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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105

ANO DE 1963 12 DE DEZEMBRO

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 105 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 11 DE DEZEMBRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Antão Santos da Cunha requereu vários elementos a fornecer pelo Ministério da Economia.
O Sr. Deputado Paulo Cancella de Abreu falou sobre as comemorações do centenário de D. Carlos.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão na generalidade da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1964.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Henrique Tenreiro, Proença Duarte, Virgílio Cruz, Martins da Cruz, Moura Ramos e Sousa Rosal.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer a chamada.
Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Alves.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.

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Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Não há Diário para submeter à aprovação, nem expediente. Estamos no período de antes da ordem do dia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Antão Santos da Cunha.

O Sr. Antão Santos da Cunha: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

«A Portaria n.º 20 216, do Ministério da Economia (Secretaria de Estado do Comércio), publicada no Diário do Governo n.º 284, 1.a série, de 4 de Dezembro corrente, estabeleceu novo regime de condicionamento do comércio de sal marinho.
Com vista a uma eventual intervenção sobre este assunto, requeiro que aquele Ministério, pela Secretaria de Estado do Comércio, me forneça as seguintes informações e elementos:

a) A quem coube a iniciativa do novo regime de comercialização do sal? À produção? Ao comércio? À Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos? A qualquer outra entidade ou serviço público?
b) Que justificação foi dada para a revisão a que se procedeu?
c) Quem (entidade ou organismo) elaborou o projecto da nova regulamentação?
d) Cópia desse projecto.
e) O novo instrumento de disciplina do comércio do sal foi objecto de parecer dos Grémios dos Armazenistas de Drogas e Produtos Químicos, do Norte e do Sul, nos quais estão inscritos os armazenistas de sal?
f) Em caso afirmativo, cópia desses pareceres.
g) Sobre o novo regime de comercialização foi ouvida a secção de sal da Comissão Reguladora dos Produtos Químicos e Farmacêuticos?
h) Em caso afirmativo, cópia da acta ou actas da reunião ou reuniões em que o problema foi apreciado.
i) Cópia da informação final que sobre o assunto deve ter sido prestada pela já referida Comissão Reguladora.
j) Cópia da informação da Comissão de Coordenação Económica que serviu de base à decisão governamental e cópia desta.
k) Quaisquer outras informações e elementos que, superiormente, se julgue poderem interessar a uma correcta apreciação do problema.

A circunstância de o novo regime entrar em vigor 60 dias após a sua publicação leva-me a requerer urgência na satisfação do que peço, sem o que, e se forem excedidos 30 dias, perderá grande parte da sua utilidade a intervenção que possa vir a fazer nesta Câmara».

O Sr. Paulo Cancella de Abreu. - Sr. Presidente: era meu propósito ocupar-me, neste momento, dos acontecimentos nacionais de maior relevo durante o interregno parlamentar, que foram objecto do patriótico discurso, a todos os títulos notável na forma e no conceito, proferido por V. Ex.ª, Sr. Presidente, na sessão inaugural deste novo ano legislativo, ou sejam os acontecimentos do ultramar, especializando a continuação do heróico comportamento das nossas forças armadas em Angola e na Guiné, a histórica declaração do Sr. Presidente do Conselho em 12 de Agosto, a grande manifestação nacional de aplauso e de apoio à nossa política ultramarina definida e assegurada nessa declaração e, finalmente, a oportuna e triunfal viagem do Chefe do Estado a Angola e a S. Tomé, e ainda o apoteótico regresso a Lisboa.
Eu, monárquico, saúdo respeitosamente o Chefe do Estado pelo inexcedível sucesso da sua gloriosa jornada.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Surgiu, porém, entretanto, um aviso prévio apresentado pelo Sr. Dr. Veiga de Macedo, em seu nome e de outros nossos colegas, quase todos do ultramar, no qual se propõem ocuparem-se dos mencionados assuntos, com o desenvolvimento e o interesse que realmente recomendam.

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Nestas circunstâncias, reservo-me para, porventura, intervir nesse debate, se ele for generalizado, como é de presumir.
No entanto, não quero deixar de referir-me, embora em breves palavras, a outro acontecimento recente, assinalável pela sua natureza e pelo seu transcendente significado político e nacional e até coincidente com a defesa enérgica e intransigente da integridade do património em que estamos empenhados e fora definitivamente constituído e firmado pelo grande prestígio e pela notável acção diplomática do Monarca que conseguiu desfazer ou rasgar tratados e acordos mais ou menos secretos e, através das gloriosas campanhas militares da última década do século XIX e começo do actual, consolidou as actuais fronteiras intransponíveis que delimitam Portugal de aquém e além-mar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quero referir-me ao centenário de El-Eei D. Carlos, que se completou também na efeméride do ano em decurso e era, portanto, mister consagrar por aquelas dobradas e fortes razões; ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... e, realmente, não deixou de o ser em cerimónias solenes e de elevada expressão.
Outros tempos os de hoje!
Outros tempos os que tornaram possível reabilitar-se perante a consciência da Nação a memória do Rei, cujo infame assassínio proveio do clima, do ambiente, que republicanos e monárquicos criaram à sombra das desgraçadas campanhas políticas do começo deste desventurado século XX.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Das homenagens em referência merecem menção especial, pelo seu alto significado, as que lhe foram prestadas à escala nacional, quer por esta Assembleia, em brilhantes discursos, quer pela inauguração oficial, na praça fronteira ao palácio onde nasceu, de um monumento, que, no bronze e nas suas proporções, simboliza e perpetua a consagração que era devida à sua memória.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Inauguração esta que se realizou precisamente no dia do centenário de El-Eei e na presença oficial do Governo, quando o seu Presidente exercia interinamente atribuições de Chefe do Estado.
E, a propósito, é dever assinalar a prova que nessa emergência Salazar mais uma vez deu da sua alta compreensão, do seu patriotismo, da independência do seu carácter e da nobreza dos sentimentos que inspiram, animam e iluminam o seu espírito clarividente e intérprete da vontade nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Reconheceu que era justa, devida e oportuna a comemoração pública do centenário do Senhor D. Carlos, e isto bastou para lhe dar o seu relevante apoio, tornando-se assim possível consagrar na praça pública e oficialmente a memória do Soberano.
É que sem o seu valioso e forte apoio moral seria- difícil, se não impossível, a comissão executiva do monumento, dedicadamente presidida pelo antigo Deputado Dr. Rui de Andrade, conseguir levar a tão feliz termo o empreendimento, com a substancial cooperação da Câmara Municipal de Lisboa, por intermédio do ilustre general França Borges, que a ela digna e proficientemente preside e, no acto da entrega do monumento à Câmara, proferiu um belo e expressivo discurso, apropriado àquele acto solene, acto que assinalado foi também pela honrosa e destacada presença da Família de Bragança, das autoridades civis e religiosas e de povo.
Numa palavra: tudo certo, tudo perfeito, na medida das circunstâncias.
Bastaria, de resto, o alto significado nacional que também lhe deu a presença do Chefe do Estado, através do seu representante constitucional, e do Governo da Nação, tendo à sua frente a nobre figura de Salazar, grande português, enviado de Deus para salvação e glória da Pátria; da Pátria, cujas fronteiras ficaram definitivamente consagradas pelo Rei homenageado.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1964.
Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Tenreiro.

O Sr. Henrique Tenreiro: - Sr. Presidente: começo por apresentar a V. Ex.ª os mais respeitosos cumprimentos e homenagens, que traduzem a maior estima e admiração pelas suas altas qualidades.
Aos ilustres colegas desejo reiterar as mais. afectuosas saudações e assegurar a minha colaboração modesta, mas sincera, nos trabalhos da presente legislatura.
Ao ler o relatório da Lei de Meios para 1964 pensei que poderia trazer ao debate um breve apontamento sobre um dos muitos aspectos em que se desdobra esse diploma fundamental na vida do País, que, uma vez mais, reflecte a alta competência e a exactidão dos métodos do Sr. Ministro das Finanças, a quem rendo as minhas mais calorosas homenagens.
Na reflexão ponderada do Dr. Pinto Barbosa encontramos sempre a análise perfeita, os meios adequados e a solução justa.
Sem dúvida, uma virtude do homem.
Mas virtude que tem na base a doutrina política que Salazar soube criar e tem inspirado todos aqueles que lhe sucederam nesse difícil e trabalhoso departamento do Estado.

O Sr. Rocha Cardoso: - Muito bem!

O Orador: - Ainda não há muito tempo tive oportunidade de me referir à política de fomento das pescas realizada com os meios postos à disposição do Fundo de Renovação e de Apetrechamento da Indústria da Pesca, que deve a sua origem àquele que na mais alta magistratura da Nação continua a dar os melhores e mais salutares exemplos de trabalho e a inspirar a acção de todos quantos prosseguem tarefas em que se firma a valorização e grandeza deste país.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Desejo também apresentar as minhas mais sinceras homenagens ao Sr. Ministro da Marinha pula orientação e apoio concedidos a tudo o que diz respeito às pescas.
Nos tempos difíceis que vimos atravessando, sem a valiosa acção e intervenção do almirante Quintanilha Mendonça Dias não teria sido possível assegurar e adaptar às circunstâncias actuais a existência e desenvolvimento da indústria da pesca no nosso país.

O Sr. Rocha Cardoso: - E o Algarve bem lhe agradece.

O Orador: - A pesca constitui em Portugal uma verdadeira indústria básica do mais elevado interesse nacional.
Ela fornece a matéria-prima para a maior exportação portuguesa: as conservas de peixe.
O relativo equilíbrio da dieta nacional em proteínas de origem animal é obtido através do peixe e em proporções muito superiores às da generalidade dos outros países europeus.
As nossas capitações de consumo só são excedidas, na Europa, pela Noruega e são superiores mais de três vezes às dos países membros do Mercado Comum; apesar de toda a propaganda, é facto incontestável que o peixe é o mais barato género de origem animal, e não mo refiro só ao peixe miúdo, mas também a muitas espécies da pesca do alto e costeira.
O próprio bacalhau entra no consumo a preços muito inferiores aos dos géneros concorrentes.
Deste facto resulta uma intensificação da sua procura cada vez maior, pois, ao contrário do que se possa supor, de uma forma geral, as quantidades lançadas no mercado têm aumentado.
Nos últimos 25 anos, partindo de estruturas muito fracas ou até inexistentes, conseguimos desenvolver as pescas, mediante o investimento do mais de 1 600 000 contos, tendo a produção sido acrescida em cerca de 92 por cento, quando em igual período o seu desenvolvimento na Europa foi da ordem dos 40 por cento.
A evolução da conjuntura, principalmente internacional, criou, porém, novos problemas e uma nova situação para a pesca.
De entre os factos mais relevantes sobre este aspecto, convém citar o alargamento das águas reservadas à pesca pelos Estados confinantes; a liberalização do comércio internacional de produtos da pesca; a formação de blocos económicos, como o Mercado Comum; o desenvolvimento das frotas mundiais, principalmente dos grandes países industriais, como o Japão; o custo crescente da construção naval e o encarecimento dos navios, em consequência do aumento de capacidade e de aparelhagem para poderem manter as capturas a um nível razoável; o aumento geral da mão-de-obra industrial, principalmente na pesca, que tem de oferecer condições de retribuição mais favoráveis aos seus trabalhadores do que as existentes em terra, para ter a possibilidade de conseguir mão-de-obra qualificada.
A Organização Corporativa das Pescas, com a colaboração e o diligente apoio dos Ministérios da Marinha e dos Negócios Estrangeiros, tem procurado realizar acordos com o Canadá e a Dinamarca, por forma que a actuação das nossas frotas se possa manter em condições razoáveis.
A visita do Primeiro-Ministro da Terra Nova contribuiu para estabelecer um clima favorável nas relações entre os nossos dois países.
As negociações com a Dinamarca têm prosseguido insistentemente; já obtivemos alguns resultados positivos a temos a esperança de conseguir melhor.
Para compensar as perdas já verificadas nas capturas dos mares que banham Marrocos, Mauritânia e Senegal, que foram prejudicadas pelo alargamento das águas reservadas à pesca decretado por esses países, iniciámos a pesca nos mares da África do Sul com resultados muito favoráveis.
Este empreendimento será aumentado e esperamos dele obter mais do que a compensação em quantidade e qualidade das perdas sofridas na costa oeste africana.
Da Conferência das Pescas da Europa, realizada em Londres, e cuja primeira fase terminou em 7 deste mês, a nossa delegação trouxe-nos a esperança de que no prosseguimento desses trabalhos, a realizar no próximo mês de Janeiro, talvez seja possível conseguir-se um acordo que estabilize as medidas unilaterais de alargamento das águas reservadas à pesca pelos Estados membros.
As nossas relações no campo das pescas com a vizinha Espanha são excelentes, e, em conjunto, temos procurado solucionar os problemas que no campo internacional atingem os legítimos interesses dos dois países.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O apoio financeiro do Estado para o prosseguimento da obra tem sido forte e eficiente; mas as indústrias da pesca tem suportado encargos que na generalidade dos outros países pescadores incumbem ao Estado.
Temos escolas de pesca, mas aquele forte e decisivo auxílio que o Estado faculta ao ensino técnico, comercial e industrial, não foi extensivo à preparação dos pescadores e tem de ser aumentado e intensificado em termos de responder às crescentes exigências do avanço tecnológico e às novas condições em que a pesca hoje se exerce.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E hoje, dada a intensificação da pesca, a liberalização das importações que o nosso país aceitou, temos de lutar ao nível da concorrência internacional.
Para que as pescas possam continuar a desenvolver-se dentro da tremenda luta no mundo de hoje, é indispensável não só que os meios de produção - os navios - sejam os mais modernos e eficientes, de que já dispomos, mas também que os trabalhadores tenham a preparação necessária para tirar deles o máximo rendimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Será indispensável a ajuda do Estado, e não só através de financiamentos, mas tomando a seu cargo o desenvolvimento das estruturas essenciais à pesca.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já me referi à liberalização das importações de produtos da pesca aceite pelo nosso país em acordos internacionais, mas quero ainda esclarecer que, praticamente, não existe protecção aduaneira para as importações.
O pescado nacional fresco paga mais taxas e impostos do que o importado.
Essa falta de protecção pautai não tem afectado a indústria portuguesa do bacalhau, porque a alta das cotações deste produto nos mercados mundiais tem sido tão elevada que está a ser transaccionado lá fora quase ao dobro do preço praticado em Portugal.

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Há ainda a considerar que os grandes países produtores procuram desenvolver a sua indústria da pesca para um conjunto de finalidades.
Assim, têm em vista, através das construções navais, desenvolver e dar trabalho às suas indústrias e aos seus operários, bem como abastecer os mercados nacionais, o que é perfeitamente legítimo, mas por todas as formas e com ajudas e subsídios estaduais procuram invadir os mercados dos outros países.
Muitas vezes aparecem projectos que inicialmente são apresentados como tendentes a desenvolver a indústria e as exportações do país em que se pretendem infiltrar, mas a sua finalidade real é criarem uma posição dominante para colocarem os seus produtos, instituindo uma nova forma de colonialismo económico.
Devemos, pois, ponderar cuidadosamente as ofertas de ajuda externa, que, se por vezes podem ser muito úteis, outras serão ilusórias ou até perigosas e prejudiciais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para nos defendermos de todos os perigos que rodeiam hoje as indústrias da pesca na metópole e no ultramar é indispensável não só uma planificação em conjunto, tecnicamente perfeita, adaptada às circunstâncias em que ambos trabalham e aos seus campos de acção, como ainda a ajuda indispensável do Estado, em condições iguais às que se praticam nos países concorrentes e proporcionando o nível técnico indispensável aos trabalhadores do mar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não devemos esquecer que, além de a pesca fornecer um alimento fundamental para a população portuguesa e de ser, como já disse, a maior fonte das exportações nacionais, ela emprega, só na metrópole, mais de 150 000 trabalhadores, se considerarmos os 50 000 inscritos marítimos, os operários das conservas, das secas, dos estaleiros e de todas as indústrias que directa ou indirectamente trabalham para a construção naval e os numerosos comerciantes que fazem a distribuição do pescado.
Quero ainda esclarecer que a quebra da produção no 1.º semestre deste ano, como vem referido na proposta da Lei de Meios, se deve principalmente ao alargamento das águas reservadas à pesca pelos países da costa africana e a certa diminuição ocasional e imprevisível do peixe miúdo na nossa costa.
No entanto, a execução do plano de construções navais, as melhorias técnicas nos navios existentes e a exploração de novos pesqueiros já em curso devem assegurar aumento de produção, que excederá a quebra agora verificada e garantirá o regular abastecimento de peixe à nossa população.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Creio, Sr. Presidente, que na Lei de Meios para 1964, em que se consagram por forma notável os imperativos de justiça social, podem ter cabimento as providências que este breve apontamento sugere.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Proença Duarte: - Sr. Presidente: na proposta de lei em discussão a saúde pública e assistência ocupa posição de primeiro plano na escala de prioridades que gradua as necessidades públicas a satisfazer pelas receitas ordinárias e extraordinárias.
A proposta de lei virá a converter-se na lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1964, a qual fica constituindo o diploma legal a que deverá subordinar-se a elaboração do plano orçamental para esse ano, nos termos do n.º 4.º do artigo 91.º da Constituição.
O conteúdo da proposta marca o sentido político-administrativo da acção governativa do próximo ano.
Contém, por isso, a proposta de lei as linhas gerais do programa do Governo, que este apresenta à Assembleia Nacional, para que ela sobre ele se pronuncie e manifeste a sua concordância ou discordância sobre os princípios que a informam, quer quanto às receitas a cobrar, quer quanto às despesas a fazer, cujo quantitativo não seja determinado de harmonia com leis preexistentes.
O relatório que precede o articulado da proposta apresenta informação detalhada da evolução da economia internacional e da nacional para fundamentar as medidas que propõe para arrecadar as receitas que tem por necessárias para ocorrer às despesas que a satisfação das necessidades colectivas requer.
Através dele e dos similares relatórios anteriores se toma ordenado conhecimento de que a expansão da actividade económica portuguesa se processa a nível mais elevado do que a expansão média da actividade económica da Europa Ocidental.
De facto, enquanto o produto interno bruto aumentou 8, 7 e 5 por cento, respectivamente em 1960, 1961 e 1962, a taxa de crescimento do produto nacional bruto para o conjunto dos países do Ocidente europeu passou de 6 por cento em 1960 para 4,5 por cento em 1961 e para taxa ligeiramente inferior em 1962.
O progresso do desenvolvimento económico nacional que este indicador revela maior seria se já tivesse sido possível encontrar forma de impulsionar o desenvolvimento da agricultura, da silvicultura e da indústria extractiva propriamente dita, como refere o parecer das contas de 1961, elaborado com a profundidade de saber e a clara interpretação dos fenómenos económicos do seu relator, o nosso colega Araújo Correia.
O crescimento da economia nacional tem permitido aumento substancial das receitas gerais do Estado, designadamente das receitas ordinárias, que em 1961 se processou à taxa de 12,7 por cento, como nos refere o relatório da proposta de lei para 1963, e à taxa de 5 por cento em 1962.
Como se recorta do parecer das contas de 1961, as receitas ordinárias, que em 1958 foram de 8 377 800 contos, passaram em 1961 para 10 812 400 contos e foram em 1962 de 11 955 400 contos, segundo se afirma na proposta em discussão.
O acréscimo das receitas em 1961 foi o mais acentuado, pois cifra-se em 1 221 930 contos.
Este acréscimo de receitas só foi possível devido à obra governativa de fomento económico, que de há anos se vem realizando persistentemente, que criou novas fontes de riqueza para a Nação, que, por sua vez, alargaram o campo da incidência fiscal e o concomitante aumento das receitas do Estado.
O crescimento das receitas tem tido correspondência no aumento das despesas públicas, que em 1961 se elevaram a 13 445 000 contos, sendo 8 005 000 contos de despesas ordinárias e 5 440 000 contos de despesas extraordinárias, o que representa um acréscimo, em relação a 1960, de 2 109 000 contos.
Este anormal acréscimo da despesa extraordinária proveio da necessidade nacional da defesa militar e segurança que a dementada política internacional do Ocidente nos

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obrigou a adoptar, designadamente nos nossos territórios ultramarinos.
Isso terá contribuído para abrandar o ritmo do nosso crescimento económico e progresso social, mas não o paralisou nem afectou profundamente, graças à sábia acção administrativa do Governo em todos os sectores da vida pública, incluindo na aplicação das, receitas gerais do Estado.
É sina destes tempos, em que os comandos da vida internacional se deslocaram para quem deles não sabe fazer uso, apregoar auxílio aos países económicamente mais débeis, mas de facto tudo se fazer para lhes destruir as bases e alicerces da sua vida económica colectiva, desde que daí advenha interesse para os objectivos materiais que esses novos leaders das relações internacionais se propõem alcançar para os seus países.
São os fariseus dos tempos modernos.
Mas os fariseus hão-de ser expulsos, e os que se mantiveram fiéis à verdade, aguentando todas as injustiças, hão-de triunfar e ver essa verdade que defenderam ser seguida por aqueles que se lhe opunham. A história do nosso tempo fornece-nos este ensinamento.
É com rumo a esses tempos que a nossa vida colectiva prossegue, e aqui estamos a programá-la para mais um ano de acção governativa.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: uma proposta de Lei de Meios abrange toda a actividade política, económica e financeira do Estado.
Esta proposta de lei, como as que a têm precedido desde que o Sr. Presidente do Conselho sobraçou a pasta das Finanças, há mais de 30 anos, é elaborada com subordinação a um primeiro princípio que desde então tem sido observado, com manifesta vantagem para a vida da Nação, que é o de se manter o equilíbrio financeiro das contas públicas e o regular provimento da tesouraria.
Foi através desta política financeira intransigentemente mantida que foi possível restabelecer o crédito do País, promover intensamente o progresso económico e social, ocorrer e dar satisfação em todos os momentos e com independência às mais prementes necessidades colectivas, incluindo a defesa das gentes e do território nacional.
Só há que louvar e dar pleno acordo a essa orientação, mantida pelo Governo na presente proposta de lei.
A adesão a esta orientação governativa implica concordância com os meios que nela se preconizam, com vista a alcançar as necessárias receitas para ocorrer às despesas que essa acção político-administrativa importa.
O Governo, através do relatório que precede o articulado da proposta, revela profundo conhecimento do estado económico das diferentes actividades passíveis de imposto e, portanto, das possibilidades tributárias de cada uma delas em face de um são critério de justiça destributiva.
Para que esse são critério se defina importa, porém, um aprofundado conhecimento das realidades da vida das actividades económicas para se ajuizar da sua capacidade tributária, não vão elas ser asfixiadas pelo imposto, do que resultaria prejuízo para os indivíduos e para o próprio Estado. Estou a pensar na actividade agrícola.
Ao Estado compete, para tanto, seleccionar com rigor os meios e agentes informadores dessas realidades.
Confiemos em que o Sr. Ministro das Finanças, que se tem mostrado sempre tão atento à evolução dos factores da economia nacional, consiga realizar perfeita obra de justiça distributiva em matéria de tributação.
Sobre a aplicação das receitas dá a proposta de lei prioridade, tal como a de 1963, aos encargos com a defesa nacional, nomeadamente aos que visam à preservação da integridade territorial da Nação, referindo expressamente as despesas a fazer com a defesa dos nossos territórios no ultramar que a cobiça e cupidez do supercapitalismo internacional pretende desintegrar do todo nacional para neles depois exercer as sua nefasta acção especulativa, sem respeito pelos mais elementares direitos das populações locais, do seu passado histórico e da sua eloquentemente afirmada vontade de continuarem a fazer parte da comunidade portuguesa.
Bem podemos afirmar que, dando decidida e firme adesão a esta parte do programa da acção governativa para 1964, interpretamos o sentimento profundo, indiscutível de todos os verdadeiros portugueses; afirmamos a vontade da Nação.
Passo agora, Sr. Presidente, a ocupar-me da matéria da proposta que respeita a investimentos públicos que, à margem do Plano de Fomento, o Governo esteja legalmente habilitado a inscrever em despesa extraordinária.
Restrinjo as minhas considerações ao problema da saúde e assistência, designadamente à assistência hospitalar.
Os problemas da saúde e assistência constituem em nossos dias uma das «imensas e peremptórias tarefas sociais» de que falou o Chanceler Ludwig Erhard na sua declaração governamental.
O tratamento na doença por forma acessível a todas as classes é hoje considerado como uma das medidas de um «sistema de segurança social» e das primaciais.
«É um facto de observação em todos os países que as necessidades sentidas por muita gente, talvez mesmo pela maior parte das pessoas, incluindo as de alguma cultura, são em primeiro lugar as curativas -de tratamento das doenças - e só depois as preventivas».
As bases da política de saúde e assistência são as que se contêm na Lei n.º 2120, de 19 de Julho de 1963, votada nesta Assembleia.
Nela se estabelece, além do mais, que a política de saúde e assistência tem por objectivo o combate à doença e que este abrange a acção preventiva, curativa e recuperadora - base I.
Entre os meios curativos compreende-se o tratamento médico, a realizar em centros de saúde ou dispensários, consultas externas, hospitais, casas de saúde, etc.
Mas «o hospital, como elemento curativo, é organismo fundamental».
Na verdade, a acção do hospital como elemento curativo tende a alargar-se a maior número de camadas de população que outrora a ele não recorria.
E esta maior afluência de pessoas ao tratamento da doença nos hospitais é determinada por circunstâncias de vária ordem: umas de carácter social, outras de carácter técnico, derivadas estas da complexidade de meios de diagnóstico e de terapêutica que a ciência pôs à disposição dos médicos para eficiência da sua acção e que só nos hospitais ou casas de saúde se podem concentrar e ser utilizadas rapidamente no caso de a doença assim o exigir.
E em todas as camadas sociais existe já uma noção clara da vantagem do internamento hospitalar para tratamento conveniente da doença.
Acresce que os hospitais oferecem hoje condições de acolhimento conveniente e garantias de assistência técnica que outrora não possuíam.
Tenha-se ainda em consideração, ao equacionar o problema, que poucas são as economias familiares com capacidade suficiente para resistir a um período, mesmo não muito prolongado, de tratamento intensivo de doença de um dos familiares, em que se requerem todos os meios de diagnóstico, como radiografias e análises de vária espécie;

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meios terapêuticos que impõem a utilização de medicamentos de alto preço, agentes físicos, etc.; honorários médicos e de enfermagem.
Isto vem para dizer que os hospitais têm agora de ser concebidos de forma a poderem receber e tratar um número de doentes de todas as classes, que se irá tornando cada vez mais numeroso, não só pelo aumento incessante da população, mas também pelas circunstâncias que atrás se apontaram, entre muitos outros factores que podiam referir-se.

s hospitais, por imperativo social, têm de funcionar também como «casas de saúde» para aquela camada social, cada vez mais numerosa, que, pelos seus recursos económicos, não está em condições de utilizar as casas de saúde particulares, mas deseja mais do que ser internada numa enfermaria geral: deseja um quarto particular no hospital, mas de preço acessível.
E a todos os doentes, seja qual for a sua situação económica e posição social, se tem de reconhecer o direito de ser tratado na doença pelos meios que o progresso científico e técnico para esse efeito têm criado.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esta afluência crescente de doentes aos hospitais suscita problemas novos que carecem de solução adequada.
Há, assim, um problema de organização hospitalar que tem de ser atentamente considerado na lei de autorização das receitas e despesas e na elaboração do orçamento subsequente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na base X da já referida Lei n.º 2120, n.º 3, determina-se que «a actividade hospitalar será coordenada de modo a integrar num plano funcional os hospitais centrais, regionais e sub-regionais, os postos de consulta ou de socorros e os serviços auxiliares».

Quero ocupar-me aqui, especialmente, dos problemas que se põem aos hospitais regionais e sub-regionais em face das atribuições que lhes são cometidas.
Faço-o com algum conhecimento de causa, derivado do facto de ter que viver, por vezes angustiadamente, os problemas que lhes respeitam e de procurar para eles solução, na qualidade de provedor da Santa Casa da Misericórdia de Santarém, para que os meus confrades no Definitório me designaram por eleição directa, liberta de indicações de um qualquer desses que por vezes os azares da vida política erguem a posições de comando que eles só desprestigiam e de cujo exercício resultam malefícios para a situação política que dizem servir e para a colectividade.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Faço-o, ainda, na esperança de que as solicitações aqui feitas mereçam das estâncias superiores a atenção e audiência que por vezes lhes é recusada quando apresentadas directamente pelas vias hierárquicas, como se fossem causas mínimas de que os altos pretores não devem cuidar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: os problemas da saúde e assistência têm merecido à actual situação política o maior interesse, e é notável a obra nesse campo realizada através dos vários departamentos de Estado: Ministérios das Finanças, da Saúde e Assistência, das Obras Públicas, das Corporações, do Interior e dos demais que de qualquer forma em tais problemas têm interferência.
Alguns números ilustram esse interesse pela assistência e saúde pública.
A despesa feita com a assistência pública foi em 1938 de 75 997 contos; passou em 1961 para 617 603 contos.
A despesa feita pela Direcção-Geral da Assistência com estabelecimentos hospitalares foi em 1950 de 91 389 contos; em 1960 de 254 908 contos e em 1961 de 249 699 contos.
Como se diz no parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1961, «a acrescer à despesa com a assistência a cargo do Ministério da Saúde e a efectuada pelos serviços médico-sociais do Ministério das Corporações, há também a considerar os investimentos anualmente realizados pelo Ministério das Obras Públicas na construção de novos edifícios hospitalares e na conservação e reparação dos que já existem».

O Sr. Jorge Correia: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Jorge Correia: - Apesar de o Estado ter gasto essas somas formidáveis em assistência, a verdade é que se notam ainda grandes dificuldades e enormíssimas deficiências.
Contava-me há poucos dias um cirurgião que presta serviço no banco do Hospital de S. José que a falta de camas é de tal ordem em certos dias que, por coincidência, parou o elevador do mesmo Hospital e nesse local teve de ser posta uma cama; tiveram até de aproveitar o local onde o elevador ocupava a sua posição para nele colocar uma cama.
Há realmente que reorganizar toda a assistência no País. Termos assistênciazinhas dispersas, por qualquer pessoa ou organismo se querer dar ao luxo de ter a sua assistência, não pode ser. Fazer assistência é coordenar; andamos todos à procura de coordenação, mas cada vez a vejo menos no campo da assistência, onde cada um a quer fazer a seu bel-prazer.

O Orador: - Muito obrigado pela intervenção de V. Ex.ª Suponho que factos idênticos ao que V.a Exa. relata como tendo-se passado no Hospital de S. José podemos nós, os das Misericórdias, apresentar também. E a propósito irei ler a seguir um número impressionante, que revela quanto o Estado se tem esforçado para melhorar a situação das instalações hospitalares.
Esta obra do Ministério das Obras Públicas reflecte-se no número de camas instaladas nos hospitais gerais, que passou de 19 359 em 1957 para 21 214 em 1961 e para 22 317 em 1962.
É certo que o maior volume das verbas despendidas com novas construções e ampliações hospitalares reverteu em benefício dos hospitais centrais das respectivas zonas do Norte, Centro e Sul, com sede, respectivamente, nas cidades do Porto, Coimbra e Lisboa.
Dos hospitais regionais há uma grande parte que ainda em nada beneficiou deste surto de melhoramentos das instalações hospitalares, por construção de novos edifícios, ampliação ou beneficiação dos existentes, que teve início a partir da publicação da Lei n.º 2011, de 2 de Abril de 1946.
Ora aos hospitais regionais foi atribuída, pela base viu da Lei n.º 2011, uma larga acção no tratamento da doença, que em muito excede a amplitude que tinham como hospitais concelhios.

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Aos hospitais regionais compete assegurar a respectiva assistência nas sub-regiões em que têm a sua sede e atender os doentes que os hospitais sub-regionais não possam assistir, devendo, para tanto, possuir serviços gerais de medicina e de especialidades correntes.
Esta regionalização hospitalar representa, manifestamente, uma orgânica feliz e altamente proveitosa para a assistência hospitalar a todas as camadas da população, se for eficientemente executada em todos os escalões.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E é de justiça pôr em relevo a acção criteriosa e esforçada que têm desenvolvido a Direcção-Geral dos Hospitais e as comissões inter-hospitalares dentro das possibilidades financeiras que lhes são concedidas.
Os hospitais regionais, como escalão intermédio entre os hospitais centrais e os sub-regionais, têm uma ampla missão a cumprir.
Mas para tanto é necessário conceder-lhes as possibilidades técnicas e financeiras que lhes permitam ser de facto verdadeiras autarquias hospitalares, tecnicamente autónomas dentro das atribuições que lhes são conferidas no sistema de regionalização hospitalar em que foram integrados.
Para que os hospitais regionais atinjam esse grau autárquico devem possuir suficiência de recursos em edifícios, equipamento, pessoal e funcionamento devidamente dimensionados, como escreveu com conhecimento de causa o Dr. Coriolano Ferreira, director-geral dos Hospitais.
Precisamente porque ocupam a situação intermédia entre os dois escalões extremos, superior - hospitais centrais - e inferior - hospitais sub-regionais-, é que aos hospitais regionais devem ser concedidos todos os meios de poderem, desempenhar a função que lhes cabe no sistema.
Se assim não for, ficam desde logo paralisados todos os resultados que se espera alcançar através do sistema de regionalização hospitalar.

Vozes: - Muito, bem!

O Orador: - Será mais um sistema falhado, embora concebido com inteligência e adaptado à satisfação das necessidades do nosso meio para tratamento da doença e também como prevenção contra a doença.
Mas os hopitais concelhios que foram erguidos à categoria de regionais não estavam preparados, nem sob o pouto de vista de edifícios, nem. sob o ponto de vista de equipamento e de pessoal, para preencher os objectivos que lhes são marcados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É certo que já bastante se tem feito, quer pelo esforço local, quer pelo contributo do Estado, no sentido de se conseguir essa preparação, fornecendo-lhes meios de diagnóstico e terapêutica necessários.
Mas as atribuições que lhes são marcadas põem problemas de vária outra ordem.
Aumentou consideràvelmente nos hospitais regionais o número de doentes, designadamente dos que requerem intervenções cirúrgicas, que anteriormente ou se dirigiam para os hospitais de Lisboa, Porto e Coimbra ou sofriam a doença e por ela soçobravam sem tratamento.
Posso ilustrar esta afirmação com dados colhidos no Hospital Regional de Santarém.
No ano de 1946 entraram no hospital 1830 doentes; foram nele feitas, a pobres, 171 operações cirúrgicas.
Em 1962 entraram 3370 doentes e foram feitas, a pobres, 1413 operações.
Por informações que obtive, e que devem estar recolhidas no Ministério da Saúde, suponho que o mesmo facto se passou em relação aos demais hospitais regionais.
As despesas feitas com o Hospital de Santarém foram de 872 280$20 no ano de 1946 e passaram para 2 511 722$60 em 1962.
No Hospital Regional de Santarém trabalham duas equipas de cirurgia geral: um médico-cirurgião de otorrinolaringologia e dois médicos de obstetrícia, assitidos por um anestesista oficialmente especializado.
Nenhum destes médicos tem qualquer remuneração pelos serviços que presta no hospital; trabalham gratuitamente, como trabalham gratuitamente dois radiologistas e os médicos de clínica geral, para os doentes pobres e porcionistas.

O Sr. Jorge Correia: - V. Ex.ª não acha isso justo?

O Orador: - Já vou dizer o que penso sobre o assunto.
A Santa Casa da Misericórdia não tem tido até agora recursos financeiros para lhes atribuir qualquer remuneração.
E eles não recusam os seus serviços a qualquer hora que lhes são solicitados.
E se não fora a acção benemérita destes profissionais da medicina, quantas vidas se não teriam perdido!
Mas é evidente que esta situação dos médicos não pode permanecer. Sem médicos não pode haver hospitais, e os hospitais são vantagens para os médicos.

O Sr. Jorge Correia: - Sem médicos e sem estímulo. Sobretudo porque não há estímulo para os rapazes que frequentam a Faculdade de Medicina. «Depois de formado que vou eu fazer - perguntam eles -, se tenho de trabalhar gratuitamente?!»

O Orador: - Foi o que V. Ex.ª acentuou ontem no brilhante discurso que fez.

O Sr. Jorge Correia: - Mas nunca é de mais acentuar.

O Orador: - Impõe-se remunerar-lhes o seu trabalho, até mesmo para que possam impor-se-lhes deveres.
Este é um problema, e premente, que suscita a regionalização hospitalar.
Como resolvê-lo?
Mas este acréscimo de afluência de doentes aos hospitais regionais suscita outros problemas, como sejam o da necessidade de novas enfermarias, mais salas de operações, mais quartos particulares, maior número de enfermeiros e enfermeiras, maior quantidade de medicamentos e tudo o mais que requer o regular funcionamento de um serviço hospitalar com esta amplitude.
Ora a maior parte dos hospitais regionais, se não todos, são instituições das Santas Casas da Misericórdia que no passado foram despojadas dos seus patrimónios, de cujos rendimentos viviam, praticando larga obra de beneficência.
Mas hoje os rendimentos de bens próprios das Misericórdias são exíguos e, só por eles, é impossível realizar a obra assistencial e de saúde que delas se requer e lhes está legalmente atribuída.
No entretanto, as Santas Casas da Misericórdia são, legalmente, órgão local de saúde e assistência, como se determina na base xx, alínea b), e compete-lhes o pri-[Continuação]

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meiro lugar nas actividades hospitalar e assistencial (base XXII).
Assim, as Misericórdias foram integradas num sistema nacional de política de saúde e assistência. Passaram a fazer parte de um serviço de carácter nacional. Portanto, os meios financeiros para a prossecução dos seus fins de saúde e assistência hão-de provir, substancialmente, do Orçamento Geral do Estado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não se pode programar uma acção administrativa de uma Santa Casa da Misericórdia que tem a seu cargo um hospital regional com base apenas nos rendimentos dos seus bens próprios ou na expectativa do contributo dos benfeitores do concelho, certo como é que a sua acção assistencial e hospitalar se alargou a necessitados de vários concelhos.
É certo que o Estado lhes tem concedido subsídios.
É certo também que, por diplomas legais, se têm criado fontes de receita com vista à satisfação das despesas ordinárias.
Mas está demonstrado que as receitas assim obtidas são insuficientes.
Essas fontes de receita, para cobrir as despesas hospitalares, são as consignadas no Decreto-Lei n.º 59 805.
As receitas ali previstas provêm da contribuição dos próprios doentes pensionistas e porcionistas, dos municípios em relação aos assistidos indigentes e pobres com domicílio de socorro nos respectivos concelhos e das instituições que houverem prestado a assistência pelos seus fundos e receitas.
Mas a verdade é que cada uma destas categorias de responsáveis pelo pagamento das despesas hospitalares procura por todos os meios eximir-se ao seu pagamento, no todo ou em parte.
Assim, a organização do inquérito social para determinação do escalão em que cada doente há-de ser incluído para efeito de pagamento da despesa que faz no hospital está atribuída, na região, ao Centro de Assistência à Família, cujos serventuários não têm meios para se deslocar à localidade do doente e, por isso, fazem a classificação económica do doente com base nas declarações deste ou de algum seu familiar, os quais procuram quase sempre prestar declarações que não correspondem à realidade das suas possibilidades económicas.
E o hospital tem de aceitar indiscriminadamente essa classificação.
As câmaras, por sua vez, procuram também pagar o menos possível dessas despesas hospitalares que são de sua responsabilidade, como resulta evidente dos pleitos judiciais a correr nos tribunais entre as Santas Casas da Misericórdia e as câmaras municipais, derivados da interpretação diferente dada pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério do Interior ao disposto no § 1.º do artigo 8.º do Decreto n.º 39 805, de 4 de Setembro de 1954, que estabelece a participação dos municípios nas despesas hospitalares dos doentes pobres que neles tenham domicílio de socorro.
Este diferendo, que se processa ao nível ministerial, tem de ser sanado, e já o devia ter sido, pois é desprestigiante para o Estado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Isto resulta em parte da dificuldade dos municípios em pagar, por falta de receitas suficientes, a despeito do disposto no artigo 21.º do Decreto n.º 39 805. que lhes permite a aplicação do produto de derramas para pagamento destas despesas hospitalares, com doentes pobres e indigentes da sua responsabilidade. Mas as câmaras dizem que o rendimento que lhes provém das derramas que são autorizadas a cobrar é muito inferior ao montante da despesa com a sua assistência hospitalar.
As fontes de receita que ficam apontadas para as Misericórdias não cobrem a despesa da assistência hospitalar a fazer pelos hospitais regionais.
Mas a lei - base XIX da Lei n.º 2011 - estabelece que os encargos da assistência hospitalar competem ao Estado nos seus estabelecimentos próprios e são custeados em regime de cooperação nos pertencentes a outras entidades ou por elas mantidos.
Em qualquer dos casos, diz a segunda alínea da base, «incumbe às autarquias locais e ao Estado tomar as providências necessárias para que os hospitais funcionem com plena eficiência».
Essa plena eficiência só poderá alcançar-se quando se «resolver em bases satisfatórias e socialmente justas o problema do financiamento hospitalar», como disse o Dr. Henrique Martins de Carvalho, quando Ministro da Saúde, na entrevista concedida ao Jornal do Médico de 7 de Janeiro de 1951.

O Sr. Antão Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Antão Santos da Cunha: - V. Ex.ª referiu-se, e muito bem, à circunstância de se manter aquilo a que V. Ex.ª chamou conflito ministerial quanto aos encargos de assistência a suportar pelas câmaras municipais.
No período de antes da ordem do dia da última sessão legislativa tive a ocasião de chamar a atenção do Governo para esse problema e exprimi o receio de que ele não tivesse solução adequada no plano jurisprudencial e que fosse politicamente a mais conveniente.
O problema está posto com toda a sua acuidade e é altamente desprestigiante para a Administração não haver uma solução, tanto mais que o Supremo Tribunal de Justiça, em decisões recentes, entendeu não conhecer dos recursos para o pleno. Está, assim, prejudicada a esperança dos que fiavam a solução do assento do pleno.

O Orador: - Agradeço a intervenção de V. Ex.ª e devo dizer que neste momento está pendente no Supremo Tribunal de Justiça um recurso interposto para o pleno pela Santa Casa da Misericórdia de Santarém. Foi possível encontrar dois acórdãos da Relação que julgaram em sentido diferente este assunto. Foi interposto recurso para o Supremo, que foi admitido. Esperemos que o Supremo, em tribunal pleno, resolva este diferendo.
Efectivamente, não se compreende que se esteja a sobrecarregar os tribunais com problemas desta ordem, que dizem respeito a dois Ministérios e que deviam ser resolvidos à base ministerial, por actuação administrativa ou legislativa.
E, na Verdade, além de sobrecarregar os tribunais com problemas que deveriam ser deles afastados, coloca-se a população, que conhece estes assuntos, no conhecimento de que entre as câmaras e as Misericórdias há pleitos judiciais para resolver problemas desta ordem.

O Sr. Antão Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me uma novidade que ainda aumenta mais a confusão que reina nisso tudo. É que eu tinha conhecimento de um conjunto de casos em que o Supremo Tribunal de Justiça não conheceu dos pleitos. Julgou que não era meio hábil o

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recurso para o pleno para se obter um assento que definisse judicialmente a melhor doutrina.
V. Ex.ª diz-me agora que outra secção do Supremo admitiu o recurso da Misericórdia de Santarém. O que quer dizer que temos municípios sujeitos a uma obrigação e vamos ter outros que vão beneficiar possivelmente da decisão que o Supremo vai tomar. Infelizmente a confusão já chegou também ao plano jurisprudencial.
Isto evidencia que mais necessário se torna resolver o assunto por via legislativa, sem embargo de o assento se aplicar a todos os casos futuros, mas não àqueles que viram agora os seus direitos denegados pela recusa do Supremo em tomar conhecimento do pleito.

O Orador: - Seja qual for a decisão jurisprudencial, fica sempre o aspecto político a que V. Ex.ª se referiu.
Sr. Presidente: no inquérito a que directamente procedi junto de quinze Misericórdias do distrito de Santarém, em que há dois hospitais regionais -Abrantes e Santarém- e treze sub-regionais, pois Alpiarça não tem hospital, foi formulada a seguinte pergunta: as receitas ordinárias, incluindo subsídios do Estado ou das autarquias locais, cobrem as despesas ordinárias?
Todos responderam negativamente, excepto o Sardoal, que respondeu afirmativamente.
Nestes hospitais trabalham cerca de 90 médicos, dos quais 79 não são remunerados, e neles estiveram internados cerca de 15 900 doentes, que por esses médicos foram tratados em 1962.
No hospital de Santarém o número de operações feitas a pobres, não contando as intervenções feitas no banco, foi de 1413.
A população destes concelhos é de cerca de 300 000 habitantes.
A média de dias de ocupação de todas as camas, no ano, nestes, hospitais oscilou entre 37, mínimo, e 365, máximo.
A média de dias de hospitalização de cada doente oscilou entre 13 e 28, e a média de doentes que recebeu cada cama variou entre 3,9, mínimo e 16,4, máximo.
Confrontando a movimentação dos doentes nestes hospitais com a de outros países, pode dizer-se que ela não apresenta médias superiores de dias de hospitalização de cada doente, nem do número de doentes que ocupou cada cama, o que significa que os nossos processos de tratamento não são inferiores.
Apontei estes dados para deles tirar algumas ilações.
Assim, por eles verifica-se que todas estas Misericórdias vivem em regime deficitário. As receitas efectivamente cobradas não cobrem as despesas, e isto a despeito de os médicos, na sua quase totalidade, não receberem remuneração e de neles trabalharem irmãs de caridade como enfermeiras e noutros serviços cuja remuneração é meramente simbólica.
Isto deriva, em grande parte, de os municípios, que constituem o domicílio de socorro dos doentes, só se considerarem obrigados ao pagamento da diária dos respectivos, doentes e se recusarem ao pagamento de toda a outra despesa feita com eles, com medicamentos, radiografias, análises e tudo o mais, e ainda de o próprio montante das diárias ser pago, em muitos casos, com meses de atraso.
Há câmaras com dois e três anos de atraso nos seus débitos à Misericórdia.
As dívidas das câmaras à Santa Casa da Misericórdia de Santarém ascendem neste momento a 1 071 311 $30.
As dívidas da Misericórdia aos seus fornecedores elevam-se a 1 010 880$60.
E esta é a posição da quase totalidade das Misericórdias do País que têm a seu cargo hospitais regionais, segundo as informações recolhidas, a despeito dos cortejos de oferendas que realizam.
E os hospitais regionais não estão ainda a funcionar nos termos prescritos pela legislação em vigor (base VII da Lei n.º 2011).
Não estão, nem podem estar, por falta de meios financeiros.
Este problema tem de ser resolvido e talvez para a resolução possa contribuir a articulação da previdência com a assistência hospitalar.
E o Sr. Ministro da Saúde e Assistência está em condições especiais de se debruçar sobre este aspecto do problema.
Também dos dados apontados se verifica que a afluência de doentes aos hospitais regionais, com o novo esquema de orientação dos doentes, aumenta extraordinariamente, impondo a ampliação dos mesmos hospitais.
A Direcção das Construções Hospitalares tem de ter dotações suficientes para realizar essas ampliações, sob pena de o sistema hospitalar legalmente estabelecido não poder funcionar.
O acréscimo de doentes nos hospitais regionais exige aumento de trabalho ao respectivo corpo médico, designadamente aos serviços de cirurgia e das especialidades neles instaladas, e não pode esperar-se que seja prestado gratuitamente.
Têm estes hospitais de ser dotados com meios financeiros que lhes permitam estabelecer essa remuneração.
Se assim não for, é de prever que estes hospitais se verão privados de médicos competentes, sem os quais não realizarão a obra assistencial que o sistema legal lhes assinala.
Parece, pois, necessário apressar o estabelecimento da carreira hospitalar para os médicos, a que se refere a segunda alínea da base XXV da Lei n.º 2120.
Sr. Presidente: pareceu-me útil fazer nesta Assembleia este apontamento, por certo muito deficiente e imperfeito, sobre a assistência hospitalar regional e sub-regional, a propósito da proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1964, que servirá de base à elaboração do Orçamento Geral do Estado, no qual se hão-de inserir as dotações dos diversos serviços.
Tanto quanto me é possível discernir sobre o problema da saúde e assistência, creio que temos um sistema legal dos mais perfeitos sobre assistência hospitalar.
O que importa é pô-lo a funcionar integralmente. Mas para tanto tem de ser considerado, entre todos os demais factores nele intervenientes, o factor meios financeiros.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para este aspecto me permito chamar a atenção do Governo da Nação, com a íntima certeza de que fará quanto lhe seja possível pelos hospitais regionais, que prestam a maior parte da sua assistência a populações rurais, as quais ainda não estão abrangidas pela previdência e por outras medidas de segurança social.
Dou o meu voto na generalidade à proposta de lei em discussão.

enho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Virgílio Cruz: - Sr. Presidente: a proposta da Lei de Meios para 1964 mantém a continuidade de orientação da nossa política financeira, graças à qual

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temos podido aguentar com firmeza, no período grave que a Nação atravessa, o duplo e ingente esforço da defesa nacional e do desenvolvimento económico. E digo aguentar com firmeza, porque esta orientação tem não só mantido as contas públicas sempre equilibradas, mas até conseguido conservar o escudo entre as moedas mais fortes do Mundo, o que constitui motivo de grande admiração nos meios internacionais, mesmo até naqueles que nos são adversos.
O plano financeiro do Governo para 1964 continuará a dar prioridade aos encargos da defesa nacional para enfrentar a crise em Angola e na Guiné e as precauções de vigilância noutras províncias, mas procurará harmonizar este imperativo com a continuidade e intensificação do esforço de desenvolvimento do País, contemplando para esse fim as obras inscritas no II Plano de Fomento e, à margem deste, muitas realizações de alto interesse social, económico e cultural.
Para tirar o máximo benefício do esforço que vamos fazer convirá orientar os investimentos para fins altamente reprodutivos e sempre segundo os critérios da maior utilidade nacional.
É na criteriosa gestão dos dinheiros públicos que se situa uma das frentes mais decisivas da luta que sustentamos e nos foi imposta. Desde a eclosão desta luta a estratégia orçamental tem sido esta: cobrir fundamentalmente o acréscimo das despesas militares com os saldos das receitas ordinárias, mas sem agravamento imoderado da pressão fiscal, e prosseguir o apoio à política financeira de desenvolvimento recorrendo ao crédito, dado o carácter reprodutivo das despesas de fomento.
Esta estratégia orçamental revela-se bem concebida e tem sido executada com êxito; por isso, a política que a tornou possível é digna de todo o nosso apoio.
O acréscimo dos encargos de defesa, embora oneroso e pesado, tem cabido com margem dentro dos suplementos de riqueza criados em cada ano.
Em relação a 1960, ano em que ainda não estávamos em luta, o produto nacional bruto, a preços do mercado, aumentou de 5,3 milhões de contos em 1961 e de 9,4 milhões de contos no biénio de 1961-1962, enquanto os encargos de defesa cresceram nesses períodos, respectivamente, de 2,13 milhões de contos em 1961 e de 2,83 milhões de contos entre 1960 e 1962.
A comparação destes aumentos mostra bem que, felizmente, podemos aguentar a defesa do solo pátrio só com os acréscimos anuais do rendimento nacional e sem receio de esgotamento breve do erário. Este esforço é económicamente menos reprodutivo, mas é salvador.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O crescimento do produto nacional bruto tem dado, como se vê, para cobrir o acréscimo de despesas com a luta que nos foi imposto e ainda deixa livres recursos para fazer face às necessidades criadas pelo aumento demográfico e para exigências de investimento.
Portugal mantém, sem desfalecimento, o ritmo de trabalho e de criação de fontes de riqueza. O nosso desenvolvimento prossegue, tendo a soma dos investimentos realizados no último ano excedido em cerca de meio milhão de contos o somatório dos investimentos realizados em 1960, ano em que ainda nos não era exigido um esforço suplementar de defesa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Crescem de ano para ano as aspirações colectivas, multiplicadas umas, alargadas outras.

Vamos progredindo: obras públicas, realizações de fomento, melhorias no sector da saúde, do ensino, da previdência, et c., e isto porque a gestão financeira do País é consciente e criadora; realiza os objectivos de paz no ultramar e, simultaneamente, ainda consegue incrementar o progresso de todas as parcelas do território nacional.
Tudo isto se fez sem afectar a estabilidade financeira interna nem a solvabilidade externa do escudo e até mesmo com um aumento do nível de rendimento real da população activa.
Pela firmeza inalterável e clarividente devoção que tem posto na gestão das finanças públicas, o ilustre Ministro das Finanças, Prof. Pinto Barbosa, bem merece as felicitações desta Assembleia e até a sua gratidão.
No sector da produção de energia eléctrica, que conheço em pormenor, todas as obras inscritas no II Plano de Fomento têm continuado em bom ritmo. O 2.º grupo de 50 MW da térmica da Tapada do Outeiro está em ensaios finais para ficar em breve ligado à rede e os grandes aproveitamentos hidroeléctricos da Bemposta, Alto Rabagão e Távora já vão contribuir em 1964 para o abastecimento e segurança dos consumos.
Só estas fontes de produção que acabo de referir representam um investimento da ordem dos 3,5 milhões de contos; mas como o fomento da produção de electricidade tem de ser, e tem sido, acompanhado pelo alargamento das redes de transporte e distribuição, além destes 3,5 milhões de contos ainda foram feitos volumosos investimentos na rede de transporte e interligação e nas redes de grande e pequena distribuição.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Para a electrificação das nossas aldeias foram concedidas nos últimos dois anos 510 comparticipações, no valor de 118 855 contos. As importâncias pagas por conta das comparticipações concedidas também aumentaram nos últimos dois anos, sem, contudo, se ter gasto a totalidade das verbas globais destinadas a esse fim.
Todavia, como há a possibilidade de comprometer nas obras a inscrever em cada plano anual as verbas livres previstas para os dois anos seguintes, acontece, que as disponibilidades que até fins de 1964 foram destinadas à pequena distribuição já estão comprometidas, visto entre a inscrição da obra no plano e a sua execução e pagamento mediar ano e meio a dois anos. Para que se não registe falta de continuidade ou até mesmo uma paragem na comparticipação das obras de electrificação rural, solicita-se ao Sr. Ministro das Finanças que autorize sem delongas o gasto do seu saldo de 1962, que excede os 11 000 contos, ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... isto além das verbas a inscrever no Orçamento Geral do Estado para 1964. e também se pede ao Sr. Ministro da Economia que afirme desde já (ainda antes de elaborar o plano de transição) a intenção do Governo de manter a seguir a 1964 o auxílio à pequena distribuição.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Apesar do esforço feito, ainda é longo o caminho a percorrer no sector da electrificação rural. Nesta altura a Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos conta com disponibilidades para pagar os compromissos já assumidos e a vencer uns em 1964 e alguns em 1965,

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mas não tem verbas livres nem promessas delas para conceder novas comparticipações, que só serão vencidas depois de terminado o II Plano de Fomento.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: são muito volumosos os, capitais necessários ao financiamento do nosso desenvolvimento económico, cultural e social.
Os recursos do orçamento do Estado são limitados e, sobretudo, têm muito por onde se repartir. O grande volume de investimentos necessário ao nosso desenvolvimento económico terá de vir das economias particulares e das suas mais vastas possibilidades.
Para a execução do II Plano de Fomento foram as fontes públicas que no 1.º semestre deste ano ocorreram a 84 por cento dos financiamentos realizados.
São precisos incentivos fiscais para que as fontes particulares se abram e o crédito externo aflua e, conjugados, ajudem o nosso desenvolvimento.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A tomada de obrigações afrouxou de interesse nos últimos tempos; são precisos estímulos para que o mercado destes títulos volte a animar, mas com o novo regime tributário não será conseguida essa animação. A taxa do imposto de capitais incidente sobre o seu juro é reduzida de 15 para 8 por cento, mas como a partir de agora passam a pagar imposto complementar, que é de 20 por cento sobre o rendimento dos títulos não registados, a tributação global sobre as obrigações passará em muitos casos a agravar-se.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É de grande interesse rever este ponto, porque com a emissão de obrigações pode fazer-se muito fomento.
Há grandes empresas que chegaram em alguns anos a fazer quase 50 por cento do investimento com o recurso à emissão de obrigações, e agora vêem essa possibilidade fechada, porque a poupança privada prefere os depósitos a prazo, que apresentam maior liquidez e por vezes melhor rendimento.
Parece-nos necessário, além de incentivos fiscais, abrir um pouco a nossa política de juros obrigacionistas, no sentido de uma maior integração no clima europeu.
O Banco de Fomento contraiu recentemente um empréstimo externo em que, além de garantias contra a desvalorização da moeda, paga ao obrigacionista um juro líquido de 5,5 por cento.
Em França, para atrair as poupanças privadas, ou fazem emissões com juro e amortização indiciados, como garantia contra a desvalorização da moeda (por exemplo, à tarifa, no caso de empresas eléctricas ou de caminhos de ferro), ou fazem emissões reembolsáveis acima do par e ainda com juros progressivos.
Nesses moldes fez a E. D. F. há algum tempo uma emissão de obrigações com juro crescente de 5,5 a 6,5 por cento ao longo do tempo e reembolsáveis a 125 por cento do valor nominal.
Os capitais privados exigem segurança e precisam de estímulos para acorrerem a financiar as despesas de fomento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao crédito externo, já permitiu este a satisfação de encargos apreciáveis, mas há que planear cuidadosamente a sua mobilização e uso, com vista a assegurar receitas que cubram os encargos financeiros e cambiais com amortizações e juros.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O crédito externo poderá prestar valioso auxílio ao financiamento do desenvolvimento económico, tanto o negociado pelo Governo, como o de origem privada e dirigido ao sector privado. Interessa para isso não demorar a celebração de acordos de dupla tributação com os países exportadores de capitais, para evitar que os empréstimos externos paguem impostos em dois países, o nosso e o de origem, o que onera muito o juro global do empréstimo para atingir rendimento que valha a pena.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: a análise da nossa balança comercial mostra que, apesar de terem aumentado as exportações, o déficit das permutas comerciais com o estrangeiro se está a apresentar maior este ano do que em 1962.
Continuamos a importar muito mais do que exportamos e essa diferença tende a agravar-se.
O elevado volume atingido pelas importações, se, por um lado, reflecte situações desvantajosas da estrutura económica, que teremos de corrigir, é também, em grande parte, resultante dos esforços para o alargamento da industrialização.
Em 1962 as importações de matérias-primas e bens de equipamento representaram cerca de 65 por cento do seu quantitativo.
Para o incremento das importações registado de Janeiro a Setembro do ano corrente, em relação a igual período de 1962, concorreram principalmente as aquisições de algodão e fibras têxteis, de produtos químicos, de máquinas e aparelhos industriais e de embarcações. Na expansão das exportações pesaram, em especial, os vinhos, os resinosos, as cortiças e as matérias têxteis e respectivas obras.
Na nossa balança comercial ocupa lugar de relevo o vinho do Porto, tendo o valor da sua exportação excedido um 1962 os 400 000 contos, mas de Janeiro a Setembro do ano corrente esta registou ligeira quebra em relação a igual período de 1962. É por isso preciso que em 1964 não afrouxem, e se possível até se ampliem, os auxílios financeiros às campanhas de propaganda deste nobre produto.
Tudo o que for feito a favor do vinho do Porto virá a beneficiar todos os que labutam em mais de 23 000 explorações agrícolas da região demarcada do Douro.
Sr. Presidente: ao intervir no debate da proposta da Lei de Meios para 1964, quero salientar o grande interesse com que apreciei o excelente parecer da Câmara Corporativa. Ao seu ilustre relator, Prof. Jacinto Nunes, dirijo, por isso, uma palavra de admiração e apreço.
E, antes de terminar esta intervenção, desejo reforçar os votos que têm sido produzidos nesta Assembleia para que não afrouxe, mas até se intensifique, a política de valorização dos meios rurais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A água, a escola, os acessos fáceis e a electricidade, comodidades de que os meios urbanos gozam, e quase até sem reparar nisso, situam-se ainda entre as maiores aspirações colectivas de muitas das nossas aldeias.
Acelerar a resolução desses problemas-base dos meios rurais será do maior alcance social e mesmo até económico.

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Desenvolver os meios rurais será atenuar o empobrecimento e despovoamento dos campos e será um meio eficaz de fortalecer a Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há um clima geral virado ao desejo de fazer uma polarização de esforços de desenvolvimento à escala regional. As recentes jornadas de estudo do Nordeste transmontano, o plano geral do Mondego e o aviso prévio aqui efectivado sobre o desenvolvimento da bacia hidrográfica do Mondego são um exemplo desse clima.
Espera-se e deseja-se que o Governo aproveite as reais possibilidades das linhas de progresso aí definidas e que já no plano de transição do II ao III Plano de Fomento comecem a concretizar-se essas grandes aspirações.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente: o saneamento e o equilíbrio das finanças públicas, a garantirem a seriedade das contas e a pontualidade dos compromissos nacionais e internacionais, a alargarem a confiança e o crédito, tanto internos como externos, continuam a ser condição fundamental e imprescindível de ordem e de trabalho eficientes, de fecundo progresso, tanto económico e social, como moral e cultural.
Uma que outra vez, e a pessoas mais obstinadas que esclarecidas, poderá ouvir-se que tal conceito pode tornar-se responsável de certo imobilismo, de reflexos mais incisivos sobretudo no sector social. Sem razão, porém, desde que naquele saneamento e equilíbrio está implícita a sua natureza instrumental, de meios que não de fins, e, logo, o seu ordenamento em relação a múltiplos objectivos sociais, que por eles hão-de ser alcançados, e não a eles sacrificados.
Aliás, parece que a inferência encontra ampla confirmação na história das próprias revoluções sociais: os seus almejados efeitos e reivindicações ficam sem conteúdo útil e sério enquanto as finanças públicas jazem doentes. Só o seu restabelecimento, através de dificuldades e sacrifícios, faz, ao depois, renascer a esperança e a possibilidade de melhor acesso à riqueza social.
É por isso que bem oportuna e sapiente continua a ser a lição do Sr. Presidente do Conselho proferida nos primórdios da Revolução Nacional - defender, com solicitude e energia, a saúde financeira da Nação era então e é hoje a primeira necessidade da vida administrativa do País, porque, de outra forma, romper-se-ia o equilíbrio fundamental e tudo se desmoronaria.
Vista à luz da presente conjuntura nacional, a mais de 30 anos de distância, a afirmação como que adquire tom de profecia: sem aquela energia e solicitude, então magistralmente definidas e depois intransigentemente praticadas na defesa das, nossas finanças públicas - tão firmes, tão seguras, tão claras, que a uns tantos foram e são objecto de escândalo! -, não teríamos dado, não poderíamos continuar a oferecer, ao Mundo e à história, este milagre de resistência à desorientação universal, ao ódio e às forças da perversão, que de tantos lados traiçoeiramente nos mordem.
Importa, pois, persistir no ensinamento recebido e suponho que a ninguém deixa dúvidas o ingente esforço e aturado labor do Sr. Ministro das Finanças, Prof. Pinto Barbosa, para manter, em condições ora tão adversas e tão duras, inteira fidelidade àquela orientação, total acatamento daquela política financeira que pôde redimir a Nação.
A par dos cuidados postos pelo ilustre governante na obediência aos princípios que pertencem ao teor doutrinário do regime, há-de consentir-se-me que anote também os êxitos alcançados.
Despesas inesperadas, contundentes e violentas pela sua dramática dimensão, origem e destino, não tolerou o Prof. Pinto Barbosa que infectassem a sanidade financeira do País, que subvertessem nem mesmo o crédito externo, que lançassem na ruína e no desespero a nossa economia, que antes continua progressiva e em demanda de estruturas mais sólidas e persistentes, que atingissem, enfim, as firmes possibilidades da nossa vida, modesta mas séria e segura.
Se aí estão já os frutos da obra sem par por que havia de começar a Revolução Nacional, aí estão de igual modo a acção e a inteligência do Prof. Pinto Barbosa - acção e inteligência bem patentes ainda na profunda reforma tributária a ultimar-se, não obstante as perturbações advindas da guerra que nos fazem.
A proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1964 insere-se, por isso, na como que rotina da nossa política financeira, assente numa tradição de longos anos.
Abençoada rotina, direi.
Por entre as vicissitudes que tão gravemente nos forçam a elevar as despesas, ela não permite que os saldos negativos reapareçam, a renovar um passado já longínquo, mas ainda de pesadelo e de desordem.
E essa me parece, nesta proposta de lei, a preocupação dominante no ordenamento da sua estrutura e até na simples natureza formal do seu articulado.
A exposição da conjuntura económica internacional, quer no que concerne à Europa Ocidental, quer no que toca aos Estados Unidos da América, e o comentário da situação, processos e crescimento da economia nacional, se constituem abalizados estudos, é certo que mais descritivos que analíticos, ajustam-se à demonstração da necessidade de preservar a todo o custo as finanças nacionais de desequilíbrios que viriam comprometer tanto os efeitos das tarefas já executadas, como a esperança de toda a obra em perspectiva na metrópole como no ultramar, e respeite ela ao sector económico ou ao social, nos seus mais latos sentidos.
Certo que o procurado equilíbrio vale apenas como meio e sómente se justifica em função daquela obra.
Mas é precisamente com tal natureza que aparece na proposta de lei. A certeza das contas, a paridade das despesas e das receitas são ali definidas como simples mas necessário pressuposto de uma administração pública dominada pelos interesses vitais da comunidade.
Se os serve, mas com eles se não identifica, o equilíbrio financeiro será de sua própria natureza, funcional, instrumento ao dispor de uma política que, esta sim, ordena e dá hierarquia àqueles interesses. Na medida em que na proposta de lei que apreciamos afloram aquela ordem e aquela hierarquia, aí me permito discordar numa rubrica da seriação dos investimentos públicos.
É que, apesar do seu actual volume, é bem modesta a participação, no Orçamento Geral do Estado, da educação do povo português, quando se tem desta a noção da sua exacta medida como factor de valorização espiritual, humana, como elemento de promoção e justiça social, como fonte de aptidão e capacidade de trabalho, como instrumento de riqueza e desenvolvimento económico.
Quando se sabe que na- criação do bem-estar económico-social, no seu mais amplo conceito e que deverá ser o escopo final da acção governativa, à frente de todos os

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recursos naturais do País, é preciso pôr o homem na maravilhosa a inesgotável potencialidade de que Deus lhe enriqueceu o espírito, e quando se tem presente que, após a queda de nossos primeiros pais. aquela maravilhosa e inesgotável capacidade não desabrocha nem floresce em toda a sua plenitude senão pela instrução, só pode concluir-se, no plano de uma governação consciente de suas pesadas responsabilidades, por colocar adiante de todos os investimentos os que visem o fomento da educação, salvaguardando, como é evidente, os necessários à integridade da Pátria, que é valor cimeiro.
Ora, digo-o com alguma tristeza, na proposta de lei de autorização de receitas e despesas para 1964 a educação não beneficia das atenções de que poderia julgar-se merecedora, preterida como aparece por outras rubricas - salvaguardadas as da defesa nacional - cujo integral aproveitamento ficará, ao fim e ao cabo, dependente da expansão que a própria educação vier a alcançar.
Se não erro, foi na proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1963 que, em relação aos últimos anos, terá sido marcada directa e especial intenção de iniciar as providências financeiras, mercê das quais a educação viria a auferir das dotações postuladas pelo «reconhecimento expresso da sua natureza infra-estrutural no plano social e económico», como se lê no erudito relatório daquela proposta de lei. «Além do seu significado puramente cultural e humano - continuava o Sr. Ministro das Finanças -, pretende-se, com a inclusão das novas rubricas, o fortalecimento das estruturas em que funciona o nosso sistema económico».
Foi com este significado básico e com este alcance - é ainda o pensamento do Prof. Pinto Barbosa - que foram inscritas duas novas rubricas atinentes à educação: aceleração na formação de pessoal docente universitário e intensificação na concessão de bolsas de estudo.
Contempladas na panorâmica das grandes e urgentes necessidades financeiras da educação nacional, aquelas providências pareceram-me então de dimensão algo reduzida. No entanto, nelas antevi um propósito novo e alentador e nesse entendimento as agradeci neste lugar ao ilustre titular da pasta das Finanças.
Posso agora verificar não ter cometido erro crasso quando julguei por aquele modo, já que a tradução orçamental das aludidas providências neste ano de 1963, a que respeitavam, veio confirmar o que previra. Por elas, o volume das verbas orçamentais destinadas à educação nacional não sofreu alteração sensível. Aliás, não era apenas esse aspecto quantitativo, mas também o da própria natureza das rubricas consideradas, que poderia não ganhar anuência de todos quantos mais se debruçam sobre estas questões.
Na verdade, seria dos mais prementes, na educação nacional, o problema da formação do pessoal docente universitário? Ê sendo, como é, um pessoal docente de elite, altamente qualificado e de escasso número por isso, poderá a sua formação ser consentânea com a dita aceleração?
O resultado verificado - a não utilização do correspondente a 117 unidades das disponibilidades financeiras concedidas em 1963 para essa rubrica - talvez possa ajudar a meditar na possível resposta ás interrogações postas.
Pelo que respeita à intensificação da concessão de bolsas de estudo, parece desde já indispensável substituir o regime que a disciplina. Na verdade, a quem devem ser concedidas as bolsas de estudo: só aos já estudantes ou também aos que o desejarem ser e o não são, precisamente, por as famílias não disporem de recursos económicos que lhes permitam sê-lo?
E mesmo que continue a entender-se que devem ser excluídos desse benefício os candidatos a estudantes e que só a quem já frequente a escola deverá ser concedida bolsa de estudo, como se explicará que tenham ficado por atribuir, em 1963, 52 bolsas no ensino universitário e 38 no ensino normal, e que já em 1962 não tinham sido distribuídas cerca de 50 no ensino secundário?
E, aliás, que significado efectivo poderá ter no fomento da educação e aproveitamento dos seus valores a concessão de bolsas de estudo, se o cômputo da frequência do ensino liceal, técnico (elementar e médio), normal e superior é da ordem dos 230 000 alunos e as bolsas de estudo não atingem o milhar, num total que fica aquém dos 5000 contos?
Permita-se-me aqui um parêntese comparativo: o Fundo de Igualdade de Oportunidade, que em Espanha tem funções algo semelhantes às que buscamos com a concessão de bolsas de estudo, teve no ano lectivo corrente, a dotação de 1 milhão de contos!
Embora assim, a iniciativa anunciada na proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1963 mereceu, como referi, o meu aplauso - e agora o reitero -, se não tanto pela incidência imediata de acréscimo que dela poderia receber o orçamento do Ministério da Educação Nacional, ao menos pelo espírito que traduzia e que a mim se afigurava promissor de novos feitos.
Infelizmente, nesta proposta de lei de que nos ocupamos, os feitos são os mesmos.
Ponderosas razões terão levado o Sr. Ministro das Finanças a manter agora as providências decididas no último ano.
De entre outras, poderão mencionar-se, segundo se infere do exaustivo relatório, as que resultam da expectativa criada a este quadrante da vida nacional pela elaboração da profunda reforma que culminará no Estatuto da Educação Nacional, já anunciado pelo Sr. Prof. Galvão Teles e cuja planificação abrangerá os dois fundamentais aspectos da educação - o quantitativo e o qualitativo.
Será essa uma reforma de rara envergadura, muito diferente, nos objectivos e na estrutura, das reformas parcelares a que nas últimas dezenas de anos vieram sendo sujeitos os vários ramos do ensino.
Nenhuma entre elas mereceu os cuidados de preparação ora tomados, confiando os seus estudos prévios a qualificados grupos de trabalho, recolhendo elementos das mais diversas proveniências, tanto nacionais como internacionais, considerando o especial condicionalismo do fenómeno escolar neste começo da segunda metade do século XX, discutindo perspectivas e definindo soluções para largos anos, olhando, enfim, o problema da educação nas suas múltiplas, variadas e complexas facetas.
Por ela, presto já a minha calorosa homenagem ao Sr. Ministro da Educação Nacional, cujas lições tive o prazer e o proveito de escutar na Faculdade em que foi meu mestre.
Não poderei, pois, deixar de louvar e de aplaudir, quanto em mim caiba, iniciativa de tamanho significado na história da educação nacional.
Ela exprime bem a viva impressão que terá tocado a consciência do Prof. Galvão Teles quando pôde medir, em toda a sua extensão, as necessidades do nosso ensino - desde o infantil ao superior.
Sem embargo de tal reconhecer e exaltar, a mim me parece, no entanto, que, seja qual for a estrutura da reforma em preparação, sempre nela haveriam de caber as providências financeiras que deveriam ser desde já consideradas, visando, por exemplo, o alargamento e o aperfeiçoamento da rede escolar primária - há centenas de professores sem colocação, porque há milhares de regentes escolares a substituí-los, com graves inconvenientes para o ensino; há lamentáveis excessos de lotação e consequente falta de

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salas de aulas e o mais que se omite e a que só a penúria orçamental não consente se acuda desde já; visando, por exemplo, a criação urgente de novas escolas profissionais - industriais, comerciais e agrícolas -, de novos liceus e de novos institutos médios, para só referir algumas das mais prementes necessidades do nosso ensino nestes ramos; visando a conveniente preparação e recrutamento dos professores do ensino secundário que, em verdadeira multidão, o invadem como gente estranha; visando a preparação dos meios materiais e humanos necessários à criação e funcionamento da televisão escolar, que aguarda a generosidade de entidades particulares.
É que, seja qual for a estrutura da esperada reforma, nada do que enumerei parece que possa vir a dispensar-se no seu âmbito.
E porque se trata de providências essencialmente dependentes dos recursos financeiros e cuja demora na sua efectivação está a acarretar graves prejuízos à preparação das gerações jovens que todos os anos ficam sem estudar - 75 por cento deles!- ou estudam, mas mal - 25 por cento! -, penso que alguma atenção lhes devia dispensar a proposta de lei em causa.
Ao antepor às da educação as rubricas consideradas nos artigos 16.º a 18.º da proposta de lei, com predomínio do fomento económico, o Sr. Ministro das Finanças terá ponderado, é fora de dúvida, pertinentíssimas razões de interesse nacional. O meu desejo é tão-sòmente que nelas houvessem logrado cabimento algumas das que alinhei relativas à educação.

isto porque, a meu juízo, importa aproveitar todas as oportunidades e carrear todas as achegas úteis à remodelação do panorama da educação do povo português, que, triste é dizê-lo, detém no parâmetro europeu um lugar de que teremos de fugir quanto antes.
Esta conclusão dói-me profundamente e não entendo como terá sido possível o seu processamento na vida da Revolução Nacional, pois foi o Sr. Presidente do Conselho quem, logo no início, lhe definiu a directriz com estas luminosas palavras de reconfortante esperança:

... mais longe iremos ainda quando pudermos não só anunciar nos discursos ou inscrever nas leis, mas efectivar na prática, os dois maiores direitos que, em nosso parecer, ao homem podem ser assegurados: o direito ao trabalho e o direito à instrução.

Decorridas vão dezenas de anos; nesse período a Revolução Nacional alcançou uma obra sem par nos mais diversos aspectos da vida nacional, conduzida sempre pelo homem que, no recente dizer do Prof. Marcelo Caetano, avulta na nossa história como uma das mais extraordinárias figuras de governante que nos foi dado possuir e em quem todos terão de reconhecer e de exaltar as raras qualidades que dele fazem um caso ímpar no mundo contemporâneo.
Não obstante, não conseguimos ainda dar execução ao seu pensamento, ao seu desejo - assegurar a todos os portugueses, efectivando-o na prática, o direito à instrução.
Porquê?
Não irei agora em busca das razões profundas do facto, nem hei-de valer-me daquela explicação simplista das fatalidades da história, para responder.
Direi apenas que já noutras épocas outros propósitos e outros movimentos dirigidos à educação nacional ficaram vazios ...
Os programas pombalinos acompanharam o declínio político do seu autor e nem deles se salvou o mais aproveitável dos seus objectivos - a generalização do ensino a todas as camadas sociais da Nação.
As lutas políticas em que o País ia mergulhar roubaram às reformas da rainha D. Maria toda a possibilidade de continuidade o, com esta, a da demonstração de suas extraordinárias virtualidades.
As facções liberais, primeiro, e, mais tarde, as republicanas fizeram da instrução uma das suas bandeiras mais favoritas e, nada custa reconhecê-lo, com o mérito não só de consciencializarem a Nação para problema de tal magnitude, como também o de lograrem providências legislativas e realizações que enobrecem um dos períodos mais conturbados da história da educação nacional.
Não é sem pesar que hoje ainda lamentamos que o condicionalismo infrutífero da vida política nacional, dividida por hostes e partidos, tenha feito soçobrar a proposta de lei apresentada ao Parlamento em 1870 por D. António da Costa, e logo assinada por El-Rei D. Luís, a tornar obrigatório o ensino, para todos os portugueses de ambos os sexos, desde os 7 até aos 15 anos!
Se a política partidária de então não tem obstado à aprovação desse diploma e se houvéssemos, ao depois, conseguido executá-lo, estaríamos hoje nos primeiros lugares da escala por que se hierarquizam os povos europeus quanto ao seu nível de vida, consequência do seu nível de instrução.
Outras providências, outros projectos, belos, idealistas, grandiosos, esmaltam os programas dos partidos políticos, no governo ou na oposição, que àquele se seguiram.
Nem tudo se perdeu, evidentemente, e coube a El-Rei D. Luís a glória de ter procurado dar realização a muito do que então se sonhava nesse domínio.
Não foi tão feliz El-Rei D. Carlos. Mal subiu ao Poder, logo viu cortado o progresso e a ascensão, sobretudo, do ensino técnico, pela reforma de João Franco, de 1891, que, «com o espírito de economia que deve presidir a todos os serviços públicos», como diz, logo extinguiu cinco escolas secundárias --as de Chaves, Figueira da Foz, Matosinhos, Angra do Heroísmo e. Belém- e ainda por igual motivo logo reduziu o número de disciplinas nos programas do ensino técnico.
Era instrução a mais!
Mamona venceu então Minerva - vitória que Sidónio Pais viria a estigmatizar, na sua reforma, com estas palavras duras, mas justas:

Ao mesmo tempo que em Portugal se procurava economizar no ensino técnico, noutros países produzia-se justamente o contrário: as despesas do Estado com o ensino profissional cresciam vertiginosamente.

E foi realmente pena. Esses países tomaram-nos. então a dianteira e lá continuam.
Esta fastidiosa, embora breve, divagação histórica trouxe-a à colação apenas para figurar o quadro que possa ajudar a compreender por que também aquela aspiração programática do Sr. Presidente do Conselho, dita quando mal começado ia o seu profícuo magistério à frente dos destinos de Portugal, não logrou ainda realização plena. Parece pesarem, na verdade, sobre a educação nacional ancestrais anátemas que, afastados pela coragem e decisão de alguns, logo reaparecem nos consulados seguintes.
Pelo que toca à Revolução Nacional, o primeiro impulso, sério e fecundo, para a concretização do pensamento do Sr. Presidente do Conselho - instrução para todos, efectivada na prática - aparece com a passagem do Sr. Prof. Mário de Figueiredo pelo Ministério da Educação Nacional. Viria retomá-lo o Dr. Henrique Veiga de Macedo, que pôs na luta contra o analfabetismo um entusiasmo,

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uma coragem e um idealismo inigualáveis; já no domínio de outras preocupações, mas ainda no propósito de tornar realidade aquele desejo de Salazar, ao Prof. Leite Pinto caberia a tarefa ingrata de alentar o País para o maior problema nacional - assente a primazia da integridade da Pátria, naturalmente -, problema de duas constantes: a escolaridade obrigatória ao menos para um período de seis anos, a ver se ainda apanhávamos a Europa, e a instrução e formação profissional, a todos os níveis, das gerações que ano a ano chegam à idade escolar.
Com as múltiplas incidências dos mais variados matizes que ambas as constantes comportam, parece que será essa a questão herdada pelo Prof. Galvão Teles, e para a qual o Sr. Ministro da Educação Nacional prepara as soluções na anunciada reforma.
Creio que é esta sequência de esforços, no âmbito da Revolução Nacional, que, postas as condições financeiras, vai permitir-nos na educação nacional o salto para diante. Não tenhamos medo das palavras.
Acentuo - postas as condições financeiras. É que, se nas futuras leis de meios, bem como nos próximos planos de fomento, a educação não vencer, no capítulo de investimentos, as rubricas dos empreendimentos económicos, de sedutora rentabilidade imediata, de aliciante e tentadora espectacularidade, continuaremos inelutàvelmente presos às soluções actuais, nelas comprometendo a vida cultural, social e económica dos nossos filhos e dos nossos netos e aí comprometendo também o futuro do País.
É dramático o panorama actual da nossa educação.
Neste ano de 1963 ainda não descobrimos o ensino infantil. Melhor, aí por 1937, voltamos a trás: extinguimo-lo com expulsão dos quadros oficiais. Não seria larga a sua frequência, já que poucas eram as instituições que então lhe destinávamos. Mesmo assim, de modesto encargo, melhor pareceu reduzi-lo às explorações industriais, atirando-o para as escolas particulares, que por ele se fazem pagar bem, aos que podem, evidentemente.
Limitando-o a um grupo etário que abranja dois anos apenas - 5-6, aproximadamente - a sua frequência possível seria da ordem das 300 000 crianças!
Pois as felizes que dele beneficiam não chegam a 8000 no continente e ilhas!
E destas cabe metade a Lisboa; Porto, Coimbra e Funchal quase apanham a outra metade.
Há distritos que, no seu conjunto, não contam uma centena de alunos, outros nem uma vintena e 20 por cento deles desconhecem pura e simplesmente tal ramo de ensino!
O quadro é desolador, mas seria ofender a Câmara expor aqui as razões de valor humano e social, pedagógico e educativo que duo ao ensino infantil lugar de relevo na formação das camadas que vêm chegando ao uso da razão, para justificar a obra que é preciso empreender e que podo referir-se nesta sucinta mas esclarecedora conclusão: milhares de instituições, com milhares de professores, sito precisas. Aquelas, ainda o Ministério das Obras Públicas poderá erguê-las em poucos anos; estes, vai ser mais bem difícil e demorado encontrá-los e prepará-los.

fenómeno aqui é, por ora, meramente quantitativo, aceites, como se impõe, aqueles princípios que não discutimos e sobre que deve assentar toda a acção educativa.
Conhecida a colaboração que outros sectores da Administração, v. g. dos Ministérios das Corporações e da Saúde, podem trazer, fica ainda largo campo que ao Ministério da Educação caberia cultivar.
Onde, porém, os milhares e milhares de contos que o permitam?
Quando se repara no nosso ensino primário, colhe-se a satisfação de o sentir quase bem.
É certo que lhe pertencem 45 por cento das dotações orçamentais do Ministério da Educação Nacional e são sem dúvida esses recursos que permitem a situação que nos conforta.
Na verdade, ele abrange, pode dizer-se, a totalidade das crianças em idade escolar.
A partir do ano lectivo de 1956-1957, a frequência do ensino primário ronda os 97 por cento da população no grupo etário 7-10 anos. Admirável conquista contra o que parecia uma maldição da história: o analfabetismo!
Porque neste ramo de ensino vão estando resolvidas as questões de natureza quantitativa, o aspecto orçamental tem aqui, sobretudo, incidências já de carácter qualitativo. E assim se me afigura como de eliminar sem demora a que resulta do elevado número de regentes escolares, que duplicou nos últimos dez anos! Aproximava-se dos 6500 no ano lectivo de 1959-1960, representando assim cerca de 28 por cento de todo o corpo docente do ensino primário oficial.
Tendo em conta que o ensino primário constitui, infelizmente, a educação de base de mais de 75 por cento do povo português, mesmo nesta época de cérebros electrónicos a exigirem ao homem de todas as condições um desenvolvimento intelectual que não se compadece com o correspondente a saber ler, escrever e contar, logo sã infere que aos regentes escolares não deveria ser confiada a preparação integral dos alunos do ensino primário. Fazê-lo é prejudicar os alunos, é defraudar o ensino.
A um ensino exigente como deveria ser, pela razão dita. substitui-se um ensino medíocre, a que se dá aprovação para que o número de exclusões não atinja percentagens que escandalizem.
E como abyssus abyssum invocat, não é o ensino dos regentes que se aproxima do dos professores, estes é que são naturalmente levados a descaírem até ao daqueles.
Aliás, mais frisante se torna ainda este caso dos regentes escolares quando se sabe que, como referi, estão por colocar largas centenas de professores que concluíram seus cursos e ora demandam novos empregos por não terem sido recebidos no magistério, apenas porque aí os substituem regentes escolares, por exigências orçamentais.
Daqui já não resultam apenas graves prejuízos para a educação nacional, originam-se também inconvenientes de ordem social e política que importa evitar. E a favor desta situação não pode prevalecer o critério financeiro da economia colhida na menor remuneração dos regentes escolares.
Com ele se afecta gravemente o valor e a estrutura qualitativa do actual corpo docente do ensino primário.
Também esse critério tem de responsabilizar-se pela injustiça que constitui o não pagamento dos meses de férias aos professores agregados, e são tantos milhares.
Fazendo do ensino a sua profissão - e não podem ter outra -, como vão sustentar-se a si e a suas famílias naqueles meses?
Que dedicação poderão cultivar por uma ocupação que deles se esquece uma parte do ano?
Sendo o ensino primário a educação de base da grande maioria da gente portuguesa, importa se torne um ensino qualificado, de elevado nível, na relatividade da sua dimensão.
Supondo agora de lado os regentes escolares, como será possível, mesmo aos professores, praticá-lo nessas condições, se o coeficiente aluno-professor é superior a 35, com as agravantes decorrentes da própria condição da

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idade e demais características sociais e humanas dos alunos?
Mas se se pretendesse reduzir aquele coeficiente para 30 - e seria o mínimo a desejar numa 1.a fase -, tal importaria a necessidade de mais 4500 salas de aula e mais outros tantos professores, com o consequente aumento de mais umas centenas de milhares de contos.
E, para não alongar esta ordem de considerações, não refiro sequer os vencimentos dos professores, que depois de cinco anos de liceu, dois de escola normal e vinte de serviço como efectivos, alcançam os 2400$ mensais que hão-de ganhar até aos 70 anos.
Mas como há-de o Ministério da Educação ocorrer a todos estes inconvenientes, se quem guarda os cofres do Estado é o Ministério das Finanças e estas questões nem de longe se vislumbram na proposta de lei que discutimos?
As grandes lacunas, porém, da educação nacional estão, a meu ver, por ora, no ensino secundário - o liceal e o profissional, e este tanto industrial, como comercial, como agrícola ou de qualquer outra natureza.
Aqui me parece mais dramática ainda a situação e, se, não nos apressarmos na busca de soluções capazes, correremos riscos muito sérios.
Daqui a vinte anos, nos valores do seu tempo, e numa Europa com livre circulação de mão-de-obra e de trabalho, onde se encontrarão os 75 por cento das gerações portuguesas que chegam agora à escola, se não pudermos ministrar-lhes senão os quatro anos de instrução primária, quando os europeus da sua idade terão recebido uma instrução de oito anos de duração acrescida de uma preparação profissional adequada às tarefas do seu tempo?
E esse é logo o problema que vem à frente - o da duração da escolaridade obrigatória.
A instrução primária de quatro anos ninguém poderá hoje julgá-la suficiente cultura de base. Mas infelizmente é-o, e, desde que é ao nível da cultura de base que se processam os padrões de civilização e as diversas formas e actividades da vida nacional no seu conjunto, aí pôde encontrar, com toda a justeza, a Sr. Ministro da Economia, em recentes declarações na Radiotelevisão Portuguesa, a explicação para o nosso atraso em relação às economias europeias.
No mundo de hoje, o homem vale pela sua capacidade de trabalho mental, pelo que as possibilidades de progresso material e espiritual da sociedade se atingem na medida em que a integram elites de valor, é certo, mas secundadas por massas de elevada cultura de base, que por si mesmas exigem, fornecem, renovam e melhoram aquelas elites.
O nível da cultura de base é, assim, condição sine qua non da construção do mundo melhor por que a humanidade anseia.
Daí o esforço a que, por todos os continentes, se assiste para o alargamento da duração da escolaridade obrigatória; limitando a observação à Europa Ocidental, e a título informativo, registo que o período da escolaridade obrigatória é de doze anos na Alemanha, dez na Rússia e na Inglaterra, nove na Suíça, oito na França, na Áustria, na Bélgica, no Luxemburgo, na Finlândia, na Holanda e na Itália, sete na Suécia, na Noruega e na Dinamarca e seis na Grécia e na Espanha.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Importa dizer que a quase totalidade daqueles países, segundo informação colhida no Bureau Internacionale d'Education, tem ainda em vigor providêndências que asseguram o prolongamento da escolaridade obrigatória, além de resultar das próprias condições da vida nacional a prossecução voluntária dos estudos e da instrução profissional em relação à quase totalidade da população que finda os estudos obrigatórios.
Segundo a mesma fonte, a Suécia e a Noruega estudam neste momento o alargamento do período da escolaridade obrigatória de sete para nove anos.
Pelo que respeita à Espanha, acaba de ser elevado para oito anos o período da escolaridade obrigatória, a entrar em vigor já no presente ano lectivo, se não erro, ao mesmo tempo que foram lançadas iniciativas destinadas a aproximar a instrução no país vizinho do nível europeu, tais como a criação do Fundo de Igualdade de Oportunidades, a que aludi, o Comissariado da Protecção Escolar, o Bachillerato Radiofónico (ensino secundário oficial pela rádio e pela televisão), o Comissariado da Extensão Cultural, uma das mais felizes, eficientes e económicas soluções que conheço para a culturização das grandes massas, com utilização dos meios clássicos e dos modernos recursos áudio-visuais, o Serviço Universitário do Trabalho, que aproveita as férias da juventude universitária na missão de ensinar e valorizar os camponeses, etc.
A conclusão destes elementos comparativos não pode ser outra: nós temos de iniciar imediatamente a escolaridade obrigatória de seis anos, pelo menos.
A par das razões humanas, sociais e económicas, exigem-no ainda razões de prestígio internacional, que são também de ter em conta.
A tarefa, olhada através das soluções clássicas, afigura-se muito difícil, se não impossível, na presente conjuntura da vida nacional.
Atente-se que obrigar os alunos que concluem a 4.a classe de instrução primária a permanecerem na escola por mais dois anos equivale a aumentar, naquele prazo, de 300 000 o número de alunos. Onde os milhares de salas de aula? Onde os milhares professores? Onde as centenas de milhares de contos?
Foi aí que terá esbarrado o projecto do Prof. Leite Pinto, quando Ministro da Educação Nacional, para criar a escolaridade obrigatória de seis anos, através do ciclo preparatório do ensino secundário, em substituição dos actuais 1.º ciclo liceal e ciclo preparatório do ensino técnico.
Aí, parece-me, esbarraria ainda hoje tentativa semelhante, pelo que urge encontrar solução diferente, aliás possível e de viabilidade imediata, como adiante refiro.
Resolvido que fosse o problema da cultura de base, mesmo que apenas com seis anos de escola, ficar-nos-ia ainda o da instrução secundária, tanto liceal como profissional.
No plano da quantidade, as necessidades do ensino profissional são enormes; no da qualidade, as deficiências aparecem em ambos aqueles ensinos.
A frequência do ensino liceal anda pelos 120000 alunos. Há dez anos não atingia 60 000!
Atenta a finalidade deste ensino, que sobretudo se preocupa com a aquisição de uma cultura geral de nível médio, de si alheia a finalidades profissionais específicas, e sendo, como é, o ensino profissional também meio de recrutamento do futuro pessoal discente universitário, aquele número não parece assaz diminuto, confrontando com a população metropolitana no seu total.
Ao seu aproveitamento - e este é já um problema de qualidade- é que é imperioso acudir sem demora. É que o ensino liceal mostra-se de efeitos desanimadores, quando observados os seus resultados.

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Na verdade, de cada 1000 alunos que logram o acesso ao liceu - e para tanto há que prestar provas em exame prévio de admissão, o que constitui um anacronismo e um obstáculo à expansão do ensino liceal -, de cada 1000 alunos, repito, que entram no liceu, apenas 550 concluem o 1.º ciclo. Metade, em números redondos, fica pelo caminho ...
Não acredito que o melhor das crianças portuguesas - foram cias que vieram da 4.a classe da instrução primária e se sujeitaram a um exame de selecção que todos os anos afasta desde logo cerca de 25 por cento dos candidatos ao ensino liceal - constitua escol de tão reduzida capacidade mental, que apenas 55 por cento tenha possibilidades de alcançar o aliás elementar 1.º ciclo dos liceus! Acredito, antes, que a quase totalidade das 150 000 crianças que todos os anos concluem a instrução primária são, no ponto de vista mental, suficientemente dotadas para irem além daquele 1.º ciclo.
Se não vão, mesmo os poucos escolhidos, a culpa não será, não é deles.
Mas a análise do fenómeno permite ainda reforçar a conclusão da necessidade de providências prontas.
Na verdade, daqueles 1000 alunos, apenas 300 alcançam o 2.º ciclo. A 700 deles não concedeu Minerva forças para tanto. Bem - não culpemos Minerva ...
E quantos daqueles 1000 atingem o 7.º ano? Pois, apenas 14!
Estes números logo sugerem o incalculável prejuízo que representam para a Nação.
Prejuízo no próprio inaproveitamento, todos os [...] repetido, de milhares e milhares de portugueses que, postos em condições de virem a tornar-se, pela educação, unidades sociais evoluídas, aptas para as mais exigentes tarefas da grei, delas ficaram arredados; prejuízo no desperdício das elevadas verbas despendidas na complicada máquina do ensino liceal, que, por esta forma, se mostra ineficaz, sem rendimento que compense a Nação das somas que nela despende..
Os técnicos dar-nos-ão desta desoladora estatística explicação muito complexa, certamente.
Mas nela hão-de sem dúvida incluir os liceus superlotados, por falta de edifícios; os liceus sem apetrechamento pedagógico conveniente, por falta de verba; nuns e noutros turmas excessivas, por falta de salas e de professores ; professores adventícios - a grande maioria do. pessoal docente liceal sem qualquer preparação pedagógica, e passemos sobre a preparação científica, por falta de quadros adequados; o predomínio das mulheres neste magistério, porque a exígua remuneração não alicia os homens; e outros motivos de semelhante natureza que só uma política financeira idónea do ensino permitirá afastar.
Talvez haja quem suponha mal investido o dinheiro votado à instrução. Talvez. Direi apenas que o Partido Democrata-Cristão, se não me engano o partido maioritário da República Federal Alemã, incluiu no programa de estudos do seu recente congresso o fomento da instrução, apesar de naquele país a escolaridade obrigatória ser de doze anos, como já referi, e de as escolas técnicas profissionais ali existirem na proporção média de uma escola por cada grupo de 8000 habitantes - o que ajuda a compreender o sensacional milagre alemão: em quinze anos, do esmagamento total a um nível de pujante e inigualável prosperidade na Europa, no Mundo.
Pois aqueles co-responsáveis pelo destino da Alemanha votaram no seu congresso a necessidade de incrementar a instrução, de aí serem feitos investimentos de biliões de marcos, sob a divisa de que «a cultura dá os melhores e os maiores dividendos» ao povo alemão.
Com esta mentalidade, era fatal o seu ressurgimento. E foi.
Ao ensino profissional, nas suas diversas modalidades e graus - industrial, comercial, agrícola, elementar e médio -, é que se me afigura vir a caber a solução da instrução secundária em Portugal, como, aliás, acontece por esse Mundo.
Penso que a educação das massas jovens que constituem a grande maioria da população escolar portuguesa e não beneficiam do ensino secundário tem de ser encarada nas perspectivas sociológicas do nosso tempo. E nelas detém lugar eminente a reabilitação, melhor, a reconversão do trabalho humano meramente servil, de que o esforço físico é factor dominante, em trabalho de esforço mental, o próprio da nossa idade.
Por motivos de ordem psicológica e económico-social, as multidões fogem daquele, mesmo à custa das maiores privações e perturbadoras degradações morais, mesmo à custa da perda de um teor de vida calma e serena, mais propício a uma maior afirmação da própria personalidade.
É um facto contra o qual a luta seria vã.
Estudá-lo, aproveitá-lo em ordem a manter o homem, seja qual for o clima em que a sua ocupação o coloque, na fidelidade ao seu destino, cabe a todos. Combatê-lo seria pretender que o progresso social se detivesse, o que é de todo impossível.
Se, ainda não muito longe da nossa época, as estruturas económico-sociais aceitavam a existência de grandes massas disponíveis apenas para a produção de simples energia física, o facto pertence agora a um passado irremediavelmente morto.
O trabalho hodierno tende a permitir ao homem que seja cada vez mais homem, na concepção cristã, integral da pessoa humana, através do desenvolvimento e total aproveitamento das suas faculdades espirituais, de preferência a continuar sobretudo animal, através do uso da sua força muscular.
Mas tal valorização exige-lhe, como é óbvio, uma adequada formação profissional. E é aí que tem de entrar o acesso à cultura, via da dignificação humana.
A antiga antinomia cultura-trabalho está hoje ultrapassada. A oposição que durante séculos terá sido aceite entre cultura geral, de fundo literário e filosófico, abstracta e especulativa, e a formação profissional, como aprendizado manual de uma arte ou ofício, desapareceu. A cultura, a, visão íntegra do Mundo, passou a olhar mais de perto para as realidades deste, na sua concretização, como condicionantes do seu próprio conceito.
Por sua vez, a formação profissional, a pouco e pouco, foi-se libertando das meras exigências da habilidade servil, para exigir, em troca, um cada vez mais crescente esforço intelectual.
O resultado foi pôr a cultura ao serviço pragmático do homem na sua ocupação quotidiana, fazendo da educação profissional o ponto de partida para uma formação integral - a cultura como base dos próprios conhecimentos tecnológicos.
A superação assim conseguida daquela referida antinomia cultura-trabalho é hoje característica fundamental do ensino profissional, que não tende para a formação de especialistas desligados da autêntica concepção integral do homem como tal, antes quer manter, mesmo no exercício de determinada actividade, as raízes comuns que o prendem a todos os homens, no sentido da mesma origem e do mesmo fim.
Quer isto dizer que a instrução das grandes massas pode e deve ser feita nos domínios da aducação profissional, isto é, nos domínios do ensino técnico, industrial, co-[Continuação]

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mercial e agrícola predominantemente, sem prejuízo da sua valorização cultural.
O acesso, pois, das grandes massas à instrução e à cultura, condição necessária de desenvolvimento económico, de progresso social, de riqueza humana, temos de buscá-lo na educação profissional. É hoje ponto assente em todo o mundo civilizado e, mais que na doutrina dos pedagogos, na prática dos governantes - que é a que, em última instância, decide e resolve os problemas.
Reservando para outra oportunidade a análise pormenorizada da estrutura quantitativa neste ramo de ensino e apenas para sugerir a grandiosidade da tarefa que está à nossa frente, direi que rondam apenas os 100 000 os alunos do ensino profissional, porque não temos nem escolas nem professores para mais; que ascende a 700 000 o número de jovens em idade de frequentá-lo, donde carecermos do quíntuplo das escolas e professores de que dispomos para albergar e ensinar os restantes, ao menos na sua maioria ...; que de toda a parte chegam ao Ministério da Educação Nacional pedidos de criação de escolas técnicas, e que a última o foi já vai para dois anos; que, trabalhando na agricultura 45 por cento da população activa metropolitana, só dispomos de três modestas escolas práticas de agricultura (na Holanda o seu número excede o milhar!); que temos hoje os mesmos dois institutos industriais e comerciais criados há um século e as mesmas três escolas de regentes agrícolas de que dispúnhamos há meio século, e creio que não será preciso dizer mais nada para que, no espírito de quem tem o incómodo de me escutar, se grave, com relativa precisão, ideia aproximada do que nos falta neste quadrante do ensino profissional.
Para não alongar estas considerações, omitirei, o ensino superior, com os seus delicados problemas também de quantidade e de qualidade.
Quanto referi será suficiente para avaliar, em termos gerais, as grandes necessidades financeiras da educação nacional.
Em face do seu volume, não parece que seja possível procurar a solução na adstrição das verbas ordinárias do Orçamento Geral do Estado ao Ministério da Educação.
Haveria que encarar a possibilidade de um financiamento autónomo, para que contribuiriam receitas extraordinárias, fundos próprios, obtidos mesmo à custa de taxas ou impostos especiais, sistema hoje praticado, ao menos parcialmente, em muitos países, de cujo número fazem parte a França e a Espanha, por exemplo.
E quanto ao país vizinho, não resistirei à tentação de aqui referir a informação que há dias pude escutar ao nosso ilustre colega Dr. José Guilherme de Melo e Castro: no seu plano, de desenvolvimento para o quadriénio de 1964-1967, cujo volume dos investimentos é da ordem dos 160 milhões de contos, a Espanha destinou a fins sociais 30 por cento desse montante, cerca de 53 milhões de contos, portanto. Desta verba, cabem 80 por cento, isto é, 42 milhões de contos, ao ensino profissional. Quer dizer: 26 por cento do total dos investimentos do plano serão aplicados no ensino profissional, por constituir a primeira infra-estrutura, económica e social, do progresso em todas as frentes em que a Espanha espera alcançar a Europa em 1968. E isto não obstante o conjunto de providências ali decretadas, a que já aludi, relativas ao fomento da educação.
No nosso II Plano de Fomento o ensino profissional foi contemplado com 400 000 contos, que, em relação ao total dos investimentos previstos, representavam apenas 1,9 por cento, bastante aquém da percentagem e dos números absolutos do plano de desenvolvimento do país vizinho.

stas citações, faço-as apenas com uma intenção - a de alertar os responsáveis.
Mas a solução de um financiamento autónomo para a educação tem entre nós o caminho aberto pela criação dos vários fundos existentes, constituídos por contribuições próprias, à margem das registadas no Orçamento Geral do Estado, e destinados a fins específicos.
À sua imagem e semelhança poderia criar-se o Fundo do Fomento da Educação, ao qual bastaria destinar 1 por cento que viesse a acrescer-se à taxa de desconto bancário e do juro dos empréstimos da Caixa Geral de Depósitos e instituições afins.
A longo prazo, aquela contribuição afigura-se solução capaz, já que o volume anual das quantias movimentadas, sujeitas à percentagem exposta, se aproxima dos 100 milhões de contos com uma taxa de crescimento razoável para -este aspecto.
Como, segundo parece, as instituições bancárias vêm pretendendo aquele aumento, a questão reduzir-se-ia de forma simplista, é certo, e na hipótese de o Sr. Ministro das Finanças autorizar o acréscimo, a saber se a verba daí resultante deveria juntar-se aos lucros, legítimos, aliás, daquelas instituições ou deveria ter aqueloutro possível destino.
Uma certeza, porém, fica à margem destas sugestões, e essa é que, sob pena dos mais graves inconvenientes para o interesse nacional, importa dar, e sem demora, mais vasta e mais completa instrução a toda a juventude portuguesa.
Esta é uma necessidade real e inelutável criada pelo nosso tempo. A tarefa exige milhões de contos e dezenas de milhares de professores, e por agora não temos estes nem dispomos daqueles.
Mas em cada época a civilização cria os meios que ajudam a resolver as necessidades que a caracterizam. E não havia o sector da educação de escapar a essa verificação feliz.
Se a nossa idade exige uma instrução mais larga e para todos, assim diferente na sua compreensão como na sua extensão, haveria ela de trazer os meios que permitissem ocorrer a essa necessidade. E dá-no-los lançando no ensino um instrumento verdadeiramente revolucionário - a televisão escolar.
Com ela desaparecem as turmas de 40 alunos e nascem as de 40 000! Um só professor ensina uma geração inteira. De Lisboa a Trás-os-Montes, às Beiras, ao Algarve, o mesmo mestre de Matemática ou de Geografia, de História ou de Português.
É certo que se for um professor medíocre não prejudicará apenas 40 alunos da turma que lhe caberia no liceu: afectará o aproveitamento dos alunos do País inteiro! Mas também é verdadeira a contrária: se for um professor excelente - e na televisão tem que sê-lo! -, do seu ensino não beneficiarão apenas os escassos 40 alunos referidos.
Aliás, as vantagens pedagógicas da televisão escolar não se limitam à possibilidade de em cada disciplina pôr ao serviço dos alunos de todo o País o melhor professor. Residem ainda nos extraordinários auxiliares didácticos da imagem e do som, que por ela podem enriquecer o ensino.
Neste aspecto, hei-de sempre lembrar-me da aula de zoologia a que pude assistir na televisão britânica.
O compêndio com o texto da lição continuava a ser o guia, é certo, mas os documentários especialmente filmados para o ensino e de que o mestre se socorria punham ali, em imagens de uma rara perfeição e que nem sequer consentiam ao aluno se distraísse, quanto ele devia ficar a

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saber sobro cada, um dos animais estudados, em todos os aspectos da sua existência e do seu habitat.
Em todos os países onde se pratica a televisão escolar, especialmente nos Estados Unidos, na Rússia, no Japão, na Suécia, na Argentina, no. Canadá e na Itália, que são, segundo creio, os mais avançados nessa modalidade, o seu ensino supera em qualidade o das modalidades clássicas.
A esse propósito, permita-se-me que cite o relatório do Departamento da Educação de Washington. Referindo-se ao ensino pela televisão, que instituíra, diz:

Com sete meses e meio de ensino pela televisão na disciplina de Matemática do 5.º ano, dezoito cursos revelaram um progresso correspondente, em média, a dezassete meses de ensino, e nos alunos com um coeficiente de inteligência igual ou inferior a 90 aquele progresso correspondia a catorze meses de ensino. Este resultado é tanto mais notável quanto é certo que os metodólogos tinham já procurado aperfeiçoar o ensino da matemática por diferentes métodos, mas sem resultados apreciáveis.
A televisão contribuiu para melhorar o teor e os métodos do ensino. Os professores dispõem agora de mais tempo para preparar a sua lição e dedicam especial atenção à escolha do material didáctico a utilizar e à própria organização do curso que leccionam. A televisão contribuiu assim e de modo decisivo para o próprio aperfeiçoamento dos professores. É esta uma vantagem de excepcional relevo, pois os professores, tanto do ensino primário como do secundário, gastando cerca de sete horas diárias na escola, não conseguiam tempo para preparar os cursos que ministravam.

Aquele relatório faz idêntica apreciação dos efeitos da televisão nos alunos e, depois de pormenorizar as suas vantagens evidentes, conclui:

Os alunos são assim levados a um estado do atenção permanente, que lhes permite observar e escutar as lições com todo o cuidado, sem quebras de interesse, sem distracções nocivas.

A par de tais vantagens, oferece a televisão as da economia, e estas seriam agora as de maior interesse para nós.
Não são precisos milhares de professores - que não temos -, mas apenas uma boa equipa. Não é preciso construir centenas de escolas técnicas e de liceus, a custarem milhões de contos, que não saberíamos aonde ir buscar.
E a par da economia oferece a televisão escolar a vantagem de acudir simultaneamente às necessidades do ensino, se não em todo o território nacional, pois nos falta ainda a electrificação de cerca de 40 por cento das zonas rurais, ao menos na maior parte do País.
Umas e outras daquelas vantagens explicam certamente o extraordinário surto da televisão escolar no Mundo inteiro.
Foi por ela que os Estados Unidos ocorreram ao deficit de 135 000 professores e 300 000 salas de aula, dispondo hoje de telescolas suficientes, chegando ao ponto de instalar emissores de televisão escolar em aviões que sobrevoam as zonas ainda inacessíveis à televisão fixa.
O Japão parece ser o país de televisão escolar mais desenvolvida.

Dispõe de emissores próprios para o ensino nas telescolas primárias, secundárias, superiores, de formação humanista e de formação profissional. A televisão escolar cobre o país inteiro, e funciona dez horas e meia por dia.
Na Argentina, II televisão escolar adquiriu tal progresso que lhe é possível dispensar do ensino milhares e milhares de professores que empresta aos restantes países da América do Sul. O Canadá, a Rússia, o México, a Venezuela, a Suécia, a França, a Suíça, a Inglaterra, a Alemanha e tantos outros países fazem hoje face às necessidades sempre crescentes do ensino com a televisão escolar, que é, não tenhamos dúvidas, a modalidade do ensino no futuro, com recursos pedagógicos de longe superiores aos dos métodos clássicos, com uma economia de meios financeiros e com uma possibilidade de democratização do ensino,. jamais pensados nos domínios da educação.
A Espanha, cujo exemplo várias vezes tenho citado nestas considerações, está a preparar dois canais de televisão com destino exclusivo à televisão escolar.
E em Portugal, que se passa?
Quando na última sessão legislativa, no debate na generalidade das contas públicas de 1061, me ocupei da grande necessidade de incrementarmos a educação, das verbas, para nós astronómicas, necessárias a esse objectivo, da impossibilidade de as encontrarmos e da urgência de ultrapassarmos tal situação, pedi aos responsáveis a televisão escolar que referi assim:

Já não temos agora pela nossa frente o espectro dos inacessíveis recursos financeiros para a construção de centenas de edifícios - os centros de recepção do ensino da telescola funcionariam, à semelhança do que na Itália acontece, por essas vilas e aldeias, nas escolas primárias, nas Casas do Povo, nas beneméritas colectividades de cultura e recreio, nas salas oferecidas por empresas industriais e comerciais ou por simples e generosos particulares.
Já não nos assustará a falta de dezenas de milhares de professores - uma equipa deles, menos numerosa do que o corpo docente de um liceu ou de uma escola técnica, ensina o País inteiro, já que na telescola não é preciso um professor por turma, mas apenas por disciplina.
Os professores primários, os párocos e outras pessoas idóneas que fàcilmente se encontrariam nos meios rurais, com bem módica remuneração, poderiam superintender na ordem e na disciplina da telescola.
Dificuldades ainda? Certamente, mas todas removíveis. De natureza pedagógica, de organização, de funcionamento e muitas outras. A maior, contudo, será a que provém da própria natureza revolucionária da solução e que, por o ser, contende com todo o comodismo rotineiro das ideias feitas e das situações física e mentalmente estabilizadas.
Os velhos do Restelo hão-de mesmo contrapor o óptimo da solução clássica ao simples bom desta solução inovadora.
Se lhes dermos ouvidos, ficaremos como estamos - sem o óptimo e sem o bom!
Penso que a telescola constituirá remédio eficaz contra o mal que nos aflige neste aspecto da vida nacional. Toda ela não custará, na sua instalação, o preço de duas escolas técnicas, mas verba tão escassa passará despercebida nas contas gerais do Estado. O que eu desejo é que nela figure quanto antes.
É certo que a televisão escolar não figura ainda na Lei de Meios que discutimos. Mas desta vez Minerva venceu Mamona. Mesmo sem verbas orçamentais, a televisão escolar, que tanto desejei, aí vem.

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A imprensa de ontem publicava que amanhã o Sr. Ministro da Educação Nacional anunciará ao País o próximo início da televisão educativa. Espero que dela caiba a parte maior à televisão escolar, para que, passado o período experimental, possa, em Outubro próximo, no começo do ano lectivo de 1964-1965, abrir uma nova época na história da educação nacional - a época dos seis anos de instrução para os portugueses de todas as condições e de todos os lugares, vivam onde vivam, na cidade, na vila, na aldeia ou no lugarejo distante, tenham o lar que tiverem - rico, remediado ou pobre como o de Cristo.
Bem haja o Sr. Ministro da Educação Nacional, o Prof. Galvão Teles.
Terá, como se impõe, o reconhecimento da Nação, que, neste momento, não se terá ainda apercebido do benefício que vai receber.
O ilustre presidente da Radiotelevisão Portuguesa, Dr. Luís Ataíde, é também merecedor da nossa gratidão.
Embora à frente dos destinos de uma empresa particular, de função lucrativa, como é natural, votou-se ao interesse nacional com uma dedicação tão viva que por ela soube encontrar para já a solução que teríamos de aguardar para a Lei de Meios de 1965.
E ganhar um ano nesta batalha da instrução é feito extraordinário, altamente meritório, que toca no íntimo dos interesses do País.
Com tudo isto ganhámos a batalha?
Ela é tão vasta, a batalha- da educação nacional, e eu tenho-me apenas referido a um dos seus sectores - o do ensino.
Mas, neste, vamos apenas iniciá-la, e se nela entrarmos com a rotina e o espírito funcional da burocracia, consideremo-la já perdida.
Avancemos antes com espírito de cruzada, iluminados por um ideal encantador, para uma das mais nobres e alevantadas missões que podem seduzir quantos de algum modo estão presos às responsabilidades da vida pública - a missão de instruir, que é como quem diz, a de trazer para o futuro da Pátria, afeita à sua total grandeza, toda a gente moça de Portugal.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: a proposta de lei de autorização das receitas e despesas para o ano de 1964, apresentada à Assembleia Nacional para a competente apreciação nos termos constitucionais, continua a afirmar como válidos aqueles princípios preconizados por Salazar quando tomou, vai para 36 anos, sobre os seus ombros a ingente tarefa de recuperação financeira do País.
Estudo sério, pleno de clareza e objectividade, o que consta do relatório que antecede a proposta de lei e que mais uma vez atesta a competência técnica do seu autor - o Sr. Prof. Pinto Barbosa -, um dos homens públicos da notável plêiade a quem coube a responsabilidade, e a honra de manter o facho do equilíbrio das finanças públicas.

douto parecer da Câmara Corporativa e a Conta Geral do Estado relativa a 1962 são outros tantos valiosos documentos para o estudo do diploma em discussão.
Acerca da proposta de lei permitir-me-ei fazer umas breves e despretensiosas considerações de ordem geral, para depois me ocupar particularmente dos capítulos que tratam de providências sobre o funcionalismo e funcionamento dos serviços.
Da leitura do importante diploma que ora se discute se conclui que continua a manter-se a grande estrutura financeira que, sob a inteligente e firme orientação do Sr. Presidente do Conselho, tem assentado todo o progresso nacional. Mas, tal como vem sucedendo em outros países, a palavra de ordem é toda ela no sentido de hierarquizar as presentes e prementes necessidades nacionais, com primazia dada à defesa nacional, seguindo-se-lhe a economia e a educação.
E assim terá de ser até que Deus queira e os olhos de muitos estadistas se abram para as realidades.
Há, porém, motivos de esperança para persistir na crença de que a vitória e a justiça hão-de surgir, de tal modo está incrustada na alma do nosso povo a firme determinação de defender a integridade nacional.
Sem esconder as dificuldades ingentes que as circunstâncias impõem à comunidade portuguesa na presente conjuntura, o Sr. Ministro das Finanças põe-nos de sobreaviso ao dizer que o esforço que à Nação terá de pedir-se não parece destinado a afrouxar no ano que se avizinha, pois «podem vir a tornar-se prementes sacrifícios que de momento ainda se não mostram necessários».
Efectivamente, uma vez que o inimigo continua a rondar-nos a porta e porque a independência e a integridade da Pátria valem mais que tudo, terão de ser afectados os maiores recursos da Nação à sua defesa, sacrificando o seu bem-estar.
Mas nem por isso deixa de assegurar-se o cumprimento do princípio do equilíbrio financeiro há três décadas e meia consagrado, aconselhando o Sr. Ministro das Finanças que se acelere, de maneira rápida e sem adiamentos, o incremento do produto nacional e se adopte um apertado regime de poupança dos dinheiros públicos, para poderem cobrir-se os elevados encargos com a defesa sem prejudicar o aumento do nível de vida das nossas populações.
Para levar por diante este plano da vida e da administração do País, torna-se necessário e imperioso deixarmo-nos de gastos indiscriminados, de obras sumptuárias ou, sequer, de utilidade duvidosa, e termos sempre presentes as palavras de Salazar: «... Todos devem convencer-se de que somos bastante pobres para poder gastar mal o que temos».
De lamentar é, porém, a pouca audiência que têm tido as recomendações de rigorosa economia na utilização de verbas a que são obrigados os serviços públicos nesta hora particularmente grave para a vida da Nação. De alguns sectores parece não se ter ainda apoderado o sentido de responsabilidade na direcção da coisa pública, enquanto por outros parece já ter sido abandonado.
Ora o Estado Novo acabou por se impor à Nação pela «simplicidade, economia de gastos e dinamismo da função dos seus dirigentes», pelo que não devemos nem podemos consentir que alguns salpiquem o Poder com a lama de desmandos praticados por aqueles que devem ser paradigmas de virtudes públicas, que prestigiem simultaneamente o Governo e os homens que o compõem.
Há que impedir que os serviços públicos se desviem da finalidade para que foram criados - servir a população -, obstando que os funcionários se sirvam deles a seu bel-prazer, pois só assim é que o sacrifício de uns tantos será mais bem aceite.
E num regime eticamente válido de nada valeria a pregação destas doutrinas, a doutrinação das inteligências, se deixássemos a concretização dos princípios à mercê do livre arbítrio de cada um, sem uma orientação capaz de aglutinar os pensamentos e as vontades.

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Ora essa orientação, sob o signo da verdade, da seriedade e da austeridade na Administração, foi-nos proporcionada pelo Movimento do 28 de Maio, e ninguém de boa fé poderá afirmar com verdade que o Estado Novo de Salazar, saído daquele Movimento, haja sido infiel a esse princípio.
Mas sabe-se, e foi o Sr. Presidente do Conselho quem no-lo disse, que a desordem e a imoralidade políticas têm um efeito corrosivo na alma das nações, e Moniz Barreto chegou mesmo a referir-se a um «círculo vicioso que torna a corrupção uma necessidade de governo e o governo uma obra de corrupção», o que leva a um abastardamento do carácter nacional que não pode deixar de influir nefastamente no desenvolvimento e progresso dos povos.
Quando, a 28 de Abril de 1934, visitou oficialmente a cidade do Porto, Salazar disse que «a Revolução Nacional não teria explicação nem defesa se não fosse profunda nos seus objectivos, séria nos seus processos, visceralmente popular». E num outro passo do mesmo notável discurso afirmou: «... Se somos contra os abusos, as injustiças, as irregularidades da Administração, o favoritismo, a desordem e imoralidade, isto corresponde a um sério pensamento de governo, e não a uma atitude política, à sombra da qual cometamos os mesmos abusos e as mesmas injustiças. Ai dos que fingem abraçar estes princípios de salvação nacional e dizem acompanhar-nos na obra revolucionária, e sabem que queremos ir ousadamente pelas reformas sociais, elevando o nível económico e moral do povo, e no fundo pretendem apenas adormecer na esperança de reivindicações mais vivas e aproveitar a paz que lhes conquistámos para esquecer as exigências da justiça.» E Salazar concluía, e bem: «Esses não são nossos, nem estão connosco».
Este o espírito da Revolução Nacional, que deverá continuar nas almas, para que nelas se gere uma mentalidade confiante nos altos destinos da Nação, impedindo-se a todo o transe que os objectivos e os processos da Administração e do Governo sejam subvertidos pela influência de elementos cuja actividade e atitudes só acarretam o desprestígio dessa mesma Administração e Governo.
Só assim corresponderemos «a um sério pensamento de governo» e seremos dignos do Chefe que, vai para mais de três décadas, a Providência colocou à frente dos destinos da nossa pátria.
Sr. Presidente: nas breves e despretensiosas considerações que me propus fazer acerca da proposta da Lei de Meios para 1964 cingir-me-ei, de modo especial, aos artigos 21.º e 25.º, que se referem, respectivamente, a providências sobre funcionalismo e funcionamento dos serviços.
Quanto às providências sobre o funcionalismo, há, antes de mais, que felicitar o Governo e de modo especial o Sr. Ministro das Finanças, porque, a despeito dos vultosos encargos com a defesa nacional, não quis deixar de dar concretização ao objectivo expresso na Lei de Meios para 1958 e, assim, por uma vez mais ter cumprido a sua palavra, dando aos funcionários cobertura social na doença e acabando deste modo com a gritante anomalia que se verificava quando comparados com os trabalhadores das empresas particulares.
Anunciado em 1958 pelo Ministro Pinto Barbosa o primeiro esquema de providências sociais a favor do funcionalismo, concretizaram-se já as respeitantes à melhoria do abono de família e prosseguem as referentes ao. problema da habitação.
No relatório da Lei de Meios para 1963 anunciava-se, para ser publicado em breve prazo, o diploma que concederia a assistência em todas as formas de doença aos servidores do Estado, incluindo os dotados de autonomia administrativa e financeira. Efectivamente, a 27 de Abril passado, com a publicação do Decreto-Lei n.º 45 002, emanado do Ministério das Finanças, cria-se a Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado, destinada a promover gradualmente a prestação de assistência em todas as formas de doença aos serventuários dos serviços civis do Estado, incluindo os dotados de autonomia administrativa e financeira.
Anunciando-se agora que está pronto para ser publicado o regulamento que possibilitará a execução do referido Decreto-Lei n.º 45 002, prevê-se que já no próximo ano os funcionários possam começar a aproveitar de tão grande benefício, que representa valioso contributo para a economia da família.
Presta, deste modo, o Sr. Ministro das Finanças um louvável e importantíssimo serviço ao funcionalismo público, cujo alcance bem merece ser posto em relevo, sobretudo se atentarmos nas pesadas incidências que as circunstâncias da actual conjuntura internacional têm no orçamento do Estado.
Teve-se em vista «instituir um sistema eficiente, simples e flexível, ...», conforme se diz no relatório da proposta em discussão.
O regime da assistência virá a estabelecer-se em bases completamente antagónicas ao que é adoptado pelos Serviços Médico-Sociais, seguindo-se o princípio da liberdade de escolha dos médicos por parte dos utentes dos serviços de assistência, conforme se prescreve no artigo 5.º do citado Decreto-Lei n.º 45 002. Mas este critério é ainda mais claramente definido no artigo 8.º, onde se lê que: «Os servidores civis do Estado poderão escolher livremente, de entre médicos de clínica geral, o seu médico assistente, com a única restrição derivada do limite máximo estabelecido no § 1.º do artigo 15.º».
Quanto às intervenções cirúrgicas também se adoptou o mesmo critério de liberdade de escolha, como se deduz do artigo 11.º, que estabelece: «Para as intervenções cirúrgicas a que hajam de ser submetidos, os servidores poderão escolher livremente o cirurgião entre os que tenham celebrado acordo com a A. D. S. E., ou entre os dos estabelecimentos onde se der o internamento ...».
Quer dizer: a assistência médica e cirúrgica a pi estar pela Assistência na Doença aos Servidores do Estado é toda ela orientada sob o signo da liberalização, repudiando-se afoita e claramente o sistema de tendência socializante e, por isso mesmo, despersonalizante que tem vigorado para os trabalhadores inscritos nas caixas de previdência, em que se subestima o factor humano e se despreza o interesse, a conveniência, a predilecção, que o doente possa ter em fazer a escolha do médico ou cirurgião de quem, tantas vezes, faz depender a sua saúde e até a sua própria vida.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pelo que nos consta, parece que o regime de liberdade de escolha do médico ou do cirurgião hoje adoptado pelos serviços da nossa previdência já se não processa em moldes tão rígidos como de início, estando, no entanto, bastante longe de ter a amplitude que o referido Decreto-Lei n.º 45 002 estabelece para os utentes dos serviços .de assistência aos funcionários públicos.
E é pena que assim seja, pois, atentas as vantagens sociais, políticas e humanas do sistema que, sob o signo da liberalização, foi estabelecido - para os funcionários civis

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do Estado, muito viriam a beneficiar os serviços médico-sociais da nossa previdência social indo de encontro a uma das aspirações da maioria, se não da totalidade, dos beneficiários e, consequentemente, a evitar uma das mais justas críticas que a tais serviços é feita.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao funcionamento dos serviços, a Lei de Meios, no seu artigo 25.º, estabelece que, para além da rigorosa economia a que são obrigados os serviços públicos na utilização das suas verbas, o imperativo da hora que vivemos torna indispensável adoptar, na elaboração do Orçamento para 1964, regras e princípios de excepção que possibilitem rigorosa economia nos gastos públicos.
Ao cabo e ao resto; trata-se de seguir um são princípio moral e de procurar dar exemplo de austeridade ao País num momento em que se pedem restrições, disciplina e sacrifícios, encarando a vida à maneira espartana, apertando o cinto - como o povo costuma dizer -, restringindo os gastos supérfluos e impondo como regra da nossa vida futura a da maior parcimónia e severidade nos gastos e na vida.
Os princípios e as regras de austeridade a que devem subordinar-se os gastos públicos estão enunciados na Lei de Meios agora em apreciação, documento que bem reflecte a pureza dos princípios que nos guindaram à situação de estabilidade financeira e ao que já vai sendo chamado «milagre português», bem merecendo, por isso mesmo, o nosso mais sincero aplauso pelo que contém e elevados propósitos que revela.
E também os pareceres das contas públicas, reflectindo a actual e dura conjuntura, não se têm cansado de fazer apelos e exortações aconselhando ao País e impondo aos serviços públicos rígidas normas de austeridade, sempre moralizadoras, e que as actuais circunstâncias plenamente justificam.
Mas parece que se perdeu a noção do equilíbrio e das conveniências, pois que este clamar por austeridade nos serviços públicos, como satisfação moral e mesmo reparação material a tantos sacrifícios impostos ao contribuinte, já não têm a audiência que se impunha que tivesse.
E é triste e grave sintoma que assim aconteça, porquanto não podemos minimizar a importância e as implicações nefastas que do procedimento abusivo de alguns servidores advêm para a ética do Estado-pessoa de bem, que só deve gastar na medida das suas possibilidades e organizar com decência e modéstia a sua vida colectiva.
Na construtiva discussão que esta Assembleia fez na passada sessão legislativa sobre as Contas Gerais do Estado de 1961, tive o ensejo de abordar o problema das despesas públicas e a propósito referi-me ao uso e abuso dos automóveis dos serviços públicos, que vem sendo alvo de cerrada crítica, servindo de especulação política e dando margem a comentários desagradáveis e desprestigiantes para a administração pública.
Pela solidariedade manifestada pela imprensa diária e regionalista à doutrina então defendida - se os carros se destinam a serviço oficial, comete fraude todo aquele que os utiliza em proveito próprio - e pelas cartas de aplauso recebidas, viemos a concluir que, infelizmente, o mal está mais alastrado do que julgávamos.
O coro de lamentações é grande e urge que se tomem medidas através dos vários departamentos do Estado para pôr cobro a este estado de coisas, pois a parte sã da Nação condena abertamente todos quantos se preocupam mais com a sua vaidade pessoal e os seus particulares interesses do que se preocupam com os interesses da nação que dizem servir.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não possuímos elementos que nos esclareçam sobre o que se desperdiça e, por isso mesmo, não podemos afirmar que esteja no abuso da utilização dos automóveis dos serviços públicos o maior indicativo da nossa mentalidade esbanjadora.
É até mesmo possível que alguns venham dizer que a adopção de medidas tendentes a evitar esse desperdício de dinheiro provocado por centenas e centenas de carros sofrendo desgaste, consumindo pneus, gasolina e óleos, com um motorista pago pela Nação, ao serviço particular dos seus utentes, não viria a redundar em benefício para o contribuinte, aliviando-o.
Mas ocorre-nos perguntar: mas mesmo que poupança não houvesse - no que não cremos -, não conta o exemplo educativo da morigeração e do decoro, evitando a conspurcação de uma obra eminentemente nacional inspirada nos mais elevados propósitos de bem servir a Nação?
Se há leis que regulam a questão da utilização dos automóveis do Estado, por que se espera para as fazer cumprir? Se porventura estão desactualizadas, porque não se actualizam ou completam com uma regulamentação apropriada, de maneira e evitar o escândalo que constitui o facto de, a todo o momento e por esse País fora, serem vistas as viaturas oficiais transportando funcionários e suas famílias, que, numa doentia dedicação ao bem público (?), mesmo aos domingos e feriados, vão fazer serviço (?) para todos os locais de veraneio e de retiro?...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em 1942, e não vivíamos período tão difícil como o actual, foram publicadas, através do Decreto-Lei n.º 32 515, disposições normativas aconselhando o uso de automóveis de pequeno consumo. Não se justificaria plenamente a validade de tais normas na presente conjuntura?
Ainda dentro do capítulo de austeridade nos serviços públicos, permito-me chamar a atenção para a necessidade de regular convenientemente a questão das ajudas de custo em deslocação a funcionários, do que resultaria, disso estamos certos, uma grande economia no consumo de gasolina e talvez uma possível redução do parque automóvel de muitos serviços.
Sr. Presidente: o volume das despesas militares provocadas pela guerra em África impõe e justifica amplamente, na própria expressão do Sr. Ministro das Finanças, «uma definição de uma escala de prioridade e a observância de uma firme e sã disciplina nos gastos públicos».
Há, pois, que adoptar medidas drásticas para que economias se façam nos serviços públicos e se exerça uma rigorosa fiscalização, com vista a evitarem-se despesas inúteis e desnecessárias.
Este é o imperativo nacional da hora que passa, dada a necessidade de aproveitar o melhor possível esforços e dinheiro para enfrentar a guerra que à Nação vem sendo feita e para realizar investimentos produtivos, com vista à prossecução do progresso do País e a atingir a justiça social que se deseja ver implantada na sociedade portuguesa, não apenas nas leis e nos regulamentos, mas nos hábitos de vida e nas mentalidades.
Dou, pois, o meu modesto voto de apoio à orientação traçada pelo Sr. Ministro das Finanças no seu notável trabalho, ao mesmo tempo que dirijo os cumprimentos

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da maior admiração e respeito ao Sr. Presidente do Conselho, que, na hora doente que o Mundo vive, tem sido para os portugueses o guia previdente e o conselheiro sensato, opondo à demência de uns e ao primarismo mental de outros a verticalidade insuperável dos seus princípios, a inflexibilidade da sua ética e a serenidade impecável da sua austeridade de governante.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sousa Rosal: - Sr. Presidente: o Sr. Ministro das Finanças enviou a esta Câmara para discussão e aprovação a proposta da Lei de Meios para 1964 com a regularidade tradicional, acompanhada, como já é hábito, de elementos elucidativos destinados a esclarecer a política financeira que se preconiza para a gerência das actividades do Estado a programar no seu Orçamento Geral.
Nela se mantém imutável o princípio do equilíbrio financeiro, que acontecimentos inopinados e adversos não conseguiram abalar.
A viabilidade do princípio deve-se à sábia e firme orientação financeira, proclamada, instituída e praticada por Salazar desde a primeira hora em que entrou nos Paços do Poder pela porta do Ministério das Finanças, para chegar por mérito próprio à chefia política dá Revolução.
Pode-se dizer que ele é a única realidade política em Portugal por força do seu génio de estadista e pela austeridade, de seu viver. O resto são miragens e nelas uma sombra a vigiar, chamada comunismo.
Génio onde alguém quer ver sorte. Da sorte de Salazar apenas se. conhece a pouca sorte de nem sempre ter acertado na escolha dos seus mais directos colaboradores.
Não se diz para a pasta das Finanças, sempre ocupada por homens que têm sabido seguir e adaptar às circunstâncias, com inteligência e prudência, a norma das finanças sãs e do equilíbrio orçamental sem sacrificar o progresso da Nação.
Porque assim se tem entendido se têm acolhido, nesta Casa e lá fora, sempre com palavras de louvor e confiança as sucessivas propostas de lei de autorização das receitas e despesas que, periodicamente, vêm aqui para aprovar e governar dentro da legalidade constitucional e com o apoio da Nação.
Esta que temos presente solicita o mais vivo e sentido aplauso pelos altos objectivos que estão implícitos no confessado propósito de defender a integridade territorial traiçoeira e loucamente atacada nas nossas fronteiras em África e de continuar, ao mesmo tempo, o reforço do desenvolvimento da estrutura económica em todo o espaço português.
Tudo sem esgotar a capacidade financeira e tributária do País, nem perturbar o habitual viver da população.
É talvez por isso que as retaguardas não sentem e não apoiam o esforço de guerra com a mesma disciplina, espírito de sacrifício e devoção revelados por aqueles que estão vigilantes e firmes nas frentes de combate, sofrendo e morrendo heroicamente pela Pátria.
O seu articulado, na sua redacção aparentemente simples, envolve um grande número de complexos e vastos problemas, com as suas implicações políticas, económicas e sociais difíceis de apreender e medir nas suas consequências por quem não tem preparação técnica e está longe, das fontes informativas.
Assim o entendeu o Sr. Ministro das Finanças ao dar a conhecer factos e razões que, de certa maneira, influenciaram as disposições tomadas no conteúdo da proposta de lei, fazendo considerações e fornecendo números índices que permitam ter uma ideia, mais ou menos clara, da conjuntura económico-financeira é do pensamento que presidirá à gerência dos recursos que ele há-de pôr à disposição do Governo.
Se o que é essencial não é susceptível de controvérsia, a não ser no plano especulativo, pode o pormenor dar motivo a um comentário.
Julgo-me obrigado a fazê-lo, a fim de chamar a atenção para um ângulo do desenvolvimento das actividades produtivas que não VI suficientemente focado no processo informativo da proposta de lei, nem o seu sucinto articulado, como é obvio que o seja, faz prever nele mudança substancial de atitudes e processos.
Quero referir-me ao fomento do turismo.
Não vou deter-me sobre o tema, para não me repetir, tanta vez aqui o tenho tratado, nem repetir os vivos e vários argumentos que, quase diariamente, a grande e a pequena imprensa, pela pena dos mais ilustres jornalistas aos mais modestos, têm produzido sobre ele.
E ainda por não desejar antecipar-me ao anunciado aviso prévio, onde o assunto será debatido nos seus mais aliciantes aspectos por quem, melhor do que eu, o saberá fazer.
Venho proferir apenas duas palavras a propósito do que se deu a conhecer sobre o momentoso problema do turismo, e do que não se deu, no projecto da Lei de Meios para 1964 e seus apêndices.
Bordaram-se muitas e objectivas considerações sobre a conjuntura económico-financeira e deram-se a entender as tendências governamentais para o seu futuro.
Acerca do fomento turístico, apenas umas ligeiras referências, sem grande significado, quanto à planificação integral, que o momento aconselha e será grave imprevidência não lhe obedecer.
Esta impressão está compreendida na passagem do douto parecer da Câmara Corporativa, com maior autoridade e melhor propriedade, quando afirma:

O interesse que o turismo assume para a nossa economia em geral e em particular, a contribuição que pode dar para o equilíbrio da balança de pagamentos, sujeita às inevitáveis pressões de correntes da política de desenvolvimento económico, leva a Câmara a desejar que as medidas agora tomadas no campo fiscal se integrem em plano mais vasto, que defina, na totalidade dos seus aspectos, uma política de valorização turística de que o País tanto carece.

Tudo se inclina para dar a entender que as coisas continuarão a correr nos seus domínios, como até aqui, desfasadamente, ao sabor de perigosas improvisações.
As ligeiras referências a que aludi dizem:
Por um lado, com a honestidade proverbial que é timbre da nossa política, que a actividade industrial no último ano sofreu uma quebra de ritmo de crescimento, devido a factores de natureza conjuntural e próprios do processo de crescimento e que não foram equilibrados pela dificuldade de encontrar novas modalidades industriais e pela tensão observada no mercado monetário e financeiro por uma quebra circunstancial de confiança, e ainda, que a balança de transacções fechou em 1962 com um apreciável déficit, verificando-se também um substancial excesso na saída de cambiais sobre a entrada.
Por outro lado, que as receitas de turismo aumentaram de 63 por cento em relação ao ano anterior e que, muito embora não se possa avaliar, por falta de elementos, o seu comportamento, nos últimos anos, teria desempenhado um importante papel na expansão do produto formado

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no sector terciário e na recuperação da balança de transacções correntes na metrópole.
Estas ligeiras referências que sublinhei ao ler os elementos esclarecedores da proposta da Lei de Meios levaram-me a concluir, sem grande risco de errar, que não está sendo convenientemente interpretado o fenómeno turístico que presentemente se desenrola por toda a parte e nos bate à porta com a mais viva simpatia, de modo a tirar dele todo o bem que generosamente nos oferece para reforçar a nossa armadura económico-financeira, uma das armas mais poderosas para vencer na luta em que estamos empenhados, tanto nas frentes onde se combate como nas retaguardas onde se trabalha e nos divertimos.
Se nas frentes se aconselha uma prudente defensiva, na retaguarda é indispensável pôr em movimento uma vigorosa ofensiva.
As referências que sublinhei inspiram-me perguntas sem resposta, que podem ser ingénuas, mas não inoportunas, que a mim mesmo fiz, as quais em voz alta vou repetir, para que alguém com mais fértil imaginação e maior soma de dados possa iluminar as dúvidas e satisfazer os anseios que andam no ar, esperando ter conhecimento das grandes linhas de rumo que hão-de fazer do turismo um fértil e seguro apoio do nosso ressurgimento.
Pergunto eu: se o ritmo de crescimento do processo industrial é causado, por alguma forma, pelo não aparecimento de novas indústrias e por retraimento do capital decorrente de uma eventual quebra de confiança, por que razão nos não voltamos decididamente para instalar, de verdade, uma indústria de turismo, se para tal dispomos da melhor matéria-prima e de reconhecidas qualidades para trabalhar, com o mesmo vigor e entusiasmo com que nos voltámos para outras de resultados mais duvidosos e de menor projecção na vida nacional, as quais foram apoiadas pelo Governo com vultosos financiamentos e clara e decidida orientação.
Quanto à confiança dos capitalistas, que são pessoas que por pouco se assustam, as razões apresentadas não são válidas para o caso, nem tocam a sensibilidade do turista.
A mentalidade de uns e de outros é bem diferente.
Os capitalistas fogem quando o negócio não lhes cheira. Os turistas aparecem onde lhes cheira a paz e dons naturais.
Disto temos nós, e do melhor, para dar e vender.
Ainda uma outra pergunta me veio à mente.
Se temos de procurar a maneira mais viável e urgente para melhorar a nossa balança de pagamentos em desequilíbrio, por que não o procuramos fazer reforçando e exaltando as condições de atracção turística com um andamento mais acelerado e conveniente?
Só assim, penso eu, encontraremos o seu natural equilíbrio para que eventualmente tende por efeito do recurso ao mercado de capitais a longo prazo. Estas operações pesarão a partir de certa altura na balança de pagamentos, com as suas amortizações e juros, se não forem orientadas para actividades verdadeiramente reprodutivas e de seguro rendimento.
O turismo é, indiscutivelmente, uma delas. Apesar do seu desenvolvimento incipiente, já foram notados os seus efeitos benéficos, quer na formação do produto nacional bruto, quer na formação do activo da balança de pagamentos pela rubrica dos invisíveis.
Não passaram desapercebidas ao Governo estas incidências do turismo, dando nota delas e acentuando a sua crescente relevância. Também não desconhece, certamente, o Governo aqueles dados que os órgãos de informação especializados têm a obrigação de alinhar dia a dia e aprontar para dar a conhecer o comportamento, os resultados e as tendências da conjuntura turística.
Todo este conjunto de informações, acrescidas com os depoimentos autorizados dos Srs. Ministro e Subsecretário de Estado da Presidência, colhidos no que foram veiem terras de Espanha, a qual teve o engenho e arte de fazer do turismo uma das poderosas alavancas do seu progresso económico e social, são suficientes, segundo parece, para permitir ao Governo equacionar e resolver o problema turístico com a autoridade e responsabilidade que lhe assiste, considerando os meios viáveis e mobilizáveis de que pode dispor para desencadear uma acção eficiente, desde que sejam colocados sob um comando capaz de os conduzir com a inteligência necessária para interpretar o seu sentido realizador e a coragem para enfrentar as dificuldades e transpor os obstáculos que os interesses, a inércia e o comodismo lhe hão-de colocar no seu caminho, como é hábito.
A conjuntura turística requer, além do mais, uma actuação ao modo revolucionário, revendo posições à luz de novas ideias e processos, e de tudo. isto estamos precisados neste e noutros sectores do circuito do nosso sistema económico. Porém, numa outra, passagem, que também sublinhei, confessam-se atrasos, mas não se apontam os meios e o modo de os suprimir.
Vou ler a passagem e vão ver se estou muito longe deste asserto:

Constituindo o turismo um potencial em parte inexplorado, tem o Governo procurado por vários meios planificar e desenvolver todas as actividades com ele relacionadas. Torna-se, no entanto, necessária, por um lados a colaboração do sector privado na planificação turística e, por outro, o desenvolvimento das zonas que possam proporcionar maior rendimento a curto prazo. Aliás, espera-se que este sector venha a beneficiar em larga medida da cooperação económica com alguns países.

O surto turístico que nos envolve requeria indicações mais precisas para uma acção concertada e viva que não se antevê na fluidez do pensamento que se expôs e era de esperar que atingisse o mesmo nível das considerações feitas para outras actividades de idêntica importância para a prosperidade do País.
Compreende-se que o Governo conte com a colaboração das iniciativas particulares para erguer tantos empreendimentos como são aqueles que o turismo exige para ter expressão à escala internacional com que têm de ser medidos e construídos.
A cooperação económica dos estrangeiros deve ser acautelada para não se desnacionalizarem as terras e os bens e evitar a expatriação dos rendimentos.
Há, porém, uma série de passos a dar que são da inteira competência do Governo e estão na base de tudo o mais e, como tal, é urgente executar, entre os quais se apontam:
Reforma de alto a baixo da estrutura e competência dos órgãos directivos e executivos do turismo, dotada com nova mentalidade e mais recursos;
Estudar a planificação geral do turismo ou por fases regionais e dá-la a conhecer para que o seu desenvolvimento se faça, com conhecimento de causa, e possa ser exercido com disciplina e sincronismo para evitar paragens, atropelos e recuos;
Incrementar a construção das infra-estruturas que dizem respeito aos transportes e comunicações, incluir nelas o saneamento das regiões turísticas sem provocar a conspurcação das águas do mar.
A solução deste problema deve merecer especial atenção, atendendo a que as câmaras municipais não o podem

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resolver por falta de recursos. A sua deficiência já tem causado críticas severas e o retroceder de alguns turistas e pode dar origem a uma viragem dos ventos que nos estão sendo propícios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os investimentos para tais encargos são muito pesados, na verdade, mas podem ter como fonte de recurso o crédito externo, na medida em que o turismo garante o seu reembolso.
Assim se justifica o pensamento do Governo quando dá prioridade ao desenvolvimento das regiões que garantam um rendimento a curto prazo.
Nesta altura em que sinto que se aponta para o Algarve, tenho uma palavra de agradecimento a dizer, por ter sido distinguido com o apoio financeiro do Fundo do Turismo para a construção de hotéis e com a construção do aeroporto de Faro, por outra via, pela qual lutou, diga-se em abono da verdade, durante vinte anos sob a feitura do seu projecto e da aquiescência em princípio do Governo, e outra palavra de esperança para que o estudo e a realização dos outros empreendimentos projectados se processem com outro andamento.
Seria injustiça negar ao Governo o valor do que tem feito a favor do turismo e diminuir o mérito daqueles que contribuíram, efectivamente, para lhe dar a vida que já tem.
Seria, porém, enganador não manifestar o sentimento daqueles, o somos muitos, que têm a ideia de que temos andado devagar e hesitantes no caminho que tem de ser percorrido depressa, embora com a devida precaução, tendo presentes os incitamentos que nos vêm de fora e a consciência do valor que temos, guiados pela palavra de ordem «cada vez mais e melhor».
Desejo ainda fazer um breve apontamento e agora, propriamente, sob o projecto da Lei de Meios e ainda acerca do turismo.
De turismo fala-se nela nos seus artigos 10.º e 18.º
No artigo 10.º foi criado um imposto sobre terrenos situados em zonas consagradas à expansão do turismo. Isto com a ideia de evitar a sua imobilização nas mãos de especuladores, com prejuízo do seu progresso.
A disposição tem oportunidade e merece todo o apoio. Oxalá o sistema seja o suficiente para atingir o objectivo e seja aplicado criteriosamente.
Julgo, porém, que para o Algarve o regulamento para a sua aplicação deve considerar a não publicação do plano regional de urbanização, em estudo, para não recair sobre terrenos imobilizados por estarem retidos os projectos de construção por efeito da sua falta ou por não se destinarem de facto a actividades de turismo.
A falta do plano regional não tem obstado, contudo, a que se tenha construído recentemente e se esteja a construir, com prejuízo dos atractivos naturais da região, cortando perspectivas e interrompendo os trajectos mais aprazíveis.
No artigo 18.º reserva-se o Governo a atribuição de fazer investimentos, à margem do Plano de Fomento, destinados à evolução da economia metropolitana. Mantêm-se nele as normas seguidas de administração e procedência estabelecidas para a gerência no corrente ano, por ser idêntica a sua redacção.
O Orçamento Geral do Estado condicionará os investimentos abrangidos pelas suas disposições.
Não ficaria de bem com a minha consciência se faltasse ao dever, que me impõe a representação que tenho do Algarve, de aproveitar a oportunidade, embora correndo o risco de ser tido como maçador ou impertinente, para mais uma vez pedir ao espírito compreensivo e realista do Sr. Ministro das Finanças aquilo que, por esta e outras vias, tenho exposto e pode ser deferido no Orçamento Geral do Estado em organização e baseado nos antecedentes bem assinalados no quadro XXIX do relatório que precede o projecto de lei.
Esta seria uma maneira de dar sentido prático ao desejo de valorizar as regiões de maior projecção turística, entre as quais o Algarve se coloca em lugar de destaque, mercê dos seus dotes naturais tantas vezes exaltados na imprensa nacional e internacional por distintas e ilustres personalidades de relevo intelectual e do mundo de negócios.
Aliás, o Governo já o reconheceu com algumas providências, mas ainda há por lá muito que fazer:
Melhorar a rede de estradas que ligam o Algarve com o Norte e entre si por se mostrarem insuficientes e perigosas no seu traçado, e, bem assim, a dos caminhos do ferro e do seu material circulante;
Sanear todo o litoral algarvio, o que, não estando dentro das possibilidades da Câmara, como já disse, é indispensável e urgente que o Governo o faça, para evitar os inconvenientes já notados com acerba reprovação de estrangeiros que, estando instalados em bons hotéis, têm sido incomodados pelos cheiros pestilentos e pragas incómodas de moscas e mosquitos vindos de fossas e estrumeiras abertas para o ar livre;
Uma pousada na região de Monchique, que, sendo muito visitada pela sua excepcional beleza no conjunto da paisagem algarvia, não tem uma instalação hoteleira com as mínimas condições de conforto;
Uma verba substancial para o acabamento das obras de reconstrução das demolidas termas das Caldas de Monchique há mais de vinte anos, para as actualizar, pelo Estado, que é seu proprietário, nas quais a construção do balneário, que tem lugar de primazia, ainda não foi iniciada.
Neste momento em que o turismo atinge a acuidade que conhecemos, lembra-se que as termas são também locais distinguidos e apreciados pelos turistas e que não está sendo bem compreendido o abandono a que o Estado votou as suas velhas termas, de tradição milenária, o que põe até em dúvida a capacidade da Administração.
Ao valor turístico temos de juntar o valor do contributo para a cura do reumatismo, a favor da qual milita a excepcionalidade do clima.
No intuito de dar maior autoridade às minhas palavras, seja-me permitido, Sr. Presidente, que leia uma passagem de um relatório que fez, para responder a um despacho do Sr. Ministro das Obras Públicas, o ilustre homem de ciência Dr. Manuel Assunção Teixeira, director clínico do Instituto Português de Reumatologia, estabelecimento do renome internacional no campo da investigação científica para os reumatismos e onde se trabalha com espírito de missão em acanhadas instalações, onde podem faltar recursos materiais, mas não saber, carinho e dedicação, como tenho tido ocasião de verificar no contacto com a sua ilustre direcção, que está colaborando gentil e eficientemente no estudo para o funcionamento do novo hospital termal.

Assim Monchique poderá dizer na sua justa propaganda que dispõe de águas benéficas, semelhantes nos efeitos a outras nacionais e estrangeiras, mas que tem sobre a grande maioria das estâncias similares, nacionais e estrangeiras, a grande vantagem de possuir um clima excepcional, de média altitude, ameno e apropriado ao tratamento das doenças reumáticas, mesmo durante o Inverno. Na verdade, a maioria das estân-

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cias termais, nacionais e estrangeiras, onde se tratam doenças reumatismais estão situadas em locais húmidos e frios, o que impossibilita ou dificulta a sua utilização fora dos meses de Verão. Pode ainda servir de justa propaganda a sua proximidade do mar, cujas praias podem ser utilizadas pelos sãos de seis a oito meses por ano ... e por alguns reumáticos nos meses mais quentes do ano.

Seja-me ainda permitido ler parte de um relatório dos serviços técnicos de higiene da alimentação e bromatologia da Direcção-Geral de Saúde, que diz também a propósito das Caldas de Monchique:

Cabe ao balneário a primazia na sequência dos empreendimentos que é preciso levar a cabo.
O balneário é a célula fundamental, a célula mãe de todas as outras concepções construtivas termais.
Depois da água mineral, é a sua existência a razão de ser da exploração das termas.
Só depois de o balneário construído, tecnicamente apetrechado e em desempenho da sua função terapêutica, poderá o Estado com maior facilidade negociar e levar a bom termo o trabalho de atracção de capitais para que esta obra, de tão grande envergadura financeira e de tão justificado interesse nacional, «não responsabilizasse exclusivamente o Estado». Qualquer orientação que se pretenda apresentar conduzirá inevitavelmente à mesma conclusão: a primeira realizazação que se impõe - o balneário - tem de ser feita pelo Estado ou com dinheiro emprestado pelo Estado.
Em Vichy, capital termal, rainha das termas francesas, os estabelecimentos termais pertencem todos ao Estado. Três deles, le Grand Établissement Thermal, les Bains Callou, les Bains du Pare Lardy, são administrados «par Ia Compagnie Fermière de L'État sous l'autorité d'un médecin directeur des Établissements Thermaux», e o quarto, l'Établissement de l'Hôpital Militaire, pelo Ministério da Guerra.
Em Aix-les-Bains os balneários são propriedade do Estado e a sua exploração está a cargo do próprio Estado. O serviço está assegurado por pessoal especializado e competente que frequentou durante dois anos a escola local dos técnicos termais, cujo ensino é assegurado pelo corpo clínico, sob o controle da Faculdade de Medicina de Lião; compreende mais de 300 empregados dos dois sexos.

E também:

Promover o acabamento dos estudos do plano de urbanização regional e da ponte sobre o Guadiana e do cais acostável para grandes navios de turismo e a sua execução.
E ainda e agora, para solicitar apenas um simples e justo gesto que defira os pedidos das Câmaras Municipais de Olhão e Tavira para desafectação das ilhas que lhes estão em frente do domínio público marítimo, depois de tudo considerado e reconsiderado, pois não se tem como bom impedir que o turismo assente arraiais em regiões tão tentadoras pela sua localização e pelas características especiais de que se revestem.
Dirão alguns que estou fora das realidades pedindo tanto esforço ao Governo neste tempo de «vacas magras».
Atrevo-me, porém, a dizer que não o sinto assim ao pensar que, estando o Governo longe de esgotar a sua capacidade de crédito, o pode mobilizar para o fomento do turismo nacional, com a certeza de que ele lhe devolverá os capitais e os juros.
Não é neste tempo de «vacas magras» que o Governo está utilizando o crédito na construção de duas tarefas do mais alto significado nacional, como são a ponte sobre o Tejo e a irrigação do Alentejo?!
Não tenho como exagerado dizer que não se me afigura com menor significado a tarefa de fomentar o turismo. Estou mesmo em dizer que vejo nela uma recuperação mais pronta dos capitais investidos e maior projecção económica e financeira pelas actividades que movimenta nos sectores da produção, da comercialização e da circulação e pelo reforço da reserva de divisas, garantindo deste modo a solvência dos empréstimos externos e a- posição do escudo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Algarve está fadado a ser o incentivo principal e o mais guloso chamariz para apontar aos turistas os caminhos a percorrer para ver e gozar as virtudes e o pitoresco do nosso glorioso Portugal. Mas só assim será se o Governo e a iniciativa privada se dispuserem, enquanto é tempo, a ajudá-lo, servindo a colectividade e os seus próprios interesses.
Vou terminar dizendo: dou a minha aprovação na generalidade à proposta de Loi de Meios para 1904.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continua amanhã, com a mesma ordem do dia de hoje.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas o 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão;

Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
António Burity da Silva.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Francisco José Vasques Tenreiro.
James Pinto Bull.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel Pires.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.

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2732 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 105

Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
D. Custódia Lopes.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando António da Veiga Frade.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel João Correia.

Purxotoma Ramanata Quenin.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - António Manuel Pereira.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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