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REPÚBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 113
ANO DE 1964 10 DE JANEIRO
VIII LEGISLATURA
SESSÃO N.º 113 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 9 DE JANEIRO
Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Presidente comunicou que estava na Mesa o relatório das contas da Junta do Crédito Público referentes a 1962.
O Sr. Deputado Engrácia Carrilho ocupou-se do problema da habitação rural.
O Sr. Deputado Reis Faria expôs vários problemas da exportação, indústria e comércio de madeiras de pinho.
Ordem do dia. - Prosseguiu o debate acerca do aviso prévio sobre a política ultramarina do Governo.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Sousa Meneses, Armando Cândido, Pinto de Mesquita, Pinheiro da Silva, Lopes Roseira e Burity da Silva.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Gosta Guimarães.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Calheiros Lopes.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
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Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Buli.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Virgílio David Pereira e Cruz.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Antes da ordem do dia
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Telegrama
Vários a apoiar II intervenção do- Sr. Deputado Alfredo Brito sobre transportes terrestres.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa elementos fornecidos pelo Governo em satisfação do requerimento do Sr. Deputado Nunes Barata apresentado na sessão de 24 de Abril do ano findo. Vão sei1 entregues àquele Sr. Deputado está na Mesa o relatório das contas à II Junta do Crédito Público referentes ao ano de 1962.
Vai ser um III a amabilidade de vir pessoalmente entregar este relatório ao Presidente da Assembleia os Srs. Presidente da Junta do Crédito Público e, Director-Geral, pelo que lhes fico muito reconhecido.
Vai ser publicado no Diário das Sessões e baixar à Comissão de Contas Públicas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Engrácia Carrilho.
O Sr. Engrácia Carrilho: - Sr. Presidente: «Toda a gente tem direito ao lar e ao pão. Morrerei contente se tornar feliz o povo de Portugal».
Estas foram as palavras que luminosamente o venerando Chefe do Estado pronunciou no Barreiro, durante as comemorações do 28.º aniversário do Estatuto do Trabalho Nacional.
Lar e pão - é o mínimo que a pessoa humana precisa para a sua felicidade na Terra. É indispensável dar a todos um lar e onde não falta o pão, nem alimento para a alma onde entre a luz do Sol e o sol da justiça.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A dignidade da casa ajuda poderosamente a edificar e a elevar a dignidade humana.
Uma casa insuficiente e indigna, além de não permitir a unidade familiar, traz consigo o aviltamento de quem a habita, a falta de gosto pela limpeza o do assunto, a perda do alto sentido da vida, ...
O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!
O Orador: - ... o azedume, o protesto embora mudo, quando não a revolta, porta escancarada para a infiltração da mística comunista, que ensombra e devasta o Mundo.
Se a justiça social e a caridade nos impõem a obrigação de defender a instituição da família, exige pois, de nós, que trabalhemos para que todos tenham um lar. Um lar para todos deve ser constante preocupação, pregão clamoroso, estímulo, lema de todos os homens de boa vontade.
A família - célula viva da própria vida nacional - constituída na sua integral idade, conforme a natureza, e conforme o espírito, exige uma base real, um lar, um fogo que seja também calor de reunião de intimidade, de permanência, de estabilidade, de continuidade.
Mas, para que todo o português tenha um lar digno, atraente e com muitos berços, é indispensável que se proceda a uma conjugação de esforços, não só do Estado, entidades públicas e particulares, como também de todos os que, por favor da Providência, têm na sua vida uma situação de maior felicidade e por isso mesmo de maior responsabilidade também.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - O Estado ao problema da habitação tem consagrado criteriosa atenção. Na realidade, seja através do Ministério das Obras Públicas, seja por intermédio do Ministério das Corporações, a obra realizada na construção de casas de renda acessível é deveras notável. Neste campo a intervenção valiosíssima da previdência social tem um merecido lugar de relevo. É bastante consolador verificar que milhares de moradias se têm levantado através de todo o Portugal, sendo beneficiados sobremodo os grandes centros urbanos, com vista a um ataque cerrado aos «bairros d o lata» do Lisboa e às «ilhas» do Porto.
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Mas apesar de todos estes esforços e por virtude de um intenso urbanismo, o problema continua a ser bastante grave, especialmente para as famílias numerosas.
Seja como for, a obra habitacional levada a efeito no País, especialmente nos meios urbanos, é merecedora dos maiores louvores.
O mesmo já não se poderá dizer do que se tem feito em matéria de política habitacional nos meios rurais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O problema dos meios rurais não é tanto o da falta de habitação. Actualmente até há muitas casas vazias, como resultante da fuga constante e volumosa da boa gente provinciana para os grandes meios, mormente para Lisboa e ultimamente para França.
O problema habitacional dos meios rurais é principalmente de benfeitorias e arranjo dos actuais alojamentos, por forma que, dentro do possível, o rural disponha de condições habitacionais que o prendam à terra que o viu nascer e a que ele se liga entranhadamente, com toda a afectividade do seu coração.
O Sr. Martins da Cruz: - Muito bem!
O Orador: - De um modo geral, o panorama da habitação rural pode considerar-se muito pobre.
Com efeito, salvo raras excepções, o aspecto exterior das habitações, perdeu a característica de arquitectura espontânea que antes definia a casa rural portuguesa.
O interior da casa, lúgubre e confrangedor, é também informe e insalubre, pelo que o homem ali vive o mínimo de tempo possível, e nele dorme com os familiares a maior parte das vezes em autêntica promiscuidade. A iluminação natural realiza-se por meio de toscos buracos desalinhados, com pequeníssimas dimensões, por forma que os rigores do Inverno não se façam sentir com tanta intensidade.
Grande parte das habitações possuem uma sala comum, pequena, que serve para todas as funções da vida familiar, com um ou dois quartos sem qualquer ventilação ou conforto.
As instalações sanitárias são praticamente inexistentes.
Assim, o inquérito às condições de. habitação da família revela-nos que em todos os distritos tipicamente agrícolas, e até em alguns já com certo grau de industrialização, mais de 94 por cento das famílias ocupando um fogo não tinham casa de banho; mais de 75 por cento não possuíam retrete; mais de 70 por cento não tinham esgoto nem fossas; mais de 80 por cento não tinham água canalizada.
Sr. Presidente: é este o panorama geral da actual habitação do trabalhador rural.
Todavia, é de toda a justiça que façamos referência aos esforços feitos pela boa habitação rural.
A autoconstrução, agora com estatutos oficialmente aprovados - inspirada pela alma de um grande apóstolo e que teve por berço a risonha vila de Aguiar da Beira -, estende-se já por todo o território nacional.
A casa construída pelo esforço próprio fará com que o rural lhe tenha mais amor, uma vez que ela foi levantada através do suor do seu rosto e do trabalho das suas mãos. Para além destes factos verificar-se-á uma entre ajuda por parte de um grupo de trabalhadores no sentido de reduzir-se ainda mais o custo da mão-de-obra e de obter-se a colaboração de todos numa obra que é destinada a todos.
O entusiasmo das populações rurais por construírem com os seus próprios meios de trabalho as suas habitações poderá oferecer fortes possibilidades para a solução do grave panorama do alojamento rural. Este entusiasmo terá de ser secundado pelo Estado e pelas autarquias . locais, contribuindo na medida do possível com a oferta de materiais de construção inerentes às obras.
O Património dos Pobres, do apostólico P.e Américo, e as Conferências de S. Vicente de Paulo têm dado um valioso contributo para resolver muitos graves casos de problemas habitacionais. O Estado tem aqui a sua função supletiva, que, como já tive ocasião de referir, devia ser reforçada, passando de 5000$ por casa para 10 000$. à semelhança das Misericórdias e câmaras municipais.
O Ministério das Corporações publicou, em 1958, a Lei n.º 2092, que prevê empréstimos para a construção a quem tiver terreno para o efeito, a 4 por cento, pagáveis em 25 anos.
Concedidos através das Casas do Povo e suas federações, têm estes empréstimos a finalidade de fomentar a habitação económica.
Esta medida legal abriu largos horizontes ao fomento da habitação rural e sublimes resultados poderão advir da sua aplicação.
Um grande obstáculo que se opõe a uma mais dilatada aplicação desta lei é sem dúvida o facto de se exigir uma certidão da conservatória do registo predial comprovativa de que o requerente é proprietário do terreno indicado para a construção ou da casa que pretende beneficiar, com indicação do ónus existente.
O Sr. Elísio Pimenta: - Creio que o defeito é do regulamento da lei, que foi feito por pessoas que não mostraram conhecimentos de registo predial.
Conheço vários casos de quem, tendo o dinheiro do empréstimo na mão, não pode proceder à. construção, por falta de registo dos terrenos.
O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª por essa sua intervenção.
Ë do geral conhecimento que poucos são os proprietários rurais que têm as suas propriedades registadas na conservatória do registo predial, e as dificuldades que existem para o seu registo quando se pretende fazê-lo. Há, pois, toda a conveniência em simplificar esta obrigação imposta ao pretendente ao benefício, para que a Lei n.º 2092 permita obter mais ampla aplicação nos meios rurais.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Finalmente, desejo referir que, ao abrigo da Lei dos Melhoramentos Agrícolas e através do Decreto-Lei n.º 44 534, poderão investir-se elevados quantitativos orçamentais destinados exclusivamente à construção ou beneficiação da habitação rural, seja através de comparticipações, seja através de empréstimos ou de ajuda técnica.
Parece-me ser através da aplicação destas leis que presentemente melhores e mais rápidos resultados se poderão obter para acelerar o fomento da habitação rural.
Com efeito, o panorama da habitação rural está. normalmente, directamente ligado a tradições vinculadas e a técnicas tradicionais que a vida actual, pelo menos em certos aspectos, não deverá modificar.
Atente-se, ainda, em que a cada tipo de agricultura desenvolvida em cada região corresponde uma diversa forma de habitat, aliada a uma própria construção, seja motivada pela ecologia, pelo clima ou pela variedade de ordenamento produtivo.
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O ressaneamento das aldeias deverá ser acompanhado do fomento económico local, reactivando-se todas as fontes de rendimentos, modernizando-se a agricultura, industrializando-se, etc.
Para tanto, é conveniente que ao nível das respectivas freguesias se realizem programas de desenvolvimento, que amanha se irão integrar nos planos mais vastos do fomento das respectivas regiões.
A par destes programas, as populações rurais precisam de ser orientadas, habituando-as a saber utilizar todas as regalias que se lhes oferecem e a poderem viver uma existência higiénica, moral, social e cívica, tão sã e tão compatível com as medidas de progresso que lhes são garantidas.
De tudo se infere que um programa de fomento da habitação rural requer a conjugação de esforços de vários sectores especializados da administração pública, e também de um órgão coordenador de todos esses esforços.
Depois da publicação do Decreto-Lei n.º 43 355, que faculta, comparticipações individuais até ao máximo de 50 por cento, destinadas a facilitar o problema da habitação dos pequenos agricultores e assalariados rurais, a Secretaria de Estado da Agricultura, através da Junta de Colonização Interna, tem vindo a elaborar e a executar numerosos estudos, bem como milhares de inquéritos destinados à realização de um programa de bem-estar rural a promoverem alguns aldeamentos do País, visando sobretudo a reorganização das suas infra-estruturas.
Para tal, a Junta de Colonização Interna tem vindo a trabalhar no mais perfeito e solidário entendimento com a Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização, com a Junta Central das Casas do Povo, com o Gabinete de Inquéritos Habitacionais, do Ministério das Corporações e Previdência Social, com o Instituto de Assistência à Família, com as autarquias locais interessadas e com as pessoas de boa vontade das aldeias beneficiadas.
Como materialização deste esforço, aparecem melhoradas as aldeias de Vale do Couço, Vimeiro e, mais recentemente, Vila Verdinho.
Estas aldeias não se teriam transformado nos aglomerados que hoje são sem a conjugação de esforços oferecidos pelos organismos do Estado atrás citados e dos próprios beneficiários e autarquias locais.
Assim, os Poderes Públicos realizam uma política de ajuda financeira e técnica, permitindo aos agricultores colaborarem intensamente no melhoramento das suas habitações, com a própria contribuição em mão-de-obra ou em dinheiro.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Pela realização de benfeitorias pode-se prolongar a duração útil das habitações existentes com um dispêndio de fundos públicos ou privados menos considerável do que o que seria necessário para nova construção.
Sr. Presidente: é chegada a altura de os Poderes Públicos darem uma atenção especial ao alojamento dos pequenos agricultores tomando medidas desta natureza.
Cumpre-se, por um lado, um acto de justiça social e, por outro, reduz-se o êxodo rural, e mais particularmente o abandono da terra pelos cultivadores directos e assalariados agrícolas.
Obras como as efectuadas em Vila Verdinho não podem parar. Por tal razão, a Junta de Colonização Interna tem continuado a actuar neste campo de acção, servindo como elemento polarizador dos vários sectores ligados à habitação rural.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Neste momento estão a passar por uma larga beneficiação as habitações de duas aldeias pertencentes uma. ao distrito de Viseu e outra ao distrito da Guarda.
Depois de realizados estes trabalhos, os serviços oficiais passam a dispor de uma experiência e de uma soma de conhecimentos que lhes permitem, sem dúvida, actuar com rapidez e eficiência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente: vou terminar. Faço-o com o voto de que ao Governo, tendo entre mãos o estudo do plano de investimentos com início em 1965, mereça especial atenção a política de habitação rural, traçando nesta matéria as linhas de orientação necessárias à sua boa execução e fazendo nele inscrever as verbas necessárias para que a habitação rural passe por um acentuado incremento nos próximos três anos, dando mais alegria, conforto e bem-estar ao nosso agricultor.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Rui Faria: - Sr. Presidente: há cerca de um ano, quase dia por dia, fizemos nesta Assembleia uma intervenção, menos que intervenção, um apelo ao Governo, sobre os vários problemas que afectavam e afectam a exportação, indústria e comércio de madeira de pinho.
Mais tarde, o nosso ilustre colega Amaral Neto, com a clareza, objectividade e brilho que todos lhe admiramos, trouxe a esta Assembleia um episódio lamentável do nosso comércio exportador de madeiras e, tecendo as mais pertinentes considerações sobre o nosso comércio exportador em geral, apelava também para o Governo no sentido de ser dada uma justa solução aos nossos problemas de exportação.
De tudo o então dito, alguma coisa se lucrou e alguma vantagem daí veio para o País.
Tratou o Governo imediatamente de se informar do que se passou no Egipto; e mais importante que a ameaça de sanções, não só disciplinares, mas até criminais, foi a tentativa de solução que se procurou dar às exportações de madeiras serradas para os mercados do Egipto e território de Gaza, que devem evitar no futuro a repetição dos lamentáveis factos aqui denunciados.
Não devemos regatear louvores a S. Ex.ª o Secretário de Estado do Comércio, que tão enérgica e rapidamente actuou e, sobretudo, conseguiu encontrar uma fórmula que, dentro dos nossos conceitos habituais de livre concorrência e política de mercados, não teve reacção sensível da parte dos interessados.
Contudo, o problema do Egipto, tão felizmente resolvido, é apenas um pequeno problema de todo o nosso comércio exportador de madeiras, e mais pequeno ainda se o considerarmos relativamente a todo o nosso comércio exportador.
Mais recentemente, há cerca de um mês, no n.º 197 do boletim semanal de informação do Fundo de Fomento de Exportação vem relatado um caso infelizmente bem típico da mentalidade de alguns dos nossos exportadores.
Pela vulgaridade com que ocorrem casos semelhantes na exportação de madeiras, nem nos preocupámos a inquirir com que género de exportação se tinha passado o episódio relatado, visto que na exportação de madeiras tais processos são correntes e do conhecimento do estrangeiro, que os explora em prejuízo do nosso país.
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Pela seriedade da carta da firma estrangeira, nele transcrita, pensámos logo que não se trataria de exportação de madeira de pinho, pois nesse campo os importadores estrangeiros já conhecem os nossos métodos de comerciar, há muito os exploram, embora por vezes lhes chamem ridículos, como já lemos pelo menos uma vez.
Não é fácil criar nos nossos exportadores, assim de repente, nem consciência económica, nem sequer, o que seria mais natural, uma ética comercial. As cartas citadas e transcritas no boletim do Fundo de Fomento de Exportação mostram bem quais são os métodos usados por alguns dos nossos exportadores e a que o mesmo boletim chama «caso típico» e «infelizmente bastante vulgar».
Mas estes casos não podem nem devem continuar a ser nem «típicos» nem «vulgares», é preciso pôr-lhes cobro definitivamente, pois está ligado a eles o bom nome do País, que todos temos obrigação de defender e acautelar.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Uma livre concorrência tão desregrada não pode ser factor de progresso.
Que estímulo pode haver para a exportação se o exportador sério e devidamente habilitado organiza a prospecção de determinado mercado, prepara, às vezes ao fim de longos contactos para ser aceite nesse mercado, as suas exportações, gasta com tudo isto somas avultadas e às vezes anos de preparação e uma vez a exportação organizada e o mercado conquistado a outros países estranhos um indivíduo ou uma firma qualquer, sem mais trabalho que uma simples viagem ou uma simples troca de cartas, aparece nesse mercado e propõe-se fornecer mais barato que uns preços que lhe são mais que conhecidos.
O Sr. António Santos da Cunha: - Oportunistas!
O Orador: - Exactamente. Será esta livres concorrência desejável e fautora de progresso? Parece-nos bem que não.
Apelamos mais uma vez para o Governo e para S. Ex.ª o Sr. Secretário de Estado do Comércio, que tão brilhantemente resolveu o caso do Egipto, e só é para desejar que se generalizem a outros mercados e a outras exportações normas iguais ou parecidas, ou as que se imponham conforme os casos, mas que se obrigue o nosso comércio exportador a uma disciplina sã e progressiva e se abandone definitivamente essa livre concorrência, antieconómica e desleal, que prejudica terceiros, e sobretudo causa gravíssimos prejuízos à Nação.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orado: - Na nossa intervenção de há um ano focávamos mais dois aspectos relativos à madeira de pinho, que eram o problema agrícola e o problema industrial.
Nestes dois aspectos, que nos conste, nada se fez e nada se progrediu de então para cá.
O problema agrícola é sobretudo da competência dos serviços florestais, e este organismo, que tão relevantes serviços tem prestado ao País, tem na solução deste problema mais um papel importantíssimo a desempenhar, mais um grande serviço a prestar à Nação.
O Sr. Amaral Neto: - V. Exa, dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Amaral Neto: - Todos nós sabemos que o Sr. Ministro da Economia anunciou um plano que prevê a reconversão florestal de áreas que hoje estão sujeitas a culturas cerealíferas. S. Ex.ª encontrou razões para anunciar este plano, mas parece disposto a mobilizar fortes acções do Estado para essa reconversão. Por outro lado, existem certas classes de madeira, das que se vendem no nosso país com mais abundância, que têm já à saída da fronteira cotações da ordem do dobro, se não do triplo, das que gozam no mercado interno.
Consta também que algumas das empresas transformadoras dessas classes de madeira auferem lucros muito grandes, excedendo fim muito as remunerações normais do capital, e um cotejo entre estes factos permite supor, à luz dos consumos conhecidos de tais fábricas, que no nosso país se poderiam pagar as madeiras a cotações como já têm na vizinha Espanha, sem prejuízo de uma satisfatória remuneração dos capitais investidos nas empresas transformadoras».
Estou convencido de que, se se conseguisse fazer vigorar no País preços como se pagam por essa Europa, se conseguiria levar por diante o Plano de reconversão florestal muito mais depressa e com menos esforço do Estado, tão forte seria o incentivo dessa valorização, aliás justa.
O Orador: - Agradeço a V. Ex.ª a sua brilhante intervenção e acrescento que tudo isto está de acordo com o princípio que aqui defendemos sobre a reconversão florestal.
A solução não será nem fácil nem cómoda, visto que no nosso país 93 por cento da área de pinhal se encontra nas mãos de particulares, mas alguma coisa há que fazer, pois não podemos ficar de braços cruzados à espera de que os pinhais dos serviços florestais cresçam e venham abastecer um dia mais tarde as fábricas sem mais dificuldades, o que é evidente não ser verdade, até por a sua área ser insuficiente para o abastecimento das fábricas existentes a não ser para desejar, pela concorrência que então fariam ao particular e até possível prejuízo destes ou da riqueza florestal do País.
Há um ano apontávamos duas sugestões que há muito estão em uso noutros países: a disciplina dos cortes através dos serviços florestais e a organização de cooperativas locais ou regionais para abastecimento das fábricas.
Destas duas sugestões, supomos que ambas úteis, é a primeira a mais fácil de entrar em execução. É apenas uma questão de estudo e organização dos serviços florestais e legislação adequada ao regime e disciplina a estabelecer.
Quanto à segunda, não lhe vemos grande viabilidade no estado actual largamente deficitário da indústria de serração de madeiras.
Podem constituir-se, nas os seus associados não possuem, pelo menos do que conhecemos no Norte, fundo de maneio suficiente para poderem exercer a sua função reguladora do abastecimento da matéria-prima.
E, contudo, impôs-se às fábricas um mínimo de dias de trabalho, sem se lhes garantir, nem poder garantir de qualquer forma, o abastecimento da matéria-prima; impuseram-se-lhes salários mínimos, sem lhes garantir, nem poder garantir, um preço mínimo de venda que esteja de qualquer forma em correlação com o custo da produção.
É o primado do social sobre o económico; simplesmente, se o económico é abafado de exigências e não cumpre a sua missão, o social está automaticamente diminuído ou anulado nas suas possibilidades.
Como os interesses são interdependentes, não poderiam os fundos das caixas de previdência ajudar essas cooperativas a cumprir a sua missão?
Deixo a pergunta em suspenso.
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Há uma dificuldade ainda no abastecimento da matéria-prima às fábricas que não deixa de ter importância, mas quando sugerimos a disciplina dos cortes através dos serviços florestais o problema devia ser levantado e resolvido, trata-se da madeira em poder dos particulares, que é 93 por cento da riqueza florestal do País.
É vulgar ainda hoje em dia a existência de pinhais de propriedade, particular cujos donos, por várias razões, qual delas menos aceitável no nosso tempo, não vendem a madeira.
Deixam o seu pinhal crescer indisciplinadamente, com prejuízo das árvores nele criadas, deixam-nas adoecer e envelhecer e teimosamente não as vendem ou são vendidas quando já quase inúteis. Respeita-se um direito de propriedade muito legítimo em certos aspectos, mas noutros talvez mal entendido às vezes, e até apenas por uma questão de ignorância. Supomos que, se os serviços florestais encarassem a sério o problema da disciplina dos cortes e a elucidação dos particulares do seu interesse, o problema na maior parte dos casos deixaria de existir e poder-se-ia aproveitar convenientemente toda ou quase toda a riqueza florestal do País, com interesse para o lavrador, que tanto necessita, e para o industrial no que é a base da sua actividade.
O problema industrial, a que também nos referimos na nossa intervenção de há um ano, continua na mesma.
Os exportadores continuam a contratar livremente, sem querer saber do custo da produção, e, depois de contratarem no regime de livre concorrência que vimos, entregam ao industrial a sua execução pelo preço que contrataram, deduzindo as suas despesas e percentagem de lucro, e que este se vê sempre na contingência de aceitar em face da obrigatoriedade de garantia de trabalho aos seus operários.
Pelo mesmo motivo também se vê. quantas vezes, obrigado a adquirir a matéria-prima por preços superiores aos justos e normais, por a procura ser muito superior à oferta e vendida em mercado de livre concorrência.
O industrial vive uma vida cada vez mais difícil e precária, pagando a madeira cada vez mais cara, pagando maiores salários, transportes cada vez mais difíceis e onerosos, e agora ainda mais dificultados com a nova lei de coordenação dos transportes terrestres, que se vai reflectir igualmente no custo da matéria-prima.
O industrial vai aguentando sempre à espera de melhores dias ou queimando ingloriamente na fábrica um património à. espera de poder retardar a falência mais que os vizinhos, para que depois, sozinho em campo, se possa um dia ressarcir de todos esses prejuízos e reconstituir o património comprometido: lá vai fazendo um ou outro negócio mais rendoso, sobretudo no mercado interno e na indústria de construção civil, para poder sustentar com os cá de dentro aquilo que por vezes o exportador que lhe dá trabalho entrega inconscientemente ao estrangeiro.
Permitiu-se e permite-se a montagem indiscriminada de fábricas quando a matéria-prima é apenas produto nacional e regionalmente limitado, e para se fazer a produção anual actualmente calculada, e de acordo com a matéria-prima existente, bastariam para o efeito cerca de um turco ou menos das unidades fabris existentes.
Por que não se tenta a concentração e a reorganização da indústria a uma melhor distribuição geográfica, que só resultaria em benefício de todos?
Criou-se o Instituto Nacional de Investigação Industrial, que está a trabalhar e parece poder vir a ter uma larga influência na nossa reorganização económica e progresso social. Toda a sua obra é inútil se apesar dos seus estudos, se mantêm livremente os mesmos processos anárquicos, ignorantes e rotineiros de alguns dos nossos comerciantes e industriais.
Será mais uma boa intenção malograda, serão mais uns quantos esforços inglórios e em pura perda.
O País chegou a uma encruzilhada do Mundo cada vez mais difícil de ultrapassar sem para ela estarmos devidamente preparados e apetrechados.
São muitos os nossos analfabetos, muitas as nossas rotinas, é um peso morto muito grande que temos todos de arrastar para vencer.
Prezamos todos muito a nossa liberdade individual, mas se não fazemos todos um pequeno esforço para abdicar de uma parte dela em prol do comum, cada vez se nos torna mais difícil seguir em frente.
Onde não se consegue mobilizar livremente a consciência económica há que obrigar para organizar, para reformar, refundir, preparar novos métodos e processos de trabalho que permitam a melhor produtividade e a melhor rentabilidade dos recursos do País. Só assim se poderá progredir e acompanhar os outros países civilizados na sua ascensão sempre constante.
Não são os bens materiais por que tanto aqui pugnamos a coisa mais importante neste Mundo, mas o que é facto é que sem eles talvez não possamos preservar condignamente aqueles bens morais e espirituais que desejamos e queremos defender.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vai passar-se a
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua o debate acerca do aviso prévio sobre a política ultramarina do Governo. Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Meneses.
O Sr. Sousa Meneses: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: em boa hora alguns Srs. Deputados tomaram a iniciativa de propor este aviso prévio sobre a política ultramarina do Governo.
Em boa hora V. Ex.ª, Sr. Presidente, decidiu aceitá-la e marcar a sua discussão para esta sessão legislativa. Ganha-se oportunidade e, com ela, esta Câmara, pela voz dos seus elementos constitutivos, pode dizer ao País. e mais directamente àqueles que a elegeram, o que pensa sobre um dos problemas mais graves que após a reconquista da independência aflige esta nossa pátria. Possibilita ainda á cada um de nós comentar alguns aspectos essenciais relacionados com a efectivação dessa política, no desejo legítimo de colaborar com os responsáveis pela sua execução e no dever de despertar alguns espíritos sobre algumas consequências e imperativos da sua adopção.
Será nesta linha de pensamento que eu desejaria conduzir a minha curta intervenção, com a consciência de que, ao fazê-la, torno a minha quota de responsabilidade na matéria.
É certo que em questão de tal amplitude não existem soluções definitivas e nada deve ser considerado como imutável; são tantos os factores que afectam a sua análise e evolução que ninguém pode estar seguro de os dominar a de, consequentemente, encontrar a solução integral.
Mas se esta dúvida pode existir, por alguns dos referidos factores até não dependerem da vontade nacional, pior
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será esquecer o objectivo que se pretende atingir e assim perder ou hesitar na direcção do caminho a percorrer para alcançar esse objectivo; se tal se desse, assistir-se-ia a uma mutação frequente dos rumos da política, a um desnorteamento da opinião pública, a uma fraqueza na condução do problema por parte dos responsáveis; e isto seria fatal e aproveitaria os inimigos para mais facilmente resolverem o problema à sua maneira.
Daqui a tendência, geralmente propagandeada, interna e externamente, de confundir o Regime com a política ultramarina seguida até aqui, atacando aquele para mudar esta ou tentando desfazer esta para derrubar aquele. E aqueles que seguem este caminho fazem-no na convicção de terem encontrado a forma mais rápida e directa de, ou acabarem com o Regime ou liquidarem a política ultramarina seguida ou atingirem simultaneamente os dois objectivos: a primeira solução interessa primariamente aos inimigos do Regime, a segunda aos inimigos externos e a terceira aos comunistas.
Esqueceram uns ou ignoram outros que a grande maioria dos Portugueses não deseja a abdicação dos princípios que regem a política ultramarina seguida.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Atrevo-me mesmo a dizer que nessa maioria se devem englobar todos aqueles que, não estando enfeudados a Moscovo, têm ideias políticas diferentes das que informam o Regime. É que esses são portugueses como eu e conhecem e medem os perigos que adviriam para a própria nacionalidade se se perdessem as províncias do ultramar ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... e têm consciência do crime que cometeríamos se tivéssemos entregado a si próprias as populações brancas e negras do ultramar; ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... e sabem que trairíamos a nossa missão histórica do povo colonizador, missão que ainda não terminámos e de que nos orgulhamos; ...
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - ... e não ignoram que para além das autodeterminações com fundamentos mais ou menos idealistas o que está em jogo é a criação de hegemonias económicas para possibilitarem ou acentuarem o desequilíbrio da balança do poder a seu favor.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Esquecem uns ou ignoram outros que o Regime apenas se identificou com o sentir da Nação, que no momento oportuno teve a felicidade de ter à sua frente um homem - o Sr. Presidente do Conselho - que, fiel aos princípios que encarnam a alma nacional, soube, com ideias claras e pulso firme, dar satisfação aos desejos dos Portugueses.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Soube e sabe, e se Deus quiser assim se há-de continuar.
Mas não houve um referendo para se julgar da validade da afirmação? Não sei o que se há-de chamar às manifestações do Terreiro do Paço e das capitais de Angola e Moçambique realizadas em fins de Agosto do ano passado, como também não sei como de outra forma possa ser interpretada a viagem triunfal do Sr. Presidente da República a Angola e S. Tomé. Felizmente que todos vimos o que os Portugueses pensam sobre a política ultramarina.
E afinal quais são esses princípios? Bem simples de enunciar e ainda mais fáceis de entender: a unidade nacional através de «uma capital, um Governo, uma política».
A partir deles, toda u descentralização ou autonomia administrativa compatível com a capacidade e desenvolvimento social, económico e financeiro de cada província.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Apetecia-me perguntar por que é que um conceito político fundamentado nestes princípios não há-de resultar proveitoso para a metrópole, para as províncias e até para os nossos amigos e aliados estrangeiros, como tem resultado. Pois não é verdade que nos novos Estados africanos, bafejados pela independência, a unidade nacional é e será por muito tempo uma utopia, que a capital verdadeira está em Washington, Londres ou Moscovo e que o governo e a política de cada um desses Estados actua de acordo com o vento que sopra dessa capital?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Se é a isto que se pretende levar as províncias portuguesas, então consintam que este pequeno mas velho país e sempre fiel aliado se determine a si próprio e siga a sua história, porque ele. pelo saber de experiência feito, e pelos maus exemplos que tem observado, está seguro de ir no bom caminho.
Se esta política está certa e se o Governo a segue com o apoio da maioria dos Portugueses, firme nos princípios mas flexível nos modos de actuação, passemos ao segundo aspecto das considerações que desejamos fazer e a que chamámos alguns aspectos essenciais na efectivação dessa política.
Passando sobre a razão e o direito que nos assistem, mas que não bastam para impor e para acreditar as nossas soluções, somos levados a ter em armas urnas dezenas de milhares de portugueses para que essa razão e esse direito possam vingar. A eles não pode faltar, e não tem faltado, todo o apoio moral e material de que necessitam para que continuem a cumprir a sua missão.
Em apoio moral a Nação tem-se desdobrado generosamente através das vozes dos seus filhos mais representativos da vida pública e privada, e por meio de múltiplas iniciativas de profundo sentido humano realizadas por associações de nível nacional ou regional, como sejam a velha mas sempre activa Cruz Vermelha Portuguesa e o jovem e patriótico Movimento Nacional Feminino e suas delegações. Também esta Casa, Sr. Presidente, tem sabido marcar uma presença clara e permanente no reconhecimento e louvor da acção dos nossos soldados e não tem escondido a confiança e a fé que deposita na sua acção.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - No apoio material a Nação tem feito tudo quanto lhe é possível para que as armas, os equipamentos, as munições e os víveres cheguem a tempo e satisfaçam
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a actividade do combate. Mas este apoio, juntamente com a necessidade de render, reforçar ou recompletar as unidades e comandos, obriga a tremendos gastos de dinheiro que a Administração tem coberto sem grandes sobressaltos na vida da Nação. E talvez por isso é que muitos não cuidam que a efectivação da política ultramarina que estamos realizando depende antes de mais da nossa capacidade financeira para suportar o esforço da guerra que nos foi imposta, porque se cuidassem seriam mais cautelosos nos gastos, mais selectivos nas realizações, mais coordenados na actuação e mais modestos mi satisfação do seu egoísmo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Travar estas tendências é favorecer aquela capacidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A par com as despesas de defesa, o Estado tem de gastar na satisfação das necessidades públicas imediatas e investir no fomento económico, sem o que correrá o risco de não criar novas riquezas que reforcem aquela capacidade financeira. Aqui outro imperativo na efectivação da nossa política ultramarina: na medida em que o Estado aumenta as suas despesas com a defesa enfraquece a sua capacidade de investimento e não parece haver outra forma de a compensar o crédito externo pode muitas vezes não ser possível e não pode com certeza ultrapassar certos limites de segurança) senão através da iniciativa privada. Também não se crê que a maioria desta se tenha apercebido com inteligência do papel essencial que desempenha ria consecução da nossa política ultramarina.
Muitos empresários continuam sem imaginação, sem o prazer do risco, guardando à moda dos nossos avós ou gastando indiscriminadamente o dinheiro que ganham e pedindo ao Estado que lhes cubra ou avalize os riscos que temem correr.
O negócio das representações e comissões de artigos estrangeiros ainda constitui a paixão de muita actividade privada, o que bem demonstra a falta de capacidade criadora e a habilidade para o negócio rendoso e sem risco.
Se o sector privado do investimento redobrar de esforços e substituir o sector público, pelo menos na parte do investimento que este foi obrigado a desviar para fins de defesa, presta um clarividente e útil serviço à política que desejamos.
E por isso que eu respeito e admiro aqueles empresários que, a golpes de inteligência e de audácia, correndo riscos por conta própria, criaram ou estão criando grandes empresas e dando melhor trabalho, mais bem pago, a mais portugueses.
Estão criando riqueza para o País e, consequentemente, estão reforçando o escudo1 defensivo nacional.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - A unidade da frente interna, é sem dúvida outro factor determinante mi realização da nossa política ultramarina. Passada a fase de desnorteamento que alguns atravessaram. acalmadas as emoções muito características da alma nacional, reconhecido que só houve vantagem em reforçar a defesa de Angola quando ela apenas tinha estremecido porque assoprada de fora e, sobretudo, arrumadas as ideias com o discurso do Sr. Presidente do Conselho de 12 de Agosto passado e observado o estado de alma nacional quando das manifestações de fins de Agosto e da viagem triunfal do Chefe do Estado, a frente interna parece que, de momento, não exige precauções especiais, o que não invalida a necessidade de vigilância constante e de, sobretudo, maior rapidez na satisfação de muitas aspirações sociais justas, especialmente as que respeitam ao meio rural, a fim de evitar que este se transforme um campo fértil da semente subversiva.
Sobre este ponto reforçarei as razões abundantemente aqui produzidas e fundamentadas por outros ilustres colegas, acrescentando que ainda é justo e humano fazê-lo porque o meio rural é o que maior percentagem de filhos tem na defesa das províncias ultramarinas.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Outro pressuposto da unidade política é o conceito de multirracialidade por nós desde sempre admitido e seguido. Apenas desejo fazer um comentário sobre ele naquilo que julgo essencial à consecução da nossa política ultramarina.
A multirracialidade, além de um estado de espírito o de um sentimento de fraternidade cristã pelo respeito c amor que devemos ao nosso semelhante, é também na prática da vida uma igualdade de direitos e dê deveres de homens de raças diferentes. Mas essa igualdade só pode existir quando esses homens tenham as mesmas ideias sobre o valor desses direitos e deveres; para que tal se verifique há antes de tudo que realizar a promoção social das populações e o consequente desenvolvimento das elites, ao mesmo tempo que procurar reforçar a coesão das diferentes etnias, por forma que todos possam coexistir sem atropelos, na família, na sociedade, no trabalho, na riqueza e na religião.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - É, sem dúvida, o caminho mais seguro para todos, brancos, pretos e mestiços. O esforço despendido pelo Estado neste sentido tem sido notável nos últimos anos; o alargamento de facilidades no ensino primário, médio e superior e o desenvolvimento das medidas de saneamento e de assistência sanitária são disso prova.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Exército, como já tive oportunidade de acentuar nesta Câmara, também desenvolve acção de muito vulto na promoção social das populações indígenas.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Orador: - Mas para a grande maioria da população negra o que deve trazer maiores benefícios é a contínua efectivação da legislação promulgada há cerca de dois anos no sentido de acelerar essa promoção.
Não se ignoram as dificuldades que surgem na sua aplicação; será um processo árduo e possivelmente lento; lento porque as modificações nas estruturas sociais exigem prudência na execução e tempo para se tentacularizarem; árduo porque os direitos e deveres consignados no estatuto abalam muitos interesses criados e exigem uma reforma de mentalidade daqueles que nada mais vêem do que o mundo do seu egoísmo.
Vozes: - Muito bem!
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O Orador: - E como se sabe que o egoísmo quando transportado para o campo social pode representar uma perigosa ameaça às próprias estruturas políticas, eu insisto neste aspecto indispensável à materialização do nosso conceito multirracial, sem o que não me parece poder haver base e estrutura na nossa unidade política.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Finalmente, o quarto factor que poderá ter efeito acentuado sobre a nossa política ultramarina: a pressão externa ou a acção directa vinda do exterior.
As votações contrárias da O. N. U. apenas terão significado na medida em que os votantes estejam convencidos do real e prático valor das decisões recomendadas; uns estariam dispostos à acção directa, mas nestes não estará certamente a maioria dos próprios afro-asiáticos; outros desejarão a aplicação de sanções com vista a fazer pressão de vária ordem, mas nestes não estarão, não têm estado, aqueles dos mais poderosos que nos interessam; ainda outros votam contra ou abstêm-se porque razões de compromisso regional ou bilateral a isso os obrigam - nestes se incluem muitos que nos estimam, apreciam e até auxiliam em vários aspectos; finalmente poucos, menos dos que tinham o dever de o fazer, mantêm-se fiéis à política ultramarina portuguesa.
À N. A. T. O. continuamos a dar o valor das nossas posições estratégicas, continentais e insulares e a garantir uma retaguarda anticomunista. Dos nossos parceiros na Organização, com uma ou outra excepção acidental, temos obtido, no mínimo, prudência nas declarações e ponderação nas atitudes.
Existe assim um campo vasto de manobra diplomática onde o jogo pode ser feito desde que não falte convicção nas ideias, segurança na argumentação e constante espírito de contra-ataque.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Creio bem que estes atributos não têm faltado ao chefe da nossa diplomacia e que a larga experiência e especial acuidade do Chefe do Governo sobre esta matéria nos dão garantia de que os trunfos não estão todos jogados.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Sobre a acção directa vinda do exterior sob a forma de agressão declarada, salvo qualquer acto desesperado, pessoalmente não creio que tal se possa dar nos anos mais próximos: os que o poderiam fazer por razões de proximidade geográfica têm problemas internos graves a resolver e, sobretudo, não ignoram o risco que correriam se o fizessem. Daqui se conclui que esta ameaça ao prosseguimento da nossa política ultramarina será tanto menor quanto mais vigilantes estiverem e poderosas forem as forças que defendem as províncias.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Isto traz sacrifícios à Nação, tristeza e luto a alguns lares, por vezes esmorecimentos. Não sei como de outra forma se possa fazer a história, sobretudo a história de um povo pequeno.
O Orador: - Sr. Presidente: propus-me ser curto e fui mais longo do que desejava. Apetecia-me dizer como o grande Vieira, caso não o ofenda: «Não tive tempo para ser mais breve.»
Pretendi transmitir em breves sínteses o que penso sobre a política ultramarina que o Governo está efectivando e se propõe continuar e procurei analisar alguns factores essenciais que afectam a sua realização.
Na medida em que esses factores forem obrigados a reagir no sentido positivo dos nossos desejos menos dificilmente serão atingidos os objectivos que a Nação, por grande maioria, ambiciona.
Damos ao Governo a nossa colaboração e o nosso apoio para que assim seja.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Armando Cândido: - Sr. Presidente: Portugal não está ameaçado. Está debaixo de fogos cruzados.
De um lado a táctica comunista, progredindo como uma verruma. Ganha a Ásia, quase toda; armado o punho cubano em direcção aos Estados Unidos; flagelada a América Latina, com incursões verbais e assaltos terroristas - com uma forte agitação subversiva -, e convencidas algumas potências da Europa a deixarem-se vencer em África, passamos a constituir a barreira teimosa.
Por outro lado, a América do Norte, julgando-se em momento, não de segurar posições, mas de distribuir afagos promissores, a cada hora perde espaço, sem ver que o futuro não é uma superstição, mas um caminho por onde a experiência marcha, tocada de novidade.
E, no meio destes avanços e recuos, destas realidades e enganos, o mundo árabe, reassumando às portas da história com aglutinada presença, também se activa, enviando aríetes contra a barreira firme.
Dadas as estranhas condições em que se processa a vida internacional do nosso tempo, não tem a gente de se admirar dos interesses e dos apetites que nos tomam como alvo - interesses e apetites, por vezes, opostos entre si, mas juntos, logo que se trate de ofender a nossa integridade territorial.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - E não existem argumentos tirados da afirmação dos séculos. Muito menos o direito a ter direito ou a razão de ter razão. Nem o conceito de verdade se limita ao que é, mas ao que cada qual resolve que seja. A própria justiça, em vez de ser o prémio concedido ao direito ou a sentença favorável à razão, tornou-se o resultado vitorioso do que tiver mais garras ou mais habilidade.
Deste modo, há quem se adiante, agitando a paixão do que lhe convém ou a ilusão do que julga convir-lhe. E outro remédio não encontramos, que não seja o de estremecermos em profunda revolta, aceitarmos o desafio à nossa fé e corrermos às ameias da Pátria para de lá enfrentarmos a chusma com as únicas armas atendíveis - as de ferro e de fogo.
Isto não é novo na nossa história. Muitas- vezes nos temos visto em transes de defesa e sempre a alma dos Portugueses vibrou e cresceu. Até quando os fantasmas povoavam os mares e do lado de lá nos aguardava gente difícil, nem por isso deixámos de varrer as sombras.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
Vozes: - Muito bem, muito bem!
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O Orador: - Tudo está em saber se agora o povo português é o mesmo e se o seu génio continua a ser capuz de prosseguir, ainda que lutando totalmente, e se os governantes - como os de outrora, os que foram dignos e leais intérpretes do sentimento do povo -, estuo à altura destas horas tormentosas.
E o que se vê é os Portugueses acorrerem, sem detença, de todos os cantos do Portugal de aquém e além-mar, e reunirem-se nesta Lisboa - ponte de comando da grande nave da Pátria -, e aqui, em espontânea e colossal demonstração, afirmarem:
Presentes para o que der e vier!
Presentes contra o ódio!
Presentes contra a ambição!
Presentes contra o erro, contra a mentira, contra a injustiça, contra o inimigo - contra os inimigos que nos ferem de olhos abertos, e nos entendem, e contra os inimigos que nos ferem de olhos fechados, e não querem entender-nos.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Presentes, com a mais límpida consciência - com a mais inabalável disposição de repelir o invasor.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Entretanto, os soldados caminham de fronte erguida pela estrada do dever, com o sorriso dos heróis, quando a voz da raça os manda erguer para iluminarem os textos da história.
Não transportam arrogância - transportam serenidade.
Não se embaraçam num sacrifício - empenham-se numa missão.
Na frente - os punhais que nos buscam. Eles avançam contra os punhais para os quebrar com arremesso. E é a mocidade - a mocidade do Portugal de dadivosa seiva - que toma sobre os ombros robustos o encargo maior. É ela que se sente honrada por intervir decisivamente nesta hora suprema, que ficará no tempo, rés- soando como prova da sua ingente capacidade de acção.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Outros jovens - outros jovens de outras eras - também despertaram ao toque dos clarins, e entraram na luta com a certeza de não virarem o rosto e de haver sempre outros irmãos de armas, prontos a tornarem-lhes o lugar, se a morte os escolhesse para os sagrar em glória.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Então o povo dá plena conta de que os governantes, e. acima de todos, os mais obrigados - pela posição que ocupam -, têm dito a verdade, com inteligência e firmeza inexcedíveis, exprimindo a razão e a determinação do País, tal como resulta da vontade dos Portugueses, e tão bem que não houve argumento que não empregassem com vigoroso e claro acerto, nem propósito que não traduzissem, com absoluta e impressionante fidelidade.
Várias vezes o fizeram, e sempre que os ataques de que temos sido vítimas o exigiram.
Mas a declaração sobre política ultramarina do Chefe do Governo, em 12 de Agosto de 1963, é mais do que a declaração do um governante, é a afirmação de uma grande pátria perante o tribunal da história.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Aí está o que somos, o que é e o que deveria ser o Mundo. Ninguém, nem homem, nem governo, nem Estado, dos que existem à face da Terra, poderá, com observações válidas, negar o que nessa declaração ficou demonstrado.
Nenhuma brecha, nos direitos alegados.
Nenhuma falha, no raciocínio deduzido.
Nada se lhe opõe: nada a embarga.
Só a violência - a sem razão obstinada.
Sr. Presidente: os nossos governantes, e, à frente deles, os maiores, têm afrontado, com iluminada coragem, o negrume que nos cerca. Ajuda-os a luz que sobe dos confiantes lares da gente portuguesa, temperada para as lides da vida.
Mas em 17 de Outubro de 1963, quando o Chefe do Estado regressa de Angola e de S. Tomé e Príncipe, trazendo ainda nos olhos os clarões de são patriotismo que o envolveram durante a jornada, e, na sua alma de português exemplar, a satisfação por mais um dever cumprido, a sua figura enche o alvoroço de todos e não há ordem que contenha os braços do povo, pois é no ímpeto da sua espontaneidade que reina a ordem do seu total apoio ao mais alto representante da Nação.
Assim, e em face de tão inconfundíveis e grandiosas manifestações da consciência nacional - ainda que nelas tenhamos participado -, também nós, que fomos eleitos pelo povo e somos dele e para ele, queremos reagir nesta Assembleia - na Assembleia Nacional -, e exprimir aqui aos governantes, designadamente ao Chefe do Estado e ao Chefe do Governo, a nossa vibrante e incondicional solidariedade com a política seguida na defesa das províncias ultramarinas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Eles têm sido os melhores soldados desta batalha.
Anima-os a certeza de que estão no caminho justo, e não os abandona a fé na vitória.
Sabem que ceder ou transaccionar, além de atitude sem perdão, seria entrar irremediavelmente no pendor do suicídio. Nem haveria - mesmo que se caísse no logro mortal - a quem apertar a mão entre tantas mãos assassinas.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Todos os que negociaram ou se demitiram, já perderam tudo ou estão em vias disso.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Até as estátuas são derruídas, as igrejas profanadas - os símbolos desfeitos.
Parece que o esforço civilizador ou a epopeia criadora do Branco em África estão constituindo insultos aos novos racistas de estranha fúria.
Não!
Portugal não se entrega nem se vende: bate-se.
E nós sentimos e seguimos esta legenda.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: usando pela primeira vez da palavra na sessão legislativa decorrente, renovo a V. Ex.ª os meus respeitosos cumprimentos.
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Por iniciativa do ilustre Deputado Sr. Veiga de Macedo, acompanhado de outros Srs. Deputados, por igual ilustres, acha-se aberto debate tendente à .aprovação de uma moção de apoio à política do Governo pelo que respeita ao Portugal ultramarino.
As razões dessa política acham-se consubstanciadas nas luminosas exposições do Sr. Presidente do Conselho, do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e ainda de outros Srs. Membros do Governo, marcadamente das pastas do Ultramar e da Defesa Nacional. Razões estas, de resto, em correspondência, por inteligência e sentimento, praticamente unânime, com as da Nação Portuguesa.
Da sequente vontade unânime da permanência da nossa integridade nacional são prova decisiva, no ultramar, as aclamações apoteóticas com que foi saudado, sem distinção de raças, o Chefe do Estado na sua viagem a Angola e, na metrópole, o inesquecível delírio com que foi recebido à sua chegada.
E, pelo que respeita ao Sr. Presidente do Conselho, que maior preito de apoio à respectiva orientação política do que a romagem ao Terreiro do Paço?
Ora, tendo-se exprimido já por forma tão eloquente e inequívoca a Nação, ou seja a mandante, não poderá considerar-se como inoportunidade supérflua adiantar-se a mandatária, que esta Assembleia é, a «chover no molhado»?
Entendemo-la não obstante, por várias razões, e culminantemente pela de que o seu silêncio em matéria que empolga a alma portuguesa poderia, dada a fantasia alvissareira tanto do nosso gosto, prestar-se à suposição de que no seio desta Assembleia pudesse alimentar-se qualquer reserva ou mesmo foco de divergência.
Muito oportuna nos parece, por isso, a iniciativa deste aviso prévio.
Como coisa em si mesmo, para nós indiscutível e apoiada nos argumentos das peças governativas supra-referidas, cujo teor, na sua energia lógica e equilibrada, não poderá superar-se, pensamos que a concisão conclusiva contribuiria para dar à nossa unanimidade a mais eloquente e vincada forma.
Como, porém, o debate se ajustou a uma dialéctica mais sobre o analítico, também em tão momentoso tema não devemos deixar de esquematizar alguns juízos.
A tal nos impulsiona o termos logo de tenra idade absorvido o vibrante entusiasmo com que eram recebidos pelo povo os expedicionários de tez requeimada e chapéu à cowboy que nos garantiram, depois da crise do Ultimato, a ocupação da África Portuguesa, os Galhardos, os Mouzinhos, os Couceiros, os Roçadas ... Depois, o de termos partilhado da honra de servir na expedição de 1917-1918 ao Norte de Moçambique; e o dia a dia vivido em contacto quase carnal com aquele sertão virgem e cheio de promessa nos insufla todo um poder de sedução que se impõe empolgante; e bem melhor que julgá-lo será sempre experimentá-lo.
Articulemos, pois, agora, Sr. Presidente, algumas notas que nos ocorrem em convergência ao objecto do aviso.
1.º Consolidadas pela vitória ainda predominantemente europeia as posições dos grandes impérios coloniais, a nossa diuturnidade ultramarina manteve-se inalterada e a atenção nacional, confiando nessa estabilidade, polarizou-se nos problemas de restauração interna, que de tão instante acuidade foram, como nós sabemos.
Dá-se a eclosão da segunda guerra mundial, de que o nosso Governo com tanto acerto soube e pôde manter-se à margem. Ora, a vitória nesta, longe de poder considerar-se predominantemente europeia, verifica-se hoje que se alcançou contra a Europa. E, então, por reflexo, vemos acordados contra nós, Portugueses, interesses e juízos de que durante quase 50 anos nos alheáramos. É esta, a convergência activa desses interesses, uma constante da nossa história ultramarina que, se surpreendeu as gerações novas, nada deveria representar de teve para as gerações dos nossos pais. São os mesmos interesses mistos de protestantismo puritano e de capitalismo que nos ameaçam hoje.
Bem conhecidos nossos quando, sob a máscara de anti-esclavagismo, nos quiseram arrebatar a costa do Ambriz ao Congo e, mais tarde, quando na traça do missionário Livingstone, sob a directriz de Bhodes, a Chariercd se rios interpôs no Niassa. Daí, em 1890, o Ultimato. Já então a interferência das missões protestantes de avançada aos referidos interesses capitalistas é bem conhecida. Assim o salientou o saudoso Dr. Luís Vieira de Castro a p. 76 da sua obra D. Carlos I.
De resto, a conexão do protestantismo com a evolução moderna do capitalismo tem sido assaz estudada -lembram-se os trabalhos do Sombart e de Lee - e chegou mesmo a atingir já a consciência complacente dos Anglo-Saxões e até dos Escandinavos. A forma actual da ofensiva contra nós baseia-se precisamente no mesmo binómio protestantismo interesses supercapitalistas.
Substitua-se o slogan de «antiesclavagismo» por «anti-colonialismo», e as realidades subjacentes mantêm-se as de há 100 anos!
Por nós, temos contra tal ofensiva a força espiritual que nos vem da nossa moral cristã tradicional; ela nos aproxima em pé de fraternidade dos povos nativos que connosco contam e que aceitam filialmente o nosso influxo.
Tanto basta para explicar ser necessário o recurso à violência para esbulhar o que com a aceitação dos naturais com eles partilhamos: outrora o Ultimato, agora a invasão de Goa e o terrorismo em Angola, onde à transparência se vê o dedo de missões protestantes que nos foram impostas pela conferência de Berlim.
2.º Como corolário desta constante, analisemos particularmente o surto de violência em acção para nos ser arrebatada particularmente a província de Angola e nos levar a aceitar o alinhamento com nações europeias despojadas desde a grande guerra: a Holanda, a Inglaterra, a França e a Bélgica, as quais, no entanto, no plano capitalista gozam de possibilidades ou esperanças que não podemos partilhar de se fazerem compensar da perda do domínio político directo com predomínio económico subjacente.
Triangulemos a bem montada conspiração de 1961, de que só com providencial ajuda conseguimos escapar por um triz. Sirvam-lhe de catetos a tentativa de pirataria sobre o Santa Maria, a qual visava evidentemente a efeitos de projecção jurídica, que, dessincronizada de outros movimentos, abortou por antecipada, e o montado terrorismo de Angola, que também para o plano dos pretendidos efeitos internacionais não surtiu os almejados efeitos. Ora, o terceiro fundamental lado desse triângulo conspiratório era a metrópole. Nesta o Governo conseguiu prevenir o surto da conjura, e se ulteriormente esta tem pretendido lançar lampejos sem projecção, o ambiente nacional tem-na abafado para quaisquer efeitos válidos.
Na impossibilidade de alcançar vislumbres de aparência para intervencionismos jurídicos imediatos, os altos mandantes da conspiração inclinam a ganhar tempo, tempo que também poderá e deverá ser, e será, precioso para a obra da nossa defesa.
Nem podemos ter outra opção que não seja a de prestar ao Governo, que tanta coragem e discernimento vem sustentando, toda a confiança de que ele carece.
A unidade da frente interna tem de ser decerto o mais precioso fulcro de resistência. Mas neste capítulo muito se ganhou certamente desde há três anos.
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Quantos tios oposicionistas actuantes ou virtuais, sem embargo de reservas ideológicas quanto ao regime actual, se não aperceberam já que quanto à defesa do ultramar o Governo vem trilhando o único caminho consentâneo com o da sua manutenção, que qualquer transigência seria apenas brecha por onde entraria a perdição total?
De resto, os nossos antagonistas afro-asiáticos quanto a isso não nos consentem sequer dúvidas. E ainda bem. pois bom serviço de esclarecimento nos prestam.
Cá dentro, quantos que acima de tudo se têm por bons portugueses têm feito já a sua escolha! E por ela, na pessoa do Sr. Prof. Armando Cortesão, lhes presto a minha homenagem rendida.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A lição que nos acaba de dar de ecumenismo português com artigos publicados no Diário Popular em resposta aos traiçoeiros e insidiosos ataques vindos donde menos se deveria esperar é bem digna de aproveitar a todos.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Está bem na tradição daqueles que, para além de idealismos políticos, sabem pôr a Pátria acima de tudo. e nisto, como velho expedicionário de 1917. não posso deixar de prestar saudosa homenagem à memória de Álvaro de Castro, assim como é impossível não recordar a propósito o que Norton do Matos deixou escrito como imperativo nacional quanto a Angola.
De resto, como monárquico, neste campo apenas me cinjo às directivas que em circunstâncias correspondentes, e em conformidade com o pensamento dos príncipes, soube traçar Aires de Orneias: «Pátria ao alto!».
Confiemos, pois. em que o tempo que embora contra as tábuas, vamos em caminho de ganhar, algo nos favoreça.
3.º Razões de esperança:
a) Inevitável rivalidade das novas nações africanas, demais constituídas não sobre antecedentes de ascensão orgânica, mas sobre o artifício das partilhas europeias. Essas rivalidades agravadas pelas dificuldades de uma administração interna incipiente:
b) Influências contraditórias de impérios hegemónicos. É sabido que onde se implanta o capitalismo os contrastes, já não falo nos excessos, da vida que implica tornam-no fácil campo para o influxo comunista, à por de mais conhecido este ponto para sobre ele insistirmos, certos de que isso levará os países ocidentais a tornarem-se mais compreensivos para connosco:
c) O aparecimento da China aspirando à catalisação de todas as raças não arianas. Espécie de racismo negativo tendente no futuro naturalmente à colocação em África dos excessos demográficos de que sofre e cuja colocação na América de há muito que tem vindo a ser tolhida.
O racismo supera assim a ideologia comunista. Os Russos, como brancos, não escapam ao pecado de o serem, que se pretende todas as outras raças lhe atribuam.
São estes os sólidos elementos negativos para que tenhamos esperança: quanto aos positivos, eles têm de partir sobretudo de nós, do povo português e da força do seu Governo.
O intercâmbio que as actuais circunstâncias bélicas impõem entre as províncias do ultramar, marcadamente Angola, e a metrópole, muito para tanto contribuirá.
Confio convictamente no espírito nacional, cimentado pelos militares que se batem e pela lição dos que morrem para que a Pátria viva. Essa chama muito contribuirá para insuflar ânimo novo na consciência da Nação, acordando-a da natural dormência que traz o gozo de vida relativamente fácil.
Por outro lado, esses militares que vêm vivendo prolongadamente nesses torrões sagrados da Pátria nunca perderão a saudade deles. Em muito maior número que antes, os portugueses tenderão a procurar realizar ali a sua vida permanente.
A amplitude da vida que de lá se vislumbra, em contraste com a estreiteza daquela de que as condições daqui não permitem se escape, hão-de constantemente solicitai-os que a experimentaram para essa prova de esforço, mas esforço largamente promissor.
Por outro lado a cristianização romana dos povos gentios - por isso nunca as missões católicas são de mais -, com a graça de Deus, há-de ajudar-nos uma vez mais. As nossas capacidades de sol» e vivência têm uma prova de séculos. Se nós conseguimos até tirar partido da usurpação filipina para, sob o pretexto da união de coroas, subverter, no J3rasil. em nosso proveito, a partilha do meridiano de Tordesilhas!
Sr. Presidente: tudo isto, e quanto se vem trazendo à barra desta Assembleia, proclama quê a política seguida pelo Governo está certa, e nem mesmo se poderia conceber outra viável!
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Pinheiro da Silva: - Sr. Presidente: duas palavras muito breves.
Com inteira propriedade se pode asseverar que o conceito português de nação jamais viveu ao sabor de interesses momentâneos, confessados ou não, nem primou pela estreiteza. Cedo forjado, robusteceu-se ao longo dos séculos e em época. alguma o vemos subordinado às ideias de raça e geografia. Quer isto dizer, afinal, que há séculos se entende entre nos a Nação como multirracial e distribuída pelo Mundo.
A vida das populações transmarinas, ali nascidas ou radicadas, foi sempre vida da Nação. Na realidade ultramarina teve sempre o patriotismo português um dos seus mais rijos suportes. Os desenvolvimentos da política ultramarina, por isso, nunca deixaram do confundir-se com a própria política nacional.
E se é certo ser constante da história o irem, em momentos de necessidade ou de perigo, socorrer os ultramarinos os portugueses Ha Europa, não o é menos que, quando necessário, aqueles vieram em auxílio destes, oferecendo-lhes a inteligência, a fazenda e a vida, batendo-se pelos mesmos sagrados valores e interesses pátrios.
A esta luz creio ser perfeitamente inteligível que as ideias de alienação, venda, troca, abandono das populações e territórios de além-mar não pertençam ao nosso património político-cultural. A consciência nacional repele-as, porque estranhas na origem e nas intenções.
Por outro lado, Sr. Presidente, assim se compreendem alguns factos recentes:
Logo a seguir ao já hoje histórico discurso de Salazar de 12 de Agosto passado, em que a política ultramarina nacional é luminosamente definida, as gentes do ultra-
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mar, de todos os credos e cores, em manifestações espontâneas, esclarecedoras e inequívocas, proclamaram a sua adesão e, com ela, o seu portuguesismo e vontade de continuarem a ser portuguesas.
A romagem ao Terreiro do Paço, realizada a 27 do mesmo mês, foi bem o coroamento condigno do movimento de solidariedade nacional iniciado em Angola.
Em Setembro e Outubro imediatos, as populações de Angola e S. Tomé receberam apoteòticamente o Chefe do Estado, que ali foi com o espírito com que visita o Algarve ou o Minho.
No regresso à casa-mãe, ao supremo magistrado da Nação foi tributada uma das maiores manifestações de que temos memória, agora pelos portugueses da Europa.
Quer dizer: lá como cá, a mesma explosão patriótica, a mesma afirmação de fé nos destinos do Portugal grande.
Tudo isto, Sr. Presidente, é bem a prova de que somos os mesmos da cruzada de Quinhentos, de que Portugal continua a ser o binómio metrópole-ultramar, de que o processo da autodeterminação está concluso no sentido da unidade nacional.
Sr. Presidente: a actual política ultramarina, intérprete do pensar e sentir da Nação tal como se estruturou de longa data. tem na defesa o seu ponto mais transcendente. Precisamente por isso, os maiores esforços têm vindo a dirigir-se para ela. Mas quero crer que os mais aspectos não têm sido descurados, direi mesmo que hão merecido a mesma atenção.
Quando dou o meu apoio e afirmo a minha adesão à política ultramarina do Governo, não tenho em mente apenas um dos seus aspectos, que ela, em conjunto, está certa e situa-se na linha tradicional do País.
O Sr. António Maria Santos da Cunha: - V. Ex.ª dá-me licença?
O Orador: - Tem a bondade.
O Sr. António Maria Santos da Cunha: - Não queria de maneira nenhuma interromper V. Ex.ª Resisti há pouco a fazê-lo à intervenção do Sr. Deputado Armando Cândido, mas, confesso, não ficaria de bem com a minha consciência se não interrompesse agora V. Ex.ª
Interrompo-o para mais uma vez fazer ressaltar o espírito de completa adesão das populações portuguesas a uma política que para mim não considero como política do Governo.
O Sr. Presidente do Conselho escreveu a propósito do movimento militar de 28 de Maio que o Exército se tinha revoltado obedecendo a um mandato imperativo da Nação. Com a mesma propriedade poderemos dizer que o Governo seguindo a política que está a seguir no domínio ultramarino obedece ao mandato imperativo da Nação.
Vozes: -Muito bem, muito bem!
O Sr. António Maria Santos da Cunha: - Era isso que eu desejava como disse fazer ressaltar.
Ainda ontem me foi dado presenciar aqui na capital um espectáculo que me comoveu. Temo fazer orvalhar os olhos de um dos nossos mais jovens colegas.
O filho de uma destacada família da minha região seguiu ontem em missão de soberania e no desempenho do seu dever militar para a nossa portuguesíssima província da Guiné.
Ao seu embarque assistiu sua veneranda mãe. viúva de um grande servidor da Revolução Nacional, suas irmãs, seu irmão e toda a ilustre família.
Sangrava de certeza o coração de todos ao ver partir o benjamim da família, mas havia também um orgulho, a que chamarei orgulhe santo, a dominar os parentes daquele moço que partia para defender território nacional.
O Governo segue uma, política nacional, e é por isso que a sua política responde aos desejos da Nação, que ele pode ter a certeza que conta com apoio efectivo da mesma.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Agradeço as palavras de V. Ex.ª tanto mais que elas estão plenamente de acordo com o que acabo de afirmar.
Com executantes à altura acabará por dar todos os frutos que anelamos.
A batalha que travamos, norteada por esta orientação, não é só nossa. Bem certos estamos, em verdade, de que as fronteiras portuguesas da África e da Ásia são também limites do Ocidente e de que os valores que defendemos são os mesmos por que os mais povos ocidentais terão de lutar mais cedo ou mais tarde.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Lopes Roseira: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: não vou tomar por muito tempo a atenção da Assembleia, tanto mais que V. Ex.ª, Sr. Presidente, com as esclarecidas palavras que pronunciou no passado dia 25 de Novembro, no acto de abertura deste novo período de trabalhos, bastante facilitou esta minha intervenção, contribuindo para que eu possa ser mais breve e, assim, não empanar o brilho das palavras de V. Ex.ª
Desde o encerramento do último período legislativo até agora muitos acontecimentos ocorreram na terra portuguesa. Guardando para mais tarde a focalização de jogos dúplices e de cabriolas de funâmbulos mercenários sem convicções, apenas quero referir dois factos e justificar um comportamento. Foram eles: a declaração feita à Nação pelo Sr. Presidente do Conselho em 12 de Agosto último e a visita do Chefe do Estado às províncias de Angola e de S. Tomé. Ambas tiveram retumbância tal que extravasaram dos limites da receptividade dos portugueses e, ultrapassando as nossas fronteiras geográficas, deram a volta ao Mundo e o seu eco regressou até nós, aumentado de límpidas e reconfortantes sonoridades.
Vou, no entanto, desviar-me da obediência a cronologia desses factos para seguir uma linha mais conforme à minha consciência. Começarei, por isso, peia visita do Sr. Presidente da República às terras portuguesas de Angola e de S. Tomé.
Tive a pouca sorte de ser dos raros Deputados do ultramar a quem não foi possível regressar ao domicílio, por muito imperiosas e especiais condições da minha vida particular, assim impedindo que eu estivesse presente em Luanda para prestar a minha respeitosa homenagem ao Sr. Presidente da República.
Sei que para certas pessoas foi isso motivo de reparo e comentário pouco reflectido. E até houve insinuações melífluas emanadas de mefíticas estercoreiras cujos odores muito inebriam alguns espíritos propensos à fecundação auditiva, aceitando atoardas e torpezas, sob cuja influência chegam a tomar atitudes que, embora inofensivas, são ridículas, por imponderadas. Tais atitudes não me impressionaram. Mas podem ter impressionado o espírito de pessoas que respeito e admiro sem pecado de adulação. Por isso, senti-me no dever de não calar o
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facto da minha ausência da província de Angola em momento tão alto da vida nacional e tão grato aos seus habitantes.
Ninguém sentiu, como eu próprio, tão funda contrariedade. E, pois, sem sombra de constrangimento, de coração aberto, que me apraz confessar, do lugar que mu pareceu mais próprio, a minha falta. Esta confissão implica um pedido de desculpa que daqui dirijo no Sr. Presidente da República, com a sincera expressão das minhas homenagens de muito respeito e alto apreço.
Não estive porque não pude, e não porque não quis. Não estive porque tenho sido obrigado a concentrar, sacrificadamente, porque vítima silenciosa e impassível do terrorismo, atenções e energias por outros lados, para descobrir e enfrentar manobras subtis e cavilosas de capangas e alcaiotes de uris quantos que na política fazem vida de tartufo e não se agradaram da posição que assumi quanto à política ultramarina, e tenho intransigentemente defendido, como esta ilustre Assembleia bem conhece.
Só lamento que haja tanta gente que tão pouco sabe de si e persiste, teimosa e sacrílega mente, em invadir os domínios que só a Deus pertencem, querendo também saber de todos. Isto é sinal tristemente, assustadoramente, indicativo da queda abandonada dos princípios morais. E não levo mais longe o que é simples desabafo sem propósito morigerador, porque os insensatos e os maus hão-de continuar sempre activos, falando e agindo com a certeza de que o bom Sol permanecerá imperturbável a alumiar e a aquecer, tanto os vermes como os génios.
A visita do Chefe do Estado às terras de Angola e de S. Tomé foi o remate, a cúpula, a demonstração brilhantemente expressiva do porquê de também ali ser Portugal. Justa visita teve o condão de criar uma atmosfera de suspense internacional. Pensava-se - e esperava-se - que iria resultar em malogro, que servisse de pretexto à confirmação dos critérios antiportugueses e justificasse a razão da campanha que nos movem. E foi tal o sucesso - de que, aliás, nunca duvidámos, embora imprevisto pelos de lá de fora - que todos os meios internacionais ficaram mudos de espanto e desapontamento.
Com que palavras poderiam referir-se ao êxito de uma jornada cujo insofismável significado tanto os contrariou e os convenceu intimamente da certeza do nosso direito? E o seu silêncio foi a mais clara confirmação disso, porque foi a confissão de uma derrota total.
Não me detenho a repisar o que foi dito na ocasião pela imprensa e mostrado na televisão, porque toda a Nação ficou então sabendo que a visita do Chefe do Estado assumiu a beleza ímpar dos factos empolgantes que só se vêem uma vez na vida. Felizes os que viram, porque são os que melhor podem dai1 ao Mundo testemunho válido. Felizmente, não foi devido à minha ausência que a visita do Chefe do Estado foi menos festejada. Nem a minha presença teria feito crescer mais e dar mais repercussão e intensidade a tão empolgante jornada patriótica, toda animada pelo espírito de bem servir, pelo meio próprio e na hora própria.
Em verdade, o Sr. Almirante Américo Tomás foi prestar um altíssimo serviço à Nação e, muito especialmente, às populações do ultramar visitado, nomeadamente às de Angola. S. Ex.ª não foi ali em visita de soberania, como para aí se teve .a ligeireza de propalar sob a influência da mentalidade colonialista, que muitos não querem crer já derrotada, e ultrapassada. Em nossa casa somos tão naturalmente soberanos que não temos necessidade de prová-lo por actos ostensivos, que corresponderiam a vilipêndio dos cidadãos visados por esses actos.
O Chefe do Estado foi a Angola e S. Tomé tão naturalmente e com os mesmos direitos e prerrogativas como tem ido aos Açores, à Madeira, a Beja ou ao Porto.
O Sr. Herculano de Carvalho: - Muito bem!
O Orador: - Apenas porque as visitas às províncias ultramarinas não são tão frequentes, quer-se atribuir-lhes um significado e um nome que, na conjuntura actual, e sempre, é assaz mal soante. Soberania?! Qual soberania, qual quê?! Se assim fosse entendida a honrosa visita do Chefe do Estado às terras portuguesas do ultramar teríamos dado uma prova de incoerência e de não sentirmos sinceramente a profundidade e extensão das raízes vinculantes de Portugal.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O Chefe do Estado foi lá, ao ultramar, e não saiu da terra portuguesa. Não foi afirmar propósito de domínio. Foi demonstrar aos que tinham dúvidas que não é por mero artifício, nem por condenável violência que lá também é Portugal; ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... pois aquelas terras já nasceram, por esforço de portugueses, para o mundo civilizado, portuguesas. E a melhor prova que o Mundo teve de que assim foi e assim é ficou patente na maneira descoberta, livre, cheia de à-vontade, com que o Chefe do Estado percorreu a província de Angola, inclusive os distritos onde a ordem foi mais profundamente afectada e o desassossego das populações mais dominante. Livremente, confiadamente, sem outro pensamento que não fosse o de manifestarem o seu regozijo e carinho, toda a gente, e muitos com os olhos implorantes de misericórdia, compreensão e justiça, em todos os lugares se abeirou de S. Exa., que a todos acolheu com a mesma serena confiança, com a mesma afabilidade, com o mesmo sorriso tranquilo.
E aos que lá vivem - aglutinação maravilhosa da mais surpreendente policromia humana de que só Portugal, por graça de Deus e obra dos homens, pode orgulhar-se -, porque irmãos ontem desavindos, quis o Chefe do Estado, não só com a sua presença, mas também com reais demonstrações de afabilidade e carinho, dar um exemplo de fraternidade.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E esse exemplo bem ostensivamente o concretizou em amplexos e apertos de mão, e, também, com ternos beijos e afagos às crianças, no que a Exa. Esposa de S. Ex.ª colaborou cativantemente.
A todos envolveu nas mesmas demonstrações de paternal afecto, sem escrúpulos nem discriminações, assim indicando não ser outro o caminho da paz e da concórdia que torna felizes os povos. Não foi ali repetir as palavras de Albuquerque aos infiéis e traidores da índia. Esta a lição que todos quantos tiveram a felicidade de assistir a ela devem ter sempre presente, mesmo contrariando a própria tendência ou maneira de ser, que não devem ser postas à prova, estando a servir-se o interesse nacional. Eu não estive lá; mas soube interpretá-la e recebê-la agradecido.
Aos Srs. Ministro do Ultramar e Governador-Geral de Angola apresento as minhas felicitações pela maneira dedicada e afanosa como prepararam e executaram o programa da visita e pelo patriótico êxito alcançado.
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Ao Sr. Presidente do Conselho, que inspirou e possibilitou a concretização dessa visita com a nítida visão e noção dos actos que deixam vinco de transcendência na vida da Nação, a respeitosa homenagem de quem soube compreendê-lo.
Tenho por esclarecida e definida a minha posição e orientação em matéria de política ultramarina. Não vou repetir-me. Desejo apenas, em breves palavras, avivar factos passados, se bem que não esquecidos. Nunca desisti de, em todos os lugares e oportunidades, afirmar e justificar que a única solução válida que pode assegurar continuidade na unidade ao ultramar português é a realização prática da política de integração com todas as fatais e inevitáveis implicações, sem hesitações - corajosamente, honestamente, inteligentemente
A quantos alinharam ostensivamente e deram início, em livros, em artigos de imprensa, em manifestos, em conferências e em falas aqui e além, à divulgação dos princípios e normas que informam a integração, quiseram ridicuralizá-los; diminuir o valor das ideias, desviando-as para planos pessoais; reduzi-los ao silêncio, fazendo ironia, inculcando-os como «testemunhas de Jeová», etc.
A integração era tabo, doutrina pestilento que não podia ser propagada através da imprensa. De norte a sul, aquém e além-mar, foi estabelecido um cordão sanitário que impediu mais ampla e convincente divulgação da doutrina. Mas foi vã tal contra-ofensiva: já tinha sido lançada às consciências a semente bastante para a conveniente propagação da doutrina. Espíritos isentos e bem formados, inteligências esclarecidas, aceitam a integração e nela vêem as virtualidades preservadoras da integridade nacional.
Ainda há bem poucos dias pude ter provas disso em Luanda, ao ouvir pessoas das mais diversas categorias, classes e cores.
Após alguns meses de silêncio aparente, durante os quais nos remetemos à divertida e calma posição de atentos observadores da evolução das ideias e atitudes das pessoas e de certa imprensa, eis que o Sr. Presidente do Conselho fez ouvir a sua voz esclarecida e autorizada, ecoando por todo o Mundo, e com especial ressonância no mundo português. Foi a diamantina e corajosa afirmação de uma consciência política, de uma inteligente orientação e de uma firme determinação de mantermos a nossa posição no Mundo, sem mutilações nem coacções, em cumprimento fiel do mandado dos que se foram «da lei da morte libertando» e em satisfação das exigências dos que se aprestam para seguir a mesma lei.
A partir daquele histórico dia 12 de Agosto, já não são justificáveis nem admissíveis mais hesitações nem dúvidas. Só será legítima a discordância posterior quanto aos pormenores da acção, quanto à interpretação e execução prática do pensamento director. Mas isso já será da responsabilidade e obrigação de todos nós.
Coube ao Sr. Presidente do Conselho, mais uma vez, a corajosa e serena atitude de mostrar, na última encruzilhada da vida da Nação - que já é História -, o caminho certo e iluminá-lo tão esplendorosamente com o vigor da sua inteligência que pode ser visto de todos os cantos do Mundo pelos nossos detractores e também pelos nossos concidadãos de pouca fé ou descrentes da nossa verdade. Apoiando a política postulada por S. Ex.ª apenas pratico um acto de coerência e de fé.
Fica-nos para trilhar o duro, mas visível, caminho das acções autênticas, que procuramos vislumbrar através do revoluteante pélago de interesses em convulsão. Vão ser lançados, estejamos certos disso, os fundamentos para a construção de um novo mundo português, onde todos caberemos sem acotovelamentos, sem intuitos inconfessáveis, sem ambições ilegítimas, sem depredação e degradação dos direitos e valores humanos em flagrante fraude á Nação. E aqui é que os factos são inexoravelmente irreversíveis.
E nada mais foi necessário para que o milagre se desse: a integração já não é tabo. Tornou-se acessível a todas as inteligências e vontades. É com desmedido alvoroço e incontido regozijo que tenho visto aumentar e enriquecer de valores intelectuais o número das peregrinas «testemunhas de Jeová». Estamos de parabéns; pois todos VV. Ex.ªs foram unânimes em apoiar a minha última intervenção nesta Assembleia, ao serem votadas as alterações à Lei Orgânica do Ultramar.
As ideias só conseguem descer ao plano das acções concretas à custa do peso dos espíritos e das vontades que as abraçam sinceramente - por convicção, e não por isto ou por aquilo, que seja conveniência, cálculo interesseiro, que ofende o corpo dolorido da Nação.
Acredito no poder realizador de Salazar e na sua capacidade de comando, aliás, sobejamente comprovados. Mas sinto que, para levar a cabo a ingente tarefa de uma política de integração, como a enunciou, não pode contar com os que têm vindo, em diversos lugares e a servirem teimosamente correntes de opinião de inspiração colonialista e racista, a contrariá-la. É certo que o Sr. Presidente do Conselho realizou o grande milagre de fazer aumentar o número das «testemunhas de Jeová». A mim não espantou o milagre e, com ele, já contava. Mas vai ser difícil saber ajuizar quais são as testemunhas verdadeiras e quais são as perjuras. Nos meus tempos de rapaz brinquei muito aos polícias e ladrões. Então, nesse jogo, alternávamo-nos. Agora, que vejo, com muita saudade e mágoa, que já não sou rapaz, o que é muito mais sério: quedado à margem dos alvoroços, peço a Deus não façam de mim ladrão nem traidor e me deixem sentado nas ameias do castelo como vigilante polícia, enquanto faço ardentes votos por que o Sr. Presidente do Conselho saiba evitar os perjuros para que na realização da política ultramarina só entre ouro fino com o toque da lei.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E eis, meus senhores, a exacta medida da minha adesão ao aviso prévio sobre política ultramarina ora em debate.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Burity da Silva: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: é tão implícito o direito que os povos têm de defender a integridade do seu território nacional e a vida das suas populações que o facto, por incontroverso, não pode deixar de ser encarado como um simples postulado.
É o caso do problema português, da sua posição no mundo actual, no qual se geram novas estruturas nacionais advindas da política de descolonizarão em África.
Não entrarei na análise deste fenómeno, tão delicado como complexo, mas sem dúvida que me cumpre, como homem deste século, considerar a sua legitimidade, necessariamente e só em face do processo de vida de relações humanas, político-sociais, culturais, morais e religiosas, decorrido no tempo e no espaço, nas diversas comunidades que ao longo da história universal se formaram
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entre terras e gentes dispersas e ètnicamente diferenciadas.
Com efeito, se faltar o elemento espiritual nas formações sociais ou comunidade, ou, melhor, a vontade e o sentimento comuns, não pode haver uma vida conjunta, plenamente realizada, e, portanto, um meio nacional.
Não é, porém, o caso português. Portugal é pioneiro de há séculos da mais humana convivência inter-racial na formação de uma sociedade e de um estado pluricontinental e plurirracial, antítese do segregacionismo que é a causa implícita e lógica da chamada negritude.
Pretender-se, pois, situar o problema dos povos de expressão portuguesa, mesmo na sua diversidade etnogeográfica, com o de outros povos influenciados por comportamentos distintos e opostos aos nossos, no âmbito das relações humanas precedentes, não pode deixar de conduzir a conclusões aparentemente paradoxais, contudo bem lógicas.
Quanto a quaisquer outras considerações especiosas, fruto do clima emocional para o qual o Mundo está a ser empurrado, e a África em especial, julgo terem elas cabal resposta na histórica declaração do Sr. Presidente do Conselho de 12 de Agosto passado, ao afirmar que: «o que se impõe aos governantes há-de ser em cada momento encarado à luz do sentimento nacional e do interesse da grei; de modo algum por sujeição a desígnios que a um e outro se opõem».
No domínio da evolução das sociedades há um elemento fundamental que importa cultivar. E é ele o que respeita à cooperação entre os povos para que a justiça social seja um facto evidente no Mundo, em vez de uma simples fórmula demagógica; para que haja cada vez menos fome no Mundo, mais desvelo pelos problemas da saúde e de educação das populações, de modo a torná-las, pela educação, conscientes dos seus destinos e do ser livre arbítrio; mais equitativa distribuição da riqueza; iguais oportunidades de acesso para todos, para que efectivamente os mais aptos, independentemente da coloração da epiderme, do lugar ou condição do nascimento, ocupem a posição que a cada um compete na escala da hierarquia dos valores aferidos pela capacidade e inteligência tão-sòmente.
Todo um plano de acção está em curso, no âmbito nacional para atingirmos, aquém e além-mar, as metas a que me referi.
Mas, é evidente que a guerra ateada c subsidiada por estranhos, que dizem assim proceder por mera filantropia, em que não acredito e julgo que ninguém de boa fé neste mundo, não deixa de afectar a marcha do progresso da terra e o bem-estar das populações, além do sacrifício de vidas preciosas, reduzindo (em Angola) os já tão escassos valores demográficos do território.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - O povo de Angola, de todas as etnias, que na sua maioria absoluta não pegou em armas para aderir ao genocídio que. espalhou implacàvelmente a morte, a desolação e o luto na terra que é nossa, teve ensejo de mais uma vez reeditar neste momento conturbado a demonstração dos seus extraordinários sentimentos de fraternidade lusíada por ocasião da recente visita àquela província do Chefe do Estado, Sr. Almirante Américo Tomás.
O Mundo acompanhou por meio dos seus órgãos de informação e desse maravilhoso engenho que é a televisão - com o seu enorme poder de documentar pela imagem os acontecimentos que se passam à distância, mesmo de continente para continente, - essa inolvidável viagem a Angola a S. Tomé e Príncipe do Presidente Américo Tomás.
Não pode deixar de se estranhar o silêncio que os referidos órgãos de informação mundial hermeticamente fizeram, sobre tal acontecimento, que, no entanto, muito pressurosos foram presenciar na esperança de resultados opostos aos que se verificaram: ...
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - ... afirmação de unidade, calor fraterno, total compreensão humana entre as pessoas de todas as raças que vivem, sofrem e lutam pelo advento de uma vida de paz construtiva numa terra onde muitos podem caber além dos que têm direito de lá permanecer por razões de ordem histórica (a história tem os seus direitos de cidade e só a renegam os que a não têm ou os que dela têm motivos para se envergonhar), de ordem sentimental porque se misturaram desde séculos, de ordem cultural porque falam a mesma língua e aprendem nas mesmas escolas, e de ordem espiritual porque rezam no mesmo altar as mesmíssimas orações e concebem o mesmo Deus.
Esses factores não se mutilam em nenhuma sociedade formada porque são eles que constituem o meio de vida em que um indivíduo se sente integrado (a integração deve ser geográfica, étnica e culturalmente recíproca para ser válida) e que permite o processamento do meio nacional que é a Pátria.
Eis a explicação que damos aos estranhos, porque é autêntica e os surpreende ao defendermos a nossa comunidade luso-tropical.
Eu pessoalmente a tenho dado em impressões que tenho trocado em países estrangeiros com membros qualificados de outros países, africanos ou não, nalgumas conferências internacionais em que tive oportunidade de participar, justificando a minha qualidade de luso-angolano.
Esta é a nossa razão e a nossa vontade de conviver em sociedade multirracial, que bem pode servir de padrão para outros povos em vez de se tentar obliterar.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A nossa concepção de vida bem merece que seja aprimorada, tornando-se cada vez mais autêntica, representativa é ètnicamente, equilibrada em todos os escalões político-sociais.
Isso sim. Como corolário do pensamento, temos sim de dar cada vez mais autenticidade à acção, congregando os interesses de todos numa sã política de soluções justas que não só - o Estado como a empresa e todo o patronato devem ter em atenção, como doutrina cristã ë eminentemente político-social, a única que nos pode assegurar a manutenção da harmonia social em que temos, vivido c que forças dissolventes e sinistros conluios internacionais, mal dissimulados pelo manto diáfano da fantasia sob a nudez crua da verdade, como diria o nosso imortal Eça, pretendem destruir.
Todos nós, todo o País, devemos uma palavra de estímulo e de solidariedade para com aqueles que em Angola - pretos, brancos e mestiços, militares e civis - estão na posição mais delicada da frente e da retaguarda da batalha do presente e do futuro.
O Sr. Elísio Pimenta: -Muito bem!
O Orador: - A primeira, esperamos em Deus que seja episódica, que uma tomada de consciência dos mais responsáveis, compenetrando-se que da forca bruta, da
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violência feroz, nada pode advir de bem para as sociedades que dizem querer servir, lhe ponha termo em breve.
Mas a batalha do futuro só dependerá de todos os portugueses; a vitória só poderá resultar da nossa coesão humana e dimensional; da compreensão de todos, inteiramente, e de uma autêntica política de justiça social que está no âmbito da nossa própria vontade.
O Presidente Américo Tomás, personificação viva da Pátria comum, levando a Angola, como levou, a mensagem da solidariedade nacional na hora em que os inimigos nos rondam a porta para tomar-nos de assalto a casa por artimanhas e em nome de meramente teóricos altos princípios, pôde bem verificar a fé construtiva do bom povo angolano, a sua característica afectividade e proverbial bondade, toda a ternura fraternal que ofereceu ao Chefe de Estado as cenas emocionantes que jamais viveu em toda a sua vida.
Tive a ventura de ouvir pessoalmente, ainda há bem poucos dias, estas impressões do Presidente Américo Tomás em audiência que se dignou conceder-me e em que falámos detidamente da visita de S. Ex.ª a Angola.
Ainda o seu coração vivia as emoções daquela tão histórica viagem, afirmando-me quanto o haviam impressionado as lágrimas com que o povo anónimo, generoso e estóico de Angola - pretos, brancos e mestiços - dele se despedira em Luanda.
Já tinha saudades de Angola, disse-me o Sr. Chefe do Estado, apesar de só de lá ter regressado há bem pouco tempo. Emoções desta natureza sentem-se. Não há expressões que possam definir toda a sua plenitude.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Salazar, na sua citada e memorável declaração de 12 de Agosto sobre a política ultramarina portuguesa, disse:
Não que tenha dúvidas, sobre o sentimento do povo português aqui e no ultramar acerca da defesa da integridade da Nação: o povo que trabalha e luta não precisará de largas discussões para se orientar sobre o seu destino. Mas eu só vejo vantagem em que se pronuncie em acto solene e público sobre o que pensa da política ultramarina que o Governo tem prosseguido.
E o País pronunciou-se, uníssono, expressivo, inequívoco, sobre o problema que lhe foi posto na também memorável manifestação pública de 27 de Agosto, em Lisboa, em que Portugal se identificou na capital da Nação para tudo oferecer à Pátria imortal.
E do mesmo modo e simultaneamente o País se manifestou em todos os cantos da metrópole e em todos os lugares do Mundo onde flutua a bandeira das quinas.
E a coroar o resultado desse expressivo plebiscito, a visita do Chefe do Estado a Angola e a S. Tomé e Príncipe e o seu regresso a Lisboa, onde mais uma vez o espírito de solidariedade da lusitana gente, as emoções vividas nessa hora alta, a vibração e o patriotismo e a fé nos destinos comuns que nos congregam atingiram uma apoteose que se não descreve, vive-se.
Bem sabe esta Câmara que a Nação, pela boca do próprio povo, que ela representa, se pronunciou já em termos patrióticos iniludíveis.
Mas não podíamos, sem dúvida, ao reiniciarem-se os trabalhos parlamentares, deixar de afirmar ao Governo o nosso apoio incondicional à política de defesa do território nacional, e ao povo português, do Minho a Timor, que se pronunciou a tal respeito, que comungamos no mesmo sentimento do dever e de esperança num futuro pacífico e laborioso para a Nação. Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continuará amanhã sobre a mesma ordem do dia. Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Burity da Silva.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Fernando António da Veiga Frade.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique dos Santos Tenreiro.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José de Mira Nunes Mexia.
José dos Santos B essa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vítor Manuel Dias Barros.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Antão Santos da Cunha.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Marques Fernandes.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto Duarte Henriques Simões.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel Pires.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel Lopes de Almeida.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA