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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIARIO DAS SESSÕES N.º 94
ANO DE 1963 20 DE ABRIL
ASSEMBLEIA NACIONAL
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 94 EM 19 DE ABRIL
Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Ex.mo Srs
Fernando Gid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 92.
Deu-se conta do expediente.
Foi negada autorização para o Sr. Deputado Francisco Lopes Vasques intervir, como perito médico, num julgamento no Tribunal do Trabalho de Beja.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Alberto Meireles, para um requerimento; Nunes de Oliveira, que anunciou um aviso prévio; Júlio Evangelista, que apresentou um projecto de lei sobre a valorização da vida local; Antão Santos da Cunha, para um requerimento; Agnelo Orneias do Rego, que se referiu à próxima realização, em Lisboa, do Grande Encontro da Juventude, c Amaral Neto, sobre assuntos de exportação.
Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade da proposta de lei de alterações à Lei Orgânica do Ultramar.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Ubach Chaves, Vaz Nunes, Pinto de Mesquita e Soares da Fonseca, que concluiu o debate na generalidade.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 19 horas.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada. Eram 15 horas e 55 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
AAlexandre Marques Lobato
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Aguedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado!
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
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Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Sebastião Garcia Ramires.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 76 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: -Está na Mesa o Diário das Sessões n.º 92, correspondente à sessão de 17 do corrente. Se algum dos Srs. Deputados deseja deduzir qualquer reclamação, é agora o momento de fazê-lo. Se não deduzir, considero este Diário aprovado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum dos Srs. Deputados deduz qualquer reclamação, considero aprovado aquele Diário.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Carta
De Flávia Vasques Quintela Soares a agradecer o pesar manifestado pela Assembleia a propósito da morte de seu irmão, o jornalista Mário Quintela.
Telegrama
Da Câmara Municipal de Poiares a aplaudir a intervenção do Sr. Deputado Augusto Simões sobre transportes terrestres.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa um pedido do Tribunal do Trabalho de Beja a solicitar autorização à Assembleia para que o Sr. Deputado Francisco Lopes Vasques possa intervir, como perito médico, em audiência de discussão e julgamento a realizar no dia 24 do corrente.
Aquele Sr. Deputado disse haver inconveniente para o exercício do seu mandato na autorização pedida.
Nestes termos, consulto a Câmara sobre a referida autorização.
Consultada a Câmara, foi rejeitada a autorização solicitada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para apresentar um requerimento o Sr. Deputado Alberto Meireles.
O Sr. Alberto Meireles: -Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte
Requerimento
A imprensa tem-se referido, e desenvolvidamente, no lamentável facto ocorrido com alguns lotes de conservas de peixe exportados para um país da Europa habitual e grande consumidor das excelentes conservas de peixe portuguesas.
E vêm sendo atribuídas, sem desmentido ou esclarecimento oficial em contrário, ao adicionamento no azeite utilizado nessas conservas de óleos extraídos de bagaços as graves deficiências organolépticas que justificaram a sua devolução, aliás desde logo aceite pelos representantes dos interesses portugueses.
Nos termos da alínea d) do artigo 11.º do Regimento da Assembleia Nacional, requeiro que, pelas Secretarias de Estado do Comércio e da Indústria, me sejam fornecidas, com a urgência que o caso requer, as seguintes informações:
1) Quantidades de conservas de peixe cuja devolução foi considerada justificada por se reconhecer não serem utilizáveis; se possível, com referência às respectivas datas de fabrico e país de destino;
2) Se o Instituto Português de Conservas de Peixe informou atempadamente as instâncias competentes dos inconvenientes e riscos da utilização de azeite adicionado com óleos provenientes da extracção de bagaços nos molhos de cobertura de conservas de peixe;
3) Se, pelos departamentos a quem compete fazê-lo, foram tomadas oportunamente providências tendentes a impedir que as empresas refinadoras e abastecedoras de azeite à indústria de conservas de peixe alterassem as características de qualidade e pureza tradicionais, e legalmente impostas quanto ao azeite destinado a esta indústria, através do adicionamento de óleos extraídos de bagaços.
O Sr. Presidente: - A fim de anunciar um aviso prévio, tem a palavra o Sr. Deputado Nunes de Oliveira.
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O Sr. Nunes de Oliveira:-Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa, em nome de um grupo de Deputados, e ao abrigo do artigo 50.º do Regimento, a seguinte nota de aviso prévio sobre educação nacional:
Embora de todos sejam conhecidas as preocupações do Governo com a educação nacional e o esforço que neste sector tem sido desenvolvido, tanto na metrópole como no ultramar, pensa-se que nunca será demasiado debater certos aspectos do ensino, de transcendente importância para a vida da Nação.
Impõe-se, por isso, preparar com o maior cuidado uma profunda revisão da estrutura actual do problema, com o planeamento de uma política de educação e de ensino que conduza não só ao prestígio das instituições, mas outrossim à sua verdadeira eficiência.
Não nos surpreende, dada a natural projecção nos vários sectores da vida do País e a mais elevada repercussão no progresso nacional, que múltiplas questões ligadas à educação e ao ensino tenham desde sempre merecido a mais carinhosa atenção em numerosas intervenções na Assembleia Nacional. E, se nos debruçarmos sobre todas elas, logo se evidenciam justificadas apreensões quanto a muitos dos aspectos que envolvem, de um modo geral, os vários graus do ensino.
Por nos parecer útil e oportuno um debate sobre tão magno assunto, temos a honra de anunciar este aviso prévio, no desejo de contribuir, da forma mais construtiva, para a correcção de deficiências, preconizando soluções que nos pareçam válidas. Os aspectos gerais e particulares que pensamos referir podem ser sumariados nos termos seguintes:
A) Aspectos gerais, comuns a todos os graus de ensino:
1) Política do fomento da educação;
2) Aspectos da situação da criança em Portugal, do ponto de vista jurídico e humano;
3) A formação do professorado e sua valorização profissional;
4) Promoção de uma intensa acção no sentido de preparar eficazmente a juventude nos aspectos moral e social;
5) Reforma de programas e actualização de métodos e livros didácticos que melhor se adaptem às exigências da época actual;
6) Coordenação entre os diferentes graus de ensino;
7) Saúde e assistência escolar;
8) Actividades circum-escolares.
B) Aspectos particulares referentes a cada grau de ensino:
1) Infantil e primário:
a) A educação de base nos seus aspectos qualitativo e quantitativo;
b) A escolaridade obrigatória; necessidade da sua ampliação;
c) O ensino pré-primário e o ensino especializado para crianças inadaptadas;
d) A estrutura administrativa do ensino primário e a carreira profissional;
c) As escolas do magistério e o seu plano de estudos ;
e) Os meios de valorização da função docente nas suas implicações económico-sociais;
e) Relações entre as autarquias administrativas e o planeamento da
h) Participação das empresas no plano da educação.
2) Ensino secundário: $ 1.º Ensino liceal:
a) Reorganização do estágio pedagógico em bases mais eficientes;
b) Actualização e reajustamento dos quadros de professores efectivos e auxiliares e eliminação da categoria de agregados;
c) Possibilidades de acesso do professor do ensino secundário ao ensino universitário;
d) Os meios de valorização da função docente nas suas implicações económico-sociais;
e) Articulação do ensino primário com o ensino liceal e técnico;
f) Criação de um serviço de orientação escolar, com vista ao encaminhamento dos alunos nos estudos subsequentes e num sentido mais conforme com as suas aptidões;
g) Necessidade de uma coordenação do ensino com programas convenientemente sincronizados;
h) Revisão dos sistemas de exames em vigor;
i) Regulamentação da concessão de bolsas de estudo e de isenção de propinas.
$ 2.º Ensino técnico:
a) Idênticas providências às que foram apresentadas para o ensino liceal, nos casos em que tiverem aplicação;
b) Manutenção das escolas técnicas elementares e criação de outras onde a população escolar o justifique, enquanto .não for possível pôr em execução o novo «ciclo preparatório»;
c) Alargamento dos cursos de formação profissional das- escolas técnicas e seu ajustamento às necessidades de mão-de-obra especializada;
d) Criação de novas escolas agrícolas nos centros rurais onde a existência de explorações mais diferenciadas o justifique;
c) Criação de institutos comerciais e industriais nas regiões do País cujo desenvolvimento económico o justifique.
$ 3.º Ensino particular:
a) Regulamentação do ensino particular e reorganização da sua estrutura administrativa;
b) Cobertura por este ensino das exigências provocadas pela extensão da escolaridade;
c) Fomento do ensino particular no ultramar, com a criação de estabelecimentos mais conformes à tradição cristã e nacionalista da gente portuguesa;
d) Protecção do Estado aos estabelecimentos de ensino que melhor colaborem no Plano de educação nacional:
c) Colaboração do ensino particular no aproveitamento, como valores nacionais, de alunos sem recursos;
e) Recrutamento, formação e valorização dos professores deste ramo de ensino;
g) Alargamento do ensino colectivo a novas modalidades, designadamente aos ensinos agrícola, normal médio, médio artístico e superior.
3) Ensino ultramarino:
a) Ensino da língua portuguesa ao nativo;
b) Escolarização das massas nativas e o aumento da rede escolar;
c) Formação de professores nativos para o ensino rural;.
d) Criação dos meios urbanos e suburbanos do ensino pré-primário;
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c) Campanha intensiva de alfabetização das massas adultas.
4) Ensino superior:
a) Reforma dos planos de estudos. Sua justificação e necessidade de imediata aplicação;
b) Revisão dos quadros do pessoal docente, auxilia? e menor de acordo com as modernas exigências de investigação e do ensino;
c) Condições de acesso e de recrutamento do pessoal docente;
d) Actualização das instalações e seu reapetrechamento de acordo com as exigências atrás referidas;
e) A investigação científica e necessidade da sua coordenação.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 19 de Abril de 1963. - Os Deputados: Joaquim José Nunes de Oliveira - Olivio da Costa Carvalho - Francisco de Sales Mascarenhas Loureiro - José Alberto de Carvalho - Custódia Lopes.
O Sr. Júlio Evangelista:-Sr. Presidente: ao apresentar o projecto de lei sobre a valorização da vida local, cumpre-me agradecer a V. Ex.ª a oportunidade que me deu de fazer esta apresentação ainda durante a presente sessão legislativa, de tal modo que, durante o defeso parlamentar, a Câmara Corporativa possa proceder ao estudo deste projecto, estudo que espero se faça e surja a tempo de a discussão ser feita na próxima sessão legislativa.
Para a justificação do meu projecto de lei fiz, propositadamente, precedê-lo de um sucinto relatório, que me parece o mais adequado para explicar as razões da apresentação de tal projecto.
Antes, porém, de proceder à leitura do relatório e do articulado do projecto, quero agradecer à Comissão de Administração Geral e Local os termos penhorantes em que deu o seu parecer, especialmente ao seu ilustre presidente, o Sr. Deputado José Guilherme de Melo e Castro, na pessoa de quem cumprimento todos os ilustres membros da. Comissão de Administração Geral e Local.
Projecto de lei sobre a valorização da vida local
1. De há muito se manifesta no País acentuada preocupação pelo declínio da nossa vida local, traduzido na escassez de escóis locais e na penúria financeira e política das autarquias. Esta preocupação vem assumindo, com o decurso dos anos, forma clamorosa nalguns sectores, ou desapontamento daquilo que ainda resta de uma elite local, gravemente comprometida na sua vitalidade e nas suas possibilidades de revigoramento.
O Governo conhece as dificuldades encontradas, a cada passo, para descortinar pessoas capazes a quem possa confiar a gestão dos concelhos ou mesmo dos distritos; há-de sentir a falta de gente para constituir qualquer comissão política ou de cultura, de âmbito e formação concelhios ou distritais; não desconhece que, em muitas vilas, já hoje é preciso andar de candeia, como o filósofo da Grécia, para descobrir alguém em condições de ocupar o lugar de presidente da câmara.
E preciso encarar o problema com decisão e também com sensibilidade política. Um escol de carácter local pode representar factor poderoso no equilíbrio político e social do nosso país, além de constituir grande reserva de elementos, escol insubstituível, onde se poderiam vir a recrutar muitos dos grandes servidores da Nação.
2. Vai o Estado injectando de obras a província, num esforço a que é preciso fazer justiça, esforço enorme, tenaz, persistente. Mas a vida local agoniza, à míngua de escóis estáveis, e as autarquias continuam quase indigentes, face às tarefas que delas se reclamam e que devem cumprir. No Parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1958, no volume respeitante à metrópole (Lisboa, Imprensa Nacional, 1960), a Assembleia Nacional fez uma incisiva referência às «pressões regionais» (pp. VI VII), como factor «perceptível há muitos anos», que «transparece, porém, mais intenso e clamoroso nos últimos tempos e adquiriu até vigor que surpreende em certos casos».
Acrescenta o parecer:
Recentes medidas legislativas e financeiras procuram enfrentar problemas instantes, como os relativos ao abastecimento de água e salubridade, caminhos e estradas regionais, electrificação e outros. E, embora se considere viável, com recursos financeiros visíveis, executar um plano de melhorias locais, a grandeza do problema ainda não é de molde a poder considerá-lo resolvido num próximo futuro - sobretudo quando se verifica que muitas autarquias locais não dispõem de receitas adequadas à realização de projectos indispensáveis ao bem-estar e progresso nas condições de vida dos povos que administram.
Têm, pois, os recursos do Estado de suprir as deficiências locais, de modo a evitar que o País se transforme num retalho de zonas ricas e de zonas pobres, de regiões dotadas com o indispensável à vida e ao progresso e de zonas em que, por deficiência de meios financeiros, se perpetuam rudimentares condições higiénicas e outras.
Todas estas circunstâncias podem transformar-se, com o tempo, num factor político que enfraqueça a unidade nacional e leve a reclamações e queixumes, aliás já audíveis naquelas áreas aonde ainda não foi possível levar o sopro renovador que caracteriza a política nacional.
Não cabe no âmbito da iniciativa parlamentar acudir às dificuldades regionais atrás referidas, mas apontam-se neste relatório sucinto para acentuar as incidências que porventura manifestem na decadência da vida local, tal como havia sido notado já em 1957 nas conclusões de exaustivo ciclo de trabalhos do Centro de Estudos político-sociais:
Como células vivas do corpo da Nação, impõe-se combater tudo aquilo que possa tender ao enfraquecimento das nossas autarquias, designadamente através de uma planificação económica com base regional. E, se foram a concentração da indústria e a procura de lugares mais bem remunerados ou de uma vida mais confortável e atraente que arrastaram as populações para os grandes centros, há que promover a desconcentração industrial, realizar maior descentralização dos serviços públicos, dotar as localidades com um mínimo de atractivos e de conforto, valorizar o mais possível a posição política dos municípios. (Problemas de Administração Local, edição do Centro de Estudos político-sociais, Lisboa, 1957, pp. 557 e 558).
Vozes: - Muito bem!
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3. No presente projecto de lei alinham-se princípios gerais em que poderá assentar uma regulamentação cuidada e criteriosa do Governo. E preciso romper, abrir caminho. Nada mais se pretendeu do que elaborar algumas bases gerais, segundo as quais se poderá porventura processar, após indispensável regulamentação, certo revigoramento da vida local, bem como a dignificação das autarquias, que urge transformar em elementos válidos e dinâmicos da política nacional.
Vozes: -Muito bem!
E por sabermos corresponderem a um anseio do País se enunciam sob a forma de projecto de lei.
Quer queiramos ou não, grande realidade política está ali, nas autarquias, naqueles pedaços de terra, onde vivem e sofrem almas simples, cujos horizontes reduzidos lhes ampliam, na diversificação de perspectivas, os problemas e as ansiedades.
Vozes: -Muito bem!
Nos grandes meios vivem-se, em geral, as abstracções, porque todos, no fim de contas, mais ou menos deixamos enlear-nos. Pode gritar-se por uma doutrina, agitar-se uma bandeira política, pode, enfim, criar-se grande barafunda à volta desta ou daquela personalidade. Na terra, não! Os problemas agigantam-se à medida que o horizonte diminui; as perspectivas transformam-se inteiramente, e quase tudo gira ao redor de problemas concretos, comezinhos, imediatos.
Há uma lei de cartografia segundo a qual a nitidez da carta está na razão inversa da grandeza da escala. Quanto maior for a escala, menor haverá de ser a nitidez do mapa. Esta lei é também exactíssima para se compreender a verdadeira grandeza dos problemas locais: à medida que diminui a escala, assumem proporções maiores os assuntos e os conflitos. E se, no grande mundo, ou no mapa de grande escala, pormenores diversos se diluem ou se apagam, nos pequenos mundos eles emergem, avolumam-se, tomam proporções notórias.
Aspecto significativo: todos os exércitos actuam à base de cartas de pequena escala, pois só assim podem conhecer e reconhecer o terreno que pisam, os acidentes que os esperam, as cotas traiçoeiras que porventura se ocultem aqui ou além.
Na vida social há-de ser o mesmo, se quisermos trabalhar com segurança e com eficácia. Temos de ser realistas, e o real está ali, onde os homens no geral entendem que mais vale uma boa água de rega e lima do que toda uma filosofia política, e que mais vale um fontanário a tempo e horas, ou um caminho de carro ao pé da porta, do que dez discursos dos melhores discursadores.
Mas, assim como através de uma pequena fresta, ou de uma nesga de janela, se pode contemplar e abarcar a imensidade do céu, também numa pequena terra se têm a percepção e a consciência nítidas de toda a grandeza do Mundo e dos graves problemas da Pátria. A vida local é, na verdade, o espelho do Mundo. A nossa gente diz: «quem vê o seu povo vê o Mundo todo».
4. Indeclinável dever do Estado é fixar o homem à terra, ligá-lo a ela por vínculos sólidos e duradouros. O sentido de «pátria pequena» constitui o cerne do melhor patriotismo. O homem preso à sua terra
por vínculos morais, familiares, sociais e patrimoniais é elemento são e factor de ordem. O mesmo não acontecerá com o nómada, o desgarrado, o desenraizado, desprendido dos limites que na sua terra o envolveriam. Por outro lado, o localismo, o amor da terra, o bairrismo, são forças actuantes e muito poderosas. É dever do Estado aproveitá-las em toda a sua plenitude.
Usando da faculdade conferida pelo artigo 97.º da Constituição Política, sem deixar de atender à segunda parte do referido preceito constitucional, e nos termos das disposições regimentais aplicáveis, faço entrega na Mesa da Assembleia Nacional do seguinte projecto de lei:
BASE I
E dever do Estado promover o desenvolvimento dos recursos humanos das autarquias locais, acelerando a formação de base e superior dos naturais que devam servir nos quadros das actividades públicas e privadas.
BASE II
Para a realização do objectivo fixado na base anterior, as leis e os regulamentos deverão estabelecer um condicionalismo que assegure a estabilidade das famílias, contrarie o êxodo dos valores locais para os grandes centros, bem como o nomadismo burocrático, estimulando o amor à terra e o sentido do dever de servir nos quadros locais.
BASE III
Para satisfazer simultaneamente os valores locais e a unidade da família, as leis e os regulamentos devem favorecer a fixação dos casais na mesma localidade sempre que marido e mulher exerçam uma actividade profissional, especialmente nos quadros do funcionalismo.
BASE IV
1. Os lugares dos quadros da administração civil, incluindo a administração local e os órgãos ou serviços locais da administração central, sejam ou não de livre nomeação, devem ser preferentemente preenchidos por naturais da terra ou por pessoa que ali haja fixado residência definitiva.
2. Esta preferência estende-se às permutas de lugares do funcionalismo, que serão permitidas e estimuladas quando se destinem a fixar permutantes, ou um deles, na terra da naturalidade, ou a assegurar a estabilidade da sua família.
BASE V
A legislação do trabalho e, especialmente, os contratos colectivos de trabalho deverão orientar-se pelos princípios fixados na presente lei, prevendo designadamente a situação dos casais em que um dos cônjuges exerça uma função pública e o outro uma actividade privada.
BASE VI
1. Para a constituição dos corpos administrativos ou outros órgãos colegiais das autarquias só podem ser eleitos os naturais e pessoas que ali hajam fixado residência definitiva.
2. Quando a nomeação do presidente da câmara recaia em pessoa que não seja natural do próprio concelho nem ali haja fixado residência definitiva, na portaria de nomeação deverão constar os motivos determinantes da escolha.
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BASE VII
O auxílio prestado pelo Estado, por autarquias locais ou institutos públicos para a formação escolar de qualquer nível dos particulares, a título individual, designadamente por meio de bolsas de estudo, deve subordinar-se à preferência de o beneficiário servir na terra da naturalidade, no domínio da especialidade obtida e por tempo duradouro.
BASE VIII
A planificação do desenvolvimento regional haverá de ter em conta a necessidade de prever a valorização do escol local e a criação de empregos para a plena utilização dos técnicos formados.
BASE IX
A mobilização dos recursos públicos, incluindo as taxas e os impostos, deverá atender à necessidade de uma repartição que habilite os órgãos das autarquias locais a exercer plenamente as suas funções de gestores do bem comum local.
BASE X
Tendo em vista a necessidade de enriquecer os quadros das províncias ultramarinas, será facilitada a fixação no ultramar de casais em que ambos os cônjuges exerçam uma profissão, prevendo-se especialmente a possibilidade de comunicação entre os quadros metropolitanos e ultramarinos.
BASE XI
O governo promoverá a publicação dos regulamentos necessários à boa execução da presente lei.
Vozes:-Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Antão Santos da Cunha: - Sr. Presidente: peço licença para enviar para a Mesa o seguinte
Requerimento
O desordenado crescimento das sociedades cooperativas de consumo está a causar sérias e, porventura, justificadas apreensões aos organismos responsáveis da actividade comercial.
Com vista ao estudo e eventual apreciação parlamentar deste delicado problema da nossa vida económica e social, roqueiro que, pelos departamentos ministeriais adiante designados, me sejam fornecidos,, com a possível urgência e independentemente do próximo encerramento dos trabalhos da presente sessão legislativa, os seguintes elementos:
1) Pelo Ministério das Finanças - Nota do número de sociedades cooperativas de consumo e ramos de actividade a que se dedicam existentes, no ano de 1950 e nos- anos que se lhe seguiram até ao presente, discriminadamente e nos diferentes concelhos do País;
2) Pêlos Ministérios das Finanças e da Economia:
o) Cópia dos requerimentos ou exposições que sobre este problema tenham sido dirigidos por organismos corporativos ou outras entidades, informações dos respectivos serviços e despachos que uns e outras mereceram;
b) Quaisquer dados que se julguem de interesse para quem se propõe estudar o assunto sob os diversos aspectos por que pode ser encarado (política fiscal, problema de concorrência comercial, política social, etc.).
O Sr. Agnelo do Rego: - Sr. Presidente: nos próximos dias 20 e 21 do mês corrente deve dar-se nesta capital um acontecimento bastante grande, para merecer antecipada atenção nesta Assembleia: os novos de Portugal vão encontrar-se a fim de proclamarem que escolhem Deus.
Não serão todos os novos, já que, lamentavelmente, alguns destes, levados pelos ventos das modernas formas de subversão, com que se lhes faz ouvir apenas actualizado, embora sempre originariamente idêntico o velho grito eritis sicut dii, se debatem, inquietos e sequiosos de felicidade, «nas trevas e na sombra da morte», em que estão mergulhados.
Serão, todavia, em grande número, quer em presença pessoal, quer em presença pelo espírito de completa união, aqueles que vão agora reunir-se nesta cidade.
Mas não fosse o quantitativo que será impressionante, é, com certeza, enorme o valor moral do encontro juvenil, tanto por motivo da longa e conscienciosa preparação de que foi objecto, como pelo da firmeza de decisão, porventura ousada, que representa e constitui.
E que, ao contrário do que poderia imaginar quem pretendesse negar-lhe a legitimidade e a validade, ou autenticidade, a jornada dos novos, dê que Lisboa vai ser testemunha, não vale unicamente como uma bela efeméride que se leva a ensaiar para ser vivida num só dia. Vale, sobretudo, por ser ponto de chegada de uma lenta e cuidadosa tomada de consciência, livre e a sério, daquilo que somos e valemos, ou podemos, no plano da mensagem cristã, de que nos dizemos portadores ...
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - . e também por ser ponto de partida, espontâneo e querido, para mais persistente concretização individual, familiar e social das exigências que a aceitação dessa mensagem logicamente implica.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Vale, pois, e principalmente, por ser, antes de mais nada e acima de tudo o mais, uma atitude de espírito, consciente e voluntária, atitude de opção pela vivência do ideal absoluto, que é Deus ideal de verdade, de justiça e de amor, único que pode, efectivamente, encher, dar sentido e enobrecer a vida inteira e, para além da vida, a própria morte ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - No nosso tempo, algumas preocupações tem, infelizmente, a juventude feito sofrer a Portugal.
Por isso, o gesto dos novos que nestes dias se vão encontrar aqui na cabeça da Pátria bem pode tomar-se como a aurora de uma redenção e de uma esperança a redenção e a esperança que vivem sempre nas generosidades e nas promessas da Primavera em flor.
Com tal gesto e as implicações que ele supõe e impõe, e a que me referi, levantam-se esses jovens a alturas que
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nus conduzem a pensar, comfundada confiança, no que poderão vir a ser os nossos homens de amanhã.
Com sua atitude, e pois que, segundo escreveu Elisabeth Leseur, toda a alma que se eleva eleva o mundo, é incontestável que eles já hoje elevam, a terra lusa e serão capazes de a tornar maior no futuro.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - E eis porque à justificada expectativa do acto que a juventude vai realizar não pode a Nação ser indiferente, nem, por conseguinte, esta Assembleia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Concluindo, Sr. Presidente, apenas acrescento que se os novos de Portugal vão encontrar-se a fim de proclamarem que escolhem Deus, estão no seu pleno direito e fazem muito bem: o seu cometimento ficará constituindo seguro penhor das glórias nacionais.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: pedi a palavra para contar a V. Ex.ª, à Assembleia e ao País uma história simples, verdadeira e recente, que reputo de interesse e digna de conhecimento, por ser, a meus olhos, altamente ilustrativa de condições sobre as quais não têm cessado de chover críticas, quer de diversos sectores de opinião informados e interessados, quer dos próprios departamentos oficiais e até dos seus mais altos chefes, sobre cujas inconveniências e riscos as dúvidas não existem, mas contra as quais nunca mais se viram entrar em vigor, de qualquer maneira, as medidas repetidamente solicitadas e já, ao menos por certos sectores, estudadas até formas finais de articulação.
Quero referir-me à desordem e perfeito desprezo dos demais interesses envolvidos, sobretudo do interesse geral do País, com que trabalham alguns elementos do nosso comércio exportador.
E a ilustração que venho apresentar, por a considerar bem flagrante, é a seguinte, reduzida para comodidade de VV. Ex.ªs às suas linhas mais gerais.
Há-de haver dois ou três meses, realizou-se no Egipto um concurso internacional para aquisição de madeira serrada destinada a caixotaria. O comprador seriam uns serviços oficiais dessa dinâmica nação; como vendedores apresentaram-se numerosos concorrentes, incluindo os organismos exportadores dos Estados russo e jugoslavo, que, graças às suas grandes florestas e apetites de influência, têm ultimamente, segundo ouço, aparecido a pesar fortemente nos mercados internacionais com ofertas a preços comparativamente baixos.
Pois, não obstante estes temíveis concorrentes, para os quais não há considerações imperativas de rendabilidade e lucro, foi de Portugal que apareceu no concurso a proposta mais baixa em preço, facto já de si, e nessas circunstâncias, de ponderar, sendo ela, no globo, da ordem de 17 000 contos.
Lidas as propostas, passou-se à licitação entre os proponentes, mas logo se afastaram dela tanto russos como jugoslavos, manifestando, não obstante representarem indústrias de Estado e tendências baixistas, não ser de seu interesse negociar ao nível de preços já tão arrastado que os portugueses ofereciam.
Sem embargo, a licitação teve lugar, salvo erro já só entre os nossos compatriotas, e foi tão viva que o vencedor acabou por ganhar descendo o seu preço até ao nível dos 12 000 contos, a partir dos 17 000 em que começaram os lanços!
O Sr. Reis Faria: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Reis Faria: -Já agora queria acrescentar à brilhante exposição que V. Ex.ª está a fazer, cheia de interesse a que já nos habituou, um pequeno esclarecimento.
Já depois desse facto citado por V. Ex.ª e que ficou conhecido como o escândalo português do Egipto deu-se o mesmo no Iraque, com a agravante de ser ainda de valor mais elevado que o concurso do Egipto, e de os preços para o Iraque serem os mesmos do Irão. Portanto, os exportadores portugueses ficaram amarrados aos preços do Iraque, e por consequência do Irão, já não falando no Chipre, no Líbano, etc. E qual é o interesse que o Governo dedica ao caso da concorrência entre os exportadores portugueses?
No caso do Iraque eles foram até à última possibilidade, mas, mesmo assim, o Governo do Iraque, na defesa, talvez, de interesses particulares, não deu aos exportadores portugueses a totalidade do fornecimento, pois deu uma parte à U. E. S. S., apesar de o seu preço ser mais elevado do que o dos exportadores portugueses.
Isto representa uma autêntica infantilidade comercial da parte dos exportadores portugueses e não vemos que o Governo tome uma posição pelo menos igual à que foi tomada por outros países.
Tudo isto se passa em prejuízo da economia portuguesa, primeiro dos industriais portugueses, e reflecte-se depois na já tão castigada lavoura e até nos operários da indústria de serração, os mais mal pagos de toda a indústria portuguesa, onde os salários são ainda mais baixos do que os da agricultura, de que tanto nos queixamos.
O Orador: - Agradeço muito a V. Ex.ª a sua achega, e, embora tivesse pensado em apresentar este incidente, cuja apreciação, aliás, ainda não esgotei, como mera iniciação para partir para considerações mais gerais, uma vez que V. Ex.ª fez debruçar a atenção da Assembleia sobre o problema da exportação de madeiras, eu quereria lembrar a todos que essa exportação ocupa o quinto lugar em volume na. escala das nossas exportações.
E. se VV. Ex.ªa se quiserem dar ao incómodo de reler o parecer sobre as Contas Gerais do Estado relativas a 1961, encontrarão a p. 347, salvo erro, um quadro das principais exportações portuguesas, pelo qual verificarão que a exportação de madeiras foi, em 1961, de 551 000 contos, e que a classe de produtos que vem logo a seguir é a dos resinosos, com -295 000 contos.
Devo ainda acrescentar que importou em trezentos e cinquenta e tal milhares de contos só a exportação de madeira serrada para caixotaria, e por aqui vêem VV. Ex.ªs a importância que tem para a nossa economia a valorização destes produtos.
O Sr. Reis Faria:- Esses números são só os relativos às exportações que são controladas pelo Grémio dos Exportadores de Madeiras, mas a exportação total de madeiras foi de setecentos e tal milhares de contos, neles incluídas as madeiras para pasta de papel, aduelas, etc.
O Orador: - Os números que citei são os que constam do Anuário Estatístico.
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Mas, se me permitem, continuarei dizendo que, no caso do meu exemplo, sobre uma proposta já moderada relativamente às cotações correntes, exportadores portugueses, competindo só de entre si numa venda internacional, de tal modo se disputaram uns aos outros o negócio, que não se pejaram de reduzir ainda de quase um terço marcas em si mesmas baixas.
Quer isto dizer que, sem necessidade no plano nacional, pois ao nosso país já estava certa a venda, a simples ambição do negócio levou certo exportador a ceder individualmente ao estrangeiro quase um terço das divisas que dele podia ter angariado e, pior, a estabelecer padrões de preço que ficarão a influir prejudicialmente nas exportações futuras.
O Sr. Reis Faria: - Se, só por hipótese, houvesse um país que excepcionalmente quisesse fazer baixar o preço das madeiras, bastar-lhe-ia contactar com um exportador, o qual, em pouco tempo, faria baixar em Portugal esse preço, à custa do industrial, do lavrador, etc.
Basta, por hipótese, que haja - não quero dizer que haja - um país verdadeiramente interessado e que poderia ganhar nisso muitas dezenas de milhares de contos.
O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª pela sugestão. Espero que ninguém aproveite (Risos). Mas, voltando ainda atrás, quem ganhou nesse concurso, além do estrangeiro beneficiado com tão substancial redução de preços?
Segundo corre nos meios mais impressionados pela operação, porque mais afectados pelas suas consequências possíveis, a alguém que se lhe mostrara preocupado pela ousadia do lanço, o vencedor haveria respondido qualquer coisa neste sentido: Que me importa? Sou apenas exportador, não tenho a mercadoria, mas hei-de encontrar fábricas necessitadas de a vender e que se sujeitem ao meu preço!
Sendo apenas exportador, pois, o concorrente vitorioso não terá procurado nem esperará mais do que o lucro comercial da sua revenda do produto português ao comprador estranho, e, necessariamente, o proveito para si há-de ser uma fracção apenas daquele que por sua iniciativa concedeu ao estrangeiro. Tirando os intervenientes menores e acessórios, como carregadores, transitarias, etc., podemos pois dizer que houve duas entidades a ganhar com a diligência do nosso exportador: ele próprio, que, aliás, nem sei quem seja, e o país, nem sequer nosso amigo, a quem fornecerá a mercadoria.
E quem perdeu com toda esta liberdade comercial? .
Em primeiro lugar, Portugal, o País todo e em conjunto, que viu a sua balança comercial efectivamente prejudicada sem real necessidade e sujeita a prejuízos bem maiores no futuro pela tendência depreciadora das cotações que ficou marcada.
Depois, os industriais serradores de madeiras, na desvalorização das existências acarretada pela descida de cotações.
Há que ter em conta que a indústria não é próspera; as fábricas, de todas as dimensões e capacidades económicas, pululam por aí fora onde quer que há árvores em quantidade o a os camiões as podem levar, isto é, por toda a parte; as vendas, já dificultadas pelo próprio excesso da concorrência interna, ultimamente mais o foram pelo abrandamento da construção civil; muitos industriais carecem de realizar existências e a pressão dos compromissos fá-los aceitar preços que de livre vontade não considerariam sequer.
Ao que me disseram, esse exportador sobre que me tenho demorado, apenas por oferecer um exemplo tão gritante como actual, veio para o mercado oferecer-se para comprar a preços quase 30 por cento inferiores aos que corriam no momento: por aqui se pode avaliar bem os prejuízos que esse arrojo comercial implica para terceiros.
Mas, e isto sobretudo me toma o espírito e me move a este novo chover num campo já muito molhado de sugestões, no final os grandes prejudicados com a balança comercial da Nação serão os seus homens da terra, como acaba de nos lembrar o ilustre Deputado por Viana do Castelo, os proprietários dos pinhais, cujas madeiras, mesmo ainda de pé, ficaram automaticamente depreciadas com esta revolução do mercado. E aqui me dói; dói-me pelos mais de 100 000 proprietários do pinhal português, alguns grandes e com outras possibilidades de se aguentarem, mas a maioria bem pequenos e dependendo das suas matazinhas como elementos essenciais de subsistência.
Porque, meus senhores, não tenhamos dúvidas de que ao industrial transformador, como ao comerciante exportador, tirante o que afecte existências que em regra nunca representam senão os resultados de curto período de actividade, não importam primordialmente os preços: importa, sim, a diferença entre eles donde paga o seu trabalho e lhe tira o benefício.
Nunca o impressionará de mais uma baixa, se esperar poder ressarcir-se em breve na matéria-prima; ao produtor desta é que importa sobremodo o valorizá-la.
O Sr. Reis Faria: - E no operário também.
O Orador: E aqui está, penso eu, o cerne do problema das nossas exportações. Quer nos satisfaça isso, quer não, nelas predominam ainda, e predominarão por muito tempo, matérias pouco transformadas e matérias em grande parte de origem agrícola; a mão-de-obra nelas incorporada é pois por muito a mão-de-obra criadora do agricultor, e menos a da manufactura industrial. Por isto alguns a não apreciam tanto, ou a esquecem mais depressa; mas os que tenham presente o seu peso na actividade nacional não podem aceitar que seja olhada com desfastio.
A defesa das nossas exportações, no seu valor comercial externo, é, pois, essencialmente uma defesa do produto da terra, a defesa de 40 por cento da população activa portuguesa, e da população mais desafortunada e esquecida.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Eis o que importa não esquecer, e para o relembrar aqui estou!
Ora o nosso comércio exportador tem no seu activo, sem dúvida, belas realizações, na busca de mercados, no desenvolvimento de novos ramos de comércio, na valorização das mercadorias quando a conjuntura o permite. Lembrarei só a alta das cortiças há uma dezena de anos, tão preciosa à balança comercial como à economia das nossas regiões mais áridas; foi, certamente, em boa parte obra de exportadores inteligentes e audazes.
Mas se a conjuntura vira, logo surgem especuladores na baixa, com a característica própria de não terem por onde possam perder e de não lhes faltar a coragem de fazerem perder os outros.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Ainda nesse campo das cortiças, centena L- meia, ou duas, de milhares de contos de falências, e alguns suicídios, podem provavelmente ligar-se muito de perto aos efeitos dessas especulações baixistas na medida em que vieram acelerar tendências deflacionistas que,
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todos os especialistas concordam, não se haveriam nem acelerado nem acentuado tanto sem as operações desses agentes perniciosos.
A técnica é, aliás, simples, ao que parece. Instala-se um telefone, imprimem-se umas folhas de papel para correspondência, sem esquecer de mencionar dois ou três códigos comerciais, arranja-se uma lista de importadores. Depois vai-se ao mercado saber a como estão os preços, e toca de escrever para fora a oferecê-los um pouco mais reduzidos para atrair encomendas; obtidas estas, é só procurar algum industrial aperreado pela necessidade de vender e oferecer-lhe o novo preço.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Assim se desce a pouco e pouco a escada das cotações, sem grandes riscos para os que nela tomam a dianteira. E assim perdem a Nação divisas, os industriais benefícios, e por fim os produtores das matérias-primas receitas e capitais.
O Sr. Reis Faria: -V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: - Faz o obséquio.
O Sr. Reis Faria: - E esse sistema, pela simplicidade de que se reveste e que V. Ex.ª tão brilhantemente acentuou, ainda tem outro inconveniente. E que desanima o exportador que tem realmente responsabilidades, aquele que devia tomar a posição brilhante e inteligente a que V. Ex.ª se referiu relativamente às cortiças. E desanimado, o grande exportador, que podia animar a exportação e mante-la em alto nível, acaba por desistir.
O Orador: - Sem dúvida. Na pressa de não demorar muito, ia passar sobre esse inconveniente. Ele é essencial, quanto a mim, na consideração do problema. Mas outras vezes é mesmo o industrial que toma a dianteira. Consta-me que já se viu sair de uma zona fabril do Norte, montado numa bicicleta a motor, de boné e saquinho de farnel a tiracolo, um modesto industrial apostado em vender produto onde e como pudesse. A iniciativa seria decerto simpática e estimável no que representa de decisão e diligência; mas na exibição de debilidade perante compradores implacáveis terá sido de efeitos perniciosos e com repercussões muito além da esfera própria do interessado.
Por estas e outras razões, já foi possível a um Ministro referir-se a certas facetas das nossas actividades exportadoras qualificando-as de mendicidade em alto nível.
E não faltam nas repartições da Secretaria de Estado do Comércio, como nos organismos de coordenação da economia, conferências e estudos para se encontrarem os meios de coarctar as iniciativas dos especuladores na baixa ou dos licenciosos na concorrência, tendo-se até chegado a projectos articulados; como não têm faltado entre nós mesmos, aqui na Assembleia, vozes a denunciarem os efeitos e os males dos desregramentos de concorrência nos mercados externos e a pedirem que lhes seja posto cobro.
Seja hoje a minha apenas mais uma, mas quem dera que pudesse ser a última!
Claro que nem por um momento esqueço a utilidade da livre concorrência como factor de ajustamento de preços e por esta via, de abertura de mercados e fomento de produções. A noção é clássica, e estas palavras qualquer dicionário de economia nos dirá que já eram mais ou menos as de Turgot há dois séculos. Mas não esqueço tão-pouco outro conceito igualmente clássico e formulado quase contemporaneamente, o de que a liberdade consiste no poder de fazer o que não prejudique outrem. E daqui ainda outro lugar-comum, que é o de a concorrência sem alguma intervenção do Estado não ser praticamente conveniente.
Parece que no sector das nossas exportações esta conclusão está a impor-se com particular acuidade para defesa geral da economia. Que o Governo, onde não faltam talentos, como não lhe faltam elementos de informação e meios de acção, procure e estruture rapidamente, começando, se quiser experimentar, pelos ramos tecnicamente menos complexos, algum sistema de policiamento dos exportadores, que monde o seu campo de especuladores daninhos, e deixe expandirem-se os empresários conscientes e responsáveis, individualmente ou bem enquadrados para melhor dominarem as praças estrangeiras, eis o voto que justifica o meu apontamento de hoje.
Tenho-o dito, Sr. Presidente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de alterações à Lei Orgânica do Ultramar Português.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ubach Chaves.
O Sr. Ubach Chaves: -Sr. Presidente: a problemática das alterações em discussão desenvolve-se, em meu entender, no plano político, sob o signo do progressismo; no plano jurídico administrativo, em concordância com as directrizes tradicionais de descentralização; no plano económico-financeiro, por uma mais lata autonomia na elaboração e execução dos programas anuais e plurianuais de fomento.
Importaria desenvolver estes temas se, para tanto, a Câmara me dispensar a sua benevolência.
Para quem estivesse atento às realidades ultramarinas, a erupção subversiva de Angola, metodicamente preparada do exterior e fielmente servida quer pelos mais intransigentes adversários do regime, quer pelos estrangeiros a quem, em nome de uma incompreendida liberdade religiosa, abrimos a vastidão do território, situava-se no domínio das previsões.
Não se poderia crer que, em quaisquer circunstâncias, a rede subversiva pudesse desenvolver-se e actuar sem o menor limite moral, como veio a suceder; mas pressentia-se, contrariando optimismo de que tantos homens responsáveis se tornaram arautos, a necessidade de uma repressão em força para dominar actuações de objectivos nitidamente revolucionários.
Quando a propaganda se dirigia à subversão da autoridade e à violação da legalidade, parece que deveria recorrer-se, ontem como hoje, à força armada, mantenedora e defensora da ordem pública e das instituições. Neste aspecto providenciou-se como era devido - e todos os louvores não são de mais para quem teve a consciência plena do imperativo nacional.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Mas, quando se persistia no conhecimento da realidade ultramarina, observava-se que um certo descontentamento de raiz económico- administrativa também vinha causando estragos na coesão moral de importantes
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sectores da opinião pública. Gerado pela indiferença, por desmedida ambição, pelo desconhecimento dos problemas ou por simples insuficiência de direcção, a verdade é que esse descontentamento se veio a projectar com agudeza nus preocupações da política nacional.
Dentro do sábio princípio primum vivere, deinde filosofare, poder-se-ia ter reservado para período de acalmia o exame dos problemas suscitados nas alterações à Lei Orgânica do Ultramar, mas veio a reconhecer-se a oportunidade da revisão de certos quadros jurídico - administrativos. Não estou inteiramente convencido da bondade da orientação, mas alinho para dar o meu modesto contributo à mais perfeita elaboração das alterações sujeitas ao nosso voto.
Faço-o contrariado.
Não quereria correr o risco de descair no plano de transigências eventualmente comprometedoras de princípios basilares. Não quereria ver qualquer discordância arvorada em dúvida sobre o que em cada um de nós existe de mais sagrado como portugueses. Não quereria ser arrastado para uma atitude puramente psicológica de reputar renovadoras ou conservadoras certas alterações. Não quereria ser tomado por adversário da mais ampla descentralização e representatividade das instituições provinciais.
Não quereria permitir a menor reserva à verdade do meu pensamento.
E que tudo isto considero em causa quando me debruço sobre os textos, os pareceres e as opiniões já expressas nos debates. Para além deles transparecem, porém, conceitos de vária índole, condicionados pela evolução da política internacional. Não suscitam, em si mesmos, apreensões a não ser na medida em que os portugueses do ultramar se possam deixar confundir pela pressão da propaganda vinda do exterior. Também não há lugar à dúvida, uma vez que o futuro só terá por limite a nossa persistência e o nosso querer.
Como admitir a dúvida, se nós sabemos que os nacionalismos africanos se esbatem e desagregam perante a premência dos particularismos tribais, das dissidências dos chefes gentílicos e religiosos, da diversidade linguística. (4 famílias linguísticas, que se subdividem em 13 grupos, que, por sua vez, st; subdividem em dialectos e idiomas que ascendem a mais de 600), da desigualdade das condições naturais, dos desníveis de rendimento e de crescimento, da competência na exportação?
Como conceber um ideal nacional entre populações sem afinidade de raça, ou de território, ou de tradições comuns
Como conceber estabilidade governativa em territórios de limites oscilantes, destituídos de valores humanos e insusceptíveis, por isso, de fornecer um escol à administração pública e à iniciativa particular?
Como conceber a existência de regimes políticos sem consistência ideológica nem programas na ordem social, económica e cultural:
Como conceber governos de dimensão política quando os chefes se apoderam do poder por golpes de audácia entre grupos dissidentes, sempre predispostos a eliminar, fisicamente, eventuais concorrentes no uso e abuso das vantagens ocasionalmente conquistadas?
Tudo se poderá conceber no domínio da ficção, da ficção criada por nações que menosprezaram a lição da sua própria experiência ao constituírem-se como Estados independentes. Essas nações, com funções de chefia na ordem internacional, sabiam, e sabem tão bem como nós, que um povo só conquista independência quando dispõe de elites, ou só se lha concede quando estão criadas as condições mínimas de estabilidade e um escol capaz de
assegurar e de defender tradições e aspirações comuns ao agregado nacional. Sem esse mínimo, não há liberdade nem independência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Essas nações não o compreenderam e traíram as suas responsabilidades, fomentando a anarquia, na vã ambição de criarem satélites da sua economia, ou novas formas de escravização, em nome de um princípio de descolonizarão que elas mesmo praticaram, e praticam, com a mais grosseira das hipocrisias.
Vozes: - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Em vez de correrem todos os riscos de uma política civilizadora, preferiram renunciar e submeter os povos sob sua tutela à tragédia de buscarem por si os meios e os processos de assegurarem a existência e a sobrevivência. Será uma política, mas indigna do nome e dos ideais que dizem prosseguir.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - A política de abandono das populações impreparadas para a coexistência na ordem interna ou internacional é sempre um crime contra a humanidade.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Os pobres Estados que ascenderam à independência mais por obra de egoísmo das nações tutelares do que por mortiços ideais de descolonização estão hoje na dependência de uma política de penetração e de expansão russa ou chinesa. Os americanos limitam-se a contrariá-la para defesa da civilização ocidental. Não souberam criar uma política própria nem preparar os estragos da que, irreflectidamente, os seus governantes desenvolveram no sentido de deixar às forças em presença a criação de uma fórmula de equilíbrio entre o mundo capitalista europeu e o mundo comunista russo.
Como se fora possível aos Estados Unidos da América manterem-se como espectadores de um conflito ideológico em que estavam fundamentalmente em jogo as suas próprias concepções de vida!
Erro trágico de que ainda se não refizeram, nem refarão, enquanto não criarem uma política externa de concepções rasgadas, em ordem a um entendimento esclarecido e duradouro com a Europa e a América do Sul.
Até lá, a sua política puramente defensiva não conseguirá colmatar as brechas que o mundo sino-russo, embora em crise, apoiado nas nações afro-asiáticas, vai abrindo no mundo ocidental. Na paz, como na guerra, a defensiva raras vezes conduz à vitória!
Os Estados Unidos da América parece ainda não terem compreendido que o pan-africanismo, antes de ser um movimento essencialmente africano, foi o fruto de outro que teve as suas origens no Sul dos Estados Unidos e nas Antilhas Britânicas, em que pontificaram Sylvester Williams e Burghart du Bois, Marcus Garney com o pan-africanismo messiânico e Price-Mars, do Haiti, com o pan-africanismo cultural.
Movimento resultante da segregação racial, jamais por nós praticada, visa eliminar a assimilação política e, com a negritude, eliminar a assimilação cultural. Quer isto dizer que, tanto no terreno político como no cultural, o pan-africanismo é contra o Ocidente.
Também o é no terreno económico.
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Disso também se não aperceberam os Estados Unidos, muito embora sejam o autêntico suporte do pan-africanismo. Na verdade, independentemente dos condicionalismos da política interna francesa, se não fora a pressão americana, o abandono da missão civilizadora da Europa não se teria operado e os países africanos poderiam ter conquistado, sem repressão, condições favoráveis de autonomia.
Uma nação de chefia mundial, como os Estados Unidos, não devia descurar as reflexões de homens de pensamento como Philipe Decraene, que já em 1958 escrevia:
Tendo graves dificuldades em definir os novos quadros, os leaders africanos procuram ultrapassá-los. Esta atitude lembra, sob certos aspectos, o pan-eslavismo. Foi na época em que o mundo eslavo procurava os seus limites sem os encontrar que nasceu a corrente que devia, a seguir, provocar revoluções e guerras. O fracasso do movimento pan-eslavo pode incitar a pensar que, se os nacionalismos africanos seguem uma via análoga, eles correm o risco de pedir seja a um fascismo africano, seja a um comunismo africano, a concretização das suas aspirações.
Pois a evolução do nacionalismo africano já não deixa lugar a dúvidas na opção.
Os Estados Unidos começam a entendê-lo e procuram, com vultosos sacrifícios financeiros, criar condições de vida estável em territórios inamadurecidos para a independência. Não podem, por isso, atear novas fogueiras e sujeitar populações imunes à catástrofe, para atrair a simpatia dos povos afro-asiáticos, que sob nenhum aspecto perfilharão o quadro de valores da civilização cristã.
Se tivermos presentes essas realidades, a incerteza será afastada do domínio das nossas concepções, e o futuro surge-nos exclusivamente dependente de nós, da nossa capacidade criadora, da resolução de elevar, reflectida mas corajosamente, o nível moral, cultural, social e económico dos nossos irmãos da África. Tudo é função do nosso querer.
Mas, para maior vigor na acção, temos de abstrair do que se passa para além do território nacional, deixando aos povos economicamente colonizados e aos seus senhores o tratamento das chagas, que por suas mãos abriram, e, infelizmente, nos salpicam de pus, convertendo em martírio e sangue a vida dos heróis que, para honra de Portugal, os expulsarão para além-fronteiras.
Hoje como sempre!
Sr. Presidente: ao lançarmos os olhos sobre o passado, e ao determo-nos nas opiniões expressas por publicistas e políticos acerca do problema ultramarino em épocas singularmente paralelas, somos, naturalmente, conduzidos a confrontos e reflexões de perspectiva histórica. Afastado todo e qualquer espírito de proselitismo, importa aproximar, em plano nacional, atitudes e propósitos do escol perante as duas crises ameaçadoras da integridade do território.
Em 1890, o País, dividido e enfraquecido, deixara-se possuir de um sentimento de derrota, descrente das suas virtudes criadoras, sobrestimando erros e impotências, confundido pelas ameaças, embora tenazmente vinculado ao seu património histórico. A sua capacidade de reacção estava altamente comprometida e a política de abandono, de uma ou mais parcelas de território, chegou a ser preconizada.
Paixão partidária ou irreflexão, a verdade é que a escassez do potencial humano, a incapacidade económica e a debilidade da marinha mercante puderam ser apresentadas, mesmo por Oliveira Martins, que a tantos títulos merece a maior admiração e reconhecimento, como óbices quase intransponíveis à manutenção das províncias ultramarinas. Fruto de uma época de desagregação do espírito nacional, que se acentuara com o Ultimato, o futuro aparecia a essa geração, sob todos os aspectos, sombrio. Por graça de Deus e virtudes da grei, a crise foi superada e o nosso património ultramarino foi salvo das garras poderosas do inimigo, numa das mais belas arrancadas da história pátria, sob o reinado do sempre querido e inesquecível rei D. Carlos.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: -Vencemos porque quisemos!
Pois, agora, também somos vencedores!
Não tivemos de pedir concurso, de quem quer que fosse, para transportar tropas, nem para fazer face aos pesados encargos da política de policiamento dos territórios do ultramar. Prosseguimos os planos de fomento económico e mantemos a habitualidade do nosso modesto viver. Um e outro aspecto já aqui foram focados, e brilhantemente, por esclarecidos militares com assento nesta Câmara, pelo que sobre eles não me tardarei.
Só importa acentuar que, salvo alguns que de Portugal só guardam o nascimento, a Nação se mantém una na determinação de firmar a integridade do território, a liberdade das populações e a sua missão civilizadora.
Mantém-se fiel ao seu passado, dando-se em corpo e alma, sempre apoiada nas sábias directrizes dos seus reis.
Observe-se, através da Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel, de Damião de Gois, como el-rei entendia u política a seguir no ultramar:
... no começo do ano de 1504 determinou D. Manuel I mandar homens letrados na sacra teologia ao reino do Congo, com os quais mandou mestres de ler e escrever, e outros para lá ensinarem o cantochão da igreja, a música do canto de órgão, e aos principais a quem encarregou destes negócios mandou entregar muitos livros da doutrina cristã, vestimentas de brocado e seda, cruzes de prata, cálices, turíbulos e outras coisas necessárias para o serviço divino e a todos eles deu ordenados, embarcações para suas pessoas, e gasalhado, tudo u custa de sua fazenda.
Em 1508 foi para o Gongo Gonçalo Rodrigues, cavaleiro da casa real, como embaixador, acompanhado de mais missionários. Levava & missão de convencer o rei do Congo a enviar a Portugal seus filhos, D. Henrique e D. Manuel, para serem educados, como veio a acontecer. Este D. Henrique .veio a ser o primeiro bispo negro!
Pouco depois seguia o fidalgo Simão da Silva com poderes especiais para reprimir os abusos dos colonos, recomendando-lhe especial cuidado para que os portugueses não agravassem os naturais.
Com Simão da Silva foram «cavalos e mulas de preço bem ajaezadas e muitos ornamentos de igrejas, assim de vestimentas, como cálices, cruzes, galhetas, turíbulos de prata branca e dourada, latão, cobre, retábulos pintados, e finos».
Também seguiram pedreiros, carpinteiros e outros artífices para construírem igrejas e um palácio para o rei do Congo.
Patrocinada por D. Manuel, foi a Roma uma embaixada do rei do Congo, da qual fazia parte D. Henrique, então ainda estudante.
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«Entre outras cousas, e livros escreve ainda Damião de Gois que D. Manuel mandou a el-rei D. Afonso do Congo foram os cinco livros das ordenações destes reinos».
Já D. João II mandara, com uma embaixada, a pedido do rei do Congo, «pedreiros, carpinteiros, e depois as mulheres cristãs, e os lavradores, com todos os seus aparelhos e: farramentas ». Reparo-se como a par do nivelamento cultural e da assistência técnica havia a preocupação de dotar o mundo português de leis uniformes!
Sr. Presidente: analisemos agora o problema das instituições.
Disse Garrett, nesta Câmara:
A administração em Portugal, como desde a remota origem deste povo se afeiçoou com as leis e hábitos romanos, com os hábitos e instituições da Idade Média, assenta num princípio que ninguém por largos séculos se lembraria jamais de revocar em dúvida nem discutir sequer embora se sofismasse muitas vezes e é que o povo é quem a si mesmo se administra por magistrados eleitos e delegados seus.
Ajunte-se a este princípio o que lhe adicionou depois a monarquia, a bem da ordem e da harmonia geral dos interesses públicos, o qual é que a autoridade central tem o direito e obrigação de velar por que os interesses das localidades se não choquem e contrariem em prejuízo do interesse comum: e temos concentrados nestes dois, todos os mandamentos das leis da nossa existência social.
O pensamento foi expresso no relatório e bases para a reforma administrativa, mas conserva todo o seu vigor em relação às províncias ultramarinas.
Se, por um lado, há que permitir aos povos a mais ampla autonomia na sua própria administração, esta nunca poderá colidir com o direito e a obrigação da autoridade central de assegurar a defesa do interesse comum, como garante que é de todas as liberdades.
Vozes:-Muito bem, muito bem!
O Orador: - Ora, as alterações à Lei Orgânica do Ultramar, em apreciação, embora se mantenham dentro dos cânones da administração pública, constitucionalmente definida, surgem-nos de alguma sorte imbuídas de um espírito não insensível à inovação.
Não se duvida da rectidão do juízo, nem da verdade nacional dos seus propugnadores, mas é legítimo o receio de que, sob o impulso dos «ventos da história», apregoados pelos adversários da unidade portuguesa, traidores e «entre portugueses houve-os algumas vezes» possam servir-se da lei para atentarem contra o poder da autoridade central.
Vozes:-Muito bem, muito bem!
O Orador: - Para todos nós, sem excepção, trata-se de aperfeiçoar a lei em ordem a uma administração mais consentânea com os interesses provinciais mas a lei sobrevive aos reformadores.
A lei é, em si, maior perigo que os próprios ventos da história, que o poder do inimigo e que a subversão partidária, na medida em que dentro de certa legalidade se podem operar trágicas transformações do ponto de vista nacional. Temos por isso de constituir os governadores-gerais em plenipotenciários da autoridade central, sem restrições nem condicionalismos susceptíveis de afectarem a sua plena autoridade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não é estranho ao processo legislativo da reforma o antipaternalismo.
A autoridade central aparece, para alguns, possuída de uma acção tutelar incompreendida, por menos esclarecida, ou menos actuante no plano dos interesses imediatos das províncias. Concede-se na objecção, mas não se pode conceder na majestade do princípio que constitui o Governo em supremo árbitro de todos os interesses.
O Governo tem sempre razão, e essa razão só pode ser reconsiderada pelo próprio Governo, independentemente dos homens que o exerçam. O antipaternalismo, de que falávamos, não tem sentido na ordem política - a não ser quando se abstrai de realidades concretas ou da experiência madre.
Se houver compreensão, há-de reconhecer-se que a mais poderosa verdade política do nosso tempo consiste, precisamente, no paternalismo a que os governos têm de dar-se para conduzir a frágil nau do Estado, frequentemente .sacudida pelas minorias actuantes em nome de princípios antinacionais.
E porque os povos não têm a percepção plena dos perigos e das conveniências, os governantes, não podendo esclarecer pensamentos e factos que os transcendem, confiam-se ao poder da própria razão de Estado para realizarem o interesse comum.
Desta realidade temos todos consciência quando com objectividade nos damos à apreciação do que se passa além-fronteiras.
O antipaternalismo, nesta época da história em que o desinteresse da política ganha foros de regra de bom viver, não pode deixar de ser afastado como princípio no plano das justas reivindicações. Os que não têm experiência são os mais necessitados do conselho, da assistência e da presença de quem está investido de autoridade no mais alto grau da hierarquia.
Entenda-se, porém, que não se exerce essa elevada missão quando se abusa do poder, a chefia se corrompe e a autoridade se enfraquece. Isso sucede sempre que os governantes se desvinculam da ordem moral e do respeito às instituições e atentam contra os valores que hierarquizam a sociedade. Um paternalismo mal compreendido tem tão graves consequências como o arbítrio no domínio do direito.
Ora, é no respeito dos poderes institucionais e na plena autoridade do poder central que se há-de realizar a descentralização administrativa das províncias ultramarinas. Não pode aceitar-se a subalternização de princípios fundamentais a fórmulas de interesse transitório nem a aspirações menos harmónicas com as exigências da autoridade e da integração numa ordem jurídica unitária de tudo quanto é supra-regional ou supraprovincial.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Dentro do rigor desta concepção, cabe à autoridade central activa intervenção no funcionamento dos órgãos que nas províncias detêm uma parcela do poder para a realização de fins específicos de interesse local.
Das alterações propostas à Lei Orgânica do Ultramar, tenho como mais relevantes as relativas à intervenção de órgãos provinciais na planificação económica. Entendo
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mesmo que muitos dos problemas suscitados na ordem política e administrativa têm a sua origem na legítima ambição de abrir novos horizontes à valorização das riquezas naturais e à elevação do nível de vida das populações.
Vozes: - Muito bem !
O Orador: -Essa natural ambição, estimulada por uma propaganda habilmente conduzida do exterior, adquire excepcional relevo no confronto das vantagens económicas de cada uma das etnias, nos obstáculos de acesso a cargos ou actividades mais rendosos e na irreversibilidade da integração dos nativos nos meios urbanos mais progressivos.
Estes factores, além de outros, originam estados de tensão que levam a responsabilizar a autoridade central por insucessos, embora para tanto, porventura, concorra a atitude de se relegar a Lisboa a resolução de problemas instantes.
Nas províncias, em meu entender, existe um problema económico que se torna necessário examinar nas suas causas e efeitos. Como todos sabemos, tem-se dado preferência, no fomento da produção ultramarina, às matérias-primas de consumo metropolitano ou externo. Para isso deve ter contribuído o predomínio de certos interesses, a aptidão da terra e a mais rápida expansão da economia local.
Os investimentos metropolitanos visavam essencialmente o exterior. Não criavam fontes de trabalho e de riqueza com reflexo na diversificação de culturas e na ocupação de mão-de-obra para além da directamente comprometida nos produtos de exportação. Tem, porém, de reconhecer-se que não se constituíram as províncias ultramarinas em puras zonas de influência económica, como fizeram os Estados Unidos da América em Cuba com o açúcar e nas Honduras com a banana.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Nem sequer como a França, nas Antilhas, onde, com prejuízo de toda e qualquer outra cultura, as confinou à produção de cana-de-açúcar.
Ë bem verdade que os Estados Unidos adquiriam toda a produção de açúcar de Cuba a preço superior ao de outros mercados, mas, precisamente porque a sua economia era essencialmente dominada pela cultura da cana-de-açúcar é que não se criaram padrões de vida aceitável para a grande massa da população e se abriu caminho ao extremismo político, donde resultou, em três anos, um abaixamento do rendimento, anual por habitante de 334 dólares para menos de 200.
Nós não podemos ser acusados de ter efectuado uma política, directamente dirigida ao maior interesse da metrópole, uma vez que ela não adquire mais de 12 por cento do volume total das exportações do ultramar, ...
Vozes: -Muito bem !
O Orador: - ... se bem que 23 por cento da exportação metropolitana, seja absorvida por aquele mercado.
A nossa missão teve, e tem, mais altos objectivos que os económicos - e só por isso se explica não nos deixarmos acorrentar pelos ventos da história, praticando, a política de abandono de outros povos europeus.
O Sr. Ulisses Cortês: - Muito bem!
O Orador: - Esses fizeram contas e verificaram que o mercado dos produtos africanos evoluciona cada vez mais a favor do comprador, não só devido à competição dentro da África, e desta com a América do Sul, e da Ásia, como à, intensiva industrialização da borracha, fibras sintéticas, plásticos, etc. Quer dizer: o mercado africano perdeu ascendente, uma vez que os países industrializados, devido ao seu alto nível técnico, não só criam produtos de substituição como melhoram a produtividade das suas terras para fins alimentares.
Sobre este aspecto do problema do desenvolvimento dos países subdesenvolvidos se debruçam os economistas, dado que, no seu conjunto, exportam cerca de 60 por cento de produtos agrícolas e adquirem cerca de 80 por cento de produtos manufacturados, e daí as perspectivas desfavoráveis de receitas e divisas. (Produtos Agrícolas - Projecções para 1970, da F. A. O.).
Ora, é precisamente dentro deste quadro da economia mundial e africana que há-de buscar-se solução para a difícil tarefa de fazer progredir, no mesmo plano, a economia continental e ultramarina. Tal como sucede na metrópole, não se podem adoptar no ultramar princípios absolutos de intervenção para acelerar o desenvolvimento. Quer a economia clássica, quer a keynisiana, partem de pressupostos e prosseguem objectivos menos ajustáveis à realidade económica portuguesa, considerada no seu conjunto.
As dificuldades de adquirir poder competitivo e melhorar a produtividade são evidentes, quando se têm de criar condições artificiais à industrialização e de lutar, devido a uma procura inelástica, contra os elevados encargos de comercialização dos produtos e de enfrentai-os oligopólios dos diversos sectores da actividade que contrariam o livre jogo das leis económicas.
Também são evidentes as dificuldades de uma política monetária favorável à expansão económica, de uma activa intervenção do Estado em grandes trabalhos públicos, de uma política de redistribuição dos rendimentos em favor das classes com menor poder de compra e da manutenção de uma política proteccionista.
Hão-de buscar-se soluções adaptáveis a uma esclarecida política de crescimento, mas importa acentuar os inconvenientes do recurso a uma técnica de planeamento global, pendor sentimental da opinião pública.
O trilho do desenvolvimento económico é muito áspero e de difícil acesso. Não será pela via dos empréstimos ou dos donativos, dos investimentos espectaculares ou da industrialização forçada, que se operarão transformações profundas no nível de vida das populações.
Se tudo isto tem uma importância decisiva, o maior esforço tem de ser desenvolvido pela grande massa da população, entregando-se a um trabalho persistente e reservando para novos investimentos todas as suas margens de aforro. Certo padrão de vida continental e ultramarino não se ajusta às exigências de crescimento económico e desperta hábitos de imitação e de igualização que um país desapossado de riquezas naturais não poderá possuir.
O Sr. Costa Guimarães: -Muito bem!
O Orador: - Este fenómeno, se no continente tem aspectos perturbadores, adquire excepcional relevo no ultramar, pois, como diz Senhor, «o nacionalismo é a doença infantil dos países subdesenvolvidos». Acresce que a população nativa ainda não se apercebeu da ilusão de poder viver, a curto prazo, como vivem os continentais de maiores recursos.
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Só agora começa a dar-se conta nos países independentes de que os evoluídos sucederam aos continentais, sem que a sua situação se alterasse, a não ser para a regressão do nível de vida.
Não será nos gastos imoderados, nem na vida de facilidades, que se expandirão os factores fundamentais de desenvolvimento económico. Neste, como noutros aspectos da vida dos povos, o exemplo tem uma função de mais alta importância. Foi esse exemplo que souberam dar as elites japonesas. A esse respeito, diz Nurske:
A modernização do Japão foi rápida porque o povo japonês foi persuadido dos benefícios da frugalidade e da austeridade; as firmas comerciais eram convidadas a reinvestir os seus lucros e a manter baixos os seus dividendos. Isso, no entanto, não era suficiente. Muito foi feito pelas finanças públicas: tributação e empréstimo forçado.
Vida de austeridade, condição essencial da política de recuperação económica nacional, quer na vida privada, quer na vida pública.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não creio, apesar de concordante com a orientação da política prosseguida, que, neste como noutros aspectos, se não pudesse ler sido mais operante, tanto na direcção dos investimentos, como na poupança. Não me tardarei sobre o passado, nem sobre o presente irreversível, por só importar o futuro, tendo sempre presentes as lições da experiência.
Quanto ao ultramar, tem sido desenvolvida uma política de investimentos que se afigurou a mais consentânea com o crescimento económico da metrópole, pois sem este seria manifesta a inviabilidade de prosseguir no fomento das províncias de além-mar. A premência das necessidades de defesa ainda não afectou a execução do economicamente planeado, mas impede um esforço mais decisivo e mais amplo, como o desejado por certa opinião ultramarina, predisposta à reivindicação sem pesar a dimensão dos encargos imediatos e futuros.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tenho, no entanto, para mim, como possível realizar mais, planeando melhor.
Os investimentos maciços em um ou outro sector não favorecem a criação de um mercado de uma oferta local para uma procura local, como também preconiza René Servoise. Esta a política necessária, pois a economia do mercado não respondeu às solicitações de populações que, do ponto de- vista da justiça social, merecem tratamento paralelo ao dispensado à população metropolitana.
Um mercado interno, criado do exterior e para o exterior, circunscrito, portanto, a alguns produtos, não pode satisfazer ás necessidades de trabalho e de rendimento de grandes massas.
A directriz no ultramar, tal como na metrópole, tem de visar a industrialização, apoiada na especialização e na diversificação das produções. A complementaridade não resolve os problemas sociais e económicos de cada um dos territórios desta nação repartida por todos os mares e continentes.
A política económica tem de adaptar-se a essa realidade, sejam quais forem os sacrifícios exigidos a interesses metropolitanos e ultramarinos.
Industrialização local, directamente dirigida à satisfação de necessidades locais, mas industrialização esclarecida e sensata, de tal sorte que as situações de privilégio não venham a constituir, do ponto de vista político, um novo óbice ao desenvolvimento económico.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - A industrialização tem exigências técnicas de dimensão, na ordem dos custos de produção e da qualidade, que não se coadunam com o artesanato ou semiartesanato.
A indústria, como se sabe, não cria mercados. Apoia-se na procura para se instalar e desenvolver. Por isso, como já tive ocasião de aqui o acentuar, se impõe, como ponto de partida, o conveniente ordenamento da produção agrícola em termos de se criarem níveis de rendimento e de salário favoráveis ao consumo de manufacturas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Não queremos, porém, dizer que a industria não possa desde já tomar posição nos sectores com poder competitivo, tendo em conta as matérias-primas, a técnica e os mercados de consumo.
Está em causa um processo de crescimento que exige providências adequadas ao condicionalismo local, e nisso têm largo papel a desempenhar as comissões de planeamento previstas nas alterações à Lei Orgânica.
Além da industrialização, haverá que promover a intensificação das trocas entre todos os territórios.
Atente-se no facto de o movimento comercial metropolitano se distribuir numa proporção de 83,9 por cento para o estrangeiro e 16,1 por cento para o ultramar; o de Angola, de 65,9 por cento para o estrangeiro, 30,8 por cento para a metrópole e 3,3 por cento para as demais províncias; o de Moçambique, respectivamente de 61,3, 34,4 e 4,3 por cento para os mesmos destinos; o da Guiné, de 24,3, 73,7 e 2 por cento; o de Cabo Verde, de 29,9, 47,4 e 22,7 por cento; o de S. Tomé e Príncipe, de 50, 36,9 e 13,1 por cento; o de Macau, de 87,1, 0,8 e 12 por cento, e o de Timor, de 52,4, 43,1 e 4,5 por cento.
Mas, independentemente desses planos, há aspectos que para já aconselhariam providências especiais em relação ao ultramar, como sejam o estímulo à exportação, pela isenção de tributos, e ao investimento, pela segurança e garantia de juro.
Compreende-se a transcendência destas e de outras medidas saneadoras, mas o caminho a percorrer na defesa da unidade nacional impõe reconversões ainda impressentidas pelos sectores responsáveis. Devido a muitos factores concorrentes, trava-se um combate que tem de ser ganho em várias frentes ...
Vozes:-Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... mas, depois da militar, a frente económica ocupa o primeiro plano ...
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... pela sua extrema complexidade. O Governo bem o compreendeu ao publicar as leis relativas ao espaço económico nacional, e tem jus aos louvores desta Câmara.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: ao observador atento, a evolução da política ultramarina, sob tantos aspectos promissora, não deixa de ser motivo de apreensões.
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O pensamento francês exerceu sempre viva influência sobre a nossa concepção das instituições de direito público. A França, portadora como nós de uma doutrina de assimilação em relação ao ultramar -embora sem a tradição de génio que o grande Brasil largamente comprova -, decidiu-se em 1956 por uma política de descentralização no plano legislativo, administrativo e financeiro, a par de uma mais ampla representação nas assembleias parlamentares.
Da sorte como evoluiu esse sistema, concebido à luz dos melhores princípios de assimilação e integração, existo plena percepção para que sejam necessárias quaisquer reflexões. Não resisto, porém, à tentação de transcrever da obra de J. Ehrhard, Lê Destin du Colonialisme, o seguinte:
Será forçar muito o sentido das palavras para se perguntar se a utilização de todo o sistema constitucional, político e administrativo da República Francesa em proveito de diminutas minorias de populações do ultramar não será uma manifestação subtil e inesperada de uma espécie de colonialismo ao contrário? Ë, apesar de tudo, entre estes privilegiados, beneficiários de predilecções dos sacrifícios da metrópole, que se recrutam os mais encarniçados censores do «colonialismo» francês.
Os factos revelam que, por via deles, a França resvalou para o plano inclinado da desagregação.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Os portugueses são, por temperamento, inovadores, mas pouco receptivos às lições da experiência. Não será o momento de atentar nas realidades de uma descentralização cujo conteúdo parece não estar, pelo menos no espírito de alguns, suficientemente esclarecido?
Deve ter-se presente o que ensina o Prof. Marcelo Caetano:
Quando dentro de uma hierarquia a competência para praticar actos definitivos e executórios pertence apenas a um órgão superior, diz-se que existe administração concentrada; se, porém, os órgãos e agentes subalternos podem também decidir, embora sujeitos ao poder hierárquico, há administração desconcentrada.
O problema coloca-se, portanto, em ordem a uma hierarquia institucionalmente definida. Dentro dela se desenvolve a competência do órgão superior e dos órgãos subalternos.
A par deste conceito existem, com base no território, o de administração central (todo o território) e o de administração local (uma parcela de território).
Ora, é precisamente a partir da referida distinção que se levanta o problema da descentralização. Esta respeita às autarquias locais, pessoas colectivas com autonomia e independentes da hierarquia do Estado. Visam a defesa de interesses locais e desenvolvem a sua actividade no plano do próprio Estado, cooperando com ele na realização do interesse público.
Temos, assim, questões relativas à delimitação da competência dos órgãos centrais e provinciais, em termos de se evitarem conflitos de competência, e à desconcentração dos poderes da autoridade central, para favorecer a eficiência do governo provincial.
Se, por um lado, se quer que as autarquias gozem da independência e iniciativa necessárias à realização dos seus
fins, também se quer que a administração central não sofra diminuição do seu prestígio e autoridade, na realização do interesse mais alto de toda a comunidade nacional. Mas, além destas, outra questão surge, bem mais transcendente: a da descentralização legislativa.
Esta, que não é inovadora, assume no momento presente um carácter altamente perturbador, devido não só aos «ventos da história» como à forma como passa a ser exercida. E, por isso, há pouco falei do perigo que esta lei pode constituir para a unidade nacional. E que a descentralização legislativa, embora circunscrita a certas esferas do direito, não tem, nem pode ter, um limite definido com precisão, não só em razão da matéria, mas também por não estar previsto quem, como e em que condições vem a decidir sobre a validade de uma lei, emanada do órgão competente e que, na sua execução, se revela lesiva do interesse geral.
O Sr. Pinto de Mesquita: - O que V. Ex.ª acaba de expor é um exemplo do que se passa na O. N. U.
O Orador: - Se assim for, dir-se-á, o Governo revoga-a. Mas já se atentou no que tal revogação constituirá no plano político, sabendo-se que o conselho legislativo pode reflectir correntes de opinião divergentes, porventura agravadas por dissídios derivados de factores específicos do condicionalismo local?
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não poderão, assim, os conselhos legislativos transformar-se em centros de discórdia e de divisão nacional?
Mas, mais: como conciliar um poder legislativo provincial com um poder legislativo central, quando neste estão representados, e se quer que tenham cada vez mais ampla representação, os portugueses de além-mar?
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não se cura de conhecer as consequências de uma descentralização que é, de alguma sorte, um desdobramento do poder legislativo central?
Eis algumas perguntas a exigir, após profundo exame de consciência, resposta que não pode ser retardada nem imprecisa!
Sr. Presidente: de há muito se vem sustentando que na escolha dos governadores das províncias ultramarinas se deveria dar preferência aos homens com mais altas provas prestadas no governo da Nação.
O conhecimento da administração pública e das suas incidências sociais e económicas qualificava-os especialmente para os governos de Angola e de Moçambique, onde surgem problemas que por vezes transcendem em importância os da própria metrópole.
Defendia-se a presença no ultramar de um escol que pudesse polarizar as aspirações de tantos homens de eleição ali fixados para a vida e para a morte, seduzidos pela ideia de construir um Portugal de maior prosperidade e de assimilar populações carecidas de sentido cristão da vida.
Preconizava-se a intervenção desses homens na actividade governativa, por se julgarem detentores de uma experiência de longos anos e poderem ser os melhores colaboradores de uma política de fomento esclarecida e dinâmica.
Esse pensamento, que era também o dos meus colegas da Comissão Distrital de Lisboa da União Nacional, foi exposto em 1951 ao concretizarmos as nossas aspirações
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no plano político. Tínhamos bem presente a ciência dos grandes obreiros do ultramar.
Já em Maio de 1902 o governador-geral de Angola, conselheiro Cabral Moncada, no seu admirável relatório à Secretaria do Ministério da Marinha, assim se pronunciava:
Por isso, sem advogar a teoria absoluta de uma descentralização completa, que essa até a combateria, é minha opinião, associada aliás à de tantos, cuja companhia ilustra, que é absolutamente preciso confiar mais na iniciativa das autoridades superiores locais, alargando-lhes as suas atribuições e tornando delas exclusivamente dependente a solução de múltiplos casos, cuja sujeição à decisão do Governo central por acaso chegara às vezes a ser deprimente das suas atribuições, que devem ser altas e bem outras de aquelas que, pela legislação em vigor, muitas vezes é forçado a exercer.
E noutro passo do relatório dizia:
... direi em todo o caso que a lição do passado nos pode proficuamente ajudar no futuro, se, vistos os inconvenientes até hoje verificados, tivermos a forca precisa para reagir contra a rotina e, descentralizando sem emancipar, soubermos escolher os homens e facultar-lhes os meios.
Vozes:-Muito bem, muito bem!
O Orador: - Também, no 2.º Congresso Colonial Nacional, de 1924, o antigo Ministro Manuel Ferreira da Bocha, na sua tese «Bases orgânicas da administração colonial adequada a cada colónia», escreveu:
Convém não esquecer que comete erro grave quem esperar das leis remédio único e bastante para os inconvenientes que se notam ainda hoje na administração das colónias; tanto ou mais do que leis, tem directa e imediata influência a escolha do pessoal governativo, principalmente a escolha dos governadores. Nesse ponto -triste é confessá-lo-, o atraso, talvez mesmo o retrocesso, em Portugal é considerável: selecção de pessoal administrativo não existe de facto. Governadores são em regra escolhidos conforme a sua influência na política partidária ou parlamentar.
Bem conhecemos todos o esforço ingente desenvolvido ao longo das últimas décadas para melhorar a eficiência da administração ultramarina, mas pesa-me reconhecer que nem sempre os governadores se aperceberam das suas grandes responsabilidades.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tenho para mim que muitas das questões agora suscitadas não teriam sequer adquirido relevo, se bem que também estejam em causa os homens que nas províncias desempenhavam funções de direcção na vida política, económica e social, sem tirarem o devido partido de instituições cuja autenticidade não chegou a ser revelada.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Em minha opinião, a função de governo é essencialmente política. Governar não é administrar. Não basta que se faça política em Lisboa. Também no ultramar há que fazer política - a mais hábil em verdade e justiça.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O prevalecimento da política sobre a administração revela-se cada dia mais instante para defesa da coesão interna: a nossa maior força na luta contra os inimigos e adversários da unidade nacional.
Para tanto, todos e cada um, dentro das possibilidades, devem ser portadores de espírito de missão no combate ao desgaste moral dos indivíduos e das instituições, proporcionando-lhes uma intervenção mais activa no governo da res publica. Se o soubermos fazer, cumpriremos a nossa obrigação e defenderemos o património histórico que, vitoriosamente, tem de ser continuado pelas novas gerações.
Vozes:-Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sim, vitoriosamente!
Mas, juventude de Portugal, repara que tens na retaguarda, e até mesmo à vista, alguns que te atraiçoam e querem negociar com o inimigo o solo da Pátria!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Dá o teu coração e a tua vida para defenderes a liberdade dos que connosco vivem, há séculos, sob a bandeira de Portugal. Mas desembainha a tua espada para expulsar os traidores.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Eles hão-de exclamar, como Eneias:
O terque quaterque beati queis aute ora patrum, Trojae sub moenibus altis!
Expulsa-os! Força-os a gritar, lá de bem longe: «Felizes, mil vezes felizes, aqueles a quem foi dado morrer, à vista dos pais, sobre o solo da Pátria!»
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tem sempre presentes, é juventude, os versos de Camões, quando Vasco da Gama, no meio da tempestade, se dirige à «Divina Guarda»:
Oh! Ditosos aqueles que puderam
Entre as agudas lanças africanas
Morrer, enquanto fortes sustiveram
A Santa Fé nas terras mauritanas!
De quem feitos ilustres se souberam,
e quem ficam memórias soberanas,
De quem se ganha a vida, com perdê-la,
Doce fazendo a morte as honras dela!
Expulsa-os! Não merecem a tua sentinela!
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Tenho autoridade para o dizer, como todos os que, como eu, têm filhos em armas na terra querida e mártir de Angola e nas demais terras, igualmente queridas, de além-mar.
Vozes:-Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
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O Sr. Vaz Nunes: - Sr. Presidente: venho para a tribuna sem credenciais que me garantam particulares conhecimentos para intervir no debate sobre a proposta de alterações à Lei Orgânica do Ultramar. Mas quis estar presente com português que, tendo já labutado com- algum esforço em terras africanas, se julga atraído pelos problemas das províncias ultramarinas e traz bem firme no coração o ideal da perenidade de uma Pátria Lusíada espalhada pelo Mundo.
Os oradores que me antecederam no uso da palavra fizeram a análise dos diferentes aspectos da nossa administração ultramarina, desde os princípios que a orientam ao relato minucioso do seu processo histórico, e apreciaram profundamente a proposta quanto à oportunidade e à natureza das suas matérias.
No intuito de não lhes repetir alguns conceitos e certo de que, se o tentasse, os desenvolveria de forma menos luzida, decidi salientar uma das múltiplas facetas do assunto, e a que nem sempre se dá grande relevo. Todavia, rico esperançado em receber, como até agora, a generosa atenção de V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a dos Srs. Deputados.
Começo por exprimir o meu voto de aprovação à proposta do Governo na sua generalidade. Julgo mesmo desnecessário alongar-me com muitas palavras justificativas.
Estou certo de que a lei dela resultante pode dar impulso forte à vida das províncias. Tudo dependerá da maneira como os homens lhe souberem interpretar o espírito e puserem em prática as disposições legais. A chave do êxito encontra-se na autenticidade com que estas forem aplicadas.
Os novos preceitos corrigem a estrutura da máquina administrativa, remodelando-se os órgãos mais importantes; distribuem melhor as competências pelos diferentes níveis de chefia; reforçam a representação dos interesses legítimos, e atendem os particularismos regionais sem perderem de vista o revigoramento da unidade nacional.
Espera-se, deste modo, uma maior eficiência da Administração e, com ela, a boa resposta à ânsia de progresso das populações. Não será menos importante, ainda, a esperança de sentirmos cada vez mais ameno o clima político em que vivemos.
Assim explico o meu voto favorável. Reservo, porém, certas discordâncias de pormenor para o debate na especialidade, discordâncias que, aliás, vejo perfilhadas na comissão eventual.
Sr. Presidente: todos sabemos que os países comunistas e grande número dos afro-asiáticos nos hostilizam porque não admitimos que venham imiscuir-se na nossa política interna ultramarina.
Todos sabemos, ainda, que certos aliados da N. A. T. O. e outras nações de formação ocidental chegam a prejudicar-nos para captarem as boas graças dos novos Estados independentes.
E como a O. N. U. pouco mais é do que um lugar de encontro de representações nacionais (quase sempre demagógico - diga-se de passagem), também aí somos mal vistos.
Parece uma situação assustadora.
Porém, após cuidadosa análise da intensidade e natureza das ameaças, a conclusão é sempre a mesma: sairemos vencedores se mantivermos o propósito firme de servir o ideal de uma Pátria Una.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Devemos estar precavidos contra todas as conjuras que intentem corroer, em nós, esse propósito ou contrariar o seu florescimento. Se lhes fizermos guerra sem quartel, evitaremos, assim, a única possibilidade de sermos derrotados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O comunismo continua a figurar entre os nossos maiores inimigos porque é, de todos, o mais virulento nas suas tentativas de conquista das almas simples e crédulas.
Vozes:-Muito bem!
O Orador: - Alimenta guerras subversivas fora da área geográfica coberta pelo Tratado do Atlântico, mas não deseja ver-se oficialmente comprometido até ao momento em que as probabilidades de êxito pendem para o seu lado.
É miragem perigosa considerar-se que o apoio do comunismo a traidores separatistas seja prática decorrente de uma simpatia desinteressada pela emancipação dos povos.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Nunca ele pode renunciar ao seu propósito de universalidade; se o fizesse, negava-se a si próprio.
Mantém-se ameaçador em zonas extra-europeias, munido de armas psicológicas e económicas mascaradas com atitudes pretensamente pacíficas.
A propaganda é a máquina mais valiosa, do seu arsenal. Com ela ameaça os espíritos e confunde-os.
Não somos nós, portugueses, que comprometemos a, paz quando teimamos em consolidar a Nação contra os desejos de estranhos.
A instabilidade internacional resulta, de facto, da existência de países emancipados politicamente cujos problemas económicos fundamentais estão por resolver.
Para o desenvolvimento dos territórios africanos torna-se imprescindível a ajuda financeira e a experiência- técnica das sociedade mais evoluídas. Por isso, ao contrário do que muita gente crê, a era da presença branca em África está ainda longe do seu termo ...
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - ... e o desacordo das nações ocidentais sobre os problemas deste continente fará, afinal, o jogo do bloco comunista.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A posição dos Estados Unidos da América, como leader do Ocidente, interessa-nos pelas repercussões que provoca.
Bem desejaríamos que não fomentassem cruzadas de autodeterminação antes de verificarem se vão lançar o Mundo em piores aventuras; e é isso que sucede quando à cobiça ou despeito de uma limitada catrefa de traidores derem o significado incorrecto de um sentimento geral de independência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Bem desejaríamos, ainda, que não satisfizessem o apetite de se arvorarem em campeões de nacionalismos, antes de verificarem se eles são menos legítimos
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ou falsos e quando as desagradáveis consequências nos possam atingir.
Não é o desejo de posse que nos leva a pretender que nas províncias ultramarinas se continue a venerar a bandeira portuguesa, pois esse simples desejo é uma espécie de divindade corrosiva que devora a própria substância. Teríamos um fim triste.
A fórmula da Nação pluricontinental e plurirracial resulta de princípios indiscutivelmente válidos à luz da moral e do direito que nos alimentam a fé e nos garantem a certeza de que lutamos por uma causa justa.
O medo do pior tem conduzido os verdadeiros responsáveis pelo agravamento da situação africana. Nós prosseguimos na esperança do melhor.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quando se verifica que o Ocidente procura, muitas vezes na renúncia, a melhor condição de sobreviver, eu recordo aquela mística com que a Europa aceitou grandes sofrimentos para construir a sua grandeza. Sei que a exaltação do valor das ideologias é por alguns considerada como índice de mentalidade inferior. Mas não deixo de afirmar que são as ideologias que impulsionam dinamismos, fortificam a coragem e servem a esperança.
Vozes: -Muito bem!
O Orador: - Quanto à O. N. U., não nos preocupemos muito com ela. Está mais que provado que não é organismo susceptível de assumir responsabilidades na condução da política internacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Os seus Estados membros adoptam doutrinas políticas e jurídicas extremamente heterogéneas.
Entre eles, os comunistas não hesitam, por princípio, em opor-se a qualquer norma fundamental do direito que não satisfaça a sua doutrina. Afirmam sem rebuço que o direito internacional público é um instrumento de defesa e protecção dos chamados «Estados burgueses».
E os novos países afro-asiáticos pensam que estão habilitados a ditar, pela lei do número, o caminho que a comunidade internacional deve percorrer, confundindo deste modo o seu interesse político com regras do direito.
Ë inegável que a maioria dos Estados fazem da O. N. U. uma simples praça de discussão, onde muito raramente adoptam atitudes construtivas e desapaixonadas.
Julgamos distinguir bem entre o que a O. N. U. pode e não pode fazer. Será, então, de estranhar que o que lá se diz não nos intimide.
Sr. Presidente: embora certos do bom caminho que trilhamos, temos de estar mais vigilantes a insidiosa guerra psicológica que nos fazem.
São os inimigos e os falsos amigos a usarem contra nós uma arma especial e de singular importância quanto ao seu poder e alcance. Com os modernos meios de difusão do pensamento, fáceis e rápidos, levam a luta aos nossos corações, às nossas inteligências e às nossas vontades. Atacam-nos no domínio do espírito e procuram perturbar as nossas consciências.
Querem atingir o que possuímos de mais precioso, na tentativa de dissociarem a unidade moral e espiritual da Nação.
Dificuldades, sempre vencemos; e só estivemos em risco eminente de perecer quando os adversários conseguiram pôr ao seu serviço o nosso psiquismo individual e colectivo, regendo-nos as atitudes e comportamentos.
É também assim que agora nos pretendem subjugar.
Ora se mostram ameaçadores e fazem apelo à revolta e à traição, ora insinuam simpatias toscamente mascaradas e nos instigam a satisfazer-lhes os desígnios inscritos no seu rol.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Deste modo, querem empurrar-nos para o escorregadio declive de um autêntico poço de renúncia.
Visam minar a nossa determinação e obter nas retaguardas cúmplices ou aliados; desejam conduzir opiniões públicas, vítimas do medo, do cansaço ou da mentira, a irreflectidos ou cómodos abandonos e servem-se do único processo que os poderia levar a um resultado vitorioso.
Não creio que alguma vez qualquer outro povo tenha estado exposto a pressões psicológicas tão generalizadas, tão fortes e tão persistentes, como as que Portugal vem suportando nos últimos anos.
A nossa firmeza provoca já o espanto nas fileiras adversas.
Todavia, se pusessem de parte o cego desvario com que nos hostilizam e reconsiderassem - libertados de frustrações e fanatismos - a legitimidade dos nossos direitos, o valor dos nossos princípios e a marca dos nossos propósitos, nada haveriam de admirar, pois é daí que muito naturalmente recebemos o bom tónico para a fé que nos conforta nestas horas graves da vida nacional.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - No mundo de hoje a sorte das nações está cada vez mais dependente do ânimo que manifestem na resistência aos efeitos da arma psicológica manejada pelas suas rivais.
Mal andaríamos se menosprezássemos o valor desta arma, limitando-nos, de peito aberto, a aguentar passivamente os golpes contra nós desferidos.
Não há nenhum país, qualquer que seja a sua contextura social ou o seu credo político, que não a empregue, pelo menos, na defesa dos sentimentos nacionais ameaçados.
Cumpre-nos também utilizá-la em proveito próprio.
Porque temos uma noção muito diferente do que é a dignidade humana, não vamos seguir os métodos e procedimentos dos nossos contendores.
Possuímos uma formação que nos proíbe a calúnia e a insídia. Não seremos nós a fazer lavagens de cérebros ou a tentar intoxicações de espíritos; e não seremos nós, ainda, a ludibriar, a amedrontar e a violentar.
Mas devemos reagir à guerra psicológica que nos é feita, de maneira mais activa e coordenada do que até agora, sustendo as manobras inimigas, respondendo-lhes no momento oportuno com decisão e explorando as suas contradições e falsidades.
Por servirmos de boa fé uma causa justa, nem sequer nos faltam trunfos raros e valiosos para se desenvolver com êxito uma contra-ofensiva psicológica geral, tanto no campo externo como na frente interna.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Estamos, pois, bem munidos. Além disso, os nossos adversários não desistem de nos presentear constantemente com um outro trunfo quando apregoam mentiras absurdas e praticam repugnantes vilezas.
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À propaganda inimiga, sempre tortuosa nas difíceis tentativas de camuflar os atropelos à moral e ao direito, sempre perversa no enunciado de falsos acontecimentos e de falsas promessas e sempre descarada a difamar ou a intimidar, temos de opor uma contra-informação correcta, atenta e enérgica.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Os Poderes Públicos apontam-nos -- e bem - a necessidade de cada um de nós ser autêntico o diligente no seu contributo para que a Nação pluricontinental se revele sólida, harmoniosa e unida.
Mas há uma condição prévia que aos mesmos Poderes Públicos compete satisfazer: é a de nos ampararem com medidas psicológicas de que resulte uma melhor defesa das nossas forças morais e cívicas em face dos ataques hostis.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nesse sentido devem orientar os seus naturais meios de autoridade, protecção e informação.
Esquecemo-nos muitas vezes de que nos encontramos em guerra porque nos fazem a guerra; e esquecemo-nos também de que à arma psicológica cabe um papel importantíssimo em todas as formas de luta.
Nos diferentes níveis de chefia político-administrativa e militar há dirigentes que dão exemplos dignos do maior louvor; mas também existem muitos outros que têm de ser despertados quanto à sua responsabilidade nesta matéria, dentro do âmbito normal das suas atribuições.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Estará bem difundida e aceite, entre nós, a necessidade de utilizarmos a arma psicológica? Haverá conhecimento bastante das técnicas- do seu emprego? En-contrar-se-ão suficientemente desenvolvidos os organismos e serviços especializados?
Julgo pertinentes as perguntas que formulei. Desejo deste modo chamar a atenção para o elevado interesse de se desencadearem autênticas e coordenadas operações gerais de natureza psicológica.
À informação terá de se lhe dar voz muito activa para evitarmos surpresas, vencermos receios e eliminarmos angústias filhas do desconhecimento.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: -A fé no valor dos nossos princípios não pode esmorecer-nos na luta persistente contra os insidiosos instrumentos de desagregação.
Temos de fazer guerra aberta ao desenvolvimento dos tentáculos de organismos políticos separatistas cujos centros de irradiação prosperam em territórios vizinhos; e até podemos criar dificuldades aos seus chefes traidores, nos antros onde se recolhem cobardemente à sombra de fronteiras que desejamos respeitar.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Quando assim falo, estou a pensar nas massas populacionais autóctones menos evoluídas e nos perigosos venenos e grandes tentações a que elas estão sujeitas, por serem alvo preferido dos nossos inimigos. Mas também não esqueço alguns detentores de grandes e pequenos interesses económicos e certos políticos desequilibrados que, perante ameaças ou promessas, não hesitam em vender a alma ao Diabo - se é que acreditam nela -, por julgarem que melhor garantem a continuidade da satisfação dos seus interesses materiais ou na mira de conquista de futuras posições de mando.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Os agentes da Administração não devem isolar-se pelas barreiras das funções e das mentalidades; só posso qualificar como desejáveis os que forem íntegros, competentes e tenham o gosto generoso de transmitir bons ideais.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não é só o progresso material que conta. Conquanto a linguagem da técnica costume brilhar à superfície, é o coração que anima as profundezas da sensibilidade.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Nem basta dar pão e trabalho e despertar inteligências. É necessário preencher os corações com uma ideologia que os satisfaça, evitando que sejam conquistados com místicas antinacionais.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Não podemos também desinteressar-nos das manobras psicológicas do inimigo no seio das juventudes, pois é assim que ele conta impor-se ao Portugal de amanhã.
Todas as actividades humanas exigem suporte espiritual para atingirem os seus fins.
As armas clássicas são impotentes perante os espíritos e só podem consolidar os seus êxitos com a total e franca cooperação das populações; e também as normas jurídicas de nada valem sem o seu apoio.
Se as forças morais de cada português forem devidamente esclarecidas e protegidas, temos como certo o revigoramento da sua adesão voluntária aos ideais e objectivos da Nação Una, pluricontinental e plurirracial; e deste modo resultará sublimada a vontade de vencer.
No género de luta em que estamos envolvidos, a vitória pertencerá a quem melhor souber acalentá-la no seu coração.
Por isso acredito que a reacção psicológica é fundamental para a sobrevivência da comunidade portuguesa.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: -Num mundo em que as instituições, crenças e mentalidades tendem a assemelhar-se, não podemos considerar os particularismos regionais do conjunto português - embora os respeitemos - como obstáculos à unidade nacional.
No Portugal de hoje, em que o espaço geográfico como que se contrai pelas mais fáceis e rápidas ligações, é inadmissível que às distâncias se dê o rótulo de factores de desmembramento.
No Portugal de hoje, em que o tempo corre acelerado e o ritmo de vida é mais realizador, resulta ilógico que se veja na via da unidade um caminho de sentimentos colectivos frustrados.
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Venceremos se continuarmos a ter fé e o futuro pertencer-nos-á se trabalharmos para o modelar.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: a Câmara está, nesta altura da discussão, largamente esclarecida dos fins e amplitude da proposta reforma da Lei Orgânica do Ultramar. Foi-o, já pelo lúcido relatório ministerial, já pelos sábios pareceres do Conselho Ultramarino e da Câmara Corporativa, já pela exposição de S. Ex.ª o Subsecretário de Estado Prof. Silva Cunha, acerca da posição governativa plaudente ou discrepante quanto às alterações sugeridas pelo citado parecer da Câmara sobre o texto da mesma proposta.
Trouxeram os Srs. Deputados que me precederam nesta tribuna, quer ultramarinos, quer metropolitanos, achegas substanciosas para nos podermos pronunciar sobre a matéria com maior alívio de consciência.
E é bem compreensível que a todos nos pese a consciência quando temos de tomar a nossa parte de responsabilidade sobre a matéria a votar nesta época procelosa que a Pátria atravessa.
Sr. Presidente: pelo que acabei de referir, de mau gosto seria agora entreter à sobreposse a Câmara com demorada intervenção. Mas a fidelidade notória a convicções políticas monárquicas, para que só vou vendo acrescentadas razões de justificado reforço, me determinam, como português, a adiantar-me para fazer algumas anotações sobre a matéria.
Assim, começarei por estranhar nos textos referidos do relatório ministerial e parecer da Câmara Corporativa que, fazendo-se mera alusão muito vaga à organização ultramarina anterior a 1820, se tome por ponto de partida do respectivo ordenamento precisamente a legislação inspirada polo liberalismo.
Certamente que, forno antecedente próximo da matéria do projecto, a concatenação cronológica do subsequente processo legislativo até à data é de conhecimento indispensável à reforma que se pretende.
Mas isso não pode dispensar a lição formidável que recebemos, desde os seus primórdios, da forma programada por que se realizaram as descobertas, de como a coroa fez ocupar, efectivamente, os novos territórios, antes habitados ou não, e, sobremaneira, a lição exemplar de como soubemos criar o portentoso Brasil.
E que, quando se trata de prover à conservação de todo ou qualquer bem ou de qualquer forma regenerá-lo, a ciência e o bom senso nos inculcam baconianamente que tal só se conseguirá por força da virtude dos princípios que lhe estão na origem.
O sábio René Quinton, tão injustamente esquecido hoje, decerto pelo seu conservantismo, biológico, ergo político, partiu precisamente da verificação dessa verdade para considerar a evolução da vida, individual e das espécies, como mera manifestação de defesa do «fixismo» originário.
Adiante.
De fundamental quanto às características do nosso esforço de descobertas marítimas, há que realçar o espírito de cruzada que as animou; como tal, de feição expoentemente espiritual, embora - era humano! - o elemento material nunca pudesse ser-lhe estranho. Grande empresa de estado, a grandeza da Pátria a postulava com tudo quanto de expansivo nela havia de fé cristã, de população e de bens.
Esse espírito de cruzada cumpre-nos sempre reivindicá-lo, provas à vista, a quantos cegos de utilitarismo protestante ou de materialismo marxista apenas pretendem ver nesse esforço anímico mero impulso de avidez económica.
Aponto três factos que dentro de século e meio da dinastia de Avis são bem ilustrativos testes do que acabámos de afirmar.
De origem, logo a directriz que o infante D. Henrique determinou aos seus navegantes para que estes entrassem de tomar contacto para lá das terras maometanas, Senegal abaixo, com gente de cor e feiticista. Foram peremptórias as suas instruções de que o procedimento de guerra permanente com os maometanos irredutíveis tinha de alterar-se para aberto comércio amistoso quanto aos gentílicos; pois que, quanto a estes, alimentava o propósito de os converter à fé cristã. Isto o referem Zurara e Cadamosto.
No mesmo sentido, outra não era a política de Albuquerque quando propugnava a fixação no Oriente do sangue português, e com o sangue a religião e a língua, mediante casamentos de soldados reinícolas com mulheres dali naturais. E que mais flagrante prova ainda de respeito pela dignidade da pessoa humana, atinente ao pudor da mulher, mesmo cativa, do que o implacável castigo aplicado pelo Terribil a quem se atrevesse a desrespeitar-lhe as ordens nesse sentido; facto, aliás, tão mal interpretado politicamente por Camões ... as de sempre razões do coração!
Finalmente, no termo da dinastia de Avis, as famosas instruções regimentais de D. Sebastião: «Fazei muita cristandade ...».
Este régio plano de príncipes teve a auxiliá-lo a força orgânica militante, mística e guerreira das ordens militares e das ordens religiosas; e sem menoscabo das demais, particularmente, a Ordem de Cristo e os Jesuítas. Sem a primeira, é incompreensível toda a gesta ordenada das descobertas e das conquistas; sem os segundos, as cristandades da Índia, da Etiópia, da Malásia, do Japão. S. Francisco Xavier, com a vitalidade de que ainda hoje por lá subsistem miraculosos restos da fé e da língua pátria, e, no Ocidente, o Brasil de Anchieta, dos aldeamentos, do P.e Vieira, da civilização luso-tropical, realçada hoje por Gilberto Freire.
Todo o fruto da nossa acção ultramarina se caracteriza e perdura por este influxo religioso, com todas as consequências a ele inerentes de exaltação de valores extraterrenos, de fraternidade humana, de regras e limites morais. Todo o milagre português no Mundo consiste nisto: o termos levado, numa explosão espectacular, Cristo e a Ele nos mantendo fiéis, não obstante sabidos pecados, que só nos fica bem confessar, primeiro aos negros de África, logo aos países do Oriente, finalmente aos peles-vermelhas.
Toda essa obra regiamente preparada, como empresa de Estado, e disciplinarmente executada pelos corpos da Nação, traduziu-se, durante os três séculos do nosso império imenso, em profundo aportuguesamento dos povos sobre que mais ou menos se exerceu o nosso influxo.
Dentro da sua diversidade de origem, local, racial, religiosa, o denominador comum progressivo da cristianização ia exercendo como que envolvente assimilação psicológica. Verdadeira assimilação esta, autêntica conversão interna, em confronto com a assimilação de fachada, imposta de fora, por decretos, ao homem abstracto de Rousseau, pressuposto sempre e em toda a parte igual a si mesmo, e que a Rússia bolchevista, na lógica final de utopia, pretende -ou pretendeu?- como que fabricar em série ne varictur.
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No portuguesismo típico da nossa acção ultramarina se criaram instituições em correspondência, a dar-lhe eficiência, já na metrópole, centro do Império, já na periferia, com a índole descentralizadora que as instituições políticas de então equilibradamente mantinham. O poder delegado nos governadores, através dos respectivos e geralmente sábios regimentos, tendia a exercer a sua acção promotora de progresso e tutela, de colonos e nativos, de defesa contra inimigos internos e externos, com poder mais ou menos temperado segundo as circunstâncias.
E do saldo positivo dessa acção, com seu deve e haver, resulta insofismável o de, não obstante o nosso enfraquecimento interno, sobretudo subsequente ao liberalismo, termos conseguido manter o nosso tão invejado património nacional de hoje!
Isto se declina, Sr. Presidente, para se pôr a nu, como nos cumpre, quanto para nós seja grave ter de tomar posição face a diplomas quando os pilares institucionais em que a sua realização assenta não podem ter a solidez das velhas instituições monárquicas.
É certo que, na era que atravessamos, serviu-nos a Providência com um regime aparente de equivalência quase monárquica, através do perdurável comando da alta personalidade do Sr. Presidente do Conselho - e uma vez mais se mostra como grandes personalidades conseguem, mesmo quando não são dos que podem soprá-las, aguentar as rajadas da história.
É certo ainda que grandes corpos do Estado que, herança da monarquia, souberam manter, não obstante o clima de desordem revolucionária, suas particulares virtudes, as forças armadas, a justiça, a diplomacia, a Universidade, reagindo no 28 de Maio, puderam fortalecer-se em seguida, e dão-nos garantia de forte coesão face aos perigos flagrantes que ameaçam este país. E ainda como que uma espécie de monarquia de facto imposta do exterior compressivamente pela guerra ou fria ou quente. E sob o peso deste clima que a Câmara tem de se pronunciar.
Ouvimos durante a discussão do projecto queixas de vária ordem e de cuja justiça em grande parte não duvidamos.
O projecto em discussão, pensamos, traduz o propósito de um intercâmbio maior, de um influxo recíproco das parcelas que unificam a Nação; por outro lado, admite tendências de descentralização que não comprometam a unidade nacional.
O Governo vê conveniência na sua promulgação; Governo que nas difíceis circunstâncias que vivemos tem manobrado o timão do Estado, na defesa do ultramar, com tanto acerto: não lhe devemos, portanto, recusar a confiança do nosso voto, certos de que a responsabilidade da proposta traz a garantia do que o Governo tem conseguido neste campo realizar, militar, diplomática e financeiramente.
Foi sempre de bom conselho não mudar, já não digo de comando, mas mesmo de material, no meio de uma batalha.
Passada esta e logo que possível se deverá, decerto, pensar em soluções que nos parecem aconselháveis, em face do aqui discutido, de integrar como nacionais certos serviços dependentes do actual Ministério do Ultramar: todos os da Justiça e Cultos, os da Educação Nacional, de entre os da Economia, em especial os da colonização interna ...
Transferir as atribuições do Ministério do Ultramar para um superministério de Estado, adjunto à Presidência do Conselho, com altas funções coordenadoras correspondentes às de que gozam os actuais Ministros de Estado e da Defesa.
Dar categoria de Ministros residentes, mas intervenientes em Conselho de Ministros, aos governadores das grandes províncias de Angola e Moçambique. Isto contribuiria para um permanente intercâmbio vivo, de contacto e vínculo pessoal que a prontidão dos «jactos» proporciona e que tanto facilitaria a resolução rápida de certos problemas.
Isto se lembra como sugestões possíveis no sentido da mais eficiente integração do que é nacional, contrapartida indispensável como salvaguarda de uma mais efectiva descentralização financeira e administrativa, com respectivos estatutos diferenciados, inerência da sua não sofisticação.
São estas, decerto, possibilidades construtivas a ponderar para futuro não remoto. Isso não obsta a que, entretanto, se dê ao Governo, quanto à generalidade, a solicitada aprovação ao projecto.
Uma única ressalva, pelo que me respeita, farei quanto à forma de eleição para os conselhos legislativos provinciais, matéria sobre que, aquando da discussão na especialidade, terei ocasião de formular construtivas reservas.
Sr. Presidente: como português, como nacionalista integral, penso ser esta altura de não regatear ao Governo, sob qualquer pretexto ou mesmo razão não fundamental, o nosso voto de confiança implícito na aprovação do projecto. Isso o ajudará a fazer face aos estrangeiros postados em hostilizar-nos, o que logicamente não deve surpreender-nos; mas sobremaneira o ajudará também a erguer indispensável barragem contra todos os estrangeiros desnaturados do interior que, como no tempo de Camões, vivem e até prosperam cá dentro e por vezes nos fuzilam imprevistos, donde menos se poderia esperar. E não constituirão eles, «os de dentro», extirpado militarmente como ameaça séria o terrorismo contra Angola, precisamente pré-fabricado cavalo de Tróia, com que «os de fora» acima de tudo contem hoje?
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: ora minha intenção, quanto ao debate sobre a proposta de lei ora em exame, intervir apenas durante a discussão nu especialidade. A circunstância de ter sido de algum modo arvorado em relator da comissão eventual incumbida do estudo da proposta, graças à penhorante gentileza do seu digno presidente e à amável anuência tácita dos outros ilustres Deputados que a constituem, impediu-me, como cada um deles bem poderá avaliar, de dispor do tempo suficiente para preparar a intervenção que, embora dentro das minhas modestas possibilidades (Não apoiados) importava à especial relevância e à natural delicadeza das matérias submetidas à apreciação da Câmara.
Alguém veio, no entanto, procurar-me ontem com um feixe de argumentos destinados a vencer o meu propósito de silêncio, trazendo no meio deles a evocação de responsabilidades especiais para não me furtar a subir a esta tribuna.
Ainda que vacilante na desejada correspondência ao sentido das invocadas responsabilidades, obedeci àquela espécie de imperativo moral posto diante dos meus olhos inquietos. Por isso me resolvi a subir timidamente os degraus da tribuna e timidamente venho expor, com nua singeleza, as minhas mal ataviadas considerações.
Vozes: - Não apoiado!
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O Orador: - Sr. Presidente: um dos primeiros problemas que surgiram ao meu espírito, quando tomei o contacto inicial com a proposta de lei, foi apurar se ela comportaria efectivamente um debate na generalidade. Afigurava-se-me que, tratando-se, como se trata, de alterações a uma lei, e não da proposição do texto completo de uma lei, no sentido integral da expressão, seria lógico entender-se que lhe faltaria a unidade de pensamento ou o substrato doutrinário susceptíveis de possibilitarem tal debate.
Parece ironia referi-lo aqui, precisamente no final de longo debate dito na generalidade, mas tenho de enunciar os problemas como eles se apresentam ao meu entendimento.
A resposta que encontrei para a pergunta a mim próprio formulada será, se V. Ex.ª mo permite, a essência da minha intervenção.
Antes de mais, Sr. Presidente, parece de considerar se serão oportunas as alterações pretendidas pelo Governo à Lei Orgânica do Ultramar Português, isto é, se será oportuno tocar, para se modificarem no sentido preconizado, as matérias da Lei Orgânica particularizadas na proposta.
Há quem responda afirmativamente, tendo sobretudo em atenção o condicionalismo externo - os ventos internacionais, especialmente soprados das «altas» cavernas eólicas da O. N. U.
Risos.
Segundo este entendimento, a proposta visaria, sobretudo, obtemperar à torrente das palavras, hoje utilizadas como «armas escolhidas da guerra revolucionária», ali persistentemente despejadas contra o chamado colonialismo em geral e contra nós um especial.
Não perfilho tal entendimento.
A O. N. U. vale o que vale - e nada mais.
O quase isolamento, em que lá nos encontramos, no meio daquela falsa e barata (sem embargo de muito dispendiosa) diplomacia (?) de praça pública, não é toda e nem mesmo a principal actuação da vida internacional dos Estados. Os grandes acontecimentos da política internacional processam-se sempre à margem da torre de Babel - que é o building de vidro das Nações Unidas -, sem excluir o erro trágico do Suez, último lampejo, tristemente gorado, do poder militar europeu, e a recente meia vitória, como são quase sempre as vitórias norte-americanas. dos Estados Unidos em Cuba.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Felizmente, no plano mais efectivo das relações internacionais, não temos banidas nem amizades, nem simpatias, nem apoios entre os governos e os povos do mundo ocidental. Creio que havemos de encontrar estes sentimentos, se os não encontrámos já, inclusive, entre alguns povos africanos prematuramente chamados à independência e saudosos dos tempos felizes da protecção europeia.
Decerto terá desaparecido, na voragem das loucuras políticas do Ocidente, a possibilidade do que alguém chamou a «fórmula Sul-Norte», tida como «a melhor solução para o dilema Este ou Oeste» (talvez por não convir a nenhum dos leader-ships da política internacional u criação da Euráfrica), considerando o continente africano, na própria teoria dos grandes espaços, como «o mais seguro complemento económico» e «o melhor rearmamento» da velha Europa.
Mas o neocolonialismo e a ameaça de congolização da maior parte do continente negro estão já a demonstrar que a prematura e falsa independência da África mal parte não aproveita aos próprios africanos e acabarão por convencer os Estados mais responsáveis pela condução da política do mundo ocidental de que é necessário mudar a agulha dos seus rumos errados.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Lembro, a este propósito, a brilhante elucidação que tivemos o prazer de escutar, não vão passados ainda muitos dias, ao Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
A O. N. U., onde domina agora a maioria dos afro-asiáticos, ou levará «o branco para o túmulo», segundo a expressão de alguém, com a cumplicidade suicida dos grandes do Ocidente, ou, torno a dizer, será apenas o que tem sido: um pretório de eloquência sem princípios e sem seriedade, destinado a amedrontar com a sua torrente de palavras.
De nada valerá supormos que conviria fazer-lhe algumas concessões. Ela é maximalista, direi mesmo, totalitária.
Não se contentaria com uma parcela de cedência senão na medida em que isto revelaria do nosso lado debilidade - e insistiria pelo todo.
Mas também não dispõe de meios para se impor, para nos impor o seu abuso de direito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: -Não nos impressionaremos demasiado com o pandemónio da verborreia afro-asiática. Na guerra revolucionária em que está empenhada e em que, torno a dizê-lo, as palavras são as suas armas escolhidas, conforme se diz no livro Vida ou Morte do Mundo Livre, isso seria fazer-lhe a vontade, deixando-nos ficar ao alcance de tais armas.
Não, Sr. Presidente, ria nossa vida pública a hora dá proposta em discussão não foi marcada pelo relógio da O. N. U.
Também a oportunidade da proposta não fio foi determinada pela guerra e pelas ameaças de guerra que do exterior nos estão a fomentar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A este condicionalismo, como eloquentemente nos foi recentemente exposto por uma voz especialmente qualificada, obtempera e obtemperará eficazmente a vigilância cuidada da nossa diplomacia, o valor do nosso dispositivo militar (já credor do maior reconhecimento e merecedor da mais plena confiança) ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... a consistência da nossa economia (a caminho de se adaptar às novas exigências e decididamente mantida na senda necessária da aceleração, tanto na metrópole como no ultramar, sendo indispensável assegurar esta aceleração e não devendo esquecer-se que a da metrópole é basilar para a própria defesa militar do ultramar) ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... e, finalmente, a capacidade de resistência da nossa situação financeira.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - Permita-se-me recordar, relativamente a este ponto, o que, ainda não há muitos dias, aqui pude referir, em aplaudente aparte ao ilustre Deputado Sr. Major Sousa Meneses:
Em conversa com um colega estrangeiro nos corredores da sede da N. A. T. O., perguntava-me este, recentemente: «Em que medida os acontecimentos de Angola têm prejudicado a vossa política de investimentos para o desenvolvimento económico de Portugal? Em quanto tiveram vocês de aumentar a dívida pública interna para financiarem a defesa ultramarina? E até onde terá esta feito aparecer o fenómeno inflacionista?».
Pude dar-lhe, como então acentuei, uma tranquilizadora e, para ele, espantosa resposta. Respondeu-me, por sua vez, com visível contentamento: «Je suis ravi».
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: ou disse, há pouco: «e, finalmente», mas não disse bem. No final, verdadeiramente no final, está o princípio ou o começo - e este é o da decidida vontade nacional em savoir tenir, suportando pacientemente e heroicamente, se for mister, as horas da adversidade, até chegar a hora da bonança. Nós temos muitas e muito fortes razões de crer e de esperar. Não nos faltará, por Deus, a confiança - sem embargo de alguma depredação moral em qualquer alma pusilânime ou em qualquer espírito dúplice, ao serviço de Deus e do Diabo, com pavor de lhe fugir o seu Mamon. A confiança é elemento fundamental da rentabilidade, mesmo em política.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Desviei-me um pouco, Sr. Presidente, do fio lógico das minhas considerações. Há que reverter ao tema.
Queria eu dizer, Sr. Presidente, que a oportunidade da proposta a criámos nós próprios de algum modo, na medida em que os resultados da nossa acção civilizadora, em seus aspectos espiritual e material, possibilitam e porventura aconselham o passo que nos propomos dar - espero que com a prudência aconselhável. Damo-lo como quem, no meio das dificuldades da guerra e das ameaças de guerra, procura trabalhar habitualmente, sem afrouxar o ritmo da vida da administração pública. Por outras palavras: a proposta não nasceu, rigorosamente, da contingências advindas do mundo exterior, mas nasceu apesar dessas contingências.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Feitas estas breves e desataviadas considerações sobre a oportunidade da proposta, cabe agora averiguar se é possível descobrir nela uma linha de rumo, quero dizer, um princípio informador ou uma nota de tipicidade ou, ainda por outras palavras, uma economia caracterizada.
Creio que sim. Encontro efectivamente, na mecânica da proposta, alguns aspectos salientes, todos relevando do mesmo pensamento dominante. Resumi-los-ei assim:
a) Descentraliza-se em grau considerável a vida administrativa das províncias;
b) Alarga-se notavelmente o direito de a opinião e os interesses provinciais intervirem na feitura da legislação de interesse local, reestruturando-se, em moldes para o efeito julgados adequados, os órgãos competentes;
c) Reduz-se a quase ténue laço a intervenção da metrópole na organização dos orçamentos provinciais e na fiscalização ou superintendência da sua execução.
Tenho para mim que, consideradas em si mesmas, como valores absolutos, a descentralização administrativa, a especialização das leis e a autonomia financeira, além de estarem na boa tradição da nossa política ultramarina, estão também na própria natureza das coisas. Desde que se trata de grupos populacionais diferentes e dispersos, cada um com problemas específicos e tendências características, não parece que possa ou deva ser de outra sorte - sem com isto se comprometer necessariamente a unidade política da Nação, um pouco da mesma sorte que em nada ela é tocada pela competência própria dos municípios na estruturação dos quadros do seu funcionalismo, no direito de estatuírem as suas portarias, na elaboração e execução autónomas dos seus orçamentos, na organização dos seus planos de actividade concelhia.
Pretender de modo diverso seria como que conceber um rígido colete-de-forças, ao sabor dos nossos sentimentos preferenciais ou do irrealismo das nossas concepções teóricas (por mais sedutoras e almejadas que se nos afigurem), para meter dentro dele todo o complexo de uma vida social estuante.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O resultado final seria ao invés do pretendido com a mais louvável das intenções: as sufocadas energias da vida social, sempre em crescimento, fariam estalar o incontido artifício do colete. Pretendo com isto dizer, Sr. Presidente, que um filósofo pode entregar-se livremente ao prazer intelectual dos seus pensamentos e fazê-los rondar no espaço ilimitado da sua imaginação, como quem faz viagens à volta do seu quarto, segundo a feliz expressão de Xavier de Maistre; mas quem governa e tem de legislar há-de acomodar-se à tarefa penosa de se debruçar atentamente sobre as necessidades do complexo da vida real, para as satisfazer na medida conveniente e as canalizar na medida possível, fazendo um esforço simultaneamente de cedência e de domínio.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - No problema de que nos estamos a ocupar, o ponto de crise é saber-se até onde os apontados aspectos devem julgar-se comportáveis - de um lado, pela capacidade das élites sociais, que naturalmente se foram desenvolvendo no ultramar, o pelo clima do sã administração e activo progresso til I implantado ou desenvolvido nas últimas décadas; de outro lado, pela virtude da prudência que deverá informar o próprio sistema descentralizador.
Ao primeiro ponto interessa o exame. objectivo da panorâmica social; ao segundo importa que os órgãos centrais sejam exclusivamente os criadores das grandes estruturas jurídicas e os definidores das respectivas competências, a que deverão marcar-se limites razoáveis. (Temo, por exemplo, que a adopção de certas soluções, cuja bondade sinceramente se inculcou, uma ou outra vez, nesta tribuna, pudesse fazer resvalar num plano inclinado de pericolosidade para a unidade política da Nação. E afirmo, sem hesitar, que, por exemplo, tornai-os órgãos legislativos locais detentores da plenitude da
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competência legislativa ou admitir que esta pudesse não dimanar dos órgãos legislativos metropolitanos seria ter já descido até ao fim daquele plano inclinado).
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sem deixar de conter talvez alguns riscos, que chamarei de importância secundária e a cuja evolução se deve estar atento (designadamente em matéria financeira), a proposta, segundo creio, não fere nenhum ponto essencial da nossa unidade política e, ao invés, parte dela como pressuposto necessário - deixando intactas as bases da lei orgânica em que está claramente afirmada e mantendo-se no respeito da lei constitucional em que é expressamente definida.
Acresce que estes aludidos textos são tradução de um estado de alma colectiva. Têm a adesão consciente, livre e firme da generalidade dos espíritos.
Decerto poderão encontrar-se, na fragilidade do barro humano, alguns ... barros mais grosseiros e menos consistentes.
Risos.
Ainda aqui a excepção servirá para confirmar a regra - devendo o facto ser notado sem espanto, pois já o vate deixou assinalado que «também entre portugueses traidores houve algumas vezes».
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Decerto poderá topar-se, aqui ou além, com a egolatria de vaidades e ambições mal contidas, susceptíveis, talvez sem directamente o pretenderem, de criar dificuldades sérias à superior realização do bem comum. Decerto também, num ou noutro caso, poderá deparar-se-nos o egoísmo cego dos interesses materiais, sacrificando enganadoramente na ara do seu VII metal dourado.
Tudo isto serão manchas negras a ensombrar a alma da Nação. Mas em nada conseguirão diminuir-lhe a força coesa e a vitalidade actuante - uma vez que à natural fidelidade dos sentimentos profundos das populações não faltará, Sr. Presidente, a fidelidade do prudente comando das verdadeiras elites sociais.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: pude ver, com sincero júbilo, quanto a atmosfera de perfeita identidade de pensamento político, no quadro dos superiores interesses nacionais, ajudou a comissão eventual a concluir pela generalidade de um entendimento na definição e na defesa do bem comum da grei. Essa mesma atmosfera se há-de, por certo, encontrar agora no plenário da Assembleia Nacional, ao votarmos na generalidade a proposta de lei e quando passarmos a discuti-la e a votá-la na especialidade - porque, salva, ao que parece, uma anunciada infeliz ou ... feliz ausência, todos aqui raciocinaremos em termos de portugueses de todo o Portugal.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Não há mais nenhum orador inscrito para o debate na generalidade nem na Mesa qualquer moção que contenha alguma questão prévia visando a que a proposta de lei seja retirada da discussão.
Nestas condições, considero aprovada a proposta na generalidade e encerrado o debate na generalidade.
O debate continuará, na especialidade, na próxima terça-feira, dia 23, à hora regimental.
Está encerrada a sessão.
Eram 19 horas.
Sr s. Deputados que entraram durante a sessão:
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António Martins da Cruz.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Carlos Coelho.
D. Custódia Lopes.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Henrique dos Santos Tenreiro.
James Pinto Bull.
Joaquim de Jesus Santos.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Olívio da Costa Carvalho.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vítor Manuel Dias Barros.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
António Barbosa Abranches de Soveral.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Francisco José Vasques Tenreiro.
José Fernando Nunes Barata.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Júlio Dias das Neves.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Rui de Moura Ramos.
Tito Castelo Branco Ar antes.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Luiz de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA