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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 104

ANO DE 1963 DE DEZEMBRO

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 1O4 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 1O DE DESEMBRO

Presidente: Ex.mo Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas c SÓ minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 102.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que recebera da Presidência do Conselho, para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, o Decreto-Lei n.º 45 403.
O Sr. Presidente convocou as Comissões seguintes: de Economia, para estudo do aviso prévio do Sr. Deputado Amaral Noto sobre a crise agrícola; do Ultramar e dos Negócios Estrangeiros, para estudo do aviso prévio do Sr. Deputado Veiga de Macedo e de outros Srs. Deputados acerca da política ultramarina do Governo, e de Economia e de Finanças, para continuação do estudo da Lei de Meios para 1964.

O Sr. Deputado Jorge Correia ocupou-se dos planos de fomento agrícola e de tributação progressiva; dos exageros de burocracia e dos serviços da assistência e hospitalares.

Ordem do dia. - Continuou o debate na generalidade sobre a proposta de lei de autorização das receitas c despesas para o ano de 1964 (Lei de Meios).
Usaram da palavra os Srs. Deputados Armando Cândido, Santos Bessa e Alfredo Brito.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: -Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas e 10 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.

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Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 82 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está na Mesa o n.º 102 do Diário das Sessões, referente à sessão de 4 do corrente.
Submeto-o à aprovação dos Srs. Deputados.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado, deseja fazer qualquer reclamação àquele Diário, considero-o aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama

Do Secretariado Diocesano de Educação Cristã do Porto a apoiar a intervenção do Sr. Deputado José Alberto de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 288, 1.ª série, de ô do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 45 408, que autoriza o Ministro das Comunicações a atribuir, pelo Fundo Especial dos Transportes Terrestres, as verbas necessárias para a execução das indispensáveis obras complementares da construção da ponte sobre o Tejo, que permitam assegurar, de futuro, a ligação ferroviária através da mesma ponte.
Srs. Deputados: nos termos do £ 2.º do artigo 50.º do Regimento. o Presidente, quando a importância da matéria o justifique, poderá convocar as comissões que julgar convenientes para o estudo do assunto sobre que versem alguns avisos prévios. Assim, entendo dever submeter à Comissão de Economia o estudo do aviso prévio sobre a crise agrícola, apresentado pelo Sr. Deputado Amaral Neto, convocando para o efeito a referida Comissão. Deixo ao Sr. Presidente da citada Comissão a faculdade de marcar a data e a hora das reuniões da mesma.

Foi-me sugerida, e aderi imediatamente, a ideia de que seria também vantajoso convocar a Comissão do Ultramar para estudar o aviso prévio sobre política ultramarina. Convoco, portanto, aquela Comissão o a dos Negócios Estrangeiros. Este facto obriga-me a rectificar uma afirmação que fiz ontem à Assembleia: a afirmação de que o aviso prévio entraria na ordem do dia do plenário logo a seguir à votação da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1964.
Do facto de entender que devem ser convocadas as Comissões do Ultramar e dos Estrangeiros para estudar o aviso prévio sobre política ultramarina resulta que este já não poderá ser posto em discussão logo a seguir à votação da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para ]964. Não. poderá ser, certamente, posto em discussão no plenário senão depois das férias do Natal e, portanto, lá para o dia 7 de Janeiro.
Peço aos Srs. Presidentes das Comissões do Ultramar e dos Estrangeiros que disponham as coisas por maneira a estas Comissões reunirem para estudo da matéria do aviso prévio sobre política ultramarina.
Foi-me pedida ainda a convocação para amanhã, às 14 horas e 80 minutos, das Comissões de Finanças e de Economia, para continuação do estudo da proposta de lei de autorização das receitas e despesas. Convoco, portanto, paru amanhã, à hora mencionada, as referidas Comissões.

O Sr. Jorge Correia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: volvidos dois anos de actividades, das mais modestas, é certo, nesta Câmara, terçando por aquilo que em consciência me pareceu carecer de justiça ou mais acertado reajustamento, e a cujo receptivo auditório, por benevolente, devo uma palavra de indelével agradecimento, permitam-me VV. Ex.ªs que o faça na pessoa do Sr. Prof. Mário de Figueiredo, mui ilustre Presidente desta Casa, a quem apresento as minhas homenagens e a expressão da mais viva simpatia e respeito.
Dos méritos ou deméritos, dos aplausos ou censuras que as minhas intervenções suscitaram, e ainda que por condição humana e acendrado amor, a esta terra me

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aqueçam os primeiros, por traduzirem o interesse nacional, e me desgostem as segundas, por reflectirem quão arreigados estão ainda, nalguns espíritos, egoísticos e mesquinhos interesses, serviram-me uns e outras para poder dizer com Campoamor nos momentos de remausosa meditação: «todo és segúu el color del cristal con que se mira».
Fazendo o ponto na trajectória que me propus seguir, em cuja limpidez, e atendendo aos altos interesses nacionais, não seria lícito esperar, como no Eça, o manto diáfano, ainda que sobre a nudez forte da verdade, tenho para mim e à luz do interesse geral, do tal cristal através do qual devem olhar-se todos os problemas, que estou na linha mais útil ao País e a única que suponho de acordo com os princípios da Revolução Nacional, que eu pretendo revigorada na sua pureza e dinamizada na acção.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Penso que, se não estivermos atentos ao curso das solicitações políticas, económicas e sociais do tempo presente, e em especial se não formos prontos nas suas soluções, corremos o risco de invalidarmos, ou pelo menos diminuirmos, nos anos mais próximos o valor do trabalho sério e perseverante em que há tantos anos andamos empenhados!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Julgo que, longe de se reputar como menos ortodoxa uma atitude crítica construtiva e estimulante, ainda que doa, deverá antes considerar-se sadia, indefectível e eloquente manifestação de confiança no presente e fé no porvir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estou convencido de que é precisamente por uma geração que tome como lema a integridade da unidade nacional, a defesa intransigente da família, mas que não abdique de desassombrada e construtivamente criticar, apontando os melhores rumos, que Portugal se há-de continuar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, meus senhores, neste aspecto há que operarem-se algumas transformações na mentalidade de muitos dirigentes, para que jamais seja possível o clima que leva a admitir, como no caso das conservas, que o melhor é não mexer nos assuntos para que não venham ao conhecimento geral! ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E ainda para que, sobre muitos aspectos, por falta do sentido da oportunidade, não seja possível aos nossos opositores apresentarem-se como pioneiros desta ou daquela actividade, cultural, física, económica ou política, quando a maior parte das vezes já as preconizávamos e tínhamos sobre elas ideias bem definidas e assentes.
Temos obrigação de marchar na vanguarda e, consequentemente, de não precisar de que nos empurrem!
Quem dirige só pode ter como objectivo o interesse geral, pois nada poderá jactar-se de âmbito nacional se não interessar fundamentalmente a grei.
Consequentemente, os dirigentes terão de ser escolhidos de entre os melhores, sem dúvida, mas aqueles que tenham dado provas de amor à Pátria e independência perante a trama dos interesses inconfessáveis de indivíduos, organizações e combinações que cheiram, quantas vezes e apesar de todos os disfarces, a demoplutocracia desenfreada!

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Não devemos deixar desvirtuar a função eminentemente social do capital e da terra, que, embora bens absolutamente legítimos, só serão benquistos na medida em que se afirmarem factores de desenvolvimento e progresso, e não elementos de subversão a que a acumulação desmedida e inútil ou o não aproveitamento integral os pode levar.
Daí estarmos inteiramente de acordo com os planos de fomento agrícola e com os propósitos do Governo de uma tributação progressiva em função do rendimento de cada um, cada vez mais regularizadora do ambiente nacional, e ainda advogar medidas que obriguem o capital a ter de empregar-se cada vez mais na obra de valorização que é preciso fazer em todo o País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Assim, por exemplo, porque se não há-de deixar construir estradas, pontes, etc., a empresas particulares, mediante concurso público, cobrando estas, para se ressarcirem do capital investido e juros, uma portagem razoável por períodos bem definidos?
Porque só ao Estado é permitido tal processo e às câmaras municipais não?
Não se libertaria a Administração de enormíssimos encargos, que votaria a outros empreendimentos sem que parassem estas e outras obras de fomento tão necessárias ao País?
O que o Estado não puder fazer deve deixá-lo fazer à iniciativa particular, sem perda de tempo.
Aqui fica o alvitre.
Numa ligeiríssima apreciação da fenomenologia nacional, a nota que mais me tem ferido a sensibilidade não é a falta de liberdade de que alguns tão injustamente nos acusam - eu próprio tenho sido livre para dizer o que a minha consciência me tem ditado -, mas a falta de audiência, nalgumas instâncias superiores, dos nossos, por vezes, mais que justificados reparos.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Audiência que pode não significar satisfação, mas, pelo menos, a explicação dos problemas porventura mal equacionados.
Será de boa política que alguns dirigentes, a propósito de problemas candentes e perante a expectativa geral do País, façam apenas afirmações vagas, imprecisas e aleatórias, deixando imediatamente a impressão, segundo cada caso, de que ... também não resolvem o problema?!
Quando realmente se pretende resolver um assunto e aquietar o País a esse respeito, porque não se afirma categoricamente, como, aliás, nalguns casos se tem feito: o assunto vai imediatamente ser estudado, devendo conhecer-se o resultado em tal data?
Pois não é assim que se faz para os inquéritos? É preciso esclarecer os governantes de que os inquéritos sobre as conservas, sobre o caso da índia, como sobre o Cais do Sodré tiveram uma sadia repercussão em todo o País. e posso afirmar, tanto quanto me foi possível contactar com a opinião pública, que esta considera a responsabilização a única maneira de conduzir a administração pública.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Evidentemente que, além disso, não pode já enjeitar-se, em homenagem ao próprio nível da Nação, a crítica às asserções dos dirigentes, pois há uma considerável, e cada vez maior, élite a saber interpretá-las.
Felizmente, penso eu, que podemos dizer a verdade.
Porque temos força e crédito, podemos confessar as nossas fraquezas, omissões e estigmatizar os nossos erros. Ai das instituições que vivem à base da mentira e do sigilo, da torpeza e do medo!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Fizemos uma obra que está à vista, estamos a lutar denodadamente por melhorá-la, somos benevolentes com os nossos inimigos, procuramos ser justos para todos, temos fé e afirmamos, como princípio, que queremos mais e melhor. Que receio podemos então ter da crítica, venha ela donde vier?

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O político, quem quer que seja. não podo deixar de apreciar o Governo para o louvar ou para lhe sugerir melhores caminhos ou os mais consentâneos com o espírito da época, sem ter de, forçosamente, balouçar-se ao sabor dos ventos da história, como alguns pretendem convencer-nos, no pendor das suas mais que suspeitas ideias, e outros insinuam usando a expressão como escudo para justificação das suas inépcias. das suas faltas de coragem, dos seus egoísmos ou dos seus ancilosantes espíritos!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Houve sempre e em todos os tempos ventos bons e maus, e, só não está na nossa mão sustá-los, podemos e devemos manobrar com habilidade e energia as velas e o leme. Eis a questão!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Creio que podemos e devemos ser ao mesmo tempo ponderados e rápidos, patriotas e modernos, paladinos do progresso e estremes defensores da unidade nacional!
Unidade a que a Nação deu o seu inteiro apoio, respondendo «Sim» à histórica mensagem do Sr. Presidente do Conselho naquela memorável tarde de 27 de Agosto, e à qual, quer queiram, quer não, S. Ex.ª o Chefe do Estado acaba de pôr perante todos os portugueses e o Mundo a marca da sua inequívoca e indestrutível realidade!

Vozes: -Muito bem, muito bem I

O Orador: - Mas estas verdades, que são factos incontroversos da história de ontem e de hoje, não podem permitir que sobre elas se durma ou se afrouxe o ritmo de trabalho, que cada vez tem de ser mais acelerado, tanto mais que em certos aspectos fomos tardos no seu equacionamento, e ainda não estamos, infelizmente, a ser suficientemente rápidos!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A minha geração ainda poderá, por vezes com algum esforço, compreender que em Portugal não havia estradas, nem pontes, nem escolas, nem moeda acreditada, mas os nossos filhos, esses, tenhamos a coragem de o dizer, aferem o nosso nível comparando-o no dia do hoje com o das outras nações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Deixemos, portanto, de fazer comparações com os demo-liberais, que pouco fizeram, posto que por isso mesmo não foi difícil excedê-los!
Habituemo-nos a medir pelo que é preciso fazer, e outra coisa não pode considerar-se «política» senão a arte de realizar o que é necessário fazer.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A história, essa sim, estabelecerá as suas comparações e não deixará, queira Deus o faça com justiça, de assinalar com a devida relevância aqueles que devotadamente nos guindaram a um mais elevado nível material e espiritual.
Mas o que quero significar é que temos de realizar um trabalho que todos compreendam e que a todos estimule, e só vejo uma maneira: realizá-lo de forma a tomar como medida o interesse nacional, o que, por observação, de bom se faz lá fora e o que, por exame de consciência, já deveríamos ter feito!
É à luz destes padrões, que não enjeitam a unidade da Pátria, não afectam a coesão da família, nem diminuem o amor a Deus, que devemos erguer o nosso futuro. For mim, firmemente disposto a fazer justiça à obra feita, não deixarei de me inclinar para a inquietação das novas gerações, quando afinal pretendem mais e melhor, depressa e em força!
Critiquemos e ponhamos a nu as boas e as más vontades, o valor ou a incompetência dos homens, a sinceridade ou as razões inconfessáveis que os movimentam e que tantas vezes, só por se abrigarem à sombra de chefes de incontestável valor, se julgam com jus a imunidades que lhes não conferimos e a atitudes que lhes não damos o direito de só permitirem!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: presidente de uma câmara municipal há quase cinco anos, que tanto tem de agradecer ao Governo, em nome dos povos que representa, pelos benefícios que de toda a espécie lhe têm sido prodigalizados, desde a criação de uma escola técnica, abertura de novas avenidas, reconstrução dos Paços do Concelho, construção do Palácio da Justiça, até à electrificação do concelho, etc., etc., como Deputado pelo círculo, aqui presto as minhas rendidas homenagens ao Governo e agradeço, em nome de Tavira e do Algarve, todos esses benefícios.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas este acto de inteira justiça, que me apraz registar nesta Câmara, em nada me embaraça para que, com igual à-vontade e idêntica noção do dever, aqui deixe, sempre que oportunos, os meus reparos e os meus anseios, mas sempre a bem da Nação!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os pais não deixarão nunca de fazer observações e aconselhar os seus filhos, e ninguém admitirá que o façam com má intenção, ainda que esses reparos não traduzam apenas anódina aquiescência ou prejudicial benevolência. É no melhor sentido e com elevado espírito de cooperação que procuro formular os meus!
Neste pendor, permito-me respeitosamente perguntar ao Governo como é possível progredir-se quando, por exemplo, uma repartição de alto nível na hierarquia administrativa leva 28 meses (!) a dar um parecer ou uma resposta?! ...

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Não interessa saber de qual Ministério depende essa repartição, até porque nem todos estarão isentos destes pecados, nem o objectivo desta afirmação consiste em apoucar este ou aquele departamento do Estado; o quê eu pretendo, e naturalmente toda a gente neste país, é que isto deixe de ser possível, e, consequentemente, pergunto se é pró-Nação toda esta perda de tempo.
Pergunto ainda se não seremos capazes de decapitar essa monstruosa e desalentadora hidra que é a burocracia.
De que têmpera terá de ser um dirigente que por este ou aquele assunto tenha de dessorar-se lentamente nesta ou naquela luta pela sua dama?
É de tirar o alento e compreendo agora que alguns menos dotados caiam no deixa-correr, tão prejudicial como qualquer grande inimigo!
Ponho este caso, evidentemente verdadeiro, com o fim de anatematizar um mal que todos condenam, que todos verberam, que todos ridicularizam, mas que. havemos de convir, vive, reina verdadeiramente, domina e avassala toda a administração pública.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: habituado a procurar sintomas ou outros elementos de diagnóstico, pergunto muitas vezes aos que na periferia directamente se encontram vinculados a este ou àquele aspecto da vida de todos os dias a sua opinião sobre os fenómenos, e assim tenho podido apreciar na sua simplicidade a falta de harmonia de que enfermam tantas medidas.
Há tempos, alarmado com as queixas no meu concelho pela falta de carne, perguntei aos talhantes a razão do facto. Vim a averiguar que, aos talhantes de Faro, Olhão e Portimão, lhes era atribuído um bónus por quilograma de carne de vitela de 4$, enquanto os de Tavira, Vila Real de Santo António, etc., beneficiavam apenas àquele título de 2$. Isto na mesma província, a dois passos mis dos outros.
Julgo que esta anacrónica medida já acabou, mas a moralidade da história é a possibilidade facílima com que se aplicam critérios destes!
Somos um país cheio de particularismos, onde cada um, se o deixarem, pretende construir o seu templo, formar o seu clã, sem a preocupação sadia, salvo honrosíssimas excepções, de aplicar critérios rasgados e de larga projecção. O que é preciso é fazer inovações ou pseudonovidades, ainda que se não apliquem a todo o País, e o resultado é este: assistência mais ampla no Ministério das Corporações do que no eufemística e pomposamente chamado Ministério da Saúde e Assistência.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não descortino que interesses se possam sobrepor ao arranjo e reajustamento lógico das funções destes dois Ministérios, tanto mais que a Nação já se pronunciou através desta Câmara contra as duplicações. Quanto a mim, uma coisa são as instituições que desejamos salvaguardar e manter e outra é o serviço de saúde destinado a servi-las e a servir a Nação de uma maneira geral e que, consequentemente, deverá ter um comando único, como é óbvio!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não vejo ainda em que possa ficar diminuída a acção meritória, necessária e a todos os títulos útil de um Ministério como o das Corporações se para seu serviço e em determinado sector - o da assistência - entregasse ao Ministério específico essa tarefa!

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Assistência de todas as maneiras e matizes, com os mais variados modelos de impressos, se bem que, repare-se, a unificação da papelada não trouxesse encargos a mais aos diferentes organismos, bastando para se distinguirem um pequeno timbre específico de cada um. Assistência com os mais variados sistemas, englobando a família e excluindo-a, apesar de nos dizermos adeptos de Deus, Pátria e Família, com livre escolha de médico e com médico privativo, e daqui a pouco sem médicos, à força de tanto se inconsiderar o seu trabalho e as suas razoáveis aspirações. E queira Deus não venha a criar-se a carreira médica apenas- para alguns hospitais, o que seria tão anacrónico como se por exemplo, a carreira militar fosse apenas limitada aos regimentos de caçadores n.º 5 e infantaria n.º 1.
Permitam VV. Ex.ªs que me detenha um pouco mais nesta matéria para apontar algumas deficiências que estão na base do desconcerto a que vimos assistindo.
Um belo dia o Governo entendeu passar os hospitais das sedes de distrito a regionais e deles exigir apoio para os casos que não pudessem ser tratados nos hospitais das sedes de concelho, hoje sub-regionais. Simplesmente, esqueceu-se ou ignorou que os médicos que aí trabalhavam, e continuam a trabalhar, tendo oferecido em muitos casos os seus serviços gratuitamente para o concelho apenas, vêem-se agora assoberbados com os doentes de todo um distrito, mercê daquela determinação.
Deixando para outra ocasião os hospitais sub-regiouais, onde quase todos os serviços são gratuitos ou simbolicamente remunerados, assiste-se à entrega da responsabilidade pela qual o Governo, directa ou indirectamente, por meio de subsídios convenientes, deveria obrigar-se, total ou complementarmente, conforme os casos, aos hospitais regionais, que, por sua vez, por falta de meios, a descarregam sobre os médicos, procurando vinculá-los em muitos casos moralmente apenas.
Vou pôr um caso concreto para VV. Ex.ªs apreciarem.
Um doente vindo de um hospital sub-regional baixou ao regional por necessitar de uma intervenção que se supõe urgente. O cirurgião do hospital regional observa-o, concorda com a necessidade da intervenção e manda-o seguir para Lisboa, alegando que o serviço de cirurgia é só para o concelho do hospital regional.

O Sr. António Maria Santos da Cunha: - Não pode fazê-lo.

O Orador: - Não conheço casos fatais, mas não exagero se admitir que podem vir a dar-se. Num caso destes quem tem a responsabilidade, sobretudo se as instâncias superiores já tiverem sido devidamente prevenidas de que os médicos só aos doentes do concelho respectivo prestam gratuitamente, note-se bem, assistência?!
Não faltariam num caso fatal as imprecações contra os médicos, mas ninguém ainda admitiu que se mandasse trabalhar especialistas ou técnicos de qualquer outra espécie sem remuneração condigna, e às vezes que remuneração! ...
Que culpa têm os médicos, só pelo facto de serem médicos, de haver quem não possa pagar os seus honorários? Não será um encargo que deveria recair na sociedade em geral, e não só naqueles?
Porque persistir em não resolver a situação dos hospitais e, consequentemente, do pessoal que ali presta os seus serviços? Continuamos a viver nesta matéria em grande parte à custa de uma classe que, em vez de ser protegida, tem visto desaparecer com rapidez impressionante a tão célebre e afamada clinica livre que Deus haja(!) e que outrora era a compensação dos serviços gra-[Continuação]

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tuitos que deliberadamente prestava. Realmente, nessa época o médico, de boa vontade e até sem que o solicitassem, nunca hesitou em prestar assistência gratuita, quer nos consultórios, quer nos hospitais, mas tinha a sua compensação na clínica livre, hoje desaparecida.
De um pequeno inquérito que fiz às condições de trabalho nos hospitais regionais, excepção feita aos hospitais de Lisboa, Porto e Coimbra de características especiais, t; do qual vou dar a VV. Ex.ªs ligeiro conhecimento, cheguei à conclusão de que a classe médica se encontra realmente no último degrau das preocupações governativas.
Vejamos:
Nos hospitais de Beja, Faro, Santarém e Vila Real os serviços prestados pelos médicos são inteiramente gratuitos. Repare-se que se trata de hospitais regionais!
Quanto às gratificações percebidas nos outros, vão de 100$ e 150$ em Aveiro, 300$ em Portalegre, 600$ em Évora, etc., a 2500$, ordenado do director clínico do hospital de Viseu. A Santa Casa da Misericórdia de Viana do Castelo, onde, no dizer do seu provedor, os médicos ganham menos que o porteiro, pois percebem 500$ mensalmente, o cirurgião, que vem do Porto operar duas vezes por semana, ganha 4000$ mensalmente.
Já tenho pensado se não será considerado astronómico, para médicos, um ordenado assim!

O Sr. António Maria Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. António Maria Santos da Cunha: - O problema dos médicos dos hospitais regionais parece que deve ser analisado com uma verta clareza.
Não acredito que um médico-cirurgião do Porto vá a Viana só por 4000$ mensais. V. Ex.ª sabe muito bem que quando há um concurso para médico nos hospitais existe sempre uma grande disputa por esse lugar e até se mexem influências nesse sentido. Tudo isto porque há doentes que pagam, e pagam bem, o que faz com que. na realidade, os médicos-cirurgiões não ganhem só 4000$ mensais, mas muito mais.

O Orador: - O mal está nisso mesmo. Em Portugal as intervenções são caríssimas. A exemplo do que sucede lá fora. urge que elas desçam a um nível acessível, de modo que todos possam pagar.

O Sr. António Maria Santos da Cunha: - Mas então já temos que pôr a caridade de parte. Já não temos que colaborar.

O Orador: - Temos, mas só em casos não cobertos pela previdência.

O Sr. António Maria Santos da Cunha: - Esse problema está resolvido com contratos que estão a ser estabelecidos.

O Orador: - Não admitimos que qualquer técnico de outras profissões, um engenheiro, um arquitecto, perceba ordenados por todos os trabalhos que execute ou em que intervenha, e só os médicos tenham de continuar a trabalhar gratuitamente.

O Sr. António Maria Santos da Cunha: - Eu próprio irei levantar aqui um problema gravíssimo, que foi terem-se estabelecido subsídios pára os médicos dos hospitais centrais, o mesmo não sucedendo com os dos hospitais regionais. Mas isso não quer dizer que todos trabalhem de graça.

O Orador: - O cirurgião não pode ser posto ao nível dos médicos de clínica geral, que, como V. Ex.ª sabe, nos hospitais não ganham nada além da gratificação.

O Sr. Proença Duarte: - Posso dizer a V. Ex.ª que em Santarém as duas equipas de cirurgiões fizeram no ano passado 1403 operações de grande cirurgia a pobres e pensionistas sem receberem um tostão.

O Sr. António Maria Santos da Cunha: - Mas pergunto a V. Ex.ª quais foram os honorários que os mesmos receberam no conjunto.

O Sr. Proença Duarte: - Nenhuns.

O Orador: - Perante tanta discrepância e tão edificante organização, não me parecem necessários mais comentários, limitando-me, com todo o respeito, mas a que não pode ser alheio um grande pesar, a pedir que o Governo medite nestas degradantes realidades.
Previdência que, embora grandemente melhorada muito recentemente, exclui de facto, apesar de ter deixado de ignorar, mais de um milhão e meio de trabalhadores do sector primário, que quando chegar a velhice têm de mendigar uma côdea nos asilos ou arrimar-se à economia precária dos seus parentes. E até exclui, por ironia, os servidores da própria assistência!
Pacem in Terris, pregou o grande João XXIII, mas paz sem tranquilidade e um mínimo de conforto material não creio que seja possível.
Há tempo li num jornal, aliás insuspeito em matéria de filiação, sob o título «É Preciso Agir», o seguinte:

Se não for profundamente reorganizada e unificada a vida administrativa nos sectores económico, social e assistencial, qualquer que seja o Ministro, terá de se limitar a ficar aquém da tarefa que se lhe impõe.

Mas tem alguém dúvidas de que as coisas se passam assim mesmo?!
Esta diversidade de critérios que venho a apontar, e que deveria constituir excepção rara, estende-se, pelo contrário, aos mais variados sectores, e, assim, temos: economia devidamente acautelada nalguns sectores da produção, noutros completamente abandonada, apesar das solicitações nesse sentido, protegendo-se, portanto, os interesses de uns e postergando-se os de outros; aumento do preço dos adubos e da sêmea, não se permitindo a subida dos produtos agrícolas, como se todos não vivessem na mesma lei e não houvesse necessidade de um arranjo global; ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... energia eléctrica, considerada o fulcro de qualquer país em desenvolvimento, com preços proibitivos nalgumas zonas, invalidando-as para a industrialização e progresso. Este é outro sector onde a balbúrdia é gritante, chegando a haver no mesmo concelho enormes diferenças de preços; televisão que só alguns vêem, etc.. etc.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: estes breves apontamentos, que representam apenas vontade de servir o País, chamando para os problemas a atenção do Governo, e que não pretendem, ai de mim, atingir pessoalmente ninguém, vão naturalmente perder-se no desconhecimento ou na inconsiderada apreciação de quem não tenha a alta e nobre noção de que mandar é a forma mais difícil de servir.

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Sei que Roma e Pavia se não fizeram num dia. Mas também é verdade que o tempo já deixou de ser factor que possamos invocar em nossa defesa em presença dos problemas que ainda não fomos capazes de resolver.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Disse um grande estadista: «quem, se coloca no terreno nacional não tem partidos, nem grupos, nem escolas; aproveita materiais conforme a sua utilidade para reconstruir o País: tem a grande, a única preocupação de que sirvam e se integrem no plano nacional».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Porque acredito na sinceridade e justeza destas palavras, aqui deixo, dentro dos princípios que elas definem, um pouco da minha alma a propósito de alguns retalhos da vida do País, que tanto amo e que desejo próspero.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Se nos não compenetrarmos todos, dirigentes e dirigidos, de que acima de nós próprios, dos nossos egoísmos, das nossas fraquezas e vaidades, deve pairar o superior interesse nacional e que a ele devemos entregar-nos com todas as nossas faculdades físicas e intelectuais, se não enveredarmos deliberada e heroicamente por este caminho, «havemos de chorar a doutrina, posto que a acção a não mereceu!».
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1964.
Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Cândido.

O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: em política, principalmente, tenho verificado que os argumentos, quando válidos e reiterados, raro logram manter-se actuais na memória dos- homens. Sucede até que o fenómeno aumenta de intensidade quanto mais os argumentos se reafirmam. Uma espécie de insaciedade na busca do diferente - ainda que pior - na qual se sepultam os factos e as lições.
É isto mau, como sistema de vida, por trair a verdadeira expressão da vida.
Assim, dá-se a cada instante o rompimento com o dia de ontem e os homens não cessam de aproar ao desconhecido, sem nenhum amor A esteira que vão deixando.
Experiência, esforços, vitórias, o teor do melhor, mesmo este, não passa de recheio escusado.
Raízes, para quê?
O amanhã será dos que o alcançarem. Esses que trilhem os caminhos oferecidos pelo destino, sem direito a heranças, a avisos, a conselhos.
Péssima filosofia, mas filosofia que está a pedir revisão e combate, por causa dos destroços já existentes e pela tendência para se olvidar mais o bem do que o mal.
Vêm estas reflexões como introdução ao que vou dizer sobre a proposta de lei que estamos apreciando.
Desde 1928 que mão firme segura o leme da estabilidade financeira. E não é só o crédito restabelecido e consolidado; a moeda que pulou de valor; as contas que se tornaram exactas; a acentuada melhoria no sector das comunicações; a cura das ruínas e chagas que desfeavam e diminuíam o corpo do País; a mudança de estilo de vida, pela salutar adopção de novos e rigorosos moldes; o avanço nos domínios do espírito, pelo saneamento e alargamento dos meios e instrumentos de cultura. Não é só tudo isso, que é o bastante para dignificar e justificar um regime. Foi ainda a expansão económica, com os seus ganhos morais e materiais, designadamente através de planos estudados e cumpridos com os escrúpulos da plena responsabilidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Talvez valha a pena recordar, a propósito, este pequeno, mas grande trecho do Relatório do Orçamento Geral do Estado para 1958:

... por mais diversas que sejam as concepções doutrinárias que estão na base de actuação dos governos, as políticas de que estes se servem para as projectar nos factos e as estruturas que lhes são subjacentes, uma condição há por todos reconhecida como necessária à regularidade do desenvolvimento: a estabilidade financeira interna.

E ainda estas outras breves palavras - breves, mas profundas -, escritas no mesmo Relatório, a concluir:

Numa Europa que não se reencontrou ainda, o nosso exemplo nesta matéria não tem apenas o valor de um símbolo. Constitui «alicerce, consolidado e estável, para obra duradoura».

A estabilidade financeira. Um facto corrente da nossa política interna. Corrente e com mais de três décadas. Por isso mesmo tido na conta de sucesso a que nenhuma ou pouca atenção se deve, uma vez transformado, como tem sido e está sendo, em norma todos os anos prescrita e todos os anos observada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas em Março de 1961 o País é sacudido em África. Pela imensa fronteira norte de Angola irrompem as hordas terroristas. Não as move a razão. Impele-as o ódio, alimentado pelos ventos que sopram de três quadrantes. Não os da história, que se soltam dos desígnios naturais e normais. Mas os que vêm do Leste, rajados de vermelho. Não os que nascem segundo o império da lógica. Mas os fabricados por gente fatalmente propensa a mostrar mais poder físico do que experiência histórica, e oxalá não venha a ser perturbada, mais do que tem sido, em sua própria casa. Não os que a inteligência do destino ditaria, mas os que povos aglutinados, em arremedo de terceira força, desencadeiam com A mira de os fazer valer em seu total proveito, se os grandes preferirem abdicar, nada construindo de realmente útil a favor da paz efectiva.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Até para cá das linhas em perigo, onde morrem portugueses para que Portugal não morra, um transviado qualquer pode esquecer-se de agradecer aos mortos o inestimável bem de viver em próspero sossego ou

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pode ter o esquisito gosto de dizer que a província mártir se sacrificou pela metrópole durante a última guerra, o de afirmar isto sem nenhum respeito pelos incontáveis sacrifícios que ao longo dos séculos a metrópole dispensou à mesma província, e continua a dispensar, aturada e estòicamente, sendo certo que os sacrifícios de qualquer parcela do País. feitos a bem do todo nacional, não representam mais nem menos do que pura e inevitável resultante da unidade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Logo no primeiro ano - no trágico ano de 1961 -, um excesso de despesas de 3 milhões de contos, e por aí fora, mais somas de extraordinário vulto No entanto, esses excessos de despesa foram até aqui - já lá vão mais de dois anos - fundamentalmente cobertos com o excedente de receitas ordinárias, o que já foi considerado por quem dispõe da necessária autoridade, e como se recorda no relatório que precede a presente proposta de lei, «quase um milagre da nossa administração».
Que sistema financeiro é este, dotado de tanta capacidade de previsão, de tanta elasticidade, como já vi referido, que resiste a tão fortes pressões e que é capaz de se adaptar, com tanta rapidez e eficácia, às novas e graves condições que nos foram impostas?
Que poder estranho é o desta política financeira tão atilada e persistentemente seguida?
Então as gentes desmemoriadas, as de boa e má fé, abrem os olhos para a realidade com um estremecimento novo. Ela impressiona. Redobrou de valor. Convence, impõe-se. É uma conquista que passou as fronteiras e tomou a atenção de amigos e inimigos - uns para a admirarem francamente, outros para a receberem com o seu rancor levado ao rubro.
Entretanto nós - nós, que fomos sempre justos - temos o dever, aliás indiscutivelmente grato, de evocar mais uma vez, e desta vez com especial veemência, transbordaste de fé e confiança, a figura ímpar desse que está no coração da Pátria, para o escutar e servir, escutando e servindo o seu próprio coração.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ele tem interpretado assim, dia a dia - e praza a Deus que não se canse de interpretar por dilatado tempo-, a ansiedade dos nossos dias com tanta razão e autenticidade que já não se trata, unicamente, do que foi e está sendo, mas de uma verdadeira e espantosa avançada no futuro.

Agora mesmo, pouco antes de subir a esta tribuna, li as páginas recentes em que um grande advogado de Franca nos oferece algumas notas de relevante e oportuno interesse sobre a personalidade do Chefe do Governo Português:
O que diz, di-lo com segurança. Nenhuma dúvida sobre o seu próprio pensamento parece nele aflorar. De uma regularidade e de uma- firmeza de alma constantes, dá a impressão de que possui maior densidade humana do que os outros homens, entre os melhores que encontrei.

E a convicção de Maître Isorni continua a revelar-se justa e plena neste face a face traduzido com impressionante eloquência:

Tenho a certeza, Sr. Presidente, de que vós sois neste momento o último defensor do Ocidente, a última muralha - o rochedo contra o qual as ondas se obstinam.

Convicção tão plena e tão justa como a que se tira ainda desta síntese, que sabe a legenda:

Salazar disse não aos demónios do seu século, em vez de se curvar para os servir. Conservou a fé na sua fé. Fiel à sua razão de ser e à missão que se impôs, lutou, manteve-se e resistiu ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: que poderemos nós, em sã consciência, negar a um governante assim?
Faltou ele, porventura, ao exacto cumprimento das normas que a si próprio se impôs?
Onde estão os lapsos do seu carácter, que a crítica objectiva, por mais severa e porfiada, jamais assinalou?
Não tem sido o guardião atento e certo dos nossos legítimos interesses?
Essa política de ressurreição das nossas forças não a encetou ele a tempo de as utilizar agora, como argumento supremo, em defesa da integridade nacional?
Quem fez das finanças deste país um baluarte apetrechado de reservas capazes de enfrentar as horas graves?
Não terá este governante procedido com tanto saber e eficiência que o seu valor já não cabe só em Portugal, mas ainda no mundo que o aceita e até no mundo que o discute?
Lutamos em África. Não é só por sua vontade. Melhor: decisivamente, nem é por sua vontade. É por vontade do País. Mais: por vontade dos vivos e dos mortos, que uns e outros estão nesta cruzada de almas unidas no sagrado afã de defender a Pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Que mais provas poderemos querer ou mais garantias poderemos exigir?

Elas são tantas que maior, extraordinariamente maior, tem sido a perseverança em dá-las do que o ilícito e encarniçado propósito de as pôr em dúvida, aliás, contra a evidência e contra a justiça.

ão estou dizendo isto para convencer os que estão convencidos, nem para explicar um valor que está assente. Estou expondo para concluir e também para chamar às realidades algum recalcitrante ou demorado de compreensão, estranho, certamente, aos que me escutam, pois aqui, considerando todos, a quem devo respeito e estima, não vejo nem sinto quem possa ir contra a verdade ou pensar sequer em denegri-la.
É que nesta Lei de Meios para o ano de 1964 existe uma séria inovação sobre a qual cada um de nós deverá pronunciar-se através da palavra e do voto ou por meio deste ùnicamente. É a inovação contida no artigo 3.º da proposta, pela qual, uma vez aprovada, o Governo, com o fim de «garantir o equilíbrio das contas públicas o o regular provimento da tesouraria», ficará autorizado «a proceder, de harmonia com as exigências dos superiores interesses nacionais, à adaptação dos recursos às necessidades, com vista a assegurar a integridade territorial do País e a intensificar o desenvolvimento económico das suas diferentes parcelas, podendo, inclusivamente para ocorrer a encargos da defesa, reforçar rendimentos disponíveis e criar novos recursos», para o que o Ministro das Finanças poderá «providenciar no sentido de obter a compressão das despesas do Estado « das entidades e organismos por ele subsidiados ou comparticipados, reduzir ou suspender as dotações orçamentais e restringir a conversão de fundos permanentes».

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Séria inovação, porquê?
Em 35 anos de estabilidade financeira o Governo nunca se encontrou, como agora e com vista ao ano de 1964, perante uma situação em que tivesse de adaptar toda a disciplina sobre receitas e utilização de recursos a uma conjuntura em que as despesas se mostrassem susceptíveis de aumentar em ritmo imprevisível e acelerado.
O País suportou até aqui, utilizando, fundamentalmente, o excedente das receitas extraordinárias, e graças à avisada política financeira seguida, os vultosos gastos a que o obrigaram.
Talvez não seja inútil trazer à luz dos nossos olhos este penetrante confronto:
Na chamada Primeira Grande Guerra mobilizámos alguns milhares de homens. Nem de longe o número dos mobilizados atingiu o de agora. Pois todo o País sentiu o acontecimento de uma forma terrível. Várias casas de comércio - muitas - chegaram a funcionar como bancos emissores, lançando na circulação, limitada aos respectivos clientes, pequenas notas ou cédulas destinadas a facilitar as transacções. As tropas seguiam mal equipadas. E seguiam. Deus sabe como, em navios, alguns deles incríveis. Em regra, os porões abriam-se, como sorvedouros de gente aos montes. Uma vez à beira de entrarem na linha de fogo, os nossos aliados de então supriam as faltas, em especial quanto a artigos de vestuário e armamento. Não se via nem se percebia que existisse a indispensável organização.
Muito ao contrário, reparamos em que mal se dá conta de que temos em armas no ultramar muitas dezenas de milhares de homens bem armados e equipados, conduzidos aos seus postos na mais perfeita ordem, dotados da melhor e mais moderna preparação militar e atendidos por exemplares serviços de abastecimento e de saúde. E isto. com seus poderosos começos nos meados de 1961.
A clara lição que se desprende do choque entre estas duas tão diferentes situações chegará para ensinar uma multidão de espíritos pouco informados ou pouco reflexivos.
Mas vamos ao que mais de perto reclama a nossa atenção:
Por um lado, todo o escrúpulo do Governo em respeitar a disciplina orçamental, especialmente no que toca a receitas e utilização de recursos.
Por outro lado, o facto irremovível de que em tempo de hostilidades, com operações militares a desenvolver, para mais no ultramar, o Governo não pode seguir processos morosos para a arrecadação de receitas ou utilização de recursos.
Então, no plano da pura honestidade, o Governo não permaneceria fiel a si próprio - e não tem sido essa, de maneira nenhuma, a sua norma- se anunciasse a disposição de manter o equilíbrio financeiro sem pedir a esta Assembleia a confiança e os poderes indispensáveis para corresponder à imprevisível variabilidade das despesas.
E atente-se em que o Governo, ao formular o seu pedido à Assembleia, fá-lo também com o propósito de não descurar, e antes incentivar, quanto possível, as medidas destinadas ao desenvolvimento económico, pois o Governo sabe que sem tal desenvolvimento não poderia mesmo haver defesa eficiente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É isto, precisamente, o que está afirmado nalgumas passagens do relatório que precede a proposta de lei, nas quais, após a alusão à fase de desenvolvimento económico em que se encontram todos os territórios nacionais, ao condicionalismo que nos é imposto, à necessidade de rever certos aspectos da nossa política económica e financeira, se vinca que «para a defesa dos, superiores interesses nacionais, se torna necessário que, sem prejuízo da estabilidade financeira e da indispensável flexibilidade, uma parte cada vez mais elevada de recursos seja reservada e orientada para o desenvolvimento da produção, sem afectar a prioridade que se confere às despesas de defesa».
E é notável -realmente notável- o saber-se que em Angola, açoitada por grosso vendaval, se registam progressos de apreciável monta no desenvolvimento agrícola, na indústria extractiva, na indústria transformadora, no comércio externo, a ponto de no relatório a que me reporto se dar acentuada nota de que «reflectindo a melhoria da actividade económica da província, o crédito concedido e os depósitos efectuados nos bancos da província aumentaram consideràvelmente nos primeiros meses do ano».
Acho este relatório, como os mais que nos têm sido oferecidos pelo Sr. Ministro das Finanças, amplamente elucidativo e superiormente elaborado. Mas julgo descobrir, para além das suas páginas cheias de informações e ensinamentos, o redobrar de fé num homem que está há longos anos em posição de sacrifício e que tudo deixa para os continuar com resignada inteligência e inexcedível patriotismo.
A sua modéstia, tão visível como incontestável, o recolhimento em que prefere refugiar-se para melhor estudar os problemas do seu difícil Ministério e neles meditar frutuosamente, a sua ilimitada dedicação, até o dom com que sabe combinar o seu próprio trabalho com o dos especialistas que com ele colaboram, têm jus ao geral reconhecimento.
Será o firme e elevado critério que tem posto, sem o mais leve desvio ou quebra, ao serviço da administração financeira o mais directamente responsável pelo futuro uso da autorização solicitada no artigo 3.º da proposta.
Mais directamente responsável, pois todo o Governo será também responsável, e nós sabemos como este, por si e pela superior direcção que o ajuda, se tem desempenhado com honesto rigor do difícil encargo de aplicar as verbas ao seu alcance.
A Câmara Corporativa, no seu proficiente e sólido parecer, a cuja leitura procedi, ainda que rapidamente, dada a estreiteza do tempo que mediou entre a sua publicação e o uso que estou fazendo da palavra, ao referir que o montante atingido pelas despesas com os serviços de defesa militar afecta necessariamente o ritmo da actividade económica de um país, observa que «só num equilibrado e clarividente aproveitamento de forças, quase ignoradas, da economia portuguesa podemos encontrar explicação para o facto de não se ter sentido mais duramente o esforço que se está levando a efeito».
A nota, além de corresponder à verdade, desenha-se num fundo de preocupação crítica e é reveladora de total e aberta franqueza.
Sr. Presidente: não cheguei, hoje, a este lugar para fazer um minucioso exame - ainda que limitado ao meu modesto fôlego - da nova Lei de Meios. Preocuparam-me e preocupam-me os seus aspectos políticos, e, entre eles, o mais saliente. Assim, disse, a propósito, às golfadas de sinceridade, aquilo que estuava em mim, dominando-me a alma. O certo é que fui em tudo coerente, pois nestes assuntos ligados à sobrevivência da Pátria não conheço outro caminho que não seja o dela própria. É com profunda emoção que o afirmo. Com a mesma emoção que percorre o ânimo dos nossos soldados

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e está fazendo deles, no Portugal de África, nobres e denodados defensores do nosso direito à existência livre de sinistras ambições alheias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sinto e sei que corremos riscos. Mas também sei e sinto que os portugueses, ao longo da sua história, se ergueram para vencer, e venceram, muitos perigos.
Este é mais um lance em que a vida e a fazenda contam menos do que tudo quanto tem de ficar de pé.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: como habitualmente o tenho feito desde que entrei para esta Câmara, subo a esta tribuna para apreciar uma nova proposta de lei de autorização de receitas e despesas. E, como também é meu hábito, destaco os elementos que se referem à saúde pública e assistência, à política do bem-estar rural e às providências sobre o funcionalismo, para sobre eles fazer algumas considerações que considero indispensáveis ou que julgo possam ter certo interesse político.
Versarão estas sobre os resultados obtidos pelos nossos serviços e sobre o que podemos e devemos esperar do Governo em tais matérias, quer através das medidas já promulgadas, quer por meio de outras que venham completar as existentes. Gomo as demais vezes, procurarei ser breve e limitar-me ao essencial.
Antes de as iniciar quero dar conta da minha satisfação por verificar que, mais uma vez, o relatório da proposta se caracteriza pela clareza, seriedade e inteligência da exposição e também porque nele se reafirma o propósito de manter o equilíbrio financeiro que tem caracterizado todas as propostas precedentes. O esforço financeiro que a Nação tem tido que suportar por efeito desta guerra que nos impuseram e com a qual pretenderam a nossa desagregação não quebrantou o ritmo de desenvolvimento económico e social e nem modificou a sequência dos nossos empreendimentos. A guerra não abalou os sentimentos patrióticos dos portugueses da metrópole, não alterou os das províncias ultramarinas e até promoveu um movimento admirável do fortalecimento do apoio que constantemente tem sido dado ao Governo e, em especial, ao ilustre Presidente do Conselho e nem perturbou a serenidade do Sr. Ministro das Finanças nem dos seus ilustres colaboradores.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Por tudo isto, aqui lhes tributo as minhas mais sinceras homenagens.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não há ninguém que não saiba que a política ultramarina do Governo tem tido a apoiá-la a esmagadora maioria dos portugueses de todas as raças, em manifestações exuberantes e bem significativas, que temos acompanhado com o mais vivo entusiasmo e que tiveram a sua mais alta expressão na reunião de 27 de Agosto e na triunfal viagem que o venerando Chefe do Estado, sem olhar a sacrifícios ou perigos, resolveu fazer através das portuguesíssimas províncias de Angola e S. Tomé.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Seja-me permitido, ao usar da palavra pela primeira vez nesta Câmara depois desses acontecimentos, que aproveite o ensejo para dirigir as mais respeitosas saudações a SS. Exas. o Presidente da República e o Presidente do Conselho.
Conhece a Câmara as atitudes que tenho assumido e as ideias que tenho expendido acerca de alguns problemas da saúde pública, através das intervenções que aqui realizei a propósito das propostas deste género, do projecto da reforma da previdência, do Estatuto da Saúde, da Lei de Saúde Mental e das contas públicas.
Mantenho as afirmações que aqui tenho feito e oriento-me pelos mesmos princípios. Por isso mesmo nem preciso de as repetir ou recordar nem tenho que as rectificar. A orientação geral das considerações que vou fazer é a mesma de sempre.
No capítulo da política de saúde pública, volta o Governo a destacar a importância da luta contra a tuberculose e da assistência às perturbações da saúde mental, às quais reconhece prioridade, entre as demais. Esta Câmara sempre se mostrou de acordo com esta orientação, visto reconhecer que são dois sectores da maior importância sanitária entre nós. As discussões que no ano passada aqui se travaram demonstraram, sem sombra de dúvida, que a Câmara dará o seu apoio a esta indicação prioritária.
Desejo renovar as minhas felicitações ao ilustre Ministra das Finanças pela persistência com que tem mantido as verbas necessárias à prossecução da luta antituberculosa, demonstração clara de que conhece a delicadeza do problema, de que se não desorienta com os êxitos obtidos na redução das taxas de mortalidade, de que sabe que só com a persistência e o alargamento do combate se obterá o domínio de tão grande endemia nacional. Ele está seguro de que o combate à tuberculose é uma luta cara e que exige muitos anos de trabalho ininterrupto e sabe também que se iludiram todos aqueles que julgaram poder montá-la com planos baratos e a curto prazo.
O mapa das comparticipações anuais nos encargos da sustentação do Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos e do Hospital-Sanatório da Colónia Portuguesa do Brasil e dos encargos de assistência aos tuberculosos pobres e indigentes em estabelecimentos adequados mostra claramente como as verbas aumentam de ano para ano, passando, em 1955, de 56 000 e de 19 000 contos e atingindo no ano de 1963, respectivamente, 135 031 e 24 500 contos.
As da assistência aos funcionários civis tuberculosos variaram entre 15 000 e 8000 contos.
Quer dizer: em oito anos, passaram de 88 000 para 167 500 contos, ou seja um aumento de cerca de 100 por cento.
É justo que se diga o que se tem feito e qual o rendimento deste admirável esforço financeiro. Para tanto, formulo três perguntas e apresento os elementos de que disponho para lhes responder.
Como se tem utilizado esse dinheiro?
A aumentar o número de camas para sanatorizar tuberculosos; a alargar a rede de dispensários e consultas-dispensários; a adquirir unidades móveis de radiorrastreio; a multiplicar as brigadas móveis de provas e de vacinação; a distribuir largamente medicamentos etiotrópicos; e a melhorar os serviços.
Nestes oito anos o número de camas para recolher tuberculosos em sanatórios e enfermarias-abrigos passou de 6675 para 11 100; os serviços dispensariais passaram de 106 para 193, isto é, foram reforçados com 87 novas unidades, e assim se dispõe hoje de uma rede de 93 dispensários fixos, 1 dispensário móvel e 102 consultas-dispensários;

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reforçou-se o equipamento em aparelhos de radiofoto, que hoje é constituído por 7 aparelhos fixos e 17 unidades móveis; passou-se de 3 para 16 o número de brigadas móveis de provas e vacinação; e aumentou-se substancialmente a distribuição gratuita dos antibióticos de 1.º e de 2.a linha, dentro das condições estabelecidas.
Quais têm sido os resultados obtidos?
Pelo que se refere aos sanatórios, conseguiu-se suprimir a demora dos internamentos, acabar com a «bicha» para a sanatorização. Desde há dois anos que a admissão, tanto de homens como de mulheres, se faz imediatamente e assim se tem podido fazer, cada vez com mais frequência, o internamento precoce, que tanta importância tem para uma mais curta sanatorização e para um melhor êxito do tratamento.
O movimento dos dispensários quase que duplicou no que respeita a consultas - mais 290 956 consultas do que em 1955. Da análise dos números ressalta que aumentou subitamente o número dos que se inscreveram pela primeira vez, mas verifica-se também que entre eles se encontra cada vez maior número de indivíduos sem doença. Efectivamente, a diferença nestes oito anos é de mais 79 610, mas enquanto entre os 64 591 de 1955 havia 22,3 por cento de tuberculosos em actividade, nos 143 201 de 1962 não se registaram senão 10,7 por cento de tuberculosos nessas condições. Quer dizer: entre os que se fazem observar no dispensário há cada vez maior número de indivíduos sem doença evolutiva. Isso não pode resultar senão da campanha em marcha, do progressivo esclarecimento das populações, da consciência que vão adquirindo da gravidade desta doença, da colaboração activa que vão prestando e da confiança cada vez maior que vão revelando pelos nossos serviços.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - As nossas unidades de radiorrastreio, a despeito das condições em que trabalham, do estado dos caminhos que têm de percorrer, do estado dos edifícios em que têm de instalar-se, das frequentes avarias dos velhos e estafados aparelhos e dos não menos estafados carros de transporte, obtiveram, em oito anos, mais de 7 milhões de radiofotos.
As brigadas de vacinação votaram-se a um trabalho intenso, aumentando substancialmente de ano para ano o número de vacinados, de modo a sextuplicá-lo em 1962. Deste modo, no fim destes oito anos, o número de vacinados subiu para 1 264 529. Da acção conjunta de todos os elementos resultou uma baixa de 62,4 por cento na mortalidade de tuberculose pulmonar e de 36,7 por cento nas outras formas.
Quer dizer: o número anual de óbitos por tuberculose em Portugal foi, em 1962, de menos 220 indivíduos do que em 1955. A descida da taxa por 100 000 habitantes, tanto na tuberculose pulmonar como das outras formas, tem sido contínua, sem sobressaltos, baixando, respectivamente, de 53,2 para 32 e de 10,6 para 3,9.
É preciso manter a luta com este ritmo ou pode afrouxar-se?
Estes resultados substanciais não devem servir para justificar uma redução na concessão de subsídios nem um afrouxamento na prossecução da luta.
Assim o têm entendido, felizmente, com a sua clara visão de estadistas, o Sr. Presidente do Conselho e o Sr. Ministro das Finanças.
É preciso que as baixas da mortalidade pela tuberculose, os reclamos maravilhosos de novas drogas e os artigos optimistas publicados nos jornais não iludam os governantes, nem os médicos, nem o público.
É necessário manter no País o interesse pela luta e é preciso criar no público uma consciência sanitária cada vez mais forte c chamá-lo a uma colaboração activa cada vez mais intensa.

O Sr. Nunes Barata: - Muito bem!

O Orador: - É indispensável também evitar que os estudantes de Medicina- e os próprios médicos se interessem cada vez menos pela tuberculose-doença e pela luta antituberculosa. Uma visão errada tende a levar uns e outros a julgar que a doença é coisa já arrumada, sem interesse sanitário e sem recompensa material. Contra esta ideia, é preciso que as Faculdades de Medicina- esclareçam os estudantes de que a tuberculose continua a ser o problema sanitário número um do nosso país, que são precisos cada vez mais médicos esclarecidos para o combate ii endemia e que muitos dos fracassos da terapêutica são de origem iatrogénica, quer dizer: são os próprios médicos, e sobretudo os de clínica geral - os que primeiro observam e tratam os doentes e orientam os seus planos de tratamento -, os causadores das resistências medicamentosas, que tão desastrosas consequências nos acarretam, tanto no campo da terapêutica como no da profilaxia.
Inquéritos feitos, mesmo em zonas rurais da África, da Ásia e da América do Sul, demonstraram que 20 a 40 por cento dos doentes bacilíferos têm já resistência aos antibióticos de 1.a linha - os mais baratos e os mais conhecidos - quando chegam aos serviços especializados. Isto é o resultado de uma insuficiente assistência médica quantitativa e qualitativa dessas regiões e também da facilidade com que os doentes obtêm nas farmácias essas drogas sem receita médica. E o que acontece nessas regiões acontecerá, sem dúvida, em bastantes outras da Europa, onde a periferia, a zona rural, não está convenientemente assistida.

O Sr. Jorge Correia: - Muito bem!

O Orador: - Portugal não estará fora das graves consequências deste importantíssimo problema sanitário.

O Sr. Jorge Correia: - Muito bem!

O Orador: - O tratamento ambulatório, hoje tanto em voga, é também responsável por muitos casos da resistência medicamentosa. Os doentes, sem vigilância capaz e sem consciência sanitária bem esclarecida, mesmo que tenham recebido instruções precisas e convenientes, nem sempre cumprem. Da receita até à boca vai uma grande distância. Não basta observar os doentes, fazer diagnósticos criteriosos, estabelecer prescrições convenientes e distribuir gratuitamente os medicamentos. É preciso uma estrutura capaz de saúde, pública e uma vigilância constante.
Defendi aqui, no ano passado, a ideia de que nos devíamos lançar abertamento numa política de erradicação da tuberculose, aplicando ao nosso país os argumentos expendidos na reunião da Conferência Internacional da Tuberculose, em Toronto.
Mantenho o que aqui afirmei. Devemos intensificar a luta, aperfeiçoar os métodos, ajustar os programas para obtermos rapidamente, como primeiro escalão, aquilo a que se chama o controle da tuberculose - isto é, a detenção dos contágios, a paragem da transmissão. Só então ela deixará de ser um problema de saúde pública e se poderá passar ao escalão final - o da erradicação da tuberculose, a sua eliminação da comunidade.

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Há hoje uma noção precisa acerca de quando pode considerar-se devidamente; controlada a tuberculose - quando descer abaixo de 1 por cento a taxa de alergia de infecção, aos 14 anos de idade. É então que ela deixa de s>er um problema de saúdo pública.
A Holanda, que vai bastante avançada no combate, que já destinou à assistência psiquiátrica muitos dos seus sanatórios, tem hoje. entre as crianças de 18 anos, uma taxa de alergia de infecção inferior a 4 por cento.
Nós, infelizmente, estamos ainda muito longe destes números.
A nossa estatística revela-nos que dos 10 aos 14 anos, em 1962, no Centro de Profilaxia de Lisboa, a alergia de infecção foi de 49 por cento, no do Porto de 61,8 por cento e no de Coimbra de 45,4 por cento e que, em várias zonas do País, entre 88 243 indivíduos com idades compreendidas entre 10 e 14 anos, a taxa de infectados revelada pela reacção à tuberculina foi de 84,9 por cento. Estamos, infelizmente, ainda muito longe de um contrôle satisfatório da tuberculose.
Por outro lado, dos 15372 inscritos em 1962, nos dispensários, por doença, 20 por cento dos homens e 11,5 por cento das mulheres tinham baciloscopia positiva na expectoração, o que dá uma média de 16,7 por cento, isto é, cerca de 2600 destes doentes espalham a tuberculose à sua volta, ou seja 1 em cada 6 inscritos.
Estes dois elementos e a nossa taxa de mortalidade (apesar da baixa sofrida) impõem-nos o dever de não afrouxar a luta; senão, corremos o risco de ver perdido todo o trabalho realizado e agravado subitamente este já grave problema sanitário.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, para não afrouxar a luta, são necessárias verbas suficientes para:

A) Intensificar a vacinação pelo B. C. G., aumentando o número de brigadas e substituindo os carros um que se deslocam;
b) Alargar o radiorrastreio, aumentando o número de unidades móveis e substituindo alguns dos aparelhos de radiofoto e dos carros que os transportam; c) Adquirir mais dois dispensários móveis para cobertura dos concelhos que não têm dispensários nem consulta-dispensário;
d) Melhorar as condições em que se encontram alguns serviços e criar meios de vigilância, esclarecimento e apoio de alguns outros;
e) Melhorar a remuneração do pessoal que trabalha na tuberculose, algum do qual se encontra muito mal remunerado, não só em relação ao trabalho que realiza como ao risco que corre e ao confronto com o de outros serviços congéneres.

O recrutamento para as brigadas, as unidades móveis, o radiodiagnóstico, etc., por isso mesmo, vai sendo cada vez mais difícil - os concursos ficam desertos e já tem sido necessário recorrer a pessoal que nem sempre tem a desejada preparação técnica. Já aqui confrontei a situação dos médicos das brigadas da luta antituberculosa com os das brigadas da tinha, como um dos elementos demonstrativos do que acabo de dizer.
Para se avaliar a necessidade da substituição de alguns aparelhos de radiofoto e dos carros e da melhoria das condições da sua assistência técnica, basta dizer-lhes que, na zona centro, a meu cargo, de Janeiro a Novembro de 1963, o aparelho do posto fixo e quatro dos móveis não puderam trabalhar, por avarias diversas, deles ou dos carros que transportam os últimos, num total de 205 dias.
Destes 205 dias, 156 pertencem aos aparelhos e 49 aos carros. Foram 205 dias perdidos para o trabalho de rastreio radiológico e foram deslocações inúteis e incómodas do público, sem qualquer proveito, e alterações várias de diversos programas já estabelecidos.

necessário que os rastreios radiográfico, tuberculínico e bacteriológico nos permitam prevenir, na mais larga medida possível, as formas graves de doença e a cronicidade por um diagnóstico precoce e por um tratamento imediato estabelecido e controlado nas melhores condições técnicas.

É preciso opor um dique cada vez mais forte à difusão da infecção, por meio de uma vacinação pelo B. C. G. cada vez mais extensa e realizada em boas condições técnicas e por um isolamento dos contagiosos cada vez mais rápido e mais efectivo.
Julgo, Sr. Presidente, ter apresentado à Câmara elementos concretos para responder às três perguntas que aqui formulei e assim concluo, por agora, as minhas considerações sobre a luta antituberculosa.
Sr. Presidente: nada tenho a acrescentar ao que já aqui disse, nos anos anteriores, sobre o problema da assistência às mães e às crianças, do ensino médico, da verificação dos medicamentos, da fiscalização da venda dos mesmos, da higiene industrial, da situação dos hospitais e das suas dívidas, das obrigações hospitalares das câmaras, etc. Os problemas mantêm-se com as mesmas características e eu não teria senão que reeditar o que já disse.
Quero, no entanto, aproveitar o ensejo para chamar para eles a atenção de S. Ex.ª o Ministro da Saúde, em cujo esclarecido espírito, vasta experiência, excepcionais qualidades de trabalho e especiais condições o País confia para solucionar ou marcar o rumo da solução de variados problemas sanitários que nos atormentam.
E quero também, ainda no capítulo da saúde pública, dizer algo acerca da medicina do trabalho, da educação sanitária e da política da saúde.
No decurso do ano de 1963 realizaram-se em Lisboa e na Figueira da Foz duas importantes reuniões médicas em que foram debatidos problemas da maior importância em saúde pública, e, especialmente, na medicina do trabalho.
Quero referir-me ao magnífico curso sobre a recuperação do grande traumatizado, realizado nos Hospitais Civis de Lisboa por iniciativa e sob a direcção do ilustre chefe dos médicos internos, e às excelentes jornadas de medicina do trabalho, realizadas na Figueira da Foz, por iniciativa de um grupo de médicos daquela cidade e sob o patrocínio do Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Médicos.
Numa e noutra se debateram problemas da mais alta importância e da maior acuidade, tanto no capítulo dos acidentes de trabalho como no de certas doenças profissionais que reclamam intervenção imediata dos Ministérios da Saúde e Assistência, das Corporações e da Economia.
E para se ver a importância nacional de alguns deles, a reclamar providências urgentes, basta citar que na primeira daquelas reuniões se afirmou que os acidentes do trabalho ocasionam, entre nós, uma perda de 10 milhões de dias de trabalho e um prejuízo de 2 milhões de contos, traduzido em dispêndio ou ausência de lucros. E disse-se também que a sinistralidade aumenta de dia para dia no nosso país. Na reunião médica da Figueira da Foz recordei estes elementos e fiz certas afirmações que agora reproduzo, pela importância nacional do assunto e

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pela necessidade de solucionarmos este problema de forma diferente daquela que está presentemente em curso.
Aqueles cálculos, que são devidos a um ilustre especialista de seguros, ultrapassam muito aqueles que foram referidos pelo nosso ilustre colega Veiga de Macedo, segundo o qual, em 1957, os encargos directos com os acidentes de trabalho, limitados a indemnizações, assistência médica e medicamentos, tinham ascendido a 20 0000 contos. Ora, como os encargos indirectos (representados por perdas de tempo, quebras da produção, danificações do material e das matérias-primas, etc.) são, pela estimativa dos técnicos, quatro vezes superiores aos dos directos, vemos que, em 1957, isso custou, pelo menos, 1 milhão de contos de prejuízos à Nação. Atente-se, porém, que, neste cálculo, só são considerados os prejuízos cuja responsabilidade foi transferida para as companhias de seguros e que só um terço da população, trabalhadora está abrangida pelo seguro.
Quero recordar aqui que o Dr. Veiga de Macedo salientou a importância e a gravidade do problema quando, em 1959, lançou a campanha nacional de acidentes do trabalho e afirmou que de 1949 a 1958 se registaram, a despeito de uma colheita incompleta de dados estatísticos por falta de participação de alguns acidentes, 2 500 000 acidentes de trabalho e doenças profissionais, dos quais 1 100 000 pertenceram aos distritos de Lisboa e Porto. O aumento registou-se com uma média anual de 9000 casos, passando, portanto, de 200 000, em 1949, para 276 000, em 1958, o que significa, para os 300 dias de 8 horas de trabalho, cerca de 2 acidentes por minuto.
Esses acidentes arrastam, em média, 4 por 1000 de incapacidade permanente e 1 por 1000 de mortes, e a morte ou a incapacidade permanente de cada operário corresponde à perda de 6000 dias de trabalho, segundo foi afirmado no 2.º Congresso Industrial Português. Ora, como só em 2 anos - 1957 e 1958 - morreram 1000 operários por acidentes de trabalho, devia ter havido cerca de 1 000 000 de acidentes nesses 2 anos, os quais deviam ter originado 4000 casos de incapacidade permanente.
Em sessão de 19 de Março do ano passado, o Dr. Veiga de Macedo recordou aqui como a Inspecção do Trabalho está carecida de meios para cumprir a sua importante missão, a despeito das medidas introduzidas por aquele ilustre Ministro das Corporações, que lhe agregou, em 1960, alguns médicos e engenheiros especializados. Ignoro, porém, onde e como foram especializados esses médicos. Ao Dr. Veiga de Macedo se ficou também devendo o despacho normativo de 13 de Maio de 1959, que, pela obrigação da inclusão nos contratos de cláusulas respeitantes à medicina do trabalho e à higiene e segurança do trabalho, representa já o início de um esforço sério para a melhoria das condições actuais.
Mas essas medidas isoladas não resolvem os problemas e nem podemos esquecer-nos de que ainda recentemente, em 1961, no parecer da Câmara Corporativa sobre a reforma da previdência se escreveu:

Em Portugal continuamos nesta matéria (medicina do trabalho), salvo iniciativas isoladas de alguma empresa mais importante, praticamente no zero.

As doenças profissionais têm também larga representação entre nós e alguns dos seus graves aspectos já aqui foram tratados pelos nossos colegas Sousa Birne e Veiga de Macedo. Só pelo que diz respeito à silicose, basta lembrar que 75 000 portugueses trabalham em ambiente com sílica, que o rastreio radiográfico executado em cerca de 15 000 operários revelou taxas de silicóticos que variam de 0,44 a 30 por cento e que o Eng.º Birne nos afirmou que 15 por cento da população mineira tem silicose.
A sua prevenção e a dos acidentes do trabalho reclamam, como disse, medidas urgentes da parte dos Ministérios que citei.
Parece-me azado o momento para pôr em prática medidas sérias de prevenção de umas e de outras e para que se crie a especialidade da medicina do trabalho, quando assistimos a um admirável surto de desenvolvimento industrial do País, que traz consigo tantos e tão variados problemas humanos, técnicos, sanitários, económicos e sociais; quando se está a dar corpo à nova reforma da previdência, segundo as bases aqui aprovadas e tão ricas de potencialidades; quando se está a estruturar o estatuto fundamental do Ministério da Saúde; quando acabou de criar-se o Conselho Nacional destinado à coordenação interministerial.
Desejamos que as medidas a tomar tenham em conta «todos os aspectos da vida do trabalhador», como o recomendou S. S. Pio XII, em 1955, na sua alocução aos participantes do I Congresso Mundial sobre a Prevenção, e queremos que a especialidade da medicina do trabalho, cuja criação advogamos e que a Ordem dos Médicos não deixará de solicitar dentro em breve ao Sr. Ministro das Corporações, seja uma especialização médica de alto nível e não se limite a cursos aligeirados no tempo e nas matérias. Tem de encarar os problemas da segurança e da higiene dos trabalhadores e do ambiente em que se executa o trabalho, a ergonomia, isto é, a adaptação da máquina ao homem, a patologia e a clínica do trabalho, a bioestatística, a legislação do trabalho e outras matérias.
O médico do trabalho, preparado com cursos técnicos ou detentor do título de especialista, deve servir-se também dos conhecimentos de outros ramos das ciências, mas a ele deve ficar reservado - e só a ele - o papel de articular todos os conhecimentos ligados à ciência e à higiene dos trabalhadores, porque só ele conhece as variantes biológicas do operário. E, a este respeito, permito-me chamar a atenção do Sr. Ministro da Saúde para o curso criado pelo Decreto n.º 45 160, de 25 de Julho último, que suponho só o tenha sido porque não pôde ir por diante, nos moldes propostos, o projecto da Escola Nacional de Saúde Pública.
O curso carece de ser aberto a todos os médicos que trabalham nas empresas e não deve ser considerado como concedendo uma especialização - deve ser, quando muito e enquanto durar com a organização actual, um complemento de preparação técnica que reputamos muito importante, mas não deve ser reservado sómente aos portadores do curso de Medicina Sanitária. Isto afigura-se-me injustiça grave e pode ser fonte de sérios conflitos.
Todos os problemas da prevenção e da medicina do trabalho têm agora possibilidades de realização que nunca coexistiram, já que, por um lado, o ilustre Ministro das Corporações está a pôr em prática vários diplomas respeitantes ao trabalho, à formação dos trabalhadores e à previdência, como já disse, já porque temos à frente do Ministério da Saúde e Assistência o ilustre director-geral do Trabalho e Corporações, que reúne condições excepcionais para levar a bom termo esta tarefa.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Aproveito esta oportunidade para declarar que estou convencido de que os múltiplos problemas sanitários do nosso país se não podem resolver pelas soluções isoladas e descoordenadas que caracterizam a nossa actual organização nestas matérias, sem a criação de uma bastante bem desenvolvida consciência sanitária das popu-[Continuação]

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lações e sem a orientação de uma política da saúde de harmonia com a linha geral definida pela Ordem dos Médicos. Tal como estamos, gasta-se muito e com pouco rendimento.
Vejo com prazer no relatório da proposta a que nos referimos que se está a trabalhar no Estatuto da Educação Nacional. E digo que o vejo com prazer porque julgo que não serão esquecidos nesse estatuto, em colaboração com o Ministério da Saúde, os problemas da educação sanitária, de importância fundamental entre nós.
É tempo de incluirmos estas matérias no nosso ensino médico e para médico, infelizmente, no nosso ensino médico, tão preocupado, pela força da tradição, com a medicina curativa, a medicina preventiva e a preparação dos novos médicos para a educação sanitária são, praticamente, letra morta. Notam-se sómente raras e louváveis excepções.
E entre as enfermeiras são raras as que têm preparação de saúde pública e, portanto, algumas condições para educadoras sanitárias.
Carecemos de numerosa falange de uns e de outras que domine o conjunto de métodos e de processos que incitem e preparem o público para conservar e melhorar a sua saúde e, portanto, para colaborar activamente com os serviços de profilaxia.
Pode dizer-se que esta técnica e esta nova pedagogia se vêm desenvolvendo e aperfeiçoando desde 1918 e se têm difundido através das suas cinco conferências internacionais, dos comités nacionais, da Revista Internacional da Educação Sanitária e do seu Boletim de Informações. Para se apreciar o ritmo do seu desenvolvimento, basta dizer-lhes que a 4.a Conferência Internacional de Düsseldorf, em 1959, reuniu 500 pessoas e foi consagrada à educação da infância e da juventude e que a de Filadélfia, reunida em Julho do ano pasado, teve a representação de 70 países e juntou 1350 pessoas.
Tem uma larga missão, serve-se de múltiplos meios e tem como objectivo, como diz Parisot:

Trazer ao conjunto da colectividade conhecimentos essenciais capazes de desenvolver nela o espírito de prevenção e de lhes fornecer as noções úteis à defesa da saúde, assegurando a sua cooperação no esforço de protecção empreendido em seu benefício.

É de grande utilidade, em todas as idades e em todas as situações.
Pelo que respeita ao nosso país. temos criado, desde há dez anos, a nossa Liga Portuguesa de Educação Sanitária, cujos estatutos foram aprovados por despacho do Subsecretário da Assistência em 17 de Março de 1953. Filiou-se na União Internacional, publica um boletim de longe em longe, preparou uma excelente exposição itinerante de educação sanitária, tem elaborado algumas brochuras, mas pouco mais poderia ter feito, mercê das condições financeiras em que vive.
Convencido da absoluta necessidade de darmos a este assunto um particular relevo e de implantarmos em Portugal uma larga e eficaz campanha de educação sanitária, ouso chamar para este problema a atenção do Governo.
A televisão e outros meios de difusão, convenientemente aproveitados, podem prestar um óptimo serviço no esclarecimento de múltiplos problemas e colaborar eficazmente numa campanha deste género.
No combate à tuberculose, na profilaxia das doenças das crianças que comprometem a vida ou prejudicam a sua nutrição e desenvolvimento, na prevenção das doenças infecto-contagiosas, na profilaxia das doenças parasitárias, na higiene alimentar e conservação dos alimentos, na higiene individual ou nas actividades industriais, etc., há um mundo de problemas que seriam facilmente resolvidos se metêssemos ombros com decisão e bom senso a uma larga campanha da educação sanitária.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Gastamos muito mais do que devemos em doenças facilmente evitáveis, em desastres desnecessários, em recidivas de tantas e tão variadas doenças, só porque a população não está preparada para a colaboração que deve prestar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quantas camas deixariam de ser ocupadas nos hospitais, quantas crianças deixariam de adoecer e morrer, quantos tuberculosos deixariam de ser contagiados, quantos desastres se teriam evitado, se já tivéssemos em marcha essa campanha educativa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os problemas da saúde pública não se resolvem com a passividade do público.
É preciso chamá-lo à colaboração activa - mas uma colaboração consciente, baseada em ensinamentos e esclarecimentos que temos de lhe fornecer. É assunto que bem merece a atenção imediata do Governo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à política da saúde, espero que o ilustre Ministro da Saúde, que vai agora regulamentar o estatuto que aqui aprovámos, não deixará de considerar o problema fundamental do estabelecimento das carreiras que aqui aprovámos, de as estender a todos os hospitais e de pôr a funcionar II comissão de coordenação que lhes respeita. Há um largo programa coordenador a estabelecer, duplicações a suprimir e rumo definido a traçar.
A política do bem-estar rural continua a ser preocupação séria do Governo e a proposta traz-nos a garantia de que ela se manterá no ano de 1964.
Neste que vai findar subiram a mais de 77 000 contos Os investimentos realizados no abastecimento de água, no saneamento, na electrificação, na construção de casas para famílias pobres, nos mercados, etc.
Na proposta actual afirma-se que não diminuiu o cuidado com que se encaram os problemas relacionados com o bem-estar das populações rurais e que o Governo sacrificará o menos possível a realização dos seus objectivos neste, capítulo.
Reconhecemos a delicadeza da situação que nos foi criada e compreendemos a razão de certas limitações neste e noutros campos. Lamentamos seriamente que o Governo não possa imprimir mais substancial esforço no sentido de acelerar esta política do bem-estar rural, o que promoveria a resolução de tantos problemas morais, económicos e sanitários que nos afligem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vemos com prazer que a prioridade para subsídios e financiamentos continua a ser dada ao abastecimento de água, à electrificação, ao saneamento, às estradas e caminhos, como o estipulam as alíneas a) e b) do artigo 23.º da proposta.
Verifica-se também, através do que tem sido publicado e do que consta do douto parecer da Câmara Cor-[Continuação]

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porativa, que é propósito do Governo incrementar o estabelecimento de planos de coordenação e desenvolvimento regional, baseados em critérios objectivos e na criação de pólos de desenvolvimento devidamente estruturados, que se harmonizem com as possibilidades reais, as tendências e as potencialidades das diferentes regiões.
A este respeito seja-me permitido recordar o aviso prévio que aqui apresentou o ilustre Deputado Nunes Barata acerca da valorização do Mondego e do interesse que a Câmara por ele manifestou.
Vivemos no meu distrito com justificada ansiedade as graves consequências que resultam para a região e para o País do atraso que tem sofrido II conclusão dos estudos preliminares indispensáveis às resoluções respeitantes ao aproveitamento hidroagrícola e hidroeléctrico do regime do Mondego.
Estamos convencidos de que a resolução deste problema trará a solução de muitos outros, fomentará notável desenvolvimento económico de toda a região que constitui a bacia hidrográfica daquele rio e que se estende pelos distritos de Viseu, da Guarda e de Aveiro e que, com ele, se promoverá uma notável melhoria do bem-estar de toda a zona rural que nela está incorporada.
Trabalha-se com entusiasmo nos estudos tendentes à elaboração do planeamento regional ligado à realização das obras do aproveitamento do rio e esperamos que S. Ex.ª o Presidente do Conselho e os Srs. Ministros das Obras Públicas e da Economia incluam todos estes trabalhos no Plano de Fomento cuja preparação está em curso.
Além dos problemas fundamentais do regime do rio, do porto da Figueira da Foz, do sistema rodoviário e de tantos outros que lhe estão ligados e que reputamos fundamentais para o desenvolvimento da região, continua em marcha a execução dos planos concebidos pelo ilustre governador civil de Coimbra para incrementar a promoção social das populações, para melhorar as suas condições de vida, para lhes estimular o poder realizador, para suscitar da sua parte uma colaboração activa, consciente e entusiástica na sua realização.
O ritmo com que se têm desenvolvido e os resultados obtidos são animadores; mas reconhecemos que a maneira como foram idealizados e o modo como lhes está a ser dada execução merecem que da parte de certos sectores governamentais lhes seja dado mais substancial auxílio financeiro.
E porque, estou convencido, como já aqui o disse numa intervenção do ano passado, da economia que eles representam e da função social que desempenham, atrevo-me a solicitar o reforço desses auxílios.
No capítulo das providências ao funcionalismo quero destacar aqui dois aspectos que reputo da maior relevância: o da construção de habitações adequadas aos rendimentos das diversas categorias dos funcionários públicos e o da assistência na doença.
O primeiro arranca da ampla política definida pelo Governo principalmente através do Decreto n.º 42 951, de 27 de Abril de 1960. Todos os que conhecem as limitadas remunerações da grande maioria dos servidores do Estado e das dificuldades em que se encontram muitos para obterem casa condigna não podem deixar de louvar este aspecto da política governamental. E não podem também deixar de dirigir as suas felicitações aos ilustres Ministros das Finanças, das Corporações, da Educação Nacional e da Defesa Nacional pelas construções já efectuadas, em curso, adjudicadas ou planeadas.
Graças ao extraordinário ritmo que o tem caracterizado, este vasto plano inclui, neste breve prazo, numa ou noutra das fases citadas, 1460 casas e, além disso, vários edifícios que compreenderão mais 303 fogos. Quer dizer: em quatro anos foram concluídas ou estão em caminho de conclusão, a breve trecho, instalações para 1763 funcionários e respectivas famílias. O programa de 1964, a despeito das condições particulares em que nos encontramos, é de uma amplitude merecedora dos mais rasgados louvores.
O segundo ponto - o da assistência médica aos funcionários - iniciou-se no ano passado. Foi-nos proposto no projecto da Lei de Meios para 1963 e foi assegurado por decreto publicado em 27 de Abril do ano corrente. No projecto que estamos apreciando afirma-se que está pronto para ser publicado o regulamento que há-de permitir a sua execução e que o sistema entrará em funcionamento já no princípio do próximo ano. Espero, Sr. Presidente, que nesse regulamento não deixem de ser incluídos todos os servidores do Estado.
A situação que foi criada aos funcionários da assistência tem dado origem a certas interpretações de textos legais de modo a nem sempre serem considerados funcionários com os mesmos direitos dos demais. Verificamos com muito prazer que não serão criados estabelecimentos ou serviços privativos e que será respeitado o sagrado direito do doente pela livre escolha do médico e do estabelecimento hospitalar para lhe prestarem assistência.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Desde há anos que nesta tribuna e fora dela me tenho batido por estes mesmos princípios. Na apreciação da proposta da Lei de Meios, há cerca de um ano, e na discussão do projecto de reforma da previdência, voltei a definir com clareza a minha posição.
Por isso mesmo dirijo aos Srs. Ministro das Finanças e Subsecretários do Orçamento e do Tesouro as minhas mais sinceras felicitações.
E aproveito o ensejo para solicitar mais uma vez II revisão do sistema de assistência médica em curso na previdência.
Espero que o Sr. Ministro das Corporações, que nos tem dado provas de espírito tão aberto e de inteligência tão esclarecida, não deixará de rever, logo que possível, o sistema até aqui seguido, que, como disse no ano passado, não dá satisfação aos médicos nem aos beneficiários, leva algumas vezes a marcações de consultas com prazos tão longos que podem agravar seriamente a evolução de certas doenças e, pior ainda do que isso, não estimula o indispensável aperfeiçoamento da qualidade da medicina ali aplicada.
Ainda pelo que respeita às providências ao funcionalismo, quero dizer à Câmara que não abandonei as diligências que me julgava no direito e no dever de realizar para defender os direitos legais que desde há quatro anos têm os funcionários da assistência, o qual é o de serem integrados na Caixa Geral de Aposentações. Sinto-me inteiramente à vontade ao tratá-lo, porque os benefícios que daí advirão não me dizem respeito. A Câmara conhece amplamente, pelo que aqui tenho dito e por outras vias, a dolorosa situação desses funcionários, que andam por cerca de 10 000, da injustiça da situação que lhes foi criada através de uma caixa de previdência anacrónica, sabe dos problemas angustiosos de quantos são atingidos pelo limite de idade ou dele se aproximam, e isso dispensa-me de novas considerações a tal respeito.
Sèriamente preocupado com os levantamentos dos depósitos destinados à Caixa Geral de Aposentações que bastantes funcionários realizaram desde há dois anos, mercê

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de despacho ministerial e por efeito de certa perturbação causada por inexplicáveis boatos que foram postos a correr, requeri que me fossem fornecidos elementos para ajuizar do montante desses levantamentos e para justificar o pedido de cancelamento de autorizações que agravaram seriamente a situação não só desses, mas de todos os funcionários.
Ainda não disponho desses elementos, mas das conversas que tive recentemente com o Sr. Ministro da Saúde e com o Sr. Subsecretário de Estado do Orçamento e da informação oficial que gentilmente me foi fornecida pelo Sr. Ministro da Saúde, posso informar a Câmara de que o Ministério das Finanças tem tido diversas dificuldades relacionadas com os aspectos financeiros da regulamentação do projecto de diploma que lho foi proposto pelo Ministro Martins de Carvalho em Novembro de 1959 e segundo o qual, e ao abrigo do artigo 16.º do Decreto n.º 42 210, «o pessoal de todos os serviços do Ministério,, incluindo o das brigadas móveis de carácter permanente, seria sujeito ao regime geral dos funcionários públicos».
Para executar a regulamentação tornou-se necessário recolher e apreciar «determinados elementos de facto».
Têm-se realizado diversas trocas de impressões a este respeito entre os dois sectores ministeriais, a última das quais recentemente.
Graças à decidida boa vontade dos Srs. Ministros da Saúde e das Finanças e Subsecretários do Tesouro e do Orçamento vai ser nomeada imediatamente uma pequena comissão, constituída por quatro elementos: um representante do Ministério da Saúde, um da Caixa de Previdência dos Funcionários da Assistência, outro do Ministério das Finanças e outro da Caixa Geral de Aposentações, para, dentro de curto prazo, obterem os elementos indispensáveis àquela regulamentação.
Com sincero júbilo digo à Câmara que encontrei da parte de todos os elementos que citei II mais decidida boa vontade de resolver este delicado problema e que vivo na convicção de que tudo será arrumado dentro de poucos meses.
Sr. Presidente: não me refiro a outros aspectos desta proposta, mas dou-lhe o meu voto na generalidade, convencido de que da orientação que ela encerra e dos objectivos que pretende atingir resultarão notável progresso nacional e mais larga justiça social.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alfredo Brito: - Sr. Presidente: a reforma fiscal em curso constitui uma salutar medida que, não sendo por si só suficiente para impulsionar a economia nacional no desejado sentido da expansão, é um requisito fundamental para que se siga uma via de desenvolvimento equilibrada; e ela reflecte a mestria com que este departamento da nossa Administração continua a ser gerido.
A anterior tributação directa, baseada, como era, nos resultados normais ou considerados como tal, se se constituía em instrumento precioso para mantermos as contas públicas em ordem, não se coadunava com aqueles fins que hoje em dia geralmente se atribuem às finanças públicas, nomeadamente em países determinados em atingir maiores níveis de rendimento, como é o nosso caso.
Dois reparos desejo, contudo, fazer.
O primeiro é a reedição de uma exposição que, na qualidade de presidente nacional da União Católica dos Industriais o Dirigentes de Trabalho, tive a oportunidade de dirigir II S. Ex.ª o Sr. Ministro das Finanças. Essa exposição respeitava ao disposto no artigo 85.º do novo Código da Contribuição Industrial, de acordo com o qual:

São custos ou perdas do exercício, até à concorrência de 80 por cento do seu montante, os gastos suportados com a manutenção facultativa de creches, lactários, cantinas, bibliotecas e escolas, bem como outras realizações de utilidade social devidamente reconhecidas pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos em benefício do pessoal da empresa e seus familiares.

Este preceito pode considerar-se uma verdadeira excepção aos princípios de justiça tributária que informaram aquele código e que, se for posto em vigor, terá as mais funestas consequências sociais. A inevitável reacção do contribuinte perante semelhante medida fiscal será a de diminuir ou suprimir os encargos com as obras sociais. E dificilmente pode aceitar-se que o limite de 80 por cento tenha sido estabelecido para evitar abusos ou fugas ao imposto.
Na verdade, se a utilidade social da obra pode ser controlada pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos e se as suas contas podem ser facilmente fiscalizadas, não se vê que, sob este aspecto, haja explicação para aquele preceito.
A segunda observação diz respeito ao artigo 52.º, segundo o qual :

Até se proceder à regulamentação legal do exercício da respectiva profissão só poderão ser considerados técnicos de contas responsáveis, para os efeitos do artigo 48.º, os que estiverem inscritos como tais na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.
§ único. A inscrição ficará dependente das condições que vierem a ser fixadas em portaria pelo Ministro das Finanças.

Ora esta portaria ainda não foi publicada e a verdade é que se aproxima o momento em que as contas serão encerradas e os balanços começarão a ser publicados já com obediência aos preceitos do novo código. Urge, portanto, que o Ministério das Finanças fixe as condições de inscrição dos técnicos de contas.
Sr. Presidente: é correntemente aceite que o desenvolvimento é um fenómeno cumulativo e que se gera por si próprio, uma vez ultrapassada uma certa «barreira». A fase de «arranque» é que, portanto, se torna difícil de vencer.
No nosso caso, às circunstâncias próprias de uma economia que secularmente tem desacertado o passo em relação ao concerto europeu - quando é verdade que uma época já tivemos, a época quinhentista, em que o cotejo do que se passava em nossa casa com o que ia pelas outras terras não nos fazia ficarmos envergonhados - junta-se agora o esforço de manutenção da integridade do todo nacional.
Mas assim como é na adversidade que se forja e se revela o carácter dos homens, também é nos tempos difíceis que o esforço do labor surge mais valorizado. E temos razões para crer que a taxa de aumento do produto nacional não só não decresça, como também se incremente, tal como no período que decorreu de 1958 a 1962. em que aumentou à média de 6,8 por cento, quando é certo que no período anterior de 1904-1958 a média foi de 4,4 por cento.
Considerando que o aumento populacional se tem processado à taxa de 0,5 por cento ao ano, podemos concluir que o produto per capita não cessa de aumentar, o que nos dá a certeza de que podemos fazer ainda melhor.

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A taxa de aumento da população da metrópole acima referida - 0,5 por cento ao ano, ou sejam 5 por cento numa década - é um número assaz baixo, se pensarmos que temos uma das taxas de natalidade mais elevadas da Europa. Há, evidentemente, uma explicação para esse fenómeno, mas uma explicação não é uma justificação.
A emigração retira ao País cerca de metade do nosso aumento populacional natural, e. assim, na década de 1950 a 1960 aquele aumento de 5 por cento correspondeu a 435 000 habitantes mais. mas a emigração levou 338 000 pessoas (saldo líquido). Ora o facto mais preocupante não é propriamente a baixa taxa de crescimento populacional, mas sim a modificação brusca que a nossa estrutura populacional está a sofrer.
Aqueles 338 000 portugueses saídos são principalmente homens e mulheres na força da vida e do melhor do que cá havia. Os velhos, as mulheres e as crianças ficam cá. Isto é: o número de pessoas a alimentar, a vestir, a alojar, cresce continuamente, mas a força de trabalho não aumenta na mesma proporção.
E assim se torna cada vez mais angustiante o problema de encontrar braços para os trabalhos agrícolas - e aí o mal é agravado pelo êxodo para os centros urbanos. Até nas actividades industriais se começam a notar as consequências desta sangria humana - e o reflexo é o constante pedido de revisão dos salários, sobretudo na área de Lisboa.
É certo que o aumento do custo de vida na capital se faz sentir com mais intensidade do que no resto do País; mas, dando o devido desconto àquele factor, não restam dúvidas de que se observa um aumento nos salários, sobretudo no tocante a operários especializados, para além do incremento na produtividade e que tal se deve à rarefacção da oferta, ao facto de a oferta de trabalho não acompanhar qualitativamente a evolução da procura.
Eis porque a iniciativa do Ministério das Corporações de criar cursos de formação profissional acelerada é digna dos maiores encómios. É merecedora também de referência a ideia da criação, por este mesmo Ministério, que desejamos seja para breve, de uma entidade que organize o mercado do trabalho e que promova uma maior adaptação da oferta à procura de trabalho.
Este magno problema nacional deve, entretanto, ser resolvido em plena coordenação com o Plano de Investimentos e com o III Plano de Fomento, para que não o vejamos agravado assustadoramente.
Cabe aqui referir novamente um problema que já abordei na anterior legislatura, ou seja o da distribuição regional do nosso crescimento demográfico e económico, cujas assimetrias acabam de ser bem examinadas num trabalho publicado pelo Instituto Nacional de Investigação Industrial.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sendo certo que há certas tendências para a concentração urbana e industrial, que não só é impossível travar, como também se torna antieconómico, à escala nacional, estar a cercear, não é menos verdadeiro que deveria prosseguir-se uma política de fomento e sobretudo de revitalização dos ramos de indústria com uma elevada dispersão locacional, entendida esta expressão no sentido de localização afastada dos núcleos industriais (Lisboa e Porto, mas, em especial, de Lisboa).
Ora este objectivo, hoje. geralmente aceite, sofreu recentemente rude golpe com a publicação da nova legislação sobre os transportes rodoviários de carga.
É incontroverso que todas as facilidades e toda a redução de encargos que se realize em relação aos transportes automóveis contribuem para a sua expansão e, por essa via, para um maior aproveitamento dos recursos e das actividades nacionais.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Ao invés, todas as dificuldades e ónus que agravem os transportes rodoviários concorrerão para uma maior atracção das actividades económicas para as áreas mais dotadas dos outros modos de transporte.

O Sr. António Maria Santos da Ganha: - Muito bem!

O Orador: - Mas como estes revelam manifestamente uma menor densidade que aqueles, daí se seguirá uma tendência para a concentração, que não para o desenvolvimento regional. Ora este ponto merece um cuidadoso estudo, visto que é este o tipo de coordenação de transportes que deve realizar-se - uma coordenação que vise o nosso desenvolvimento económico, e não uma coordenação que contemple o problema de um ponto de vista estático.
Na verdade, não é a situação de desafogo relativo de um modo de transporte, em face da concorrência ruinosa ou de déficit sistemático de outro, que deve guiar a coordenação dos transportes. Assim como o progresso económico do País requer que se reduzam certas culturas agrícolas e se substituam determinadas produções industriais por outras, também no capítulo dos transportes uns experimentaram maior desenvolvimento que outros e o nosso progresso económico requer que esta tendência não seja tributàriamente desviada para um caminho errado.
Nós não fomos fadados para transportes interiores a longas distâncias de matérias-primas volumosas; a nossa indústria concentra-se em elevada percentagem junto aos dois grandes portos (Lisboa e Douro-Leixões) e utiliza matérias-primas em grande parte importadas por esses portos; e o desenvolvimento da nossa indústria - com os casos de excepção que são a siderurgia, os adubos e pouco mais - é um desenvolvimento de indústrias ligeiras, clientes, por excelência, da camionagem.
Ora um veículo pesado vai praticamente de um ponto qualquer do País a outro num só dia de trabalho ...
Por outro lado, as indústrias ligeiras não podem procurar um tipo qualquer de camionagem: têm de servir-se de meios de transporte próprios, pela simples circunstância de que daí derivam economias apreciáveis, com embalagens, com as operações de carga e descarga, etc. Repito: a expansão da nossa indústria, para além das zonas em torno de Lisboa e do Porto, anda de mãos dadas com o alargamento do parque de veículos de carga e com a existência de uma rede de estradas que, não sendo óptima, é, no entanto, motivo suficiente de orgulho para todos nós.
A tendência que as actividades industriais, comerciais e agrícolas têm para integrar a actividade transportadora na actual conjuntura económica nacional é demasiado forte para que possamos iludi-la. Conduz, é certo, a um parque com dimensões superiores às que resultariam de outro condicionalismo, dimensões essas que correspondem a uma capacidade de carga que não é plenamente utilizada. Mas a existência de uma capacidade em excesso num sector de actividade não é sinónimo de desperdício antieconómico ao nível nacional. É algo muito frequente do panorama industrial moderno.
Também o sistema produtor de electricidade foi dimensionado por forma a estar apto a abastecer com uma certa folga os consumos nacionais, incluindo as «pontas». E nunca ninguém pensou que, pelo facto de os cinemas

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não serem ocupados 100 por couto durante um ano, daí deriva uma exploração irracional e antieconómica.

O Sr. Mário Galo: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Mário Galo: - As considerações de V. Ex.ª são absolutamente pertinentes e têm a minha plena concordância. Espero ter oportunidade de desenvolver nesta Casa os nossos comuns pontos de vista e, entretanto, permita-me V. Ex.ª que me associe às suas afirmações e que diga também que, com a aplicação da regulamentação de transportes prevista, a utilização de produtos de reduzido volume e baixo valor, que económicamente não consentem o emprego de embalagens, sempre dispendiosas, vai passar a ser onerado, sem dúvida, com despesas que se vão reflectir de modo muito sensível nos seus custos de aquisição, e, a este propósito, citarei a V. Ex.ª o caso dos vidros.

O Orador: - Agradeço a intervenção de V. Ex.ª
Eis porque uma coordenação de transportes realizada mediante uma tributação mais pesada do modo de transporte que maior vitalidade apresenta não pode ser outra coisa senão uma pseudocoordenação.
Ora, vejamos quais as consequências deste novo regime tributário- do ponto de vista dos outros transportes - dos transportes públicos.
Não pode partir-se da hipótese de que estes maiores encargos fiscais que passarão a incidir sobre os transportes privados irão trazer benefícios apreciáveis aos transportes públicos, mediante uma maior utilização destes. Pois os transportes privados reagirão de duas maneiras: numa primeira hipótese, desenvolver-se-ão como até aqui, mas suportando maior peso tributário - e, nesta hipótese, o novo imposto irá pura e simplesmente agravar os custos de produção e, por essa via, o preço dos produtos, sem qualquer interesso para o País.
Numa segunda hipótese, sofrerão uma redução, o que equivalerá a uma deslocação da localização das actividades económicas, a fim de reduzir o encargo com os transportes. E, neste caso, é razoável pensar-se que os circuitos da distribuição tendam a alongar-se, e não a comprimir-se, ao contrário, portanto, do que interessa ao País. Num caso ou no outro, os transportes públicos pouco ou nada beneficiarão.
E não beneficiarão por razões bem tangíveis. Beneficiariam se se desse o caso de os vários modos de transporte se substituírem uns aos outros perfeitamente.
Mas, na verdade, as coisas não se passam dessa maneira. Os transportes públicos não são a alternativa para a não utilização dos transportes próprios. A alternativa pode ser a não utilização dos transportes públicos, pura e simplesmente, quer porque os transportes privados continuem a ser utilizados como até aqui, quer porque se observe uma translacção na localização das actividades económicas no sentido da concentração.
Mas quero crer que este último será o efeito predominante. "Isto porque aquilo que as actividades privadas encontram nos seus meios de transporte próprios não o vislumbram nos transportes públicos: o facto de poderem utilizá-los em qualquer momento, em qualquer percurso, com a máxima facilidade quanto ao manuseamento das mercadorias, sem burocracias, etc.
Segue-se destas minhas palavras que «os transportes públicos devem confinar-se ao oneroso papel de reserva para as pontas do tráfego ou para os casos de avaria»? Não, de modo algum. O que entendo é que os transportes terrestres públicos, em globo, devem dimensionar-se em função da procura normal dos seus serviços, evidentemente com uma certa margem de segurança (como no caso da produção de energia eléctrica).
Além disso, aos transportes públicos são também reservadas funções de natureza não económica. Daqui que o problema da sua rentabilidade não possa ser equiparado ao das actividades privadas. Mas, supondo que o é, então tem de considerar-se que o transporte público tem de ser objecto de uma estruturação racional.
Os transportes públicos, sejam ferroviários, sejam rodoviários, envolvem investimentos que não se compadecem com o sistema concorrencial que tem sido norma expandir entre nós, mas que só frutificou, por razões evidentes, no transporte rodoviário de passageiros.
E hoje em dia não há que temer reorganizações do sector público dos transportes com receio da criação de possíveis formas monopolísticas ou aparentadas, pela simples circunstância de que o transporte público não só está tutelado pelos Poderes Públicos, como também é limitado pela facilidade com que as actividades particulares lançam mão a transportes privativos.
Uma coordenação dos transportes terrestres que tenha por objectivo servir de instrumento forjador do nosso progresso económico deverá encarar estas realidades, e não refugiar-se na atitude passiva, mas cómoda, de aplicar um colete-de-forças ao modo de transporte mais dinâmico.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Tal não aproveitará a ninguém e, a longo prazo, só contribuirá para reforçar a tendência para a concentração das indústrias onde elas já têm natural propensão a afluir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -- Do que acabo de afirmar não poderá inferir-se que defendo qualquer situação de favoritismo para o transporte particular, como é a situação vigente, a acreditar-se no preâmbulo ao Decreto-Lei n.º 45 331, de 28 de Outubro de 1968, onde se lê:

9. A expansão da camionagem de carga particular tem sido possível mercê do regime de favor que lhe atribui a Lei .º 2008.
É que isentar-se de imposto uma actividade que, mesmo sendo um complemento indispensável de outras actividades económicas, tem reflexos importantíssimos no sistema de transportes públicos equivale à concessão de um subsídio por parte da colectividade a um sector que lhe não retribui com benefícios correspondentes, infringe-se, assim, o princípio da neutralidade fiscal, tão advogado na economia dos transportes como poderoso meio de fomentar uma salutar concorrência.

É claro que este ponto de vista corresponde a uma visão não «neutral» do problema: afirmar-se que a actividade da camionagem privada está isenta de imposto de modo algum corresponde à verdade. Pois essa actividade, complementar como é (e neste decreto-lei se afirma) de outras actividades, está submetida aos impostos directos que sobre estas recaem. As empresas industriais e comerciais, por exemplo, pagam a contribuição industrial; e esta é função dos seus lucros (até agora dos lucros normais e daqui para o futuro dos lucros reais).
Não tem estado a actividade transportadora privada, isso sim, submetida a um imposto fixo e específico; mas também não se compreende porque é que o nosso sistema tributário está sendo objecto de uma remodelação moderni-[Continuação]

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zadora, através da qual passará a basear-se no rendimento - real, e não no rendimento normal das actividades económicas, e no capítulo dos transportes se pretende seguir uma via diferente.
Parece-me, pois, que, antes da coordenação dos transportes, se deve procurar uma coordenação fiscal; e, por outro lado, no capítulo da coordenação dos transportes, o principal problema a resolver é o da estruturação, em bases sólidas, de todo o sistema de transportes públicos terrestres.
Em matéria de coordenação, mais algumas observações devo fazer. E evidente, pelo espírito do Decreto-Lei n.º 45 331, que há um manifesto desejo de travar o crescimento do nosso parque de veículos de carga, que de 1951 para 1961 registou um aumento de 70 por cento, ou seja uma taxa média de 7 por cento ao ano - taxa que está muito longe de poder considerar-se excessivamente elevada. Ora, como é que este desiderato é compatível com a política que está traçada - e que é caminho que já estamos trilhando- de fomentar a montagem e construção de veículos automóveis no nosso país? Tendo sido investidas centenas de milhares de contos em instalações de montagem de veículos automóveis, e já se tendo formado centenas de operários especializados e de «quadros», vai exercer-se pressão sobre a procura de uma parte (vultosa pelo seu valor) desses veículos, por forma a comprimi-la?
Essa política poderia ter sido útil há dez anos, quando não se pensava em montar e fabricar automóveis no nosso país. Mas, mesmo assim, é discutível, visto que qualquer compressão nunca deveria ser exercida sobre uns instrumentos tão preciosos como os veículos de carga, mas sim. quando muito, sobre os veículos ligeiros de passageiros, que revelam em parte um carácter sumptuário.
Tenho estado a abordar o tema da coordenação entre vários tipos de medidas relacionadas com o nosso progresso económico, e em mais um aspecto volto a falar em coordenação. Trata-se da ligação entre a nossa política de industrialização e a nossa política de integração no espaço económico europeu.
Sempre que este tema tem sido referido, em diplomas legais ou em quaisquer documentos, publicações ou outras formas de comunicação, tem-se considerado a priori que aquelas duas políticas são plenamente compatíveis. E as razões geralmente aduzidas revelam uma contemplação dessa compatibilidade, como se se tratasse de uma evidência cristalina.
Assim, afirma-se que o nosso esforço de desenvolvimento requer o alargamento da capacidade de importação, e daí uma constante necessidade de aumentar as vendas no estrangeiro - objectivo que só é possível se estivermos presentes nos movimentos de integração do mercado europeu.
Que teremos de ingressar nesse movimento é facto que não me parece susceptível de contestação. Já no que não vejo evidência cristalina é quanto às possibilidades imediatas de realizarmos esse desejo. Na verdade, as uniões económicas e as zonas de trocas livres - a história prova-o - originam um crescimento cumulativo nas zonas mais favorecidas e uma estagnação, ou mesmo retrocesso, nas regiões menos aptas a participar no novo mercado.
O desequilíbrio entre o Norte e o Sul da Itália, depois da formação da nacionalidade, é o exemplo mais correntemente apontado, mas outros poderiam ser referidos. Logo, é condição necessária para a criação de um mercado supranacional unificado - o que não quer dizer que seja suficiente -, é condição necessária, repito, que os parceiros do novo jogo económico disponham de trunfos iguais. E. de certo modo, esse requisito existe entre os membros do Mercado Comum. Todos esses seis só têm a ganhar pela abertura das suas fronteiras às mercadorias, capitais o serviços dos demais.
Mas será que a nossa posição, em relação aos movimentos de integração das economias europeias, se pode pôr em termos semelhantes aos da França, Alemanha, Itália, etc.? Creio bem que não. Estão novamente «na moda» as ideias livre-cambistas, e quero crer que o figurino nos assentará bem um dia - mas não agora, que temos uma economia magra e franzina. Só daqui a alguns anos largos, quando, mercê do nosso esforço de desenvolvimento, passarmos a estar em condições comparáveis às de uma Bélgica, de uma Holanda, de uma Suécia ou de uma Suíça.
A própria Comunidade Económica Europeia não foi feita por um simples tratado assinado em Roma. Não foi a mera vontade dos governantes daquelas nações que determinou o nascimento de uma- poderosa união económica na Europa. Não: esse tratado resultou de uma evolução da conjuntura económica e política e, principalmente, de uma experiência prévia, que foi o Mercado Comum do Carvão e do Aço. Foram as regras de concorrência estabelecidas pelo tratado de Paris, a sua aplicação pela alta autoridade e a superveniência de uma conjuntura favorável no mercado do aço e outros factores relevantes que transformaram num êxito aquilo que tantos viam com incrédula indiferença.
Eis porque me parece que não devemos ter a veleidade de ir discutir com os deuses as nossas condições de entrada no Olimpo.
O movimento para a integração económica europeia - para já cindido em dois grandes mercados supranacionais - é, repito, algo que teremos sempre de ter em mente, como destino inevitável. Mas julgo que não será ousado perguntar se não deveríamos primeiro pôr a casa em ordem. Referi já que o nosso esforço de manutenção da integridade do solo pátrio prejudicará, necessariamente os nossos programas de desenvolvimento; e interrogo-me se um ingresso prematuro naqueles movimentos europeus não se constituirá em dificuldade adicional.
Note-se que não é a escolha que fizemos entre a Associação Europeia de Comércio Livre e o Mercado Comum que eu pretendo aqui pôr em dúvida; mas o mesmo não poderei dizer quanto às condições em que ingressamos na Associação Europeia de Comércio Livre, que costumamos ver como uma «lança na Europa», parafraseando o portuguesíssimo Nuno Alvares Pereira. Mas nem é bem aí que pretendo chegar: o ponto que desejo focar é que, antes de termos sonhos tão ridentes, deveríamos, digo-o mais uma vez, pôr a casa em ordem.
Sr. Presidente: o panorama da nossa indústria, tirando uma parte dos nossos sectores que têm sido implantados em bases sólidas, é simplesmente confrangedor. A extensão de fenómenos como a baixa produtividade, as reduzidas dimensões, a má qualidade dos produtos, o mau equipamento - e, simultâneamente, o sobreequipamento - é algo que devemos ter em mente quando pensamos na nossa integração no concerto europeu.
A nossa industrialização processa-se, há várias décadas, sob o signo de um proteccionismo pautai e burocrático (pela via do condicionamento e mercê dos esforços isolados e individualistas de industriais, quantas vezes saídos das fileiras operárias, sem preparação e sem visão para serem outra coisa do que simples mestres de oficinas medievais. Pensar que se pode passar uma esponja sobre tudo isto em duas décadas (isto é, até 1980, data em que estaremos na Associação Europeia de Comércio Livre já sem quaisquer privilégios) é pura fantasia.
Mesmo que não perdêssemos um só dia desses vinte anos que nos foram concedidos - mas, na verdade, já

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vamos no terceiro ano -, não creio que aquele prazo chegue para nos reestruturarmos em condições necessárias e suficientes para abrirmos as nossas fronteiras em posição de igualdade - porque, do outra maneira, seria hipotecarmos o nosso futuro económico.
E não creio que aquele período seja suficiente por diversas razões.
Em primeiro lugar, como tarefa mais urgente, há que reorganizar e reequipar um número considerável de sectores, a fim de que a redução progressiva dos direitos aduaneiros não os condenem a uma morte lenta por asfixia. Alas, desde a Lei n.1 2005, de 1942 - há 21 anos, portanto -, que se fala em reorganização. E qual é o panorama que temos perante nós, senão estagnação, inércia? Regista-se um só caso de indústria reorganizada, e alguns esquemas de reorganização foram abandonados, ponto este que já referi nesta Assembleia.
Aliás, até parece que o termo «reorganização» passou um pouco de moda. Assim, creio que a estruturação do plano de investimentos para 1965-1067 não está considerando objectivos especiais quanto à reorganização de quaisquer sectores. Portanto, se nestas últimas duas décadas pràticamente nada fizemos, e se continuamos a nada fazer, como acreditar que reestruturaremos a nossa indústria em prazo muito menor!
Por outro lado, não é com as actuais indústrias - mesmo supostas em bases sólidas - que poderemos aspirar a entrar no movimento europeu em condições de igualdade. Não: para que essas condições existam, teremos de exibir uma potencialidade de exportação - não como actualmente, concentrada em meia dúzia de produtos (têxteis, cortiças, vinhos, conservas e resinas), mas sim diversificada, o que significa que muitas indústrias teremos de radicar no nosso país, mas estruturadas por forma a lurem poder competitivo nos mercados externos europeus.
E que verificamos? Que, de acordo com o § 5.º do anexo G da Convenção de Estocolmo, se a exportação para o estrangeiro de uma indústria em relação à qual obtivemos o regime especial de redução de direitos, na média de três anos consecutivos, atingir 15 por cento do valor da produção nacional, se começa automaticamente a perder aquele benefício.
Isto é, logo que uma indústria nascente ou reorganizada comece a experimentar os mercados externos - pois outro epíteto não merece o facto de exportar durante três anos 13 por cento da sua produção -, lá se vai a protecção.
Ora esta mecânica não tem lógica. E não tem lógica porque o facto de exportarmos 15 por cento ou mais da produção nacional de um sector, durante três anos ou mais, não corresponde, de modo algum, a uma situação de desafogo dessa indústria. Aquela disposição já teria lógica se, em vez de «exportação para o estrangeiro», se referisse a uma «exportação para países da Associação Europeia de Comércio Livre». Então sim: tal significaria que esses ramos de indústria, novos ou reestruturados, estariam em condições de igualdade com os seus congéneres da zona de trocas livres.
Um exemplo permitirá aclarar esta minha ideia. A indústria do aço dá actualmente os primeiros passos entre nós. e a sua viabilidade foi defendida (não sei se assegurada) com a elevação das pautas aduaneiras. De acordo com a Estatística Industrial, em 1962 produziram-se já 150 000 t de aço acabado.
Mas, ao folhearmos o 1.º volume do Comércio Externo, observamos que se exportaram perto de 50 000 t de aço naquele mesmo ano (posição pautai 73.07). A percentagem exportada atinge 30 por cento; e se essa exportação se mantiver, neste ano e no seguinte, a esse nível ou a um nível suficiente para produzir uma média anual de 15 por cento, os direitos de importação, em relação aos aços oriundos da E. F. T. A., começarão a ser reduzidos à cadência de 10 por cento por ano ...
Mas corresponderá aquela exportação a uma solidez da indústria nacional do aço? É evidente que não. A exportação é realizada a preços marginais -ou quase- como solução imediata para uma angustiosa acumulação de stoks, e, dada a dificuldade que necessariamente se observa, nos primeiros anos da existência de uma indústria tão volumosa, para ajustar a oferta à procura (e vice-versa).
É também cristalino que se essa exportação se realizasse para os países da Associação Europeia de Comércio Livre - onde está vedada, pela Convenção de Estocolmo, a prática de preços marginais- então não teria aquela indústria de ser protegida por quaisquer direitos aduaneiros.
Mas não é o caso: aquela exportação não se dirige, nem para a E. F. T. A., nem para o Mercado Comum, nem para os Estados Unidos, nem mesmo para o nosso ultramar... Foi absorvida por «outros países» - outros, aliás, que, pelo menos em relação a certos sectores das indústrias metalúrgicas e metalomecânicas - actividade a que me encontro mais ligado -, estão tomando uma posição de relevo.
Assim as nossas exportações para o estrangeiro classificadas nos capítulos 82, 83 e 84 da pauta -ferramentas, cutelaria, obras diversas de metais comuns, caldeiras, máquinas, aparelhos e instrumentos mecânicos- no ano passado tiveram os destinos seguintes:

[Ver Quadro na Imagem]

Quer isto dizer que a introdução dos produtos de algumas indústrias novas, e que há manifesto interesse em desenvolver, é muito mais fácil nos outros países em vias de desenvolvimento do que nos mercados dos países mais evoluídos.
Outra anomalia da nossa posição nos mercados europeus tive eu já ocasião de referir em anterior intervenção nesta Assembleia. Refiro-me ao facto de mantermos pautas elevadas em relação à importação da Comunidade Económica Europeia de matérias-primas e semiprodutos, que são posteriormente transformados ou acabados pela indústria nacional.
Se o regime de importação no nosso país fosse igual ao dos outros países da E. F. T. A., não viria mal algum à nossa indústria. Mas as coisas não se passam dessa maneira: essas matérias-primas e semiprodutos entram nos outros países da zona de trocas livres quantas vezes sem pagarem direitos, ou pagando quantias insignificantes, daí resultando um diferencial de custo contra a nossa indústria. Os produtos dos países da E. F. T. A. é lógico que vêm concorrer no nosso mercado em condições vantajosas, e nós não ternos acesso aos mercados desses países.
Ora o fornecimento de matérias-primas em condições vantajosas à indústria de um país é um factor fundamental para lhe proporcionar condições concorrenciais nos mercados internacionais. É sabido que a recusa da Suíça em «aderir à Comunidade Económica Europeia se deve,

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em grande parte, ao facto de esta não poder atender os requisitos suíços quanto a este ponto. E daí que a programação do nosso desenvolvimento deva ter sempre em mente este requisito, ou seguiremos rota sem destino.
Cabe aqui referir novamente a indústria nacional do aço, que pratica preços no mercado interior que são praticamente duplos dos do mercado internacional. Para não maçar VV. Ex.ªs, cito apenas o preço F. O. B. Antuérpia do varão para betão, que varia (à parte os. extras de dimensões) entre 2$15 e 2$17, quando é certo que o preço da Siderurgia Nacional - em vigor desde Janeiro de 1962 - varia entre 4$55 e 5$45 por quilograma.
São diversos os casos que conheço de industriais metalomecânicos que tinham poder concorrencial nos mercados externos quando o aço era adquirido no nosso mercado com base nas cotações internacionais e que deixaram de tê-lo em razão do elevado preço daquela matéria-prima.
Creio ter aduzido algumas provas em defesa da tese - que poderá ser ousada para quem não viver todos os dias os problemas da indústria - de que foi prematura a nossa incorporação nos movimentos europeus sem previamente levarmos um pouco mais longe o nosso esforço de desenvolvimento.
Enquanto formos um «parceiro» com «jogo fraco» não poderemos entrar em competições com os «fortes». E o recente exemplo da limitação que a Grã-Bretanha impôs às nossas exportações de têxteis para o mercado britânico mostra bem as desvantagens que para nós advêm de termos uma reduzida força contratual. E, ainda para mais, concordamos em acelerar o nosso desarmamento pautal...
Reconheço que para progredirmos precisamos de exportar. Mas não me parece ser a nossa entrada na E. F. T. A. que nos vai facilitar essa tarefa. E, por outro lado, suponho não laborar em erro ao pensar que a exportação é o último elo de uma cadeia que começa com a produção.
Desenvolvamos primeiro a produção em condições competitivas internacionais com uma elevada produtividade e, simultaneamente, com um alargamento do mercado interno: o resto da cadeia seguir-se-á necessariamente.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanha, com a mesma ordem do dia de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

António Burity da Silva.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José de Mira Nunes Mexia.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Rogério Vargas Moniz.
Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Gonçalves de Faria.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando António da Veiga Frade.
João Mendes da Costa Amaral.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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