes os factos, na sua crua realidade. As conclusões que as tire quem as deve tirar.
Uma, pelo menos, pode desde já formular-se: é a de que se aqueles princípios e critérios tivessem sido integralmente respeitados e religiosamente cumpridos e aplicados a estrada nacional n.º 213, no seu péssimo troço entre Chaves o Valpaços, estaria agora reparada na totalidade.
Pela minha parte desejo acentuar que tudo quanto acabo de referir não significa, necessariamente, uma censura à Junta Autónoma de Estradas por ter ignorado, até agora e em grande parte, aquela justíssima aspiração dos mencionados concelhos; mas apresenta certamente um brado de descontentamento das populações desses
concelhos, representa um magoado desabafo de todos quantos têm precisão de se utilizar, com os seus veículos automóveis, do aludido troço de estrada, a todos os títulos execrável e indigno, e representa sobretudo um apelo veemente para que no próximo plano bienal de 1964-1965 seja prevista a reparação total desse troço, a fim de que assim se extinga, de uma vez para sempre, nos ditos concelhos de Chaves e Valpaços, uma importante causa de mal-estar político, social e económico.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E se as considerações que acabo de produzir não envolvem exactamente uma censura ao prestimoso organismo que é a Junta Autónoma de Estradas, que só pode merecer louvor e admiração de toda a gente pela extraordinária obra levada a cabo no País, muito menos o envolverá para a Direcção de Estradas de Vila Real e seu muito digno director, Sr. Eng.º Miguel Macedo da Cunha Coutinho, cuja acção no distrito, adentro da sua esfera de competência, tem sido realmente notável e profícua pelo entusiasmo, dinamismo e eficiência que o caracterizam, mau grado os limites impostos pela exiguidade das dotações de que tem podido dispor.
Exiguidade, note-se, em vista do considerável atraso ali verificado em matéria de construção e reparação de estradas, e portanto em vista do muito que ali há a realizar para que se possa conseguir, nesse capítulo, aquela indispensável recuperação de que o distrito de Vila Real inteiramente é merecedor.
Daqui, pois, e em nome das populações dos concelhos de Chaves e Valpaços, dirijo a S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas um veemente apelo, que estou certo será ouvido e compreendido, para que o escalavrado troço da estrada nacional n.º 213 a que me venho referindo não seja esquecido no plano bienal da Junta Autónoma de Estradas com início de execução em 1964.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Fernando Frade: - Sr. Presidente: tomo hoje a palavra para abordar um caso que, dizendo directamente respeito a Lourenço Marques, suscita preocupação e ansiedade nos sectores esclarecidos da opinião pública de Moçambique, pelas implicações que traz à economia da província.
Admito mesmo que estes sentimentos encontrarão eco nesta Assembleia, em virtude da atenção e interesse que sempre lhe tem merecido tudo o que se refere ao ultramar, como ainda pela circunstância de, estando nós em plena vivência da doutrina da integração económica, os problemas que afectem qualquer das parcelas do espaço português se repercutirem noutras, por mais afastadas que elas se situem.
Sr. Presidente: a exploração comercial do porto de Lourenço Marques e do caminho de ferro que o liga à República da África do Sul corre sérios riscos de ser profundamente afectada se se concretizarem as disposições governamentais desta nação com vista a eliminar o artigo 32.º da Convenção acordada entre ela e o Governo Português. Segundo este artigo, «o Governo da União assegura ao porto de Lourenço Marques não menos de 47,5 por cento da tonelagem comercial total das mercadorias importadas por via marítima com destino à zona de competência», zona esta que se situa na rica e desenvolvida área do Transval.
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Explico à Câmara que o desaparecimento de tal cláusula traria consigo imediata diminuição do tráfego, que, a título exemplificativo, em relação ao ano de 1961 se teria traduzido por uma quebra da ordem dos 50 por cento na receita da exploração.
Numa província que apresenta uma balança de pagamentos com saldos negativos ascendentes desde 1958, a diminuição do caudal de qualquer fonte de cambiais atinge directa e gravemente a sua economia. De facto, embora as medidas tomadas pelo Governo-Geral para se restringirem as importações tenham já tido efeito salutar na balança do comércio, convém ter em mente que esta se mantém tradicional e desfavoravelmente desequilibrada, e que por isso Moçambique necessita de continuar a contar com o volume de divisas que provêm dos serviços que presta a terceiros através dos seus portos e caminhos de ferro.
A posição geográfica de Moçambique trouxe-lhe, sem dúvida, excepcionais, e por isso tentadoras, condições para ser a saída e entrada natural de largos territórios vizinhos do interior de África. Este o motivo por que se terá dado primazia aos investimentos portuários e ferroviários, sem que paralelamente se tenha desenvolvido a actividade produtiva do território em termos de assegurar à sua economia uma base estável.
Sou por isso tentado a dizer, antes de retomar o assunto que motivou esta minha intervenção, que as condições naturais e excepcionais oferecidas para o trânsito de mercadorias através da província absorveram as atenções de tal modo que prejudicaram o desenvolvimento da exploração dos recursos que afinal tão exuberantemente nela existem.
Sr. Presidente: paralelamente às disposições do Governo Sul-Africano em relação à supressão do artigo 32.º da Convenção, são também do conhecimento público as suas intenções de construir, dentro de futuro próximo, um oleoduto entre o porto de Durban e a cidade de Joanesburgo, no Transval. Tal obra resulta da existência de uma refinaria naquele porto e da próxima entrada em laboração de uma segunda no mesmo local e visa a redução do preço do transporte dos refinados e ainda a substituição do tráfego ferroviário destes produtos por outras mercadorias.
A construção do oleoduto explica, portanto, a intenção do Governo do país vizinho em prejudicar a obrigatoriedade contida no referido artigo 32.º, porque, transitando actualmente por Lourenço Marques, com destino ao Transval, cerca de 850 000 t por ano de produtos petrolíferos, o desvio desta tonelagem para outra via torna impraticável tal disposição. Será o desvio desta carga rica que, como afirmei no princípio, representará a quebra de 50 por cento na receita da exploração.
Cabe nesta altura perguntar se a construção, em devido tempo, de um oleoduto entre o porto de Lourenço Marques e o Transval não teria evitado obra similar que o Governo da África do Sul pretende agora levar a cabo. Tenho para mim que a resposta é afirmativa, porque a participação deste Governo com o nosso num empreendimento que outro uso não poderia ter senão o transporte de combustíveis teria sido garantia suficiente da manutenção do tráfego pelo nosso lado, quanto mais não fosse em volume correspondente aos nossos interesses.
O Sr. Reis Faria: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Com todo o gosto.
O Sr. Reis Faria: - Parece-me que talvez não fosse mau lembrar nesta altura que o Governo também teve o maior cuidado com o equilíbrio do tráfego do porto de Lourenço Marques.
Se por um lado sofre a concorrência grave do porto de Durban em relação à zona de competência do Transval, também a obra realizada com o caminho de ferro de Pafuri trouxe um equilíbrio, e um aumento até, às receitas do porto e caminho de ferro de Lourenço Marques.
Houve da parte do Governo o maior interesse e atenção ao problema do equilíbrio do tráfego do porto de Lourenço Marques.
O Orador: - Agradeço as observações de V. Ex.ª, mas parece-me que elas não alteram o raciocínio ...
O Sr. Reis Faria: - É só na parte da atenção do Governo.
O Orador: - Sim, da parte do Governo houve sempre a maior atenção.
Convém lembrar que o Governo Sul-Africano não deixaria de ter em devida conta, uma vez este oleoduto em serviço, as vantagens financeiras que resultariam em relação ao outro, em consequência do menor investimento e respectivas despesas de exploração. A menor extensão deste oleoduto teria sido, portanto, factor determinante na adopção e permanência desta solução.
Sr. Presidente: eis em linhas gerais o problema que tanta preocupação nos traz e para o qual urge encontrar uma solução que, sem deixar de considerar o peso das razões do Governo do país vizinho - porque elas representam a realidade prática -, possa servir no entanto os nossos.
Em matéria dê negócios não devem por princípio aceitar se soluções unilaterais. Aplicando este princípio prático ao assunto em apreciação, é lícito esperar que o facto de Portugal dispor de territórios que se situam geogràficamente entre a Europa e aquele país representa, nas actuais circunstâncias políticas em que a África do Sul se debate, factor relevante num conjunto de argumentos que pesem a nosso favor.
Embora preocupados, confiamos inteiramente no alto critério e superior orientação do nosso Governo, que não deixará de continuar a debruçar-se atentamente sobre tão momentoso problema, de modo a conseguir-se uma solução que sirva as duas partes.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cardoso de Matos:- Sr. Presidente: passado um mês sobre a entrada em vigor da legislação que criou a integração económica portuguesa - mês de adaptação e de ajustamento, que virá prolongar-se por muito mais tempo, como, aliás, é natural em obra de tanto vulto e transcendência -, entendo dever assinalar a data de 1 de Março deste ano de 1963 como a de memorável passo na nossa história, convicto de que, vencidas as dificuldades iniciais já antevistas e as que forem surgindo com o tempo, veremos consumados os propósitos e plenamente realizada a obra que tão corajosamente se encetou e que há-de revolucionar toda a vida portuguesa, concretizando na base da unidade económica a absoluta unidade da Nação Portuguesa.
Na medida em que mais exacta for a consciência da complexidade dos problemas, mais preparado se estará para reprimir entusiasmos prematuros e anular prejudiciais optimismos; mas, de igual modo, a noção da inexorável
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marcha do tempo impõe uma constante persistência nos esforços a fazer para que nada se perca do que se alcança e nunca se esqueça o longo caminho a percorrer.
De antemão se sabia que os maiores problemas se situavam na nossa província de Angola, e a eles venho referir-me, sem pretender ir além do ligeiro esboço da situação, pois que é prematuro avaliar os resultados das medidas em curso e, consequentemente, concluir seja o que for em definitivo. Todavia, entendo de obrigação comum apontar o que possa contribuir para a melhoria dos resultados a atingir, equacionando dúvidas e hesitações, no louvável propósito de as eliminar, de as resolver.
Como imediato e mais visível resultado das medidas em curso, verificamos um incremento do comércio metrópole-Angola, lógica consequência da liberalização do pagamento de mercadorias, que tende a acabar com o anacronismo de importações estrangeiras similares, impostas por maiores facilidades no seu pagamento.
É natural que a melhoria neste sector se propague ao das transferências de outra natureza. A intenção parece inferir-se da forma como se processou o último rateio de pagamentos mercantis em atraso, feito com a maior amplitude, que nos leva à esperança de ver libertada a movimentação de rendimentos - essencial, quanto a nós, ao incremento do surto de capitais, tão necessários ao desenvolvimento da província. E, se esta liberalização das transferências de rendimentos é conducente a uma maior atracção de capitais, não esqueçamos que a sua produtividade depende muito da mão-de-obra - e esta, quanto mais qualificada, mais exigente é no seu legítimo anseio de igualmente poder dispor livremente do produto do seu trabalho.
Os progressos neste campo vão inegavelmente contribuir para incentivar as boas vontades, porquanto a garantia de se poder transferir os rendimentos terá o mérito de incitar a vinda de capitais, mesmo estrangeiros - estes nas condições e com as precauções já aqui referidas em ocasiões das muitas em que venho focando estes problemas.
As pensões para manutenção de famílias na metrópole também não podem ser ignoradas, pois envolvem uma grande parte da população da província, desenvolvendo actividades a todos os títulos meritórios, e não podem deixar de ser atendidas quando pretendem dispor de uma parte do produto do seu labor para com ela poderem dar a filhos maiores possibilidades e capacidade de trabalho; ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... a pais, normalmente incapazes de proverem a sua manutenção, o necessário à sua subsistência decente; em resumo, para fazerem face às necessidades dos seus maiores, de parentes e até às suas próprias quando na Mãe-Pátria, onde não desejam sentir-se desamparados e sem recursos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ao mesmo tempo e em relação a actividades particulares, continua a verificar-se o propósito, que se infere dos factos, de que as empresas que trabalham em Angola nela têm de circunscrever a sua actividade ou dela têm de partir, quando as suas relações se estendem ao estrangeiro. É injusto para a metrópole e revela ignorância da forma como hoje se processa o comércio internacional, pois são poucos todos os meios de comunicação e cada vez se torna mais necessário o contacto directo e permanente, que tem os seus naturais encargos.
Perante esta situação e a evidente necessidade do o comércio exportador de Angola encarar o estabelecimento de delegações na metrópole e no estrangeiro, assistimos ao atrofiamento que comporta o confinar aos estreitos limites de uma província actividades de natureza expansionista que não podem dispor dos seus recursos, pois não lhes é permitido reservá-los; ao contrário: são frequentemente colocados perante a situação de terem de entregar à província mais do que o valor efectivo dos seus produtos de exportação.
A melhoria da situação que antes referi terá sido influenciada de forma substancial pela subida de valor de alguns produtos de exportação, mas sem dúvida que o recurso principal está sendo o fundo de compensação, que se afigura, aliás, insuficiente para a resolução de todos os problemas, assim se correndo o risco de se votar à situação que teve início em 1955.
Parece legítimo o receio, se não vier a fazer-se um esforço maior para estimular as exportações de todos os produtos susceptíveis de o serem - e muitos o são em Angola -, enquanto esta província continuar a fundamentar a sua economia nos valores agrícolas.
Se é cedo para pensarmos no turismo, cujo desenvolvimento prevemos só no futuro venha a constituir apreciável fonte de receita, podemos e devemos desde já contar com as riquezas minerais da província, como o ferro, em plena expansão no campo extractivo e cuja exportação virá contribuir grandemente para o equilíbrio da balança comercial e de pagamentos, devendo ainda ficar, como recurso extraordinariamente importante, as reais possibilidades da extracção do petróleo.
As largas perspectivas que oferece à economia de Angola - e o mesmo será dizer do País - sem perda de tempo devem ser aproveitadas. O caso foi posto à consideração do Governo, cujo estudo se aguarda esteja completado em breve.
Sabemos que estão realizadas todas as condições técnicas que permitem prever a produção anual de 1 200 000 t de ramas de petróleo a partir do ano corrente, e com tendência e possibilidades de aumento, quando o consumo da província se limita, de momento, a um terço deste número. Assim, há um excedente de dois terços - cerca de 800 000 t por ano -, que é forçoso colocar fora de Angola. Infelizmente não se pode contar com o mercado internacional, mas é sabido que a metrópole consome largamente todos os produtos petrolíferos e, até agora, não produz qualquer deles.
Assim, é fácil concluir que uma das soluções estará em a metrópole corresponder, adquirindo-lhe o excedente das suas ramas, reduzindo ao mesmo tempo a drenagem de divisas para o estrangeiro verificada com a importação de produtos similares.
Mesmo que se não adopte um sistema como o da França, que adquire os petróleos da zona do franco a preços superiores aos do mercado internacional, tudo indica dever encarar-se a substituição dos fornecedores estrangeiros de ramas de petróleo à metrópole pela nossa própria província de Angola - fornecedores esses que têm sido preferidos em relação a esta, com flagrante detrimento da economia nacional.
Não devemos esquecer que a empresa exploradora, formada com capitais estrangeiros, há dez anos que vem fazendo vultosos investimentos em Angola - e que prossegue essa política, aplicando agora um volume anual do 100 000 contos. É um incentivo e um exemplo a que não podemos ficar alheios - muito menos o Governo, pois melhor pode avaliar a importância do facto e as suas naturais incidências.
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Por isso mesmo, e pelo que sabemos ser seu constante pensamento, não duvidamos de que vai resolver o problema que lhe é posto com a urgência e a ponderação que se impõem.
Tal como já ouvimos notar, o aparecimento do petróleo em Angola surgiu como um factor da Providência. Descurar o seu pleno aproveitamento é quase atentar contra os desígnios de Deus.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Cutileiro Ferreira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: passou à categoria de lugar-comum, e, o que é mais grave, quase com o desprezo que se tem pelo lugar-comum, falar-se ou ouvir falar-se da, crise no Alentejo.
Esta maneira simplista de encarar o problema não favorece nem os encarregados de o estudar nem os que necessitam dos resultados desse estudo.
Contudo a crise existe ... alastra e torna-se perigosa para a sobrevivência económica das gentes do Alentejo.
Vai longe o tempo em que falar desta província não envolvia situações desagradáveis. Hoje, mau grado avanços técnicos notáveis, não podem esquecer-se, antes se impõem, reparos e situações dolorosas que afligem as populações transtaganas.
Mas quais são os factores da crise?
Para sistematização, puramente arbitrária, desses factores farei a sua divisão em três grupos: naturais, internos e externos.
Como factores naturais citarei a inconstância, imprevisível, do clima, a pobreza dos solos e a mentalidade congénita das gentes.
Creio que a ordem expressa nos conduzirá a aceitar a premência de cada um dos factores sobre o subsequente. O clima, com amplitudes térmicas latas, com um regime de chuvas desordenado, tem uma influência decisiva na pobreza dos solos, já por formação geológica, normalmente, de contextura deficiente para a produção agrária. Estes dois factores decisivamente influenciam, modelam mesmo, a mentalidade das gentes. O homem é fatalista, contemplativo e pouco propenso a reacções duradouras.
Mas não podem ser comandados, modificados mesmo, estes factores? ... Creio bem que sim.
O clima corrige-se por florestações e barragens; a pobreza dos solos por fertilizações químicas e orgânicas, defesa contra a erosão, obras de enxugo e regadio complementares.
A mentalidade congénita das gentes, já influenciada por factores modificados, molda-se na família e na escola. Este factor, o humano, deve merecer as melhores atenções de todos. Na sua defesa, na melhoria das suas condições de vida, na sua educação, residem os fundamentos da continuidade da Pátria Portuguesa. Tudo se deve sacrificar em benefício do elemento humano. Proteger a família ... fomentar a escola ... é alicerçar o futuro das gerações vindouras.
Como factores internos referirei: a lei, o crédito, a organização da produção e do consumo. Fundamentalmente, são as leis que orientam e condicionam todas as relações humanas. Se as leis forem prudentes, sérias e justas, conseguirão com facilidade ser queridas, estimadas e cumpridas; se faltarem a estes requisitos, geram discórdia e desprezo e serão inoperantes.
O crédito, condição básica de desenvolvimento económico, deverá ser concedido com taxas compatíveis e por tempo útil.
Deverá ser usado com prudência, para que não produza asfixia nem conduza à especulação. Não sei mesmo qual destas duas situações será socialmente mais perniciosa. A gerência dos institutos de crédito requer, quanto a mim, uma preparação especializada, mas com um acentuado sentido humano. Os institutos de crédito devem funcionar mais como orientadores económicos do que como cobradores de taxas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A organização da produção e do consumo, no sentido de se promover uma melhoria das condições de qualidade, de quantidade e de preços, requer uma cuidada escolha dos elementos constitutivos dos órgãos de comando. Não podemos - não podemos nem queremos - alienar essa responsabilidade ou honra apenas ao Estado. Na organização corporativa que nos rege cabe à iniciativa privada, e ainda bem, a possibilidade da ingerência do indivíduo livremente escolhido para colaborar com os órgãos do Governo, e a par deles importa apenas que o corporativismo seja, como se deseja, de associação, e não puramente estatal.
Enumerados os factores da crise sucintamente e feitas ligeiras considerações, vou referir-me às incidências e reflexos da mesma.
As incidências da crise são, essencialmente, no campo económico, mas os seus reflexos são múltiplos.
Afectam, muito particularmente, os campos político, social e moral.
Não me deterei em considerações alongadas, mas não deixarei de citar que é preocupação dominante de todos os portugueses - repito: de todos os portugueses e só dos portugueses - a obtenção de um nível económico que nos ponha a coberto de reacções que, no momento presente, seriam catastróficas no campo político, social e moral.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E evidente que quando isto se diz não se quer significar que tenhamos estabilizado em todos esses campos uma evolução constante e contínua, é a razão dominante do nosso pensamento.
Há, porém, que atender à continuidade da Pátria, à sua indivisibilidade e à sua defesa perante todos os inimigos, e isso só pode conseguir-se pelo trabalho persistente, na paz ou na guerra, pelo sossego nos espíritos e, sobretudo, por uma firmeza económica como sinónimo de bem-estar social e moral.
Como factores externos teremos de considerar, principalmente, as correntes político-económicas dominantes no Mundo, a situação dos mercados internacionais, as balanças de pagamentos dos países nossos clientes e, ainda, os estados de guerra ou de paz.
Facilmente se compreende que estes factores só muito dificilmente, precariamente mesmo, serão comandados pela nossa gente. Tratados de tipo específico, obtidos por via diplomática, são os únicos instrumentos de que podemos servir-nos, e mesmo esses sempre em risco iminente de renúncia por tantos e tais motivos que será impossível uma previsão correcta.
Sem brilho, e muito resumidamente, acabo de expor os factores da crise com um carácter de generalidade e sem atender ao exclusivismo da região alentejana.
Vou passar, como mo propus, a apresentar o caso concreto do meu Alentejo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: não vos dou qualquer novidade ao afirmar que o Alentejo espera de nós, e mais ainda do Governo, acção rápida, eficiente, justa e deci-
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siva no estudo e promulgação de medidas legislativas que o coloquem no caminho decidido da melhoria económica e social. E o Alentejo tem razão.
Alguns julgam-nos possuídos do péssimo sentido do medo, e coagidos por ele não abordamos e resolvemos os graves problemas que afligem a grei. Não têm razão os que assim pensam.
Há, porém, que fazer prova de não existir esse medo, não basta afirmá-lo. E se, porventura, se encontrar alguém, em qualquer escalão que esteja, vítima do medo, esse alguém deve ser rápida e definitivamente dispensada de prestar serviço. O medo conduz à cobardia, e a cobardia está excluída da nossa evolução ... da nossa revolução.
Eu sei, todos nós sabemos, que há uma condição quase inibitória para que se faça o que acabo de preconizar: a chamada brandura dos nossos costumes. Temos, todavia, de aceitar as realidades da hora que passa e não poderemos, sob o risco de gravemente claudicar, aceitar a ideia da transigência sistemática.
Transigir pode ser, e muitas vezes é, sinónimo de cumplicidade.
Ora esta Câmara, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não pode ser suspeita desse delito, e o Governo tia Nação também o não pode ser. Evidentemente que o prosseguimento desta política da verdade obriga a que nos detenhamos sobre alguns graves problemas que na hora que passa a todos altamente preocupam.
O problema das incidências - fiscais merece uma referência destacada, dado o seu peso no conjunto geral dos encargos. Não há uma desejável uniformidade. Os valores tributáveis variam de distrito para distrito e até de concelho para concelho. Propriedades que no local A são taxadas por 10 pagam propriedades de áreas e rendimentos sensivelmente iguais a 20, 30, 50 e mais no local B ... Esta conhecida e manifestamente injusta diferenciação tributária urge ser remediada.
Outro factor grave que deverá ser imediatamente corrigido é o dos períodos de rotação das culturas.
Quase sempre as médias das colheitas estão, com relativo rigor, certas. Os preços atribuídos são verídicos. Simplesmente, as culturas não se fazem, porque não se podem fazer, com a aceleração que o fisco imprime ao imposto. A cultura normal e corrente de gramíneas e leguminosas tem de ser interpolada por períodos de descanso das terras - o pousio -, em que apenas o valor relativo dos pastos pode contar. O fisco não considera, ou considera mal, esses períodos de repouso, e muitas vezes as terras são tributadas por uma produção inexistente, porque se considera esta em regime de continuidade.
É certo que o proprietário toma conhecimento dos ciclos de cultura, mas, por inadvertência, escapa-lhe o pormenor importantíssimo da sua rotação, que, como aliás se sabe, é variável, por imperativos diversos.
A falta de uma norma jurídica que estipule as condições de prestação de trabalho é um óbice às boas relações sociais e, ainda, uma lacuna que inibe o inteiro conhecimento dos custos de produção. E essa norma não é de difícil execução, pois bem perto de nós, na vizinha província espanhola de Badajoz, existe há já anos com satisfação de todos. A falta dessa norma já nos tem trazido dissabores de vária ordem, e muito brevemente, quero crê-lo, sentiremos de novo a sua falta. Seja porém uma norma cuidadosamente estudada e que dê a cada um a certeza dos seus exactos direitos e obrigações, no tempo e no espaço.
A propósito quero pedir ao Sr Ministro das Corporações imediata justiça para os operários da Caixa Regional de Previdência de Évora, que, por terem deixado de pertencer a uma caixa com sede em Lisboa, viram aumentado o limite de idade para reforma dos 65 para os 70 anos. Como se trata de um acto de justiça, creio bem que S. Ex.ª o fará imediatamente e por impulso natural do seu esclarecido espírito de jurista ilustre que é.
Porque são factores de relevante efeito, quero aqui referir o que se está a passar com as importações maciças de géneros de primeira necessidade: o trigo, o arroz, a carne, a batata. Já nesta Câmara foi dito, por ilustres Srs. Deputados, muito, quase tudo o que havia a dizer. Há, contudo, que referir que certos organismos foram inoperantes e alguns deles agiram a destempo, como é do conhecimento geral. Esta inoperância ... este desfasamento ... são intoleráveis. Não dar ao trabalho, à produção, ao comércio nacional, um preço justo para, em fase aguda, se recorrer à importação ... é passivo de críticas e, vamos lá, de algo mais.
Ao Governo compete evitar estas drenagens de divisas e estimular, pela concessão do justo preço, as actividades nacionais. Não basta uma vaga esperança de eventual subsídio. Quero transmitir à Câmara o desgosto que senti, há poucos dias, ao ler, num painel de azulejos de certa exploração agrária: «Planta, semeia e cria, que a esmola virá um dia». Isto é tragicamente humorístico, mas, com certeza, é grave.
Quero ainda fazer uma breve referência ao problema da peste suína africana. Esta epizootia continua a desfalcar os rebanhos. Os acidentes vacinais estão na ordem do dia. Os prejuízos são incalculáveis e a forma de pagamento destes não é justa. Todos os animais, quer morram ou sejam abatidos, deveriam estar abrangidos pelas mesmas medidas proteccionistas. Não há dúvida, tanto se trate de diagnóstico de vírus L ou de pneumonia recruzante, a vacina está na base de todas as ocorrências. Nesta ordem de ideias, a cobertura dos prejuízos deverá ser extensiva a todos os animais desaparecidos.
Ninguém calculou ainda a gravidade do abastecimento de carne de suínos na próxima montanheira e, menos ainda, do que irá ser o prejuízo na perda dos frutos dos montados.
De tudo o que disse, Sr. Presidente, e do que se infere desta minha intervenção, há que tirar conclusões.
Estamos perante uma província em grave crise.
O desequilíbrio entre o salário e custo de vida força o rural a abandonar a terra.
O desequilíbrio entre os custos de produção e os valores de venda força o empresário agrícola a abandonar a actividade.
Estaremos perante uma decidida política de desvalorização da terra e dos seus produtos? ... Não o creio!
Tenho, contudo, de admitir, pela- falta de um ordenamento agrário, pela falta de estudo económico do pretendido regadio do Alentejo, pela falta do planejamento regional e nacional na distribuição das indústrias, que nos faltam condições de sobrevivência. Não sou pessimista, mas, perante a iminência de um mau ano agrícola, receio muito pela resistência dos meus patrícios. Os coeficientes de tensão foram atingidos ... o ponto de ruptura está à vista.
Sr. Presidente: aqui fica o meu grito de alarme: ouça-me quem deva e, com factos, responda quem possa.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: a última nau da Índia foi ontem devorada pelas chamas ali mesmo no rio Tejo, neste rio donde partiram, em Quatrocentos, como alvoradas promissoras de civilização, as primeiras naus que dobraram tormentas e fizeram o Mundo mais pequeno ao descobrirem o caminho que, através dos mares, conduz à Índia. Esta nau, que entregou o seu corpo às chamas e ao mar durante a noite de ontem para hoje, foi a última a ser construída nos estaleiros de Damão, com madeira de teca das matas de Nagar-Aveli, de um risco verdadeiramente surpreendente e galhardo, pois, segundo palavras dos especialistas da época, «nunca u onda o enxovalha nem lhe galga acima da borda, podendo afoitamente avançar-se que não há outro de vela mais formoso nem de melhores qualidades náuticas».
Velha nau centenária, nunca a onda a enxovalhou, como nunca o enxovalho manchou a velha e legendária altivez dos nossos marinheiros e dos nossos soldados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Cumpriu gloriosamente o seu destino marinheiro aquela nau que ontem as chamas sepultaram para sempre no leito do rio que foi porto de partida da maior esquadra do Mundo, da mais ousada e da mais gloriosa e da mais espantosa esquadra do Mundo moderno.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O último arriar de bandeira naquele velho barco português, quando, no meio das chamas, homens ousados e valentes foram salvar o símbolo incorrupto desta Pátria incorruptível, é bom uma lição cheia de sentido e digna de meditação!
Veio da Índia a fragata D. Fernando o, depois de cumprido o seu quarto de sentinela nos sete mares portugueses, veio ao Tejo para quedar na velhice, enternecedora velhice, da obra social a que foi dado o seu nome. Ali viviam, e se educavam, e se preparavam para a vida do mar, os rapazes pobres desta cidade de Lisboa, que todos nos habituámos a conhecer e a estimar, e de que todos guardamos as gratas recordações da sua passagem garbosa pelas ruas desta grande capital ao som de fanfarra e de tambores, que alegravam o espírito de nós todos!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: -Tombou a velha nau, a última nau da Índia! As florestas onde foi gerada vivem espezinhadas sob opressão e sob domínio estranho. Os estaleiros onde foi construída são terra irredenta e martirizada. Morreu de angústia e desespero a velha fragata D. Fernando - mas a angústia pode ser a transfiguradora fonte da renovação, e o mal pode bem oferecer-nos o motivo de acção para o transcendermos!
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador: - Neste momento, em que as labaredas ainda lambem o velho veleiro português, bom é que todos nos lembremos de fazer ressurgir o seu espírito e tentemos tornar possível a continuação da magnífica obra social de que o barco centenário era sede. E preciso que todos, entidades oficiais e particulares, saibam compreender o significado daquela obra e lhe dêem o estímulo indispensável à sua renovação. Neste momento, nesta Câmara, suponho que nenhum de nós deixará de ter uma palavra amiga e carinhosa para o grande impulsionador da Obra Social da Fragata D. Fernando, o nosso querido colega almirante Tenreiro, e também nenhum de nós deixará de confortar o seu desgosto, que é o desgosto de nós todos, prometendo-lhe o mais dedicado apoio para que possa prosseguir, e renovar, e refazer, o que as chamas levaram e o mar sepultou.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador: - O cancioneiro popular português mergulha no sal marinho as suas raízes líricas. E nele encontramos versos que são lições e cauções de gesta: «A minha alma é só de Deus - O corpo dou-o eu ao mar!». A velha nau da Índia deu o seu corpo às águas salgadas do Tejo, mas a sua alma, o espírito da obra que nela se albergava, essa é de Deus, e porque é de Deus não pode morrer!
Tenho dito.
Vozes:-Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Burity da Silva: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: através da rádio, da televisão e da imprensa, chegaram até nós as funestas notícias da tragédia provocada por violento temporal e chuvas que atingiram tão profundamente a vida das populações da cidade de Luanda, a encantadora capital da nossa província ultramarina de Angola. Os órgãos de informação deram-nos bem a medida exacta das trágicas consequências do brutal desastre, das suas graves e profundas dimensões, que atingiram vidas de inocentes crianças, destruíram casas e ruas e provocaram enormes prejuízos materiais, estimados em centenas de milhares de contos.
Foi sem dúvida uma grande tragédia, a maior, conhecida, da história da cidade, como acentua a nossa imprensa.
Vivemos, cá de longe, o drama dos nossos irmãos de Angola, sofremos moralmente as suas angústias nessa emergência tão dolorosa. Também admiramos o seu estoicismo, a solidariedade das suas populações, enfrentando em comum, irmanados numa comunhão de sentimentos, chefes e subalternos, grandes e pequenos, pobres e ricos, no esforço gigantesco, que estão a empreender para a normalização da vida citadina.
Diz-nos a imprensa (do Diário de Noticias de Lisboa dissecámos estes pormenores) que o temporal assumiu aspectos de catástrofe. Não ficou praticamente intacta rua alguma c grandes artérias ficaram totalmente destruídas. Centenas de casas inundadas e muitos milhares de pessoas ficaram sem os seus haveres, existindo também centenas de estabelecimentos comerciais onde as águas reduziram a escombros artigos e mobiliário. Ruas esventradas e autênticos rios caudalosos que arrastavam troncos de árvores, pedregulhos e os mais diversos volumes. Dezenas de casas derrubadas; centenas e centenas de veículos nas posições e situações mais insólitas: danificadas, soterradas ou arrastadas pelo caudal de águas.
E ficamos a meditar, no meio de todo este drama, que a todos atinge - ricos, pobres e remediados -, o drama dos pobres, dessa massa anónima, como muito bem a classifica o repórter, temperada para o sofrimento, sempre conformada, vivendo a sua tragédia com extraordinário estoicismo, sempre pronta aos mais altos heroísmos, as mais edificantes atitudes de solidariedade humana e de compreensão cívica.
Essa mole de gente dos musseques (assim se classificam as extensas zonas suburbanas onde vivem as classes mais modestas e predominado elemento nativo), cujo problema
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habitacional - como cá - merece as maiores atenções dos Poderes Públicos, e bom é que o vá merecendo também das grandes empresas particulares.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não é a primeira vez que esse fenómeno de violentas chuvas ocasiona em Luanda prejuízos incalculáveis.
E lá diz o ditado: «Não há efeito sem causa».
A causa primeira é insuperável, dado que se trata de um fenómeno pluvial. O volume de águas, formando enorme caudal, coincidindo com a preia-mar, pela compressão originada por este facto, necessariamente que provoca o rebentamento dos colectores, já por si insuficientes em relação ao ritmo crescente e acelerado das construções a que o Município não tem podido corresponder proporcionadamente na construção dos indispensáveis esgotos, pois seriam necessárias receitas mais elevadas para atender de forma eficiente e tão rápida quanto o têm sido as edificações a esse imperativo, gerado, afinal, pelo progresso, em holocausto do qual a sociedade tantas vezes tem de pagar duro tributo.
A natureza do solo, arenoso, proporciona o desmoronamento das terras, a deslocação das areias e, em consequência das escavações, a formação de leitos de água, autênticas lagoas e caudais, de que, sobretudo, as chamadas cubatas ou cabanas sofrem as mais trágicas consequências, submergindo-as ou destruindo-as pura e simplesmente.
É este o drama do povo, o drama dos musseques. Mas ele não impede que o são espírito das populações e a sua consciência humana se revelem nos momentos próprios, nos momentos altos da vida colectiva, ainda que angustiosos. Não há preconceitos que se sobreponham, nem paixões exarcebadas por factores emocionais especulativos.
Impera a generosidade, que aproxima os homens numa mensagem que desejaríamos fosse - porque pode e deve ser - perdurável nos corações e nos espíritos.
Inspira-me este comentário o depoimento do Sr. Governador do distrito de Luanda, quando afirma:
Meu maior problema foi a fúria humana, a admirável fúria de solidariedade humana, e não a fúria das águas. Logo na manhã de domingo apareceram dezenas e dezenas de pretos, brancos e mestiços, pedindo-me instruções. Todos queriam trabalhar. Todos queriam fazer qualquer coisa e todos ultrapassaram o querer, porque têm estado realmente a trabalhar. Esta ignorada solidariedade da gente luandense tem sido um pouco esquecida, mas não restam dúvidas de que é um aspecto consolador no meio da maior catástrofe da nossa cidade. Como sempre, nestas alturas, a opinião pública anda à procura de um culpado, e não tem afinal muito que procurar. O grande culpado, ia a dizer o único, é o crescimento vertiginoso da cidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o depoimento do Sr. Governador do distrito de Luanda, nesta hora conturbada da vida da província, é uma prova eloquente do espírito de lealdade, de civismo e dedicação pela causa pública das populações de Angola, sem distinções.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador: - Leva-nos à meditação e a pensar que a nossa vida de relações, a nossa sociedade, portanto, pode melhorar se - parafraseando Sua Santidade o Papa - cada um de nós, por actos e não apenas retòricamente, se souber conduzir dentro dela «não levado pelo egoísmo que divide, mas pela prática generosa de uma caridade desinteressada, único factor eficaz de paz e união entre os homens».
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador: - Li ainda na nossa imprensa o depoimento do antigo presidente da Câmara Municipal de Luanda, que a certa altura, aludindo a idêntica catástrofe verificada naquela cidade em 1955, afirma que «à medida que o tempo passa, o problema agrava-se e cada ano os prejuízos serão maiores, porque maior é a área que incide sobre os canos de esgoto. O problema é tão velho como a cidade, e oxalá possa ser resolvido».
O Sr. Governador-Geral e os seus colaboradores mais directos deram-nos os exemplos mais edificantes de espírito de sacrifício e dedicação à causa pública.
Agiram no momento próprio e tomaram todas as providências emergentes que foram possíveis.
A sua presença em todos os pontos da cidade e subúrbios, insuflando coragem às populações, prestando-lhes assistência moral e material, bem merecem ser destacadas, assim como homenagens são devidas a toda a população, indistintamente, e aos seus diversos sectores representativos pela magnífica coesão de que deram provas.
Não ficaria bem com a minha consciência se aqui não deixasse uma palavra de justiça para com o Exército, Polícia, bombeiros, a imprensa e a rádio, que, para além do dever comum, deram exemplos de civismo bem dignos de referência especial.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador: - As forças armadas que estão a realizar nos meios suburbanos e rurais a autêntica política de reintegração das populações pacíficas na vida do território, traduzida na sua notável acção psicossocial junto das massas nativas, também cumpriram a sua missão de paz, em Luanda, nesta grave emergência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Merecem os seus trabalhos de salvamento, de assistência de toda a ordem e seu denodado esforço a expressão sincera da nossa admiração.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Dois problemas destacados resultam desta calamidade pública verificada em Luanda: o da reestruturação da cidade com vista a reconduzi-la à sua normalidade funcional e o da assistência à população menos favorecida econòmicamente e, por isso, mais duramente atingida pelos acontecimentos.
Sabemos que foram tomadas as providências possíveis nesse sentido. Mas o facto não nos inibe, antes nos impõe o dever de salientar que a Câmara Municipal só com os seus réditos não poderá ocorrer aos encargos inadiáveis da reconstrução das artérias destruídas na sua maior parte e dos esgotos, bem como o necessário aumento destes.
Mais um esforço terá de suportar o já tão sacrificado erário público, que decerto não deixará de acudir ao Município com a sua subvenção directa. E mais encargos terá decerto de assumir o mesmo Município, recorrendo a em-
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préstimo especial, dado que a cidade tem de retomar, e depressa, a sua vida normal, a bem do seu progresso, que o mesmo é dizer da província.
Relativamente ao problema social das pobres populações dos musseques, agravado com esta tragédia, formulo as melhores esperanças de que as instituições de carácter social, cooperando na acção do Governo, no sentido de instalar quantos viram as suas residências precárias ou ruídas ou inabitáveis, não deixarão de promover um sério e operoso movimento de solidariedade, minorando a situação dos que perderam os seus bem parcos haveres.
Visitei há bem pouco tempo a sedo, em Lisboa, do Movimento Nacional Feminino.
Ali opera-se silenciosa e abnegadamente uma extraordinária e eficiente actividade social, humana e patriótica de assistência moral e material às forcas armadas que cumprem missão no ultramar, bem como às suas famílias.
Deixou-me francamente bem impressionado tudo que tive o grato prazer de observar naquela instituição, desde o espírito de equipa e de missão que norteia as suas infatigáveis obreiras, aos seus estoicismo e determinação, isenta de burocratices estéreis.
Tive o gosto de trocar impressões com a ilustre presidente da instituição, dotada de espírito de sacrifício pessoal bem raro, de exemplar dinamismo e de forte expressão de vontade de bem servir a causa nacional em que a mulher portuguesa, sem distinções de classe (porque, como me disse, é uma obra de toda a mulher portuguesa, qualquer que seja a sua condição social ou a terra onde tenha nascido), é chamada patriótica e socialmente a colaborar.
Abordei então as facetas em que me parece poder evoluir a acção social desse movimento em relação ao ultramar na batalha da paz que nos cumpre ali empreender e que assenta na solução dos variados problemas sociais e educacionais a resolver.
Afirmou-me a ilustre presidente a sua esperança de que muito em Angola venha a realizar-se (e estão as medidas em curso) junto das populações, além da assistência moral e material às forças armadas.
O Movimento Nacional Feminino cumprirá ali o lema que lhe serve de guia com o seu «presente» na missão social e patriótica que lhe cabe no âmbito nacional.
Invoco, pois, aqui a necessidade urgente de esta filantrópica instituição nacional - uma das mais felizes iniciativas do País, exemplo vivo de quanto a mulher portuguesa, sem distinções, é capaz nas horas difíceis da Pátria - empreender em Angola, abrindo com chave de ouro a acção que ali se propõe realizar, um «movimento social» amplo e efectivo, como o vem fazendo noutros sectores, em favor dos pobres atingidos pela tragédia em causa, certo de que prestarão mais um valioso serviço à Nação.
O inquérito às necessidades não será difícil com a colaboração das autoridades locais suficientemente informadas.
Da parte da população, do comércio e da indústria de Angola, certo estou também de que não lhes faltará o justo acolhimento, pois o seu movimento mais não será do que a solidariedade com o que já ali se iniciou publicamente.
Este o apelo que aqui formulo, com a mensagem que endereço à população de Luanda, de solidariedade e de compreensão pelo drama vivido e pelas suas graves consequências, que tanto se reflectem na sua vida colectiva, na convicção de que interpreto o sentimento de todos os Deputados por Angola e os demais ilustres colegas desta Câmara, ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... pois todos nos interessamos, como é implícito, pelos problemas que afectem qualquer parcela do todo nacional.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Em seguimento das palavras que acaba de proferir o Sr. Deputado Burity da Silva, sugiro à Assembleia que aprove que no Diário de hoje fique exarado um voto de profundo pesar pela tragédia de que foi vítima a população e a cidade de Luanda e que este voto seja comunicado ao governador-geral.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade a proposta de lei referente à revisão, da Lei Orgânica do Ultramar Português.
Tem a, palavra, o Sr. Deputado Proença Duarte.
O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: não vejo em mim qualquer título que impusesse a minha subida a esta tribuna para entrar na apreciação da proposta de lei em discussão. Talvez porque iniciei a minha vida política e aqui entrei pela primeira vez como Deputado pelo ultramar, por essa magnífica província de Cabo Verde.
Efectivamente tive sempre um pendor natural para me interessar pelas coisas do ultramar português e circunstâncias de outra ordem fizeram com que me mantivesse sempre mais ou menos em ligação com a nossa vida ultramarina e com os diplomas que se publicavam em relação a elas.
Esta talvez a única razão que, não fazendo eu parte da comissão eventual para apreciar a proposta de lei em discussão, me trouxe a esta tribuna para me pronunciar sobre ela.
Antes, porém, de o fazer, permitam-me VV. Ex.ªs que daqui dirija uma saudação especial a todas as populações do ultramar, a todos quantos nessas províncias longínquas da Nação ali procuram continuar Portugal, e uma homenagem muito respeitosa e sentida a todas as forças militares que no nosso ultramar defendem os legítimos direitos da nossa soberania e a paz das populações locais, incluindo as autóctones.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: a proposta de lei em discussão insere-se na linha evolutiva da nossa acção político-administrativa dos territórios ultramarinos.
Essa acção tem-se exercido através dos séculos da nossa missão civilizadora de harmonia com as realidades sociais e económicas desses territórios e sempre com vista a reverter principalmente em benefício das populações autóctones, e não com espírito mercantilista subordinado ao exclusivo enriquecimento da metrópole.
Portugal nunca considerou os seus territórios ultramarinos como simples «fazenda».
O espírito de missão da nossa acção colonizadora teve sobretudo e sempre em vista as «pessoas» que nesses ter-
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ritórios habitavam, e não apenas as riquezas que potencialmente representavam.
Por isso, à medida que se fazia a ocupação efectiva dos territórios, logo se procurava ir concedendo às populações aborígenes um estatuto pessoal e político idêntico ao da metrópole, e isto em obediência a uma política de «assimilação» que conduz a estabelecer para as populações ultramarinas os mesmos direitos e deveres das da metrópole.
Nunca, o princípio da segregação racial inspirou ou presidiu à elaboração das nossas leis com aplicação no ultramar.
E bem podemos também dizer que nunca as populações dos nossos territórios ultramarinos viveram no regime de «sujeição» rígida, depois de feita a pacificação.
Não se moldou a nossa acção político-administrativa em relação aos nossos territórios e respectivas populações do ultramar em sistemas rígidos e abstractos, estruturados sobre teorias puras apriorísticas e alheias às realidades humanas e geofísicas a que as gentes e territórios estavam condicionados.
Fomos pioneiros na acção civilizadora de povos de todas as latitudes, com os quais primeiro que ninguém entrámos em contacto e que viviam no obscurantismo de uma vida primitiva.
O nosso conceito da vida construíra-se através de séculos sob o império dos princípios de uma fraternidade universal ditada pela doutrina cristã.
Daí o nosso amor pelas gentes, o nosso respeito pelas suas religiões, pelas suas instituições e pelos seus usos e costumes não contrários ao direito natural.
Já Afonso de Albuquerque, inspirado por esses princípios da igualdade fundamental de todos os seres humanos, fomentou lá, na índia, o casamento de metropolitanos com indianos.
Marcou, assim, um princípio de convivência humana, a observar entre colonizadores e colonizados, que de facto sempre presidiu à nossa acção colonizadora através dos séculos.
Quando no Brasil, por desmandos dos representantes da metrópole, se exerciam violências ou se tratava com menos humanidade os aborígenes que lá encontrámos, logo se erguia a voz forte c humanitária do insigne P.º António Vieira em defesa dos direitos dos índios que nos cumpria civilizar, e não espoliar ou extinguir.
Por estes métodos, altamente compreensivos dos deveres humanos, formámos nos territórios ultramarinos sociedades multirraciais, a que Gilberto Freire, com indiscutível autoridade, chama sociedades luso-tropicais.
Por esta nossa conduta humanística fomos criticados através dos tempos e acusados de degradadores da raça branca.
Certo é que tais críticas encobriam sempre objectivos de cobiça e desejos de nos espoliar desses territórios para serem incorporados nos domínios de outras soberanias de tendências imperialistas, só para aumento do seu poder político o económico.
É bem frisante testemunho do que se afirma o que então escreveu Chamberlain, na sua Pall Mall Gazetl:
Portugal é obrigado pela força das circunstâncias, mais cedo ou mais tarde, a abandonar Moçambique. Todos sabem isso. Quem ocupará o lugar dele? A esta pergunta ligam-se os mais vitais interesses da nossa política. Pela grandeza dos seus interesses na África Austral, a Inglaterra paira, com toda a sua proeminência, acima das outras potências e apresenta-se como a nação para a qual essa região deve passar.
E também Cecil Ehodes dizia, referindo-se aos nossos territórios no continente africano:
A expropriação de Portugal impõe-se como medida de utilidade internacional.
Não era o amor pelas populações autóctones que ditava tão agressivas opiniões; era sim e sómente o fim da «utilidade» económica, para benefício das empresas da city londrina.
Já então, como hoje, os cobiçosos do produto do trabalho e sacrifício alheios promoveram do exterior a revolta e a subversão que conduz ao caos, persuadidos de que viriam eles, depois, a ser os beneficiários do incêndio que ateavam. Como se enganavam ...
Mas os apetites dos poderosos de então entrechocaram-se e os conluios que estabeleceram para dividir o património alheio não chegaram a levar a cabo quanto pactuaram.
A acção perseverante desenvolvida em todos os campos pelos responsáveis pelos destinos da Nação impediu que fôssemos espoliados do que legitimamente nos pertencia.
Valeu-nos, além da acção governativa, a decisão e heroísmo dos nossos soldados que nesse momento ocupavam os territórios do ultramar e defendiam lá a nossa soberania, por forma tal que fizeram paralisar os apetites dos poderosos de então.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E esses territórios ultramarinos continuam a fazer parte do todo nacional.
E os que então queriam dilatar em África o seu império à custa do que desde há séculos nos pertencia legitimamente vêem hoje destruídos esses impérios, e tiveram de abandonar os territórios que ali possuíam, porque nunca souberam assimilar as populações autóctones, pois apenas orientaram a sua acção colonizadora no sentido de rendabilidade económica desses territórios em benefício das respectivas metrópoles.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E deles se não poderá dizer hoje o que a respeito da acção dos portugueses em África escrevia J. Darcy na sua obra La conquête de l'Afrique, citada por Bento Carqueja, quando aquele vaticinava o desaparecimento de Portugal da África por força da acção espoliativa dos poderosos de então.
Escrevia ele:
Se é verdade que cabe história aos povos sem defesa, belas páginas terá ela a consagrar a Portugal.
Dirá que Portugal foi o primeiro a mostrar além-mar o estandarte do cristianismo e o símbolo da redenção, que durante séculos marchou na vanguarda de grande cruzada da civilização e da fé; que a religião, a humanidade, a ciência, muito devem aos esforços e aos gloriosos trabalhos desse povo. Dirá também - porque a história deve reconhecer tanto o mal como o bem - quais foram os erros deles nos maus dias, qual a sua dilatadíssima fraqueza, a sua culposa imprevidência; mas a história não pode esquecer que esse povo se viu só no meio dos seus sofrimentos, que foi sempre justo e equitativo com os vencidos, que os povos em que dominou nunca foram escravizados nem arruinados e que nem só uma mancha maculou as cores brilhantes da sua bandeira.
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Este vaticínio do desaparecimento de Portugal da África não se cumpriu, nem jamais se cumprirá, não só para honra e glória de Portugal, mas também para bem das populações autóctones, da sua progressiva ascensão, e para bem da comunidade inter-racial que nos temos esforçado por estabelecer e sobre ela continuarmos uma civilização de que somos pioneiros e é o verdadeiro caminho para a paz entre os homens e as Nações.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Para tanto temos de prosseguir esforçada e acertadamente a obra que vimos realizando através de sucessivas gerações, animados pelo mesmo patriotismo, grandeza moral e alevantados ideais que impulsionaram os que construíram e nos transmitiram esse património sagrado.
O confronto actual entre os resultados obtidos pela nossa acção político-administrativa nos territórios ultramarinos e a de outros povos que já de lá se ausentaram e se orientaram por conceitos e princípios diversos dos nossos mostra, com clara evidência, que somos nós que seguimos pelo bom caminho.
Vamos, pois, prosseguir nele, utilizando os meios e os processos que as realidades do momento proporcionam e aconselham.
As distâncias encurtaram-se; as populações evoluíram sem se desaportuguesar, graças ao sentido que sempre presidiu à nossa acção civilizadora e a despeito da acção subversiva que a insensatez de tantos leva a fomentar, porque apenas vêem a África com olhos cobiçosos que só lhes permite nela descortinar novos mercados para os produtos da sua superindustrialização.
Como disse no início destas considerações, o projecto de lei em discussão visa dar mais um passo em frente no caminho do progresso das nossas províncias ultramarinas. Mas um passo firme, no seu progresso moral, social e económico, que conduza a um robustecimento da unidade nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A esta Assembleia cumpre decidir, em última instância, se são de aprovar as medidas propostas pelo Governo na proposta de lei em discussão para esse efeito.
Todos os portugueses, mesmo os que nunca passaram pelo ultramar, têm um sentimento bem vivo e profundo da legitimidade dos nossos direitos sobre esses territórios ultramarinos, da fraternidade que deve existir entre as populações de metrópole e do ultramar e da legitimidade da igualdade de direitos e deveres de umas e outras.
Daqui advém que o sentimento colectivo requer:
a) Que toda a acção legislativa seja orientada no sentido de manter indiscutível unidade político-nacional de todo o território metropolitano e ultramarino;
b) Que se promova nos territórios ultramarinos a formação de sociedades humanas com grau de civilização idêntico ao da metrópole, concedendo aos indivíduos que as constituem os mesmos direitos e impondo-lhes os mesmos deveres estabelecidos para os metropolitanos, logo que eles tenham adquirido um grau de desenvolvimento que lhes permita fruir, uns e cumprir os outros;
c) Que se conceda às populações ultramarinas comparticipação efectiva e principal na administração da coisa pública local, com os poderes de iniciativa e de deliberação necessários para ajustarem essa administração ao condicionalismo imposto pelas realidades das respectivas regiões, com vista a poderem promover por si um crescente progresso cultural, económico e financeiro.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Creio ser este, também, o pensamento do Eng.º Pereira Jardim, que nesta Câmara representou a província de Moçambique, onde vive e trabalha animado por um forte sentimento de engrandecimento da Nação, quando aqui afirmou, na sessão de 17 de Abril de 1958:
No nosso conceito, a colonização dos territórios ultramarinos visa à realização de verdadeira acção civilizadora ... Para nós a colonização dos territórios ultramarinos dirige-se a criar uma arquitectura em que o equilíbrio se mantenha, procurando a mais larga superfície de contacto que melhor consinta a realização daqueles objectivos civilizadores que nos permita, visando o futuro, alcançar, a distância, a integração de todos os portugueses, qualquer que seja a raça, no mesmo conjunto de anseios, no mesmo nível de aptidões, na mesma realização de deveres, no mesmo exercício de direitos e na mesma "comunhão de ideais ... Destina-se a nossa acção colonizadora a permitir, antes do mais, aquele amplo contacto transmissor do patriotismo nacional e a forjar com sólida têmpera uma unidade nacional.
Também o Prof. Adriano Moreira exterioriza pensamento idêntico, quando escreveu no seu livro Política Ultramarina:
Por tudo pode dizer-se que o sistema português se caracteriza pelos seguintes traços: centralização política, autonomia administrativa e assimilação cultural.
A unidade política nacional encontramo-la afirmada e definida na Constituição Política, nos artigos 1.º, 2.º, 3.º e 135.º, e está vincadamente impressa na consciência da Nação.
Por isso, nada pode ser legislado que conduza à desintegração da unidade política nacional.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Orador: - Todos os territórios ultramarinos em que exercemos direito de soberania são parte integrante do território nacional, integração essa cuja legitimidade emerge de direitos históricos, tão indiscutíveis como aqueles em que se apoiam as soberanias de quaisquer outras nacionalidades sobre os territórios que lhes servem de suporte.
Não somos dominadores; nem somos mandatários de qualquer organização internacional com legitimidade para fazer cessar o mandato; não somos tutores.
São tão portugueses, os habitantes dos territórios ultramarinos como o são os do território metropolitano, como está consignado no artigo 3.º da Constituição.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - São portugueses por nascimento e por uma razão histórica com muitos séculos de formação.
E o Estado Português não aliena por nenhum modo qualquer parte do território nacional ou dos direitos de
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soberania, como está expresso no artigo 2.º da actual Constituição Política.
Nenhum dos poderes do Estado pode infringir este preceito constitucional.
Estes são os direitos da Nação em relação aos territórios ultramarinos e respectivas populações.
E quais são os deveres do Estado e da Nação correlativos destes direitos?
Há os deveres gerais consignados no artigo 6.º da Constituição e os especiais para o ultramar português estabelecidos nos artigos 133.º e seguintes do mesmo diploma.
Já acima referimos que a acção político-administrativa portuguesa no ultramar tem sido sempre orientada no sentido de promover ali o desenvolvimento da civilização de que somos portadores e que fundamentalmente se inspira no conceito da fraternidade e igualdade de todos os seres humanos.
Por isso a nossa acção colonizadora, através dos séculos, tem-se dirigido às pessoas, e não às riquezas materiais dos respectivos territórios.
O desenvolvimento e aproveitamento dessas riquezas tal como o temos feito é apenas um meio, e não um fim.
Os nossos primeiros colonizadores foram os missionários; só depois vieram os «serviços», os comerciantes, os agricultores o industriais, enfim os povoadores, como elementos indispensáveis que são também para a formação e progresso de uma sociedade civilizada.
Por orientação da acção governativa e por vocação e temperamento dos nossos povoadores, a nossa actividade no ultramar sempre se dirigiu à formação de novas sociedades multirraciais que pudessem atingir um nível de civilização idêntico ao nosso, de forma a integrar as respectivas populações indígenas no conjunto nacional.
Esta orientação impregna todos os diplomas legislativos que através dos tempos a metrópole publicou especialmente para alcançar tais objectivos nos territórios de além-mar, procurando ajustar as estruturas jurídico-administrativas ao grau de desenvolvimento atingido em cada parcela desses territórios dispersos pelas cinco partes do Mundo.
As alterações à Lei Orgânica do Ultramar Português, agora submetidas à apreciação da Assembleia Nacional, inserem-se na linha de rumo que pode dizer-se traçada desde os primeiros contactos de Portugal com territórios e gentes do ultramar.
A nossa experiência centenária de acção civilizadora de povos, de raças, religiões, usos e costumes diversos e habitando em todos os continentes criou em nós o sentido de sistematização e oportunidade para a promoção política, jurídica e social das populações autóctones dos territórios ultramarinos integrados no património nacional.
Uns evoluíram mais rapidamente do que outros e daí a diferenciação de estatutos elaborados para grupos populacionais diversos, mas fazendo parte da mesma nacionalidade.
Isto permitiu elevar gradual e simultaneamente o nível cultural, social e político dessas populações, de forma a criar nelas um sentimento de colectividade que tem de realizar por seu próprio esforço um objectivo comum de progresso e bem-estar social.
Creio que a proposta de alteração da Lei Orgânica do Ultramar Português, sem se afastar das linhas mestras da nossa política ultramarina, vem, com manifesta oportunidade, fazer o ajustamento da ordem jurídica do ultramar às realidades sociais, intelectuais, morais, económicas e jurídicas que neste momento ali se verificam, mercê do impulsionamento constante que por nosso esforço temos realizado em todos esses sectores.
Na verdade, nessas regiões ultramarinas estão em formação sociedades novas, pujantes de vida e portadoras de novos anseios de desenvolvimento e progresso de toda a ordem, com o fim de se realizarem plenamente e de valorizar a comunidade nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É o momento de lhes conferir esquemas jurídico-administrativos com amplitude e maleabilidade que lhes permita satisfazer esses anseios dentro da unidade nacional em que se encontram integradas, de que se sentem orgulhosas e se propõem continuar.
Não sair à frente desses anseios, a proporcionar-lhes plena satisfação, seria criar nessas sociedades novas a ideia de que só desintegrando-se da unidade nacional poderiam alcançar esses objectivos de progresso e desenvolvimento; seria destruir o forte sentimento de portuguesismo que as gerações passadas criaram nas populações das nossas províncias ultramarinas, que têm resistido, melhor direi, que têm reagido agressivamente a todas as tentativas de desaportuguesamento que tantas e tão variadas influências estrangeiras, disfarçadas de todos os modos e por todos os meios, lá se têm proposto levar a cabo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O meio que a proposta apresenta para estabelecer um ordenamento jurídico-administrativo adequado ao grau de evolução dessas parcelas da Nação é o da «descentralização» a tender para a autonomia administrativa, que sempre tem sido o escopo da nossa política ultramarina.
Portugal não precisa de inspirar-se em sistemas estranhos, nem de agir sob pressões de quem quer que seja, para realizar da melhor forma a acção civilizadora em que providencialmente foi investido e para criar às populações um estado de direito compatível com o seu grau de desenvolvimento.
Porque assim é, podemos encarar franca e abertamente o sistema que a proposta de lei comporta.
«Descentralização» e «autonomia administrativa» são conceitos de direito público, susceptíveis de vário entendimento.
Mas à «descentralização» que a proposta de lei comporta há-de dar-se um entendimento que se confine no conceito e limites dos preceitos constitucionais consignados nos artigos 148.º e 149.º e seguintes da Constituição Política da Nação.
Esse conceito, implícito na Constituição, pressupõe a subsistência da unidade política da Nação e o exercício do poder soberano pelo Governo Central.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Foi sob o império deste entendimento que o Conselho Ultramarino emitiu o seu parecer, afirmando:
Desde que a unidade política da Nação Portuguesa seja ressalvada, como unanimemente foi manifestado, o Conselho só vê para a descentralização administrativa das províncias uma condição e dois limites:
A condição é que fique bem esclarecido aquilo em que essa descentralização ou autonomia consiste, para que não seja possível nem disfarçar nela uma quebra de unidade política, nem negar que ela seja uma verdadeira descentralização.
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Os limites são: 1.º os grandes laços entre todas as parcelas nacionais, sem os quais poderia talvez ainda haver uma certa unidade política, mas faltaria uma unidade real; 2.º a eficiência da própria administração autónoma ou descentralizada, eficiência sem a qual só haveria prejuízo para os administrados.
Por mim dou ao conceito de «descentralização» o entendimento que resulta da definição que o Prof. Martinho Nobre de Melo dela fez em desenvolvido e proficiente estudo publicado na revista jurídica O Direito, em 1931, pp. 34 e segs., quando escreveu:
Descentralização é toda a transferência de poderes, atribuições e serviços de órgãos centrais para órgãos locais, quer se trate de agentes hierárquicos, quer de organismos autárquicos, realizada sob a unidade da lei estadual.
Dentro deste entendimento, considero que todos os órgãos locais para que se transferem poderes, atribuições e serviços passam a exercer a sua função com autonomia, mas movimentando-se «adentro da unidade da soberania, do direito e da jurisditio».
Vejo no sistema que a proposta instaura um «processo» político-administrativo de promover o progresso, o desenvolvimento das nossas províncias ultramarinas, como meio de fortalecer o progresso e a unidade nacional.
O Estado Português, pelo sistema que aqui instaura para as províncias ultramarinas reconhecendo-lhes uma «personalidade jurídica» autónoma, realiza ainda a sua função de justiça distributiva, atribuindo às populações que habitam essas parcelas do território nacional direitos e regalias que as coloquem em posição, potencial, de por si promoverem, quer directamente, quer pela sua comparticipação nos órgãos do Poder Central, o seu desenvolvimento e bem-estar social, em harmonia com o condicionalismo peculiar dessas regiões.
O novo estatuto jurídico-administrativo por que se regerão as províncias ultramarinas de Portugal, com as alterações, que estamos apreciando, à Lei Orgânica do Ultramar, não contém uma simples «desconcentração» de funções pela qual apenas se «aumentam os poderes ou as atribuições dos agentes locais do poder central na definição de Barthélemy.
Não.
O que se constitui é uma verdadeira «descentralização autárquica» e uma «autonomia administrativa».
Na verdade, a «província ultramarina» fica com personalidade jurídica autónoma bem definida.
E uma «personalidade jurídica autónoma» tem poder de iniciativa, de decisão e de liberdade para exercer, no âmbito da lei geral, os direitos que lhe são atribuídos como indispensáveis à vivência da personalidade.
E põem-se à disposição dessa «personalidade» os órgãos correspondentes para, através deles, realizar com eficiência os interesses regionais, que não poderão deixar de se orientar no sentido do interesse geral, entendido este como o interesse da comunidade nacional.
«Descentralização» pode ser «autonomia administrativa»; não é independência.
«Descentralizar» é um meio técnico-administrativo institucional de proporcionar a uma região administrativa a liberdade de promover por si, sob o «influxo da população local», a realização do seu interesse particular, sob a sua responsabilidade, previsão e correspondentes riscos que lhe não permitirão transferir para o poder central a responsabilidade dos insucessos ou estagnação.
Mas a «descentralização» pressupõe necessariamente a fiscalização do «Poder Central», a sua acção coordenadora do interesse geral que só ele, «Poder Central», tem competência para definir e realizar.
Partindo destes princípios político-administrativos e subordinados a eles, não podemos deixar de reconhecer que o novo esquema político-administrativo que se cria com a proposta em discussão para as «províncias ultramarinas» é oportuno, é justo, corresponde às realidades objectivas que impõem novos ordenamentos jurídicos.
Através do novo esquema estabelece-se:
a) A participação adequada das províncias ultramarinas nos órgãos centrais da administração ultramarina: Assembleia Nacional, Câmara Corporativa e Conselho Ultramarino e demais órgãos consultivos de âmbito nacional. É o que resulta da alteração proposta para a base VII da actual Lei Orgânica.
É perfeitamente legítimo que assim se proceda para com as províncias ultramarinas, que tão larga projecção têm já no complexo da vida nacional.
b) Ampliam-se os poderes administrativos dos governadores das províncias, transferindo para eles certas atribuições que estavam afectas ao Ministério do Ultramar, o que resulta das alterações às bases X e XI.
Nada mais justo e oportuno.
O ultramar português é um mundo novo, em fase de crescimento, que se processa com uma intensidade e rapidez vertiginosas, acicatadas pelos progressos científicos e técnicos, pelas solicitações económicas do mercado mundial e pelos anseios do progresso social.
Esse processamento não se coaduna com apertados formalismos, com conspícuos e dilatados pareceres elaborados no Terreiro do Paço, com lazarismos burocráticos, com interferências poderosas de interesses menos legítimos a dificultar o crescimento; com viagens de vinda a Lisboa, ao Ministério do Ultramar, dos pedidos de autorização para instalação de quaisquer actividades industriais ou comerciais sujeitas ao regime de condicionamento de que, dia a dia, os jornais nos dão notícia, como estas para Moçambique: pedidos de autorização para fábrica de cerâmica no concelho da Matola; fábrica de desfibramento, escovagem e prensagem de sisal em Naguema-Mossuril; carpintaria em Lourenço Marques; serração mecânica móvel em Namaponda, concelho de António Enes; serralharia mecânica e civil em Manga-Beira; fábrica de doces, rebuçados e chocolates na Beira, etc. E o mesmo se passa em Angola e demais províncias.
Desta anomalia de um tão apertado condicionamento industrial nestas sociedades em formação resultam reclamações, que se formulam no ultramar, para que se estabeleça maior liberalização para instalação de indústrias e actividades comerciais; formulam-se queixas contra os entraves da burocracia e contra as forças de pressão de grandes empresas comerciais e industriais com sede na metrópole, detentoras de monopólios e exclusivos que impedem o progresso e desenvolvimento económico local.
Por isso me parece que a competência atribuída na alínea a) do n.º 5.º da base XI da Lei Orgânica ao Ministro do Ultramar para «autorizar a instalação, reabertura, modificações no equipamento e mudança de local de estabelecimentos industriais sujeitos a condicionamento» deveria ser transferida para a competência dos governadores das províncias, quanto a indústrias de maior vulto, e para a
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dos governadores dos distritos para as outras, ouvidos os organismos locais competentes.
E que o problema é tanto mais agudo quanto é certo que, segundo o entendimento dado a esta alínea, não era permitido ao Ministro do Ultramar delegar no governador tal autorização nos termos do n.º II da base XI, como opinou o sábio professor de direito administrativo Doutor Afonso Queiró, em anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16 de Janeiro de 1959, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 95, p. 235.
E parece que assim deverá continuar a entender-se, em face da nova redacção do n.º II da dita base XI agora em discussão.
Os territórios ultramarinos estão afastados de mais, em espaço, para se submeter o seu desenvolvimento industrial a um processamento que necessariamente há-de ser moroso em relação ao ritmo acelerado que a vida moderna requer para o desenvolvimento económico.
E essa transferência de competência justifica-se não só pelas razoes apontadas mas, agora, também pela circunstância de já se estarem a instalar nas nossas grandes províncias do ultramar estudos universitários, que necessariamente fornecem a essas províncias novos elementos de alto nível intelectual, que poderão e deverão fazer parte dos órgãos consultivos e de apoio a, administração provincial, como deixa prever o n.º III da base XIII, quando aponta, que na nomeação dos secretários provinciais deve «atender-se não só ao mérito como à experiência das pessoas, adquirida pela sua efectiva participação na vida das províncias».
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este critério de selecção dos secretários provinciais deve, em meu entender e segundo o que lá se ambiciona, tornar-se extensivo a outros postos de comando.
Na verdade, há já nas nossas províncias ultramarinas elites intelectuais e com formação profissional para que se requerem cursos superiores que se sentem, estuo preparadas e reclamam ser chamadas, a desempenhar certos postos de comando na vida administrativa, pois dizem que tais cargos devem ser exercidos pelos que de lá são ou lá vivem há muitos anos; que tenham verdadeiro sentido do condicionalismo da vida provincial, porquanto muitos dos que para lá vão ocupar tais cargos não são mais competentes e mais portugueses do que eles e chegam ali sem conhecer verdadeiramente, com assento na realidade, os problemas provinciais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E nada tem de estranha esta maneira de pensar o sentir, pois é idêntica à que tantas vezes se ouve nos distritos e nos concelhos da metrópole quando se reclama que os lugares de governadores civis o presidentes de câmaras sujam exercidos por quem nasceu ou vive permanentemente nessas divisões administrativas, quem conheça as suas necessidades, as suas gentes e as suas aspirações.
Creio que podemos afirmar ser este também o sentido de orientação do Sr. Presidente do Conselho, que se depreende das declarações que fez à revista norte-americana Life, quando disse:
À medida que os territórios se desenvolvem e a instrução se difunde, as elites locais tornam-se mais numerosas e capazes e as suas tarefas podem ser acrescidas sem risco, antes com vantagem, para a comunidade nacional. E esta a orientação do nosso trabalho ... Por nosso lado, tudo estamos fazendo para que com o desenvolvimento geral se formem as elites que o progresso exige.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E o ingresso nessas elites, nas nossas províncias ultramarinas, não é defeso a ninguém: todos o podem alcançar, seja qual for a cor da sua pele e a sua origem ou as suas crenças religiosas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Daqui deriva que as tarefas da administração pública deverão ser desempenhadas pelas elites locais que para esse desempenho revelem grau de desenvolvimento adequado, «sem. exclusivismos ou distinções» e só «em obediência ao critério, que para nós é fundamental, da escolha conforme as habilitações de cada um. u portanto com exclusão de considerações raciais», como expôs também o Sr. Presidente do Conselho à referida revista norte-americana.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas ainda outras alterações se contêm na proposta que reforçam e categorizam certos órgãos da administração local, com vista a tornar esta mais pronta, mais eficiente e mais impulsionadora de todo o progresso regional.
Essas novas disposições são as que se contêm na base XXIII, que possibilitam a existência, nas províncias de governo-geral, de tantos secretários provinciais quantos os serviços exijam, desaparecendo assim o limite de dois que se contém na base actual.
O governador-geral terá um grupo de colaboradores directos, imediatos, de sua escolha entre as pessoas com mérito e experiência adquirida pela sua efectiva participação na vida da província.
Criam-se, assim, maiores possibilidades à administração local de mais rápida e eficiente resolução dos problemas que interessam à vida colectiva da província e aos interesses particulares que, por imperativo legal, dependem de autorização dos órgãos da administração pública.
Estas peças do sistema correspondem a uma real e autêntica descentralização administrativa.
Também se refundem os poderes e constituição dos órgãos legislativos locais por forma substancial e com ampla abertura sobre os caminhos do futuro da Nação.
Os órgãos legislativos provinciais estão previstos e determinados no capítulo IV do título VII da Constituição Política, e especialmente no artigo 149.º e no artigo 151.º quanto à sua existência e competência.
A sua competência legislativa é limitada, constitucionalmente, às matérias que interessem exclusivamente à respectiva província e não sejam da competência de Assembleia Nacional, do Governo ou do Ministério do Ultramar. Essa limitação encontra-se reproduzida no § II da base XXVI.
Mas o conjunto da administração das províncias ultramarinas está sujeito à superintendência e fiscalização do Governo da Nação por força do disposto no artigo 158.º da Constituição.
É ainda criado um novo órgão auxiliar da função legislativa, que nas províncias de governo-geral se designa Conselho Económico e Social e nas províncias de governo simples tem a designação de Conselho de Governo, como se estatui nas bases XVIII e XXXII. Estes órgãos têm
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atribuições correspondentes às da Câmara Corporativa, pois terão obrigatoriamente de emitir parecer sobre todos os diplomas legislativos.
Da análise das bases da proposta concernentes à organização do Poder Legislativo nas províncias, quer de governo-geral, quer de governo simples, conclui-se que ele é ali organizado em moldes idênticos nos da metrópole.
Todos os vogais do Conselho Legislativo são de eleição directa, excluindo dois nas províncias de governo-geral e três nas de governo simples, que são vogais por inerência de funções, segundo o entendimento que me parece dever dar-se ao disposto nas bases XXV e XXXII.
Em que medida esta nova modalidade de estrutura político-administrativa das nossas províncias ultramarinas respeita e revigora ou põe em risco o princípio constitucional da unidade política da Nação e os direitos de soberania que o Estado Português exerce sobre todos os territórios que actualmente dele fazem parte?
Em que medida esta organização do poder legislativo das nossas províncias ultramarinas poderá promover ou prejudicar o progresso moral, social e económico das populações que as habitam e que ao Estado compete realizar em todas as parcelas do território nacional?
Em que medida o sistema dá satisfação ao preceito do artigo 134.º da Constituição, que determina que «a organização político-administrativa deverá tender para a integração no regime geral de administração dos outros territórios nacionais»?
Pelo que já dissemos, consideramos que, sob o ponto de vista material, formal e orgânico, o sistema cabe dentro dos preceitos constitucionais, pelo que não nos oferece dúvidas a sua constitucionalidade.
Quanto aos demais aspectos enunciados sob que a proposta pode ser encarada, e que são verdadeiramente os seus graves aspectos políticos, parece-me que ela dá satisfação aos objectivos que os preceitos constitucionais se propõem realizar para fortalecer a unidade política nacional e promover o progresso colectivo, o qual importa e integra o desenvolvimento económico e a elevação cultural da população de qualquer parcela do território português.
Na verdade, a criação de órgãos legislativos regionais com competência para legislar sobre matérias que são de interesse imediato, específico e exclusivo dessa província, como está fixado imperativamente na Constituição, em vez de enfraquecer e desprestigiar o Poder Central só o fortalece e dignifica, porquanto este deixa às respectivas populações a liberdade de organizar os seus serviços regionais; permite-lhes exercitarem as suas aptidões administrativas e assumirem a responsabilidade dos resultados da sua acção administrativa.
Confere-se-lhes a liberdade de escolher,- por eleição, aqueles que hão-de ser os representantes nesses órgãos da Administração dos legítimos interesses locais e neles propor e deliberar os meios ajustados à sua realização.
Através do exercício dessas funções estimular-se-á a formação e aperfeiçoamento das élites funcionais e far-se-á ainda a selecção dos que, pelas aptidões reveladas, virão a representar as regiões nos órgãos da administração central - Governo da Nação, Assembleia Nacional, Câmara Corporativa, Conselho Ultramarino, etc.
Realiza-se, assim, uma verdadeira descentralização administrativa, e não uma mera «desconcentração», em que apenas se aumentassem os poderes e atribuições dos agentes locais do Poder Central.
Mas a descentralização não importa a inexistência nas províncias ultramarinas dos órgãos do Poder Central que têm a seu cargo a gestão dos interesses gerais, o exercício dos poderes de soberania e o controle da administração local.
O Governo superintende e fiscaliza o conjunto da administração das províncias ultramarinas, como dispõe o artigo 153.º da Constituição.
A todo o poder legislativo dos órgãos das províncias ultramarinas sobrepõe-se a competência da Assembleia Nacional, do Governo ou do Ministro do Ultramar para em cada momento ampliar ou restringir, pelos processos constitucionais, a competência legislativa dos respectivos órgãos provinciais, quando assim o imponham os superiores interesses gerais da colectividade nacional.
Também através desta «descentralização» legislativa, nos termos em que se propõe e pelos processos de a efectivar, se promove a «integração» das populações regionais nas aspirações, nos anseios, nos ideais colectivos da Nação, satisfazendo, assim, em meu entender, a disposição de carácter normativo contida na segunda parte do artigo 134.º da Constituição, que diz:
A organização político-administrativa deverá tender para a integração no regime geral de administração dos outros territórios nacionais.
É que os órgãos legislativos provinciais ao elaborarem, discutirem e votarem os diplomas legais que cabem na sua competência e que visam a disciplina jurídica dos interesses regionais deverão ter sempre presente que essa disciplina jurídica só será legítima na medida em que se insira no interesse nacional, sob pena de tais diplomas, não se conformando com os preceitos constitucionais, serem inexequíveis por inconstitucionalidade material orgânica ou formal, nos termos do artigo 123.º da Constituição.
E, assim, o funcionamento do próprio sistema político-administrativo que a proposta de lei estabelece põe em movimento e agitação permanente o sentido da unidade nacional que servirá de critério selectivo na eleição dos vogais do conselho legislativo, de determinante nos votos que nele terão de emitir, os quais serão títulos a legitimar a sua natural aspiração a ascender a postos de grau superior nos quadros dos órgãos centrais da administração pública da Nação.
Assim se estimula o culto do patriotismo e da devoção pulo bem comum; assim se exercita a defesa da soberania de Portugal nesses afastados territórios da comunidade nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O esforço local despendido pelos que têm interesse imediato no desenvolvimento do progresso regional nos múltiplos aspectos de que este se reveste fará sobressair e valorizar devidamente a indispensabilidade do auxílio do Poder Central e da colaboração firme com os órgãos locais dele representativos.
E o momento que se está vivendo nas nossas províncias ultramarinas tem posto bem à prova a firmeza do portuguesismo da grande maioria dos que nelas habitam e nelas querem continuar a viver e morrer como portugueses e em território de Portugal.
E tem de se contar com esse sentimento para se estruturar um sistema político-administrativo dessas regiões.
E esse sistema político-administrativo deve conter em si as virtualidades que tonifiquem e afervorem, incessantemente, esse sentimento de portuguesismo, o orgulho de ser português e de agir em nome de Portugal.
«Descentralizar» não é incompatível com elevar à categoria de «nacionais» determinados «serviços» que, pela
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sua amplitude, exigências técnicas e financeiras, só podem ser eficazmente realizados directamente pelo Poder Central, embora com ampla «desconcentração» de atribuições.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E creio que para já importa considerar como nacionais os «serviços de instrução», os «serviços de justiça» e os «serviços das obras públicas», de forma análoga à já adoptada para os serviços da defesa nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Parece-me ser esta a forma mais adequada de dar satisfação ao preceito constitucional consignado no artigo 184.º, que, como dissemos, preconiza a integração no regime geral de administração dos outros territórios nacionais.
Pelo que deixo exposto, tenho para mim que a proposta do Governo tende a dar plena realização aos preceitos constitucionais que marcam o sentido de evolução da nossa política administrativa das províncias ultramarinas, de se caminhar para uma descentralização institucional, autárquica, ajustada ao seu desenvolvimento; que essa descentralização deve dar-se não só em relação ao Poder Central, mas também nos diferentes graus da administração local, sobretudo nas províncias de grande extensão territorial; simultaneamente tem de se proceder a uma eficiente «desconcentração» dos poderes dos órgãos da administração central para os seus representantes nessas províncias, que ali executam um «serviço nacional».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A descentralização autárquica não deve ser uniforme para todas as províncias, mas sim adaptada, através dos respectivos estatutos, ao grau de desenvolvimento e às circunstâncias peculiares e diferenciadas de cada uma delas.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Só essa é a verdadeira descentralização.
O Orador: - Só esta é a descentralização, o resto é desconcentração.
Os estatutos das províncias devem ser elaborados tendo em consideração não só a letra mas o espírito, os objectivos da proposta governamental, que visa, por um lado intensificar e desenvolver a vida local através de uma mais activa participação das populações na sua administração, na escolha dos seus representantes para os cargos de que depende a iniciativa, o impulsionamento e a orientação da obra administrativa que convém realizar para o progresso e bem-estar colectivo; e por outro assegurar e fortalecer unidade nacional articulando e estabelecendo interdependência e coesão entre os interesses materiais e culturais de todas as, populações da Nação Portuguesa.
Sr. Presidente: a amplitude dos preceitos constitucionais concernentes ao ultramar português comporta e condensa ideais generosos e humanitários que sempre têm presidido à nossa acção governativa quer na metrópole quer no ultramar.
Antes que tais ideais tivessem sido proclamados nas assembleias internacionais, na Sociedade das Nações, nas Nações Unidas ou noutras, já por nós eram praticados, autêntica e persistentemente, em todos os territórios sobre que se exerce a nossa soberania, em benefício das populações autóctones.
Por isso temos sobrevivido a todas as conjuras e cabalas contra nós urdidas por inconfessáveis interesses de «mercantilismo ideológico do Novo Mundo», que ora uma vez mais contra nós arremete cobiçoso e disfarçado sob as aparências falazes de novas teorias político-sociais, que, transportadas para a prática, só têm sido causa de retrocesso ou, melhor se dirá, de regresso a novas modalidades de barbárie.
Em lances idênticos da nossa vida nacional a firmeza da nossa conduta e das nossas decisões, apoiada na justeza do nosso direito e na força da nossa coesão, tem resistido triunfantemente a todas essas conjuras e cabalas, que não conseguem afastar-nos da linha de rumo há tantos séculos traçada.
Vamos, pois, afoitamente, continuar nessa linha de rumo.
A proposta de lei em discussão corresponde a realidades do momento presente e às perspectivas do futuro da Nação.
Satisfaz aspirações e anseios das populações portuguesas a que se destina a nova estruturação político-administrativa que se estabelece e será impulsionadora do progresso económico, social e cultural dessas populações e de robustecimento da unidade política da Nação. Será ainda fomentadora de colectividades multirraciais, que são condição de paz universal.
Dou o meu voto na generalidade à proposta do Governo em discussão.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Manuel João Correia: - Sr. Presidente: subi a esta tribuna porque não quis deixar de juntar a minha palavra aos que vão discutir a proposta de lei que estamos apreciando. Vai discutir-se a proposta de alterações à Lei Orgânica do Ultramar, proposta de lei de tanto interesse para a vida da Nação e nomeadamente para a vida do ultramar português.
Criou-se à volta desta proposta um ambiente de verdadeira curiosidade e expectativa, como era de esperar. Não faltaram as mais desencontradas opiniões, as mais acesas discussões, os mais interessados comentários. Quem, como eu, viveu em Moçambique os dias de excitação e ansiedade em que decorreram as sessões do Conselho Ultramarino, na segunda quinzena de Outubro último, foi testemunha desse momento histórico em que o problema da descentralização administrativa do ultramar português foi largamente debatido naquele alto órgão da administração ultramarina..
O ultramar estava cansado de um sistema administrativo que não lhe permitia o livre desenvolvimento das suas aspirações de progresso e viu, portanto, na decisão do Ministro do Ultramar, ao convocar o Conselho Ultramarino para pronunciar-se acerca da revisão da Lei Orgânica, um farol de esperança que se acendeu na noite profunda das suas preocupações.
Aproveito, pois, esta oportunidade para render as minhas homenagens ao estadista que, no momento próprio, lançou sobre as populações do ultramar, atormentadas pela psicose da dúvida e da incerteza, o facho luminoso da confiança e lhes transmitiu a promessa de que a Mãe-Pátria, debruçada sobre o Atlântico daquele extremo da Europa Ocidental, procurava carinhosamente corresponder às aspirações desse vasto mundo que o português criou, no dizer expressivo de Gilberto Freire.
Mundo que o português criou com o génio da sua aptidão incomparável para conviver e misturar-se com outros po-
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vos, com o esforço do seu trabalho de gigante, com as lágrimas de dor vertidas nos momentos de infortúnio e com o sangue com que regou, na dura luta pela sobrevivência, os mesmos campos de lavoura que a sua enxada tinha rasgado no trabalho da conquista do pão.
Nós, gente do ultramar, que sempre nos temos batido por uma descentralização administrativa que permita o franco desenvolvimento das nossas províncias, estamos agradecidos ao Prof. Adriano Moreira pela iniciativa que então tomou.
Sabíamos, e sabemos, que era decisão determinada pelo Governo, que superiormente dirige a vida e os destinos da Nação, mas a verdade é que o messianismo da palavra de Adriano Moreira, ao anunciar a decisão tomada, deu nova esperança aos povos ultramarinos, cujas cabeças, das cores de todas as raças de que se compõe a multirracial Nação Portuguesa, viraram bruscamente, num gesto de súbito interesse, na direcção dessa Europa distante onde repousa a Mãe-Pátria, respeitada e veneranda, para ouvirem a palavra confiante do homem do Governo que falava a sua própria linguagem.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Diz-se no douto parecer do Conselho Ultramarino, ao fazer-se referência à reunião daquele Conselho para a revisão da Lei Orgânica do Ultramar, que tinha sido nela «reafirmada a fundamental unidade política».
Este é o verdadeiro estado de espírito do ultramar: a unidade política, a unidade nacional. Mais ainda: uma inquebrantável unidade nacional.
Podemos discutir problemas de ordem económica, podemos discutir problemas de ordem social, podemos discutir problemas de ordem administrativa, mas queremos que fique bem clara e ressalvada - no que a palavra patriótico tem de mais elevado e sublime - as altas intenções patrióticas que orientam todos os nossos actos e propósitos.
Dentro da grande Casa Portuguesa, como no seio de qualquer família, podem chocar-se, por vezes, interesses de vária ordem; podem os filhos, em dado momento da sua vida, entender que há decisões de natureza económica, financeira ou administrativa das suas casas que podem ou devem ser tomadas unicamente por eles próprios. Mas isso não quer dizer que os laços de família - sagrados laços que sempre devemos respeitar - tenham sido quebrados, que os filhos deixem de estar vinculados à casa paterna.
As nossas províncias ultramarinas, nomeadamente as grandes províncias de Angola e Moçambique, poderão entender que a sua economia deve crescer livremente, limitada apenas pelas suas restrições naturais, sem que outras regiões, embora também portuguesas, possam prejudicar esse desenvolvimento por causa dos seus próprios interesses; podem desejar que uma ampla descentralização administrativa permita que muitas decisões, ainda hoje dependentes do Ministério do Ultramar, sejam tomadas pelos governadores, governadores que afinal são representantes de toda a confiança do Governo Central; podem aspirar que uma maior descentralização possibilite que muitas funções administrativas respeitantes às províncias ultramarinas não dependam de funções executivas apenas atribuídas ao Ministro. Mas nenhuma destas aspirações põe em perigo, em qualquer dos seus aspectos, a unidade política da Nação, que todos nós, como portugueses, devemos defender e preservar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Este é um aspecto da questão, nunca me cansarei de repetir, que os Deputados do ultramar - e tenho a certeza de que esta é a opinião de todos - desejam deixar bem claro e sem que qualquer sombra de dúvida subsista no espírito seja de quem for.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pertenço a uma família que conta já a terceira geração nascida em Moçambique. E como eu tantos outros, tantas outras famílias. Pois posso afirmar, em boa verdade, que em nenhuma destas velhas famílias moçambicanas, que em nenhum dos descendentes dos colonos que demandaram a província há muitas décadas atrás, para nela se fixarem e nela fazerem brotar o fruto honrado do seu trabalho,- se nota a mínima deterioração nos seus sentimentos nacionais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Penso até que os descendentes dos colonos poderão desempenhar um papel importante na consolidação dos elos que hão-de ligar cada vez mais os portugueses de origem africana aos portugueses oriundos da Europa.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Desde que nascemos, convivemos estreitamente com os nossos compatriotas de origem africana. Com os nossos condiscípulos ou com os nossos moleques brincámos, nos doces anos da infância descuidada, debaixo dos cajueiros de saborosos frutos; com eles nos lançámos em correrias, por manhãs de sol tropical, à procura de tinholé; nas nossas caminhadas pelo mato arranhámos a pele nos espinhos acerados das mesmas mincaia ou colhemos as mesmas massala verdes. Muitos falam a língua vernácula nativa, como se de próprios africanos se tratasse.
Este é o espírito de simpatia e de amizade que frutifica entre homens que. embora de epidermes de cor diferente, caminham, ombro a ombro, pelas mesmas estradas que procuram o engrandecimento da Nação; que trabalham juntos nas mesmas fábricas, nas mesmas oficinas, nos mesmos escritórios, nas mesmas repartições públicas; que se sentam, lado a lado, nos bancos das mesmas escolas, nas mesas dos mesmos restaurantes e cios mesmos cafés; que convivem e trabalham, na defesa dos interesses dos círculos que representam, nesta mesma Assembleia Nacional. Este é o verdadeiro panorama do mundo português. Orgulhemo-nos deste panorama e trabalhemos afincada e corajosamente para que a harmonia que sempre reinou entre as diversas etnias que compõem esse mundo não seja perturbada pela incompreensão de aspirações que nada têm que ver com a unidade política da Nação.
Todas as afirmações que consciente e construtivamente tenho feito nesta Câmara, nas modestas mas sinceras e bem intencionadas intervenções que aqui tenho apresentado, representam a opinião corrente em Moçambique. Pois posso afirmar, uma vez mais, com a mesma franqueza e a mesma sinceridade de sempre, que é desejo convicto e inabalável de Moçambique manter-se estreitamente ligada à metrópole, numa verdadeira e robusta unidade política.
São por demais conhecidas as palavras cheias de desassombro que Mouzinho de Albuquerque escreveu quando pediu a exoneração do cargo de comissário régio de Moçambique, após a publicação do Decreto de 7 de Julho
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de 1898, em que - no próprio dizer do grande cabo de guerra - «eram restringidas as funções dos comissários régios».
Recordemos essas palavras que, embora distanciadas deste momento pelo longo decurso de 65 anos, continuam a revestir-se da mesma oportunidade. Disse Mouzinho, na circular que então dirigiu aos governadores de distrito da província, explicando os motivos que o haviam levado à renúncia do alto cargo que desempenhava:
A grande distância e morosidade e pouca frequência de comunicações e o pouco conhecimento e defeituosa compreensão que há na Europa das necessidades e circunstâncias mais atendíveis nos países do ultramar tornam improfícua, quando não nociva, a administração directa do Governo da metrópole nas colónias.
Desapareceram, entretanto, com os benefícios da ciência e da civilização, a «morosidade e pouca frequência de comunicações», vencidas hoje pela rapidez dos transportes aéreos, mas continuam infelizmente a subsistir as outras graves deficiências apontadas pelo grande comissário régio.
Na carta que nessa ocasião escreveu ao Presidente do Conselho de Ministros, cujas palavras deveriam ser profundamente meditadas por todos os homens que alinham na administração ultramarina, Mouzinho disse ainda, numa crítica severa aos processos administrativos dominados pelo nocivo espírito da centralização:
Tenho dito e escrito que Moçambique só pode prosperar - mais do que isso: fugir à alheação ou à ruína - quando governada absolutamente por quem tenha largueza de atribuições, às quais corresponda, é clavo, a mais efectiva responsabilidade.
Pronunciei as palavras que acima ficaram transcritas como se desejasse, desta maneira, que a voz de Mouzinho - que sempre pôs acima de todos os interesses o interesse da Pátria - se erguesse do silêncio em que para sempre se apagou na rigidez da morte e pudesse, neste momento, ser aqui ouvida, ao lado das nossas vozes, na defesa da descentralização administrativa do ultramar português.
António Enes, que também sempre defendeu vigorosamente a descentralização administrativa e apontou com energia os prejuízos que resultavam de tão nocivo sistema, escreveu no seu famoso relatório sobre Moçambique esta frase que, na sua síntese expressiva, diz tudo quanto eu pudesse acrescentar à palidez deste meu despretensioso discurso: «... porque em Moçambique é que se há-de governar Moçambique».
Vem a presente proposta de lei à apreciação desta Câmara num momento em que acontecimentos graves preocupam a Nação. Alegra-me, pois, registar que, com a sua aprovação, será dado um grande passo em frente na satisfação de muitas aspirações do ultramar português.
Eu não faria esta afirmação se esta não fosse a verdade. Por mais de uma vez, tenho feito nesta Câmara a crítica áspera a aspectos ou situações da vida ultramarina que reputo errados. Estou, portanto, perfeitamente à vontade - e até pela independência com que sempre me apresento aqui - para quando um caso se depara, como este, em que são satisfeitas aspirações do ultramar, mostrar a face boa da questão. Não quer isto dizer que tudo ficará sanado com a aprovação da presente proposta de lei, que tudo ficará resolvido, que todas as aspirações ficarão satisfeitas. Não. Ainda há muitos passos mais a percorrer no caminho das aspirações dos povos ultramarinos. Muitos desses passos terão, sobretudo, de sei- percorridos no campo das relações económicas. Mas este não é assunto para ser hoje aqui tratado.
Por agora, tenhamos a satisfação de o dizer, vai ser dado um passo em frente na descentralização; por agora, sem que sejam também introduzidas alterações na Constituição Política da República, poucas alterações mais poderão ser feitas à Lei Orgânica. Julgo, pois, que pouco será possível acrescentar ou alterar à proposta de lei. O papel do Deputado do ultramar deverá ser, portanto, defender essa proposta, sobretudo contra a opinião dos que se batem por uma nula integração administrativa, que seria a ruína e a paralisação de toda a vida ultramarina.
O caminho que conduzirá o ultramar a uma estrada luminosa de progresso, sem peias, delongas, morosidades, que impeçam o seu desenvolvimento, é o de uma verdadeira descentralização administrativa, não só da metrópole em relação às suas províncias ultramarinas, como também nas próprias províncias dos centros mais desenvolvidos em relação, aos de menor desenvolvimento.
Esta é a essência que ressalta da proposta de lei, proposta que importa, pois, defender como um grande passo dado no sentido de uma maior descentralização administrativa do ultramar português.
Diz-se no relatório que precede a proposta de lei que as disposições nela introduzidas «modificam substancialmente o regime actual».
Assim é, com efeito, embora à primeira vista pareça para o observador menos cauteloso que as modificações não são importantes.
A representação do ultramar no Conselho Ultramarino; a autorização concedida aos governadores para efectuarem transferências de verbas e aberturas de créditos; a nova competência e composição que se dá aos conselhos legislativos, em que todos os seus membros passam a ser eleitos, apenas com excepção de dois vogais natos, os procuradores da República e os directores dos serviços de Fazenda; a criação dos Conselhos Económicos e Sociais nas províncias de governo-geral; as juntas distritais, que deverão ser de natureza electiva, como pediram os delegados de Angola e Moçambique à reunião extraordinária do Conselho Ultramarino; a faculdade da livre elaboração e aprovação dos orçamentos provinciais; a ampliação dos quadros privativos das províncias; a criação das secretarias provinciais, permitindo-se-lhes uma orgânica especializada que em muito poderá contribuir para o rápido andamento dos assuntos e para o acerto das decisões a tomar - são tudo alterações introduzidas na proposta de lei que estamos apreciando, as quais poderão modificar consideràvelmente o panorama administrativo das províncias ultramarinas, com benéfico reflexo no seu desenvolvimento.
Detenhamo-nos um momento no preceito que eleva a categoria dos funcionários que, de futuro, passarão a pertencer aos quadros privativos das províncias. Trata-se de medida de profundas repercussões na fixação e no enraizamento das populações no ultramar. Penso que se poderia ter ido um pouco mais longe na disposição agora tomada, incluindo-se no preceito legislado funcionários de mais elevada categoria, pois tudo o que neste sentido se fizer contribuirá para uma maior fixação demográfica e até para um melhor desempenho dos serviços públicos.
Outro aspecto da proposta que merece relevo especial é o que se refere à nova competência e composição dos Conselhos Legislativos. Com efeito, Conselhos Legislativos donde tenham desaparecido as altas percentagens de funcionários públicos que hoje neles existem, com representação adequada de todos os distritos das províncias, em número e em pessoas que conheçam os problemas, que os levantem e os agitem, que os discutam e os es-
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tudem; assembleias representativas provinciais como aquelas que poderão ser Conselhos Legislativos activos e inteiramente devotados às questões que digam respeito às suas províncias - poderão ter um enorme alcance e uma utilidade que, infelizmente, não têm tido até hoje devido à sua orgânica defeituosa o à sua composição, em grande parte, por pessoas que, sendo funcionários públicos, não podem agir com verdadeira independência.
Põe-se, muitas vezes, no ultramar, uma certa esperança nos seus Deputados enviados à Assembleia Nacional. Mas a verdade é que o nosso papel se torna, por vezes, difícil, pois nem todos os problemas que possamos porventura trazer aqui devem ser levantados nesta Câmara. Quero referir-me aos problemas meramente locais. Ora nós, Deputados do ultramar, que defendemos a descentralização administrativa, não devemos trazer para a Assembleia Nacional problemas cuja solução dependa exclusivamente dos governos das províncias ultramarinas. São, pois, estes os problemas que podem e devem ser levantados e discutidos naqueles Conselhos. Este é também um dos aspectos em que os Conselhos Legislativos, que deverão funcionar em moldes semelhantes aos da Assembleia Nacional, poderão tornar-se em órgãos de orientação de um valor incalculável para a administração pública.
Outros órgãos que vão ser agora criados e que se afiguram muito importantes na sua função consultiva e de estudo e apreciação dos projectos de diplomas legislativos são os Conselhos Económicos e Sociais.
Diz-se no relatório que precede a proposta:
Torna-se evidente que, tanto pela composição como pela competência que lhes fica atribuída, os Conselhos Legislativos e Económicos e Sociais podem ter uma acção importantíssima na administração das províncias ultramarinas.
E ainda:
Depositam-se grandes esperanças nos Conselhos Económicos e Sociais, cuja composição garante uma solução harmónica e um elevado nível aos seus vogais.
Estas palavras, melhor do que as minhas, mostram claramente os resultados que se poderão obter com Conselhos Legislativos e Económicos e Sociais dispostos a trabalhar pelo engrandecimento das respectivas províncias.
Diz-se também no já citado relatório, com referência às novas secretarias provinciais:
Considerável alcance e significado tem igualmente a atribuição de pelouros ou conjuntos de serviços fixos aos secretários provinciais.
E acrescenta-se ainda sobre o mesmo assunto noutro passo do mesmo relatório:
O modo como se regulou a distribuição pelas secretarias provinciais, consentindo aos governadores a interferência que julguem necessária, deve permitir coordenar com maior eficácia todo o complexo aparelho administrativo das províncias.
Compete, pois, às províncias de governo-geral, organizadas e postas a funcionar as secretarias provinciais, tirar delas todo o proveito da nova orgânica, não permitindo que a burocracia, com a sua inércia paralisante, entrave o andamento normal dos assuntos, que deverão ser resolvidos com eficiência e rapidez.
Antes de terminar, quero ainda referir-me, em breve comentário, a duas disposições constantes da proposta, cuja importância desejo salientar.
A alínea c) da base X estabelece que «o estatuto político-administrativo de cada província ultramarina» será aprovado depois de «ouvidos o respectivo governador e o Conselho Ultramarino em sessão plenária». Ora a lei em vigor preceitua que deverá ser «ouvido o Conselho Legislativo».
Julgo indispensável a condição de o Conselho Legislativo ser também ouvido sobre o estatuto político-administrativo da respectiva província, e, por isso, sou de opinião que a proposta devo ser alterada neste sentido, mantendo-se o preceito em vigor. Com efeito, não se compreende que o estatuto político-administrativo de uma província seja aprovado sem que tenha sido previamente ouvido um dos seus mais altos órgãos políticos.
Outra disposição que me leva também a fazer algumas considerações é a consignada no n.º III da base XXXVI da proposta, que determina que «haverá os serviços nacionais que sejam necessários para a boa gestão dos interesses comuns a todo o território do Estado Português».
Há serviços nacionais que, dada a sua natureza especial, têm de manter-se, mas não se caia no exagero de se alargar o preceito ao ponto de se criar uma possibilidade de integração por via de alterações a uma lei que precisamente visam a descentralização.
Atente-se no que a este respeito escreveu a delegação de Moçambique à reunião extraordinária do Conselho Ultramarino. Foram estas as suas palavras:
Os signatários vêem com preocupação a afirmação do ilustre relator geral de que os serviços nacionais tendem a multiplicar-se. Sem menosprezo pelo sincero e honesto esforço dos actuais que vigoram para o ultramar, sente-se que os benefícios que advêm deste sistema não compensam os inconvenientes. Por isso prefeririam não assistir a essa multiplicação.
Seria inútil, da minha, parte, acrescentar mais palavras, pois as que acima ficaram transcritas mostram com clareza a preocupação que poderá dominar as populações ultramarinas perante uma hipótese que desejamos ver afastada para bem longe.
Ao chegar ao fim desta intervenção, feita com os olhos postos no desenvolvimento de Moçambique, quero deixar aqui expresso o meu voto ardente de que as medidas que o Governo tome ou venha a tomar tendentes à descentralização administrativa do ultramar português sejam pilares de conquista para o progresso e para o fortalecimento da unidade política da Nação Portuguesa.
Sr. Presidente: pelo exposto, dou a minha aprovação na generalidade à proposta de lei.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto Carneiro: - Sr. Presidente: nesta hora em que as asas do nosso espírito voam no rumo do mundo português que se estende além dos oceanos, quero saudar, com particular afecto, os ilustres Deputados do ultramar que nesta Câmara erguem a sua voz de aplauso e de combate, de entusiasmo e de esperança, em prol das terras e das gentes que, superiormente, representam.
As suas palavras vibrantes são como as badaladas sonoras de um sino grande a acordar a consciência nacional para a vigília, para a luta e também para a vitória final.
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Que o timbre da sua eloquência, inebriando-se do mais sadio e construtivo portuguesismo, depois de cruzar a Pátria desde o Minho até Timor, retina aos quatro ventos numa proclamação grandiosa, empolgante, inequivocamente nacionalista: «Esta é a pátria minha amada!».
Nesta hora em que sobre nós impende a responsabilidade de estruturarmos novas fórmulas do sistema político-administrativo ultramarino, saúdo todos aqueles que, mercê das funções exercidas em todos os estádios da hierarquia ou sacudidos pelo amor à causa pública, fiéis à nossa vocação histórica e ao frémito incontido da raça, vão cinzelando as pedras da nossa grandeza indestrutível, embora dispersa pelas várias partidas do Mundo.
Na hora em que pelo meu espírito perpassa, como um galope cintilante, a epopeia dos nossos descobrimentos, saúdo comovidamente aqueles que, tisnados pelo sol tropical, rasgando clareiras na floresta ou ensanguentando o solo esboroado do sertão, se batem numa vertigem luminosa para que o esplendor de outras eras não pereça e a Pátria gloriosa viva.
Sr. Presidente: está dito e redito, embora a obstinação dos nossos detractores não tenha ouvidos para ouvir nem olhos para ver, que Portugal constitui uma pátria pluri-continental e plurirracial.
Nem a história nem o direito, nem a experiência do passado, nem a lição do presente, contestam a existência e a legitimidade de estados unitários entre cujos territórios medeia a distância geográfica e em cujos agregados populacionais se surpreende a diversidade de raças, de cor, de religião, de cultura, de nível económico, de língua VI vá ou simples dialecto - numa palavra, de diferenciadas etnias.
Se à essência, do estado soberano pertencesse a contiguidade geográfica dos territórios integrantes, forte convulsão abalaria, por certo, a pluricontinental República Árabe Unida e as estruturas políticas de países como os Estados Unidos da América, o Paquistão, a Grécia, a Indonésia, o Japão, as Filipinas e tantos outros, cujos territórios:, nacionais se compõem de parcelas distanciadas entre si centenas e até milhares de quilómetros.
Mas quem assim pensasse esquecia lamentavelmente que, por cima das distâncias, vencendo largos horizontes, num abraço transcendente de união e de concórdia, esvoaça a alma colectiva da pátria.
Nem a diversidade de raças constitui óbice à formação da unidade política. Pelo contrário, os Estados sintetizam, por via de regra, a unidade do poder político, aglutinando subjacentes realidades pluriculturais.
Se assim não fosse, que diríamos dos Estados Unidos, cujas fronteiras abrigam brancos, peles-vermelhas, negros e mestiços numa ampla coexistência, donde tantas vezes, e apesar de tudo, se ausenta a ordem, a paz e a cordialidade?
Que diríamos do Brasil, flagrante e nobre exemplo da mais franca mestiçagem, e da maior parte dos países da América do Sul, onde ao lado dos brancos vive o índio em permanente intercâmbio social?
Que diríamos da Rússia, onde o endeusamento do poder estadual subjuga raças de toda a ordem, se não pela força do direito, pelo menos pelo direito da força?
Que diríamos da Libéria, dessa predilecta pupila do colonialismo económico da América, constituída por dois grupos nitidamente diferenciados, um aborígene e outro de cepa americana, e onde o trabalho forçado é norma corrente da vida?
Que diríamos de quase todos os Estados africanos, constituídos por tribos diferenciadas nos costumes, na religião e na língua, esvurmando ódio recíproco que corrompe, digladia e mata?
Que diríamos dessa índia, execrável adoradora de vacas e de cobras, pejada de párias e de castas desafortunadas, cuja degradação social só é excedida pelo cinismo dos seus governantes?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Por outro lado, nenhum observador medianamente prevenido desconhece a eclosão de racismo que irrompe dos Estados africanos recém-nascidos, onde um reduzido grupo de mandantes, impondo aos demais a sua supremacia económica e política, vive numa ilegítima abastança, enquanto levas de famintos se arrastam como trapos de miséria.
Nem outro padrão que não este poderá constituir a pedra de toque das pérfidas camarilhas de Ben Bella, de N'Krumah, de Sekou Touré e de Adoula.
E não vimos inserta na imprensa diária a bizarra e inconcebível afirmação de um não menos bizarro e inconcebível chefe político de que o cristianismo não poderia expandir-se como religião do continente africano porque Cristo não fora negro?! ...
Não obstante a bruma de contradições, de desvairamento e de demagogia que ensombra a época em que vivemos, cônscios da nossa razão e seguros do nosso direito, podemos afirmar que nem a distância' que separa os nossos territórios, nem a diversidade racial das gentes que os habitam, impedem a unidade do Estado Português.
Sr. Presidente: ao longo dos séculos, o sentido ecuménico e fraternal da nossa acção civilizadora, aliado ao anseio persistente de unidade nacional, foi o cunho da nossa política ultramarina.
Pode aquela constante ter sofrido, no fluir dos acontecimentos, momentâneos eclipses, mas, passados estes, voltava a fulgir com o mesmo deslumbramento.
O sonho do Infante consubstanciou uma Primavera sempre em flor ...
Por isso, nestes plúmbeos tempos que decorrem, não obstante a leivosa campanha de uns e a traiçoeira passividade de outros, Portugal, numa indefectível coerência com o ideal da sua história, não pode aceitar para as suas províncias ultramarinas outro regime que não seja o da integração prevista nas disposições do nosso diploma constitucional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não uma integração do ultramar na metrópole, mas uma mútua interpenetração da metrópole e do ultramar e consequente integração do todo na unidade nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Uma integração social pela ausência da discriminação rácica e pelo incremento da miscigenação, tão peculiar à colonização portuguesa; integração política pela igualdade de direitos de todos os cidadãos; integração económica pela consolidação do mercado único do espaço português.
Não uma integração prematura, brusca, precipitada, mas uma integração reflectida, progressiva, processada ao ritmo evolutivo dos fenómenos sociais.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Nunca aceitaríamos uma autodeterminação cujo conceito envolve em si mesmo a negação da unidade nacional pela aceitação implícita de uma soberania redutível e fraccionável.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Uma autodeterminação que, não traduzindo qualquer movimento interno, cristaliza a cobiça desenfreada de abutres carniceiros a farejarem do exterior; uma autodeterminação que, dado o confuso condicionalismo internacional, seria antes uma babilónica heterodeterminação, um ambicionado trampolim que guindaria ao Poder intrusos flibusteiros sugadores de sangue e do património alheios.
Nem tão-pouco aceitaríamos uma associação padronizada pelo figurino inglês, em que as diversas parcelas foram átomos de um utilitarismo económico; uma associação em que uns governam e outros governam-se; em que uns exploram e outros são explorados.
Nem de igual modo conquistaria o nosso assentimento um sistema de autonomia interna que pudesse camuflar desígnios inconfessáveis, permitindo a perseguição do branco e a inferiorização do negro para dar lugar ao neo-colonialismo das grandes plutocracias e poderosos monopólios em que poucos comem e muitos são comidos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Votaremos uma integração que corresponda ao entrelaçar de sentimentos, a uma comunhão de interesses, à mais ampla fraternidade humana e cristã; uma integração em que todos se sintam irmãos em redor do pátrio lar, usufruam da igualdade de direitos na comunidade política e, contentes, se aqueçam ao sol da mesma soberania.
Sr. Presidente: só a integração delineada no texto constitucional serve os supremos interesses nacionais e corresponde à linha de rumo da nossa tradição colonizadora.
Enquanto os ingleses e franceses desenvolveram uma colonização do tipo utilitário; enquanto, nos tempos hodiernos, os americanos se mostram pregoeiros de um neo-colonialismo económico; enquanto o neocolonialismo russo tenta dominar o Mundo, criando vastas zonas de influência política e ideológica; Portugal, enfeitiçado pelo sortilégio do desconhecido, lançando-se aos mares, tendo por companheiras as ondas e a luz das estrelas, demarcou as suas rotas num ímpeto sublime predominantemente cristão e missionário.
Enquanto a Inglaterra, prenhe da preconceitos raciais bem patentes nos países do Commomwealth e nos povos do seu agonizante império colonial, vai outorgando a independência aos seus domínios, porque, incapaz de os integrar, se mostrou, de igual modo, impotente para os manter na injusta condição do dadores d u sangue, suor e lágrimas: enquanto a França associou povos, mantendo a individualidade político-administrativa de cada um e, não raras vezes, vincada discriminação dos grupos populacionais; enquanto os Estados Unidos, passando de colonizados a colonizadores, anexaram o Hawai e Porto Rico, compraram com a força civilizadora do dólar o Alasca e criaram a Libéria com o material humano que, por ser negro, exportaram; Portugal, alheio a distinções raciais, através dos seus sistemas de feitorias, de capitanias, de aldeamentos e de prazos, numa acomodação admirável às condições de espaço e de tempo, instruindo, evangelizando, civilizando, criou num impulso de solidariedade universal a comunidade lusíada, a que a pluralidade de raças e de continentes não entibia a alma singular que a informa.
Enquanto os Estados Unidos proclamam, pela boca de um dos seus sociólogos, que a mestiçagem é a ruína da cultura, Portugal, seguindo um método cujas virtudes o cristianismo aplaude e a ciência confirma, fez dela um poderoso baluarte da sua civilização profundamente humana.
Por isso, partindo de premissas diferentes das nossas, usando métodos diferentes e prosseguindo fins de outra natureza, não estranho que aqueles Estados não compreendam ou simulem não compreender a nossa persistência na defesa sagrada daquilo que, fazendo parte da nossa carne, do nosso sangue e do património intangível da nossa história, constitui também um dos últimos redutos da civilização ocidental.
Roídos de materialismo, não compreendem porque estamos dispostos a lutar, mas não a condescender com a usurpação, com a vilania e com a ignomínia.
Sr. Presidente: ao elaborar as alterações u Lei Orgânica do Ultramar, submetidas presentemente à esclarecida apreciação desta Câmara, bem andou o Governo ao respeitar escrupulosamente os princípios informadores da nossa administração ultramarina consignados na Constituição Política da República.
Porque as províncias do ultramar e da metrópole constituem as paredes mestras do edifício nacional é que se reafirma o princípio da mútua solidariedade entre todos os territórios, consagrado no artigo 136.º da Constituição e previsto na base II da Lei Orgânica.
Porque assumem especial relevo as características emergentes do condicionalismo geográfico, social e cultural do ultramar é que a Lei Orgânica, de harmonia com as conclusões do acórdão do Conselho Ultramarino e conforme à doutrina exarada nos artigos 134.º e 148.º da Constituição, dá maior incremento ao regime da descentralização administrativa e autonomia financeira.
Ao contrário de certas vozes, aliás respeitáveis, não vejo que o regime de descentralização administrativa e o da especialidade das leis, orientação já preconizada por Mouzinho de Albuquerque, António Enes, Aires de Orneias e outros, impliquem por si o enfraquecimento da unidade nacional.
Por isso, tanto um como outro foram consagrados nos artigos 148.º e 149." da Constituição.
Uma coisa é a descentralização administrativa e especialidade do direito e outra é a subordinação incondicional de todos os órgãos titulares do Poder à mesma e única soberania.
Neste aspecto, e para evitar possíveis confusões, convém ter presentes três momentos distintos: a descentralização, que compreende a amplitude de poderes da administração provincial; depois, a forma, como a administração central intervém na administração provincial, a que pode ser efectuada por um ou por vários ou por todos os Ministérios, problema, digno da maior reflexão o que, por agora, deixo em suspenso; por fim, a vinculação de todos os órgãos do Poder ao supremo jus imperii do Estado, pedra do fecho da unidade política nacional.
Por outro lado, parece-me que neste sector da administração pública a tarefa rnais delicada não se situa na extensão das esferas de competência, mas na escolha que se faça dos homens.
Todavia, não poderemos esquecer que o ideal a atingir será encontrar-se na evolução progressiva dos factores político-sociais a fórmula de maior reajustamento do regime do ultramar ao regime geral da administração pública.
O pensamento vazado no artigo 134.º da Constituição prescreve que «a organização político-administrativa deverá tender para a integração no regime geral da administração dos outros territórios nacionais».
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Este pensamento, que já estava expresso na reforma de Mouzinho da Silveira, do 1832, no Código Administrativo de Costa Cabral, de 1842, e na Carta Orgânica de Rebelo da Silva, do 1869, também não foi esquecido pelo legislador actual ao elaborar a primeira parte da base XXXVI da, Lei Orgânica, cujo ordenamento inicial aceita que «os serviços públicos da administração provincial podem estar integrados na organização geral de administração de todo o território português ...».
Por outro lado, parece-me ter chegado o momento de se conceder à Assembleia Nacional maior competência no tocante ao ultramar. Na realidade, não se afigura plausível que para territórios 23 vezes mais extensos que a metrópole a Assembleia apenas possa legislar mediante proposta do Ministro do Ultramar.
E esta reforma parece tanto mais de aconselhar, em momento oportuno, quanto é certo que a base VII da Lei Orgânica em discussão prevê, e muito judiciosamente, mais ampla representação do ultramar na Assembleia Nacional e assento na Câmara Corporativa.
De igual modo, os quadros do funcionalismo do ultramar e da metrópole têm de ser mutuamente mais comunicantes, permitindo o intercâmbio e o acesso dos funcionários aos lugares da respectiva categoria.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A política dos compartimentos estanques não é adequada à defesa dos interesses nacionais.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Até na metrópole.
O Orador: - Sr. Presidente: a época em que vivemos é essencialmente irrequieta e dinâmica.
Assistimos no Mundo a uma viragem das estruturas político-sociais e ao rasgar de novas perspectivas, para onde se abrem as janelas do espírito.
Se é certo que teremos de vedar caminhos abertos pela loucura dos homens, não é menos certo que não podemos ficar presos a um passado naquilo que ele comporte do envelhecido, de anacrónico e de cediço.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se a Providência nos rasgou os olhos na fronte, foi para olharmos em frente, no rumo do futuro, da esperança e da vitória.
s «ventos da história» são ventos de tempestade.
Mas só no pensamento de um escritor jubilado, todas as marés denunciam um astro a cantar vitória para além das nuvens, a maré viva dos espíritos, liberta de limosas penedias que impedem a sua marcha e reflectindo o ouro das manhãs, há-de entoar o seu cântico de triunfo sobre um mundo redimido o iluminado.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão, à hora regimental, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Jorge Augusto Correia.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José dos Santos Bessa.
Júlio Dias das Neves.
Rogério Vargas Moniz.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Martins da Cruz.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA