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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 96

ANO DE 1963 25 DE ABRIL

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 96, EM 24 DE ABRIL.

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 94.
Remetido pela Presidência do Conselho e para efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, recebeu-se na Mesa o Diário do Governo n.º 93, 1.ª série, inserindo o Decreto-Lei n.º 44 988.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Sousa Meneses, para um requerimento; Gamboa de Vasconcelos, que recordou perfazerem-se agora quatro séculos desde a edição dos Colóquios dos Simples, de Garcia de Orta, levada a efeito na Índia Portuguesa; Virgílio Cruz, sobre problemas de desenvolvimento económico; Bento Levy, que expôs a situação do funcionalismo de Cabo Verde e chamou a atenção do Governo para a necessidade de serem revistos os vencimentos; António Santos da Cunha, acerca da situação dos professores do ensino técnico, e Francisco Lopes Vasques, que tratou de assuntos de interesse para o Baixo Alentejo.

Ordem do dia. - Continuou o debate na especialidade sobre a proposta de lei de alterações à Lei Orgânica do Ultramar Português.
Foram discutidas, votadas e aprovadas as bases XV, XIX, XXIII e XXXI, com propostas de alteração subscritas pelo Sr. Deputado Albino dos Reis e outros Srs. Deputados.
No decorrer do debate usaram da palavra os Srs. Deputados Pacheco Jorge, Soares da Fonseca, Joaquim de Jesus Santos, Fernando Frade, Pinto Buli, Pinheiro da Silva, Vaz Nunes, Herculano de Carvalho, Manuel João Correia e Marques Lobato.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.

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Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique Veiga de Macedo.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho,
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Bui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 83 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está na Mesa o Diário das Sessões n.º 94, correspondente à sessão de 19 do corrente. Está em reclamação.

O Sr. Ubach Chaves: - Sr. Presidente: pedi a palavra para fazer a seguinte rectificação: no Diário das Sessões n.º 94, em vez do que se lê na p. 2376, col. 2.ª, 1. 28 e 29, deve ler-se:

... O terque quaterque beati
Quis ante ora patrum, Troise sub moenibus altis,
Contigit oppetere!

O Sr. Presidente:-Feita a rectificação indicada, considero aprovado o Diário das Sessões.
Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 93, 1.ª série, de 19 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 44 988, que autoriza o reitor da Universidade do Porto a contratar, com carácter eventual, a fim de prestar serviço na Faculdade de Medicina, o pessoal menor indispensável ao funcionamento dos respectivos serviços.
Tem a palavra, para um requerimento, o Sr. Deputado Sousa Meneses.

O Sr. Sousa Meneses: - Sr. Presidente: pedi a palavra para, nos termos do Regimento, mandar para a Mesa o seguinte

Requerimento

Na sessão de 14 de Fevereiro de 1962 solicitei à Secretaria de Estado da Agricultura e à Junta Nacional dos Produtos Pecuários um conjunto de elementos que me habilitassem a poder tratar nesta Câmara do problema do fomento pecuário nos Açores.
A solicitação visava três fins: primeiro, poder aperceber-me das intenções do Governo sobre a definição de uma efectiva política de fomento agro-pecuário no conjunto português ou, no mínimo, no triângulo continente-Açores-Madeira; segundo, obter os dados estatísticos que me permitissem fundamentar quaisquer opiniões que porventura viesse a formular - é horrível falar por falar; finalmente, julguei oportuno, poucos dias após a clara e objectiva exposição do então Secretário da Agricultura, Sr. Dr. Mota Campos, sobre o rumo ao futuro da agricultura portuguesa, relembrar ao Governo que tudo aconselhava e aconselha que, em qualquer plano que vise ao fomento agro-pecuário nacional, os Açores não podem deixar de estar presentes, pelo menos no que respeita à pecuária e aos lacticínios.
Passou-se mais de um ano e ainda não recebi resposta ao meu requerimento.
Admito que a recente entrada para o Governo do novo Secretário da Agricultura, o amigo e ilustre colega de bancada parlamentar Sr. Eng.º Azevedo Coutinho, não lhe tenha possibilitado perguntar aos serviços pelo andamento daquele requerimento.
Por isso, Sr. Presidente, requeiro que me seja satisfeito o que solicitei no requerimento feito em 14 de Fevereiro de 1962, inserto no Diário das Sessões n.º 32, desta Assembleia Nacional, acrescentando ao pedido de elementos estatísticos, se possível, o ano de 1962.

O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: faz precisamente neste mês 400 anos que na Índia apareceu um livro singular que, por ser pedra angular do movimento renascentista da ciência na Europa, é hoje imarcescível padrão de glória para Portugal.
Trata-se dos Colóquios dos Simples, de Garcia de Orta, publicados em Goa, pela primeira vez, em 10 de Abril de 1563 e que aqui já foram excelentemente relembrados e

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exaltados pelo ilustre Deputado Sr. Dr. José Manuel da Costa, na sessão de 27 de Fevereiro do ano findo.
Este livro, que se situa entre as mais notáveis obras do seu tempo, não se limita a dar notícia exacta de países ou de coisas distantes ou desconhecidas.
Ele partilha, naturalmente, do alto mérito informativo dos escritos de Duarte Barbosa, de Gaspar Correia, de Castanheda, de João de Barros, de Fernão Mendes Finto, de Diogo do Couto e de tantos outros que se impuseram a missão de desvendar e de relatar, ao Ocidente, os mistérios longínquos do Oriente, na era de Quinhentos.
Para além desse valor, há, porém, outro que o livro revela à evidência - o de haver sido Garcia de Orta precursor do método científico experimental, que havia de abalar, nos três séculos seguintes, a rigidez e os erros da escolástica tradicional, abrindo assim novos e mais amplos caminhos à incontida avidez do saber humano.
Garcia da Orta não foi um simples curioso da Natureza nem tão-pouco um irrequieto espírito que buscasse aventuras nas terras distantes do Indostão.
Adolescente ainda, ele partira de Castelo de Vide, onde nascera, para a Universidade de Salamanca - «essa mãe de todas as artes e de todas as virtudes» (como a considerava Siculo) -, e já então, alheio às estúrdias estudantis, ele se revelava de índole pacífica e estudiosa.
Aristóteles continuava a ser ali o grande oráculo dos filósofos e teólogos da Idade Média, girando os estudos da Medicina em torno dos escritos gregos de Hipócrates e de Galeno, como se fosse um autêntico prolongamento da Escola de Cós.
Nesse tempo, grandes sábios portugueses, como Pedro Nunes, Aires Barbosa, Pedro Margalho e outros, ornavam o corpo docente daquela afamada Universidade, havendo ainda nas cadeiras inerentes à Medicina professores como Tomé da Veiga, João Rodrigues (Amato Lusitano), António Luís, Luís de Lemos e Henrique Jorge Rodrigues.
Garcia de Orta devia, pois, sentir-se não só intelectualmente satisfeito com tão extraordinário ambiente espiritual, mas ainda sentimentalmente enlevado e amparado com a presença de tão ilustres compatriotas.
A ânsia de melhor conhecer as ciências naturais levou-o, porém, a transferir-se para a Universidade de Alcalá de Hefiares, onde então pontificava o célebre professor Nebrija.
Uma vez ali, ele pôde não só aprofundar os ensinamentos contidos na matéria médica de Díoscórides, nos livros de história natural de Plínio e nos escritos árabes de Avicena e Averróis (que, aliás, já lhe haviam sido ministrados em Salamanca), como ainda dedicar-se à nova cadeira de Botânica, que pela primeira vez surgia na culta Espanha.
Passados dez anos de estudos aturados, Garcia de Orta, já então licenciado em Medicina, pôde regressar à sua terra natal e aí exercer clínica durante seis anos, depois de haver obtido licença «para montar mula», como físico de el-rei.
Após este estágio na vida prática, que ao tempo parecia indispensável para bem se poder disputar a cátedra, Garcia de Orta concorre a professor dos Estudos Gerais de Lisboa, para os quais entra, como simples contratado, em 1532, a reger a cadeira de Súmulas.
Pouco tempo se irá, porém, manter nessa precária situação.
Garcia de Orta era de ascendência judaica e, como tal, não só sabia terem sido seus pais perseguidos e expulsos da Espanha, pelas hostes de Torquemada, como ainda tinha visto sua irmã Isabel ser perseguida e presa em Lisboa pela fúria intransigente da mesma Inquisição.
A insegurança, pois, da sua família na metrópole e da sua posição na Universidade, aliada à ânsia natural de mais querer ver e conhecer, não deve ter sido estranha a resolução de seguir para a Índia em 1534 como médico pessoal de Martim Afonso de Sousa, de quem sempre foi amigo e protegido.
Com este valente capitão-mor do mar Garcia de Orta não só chega nesse mesmo ano a Goa, como logo a seguir percorre toda a costa setentrional daquela grande península, acompanhando, sempre as arriscadas empresas bélicas da armada.
É no intervalo dessas perigosas campanhas que ele visita, pela primeira vez, em Bombaim, o templo de Elefanta e atravessa, de lês a lês, as terras do Guzarate, colhendo informações da turbite e de outros produtos vegetais.
E depois de atravessar o golfo de Cambaia que ele estagia em Diu, por duas vezes, e dali sai para o Sul, para as costas do Malabar, onde, depois de assistir às tremendas batalhas de Repelin e de Beadala, chega a Cochim, por volta de 1537, e aí toma contacto com a pimenta, os cocos e a gengibre. Por fim, visita Ceilão, onde estuda a canela e outras especiarias, para regressar, depois da monção favorável, a Goa, onde então se estabelece, no ano de 1538, e aí fica até aos últimos dias da sua vida.
Como se vê por este pequeno relato, Garcia de Orta quando chega ao Oriente é já o erudito e o homem experiente e viajado que merece o destaque e o apreço das personalidades mais eminentes daquela região.
Ele passa a ser médico de vice-reis, como Martim Afonso de Sousa e D. Pedro de Mascarenhas; ele visita assiduamente o palácio do Nizamoxa, onde conferencia, na corte de Buhran, com doutores da Pérsia, da Arábia e da própria índia; ele relaciona-se com Frei Ambrósio e outros graduados jesuítas, por quem fica a conhecer a etnologia de Alepo e de outras cidades da Turquia; ele aproxima-se dos padres abexins e deles recebe notícias dos beduínos.
Com o bispo Arménio discute Pic de la Mirandolle e o significado de algumas palavras em caldaico; com fidalgos, como Diogo Pereira, aprende o que era o âmbar-gris; com Jorge Gonçalves ... «hum mercador discreto, grande enqueredor de verdades e de muy bom saber» ..., passa a conhecer as coordenadas geográficas da Babilónia e de Bagdade; de Micer André recebe notícias do Pegu, na Indochina; de Perculim colhe informações sobre o comércio do aloés.
O seu bom e ilustrado amigo Tomé Dias Caiado dedica-lhe, em latim, o epigrama que se vê no começo dos seus Colóquios; o seu colega valenciano e reconhecido erudito Dimas Bosque, com quem lhe era sempre aprazível «desencovar a verdade não sabida de todos», para ele escreve as duas cartas que antecedem o texto da sua obra, dizendo a certa altura: «duvido achar na Europa quem em seu estudo lhe fizesse vantagem».
Finalmente, é o grande Luís de Camões que a ele se afeiçoa, e por tal modo que não só lhe oferece a ode laudatória e implorativa dirigida ao vizo-rei (e, provavelmente, o soneto dirigido a Martim Afonso de Sousa), que ilustra as primeiras folhas do seu livro, como ainda insere em algumas estrofes de Os Lusíadas referências elogiosas ao seu valor e nelas derrama profusos conhecimentos botânicos, cuja fonte não podia ser outra senão a que jorrava do saber especializado do seu amigo.
30 anos vai viver Garcia de Orta em Goa, reunindo, na sua casa e no seu jardim da Bua dos Namorados, um valioso repositório de produtos vegetais e um selectivo viveiro de plantas medicinais, ora colhidas directamente

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por ele nas deambulações frequentes por terras desconhecidas da vizinhança, ora enviadas pelo seu rendeiro, do horto de Bombaim, ora ainda trazidas por amigos e comerciantes dos pontos mais distantes do Oriente.
Dioscórides, Plínio, Avicena, Seráfio, Manardo, António Musa e outros estarão sempre presentes na sua memória a relembrar os gregos, os árabes e os modernos que formaram a base da sua erudição científica. Mas o resultado da sua investigação directa corrigirá, sem hesitação nem demora, todos os erros cometidos por esses grandes mestres, quebrando assim o prestígio, que parecia imutável e indiscutível, de muitas das suas obsoletas ideias.
Esta a faceta mais arrojada, se não mesmo a mais valiosa dos Colóquios dos Simples, de 1563.
Nesse livro, sob a forma clássica do diálogo, Garcia de Orta desdobra a sua personalidade de erudito e de observador em duas figuras, ao mesmo tempo fictícias e reais, a última das quais, mantendo o seu próprio nome (talvez para melhor afirmar a faceta dominante ou preferencial da sua vida), toda a ética do seu rasgado espírito aflora no embate entre o que aprendeu e o que viu.
Essa ética está plenamente definida no colóquio do benjuy, a p. 105, quando Orta responde a Ruano: «Não me ponhais medo com Dioscoridas, nem Galeno; porque não ey de dizer senão a verdade e o que sey ...».
Esta afirmação é bem a ânsia de claridade a triunfar das sombras do passado.
É o precursor do método científico experimental a vibrar a primeira cutilada no velho corpo de doutrina da tradição autoritária.
E o homem da grande gesta da Renascença a desmentir, com o seu exemplo, o labéu do sentido aventureiro das Descobertas e a dar, com a sua obra, provas de veracidade à afirmação que ele mesmo fizera acerca delas: «que se sabe mais em hu dia aguora pellos Portuguezes do que se sabia em cem anos pellos romanos».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Este o valor intrínseco ou primacial da obra de Garcia de Orta. Mas para nós, portugueses, este livro tem ainda outros cativantes aspectos sentimentais ou culturais:
Ele foi redigido em português, e não em latim, como bem o sabia fazer Garcia de Orta e era prática corrente entre todos os eruditos dessa época.
Ele é o primeiro documento onde aparecem impressos versos de Camões.
Ele é o primeiro livro escrito por um médico português.
Toda esta soma de qualidades excepcionais tem merecido a atenção e o louvor dos mais altos espíritos de Portugal e do Brasil, quer no século passado, quer no século presente.
Mas, como sempre se considera mau juiz quem julga em causa própria, preferível será talvez que vos recorde apenas os depoimentos de muitos daqueles que noutros países se referiram à sua obra.
Assim, o académico espanhol D. Joaquín Olmedilla y Puig escreve algures:

Um dos homens ilustres, cujo talento e múltipla cultura pode honrar o país em que nasceu, é, seguramente, o português Garcia de Orta, que brilhou no claro céu do século XVI como estrela de primeira grandeza; os seus fulgores deixaram eterna recordação na história científica. O seu nome deve pronunciar-se sempre com admiração e respeito, considerando-o como glória indiscutível, não só de Portugal, mas também das ciências médicas ...
Não o deve jamais esquecer quem se consagre ao estudo da ciência dos medicamentos, considerando a obra daquele autor como uma das mais claras, puras e cristalinas fontes da história da farmacologia.
Ele deu entrada, por direito próprio e por aclamação, no templo da imortalidade.

O catedrático holandês Stokvis, por sua vez, disse um dia em Amsterdão:

Saudemos com reconhecimento a Espanha e Portugal como os colonizadores mais antigos e rendamos sobretudo homenagem a este nobre português Garcia de Orta, médico do vice-rei da índia, que, num livro afamado, com razão, fez conhecer primeiro que ninguém, no meado do século XVI, em 1563, um grande número de plantas medicinais das Índias Orientais desconhecidas até então na Europa.

Sir Clements Markham exprimiu-se também assim, ainda não há muitos anos:

Poucos homens foram mais largamente dotados no saber da sua profissão.
Ele conhecia plenamente a sua sabedoria sem deixar, todavia, de reconhecer as próprias imperfeições.
Nenhum homem desse tempo corrigia os próprios erros com a sua sabedoria.
Houve eminentes botânicos que se ocuparam da Índia desde então. Bastará citar os nomes de Van Reed, Roseburgh, Wellick, Wight e Hooker.
Mas em primeiro lugar deve estar sempre - primus inter pares - o nome do ilustre português Garcia de Orta.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E para limitar as citações sómente às grandes sumidades mundiais, apenas mais estas palavras do americano Louis H. Rodis:

Ele é a mais importante figura em matéria médica e farmacológica desde a época de Dioscórides, nó primeiro século da era cristã, até aos nossos dias. Ele foi também um dos poucos grandes filósofos naturalistas, um verdadeiro observador do homem nas suas relações com a natureza, digno de emparelhar com os nomes de John Hunter ou de Alexander von Humbolt.

Todas estas insuspeitas apreciações alheias mostram que não serão nunca de mais todas as homenagens que nós próprios, os portugueses, prestemos a Garcia de Orta no 4.º centenário da publicação dos Colóquios dos Simples.
Carlos de 1'Escluze (Clusius), vertendo para latim vários epítomes do seu livro, o primeiro dos quais em 1567, Annibal Briganti e António Colin, traduzindo-os logo de seguida para italiano e francês, com repetidas edições nos séculos XVII e XVIII, mostraram, por forma directa e iniludível, quanto apreço tinham por aquela obra, que difundiram por toda a Europa, enquanto nós a lançávamos às fogueiras da Inquisição de Goa, juntamente com os restos mortais do.seu autor, brutalmente arrancados ao silêncio do túmulo e posteriormente atirados às águas do Mandovi como coisa desprezível!!!...
Tenta salvar-nos de semelhante vergonha, a meados do século XIX, a Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, convidando para nova reimpressão dos Colóquios Almeida Garrett e Fr. Francisco de S. Luís. A impressão

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não chega, porém, a fazer-se, e só em 1872, Varnhagen, visconde de Porto Seguro, consegue trazer a público uma nova edição, que, por seus erros e omissões, não estava à altura nem dos méritos do autor nem dos dons do editor.
É então que a Academia Real das Ciências de Lisboa, tomando a peito o desagravo, encarrega o conde de Ficalho - o mais sábio de todos os fidalgos e o mais fidalgo de todos os sábios - de fazer uma nova reimpressão, e então surge o primeiro «monumento» português a consagrar a memória de Garcia de Orta: o seu livro Garcia de Orta e o Seu Tempo, publicado em 1886, e, cinco anos depois, a nova e última edição dos Colóquios dos. Simples, com todos os rigores e virtudes da edição primeva e todas as notas históricas e elucidativas que a obra merecia.
Desde então muitos foram os ângulos da vida e da obra do grande sábio focados por outros ilustres homens de letras e de ciências, sem que contudo surgisse na capital, como tanto desejava o Prof. Silva Carvalho, seu maior biógrafo, qualquer estátua que levasse ao conhecimento directo do grande público a figura gigantesca de um dos maiores valores de Portugal.
Garcia de Orta realmente nunca deveu muito às artes plásticas.
À parte o quadro de Cristóvão de Figueiredo, existente no Museu de Arte Antiga, de Lisboa, que o representa, no enterro do Senhor, como médico doador, e o painel de Salgado, na sala dos actos da antiga Faculdade de Medicina de Lisboa, ao Campo de Santana (onde, ao lado de Amato e de Zacuto, ele surge, paradoxalmente, com menos de 40 anos, já trazendo na mão o livro que havia de escrever vinte anos depois), só no baixo-relevo da nova Faculdade de Medicina de Coimbra e em recente selo do ultramar se podia aquilatar da sua efígie até há cinco anos.
Em 1958, porém, o Ministro do Ultramar Sarmento Rodrigues, dando plena concretização à ideia do Prof. Fraga de Azevedo, fazia surgir em Lisboa, ali à Junqueira, não só um imponente edifício -o Instituto de Medicina Tropical -, mas ainda, à sua frente, uma grande estátua - a de Garcia de Orta.
Modelou esse belo trabalho o escultor Martins Correia, que lhe soube dar, além da dignidade e do porte que semelhante figura requeria, o «conteúdo» misterioso de um alto espírito a pairar muito acima das contingências terrenas do seu perfil hebreu ...
Parece assim saldada, em boa parte, a enorme dívida de gratidão que Portugal tinha em aberto perante esse grande luminar da nossa história.
No íntimo das nossas consciências fica, porém, ainda de pé uma indispensável tarefa que está para além de todas as homenagens públicas já prestadas ou a prestar: a de reter para sempre na memória o significado transcendente da obra de Garcia de Orta.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - A esse aspecto se referia Silva Carvalho há 30 anos, quando escrevia:

...se, por um implacável destino, Portugal perdesse todos os seus domínios e até o mais glorioso deles, a índia, poderia, apesar disso, conservar testemunho e padrão da época maravilhosa das suas descobertas e conquistas e do papel que desempenhou no movimento da Renascença científica, se salvasse as Décadas, de João de Barros, as Cartas de Afonso de Albuquerque, os Lusíadas, de Luís de Camões, as Cartas de S. Francisco Xavier e os Colóquios, de Garcia de Orta.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não acredito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Destino possa ser tão cego ou tão cruel que não saiba distinguir entre todos os povos do Mundo aquele que mais merece possuir as terras que aquém e além-mar descobriu e iluminou de fé.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Seja, porém, qual for a situação presente ou futura dessas parcelas de si próprio, Portugal nunca deverá deixar de ter no coração as obras daqueles que, por seu ingente esforço e real talento, lhe legaram a própria essência da sua perenidade.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Saudemos,- pois, com todas as veras da nossa alma, os Colóquios dos Simples, que, há precisamente quatro séculos, surgiram na velha Índia como facho glorioso de uma epopeia que não morre.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Virgílio Cruz: - Sr. Presidente: a aceleração do nosso desenvolvimento económico está em larga medida dependente do crescimento das exportações.
Precisamos de exportar mais para atenuar os desequilíbrios da balança comercial e progredir em ritmo crescente, sem necessidade de podermos vir a sacrificar a sólida posição monetária do País.
Na lista das mercadorias que exportamos, o vinho do Porto é um produto acreditado desde há séculos e na balança comercial ocupa lugar de relevo, tendo o seu valor de exportação excedido no último ano os 400 000 contos.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esta fonte de divisas poderá, pelo que respeita à produção do Douro, vir a ser muito ampliada. Como só tem sido beneficiada cerca de 20 por cento da produção vinícola média da região demarcada, esta fonte de divisas poderá vir a exceder largamente o milhão de contos anual, se os mercados externos, que têm absorvido mais de 90 por cento deste nobre produto - que é o rei dos vinhos e o vinho dos reis -, o passarem a consumir em maiores quantidades.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para os responsáveis pelo nosso desenvolvimento económico um grande objectivo a atingir deverá ser o de aumentar a exportação do vinho do Porto até ao limite que permita utilizar para benefício todos os magníficos mostos que a região demarcada do Douro produz.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

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O Orador: - A sua exportação média anual, que já foi da ordem das 88 000 pipas, caiu abruptamente para as 28 000 durante a última guerra, andou pelas 43 000 desde 1946 a 1960 e recuperou para um pouco mais das 50 000 pipas nos últimos dois anos.
Isto mostra que, vencida a estagnação de um longo e penoso período de vinte anos, que lançou a laboriosa gente do Douro e o comérico exportador numa dramática e arrastada crise, se entrou num novo período prometedor e se acentua, mercê da conjugação dos esforços do Governo, do Instituto do Vinho do Porto e do comércio exportador, um aumento de receptividade para o vinho do Porto nos diversos mercados.
A região do Douro sobreviveu à crise graças à organização criada pelo Governo e devida ao nosso ilustre colega nesta Câmara Sr. Eng.º Sebastião Ramires, a quem dirijo por isso os agradecimentos da gente do Douro.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Se ainda estamos longe da posição ocupada antes da última guerra, isso é devido principalmente à quebra nos mercados britânico, francês e norueguês.
No quadro I indicamos a evolução das exportações para esses mercados e a evolução da exportação global:

QUADRO I

(Média anual em milhares de litros)

[Ver tabela na imagem]

A desconcertante baixa de importação verificada nos três maiores mercados de antes da última guerra é, só por si, superior à redução total da exportação do vinho do Porto verificada de 1936 para 1962, e também se vê pelo quadro I que a penosa crise que se arrasta há quase um quarto de século não é, felizmente, generalizada, mas uma crise parcial e determinada pela contracção do consumo em três grandes mercados: Inglaterra, França e Noruega.
Conjugar todos os esforços do sector público e privado para bater a forte concorrência que nos é feita nesses e noutros mercados é um dever nacional.
Em França registou-se nos dois últimos anos uma apreciável melhoria e assiste-se a um aumento de interesse pelo vinho do Porto. A propaganda e a actuação activa e inteligente da Casa de Portugal em Paris, que procurou assimilar a psicologia francesa c está a apoiar a nossa propaganda, foram elementos preciosos para a evolução do mercado no sentido da qualidade e para o aumento da venda deste produto em França.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Em situação de contraste encontra-se o mercado inglês; embora seja ainda o maior mercado do vinho do Porto, está muito longe daquilo que já foi; a concorrência feita pelo vinho xerez faz perder muito terreno ao vinho do Porto, nesse e noutros mercados.
A análise da evolução a longo prazo das vendas de vinho do Porto e xerez em Inglaterra mostra que no biénio 1929-1930 a média exportada andou pelos 25,1 milhões de litros para o porto e 6,2 milhões para o xerez, mas, recentemente, no biénio 1960-1961, enquanto a exportação subiu para 23,35 milhões para o xerez, nota-se, com justificada preocupação, que ela desceu para 8,39 milhões de litros para o porto; isto é, enquanto a exportação do xerez subiu para quatro vezes o que foi em 1929-1930, a do vinho do Porto reduziu-se a menos de um terço do que era então.

O Sr. Alfredo de Brito: - Traz V. Ex.ª a esta Assembleia um assunto que considero importantíssimo não só para a economia regional, como para a economia nacional.
Sou filho adoptivo do Douro. Iniciei as minhas actividades com p vinho do Porto, e, portanto, as palavras de V. Ex.ª caem-me no coração. Mas estamos no campo das realidades, e permito-me trazer uma achega ao valioso trabalho de V. Ex.ª
Fala-se de mercados, e é preciso considerar a situação de cada um deles, pois diverge de uns para outros.
Para a Inglaterra é preciso contar com a psicologia do meio, com as tendências económicas, com a acalmia e com o próprio feitio britânico.
Mas a exportação para esse mercado tem de contar com a evolução social, com as transformações modernas, as quais vieram fazer uma modificação total não só nesse mercado, como noutros.
O vinho do Porto tem de ser bebido com cuidado e atenção, e hoje o tempo é curto e há necessidade de ingerir num tempo reduzido uma quantidade de bebida alcoólica, o que não permite uma cuidadosa atenção a um produto de tal valia como é o vinho do Porto.
É necessário, julgo eu, alongarmo-nos um bocadinho dentro das produções do nosso vinho do Porto, procurando adaptá-las às necessidades do consumidor. Tem havido uma tendência irreprimível para manter as características de envelhecimento e os cuidados que sempre foram requeridos. É sempre difícil uma situação de concorrência para os produtos substitutos, como são os aperitivos, que são quase produtos de síntese, infusão de várias plantas, etc. Temos, portanto, de evoluir nos nossos tipos de vinho do Porto.
O nosso vinho do Porto, que era bebido após a sobremesa, é agora mais servido como aperitivo, o que acarreta necessidade de modificação das suas características. Primeiro, os velhos vinhos do Porto necessitavam de um envelhecimento de largo prazo que ocasionava uma imobilização de capital e um acréscimo, por introdução, de aguardente para manter o seu grau alcoólico.

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Essa acumulação de despesas traz um nítido encarecimento do produto. E difícil podermos, pois, fazer a concorrência a produtos mais económicos no mercado. Temos de nos lembrar de que temos de ir para os mercados adaptando-nos às circunstâncias do momento e procurando fazer substitutos daqueles produtos que viriam tomar a nossa posição.
Quando se fala de mercados - V. Ex.ª falou em mercado inglês -, é de lembrar que temos um grande mercado, o mercado americano. Ora este mercado é difícil para o vinho do Porto, pela circunstância de o americano ainda não ter o seu paladar refinado para poder dar ao vinho do Porto os cuidados devidos. Não quer isto dizer que não procuremos obter um vinho do Porto adaptado às características e hábitos dos americanos.
A França, por exemplo, que sempre teve a preocupação da valorização dos seus conhaques, sente neste momento a concorrência do whisky, estando por isso a preparar conhaques que façam concorrência ao whisky.
Quanto maior é o mercado tanto maior tem de ser a publicidade. Esta será rendosa a longo prazo e poderemos assim fazer um longo escoamento dos nossos vinhos do Porto para o mercado americano.
A situação é premente para uma região verdadeiramente depauperada, visto que nunca o Douro poderá viver transformando os seus mostos em vinhos de pasto, porque estes têm de ser para vinhos licorosos de qualidade, que são uma das grandes bases do valor da nossa produção nacional. Tenho a dizer a V. Ex.ª que lhe dou o meu integral apoio e julgo que as entidades responsáveis deverão tomar as medidas aconselháveis.

O Orador: - Agradeço o valioso contributo que V. Ex.ª veio dar à minha intervenção. O vinho do Porto, com a sua vasta gama de tipos, tem um enorme poder de adaptação às variações da procura. O tipo seco tem recebido muito boa aceitação como aperitivo.
Para o mercado norte-americano, potencialmente um dos mais ricos e prometedores do Mundo, a nossa exportação tem sido escassa: cerca de 339 000 l em 1961 e 362 000 l em 1962.
Um estudo das características do mercado norte-americano mostrou que só havia interesse em abordá-lo em larga escala depois de criar um certo número de condições que poderiam ser satisfeitas pela formação de uma associação de exportadores, de modo a garantir o caudal de fornecimentos em quantidade e qualidade adequada e a reduzir a multiplicidade das marcas a um pequeno número para facilitar a identificação e uma propaganda eficiente.

O Sr. Alberto de Meireles: - E para evitar a desorientação do público!

O Sr. Pinto de Mesquita: - Embora concordando absolutamente com as considerações dos Srs. Deputados Alfredo de Brito e Virgílio Cruz, queria acrescentar só que o mercado americano, dada a sua constituição, é um tanto difícil, já pela multilegislação estadual, já por impreparação do paladar. No próprio Instituto do Vinho do Porto se pensou, como forma de propaganda, infiltrar-se nesse mercado através do Canadá, porque entre os americanos das classes mais ricas, numa certa ordem de snobismo, têm grande prestígio os canadianos, como ligação às coisas europeias. Portanto, uma prévia propaganda com resultados no Canadá seria elemento de possível contribuição para penetrar no mercado americano por via indirecta.

O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª
A defesa dos interesses deste sector exige que se abram os olhos a esta realidade e que os responsáveis adoptem uma actuação mais eficiente, visto serem os mesmos os direitos que um e outro vinho pagam em Inglaterra, e para o vinho do Porto, com a gama vastíssima dos seus tipos, ser enorme o poder de adaptação às variações da procura e à evolução dos gostos.

O Sr. Pinto de Mesquita: -V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Isso está absolutamente de acordo com o que também disse o Sr. Deputado Alfredo de Brito quanto a ter a forma de produção de se adequar à receptividade do mercado consumidor. Nessas circunstâncias, já se vê, há uma possibilidade de o vinho do Porto se ajustar à venda em concorrência com o vinho seco de outras procedências, como o xerez, beneficiando sobretudo dos seus vinhos brancos, que produzem excelentes tipos secos.

O Orador: -Agradeço a V. Ex.ª, e, como sabe, o vinho do Porto seco está a ter muito boa aceitação.
Diz o nosso comércio exportador que a grande concorrência que nos é feita por imitações e vinhos similares nos diversos mercados se apoia em condições favoráveis em que trabalham os seus exportadores e embaratecem o produto.
No que respeita a aguardente vínica, matéria-prima indispensável ao vinho do Porto- e que, embora seja um subproduto, chega a pesar mais no preço final deste do que o valor primário do mosto do Douro, chega a pesar mais no seu preço do que o custo da nobre e generosa massa vínica que lhe dá o nome, é obtida pelos exportadores estrangeiros nos países de origem em condições muito mais vantajosas do que as nossas, condições que fomentam a exportação.
Em Espanha, a aguardente adicionada aos licores ou brandes quando exportados recebe um subsídio do Estado, que embaratece sensivelmente os licorosos e brandes destinados à exportação.
Em França, também o preço do álcool para vinhos e aperitivos destinados à exportação é muito inferior ao preço corrente do álcool destinado à preparação dos mesmos produtos para consumo no mercado interno.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Diz o nosso comércio exportador que, se houver meios e através de um fundo de compensação for possível conseguir para a aguardente incorporada no vinho do Porto um regime de fornecimento paralelo ao espanhol ou francês, isso incrementaria a exportação e cedo voltaríamos a ser o que já fomos neste sector.
Um diferencial para a aguardente, além de constituir um estímulo para o exportador, permitia-lhe aumentar a propaganda e conceder maior margem de lucro ao comerciante estrangeiro.
Se quisermos aumentar as vendas, teremos de conquistar o consumidor e o intermediário; o consumidor pela propaganda e pelo alto padrão de qualidade e o importador pelo lucro nas vendas. Ora, actualmente, o comerciante inglês em cada pipa de xerez que vende ganha quatro vezes mais do que em cada pipa de vinho do Porto. Por isso, o comerciante britânico interessa-se muito mais pela venda do xerez do que pela venda do vinho do Porto.
Deseja ainda o comércio exportador outras ajudas à sua actividade.

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Nesse sentido se solicita a quem de direito a sua actuação no sentido de terminar com o sistema de contingentes existente para a importação do vinho do Porto na Dinamarca, Itália e Áustria. Porque só depois de abolido o regime dos contingentes em França é que foi possível conseguir que o consumo deste apreciado produto aumentasse nesse país por forma tão notável.
Também será de utilidade para este grande sector da nossa economia que o Governo diligencie no sentido de obter uma equiparação de direitos nos mercados externos, quer o vinho seja importado encascado, quer engarrafado.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Esta medida aumentaria a exportação do porto engarrafado na origem, evitando fraudes de engarrafamento nalguns mercados, e auxiliaria a defesa da generosidade c qualidade do produto.

O Sr. Mário Galo: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. Mário Galo: - Quanto à ideia que V. Ex.ª acaba dê expressar, também me permito chamar a atenção para o facto de a exportação do vinho do Porto em garrafas permitir aumentar as condições económicas da nossa indústria vidreira.
E, assim, permitir também uma redução no custo das garrafas. Esta medida seria do maior alcance.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - A medida interessará ao sector do vinho do Porto, à indústria vidreira e aos trabalhadores portugueses.
A defesa da qualidade terá de ser sempre preocupação dominante, porque só assim se prestigia esta nossa grande marca de origem, internacionalmente conhecida e acreditada desde há séculos e que constitui uma riqueza nacional.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: na estratégia comercial moderna a propaganda é um importantíssimo nervo motor do aumento das vendas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Continua a verificar-se em Inglaterra e outros mercados a expansão do comércio do xerez e vermutes italianos, que com a sua enorme propaganda conquistam o público.
Impõe-se, por isso, que do nosso lado a propaganda continue em ritmo crescente e nas épocas próprias se executem planos realistas e bem concebidos para contrabater a concorrência que nos é feita. Com ela poderemos conseguir que o porto se torne novamente a bebida da moda, visto nos centros europeus o aperitivo estar a retomar a forma vínica e em França o vinho do Porto estar muito em voga.
Na vida trepidante do nosso tempo acentua-se a tendência para consumir mais aperitivos (tomados à pressa) e menos vinho de sobremesa.
Convirá, por isso, dar a conhecer o porto seco, magnífico aperitivo, que tem recebido muito boa aceitação e parece satisfazer o paladar das camadas novas e dos mercados novos. Sem deixar de trabalhar a exportação dos tipos tradicionais, para servir os numerosos apreciadores com que conta, interessa também aumentar a expansão dos tipos secos, mostrando que, pelas excelentes qualidades e alto grau de adaptação, o vinho do Porto serve melhor que qualquer outra bebida para aperitivo.
O auxílio do Governo à propaganda nos mercados externos dado através do Fundo de Fomento de Exportação e que se traduziu em 15 340 000$ no período de 1960-1961 e em 11 073 500$ no período de 1961-1962 precisa de ser tornado mais eficiente.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os vários organismos intervenientes, Fundo de Fomento de Exportação, Instituto do Vinho do Porto, Grémio dos Exportadores do Vinho do Porto, Casas de Portugal, empresas publicitárias, etc., talvez por serem muitos, levam por vezes excessivo tempo a chegar a acordo e para algumas campanhas tem-se perdido a melhor época, que é a que vai de princípio de Outubro a fim de Março, para aproveitar as quadras do Natal e da Páscoa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Interessa simplificar o sistema para que a aprovação dos planos e as comparticipações sejam dadas sempre a tempo de fazer as campanhas na época mais própria.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Como o crescente poder de penetração nos mercados depende muito da intensa publicidade, convirá aumentar, na medida do possível, a ajuda do Fundo de Fomento de Exportação para a propaganda do vinho do Porto.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quanto ao mercado interno, onde o consumo vinha crescendo num ritmo animador, sofreu no último ano um recuo inesperado. A contrariar a expansão do consumo entre nós está principalmente o elevado preço por que se vende cada cálice nos estabelecimentos em que é servido ao público: cafés, bares, restaurantes, hotéis e confeitarias.
Parece ser necessário que quem de direito, em cooperação com o Grémio dos Exportadores do Vinho do Porto, normalize a capacidade do cálice e limite os preços de venda ao público, visto os gerentes dos estabelecimentos comerciais onde ele se serve parecerem ignorar a elementar regra de estratégia comercial segundo a qual para vender muito se deve vender barato.
A propaganda no nosso mercado deverá ser instrutiva, mostrando que o vinho do Porto, pelas suas propriedades, é a bebida salutar, higiénica e nutritiva por excelência, e, por isso, os consumidores terão toda a vantagem em a preferir. O vinho do Porto é tónico para fortalecer convalescentes e é o reconstituinte dos dadores de sangue.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A publicidade interna deve procurar atingir os turistas e os locais mais frequentados por eles; para salientar esse interesse basta dizer que ainda recentemente uma empresa francesa pediu uma proposta para o fornecimento de 100 000 garrafas de vinho do Porto iguais a uma amostra distribuída pelos serviços de propaganda do Grémio dos Exportadores do Vinho do Porto a um grupo de turistas no aeroporto de Sacavém.

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No dia do turista os serviços de propaganda do Grémio dos Exportadores do Vinho do Porto distribuíram pelos turistas em vários pontos do País mais de 5000 garrafas-miniaturas, e ao longo do ano atingem nos aeroportos de Sacavém e Pedras Rubras para cima de meio milhão de estrangeiros.
E uma acção notável que convém acarinhar, pois faz propaganda não só ao vinho do Porto como ao próprio País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: se forem tomadas as medidas apontadas e concedidos os auxílios solicitados tendentes a fomentar a expansão do vinho do Porto, a venda deste nobre produto poderá vir a ser muito maior do que a que tem sido.
Devemos contar com uma tendência de aumento da exportação, para a qual nos teremos de preparar.
O estudo das existências globais de vinho generoso que indicamos no quadro II mostra que os stocks totais estão a diminuir. Ao entrar no ano corrente eles eram cerca de 15 por cento mais baixos que as existências médias no período de 1935-1960.

QUADRO II

Existências globais de vinho generoso

(Referidas a 31 de Dezembro)

[Ver tabela na imagem]

Não podemos esquecer que o vinho do Porto é o vinho generoso do Douro envelhecido e que só depois de um estágio de alguns anos é que as suas nobres qualidades de aroma, cor e generosidade se manifestam com toda a pujança.
Para á defesa do nível de qualidade teremos de refazer e reforçar os stocks, porque eles têm sofrido desgaste e a exportação está a aumentar. Este é um problema que se pode tornar grave se lhe não derem adequada e rápida solução.
Se houver um incremento de vulto na exportação, o que trará benefício à lavoura, ao comércio e à economia nacional, precisamos de estar preparados para não correr o risco de deixar de o poder acompanhar por falta de vinhos envelhecidos que permitam manter a política de qualidade.
Sem nunca perder de vista que o benefício não pode deixar de ser uma função da exportação, mas que o incremento dos stocks deverá ir à frente do aumento da exportação e consumo nacional, interessará que o Conselho Geral do Instituto do Vinho do Porto na linha ascendente dos quantitativos autorizados (30 000 pipas na vindima de 1959, 38 000 na de 1960, 45 000 na de 1961 e 48 000 na de 1962) reforce esse ritmo de aumento, autorizando maior benefício na próxima vindima, o que permitirá refazer os stocks e até robustecê-los com vista a um aumento da exportação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: cada pipa de vinho do Porto representa, em razão da aguardente incorporada, cerca de 2,5 pipas de vinhos portugueses. Por isso, tudo o que for feito para reforçar a exportação do vinho do Porto será feito a favor da economia vinícola de todo o País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ao sector do vinho do Porto estão ligadas para cima de 23 000 explorações agrícolas, distribuídas por 169 freguesias e 21 concelhos dos distritos de Vila Real, Bragança, Viseu e Guarda, e cerca de 80 firmas exportadoras, que têm actualmente investidos no seu secular e activo comércio alguns milhões de contos. Para lavradores e comerciantes o vinho é o principal e indispensável recurso.
Todos trabalham e colaboram para a mesma finalidade- a grandeza do vinho do Porto.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Todos esperam o apoio do Governo, e confio em que podem contar com ele, porque será nele que encontrarão a força bastante para todas as batalhas e para todas as vitórias.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Bento Levy: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o breve apontamento que pretendo deixar expresso nesta minha intervenção impôs-se-me por imperativo de justiça a que a minha consciência não podia escusar-se, sob pena de não cumprir o mandato que me foi confiado pelos que labutam em Cabo Verde, entre os quais se contam os que servem a função pública, dando o seu generoso e sacrificado contributo para o desenvolvimento do arquipélago.
Propositadamente empreguei os adjectivos «generoso» e «sacrificado». De facto, não se pode negar generosidade e sacrifício aos que dão o melhor do seu esforço, inteligência, boa vontade e saber ao serviço da província, auferindo os mais baixos vencimentos de todo o ultramar português. Sacrifício de ordem material, é certo, mas que não conta menos na vida de cada um.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Ninguém, Sr. Presidente, protesta ou se mostra descontente por servir em Cabo Verde, senão pela exiguidade dos vencimentos, e todos, apesar disso, trazem dali uma ponta de saudade que a «morabeza» das gentes e o ambiente de paz e harmonia que caracteriza a vida das ilhas justificam plenamente.
Com efeito, por todas as ilhas portuguesas de Cabo Verde, portugueses de todos os matizes de epiderme e de todas as latitudes se irmanam com a mesma finalidade: continuar Portugal.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A perturbar este clima de cordialidade e de indefectível portuguesismo apenas o problema material dos parcos vencimentos atribuídos ao seu funcionalismo.
Não é humano esquecer os que tão abnegadamente servem a Nação, ainda que na mais modesta das suas par-

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celas. Fazê-lo seria uma injustiça, Sr. Presidente, e é por isso que se ergue nesta Câmara a voz modesta, mas sincera, do representante da província para prestar a esses servidores as mais vivas homenagens de muito apreço, pela sua inegável e proveitosa contribuição para o desenvolvimento das nossas ilhas, onde todos indistintamente, brancos, pretos ou mestiços, honram e prestigiam a Pátria comum.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E porque são justos os seus anseios, e porque são legítimos os seus clamores, essa mesma voz, que deles também recebeu mandato, não pode ficar indiferente ao sacrifício que se lhes exige.
Será, na verdade, justificado o sacrifício material que se exige ao funcionalismo que serve no arquipélago?
Creio que não, Sr. Presidente, e vou dizer porquê.
Acerca do custo de vida nas ilhas formou-se, em especial aqui na metrópole, uma ideia errada, a que é preciso opor u mais formal desmentido.
Ovos a $20 ... galinhas a 4$ ... lagostas a 5$ a dúzia ... e assim por diante ... Só falta o bacalhau a pataco ...
Esta propaganda - barata em todo o sentido que a expressão comporta - tem graves inconvenientes e é inteiramente contrária aos próprios interesses que pretende proteger. De um lado, quando se legisla acerca dos vencimentos dos funcionários de Cabo Verde, logo surge a pretensa barateza de vida, pelo que aqueles são fixados em função dessa apregoada facilidade que não existe.
Depois, o funcionário que vai para Cabo Verde, sabe Deus em que estado de espírito, chega lá e sente-se logrado: além de não encontrar nada que se compare com as galinhas de ovos de ouro com que o enganaram, ainda tem de pagar pelo dobro, se não pelo triplo, os géneros de primeira necessidade para o seu passadio, quase todos importados. E então desespera-se, porque mesmo apertando ao máximo o dinheiro não lhe chega.
Nós, os naturais que teimamos em ficar, não obstante a ânsia de partir, vemo-nos a braços com o mesmíssimo problema.
Só não parte quem não pode ... ou teima em ficar, apesar de tudo.
Querer ficar e ter de partir ou querer partir e ter de ficar, eis as alternativas, nostálgica e dolorosa, que a todos perseguem.
No fundo, a partida, novos horizontes, a terra longe a tentar em obsidiante esperança de um melhor viver.
Desta situação resulta um ambiente de constante indisposição, de surda má vontade, de permanente preocupação, a que é preciso pôr cobro. Não é que os servidores não cumpram - já o disse -, mas uma coisa é «cumprir», outra é «servir» e bem. Em Cabo Verde, onde somos poucos, é preciso devoção à causa pública, voluntário espírito de sacrifício.
Ora, não pode dar tudo por tudo, por mais esforços que faça e por maior que seja a sua boa vontade, quem está subalimentado, como acontece nas hierarquias mais baixas e até nas médias, ou tem constantes preocupações materiais e que a todo o momento espreita a ocasião propícia para a evasão.
A situação é sumamente desagradável e chocante. Todos nos sentimos diminuídos. A mim confrangem-me as queixas dos altos funcionários, porque têm inteira razão. Não há roda de café, não se forma um grupo sem que venha à baila a questão dos vencimentos. Chega a ser desprestigiante. Mas se é assim nas hierarquias superiores, calculem VV. Ex.ªs o que não sucederá nas categorias mais modestas! Dói, realmente, a situação dos mais pequeninos. Esses não se queixam, mas vejo-lhes espelhado no rosto o drama do seu viver e custa ter a certeza de que trabalham sem o café da manhã ou que não tiveram o suficiente para comer sequer a cachupa do almoço.
Precisamos de acabar com este estado de coisas, Sr. Presidente.
A solução está em se pagar o que a lei determina que se pague a cada servidor. Os funcionários de Cabo Verde não pretendem outra solução senão essa. Não é muito o que a lei manda pagar, mas é alguma coisa, e do mal o menor ...
Ora, a lei manda pagar um vencimento complementar, já de si baixo, mas que não se paga. A lei manda pagar um abono de família que, além de baixo, só se paga em parte. E certo que essa mesma lei condiciona os referidos pagamentos às disponibilidades orçamentais, mas certo é também que não me parece lógico, nem curial, afirmar-se ou concluir-se que tais disponibilidades não existem.
Com efeito, segundo informações obtidas, o encargo resultante do pagamento do vencimento complementar e do abono de família é da ordem dos 2000 a 2500 contos. Mas admitamos que sejam 3000.
O que se passa então?
O que se passa é isto, Sr. Presidente: a partir de 1959, ano em que se publicou a lei, as contas de exercício da província foram encerradas com saldos positivos, que atingiram 4542 contos em 1959, 6650 contos em 1960 e 4135 contos em 1961.
Estes números são expressivos, mas eu não me dediquei às finanças e do que aprendi no Campo de Santana - mal por culpa minha - pouco resta. Por isso, pus o caso aos técnicos da Fazenda, manifestando a minha estranheza por não se pagarem os vencimentos devidos aos funcionários, parecendo-me pouco justificável a existência dos saldos apontados sem que se desse satisfação às necessidades prementes do funcionalismo.
De lá disseram-me que, sendo tais vencimentos despesas ordinárias, não se lhes podia fazer face com os saldos, pois estes constituem receita extraordinária.
De acordo. Até aí chega a minha ignorância. Mas, pergunto: será extraordinária uma receita que se repete desde 1959, aliás em continuação do que já vinha sucedendo antes?
Essa é a minha dúvida.
Mais: se o orçamento da província suportou nos últimos três anos um aumento de despesas da ordem dos 10 000 contos, com um aumento de receitas que não só deu cobertura aos novos encargos criados, como até permitiu encerrar as contas de exercício com saldos apreciáveis, como se justificam tais saldos? Como foi possível conseguir 10 000 contos para os novos encargos, sem se conseguir a necessária contrapartida para pagar aos servidores o que lhes é devido?
O mal estará na parcimónia da previsão das receitas ordinárias? No receio de as calcular na sua verdadeira substância?
Não o posso afirmar concretamente, Sr. Presidente. Sei que jogo com números e esses números impressionam-me, levando-me à conclusão de que qualquer coisa está errada e que quem suporta o erro é o funcionário de Cabo Verde.
De facto, não posso compreender que haja saldos de exercício da média dos 5000 contos só nos últimos três anos, apesar dos encargos de cerca de 10 000 contos que o orçamento ordinário suportou, e que não se arranjem 3000 ou mesmo 4000 contos para pagar aos servidores dos cargos providos o que a lei determina que lhes seja pago.

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De resto, saldos positivos permanentes na execução de um orçamento ordinário que não comportou todas as despesas ordinárias, parece-me um contra-senso - salvo o devido respeito.

Sr. Presidente: os funcionários de Cabo Verde reclamam e eu deixo aqui postas as minhas dúvidas e as razões de todos.

Tenho a certeza de que a solução deste problema, que, pelos seus reflexos, é de suma importância para Cabo Verde, está nas preocupações do Sr. Governador da província.

O caso tem de ser visto com cautela, mas de espírito aberto, para se poder encontrar a solução adequada. As leis fazendárias não são tão inflexíveis e rígidas que o não consintam. Se essas mesmas leis permitiram o alargamento das receitas ordinárias de forma a suportarem encargos de 10 000 contos, ainda por cima com saldos positivos, não creio que seja impossível conseguir também a necessária contrapartida para pagar ao funcionalismo o vencimento complementar e o abono de família que a lei estipula.

Sr. Presidente: está em estudo uma reforma tributária da província. Não sei, neste momento, se já foi ou não aprovada, mas, com ela ou sem ela, fico na expectativa de que os serviços respectivos não deixarão de colaborar com boa vontade e sem excessos de zelo, para que o Governo possa dar cumprimento à lei; para que o funcionário de Cabo Verde se não sinta diminuído; para que se não inferiorize; para que se não veja obrigado a procurar outros rumos, em manifesto prejuízo da província - que o mesmo é dizer: da Nação.

Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. António Santos da Cunha:-Sr. Presidente: pedindo a palavra a V. Ex.ª, fi-lo na certeza antecipada de que, mais uma vez, encontraria no egrégio presidente desta alta Assembleia merecida compreensão para o dever que pesa sobre todos nos - aqueles a quem a Nação outorgou o mandato de a representar - de pedir a atenção do Governo, por vezes mal, servido de canais informativos, não só para os problemas de ordem geral que interessam ao País e aos povos que nos elegeram como ainda para determinadas situações de calamitosa injustiça que é urgente se remedeiem sem delongas.

Moro, Sr. Presidente e Srs. Deputados, junto à escola técnica da minha cidade, instalada num edifício novo e amplo que depressa se tornou insuficiente para a multidão de alunos que ali acorrem cada vez em maior número. Todos os dias, manhã cedo, qual despertador a chamar-me à vida, bandos de rapazes e raparigas me passam à porta, num chilrear próprio da sua idade, enchendo-se-me o coração de alegria - antevejo através deles o Portugal de amanhã - ao ver como famílias modestíssimas mandam os seus filhos, algumas com bastante sacrifício, àquela escola, no justo anseio de lhes enobrecerem, assim, o seu espírito e conquistarem para eles uma merecida promoção social.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Disse que o edifício se vai tornando desmedidamente pequeno para as necessidades do momento, mas não foi para apontar esse facto, reclamando remédio, que pedi a palavra. A Câmara Municipal de Braga, por proposta do seu muito ilustre e dedicado presidente, deliberou, numa das suas últimas sessões, pedir ao Governo que atente sem demora na solução do problema, e, em breve, por sua iniciativa, destacada comissão das forcas vivas da minha terra virá à capital, como portadora dessa petição, que vai ter, disso estou certo, pronto acolhimento, como se impõe.

Pedi a palavra, sim, para solicitar ao Sr. Ministro da Educação Nacional, em quem nós depositamos fundadas esperanças, que olhe com espírito de justiça para a situação de desvantagem, por vezes mesmo vexatória, em que se encontram os professores do ensino técnico. Do ensino técnico, que é necessário prestigiar cada vez mais, já que todos sabemos que está no seu desenvolvimento e proficuidade o segredo do progresso da nossa economia, necessitada - não será supérfluo repeti-lo - de técnicos que bem a possam servir em todos os escalões.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sei que se me pode dizer que as circunstâncias do momento impõem forçosamente ao Tesouro uma situação que não lhe permite grandes voos, como seria para desejar. Não aceito como válida essa razão.

Os encargos resultantes da guerra que nos foi imposta têm de ser por igual, isto é, progressivamente, de acordo com os seus rendimentos, suportados por todos os portugueses e não podem servir de pretexto para que se não resolvam situações injustas como as que passo a narrar.

Sr. Presidente: não se compreende, na verdade, que os professores do ensino técnico - refiro-me aos eventuais, e são a esmagadora maioria -, a quem são exigidas as mesmas habilitações e têm trabalho mais penoso, pois por vezes prolonga-se das 9 às 23 horas, que os do ensino liceal, estejam em condições de inferioridade de vencimento perante aqueles. Assim, enquanto aos professores do ensino liceal de qualquer grau é atribuído o vencimento - modestíssimo alias- de 4000$, aos do ensino técnico atribui-se o de 3400$ para os do 2.º grau e 2600$ para os do 1.º grau. Devo dizer que é grande o número de licenciados a exercerem funções docentes no 1.º grau e só podem exercê-las no 2.º grau os que o forem também.

Como podemos nós, aqueles que estamos interessados em que se alcancem os altos e necessários objectivos que ao ensino se pede atinja, nesta hora difícil que atravessamos, esperar uma boa receptibilidade da parte de tão numerosa, categorizada e digna classe?

E velho o aforismo de que se não pode pregar boa doutrina a estômagos vazios.

Mas a situação agrava-se e torna-se verdadeiramente penosa quanto mais a examinarmos, porquanto, com o fim de dar maior continuidade ao ensino, foi há anos criada, no ensino técnico, a categoria vitalícia de professor extraordinário, o que me parece bem, com o mesmo vencimento dos restantes eventuais. Estabeleceu-se um contrato entre esse professor e a Direcção-Geral do Ensino Técnico que prende aquele pelo período de três anos consecutivos e que é renovável. Ligado o professor, por esse contrato, durante os referidos três anos, verifica-se a anomalia de, em cada ano, não lhe serem abonados os vencimentos correspondentes aos meses de Agosto e Setembro. Julgo isto inconcebível!

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Há tempos, o ilustre Deputado Pinto Carneiro pediu na Assembleia Nacional a criação de um 13.º mês, para efeito de vencimentos. Ora os professores ex-

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traordinários do ensino técnico pedem simplesmente que se lhes pague - quem lhes negará razão? - todos os meses do ano.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não é justo nem humano que a um funcionário, seja ele efectivo ou eventual, seja cortado o seu já exíguo vencimento durante dois meses em cada ano, precisamente naqueles em que, regra geral, as despesas são maiores. Todos temos direito a um lugar ao sol.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Vem a propósito lembrar que muitas empresas particulares criaram o louvável hábito do subsídio de férias para os seus servidores. E o próprio Estado, em alguns casos, por ocasião do Natal, louvavelmente gratifica alguns dos seus funcionários, além de a todos pagar durante o ano inteiro.

O Sr. Costa Guimarães: - As empresas particulares não criaram esse hábito. Este foi-lhes imposto de certa maneira, nomeadamente no sector metalomecânico, onde as empresas, por condições impostas por acordos colectivos de trabalho, são obrigadas a pagar as férias a dobrar.

Portanto, é mais uma vantagem que vem reforçar as considerações de V. Ex.ª

Um outro aspecto a considerar é a necessidade de estimular esses professores, para que se radiquem nas suas missões, porque, a continuar assim, dentro de pouco tempo estaremos sem professores ou então serão autenticamente eventuais.

O Orador: - Muito obrigado.

Por outro lado, é sabido que o Estado obriga, e muito bem, os estabelecimento de ensino particular a pagar aos seus professores durante doze meses. Como pode o Estado proceder de maneira diferente, sem desrespeitar a lógica, para com a grande maioria do professorado oficial?

A título informativo: na Escola Industrial e Comercial de Braga leccionam, no actual ano lectivo, 128 professores e mestres. Deste total, sómente 20 são efectivos ou adjuntos, e, por conseguinte, só esses têm vencimento todo o ano. Nas restantes escolas do País a percentagem deve ser idêntica.

Conheço sobejamente quase todos os professores que prestam serviço na Escola de Braga, sei-os na sua imensa maioria absolutamente dedicados à sua missão e conheço-os como portugueses dignos e honrados, chefes de família exemplares, com os consequentes encargos, pelo que a situação em que os mesmos se encontram me choca profundamente.

Este problema dos quadros do professorado - refiro-me agora aos de todos os ramos de ensino - tem de ser encarado de frente, pois, além do mais, tal qual está, contribui para empobrecer o meio de valores sociais estáveis, sendo uma das facetas que hei-de tratar quando se discutir o projecto de lei que o ilustre Deputado Júlio Evangelista há dias apresentou e merece todo o meu apoio, pois sobre ele tive já ocasião de me debruçar na Comissão de Administração Política Geral e Local, a que tenho a honra de pertencer.

Outro caso merecedor da atenção do Governo: há professores extraordinários do ensino técnico que há cinco, dez, quinze e vinte anos têm exercido as suas funções docentes com dignidade o maior proveito para o ensino e sacrifício pessoal. Não deverão esses longos anos de serviço substituir o penoso estágio actualmente exigido a quem pretende ingressar no quadro dos professores efectivos? Tem-se notado um menosprezo, uma indiferença e, até, um sem-número de vexames, como adiante referirei, para com esses bons servidores da Nação. Não será justo pedir que sejam vistos com mais carinho?

Os interesses dos professores eventuais do ensino técnico foram já há uns dois ou três anos defendidos na Assembleia Nacional pelo então Deputado Sr. Dr. Rodrigues Prata; todavia, essa oportuna e brilhante intervenção não provocou resultados práticos e peço a Deus que as minhas apagadas palavras encontrem melhor eco, dado que deve ser pela justiça e não pelo brilho das mesmas que devem ser tomadas em conta por quem de direito.

Sei que não há, mas parece haver, propósito de prejudicar e indispor os professores do ensino técnico. Disse «sei que não há» porque conheço e aprecio devidamente as intenções e o trabalho que tem desenvolvido quem dirige, superior e inteligentemente, este ramo do ensino. No entanto, e só para exemplificar, quero ainda referir-me à doutrina expressa numa circular da Direcção-Geral que veio afectar os interesses do professorado, sem motivo, para mim, e estou certo de que para todos, que o possa justificar. Refiro-me ao facto de, por conveniência de simplificação de serviço, se ter retirado aos professores extraordinários do l.º grau a possibilidade, que até aqui lhes era dada, de prestarem serviço no grau superior, em casos de excepção, com vantagem para o serviço, como se reconhece. Mas o melhor é transcrever:

Por vezes, tem-se verificado faltarem candidatos, munidos com a correspondente habilitação legal, para o desempenho, em vários grupos, das funções de professor do 2.º grau e encontrarem-se colocados, como extraordinários do 1.º grau dos mesmos grupos e nas escolas em que as faltas ocorrem, professores com a referida habilitação. Até agora têm sido autorizados esses professores a prestarem serviço no 2.º grau sem perda da sua situação de extraordinários, à qual, portanto, regressam no termo do ano escolar. Também com frequência tem acontecido, pelo mesmo motivo, serem promovidos, com a autorização de V. Ex.ª, a professores provisórios do 2.º grau e nas escolas em que se encontram colocados professores extraordinários do. 1.º grau do mesmo grupo, com a habilitação específica para essa última categoria, igualmente sem perda da continuidade da sua situação como extraordinários. E evidente que, na falta de candidatos do 2.º grau, são os candidatos do 1.º grau correspondente quem está mais apto a substituí-los. Este movimento anual cria muitos embaraços aos serviços, embaraços que se têm aceitado como meio de atrair ao magistério os elementos munidos da qualificação indispensável.

As facilidades que o regime introduzido pelo Decreto-Lei n.º 44 443, de 2 de Julho último, trouxe à continuidade do exercício das funções docentes eventuais tornam, porém, praticamente inútil não só a complexidade inerente àquelas frequentes mudanças de situação, como o correspondente acréscimo de serviço que exige à Direcção-Geral.

A simplificação dos serviços aconselha a que se altere, pois, o procedimento até agora adoptado.

Nestes termos, tenho a honra de propor a V. Ex.ª o seguinte: a nomeação como professores provisórios do 2.º grau de professores extraordinários do 1.º grau, colocados nesta qualidade, envolve a sua exoneração do lugar ocupado e a perda da categoria de extraordinário do 1.º grau.

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Em face das razões expostas, os professores das escolas que fiquem abrangidos pelo regime de concurso e que tenham beneficiado da passagem ao 2.º grau, abandonando assim o lugar de professor extraordinário do 1.º grau, que ocupavam, devem, no ano imediato, apresentar-se àquele concurso e sujeitar-se aos seus resultados. Assim tem de ser, visto o provimento efectuado quando da passagem, dentro de um ano escolar, de extraordinário a provisório, ser feito nos termos do artigo 225.º do estatuto, não podendo, por conseguinte, ser revalidado no ano imediato desde que haja candidatos admitidos ao mesmo concurso para a escola de que se trate.

E evidente que perante a situação criada são poucos os que se atrevem a perder uma situação estável, e a verdade é que, como se diz na circular, é evidente por igual que, na falta de candidatos do 2.º grau, são os candidatos do 1.º grau correspondente quem está mais apto a substituí-los.

Outros factos poderia apontar, mas reservo-me para o fazer noutra oportunidade, pois desde já o anuncio: não desistirei de, nesta tribuna e por outros meios ao meu alcance, pugnar para que justiça seja feita a uma classe em cujas mãos estão, sem dúvida, depositados, em grande parte, os destinos da Pátria.

Sr. Presidente: há que remediar muita situação que injustamente se verifica, se queremos a todos interessar na obra renovadora em que nos empenhamos.

Disse-o há pouco, ao interromper um ilustre Deputado nesta Assembleia, que não podemos desumanamente esquecer os pequenos grandes casos, que são tudo para aqueles a quem dizem respeito.

A missão do professor tem de ser cada vez mais dignificada, e essa dignificação deve, sem dúvida, começar pelo estabelecimento de condições de independência económica e estabilidade.

Be jubilei ao ver apresentado na semana passada nesta Câmara, com flagrante oportunidade, um aviso prévio ao Governo sobre os problemas da educação e ensino. A Câmara ao debatê-lo terá de ter em conta a situação dos agentes de ensino de todos os graus, e, de uma maneira especial, a dos agentes do ensino técnico, que têm sido verdadeiramente e cada vez mais afectados nos seus legítimos interesses e devidas regalias.

Há que encarar, e desde já, o problema. Antecipe-se o Governo à Câmara e só merecerá louvores. Confiadamente o espero e peço, e comigo uma classe que bem tem sabido servir a Nação.

Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Lopes Vasques: - Sr. Presidente: ainda que localizados num espaço regional, mas ultrapassando-o na projecção que atingem, sobretudo, dois ou três deles, trago hoje a esta tribuna alguns problemas que são verdadeiros anseios de há longos anos das populações do Baixo Alentejo. Mas porque, para além de satisfazerem esses anseios, traduzirão ainda, em sua realização, verdadeiro fomento da riqueza nacional em muitos dos seus aspectos, e até naquele do turismo, que é preocupação de agora, dominante e justa, no próprio pensamento desta Assembleia Nacional - e Portugal sempre foi chamado de jardim, com potencialidades a ante ver em no turismo riquíssima e almejada indústria -, por tudo isto, não hesitei em trazê-los aqui, na certeza de que, ao fazê-lo, estarei a interpretar, fidelissimamente, a responsabilidade da minha representação.

Sr. Presidente: ao Ministério das Obras Públicas dizem respeito os assuntos de que vou tratar.

E, porque assim é, sinto-me na imediata obrigação de fazer um esclarecimento e, por ele, prestar um elementar acto de justiça, acrescentando que tanto, tanto, deve aquele Baixo Alentejo ao ilustre Ministro Arante e Oliveira e aos diversos departamentos do seu Ministério que não pretendo, nesta intervenção, mais do que poder trazer uma achega ao olhar atento do Ministério, dizendo do que serão neste momento, para as populações, algumas das suas aspirações legítimas, aspirações que se traduzem em desejos de comodidade, de facilidade de vida e, sobretudo, de fomento de riqueza, aliando-se tudo isto ao superior sentido de contribuir, de modo especial, para resolução de alguns problemas que muito interessam, forçosamente, ao turismo nacional.

Aliás, para os problemas específicos do Alentejo, e no que se refere ao distrito de Beja, já temos podido testemunhar, ainda que de forma singela, ao Ministro Ar antes e Oliveira a nossa gratidão. Fizemo-lo há dois anos na cidade de Beja, com luzida e representativa presença do distrito, e fizemo-lo há escassos meses na vila de Odemira, em jornada magnífica de sinceridade e espontaneidade, quando àquela vila o distrito foi agradecer o início virtual dessa grandiosa obra da irrigação do Alentejo, princípio esplendoroso do grande projecto da sua valorização integral, valorização que ajudará nas soluções dos angustiosos problemas económico e social da província.

Sr. Presidente: será o primeiro caso a apresentar, quer pela grandeza,- quer pela importância, aquele muito conhecido e de solução tão almejada da ponte sobre o Guadiana, perto de Serpa, conhecida, tecnicamente, pela ponte de Quintos, na estrada nacional Lisboa-Sevilha, ou melhor, na estrada «Europeia - 52», em sua classificação internacional, o que, aliás, atesta a alta importância desta estrada.

Julgo que a grande maioria dos membros desta Câmara, talvez a sua totalidade, conheça aquela célebre ponte, entre Beja e Serpa, a 7 km desta vila, e admito até que, pela sua particularidade de servir o caminho de ferro e a via rodoviária, alguns dos Srs. Deputados tenham sido forçados a prolongada paragem de qualquer dos lados da comprida ponte, sobretudo se aconteceu que o comboio que estava para passar se deslocava no sentido ascendente, para a estação de Serpa, pois só a sua demorada chegada a essa estação determinará .que a ponte possa ser aberta ao tráfego rodoviário!

Pois este caso da ponte de Quintos, interessando, especialmente, aos concelhos de Serpa, Moura e Beja, interessa a todo o Alentejo e interessa também a todo o País a norte de Beja que tenha razões para se deslocar a Sevilha ou àquela esplêndida, rica e encantadora margem esquerda do Guadiana, onde as lindas vilas de Moura e Serpa, rivais de mil pergaminhos e tradições, se mantêm em rivalidade que é só de beleza, sendo qualquer delas, de per si, cartaz magnífico de atracção turística, servida Moura por um bom hotel e Serpa pela pousada acolhedora e bela que o Secretariado Nacional da Informação ali fez construir, implantada ela no morro de S. Gens, de longes abertos e panoramas sugestivos. E perto ainda a castiça vila de Barrancos, de dialecto particularíssimo, que mereceu do sábio Leite de Vasconcelos dedicado e aprofundado estudo.

Mas apreciemos, na frieza de alguns números, o caso daquela ponte, que tem 260m de comprimento e que é, segundo julgo saber, a maior passagem de nível do Mundo!

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Nesta minha intervenção apresentarei dados que mostram quanto se justifica a construção da ponte rodoviária de Quintos, deixando-se a existente para a sua exclusiva função de deixar passar comboios ... Perderemos um título mundial, mas ele não irá deixar-nos muitas saudades! ...

Entre os elementos que pude recolher e que justificarão a razão da obra pretendida, destacarei os seguintes:

Entrada e saída de carros pela fronteira de Ficalho nos últimos cinco anos:

1958 11 521
1959 13 051
1960 15 269
1961 16 768
1962 17 600

Comboios regulares que passam por Serpa e, portanto, pela ponte:

Comboio n.º 8771 (Beja-Moura), à 1 hora e 50 minutos ;

Automotora n.º 8720 (Moura-Beja), às 7 horas e 20 minutos;

Automotora n.º 8721 (Beja-Moura), às 8 horas e 28 minutos;

Automotora n.º 8722 (Moura-Beja), às 11 horas e 23 minutos;

Automotora n.º 8723 (Beja-Moura), às 15 horas e 30 minutos;

Automotora n.º 8724 (Moura-Beja), às 17 horas e 30 minutos;

Automotora n.º 8725 (Beja-Moura), às 18 horas e 33 minutos;

Comboio n.º 8774 (Moura-Beja), às 19 horas e 42 minutos;

Automotora n.º 8726 (Moura-Beja),às 20 horas e 10 minutos;

Automotora n.º 8727 (Beja-Moura), às 21 horas e 28 minutos.

Além destes comboios regulares, há que contar, em média, com mais um extraordinário ascendente e outro descendente, o que já totaliza doze interrupções por dia na passagem de nível.

Quanto à demora na ponte, importa ainda saber que uma automotora descendente obriga a 17 minutos de espera, uma automotora ascendente obriga a 20 minutos de espera, um comboio descendente obriga de 18 a 20 minutos de espera e um comboio ascendente obriga de 35 a 40 minutos de espera.

E, feitas as contas, verifica-se que é de cerca de cinco horas o tempo total, por dia, em que a ponte está encerrada ao intenso trânsito rodoviário!

A cada interrupção do trânsito juntam-se, em média, 14 carros, não sendo muito raro juntarem-se 30 e até 40 carros à espera de que as cancelas se abram. E quantos casos de urgência não estão às vezes ali entre os que podem ter mais algum vagar, sofrendo aqueles da impaciência que, forçosamente, resultará da própria urgência? Que o digam as famílias dos muitos doentes que, quer em automóveis, quer em ambulâncias, sejam de Serpa ou de Moura, demandam Beja ou Lisboa; o próprio cirurgião do hospital de Beja, que faz também a cirurgia de urgência do hospital de Serpa, tem-se visto retido, frequentemente, por largos minutos, com as cancelas da ponte cerradas na sua frente, sofrendo da natural impaciência de saber que às vezes esses minutos perdidos podem ser preciosos para o doente que, em situação de extrema urgência, o espera.

E mau também é que tudo o que ali se vê, nessas paragens forçadas, nos impressione desagradavelmente a nós e ao turista estrangeiro- pelo seu primitivismo, sobretudo na margem esquerda do rio, com a estrada apertada entre duas trincheiras, que nos dias de calor sufocam, chocando a ausência desoladora de sombras e vendo-se, mesmo na frente de quem espera, o quadro miserável de umas habitações denegridas, verdadeiras barracas, algumas das quais são residências e casas de trabalho dos empregados da Companhia dos Caminhos de Ferro, para cuja construção se aproveitaram as travessas de madeira da linha férrea!

Para além de tudo o que deixo dito, que bem demonstra a necessidade da construção da ponte rodoviária de Quintos, facilmente concluirei também que desta maneira não poderá pensar-se em turismo a sério!

Ainda sobre pontes, exporei também respeitosamente o anseio do Baixo Alentejo pela capaz utilização da estrada n.º 391, de Castro Verde à estrada nacional n.º 122 (a 16 km de Beja), passando por Entradas e Albernos.

Está em execução a pavimentação das terraplenagens entre Entradas (proximidades) e Albernos (proximidades), incluindo a sua betuminização desde Castro Verde a Albernos.

Ficará a faltar a construção de três pontes, todas elas sobre a ribeira de Terges, e ainda a rectificação e grande reparação do lanço terminal, que é muito antigo, entre Albernos (proximidades) e a estrada nacional n.º 122 (a 16 km de Beja), com cerca de 9 km.

Feitas estas obras, sobretudo feitas as pontes, resolve-se um grave problema da região e encurta-se de 10 km a distância Beja-Castro Verde, via natural e a mais importante para o Algarve. E esta estrada, pelo que acabei de dizer, ultrapassa o interesse regional, para servir todas as populações ao norte de Beja e para servir destacadamente o próprio turismo algarvio, agora tão alta e merecidamente projectado.

Tratarei agora, Sr. Presidente, de uma outra estrada de grande interesse para o Alentejo e para o turismo nacional.

A estrada Odemira-Vila Nova de Milfontes, a nacional n.º 393, com as terraplenagens construídas, parou a 300 III do rio Mira, como que envergonhada de não poder galgá-lo e deixar-se repousar na vila da linda praia do Mira, presa aos seus encantos. Ficaram aqueles 300m de estrada que não se fizeram a impossibilitar a chegada de quem quisesse aproximar-se do rio.

Para além- da construção destas escassas centenas de metros de nova estrada, de forma a levá-la à margem esquerda do rio, é anseio das populações que se faça o cais de embarque nessa margem, localizando-o para as barcaças que permitirão desde logo o movimento fluvial de quem, através daquela margem sul, queira entrar em Vila Nova de Milfontes.

Que se faça, pois, esse cais; que se faça a pavimentação da estrada, e que se dê execução à construção da ponte sobre a ribeira de Vale Gomes. Mas, para além desta, fica a própria construção da ponte sobre o Mira, ligando as duas margens e servindo a estrada; e esta é a solução conveniente que se impõe para comodidade das populações que do sul, em grande número, procuram Vila Nova de Milfontes na época de veraneio! Aliás, a estrada Odemira-Vila Nova de Milfontes será troço de uma estrada de larga importância económica e turística, resultante a primeira afirmação do encadeamento da rede rodoviária que servirá a barragem de Santa Clara e a segunda - a turística -, já por isto, já porque serve Vila Nova de Milfontes, já porque irá servir Nova Brasília, projecto interessante e importante que deve ser bem caro ao coração de todos os portugueses.

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Ainda outros casos, que são anseios das populações do distrito de Beja e que alinham na ordem de ideias expostas no início desta minha intervenção, são os seguintes:

Conclusão da estrada nacional n.º 123, no lanço S. Martinho das Amoreiras-Estação de Odemira, que facilitará grandemente as ligações de todo o Alentejo e resto da metrópole com o Algarve, por Monchique, encurtando-as notavelmente e dando ainda acesso rápido à barragem de Santa Clara. Aliás, esta será a via natural de ligação da barragem com a quase totalidade das regiões que lhe ficam a norte, quer pela comodidade, quer pelo grande encurtamento de distâncias, quer pela beleza da paisagem;

Construção do troço da estrada n.º 264 Messejana-Estação de Ourique, passando por Conceição; este troço constitui desejo grande da região e de há anos que a Câmara Municipal de Ourique se interessa com grande empenho pela sua construção, a qual virá resolver importante problema de comunicações, acontecendo ainda que ele faz parte, como já disse, da estrada nacional n.º 264 - ligação entre Alvalade e Algoz -, portanto via importantíssima da ligação entre o Norte e o Sul do País;

O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem!

O Orador: - Construção da ponte sobre o rio Mira na estrada de Ourique-Santana da Serra, troço da estrada nacional n.º 264, a que acabamos de nos referir, ponte esta que virá afastar do isolamento prolongado, por vezes de semanas, a que no Inverno fica sujeita a simpática e merecedora povoação de Santana da Serra; a estrada está quase concluída quanto a terraplenagens. Faltará depois a sua pavimentação e grande reparação do troço muito antigo entre Ourique e aldeia de Palheiros (proximidades). Mas, feita a estrada, de nada servirá ela no Inverno se a ponte não for feita. Evitar-se-á, assim, o que por vezes acontece, que estradas convenientemente construídas e pavimentadas não sejam aproveitadas por lhes faltarem as pontes;

Reparação do troço da estrada nacional n.º 123 entre Odemira e a estação de Odemira, todo ele em precárias condições de utilização. Este lanço da estrada nacional n.º 123, entre o Telheiro e a estação de Odemira, é muito antigo. Impõe-se a sua reparação, porque, enquanto não ficar concluída a estrada nacional n.º 123, de S. Martinho das Amoreiras à estação de Odemira, constitui ele o melhor acesso à barragem de Santa Clara;

Na estrada Colos-Cercal do Alentejo, a parte que fica no distrito de Beja foi recentemente reconstruída e está com óptima utilização, mas o troço que fica no distrito de Setúbal está praticamente intransitável desde há anos, sem se vislumbrar ao menos a boa vontade de tapar buracos - múltiplos e grandes. Há aqui ao menos o contraste, que choca, de o mesmo troço de estrada ter tratamento tão diverso, apenas por abranger dois distritos. Da parte do distrito de Beja, mesmo enquanto não pôde ser construído, alguns cuidados ia merecendo quanto a taparem-se buracos. Da parte do distrito de Setúbal, recebe tratamento de enteado ... E ali está agora arrumado e óptimo em 13 km do distrito de Beja, desolado e intransitável em 7 km do distrito de Setúbal. Impõe-se a reconstrução urgente destes 7 km, a cargo da Direcção de Estradas do distrito de Setúbal;

Quem viaja de Lisboa para Faro, utilizando a estrada nacional n.º 2, encontra a estação do Carregueiro e, nela, uma passagem de nível, que, com grande frequência - até pelas simples paragens ou manobras de comboios -, está encerrada. Os atrasos de quem viaja são frequentes, sempre arreliadores e geralmente prejudiciais. Não precisarei de descrever as razões que poderiam ser invocadas para justificar a modificação do actual estado do problema. E essa modificação impõe a construção de uma passagem superior sobre a via férrea, até porque não podemos esquecer que se trata da estrada nacional n.º 2! ...;

E se para o Carregueiro pedimos uma passagem superior, para Amoreiras-Gare, junto à sua estação, na estrada n.º 123-1, pedimos a ampliação da passagem inferior à linha férrea do Sul de forma a permitir a passagem de cargas completas em transportes terrestres, pois as suas dimensões, de 3m de largura por 4,30m de altura, tornam impossível a passagem dessas cargas. E é obsoleto que numa estrada nacional, embora tratando-se de uma antiga via municipal integrada na rede de estradas nacionais por força do plano rodoviário, se tenham de fazer descargas junto a uma passagem inferior para as refazer 5m além, com perdas reais de tempo e de trabalho, só porque a passagem foi prevista, talvez, para tracção animal! ...

Estes, entre vários que demandariam, igualmente, a nossa atenção, são os assuntos que hoje trago a esta tribuna. E, se eles merecerem a atenção de que carecem e se impõe, teremos, com a alegria das populações por verem resolvidos importantes problemas regionais, a certeza de que a riqueza nacional se viu engrandecida.

Faço votos, Sr. Presidente, porque assim seja.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na especialidade a proposta de lei de alterações à Lei Orgânica do Ultramar.

Vou pôr em discussão as bases XIX, XXIII e XXXI, sobre as quais há na Mesa propostas de alteração.

Informo os Srs. Deputados de que a discussão- destas bases arrasta, como ontem foi dito, a discussão do n.º II da proposta de alteração à base XV e que diz respeito ao n.º III dessa base.

Quero chamar a atenção do Sr. Deputado Alberto de Meireles para que tem agora ocasião de observar o que lhe parecer sobre este n.º III da base XV, relativamente ao qual ontem desejava dizer qualquer, coisa.

Vão ler-se as bases XIX, XXIII e XXXI e as propostas de alteração, incluindo a proposta de alteração relativa à base XV, que ontem não foi votada.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE XIX

Na falta do governador e na sua ausência ou impedimento, e enquanto o Ministro do Ultramar não designe um encarregado do governo, ou por outra forma providencie, as funções governativas são exercidas pelo secretário provincial que tiver a seu cargo a secretaria por onde correm os assuntos da administração civil, ou pelo chefe destes serviços, conforme se trate de província de governo-geral ou de governo simples.

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BASE XXIII

I -

II - As funções executivas, nestas províncias, serão exercidas pelo governador, directamente ou, sob a responsabilidade dele, por intermédio dos secretários provinciais.

III - Os secretários provinciais serão nomeados, para cada secretaria, pelo Ministro do Ultramar, sob proposta do governador, devendo atender-se não só ao mérito como à experiência das pessoas, adquirida pela sua efectiva participação na vida das províncias. As suas funções, se antes não houverem sido exonerados, cessam na data da posse do governador-geral que substituir o que houver proposto a sua nomeação.

IV - A cada secretário provincial competirá normalmente a gestão de um conjunto de serviços, que constituirá uma secretaria provincial.

A administração das finanças da província, porém, será sempre da competência exclusiva do governador.

V - O número de secretarias provinciais, a sua organização, atribuições e denominações serão definidas no estatuto político-administrativo de cada província.

VI - E aplicável aos secretários provinciais o disposto nas bases XX e XXI quanto à responsabilidade civil e criminal e à fiscalização contenciosa dos seus actos.

BASE XXXI

I -

II - O governador póde ser coadjuvado por um secretário-geral, a quem competirá o exercício das funções executivas que a lei definir ou as que nele sejam delegadas pelo governador.

III - O governador, por meio de portaria publicada no Boletim Oficial, pode também, na medida que entender, delegar nos chefes de serviços a solução dos negócios administrativos que por eles devam correr.

IV - A competência do governador em matéria de administração financeira não pode ser delegada.

Proposta de alteração

Propomos que na base XV:

1.º O n.º II tenha a seguinte redacção:

II - As reuniões da conferência não são públicas e a elas presidirá o Ministro do Ultramar ou um dos Subsecretários de Estado. Poderão assistir, com direito a voto, além dos governadores das províncias ultramarinas, o secretário-geral e os directores-gerais do Ministério.

2.º Seja aditado um novo número com a seguinte redacção:

III - Poderão também ser convocados, mas sem direito de voto, os secretários provinciais das províncias de governo-geral e os secretários-gerais das províncias de governo simples.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 23 de Abril de 1963. - Os Deputados: Albino Soares Pinto dos Reis Júnior - José Soares da Fonseca - Joaquim de Jesus Santos - António Moreira Longo - Manuel João Correia - James Pinto Buli - José Pinheiro da Silva - Jacinto da Silva Medina - Alberto da Rocha Cardoso de Matos - Carlos Monteiro do Amaral Neto.

Proposta de alteração

Propomos que a base XIX tenha a seguinte redacção:

Na falta de governador e na sua ausência ou impedimento e enquanto o Ministro do Ultramar não designe um encarregado do governo da província ou por outra forma não providencie, as funções governativas são exercidas pelo secretário-geral ou, onde este não exista, pelo chefe dos serviços de administração civil.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 23 de Abril de 1963. - Os Deputados: Albino Soares Pinto dos Reis Júnior - José Soares da Fonseca - Joaquim de Jesus Santos - Alexandre Marques Lobato - José Augusto Brilhante de Paiva - António Burity da Silva - José Pinheiro da Silva - Carlos Monteiro do Amaral Neto - Carlos Alves - João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.

Proposta de alteração

Propomos que na base XXIII:

A) O n.º III tenha a seguinte redacção:

III - Os secretários provinciais serão nomeados e exonerados, para cada secretaria, pelo Ministro do Ultramar, sob proposta do governador-geral.

O secretário provincial que tiver a seu cargo os serviços de administração política e civil denominar-se-á secretário-geral, será escolhido entre funcionários e exercerá o cargo em comissão.

Os demais secretários provinciais em funções à data do termo da comissão ou exoneração do governador-geral só se manterão no exercício dos seus cargos até à posse do novo governador-geral, se entretanto não forem exonerados.

B) No n.º IV, entre o primeiro e o segundo período, será intercalado um novo período com a seguinte redacção:

A secretaria especialmente incumbida dos serviços de administração política e civil, independentemente de outros que lhe sejam atribuídos, denominar-se-á secretaria-geral.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 23 de Abril de 1963. - Os Deputados: Albino Soares Pinto dos Reis Júnior - José Soares da Fonseca - Joaquim de Jesus Santos - Bento Benoliel Levy - António Burity da Silva-Jacinto da Silva Medina- Alberto da Rocha Cardoso de Matos - José Pinheiro da Silva - Carlos Monteiro do Amaral Neto - Carlos Alves.

Proposta de alteração

Propomos que na base XV seja aditado um novo número com a seguinte redacção:

III - Poderão também ser convocados, mas sem direito de voto, os secretários provinciais.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Abril de 1963. - Os Deputados: José Augusto Bri-

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lhante do Paiva-Fernando António da Veiga Frade-Manuel João Correia - António Moreira Longo - José Luís Vaz Nunes - Alberto Pacheco Jorge.

Proposta de alteração

Propomos que a base XIX tenha a seguinte redacção:

Na falta do governador e na sua ausência ou impedimento e enquanto o Ministro do Ultramar não designe um encarregado do Governo ou por outra forma providencie, as funções governativas são exercidas pelo secretário provincial que. tiver a seu cargo a secretaria por onde correm os assuntos da administração civil.

Nas províncias de governo simples, na falta de secretário-geral, estas funções serão desempenhadas pelo vice-presidente do Conselho de Governo.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Abril de 1963. - Os Deputados: Manuel Herculano Chorão de Carvalho - James Pinto Buli - Fernando António da Veiga Frade - Manuel João Correia - António Moreira Longo - Alberto Pacheco Jorge.

Proposta de alteração

Propomos que na base XXIII o n.º III tenha a seguinte redacção:

III - Os secretários provinciais serão nomeados, para cada secretaria, pelo Ministro do Ultramar, sol) proposta do governador. As suas funções, se antes não houverem sido exonerados, cessam na data da posse do governador-geral que substituir o que houver proposto a sua nomeação.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Abril de 1963. - Os Deputados: Fernando António da Veiga Frade - Alberto Pacheco Jorge - Manuel João Correia - D. Custódia Lopes - António Moreira Longo - James Pinto Buli - Manuel Herculano Chorão de Carvalho - José Luís Vau Nunes - José Augusto Brilhante de Paiva.

Proposta de alteração

Propomos que o n.º II da base XXXI tenha a seguinte redacção:

II - O governador pode ser coadjuvado por um secretário-geral, nomeado pelo Ministro sob proposta do governador, a quem competirá o exercício das funções executivas que nele sejam delegadas pelo governador. As suas funções cessam, se antes não houver sido exonerado, na data da posse do governador que substituir o que houver proposto a sua nomeação.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Abril de 1963. - Os Deputados: Alberto Pacheco Jorge - James Pinto Buli - Manuel Herculano Chorão de Carvalho - Fernando António da Veiga Frade - Manuel João Correia - António Moreira Longo.

O Sr. Presidente: -Interrompo a sessão por 5 minutos para se redigir uma proposta de alteração à base XXXI.

Eram 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai ler-se uma proposta de alteração à base XXXI.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta de alteração

Propomos que no n.º II da base XXXI seja eliminada a expressão «que a lei definir ou as».

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 24 de Abril de 1963. - Os Deputados: Albino Soares Pinto dos Reis Júnior - José Soares da Fonseca - Joaquim de Jesus Santos - Armando Cândido de Medeiros - José Pinheiro da Silva.

O Sr. Pacheco Jorge: - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Ainda não estão em discussão.

O Sr. Pacheco Jorge: - Sr. Presidente: pedia a V. Ex.ª que mandasse ler novamente a base XXXI com a nova alteração.

O Sr. Presidente: - Vou ler.

Foi lida.

O Sr. Presidente: - Queria precisamente, antes de pôr esta base à discussão, chamar a atenção de VV. Ex.ªs para o seguinte: eu tinha dúvidas sobre a constitucionalidade deste n.º II da base XXXI, nos termos em que aparece na proposta do Governo, e tinha dúvidas sobre a constitucionalidade precisamente por aí se empregarem as palavras «que a lei definir». Deixei de ter dúvidas desde que desaparecem as palavras «que a lei definir».

Queria pedir precisamente a VV. Ex.ªs que focassem este problema da constitucionalidade.

Quanto à base XXXI, desde que desapareçam as palavras «que a lei definir ou as», não tenho dúvidas nenhumas sobre a constitucionalidade. Continuo a ter dúvidas, menos fortes e que suponho removíveis, quanto à base XXIII, n.º V, em que se diz: «o número de secretarias provinciais, a sua organização, atribuições e denominações serão definidas no estatuto político-administrativo de cada província».

Quanto à constitucionalidade desta base, mantendo-se este artigo nos termos em que está redigido, continuo a ter dúvidas, por supor que as funções executivas são atribuídas pela Constituição ao governador, nos termos do artigo 155.º, que diz:

As funções executivas em cada província ultramarina são desempenhadas pelo governador, que, nos termos previstos na lei, será assistido de um corpo consultivo. :

Ora, nos termos da proposta de alteração do Governo, pode parecer que as funções executivas podem ser atribuídas aos secretários provinciais pelos estatutos político-administrativos, e não por delegação do governador, e, sendo assim, a proposta seria inconstitucional.

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Têm VV. Ex.º posta a questão. Suscita-se-me esta dúvida e desejaria que se abordasse este problema para, depois de ouvir, poder resolvê-lo como parecer mais aceitável.

O Sr. Pacheco Jorge:-Sr. Presidente: em virtude das dúvidas manifestadas por V. Ex.ª quanto a ser ou não constitucional a expressão por V. Ex.ª referida, e como há uma proposta de que fui também subscritor em que ela vem reproduzida, queria solicitar a V. Ex.ª que considerasse como não escritas as palavras «que a lei definir».

O Sr. Presidente: - Admito que V. Ex.ª e os Srs. Deputados que assinaram sua proposta solicitem que estas últimas palavras sejam cortadas no texto.

Posto isto, estão em discussão as bases lidas, com as alterações apresentadas.

O Sr. Soares da Fonseca: - É está também resolvido o problema da constitucionalidade da base XXIII?

O Sr. Presidente: - Não, mas como em qualquer altura a posso retirar da discussão, dou a palavra sobre as bases e as - alterações apresentadas. Mas gostaria que este problema fosse esclarecido.

O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: podia arrumar-se desde já esse problema e discutir-se depois o conteúdo da base.

Não tenho dúvidas agora quanto à base XXXI, depois da proposta de emenda acabada de salientar por V. Ex.ª

Quanto à base XXIII, V. Ex.ª mesmo sublinhou que as dúvidas eram menos fortes. Suponho, salvo melhor critério, que elas facilmente poderão ser esclarecidas.

Por um lado, as secretarias são preexistentes, têm carácter permanente. No n.º II da base XXIII da proposta do Governo diz-se:

Leu.

Quer dizer: se, por um lado, se entende que a existência das secretarias provinciais, com natureza duradoura, é exigida pelas necessidades do público e as exigências sempre crescentes da vida económico-social, por outro lado entende-se que os secretários provinciais são sempre da confiança do governador e agirão sempre sob a sua responsabilidade e em seu nome. Isto significa que os secretários provinciais não estão para o governador, por exemplo, como os Secretários de Estado para com o Ministro, ou como o Ministro para o Presidente do Conselho. Mais: o governador pode não preencher qualquer lugar de secretário provincial ou avocar a si um processo, seja ele qual for, que está correndo por uma secretaria. Por isso, a figura nobre, a figura de relevo, a figura única, no domínio governativo, continua a ser o governador.

O Sr. Presidente: - Se bem entendi, o pensamento de V. Ex.ª é o seguinte:

O responsável é sempre o governador, o que quer dizer que o governador pode fazer funcionar as secretarias conforme o agrupamento que foi feito no estatuto político-administrativo ou conforme ele entender. Pode fazer nomear secretários provinciais, reservando para si as funções de qualquer das secretarias provinciais.

O Sr. Soares da Fonseca: - Em princípio pode reservar para si até as funções de todas as secretarias sem preencher nenhuma.

O Sr. Presidente: - Se é este o entendimento, não tenho dúvidas sobre a constitucionalidade. Quanto à outra base já não tenho dúvidas, porque foram retiradas as palavras que as suscitaram.

Continuam em discussão.

O Sr. Soares da Fonseca: - Estão todas em discussão?

O Sr. Presidente: - Exactamente. Estão todas e uma alteração à base XV, porque o resto da base XV já está votado.

O Sr. Joaquim de Jesus Santos:-Sr. Presidente: pedi a palavra para um ligeiro esclarecimento, em primeiro lugar, sobre o conteúdo da alteração proposta à base XV, relativamente ao n.º III.

Na proposta do Governo, na conferência a que neste artigo se alude, tinham assento não só os governadores-gerais das províncias de governo-geral como os governadores das províncias de governo simples, como ainda os secretários provinciais. Por força do que consta da proposta da comissão eventual, os secretários provinciais não têm direito a voto. Aliás a comissão seguiu, de certo modo, o parecer da Câmara Corporativa.

É que, com efeito, e conforme ressalta da proposta de alteração, os secretários provinciais e os secretários-gerais não têm assento normal na conferência, porque, enquanto no n.º II se diz, com referência aos governadores, directores-gerais e secretário-geral do Ministério do Ultramar, que eles terão assento na conferência, nesse mesmo n.º II também se diz que os secretários provinciais e gerais poderão ser convocados.

Portanto, o assento daqueles não é normal e só se verifica se forem convocados. E entende-se que não deverão ter direito a voto, pois parece que, efectivamente, não está bem que os secretários provinciais ou os secretários-gerais possam emitir um voto diferente do governador-geral, ao qual estão subordinados.

Quanto a este número da base XV nada mais há a esclarecer.

Vou agora, e continuando, referir-me às propostas de alteração às bases XIX, XXIII e XXXI, visto que V. Ex.ª, Sr. Presidente, entendeu pôr à discussão conjunta estas três bases.

O Sr. Presidente: Entendi, e V. Ex.ª sabe bem porquê.

O Orador: - Vou começar as minhas considerações precisamente pelas propostas de alteração às bases XXIII e XXXI

Na proposta do Governo eliminaram-se os secretários-gerais.

No parecer da Câmara Corporativa entendeu-se que, efectivamente, este magistrado devia subsistir, pelas razões que muito brilhantemente ali se aduzem.

A comissão, ou pelo menos grande parte dos seus elementos, conforme resulta da proposta por mim subscrita, entendeu que este magistrado deveria continuar a subsistir. Devia, no entanto, dignificar-se a função. Este secretário-geral devia ser, na realidade e em essência, verdadeiramente um secretário provincial qualificado. Daí que se lhe desse uma designação diferente.

A designação diferente que melhor se ajusta é a de secretário-geral. Assim se diz que «os secretários provinciais serão nomeados, para cada secretaria, pelo Ministro .do Ultramar, sob proposta do governador» e que o secretário provincial encarregado da secretaria de administração política e civil se denominaria secretário-geral.

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Portanto, é um determinado secretário provincial, de certo modo qualificado, que se denomina secretário-geral e exercerá o cargo em comissão.

Entendeu-se também que este secretário provincial qualificado deveria ser escolhido entre funcionários, porque, dado o melindre e a gravidade das funções que desempenha - serviços de administração política -, para ele se devia ir buscar um homem com adequada preparação profissional e sobretudo com ampla preparação burocrática.

Daí que na proposta da base XIX, ao falar-se do problema da substituição do governador em determinadas circunstâncias, isto é, naqueles impedimentos mais ou menos passageiros, este secretário provincial, e que é o secretário-geral, apareça como o seu substituto nato. Houve aqui uma preocupação essencial: a preocupação de designar de entre os secretários provinciais aquele que nos impedimentos, ausências e faltas do governador o substituirá. Qualificou-se, desde logo, o secretário provincial que o substituiria. Desta sua função de substituto natural do governador resulta a sua dignificação.

Quanto à base XXXI, põe-se o problema de nas províncias de governo simples haver, além dos chefes das repartições normais de serviços, um outro magistrado, inferior ao governador, mas superior a qualquer chefe das .repartições de serviços. Entendeu-se, por isso, que era de manter o lugar de secretário-geral proposto pelo Governo. Aqui se pôs também o problema da designação: se se devia chamar secretário-geral ou secretário provincial.

Na falta de melhor e mais apropriada denominação, e porque esta denominação é tradicional na nossa administração ultramarina, entendeu-se que devia continuar a chamar-se secretário-geral, já que nestas províncias não há outro tipo de secretários. Entendeu-se também, pelas razões aduzidas, que estes secretários-gerais teriam necessariamente funções apenas delegadas e, por isso, sempre exaradas em nome do governador.

Foram estas, Sr. Presidente, as razões das propostas de alteração apresentadas pela comissão eventual às bases em discussão.

O Sr. Fernando Frade: - Sr. Presidente: está na Mesa uma proposta, que subscrevi com outros ilustres Deputados referente à base XXIII. Pretendo pronunciar-me sómente em relação a esta base.

Esta base refere-se precisamente aos cargos de secretários provinciais e de secretário-geral. E desejo começar por fazer um ligeiro apontamento ao facto de a proposta que subscrevemos pouca diferença fazer daquela que o Governo apresentou.

A diferença reside sómente no facto de a nossa proposta eliminar a frase ... Vou ler o n.º III todo: «Os secretários provinciais serão nomeados, para cada secretaria, pelo Ministro do Ultramar, sob proposta do governador»; e eliminámos a frase que a seguir vou ler: «devendo atender-se não só ao mérito como à experiência das pessoas, adquirida pela sua efectiva participação na vida das províncias». Entenderam os subscritores desta proposta que esta passagem podia dispensar-se nas bases da Lei Orgânica.

Posto isto, desejaria também realçar o facto de existir unanimidade - tanto quanto nós conhecemos - no reconhecimento, digamos, da injustiça que existia de o secretário-geral, segundo a Lei Orgânica ainda, hoje em vigor, estar em posição inferior à dos secretários provinciais.

Relembro à Câmara que esta circunstância da referida quando se discutiu a revisão da Lei Orgânica em 1953, e nessa altura houve alguns ilustres Deputados que chamaram a atenção para a injustiça - passe o termo - de colocar os chefes dos serviços de administração política e civil em situação hierárquica inferior aos chefes de outros serviços, como, por exemplo, obras públicas, saúde, instrução, etc. No entanto, prevaleceu a situação de secretário-geral em posição hierárquica inferior à dos secretários provinciais.

Gostosamente verificamos que esse defeito foi agora reconhecido, julgo que, pelo menos, por todos aqueles que constituíram a comissão eventual e que participaram nas suas reuniões.

Em defesa da manutenção do cargo de secretário-geral - relativamente ao qual nós, autores da proposta, defendemos dever deixar de existir tal designação - apontam os autores da outra proposta como argumento em defesa da permanência dessa designação que seja o lugar desempenhado por um funcionário que melhor defenda a continuidade e a especialização na matéria.

Em relação à continuidade, devo dizer a VV. Ex.ªs que não alcanço o seu valor prático. Na verdade, essa continuidade também pode existir através de um secretário provincial que tenha as atribuições de chefia do sector de administração político-civil, é uma questão de nome, e, ainda mais, não vejo que também tenha alcance prático do ponto de vista de continuidade o facto de o secretário-geral não terminar as suas funções quando da posse do novo governador-geral.

Quer dizer: segundo a proposta que defendemos, o secretário provincial que tem a seu cargo a chefia do serviço da administração político-civil cessaria, tal como os outros secretários, as funções quando da posse do novo governador-geral. E aponto a VV. Ex.ªs um caso prático de continuidade através da fórmula que defendemos. E o caso do secretário provincial Eng.º Rui Ribeiro em Moçambique. Este secretário provincial permanece neste cargo desde o tempo do Sr. Governador-Geral Gabriel Teixeira, e por isso nunca houve solução de continuidade governativa.

Quer isto dizer que é muito fácil quando está para tomar posse o novo governador-geral que se tomem as providências necessárias para nomear novo secretário provincial nessas funções ou confirmar aquele que lá estava. O problema, para nós, não tem grande vulto.

Acrescentarei a VV. Ex.ªs o seguinte: não me parece justo deixar ao novo governador-geral a decisão delicada e melindrosa de ter de demitir o secretário-geral que tomou conta da administração político-civil, quando o governador ou mesmo o Ministro entendem que a pessoa que ocupa a função não convém.

Pergunto, por isso, se não é mais fácil legislar em termos de evitar tal situação, e, por consequência, quando interessa a continuação de prestação de serviço de determinado colaborador, fazer a sua renomeação. A continuidade não está nos secretários-gerais, mas sim nos secretários de serviço.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Aí é que está a continuidade.

Quanto à especialização que apontam como necessidade imperiosa para o bom cumprimento das funções de chefe da administração político-civil, chamo a atenção da Câmara para o facto de a proposta que defendemos ter maior latitude, porque deixa ao Governo a liberdade de escolha e nomeação da pessoa que vai desempenhar as funções de secretário provincial para a administração político-civil.

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Segundo a nossa proposta, é perfeitamente razoável e admissível que a pessoa possa ser um funcionário de carreira, mas deixa-se ao Ministro e ao governador-geral faculdade de selecção.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E mau será se duvidarmos da capacidade de escolha do Ministro ou governador-geral.

Desejava somente, para terminar estas considerações, referir-me, embora que ligeiramente, ao argumento que se aponta de que tem havido experiências infelizes com alguns secretários-gerais que têm passado pelo ultramar.

Creio que não vale a pena insistir neste ponto. É um argumento conhecido de todos nós, mas que não interessa estar novamente a referi-lo, mas não há dúvida de que é uma preocupação que mantemos no nosso espírito e que ela será evitada com a nossa proposta.

E sobre este assunto tenho dito.

O Sr. Pinto Buli: - Sr. Presidente: subscrevi com outros Srs. Deputados uma proposta de emenda às bases XXIII e XXXI. Quanto à base XXIII, parece-me que a proposta do Governo merecerá o apoio de todos os Srs. Deputados que tenham a sua vida ligada ao ultramar ou um contacto directo com a problemática ultramarina.

O Governo viu bem o problema, estudou-o e chegou à conclusão de que a fórmula mais oportuna e realista era a criação de um certo número de lugares de escalão superior na magistratura ultramarina como colaboradores directos dos respectivos governadores nas grandes províncias de Angola e Moçambique, nomeados, sob sua proposta, pelo Ministro do Ultramar, mas cujas funções devem cessar com a exoneração do referido governador-geral.

Fugiu-se à manutenção do lugar de secretário-geral, cuja designação se justificava quando estava só no escalão hierárquico em que se encontram hoje os secretários provinciais. Competia-lhe então colaborar com o governador-geral em todos os ramos das funções executivas deste, mediante delegação, e chefiava a secretaria-geral.

Os tempos evoluíram e novas funções foram atribuídas aos governadores. Houve então necessidade de se designarem novos colaboradores para as funções executivas dos governadores e criaram-se os secretários provinciais, cujo número tem aumentado gradualmente.

Verificou o Governo que tinha chegado a hora de nivelar todos esses colaboradores de escalão superior e distribuir a cada um "a gestão do um conjunto de serviços que constituirá uma secretaria provincial", estabelecendo que o secretário provincial que tivesse "a seu cargo a secretaria por onde correm os assuntos da administração civil" assumiria as funções governativas nas ausências ou impedimentos do respectivo governador-geral.

Estabeleceu ainda, e bem, o Governo que as funções destes secretários provinciais só cessassem no momento em que entrasse em exercício o novo governador-geral, facto que evita "quebra de continuidade da administração no momento da substituição dos governadores".

Não quero nem devo esquecer os bons serviços prestados pelos secretários-gerais, mas não deixa de me preocupar, nos tempos difíceis que estamos atravessando e em que não devemos criar problemas aos governadores, que as poucas vantagens práticas, os antecedentes históricos e a ideia de se "evitar a quebra de continuidade da administração" não consigam neutralizar os inconvenientes que podem advir da manutenção de tais funções, e aproveito, para reforçar o meu ponto de vista, uma passagem esclarecedora de uma afirmação que alguns Srs. Deputados escutaram há pouco tempo sobre a base XXIII:

A experiência parece demonstrar ser este sistema preferível ao antigo, por apresentar sobre ele a vantagem de não criar eventuais dificuldades a quem assumir o governo da província, por via da radicação anterior de critérios administrativos com que porventura não concorde e que não poderá modificar sem risco de conflito com o secretário-geral.

E nós que vivemos no ultramar temos vários exemplos que confirmam este receio.

Quanto à base XXXI, acho que a decisão do Governo é oportuníssima, e pena é que não tenha sido tornada uma obrigação, e não uma faculdade.

Os governadores nas províncias pequenas também têm os seus problemas e alguns bastante complicados. Para mais na presente conjuntura precisam de fugir à tremenda burocracia que lhes rouba todo o precioso tempo, que necessitam aproveitar para contactos pessoais, visitas constantes ao interior e estudo meticuloso de determinados assuntos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A criação de um lugar de secretário-geral facilitará grandemente o bom desempenho das funções executivas do respectivo governador e poderá até trazer enormes vantagens para determinado sector da especialidade desse colaborador do governador consoante a delegação que lhe for dada.

Quanto ao preenchimento do cargo, acho que se devia dar inteira liberdade ao governador de escolher o seu colaborador sem lhe estabelecer a obrigatoriedade de o recrutar entre os funcionários. Tenho dito.

O Sr. Pinheiro da Silva: - Se bem entendi, defrontam-se duas opiniões quanto ao desempenho do cargo de secretário-geral. Para uns, o secretário-geral deveria terminar a sua função à data da posse do novo governador. Para outros, essas funções deverão ir para além do novo governador.

Suponho que as razões dos primeiros se filiam mais em condições que dizem respeito à pessoa que porventura exercer "esse cargo. Ora, uma vez que tal pessoa seja da inteira confiança das populações e, sobretudo, mereça completa confiança do ponto de vista político e de competência, não vejo que não possa permanecer no cargo para além do governador. Quer dizer: sou pela permanência do secretário-geral, uma vez que a seu favor militem todas as condições necessárias.

Além disso, é da tradição da nossa política ultramarina não só a existência do cargo, mas a sua continuidade. Mais, tenho presente que os períodos mais fecundos da nossa história ultramarina foram sempre aqueles em que os secretários-gerais mereceram a confiança política do Governo e permaneceram longo tempo no desempenho de tão elevado cargo.

Tenho dito.

O Sr. Vaz Nunes: - Peço a palavra para fazer alguns comentários às bases XIX e XXIII.

No que respeita à base XIX estão na Mesa duas propostas de alteração: uma delas subscrita pelo Sr. Deputado Albino dos Reis e outros Srs. Deputados, e outra subscrita pelo Sr. Deputado Fernando Frade e outros Srs. Deputados.

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O Sr. Deputado Jesus Santos justificou, há pouco, a proposta de alteração subscrita pelo Sr. Deputado Albino dos Reis e outros Srs. Deputados pela preocupação de SP saber previamente quem substitui o governador.

Devo informar a Assembleia que, quanto a mim, tanto uma como outra propostas de alteração identificam a pessoa que substitui o governador.

Simplesmente, numa diz-se que é o secretário-geral, e noutra diz-se que é o secretário provincial que tiver a seu cargo a secretaria por onde correm os assuntos de administração civil. Estão absolutamente identificados, e direi que não há diferença de fundo nestas duas propostas de. alteração.

O fundamental nesta discussão contém-se na base XXIII.

Na proposta de alteração subscrita pelo Sr. Deputado Albino dos líeis e outros Srs. Deputados choca-me, a. referência que se faz à obrigatoriedade de o secretário-geral ser um funcionário.

Não duvido de que, na prática, haverá muito mais probabilidades de recair sobre um funcionário a escolha para secretário provincial encarregado da direcção da secretaria por onde correm os assuntos de administração civil. Mas custa-me, no campo dos princípios, ver definida tal obrigatoriedade numa lei fundamental como é a Lei Orgânica, na medida em que se restringe a capacidade de escolha, por parte do governador.

Além disso, a designação de um secretário-geral que exerça o seu cargo em regime de comissão, como se pretende na mesma proposta de alteração, dá ao secretário-
geral um carácter de certa permanência em relação à transitoriedade do governador.

A continuidade emprestada por este processo à administração, garante-a agora o Governo na sua proposta, quando se afirma que os secretário? provinciais se mantêm em funções até à data da posso do novo governador e nada obsta a que continuem a fazer parte do novo elenco da administração superior das províncias, caso sejam aceites pelo novo governador para continuarem no exercício das suas funções e tal aceitação tenha a anuência do Ministro do Ultramar. Este ponto de vista é também seguido na proposta subscrita pelo Sr. Deputado Fernando Frade e outros Srs. Deputados.

Por outro lado, o secretário-geral executa, funções por delegação do governador no domínio da administração civil e política e não noutros domínios, que são em muito maior número e também são importantes, nomeadamente os da economia e da educação.

Não me parece que a melhoria da continuidade, governativa através de um secretário-geral em relação ao processo que o Governo propõe para a assegurar seja substancial a ponto de compensar os possíveis inconvenientes da sua designação em regime de comissão.

O ponto de vista da proposta do Governo, neste aspecto, e que é seguida também na proposta de alteração subscrita pelo Sr. Deputado Fernando Frade e outros Srs. Deputados, dá mais garantia à autoridade do governador, que, sendo totalmente responsável, também não deve ser sujeito a ver a sua autoridade limitada na encolha dos seus colaboradores directos.

Assim, parece-me que a proposta de alteração subscrita pelo Sr. Deputado Fernando Frade e outros Srs. Deputados é a melhor, pelo que a ela darei o meu voto.

Tenho dito.

O Sr. Pacheco Jorge: - Sr. Presidente: começo por dar a minha inteira adesão e concordância às palavras proferidas pelos Srs. Deputados Fernando Frade, Pinto Buli e Vaz Nunes nas considerações que estes ilustres Deputados acabam de fazer sobre a vantagem da existência de secretários provinciais de livre escolha do governador e da nomeação do Ministro do Ultramar e cujas funções cessam com a exoneração do inclino governador.

Mas a razão principal que me levou a pedir a palavra foi para explicar a razão de ser da proposta de alteração que tive a honra de subscrever a propósito da base XXXI. A proposta do Governo era omissa em alguns aspectos. A proposta subscrita pelo Sr. Deputado Soares da Fonseca e outros ainda é mais reduzida.

O Sr. Soares da Fonseca: - Perdão. Não tenho relativamente à base XXXI outra, proposta que não seja a da eliminação de algumas palavras.

O Orador: - Precisamente por isso é que é mais reduzida. Nessa base XXXI não se prevê a forma de nomeação de secretários-gerais.

E, nesse aspecto, entendo que. se. devia seguir a orientação da base XXVIII, quanto aos secretários provinciais dos governos-gerais.

Nas províncias de governo simples, os secretários-gerais seriam nomeados e deixariam de exercer as suas funções tal qual os secretários provinciais nas províncias de governo-geral. Para as províncias de governo simples, porque só existe um secretário, não me repugna aceitar a designação de secretário-geral.

Já o mesmo não entendo para as províncias de governo-geral. Daí a razão da proposta por mim subscrita. Nessa base se põe também a possibilidade de se nomear um secretário provincial. Razões de muito peso levaram-me a não insistir na obrigatoriedade da existência de um secretário-geral. Faço porém, votos por que o Governo tenha em devida consideração a criação de tal cargo nas províncias de governo simples, visto que a função desse secretário-geral para além da parte burocrática, é também política, e reputo da maior relevância a sua existência pelo menos para Macau. Tenho dito.

O Sr. Herculano de Carvalho: - Peço a palavra para fazer minhas as palavras já proferidas pelos Srs. Deputados que usaram da palavra antes de mim a propósito da base XXIII naquilo em que ela se reflecte na base XXXI.

Quando abordámos esta base XXXI encontrámos a designação de secretário-geral. Na proposta do Governo em relação à base XXIII aparece apenas a designação de secretário provincial.

Levantou-se-me a dúvida de saber se essa diferença de designação envolvia também qualquer diferença na forma de nomeação.

De acordo com a Lei Orgânica do Ultramar ainda em vigor, a designação de secretário-geral aplicava-se aos secretários que eram escolhidos entre funcionários. E a primeira preocupação logo em seguida foi definir a coisa de tal modo que não se confundisse isso dessa forma, ou seja, que para as províncias de governo simples esses secretários não fossem escolhidos obrigatoriamente entre funcionários.

Por isso mesmo se fez esta contraproposta, indicando exactamente qual a forma de designação desse secretário-geral, que seria a mesma aplicada para a nomeação dos secretários provinciais das províncias de governo-geral.

Era só esta justificação.

O Sr. Soares da Fonseca: - Sr. Presidente: vou tentar, em breve apontamento, dizer também alguma coisa das razões da alteração proposta.

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Quando se discutiu aqui a Lei Orgânica hoje em vigor, V. Ex.ª, ao intervir no debate na generalidade, invocou a sua qualidade de professor novo da Faculdade de Direito de Coimbra, que lhe proporcionou o ensejo de ter de se dedicar ao estudo da administração colonial, porque, faltando o professor, foi chamado à regência do curso de Administração Colonial. E através disso tomou contacto mais profundo com o direito ultramarino e os problemas da nossa administração ultramarina.

Não tive a honra e a ventura de frequentar o curso de V. Ex.ª; sou uma espécie de autodidacta, quero dizer, só agora, na comissão eventual, comecei a fazer alguma aprendizagem de administração ultramarina. Não cheguei a "licenciar-me", e é por isso que as ideias já quase se me confundem e não sei se conseguirei ser suficientemente claro.

O Sr. Paulo Cancella de Abreu: Já merecia a licennciatura!

O Orador: - Muito obrigado.

Estão em discussão quatro bases: XV, XIX, XXIII e XXXI. São muito fáceis os problemas relativamente à base XV e à base XIX.

Que se está a discutir no n.º III da base XV? E se os secretários provinciais e os secretários-gerais devem vir à conferência e, vindo, se devem ter direito a voto.

Quer no texto da Câmara Corporativa, quer na proposta do Sr. Deputado Fernando Frade e outros, quer na proposta do Sr. Conselheiro Albino dos Reis e outros Srs. Deputados e que também tive a honra de subscrever, todos são unânimes em que os secretários provinciais podem ser convocados e não devem ter direito a voto, pelas boas razões aduzidas no parecer da Câmara Corporativa.

Em que divergem então as propostas? Logicamente nisto: como os subscritores da primeira proposta entendem que não deve haver secretários-gerais nas províncias de governo-geral, só há que chamar à conferência os secretários-gerais das províncias de governo simples. Os que entendem que nas províncias de governo-geral deve haver também a categoria de secretário-geral entendem, logicamente, que também nestas este funcionário deve ser chamado a participar na conferência.

A base XIX diz quem há-de substituir o governador. Claro que, havendo secretário-geral, como ele é a primeira figura depois do governador, é o seu substituto normal. Os subscritores da primeira proposta entendem que não deve haver secretário-geral, mas, se o houver, também estão de acordo, e não poderiam deixar de estar de acordo, em que o substituto do governador-geral é o secretário-geral. Só uma pequena discordância: é que na proposta que o Sr. Deputado Fernando Frade subscreveu com outros Srs. Deputados prevê-se que, não havendo secretário-geral, o substituto normal será o vice-presidente do Conselho de Governo. Como de administração ultramarina não percebo muito bem, não sei como esta figura ou entidade, que pertence a um quadro diferente daquele em que se situam os órgãos normais da administração efectiva, deverá ser chamada a substituir o governador nas suas ausências ou impedimentos.

Vêm agora as bases XXIII e XXXI. As questões que elas suscitam não são questões vitandas, mas têm, apesar de tudo, importância digna de ponderação. A proposta subscrita pelo Sr. Eng.º Frade adopta o texto original do Governo, à parte a eliminação da indispensabilidade do requisito de tecnicidade para se ser secretário provincial - requisito a que a Câmara Corporativa não deu o seu acordo, sendo certo que na comissão eventual se deu acordo ao desacordo da Câmara Corporativa. For isso, tal requisito não aparece também na proposta encabeçada pela assinatura do Sr. Conselheiro Albino dos Reis. Em ambas, portanto, os secretários provinciais serão livremente nomeados, sem exigência específica de qualquer requisito de técnica.

Estamos todos também de acordo em manter certa estabilidade e permanência das secretarias provinciais. A diferença está apenas em que a proposta do Sr. Conselheiro Albino dos Reis prevê a existência de secretários-gerais, para os quais a Câmara Corporativa chamou a atenção, defendendo a existência do cargo de secretário-geral. Foi pena, Sr. Presidente, que o grande paladino do cargo de secretário-geral, na comissão eventual, não se tenha dignado defender, com a sua voz autorizada, a ideia da manutenção e da perdurabilidade das funções de secretário-geral. Refiro-me à "voz de rouxinol" do Sr. Deputado Alexandre Lobato (Risos), cujos "trinados" decerto todos estimaríamos ter ouvido.

Sr. Presidente: já foram apontadas razões que parecem justificar a necessidade de se manter o cargo de secretário-geral - o cargo com certa perdurabilidade do seu titular no exercício da função. Não me deterei muito a repeti-las.

Sei que o Sr. Deputado Alexandre Lobato só não concorda com a proposta porque nela se exige que o recrutamento do secretário-geral seja feito entre funcionários, mas precisamente isto me parece fundamental. E claro que o facto de o secretário-geral vir até agora na "cauda do cortejo", atrás de todos os secretários provinciais, está contra a razão e contra a lógica, mas está a favor da lei hoje vigente.

A partir do Decreto-Lei n.º 26 115, as categorias, para efeitos de protocolo, regem-se pelos vencimentos, e desde que prevê para os secretários-gerais a categoria de intendentes, ao mesmo tempo que, por lei, foram criados os cargos de secretários provinciais correspondentes a directores-gerais, automaticamente os secretários provinciais enfileiram atrás do governador-geral e o secretário-geral vem na cauda deste cortejo.

Mas se erguermos o secretário-geral à dignidade de um secretário provincial, a questão de prestígio no protocolo morre de si mesma. Já não há mais possibilidade de ele vir na cauda do cortejo - virá imediatamente a seguir ao governador-geral. Ele será, entre os secretários provinciais, o primus inter pares, como substituto normal do governador-geral.

Mas, pergunta-se: é realmente necessário um secretário-geral legalmente mais "duradouro" do que os "outros" secretários provinciais?

Não obstante tudo o que ouvi em contrário, continuo a entender que é necessária a função de secretário-geral, como sinal de permanência e de continuidade no meio das mutações dos governadores-gerais. Porque é esta a grande razão justificativa da função, essencialmente administrativa e burocrática, é que me parece necessário fazer-se o recrutamento entre funcionários, isto é, entre pessoas, desculpem-me a expressão, a quem tenham "nascido os dentes" no exercício da função pública. Não é difícil ao funcionário, sobretudo se exerce a função há muitos anos, adaptar-se, submetido como está ao quadro rígido da disciplina do funcionalismo e enfronhado nas questões administrativas e burocráticas.

Assim como, ao cabo de alguns anos, dificilmente o funcionário público se adapta ao "clima" dos quadros da vida privada, assim também será difícil a um simples particular, criado no ambiente das administrações particulares, aclimar-se no quadro da vida da burocracia e da administração oficial.

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26 DE ABRIL DE 1963 2427

Nem se diga que, para assegurar a aludida continuidade, basta o director dos serviços, isto é, o chefe de repartição ou, se este faltar, o de secção ou ... o contínuo. Seria, quanto a mim, não dar o merecido relevo à pretendida continuidade.

Foi aqui citado um caso pessoal relativo à província de Moçambique, e, embora me custe tratar de casos pessoais ...

O Sr. Fernando Frade: - Isso não foi aqui dito. O Orador: - Então o que foi?

O Sr. Fernando Frade: - O que se disse foi que o Sr. Eng.º Ruí Ribeiro tem permanecido no cargo de secretário provincial, dando a necessária continuidade ao Governo, na transição dos governadores-gerais.

O Orador: - Quer dizer: ali a "crise" não chegou a dar-se porque o funcionário continuou, mas podia não continuar. A lei tem a "marca contrária", isto é, consagra o princípio da descontinuidade .

A preocupação de assegurar a continuidade de um serviço é tal que a lei vai cometer este ilogismo: o secretário provincial actuará por delegação do governador, mas continuará nas suas funções mesmo para além deste, até à entrada do novo. A vida tem exigências que nenhum raciocínio lógico é capaz de iludir.

Ora bem, Sr. Presidente, creio que já fatiguei a Câmara ...

Vozes: - Não apoiado!

O Orador: - ... e creio que já disse o suficiente para mostra da minha opinião e das razões dela. Não é um problema vital que possa prejudicar gravemente a vida das províncias ultramarinas, mas é, apesar de tudo, problema de alguma monta.

Tenho dito.

O Sr. Manuel João Correia: - Pobre de mim, arrancado à nossa vida ultramarina, vir falar após o brilhante discurso do Sr. Deputado Soares da Fonseca. Mas a minha consciência obriga-me a fazer um esclarecimento. O secretário-geral não assegura a continuidade administrativa.

O Sr. Deputado Soares da Fonseca defende a sua tese com base nesta continuidade. Mas há muitas funções de administração que são atribuídas aos secretários provinciais, há um secretário para a economia, outro para a saúde, etc., e a continuidade destes serviços não pode ser assegurada pelo secretário-geral, que tem a seu cargo apenas a secretaria de administração política e civil.

O Sr. António Santos da Cunha: - É assegurada pelo secretário-geral.

O Orador: - Posso garantir a V. Ex.ª que esse não a assegura. Em Moçambique o secretário-geral tem a seu cargo os departamentos relativos à administração política e civil, à assistência e a outros pequenos serviços. Ora ele não pode saber o que se passa no campo da saúde, o que se está a fazer no campo dos transportes, da economia, etc., e não vejo como possa manter a continuidade administrativa ignorando estas coisas numa província tão grande.

Eu estou a falar com relação a Moçambique. Ele terá apenas a seu cargo, na sua secretaria, a administração política. Estamos apenas a discutir uma diminuição das funções do secretário-geral, porque o secretário provincial, como se diz na proposta do Governo, é a mesma coisa.

Tenho dito.

O Sr. Marques Lobato: - Fui citado pelo Sr. Deputado Soares da Fonseca e acho-me na obrigação de me justificar.

Fui, efectivamente, na discussão na comissão eventual, partidário da manutenção do secretário-geral como um secretário provincial qualificado para desempenhar interinamente o governo da província na falta, impedimento ou ausência do governador, e defendi isso porque já há muito venho afirmando ser mal feito ter-se desqualificado o secretário-geral.

Defendi sempre que o secretário-geral devia ficar numa posição digna e que ele pudesse constituir a ponte entre duas equipas de governo. E baseei sempre o meu pensamento a este respeito na virtude que teve no ultramar a chamada reforma de Aires de Orneias.

Foi ela que em Maio de 1907 deu ao secretário-geral essas funções de relevo, e julgo que convém ter, para a especificidade dos problemas políticos da província, uma pessoa que seja um duplo do governador, que esteja em íntima comunhão de espírito com ele e que o possa substituir em momentos de crise.

O Sr. Fernando Frade: - Em íntima comunhão de espírito com um ou mais governadores?

O Orador: - Com um ou com outros.

Conhecemos da história que houve secretários-gerais que serviram por mais de vinte anos, e este foi o caso de Cunha Eivara, que serviu na índia; Sousa Ribeiro, em Moçambique, serviu desde 1898 a 1910; Domingos Frias serviu de 1912 a 1918.

Há um ponto, porém, em que estou em nítido desacordo com o parecer que se gerou na comissão eventual: é que este secretário-geral tenha de ser um funcionário, o que não quer dizer que não possa ser um funcionário.

Para mim, isto é uma coisa capital. A sua função é política, e portanto não deve haver essa vinculação a uma função pública.

Estou intimamente convencido da vantagem de haver um secretário-geral, e faço esta afirmação por tudo quanto conheço das províncias ultramarinas; defendo um secretário-geral que esteja qualificado, com inscrição na lei, para ser o substituto do governador.

Há uma diferença entre o secretário-geral e o secretário provincial. A lei prevê que o secretário provincial saia quando o governador cesse as suas funções, o que não quer dizer que não continue, ao passo que o secretário-geral está indicado para continuar, o que não quer dizer que permaneça.

E parece-me que não preciso dizer mais nada.

O Sr. Vaz Nunes: - Ao usar novamente da palavra, começo por prestar homenagem ao poder de argumentação, de resto muito conhecido, do Sr. Deputado Soares da Fonseca. Falou-se muito em categorias. Falou-se muito em secretários-gerais. Creio que o fundo do problema se deve procurar noutros dois aspectos, que são os seguintes: terá ou não o secretário-geral de ser obrigatoriamente escolhido entre funcionários? Terá ou não de exercer o seu cargo em comissão? Estes são os pontos fundamentais do problema, no meu entender. Já aduzi as minhas razões.

Mas não quero deixar passar em claro uma afirmação do Sr. Deputado Soares da Fonseca quando se referiu à vantagem que havia na obrigação de recrutar o secretário-

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2428 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 96

-geral entre funcionários, em virtude de poderem ser nomeados governadores "indivíduos de um certo tipo". Só esclareço VV. Ex.ªs de que não é o governador que nomeia os secretários provinciais. O governador propõe-nos. É o Ministro do Ultramar que compete nomeá-los.

O Sr. Soares da Fonseca: - Queria fazei- só um ligeiro apontamento. Queria agradecer a maneira gentilíssima como o Sr. Deputado Vaz Nunes se me referiu e dizer que invejo a sua eloquência e a clareza que costuma pôr em todas as suas exposições. Quanto aos argumentos que citou, peço licença para terminar com uma anedota que é histórica.

Conta-se do grande Alves Mendes que, quando, já no declínio da vida, fazia um sermão na Sé Nova de Coimbra, a rapaziada desse tempo ter-se-ia apercebido de que ele decorava os discursos mas não tinha memória para se lembrar dos que já tinha dito, e, por isso, aparecia, algumas vezes, no púlpito da Sé Nova a repetir discursos já pronunciados. Certa ocasião os estudantes do tempo foram, pé ante pé, pelas escadas do púlpito, e, cora o livro dos sermões, cotejaram o que estava a repetir, servindo-lhe de ponto. Alves Mendes não perdeu a serenidade, exclamando do alto do púlpito: "Pois, cristãos, parece que já não sou senão um fonógrafo de mim mesmo!".

Eu não quero parecer tão velho que me torne fonógrafo de mim mesmo. Era o que mo sucederia se reincidisse em argumentos, porque não saberia produzir outros além dos já apresentados. Mas parece-me também que seria fazer injúria à Câmara se entendesse que o problema não está mais de que esclarecido.

O Sr. Presidente: Pausa.

Continua em discussão.

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra, vai passar-se à votação. Vão votar-se em primeiro lugar as propostas de alteração à base XXIII e só depois a própria base XXIII.

O Sr. Fernando Frade: - Sr. Presidente: peço a V. Ex.ª que, nos termos regimentais, a votação seja feita nominalmente.

Pausa.

O Sr. Fernando Frade: - Sr. Presidente: em face de um certo número de esclarecimentos que alguns ilustres colegas me vieram pôr, peço licença a V. Ex.ª para retirar o meu requerimento.

O Sr. Presidente: - Vai então passar-se à votação.

Vai votar-se em primeiro lugar o n.º III da proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado Albino dos Reis e outros Srs. Deputados. Se VV. Ex.ªs entenderem, mando ler novamente essa proposta.

O Sr. Agnelo do Rego: - É conveniente.

Foi lida.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Em consequência desta votação, a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Fernando Frade e outros Srs. Deputados está prejudicada.

Vai agora votar-se a proposta de alteração ao n.º IV, apresentada pelo Sr. Deputado Albino dos Reis e outros Srs. Deputados.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora o resto da base XXIII.

Submetido à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se a base XXXI e em primeiro lugar a proposta de alteração apresentada pelo Sr. Deputado Albino dos Reis e outros Srs. Deputados.

Submetida à votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Portanto fica prejudicada a proposta do Sr. Deputado Pacheco Jorge e outros Srs. Deputados.

Vai agora votar-se o resto da base XXXI.

Submetido á votação, foi aprovado.

O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se a alteração à base XV, n.º III, porque o resto já foi votado. Falta apenas votar a alteração ao n.º III. Sobre este número há duas propostas de alteração, uma das quais está prejudicada. Ponho, portanto, à votação a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Albino dos Reis e outros Srs. Deputados.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se a base XIX. Sobre esta base há na Mesa uma proposta de alteração subscrita pelo Sr. Deputado Albino dos Reis e outros Srs. Deputados.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.

O debate continua amanhã, com a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Carlos Coelho.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jacinto da Silva Medina.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Nunes Fernandes.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Rogério Vargas Moniz.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

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25 DE ABRIL DE 1963 2429

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

António Marques Fernandes.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Francisco José Vasques Tenreiro.
José dos Santos Bessa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel de Melo Adrião.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Yoicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Luiz de Avilles.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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