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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 90

ANO DE 1963 6 DE ABRIL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 90 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 5 DE ABRIL

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 65 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi lido o expediente.

O Sr. Deputado Santos Bessa foi autorizado a depor em processo de inquérito na Inspecção da Assistência Social.
O Sr. Presidente propôs que ficasse exarado na acta um voto de profundo sentimento pela morte do chefe do s serviços taquigráficos, Sr. António Gonçalves de Carvalho.
O Sr. Deputado Moura Ramos falou sobre problemas da juventude.
O Sr. Deputado Agostinho Cardoso referiu-se à necessidade de planificação, ao nível regional, das actividades económicas.
O Sr. Deputado Costa Guimarães também tratou de questões que interessam à valorização das zonas rurais.
O Sr. Deputado Virgílio Cruz aludiu ao desenvolvimento da rede hospitalar do Pais, especialmente nos meios rurais.
O Sr. Deputado Júlio Evangelista chamou a atenção para o perigo resultante da divulgação da literatura estrangeira infantil e juvenil.
O Sr. Deputado Amaral Neto fez considerações sobre a portagem da ponte de Vila Franca.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei de alterações à Lei Orgânica do Ultramar Português.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Herculano dê Carvalho e Jacinto Medina.
O Sr. Presidente explicou os motivos por que não marcava sessões para a próxima semana e formulou votos de boa Páscoa aos Srs. Deputados.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
António Gonçalves de Faria.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.

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Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário de Figueiredo.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 68 Srs. Deputados.

Está aberta a sessão.

Eram 75 horas e 55 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama

Do Dr. Fernando Oliveira, de Aveiro, a protestar contra a publicação do Decreto-Lei n.º 44954.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa o ofício n.º 1/515, de 30 de Março findo, da Inspecção da Assistência Social, pedindo que o Sr. Deputado José dos Santos Bessa seja autorizado a depor na instrução de um processo de inquérito que corre por aquela Inspecção.
Ouvido o Sr. Deputado, declarou este não ver qualquer inconveniente para a sua actuação parlamentar em que seja concedida a autorização solicitada.

Consultada a Assembleia, foi concedida a autorização pedida.

O Sr. Presidente: - Fui tristemente surpreendido com a notícia da morte do chefe dos serviços taquigráficos da Assembleia, Sr. António Gonçalves de Carvalho.
Todos VV. Ex.ªs naturalmente o conheciam, até pelos contactos necessários à elaboração do Diário das Sessões, e todos conheciam os primores da sua educação, cortesia e bom acolhimento.
Os seus colegas aqui da Assembleia tinham também por ele a maior estima e consideração, por o saberem um colega cheio de qualidades.
Proponho que fique exarado na acta um voto de profundo sentimento pela sua morte.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Moura Ramos.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente: desde que a crítica seja feita num sentido são e construtivo e não constitua apenas maledicência, não restam dúvidas de que os governantes estão atentos a ela e procuram, na medida do possível, aceitá-la como traduzindo a vontade da opinião pública que importa respeitar quando alicerçada na seriedade.
Os aplausos a tudo quanto se tenha como verdadeiramente útil à sociedade ou a reprovação de medidas que se considerem como prejudiciais são atitudes de elevado e indiscutível interesse para a Nação.
Cabe-nos a nós, Deputados, por imperativo moral e legal, tomar a iniciativa de abordar os problemas com objectividade, seriedade e isenção, chamando, quando for caso disso, a atenção do Governo para o que julgarmos caminhar mal, mas também não devendo poupar louvores a tudo quanto disso seja digno.
Já por várias vezes se falou nesta Câmara da crise da juventude. Permitam que diga alguma coisa sobre os reflexos tremendos dessa crise.
A circunstância de dirigirmos já há alguns anos estabelecimentos de reeducação de menores desadaptados e de menores delinquentes dá-nos alguma autoridade para afirmar que os jovens libertinos e desorientados são, na maioria dos casos, fruto de uma sociedade corrompida, são filhos de uma época que todos ajudamos a criar com os nossos abusos pessoais, ou, pelo menos, com o nosso comodismo, indiferença e cumplicidade.
E o problema não é de hoje: é de sempre. Já Santo Agostinho, ao diagnosticar o mal, afirmou:

Os tempos são maus, os tempos são difíceis - assim falam os homens.
Vivamos bem e já os tempos se tornarão bons. Nós é que formamos os tempos. Os tempos serão aquilo que nós formos.

Apesar de colocados neste cantinho da Europa à beira-mar plantado, não temos conseguido furtar-nos às «modas», às «novas vagas» que doutros países, reputados mais progressivos, nos chegam.

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De quando em quando lá vai à nossa imprensa dando notícia de alguns casos que alarmam a opinião pública, sobretudo daqueles que partem de rapazes que, lendo pelas modernas cartilhas de educação, se entregam a um viver existencialista (como sei dizer-se modernamente), e que, apresentando-se elegantemente vestidos, de ar agarotado, se perdem pelos bares e cafés, dando-se ares de artistas, descontraídos e relaxados, de linguagem livre, cultivando a anedota e a piada picante que por vezes, cáustica até os próprios familiares.
Nas horas de ócio que lhes restam deste viver despreocupado, sem trabalho sério e útil, entregam-se a actos delituosos, de rebeldia, indisciplina e selvajaria, que põem em sobressalto as famílias que vivem onde eles actuam e que precisam de ser defendidas na sua segurança e tranquilidade, nas suas pessoas e nos seus bens.
As deficientes condições económicas dos agregados familiares, que durante muito tempo foram consideradas factor principal da criminalidade, estão a deixar de ter essa relevância, esbatendo-se também o valor da afirmação de que por cada escola que se abrisse se fecharia uma prisão.
Isto quer dizer que muitos desses jovens libertinos e transviados são filhos de boas famílias, é certo que são poucos ainda os casos que conhecemos, através de uma experiência vivida e sentida, mas os que são do nosso conhecimento chegam para temermos o futuro da nossa juventude transviada, a maior parte das vezes por negligência paterna. Os pais, alheados em muitos casos da vida íntima dos seus filhos (pela absorvente vida social), permitem-lhes uma perigosa liberdade de acção, sob pretexto de que a vida actual não é nem pode ser aquela em que foram disciplinadamente criados e educados.
Tão ligeiro conceito confunde-os e dá-lhes, entretanto, uma errónea noção do que é criar e educar. Presos a esse conceito deplorável, entregam-nos a si próprios e procuram, muitas vezes, por todos os meios ao seu alcance, evitar que eles venham a expiar as suas faltas nos estabelecimentos tutelares ou prisionais adequados.
Vem todo este arrazoado como simples intróito para chamar a atenção desta Assembleia para o importante diploma legal que o Diário do Governo de 27 de Março findo publicou - o Decreto-Lei n.º 44 939 -, emanado do Ministério da Justiça.
Estabelece esse diploma «as sanções de punição para os crimes de furto de quaisquer veículos, peças ou acessórios a eles pertencentes e de objectos neles deixados e de furto do uso de qualquer objecto».
A expansão extraordinária dos veículos motorizados nos tempos modernos teve como consequência o aparecimento de gatunos especializados nos furtos em série de bicicletas, motos e automóveis e dos respectivos acessórios.
Desde há tempo que a nossa imprensa vem apontando o grave perigo que, à semelhança do que acontece noutros países, constitui o furto de veículos ou do seu simples uso, exigindo sérias medidas repressivas, dada a frequência com que estava a processar-se e a gravidade que, em certos casos, revestia.
Nota Ernst Seelig, no seu Manual de Criminologia, que «nos Estados Unidos da América o roubo de automóveis na cara da Polícia passa por ser uma prova desportiva entre os jovens delinquentes». «Até que se inicie a perseguição do carro roubado - diz o citado autor - já o ladrão lhe tem modificado a chapa do número de matrícula e - se o carro não deve servir, mesmo temporariamente, para outro fim criminoso e ser abandonado em seguida num caminho transversal - também o seu aspecto exterior (pintura com outra cor), assim como a matrícula gravada do motor e do chassis».
Felizmente, as coisas entre nós ainda não chegaram a este grau de apuramento, mas é de crer que, se não existissem as necessárias medidas repressivas, os nossos jovens começariam a deslizar com frequência maior, e de maneira insensível, para este género de actividades anti-sociais, uma vez sabido que é o gosto da aventura e do risco que impele os jovens para a prática de graves crimes e para os procedimentos mais pervertidos.
Na maioria dos casos os jovens ficavam impunes quando cometiam delitos desta natureza, não só porque a maior parte das famílias se demitiu da acção educativa que sobre os filhos tinha obrigação de exercer (não considerando criminosos estes actos e deixando-os dar largas aos seus piores instintos), mas também porque a lei penal, na sua finalidade intimidativa e repressiva, não correspondia às exigências actuais.
Na verdade, aos pais e educadores tem faltado coragem, firmeza e decisão para empreender a reforma educativa necessária, aquela que começa no seio da própria família e que ainda é a única verdadeiramente construtiva e eficaz.
Muitos pais e educadores que hoje se queixam da rebeldia e indisciplina dos jovens estão a colher aquilo que semearam: umas vezes, por vergonhosa abdicação, cedendo a todos os caprichos e exigências dos filhos, esquecendo-se de que em educação a ausência de autoridade é tão funesta como o excesso dessa autoridade; outras vezes, abandonando por comodismo a estranhos os cuidados que deviam ter com os filhos e faltando-lhes com a influência que mais lhes penetra na alma - o exemplo.
Por outro lado, com a lei então em vigor surgiam divergências doutrinais na sua interpretação, o que acarretava critérios diferentes de condenação; enquanto para uns o crime de furto do uso de um veículo estava contemplado no artigo 58.º, n.º 7.º, do Código da Estrada, correspondendo-lhe uma pena até seis meses de prisão, para outros o crime teria de ser definido de acordo com o preceituado no artigo 421.º do Código Penal. E como as penas cominadas no referido artigo estavam dependentes do valor da coisa, ter-se-ia de considerar no furto do uso do veículo apenas o menor valor que este passaria a ter para o seu dono.
Daqui se deduzem já os inconvenientes da lei antiga:
1.º Diferentes critérios de condenação, dadas as divergências doutrinais e jurisprudenciais existentes;
2.º Extrema dificuldade em determinar o prejuízo do dono do veículo, quando os tribunais entendessem que o crime teria de ser punido de acordo com o previsto no artigo 421.º do Código Penal, que atendia ao valor da coisa;
3.º Brandura com que tais delitos eram punidos, o que constituía como que um incentivo ao crime, por o fio se alcançarem os tão desejados fins de intimidação ou prevenção.
Protestos se levantaram, pois, na imprensa contra o facto de estes prevaricadores não serem, por vezes, punidos ou de o serem com demasiada benevolência, o que levava as próprias autoridades policiais a fecharem os olhos e a desinteressarem-se da acção repressiva e punitiva.
Foi a todas estas dificuldades e lacunas que o ilustre titular da pasta da Justiça, Prof. Doutor Antunes Varela, sempre atento aos superiores interesses da Nação, veio pôr termo com a publicação do Decreto-Lei n.º 44 939, de 27 de Março findo, diploma legal que pune «em ter-

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mos correspondentes às exigências da época» (como se diz no preâmbulo do decreto-lei) o furto de veículos automóveis ou o do seu simples uso, das peças ou acessórios a eles pertencentes e objectos neles deixados.
A principal inovação da lei consiste em mandar aplicar ao furto do simples uso as mesmas penas, embora atenuadas, que são aplicáveis ao furto dos próprios veículos. A pena até agora considerada aplicável ao furto do uso de automóveis e que tinha, em regra, como máximo a prisão por seis meses, passa a ser (atento o valor normal das viaturas) a de dois a oito anos de prisão maior, com a proibição de a substituir por multa, donde decorre a consequência de uma maior acção intimidativa, situando-se todos os crimes em processo correccional e passando, por isso, a ser permitida a prisão sem culpa formada, com um maior prazo de manutenção de prisão e com a exigência da prestação de caução.
Outra inovação importante é a que resulta do facto de se prescindir da participação do lesado para efeito da instauração do procedimento criminal, bem como o acabar-se com a possibilidade de os ofendidos, nos casos de denúncia, formal às autoridades para procedimento criminal, sustarem a instrução dos processos mediante o perdão aos arguidos.
São estas as linhas gorais do diploma há poucos dias emanado do Ministério da Justiça e que no campo da repressão da criminalidade virá desempenhar acção relevantemente meritória.
Louvores são, por isso, devidos ao Sr. Ministro da Justiça, Prof. Doutor Antunes Varela, a quem a Nação fica devendo mais este grande serviço, decretando, com inteligência, acerto e prontidão, sérias medidas para o justo castigo desta nova casta de delinquentes. Estamos em crer que as providências legislativas tomadas terão não sòmente um alcance repressivo eficaz para evitar as reincidências, mas também um aspecto preventivo-educativo, despertando a atenção dos pais e educadores para a necessidade urgente e imperiosa de oporem séria barreira aos maus instintos dos jovens e a certos maus hábitos que tendiam infelizmente a generalizar-se.
Bem haja, pois, Sr. Ministro, e que Deus o continue a iluminar na adopção de medidas que, como estas, visam os superiores interesses da grei.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: todos sentimos que chegou para Portugal a hora do planeamento económioo-regional.
Depois do esforço restaurador das finanças públicas e de quanto se seguiu no progresso material de um país que o liberalismo arruinara e subvertera, depois dos planos de fomento, sentimos, repito, que se impõe planificar ao nível regional as actividades económicas, em ordem a que da valorização dirigida de cada região, segundo as suas características próprias, resulte o progresso harmonioso da Nação. Isto para que deixe de haver em Portugal regiões subdesenvolvidas e regiões prósperas e o desnível de vida entre II capital e as zonas rurais do interior seja menos saliente.
Por outras palavras: para que o bem-estar do cada português nas áreas urbanizadas e rurais seja menos desigual - tanto quanto possa, sob a ajuda de Deus, a vontade do homem, que pôde transformar Israel, como já aqui foi recordado, de deserto, em terreno fértil.
Parece-me ser este o objectivo último do projecto de decreto-lei n.º 520 enviado pelo Governo à Câmara Corporativa.
Esse sentimento teve-o, certamente, o ilustre Deputado Nunes Barata ao realizar o aviso prévio sobre a potencialidade económica da bacia do Mondego, intervenção acompanhada por esta Assembleia com vivo interesse, tendo dado lugar a um interessante trabalho de equipa que honra o grupo de Deputados que nele colaborou.
Também o Sr. Deputado Alfredo de Brito, na sua intervenção de 1 de Fevereiro do ano corrente, focou aspectos prementes do problema, nomeadamente o da extensão do planeamento regional às ilhas e ultramar e o da necessidade de localizar as novas indústrias nas zonas rurais subdesenvolvidas.
Importa, na verdade, como disse um técnico ilustre, o Eng.º Vasco Leónidas, em recente trabalho, «que rapidamente se consiga uma interpenetração destes dois mundos: o rural e o urbano».
Convicto de que o arquipélago da Madeira apresentava circunstâncias de urgência e portanto de prioridade neste campo do planeamento regional, tentei esboçar há cerca de um ano, nesta Assembleia, a fisionomia económica da minha ilha e do conjunto dos seus problemas, num resumo que tanto comprimi quanto receei fatigar a paciência da Assembleia em ouvir-me.
E que, fixada há muito a definitiva «vocação regional da ilha da Madeira», já nessa altura se divisava o seu próximo e inevitável desenvolvimento turístico, uma vez abertos ao tráfego internacional os seus dois aeroportos e assegurada a regularidade de transportes marítimos.
Esse surto de turismo seria inaproveitado se não se alicerçasse sobre uma estrutura económica, por ora perigosamente insuficiente.
Pretendi em moldes mais modestos do que os Deputados de Coimbra, mas com o fim mais imediato, fornecer ao Governo alguns apontamentos que se me afiguravam impressionantes de realidade e que poderiam sugerir um esquema de estudo, já que a Madeira é sem dúvida uma região bem definida, onde é fácil delimitar «as exigências do planeamento, coordenação e controle de execução», a que se refere o parecer da Câmara Corporativa ao decreto a que já me reportei.
Esse parecer, referindo-se ao Minho e à Madeira, considera-os «áreas em depressão, exigindo reconversões estruturais na agricultura, nas indústrias e em outras actividades».
Ao fazer essa intervenção tive a esperança de que alguém do Governo lesse as minhas palavras; fiz todos os esforços para que isso acontecesse e, tranquila, portanto, a consciência a tal respeito, volto ao meu delenda Cartago, apressando-me a acrescentar um prudente mutatis mulandis, pois trata-se aqui de construir, e não de demolir alguma coisa ou alguém.
Disse então que a Madeira «possuía adentro da economia nacional uma individualidade muito diferenciada», com problemas específicos interdependentes, pouco subsidiários do continente. Analisei os males de que enferma, esbocei apontamentos para o seu diagnóstico e tratamento, reivindiquei soluções a estudar pelos técnicos.
Prestei ao mesmo tempo homenagem ao Estado Novo. que arrancou o meu arquipélago do marasmo secular em que o mantivera o individualismo democrático, e a Salazar, grande amigo da ilha maravilhosa, cujos problemas conhece e segue de perto o que teve a honra e a boa sorte de por ele ser visitada antes de entrar para o Governo.

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Não repetirei o que então disse. Algum curioso de arquivos fique sabendo que foi a 12 de Março de 1962 que isso aconteceu e que ficou exarado no Diário das Sessões n.º 44. Um ano depois, todavia, o assunto ganhou actualidade inquietante, que é meu dever - e não o enjeito - aqui denunciar.
Em que consiste essa acuidade?
Possibilitada a fácil vinda e retorno de turistas, verifica-se uma insuficientíssima capacidade hoteleira, pois que não se pode fazer turismo com 1000 lugares em hotéis, recusando os visitantes que afluem. O turista que chega não vem encontrar uma zona de turismo estruturada. Por outro lado, não basta receber forasteiros e efectuar o arranjo turístico da ilha. É necessário produzir para alimentar o habitante e o turista, a fim de a vinda deste último não corresponder a um descontrolarei aumento do custo de vida.
«O que acontecerá ao funcionalismo público - dizia eu há um ano - e a quantos vivem de rendimentos e ordenados fixos, perante o aumento do poder do oferta que u afluência turística provocará...?
Há hotéis no Funchal que têm já importado do estrangeiro alguns géneros alimentícios...
Os resultados do turismo, como única grande indústria possível na Madeira, serão limitados se a tempo se não coordenar e planificar a sua economia».
Estamos, assim, em face de dois postulados: o turismo precisa não só de transportes regulares, mais de hotéis enquadrados numa estrutura turística.
Uma zona de turismo pressupõe uma infra-estrutura agro-económica. Quer dizer: os dois elementos clássicos agricultura-indústria dizem-se aqui agricultura-turismo.
Chegou-se, na verdade, ao limiar da nova era de turismo para a Madeira, do renascimento de uma indústria em que ela foi pioneira, celebrizando-se no século passado e no primeiro quartel do actual.
Os seus vinhos generosos, a doçura do seu clima e a maravilha da sua paisagem tornaram-na então mais conhecida que o nosso próprio país.
Numerosa e cosmopolita gente enchia os seus hotéis de montanha e casinos, hoje fechados, e alguns hotéis de beira-mar que puderam sobreviver. Doentes do peito vinham procurar a cura. na «Suíça do Oceano». Era num tempo em que não havia pressa em chegar ou partir, em que as férias se não encarceravam, como hoje, em rigorosos limites de tempo, obrigando o turista apressado a partir de Londres, Paris ou Nova Iorque no dia X e regressar no dia Y, deixando a sua agência de viagens a responsabilidade da hora e dia da partida e regresso.
Os ingleses construíram no interior da ilha ou à beira-mar as famosas «quintas» e em lugares por vezes distantes, de difícil acesso nesse tempo, encontram-se hoje casas solarengas rodeadas de parques e jardins que só um grande amor a essa terra pode ter erguido.
No interior da ilha, em lugar paradisíaco, um súbdito britânico construiu uma destas «quintas» e determinou que, após a morte, fosse para ali seu corpo trasladado. No meio de flores silvestres e de vegetação luxuriante, o túmulo do cônsul Henrique Vitch, nó sítio do Jardim da Serra, em plena montanha madeirense, é um símbolo da nossa vocação turística.
Ora o turismo de hoje pressupõe uma estruturação e um ambiente turístico que abrangem hotéis, pousadas, night clubs, piscinas, restaurantes típicos, centros de desporto, etc.
A adjudicação do jogo, que continua a esperar-se, interessa, evidentemente, na medida em que se obtenham vantagens turísticas.
Importa fomentar e proteger com urgência a indústria hoteleira, sob pena de graves prejuízos. Não se negue neste caso à gente da Madeira qualidades de iniciativa. Há poucos anos concluiu-se, com capitais madeirenses, o Hotel Santa Isabel e está em via de conclusão um pequeno hotel residencial. Um outro hotel, que se deve exclusivamente à iniciativa e capitais madeirenses, projectou e vai realizar a ampliação e modernização das suas instalações, com o aumento de 100 quartos. A burocracia estatal, todavia, dificulta-lhe já há tempos o financiamento das obras, embora o hotel valha meia dúzia de vezes mais do que o empréstimo pedido.
Surgiu também uma sociedade por quotas, a Soturna, que pretende construir um hotel de 2.ª classe, para o qual estão a subscrever-se entusiasticamente dezenas e dezenas de madeirenses. Tais iniciativas bem merecem do Estado neste momento auxílio substancial em financiamento o assistência técnica imediata.
Tem-se falado muito, a propósito do projecto de decreto-lei n.º 520, da necessidade de localizar as novas indústrias em locais onde o nível de vida seja mais baixo do que nas zonas já industrializadas.
A localização da indústria de turismo em regiões como a Madeira e o Algarve vem de encontro a este princípio. Daqui apelo para o Sr. Ministro das Finanças no sentido de que sejam investidas verbas substanciais na estruturação do plano regional destas duas zonas de turismo, fora da rotina das escassas verbas do S. N. I., como experiência de planeamento regional de uma indústria em que o capital investido é altamente rentável.
Em relação à Madeira isto teria de significar a solução do conjunto agricultura-turismo, aspecto local daquela simbiose agricultura-iudústria a que se referiu o Sr. Deputado Alfredo Brito. Este binómio é implacável. A Madeira tem, como o continente, a sua monstruosa capital, a cidade do Funchal, que engloba com os seus arrabaldes um terço da população da ilha.
O agricultor, disperso pela zona rural, só indirectamente lucrará com o turismo, e será, como o funcionalismo, vítima desse turismo pelo acréscimo do custo de vida que já começa a sentir-se, se, paralelamente ao fomento turístico, não houver a planificação e coordenação das actividades económicas. Daí ter de vir a encarar-se no futuro a possibilidade de um acréscimo dos ordenados do funcionalismo, como já acontece em parte na ilha de Santa Maria, nos Açores.
O planeamento agro-económico-turístico da Madeira deve incluir, entre outras coisas, a prospecção dos mercados externos, a disciplina de preços, a estruturação a nível distrital dos organismos directivos de carácter económico corporativo e pré-corporativo já existentes, o fomento de produção hortícola especializada e da floricultura, a remodelação da indústria sacarina, em ordem a prepará-la para a integração económica do espaço português, a criação de pequenas indústrias de farinha e conserva de bananas que venham cobrir os deficits acidentais de exportação ou os superavits de produção, a motorização dos barcos pesqueiros e a criação de uma escola de pesca, aspectos pelos quais se tem batido o comandante Moura da Fonseca, actual capitão do Porto do Funchal, para que uma vaga de progresso invada um sector rotineiro da actividade local.
O solo madeirense é fértil e a água abunda ao longo das suas ravinas e ribeiras, mas a rotina de séculos pesa sobre à lavoura, esgotada aqui e além por culturas demasiado intensivas.
Créditos, máquinas adaptáveis aos socalcos madeirenses a utilizar em certa escala, assistência técnica mais

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numerosa, escoamento fácil e valorização dos seus produtos, eliminação de intermediários, reagrupamento da propriedade rural, fomento pecuário pela selecção de raças, higienização de estábulos e valorização das reses jovens - eis do que precisa a agricultura madeirense.
No sector das obras públicas e comunicações, alguns complementos importantes se impõem: primeiro, o porto de abrigo do Porto Santo, garantindo o abastecimento desta ilha, que é complemento turístico da Madeira, e o acesso do seu aeroporto em quaisquer condições marítimas; segundo, a realização de uma 2.ª fase da ampliação do porto do Funchal. Por muito gratos que os madeirenses estejam ao Governo da Nação e aos Ministros das Obras Públicas Eng.º Frederico Ulrich e Arantes e Oliveira por ter-se construído a 1.ª fase do porto marítimo, não posso deixar de dizer que ela corresponde actualmente a uma situação de nítida insuficiência. O porto, cujo apetrechamento ainda está incompleto, fica superlotado com dois navios de grande tonelagem e dois ou três mais pequenos.
Ora, ter um cais acostável e navios de turismo terem de ficar ao largo porque não há lugar no molhe ... é pouco turístico.
Possuir-se instalação de abastecimento de óleos e os navios não poderem atracar para recebê-lo ... é pouco eficiente.
Peço a esta tribuna ao Governo que inclua no próximo plano de fomento a construção do silo para cereais, o porto de abrigo no Porto Santo e a ampliação do actual porto do Funchal.
Foram já electrificadas todas as povoações do arquipélago e simultaneamente construída uma rede de canais de regadio (levadas), na execução de um plano à escala regional, plano e execução notabilíssimos e eficientes, cujo êxito é exemplo nítido de planeamento regional num determinado sector. Mas a expansão da energia eléctrica, que se vai processando e obriga à importação de combustível líquido para cobrir o deficit crescente da energia hidráulica, impõe a construção e apetrechamento de duas novas centrais. Torna-se urgente a concessão do empréstimo insistentemente pedido sob sólidas garantias à Caixa Geral de Depósitos, a fim de acelerar a entrada em funcionamento destas duas unidades.
Há também que repavimentar longos troços de estrada e abertura de outras que através das montanhas atinjam os locais de maior interesse turístico ainda inacessíveis e os caminhos de acesso aos centros de produção agrícola mais distantes.
Ouvi há dias com muito interesse, mas com certa melancolia, a brilhante exposição do Sr. Deputado Jorge Correia acerca da televisão portuguesa. E que, enquanto no continente se investiga quais os locais de insuficiente captação da televisão, na Madeira nós continuamos sem eficácia a pedir há alguns anos a instalação de um posto retransmissor da Emissora Nacional, que se ouve em deficientes condições na Madeira ... em contraste com a nitidez de Moscovo.
Sr. Presidente: concluo e sintetizo aquilo que venho de dizer. O actual momento económico parece indicar a actualidade e importância do planeamento económico regional a que se refere o projecto de decreto-lei n.º 520, tão valorizado por um notável parecer da Câmara Corporativa, embora se admita que novos elementos de estudo conduzam a modificações substanciais na proposta inicial do Governo, no que respeita sobretudo às funções, âmbito e limites dos órgãos orientadores, coordenadores e realizadores, sem esquecer-se que é inútil toda a planificação que não seja seguida de execução. A já histórica vocação turística da Madeira, as suas características geográficas, climáticas e paisagísticas, fazem dela grande cartaz de propaganda e a zona de turismo por excelência de Portugal. O turismo é ali a única indústria possível em grande escala, e que pode fazer subir o nível de vida populacional, como importante fonte de receita que é.
A estruturação da zona turística da Madeira é enquadrável adentro das ideias de planeamento regional urgente neste caso, já que uma notável obra no sector das comunicações aéreas e marítimas começa a fazer afluir à ilha turistas em grande número. Para isso torna-se necessário investir verbas substanciais com as necessárias garantias. Esta estruturação todavia pressupõe a simultânea planificação, desenvolvimento e coordenação das suas actividades agro-económicas, e uma série de melhoramentos a realizar com o apoio das autarquias e outros organismos locais, prontos a tudo fazer para servir a Madeira.
Porque a Madeira é das terras do País que mais evoluíram sob a égide de Salazar, confiam os madeirenses no Governo da Nação, o qual não deixará de ponderar as condições excepcionais desta hora da sua vida colectiva, em face do renascimento turístico que se desenha e que convém não deixar perder, tomando perante ele as decisões convenientes.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Costa Guimarães: - Sr. Presidente: a consciência que todos tomamos dos problemas nacionais determina nos homens que os vivem ou acompanham, e creio que devem ser todos, pois não deverá haver lugar para inconscientes no mundo exigente dos nossos dias, as mais diversas concepções e reacções.
A nós, embora com temperamento latino a marcar a consciencialização inerente, sempre nos habituaram a analisar todos os problemas com sentido disciplinar e objectivo, o que julgo ser mais consentâneo com as realidades das tarefas a executar na conjuntura exigente que se nos depara, integrados como estamos nesta Europa livre, em que o progresso das coisas visa o melhor e mais justo estado social dos povos.
Em consequência, Sr. Presidente e Srs. Deputados, entendi que se nos impunha uma modesta e despretensiosa palavra sobre alguns aspectos que mais directamente visam os sectores económicos da região que aqui nos trouxe, palavra que, definindo uma opinião pessoal, se constituir um lugar-comum de todos sobejamente conhecido, sempre terá o condão de fazer reavivar ou renovar ideias, pois tantos lugares-comuns de bem premente actualidade andam bem esquecidos das práticas dos homens. E por isso mesmo é que nem sempre se confere ao País o incentivo de vida que todos os bons portugueses lhe apetecem.
Empenhados numa batalha económica, tem esta Assembleia exprimido pela significativa palavra e indesmentível portuguesismo dos seus mais ilustres membros o reconhecimento da sua realidade. A essas intervenções desejarei juntar estas minhas breves considerações, que, nos aspectos que focarei, apenas pretenderão constituir possível incentivo para o bem económico, incentivo que aqui se consagrou, de forma significativa, a que me cumpre dar o devido destaque, no brilhante e oportuníssimo aviso prévio sobre o aproveitamento do Mondego, apresentado pelo nosso ilustre colega Dr. Nunes Barata.
É nosso dever, sempre que possível e oportuno, levar a nossa sugestão aos Poderes Públicos, como elementos mais responsáveis das soluções que se pretendem.

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Note-se que acentuo «mais responsáveis», porque não é só à Administração que pesam tais responsabilidades.
Entendo, porém, que melhor sentido de apoio e colaboração conferiremos às apreciações dirigidas à Administração, se, compenetrados da responsabilidade solidária em que nos envolve a nossa condição de elementos da sociedade, procurarmos impregnar as nossas intervenções de um sentido de objectividade e construtividade que as nossas estruturas económico-sociais bem apreciarão.
Desejarei, por o entender oportuno e cabido no intróito desta minha intervenção, relembrar a simples consideração que se nos ofereceu proferir aquando da campanha eleitoral que promoveu o nosso acesso ao responsável mandato que desempenhamos.
Afirmávamos então que não pode competir a uns poucos agir e executar para muitos e muitos viverem apenas na crítica abstracta, sem conteúdo ou premissas projectivas, esquecendo, com a mais flagrante inconsciência, que para se poder criticar, positivamente e com autoridade, haverá primeiro que fazer jus à certeza de que se lutou por essa autoridade, para que, tendo-a conquistado, não seja tal crítica uma ostentação de inexequíveis critérios pessoais ou até de um mero passatempo intelectual.
E porque os problemas equacionados não são de uns quantos, mas responsavelmente cabem a todos, em nível e intensidade que dependem da posição que ocupam e sobretudo do carinho, persistência e boa intenção que lhes votem, é que, com essa boa intenção e sentido prático de realização, sobretudo, deles nos devemos ocupar, agindo em correspondência com a acuidade com que se nos apresentam.
Medite-se que o desenvolvimento da cooperação europeia é um facto e que, estando a condicionar o comportamento político-económico de grandes, ricas e poderosas nações, bem mais afectará as nossas ainda pouco consolidadas estruturas económicas.
Fortes motivos para prestarmos aos incidentes aspectos desse desenvolvimento a mais cuidada atenção e de pautar por ele a marcha para o nosso futuro, com o condicionalismo de pequena nação que somos e da economia vulnerável que nos baseia, mas certos de não podermos deixar de nos integrar na ordem nova que se nos aponta.
Por isso, a necessidade de uma consciência nacional sem restrições, que, ladeando lentidões, relutâncias, enfim, todos os obstáculos, possa processar, com brevidade e urgência, a reorganização estrutural da nossa indústria e da nossa agricultura e vencer também tradicionalismos rotineiros e a tibieza evidente que obsta ao aceleramento progressivo da nossa vida económica.
Sr. Presidente: a batalha económica perseverantemente encetada vem-se cifrando em já apreciável crescimento do produto nacional, crescimento que, podendo afigurar-se reduzido para os espíritos mais cépticos ou insatisfeitos. é bem motivo de congratulação na medida em que o enquadramos no condicionalismo actual da vida nacional.
Esse crescimento, contudo, terá de evoluir em progressão rápida, cobrindo com justeza todas as regiões do espaço económico português, sem que possam ser favorecidas zonas mais evoluídas e até, dentro de cada zona ou distrito, sectores das suas múltiplas actividades.
Por isso, com o oportunismo, a vibração que o caracteriza e o sentimento vivo do seu espírito de bom português e cristão, aqui se referiu aos problemas da lavoura do nosso Minho o nosso ilustre colega António Santos da Cunha.
Com culturas tradicionais que vêm de tempos de antanho - o vinho e o milho -, com processos de evolução da sua execução muito lentos, o lavrador minhoto, e nele englobo proprietários e caseiros, vêm sentindo dificuldades muito duras, que a acção eficaz da Administração poderá encaminhar para resolver na medida em que forem decididamente postos em execução os programas de exploração racional e coordenada e os de também racional e disciplinada comercialização dos seus produtos.
Creio bem que ninguém poderá negar uma manifesta procedência na afirmação de que, se em relação à exploração da terra inquirirmos do lavrador o que dela tem feito, nem sempre nos poderá contestar com absoluta tranquilidade de espírito. E por este facto é que muitos ligados à lavoura têm sido obrigados a procurar fora dela o que esta lhes não tem podido dar para a sua sobrevivência. Esta uma situação de facto que, se não for enfrentada e persistentemente controlada, nos poderá levar a uma situação irreversível.
Já aqui ouvi dirigir veementes apelos à Junta da Emigração para que fossem devidamente acauteladas situações do maior reflexo nacional.
É mister, porém, que às providências a tomar se antecipem outras que dêem remédio às causas, assim evitando a solução extrema de se procurar remédios para os efeitos.

O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem!

O Orador: - E como as causas estão na base de uma aceitável rentabilidade a retribuição da vida no campo, bem mais notável missão será a de promover todas aquelas medidas que tendam à solução pelo melhor para a Nação e também para o trabalhador do campo, a quem, em contrapartida, se não pode coarctar o justo e humano intento de melhoria social através da fuga à terra, e consequente emigração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O problema agrícola português é sobejamente conhecido, e não é na crítica às particularidades que o compõem ou na escalpelização sob os vários ângulos por que possa ser analisado, sem qualquer sentido, que a Nação encaminhará e abreviará a sua solução.
Criteriosamente, com a ponderação que lhe conhecemos e com a autoridade que a sua devoção à causa agrícola lhe confere, o Sr. Secretário de Estado da Agricultura bem recentemente tocou o ponto vital de uma segura estrutura agrária, cuja consolidação importa acelerar não apenas pela actuação dos serviços ou dirigentes, mas também pelo da iniciativa privada e dirigida.
Referiu S. Ex.ª o programa de planeamento e ordenamento agrário e, paralelamente, o de ordenação de um efectivo fomento pecuário.
Nesse plano ressalta a evidente necessidade de uma intensa cooperação para melhor orientação do nosso lavrador, muito especialmente o pequeno lavrador, incluindo neste o nosso minhoto, em missão para a qual, sendo necessária a existência de grande número de técnicos, se imporá um bom acolhimento e receptividade da parte dos homens do campo, para que, processado em ritmo seguro o inventário das melhores possibilidades de exploração agrária que oferece o território nacional a uma agricultura progressiva, usando as palavras do Sr. Secretário de Estado da Agricultura, a sua acção seja bem acolhida e frutifique.
Bem estudados todos os factores que incidem, em tão múltiplos e incontroláveis aspectos, na exploração da agricultura, é de flagrante certeza que todo esse trabalho primário, chamemos-lhe de base, pouco resultará se todas as* responsabilidades da questão forem unilateralmente vividas e se o lavrador não abandonar as já referidas

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tendências rotineiras o sistemas tradicionalistas que, sistematicamente, o levam a deixar-se entregue ao triste ou risonho destino do que a Natureza lhe oferecer. Há que quebrar individuálismos arreigadamente entranhados e tirar o melhor fruto da boa colaboração entre a lavoura e a técnica, e não só desta, como da sã cooperação entre os próprios lavradores.
Exemplo flagrante do resultado desta cooperação é o da acção das adegas cooperativas, que, expandindo-se em unidades e agregados progressivamente crescentes, começam a fazer sentir os efeitos benéficos não só sobre produtos como na economia nacional dos vinhos. Essa acção; consubstanciando-se para já na garantia de colocação de produções, poderá incidir ainda no aspecto da melhoria e selecção das mesmas. E defendendo e até valorizando os preços, por isso mesmo poderá vir a promover o equilíbrio destes rios mercados produtores, garantindo uma melhor rentabilidade a quem está na base do ciclo económico do seu comércio.
O aspecto de financiamento de produções u o de promoção de recolha de colheitas o seu tratamento, com uma organização que assegure uma actuação a tempo, em qualquer lugar e sempre que necessária, será de resultados extremamente vantajosos.
Por isso, todo o entusiasmo com que se conjuguem os esforços dos lavradores e o apoio que a técnica dos serviços oficiais dispensar a estas iniciativas são de desejar e de, saudar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: é o milho, como referi, unia das culturas tradicionais do lavrador minhoto.
O delicado problema do milho, já tão decantado e debatido, tem visto a sua solução arrastar-se por tempos longos, e bem mais do que seria permitido à nossa economia.
Uma análise cuidada do mesmo, em todos os pormenores, levar-me-ia muito longe, tal a soma de reflexos com que repercute na economia do País.
Deixaremos aqui breves apontamentos apenas para justificar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a necessidade de se promover, com brevidade, a viragem já delineada e que importa levar a cabo.
As questões que ressaltam podem resumir-se nos pontos fundamentais de selecção de terrenos, processos de cultura, utilizações de cereal e industrialização.
Quanto aos dois primeiros, sem nos alongarmos, note-se que algo haverá a rever, uma vez que a produção por hectare média para o distrito de Braga não atinge normalmente os 1400 kg/ano, números estes que nos Estados Unidos da América são considerados os mínimos para cobrir o custo de produção.
Frise-se que para atingir aquela média alguns concelhos há onde a produção média por hectare atinge e excede até os 3000 kg/ano.
Contudo, a produção de milho tem-se processado em números crescentes, que, cifrando-se em cerca de 446 0001 anuais no quinquénio de 1951 a 1956, subiu para cerca de 450 000 t, em 1960.
Desta produção foram destinadas à panificação cerca de 250 0001 e o restante utiliza-se na alimentação de gados; e, se a primeira aplicação não é onerosa para a economia nacional, outro tanto se não poderá dizer em relação à segunda, pois que o Fundo de Abastecimento vem suportando um encargo de $48 por quilograma para que os seus utilizadores possam receber a cotação aceitável e compatível copa a do gado a que o destinam.
Note-se que o preço de venda na lavoura é de 2$10, quando a sua cotação na mesma origem se fixava em 1 $60 em 1940.
O desequilíbrio manifesto que todos os números apontados traduzem leva-me a exprimir a necessidade de se dar breve realização aos planos de racionalização e mecanização da cultura deste tradicional cereal, cuja exploração, muito generalizada, cobre cerca de 6 por cento da superfície territorial metropolitana, cabendo ao Minho e Douro, praticamente em partes iguais, cerca de 42 por cento da produção total metropolitana.
Por outro lado, de recomendar o necessário incremento a dar no nosso país aos programas da sua industrialização.
Pela mesma se dará a devida valorização dos subprodutos que o milho poderá proporcionar, extraindo-se para a panificação a farinha mais racional e rica, desprovida de tantos elementos que à alimentação humana nada aproveitam, e frustrando-se o sacrifício, no destino à alimentação dos gados, de elementos ricos, com outras possibilidades de valorização que as rações para animais não permitem.
Registe-se que em França, por exemplo, onde o consumo de pão de milho é irrelevante, a produção deste cereal, bem como as áreas da sua cultura, tem aumentado em números muito apreciáveis, em razão fundamental da atenção votada à sua valorização industrial.
Do milho é possível extrair farinhas limpas, sêmeas para a destilaria de espirituosos, sêmolas para cerveja, amidos, dextroses, dextrinas, xaropes, óleos, pudins instantâneos, tourteaux, etc.
As aplicações subsidiárias, não só em indústrias alimentares como noutras das mais variadas, permitirão uma notável produtividade em cadeia, que bem se reflectirá na valorização do produto e da economia em geral.
Alta missão a cumprir, pois, a de encaminhamento deste cereal para linhas de fabrico actualizadas, com é pleno reconhecimento de que a qualidade pela justa e racional utilização é bem mais seguro aproveitamento do que a quantidade com manifestos aspectos de desperdício.
Aproveitados em larga escala os produtos ricos que o milho pode oferecer, podemos estar certos de que os subprodutos destinados à pecuária terão, em paralelo, substancial aplicação, dada a forçosa evolução com que esta acompanhará o desenvolvimento crescente das explorações agrícolas.
O conjunto de considerações que expendi em relação a dois produtos fundamentais das explorações agrícolas do nosso Minho bem explicam a preocupação dominante dos mais responsáveis na gestão dos seus destinos, na luta pela melhoria das condições de apoio técnico e estímulo empreendedor ao nosso lavrador. Por isso daqui formulamos os nossos melhores votos para que possam colher os frutos de incondicional apoio que, seguramente, lhe poderão votar os serviços oficiais e entidades particulares em todas as iniciativas que possam promover a realização dos seus anseios. Enquadro neste aspecto a justa pretensão da criação urgente, no distrito de Braga, de um centro-piloto de adestramento agrícola.
A região precisa de técnicos, muitos técnicos, agrícolas dos diferentes graus de preparação, e sobretudo de práticos, que dia a dia vivam com a lavoura, desimpregnados de práticas rotineiras ou tradicionais.
Por isso esta pretensão com vista a breve e pronta formação de capazes e habilitados gestores e caseiros, formação que, bem de desejar será, possa ser acompanhada pelo decidido apoio de todos os proprietários agrícolas, a alguns dos quais apenas importa que a Natureza não seja demasiado pródiga para que as «rendas», intactas, sejam pontualmente pagas até aos Santos ...

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Sr. Presidente e Srs. Deputados: as afirmações que venho produzindo poderão colher a impressão de demasiado simplistas. Como, porém, as dirijo também à consciência das gentes simples da nossa lavoura regional, creio-me justificado e espero que pela sua actualidade e procedência possam agitar as consciências de uma actuação eficaz nas bases estruturais da nossa agricultura.
Se a lavoura se debate com problemas que, em considerável massa da sua população laboriosa e beneficiária, são considerados como fatalismo indestrutível, que outras medidas a adoptar, além das que aponto, sejam acompanhadas pela necessária mentalização dos mais interessados, possivelmente inconscientes das responsabilidades que podem controlar.
Valerão bem todas as atenções e zelos que ao sector se votem, em razão do que representa para a vida económica a actividade agrícola, que, ocupando 47 por cento da nossa população activa, contribui com cerca de 25 por cento para a formação do produto nacional.
Sr. Presidente: o desejado crescimento do produto nacional, se pode receber, por via de valorização das condições de exploração da nossa lavoura, apreciável incremento, não depende menos da medida em que os sectores industriais regionais, pela sua perfeita organização, possam manter e aumentar até o estímulo que têm constituído para acentuação do nosso poder económico.
Procurando ser sucinto, quererei apenas referir-me à necessidade de se prosseguir, quanto às actividades industriais, no programa de reorganização definido e de que as Leis n.º 2005 e de condicionamento industrial têm sido até agora os fundamentos inspiradores.
As condições em que vêm processando-se as actividades de alguns dos principais sectores industriais impõem o estudo e delineamento de profundas reformas de princípios.
Se nos referirmos ao caso concreto da importante actividade têxtil algodoeira, sabemos que um estudo cuidado foi elaborado por comissão expressamente nomeada, a que presidiu o ilustre Prof. Doutor Teixeira Ribeiro. Concretamente, neste sector, como de resto em todos os outros fundamentais à vida económica do País em que o problema das respectivas reorganizações não esteja equacionado, importa atacá-lo.
Poderá não ser tarefa fácil, demais que, como já aqui foi referido, e muito oportunamente, pelo nosso ilustre colega Alfredo Brito, haverá que integrar tal reorganização e todos os instrumentos do nosso desenvolvimento económico num esquema único e coordenado, subordinando-o a um criterioso planeamento regional.
Grandes vantagens se colherão se esse trabalho for levado a cabo em aberto diálogo de dirigentes, digo melhor entidades oficiais, e actividades industriais, necessariamente associadas por sectores, com espírito bem votado ao supremo interesse nacional.
Referi actividades industriais necessariamente associadas por sectores porque não posso deixar de defender o princípio de agremiação ou federação dos elementos de cada sector industrial, convencido como estou de que situações individualistas só eventual ou acidentalmente podem servir a melhor defesa dos direitos e interesses de cada um.
Sr. Presidente: certamente que na base das orientações a adoptar por força se terão de ponderar os princípios de doutrina económica que terão de nos reger, podendo escolher-se desde o mais aberto liberalismo ao mais rígido dos condicionamentos.
Em nosso modesto entender o condicionalismo das nossas estruturas económicas, conjugado com retracção de espírito empreendedor entranhado nas nossas gentes, determinará que se actue com a mais cuidada ponderação.
O esclarecimento recentemente expendido pela autorizada palavra do Sr. Ministro da Economia creio que poderá consubstanciar os princípios de equilíbrio que importa defender e adoptar. Aqui o deixo com a devida vénia:

Consciente de que o liberalismo económico pode morrer dos seus próprios excessos e abusos, não esquecemos que é indispensável aplicar alguns dos seus princípios com justa moderação.

Poderemos crer que a prática desta justa moderação se poderá afirmar através de um condicionamento controlado em ordem aos superiores interesses de uma economia de conjunto, de uma economia que não poderá dar-se ao luxo de ver desperdiçarem-se as boas intenções de uma empreendedora iniciativa privada, nem contribuir para o esboroamento de bem delineados esquemas, conduzindo simultaneamente as bem intencionadas iniciativas para uma posição de natural receio e retraimento.
De exigir e de esperar, pois, por tudo, e como também expressamente afirmou o Sr. Ministro da Economia, uma criteriosa orientação e coordenação, quer de iniciativas privadas como das públicas, permitindo-me ajuntar a minha fundada certeza das grandes vantagens que se colherão por uma conduta em plena cooperação entre os organismos oficiais responsáveis e iniciativa privada associada.
Em expressão de bom resultado de acção assim conduzida, é meu dever dar o justo destaque à actividade que notavelmente vem desenvolvendo o Instituto de Investigação Industrial, a quem todos os encómios são devidos, motivo por que daqui significo as minhas melhores homenagens ao seu ilustre director, o Exmo. Sr. Eng.º Magalhães Ramalho.
Insistindo nas cautelas a adoptar ao definir-se o caminho que importa seguir, lembro que bem certo é que no meio estará a virtude.
E porque talvez possa servir de ponto de meditação quanto a consequências de um franco liberalismo económico, aqui deixo à consideração da Assembleia as observações significativas que recentemente pude respigar de um relatório de um grupo de associações industriais junto do Mercado Comum, e onde se afirmava, a propósito de soluções a encontrar para problemas de estrutura de organização, que as mesmas deverão ter de ser estudadas por comissão própria, no sentido de se dar remédio a um mal que os efeitos dos processos de tratamento ditos liberais só por si não poderiam curar de modo satisfatório.
Elucidativo quanto à adopção de critérios que parecem ser delineados apenas para exportação, e que o nosso meio, de titubeante estrutura económica, não poderá suportar em execução simplista.
Sr. Presidente: exteriorizei em breves e simples considerações a análise, pessoal de alguns problemas da nossa ingente tarefa, de profunda exigência social, no processo do desenvolvimento económico do País. Que elas possam colher proveito, em modesto contributo na responsabilidade solidária que a todos os portugueses de boa vontade cabe.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Virgílio Cruz: - Sr. Presidente: nos nossos dias os meios necessários à assistência hospitalar do País são tão vultosos que se torna necessário obter de todas as instalações e serviços o seu máximo rendimento, funcional e social.

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Debate-se o País com carência de camas hospitalares e não temos estado a tirar dos leitos existentes todo o rendimento possível.
No quinquénio que decorre de 1956 a 1960 a sua percentagem de ocupação variou de 93,5 a 99,1 por cento nos hospitais centrais, de 70,6 a 74,8 por cento nos regionais e do 50,1 a 53,2 por cento nos sub-regionais.
Esta situação contraditória de carência de camas nos grandes centros e excesso na província será muito atenuada se se acabar progressivamente com os hospitais autárquicos, que, ignorando os vizinhos, multiplicam serviços idênticos, com repetições ruinosas de meios, e se se passar para a organização hospitalar interligada e em cadeia, desde os pequenos postos periféricos de socorros e consulta aos hospitais centrais, passando pelos hospitais sub-regionais e regionais.
E indispensável e do maior alcance socioeconómico gastar muito dinheiro com os hospitais e a saúde dos portugueses, mas gastá-lo bem gasto é um dever nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Um grande passo para essa nova fase de planeamento mais organizado será a regionalização hospitalar, realização concreta já em fase activa de expansão, que, por comunidade de meios técnicos e administrativos, prestará assistência na província à maior percentagem dos seus doentes, reduzindo assim a carência de camas nos hospitais centrais e utilizando melhor as instalações desocupadas em hospitais de província.
A Direcção-Geral dos Hospitais, através dos seus serviços centrais e periféricos, elaborou e está a executar um plano de cobertura do País com centrais de orientação de doentes, isto é, instrumentos de trabalho das comissões inter-hospitalares instaladas nas sedes das zonas e em cada uma das regiões hospitalares; elas procurarão aproveitar ao máximo as possibilidades da rede hospitalar e dos recursos já disponíveis, visando obter maior eficiência para o conjunto.
Estas centrais de orientação de doentes não criam serviços novos, procuram aproveitar racionalmente tudo o que já existe e facilitar o acesso de todos os doentes aos serviços de que realmente necessitam, mesmo os mais qualificados, internando os doentes e encaminhando-os para o hospital e serviço que está tecnicamente adequado ao nível da sua doença.
Dentro do programa estabelecido, ficarão cobertas com estas centrais, muito em breve, todas as regiões da metrópole. Neste momento já estão a funcionar, devidamente coordenadas, 18 regiões hospitalares, abrangendo 254 hospitais sub-regionais, com 18 957 camas, servindo mais de 7 milhões de portugueses.
O que á está realizado é de um interesse enorme; por isso aqui deixo uma palavra de merecido apreço ao ilustre director-geral dos Hospitais, Dr. Coriolano Ferreira, que com a maior competência e devoção serve este importante departamento.
Para pôr em relevo quanto de útil poderá resultar da organização regionalizada e do bom funcionamento das centrais de orientação de doentes instaladas em cada região hospitalar e zona citarei apenas, e para não me alongar, dois apuramentos significativos: um obtido em Lisboa e outro em Setúbal.
O resultado de um estudo feito no Hospital de Santa Maria mostrou que de 2000 doentes ali tratados só 14,6 por cento requeriam a competência e os meios mais especializados e dispendiosos de um hospital central e que dos restantes havia 20 por cento que poderiam ter sido tratados em hospitais sub-regionais e 65,4 por cento em hospitais regionais.
Quanto a Setúbal, começou o seu hospital a trabalhar em Junho de 1960 em nível regional, abrangendo sete concelhos e deixando fora, para virem a ser abrangidos em posterior fase de organização, quatro concelhos.
Já nesse ano de 1960, enquanto o número de doentes vindos para os Hospitais Civis de Lisboa aumentou de 41 por cento em relação ao ano anterior nos concelhos do distrito não abrangidos pela regionalização, esse movimento mostrou a baixa de 36 por cento para os concelhos sujeitos à disciplina da Central de Orientação de Doentes, baixa que seria ainda mais expressiva se o funcionamento em escala regional tivesse começado no princípio do ano.

O Sr. Seabra Carqueijeiro: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: -Faz favor.

O Sr. Seabra Carqueijeiro: - Tenho estado a ouvir com muito interesse a exposição de V. Ex.ª acerca da regionalização dos hospitais e, por experiência própria, posso confirmar as declarações que acaba de fazer quanto à baixa de percentagem dos doentes que procuram os hospitais regionais.
No que se refere a Setúbal, enumera como as coisas se estão a passar. E como V. Ex.ª está a pedir para o seu distrito a regionalização, gostaria de lembrar que não basta o edifício, ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Seabra Carqueijeiro: -... pois é necessário que ao enfrentar-se o trabalho da regionalização seja encarado, simultaneamente, o problema do serviço, principalmente no que se refere ao pessoal técnico e administrativo. E no que se refere à região de Setúbal, esses serviços poderiam ser muito maiores, principalmente os de análises e radiografias, isto é, que todos aqueles serviços complementares do diagnóstico funcionassem como seria para desejar.
O que V. Ex.ª acaba de dizer é uma necessidade, mas peço desculpa de o dizer: gostaria de acrescentar que o hospital-edifício, sem um quadro técnico e administrativo suficiente, é ineficaz!

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª o seu contributo, que vem robustecer a argumentação que estou a produzir e que assenta no intuito construtivo de fazer com que a nossa organização hospitalar seja cada vez mais perfeita.
A elevada percentagem de doentes que poderá ser tratada nos hospitais regionais mostra a importância extraordinária que lhes cabe na nossa organização hospitalar.
Mas até que ponto servem os nossos hospitais regionais essas funções? Serão eles os hospitais de base?
Ter-lhes-ão sido dados meios materiais, pessoais e de organização adequados à sua vasta tarefa?
A proposta do Governo que veio a dar a Lei n.º 2011, de 2 de Abril de 1946, previa que a 1.a fase de construção começasse pelos hospitais centrais e regionais. Mas o não cumprimento do programa financeiro levou a Comissão de Construções Hospitalares a dedicar-se quase exclusivamente aos sub-regionais.
Dos 24 hospitais regionais apenas foram construídos edifícios novos em Setúbal, Angra do Heroísmo e Mirandela (1.º fase) e ampliados ou beneficiados os de Braga, Aveiro, Viseu, Évora, Lamego e Horta. Por isso, a maio-

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ria dos nossos hospitais regionais não dispõe de instalações adaptadas às verdadeiras funções que devem desempenhar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E preciso dotá-los com recursos em edifícios, equipamento, pessoal e organização adequados, para prestarem assistência na maior parte das doenças e acidentes graves aos habitantes das regiões.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pelo que respeita ao distrito de Vila Real, que tenho a honra de representar nesta Assembleia, os seus dois hospitais regionais têm ainda muitas insuficiências.
O de Chaves, para servir de ponto de apoio da organização hospitalar numa área de cerca de 130 000 habitantes, precisa de alargar as instalações e de criar vários serviços de especialidade. A boa solução dos seus problemas pede a construção de um hospital novo; mas, enquanto isso não for possível, que sejam beneficiadas as suas instalações e progressivamente criados os serviços de especialidade de que ainda carece. Daqui solicito ao Governo que, através dos serviços competentes, solucione quanto antes as suas grandes deficiências.

O Sr. Teles Grilo: - V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. Teles Grilo: - V. Ex.ª falou em Chaves e eu tenho sempre uma palavra a dizer quando se fala de Chaves. Desejaria esclarecer que o problema do hospital da região flaviense é dos que mais preocupam o Ministério da Saúde e Assistência.
Ainda há poucos dias, numa visita que se dignou fazer à cidade de Chaves para lá tratar da construção do hospital, o Sr. Director-Geral dos Hospitais verificou in loco a necessidade que o problema realmente assume. E de tal modo ficou impressionado com o que viu que logo prometeu interessar-se, tanto quanto possível, junto das entidades competentes no sentido de ao problema ser dada uma solução urgente. E claro que a construção de um edifício é fundamental, embora depois seja preciso dotá-lo com os serviços e pessoal técnico e administrativo. Mas a solução tem de começar pela construção do hospital, e nesse sentido já alguma coisa se fez, porque já se adquiriu o terreno. Estou certo de que assim se contribuirá para dar satisfação a mais uma das muitas aspirações da cidade de Chaves.
A intervenção de V. Ex.ª teve, além de outros méritos, o de, neste aspecto, ser muito oportuna e muito útil. Vai, portanto, para V. Ex.ª todo o meu aplauso quanto ao problema hospitalar de Chaves.

O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a coadjuvação que me vem dar ao tratar do problema do hospital de Chaves, problema este que é dos mais prementes do distrito.
Está já feito e aprovado o projecto da construção de um anexo, no qual se fará a instalação de consultas de estomatologia e oftalmologia, raios X, laboratório, banco de sangue, de transfusões, mas o assunto não ficou, no entanto, resolvido, pois, como disse há pouco, isto é apenas um remédio para satisfazer as necessidades mais prementes. Porém, a satisfação cabal dos desejos do ilustre provedor do hospital de Chaves, bem como da população flaviense, só será atendida quando for construído o novo hospital.
Quanto ao de Vila Real, que além de assistência no seu concelho deve servir de apoio e base aos concelhos de Alijo, Mesão Frio, Mondim de Basto, Murça, Peso da Eégua, Eibeira de Pena, Sabrosa, Santa Marta de Penaguião e Vila Pouca de.Aguiar, com uma população residente da ordem dos 200 000 habitantes, luta com grande falta de instalações e serviços para o desempenho das múltiplas funções que lhe incumbem na sua área de influência, sem obrigar os doentes a procurar os hospitais centrais para serem assistidos, com os inconvenientes do congestionamento destes, do maior custo e dificuldades nos transportes, o afastamento do seu meio social e a saída de dinheiro dos concelhos para as grandes cidades.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Instalado num velho edifício, que foi construído para colégio, na cidade de Vila Real, com circulações verticais difíceis, aí funciona como hospital há cerca de meio século; o velhinho edifício, gasto pelo uso e pelo tempo, já não proporciona o necessário conforto aos doentes e a quem os trata.
Pois mesmo assim ali trabalham diariamente doze médicos, de entre os quais três cirurgiões, um chefe de serviço de sangue e um radiologista, além de um corpo de enfermagem e outros auxiliares que totalizam mais de meio cento de pessoas.
Mesmo assim, repetimos, mercê do esforço e dedicação de todos os que o servem, desde o inteligente e dinâmico provedor, o engenheiro Albertino Ferreira, até ao mais modesto obreiro dessa Santa Casa da Misericórdia, orgulha-se o hospital de Vila Real de apresentar os seguintes índices de movimento referentes ao ano findo:

Doentes internados ....................... 2646
Total de diárias ......................... 46893
Doentes inscritos na consulta externa .... 3330
Doentes inscritos no banco ............... 2722
Curativos feitos no banco ................ 6832
Injecções aplicadas no banco ............. 11606
Operações de pequena cirurgia ............ 781
Operações de grande cirurgia ............. 454
Exames radiológicos ...................... 2768
Radiografias ............................. 10072

E maiores índices de movimento apresentaria se já dispusesse dos serviços de especialidade próprios de um hospital regional e que ali ainda faltam, pois é grande a afluência de doentes que requerem tratamento nos novos serviços de especialidade e que há necessidade de ali instalar.
Assim, dispondo dos serviços de banco ou urgência, radiologia e sangue, necessita ainda para cumprir a sua missão dos seguintes serviços: ortopedia e traumatologia; urologia; cardiologia; estomatologia; otorrino; análises clínicas, e consultas de cirurgia.
Pôr em funcionamento quanto antes estas especialidades é uma necessidade urgente.
A instalação dos novos serviços, que irá reduzir o afluxo de parte importante da população enferma do Norte para os hospitais centrais, carece de espaço apropriado, equipamento e quadros clínicos.
Quanto a espaço, o actual edifício, já superlotado, não tem compartimento, por pequeno que seja, onde instalar um só dos serviços que faltam. Além disso, o estado de conservação do actual edifício e a falta de terreno livre circundante desaconselham, na opinião dos técnicos, a sua ampliação.

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Deste modo fica Vila Real impossibilitada de utilizar as soluções que serviram a Braga e outros hospitais regionais.
Perante esta realidade, a eficiência, da regionalização hospitalar conduz à necessidade de um hospital novo em Vila Real, que, se for dotado com os meios materiais, pessoais e de organização ajustados à sua vasta tarefa e previstos aã lei, será a placa giratória do sistema, o chefe técnico e o hospital-mãe da sua região.
Situado no entroncamento das mais importantes vias de comunicação daquela área, na cidade que é fulcro da vida social, cultural e económica do distrito e a cerca de 100 km do Porto, facilitará a deslocação até ele de equipas muito especializadas vindas do hospital central. A. sua localização, a sul de outros hospitais regionais e na passagem para o Porto, atribui-lhe posição importantíssima na cobertura hospitalar de Trás-os-Montes.
Por tudo isto, e a bem da saúde muitos milhares de trasmonta-nos que passariam a ser assistidos sem terem de SR ir para muito longe do seu meio social e familiar, solicita-se ao Governo que o hospital regional de Vila Eeal seja construído quanto antes.
Quanto a médicos necessários aos novos serviços esperam os responsáveis pela gestão da Santa Casa da Misericórdia de Vila Real não vir a ter dificuldades.
E ao pensar nos médicos à escala nacional quero dizer que em Portugal, além de não termos ainda a suficiência para alargar com êxito a política sanitária a todos os portugueses, eles estão sobretudo mal distribuídos. Só nos dois distritos de Lisboa e Porto concentram-se e exercem clínica cerca de 60 por cento dos médicos do País. Esse é que é o grande mal para as zonas rurais.
Há necessidade de estímulos, de criar boas condições de trabalho nos hospitais de província e de facilitar aí aos médicos a sua valorização e promoção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O desenvolvimento dos hospitais regionais irá atenuar o grande desequilíbrio na distribuição dos médicos por todo o País, contribuirá para os atrair aos hospitais de província e ao serviço nas zonas rurais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Urge por todas as razões imprimir à construção dos hospitais regionais um ritmo regular, para o que se torna indispensável dotar anualmente a Comissão de Construções Hospitalares com as verbas suficientes, visto esta Comissão dispor de uma organização qualificada, à frente da qual está um técnico muito distinto do Ministério das Obras Públicas, o Sr. Eng.º Maçãs Fernandes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Como o custo médio de cada hospital regional é da ordem dos 16000 contos, se forem postas anualmente à disposição da Comissão de Construções Hospitalares, pelo Orçamento Geral do Estado, verbas da ordem dos 35000 contos para os hospitais regionais, conseguiremos caminhar para a boa solução deste problema, embora lentamente, mas com firmeza.

O Sr. Proenca Duarte: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz o obséquio.

A Sr. Proenca Duarte: - A. organização sobre que V. Ex.ª está falando, da regionalização do País e da orientação dos doentes, parece-me que importa para os hospitais regionais um afixo de doentes; mas os hospitais regionais, quer pela sua instalação, quer pelo seu apetrechamento, não estão aptos a prestar a suficiente assistência hospitalar a essa maior afluência de doentes. Evidentemente que se descongestionarão os hospitais centrais. Mas, se se der esse aumento de doentes nos hospitais regionais, é preciso que simultaneamente funcionem, em coordenação com os serviços de assistência hospitalar, outros serviços de carácter nacional.
Os hospitais regionais, como V. Ex.ª disse, terão de ver aumentada a sua capacidade de recepção de doentes. O hospital de Santarém, por exemplo, à frente do qual me encontro, tem cerca de 200 camas, todas sempre preenchidas. Se houver um maior afluxo de doentes, o hospital de Santarém não poderá receber os novos doentes que vão da região e dos hospitais sub-regionais, porque não terá possibilidade de os alojar.
E, portanto, indispensável, em primeiro lugar, que a Comissão de Construções Hospitalares tenha as dotações necessárias - V. Ex.ª falou em 18 regiões a funcionar, mas eu creio que nesta altura já estão a funcionar cerca de 21 regiões nesse sistema - para começar a fazer as ampliações, embora por fases, dos hospitais regionais.
Eu cito aqui uma coisa confrangedora, mas que corresponde à realidade, e nós temos de viver sob as realidades do tempo presente: Santarém não tem uma enfermaria de pediatria, e as crianças, com quaisquer doenças, estão espalhadas pelas enfermarias dos adultos, o que é confrangedor e inconveniente sob todos os pontos de vista, quer para os doentes adultos, devido às 'lamentações das crianças, quer para as crianças, que estão em permanente contacto com o definhamento de pessoas de muita idade. Portanto, é preciso coordenar o serviço da regionalização com o serviço das construções hospitalares.
Uma grande parte dos nossos hospitais regionais alberga em si doentes que são crónicos, que as famílias abandonam, que ali se instalam e ali estão anos; no hospital de Santarém há um que lá está há mais de onze anos e vários há com seis e sete. É preciso organizar os serviços de assistência a estas pessoas inválidas, a fim de retirar dos hospitais regionais esses doentes crónicos para hospícios onde haja uma assistência médica mais ligeira, mas sobre tudo tirá-los dali, para desocuparem camas, para que os hospital regional esteja sempre habilitado a receber doentes que vão chegando.
Estes são aspectos que V. Ex.ª já salientou, mas sobre os quais me pareceu oportuno dar também aqui testemunho da verdade das afirmações de V. Ex.ª e da oportunidade das considerações que está fazendo, porque as populações do País exigem hoje, e com razão, uma cobertura hospitalar eficiente.
No hospital de Santarém trabalham 22 médicos gratuitamente - e há que prestar-lhes essa justiça. Uma grande parte da assistência hospitalar é feita gratuitamente pela classe médica. Há que resolver também esse problema - V. Ex.ª já o aflorou -, mas temos de o encarar com seriedade, dentro de um espírito de compreensão da necessidade de os médicos se aperfeiçoarem, mas também de viverem.
Aqui tem V. Ex.ª a razão por que dou todo o meu apoio às considerações que está fazendo e para que fique bem afirmado que se trata de um problema urgente do País. A população tem de viver, de comer e de ser tratada na sua saúde por intermédio da assistência hospitalar.

O Orador: - Muito obrigado pelas palavras de V. Ex.ª, que vêm revestidas da autoridade do ilustre provedor do hospital de Santarém.

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O Sr. Proença Duarte: - Eu podia ainda informar V. Ex.ª, por exemplo, do que se passa com o caso do hospital de Tomar, em que a única solução que ali apontam, para o estado degradante a que as coisas chegaram, é fechar o hospital por falta de meios, por falta de técnicos; portanto, outro sector que tem de estar correlacionado com o problema hospitalar é o sector das finanças: tem de se arranjar dinheiro para os nossos hospitais. Os hospitais regionais não são hospitais de um concelho, mas sim de uma região.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Proença Duarte: - As dotações têm de ser substancialmente aumentadas para se poder dar eficiência a esse grande e notável sistema que o director-geral dos Hospitais está procurando montar no País. Para isso é indispensável coordenar os outros serviços com a cobertura hospitalar do País.

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: antes de terminar quero ainda fazer uma referência muito breve ao magno e crucial problema da assistência aos doentes nas zonas rurais, onde vive e trabalha 40 por cento da população metropolitana. Proteger na doença estes honrados e laboriosos portugueses é dever geral da Nação.

As novas leis decretadas por esta Assembleia, a da Reforma da Previdência Social e o Estatuto da Saúde e Assistência, vieram abrir, neste capítulo, um caminho e uma esperança.

A realização progressiva da protecção na doença às populações rurais exige uma eficaz coordenação e cooperação de todas as instituições e serviços a ela ligados, tanto do Ministério das Corporações e Previdência Social como do Ministério da Saúde e Assistência; cooperação total e feita sempre de coração aberto.

Teremos de conseguir progressivamente uma organização que assegure a pronta presença do médico junto do doente da aldeia ou o fácil acesso deste à consulta e, como complemento necessário, a possibilidade de o doente pobre obter os medicamentos receitados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O êxito da interligação técnica e administrativa entre os sectores da previdência e os da saúde e assistência e a sua interajuda activa e efectiva dependerão bastante das pessoas.
Que os dirigentes se empenhem para que não haja em Portugal várias políticas sociais, mas apenas uma, e tão ampla quanto possível.
Que todos os que actuarem nestes importantes sectores se esforcem para que sejam sempre prontos, humanos, cristãos e eficientes os serviços da assistência médica e hospitalar em Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O futuro dirá se o esforço pedido a estes dois grandes departamentos do Estado alcançou, em tudo aquilo que represente justiça social e utilidade para a Nação, os resultados que se esperam.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Júlio Evangelista: - Sr. Presidente: venho hoje trazer a esta Assembleia um grito de alarme: chamar a atenção da Câmara, do Governo e do País para um problema que reputo da maior gravidade. Quando uma criança pega, por exemplo, numa faca bem afiada, não falta logo quem se apresse a tirar-lha, para evitar qualquer percalço ou ferimento desastrado. Mas se a mesma criança deita mão de uma revista imprópria para a sua idade, quem se levanta para lhe acudir?!
Ora, neste momento, em todo o País, cerca de 500 000 crianças estão nestas condições. Ameaçadas, portanto, de morte moral e intelectual. Lêem e relêem avidamente publicações e revistas, na sua maior parte do tipo «em quadradinhos», que não foram concebidas em atenção às suas exigências espirituais, e sim às exigências materiais dos editores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Donde vêm essas revistas? De toda a parte do Mundo!

Uma invasão de bárbaros que esmagasse uma nação inteira não teria em si força bastante para destruir as consciências. Mas esta invasão de literatura sem literatura, arremedo dos primeiros balbuceios do homem selvagem, é mais poderosa e penetra mais fundo: atinge o íntimo da alma, deforma, inutiliza a capacidade de pensar, embota a sensibilidade e a mentalidade do menino de hoje, que é o homem de amanhã.

Vozes: - Muito bem!

C Orador: - O aspecto cultural é, no caso concreto, mais grave do que o moral, mais atingido, mas tanto um como o outro estão em causa.
A lei portuguesa determina que as publicações nacionais e estrangeiras, declaradamente destinadas .à infância ou adolescência, ou que, pelo seu aspecto ou conteúdo, possam como tal ser reputadas, estão sujeitas às disposições dos Decretos n.ºs 22 469, de 11 de Abril de 1933, e 26 589, de 14 de Maio de 1936, e não poderão ser postas à venda sem prévio parecer favorável da Comissão de Literatura e Espectáculos para Menores, conforme preceitua o Decreto-Lei n.º 38 964, de 27 de Outubro de 1952.
O certo é, porém, que, todos os dias, as livrarias e tabacarias exibem novas e cada vez mais sugestivas capas. Trata-se, sobretudo, de revistas brasileiras.
De todas, supomos, não há uma só cujo acesso ao nosso mercado esteja, em rigor, permitido - porque não há uma só que pratique a ortografia oficial, obrigatória para todas as publicações que circulem no nosso país. Decerto a ortografia é o que tem menos importância. Mas as expressões impróprias, a redacção, o calão, o termo grosseiro e até as maneiras de dizer desconhecidas entre nós?!
Como exemplo, uma revista, ao acaso: o n.º 8 do Carequinha e Fred (Risos) (Editora La Selva, S. Paulo). Em 34 escassas páginas, com cerca de 300 legendas no total, nada menos de 94 (uma terça parte!) contêm palavras e expressões erradas ou inconvenientes, do género das que vou transcrever: Irral Sempre contando papo!, Duclar, Puxa falei bonito, Sujeira da grossa, etc. Na contracapa, «novas proezas da garota atómica Lili (Risos) (mensalmente em todas as bancas)», e ainda um sugestivo anúncio de livros de uma colecção que o leitor (a criança ou o adolescente!) pode adquirir ... pagando depois! Entre -outros: A Técnica do Amor, A Ciência das. Carícias, A Hora Sexual, Mártires da Virgindade, Dinâmica Matrimonial ... (Risos).

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O alarme foi dado há anos e dele se têm feito eco a imprensa diária e algumas revistas de cultura. Elucidativa nota de uma revista abre com esta epígrafe: «Cerca de meio milhão de más revistas brasileiras invade mensalmente o nosso país!» O Diário de Lisboa publicou recentemente uma série de artigos com o título geral «Diz-me o que lês, dir-te-ei quem és», onde acentua que «a avidez da gente moça apoderarse de tudo que lhe apresentam, preto e branco, .em «pretoguês» e português, contanto que tenha estampas, cada vez mais estampas, e uma certa forma de expressão lisonjeira do gosto do inato, do tumulto e do insólito». Outras notas têm surgido, designadamente no jornal O Século.
Com o título «Literatura infantil», publicou-se, em 1961, um bem orientado e muito completo inquérito «realizado em alguns estabelecimentos de ensino» pela Comissão de Literatura Infantil e Juvenil da Acção Católica Portuguesa. Das conclusões desse inquérito salientamos as seguintes:
«As crianças portuguesas lêem muito mais do que poderia supor-se». A maior parte das suas leituras «recruta-se entre as colecções medíocres que se vendem a preço convidativo em qualquer tabacaria. Parece, pois, um facto comprovado que a sede da leitura característica da idade escolar não encontra, entre nós, fontes puras onde saciar-se, dado que tanto moral como literariamente as publicações acessíveis a todas as bolsas são do mais baixo nível».
E ainda: «Faz-se sentir entre nós a necessidade de uma grande e bem orientada editorial exclusivamente infantil que abranja todo o género de produções para crianças».
E este, realmente, o problema no seu nó. Que temos, em Portugal, que possa fazer frente à invasão em massa dos supermen e dos westerns? Quase todas as nossas revistas infantis ou juvenis têm sido condenadas a viver efemeramente e a morrer, apesar de, em maior ou menor grau. haverem condescendido com o gosto do público e incluído, até, colaboração estrangeira. Têm desistido quase todas!
Qualquer entidade portuguesa que pretendesse meter ombros à tarefa de «suster o invasor» precisaria de contar, pelo menos de início, com sério apoio oficial. No entanto, ainda não foi encarada, que saibamos, a necessidade e até a urgência de criar, entre nós, um fundo de publicações, tal como existem fundos para teatro, para cinema e para abastecimentos. O abastecimento da inteligência nem por isso é menos importante que o abastecimento do estômago, sobretudo para a juventtide e para a infância.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Dizia justamente Saint-Exupéry que importa não apenas alimentar os homens, mas sobretudo saber como serão os homens que vão ser alimentados.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Este problema está a assumir, entre nós, aspectos alarmantes. Até revistas totalmente educativas, devidas a iniciativa oficial, e que chegaram a desfrutar de algum apoio, estão hoje, ao que nos consta, a ficar desamparadas na luta.
Claro que o problema do nosso país (dado o caso de o Brasil só exportar, e não importar, papel impresso em português), é mais grave, muito mais grave, que o de outros países europeus, nos quais, aliás, as revistas infantis ou juvenis contam com os seus patrocínios: na Espanha; Bazar; na França, Franca Jeux; Okky e Taptoe, na Holanda; Il Giornalino, na Itália, etc.
Na Rússia, ò problema foi resolvido de outra maneira - mais expedita. Aí, a revista «em quadradinhos» está pura e simplesmente proibida, embora muitas revistas estrangeiras, subsidiadas pela U. E. S. S., possam ter características ocidentais ...
Problemas como este não se resolvem pela simples actuação da Censura. Urge vigorosa acção positiva.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É insuficiente dizer aos meninos que não leiam isto ou aquilo; é necessário dar-lhes, em contrapartida, boa leitura. Esta ofensiva deteriorante de má literatura estrangeira só se estancará por meio de uma intensa obra de fomento de boa leitura para as crianças - boa, cristã e nacional.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: os jornais deram-nos há poucos dias a grata notícia de na obra da ponte da Arrábida, que atravessa o rio Douro à beira da cidade do Porto, haver sido vazado o último balde de betão para enchimento do seu tabuleiro, que já os carros de serviço atravessam de uma à outra margem.
Pode dizer-se assim felizmente concluída - pois lhe ficam faltando só os remates - uma das mais belas e porventura a mais audaz das obras empreendidas pela engenharia portuguesa. Bela, com efeito, pela graciosidade da traça, mas bela, sobretudo, para quem quiser ver por detrás das formas físicas o espírito que as concebeu, e animou as mãos que as modelaram; bela pela justeza da concepção intelectual que lhe determinou o risco e as proporções, adequando um e as outras à maior economia de elementos, à melhor resistência aos embates das forças naturais, à mais justa adaptação ao obstáculo a vencer'; bela pela confiança posta nos difíceis processos da sua erecção, filha tão-sòmente da segurança do raciocínio e da certeza do fabrico; bela pela firmeza dos que a quiseram, e souberam pôr em jogo todas as condições de a levar a termo; bela, em suma, por ser em alta escala mais uma vitória da razão e da vontade de homens sobre a bruta inércia da matéria, as adversidades da natureza e as vicissitudes de todas as grandes concatenações de esforços.
Audaz também porque, excedendo o máximo das dimensões até agora atingidas por obras congéneres, punha problemas de solução ainda não contrastada pela experiência; mas de modo especial pelo sistema escolhido para a pôr de pé e cujo sucesso, esplêndido ressalta mais brilhante por se saber que noutras partes do Mundo não puderam igualá-lo tentativas análogas, embora de menor grandeza. Sabe V. Ex.ª, com efeito, que para fundir os arcos perenes de massa de cimento e pedra foi necessário armar primeiro um outro, temporário, de aço; fechá-lo com precisão milimétrica, sob o jogo dos ventos e das solicitações várias do calor solar e do frio das noites e, depois de assim manobrados uma vez esses milhares de toneladas de metal, pegar neles inteirinhos e mudá-los de lugar sem perderem no mínimo a disposição. A tudo se atreveram os nossos engenheiros e em tudo foram felizes!
A Nação vai ficar dotada de mais um importante elemento de valorização pela melhoria de comunicações; mas fica também enriquecida pela certeza de que ganhou novos motivos de crernas capacidades dos seus filhos.

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O Sr. Ministro das Obras Públicas, que soube medir e resolver, e conquistar pelo crédito das suas empresas anteriores as adesões finais para mais esta; o autor do projecto, que viu confirmados o acerto das suas hipóteses e o rigor dos seus cálculos; os construtores, que levaram a termo quiçá o mais duro de toda a obra, que foi o realizá-la, pondo a todo o momento em risco reputação e capitais; todos virão natural e merecidamente à baila das congratulações e dos louvores nesta hora do sucesso final, não devendo tão-pouco ser esquecido o organismo que, por natural função, de princípio a termo terá assegurado o permanente enquadramento de tudo: a Junta Autónoma de Estradas, desde o princípio da reconstrução nacional dedicada e eficazmente consagrada ao serviço do País, e que desta e de outras maneiras continua a saber engrandecer-se, até ao limite do que lhe é consentido, na estima e no reconhecimento dos seus esforços.
Justificadas serão pois as grandes festas que se preparam para daqui a pouco mais de dois meses celebrar no Porto a abertura da ponte ao serviço público, e a cidade fará bem em associar-se-lhes com toda a grandeza de alma e de coração que a distinguem, pois será ela a primeira e principal beneficiária da obra, de cujo trânsito se estima que 80 por cento venha a ter origem ou destino na cidade do Porto, sem ter feito percurso médio superior a 8 km, isto é, sem lhe sair do âmbito de vida própria.
Receio, porém, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que do resto do País uma boa parte tenha de ficar a contemplar a ponte da Arrábida com a sombra de um ressentimento e a sensação de que lhe ficará feita uma injustiça, se o Governo não quiser tomar as medidas necessárias para dissipar a nuvem que pode vir a empanar, na opinião pública consciente e recta, o brilho das jubilações preparadas para o Porto.
Quero referir-me ao facto de a ponte da Arrábida, sendo a terceira das grandes obras rodoviárias inauguradas festivamente nos últimos doze anos, aparecer como a primeira cujo uso será facultado ao público sem cobrança de preço.
Mais concretamente: quero dizer que da fonte melhor autorizada já obtive a certeza - direi, a certeza prática - de que na ponte da Arrábida não será instituído o sistema do pagamento de portagem que condiciona o uso da Ponte do Marechal Carmona, sobre o Tejo, em Vila Franca de Xira, e da auto-estrada do Norte, no troço já construído entre a saída de Lisboa e a mesma Vila Franca de Xira.
Sei, de certeza que não só nunca se previu para a ponte da Arrábida a cobrança de portagem, e, portanto, não se construíram as instalações para o efeito, como se considera até impraticável, pela dificuldade e custo, a ideia de a vir a erguer. Com toda a segurança posso, pois, daqui dar por mais este motivo os meus parabéns aos portuenses e dizer-lhes' que não lhes rogo a praga para casa, sem embargo de não atinar por que razão ficam livres dela.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não irei, Sr. Presidente, espraiar-me em considerações sobre o princípio da portagem em si. Já disse bastante o que pensava dele: tão defensável para cobrir os encargos de financiamento privativo de uma obra excepcional - caso da ponte sobre o Tejo em Lisboa -, como reprovável enquanto processo de aumentar as receitas gerais do Estado sem reflexo em compensação dos serviços directamente onerados pelos custos das construções.
E também não irei deter-me sobre a cobrança de portagem na auto-estrada que há-de ser do Norte, para arredar a argumentação adversa de que esta é mera alternativa de outra via gratuita.
Farei, pois, somente, o paralelo dos casos das duas pontes.
A de Vila Franca é actualmente o elo de ligação com Lisboa das regiões transtaganas, mas de regiões que se estendem da Covilhã a Vila Real de Santo António, isto é, de boa metade do País, compreendendo parte do Ribatejo, os dois Alentejos, o Algarve e a Beira Baixa. Para ir de Lisboa para lá, ou vir para a capital, não há melhor trajecto; e ainda quando se acabe a ponte sobre o Tejo, em Lisboa, pelo menos o Ribatejo, o Alto e Médio Alentejo e a Beira Baixa continuarão a usá-la.
Usam-na já à razão de 2500 veículos motorizados por dia, em média, dos quais Cerca de 1700 com percurso extratocal, excedente a 20 km.
É uma obra de utilidade muito largamente difundida e aproveitada.
Em contrapartida, para a ponte da Arrábida prevê-se um tráfego médio diário de 9500 veículos, 7500 dos quais de ou para a cidade do Porto, e apenas 1500 transcendentes do curto raio definido pelo percurso médio de 8 km. E, portanto, uma obra acentuadamente de interesse local e carácter urbano, até pelo descongestionamento que virá dar à Ponte de D. Luís I e ruas que para ela confluem.
A primeira custou 130000 contos; a ponte da Arrábida vai ficar quase pelo dobro: 224 000 contos, diz-mo quem pode saber.
Para a imposição da portagem na ponte de Vila Franca, o Governo deu, no relatório do Decreto-Lei n.º 38 622, de 30 de Janeiro de 1952, sómente três razões, e uma apenas de peso: a ponte custara cerca de 130000 contos; a sua superstrutura metálica carecia de cuidadosa conservação; teria de ser devidamente iluminada.
Presumo que esta última necessidade também se verificará para a obra da Arrábida; a conservação da estrutura metálica custa tão pouco, relativamente ao rendimento da portagem, e tão pouco mais do que a de outras, pontes gratuitas, que não parece argumento de considerar; resta pois o do custo.
Paga-se portagem em Vila Franca porque o Estado despendeu ali 130000 contos; mas não se vai pagar no Porto, onde o Estado gasta 224 000. Não entendo, com franqueza!

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Simeão Pinto de Mesquita: - E só uma consideração quanto ao preço que o Estado vai gastar, porque há uma parte de ruas e estradas de acesso para as quais a Câmara Municipal do Porto contribui com uma importância considerável, da ordem de grandeza dos 70 000 ou 80 000 contos.

O Orador: - Só fica bem à cidade o interesse que manifestou na construção da ponte que tanto a servirá. Mas, se V. Ex.ª me permite, do que estou a tratar é dos investimentos do Estado e dos modos diferentes por que entende retribuir-se deles.
Repito a V. Ex.ª que não desejo a portagem para o Porto, mas grito e gritarei que será injustiça continuar a aplicá-la em Vila Franca não a aplicando no Porto.
Fica-me só outra explicação, ainda mais ... estupefaciente.

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E que uma é sobretudo obra urbana, do interes se local de uma grande cidade; a outra só serve uns quantos milhões de rústicos espalhados ao longo de várias centenas de quilómetros por cinco províncias de Portugal. Será então justo que paguem, nos automóveis ou camiões colectivos em que se transportem, só para não serem brutos e teimarem em viver apegados aos seus campos, quando é tão mais doce e, pelo visto, acarinhada, a vida nas grandes cidades, onde as multidões sabem fazer sentir o peso da sua força e a força das suas preferências?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Será ..., mas fico-me a pensar onde estará então a sinceridade e a coerência em todos esses protestos e projectos que por aí se fazem de desenvolvimento regional, em todas as reprovações da hipertrofia dos centros urbanos, se à cidade se der, e em dobro, o que ao campo se impõe que pague!
Fico-me a pensar nisto por agora; talvez também algum de VV. Ex.ª que tenha tido a paciência de me escutar: mas amanhã, quando a ponte da Arrábida começar a sua útil função, se simultaneamente continuar a ser pago o uso da ponte de Vila Franca, será decerto todo o País a perguntar-se surpreso e reprovador como seja isso de haver duas medidas da dedicação do Estado ao serviço dos povos, como num sítio pode prestá-lo sem preço e noutro só contra pecúnia.

O Sr Pinto de Mesquita: - Eu nesse ponto aplaudo V. Ex.ª

O Orador: - Não quero crer que tal seja possível; confio em que este aspecto discriminatório, a verdadeira iniquidade de uma situação assim, se efectivamente se verificasse, já o Governo os terá ponderado e saberá evitar oportunamente; mas, pelo sim, pelo não, entendo do meu dever de Deputado pedir a sua atenção para a hipótese, e lembrar-lhe esta, que seria verdadeira bagatela no acervo das suas preocupações se não tocasse ao mais essencial dos seus deveres: o de administrar com justiça igual para todos os portugueses!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Faço pois ardentes votos por que concomitantemente com a inauguração da ponte da Arrábida se suprima a cobrança da portagem na Ponte do Marechal Carmona, e, com estes, tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de alterações à Lei Orgânica do Ultramar Português.

Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano de Carvalho.

O Sr. Herculano de Carvalho: - Sr. Presidente: já na intervenção que fiz nesta Assembleia há coisa de um ano, ao referir-me ao sistema de administração civil do ultramar, apelei para o Governo pedindo uma profunda revisão de tal sistema. Baseando-me na experiência por mini vivida em Timor, dei a entender a necessidade de se conceder ao ultramar o direito do usufruto de um sistema municipalista tal como ele é entendido para uso na metrópole. Disse então ser preciso procedermos a «um profundo exame de consciência» em matéria de política administrativa e, muito embora nesse momento estivesse apenas visando o sistema administrativo no âmbito limitado das circunscrições e concelhos, tinha a convicção de que a reforma sugerida seria o primeiro passo para uma geral revisão do corpo das leis que regem a vida administrativa do Portugal ultramarino.
Ao apresentar aquelas minhas considerações tomei como ponto de partida a promessa contida no artigo 134.º da Constituição Política da Nação, promessa que se traduz na integração dos sistemas administrativos de cada território nos sistemas em uso nos territórios politicamente mais desenvolvidos. Deste modo, ao trazer aqui o problema da integração tive como objectivo essencial chamar a atenção para o direito que têm as províncias de além-mar de gozar dos benefícios do sistema vigente nas províncias metropolitanas, sistema esse tipicamente autárquico, profundamente radicado nas nossas tradições e que tão bons resultados tem dado.
Mas ao chamar aqui, por me parecer que não estava sendo realizado, o preceito constitucional da integração, não pus sequer em causa, por me parecer pelo menos já parcialmente realizado, o outro preceito, também constitucional, da descentralização administrativa.
Permita-se-me agora que, antes de entrar propriamente na análise da proposta de revisão da Lei Orgânica do Ultramar, refira o meu modo de ver quanto aos princípios básicos da nossa Constituição em matéria de política ultramarina, ou melhor, a forma como a meu ver esses princípios se podem realizar plenamente, tomando os dois preceitos enunciados como sequência ou consequência de um outro que é sua premissa: a unidade da Nação.
Esses princípios, por si só bastantes para definir todo um corpo de doutrina, são portanto: a unidade política do mundo português e a integração e a descentralização administrativas. Ainda que na Constituição outras disposições não se incluíssem acerca do nosso ultramar, esta tríplice indicação seria suficiente para mostrar o rumo da vida política e administrativa desse mesmo ultramar.
E assim, vejamos. Para se realizar o princípio da unidade toma-se como consequência imediata o direito à integração, ou seja. o direito de as populações de além-mar se regerem pelos princípios administrativos gerais aplicados à vida da metrópole.

O princípio da descentralização é simples enunciado de ordem prática, sensata, que traduz a ideia de que o comando à distância, centralizado, não permite o exercício eficaz da administração e, a meu ver, incide sobretudo na actividade do Poder Executivo; a descentralização é também fruto do ponto de vista realista de a ambientes particulares deverem corresponder normas de vida com cambiantes particulares.

Daqui o reconhecer-se a necessidade de, por um lado, se proceder a uma operação de desconcentração de poderes dos órgãos da administração central para os órgãos provinciais e, por outro, a de se conceder a cada território um estatuto próprio, cujas normas correspondam aos condicionamentos específicos do meio local.
Este mesmo princípio reconhece implicitamente que a diferenciação das leis será resultado das diferenças de cada território, considerado em si mesmo, em relação a cada um dos restantes, e não do ultramar, considerado em bloco, em relação u metrópole.

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Então, parece desde logo que a existência de um diploma com a feição de uma lei orgânica do ultramar, criando uma diferenciação de princípio entre a metrópole e todo o restante espaço português, sugere que entre este e aquela haja uma diferenciação de facto, uma separação política.
Por outras palavras: a existência de uma lei fundamental que apenas visa o ultramar em bloco, que a ele se dirige especificamente, considerando-o como um todo político-administrativo, parece fenómeno insólito. O único todo político que nós, portugueses, podemos conceber é o 'todo português, é o Portugal euro-afro-asiático uno, íntegro, indivisível.
Daqui parto para as duas proposições seguintes: em primeiro lugar, que a Lei Orgânica do Ultramar devia antes ser o Código Administrativo Português, com as generalizações e a pormenorização que os princípios da integração e da desconcentração executiva requererem.
Por outro lado, que a cada parcela geográfica do território nacional, nomeadamente o território metropolitano, seja outorgado o seu foral, o seu estatuto jurídico específico.
Mas a verdade é que a Lei Orgânica existe e temos perante esta Câmara uma proposta de revisão a algumas das suas disposições.
Nestas condições, e por não ser possível, por agora, ir mais além da apreciação da proposta em causa, desejo exprimir o que a respeito dela me parece de maior relevo.
No que toca aos interesses do meu círculo, Timor, duas disposições se contêm na proposta que poderão permitir à Câmara resolver dois problemas do maior alcance: refiro-me à possibilidade de as províncias poderem vir a ser servidas por um sistema de autênticas autarquias locais e de poderem fazer representar nos órgãos consultivos provinciais as suas instituições tradicionais autóctones.
É certo que outras alterações há que virão possivelmente a facilitar o desempenho das funções governamentais e administrativas dos órgãos provinciais, mas, pelo que toca a Timor, os dois pontos referidos seriam por si só justificativos de uma revisão da lei. E ainda que oportunamente se venham a concretizar as profundas remodelações jurídicas que há pouco esbocei, será utilíssimo que, pelo menos para Timor, se possam pôr em execução, em breve prazo, estas medidas de ordem prática,
Sem entrar em detalhes que apenas terão cabimento quando da apreciação da proposta na especialidade, julgo útil deixar aqui um breve apontamento sobre estes dois problemas que tão profundamente interessam a Timor.
Quanto à questão das autarquias locais, problema que, como disse, já tive ocasião de trazer a esta Câmara na passada sessão legislativa, é agora possível dar-se às bases XLVI e XLVIII da lei uma redacção tal que o sistema autárquico passe a vigorar nas. províncias ultramarinas nos precisos termos em que vigora nas províncias metropolitanas. Na realidade, o acabar-se com o regime das circunscrições ou concelhos rurais administrados por um só homem com poderes discricionários, a perspectiva de os presidentes das câmaras e comissões municipais serem da livre nomeação do governador, é uma medida de valor construtivo inestimável. Os timorenses sabem bem o que o actual sistema representa para eles.
Quanto à possibilidade de se fazerem representar nos conselhos económicos e sociais e nos conselhos de governo as instituições tradicionais das sociedades autóctones, o seu interesse quase não precisa de referência justificativa. Em Timor, os grandes governadores foram os que souberam ouvir e deram ouvidos ao conselho dos régulos, os que prudentemente apoiaram as suas decisões na voz sensata dos seus melhores conselheiros os - liurais.
Em conclusão: as alterações à Lei n.º 2066 propostas pelo Governo parecem-me poder conduzir a resultados práticos benéficos, muito embora deva exprimir as minhas reservas quanto aos reflexos que uma maior descentralização legislativa pode acarretar. Neste ponto creio que melhor solução seria garantir-se às províncias ultramarinas uma mais volumosa representação nesta Câmara e dar-se à Câmara o poder de legislar livremente para o conjunto do País, poder esse que hoje apenas se estende à metrópole. Em contrapartida, creio que poderia ser mais ampla a desconcentração de poderes em relação aos órgãos executivos provinciais.
Muitos dos princípios da proposta poderão informar o novo corpo de leis que espero muito em breve a Câmara possa decretar em integral concordância com o corpo de doutrina em que assentam os alicerces da política nacional,
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Jacinto Medina: - Sr. Presidente: o grau de desenvolvimento atingido pelos diversos territórios que constituem o ultramar português - especialmente os maiores - no aspecto demográfico, cultural, social e económico e a consequente complexidade e volume dos problemas da sua administração vinham de há muito reclamando uma maior dinamização da acção governativa local, dando-lhe possibilidades de exercer, de forma mais acentuada, uma iniciativa que o conhecimento directo dos problemas justifica estar ávida de se manifestar, e de resolver com maior oportunidade e justeza toda uma série de assuntos cujo retardamento, por vezes em benefício de estudos mais profundos, quase sempre tem resultado em prejuízos, pelos desanimes que gera, pelas energias desperdiçadas e pelas ocasiões perdidas.
Os territórios ultramarinos são quase todos territórios em plena expansão, autênticos países novos, pletóricos de possibilidades e energias mal contidas, territórios em que constantemente se injecta sangue novo, em que os homens procuram nos seus vastos horizontes a realização de sonhos e ideais, com coragem, fé e estoicismo, forças actuantes que, canalizadas para o progresso, orientadas e amparadas, se tornam instrumentos de valor incalculável para o engrandecimento da Nação na sua expressão mais ampla.
Quaisquer fórmulas reguladoras das relações entre o Governo Central e os governos locais, ou que disciplinem a organização destes e a sua competência, terão, para serem realistas, de tomar em consideração este carácter dinâmico da vida ultramarina e a sua ânsia geral de progresso, a que corresponde certo pragmatismo e objectividade, por vezes chocantes, na análise dos problemas e na busca das soluções, mas em que seria injusto, contudo, descortinar laivos de menos patriotismo ou intuitos separatistas.

ualquer solução que se adopte há-de ser suficientemente elástica para que, sem prejuízo da fiscalização do Governo Central e da unidade política da Nação, não se tolha em apertado colete o livre jogo das forças criadoras, condição mesma do desenvolvimento e progresso do ultramar.
Este condicionalismo não é de hoje e podemos dizer que não houve grande vulto da história da nossa administração ultramarina que não tivesse dele consciência.
Mouzinho, António Enes, Eduardo Costa. Paiva Couceiro, Norton de Matos, Vicente Ferreira e outros, a quem o País ficou devendo assinalados serviços, defen-

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deram sempre a doutrina de uma larga participação tias populações locais na administração dos respectivos territórios o a necessidade de organizar consequentemente as instituições governativas locais e dotá-las das necessárias competências. Veio até nós em síntese perfeita a frase de António Enes no seu relatório de 1907:
Desejo que a província passe a ser governada e administrada na província., segundo normas inflexíveis estabelecidas e eficazmente fiscalizadas pela metrópole.

A Lei Orgânica actualmente em vigor. Lei n.º 2066, de Junho de 1903, à qual foram introduzidas sucessivas alterações que a têm vindo a aperfeiçoar e actualizar, já em certa medida entrega à competência dos órgãos locais, governador e órgãos legislativos, os assuntos que interessem exclusivamente a cada província.
Contudo, ou por virtude de uma imperfeita ou muito imprecisa definição dos limites do que é local, ou porque as intenções expressas nas bases colidem em muitos casos com limitações impostas nos diplomas reguladores de diversas matérias, ou ainda porque o Ministro conservou nas suas mãos ampla iniciativa e competência legislativa, o grau de iniciativa e atribuições deixados aos órgãos locais têm-se manifestado insuficientes, e cada vez mais à medida que se vão tornando cada vez mais volumosos e complexos os problemas em que têm de intervir.
O facto de ultimamente os Ministros terem recorrido com frequência à delegação nos governadores-gerais da sua competência em determinadas matérias, se atenua um pouco os inconvenientes apontados, não os resolve totalmente nem invalida as observações aqui expostas.

O Sr. Proença Duarte: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Proença Duarte: - É preciso atender a que, segunde- a Lei Orgânica, há muitas atribuições ministeriais que, pó- força da lei. não podem ser delegadas nos governadores locais, o que é um mal.

O Orador: - É por isso mesmo que digo que, se se atenua, em parte, não se resolve o problema.
Muito obrigado pela intervenção de V. Ex.ª
Por outro lado, a guerra que nos foi imposta por aqueles novos imperialismos, que, a exemplo dos velhos, ainda que envolvidos noutras roupagens, pretendem desagregar o território da Nação e colher os seus despojos, impõe, pelas suas características especiais, o aceleramento do ritmo do desenvolvimento económico e social das parcelas mais atingidas e requer uma organização da administração local que a torne apta a agir com maior eficiência, em face das múltiplas e prementes solicitações que tem do enfrentar. Tudo se traduzirá na prática, além do mais, num aumento de bem-estar das populações, em mais elevado moral e capacidade de resistência e, consequentemente, em mais confiança no Governo da Nação, em mais força e robustecimento da unidade nacional.
Assim o entendeu o Governo e daí, certamente, o ter adiado oportuno e conveniente apresentar à Câmara o projecto de lei agora em discussão.
Ao Ministro que então sobraçava a pasta do Ultramar, Prof. Adriano Moreira, intelectual brilhante e governante de larga visão, que tão bem soube interpretar os anseios e o sentir unânime das populações do ultramar e a quem se deve a iniciativa dos primeiros passos para a elaboração do projecto, presto aqui as minhas rendidas homenagens.
Para quem no ultramar vive e labuta, quer se dedique à actividade privada ou ao exercício de funções públicas, ressaltam a cada passo os inconvenientes de uma excessiva centralização de competências governativas na metrópole. Tolhe completamente a boa marcha dos serviços, desencoraja as melhores iniciativas e é responsável em grande parte pelas ineficiências da administração local.
Quando um governador-geral não tem competência para actualizar convenientemente os quadros dos serviços públicos, a não ser nos mais baixos escalões, quando não pode rever e aperfeiçoar a orgânica desses serviços sem que os projectos respectivos sofram no Ministério demoras, por vezes de anos, para serem estudados; quando não pode abrir créditos ou transferir verbas do orçamento ordinário; quando é muito limitada a sua competência para a autorização de obras a custear pelos fundos de fomento ou saldos de exercício; ou quando a sua competência é quase nula para a autorização da montagem de indústrias num território cujo desenvolvimento económico é condição fundamental da sua sobrevivência, não é difícil concluir que não está adequadamente habilitado com as atribuições necessárias para fazer face às múltiplas responsabilidades inerentes ao governo de territórios com a vastidão de Angola ou Moçambique.
E frequente atribuir-se à excessiva autonomia e à falta de maturidade dos quadros da administração ultramarina a desordem financeira e os desmandos que caracterizaram um largo período anterior ao ano de 1932 e assim tentar-se justificar uma política de centralização que é contrária às realidades da administração ultramarina.
A apreciação parece-me menos justa para com a grande maioria dos que em períodos difíceis dedicaram o seu esforço e deram o melhor de si próprios ao progresso do nosso ultramar e não tem hoje, de todo, base sólida, se atentarmos no desenvolvimento populacional das grandes províncias ultramarinas, no elevado nível cultural já nelas atingido e na existência de um funcionalismo que, se não é ainda o que todos desejaríamos que fosse, já atingiu um nível que não permite duvidar que esteja apto a cumprir com eficiência os ditames de uma sã administração.
Por mim tenho que as causas dos males hão-de ser as mesmas que perturbaram a vida nacional antes do advento do actual regime: o desregramento geral na administração pública, a desordem financeira e a instabilidade política, a que só o redentor movimento de 28 de Maio pôs cobro. E tanto assim é que, regeneradas as finanças ultramarinas de acordo com o plano do Prof. Armindo Monteiro, publicada em 1933 a Carta Orgânica, em que se sistematizam e desenvolvem os princípios da Constituição, e o Decreto-Lei n.º 23229, que aprova a Reforma Administrativa do Ultramar, autêntico Código Administrativo, onde se definem as regras referentes à administração local das províncias ultramarinas, entra-se na fase que até hoje vem caracterizando esta administração: disciplina na gestão da coisa pública e inalterável equilíbrio financeiro.
Desde que a descentralização seja prudente, seja rigorosamente fiscalizada pelo Poder Central, que não abdica da faculdade nem do direito de a fiscalizar e reprimir os excessos nocivos, ela não poderá, como alguns temem, pôr em perigo a unidade nacional e será antes a melhor forma técnico-administrativa de desenvolver e fazer progredir o ultramar, o que será o mesmo que dizer de valorizar a Nação, de que ele é, e com fé em Deus continuará a ser, parte integrante.
Pela justeza dos conceitos e pela precisão da síntese, não resisto aqui a citar a declaração de voto do grande governador ultramarino Eng.º Vicente Ferreira, exarada

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no parecer da Câmara Corporativa relativo à revisão da Lei Orgânica do Império, em 1946:

Sem desconhecer alguns inconvenientes da descentralização administrativa, julgo, todavia, que ela é a que mais facilita a boa administração e estimula o desenvolvimento dos territórios do ultramar e que os seus inconvenientes com mais facilidade se corrigem que os do sistema contrário, e isto precisamente por existirem os tais meios rápidos de comunicação que o ilustre relator invoca para justificar a tese oposta.
Em todo o caso, se no sistema de descentralização se tornam possíveis as iniciativas mal ponderadas, os seus inconvenientes afiguram-se-me menos graves que os da inércia a que os governadores estão condenados no regime actual de apertada centralização, em que todas as iniciativas fecundas e todas as decisões pertencem ao Ministro.
E certo que a descentralização para ser eficaz requer ainda maior escrúpulo do que actualmente na escolha dos governadores coloniais, a qual só deve recair em pessoa que tenha revelado inequivocamente qualidades de carácter, tino administrativo e bom senso político.
Assim se vê que Vicente Ferreira, como todos os grandes vultos da nossa administração ultramarina, é partidário da descentralização administrativa, ampliando-se, como corolário, as competências e o direito de iniciativa dos governadores-gerais e governadores subalternos, sem prejuízo da fiscalização exercida pelo Ministro e da sua intervenção activa e oportuna, para definir e orientar a política geral, que em matéria de administração ultramarina o Governo da Nação entenda seguir.
Enveredar por caminho diferente, por uma política de centralização, em que a maior parte da iniciativa e da competência passam para as mãos do Governo Central, em que a administração é uniformizada e integrada, não parece realístico porque não toma em consideração os condicionalismos geográfico, social, cultural, étnico e económico dos territórios ultramarinos, nem as aspirações e os desejos das populações.
Diz o Prof. Afonso Queiró, e muito bem, no douto parecer da Câmara Corporativa: «Trata-se de regra de ouro, elementar, mas eterna, de sabedoria política, que a tais condicionalismos, quando suficientemente vincados, não pode deixar de se atender».
Uma centralização de iniciativas e competências e uma uniformidade do direito que em nome da unidade nacional entravassem o desenvolvimento e o progresso dos territórios ultramarinos e frustrassem as aspirações dos habitantes a níveis mais elevados de cultura e padrões mais altos de bem-estar só poderiam gerar ressentimentos e surda revolta, que comprometeriam irremediavelmente o bem precioso que todos queremos preservar.
Solução que não comporta já os mesmos perigos que a integração centralizadora, ainda que não exclua certas dificuldades de ordem prática e de ordem técnica, é a integração progressiva dos serviços provinciais nos serviços nacionais, conforme se prevê do n.º 3.º da base XXXVI da proposta do Governo, preceito, aliás, já constante da actual Lei Orgânica - n.º 2.º da mesma base XXXVI -, salvaguardada a descentralização já outorgada, sem o que à perda da iniciativa e competência dos órgãos locais acresceriam os males resultantes de um controle central muito distanciado e sem o conhecimento suficiente dos problemas para a sua resolução adequada e oportuna.
Assim, estaríamos em face de transferência de competências a processar-se em dois planos: verticalmente, no sentido de centralização para os órgãos locais; horizontalmente, do Ministério do Ultramar para outros sob os quais estejam os grandes interesses comuns a todo o território do Estado Português.
Sem que signifique de forma nenhuma menos apreço por todos os que, na longa história da nossa administração ultramarina, têm, através do Ministério do Ultramar, servido a Nação na defesa e valorização das suas parcelas de além-mar, não posso deixar de pensar que a concentração exclusiva dos assuntos respeitantes à administração ultramarina num único Ministério especializado, se teve alguma, vantagem do ponto de vista da coordenação e do planeamento ou na formação de especialistas e técnicos de assuntos ultramarinos, é, em grande parte, a causa, ou uma das razões, do tão discutido alheamento da metrópole nos problemas do ultramar de que todos nos queixávamos. Talvez outra fosse a consciência da Nação quanto à, sua dimensão ultramarina, mais mentalizada fosse a administração pública e mais pujantes e progressivas fossem muitas das actividades do ultramar se por todos ou mais Ministérios estivessem repartidas as responsabilidades de as impulsionar, orientar, amparar e fiscalizar.
Já tenho ouvido afirmar a inexequibilidade do sistema, mas não me consta que esteja II resultar mal, pelo contrário, nos serviços em que foi aplicado - forças armadas, aeronáutica civil e serviços meteorológicos -, apesar de quanto a estes o regime ainda ser ambíguo, já que os respectivos directores-gerais dependem, no que respeita ao ultramar, do respectivo Ministro, e não daquele a que pertencem as suas direcções-gerais.
Quem contacte com os serviços públicos provinciais, em especial os mais acentuadamente técnicos, recolhe a opinião, que é quase unânime, de que prefeririam, sem hesitar, depender, rio plano superior das competências que cabem hoje ao Ministério do Ultramar, dos Ministérios que na metrópole superintendem nos respectivos ramos de serviços.
Estes são dotados de quadros mais abundantes e de superior nível técnico e científico e dispõem de uma orgânica interna mais ampla e actualizada e, portanto, mais apta a resolver bem e depressa os problemas que se lhes apresentem. Em contrapartida, têm actualmente um desconhecimento completo dos problemas ultramarinos, o que requereria um período mais ou menos longo de adaptação e até algumas alterações na sua orgânica.
E notório que o volume, a diversidade è a complexidade dos problemas que hoje afluem ao Ministério do Ultramar excedem em muito a capacidade da sua orgânica e dos seus quadros, razão por que, mesmo apesar do esforço esgotante a que estão permanentemente submetidos os seus quadros superiores, os assuntos se amontoam, a sua solução se retarda e muitas vezes morrem estrangulados e bloqueados num canal demasiadamente estreito para dar escoante ao caudal imenso dos problemas do ultramar.
A situação vai atingindo os limites do insustentável e impõe uma opção. Ou se liberta o Ministério de um grande número de serviços, se não da maioria dos serviços que lhe estão adstritos, transferindo-os para os respectivos Ministérios, ou haverá que transformá-lo num super ministério, com tantos subsecretários quantos os ramos principais da administração pública e com os serviços largamente ampliados, o que o converterá num autêntico governo para o ultramar ao lado do Governo da Nação. Tenho sérias dúvidas se será este último o caminho mais indicado.

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Para muitos o projecto do Governo não altera substancialmente o regime da Lei Orgânica actualmente em vigor e a descentralização não foi levada tão longe como seria necessário e desejo das populações das províncias ultramarinas.
Esses serão talvez os que desejariam ver iniciar-se um processo de evolução constitucional, susceptível de modificar fundamentalmente o sistema estabelecido pela Lei n.º 2066, de Junho de 1953, hipótese a priori posta de parte pelo Ministro do Ultramar ao marcar como limite intransponível o preceituado no texto constitucional. Assim seria difícil ir mais longe e o projecto não poderia ir além de alguns passos cautelosos rio sentido da descentralização.
Que o princípio tenha sido mais uma vez consagrado já é motivo para nos felicitarmos e ao Governo, que mostra assim que encara com solicitude, atenção e carinho os problemas que dizem respeito ao Portugal Ultramarino.
Ainda que não deseje alargar-me nesta justificação do meu voto quanto à generalidade e reserve referência mais profunda às diversas bases para a discussão na especialidade, não quero deixar de pôr em relevo alguns pontos que me parecem constituir passos de certo modo inovadores e trazerem vantagens apreciáveis.
Em primeiro lugar, passa para os governos locais a competência para a organização dos orçamentos, reservando-se apenas para o Ministro a fiscalização dessa organização e da sua execução.
Valendo a elaboração dos orçamentos como autênticos planos do Governo, é evidente, o aumento do grau de iniciativa que é agora outorgado aos órgãos locais na gestão dos negócios no respectivo território.
Esta competência, aliada à de o governador poder autorizar as transferências de verbas e a abertura de créditos, até agora nas mãos do Ministro, será sem dúvida factor de largo alcance na aceleração do ritmo da administração pública no ultramar.
E também de salientar a competência conferida aos governadores quanto à autorização de obras a custear pelas verbas dos planos de fomento e orçamentos extraordinários, mas não posso deixar de lamentar que nenhum passo se tenha dado no sentido de alargar a competência dos governadores locais no que respeita ao condicionamento industrial. Só nos resta a esperança de que a integração do espaço económico português possa obviar a muitas das dificuldades que agora se apresentam e que tanto têm retardado a industrialização e o desenvolvimento económico das províncias ultramarinas.
A distribuição ou agrupamento permanente dos serviços que deverão ficar subordinados ao mesmo secretário provincial, ao qual certamente será dada uma designação correspondente às funções - secretário provincial da economia, secretário provincial das obras públicas e fomento, secretário provincial da segurança social, etc. -, e a criação de secretarias provinciais convenientemente dotadas de pessoal, ao contrário do que agora sucede, concorrerá em larga medida para um melhor andamento do expediente dos serviços e para uma maior eficiência da administração.
Como muito bem diz a proposta do Governo, o agrupamento dos serviços facilita uma melhor selecção das pessoas que venham dirigir as secretarias, visto previamente se conhecer a natureza dos serviços que as constituem.
Da maior importância também a ampliação do carácter representativo dos órgãos legislativos locais, pela supressão quase total dos vogais nomeados, acrescida da possibilidade de a sua presidência ser assumida por um vogal eleito, e não pelo governador, como até aqui.
Com a sua competência limitada pelas do Governo, da Assembleia Nacional e do Ministro do Ultramar e não podendo os seus vogais, no uso da sua iniciativa legislativa, apresentar propostas que envolvam aumento de despesa ou diminuição de receita, e ainda estando os diplomas que votem sujeitos ao veto do Ministro do Ultramar, não se dirá certamente que se caminha para o tal Legislativo praticamente independente que constituiria o princípio do fim.
De assinalar também a previsão de um conselho consultivo, com a designação de conselho económico e social, que seria uma réplica em escala menor da Câmara Corporativa. Analogamente, nele estariam representados os interesses administrativos, morais, culturais, sociais e económicos da respectiva província.
Por último, é de salientar a representação das províncias nas grandes assembleias ou corpos jurídico-administrativos do Estado, de largo alcance político na medida em que contribui para o robustecimento da unidade nacional e prova a autenticidade da nossa doutrina e das nossas tradições, que mandam considerar o ultramar parte integrante e inalienável da Nação,, e não feudo nem senhorio da metrópole.
Sr. Presidente: aplaudindo o espírito de descentralizador que informa a proposta do Governo, por entender que é o que melhor corresponde às necessidades actuais da nossa administração ultramarina e às aspirações das nossas províncias de além-mar, dou o meu voto de aprovação na generalidade a esta proposta.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados': sou informado de que os Srs. Deputados que desejam intervir no debate, na generalidade, sobre a proposta de lei de alterações à Lei Orgânica do Ultramar não têm os seus discursos preparados nem desejariam prepará-los antes de na Comissão Eventual se tomar posição sobre as questões que aquela proposta suscita. Nestas condições, não marcarei sessão plenária, ou sessões plenárias, para a próxima semana. Marco a primeira, para continuação do debate na generalidade, para terça-feira, dia 16 de Abril. - Quero, no entanto, dizer a VV. Ex.ªs que a partir daquele dia não posso aceitar soluções de continuidade na discussão e que esta acabará, na generalidade, logo que faltem oradores para preencher o tempo normal de qualquer sessão de manhã, se as houver, ou de tarde.
Acrescento que poderei ver-me forçado a restringir o tempo do período de antes da ordem do dia e, portanto, as intervenções que se verifiquem durante o mesmo período.
Esclarecido este ponto, resta-me apresentar a VV. Ex.ªs os melhores desejos de boa Páscoa.

Vozes: - Muito obrigado!

O Sr. Presidente: - Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alexandre Marques Lobato.

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André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Marques Fernandes.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Alves Moreira.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
D. Custódia Lopes.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
James Pinto Buli.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
Manuel Colares Pereira.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Rogério Vargas Moniz.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.

ntónio Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Maria Santos da Cunha.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto Duarte Henriques Simões.
João Mendes da Costa Amaral.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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