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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 112

ANO DE 1964 9 DE JANEIRO

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 112 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 8 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos

Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente informou que durante o período de férias haviam sido recebidos elementos requeridos por diversos Srs. Deputados, a quem foram já entregues.
Foram igualmente recebidos na Mesa os elementos requeridos na sessão de 23 de Janeiro do ano findo pelo Sr. Deputado Nunes Barata, a quem foram entregues.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Calheiros Lopes acerca das últimas inundações no Ribatejo, Alfredo Brito sobre problemas de transportes terrestres e Jorge Correia para se referir a. assuntos de interesse respeitantes à lavoura do Algarve.

Ordem do dia. - Continuação do debate sobre o aviso prévio acerca da política ultramarina do Governo.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Herculano de Carvalho, Moreira Longo, José Manuel Pires e Carlos Alves.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Burity da Silva.
António Carneiros Lopes.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Moreira Longo.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
D. Custódia Lopes.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Buli.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.

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João Rocha Cardoso.
João Ubaeh Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rui de Moura Ramos.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas o 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Durante as férias parlamentares furam recebidos elementos pedidos por vários Srs. Deputados, que, já foram entregues e que são os seguintes: do Ministério dos Negócios Estrangeiros, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras na sessão de 9 de Fevereiro de 1963; dos Ministérios das Finanças e da Saúde e Assistência, em satisfação do requerimento apresentado polo Sr. Deputado José dos Santos Bessa na sessão de 8 de Novembro de 1963; e do Ministério do Interior, em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado José Fernando Nunes Barata na sessão de 25 do Abril de 1963.
Estão também na Mesa parte dos elementos pedidos na sessão de 23 de Janeiro do ano findo pelo Sr. Deputado Nunes Barata. Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Tem a palavra, o Sr. Deputado Calheiros Lopes.

O Sr. Calheiros Lopes: - Sr. Presidente: vão decorridos apenas alguns dias que uma das mais importantes regiões agrícolas do País sofreu, mais uma vez, o flagelo das chamadas «cheias do Ribatejo» e por isso, venho solicitar u atenção paia os enormes prejuízos e inconvenientes de toda a ordem, não apenas exclusivamente económicos e sociais, nas também relativamente a outros aspectos.
Sr. Presidente: tivemos recentemente mais uma grande cheia nessa região mártir. O Tejo e seus afluentes, engrossados os caudais corri as descargas das barragens do Castelo do Bode, Montargil e Maranhão, saíram dos leitos e mantiveram debaixo de água, durante algumas semanas, milhares de hectares de terras de semeadura, quase todas elas já preparadas para a sementeira o muitas mesmo já semeadas. Nestas últimas perdeu-se a semente e o trabalho feito. Nas que se encontravam lavradas, aguardando a sementeira, perdeu-se o trabalho. Em todas, porém, se perdeu de forma geral, o ensejo, a hora própria, de lhes lançar o cereal de que tanto precisamos para atenuar, por uma maior auto-suficiência, o exaustivo dispêndio de divisas na importação do precioso alimento. Assim, ao que penso, na maioria das terras, de que ainda grande parte não estará, em condições de semear, o lavrador já não poderá abalançar-se a cultivá-las de trigo e terá de recorrer a outras culpas que não contribuem directamente para a solução do problema, do abastecimento cerealífero do País e. por esse motivo, tanto pesa no desequilíbrio da nossa balança, comercial.
Mas não foi sómente nas terras do cultura que as consequências da cheia se fizeram sentir. Nos próprios olivais situados em terrenos ribeirinhos, assim como nas pastagens donde os gados tiveram de ser retirados, houve prejuízos consideráveis.
Se a todos estes inconvenientes, que ligeiramente aponto, juntarmos os resultados de várias semanas de desemprego dos trabalhadores rurais, das despesas e estragos causados pelas inundações nas estradas e caminhos, nas localidades o povoados, nas casas comerciais e habitações situadas nas partes das povoações inundadas, nos próprios lares da pobre gente ribeirinha, faremos ideia, não traduzível em cifras, nas decerto muito importante nos aspectos humano e social, do que é, para os povos do Ribatejo, a calamidade, que anualmente se repete, das cheias.
Mas isto que estou dizendo, e que é do conhecimento geral, não mereceria a pena ser recordado, como o faço também quase anualmente, se se tratasse apenas de lamentar um fenómeno da Natureza, insusceptível de remédio ou solução por parte do homem.
Se falo. digamos, tão teimosamente, das cheias do Ribatejo, é porque estou convencido de que há possibilidade, se não de as evitar, pelo menos de atenuar os seus volumes e consequências. Noutros países, como, por exemplo, a Holanda -, problemas de controle das águas têm sido resolvidos, através de dificuldades muito maiores do que as apresentadas pelas nossas cheias.
Ainda há dias os jornais noticiaram que naquele, país se estão aplicando novas técnicas de construção de barragens e eclusas para pôr II salvo das inundações grandes parcelas de território.
Sr. Presidente: Não me parece, de modo algum, incomportável para os recursos financeiros c técnicos do Estado a série de pequenas obras que julgo necessárias e eficientes para combater o mal das inundações, que resultam, em primeiro lugar, ao que penso, da falta de escoamento e rede de drenagem, ou seja do assoreamento dos leitos de rios, ribeiras e valas principais existentes, assim como da ausência, nas várzeas inundáveis, de uma bem estudada rede de enxugo.
A falta de escoamento faz com que, uma vez verificada a primeira cheia que alagou as várzeas por transbordo dos diversos afluentes do Tejo a água fique retida nas terras, e mal se lhe junta a água de novas chuvadas dá-se outra

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cheia, e às vezes mais se alarga, «i inundação, podendo dizer-se que é da água retida da primeira cheia que resultam as outras que se lhe sucedem. E, assim, temos verdadeiras cheias em série.
Ora, Sr. Presidente, julgo, sem pretender invadir o campo da técnica, nem o da Administração, que se poderia elaborar um plano modesto e simples de combate às inundações do Ribatejo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esse plano dividir-se-ia em duas fases executórias: uma, de realização imediata e penso que compatível com os recursos orçamentais dos serviços competentes das obras públicas, consistiria numa rápida acção, durante a Primavera e Estio próximos, de limpeza de valas e dos leitos dos rios e ribeiras da área habitualmente inundável, especialmente da rede dê afluentes do Tejo, o Almansor e o Sorraia e as ribeiras de Muge, Alviela e Alpiarça.
Lembremo-nos de que os nossos avós, dispondo de ferramental primitivo, pouco mais do que pás de vaiar, conseguiram executar obras de defesa, nas lezírias do Tejo. que ainda prestam alguns serviços, como as valas, diques e valados. Não nos coloca bem perante a memória dos nossos antepassados reconhecer que, com o poderoso material técnico de que hoje dispomos - bulldozers, escavadoras, tractores, etc.-, as redes de drenagem se encontrem em piores condições do que há alguns anos atrás, não muito recuados.
Nesses tempos a cheia, pode dizer-se, era só uma o pouco demorada, porque as terras escoavam rapidamente, devido às obras de defesa e enxugo existentes, evitando a série de inundações sucessivas que agora se verificam.
Se então as coisas se passavam assim, com os meios primitivos de que se dispunha, e se hoje. com os meios e recursos actuais, as cheias se repetem logo que a primeira se dá, é porque, realmente, a defesa das terras é hoje inferior à que antigamente existia.
A seguir a esta primeira fase de obras, permito-me sugerir que se planificassem e se construíssem urgentemente albufeiras, situadas nas terras de maiores cotas, onde grande parte da água das chuvas fosse retida e armazenada, tanto para oportuna utilização na rega, como, e principalmente, com o fim de evitar a sua caudalosa descida para os leitos das ribeiras e rios, que, não comportando tão volumosos e súbitos engrossamentos dos respectivos caudais, transbordam e inundam os terrenos marginais. Essas pequenas albufeiras, detendo e dominando as torrentes nas encostas, evitariam ainda, de forma utilíssima, a erosão que constantemente essas terras estão sofrendo.
Toda a gente do Ribatejo sabe que, de forma geral, as linhas de água da bacia do Tejo se encontram grandemente assoreadas, existindo locais onde os leitos dos rios quase desaparecem.
Assim, logo que as chuvas excedem um pouco o normal, esses leitos não comportam a água que recebem e inundam as terras, cobrindo-as ainda de espessas camadas de areias e ocasionando, além disso, demoradas paralisações do trabalho agrícola, destruições de sementeiras, a reposição das terras para a cultura e toda a série de prejuízos e inconvenientes, de que a imprensa dá todos os anos largo conhecimento.
Esses males seriam evitados, em grande parte, pela adopção de medidas da natureza das que deixei atrás esboçadas.

O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!

O Orador: - Daqui, pois, mais uma vez. recorro para o espírito prático, para. a visão administrativa, para a vontade realizadora do Sr. Ministro das Obras Públicas, assim como para a elevada competência técnica dos serviços do seu Ministério. Peço apenas esta coisa simples: que sejam encarados realisticamente e com urgência os problemas derivados das cheias do Ribatejo. E estou confiadamente certo de que. mediante as providências que sugiro ou outras de maior viabilidade e eficiência que os serviços melhor entenderem, a lavoura e as populações dessa tão valiosa parcela da terra portuguesa poderão ser poupadas futuramente às graves contingências, dificuldades e prejuízos que, em todos os Invernos, há anos, duramente sofrem.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alfredo Brito: - Sr. Presidente: há poucos dias tive a oportunidade de apreciar nesta Assembleia o alto critério com que, uma vez mais. o programa financeiro da Nação foi traçado pelo Ministério das Finanças, mas não pude manifestar idêntica atitude em relação à nova tributação sobre os transportes terrestres, que considerei descoordenada relativamente às linhas mestras da nossa nova política fiscal.
Os meus propósitos não foram de mera critica destrutiva; pelo contrário, pretendi mostrar que o nosso desenvolvimento económico requeria outro tipo de coordenação dos transportes - pois, como disse, uma coordenação de transportes realizada mediante uma tributação mais pesada do modo do transporte que maior vitalidade apresenta não pode ser outra coisa senão uma pseudo coordenação. Fazendo-se eco das inúmeras vozes discordantes, o Ministério das Comunicações publicou, em 19 de Dezembro, uma informação na qual fez referência às reclamações dirigidas àquele Ministério por vários organismos, «na defesa dos seus interesses ou de determinadas classes, subestimando a intenção de coordenação e benefício geral que ditou aquele diploma».
Nem por um momento ponho em dúvida que aquele Ministério não tenha sido movido por lima intenção de coordenação e benefício geral; do que duvido é de que esse desiderato de coordenação e de benefício geral possa ser alcançado pelo novo regime tributário.
No n.º 8 do relatório do Decreto-Lei n.º 45331 diz-se que:

Do rápido crescimento do parque de veículos de carga particulares, quer em número, quer em peso bruto, advém necessariamente um acentuado desgaste na rede de estradas do País.
Os elevados pesos por eixo, associados a grandes intensidades de circulação, são os maiores responsáveis pela ruína das infra-estruturas rodoviárias, e a um ponto tal que mesmo em países possuidores de rede de estradas totalmente reconstruídas depois da última guerra se tem considerado a hipótese de limitar o peso e dimensões dos automóveis de carga.
São geralmente reconhecidos estes dois factores - elevado peão por eixo e grandes intensidades de circulação - como os maiores responsáveis pela ruína das infra-estruturas rodoviárias.
Nalgumas nações pensa-se reduzir os efeitos do primeiro limitando o peso e dimensões dos automóveis de

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carga. No nosso país parece que sómente o segundo factor é que é objecto da política ideada pelo Ministério das Comunicações, a qual consiste em reduzir o parque de veículos de carga.
Na verdade, a nova tributação revela-se com um carácter específico, em que o imposto é proporcional à tonelagem bruta do veículo. O mesmo é dizer que a capacidade de carga dos veículos maiores é menos onerada do que a dos veículos menores, sabido como é que a relação entre a carga transportável e o peso bruto aumenta com a dimensão do veículo, incluindo os atrelados. Isto é, em relação ao primeiro factor de destruição das infra-estruturas atrás referidas - o elevado peso por eixo -, não se adopta, por via fiscal, qualquer política limitativa.
Quanto ao segundo factor - a intensidade de circulação-, a política traçada pelo Ministério das Comunicações consiste em diminuir os seus efeitos, mediante a redução do parque de veículos de carga particulares e públicos.
Quanto ao parque de veículos de carga particulares, parece-me que esta afirmação não carece de qualquer demonstração, porquanto ela transparece em toda a argumentação desenvolvida nos novos preceitos legais. Esta medida teria por finalidade melhorar o aproveitamento dos veículos de carga particulares, pois: «por sondagens que se consideram fundamentadas conclui-se que, no nosso país, o parque automóvel de carga particular, dado o excessivo número de veículos que conta, não está a ser utilizado em condições de bom aproveitamento, ao contrário do que acontece noutros países».
O que acho de mais estranho nesta afirmação é que se confronte o panorama nacional com o de outros países apenas em relação ao parque particular de veículos de carga.
As estatísticas nacionais são omissas quanto ao grau de utilização deste modo de transportes e é de admirar que assim aconteça, visto que por inquéritos ou por indagação directa dos serviços do Ministério era possível dispor de números concretos que permitissem atestar aquela afirmação feita no relatório do Decreto-Lei n.º 45 331. Aliás, dispondo o Gabinete de Estudos e Planeamento de Transportes Terrestres de uma elevada dotação anual - 3800 contos -, penso que já deveria ter efectuado um estudo aprofundado deste problema, dado que estes números deveriam ser a viga mestra do novo sistema tributário.

O Sr. Virgílio Cruz: - Muito bem!

O Orador: - Assim, não foi feita uma previsão exacta da incidência do novo imposto no volume global transportado anualmente pelos particulares, por se desconhecerem aqueles números; e também não se sabe com precisão qual será o agravamento médio por tonelada-quilómetro transportada pelos particulares.
Mas aceito que não seja muito elevado o grau de utilização da camionagem particular. Estaremos então perante um panorama muito diverso do dos outros modos de transporte terrestre?
Para respondermos a esta pergunta cotejemos alguns números relativos ao transporte de passageiros - que são os únicos em relação aos quais se dispõe destes elementos: caminhos de ferro (C. P.), 0,51; caminhos de ferro (S. E.), 0,77; metropolitano, 0,18; carreiras interurbanas (automóveis), 0,51; carreiras urbanas (autocarros), 0,35-0,53; carreiras urbanas (eléctricos), 0,60-1,13, e carreiras urbanas (trolley-carros), 0,60-0,96. Isto é: há alguns meios de transporte com um elevado grau de utilização, mas o transporte automóvel colectivo surge com graus médios, isto é, da ordem dos 30 a 50 por cento.
Poderá tirar-se daqui a ilação de que a exploração das carreiras interurbanas e urbanas automóveis é irracional e antieconómica?
Creio que de modo nenhum. O que teremos de concluir é que, por razões de ordem económica, social e até legal, há modos de transporte cujo índice de utilização não pode ser muito elevado. Essa situação não tem nada de anormal; e nos transportes, em geral, o problema do retorno, que tem autenticamente a categoria económica de subproduto,, surge-nos com umas possibilidades muito reduzidas de ser sempre resolvido da melhor maneira.
Disse que, também por razões legais, esse índice de utilização por vezes não pode ser muito elevado, tendo em mente o caso do transporte automóvel ligeiro de passageiros de aluguer. Como preceituam os Decretos-Leis II os 37 272 e 43 615, o preço contratado inclui o retorno; e por isso um veículo, ao voltar de uma povoação para aquela onde tem a sua praça, não pode receber novos passageiros. Será isto uma utilização racional? De um ponto do vista exclusivamente económico, não é; mas a vida em sociedade não se reduz à economia: e daí que sejam necessárias regras- de conduta que impeçam que nos acotovelemos uns aos outros. No automóvel ligeiro de passageiros um grau do utilização baixo é indispensável para que este serviço de transporte seja oferecido em condições convenientes.
Se, por esta ou aquela razão, é este o panorama na maior parte dos modos de transporte automóvel - como, aliás, em muitos outros ramos de actividade -, por que pôr o dedo em riste orientado exclusivamente para o transporte particular de carga, acusando-o de delapidador dos recursos nacionais?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Referi atrás que a política do Ministério das Comunicações consiste em limitar também os transportes de carga de aluguer, e não fiz a acusação no ar. E de todos sabido que há centenas de requerimentos, solicitando uma licença, que não têm sido deferidos, bem como muitos outros há, alinhados numa longa fila de espera, aguardando despacho. Não se percebe essa limitação, pois ela é a verdadeira causa da fraca expansão do parque de veículos de carga de aluguer, que passou de 4498 para 4786 unidades no período de 1951-1961, contra 23 338 e 42 858 do parque particular. Não é, pois, a baixa rentabilidade daquela indústria a causa do seu fraco desenvolvimento, mas sim o condicionalismo administrativo a que tem estado sujeita. Ora, surge a ideia contrária da leitura do relatório do Decreto-Lei n.º 45 331, e em especial da frase:

... a sua concorrência (do transporte de carga particular) ao caminho de ferro e ao transporte público por estrada é iniludível e ameaça mesmo pôr em ruína este último modo de transporte.
Afirma-se que é o desenvolvimento excessivo do parque particular que tem asfixiado o transporte de aluguer, quando é certo que as coisas não se passam dessa maneira. Pelo contrário, a elevada expansão do parque particular é explicável - pelo menos parcialmente - pela falta de meios de transporte de aluguer. Tal condicionalismo, além deste mal, tem gerado um outro, que é a especulação que se tem observado em torno da transferência das licenças de aluguer.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Assim, em 13 de Dezembro último, um veículo de aluguer pesado com um raio de acção de 30 km e com o valor material, no máximo, de 15 contos foi à praça em Mirandela; o valor de licitação com os respectivos encargos ascendeu a 80 contos. Assiste-se também à formação de quase monopólios e de situações abusivas por parte de camionistas detentores dessas licenças, pois eles são, em relação a certas zonas, a única alternativa que os utentes têm para deslocar os seus produtos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Porque é preciso não esquecer o papel vital desempenhado hoje pelo transporte automóvel na circulação de pessoas e bens, bastará atentar que existem no continente 3644 km de via férrea contra 28 328 km de estradas (nacionais e municipais). E, dentro do transporte público de carga por estrada, não se pode, na generalidade, contar com as carreiras, porquanto estas cobrem apenas 11 por cento desta quilometragem.
Creio que o sistema de licenciamento previsto pelo Decreto-Lei n.º 45331 para os veículos de carga particulares revela o tremendo inconveniente de estabelecer um colete-de-forças para a indústria nacional, que está em completa oposição com o interesse que a todos nos anima - o de desenvolvermos a nossa economia com o melhor aproveitamento possível dos nossos recursos.
O desenvolvimento do nosso parque automóvel de carga particular é devido, pois, não apenas às suas vantagens específicas (rapidez e* facilidade do serviço, economia de embalagens, etc.), mas também aos deméritos dos transportes públicos: além da já referida falta de veículos de aluguer de carga, anote-se o elevado custo dos transportes ferroviários com serviço combinado por estrada. Posso citar dois exemplos ocorridos comigo há pouco tempo.
O transporte de uma encomenda de produtos agrícolas a partir da estação da Lousa (Douro) para ser entregue ao domicílio em Lisboa, em pequena velocidade, num total de 163 kg brutos, e dos quais 71 kg eram batatas, ficou à razão de $90 por quilograma bruto. O segundo caso foi um cesto de hortaliça expedido da estação da Rede (Douro) para ser entregue ao domicílio no Porto -aproximadamente 100 km -, que pagou em grande velocidade l$05 por quilograma bruto.
Assim, naturalmente, nos últimos dez anos, o acréscimo de tráfego resultante do aumento da produção nacional, na metrópole, está a ser absorvido pela camionagem de carga particular, como se lê no relatório daquele decreto-lei.

O Sr. Gosta Guimarães: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Gosta Guimarães: - Queria dar uma achega ao depoimento de V. Ex.ª, e que é precisamente, se bem preciso os números, sobre o facto de ter sido recebida uma encomenda em Lisboa - tarifa - cujo encargo de transporte era de 7$50, e que pelo facto de não ter sido levantada no prazo estabelecido seria entregue à Empresa Geral de Transportes, que cobraria pelo seu transporte ao domicílio entre 5$ e 8$.

O Orador: - Ora estou convicto de que provavelmente o novo imposto não irá reduzir o parque particular, porquanto as suas vantagens sobre os transportes públicos se manterão. Esse parque só será reduzido por via coerciva, isto é, se forem utilizados processos inadaptados à época em que vivemos, no respectivo licenciamento. O que se verificará, em qualquer hipótese, é um agravamento no custo de transporte particular de mercadorias. Considerando-se um veículo de carga com o peso bruto de 10 500 kg e a carga útil de 6400 kg com uma utilização de 36 000 km anuais, transportando uma carga Porto-Lisboa e retorno sem carga, verifica-se que o imposto de circulação incidirá na mercadoria à razão de $07 por quilograma bruto. Este encargo seria equivalente ao agravamento do preço do combustível em 32,5 por cento.
E quanto menores forem as dimensões do veículo maior é o encargo relativo.
Sendo baixo o índice de utilização dos transportes de carga particulares, o novo imposto, que deverá ascender a umas centenas de milhares de contos, não virá a reflectir-se insignificantemente no custo das mercadorias transportadas, como se afirma naquela nota oficiosa; aliás, essa repercussão será tanto maior quanto menor for aquele grau de aproveitamento - sendo lamentável, repito, que não se disponha de números que permitam compulsá-la.
Para concluir, não quero deixar de acentuar, uma vez mais, os principais inconvenientes que adviriam, para o País desta nova legislação e do novo condicionalismo, inconvenientes só por si suficientes para revelar o seu carácter impolítico:

a) O efeito sobre a descentralização das actividades junto aos centros industriais de Lisboa e Porto, a qual foi tão criteriosamente tomada em atenção pelo Ministério das Finanças ao incluir o disposto no artigo 83.º do Código da Contribuição Industrial;
b) O desemprego em que seriam lançados, dentro de alguns anos, uns milhares de motoristas, na medida em que o parque particular de veículos de carga fosse coercivamente reduzido;
c) Os prejuízos que adviriam para a indústria de montagem e de fabrico de automóveis de carga e mistos, se essa limitação fosse imposta.

Trata-se, na verdade, de uma medida que poderá ter os mais nocivos efeitos na nossa política de desenvolvimento. Bastará termos presente que na montagem de veículos pesados e ligeiros foram investidas centenas de milhares de contos, e que esses investimentos foram realizados -não obstante a sua rentabilidade problemática- com grande participação de capitais estrangeiros, que começam a afluir ao País num momento em que o seu concurso é particularmente estimado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se esta experiência é por via legal votada ao malogro, não nos admiremos mais tarde de ver a- entrada de capitais estrangeiros fazer-se no nosso país com todo o receio e com todas as cautelas, pois como diz o adágio, «gato escaldado de água fria tem medo».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E observe-se que os movimentos internacionais de capitais têm hoje uma especial atracção por aqueles países cuja estabilidade política e governativa lhes dê garantias máximas. Ora, podendo nós orgulhar-nos de nesta matéria dar lições ao Mundo, por que havemos de praticar o acto impolítico de mudar repentinamente de critério e de limitar o mercado a uma indústria nascente e que há pouco obrigáramos a nascer?

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Sr. Presidente: teu lio consciência de que o esforço do defesa da integridade do solo pátrio requer um montante de gastos públicos anormalmente elevado e que é mister mantermos as contas públicas em ordem. O aumento de receitas é, pois, imperativo; e este novo imposto iria servir este propósito, visto que, até à concorrência de 280 000 contos, 40 por cento do seu produto reverteriam para o Tesouro, e 10 por cento daí para cima.
Simplesmente, o que entendo é que se deve procurar incrementar as receitas públicas em obediência a sãos princípios de justiça tributária - nomeadamente através de uma revisão das percentagens das contribuições e impostos actualmente em vigor.
Ora é essa justiça tributária que não encontro na nova legislação sobro os transportes rodoviários.
Na verdade, há certos sectores que serão prejudicados em relação a outros, como é o caso de todos quantos têm necessidade de utilizar veículos mistos sem ser para o transporte de mercadorias (caixeiros viajantes, assistência técnica, etc.): e, o que ainda é mais grave, serão atingidos alguns ramos de indústria que são estratégicos para o desenvolvimento da economia nacional pelas divisas que proporcionam. Recordo o sector conserveiro, que, por razões particulares relacionadas com o carácter irregular das tarefas piscatórias, carece de um parque privativo que atinge perto de 200 unidades; relembro o sector corticeiro, em que a incidência dos custos de transporte é particularmente elevada.

O Sr. Amaral Neto: - Creio que se pode dizer que uma indústria relativamente moderna e de grande importância, como a que nesse sector da cortiça se estabeleceu no concelho da Feira, depende muitíssimo das possibilidades de transporte por estrada.

O Sr. Cutileiro Ferreira: - Devo dizer: depende exclusivamente.

O Sr. Júlio Neves: - Há uma indústria, a de serração de madeiras, que será especialmente afectada, porque as condições de recolha de matéria-prima exigem um parque automóvel particular.

O Orador: - Agradeço as observações dos Srs. Deputados intervenientes.
Cito uma unidade metalúrgica de base do Norte do País orientada essencialmente para a exportação -tendo preços de venda impostos pela concorrência internacional que tem de efectuar o transporte até Leixões em veículos automóveis de carga próprios e que passará a ter anualmente um encargo adicional de cerca de 800 contos. E muitos outros exemplos poderiam ser aqui citados.
É certo que se poderá pensar em abrir excepções para todos estes casos relevantes. Mas, se vamos estabelecer uma regra recheada de excepções, então será preferível converter as excepções em regra.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Jorge Correia: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o assunto que hoje trago ao conhecimento desta Câmara teria a sua excelência no aviso prévio da autoria do nosso ilustre colega Sr. Eng.º Amaral Neto sobre «A crise agrícola nacional»; porém, as circunstâncias gravíssimas que impendem sobre a lavoura algarvia impõem a sua pertinência e obrigam-me a intervir no mais alto areópago do País para pedir muito respeitosamente ao Governo providências urgentes no sentido de se acudir a muitas centenas de produtores de azeite, que depositavam neste produto, no ano que decorre, a única esperança para a solução das suas mais instantes obrigações e até, por que não dizê-lo, a razão da sua própria existência física!
Todos os dias se acercam dos empresários lagareiros e dos gerentes das cooperativas lavradores pedindo algum dinheiro à conta do azeite da sua lavra sem que estes organismos possam satisfazê-los, mercê da falta de utilização do azeite, que continua estagnado no vasilhame dos seus armazéns! E porquê?
Pela Portaria n.º 19 707, de 15 de Fevereiro de 1963, são considerados impróprios para consumo, devendo ser obrigatoriamente desnaturados, os azeites que nas análises estabelecidas para a pesquisa do óleo de bagaço de azeitona, quer pelo processo de Bellier-Carocci-Buzi, quer pelo processo de Vizern-Espejo, revelem resultados positivos. Os processos técnicos para a execução destas análises são estabelecidos pela Portaria n.º 19 992, de 5 de Agosto de 1963.
Acontece, porém, que em certas regiões do País, por motivos ainda não bem determinados, o azeite, embora puro e isento de qualquer mistura com óleo de bagaço de azeitona, revela resultados positivos com as referidas análises, sendo, assim, nos termos da Portaria n.º 19 707, considerado impróprio para consumo, não podendo ser utilizado na alimentação nem na indústria de produtos alimentares, devendo, por isso, ser desnaturado com a adição de óleo de gergelim.
Este facto originou, como é natural, um estado de alarme e de inquietação entre os produtores das regiões atingidas: litoral do Algarve, Baixo Alentejo e Ribatejo, que desde logo manifestaram os seus receios junto de quem de direito.
E este estado de alarme e de inquietação foi de tal modo intenso e justificado que levou a Junta Nacional do Azeite a publicar nos jornais de 23 de Outubro de 1963 uma nota tranquilizadora, esclarecendo que as características técnicas de alguns tipos de azeites de certas regiões do País não causariam dificuldades para a comercialização ou perturbação quanto à sua regular colocação c anunciando para breve a publicação de métodos de análise que completariam os critérios até então adoptados. Na mesma data e por outra via era comunicado aos grémios da lavoura que sómente seriam sujeitos às análises determinadas na Portaria n.º 19 707 os azeites destinados às conservas ou à exportação, análises que, aliás, seriam muito brevemente modificadas como consequência do estudo aturado da entidade competente.
Todo o azeite destinado ao consumo público ficava sujeito apenas, como de costume, à determinação do grau de acidez. Mais se pedia aos grémios da lavoura que, com o fim de evitar o clima de incerteza existente e o possível desenvolvimento do espírito de especulação, por no preço da azeitona, quer no preço do azeite, se divulgasse o mais possível a notícia de que nada havia legalmente que influísse na depreciação do valor da azeitona ou do azeite.
Infelizmente a pobre e atribulada lavoura tinha razão em se mostrar inquieta e apreensiva quanto ao seu azeite. Hoje, passados cerca, de dois meses sobre os esclarecimentos tranquilizadores o apesar das garantias de que legalmente nada havia que contrariasse a venda normal do azeite, a verdade é que o azeite não se vende e os lagares estão cheios, já sem vasilhame para o seu armazena-

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mento nem dinheiro para poder acudir aos pedidos insistentes dos seus clientes.
Os refinadores recusam-se a levantar o azeite, alegando que não podem sujeitar-se ao risco de o mesmo ser apreendido por falta de características legais e por suspeição de mistura com óleo de bagaço.
A célebre portaria acabou por ser substituída pela n.º 20 167, de 14 de Novembro de 19C8, que, mantendo as mesmas análises, nada acrescentou à possibilidade de destrinça entre o dolo feito com óleo de bagaço e o puríssimo azeite das nossas azeitonas.
Parece-me, porém, que se não deve manter a economia algarvia sujeita a determinações que no fundo lhe não dizem respeito.
E certo que teoricamente o azeite do Algarve pode ser utilizado no consumo público desde que obedeça à graduação legal, mas, como os nossos azeites são por via de regra muito graduados, só podem ser utilizados depois de refinados, e assim vinha acontecendo desde sempre, sem prejuízo para a indústria das conservas.
Ora, actualmente os refinadores não o querem adquirir, contrariamente ao que vinha sucedendo, pela razão, até certo ponto justificada, «se não houver outro motivo inconfessável», de ser sensível às reacções apontadas para indicar a presença do óleo de bagaço apesar de estar absolutamente isento dele, e a Junta Nacional do Azeite sabe muito bem disto.
E aqui que reside fundamentalmente o óbice da questão.
Esta é a verdade e é com a verdade dos factos que todos nós nos encontramos no dia a dia de uma existência cada vez mais árdua e complicada. É para esta verdade que chamo muito respeitosamente a atenção do Sr. Ministro da Economia, não me parecendo justo que o Algarve seja vítima como se fosse suspeito de crimes que não cometeu, comprometendo-se com as medidas em vigor a economia já de si bastante precária desta vasta região.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio acerca da política ultramarina do Governo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano de Carvalho.

O Sr. Herculano de Carvalho: - Sr. Presidente: não pode causar estranheza que no debate que hoje se abre nesta Gamava um dos primeiros Deputados a falar seja o representante da província de Timor.
Está em causa uma questã de espírito de luta, de resistência a todo o custo, de «ser ou não ser», enfim uma questão de guerra, e nisto Timor tem uma mensagem a dirigir ao País e ao seu Governo. Mensagem escrita há vinte anos pelos nobres Liurais que se apresentaram ao governador propondo-se fazer, por sua conta guerra ao invasor japonês. Escrita por um J). Jeremias do Amaral, um D. António de Carvalho, um engenheiro Canto, um tenente Liberato, um administrador Santa e por tantos outros, timorenses, metropolitanos, macaenses ou africanos, que preferiram a morte ou o sofrimento moral e físico dos campos de concentração a vergar a cabeça às imposições do invasor. Escrita por um governador sem medo e sem mácula. Escrita por todo um povo que, durante mais de três anos, suportou a mais odiosa das opressões, sempre orgulhoso de um portuguesismo que a nada se dobrou, e que a nada se dobrará. Escrita pelos 20 000 voluntários que em 1961. ao saberem dos acontecimentos de Angola, «e ofereceram para combater pela Pátria onde fosse preciso.
Esta mensagem, incomparável na sua força e no seu significado, tinha de ser uma das primeiras a fazer-se ouvir nesta Câmara. Por isso aqui estou. E pode o País crer que as minhas palavras não exprimem apenas o muito que sinto, porque elas não são mais do que o eco dos sentimentos de todo um povo.
Sr. Presidente: Timor é a mais isolada das nossas províncias. A distância a que se encontra da Mãe-Pátria e o seu valor económico, que, embora potencialmente muito promissor, ainda se encontra em fase embrionária, fizeram com que praticamente até alturas da segunda guerra mundial, àquela terra aportassem apenas uns poucos missionários, uns pouquíssimos militares, um ou outro funcionário público, alguns deportados.
No relatório do governador Ferreira de Carvalho encontra-se em apêndice uma lista nominal, digo bem, nominal, de todos os metropolitanos que estavam na província por altura da invasão japonesa.
Convencido talvez, pelo isolamento da província e pela escassez da presença metropolitana em Timor, de se encontrar perante uma população sem consciência nacional, o invasor desenvolveu uma campanha extremamente activa, para revoltar o povo contra as autoridades civis e contra a legítima soberania portuguesa, não hesitando, para isso em lançar mão de todos os métodos, desde o aliciamento até aos assassínios em massa e, finalmente, à prisão das autoridades e seu encerramento em campos de concentração. Mas por muito estranho que pareça, por muito que isso possa estar em contradição com a lógica dos profetas dos «ventos da história», tudo quanto conseguiu a acção subversiva dos ocupantes foi desarticular a máquina administrativa local.
Aqui e acolá reacenderam-se velhas questões de clã. houve ajustes de contas, mas, no meio da desordem administrativa em que se caíra. Timor permaneceu constantemente, indiscutivelmente, o mesmo Timor portuguesíssimo, e, logo que cessou o pesadelo da ocupação, as autoridades enviadas a recuperar os seus cargos foram recebidas festivamente pelo povo, que por toda a parte lhes fez um acolhimento verdadeiramente triunfal, e isto enquanto do outro lado da fronteira e nas restantes ilhas do arquipélago se desmoronava o que até aí fora um gigantesco domínio da Holanda.
Assim firmou o povo timorense, em 1945, com o selo do sangue, os seus pergaminhos de lusitanidade.
Em princípios de 3961, uma vez mais se viu Portugal perante uma invasão. A vítima era Angola; o solo, português. Por isso Timor sentiu a afronta como se esta lhe fosse dirigida e marcou posição com uma atitude digna das tradições de um povo que fala pouco mas que age compensa e sabe o que quer: num movimento do solidariedade geral, os régulos apresentaram-se às autoridades militares da província, oferecendo-se com as suas companhias de moradores, num total de mais de 20 000 homens, para se baterem por Portugal onde quer que fosse preciso. E ainda hoje os timorenses - em cujo número me incluo - não percebem muito bem por que razão não se realizou um seu desejo tão simples e tão profundamente significativo: o envio de ao menos uma companhia de voluntários para combater em Angola, ao lado das tropas de 1.ª linha.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - É esta a mensagem lacónica, mas tremenda, que Timor tem a dirigir à Nação e ao Mundo quando se lhe pergunta o que pensa sobre a atitude tomada pelo Governo perante a onda de perseguições de que Portugal vem sendo alvo só pelo «crime» de ser nação na África e na Ásia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Perante uma tal pergunta, a resposta de Timor reside, afinal, na lição da sua história destes últimos vinte anos. O povo timorense espera e confia que o Governo da Nação continue a ser digno dele.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: se me estivesse dirigindo apenas ao País, não acrescentaria uma palavra a tudo quanto já deixei dito. De resto, as impressionantes manifestações populares realizadas por Portugal inteiro, a mensagem dirigida pelas forças armadas, na pessoa do chefe do Estado-Maior do Exército, ao Presidente do Conselho, a triunfal recepção dispensada pelas populações de S. Tomé e Angola ao Chefe do Estado, tornariam supérfluas ou simplesmente pretensiosas as palavras que aqui se pronunciassem.
Mas o mundo que nos ataca, e que fechou os olhos e os ouvidos às manifestações do Terreiro do Paço e às aclamações de S. Tomé e Angola, tem de acabar por ver e ouvir. Não esperamos certamente convencer os homens e os países que tomaram posição contra nós no seguimento lógico da política do mais odioso colonialismo até hoje concebido, porque o imperialismo comunista só conhece um diálogo - o da força. Mas muitos dos Estados que alinharam no número dos actuais inimigos da presença portuguesa na África e na Ásia mudarão de atitude, espero, a partir do momento em que se convencerem de que a posição assumida pelo Governo na intransigente defesa dos nossos soberanos direitos corresponde fielmente à vontade desta grande nação euro-afro-asiática.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A questão, porém, é que a grande maioria dos nossos adversários está sinceramente convencida do contrário, por razões que me parecem ser de duas naturezas. A primeira ordem de razões filia-se na própria mentalidade de boa parte dos povos estrangeiros, que não podem facilmente compreender por si sós o estranho fenómeno que para eles vem a ser esta nossa sociedade, que não tem cor de pele e que, tanto na Europa como a 400 milhas da Austrália, constitui parte de uma mesma pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A segunda advém da campanha movida por grande número de órgãos estrangeiros de informação da opinião pública, que pretendem - e em grande parte conseguem - fazer ver que a posição portuguesa não seria mais que o fruto da vontade de meia dúzia de homens dementados que governassem uma nação de abúlicos.
A crermos nas informações emanadas daqueles órgãos, Portugal, arrastado, pela vontade despótica de um temível ditador, para uma guerra de desgaste por uma causa antipática ao seu povo, privado de compensações materiais que já lhe foram oferecidas a troco da «libertação» das suas possessões ultramarinas, Portugal seria, com efeito, um Estado terrivelmente infeliz.
É claro que este mal não se pode combater na origem, porque o que lança na luta esses órgãos de informação não é o peso de convicções nem a defesa de ideias defensáveis; todos sabemos que estão pura e simplesmente enfeudados a facções políticas nos grupos financeiros cujos interesses na África e na Ásia estão à vista. O que temos é que desenvolver, pela nossa parte, uma contra-ofensiva de informação.
A atitude de incompreensão da maioria dos Europeus e Americanos em relação à nossa causa resulta, quase exclusivamente, de má informação, e rapidamente se transforma em franca simpatia quando se lhes revela a verdadeira alma de Portugal. Sei que isto assim é pelos contactos que tenho tido com numerosos estrangeiros, sobretudo, pelo que mais directamente interessa à província de Timor, com australianos.
E o mais significativo é que são os próprios estrangeiros esclarecidos que nos vêm lembrar a necessidade de montarmos uma máquina de informação eficiente para esclarecimento da opinião pública dos respectivos países. Haja em vista o que, perante o Ministro das Corporações e altos funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros, disse o ministro do Trabalho do estado australiano de Vitória, em Maio do anu passado. É que os nossos amigos sentem a necessidade de ver na imprensa dos seus países, e com frequência, notícias nossas que os animem na campanha que eles próprios vão desenvolvendo a favor da nossa causa, no círculo das suas relações e, por vezes mesmo, publicamente, como é o caso daquele ilustre ministro australiano.
Ora isto leva-me a exprimir uma dúvida, de resto a única que se pode levantar em relação à política de defesa seguida pelo Governo: estará realmente o País a empenhar, nesta situação de guerra que estamos vivendo, todo o peso dos seus recursos?
Já vimos que em matéria de informação internacional não parece ser esse o caso. É mesmo altura de duvidarmos se os nossos meios de informação teriam explorado convenientemente a atmosfera favorável criada pela brilhante actuação do Ministro dos Negócios Estrangeiros, a quem presto sinceras homenagens, nas suas intervenções junto da O. N. U.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E quanto ao esforço de guerra? Xá mensagem que, em nome das forças armadas, o ilustre chefe do Estado-Maior do Exército dirigiu, em Agosto do ano passado, a S. Ex.ª o Presidente do Conselho, dizia-se:

As forças armadas necessitam, para isso, que o País, que sempre reage tanto e em uníssono com elas, forneça, em homens e material, os meios indispensáveis para a luta até à vitória completa, os navios, os aviões, os equipamentos, as armas de toda a ordem que hão-de assegurar que a bandeira portuguesa tremule nos ares.
Ora, reflectindo sobre estas palavras, vêm-me ao espírito algumas perguntas para as quais não encontro resposta satisfatória.
Terá a nossa Armada um número de unidades que lhe permita proteger as extensas linhas de comunicações que ligam entre si as diferentes parcelas do território nacional e que, no caso de o conflito se agravar, lhe permita garantir a defesa do litoral das províncias ameaçadas?
Teremos uma força aérea à altura de corresponder às necessidades da defesa do espaço português?
Disporão as forças terrestres de armamento e equipamento modernos e eficientes?
Como se compreende a redução drástica, operada pelo Ministério das Finanças, nas dotações destinadas à defesa nacional para o ano de 1963?

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Não seria tempo de darmos um pouco menos de atenção às obras de fomento da metrópole para investirmos algo mais na compra de navios, aviões, equipamentos e armas de toda a ordem para a defesa do solo pátrio?
São estas as únicas dúvidas que poderemos admitir. De resto, está a Nação incondicionalmente ao lado do Governo, porque o Governo está ao lado da Nação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Seja-me permitida agora uma referência a um passo do texto do aviso prévio que foi presente em 3 de Dezembro a esta Assembleia, passo esse que me parece de importância fundamental.
Nele, os ilustres Deputados que o subscrevem definem sem ambiguidades o problema que está em causa - o da defesa da integridade da Pátria. Com efeito, vem-se chamando política ultramarina a uma coisa que o não é.
Conforme afirmou S. Ex.ª o Presidente do Conselho na sua memorável comunicação de 12 de- Agosto, em Portugal não se admite que haja senão uma política. Política ultramarina será, sim, uma faceta da nossa política interna única; e quanto a essa ainda haverá muito que aperfeiçoar até se alcançar a integração prometida pelo artigo 134.º da Constituição.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas defendermos Angola, Timor ou o Algarve não é senão defendermos Portugal. À intransigente defesa do nosso território, seja ela onde for, só se pode dar um nome - defesa nacional -, porque o que está em causa é, em todo o seu sentido, a integridade da Pátria.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: comecei estas minhas palavras por dizer como Timor, pela sua atitude passada e presente, está ao lado do Governo na firme determinação de resistir a todos os ventos que contra Portugal vêm soprando. E eu, como Deputado eleito por Timor, que desejo ser digno do povo que me elegeu, quero marcar a minha posição de concordância pessoal com mais que uma simples afirmação verbal, e por isso peço a esta Câmara me autorize, sem que isso envolva perda do mandato que me foi confiado, pôr-me à disposição dos meus chefes militares como mobilizável para o ultramar em igualdade de condições com os meus outros camaradas de armas. É este o único voto de concordância que considero bastante.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Moreira Longo: - Sr. Presidente: depois do maravilhoso quadro de grandeza nacional que o povo português soube mostrar ao Mundo naquele dia inesquecível de 27 de Agosto passado, parece não haver palavras capazes de traduzir tão impressionante acto de portuguesismo cheio de amor pátrio, uma atitude de firmeza para com o Mundo que nos ataca e mima lealdade nunca desmentida ao Chefe que nos tem sabido guiar ao longo de tão difícil caminhada.
Porém, as eloquentes palavras do ilustre Deputado Dr. Veiga de Macedo, pronunciadas com tão grande sentimento patriótico ao anunciar o aviso prévio sobre política ultramarina, fizeram vibrar de novo em todos nós, e em quantos para além deste hemiciclo delas tomaram conhecimento, a corda sensível do nosso amor pela Pátria, tendo o maior eco e apoio em todo o mundo português. Ao anunciar-se este tão oportuno aviso prévio, fui dos primeiros a inscrever-me para usar da palavra e fiz questão de não prescindir desse direito, não apenas pelo ímpeto de fervor patriótico que me vai na alma, mas também porque desejaria que o nome de Moçambique ficasse aqui bem gravado, num grito uníssono de defesa da integridade do território pátrio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: poucas serão as minhas palavras, porque outros oradores já consagrados saberão enriquecer mais e melhor esta sessão devotada a tão altos assuntos que respeitam à defesa do património nacional.
Não abdico, porém, da sinceridade que as dita, nem da consciência com que as meço.
A histórica declaração do Sr. Presidente do Conselho feita em 12 de Agosto passado sobre o caminho que a Nação escolhera para preservar a integridade da superfície territorial e das almas que a povoam e enriquecem não poderia ser em termos diferentes nem poderia ter outro tom que não fosse o de uma firmeza intransigente alicerçada numa forte base de direito e de moral que nos assiste.
Não poderia, na verdade, ser noutros moldes nem ter significado diferente essa declaração histórica feita com tanta clarividência pelo Chefe do Governo, porque não o desejariam os corações que palpitam nas almas que se honram de ser portuguesas e se orgulham de ter à sua frente um chefe como Salazar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Eu ouvi em Moçambique, através da Emissora Nacional, o entusiasmo, o delírio dessa manifestação que o largo do Terreiro do Paço acolheu e fora testemunha.
Ali, num patriotismo e dedicação sem precedentes nu nossa história contemporânea, estavam representadas todas as parcelas dos nossos territórios, que com a sua presença quiseram manifestar à Nação, na alta personalidade do Grande Chefe, o seu inteiro apoio à política traçada e a sua grande fé nos destinos da Pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Impressionante quadro esse, a transbordar de amor pátrio, em que o povo português, numa coesão que em tais momentos não encontra limites, soube oferecer ao Mundo uma afirmação de reivindicações dos nossos direitos sobre as nossas províncias ultramarinas, aqueles territórios que vimos desbravando e civilizando em 500 anos, para os converter num mundo digno, onde as raças se misturam sem receio de contactos de pigmentação, numa comunhão de sentimentos que não encontra paralelo.
Assisti também, e vale a pena descrever, a uma manifestação de apoio ao Governo, levada a efeito no distrito de Cabo Delgado, que tenho a honra de representar no Conselho Legislativo de Moçambique.
A amálgama de cores e raças de que se compunha aquela massa de milhares de pessoas não deixava dúvidas quanto à sinceridade dos propósitos patrióticos que ali os uniram.
E que, tratando-se da vida da Nação e quando ela corro perigo, não existem dissidências de credos entre a gente lusíada, nem escolha de outros caminhos que não sejam

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os que o Chefe, numa superior visão e invulgar inteligência, traçou para a salvação da nossa pátria.
K interessante saber-se que os elementos que inicialmente se agruparam para fazer esta manifestação são africanos, naturais daquele distrito.
E é também curioso, por isso aqui faço menção, que a esse grupo organizador se tenham juntado os mais importantes régulos, um padre europeu representante das missões católicas e um padre nativo representante da religião muçulmana, de que são acólitos muitos habitantes daquele distrito.
Nessa patriótica manifestação foram, feitas as maiores afirmações de patriotismo e da mais alta admiração por Salazar, através dos eloquentes discursos dos vários oradores, todos naturais daquela região.
Mas o que mais impressionou, pelo tom de firmeza e pelo seu fervor patriótico, foram algumas palavras dirigidas à multidão pelo régulo grande, Megama Abdul Carnal, em língua macua, para melhor ser entendido.
Na simplicidade da sua pessoa, mas na grandeza da sua alma nobre, e pesando a responsabilidade das suas palavras, disse:

Somos portugueses de nascença e com isso muito nos honramos.
.Vivemos sempre à sombra, da bandeira portuguesa e dela jamais nos separaremos, ainda que por ela tenhamos de dar o nosso próprio sangue.
Estas palavras, que ficaram suspensas naquele silêncio impressionante e que tiveram eco para além da linha limítrofe de Moçambique, significam bem o patriotismo da gente africana portuguesa, são bem a afirmação de fé a Portugal, definem claramente o pensamento daquele meio milhão de almas que nasceram portuguesas e portuguesas querem morrer, sem intromissões estranhas que viriam sómente trazer-lhes intranquilidade e perturbar a paz e sossego em que sempre viveram.
Os povos africanos portugueses não querem essa liberdade mascarada em autodeterminações de autênticos pés de barro, que tem levado só a miséria, a fome c o, crime, como o quadro negro do Congo evidencia e não pode esconder aos olhos de todo o Mundo.
Não querem eles nem quer a população branca que para ali foi numa missão civilizadora que teve início vai para cinco séculos e jamais terá fim.
A população nativa, mesmo a menos evoluída, sabe bem definir situações, reconhecendo o amparo e a protecção que Portugal lhe dá, em flagrante contraste com a desgraça que reina por esse Mundo fora.
Quer continuar a usufruir da liberdade que goza e que jamais lhe foi negada. Quer continuar a ter o tratamento que lhe tem sido concedido para uma ascensão social e cultural que lho permita uma vida de direitos comuns sem preconceitos raciais que sempre condenámos e que repugnam à nossa índole de povo civilizador.
Quer continuar feliz, vivendo ao lado do seu irmão branco, partilhando das mesmas tristezas e das mesmas alegrias, numa paz preservada pela mesma bandeira a que todos se orgulham de pertencer.
Jamais poderá haver teimosia que vença a vontade dos povos quando eles se encontrem, como no caso português, coesos pelo coração numa unidade inquebrantável para a defesa do solo que nos é sagrado.
É preciso esclarecei1 o Mundo de que os fantoches que têm sido aceites na O. N. U. como peticionários não representam de forma alguma a vontade dos povos africanos, mas apenas a sua própria vontade, que desejariam ver generalizada, para servirem sómente os seus próprios fins.
Organização das Nações Unidas, traindo o fim para que foi idealizada, transformou-se num tribunal arbitrário onde se condenam os mais fracos, sem o menor respeito pelo seu passado e pela verdade digna do presente.
O jogo das duas principais nações na panorâmica africana, é sobejamente conhecido para que percamos tempo com a sua descrição.
Todavia, convém avivar um ponto, para que esteja sempre premente na nossa memória.
Essas nações, que pelo peso da sua força traçam os destinos do Mundo - e delas poremos em destaque a América e a Rússia, cujos interesses no jogo pró-África são bem claros -, são inteiramente responsáveis pela intranquilidade que vem pairando sobre uma grande parto do continente africano.
As que têm votado a favor das moções afro-asiáticas não o fazer em plena consciência, mas por mera questão de solidariedade política para com os grandes, umas, outras votando com a maioria, por completo desconhecimento da verdade e da razão portuguesa, que ali tem sido criminosamente deturpada, como convém aos seus fins.
Há, na verdade, um crime de que nos deviam acusar: o de não termos sabido mostrar ao Mundo os propósitos humanitários que informam a nossa política em África e o progresso moral, espiritual e cultural que ali se regista e a paz que ali se respira.
A história é o grande receptáculo do bem e do mal das nações para com a humanidade.
Ela registará, com o decorrer dos tempos, a responsabilidade que lhes cabe nesta transição relâmpago de autodeterminações em série, em cujos povos impera ainda o espírito de um tribalismo que só uma longa maturidade poderá dissipar.
Sr. Presidente: a nossa política ultramarina não pode na realidade ter rumo diferente, embora o Mundo a não queira compreender por repugnar à sua própria índole a existência de sociedades multirraciais como a que criámos no Brasil e como a que estamos formando nas nossas províncias de além-mar.
Mas não basta que a apoiemos unicamente em palavras inflamadas ou em discursos cheios de patriotismo.
É mister trocar as palavras por uma acção efectiva e constante no campo prático das realizações. E se cada um de nós quiser, muito poderá fazer para a valorização daquelas terras ricas, que se devem considerar a espinha dorsal da Nação.
Tanto pequenos como grandes, devemos multiplicar os nossos esforços para um maior contributo do progresso do ultramar, e para tanto bastará que sigamos o exemplo nobre dos pioneiros que ali enterram todo o produto do seu trabalho, ali construindo o seu património, ali tendo os seus filhos e os seus próprios netos.
Sigamos também o exemplo digno dos valorosos militares que para ali marcham com a maior fé na defesa e na salvação do solo que nos é sagrado.
A uns e outros, julgo ser dever nosso prestar-lhes as mais calorosas homenagens e dizer-lhes, do alto desta tribuna, que são dignos da pátria a que pertencem.
Sr. Presidente: ao terminar estas tão breves quão ligeiras palavras, que pretendem traduzir todo o meu apoio à política- ultramarina traçaria pelo Governo, desejaria formular um voto, para que ela seja cada vez mais fortalecida em dois aspectos que sintetizarei nestas simples, mas significativas palavras: justiça e firmeza.
Justiça que terá de ser cada vez maior e deverá chegar, sem desfalecimentos ou quebra, a todos os cantos onde houver um português.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Firmeza, sem tibiezas, nas nossas atitudes e nos nossos actos e na defesa intransigente da integridade dos nossos territórios e das populações, para que todos, brancos e pretos, firmemente unidos numa só família, possamos gritar ao Mundo que queremos a nossa paz e que a esperamos merecer, de Deus e dos homens.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. José Manuel Pires: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: surge na hora justa a proposta para que esta Câmara se pronuncie sobre a política ultramarina do Governo. Depois das manifestações inolvidáveis que por todos os territórios de Portugal no Mundo se realizaram (e de que esta formosa Lisboa das naus, cabeça do Império e porta de glória para as rotas oceânicas da Terra inteira, deu a expressão superlativa), não faria sentido que nós, que representamos aqui a unidade ecuménica da Nação, passássemos em silêncio um acontecimento de tal transcendência, não lhe consagrando aquela adesão ardente e reflectida que os bons portugueses, que nos escolheram, certamente esperam de nós.
E na voz de um Deputado ultramarino, esse acto de justiça assume, porém, uma ressonância absolutamente singular. De lá, dessas terras enfeitiçadas de sol, vive-se a grandeza e a dor da Pátria, numa dimensão de pureza estreme, que dificilmente se pode medir daqui, para quem não sinta Portugal em dimensões vividas de além-mar. Quanto mais longe da Mãe-Pátria, mais dentro nos encontramos do coração português.
E um representante de Moçambique tem ainda, creio eu, redobrado motivo para íntimo regozijo, ante manifestações como esta. É que os seus principais centros populacionais, especialmente aquela donairosa Lourenço Marques, ofereceram, naquele memorável dia 27 de Setembro, uma nota inconfundível e bem expressiva da decisão inabalável das suas populações de continuarem a engrandecer aqueles vastos territórios da costa oriental africana, que são bem nossos por imperativo da história e por direito inalienável de ocupação efectiva.
Aqui e além ouviram-se vozes anteriormente discordantes de certos pormenores de superfície a apoiar, vivamente, a posição governamental. Mas, pelo que sei, em parte alguma como lá a oposição abriu os braços, fraternalmente, numa atitude de civismo exemplar, e quis fazer ouvir também a sua voz, tão límpida e comovida como a dos fiéis nacionalistas de sempre, ao sol c ao vento, na praça pública, diante de todos, proclamando que Salazar podia contar com a sua lealdade na defesa decidida da integridade nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ainda agora, não se podem reler sem um estremecimento de orgulho esses discursos e escritos de velhos colonos moçambicanos, alguns até adversários intransigentes do regime, que então depuseram as armas pela primeira vez e, com a inteligência e o coração, cerraram fileiras connosco, seguros de que a Pátria vale bem mais do que todas as divergências efémeras.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Deixemos, pois. sorrir os raros que nada mais possam ter visto nessa grandiosa manifestação do 27 de Setembro que o aturdimento, sugestão momentânea de massas gregárias, «bebedeira» ao modo fascista ou hitleriano. Sempre os inconscientes e megalómanos estiveram convencidos da total sem-razão de quem deles discorda.
O que nós vimos e sabemos é que os patriotas da velha guarda, as inteligências mais lúcidas e exigentes, os que a golpes de audácia e de energia continuam a engrandecer Portugal, transformando a selva em jardim, abrindo caminhos de beleza na floresta virgem; os que trazem o corpo lavado de cicatrizes que os combates lhes deixaram como única riqueza; o «machambeiro» anónimo, o pequeno colono, habituado a enfrentar, corajosamente, som um queixume, todas as contingências agudas de uma vida de sacrifício permanentes, todos quantos lá longe nasceram ou chegados meninos e moços, se fizeram homens casaram construíram o seu lar na terra desabrida, que as suas mãos calejadas domesticaram, feita agora vila ou cidade, aberta ao sol como uma flor primaveril, todos elos vibram intensamente nessa hora tão alta de perfeita consciencialização colectiva, num ardor patriótico, que, por vir ditado pelo coração, não descia menos da inteligência.
Sei que ainda por lá vagueiam, tresnoitados, sonhos de sombras, alguns negadores testarudos, sem argúcia para raciocinar com independência, nem sensibilidade afinada pela grandeza da hora inolvidável que então viveu a comunidade lusíada. Poucos, tão magros numericamente como no desprezo a que são votados, nem chegam já aos 30 dinheiros de Judas. Pensam, ainda, em iludir alguém, quando não passam já, afinal, de simples réus de traição à Pátria.
E agora, que a verdadeira oposição acaba de se solidarizar com a política, ultramarina do Governo, por que se permite, ainda, que estes tristes bufarinheiros de feira ambulante possam continuar o seu habitual trabalho de sapa minando lenta, mas seguramente, toda a obra ingente de soberania nacional que por lá se vai realizando? Eis, meus senhores, o que o portuguesismo moçambicano não compreende.
Dia a dia, a verdade insofismável, clara e aberta da nossa posição ultramarina vai-se impondo, até aos mais rebeldes. Quem tiver o cuidado de confrontar a posição dos nossos inimigos internacionais, sobretudo os que tão encarniçadamente ou esfalfam contra nós, naquele hilariante sinédrio internacional da O. N. U., ainda há um ano atrás, com a de agora, depois do diálogo com o nosso ilustre Ministro dos Negócios Estrangeiros - a quem presto, neste momento e do alto desta tribunal parlamentar, a mais viva e sentida homenagem (expressão genuína do apreço desmedido que as gentes de Moçambique manifestam pela sua brilhantíssima e corajosa actividade diplomática, em prol do nosso ultramar) -; quem guardou as condenações extremistas de ontem e as coloca diante da progressiva moderação de hoje. sabe bem que uma viragem muito forte se está a produzir, nas esferas internacionais, em favor da razão que nos assiste.
Faz bem, meus senhores, à alma sedenta de verdades certas, nesta trágica viragem da história -, em que os chamados «grandes» do Mundo, importes de arrogância dogmática e de ímpeto ditatorial, se julgam fadados para construtores de uma nova era lembrar-lhes que o Portugal civilizador de povos, que tem sido ultimamente tão enxovalhado por quem lhe deve- reverência incondicional, teve inconfundível lugar ao sol na cultura e na heroicidade das épocas grandes da Europa. Desta Europa criadora de mundos, alma-mater da ciência, da cultura, da nignificação humana e de tudo quanto de grande surgiu à, face da Terra. Por isso ela não pode ser considerada como simples velharia de museu, em que pretendem transformá-la o materialismo capitalista

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o agiota da pitaria tio dólar e o comunismo da Rússia Soviética, de mãos dadas com o surto cafreal dessa estranha brotoeja, de Estados africanos, cujos chefes trazem ainda, indelevelmente, gravada na alma, a marca sinistra da lei da selva.
A Europa um museu para distracção turística de argentários ianques? Nunca, Srs. Deputados.
O espírito europeu há-de continuar a ser o «sal do Mundo», na expressão feliz do pensador francês Jean de Guéhnno. Não aceitamos nem o americanismo nem o sovietismo, porque «ambos são filhos ingratos e monstruosos do espírito europeu».
«A liberdade americana, a liberdade do americanismo - diz um pensador contemporâneo -, não é liberdade, porque exclui a justiça, como a justiça russa, a justiça social soviética -, não é justiça, porque exclui a liberdade.»
Sim, Srs. Deputados. O genuíno espírito europeu definiu-o bem o escritor italiano Francisco Flora:
É a tragédia esquiliana, que purifica a alma, libertando-a, dos seus inales; o conceito de Sócrates, a ideia, platónica da reminiscência, a geometria de Euclides: a letra grega e latina dos Evangelhos, que anunciam a redenção dos homens; as doze tábuas e o direito romano; finalmente, a Igreja, que renova os espíritos e, simultaneamente, resgata a civilização; vota ao Deus único os templos e os ídolos; harmoniza a filosofia grega e romana com as palavras de Paulo e João; e, por toda a parte, tende a estabelecer a proporção entre a Terra e o Céu, entre as paixões da carne e a pureza da alma.

Sim, Sr. Presidente e Srs. Deputados. A velha Europa, que os hunos enfurecidos deste nosso século turbulento do avião de propulsão por jacto pretendem aniquilar, é ainda a, antífona do canto gregoriano, é a voz daquele que pregava às aves e aos lobos, que chamava ao Sol irmão e à própria morte irmã, o canto de todas as madrugadas e de todos os esplendores da Comédia de Dante, a loucura de Hamlet, o colóquio entre D. Quixote e Sancho Pança, o «cogito» cartesiano, a «síoría ideal eterna» de João Baptista Viço. E nesta Europa imortal, que há-de sobreviver, esplendorosa, ao sismo político-social que agita este pobre Mundo dementado, ocupará, sem dúvida, lugar de inconfundível relevo este «gigante do Ocidente» - Portugal -, donairosamente plantado, «onde a terra se acaba e o mar começa».
Deixemos, pois, que o batuque cafreal dos 32 Estados do meeting du Adis A beba lance às feras da selva o velho Portugal, que lhes ensinou o caminho da dignificação humana. Não nos intimidam as ameaças e arrogâncias intempestivas desses Estados-farsas sem maioridade política, cultural ou social. Sabemos bem que as nações não se improvisam. São antes o produto sazonado da longa sedimentação dos séculos.
Assim aconteceu com as nações europeias, estruturadas ao longo de dez séculos da tão caluniada Idade Média.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: no plano interno, a viagem de S. Ex.ª o Venerando Chefe do Estado a Angola e S. Tomé deve ter demonstrado, até aos mais rebeldes, que está certa a tese portuguesa de que Angola e todos os demais territórios ultramarinos querem permanecer portugueses, que a guerra sangrenta vem ateada de fora e que não podemos ceder à pressão traiçoeira de forças secretas à espera do campo livre deixado por nós para lá se imiscuírem, dominando, massacrando, escravizando populações indefesas que nós tornámos felizes e livres.
Moçambique vai receber o Sr. Almirante Américo Tomás no próximo ano conforme foi já anunciado. Não obstante a atmosfera de paz em que por lá temos vivido, tenho a certeza de que a minha província saberá receber S. Ex.ª com aquela galhardia, vibração e fidalguia que é seu timbre.
Do Rovuma à Ponta do Ouro, todos os moçambicanos se sentirão, nessa hora alta, mais unidos à Mãe-Pátria, unidade que é garantia da nossa grandeza e sobrevivência futura. Sem largos gestos nem palavras estudadas, tudo se reduz a esta evidência elementar: o ultramar é, por essência, a terra dos que lá vivem de longa data.
E quem é que se deixa espoliar, com indiferença, do que lhe pertence? Por isso, as reacções mais prontas e entusiastas vêm quase sempre do povo, que tem, como ninguém, o claro sentido dos destinos eternos dê uma nação. R esta santa teimosia dos puros e dos fortes que tem conservado Angola, que mantém Moçambique intacto e em paz. Por esta verdade nacional se tem batido o Governo, com uma paciência que não sabe de esmorecimentos, com uma clarividência que nenhum sofisma enreda, com uma constância que não cede ápice no caminho andado, com uma coragem que muitos julgaram loucura, mas já começam a considerar sabedoria, com uma audácia que só respira os ares lavados dos altos cumes do mais depurado heroísmo.
Ao aguentar-se deste modo, a pé firme, na trincheira batida pelos aguaceiros que as Nações Unidas nos mandam, nada mais tem feito, afinal, do que interpretar, fielmente, o sentir geral da Nação, madura de oito séculos, e que, por isso, não precisa que Estados adolescentes venham rasgar novos caminhos à sua largada providencial pelas sendas da história futura. Era o seu dever. É, também, a sua glória.
Por isso o aplaudimos todos sem reserva, oferecendo nomes, fazendas e vidas para que, além de nós, a Pátria se engrandeça, intacta, «continuando na morte de seus filhos», como cantou um dos maiores poetas angolanos - Tomás Vieira da Cruz.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Carlos Alves: - Sr. Presidente: se é certo que as ideias são factos em potência, como se diz e se aceita, não é menos certo que o povo aprecia os factos melhor que as ideias, em especial os que, pela grandeza da sua representação, lhe entram directamente no coração. Ou porque se desenvolvem mais ao nível da sua inteligência, ou porque dispõem de maiores dons de penetração, eles impressionam-no mais fundamente e fazem melhor carreira na sua alma simples. Alma aberta aos sentimentos puros, que caracterizam a fé e a caridade, ela vibra fervorosamente nos momentos solenes de elevação patriótica, retém nos seu recessos a memória desses momentos, preciosos e raros, como marcos indestrutíveis de amor e constância, a assinalar as grandes etapas da sua vida.
Habitante que sou do Norte de Angola, os olhos cheios do panorama negro, artificialmente criado, devo dizer que faço parte desse povo anónimo que ama e sofre e que, no turbilhão de teorias postas em marcha, para a sua suposta salvação, se aflige com o conflito marcado pela confusão de ideias.
Posto assim o rumo do meu pensamento, cingir-me-ei aos factos que vulneraram o sentimento das populações daquelas terras, palco experimental do maquiavelismo hodierno que introduziu no seu viver o demónio da desavença, juntamente com as armas da destruição. Trilho assim um caminho mais seguro, e que V. Ex.ª me releve a pobreza de expressão neste acto, solene e magno, de pôr em

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relevo a nobre acção do Governo na defesa do território nacional, ferido gravemente nas suas parcelas de além-mar.
Srs. Deputados: cumpre-me lembrar, antes do mais, a primeira, manifestação levada a efeito por uma população agradecida. Em 1961, sete meses depois da eclosão do terrorismo, fui portador de uma mensagem endereçada a S. Ex.ª o Presidente do Conselho, Prof. Doutor António de Oliveira Salazar, em que a Câmara Municipal de Carmona, interpretando o sentimento da população da cidade e do distrito, exprimia, mais que apoio, o preito das suas homenagens, o tributo da sua fidelidade e o alto grau da sua gratidão pelo facto de ele personificar a vontade do Governo de defender a todo o custo o território em perigo e de proteger as vidas ameaçadas de extermínio.
Sabemos todos que é dever do Governo promover a defesa do País quando a paz interna é abalada por perturbações de qualquer natureza. Sabemos igualmente que é legítima a sua posição quando utiliza a força pública para restabelecer a ordem e garantir a segurança, onde quer que se mostrem periclitantes. Modernamente, porém, os maus ventos têm soprado tão fortes que, ao que parece, constitui uma afronta o elementar gesto de legítima defesa.
No entender desses opinantes, generosos na distribuição da fatia alheia, teríamos de deixar correr os caudais dos nossos anseios para o mar da sua gula para trilharmos o caminho certo do apaziguamento e da apregoada convivência dos povos. Em certos sectores da opinião em evidência acoima-se de temerária a luta pela integridade nacional, em contraste com a atitude dos que abdicaram desses mesmos direitos, aparentemente iguais, nivelados adrede por teorias inconsistentes e por conveniências de ocasião.
A vida dos povos, porém, no vasto campo da sua história, oferece matéria vasta de meditação sobre os Golias prepotentes vencidos por modestos Davides, numa afirmação saudável da força prevalecente da moral que, subjugada temporariamente pela tirania e pelo abuso do poder, acaba por triunfar da força bruta. Bem grandes eram as forças adversas quando os terroristas iniciaram as suas chacinas, numa proporção, talvez, de 50 para 1, e nem por isso os sobreviventes da hecatombe se deram por vencidos.
Mau grado a escassez de meios, não temeram o inimigo, nem pelo vultoso do número, nem pela vantagem que lhe concedia a acção de surpresa. Combateram firmemente contra o crime e contra o barbarismo, sem curarem de saber de que lado estava a superioridade de armas, escudados apenas na possança da sua razão. E a dúvida subsequente que se apossou dos assaltantes, sem ideal nem moral, levou-os a abandonarem a presa e a refugiarem-se nas matas, onde se albergam ainda, alimentados e assistidos do exterior.
Na verdade, o desaire causou surpresa e produziu o efeito de uma travagem brusca no panorama geral da luta pelo domínio de África. E perguntava-se: como ousaram os escassos milhares de civis opor-se à horda de dezenas de milhares de «soldados da U. P. A.», exercitados, doutrinados e armados para a sua rápida supressão? Chocados com o insucesso, os mandatários da «libertação» trataram de rever os planos, de seleccionar os grupos de acção e de os orientar para a táctica de forças militarizadas.
Internamente o efeito foi de sinal contrário. Conduziu os espíritos à formação de um juízo de valor, e a resistência, que, no dizer de alguns doutrinadores de então, destoava da fatalidade que pairava sobre a África, teve o mérito de levantar os ânimos abatidos ante o pessimismo que alastrava e ganhava terreno. Os maus ventos sopravam rijo e uma- parte da opinião vergava, indecisa, subjugada por factos de outra ordem, em que sobressaía a fuga da Europa e o abandono da África à sua triste sorte. Como podia Portugal, com a pequenez dos seus recursos, triunfar onde os mais fortes tinham cedido?
Sou, então, a voz de Salazar, e pôs ponto final no coro de dúvidas que circulava e ameaçava avolumar. «Eu poderei morrer - disse, um mês depois de ter rebentado o terrorismo -, mas Angola não morrerá».
E as populações que até àquele momento se batiam valentemente, mas em branco, alheias ao vácuo que se criava à sua volta, ficaram sabendo, enfim, que o sangue dos mártires não tinha sido vertido em vão. Contra as forças adversas, e muitas eram elas, o Governo velava, pela integridade do património nacional e pela defesa de vidas e bens.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E assim nasceu a semente de gratidão, que mais tarde havia de frutificar em manifestações de maior grandeza, com real escândalo dos representantes dos novos Estados africanos que na O. N. U. transaccionavam o território angolano, omitiam por sistema os factos sangrentos consumados pelo terrorismo, desvirtuavam-nos, invertiam a ordem dos factores e acusavam Portugal de massacrar os assassinos, enfeitados com o nome de «nacionalistas angolanos». A verdade, porém, comprovada por relatos fidedignos e por fotografias indiscutíveis, encarregou-se de pôr fim à falsidade das acusações.
Por outro lado, a força militar, na sua missão de restabelecer a ordem, firmou bem o dispositivo de defesa, eliminando os motivos que pudessem prestar-se a equívocos. Provocou grande brecha no campo terrorista, não pela perseguição e morte, como se afirmava no exterior, mas pela reconquista do homem, como unidade de valor, e da sua confiança pela acção psicossocial. O regresso em massa das populações à vida pacífica, representando a diluição do plano arquitectado para o domínio de Angola, gerou o pânico entre dirigentes e comandos, que se digladiavam entre si na luta pelo poder, e a dúvida no seio das potências que os apoiavam.
No receio de que outros auferissem os lucros de tão importante operação, o reconhecimento ostensivo dos dirigentes da U. P. A. pelos representantes dos novos Estados africanos como o único governo válido, no exílio, para os negócios de Angola não é mais do que a confirmação do estado de nervosismo em que se encontravam. Tornava-se preciso proclamar o timbre da sua empresa, e ninguém melhor do que o chefe desse governo reunia os dons considerados infalíveis. O Holden Eoberto, o do ódio entranhado e da intolerância religiosa, o das chacinas cruéis e das devastações a esmo, o da invasão, enfim, a todo o custo, para que os financiadores se não desinteressem da empresa. Deste modo, puderam manter a campanha no ponto alto das reivindicações, e as vozes dos representantes dos novos Estados africanos tornaram-se mais ásperas na O. N. U.
Para nós a situação tornava-se clara, e ninguém mais, a partir de então, alimentou dúvidas quanto às intenções dos pseudo libertadores. Independência a todo o custo é o estribilho inamovível martelado aos ouvidos a todo o momento nas assembleias internacionais, com a persistência de uma ideia fixa, só possível em defensores de interesses

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directos ou em usufrutuários sôfregos, ansiosos de ter na mão o objecto da sua cobiça.

O Sr. Burity da Silva: - Muito bem!

O Orador: - A suspeita natural por esse zelo excessivo foi o tópico que abriu a porta à curiosidade internacional pela vida que se processa em Angola e congregou os Portugueses de todas as latitudes em torno do Governo da Nação. É um facto incontroverso o depoimento de miríades de estrangeiros que visitaram Angola e Moçambique e não encontraram lá o estado de mal-estar das acusações mantidas na O. N. U., do qual resulta a apregoada ameaça à paz do Mundo. Verificaram, pelo contrário, que se trabalha lá com mais ardor pela melhoria das condições gerais de vida e da promoção social.
Por isso se assistiu à manifestação retumbante de 27 de Agosto do ano findo, a maior e mais representativa de todas quantas houve até àquela data, de apoio às declarações de Salazar em relação à política ultramarina e à defesa do todo nacional. Quinze dias depois de as ter pronunciado, reuniram-se no Terreiro do Paço as representações de todo o mundo português, comissões maciças de todas as actividades e dos seus ramos específicos, num conjunto nunca dantes alcançado, na totalidade das deputações presentes e dimensão do ideal que os impulsionava.
E esses portugueses, de variados matizes e credos, oriundos de todas as partes em que a Terra se divide, unidos pelo ideal da Pátria comum, não vieram fazer outra coisa senão dizer «sim» a Salazar. E isto no mesmo momento em que, por contraste, no outro lado do Atlântico se assistia a uma manifestação-monstro, de sentido contrário, em que uma parte da população requeria da outra os direitos civis que lhe eram postergados.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sem dúvida, a unidade do todo só pode ser pela prática da justiça social e pela defesa rio património comum. Se o povo está de política do Governo, é lícito concluir que a suportai1 todos os sacrifícios para chegar ligado. Mas mal refeito ainda de tão eloquente outra prova se segue de transcendente ressonância.
A viagem presidencial a Angola e S. Tomé, com o seu carácter do soberania e significado político, deu ao Mundo a nota viva da unidade portuguesa, a medida justa do seu amor pelo centro de gravidade, donde ele irradia. Desde o dia de Setembro de 1963, em que desembarcou em Luanda, até ao dia 7 de Outubro, data do seu regresso à metrópole. S. Exa., por onde quer que passou, recebeu as homenagens respeitosas das populações entusiasmadas, as provas inequívocas do seu portuguesismo, do seu amor à Pátria-Mãe e da sua determinação de continuar a luta pela conquista da paz interna.
Mesmo no Norte de Angola, onde os poderes ocultos se obstinam em manter acesa a chama do terrorismo, e que S. Ex.ª num gesto inesquecível, do homenagem aos que tombaram, em holocausto à Pátria comum, quis visitar em primeiro lugar, mesmo ali, as populações vestiram galas e vitoriaram o Chefe do Estado numa prova eloquente do seu civismo, da sua veneração pela imagem da Pátria una e do profundo respeito pela pessoa que encarna essa imagem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E essas populações que saudaram, reverentes, o Presidente da República, como o provam as reportagens jornalísticas e os documentos fotográficos, não foram seleccionadas ou constrangidas, vigiadas ou contrariadas nos seus gestos, nem conduzidas por grupos separados, étcnicos ou políticos. Apresentaram-se à uma, mescladas, como é uso na vida quotidiana, nas ruas, nos paços do concelho, nas estradas e nas fazendas visitadas, num à-vontade que, sendo natural para nós, causou espanto aos estrangeiros que presenciaram.

Vozes: - Muita bem!

O Orador: - Como convencer, porém, os leaders da destruição desta vida de paz e de trabalho produtivo? Onde eles buscam a semente da discórdia e do conflito encontram a planta frutificada da harmonia racial e do equilíbrio social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não será esta a meta que pretendem para os seus novos Estados? É difícil abrir os olhos a quem os fecha de propósito para não ver!
Gomo presidente da Câmara Municipal de Carmona, tive a subida honra de receber S. Ex.ª nos Paços do Concelho e prestar as homenagens da cidade. A condição particular de ter nascido e vivido sempre no Congo Português acumulava em mito o sentido agudo da solenidade daquele momento e o da responsabilidade pelas palavras que iria pronunciar. Os factos, porém, apresentam-se tão eloquentes, ainda hoje, na transparência da sua expressão que não hesito em transcrever aqui alguns afirmações que fiz então:

E os que subestimaram a força interna da nossa unidade, ignorantes da sua magnificência e da profundeza das suas raízes, viram ruir o frágil argumento em que se apoiavam, o estribilho de um nacionalismo absurdo, soprado pelas tubas da propaganda, sem povo nem consistência, estranhos os chefes, estranhos os executores, comparsas todos de um trama em que eles são os primeiros enganados. E os que nos bastidores da nova empresa africana animaram os mandatários do crime e do esbulho encontraram-se repentinamente diante de uma gente espavorida, sem pátria nem autoridade, reunida apenas no interesse de vender esta terra (de Angola), a terra-mater dos nossos antepassados, terra dos nossos avós, dos nossos filhos, e que terá de ser dos nossos netos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Em verdade, não vejo como possa ser real ou sincera a defesa feita por estranhos de interesses que só a nós dizem respeito. Não será para nós uma afronta o atestado de incapacidade que ela envolve, agravada com o facto insólito de ignorarem, sistematicamente, a existência, da nossa personalidade? Não será ridículo que o chefe reconhecido como o do governo de Angola no exílio seja um estrangeiro? Qual o verdadeiro interesse dos representantes dos novos Estados africanos quando sustentam a exigência da independência imediata de Angola?
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Franco Nogueira, na última sessão do Conselho de Segurança da O. N. U., convidou o Secretário-Geral, Sr. U Thant, a visitar Angola e Moçambique, para ver com os seus

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olhos c ajuizar com a sua razão o modo de vida que por lá se processa. Os meus votos são por que vá e que, no regresso, convença os representantes dos Estados africanos a irem ver também.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ficaríamos sabendo ao menos da sua sinceridade, ou do grau de cinismo que se esconde por detrás do altruísmo aparente, ao continuarem com as suas reivindicações, e do verdadeiro motivo da sua teimosia no propósito de nos quererem libertar.
Cumpre-me prestar aqui as homenagens devidas a S. Ex.ª o Ministro Doutor Franco Nogueira, que na O. N.º U. se revelou como um diplomata de estilo moderno, à altura dos acontecimentos e dos homens (pie os discutem. Pronto no discernimento, atento na definição do essencial, versátil na compreensão dos dialogantes com uma paciência igual à persistência dos opositores, não perdeu ocasião nenhuma, nas inúmeras sessões a que tem presidido ou assistido, de explicar a posição portuguesa no Mundo, a situação das províncias ultramarinas e o viver das suas populações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Após as conversações directas de Outubro com os representantes dos novos Estados africanos, bruscamente interrompidas, pôs em evidência, na última sessão do Conselho de Segurança, uma verdade incontroversa, de fácil verificação nos próprios Estados que, estão surgindo modernamente com velocidade espantosa. Disse ele:

De uma forma geral a independência política de um dado território africano não corresponde à salvaguarda dos direitos humanos e das liberdades nesses territórios, e uma independência política que não se baseie nas liberdades individuais e nos direitos do homem tende, a basear-se no apoio externo que por vias tortuosas se apodera do Poder, para eliminá-los de todos os vestígios de. liberdade que possuíam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sabe-se por experiência que é assim. Mas os libertadores de povos, que não aceitaram a audição dos patriotas de Goa, Damão e Diu, dominados pelos santíssimos esbirros da grande índia, dispõem já de um governo para o domínio de Angola e isso lhes hasta para a satisfação da sua torva política de libertação.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O conceito de autodeterminação estabelecido pelo presidente Woodrow Wilson, citado naquele areópago, significa com clareza que devem ter grande peso os interesses das populações em causa. Os libertadores possessos, porém, autonomearam-se advogados na causa, acumulando com a qualidade, de representantes a posição de beneficiários, o que explica a ânsia incontida da decisão urgente que exigem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A conclusão válida dos factos apontados e das suas repercussões, nas consciêcias e nas almas do nosso mundo, é a de que no momento presente não há
homem ou mulher que não sinta intimamente a solução portuguesa pela unidade nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se ela é verdadeira, e não sofre contradita, então honremos o Governo que carrilou a Nação pela calha certa da salvação, honremos Salazar, como promotor dessa política, e demo* graças à Providência por lhe ter proporcionado, como colaboradores, a plêiade de Ministros e Subsecretários de Estado que vêm cumprindo o seu dever, com tanto zelo patriótico.
Conscientemente, eu dou o meu sim.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continua amanhã sobre a mesma ordem do dia. Está encerrada, a sessão.

Eram 15 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís Vaz Nunes.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Heis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Rogério Vargas Moniz.
Sebastião Garcia Ramires.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.

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Alberto Pacheco Jorge.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
José dos Santos Bessa.
Manuel João Correia.
Purxotoma Bamanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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