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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 115

ANO DE 1964 15 DE JANEIRO

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 115 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 14 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo
Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 113, com as rectificações propostas pelos Srs. Deputados Sousa Meneses, Pinto de Mesquita e Reis Faria.
Leu-se o expediente.
Foram recebidos na Mesa os elementos requeridos em sessão anterior pelo Sr. Deputado Elísio Pimenta, a quem foram entregues.
Para efeitos do cumprimento do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foram igualmente recebidos na Mesa os n.ºs 305 e 306 do Diário do Governo, inserindo diversos decretos-leis.
Usou da palavra o Sr. Deputado Alberto Meireles sobre assuntos respeitantes aos preços praticados com vinhos engarrafados em estabelecimentos hoteleiros e similares.

Ordem do dia. - Efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Augusto Simões sobre a reforma do Código Administrativo.
Além do Sr. Deputado avisante, usou da palavra o Sr. Deputado Nunes Barata, que requererá a generalização do debate.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 15 horas e 55 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves. D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.

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Henrique dos Santos Tenreiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 72 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está na Mesa o Diário das Sessões n.º 113, correspondente à sessão de 9 de Janeiro. Está em reclamação.

O Sr. Sousa Meneses: - Sr. Presidente: pedi a palavra para apresentar a seguinte rectificação ao Diário dos Sessões n.º 113: na p. 284.1, col. 1.ª, 1. 7, onde se lê: «e aproveitaria, os inimigos», deve ler-se: «e aproveitaria aos inimigos», e na p. 2842, col. 1.ª, 1. 26, onde se lê: «o crédito externo pode muitas vezes», deve ler-se: «o crédito externo e interno pode muitas vezes».

O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: pedi a palavra, para apresentar a seguinte rectificação ao Diário em reclamação: na p. 2845, col. 1.ª, 1. 27, onde se lê: «Entendemo-la, não obstante, por várias razões», deve ler-se: «Entendemo-1.ª, não obstante, tempestiva por várias razões», e na mesma página, col. 2.ª, 1. 48, onde se lê: «sirvam-lhe», deve ler-se: «servem-lhe».

O Sr. Reis Faria: - Sr. Presidente: pedi si palavra para apresentar a seguinte, rectificarão ao mesmo Diário das Sessões: na p. 2838, col. 2.ª. 1. 22; onde se lê: «Rui Faria», deve ler-se: «Reis Faria».

O Sr. Presidente: - Continua em reclamação.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como mate nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, considero aquele número do Diário das Sessões aprovado com as rectificações apresentadas.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

Diversos de aplauso à intervenção do Sr. Deputado Reis Faria acerca dos problemas afectos à indústria e comércio da Madeira.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, ciumentos enviados pelo Governo em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Elísio Pimenta na sessão de 7 do Fevereiro do ano passado.
Vão ser entregues àquele Sr. Deputado.
Para efeitos do cumprimento do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.ºs 305 e 306 do Diário do Governo, 1.ª série, respectivamente de 30 e 31 de Dezembro findo, que inserem os Decretos-Leis n.ºs 45 480, que adia para 1 de Janeiro de 1965 a data prevista no artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 44 721, que promulga a Lei Orgânica das Ordens Honoríficas Portuguesas; 40 493, que abre um crédito no Ministério das Finanças para ser adicionado à verba inscrita no artigo 297.º, capítulo 11.º, do orçamento dos Encargos Gerais da Nação para o corrente ano económico; 45 496, que permite ao Ministro da. Marinha autorizar o Grémio dos Armadores de Navios da Pesca do Bacalhau a fretar o navio apoio Gil Eanes a armador regularmente inscrito como tal na Direcção da. Marinha Mercante e na Junta Nacional da Marinha Mercante; 45 497, que aprova o Código de Processo do Trabalho; 45 499, que considera legalizados todos os abonos do gratificação de isolamento liquidados até à presente data, os quais cessam com a publicação do prosou ta decreto-lei; 45 511, que abre um crédito no Ministério das Finanças para ser adicionado à verba inscrita no artigo 297.º, capítulo 11.º, do orçamento dos Encargos Gerais da Nação para. o corrente ano económico; 45 512, que abre um crédito no Ministério das Finanças, a favor do Ministério das Comunicações, para ser descrito no artigo 166.º, capítulo 34.º, do vigente orçamento do segundo dos mencionados Ministérios revoga, o Decreto n.º 45225; 45513, que prorroga, até 31 de Dezembro de 1954 o disposto no Decreto-Lei n.º 40 049, que permite que aos subsidiados pelo Comissariado do Desemprego presentemente ao serviço seja mantida a sua. actual situação; 45 514, que abro um crédito, no Ministério das Finanças para ser adicionado à verba, inscrita no artigo 247.º. capítulo 11.º, do orçamento dos Encargos Gerais da Nação para o corrente que económico; 455.18, que prorroga até 11 de Dezembro de 1964 os prazos de vigência dos Decretos-Leis n.ºs 37 375 e 37 402, que determinam a aplicação da pauta mínima às mercadorias classificadas pelos artigos 141, 142, 142-A, 143, 144, 144-A, 144-C, 145 e 388 da pauta de importação, os quais na pauta actualmente

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em vigor correspondem, respectivamente, aos artigos 27.09, 27.10.05, 27.10.04, 27.10.02, 27.10.03, 27.10.07, 27.10.09, 27.10.11 e 84.03.02, e 45 520, que autoriza a comissão administrativa de obras da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a fazer pagamentos, no corrente ano e no de 1964, por conta das obras de construção do prédio da Rua de Alexandre Herculano, 16, e Bua do Duque de Palmeia, 2 e 4.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto de Meireles.

O Sr. Alberto de Meireles: - Sr. Presidente: há exactamente dois anos tratei deste lugar de um pequeno problema: o do preço dos vinhos engarrafados praticado nos estabelecimentos hoteleiros e similares. Era tão evidente a justiça da causa que então defendi, que mereceu, a par de desvanecedora atenção desta Assembleia, decidido apoio da opinião pública, traduzido até em brilhante editorial do jornal O Século. E, a par disso, algumas missivas e escritos agrestes, como reacção, esperada, aliás, dos interesses feridos.
Reverto agora ao assunto, e não certamente para celebrar a efeméride; apenas porque entendo dever persistir, não obstante o insucesso.
Não vou reeditar agora a argumentação então aduzida a favor da imediata regulamentação do artigo 18.º da Lei n.º 1890, de 23 de Março de 1935, que estabelece salutar princípio de limitação da margem de lucro nos preços de vinhos engarrafados vendidos nos estabelecimentos hoteleiros.
Pedi então que se pusesse termo, sem demora, a uma situação que considerava, e considero, desprestigiante para a administração pública, na medida em que não assegura o cumprimento de uma lei justa e razoável, até porque não acautela e defende simultaneamente os interesses do produtor e do consumidor, que o mesmo é dizer o interesse geral.
Passou-se isto, lembro-o, na sessão de 12 de Janeiro de 1962.
E logo após soube com satisfação que o então Secretário de Estado do Comércio, Sr. Dr. Dias Rosas, havia ordenado o estudo urgente do problema, através de uma comissão representativa. E o certo é que dentro do prazo assinalado essa comissão, presidida pelo meu amigo Sr. D. Luís Cardoso de Meneses (Margaride), se desempenhou cabalmente do encargo, que envolvia dificuldades, apresentando o seu relatório e um projecto de regulamentação satisfatória.
Entretanto, a Comissão de Coordenação Económica, através de quem sabe do seu ofício, procedeu à revisão final do texto. E tudo fazia prever que, ainda dentro do ano de 1962, se conseguiria a publicação do almejado diploma.
A substituição do titular da Secretaria de Estado do Comércio, seguida a brevíssimo termo de nova mudança, terá concorrido, compreensivelmente, para retardar a resolução do problema.
Ia já adiantado o ano de 1963 quando surgiu novo, e desta vez grave, percalço. O sector corporativo de hotelaria, através da sua corporação, solicitou, e obteve, que lhe fosse cometido novo estudo do problema.
E aqui termina, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o meu conhecimento, aliás sempre oficioso, deste assunto. O que sei, o que todos sabemos, é que dois anos volvidos tudo continua precisamente nos mesmos e pouco edificantes termos que referi então a esta Câmara e ao País. E já não me espantaria que fosse considerada impertinência minha o querer resolvido urgentemente,- sem delongas, um problema que está 29 anos sem solução prática e que poderia arrastar-se ainda mais alguns sem que daí viesse grande mal ao Mundo, antes não pequeno proveito para os beneficiários deste estado de coisas.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!

O Orador: - Mas, por mim, continuo a pensar que, se a administração pública se não decide a fazer executar e cumprir lei vigente, mais decoroso é que a revogue puni e simplesmente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: há dois anos terminei a minha fala sobre este assunto com um apelo esperançado, que, como disse, foi ouvido, esteve mesmo à beira de provimento. Hoje, ao relembrar esta efeméride sem brilho, atenho-me à palavra forte, mas sempre actual, do nosso padre Vieira:
A dilação sem despacho são dois males; o desengano sem dilação é um mal temperado por um bem.
Se não me dais o que vos peço, livrais-me ao menos do que padeço; livrais-me da suspensão, livrais-me do cuidado, livrais-me do engano ...
E, por hoje, mais nada digo, Sr. Presidente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - A ordem do dia da sessão de hoje é constituída pela efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Augusto Simões sobre a reforma do Código Administrativo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Augusto Simões.

O Sr. Augusto Simões: - Sr. Presidente: ao subir pela primeira vez nesta sessão legislativa a esta tribuna, quero endereçar a V. Ex.ª, obedecendo a um imperativo da minha consciência e da amizade e consideração que tenho por V. Ex.ª desde tantos anos quantos foram aqueles que mediaram desde que tive a honra de ser seu aluno em Coimbra até hoje, os melhores votos de que V. Ex.ª neste ano que agora começou tenha as venturas de que é tão merecedor e que todos aqui lhe ambicionamos.
A VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, também desejo apresentar a expressão dos meus cumprimentos e votos para que VV. Ex.ªs neste ano, bem como suas famílias e todos os que lhes são caros, encontrem sempre um somatório de satisfações de que todos VV. Ex.ªs tão dignos são.
Estes meus votos são extensivos aos representantes da imprensa e a todos que nesta Casa trabalham.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: começo por agradecer aos meus ilustres colegas de círculo a mercê que me quiseram fazer ao encarregarem-me da efectivação deste aviso prévio, que, em nome de todos, tive a honra de apresentar oportunamente.
A distinção é tanto mais meritória para mim quanto é certo que, entre todos, menos me pertencia a mim do que a qualquer deles a honra de, ao serviço do importante sector da administração local, vir chamar a atenção do Governo para a grande multidão dos problemas que a afligem, procurando que as soluções que tantos há tanto

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tempo pedem e esperam não se diluam de todo nas páginas voltadas da agenda da grande política nacional!
Quero crer que na escolha, além da II atufai indulgência, muito influiu o facto de se saber que com plena consciência, dei conta de muitos desses problemas quando pela força inquebrantável do Destino tive de servir o meu município de origem durante mais de três lustros, iniciados antes de 1936.
Tomei então conhecimento c estreito contacto com toda a grande teia de dificuldades que tanto nos embaraçavam a administração desse minúsculo corpo administrativo, amargurando a nossa actividade em razão dos estreitos limites., que- lhe impunha a sua permanente debilidade de recursos e o condicionalismo então vigente.
O encontro com as edilidades de outros municípios fez-me conhecer a generalização desse grande mal e criou em mim a ideia, que sempre me tem acompanhado, de colocar ao serviço das instituições municipais os magros recursos do meu acanhado valimento.
Obedecendo a tal ideia, apresentei numa das sessões desta Câmara, em Abril de 1959, no decorrer da última legislatura, uma nota de aviso prévio em que me propunha tratar da vida difícil e tormentosa da grande maioria dos nossos municípios.
Deixei com singeleza sumariada nessa nota a necessidade de valorizar as instituições administrativas, nomeadamente as câmaras municipais, como indestrutíveis unidades de acção, com lugar perfeitamente definido na orgânica nacional, com tarefas importantíssimas que nenhum outro organismo ou instituição pode cumprir com o mesmo, ou sequer aproximado, proveito local e nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para tanto, propunha-me fazer uma revisão do. conjunto dos direitos e obrigações dessas autarquias, referindo - como dizia - o apoucamento daqueles e o indefinido e arbitrário alargamento destas, com a consequente impossibilidade de servirem os seus povos em ordem a conferir-lhes teor de vida conforme com os grandes princípios da dignidade humana.
Anunciou-se, entretanto, a publicação do novo Código Administrativo para o findar do ano de 1960, em cumprimento do determinado no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 42 536, de 28 de Setembro de 1959, e por isso não se julgou oportuna a efectivação desse aviso.
Decorreu o tempo sem que essa publicação se fizesse, ficando assim incumprida a citada disposição legal.
Pareceu então conveniente que eu renovasse o meu propósito, e daí o ter apresentado uma nova nota de aviso prévio sobre a mesma matéria, que venho efectivar agora.
Foi essa apresentação feita na sessão de 23 de Abril do ano corrente e, segundo consta do Diário das Sessões n.º 95, que a inseriu, o sumário escolhido não se afasta muito do sumário primeiramente apresentado.
E nem podia deixar de ser assim.
As razões que haviam presidido ao meu propósito inicial ainda todas se mantinham na plenitude da sua força.
Por isso se deixou afirmada, depois de rápida passagem sobre a situação actual das autarquias municipais, a necessidade da revisão do sistema do actual Código Administrativo, que, dizia, criou os grandes desencontros da estrutura financeira municipal, ciosamente mantida em apertado e rígido condicionalismo centralizador, que teima em não equacionar o crescente valor das necessidades dos povos com o deficitário teor das administrações locais para as satisfazerem.
Desta sorte, se anunciou o propósito de analisar essa estrutura financeira nos seus diferentes aspectos, partindo, evidentemente, das receitas para se fazer ajustada apreciação das despesas como maneira que pareceu melhor para demonstrar II necessidade da predita revisão.
Quando, porém, dei conta do ambicioso sumário que traçara, logo reconheci a completa impossibilidade de o desenvolver com a latitude que lhe sonhei!
Primeiramente, tive de aperceber-me que havia superestimado as minhas próprias possibilidades de antigo e modestíssimo presidente de uma câmara humilde, que, a despeito de ter sido uma escola onde se aprenderam as proveitosíssimas lições de uma experiência vivida em muitos anos dezassete foram os que a servil -, não me conferiu mais do que os primeiros rudimentos da difícil ciência administrativa.
Depois, porque, aliado a tais limitações, o desenvolvimento completo - ou que pudesse ser havido como tal - desse sumário não podia ser feito, na minha vida ocupada e complicada, no acanhado tempo de que pude dispor.
Desta sorte, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o meu trabalho, que não sairá da linha despretensiosa das minhas intervenções nesta Câmara, não será, de nenhum modo, e porque o não pode ser, um completo repositório das muitas razões que pesam a favor da causa que me propus defender, mas, sim, mais um depoimento em que procurará demonstrar-se que, infelizmente, na orgânica daquelas nobres autarquias há fortes peias a mais ao lado de muitos direitos a menos.
Não é, de maneira nenhuma, novo este pensamento!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: nunca entre nós foi posta em dúvida a imprescindibilidade das comunidades municipais e o altíssimo somatório das suas grandes virtualidades.
Pensamento dominador das relações humanas, sempre os mais fortes, desde as épocas primevas, em que o Poder tinha mais cunho pessoal, se lembraram que a sua sobrevivência tinha, como condição primeira, a da sobrevivência dos mais fracos na sua vida em comum.
Daqui que estes fossem ganhando direitos que se haviam de manter e definir para poderem perdurar.
As comunidades municipais apareceram assim, e não importa agora aprofundar o seu condicionalismo inicial e as suas origens como instrumentos de manutenção e definição desses direitos.
Por isso, atravessaram as procelas políticas que a humanidade foi sofrendo e aparecem, nos alvores da nossa nacionalidade, como valores indiscutíveis, de que os nossos monarcas não quiseram nem puderam prescindir.
São bem conhecidas as vicissitudes dos nossos municípios através dos nossos oito séculos de história e a gama variada dá sua evolução.
Superiores, sempre, aos vendavais da política, com maiores ou menores direitos, eles chegam aos nossos dias carregados de tradição. É que, ciosos guardadores das liberdades humanas e da sua preservação na vida comum do conjunto de almas ligadas pelo mesmo destino, os municípios sempre foram as instituições que melhor as acautelaram e desenvolveram, defendendo-as contra as cobiças do mando de qualquer hierarquia.
Não há, nem nunca houve, entre nós opiniões divergentes a este respeito.
O município é, assim, uma realidade viva e natural que se tem projectado na nossa história como se projectou e projecta na história dos povos em que o indivíduo aparece como um ser dotado de personalidade que lhe atribui direitos e obrigações, nas quais se cimenta a dignidade

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da pessoa humana, definida e exigida pela civilização cristã.
Sempre, por isso, os respeitaram os governos, que nunca se atreveram a tentar modificar-lhes a essência, a despeito de, pelas necessidades da política que tinham de servir e pelas exigências da evolução da vida, os governantes gostosamente lhes fossem restringindo, em maior ou menor medida, a sua esfera de acção e a sua influência, em seu proveito próprio ou dessa política.
A ideia de centralização não é, assim, de nenhuma maneira, uma ideia nova.
Passo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, depois desta brevíssima afirmação de generalidades, que vai de encontro aos amplos conhecimentos que são património geral, por sobre todo um largo período das grandes vicissitudes da vida portuguesa, a que veio pôr termo a Revolução de 1926, que na história entrou como Revolução Nacional.
Não importará referir todo esse longo historial de desvirtudes e de penosíssima existência que os desmandos da política de então fez viver aos Portugueses.
Basta, para o fim que me proponho atingir, relembrar que a vida portuguesa estagnara por via das lutas fratricidas dos partidos, acentuando-se cada vez. mais o nosso atraso em relação aos meridianos da civilização que as outras nações já viviam!
Chegamos assim aos primórdios da Revolução Nacional, que preparou Portugal para a grande arrancada da sua renovação.
Revolução que se fez sem fogo, teve ela, no entanto, o condão de acender e incendiar nas almas a chama sagrada da Pátria.
Eivada dos mesmos males que tanto tinham afligido Portugal, a vida das autarquias desenvolvia-se com igual sentido de estagnação.
Os povos experimentavam atrasos consideráveis nas obras da sua valorização e os seus níveis de vida mantinham-se em expressões de apavorante modéstia.
É bem conhecida a grande debilidade económica que a Revolução Nacional veio encontrar.
Generalizado o espírito partidário, que nunca conseguiu propiciar aos governos sucessivos mais do que uma efémera duração, que não dava tempo ao estabelecimento de planos de proveitosa política, as autarquias, nas quais essa instabilidade governativa tanto se reflectiu, sofreram-lhe as perniciosas consequências.
Não fora a longa tradição, que os séculos já cimentavam, do bom espírito municipalista, e talvez os municípios houvessem sofrido nessa altura o mais duro revés do seu longo historial.
Mas esse espírito mantinha-se activado pelas premissas que o haviam feito nascer.
A estrutura municipalista era ainda suficientemente forte para poder resistir aos embates das lutas fratricidas da hierarquia estadual.
Mas o condicionalismo tinha de produzir os seus efeitos.
Os concelhos não puderam valorizar-se, como era mister.
Este o panorama de carência, de atrasos, de descrenças e de lutas com que a Revolução Nacional se topou.
Era necessário modificar todo este estado de coisas, pois, segundo já havia dito Salazar na sua célebre conferência proferida em Viseu no ano de 1909, e sempre actual, «tornava-se indispensável aos portugueses de ontem fazerem da mocidade o glorioso Portugal de amanhã - um Portugal forte, um Portugal instruído, um Portugal moralizado, um Portugal trabalhador e progressivo, com tão bons portugueses no século XX, como outros o foram no século XVII».
Para tanto, muitas e muito importantes eram as tarefas a realizar.
Compreensivelmente, o Estado ajustou a sua própria estrutura às prementes necessidades que se depararam aos seus governantes e foi instituída a Ditadura Nacional, que antecedeu o Estado Novo!
A despeito, porém, de ser naturalmente centralista, a Ditadura Nacional não modificou ou interferiu muito na vida municipal; prometeu revigorar os concelhos e insuflar-lhes as forças necessárias para a execução dos grandes planos de melhoramentos que se entendia ser indispensável disseminar através do País para o seu engrandecimento.
Vigoravam, nesse tempo, por expresso mando do Decreto n.º 12 073. publicado em 9 de Agosto de 3926, e em parte, o Código de 1878 e o de Ü886, conjuntamente com abundante legislação avulsa.
A par de uma lei de índole marcadamente desceu tralizadora, o Código dó 1878 -, que ficou a reger apenas quanto à organização administrativa, outra lei nitidamente centralista -o Código de 1896- tinha um longo domínio.
Volvida a primeira década da Revolução Nacional, veio o chamado Estado Novo tomar o lugar da ditadura.
As grandes reformas operadas neste período, em que tanto se alteraram as estruturas económica, política e social da Nação, com o ganho da estabilidade de que durante tanto tempo haviam estado ausentes, propiciaram a publicação de um novo Código Administrativo, que foi promulgado em 31 de Dezembro de 1936, contido no Decreto-Lei n.º 27 424, cujo aparecimento coincidiu com o centenário do primeiro Código Administrativo, que foi o de 1836, como esse decreto faz notar no seu preâmbulo.
Segundo o mesmo preâmbulo, porque o novo código pretendia criar para a vida administrativa «uma fase harmónica com a idealogia que, no domínio constitucional, havia inspirado as reformas do Estado Novo», tinha ele a natureza de um diploma provisório.
Asseverava-se ainda nesse intróito que com esse código se fazia uma experiência de dois anos, período que se reputou suficiente para revelar as insuficiências do regime administrativo que se procurava instituir. Ao mesmo tempo, anunciava-se que uma comissão de técnicos tomaria boa nota das críticas e sugestões que viessem a ser feitas ao diploma e acompanharia a sua execução dia a dia ... para que, nos fins de 1938, o Governo estivesse habilitado a publicar o código definitivo do Estado Novo, tão definitivo, claro, quanto o podem ser as leis, particularmente as leis administrativas, acrescentava-se à cautela!
Elaborado pelo insigne mestre de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Lisboa Sr. Prof. Marcelo Caetano, o Código de 1936 representa, segundo o seu ilustre autor Manual de Direito Administrativo, pp. 114 e segs. -, uma inovação completa relativamente às codificações anteriores; não é propriamente uma compilação legislativa, mas contém profundas reformas da orgânica administrativa que vigorava.
Consabida como é a sua sistemática, não se torna necessário fazer-lhe a completa referência.
Há que dizer em louvor de tal código que. na verdade, o sistema nele adoptado, isto é. a sua divisão em quatro partes, que continham: a primeira, a organização administrativa; a segunda, o estatuto dos funcionários administrativos e dos assalariados; a terceira, o condicionalismo das finanças locais, e a quarta, as normas do contencioso

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administrativo, se apresentou como inteiramente cabido e apropriado, e tanto que o não modificou a redacção definitiva que a este código veio a ser dada em 1940.
Organizado e editado em período de franca estabilidade da vida nacional, este código reflecte bem o espírito construtivo da época, quando, além do mais, estabelece com larga pormenorização a competência dos corpos administrativos, impondo-lhes o activo dinamismo que tão necessário se mostrava.
Assim, a essas autarquias se traça um vasto e importantíssimo somatório de actividades, que vão desde a administração dos seus bens próprios e dos comuns ao fomento e coordenação económica, ao abastecimento público, à cultura, à assistência, à salubridade pública e até à própria polícia.
Pode afirmar-se que, de uma maneira geral, todas as actividades da vida humana encontram lugar na especificação da competência que é atribuída aos órgãos de administração local por este código.
Contudo, a despeito de impor tão grande somatório de obrigações, certamente com o nobre intuito de dinamizar a vida administrativa, adormecida em várias latitudes do território nacional pelo desinteresse a que por lá se chegara, este código, ao mesmo tempo impulsionador e cauteloso, não deu grandes largas às administrações municipais!
O condicionalismo estabelecido que, por um lado, estreitava os horizontes em que essas administrações se podiam mover livremente e sem peias, por forma que o seu dinamismo pudesse ser controlado de dentro e de fora, por outro, encurtava-lhes as possibilidades através do regime financeiro que lhes impunha.
Na verdade, às administrações municipais não ficava margem para talharem os seus réditos, na justa medida das grandes necessidades que lhes cumpria satisfazer, já que esses réditos, na sua parte mais importante, haviam de chegar aos seus cofres através do sistema fiscal do próprio Estado, cobrados com alguns dos impostos e contribuições com que este robustecia o seu erário.
Houve mesmo o cuidado de afirmar no artigo 566.º que «o concelho, a freguesia e a província gozavam de autonomia financeira, sem prejuízo da fiscalização e tutela do Estado».
Sem embargo deste estreito condicionalismo para obtenção de receitas ordinárias, às administrações municipais foi desde logo imposta como despesa sua, para ser satisfeita obrigatoriamente, uma impressionante série de gastos que, em boa verdade, nada interessavam ao desenvolvimento da vida municipal.
Foram todas essas despesas taxativamente enumeradas nos dez números do artigo 640.º e por eles se mostra e vê como foi violenta e descabida semelhante exigência.
Na verdade, obrigar as câmaras municipais ao pagamento das despesas que só ao Estado deviam pertencer, como eram todas as que em tais mimemos do citado artigo se referem, representa uma nítida contradição com o postulado básico que presidiu à elaboração desse código e que no seu preâmbulo se afirmou ser «a intenção de iniciar na vida. administrativa uma fase harmónica com a ideologia que, no domínio constitucional, inspirou as reformas do listado Novo».
Se se podia aceitar que antes do domínio constitucional, e por mercê das grandes tarefas da reconstrução em que a ditadura se tinha lançado e para obviar às enormes despesas que foi necessário fazer, o Estado impusesse às câmaras esse sistema de indirecta contribuição nos seus gastos, já não é admissível que tal sistema se transladasse para um código, tornando-o assim uma norma natural de vida.
É que ela ofendia nitidamente o espírito construtivo da Constituição Política, na medida em que restringia as grandes missões específicas das câmaras municipais, que não podem ser cumpridas senão depois de estarem pagos os encargos da alheia administração!
Na verdade, assentou-se em que as câmaras teriam de satisfazer obrigatoriamente as despesas com a renda, construção, conservação e reparação dos tribunais judiciais de 1.ª instância com sede na circunscrição municipal; as despesas com renda, instalações, mobiliário, água e luz das secções de finanças concelhias e dos bairros de Lisboa e Porto, tesourarias da Fazenda Pública, tribunais das execuções fiscais, conservatórias do registo civil e delegações de saúde, conservatórias do registo predial, nas sedes da comarca, e administrações dos bairros de Lisboa e Porto; as despesas com o expediente das escolas primárias; as despesas da instalação dos carcereiros; as despesas de renda, construção, conservação e reparação das casas para magistrados judiciais; as despesas de transporte de doentes para- tratamento anti-rábico, quando não fossem conhecidos ou não possuíssem recursos os donos dos cães raivosos; as despesas com o tratamento dos doentes pobres em determinados hospitais; as despesas do recenseamento eleitoral, do recenseamento militar e do recenseamento escolar; as despesas com quotas que, por lei, houverem de ser pagas a associações ou institutos nacionais ou internacionais.
De uma maneira geral estes encargos já constavam de preceitos de diplomas que os vários departamentos do Estado foram editando para se aliviarem da pressão importante dos seus numerosos gastos.
Mas não eram só estas as despesas que os municípios tinham de satisfazer obrigatoriamente. Outras e vultosas lhes impunham diversas providências legislativas ou actuando como tal, como, por exemplo, os gastos com o levantamento aerofotogramétrico do território nacional, que foram de apreciável montante.
Pena foi, na verdade, que, ao promulgar-se um código tão valioso, no qual, como escreveu o seu ilustre autor em notável artigo publicado em número extraordinário de O Século com que esse jornal quis assinalar as comemorações do duplo centenário da fundação e restauração de Portugal, em 1940, «se abriam horizontes magníficos ao município português», se houvessem enevoado esses horizontes com um condicionalismo que, ditado por certas conveniências momentâneas e exclusivistas, não podia servir, e não serviu integralmente, o grande interesse nacional que o ditara.
Efectivamente, se é certo, como afirma ainda o insigne professor, que «o município não precisa de mais atribuições ou de mais competência, mas apenas de encontrar quem saiba animar e utilizar as faculdades legais para as exercer em prol do comum», certo é também que, para se atingirem tão altas finalidades, têm as administrações de poder dispor dos meios necessários, de contar com as possibilidades materiais para executarem a obra que, com inteligência, amor e entranhada dedicação aos seus rincões, tenham concebido os seus administradores com o esclarecimento que sempre foi apanágio dos homens bons dos concelhos.
Ora o importante diploma que foi o código de 1986 não harmonizou os seus nobilíssimos intentos da incentivação da vida local com as possibilidades de se realizar essa mesma incentivação no ritmo e na expressão que se impunham.
E puna foi que assim tivesse sucedido.
Condicionada estreitamente a possibilidade de obtenção dos meios indispensáveis ao cumprimento rigoroso dos seus imperativos deveres, uma grande maioria de administra-

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coes locais teve de ceder e acomodar-se ao condicionalismo da afrontosa mediocridade dos seus recursos. Daqui resultou, precisamente, o contrário do que pretendera atingir-se com a publicação deste código ...
 vida das autarquias, nomeadamente a daquelas mais desfavorecidas economicamente, que tinha decorrido em ambiente de suma dificuldade, no apertado condicionalismo financeiro da legislação avulsa publicada na década que precedeu a publicação do Código Administrativo de 1986, não experimentou sensível melhoramento!
E que esses administradores com o grande desengano que sofreram ao verem confirmado nos artigos do código esse abominado condicionalismo sentiram que se frustravam muitas das suas missões.
Reagiram os que podiam dispor de recursos provindos de maior ou menor desafogo económico dos povos concelhios; aqueles, porém, que presidiam aos destinos das autarquias mais empobrecidas, esses, resignaram-se ao fatalismo que julgaram intransponível e abrandaram ou pararam as suas iniciativas.
Sofreu, com semelhante estado de coisas, o panorama económico-social da Nação, que, por ser integrado pelo somatório da valia económica de todos os rincões, não é imune a empobrecimento que qualquer deles experimente.
Restava ainda uma esperança.
O Código de 1936 apresentava-se como provisório, como uma experiência em busca de ensinamentos necessárias à elaboração do código definitivo do Estado Novo, anunciado para dois anos depois, no qual, como se disse já, «deveria ficar acautelada a vida administrativa em fase harmónica com a idealogia que, no domínio constitucional, inspirara as reformas do Estado Novo», segundo se afirmava no seu preâmbulo.
Ora, previra-se também que uma comissão havia de acompanhar, dia a dia, a aplicação deste código, para lhe surpreender as insuficiências.
Estas tararam-se amplamente conhecidas no capítulo de finanças locais, porventura o mais importante, por ser a chave de toda a vida administrativa.
A despeito, porém, desse conhecimento e de se haver, certamente concluído que esse sistema carecia de ser amplamente remodelado, não em ordem a um regresso ao municipalismo romântico de outras eras, já amplamente ultrapassado pela progressiva evolução da vida, mas ao municipalismo adequado aos tempos modernos e aos primados de justiça da Revolução Nacional consigna -, dos na Constituição Política, esse sistema permaneceu, e veio a ser inteiramente confirmado, no Código Administrativo do Estado Novo, que foi publicado em 1940, de-1 pois da revisão do de 1936, que substituiu!
Este Código de 1940, que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 31 095, de 31 de Dezembro de 1940, não é por isso um código novo; é e representa antes o de 1936 com o seu texto revisto, ampliado e completado com o Estatuto dos Distritos Autónomos das Ilhas Adjacentes, corrigido ainda no ano de 1941 pelo Decreto-Lei n.º 31 386, de 14 de Julho desse ano.
Desta sorte, o espírito e o sistema deste código do Estado Novo são sensivelmente os mesmos que dominaram o de 1936.
A persistência, do referido regime financeiro imposto às autarquias, que não lhes permitia lançar mão dos recursos de tributação específica para além de muito acanhados limites, nem de se socorrer do crédito por via de empréstimos cujo condicionalismo igualmente se endureceu, ao mesmo tempo que obrigou ao pagamento de avultadas despesas de todo estranhas ao regular desenvolvimento da gestão municipal, a persistência do referido sistema, dizia, frustrou, em grande parte, o confessado desejo de integração da vida administrativa no paralelo constitucional das reformas do Estado Novo! Código de nítido cunho cesarista, em vez de ter criado autarquias de vida económico-financeira equilibrada, onde as edilidades pudessem trabalhar segundo planos ordenados à luz do melhor interesse local, este diploma sancionou antes uma vida autárquica limitada por um sem-número de peias, exclusivista e difícil, cujo melhoramento quase só poderá provir das liberalidades do Estado, do qual em grande parte depende!
Desencorajou-se, desta sorte, a necessária evolução da vida municipal e -, como seu natural reflexo, viu-se o Estado privado de parte muito importante do poder realizador das autarquias, principalmente daquelas cuja debilidade financeira lhes não permite acompanhar o ritmo de progressivo engrandecimento que tão ansiosamente se procurava, e eram em maior número!
Na verdade, carecidas de recursos para criarem um corpo técnico apto a servir as crescentes exigências que a burocracia estatal punha como condição sine qua para o acesso às comparticipações e subsídios que concedia, as autarquias mais carecidas tiveram naturalmente de desinteressar-se dos estudos de planos destinados a catalogar as suas mais imperiosas necessidades.
E que a mesma carência, não permitindo a realização e o desenvolvimento das federações de municípios que o código prevê, afastou a possibilidade de se criarem repartições técnicas necessárias ao planeamento que se impunha.
Daqui que uma grande parte da potencialidade realizadora das autarquias se fosse embotando gradativamente pela acomodação ao condicionalismo de dificuldades em que tinham de viver!
Tudo isto fez nascer uma reacção volumosa, tanto mais justificada quanto é certo que os grandes males da insuficiência financeira das autarquias mais afastavam do progresso as regiões que mais carecidas se mostravam da sua benéfica influência.
Essa reacção assumiu as mais variadas formas e deu lugar a críticas, estudos e sugestões que, no entanto, não obtiveram o natural provimento.
Recordo agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, por ser de real interesse, dado o seu alto merecimento, o notável aviso prévio efectivado nesta Câmara em Janeiro de 1947 pelo Sr. Deputado Rocha Paris, que muito ainda se valorizou com outros notáveis depoimentos de outros Srs. Deputados. Em estudo consciencioso e exaustivo aqui se dissecaram e estudaram os grandes problemas do mundo administrativo, frisando-se, com alto sentido de compreensão, as relações do Estado Novo com os municípios.
Como resultado dessa séria e valiosa análise da situação das nossas autarquias, que eu bem gostaria de poder igualar, e da sua repercussão no desenvolvimento da vida local e nacional, foi aprovada pela Câmara um moção, que peço licença para transcrever, dado o seu interesse ainda actualizado:

Era o seguinte o seu teor:

Considerando que importa manter vivo o espírito municipalista, de tão antiga tradição; Considerando que as circunstâncias em que actualmente decorre a administração municipal não permitem, nem atender as crescentes e, aliás, imperiosas necessidades dos munícipes, nem acompanhar em ritmo semelhante a obra de renovação empreendida pelo Estado;
Considerando que os municípios prolongam a acção do Estado até às mais recônditas aldeias;

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Considerando que os municípios têm uma função política e administrativa do mais alto valor e conveniência:
A Assembleia Nacional, verificando as dificuldades crescentes da maior parte dos concelhos do País e que tais dificuldades parecem agravar-se ainda mais, sugere ao Governo a conveniência de estudar a forma de libertar as administrações municipais de todos os encargos que em rigor devem pertencer à Administração Central e de as habilitar a ocorrer aos sempre crescentes encargos. resultantes das actuais circunstâncias económicas, quer por mais largas comparticipações, quer pela revisão geral das suas fontes de receitas.
Volvidos mais de três lustros sobre este importante debate, temos de reconhecer que pouco, bem pouco, se praticou no sentido de debelar os graves males que foram então denunciados.
Estava prevista para os fins de 1960, como se disse, a revisão do actual Código Administrativo.
Essa revisão ainda se não fez, nem se sabe que haja sido nomeada a comissão que a devia estudar, como cumpre e convém.
Entretanto, a despeito de se saber e conhecer que o sistema vigente apresenta anomalias de muito tomo e permitiu verdadeiras distorções que importava ter há muito banido, não parece que haja pressa em as colmatar.
As autarquias locais, principalmente o município, continuam a ser os grandes esquecidos nas reformas que se vão processando.
Haja em vista o que se passa com a transcendente reforma do direito fiscal, editada no ano pretérito e há muito anunciada.
Não obstante saber-se e conhecer-se que, por efeitos dos mandos tutelares, a parte mais importante dos réditos das autarquias provém precisamente do adicional às contribuições do Estado, que os respectivos serviços cobram não graciosamente, no entanto parece ter-se obliterado esse facto e os novos códigos não acautelaram - e parece que riem consideraram- essa circunstância!
Daqui a necessidade de ter de alterar apressadamente nessa parte o Código Administrativo, para que as autarquias possam contar com certas receitas de que não podem prescindir.
Ora, estando amplamente reconhecida a necessidade de estudar e rever toda a estrutura financeira das câmaras municipais, juntas de freguesia e juntas distritais em ordem a colocar esses importantíssimos órgãos da administração local em condições de desenvolverem completamente as suas grandes potencialidades. parece que nos estudos que levaram k publicação da abundante legislação fiscal se deveria ter considerado a sua repercussão nas finanças das autarquias, procurando remediar os novos males.
Como isso não aconteceu, razão há, na modéstia do meu ver, para concluir que tal só foi possível pelo grau de esquecimento a que os municípios e restantes autarquias locais têm estado votados!
Tenho alegado, Sr. Presidente, que os corpos administrativos, designadamente as câmaras municipais, têm vivido sob um regime de carência financeira que muito tem comprometido as suas missões específicas.
Importará agora fazer algumas considerações a tal respeito, aliás dentro do próprio sumário que entendi dever fixar para o presente aviso prévio.
E da sabedoria geral que sem os meios indispensáveis ninguém pode alcançar a utilidade integral que lhe pertence.
Esta regra tão comezinha, quase lapaliciana ..., tem plena aplicação no mundo autárquico, onde o papel de mais saliente relevo pertence ao município.
Na verdade, ninguém põe em dúvida que ao município, como instituição natural, cabe a realização das mais importantes tarefas do engrandecimento local e concernentes à elevação e dignificação da vida dos seus povos.
Assim também o entende o Código Administrativo actual, que no seu artigo 44.º, ao especificar as atribuições das câmaras municipais, lhes confere uma actividade vastíssima repartida pelos mais importantes sectores da vida até à morte da pessoa humana.
Em face da enumeração tão minuciosa e cuidada da dita competência caberia perguntar se esta chegará ou não para assegurar o cabal desempenho da grande missão que tradicionalmente tem pertencido e deve pertencer a estas autarquias.
Salvo um ou outro ajustamento que cumprirá certamente fazer, parece que o Código Administrativo traçou as câmaras municipais a conveniente actividade.
Não se tem ouvido queixas ou lamentações a tal respeito.
Na verdade, aquele mencionado artigo 44.º e os que se lhe seguem, em que fica desenvolvida a extensão de cada um dos sectores dessa competência, abarcam os mais importantes aspectos da vida local, e, se a pudessem exercer completamente, as câmaras municipais haviam de realizar uma tarefa gigantesca em prol do bem comum!
Desta sorte, e neste aspecto, não há centralização condenável, pois, longe de chamar a si a definição e execução desta valiosa actividade, o Estado reconheceu que ela deve pertencer aos municípios, a cargo de quem a deixou.
A centralização que tem dado lugar a reparos e a queixas de maior ou menor tomo é a que concerne às intervenções da Administração Central no funcionamento das autarquias e que coarctam a autonomia, sempre havida como o mais caro dos seus direitos fundamentais.
O Sr. Dr. Pires de Lima, numa das suas valiosas comunicações ao IV Congresso da União Nacional, afirmou:

Visando o bem comum, cumpre ao Estado velar pelo funcionamento normal das instituições de cuja colaboração não pode prescindir sem graves consequências, remover obstáculos à sua acção, coordenar actividades afins e servir de árbitro nos dissídios que se verifiquem, cuidando que os particularismos se amoldem aos interesses superiores da colectividade nacional que só a ele compete definir.
O problema - continua - consiste em estabelecer o carácter e os limites dessa intervenção quanto à constituição e ao funcionamento das mesmas instituições. A sabedoria estará em manter essa intervenção em termos convenientes: nem tão larga que possa afectar a dignidade, enfraquecer o espírito de iniciativa e o sentido das responsabilidades próprias, nem tão reduzida que ponha em risco a autoridade do Estado, a unidade do comando que tem de orientar, estimular, coordenar e fiscalizar!
Merece o nosso inteiro aplauso e a melhor concordância esta clara opinião do ilustre director-geral de Administração Política e Civil do Ministério do Interior, como aplauso e concordância merece outro passo da sua douta comunicação em que afirma:

As condições da vida moderna e o princípio da eficácia que tem de dominar a administração pública em todos os seus sectores não se compadecem com o isolamento que caracterizava em tempos idos a gerência das autarquias locais.

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Cabida se nos afigura a afirmação de que se não pode abstrair, portanto, do sistema de apropriadas relações entre o Estado e as autarquias, «pois o que importa - conclui - é que tais relações se estabeleçam e funcionem com o espírito próprio, não com o propósito de absorção que destrói ou enfraquece a iniciativa e o sentido das responsabilidades, mas, pelo contrário, com ânimo de colaborar, de analisar, de suprir deficiências, procurando sempre salvaguardar o prestígio dos órgãos e a eficiência das funções».
Ora não tem sido, infelizmente, este o pensamento que tem dominado alguns altos departamentos do Estado e dos seus serviços quando contactam com as autarquias locais.
Estas não são encaradas, a maior parte das vezes, como elementos activos e valiosíssimos com quem importava colaborar decidida e amplamente. Ou se olham e tratam com desmedida sobranceria ou, o que ainda é pior, se desconhecem ostensivamente.
Estou em crer, Sr. Presidente, que para semelhantes julgamentos dos órgãos estaduais concorre muito a subalternidade que deriva de certos passos da nossa lei administrativa e das extravagantes, que criam às autarquias toda a sorte de obrigações ...
Mas voltaremos a este assunto ...

O Sr. Martins da Cruz: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Martins da Cruz: - Tenho estudo a seguir com toda a atenção a intervenção de V. Ex.ª, mas verifico não poder estar de acordo com algumas considerações, sobretudo nas que respeitam à análise financeira da vida municipal, a por ora não desejo tomar posição quanto a aspectos doutrinários que V. Ex.ª acaba de focar e que poderiam ter incidência na reforma fiscal que está a ultimar-se.
Penso que mereceria a pena, para ajudar a compreender bem a situação financeira dos municípios, registar alguns números que, a meu ver, não consentem conclusão tão categórica como aquela que se me afigura que V. Ex.ª está a pretender tirar das considerações que fez. E, assim, reportando-me apenas aos primeiros vinte anos de vigência do actual Código Administrativo, ou seja de 1936 a 1956, direi que nesse período, salvo erro, as despesas do Estado aumentaram cerca de três vezes e meia, enquanto as despesas dos municípios aumentaram na ordem das cinco vezes, se a memória me é fiel.
Quer dizer: foi possível aos municípios nestes primeiros vinte anos de vigência do actual Código Administrativo despenderam verbas que perfazem cinco vezes o total despendido em 1936, enquanto o Estado via os dinheiros por ele despendidos aumentados apenas em cerca de três vezes e meia.
Poderia supor-se que este aumento era feito à custa de dívidas contraídas pelos municípios e, por conseguinte, esse aumento não teria o significado de exprimir igual aumento nas receitas. Mas também quanto a esse possível argumento direi que a dívida dos municípios em 1929 andava à volta de 130 000 contos e representava cerca de se por cento das receitas normais dos municípios.
Vinte anos depois a dívida dos nossos municípios é da ordem dos 450 000 contos, mas este aumento representava apenas cerca de 30 por cento daquelas receitas.
Em face disto, talvez não seja exacto concluir - e eu estava a seguir a ordem de considerações de V. Ex.ª - que, mercê do Código Administrativo em vigor, se tenha

criado aos municípios uma situação financeira calamitosa. Talvez se possa concluir que a sua situação financeira lhes permitiu, nos primeiros vinte anos do Código Administrativo, um fomento tão extraordinário que lhes exigiu um aumento de despesas igual a cinco vezes o volume das despesas anteriores à vigência daquele código.

O Orador: - Agradeço as apreciações de V. Ex.ª e devo declarar que não é a primeira, nem a segunda, nern até a terceira vez que tenho ouvido isso, e também li essa opinião certamente na fonte em que V. Ex.ª a leu. Mas essa opinião não me convenceu, e é pena que tenha convencido V. Ex.ª

O aumento das receitas a que V. Ex.ª se referiu, esse aumento de possibilidades, toda essa grandeza, refere-se, infelizmente, a uma escassa, não chega a meia centena de municípios, precisamente os mais favorecidos, os das cidades, onde a vida experimentou uma sensível melhoria.

Estamos aqui no caso das estatísticas, e lembro-me da história, que V. Ex.ª também conhece, do pobre e do rico que dispunham de dois bifes. Como havia dois bifes a distribuir por dois, estatisticamente cada um comeu o seu, quando a verdade é que o rico comeu os dois. Assim, também os municípios pobres deste País permaneceram sempre pobres, enquanto os municípios ricos sempre se mantêm ricos, por virtude do gigantismo da urbe, por virtude de estarem mais ao «pé do lume».

Dentro do condicionalismo criado pelo Código Administrativo, os municípios pobres só podem fazer o que lhes deixam. Se as suas contribuições vêm através das contribuições do Estado e através da comparticipação, necessariamente que a sua percentagem é maior onde a vida enriqueceu, onde as condições do progresso ...

O Sr. Alberto de Meireles: -Onde há dois bifes!

O Orador: - Exactamente, onde há dois bifes. Não estou aqui a defender os graúdos, mas aqueles que, como no distrito de V. Ex.ª, já se lhe têm chegado ao pé a dizer: «Dr. Martins da Cruz, veja lá se pede uma fontinha cá para a terra».

Suponho que esclareci V. Ex.ª O que V. Ex.ª citou são tudo normas estatísticas que podem convencer no papel os tecnocratas, mas não convencem o bom povo e aqueles que como eu sabem que, com estatística ou sem estatística, o que é certo é que a vida local da zona desfavorecida continua submetida a toda a sorte de inibições, e não lhe podem acudir as câmaras que servem essas zonas!

Eeferida a importantíssima gama das missões que. dentro de um objectivo espírito de compreensão, se entregaram às autarquias, cumpre agora apreciar, ainda que rapidamente, os meios que se lhes facultaram para as realizarem - as suas receitas- e o montante do que gastaram.

As receitas as classifica o código em ordinárias e extraordinárias, referindo-as nos artigos 671.º e 703.º e seguintes.

Nas ordinárias, as mais importantes são: os impostos directos e indirectos, os rendimentos dos bens próprios e as taxas. Nas extraordinárias, as de mais vulto -o produto de empréstimos, o produto da alienação de bens - as comparticipações e os subsídios eventuais do Estado.

As despesas, segundo o mesmo código determina no artigo 675.º, são: ordinárias ou extraordinárias e obrigatórias ou facultativas.

Das obrigatórias tratam os artigos 750.º e 7õl.º

O breve cotejo dos elementos fornecidos nos sumários da Direcção-Geral de Administração Política e Civil referentes aos anos de 1957 a 1961 demonstram que nestes

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cinco anos, as câmaras municipais cobraram de receita ordinária propriamente dita a quantia de 5 534 504 301$3l e de receitas extraordinárias 2 132811487$82 e efectuaram despesas ordinárias de 5 186 880 87õ$46 e extraordinárias de 2 776 282 587 $46.
Para se poder, no entanto, fazer uma conveniente apreciação da evolução dos réditos e gastos aqui referidos, importa conhecer os que se referem às Câmaras Municipais de Lisboa e do Porto, que vão incluídos nos números apresentados.
Em igual período de 1957 a 1961, estas câmaras arrecadaram o gastaram em receitas ordinárias 2 132469234130 e extraordinárias 272 779 673$40, e em despesas ordinárias 1 843 663 917$50 e extraordinárias 809 376 601 $20.
Da comparação destes números se pode extrair a lição de que, no seu volume total, estas duas câmaras ocuparam um lugar de muita preponderância com as suas grandes receitas e despesas, ficando as restantes câmaras a muito longa distância.
E, se atentarmos em que, das 303 câmaras que se consideraram, mais de uma centena não atinge receitas superiores aos 1000 contos, muitas sendo as que se situam num limite dos 500 contos, e menos, e havendo muito poucas que ultrapassam os 5000 contos, teremos uma melhor visão da vida difícil destas autarquias.
Não têm estes números qualquer função contabilística, pois apenas se pretende com eles dar ideia da posição dos erários municipais e demonstrar claramente que, na verdade, a impressionante maioria dos municípios vive em regime de franca debilidade financeira, pelo que não podem desempenhar cabalmente as importantíssimas missões que o código lhes entregou.
Ora, se tivermos em consideração que a estas câmaras municipais cumpre desenvolver as regiões mais empobrecidas, onde, por isso. mais importaria efectuar uma obra de saliente valorização, seremos forçados a concluir que o sistema criado pelo Código Administrativo carece de urgente revisão, em ordem a ser dado o remédio possível a este estado de coisas.
Terão as autarquias de poder contar com os meios indispensáveis ao regular preenchimento das suas missões, cuja transcendente importância está inteiramente reconhecida.
Para tanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há que encarar os grandes problemas da vida administrativa bem de frente e com espírito de verdadeira compreensão e de justiça, procurando acabar com todas as artificialidades e distorções, que tão notadas têm sido e tão perniciosos efeitos têm produzido, principalmente na parte rural do País, que é a principal fonte do nosso capital humano.
O Estado tem de aparecer perante as autarquias, não com espírito de alta superioridade, concedendo-lhes uma gama de importantes direitos que, na prática, efectivamente lhes deixa vedados, mas com ânimo de colaborar, fortalecer as iniciativas, tornar harmónica e frutuosa a administração que estas podem fazer como artífices qualificados que são do bem comum.
A Revolução Nacional há muito que estabilizou e definiu os seus primados de justiça, que se encontram expressos na Constituição Política como lei fundamental.
Alcançámos o grande estádio das reformas dos nossos mais importantes códigos.
Não merecerá também o Código Administrativo a mesma atenção?
Não pode deixar de ser afirmativa a resposta quando tão bom se sabe que a vida de uma nação e o progresso harmónico dos seus povos não podem fazer-se em compartimentos estanques!
De resto, a promulgação da abundante legislação fiscal, de espírito e estrutura tão diferentes da que tem vigorado, não permite que se mantenham as impressionantes artificialidades da vida financeira das autarquias, nomeadamente das câmaras municipais.
É que, pretendendo tributar o rendimento real em ordem a repartir-se a carga tributária segundo critérios justamente estabelecidos, não podem esses critérios deixar de considerar todos os ramos da actividade humana, onde quer que ela se processe.
Ora às autarquias, com os municípios à frente, pertence especificamente valorizar e dignificar essa mesma actividade; logo, terá de ser cuidadosamente considerado todo o condicionalismo da sua vida.
Esta tem de ser-lhes garantida em nível que não comprometa as suas altíssimas missões, o que não sucede agora.
Quando se quiserem remediar as anomalias desta situação, o que não poderá tardar, certamente que se não persistirá na ideia de manter as artificialidades que se tem denunciado.
Assim, e pelo que se refere às receitas, haverá que ter em conta, além do mais, que não pode persistir a incompleta e inadequada participação das autarquias, nomeadamente das câmaras municipais, nas contribuições e impostos que o Estado cobra, se houver de manter-se esta fonte tão importante de réditos dos erários autárquicos.
Consabido que as reformas fiscais afectam grandemente as finanças locais, a estas deverão ser deixadas expressas garantias, de que se não enfraquecem, antes se revigoram, com as preditas reformas.
Desta sorte, às câmaras municipais, principalmente, deverá ser assegurada uma ajustada participação em todo o rendimento tributário do Estado, com o competente alargamento das fontes e das percentagens agora vigentes.
A manter-se a enumeração das receitas contidas nos artigos 704.º e seguintes do Código Administrativo, haverá que fazer uma completa revisão de cada um dos impostos ali previstos, de maneira a simplificar a forma da sua cobrança e a valorização da sua incidência até aos limites razoáveis e justos.
A supressão dos impostos indirectos e a sua substituição pela licença de comercial e industrial deve ser regulamentada por forma a acabar com as grandes incertezas que se têm verificado e que têm levado às mais diversas decisões.
Em nada se prestigiam, nem os municípios, nem os contribuintes, com tais incertezas.
Isto, claro, se se entender que é de manter esta licença, o que muito parece de ponderar, dado que a sua substituição por percentagem na contribuição específica podia fazer-se com vantagem para todos.
Mas- estes impostos indirectos deverão ser mantidos para os municípios que, quanto a eles, tenham um regime especial.
O imposto para o serviço de incêndios carece de ser revisto e adaptado às grandes necessidades dos concelhos rurais de poderem dispor ou de corporações privativas de bombeiros, ou de poderem fomentar a criação e a vida das corporações de voluntários da sua circunscrição.
São conhecidas as tremendas depredações que o fogo e outras calamidades estão a causar à economia regional e à economia nacional, principalmente no tocante às florestas.
Cada concelho deve possuir a sua corporação de bombeiros equipada com o material indispensável à eficiência dos seus serviços. Tal é hoje uma das mais imperiosas necessidades, e, sendo assim, os meios necessários à sua satisfação devem ser colocados sob a égide das respectivas

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câmaras municipais. Este problema merece ser devidamente ponderado, para ser convenientemente resolvido.
Também há que rever o imposto de turismo, não só na sua incidência, como ainda nas suas fontes.
O turismo é uma das mais rendosas indústrias, que tem larga possibilidade de ser convenientemente aumentada.
Cabe às câmaras municipais uma valiosa missão neste sector, já que, de uma maneira geral, toda a nossa terra oferece magníficas vantagens que cumpre aproveitar.
A compensação que o Estado se resolveu a dar aos municípios pela supressão dos impostos por eles cobrados sobre veículos automóveis, sua circulação e estacionamento tem dado lugar às mais acerbas críticas.
Ë que as câmaras municipais tiveram de reconhecer que a desvirtuação do inicialmente decretado quanto à supressão e compensação desta valiosa receita foi, pelo menos. levada longe de mais!
Na verdade, pelo Decreto n.º 17 813, de 30 de Dezembro de 1929, diploma instituidor da supressão, às câmaras municipais devia ser paga pelo Estado uma importância por cada motociclo, automóvel ou camioneta, que se fixou, respectivamente, e tomando por base os concelhos de Lisboa e Porto num grupo e englobando os restantes concelhos noutro de 150$ e 100$, 400$ e 300$ e 600$ e 500$.
Aconteceu, porém, que, por inicial desconhecimento do valor da verba IV considerar para o pagamento desta compensação, se incluiu sómente a de 10 600 contos no Orçamento Geral do Estado.
Verificou-se, porém, que foram registadas viaturas que produziram uma compensação de cerca de 50 000 contos!
Perante a insuficiência de verba, entendeu-se dever fazer um rateio desta por todas as câmaras municipais.
A despeito, porém, da flagrante ilegalidade do expediente - as verbas insuficientes reforçam-se e não se rateiam! -, foi ele tornado norma regular de procedimento e seguido com impressionante obstinação nos anos futuros!
Efectivamente, e não obstante pelo Decreto-Lei n.º 25 754, de 16 de Agosto de 1935, se haverem baixado os valores das compensações em cerca de 30 por cento, o que, contudo, ainda faria subir a verba da compensação total a pagar pelo Estado a um montante de aproximadamente 36 000 contos, com ostensiva violação de normas de previsão orçamental, voltou a inscrever-se apenas a mesma verba de 10 600 contos e a fazer-se, por isso, novo rateio ...
E assim continuou a suceder com a publicação do Decreto-Lei n.º 29 168, de 23 de Dezembro de 1938; nova baixa nos valores a compensar e nova verba de 10 600 contos, e novo rateio! E repetiu-se o processo com o Decreto-Lei n.º 31 172, de 14 de Março de 1941. Com este decreto-lei novamente se reduziram os valores das compensações, que mesmo assim ainda superavam o valor total dos 30000 contos.
Permanecia, contudo, a dotação orçamental dos 10 600 contos, pelo que este decreto-lei foi mais longe e institucionalizou o rateio!
Este estado de coisas só encontrou certa solução na Lei n.º 2049, que aprovou, dentro do IT Plano de Fomento, o Plano de viação rural, mas sem qualquer ganho de causa para as câmaras municipais, que se viram forçadas a prescindir de vez desta fonte de receita. &em embargo de ela dever e poder ter sido das mais frutuosas, pois o aumento da circulação de automóveis, camionetas e motociclos, e a consequente elevação do consumo dos combustíveis líquidos, pneus e demais pertences destas viaturas, bem como o seu estacionamento, teriam produzido uma receita de valor progressivo que muito conviria aos enfraquecidos erários municipais.
A crescente necessidade dos meios de viação rural impõe que também para esta fonte de receita se olhe com o interesse de a fazer retornar pela forma conveniente e sem rateios até às câmaras municipais.
Tentando uma solução de emergência para o gravíssimo e debatidíssimo problema do pagamento dos encargos com o tratamento e internamento de doentes pobres nos hospitais, a Lei n.º 1998, na sua base XXVII, instituiu a possibilidade de as câmaras municipais lançarem derramas sobre todas as. contribuições directas do Estado cobradas no concelho para fins exclusivamente assistenciais.
Outras disposições legais consignaram a mesma possibilidade, como os Decretos-Leis n.ºs 35 J08 e 36448 e finalmente o Decreto-Lei n.º 39 805, de 4 de Setembro de 1954.
Muitas câmaras municipais aproveitaram esta possibilidade e estão a lançar as preditas derramas, que, a despeito de constituírem verdadeira receita extraordinária, já se estão a transformar em rédito ordinário.
O regime da concessão desta receita é, contudo, muito apertado e de certo modo acanhados os seus produtos.
Sem querer neste momento embrenhar-me na apreciação do grave e importante problema de assistência e do seu actual condicionalismo, apenas direi que, seguindo a opinião de espíritos bem esclarecidos, não têm as derramas razão de existir como tais.
Devem elas ser transformadas em imposição de carácter geral para a integração em fundo a cargo do qual devem ficar os encargos assistenciais de que os municípios devem ser libertados.
Aias uma coisa, é certa: cimentou-se a certeza de que as contribuições directas do Estado ainda podem ser aumentadas com uma percentagem.
A lição é importante e não pode ser esquecida.
Ainda dentro do âmbito das receitas ordinárias municipais, importa referir as taxas e o rendimento dos bens próprios das autarquias.
Quanto às taxas, foi permitido às câmaras municipais, a partir do código do 1936. cobrar as que constavam da tabela IV, que traduzia a letra do artigo 620.º do mesmo código.
Essa tabela foi alterada pelo código de 1940, que sofreu, por sua vez, revisão em 1941, pelo Decreto-Lei n.º 31 386.
O exame desta tabela mostra a necessidade da sua completa e apropriada actualização.
Chega ao meu conhecimento a notícia de que o Ministério do Interior já elaborou o projecto dessa actualização, que está agora sob a censura do Sr. Ministro das Finanças.
Praza a Deus que ali se estude o assunto com a celeridade de que há necessidade e que esta reforma parcelar e tão pequena seja havida como razão da fundamental revisão das finanças locais, aliás havida como necessária e possível pelo próprio Ministério no preâmbulo do completo estudo de uma das últimas leis de meios.
O património das autarquias também deverá ser considerado com verdadeiro cuidado, com vista à sua formação, exploração e rendimento.
Das câmaras municipais que servem o vasto e empobrecido meio rural, muitas há que podem dispor de extensas áreas baldias, onde se torna possível e económico fazer a florestação.
Importa, por isso, incentivar a cultura arvense, estimulando as autarquias que a possam fazer, com os subsídios necessários e as sementes apropriadas, que uma eficiente assistência técnica dos respectivos serviços aconselhe.

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Isto, de resto, já está na Lei n.º 1971, que, publicada em 15 de Junho de 1938, trata do repovoamento florestal, consignando expressamente que este se deve processar pela acção conjunta do Estado e das autarquias.
Esta política não é nova.
Desde 1909 que no distrito de Coimbra, nos concelhos da Lousa, Figueira da Foz e Penacova, se processou a florestação de importantes áreas baldias, pelos serviços do Estado, em acordado regime de comparticipação nos rendimentos, nos termos da legislação que vigorava nessa altura.
Suponho que, ao abrigo dessa mesma legislação, foram semeados e plantados por esse país fora extensos terrenos autárquicos.
Acontece, porém, ser geral o queixume de que, a despeito da evidência dos frutuosos e avultados resultados arrecadados pelo Estado com tais sementeiras e plantações, que deram lugar a opulentas matas, nunca houve nem apuramento nem divisão desses lucros!
Continua, assim, por solver uma obrigação legal e contratual, a que o Estado não pode furtar-se sem deixar ferido o grande primado da sua honestidade.
Tudo isto demonstra, contudo, o grande interesse, que não é só regional ou local, mas de muito maior extensão, de se incentivar a valorização conveniente do património das autarquias, como forma de robustecer a sua estrutura financeira.
Pelo que respeita à receita extraordinária, nomeadamente no referente aos empréstimos e às comparticipações e subsídios do Estado, muito haveria que dizer.
Para não alongar este trabalho, tornando-o ainda mais enfadonho, apenas farei algumas resumidas considerações neste capítulo.
A possibilidade de os corpos administrativos recorrerem ao crédito está fortemente condicionada no Código Administrativo o legislação do seu paralelo, e por tal forma que não é tarefa fácil conseguir-se um empréstimo no organismo oficial que é a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência.
Esse condicionalismo, que actua por forma a obter a máxima garantia de solvência do capital emprestado e do seu rendimento, apresenta-se como rígido e unilateral.
Desta, sorte, as autarquias mais desfavorecidas económicamente e mais pobres de recursos só muito difícil -, mento poderão lançar mão desta forma tão importante de financiamento das suas actividades.
É que, poucas garantias podendo fornece, pouco também podem levantar ...
Isto as desencoraja de lançarem mão dos empréstimos.
Por outro lado, as taxas de juro fixadas entre 4 e 4,5 por cento e os prazos de amortização normalmente de quinze anos, e nunca superiores a vinte anos, são outros tantos óbices que às autarquias se deparam.
Todo este regime deverá ser também conscienciosamente revisto no sentido de fixar uma política prestamista na qual, à semelhança do que se faz noutros países, se alargue compreensivamente o âmbito actual.
Trata-se de um meio valiosíssimo para se alcançar a melhoria dos níveis da vida local, pois o. fomento das iniciativas um que essa melhoria assenta importará sempre um acréscimo de improdutividade, seja a curto ou a longo prazo!
Ora, pelo condicionalismo actual, quase só as grandes autarquias podem socorrer-se dos empréstimos, como se nota do valioso trabalho do Sr. Deputado Nunes Barata editado sob o título A Situação Financeira dos Municípios. Não deverá esquecer-se, quando se fizer a revisão da política de crédito a conceder às autarquias locais pelo organismo oficial, que, a manterem-se os pólos essenciais do actual regime, será a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência quem arrecadará as receitas municipais, delas se servindo livremente sem a remuneração justa e razoável e que, pelas especiais condições de garantia de que goza sobre os adicionais às contribuições do Estado, nenhum risco existe sobre a insolvência dos devedores!
Estas razões, aliadas ao destino e aos resultados dos empréstimos, hão-de ditar, certamente, uma regulamentação mais compreensiva e mais cordial do que aquela que actualmente rege e vigora com obstinada determinação de acentuada unilateralidade.
No que concerne às comparticipações e subsídios do Estado impõe-se fazer acertos importantes.
Se a política do auxílio do Estado às autarquias se destina de certa maneira a compensar as carências que terão sempre de existir nos seus erários, por forma a ficar nivelado o seu poder de realização, frente às iniciativas reputadas essenciais para o melhoramento e dignificação da vida dos povos, não pode essa política deixar de ser verdadeiramente compreensiva!
Tem-se processado, graças ao espírito esclarecido que tem reinado no Ministério das Obras Públicas desde os primeiros passos da Revolução Nacional, uma crescente melhoria da política de auxílio às autarquias para o engrandecimento e progresso da vida local.
Começada nas infrutuosas atribuições de verbas que pouco fomentavam, por mal as saberem utilizar os seus destinatários, foi essa política aumentando gradativamente de eficiência até atingir a alta expressão de utilidade que justamente se lhe concede em nossos dias.
A magnitude dos investimentos e os seus destinos documentam com eloquência esta afirmação.
Na verdade, como nota o ilustre relator dos notáveis pareceres sobre as Contas Gerais do Estado, o Sr. Deputado Araújo Correia, no referente ao ano de 1900, desde 1946 as comparticipações concedidas elevaram-se a 2 575 185 contos, repartidos pelos vários distritos.
Nos anos de 1959 e 1960 essas comparticipações atingiram, respectivamente, 184 661 contos e 232 915 contos.
A distribuição geográfica destas comparticipações tem sido, no entanto, objecto de críticas e de reparos.
Pondo de parte qualquer ideia de parei ali são, que tudo demonstra não existir, nem nunca ter existido em qualquer das hierarquias do Ministério das Obras Públicas, tenho para mim que o fenómeno deriva em grande parto das deficitárias condições técnicas e financeiras da grande maioria das administrações municipais, conjugadas com as limitações que têm sido impostas ao poder de realização do próprio Ministério das Obras Públicas.
Carecidas financeiramente, as autarquias não têm o corpo técnico necessário ao conveniente estudo das obras que desejariam realizar por forma a poderem apresentar as suas iniciativas sempre atempadamente para a formação dos grandes planos de acção que o Ministério das Obras Públicas organiza.
Assim, neste departamento de Estado, ou não há conveniente e apropriado conhecimento das específicas necessidades locais, ou há um conhecimento até exagerado dessas necessidades e da sua muita e ponderosa urgência, quando as administrações o podem ali fazer sentir.
Quando se equacionam nesse Ministério essas necessidades com as disponibilidades com que se pode contar -, logo se encontra uma desproporção abissal entre ambas.
Daqui o indispensável rateio..., segundo o critério de ocasião..., que pode não ser o mais aconselhável.
Essas limitações têm, evidentemente, influência na realização das obras, que aparece extremamente dificultada,

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um tanto como recurso para encobrir e dourar uma afrontosa carência, outras vezes, ou quase sempre, pela natural tendência para a desconfiança que sempre dominou, regeu e vigora nas fiscalizações da execução de obras públicas! ...
E as autarquias não se têm podido furtar a essa desconfiança quando se metem a executar as suas próprias obras ..., o que se não compreende muito bem!
O sistema actual parece-me que só poderá corrigir-se inteiramente quando todos os concelhos tenham sido devidamente estudados e ajustadamente catalogadas todas as suas necessidades pelas próprias administrações, com eficiente colaboração dos técnicos distritais.
Então se aquilatará das verdadeiras necessidades e da sua premência e também das possibilidades das respectivas autarquias para as satisfazerem.
As comparticipações serão então dadas no espaço e no tempo e com a extensão que os grandes critérios nacionais do engrandecimento geral seguramente imponham, e não em obediência a normativo rígido que a ricos e pobres trata de maneira semelhante!
As comparticipações devem variar na razão directa do valor e imprescindibilidade do melhoramento a que se destinam e na razão inversa da riqueza ou poder financeiro das autarquias quê o devem executar.
E já um velho critério que a muitos se tem imposto, mas que ainda, infelizmente, só parcialmente vigora.
Ë que na fórmula actual a maioria das autarquias - a sua quase totalidade - não pode comparticipar com a parte que teoricamente lhe competiria e, por isso, tem de engendrar os mais variados expedientes para, fugindo, embora, à obrigação, realizar obra.
Vale, na emergência, o decidido apoio das populações locais, que ajudam substancialmente, de per si, ou agrupadas em organismos regionalistas, como, por exemplo, sucede nos concelhos serranos do distrito de Coimbra, onde tais organismos realizam um vasto plano de melhoramentos, completando, assim, os planos de valorização que aos respectivos municípios pertenciam.
Quando se contemplam as receitas dos municípios, ainda que pela forma rápida como tal se vem fazendo, não pode deixar-se sem um comentário a corrida que às fontes da tributação municipal fazem os organismos corporativos e os de coordenação económica, e principalmente estes.
Se a tributação corporativa se tem de aceitar na nossa orgânica específica, a despeito de, em muitos casos, pelo seu volume, ser demasiadamente onerosa, já tal aceitação se não pode fazer de bom grado quanto à que fazem os organismos de coordenação económica.
Drena-se da vida local, com tais tributações, uma volumosa soma de capital, que, além de ali fazer falta e diminuir as possibilidades tributárias dos munícipes, nenhum interesse traduz para as autarquias, que nela não comungam, nem directamente, nem indirectamente!
E o pior ainda é que tal tributação é sempre, ou quase sempre, fortemente discricionária e despropositada, feita ao abrigo de autonomias e de autorizações que o Estado deu mas não fiscaliza nem controla!
Estou a lembrar-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, como não podia deixar de ser, por se me apresentar como o protótipo destas soberanias ostensivamente ferozes na sua sanha tributária, da Comissão Reguladora das Moagens de Ramas.
Este organismo tão nosso conhecido, cuja finalidade nunca se conseguiu descobrir, tem sangrado desmedidamente os meios rurais com o seu específico sistema de avenças que fixa e impõe com ostensiva omnipotência.
Outros organismos do mesmo paralelo lhe seguem os passos e eu recordo que, por exemplo, a Junta Nacional do Vinho também se financia por avenças que impõe, com certa unilateralidade e muita arrogância, aos comerciantes locais.
Ora toda esta tributação que segue para escaninhos diferentes dos dos cofres do erário estatal representa, pelo seu volume, uma receita muito apreciável que supera em muito a que o próprio Estado e os municípios arrecadam dos mesmos contribuintes na contribuição específica.
Bem lucrariam as finanças locais se tais receitas lhes pertencessem; seriam achegas preciosas para o seu robustecimento.
Sem embargo, nunca as autarquias as puderam cobrar, que sempre lho vedou o rígido espírito cesarista da lei administrativa, aliás cheio de complacência e de genuflexões para os serviços estatais ou para-estatais!
Todas estas anomalias, cujo sentido de gravidade cada vez mais se acentua, terão de merecer um cuidado estudo com vista ao seu banimento, pois comprometem a desejada integração da vida administrativa na linha das reformas justas da Revolução Nacional.
Depois da brevíssima exegese das receitas das autarquias no acanhamento do seu condicionalismo segue-se considerar as despesas.
A determinação de colocar em paridade o sistema contabilístico das autarquias com o do Estado foi uma medida do maior alcance.
Diz o povo na sua alta sabedoria que «as boas contas fazem os bons amigos» e, com base nesta paridade, passou a haver uma generalidade de boas contas da vida das autarquias.
Semelhantemente ao que se passa com as do Estado, também as despesas dos corpos administrativos são ordinárias e extraordinárias, e as primeiras obrigatórias e facultativas.
É o que se determina nos artigos 750.º e seguintes do Código Administrativo quanto aos municípios, aplicável às juntas distritais pelo artigo 327-.º do mesmo código.
Este artigo 750.º estabelece nos seus dez números uma completa enumeração dos destinos obrigatórios dessas despesas no tocante à gestão municipal e a tudo quanto a ela interessa e pertence em atribuições de exercício obrigatório.
Entre o fixado nesses diversos números o que maior controvérsia e mais acerbas críticas sempre tem sugerido é o estabelecido no n.º 8.º, que preceitua que constituem despesas obrigatórias da administração municipal as dos impostos, foros, pensões ou outros encargos a que estiverem sujeitos os bens próprios do concelho e o produto dos adicionais ou percentagens devidos ao Estado.
Aqui se estabeleceu o princípio geral de que os corpos administrativos ficam sujeitos ao pagamento ao Estado de tudo quanto a administração central entender e quiser ...
E diga-se de passagem que é ou tem sido extremamente ambiciosa.
Os municípios têm pago!... ao Estado, entre muitos outros tributos, alcavalas, percentagens, taxas e que jandas fórmulas de tributação: uma percentagem escalonada de 4, 3 e 2 por cento sobre as importâncias arrecadadas como percentagem tis contribuições e impostos do Estado, nos termos do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 24 124, de 30 de Junho de 1934; uma percentagem sobre a contribuição predial rústica arrecadada em cada concelho com destino ao Fundo de Cadastro - Decreto n.º 14 162, de 25 de Agosto de 1927; uma percentagem de 20 por cento sobre o imposto de turismo; uma percentagem de 5 por cento no imposto aã valorem sobre o peixe, e uma percentagem de

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8, 25 ou 30 por cento sobre as taxas de licença passadas em curtos casos pelas câmaras municipais.
O valor destes pagamentos atinge as somas cuja evolução vai indicada no quadro seguinte, extractado dos Pareceres sobre as Contais a arais do Estado, da autoria esclarecida do Sr. Deputado Araújo Correia.

[Ver Quadro na Imagem].

Estes valores demonstram bem até que ponto o Estado entende dever fazer-se pagar pelos serviços que presta às Câmaras municipais.
Mas não há contrapartida ou reciprocidade. Estas autarquias nada recebem do Estado a despeito de prestarem aos seus vários departamentos os mais relevantes serviços, não .só cobrando percentagens por liquidações directas, e cobrando as multas mais variadas que as muitas fiscalizações aplicam sem parcimónias, arrecadando com isso a parte mais odiosa dessas sanções, mas executando ainda todos os trabalhos de uma repartição específica, como nos serviços de emigração e da organização dos recenseamentos militar e eleitoral, entre outros!
E na verdade profundamente anómala esta situação de cunho nitidamente cesarista, que tem como coroamento a vinculação das autarquias ao pagamento de contribuições e impostos ao Estado!
Mas onde mais avulta a distorcida incongruência de um ordenamento injusto é precisamente no disposto nos cinco primeiros números do artigo 751.º do Código Administrativo, quanto às câmaras municipais, e no artigo 785.º. quanto às juntas distritais, regimes sempre havidos como afrontosamente descabidos.
E que não alcança de compreender-se facilmente que possa representar integração da vida administrativa na linha dos primados de justiça do Estado Novo ou da Revolução Nacional a servidão que é imposta àquelas autarquias com o pagamento de despesas ostensivamente estranhas à administração local que amplamente transcendem, por pertencerem à própria estrutura do Estado.
Já enumerei todas essas despesas quando analisei há pouco o sistema sancionado pelo código de 1936, que obteve plena sagração no código de 1940.
A enumeração, está, porém, incompleta. Além dos encargos pela manutenção dos seus serviços de que o Estado se, demitiu com fria simpleza, e os cinco primeiros números do artigo 751.º consignam, há ainda os relacionados com a manutenção da Guarda Nacional Republicana o com a Polícia de Segurança Pública, que se contêm, respectivamente, nos Decretos-Leis n.º 33 905, de Setembro de 1944, e 34 882, também de Setembro, mas de 1945, que igualmente sei deixaram a cargo das câmaras municipais.
Na lógica sequência de princípios integradores de um equilibrado e justo sistema de coexistência nunca tais gastos poderão deixar de ser havidos como encargos gerais da Nação, e assim devidamente arrumados nas rubricas apropriadas do Orçamento Geral do Estado.
Para além do que apresenta de impróprio cerceamento de actividades da autarquia, que o são na medida em que dão destinos estranhos aos seus magros réditos, estes gastos, pula sua indefinida extensão, fogem ao rigoroso controle da previsão dos orçamentos locais e dão lugar a situações muito singulares, como por exemplo, a da imperativa exigência da montagem de telefones do Estado nas repartições de finanças pelas câmaras municipais, feita em data recente.
Mais me não parece necessário alegar a favor da inteira reprovação deste anómalo sistema.
Dentro do âmbito do artigo 7.5.1 a que se vem apreciando resta considerar ainda duas espécies de encargos obrigatórios das câmaras municipais, que têm suscitado apaixonada controvérsia.
Referem-se eles às despesas com o tratamento e internamento de doentes polires e às despesas com a construção e conservação das escolas para o ensino primário.
Respeitando tais despesas à valorização e dignificação do mais valioso capital que qualquer nação pode possuir, que é o seu capital humano, valorização e dignificação que representam afinal a razão de ser da existência da comunidade nacional e. um dos mais altos fins do Estado, também se não pode compreender que o código de 1936 e o de 1940 tenham fixado um sistema que tem dado azo a tanta controvérsia e à precariedade das soluções que ainda vigoram.
Quando se encara o direito à saúde dos povos, logo ocorre que se trata de um direito fundamental referindo necessidades cuja satisfação, se não pode estar na dependência dos bens que possua quem sofre, muito menos o pode estar na dos recursos económicos de qualquer instituição a quem o Estado entenda dever entregá-la.
Assim, como ninguém aceitaria que os instantes problemas da defesa nacional, por exemplo, com todo o seu vasto cortejo de implicações, pudessem ficar na dependência do poder realizador das autarquias, também se não pode aceitar que os problemas da saúde pública, do mesmo teor de premência e de importância, o fiquem.
Uns e outros carecem de organismos apropriados que, ao serviço das técnicas sempre em evolução, possam cumprir os seus fins específicos. Tais organismos, que não pertencem às autarquias, é que têm de ser estruturados segundo o mandamento dessas mesmas necessidades, ficando o seu funcionamento assegurado pelos recursos financeiros da Nação, ainda que, em certos casos, por forma supletiva.
E não se pode continuar a trabalhar em compartimentos estanques neste importantíssimo capítulo da saúde da grei, já que. enredados na organização corporativa ou trabalhando fora dela, todos os portugueses têm irrecusavelmente os mesmos direitos à saúde do corpo e do espírito!
Ajustada me parece, portanto, a doutrina defendida pelo Sr. Deputado Nunes Barata no sentido de as Misericórdias tomarem a posição dos municípios, desde que lhes seja garantida a plena eficiência dos seus serviços e a perfeita e íntima coordenação destes com os outros órgãos do escalão superior!
Mas de qualquer maneira o que não pode continuar é o tremendo .desequilíbrio entre o acanhamento das finanças locais, que as derramas não podem remediar na sua complicada regulamentação, e o crescente volume das necessidades de se tratarem, em busca da saúde e do seu bem-estar, aqueles que, desprovidos de bens de fortuna, foram flagelados pela doença.
Não me parece necessário abonar esta afirmação com qualquer passo da doutrina cristã que as Escrituras e as Encíclicas tantas vezes repetem sobre o mesmo tema.
Muito do que se deixa sumariamente afirmado quanto aos problemas da assistência hospitalar se pode dizer

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em relação aos que respeitam à construção de escolas para o ensino primário.
Todos estes problemas tão transcendentes apresentam a mesma acuidade e o traço comum de, deixados principalmente a cargo dos municípios, nunca terem alcançado integrais e apropriadas soluções.
E que, atribuídos os encargos, não houve o cuidado de conferir aos municípios os meios necessários à sua conveniente satisfação.
Desta sorte, as administrações municipais, seguindo o calvário das suas tremendas inibições, só puderam dar a tais problemas soluções de ocasião, parciais e não programadas.
Daqui os grandes atrasos que se vêm verificando e que, a despeito de reconhecidos em toda a sua extensão, não foram ainda equacionados e resolvidos como cumpria!
Na construção das escolas para o ensino primário, que é uma das obras da mais transcendente importância, se encontra bem a prova do que fica afirmado.
Na verdade, reconhecida a necessidade de dotar o País com edifícios escolares dignos da sua mais alta função, foi elaborado em 1940, e aprovado em 1941, o chamado Plano dos Centenários, no qual se previa a construção em dez anos de 7180 edifícios, com 12 500 salas de aula, que deviam custar cerca de 500 000 contos.
Em fins de 1959, da execução desse notável plano apenas tinham resultado 3962 edifícios, com 8274 salas de aula.
O Plano sofrera, como se vê, apreciável atraso na sua realização.
Causas para esse atraso: a variação de custos por virtude da economia de guerra e principal e primeiramente as dificuldades financeiras das câmaras municipais, que não puderam obter os terrenos necessários a tempo e horas!
Nesta Assembleia se discutiu e aprovou uma proposta de lei apresentada pelo Ministério das Obras Públicas e que veio a ser promulgada como a Lei n.º 2107, de 5 de Abril de 1961, com a qual se pretenderam solucionar os atrasos erificados.
Ficou amplamente, reconhecido no parecer da Câmara Corporativa e evidenciado nos depoimentos prestados nesta Assembleia que os municípios não tinham estrutura financeira que lhes permitisse prestar a ajuda financeira que lhes era pedida e foi imposta.
Isso continuará a causar dificuldades na vida das autarquias mais pobres - e são o maior número-, pois, a despeito de os débitos pela valorização do plano remodelado deverem ser pagos fraccionadamente em vinte anos, sempre representam uma imposição volumosa, como volumosas eram e são as necessidades a satisfazer.
Os débitos das câmaras municipais concernentes à 1.ª fase da execução deste plano, que já ocupavam um lugar destacado entre os seus vários encargos obrigatórios, mais onerosos se tornaram, já que as dificuldades essenciais não foram resolvidas.
Destas duas classes de despesas obrigatórias se tira a concludente lição de que a resolução dos grandes problemas estruturais da Nação não pode ficar a cargo de autarquias empobrecidas, cujos réditos as não podem suportar.
Acentue-se, como nota final neste capítulo, que, por mercê do sistema artificial que vigorou e ainda vigora, o custeio das despesas com o tratamento e internamento de doentes pobres nos vários hospitais atinge hoje um montante muito grande.
Mas, a par destas despesas, sucintamente consideradas, têm as autarquias municipais todas as que concernem à sua vida propriamente dita e ao desempenho das suas missões e tarefas específicas.
Isto, que é afinal o que constitui a própria razão da sua existência, deveria poder processar-se com inteira normalidade e sem necessidade dos subterfúgios a que se vem recorrendo.
E que estão em jogo os direitos de grandes massas humanas que cumpre promover a todos os graus de civilização e da dignidade da vida para um harmonioso engrandecimento da Nação!
Isto exige um tão complexo e volumoso conjunto de actividades, que, de per si, sozinho, nunca algum Estado ou governo o pôde executar, nem nunca o poderá.
Este pensamento tem, portanto, de dominar inteira a convenientemente as soluções da coexistência do Estado com as autarquias, de maneira, a encontrar e definir as fórmulas em que elas devem assentar para serem aceitáveis e harmónicas!
Ora, não é nos moldes actuais que essas relações podem cimentar o progressivo desenvolvimento da terra portuguesa.
Na verdade, a grande vastidão do nosso mundo rural é servida por municípios com receitas muito inferiores aos 1000 contos anuais ou pouco superiores a tal montante, como já se referiu e agora se vê do seguinte quadro que se tirou do Anuário da Direcção-Geral de Administração Política e Civil do Ministério do Interior referente ao ano de 1961:

[Ver Quadro na Imagem].

Por outro lado, como se mostra e vê do mesmo A imano, a receita ordinária arrecadada pelos municípios em 1961 atingiu o volume de 1 250 544 3023&57, pertencendo às Câmaras de Lisboa e Porto, neste total, 479 234 870$70.
Desta sorte, os restantes municípios arrecadaram sómente 771 309 432$77 de receita ordinária.
Como dessa receita saíram 80 119 778 $50 para pagamento de encargos de empréstimos, a receita ordinária dos municípios, com excepção de Lisboa e Porto, ficou reduzida a 691 189 654127 em 1961.

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Deste reduzido volume de receita? tiveram os mesmos municípios de solver, de encargos com o pessoal, 249 729 089$, pelo que lhes ficou para todo o grande cortejo dos seus muitos e vultosos encargos apenas a quantia de 441 460 565$ 07, o que, em boa verdade, traduz, de por si, uma vastíssima gama de dificuldades de toda a ordem para a grande maioria dessas autarquias.
Efectivamente, tal volume de receitas é formado, na sua fonte mais importante, pelos adicionais às contribuições gerais do Estado, que, como se sabe, são sempre mais avultadas nos meios económicamente mais favorecidos.
Assim, a sua distribuição pelos municípios considerados, cerca de 300, respeitando a sua posição perante tais fontes, deixa desde logo a descoberto que àqueles que servem as regiões mais pobres, em que o rendimento da tributação é, consequentemente, diminuto, só tocou uma verba reduzida!
Desta sorte, a premência do grave problema da precariedade das finanças locais não é a mesma em relação a todos.
Sentida pela impressionante maioria, as suas tremendas implicações políticas, económicas e sociais são muito mais drásticas nos municípios que servem os povos com mais acanhado nível de vida, por mais desfavorecidos, que são precisamente aqueles em que importava fomentar mais e muito melhor o progresso e dignificação da vida local!
Ora este grave aspecto do problema posto também não pode deixar de ser considerado quando se estudarem as convenientes e tão urgentes soluções.
Há, na verdade, que fazer um nivelamento das possibilidades financeiras dos municípios, por forma que em toda a terra portuguesa haja uma mesma constante de progresso!
Para tanto, esgotados os recursos locais, tem o Estado de, supletivamente, fornecer amplas, eficientes e fáceis assistências, técnica e financeira, através dos seus órgãos distritais, que funcionarão, não em sobreposição às administrações municipais, contundindo-as - o que seria intolerável, por altamente vexatório -, mas colaborando com elas no melhor espírito de compreensão dos mútuos deveres e direitos.
É por isso que eu já atrás advoguei que a política de concessão de subsídios e comparticipações do Estado terá de definir-se e assentar na imprescindibilidade das iniciativas e no maior ou menor poder de realização das autarquias que as tomaram ou as desejam.
Por outro lado, e como também já acentuei, haverá a maior vantagem em as administrações locais estudarem e seriarem, aferindo-as com os melhores padrões de imprescindibilidade, todas as necessidades da sua circunscrição.
Isso permitirá a elaboração de planos de trabalho que chegarão até ao nível distrital, com base nos quais os competentes Ministérios, por sua vez, estabelecerão a medida do seu auxílio, sem as contingências com que agora o têm de fazer.
Na verdade, o volume de pedidos de comparticipações para melhoramentos públicos, porque tem superado em muito o valor das dotações de que o respectivo Ministério tem podido dispor, obrigou a certos arranjos e a escalonamentos que desfavorecem a conveniente execução das obras, ao mesmo tempo que também obriga a estabelecer critérios de selecção de certo modo subjectivos.
Tudo isto prova e demonstra os altos inconvenientes da carência financeira das autarquias, principalmente da grande maioria dos municípios, cujas administrações são forçadas a reconhecer que, à míngua de recursos próprios, só com as liberalidades do Estado poderão cumprir, e na precisa medida do que lhes for dado, as suas grandes tarefas específicas.
Daqui o natural desencorajamento a que tais administrações estão quase permanentemente submetidas, dada a sua efectiva subalternidade e dependência aos recursos alheios!
Ora este estado de coisas, que em nada prestigia nem as autarquias nem o Estado, reflecte-se muito dolorosamente na vida local, principalmente nos meios rurais, tradicionalmente os mais empobrecidos. Daqui também a sua permanente desvitalização, que se vai processando em ritmo acelerado.
Há que opor a semelhante malefício, e com o verdadeiro espírito de cruzada, os grandes recursos nacionais.
Pelo que concerne aos distritos do Centro do País, algrou-me saber que se vai proceder ao estudo do desenvolvimento económico da bacia hidrográfica do Mondego, por forma que os grandes problemas que esse desenvolvimento suscita comecem a encontrar as soluções convenientes no próximo Plano de Fomento.
É uma vastíssima região que virá a ser beneficiada e de tais benefícios resultarão apreciáveis vantagens políticas, económicas e sociais para toda a Nação.
Mas o conveniente desenvolvimento de todo esse vasto plano pressupõe, necessariamente, que as autarquias locais, e nomeadamente os municípios que nele estão interessados e pertencem aos distritos de Coimbra, Guarda e Viseu, possam desempenhar cabalmente as grandes missões que as esperam.
Não será com administrações vergadas sob o peso do impressionante cortejo .de inibições que lhes são impostas pelo actual condicionalismo da lei administrativa que estes municípios poderão colaborar, dentro do seu tradicional cunho de autarquia independente.
Cumpre-me, Sr. Presidente, dizer ainda alguma coisa sobre a vida autárquica do meu distrito de Coimbra.
Não serei longo, já que os dezassete concelhos deste distrito comungam das mesmas vicissitudes que afligem a grande maioria dos nossos municípios, integrados como estão em distrito predominantemente rural!
Autarquias sem receitas vultosas, umas sofrem as influências nefastas do empobrecimento da grande região do Mondego a jusante de Coimbra, que o rio vai flagelando com as suas cheias desordenadas e com as suas areias esterilizantes; outras, as do interior, servem uma região importantíssima, onde a serra predomina e onde não abunda a terra arável.
Todas, porém, lucrariam extraordinariamente com a solução dos problemas de índole nacional que a actual lei administrativa suscita.
Deve ainda dizer-se que neste distrito se trabalha hoje em moldes que apresentam o mais saliente interesse dentro da sua novidade e que cumpre destacar.
Bom conhecedor das essenciais necessidades das gentes rurais e das grandes dificuldades materiais e burocráticas que as autarquias experimentam para atempadamente as satisfazerem, o governador civil criou o plano de ajuda rural, com que, sem peias e sem demoras, e por intermédio das mesmas autarquias, se vão fazendo os melhoramentos mais urgentes com uma simpática e compreensiva colaboração dos povos interessados.
Obra de interessante e eficaz promoção, sem embargo de ser iniciativa começada há poucos anos, já se pode orgulhar de uma valiosa soma de magníficos resultados.
Haverá que considerar esta lição de utilidade e de colaboração quando se editarem as necessárias reformas

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administrativas. Com igual sentido de utilidade se vêm reunindo periodicamente com o mesmo magistrado, em sessões de trabalho, os presidentes dos municípios distritais e os representantes dos organismos do Estado, que estão em contacto com as autarquias para conhecimento e discussão dos problemas comuns.
Sem qualquer quebra da dignidade e da independência da administração autárquica, em tais reuniões se reactiva e dinamiza o devotamento que deve presidir à mesma administração.
Isto se anota, porque, dada a sua valia, o sistema, que já vai ganhando foros de institucionalização, merece a sua consagração oficial no âmbito possivelmente de autarquia distrital, como fórmula de banimento dos isolamentos já impossíveis das administrações locais.
Sr. Presidente: chego à parte final do meu trabalho por me não ser lícito continuar a enfadar esta Câmara com mais longa exposição de problemas que são, aliás, bem do conhecimento geral. Deixo, por isso, muitos deles sem a referência especial que mereciam, na grata esperança de que outros Srs. Deputados aqui os venham tratar com mais propriedade do que eu o poderia fazer.
De resto, Sr. Presidente, já me não parece necessário alegar mais do que aduzi para justificar da necessidade imperiosa de uma cuidada revisão do nosso Código Administrativo.
Essa revisão, tão esperada e desejada há tanto tempo - já devia ter sido feita em 1960! -, encontra, de resto, apoio geral nos numerosos estudos feitos, quer oficiais, quer particulares, em que, com exaustivo cuidado, se encontram convenientemente seriados e equacionados os grandes problemas da administração local.
Não podem ser esquecidos esses estudos, em que também entendo dever abonar-me.
E, sem menosprezar o muito valor de todos eles - que de toda a forma o possuem apenas agora referirei, pela sua notável extensão e variedade, os que foram feitos por consagrados cultores da difícil ciência administrativa no Centro de Estudos Político-Sociais, criado na União Nacional, entre os quais avultou o Sr. Deputado Nunes Barata, que ali afirmou, como sempre o tem feito ao longo da sua já brilhante carreira, o altíssimo teor da sua destacada competência e saber.
Encontram-se esses estudos reunidos hoje numa única publicação, a que realça o valor um notável prefácio de oportuníssimas palavras do Sr. Prof. Marcelo Caetano e um equilibrado conjunto de conclusões.
Afastado de pronto qualquer pensamento de vir apresentar ideias originais em matéria tão exaustivamente tratada, peço vénia para fazer minhas, nas suas linhas gerais, essas conclusões, em que se consubstancia muito da ideia que me propus defender neste desvalioso trabalho.
É que também me parece não ser necessário bulir na estrutura fundamental do nosso sistema administrativo na reforma ou revisão que se postula do seu diploma específico; o que tem de fazer-se, isso sim, é adaptar essa lei aos preciosos mandamentos de uma tradição que não morreu nem pode desprezar-se e aos imperativos que as grandes lições da vida colocam perante a consciência nacional.
Quando se aceita que as autarquias locais são organismos naturais que formam e compõem a Nação, «como produto de uma lenta estratificação histórica que origina afinidades, relações e hábitos determinantes da comunidade de interesses na população de cada circunscrição» - como nas referidas conclusões se escreveu -, tem de, reflexamente, aceitar-se que lhes pertencem os direitos inerentes à sua indiscutível personalidade e o correspondente somatório das suas obrigações.
Deste primeiro e fundamental axioma se tem de partir quando se lhes pretenda condicionar a sua irrecusável existência.
Direitos e obrigações, obrigações e direitos, têm de ser doseados num código administrativo que se queira nimbado pelos altos mandamentos da justiça e da razão, com inteira harmonia, e não com qualquer laivo de desproporção.
Ë por isso que, reconhecidas as importantes missões tradicionais das autarquias e reconhecido igualmente que o desempenho dessas missões nenhuma outra instituição ou organismo o pode cumprir com o mesmo ou aproximado proveito nacional, lhes tem de ser garantida a íntegra possibilidade de bem as desempenharem na sua totalidade.
Isto implica, necessariamente, que o exercício dessas tradicionais missões não pode ser estorvado nem prejudicado com a atribuição de outras que lhes não devam pertencer.
Este o segundo dos axiomas fundamentais.
À luz destes princípios, não pode conceber-se que continuem a encontrar consagração nos mandamentos de um código ou em quaisquer preceitos legislativos as graves distorções que deixei enumeradas e as que delas necessariamente derivam.
Têm de determinar-se, com base nos grandes primados da moral e da justiça e em ordem ao supremo bem comum, as atribuições do Estado e as das autarquias para ficar equilibrada toda a estrutura político-administrativa da Nação.
Logo que tal equilíbrio se decrete e processe, sem sentido ficarão as expressões de «centralização e descentralização», por substituídas por esta outra mais conforme à índole da vida dos nossos dias: «cooperação harmoniosa» ...
E por isso, Sr. Presidente, que a revisão e a reforma do Código Administrativo são urgentes e inadiáveis.
À luz dos novos lumes da candeia ancestral, que os municípios sempre temperaram com o óleo votivo das suas altas virtualidades, não pode aceitar-se que, em muitas latitudes da terra portuguesa, autarquias empobrecidas e administrações desinteressadas, por efeito dos aberrativos determinismos centralistas, sejam .forçadas a viver em permanente penúria, o que as leva a terem de denegar aos seus povos uma vida com o mesmo sentido de dignificação e com o mesmo teor de bem-estar que tantos outros portugueses já gozam.
E que todos esses desfavorecidos são muitos, muitos daqueles que na tarde gloriosa de 27 de Agosto afirmaram, em Lisboa, ao Mundo enlouquecido, que, soprem donde soprarem, nunca os «ventos da história» terão força para esfarrapar ou derrubar a sagrada bandeira- de Portugal; são muitos, muitos daqueles em quem Salazar certamente pensava quando, na emoção daquele esplendoroso fasto, afirmava que «temos obrigação de ser orgulhosos dos vivos».
Pois bem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é em nome dos direitos de todos esses homens bons e das autarquias que os servem; é em nome do progresso de uma grande mancha da terra portuguesa; é por todas e por cada uma dessas ponderosas razões que os Deputados pelo círculo de Coimbra, pela minha voz humilde, pedem a ajustada reforma do Código Administrativo.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Nunes Barata: - Peço a palavra para um requerimento.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Nunes Barata: - Requeiro a generalização do debate.

O Sr. Presidente: - Está deferido o requerimento de V. Ex.ª

O Sr. Nunes Barata: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: mandaria, a cordialidade que as minhas primeiras palavras fossem de saudação ao ilustre Deputado avisante, Dr. Augusto Simões.
Mas a justiça exige de mim algo mais.
O interesse, a devoção do Deputado Dr. Augusto Simões pelo progresso da nossa vida local não é de agora nem se tem restringido a uma persistente actuação, vai para 11 anos, no seio desta Assembleia Nacional.
Ü Dr. Augusto Simões tem dado, em maior extensão e desde sempre, o melhor da sua vida à defesa e ao progresso das populações rurais.

O Sr. Santos Bessa: - Muito bem!

O Orador: - Enaltecer tal facto não constitui mesmo simples acto de justiça. E ainda um testemunho de como há homens, nas nossas pobres serras, capazes de se identificarem inteiramente com os seus problemas, de viverem as suas dificuldades, de empreenderem e levarem a bom termo salutares tarefas de desenvolvimento.
Sr. Presidente: quando em Setembro de 1959 foi publicado o Decreto-Lei n.º 42 538, que determinou dever o Governo proceder até 31 de Dezembro de 1960 à revisão e à- nova. publicação integral do Código Administrativo, abriu separa mim uma hora de esperança (cf. a minha intervenção nesta Assembleia Nacional sobre a revisão do Código Administrativo - Diário das Sessões de 23 de Maio de 1900).
Estava e continuo convencido de que não se muda pelo gosto de mudai1. Daí que não se me afigurasse viável uma transformação radical na estrutura do ordenamento existente.
O Código Administrativo de 1936-1940 teve, no processo da codificação administrativa portuguesa, o mérito de recolher muito da experiência passada e de inovar em consequência da construção jurídica do Estado posta pela Constituição Política de 1933.
Por outro lado, malbaratar a experiência, ainda que por vezes dolorosa, dos últimos vinte e tal anos constituiria acto de manifesta imponderado.
Mas o tempo continuou implacável na sua marcha. Já passaram três anos depois do anunciado limite de 1660 e o Código Administrativo aguarda ainda a prometida revisão e publicação integral.
Quero prestar aqui as minhas homenagens aos serviços do. Ministério do Interior. E do conhecimento público o interesse que têm posto na actualização do Código Administrativo, mesmo em consequência da reforma fiscal dos impostos do Estado.
Será que a revisão do Código Administrativo revolva todas as dificuldades da nossa vida local? Não o creio, embora esteja convencido de que por via legislativa poderemos II ajudar a remover algumas.
Os problemas da possibilidade, conveniência e âmbito da codificação administrativa têm sido objecto de ampla discussão entre os que se dedicam a este ramo do direito.
A experiência portuguesa nesta matéria pode dizer-se que remonta ao Decreto de 16 de Maio de 1832.
Verdadeiras leis da administração local, os nossos códigos administrativos têm-se preocupado com a divisão do território, a- estrutura, funcionamento, atribuições e competência dos corpos .administrativos, a existência e competências dos órgãos da administração local do Estado, as finanças locais e o contencioso administrativo.
E natural que alguns perguntem se a codificação administrativa não poderá ultrapassar o simples âmbito da administração local ou se não poderá existir um mesmo código administrativo para a metrópole e ultramar.
Não cuidarei destes importantes problemas, mas apenas de umas tantas questões mais ou menos relacionadas com a experiência colhida ao longo da vigência do Código Administrativo de 1936-1940.
Mais concretamente referir-me-ei ao desenvolvimento económico-social como processo conjunto; à preparação e valorização dos servidores públicos; à divisão regional do País relativamente ,às autarquias; às relações do Estado com a vida local; às finanças locais e fortalecimento do património municipal.
O desenvolvimento económico-social é um processo conjunto em que se harmonizam as pessoas, as estruturas institucionais e a criação e repartição da riqueza.
Sentir-me-ia tentado a reproduzir todas as considerações que recentemente desenvolvi, nesta tribuna, quando da discussão na generalidade da Lei de Meios para 1964 e, sobretudo, a renovar as sugestões feitas para uma autêntica revolução na vida local portuguesa.
Este processo de desenvolvimento pressupõe um estado de espírito. Impõe-se mentalizar as populações, dar aos chefes um sentido de missão, contrariar o ancilosamento que resulta de posições conquistadas no favoritismo ou na mediocridade do conformismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas interessa igualmente ajustar as instituições às novas tarefas e, sobretudo, concentrar o esforço numa hierarquia de empreendimentos em que seja indiscutível a sua projecção social ou a excelência da relação capital-produto.
Também não estou convencido de que nos tenhamos preocupado muito com a formação e aperfeiçoamento dos servidores públicos.
Já noutra oportunidade me permiti chamar as atenções, nesta Assembleia Nacional, para a importância do problema (cf. Diário das Sessões de 13 de Fevereiro de 1959).
Questões primárias no processo da burocracia, como a dos efectivos (na sua evolução quantitativa, repartição por classes ou relações entre o número de servidores e a população global) ou a das remunerações (na comparação do desenvolvimento dos seus índices com os do custo da vida, na percentagem das despesas administrativas, face ao rendimento nacional, na dissecação do binómio salário-produtividade), nem sempre se apresentarão fáceis aos nossos estudiosos. Temas de natureza sociológica, como o do desenvolvimento biológico da burocracia (com suas forças internas e externas), o da origem social dos funcionários, o do seu comportamento demográfico, o das suas tendências políticas ou até o dos seus hábitos, não têm sido entre nós objecto de pesquisas. Assuntos de interesse mais imediato, como o do combate à burocracia, com as possíveis opções entre a justiça e a simplicidade, a equidade e a eficácia, a unidade e a fragmentação, nem sempre ressaltam claramente do nosso labor legislativo.

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Mas não, desejaria mesmo colocar o problema neste desdobrar da burocracia sobre si própria no processo sociológico da sua estrutura ou motivações.
Afigura-se-me que no plano imediato da formação e selecção dos servidores públicos deveríamos avançar um pouco mais.
A formação directa do pessoal, através de escolas especiais de administração, constitui meio indispensável a uma valorização da eficácia administrativa.
Exemplifique-se com a vizinha Espanha, onde os cursos selectivos, de especialização e de aperfeiçoamento relativamente à administração local constituem matérias a cuidado de um centro de estudos especializado.
Já há anos que Sauvy afirmava ser extremamente oneroso o sistema, que tende a transformar a função pública num vasto serviço social de recuperação.
Encontrava-me em Luanda, há meses, quando aí se realizou o Congresso dos Municípios. Pois uma das questões que mais me pareceu preocupar os presentes foi ainda a da selecção e aperfeiçoamento dos funcionários administrativos.
Creio que tudo se congrega para justificar, entre nós, a criação de um instituto de estudos da administração local.
Tal como o seu congénere espanhol, competir-lhe-ia a investigação, o estudo, a informação, o ensino e a propaganda dos temas da vida local nas suas implicações de carácter jurídico, administrativo, social, económico e técnico, além da formação e aperfeiçoamento de administradores e de funcionários.
Referirei ainda aqui dois problemas: o do predomínio do recrutamento local para os lugares inferiores nos quadros dos serviços de secretaria e o da situação de alguns serviços especiais.
Os concursos para as vagas dos quadros privativos dos corpos administrativos são abertos por deliberação destes e realizam-se nas respectivas sedes, sendo o júri constituído nas câmaras municipais.
Tem-se argumentado que o facto de os concursos serem apenas válidos para as vagas existentes à data da abertura impõe uma sucessiva realização dos mesmos, com inconvenientes para um provimento mais rápido dos lugares. Melhor seria, acrescentam os que raciocinam assim, abrir concursos válidos para as vagas que viessem a ocorrer dentro de determinado período. Convirá, contudo, ter presente que à sucessão de concursos quebra um certo imobilismo, na medida em que facilita a revelação de valores.
Afirma-se ainda que a constituição do júri se harmoniza com o favoritismo local.
A questão tem os seus melindres. Convirá, no entanto, salientar que o regime vigente possibilita a vantagem da relativa fixação dos indivíduos à terra onde nasceram.
Quanto ao pessoal dos serviços especiais, permito-me, de novo, chamar a atenção para os partidos médicos, para os partidos veterinários e para a situação dos engenheiros municipais.
A experiência das últimas décadas, quanto aos médicos municipais, revelou a insuficiência do sistema. Uma má cobertura das zonas rurais aliou-se à modesta remuneração dos facultativos, mormente nas regiões pobres do interior, onde, de resto, são restritas as possibilidades de pulso livre. Haverá a acrescentar a isto os inúmeros atritos fundados em irregularidades nos concursos de provimento e na obrigatoriedade, tantas vezes iludida, de os médicos municipais residirem na área do respectivo partido.
Continuo convencido de que a assistência médica às populações rurais deve constituir um serviço nacional harmonizado, de resto, com a extensão da segurança social a essas mesmas populações.
Quanto aos veterinários municipais, também se me afigura oportuna a sua integração nos quadros do Estado.
A actual rede de partidos é insuficiente.
Anotam-se ainda melindres quanto à subordinação hierárquica, e a cobrança de emolumentos por parte dos veterinários municipais tem algumas vezes sido objecto de censura.
Creio, de resto, que este problema dos veterinários é apenas um aspecto de uma questão mais importante: a conveniente cobertura do País por técnicos que apoiem o desenvolvimento económico.
Ainda recentemente ao sugerir desta tribuna uma revolução na vida local, enalteci o interesse do sector terciário nesse movimento.
No que respeita aos engenheiros municipais (e técnicos afins), reconheço a oportunidade de um quadro geral, tal como o quadro geral administrativo dos serviços de secretaria. Convém definir as categorias, os direitos e as obrigações destes servidores, libertando-os da impossibilidade de acesso ou transferência para outros lugares.
E passo às relações entre a divisão regional do País e as autarquias.
A qualidade e a extensão das autarquias comanda naturalmente as suas atribuições e competência, projectando-se ainda nas possibilidades financeiras.
Poderíamos, mais concretamente, reflectir sobre o planeamento regional e suas exigências orgânicas; o papel das autarquias de extensão mais lata do que o município; o ajustamento territorial das instituições; os condicionalismos especiais dos centros urbanos.
Fixemo-nos na bacia hidrográfica de um rio. Seja mesmo ainda o caso do Mondego. Um estudo do aproveitamento das potencialidades económicas deste rio, ou dos problemas ligados às mesmas, não deixará de ter em conta o repovoamento florestal, o domínio, dos caudais sólidos, a regularização das cheias, a rega dos campos da Cova da Beira, de Celorico, de Coimbra, de Cantanhede ao Vouga, a produção de energia eléctrica, o abastecimento de água às populações dos concelhos marginais, a navegação fluvial e outras comunicações, o porto da Figueira da Foz, a instalação de indústrias, o turismo, etc. (cf. os meus trabalhos: O Desenvolvimento Regional c as Realidades Portuguesas (Coimbra, 1962) e O Aproveitamento do Mondego e o Desenvolvimento Regional (Coimbra. 1962).
Existe assim um elemento comum de ligação: a valorização económico-social de uma vasta área a partir de um rio; concorrem hoje, nesta região, várias instituições autónomas territoriais ou não territoriais que beneficiam de uma devolução de poderes.
Ora, de futuro, poderá tornar-se indispensável algo mais do que uma simples coordenação de esforços; é natural que os planos de desenvolvimento regional imponham a criação de instituições autónomas dotadas de amplos poderes, não só durante o período da execução dos trabalhos, mas até aquando da fase de exploração (cf. ainda o meu estudo publicado na Revista de Direito Administrativo, tomo IV, pp. 173 e segs., «A intervenção dos municípios em matéria económica»).
Creio não se tratar de uma simples sugestão académica.
Quem não recorda, a propósito do Tenessi, nos Estados Unidos, a criação da T. V. A. (Tennessee Valley Authority) e toda a sua brilhante experiência?
Tive há anos oportunidade de fazer parte da delegação portuguesa ao Congresso Internacional de Ciências Administrativas, em Wiesbaden (Alemanha Ocidental). Pois já nessa altura me foi dado constatar como o problema da possível devolução de poderes a novas instituições

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multifuncionais estava presente nas preocupações dos administrativistas (cf., por outro lado, o meu estudo A devolução de poderes às instituições autónomas não territoriais, Coimbra, 1959).
Não será, portanto, menos avisado esperar que tais questões venham a pôr-se à consciência do nosso legislador.
Mas, para lá de situações desta natureza, onde a finalidade do desenvolvimento económico constitui o traço de união de uma vasta área, parece recomendável encarar, ainda em conjunto, certos problemas hoje enquadrados nas atribuições e competência dos municípios (redes rodoviárias, electrificação, abastecimentos de água ...). Ora o organismo regional mais extenso chamado a cumprir tais encargos poderia ser, repito, a autarquia distrital.
A última revisão constitucional permitiu substituir as juntas de província pelas juntas distritais (cf. a minha intervenção nesta Assembleia Nacional quando da discussão na especialidade da última revisão constitucional - Diário das Sessões de 19 de Outubro de 1959).
A experiência falhada das juntas de província nas últimas décadas deveria aproximar-se da experiência do liberalismo relativamente à autarquia distrital.
Continuo convencido de que, para a eficácia da instituição distrital, se impõe que a mesma resulte de uma federação de municípios, que exerceria função complementar das câmaras municipais naquilo que ultrapassasse a força financeira e técnica de cada uma ou o limite espacial das respectivas atribuições.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas não se recomendará, em Portugal, uma revisão no número e nos limites geográficos das autarquias locais?
Eis uma questão bastante difícil, até pelas susceptibilidades a que pode dar origem.
Necessidades novas, modificações económicas e sociais, enfim, um processo a que o tempo e a fortuna não serão estranhos, constituem um desafio ao imobilismo.
Ainda aqui a prudência sugere que se evitem as perturbações que naturalmente poderão resultar de profundas remodelações territoriais.
Naturalmente que a divisão regional do País é uma consequência de factos físicos. Em tal sentido se compreenderá a expressão de Teixeira de Pascoais quando, ao reportar-se ao Alto Douro, fala «na ruga mais profunda da velha paisagem lusitana» ou ainda a sistematização de 13 ar r os Gomes ao apelidar de Beira Transmontana aquilo que administrativamente se tem conhecido por Beira-Serra.
Mas a divisão regional é sobretudo consequência de factos humanos. Ainda aqui poderíamos repetir com Aufrère que a liberdade foi dada ao homem para fazer dele um criador que embelezasse a terra e a refizesse para o seu uso e à sua imagem, escrevendo com a inteligência uma nova página na história metafísica do Mundo.
Ora, sobre o que haveria a anotar de incorrecções passadas em matéria de divisão regional, as profundas transformações das últimas décadas acumularam factos novos, que tornaram mais urgente um reajustamento.
A questão desdobra-se em três aspectos: extinção de certas autarquias; criação de outras; simples ajustamento de limites territoriais.
Da primeira tarefa encarregou-se, em 1836, Passos Manuel, tomando uma decisão corajosa, que será justo salientar a mais de um século de distância.
Que toda esta matéria é importante resulta ainda da própria lei. Nos termos do artigo 7.º do Código Administrativo, «as circunscrições administrativas só por lei podem ser alteradas». Por sua vez, o artigo 8.º determina que a criação de novos concelhos dependerá de requerimento das juntas de freguesia que hão-de constituí-los e da verificação das condições enumeradas nessa mesma disposição.
Basta, contudo, estar atento à vontade ou à comodidade das populações para nos apercebermos da actualidade do problema.
Pois não será, por exemplo, Lamego cabeça de uma zona a individualizar?

O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!

O Orador: - Não terão afinidades com o distrito de Coimbra regiões do concelho da Mealhada, enquanto a zona litoral de Mira mais se aproxima de Aveiro?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se o rio Zêzere é o limite dos concelhos de Oleiros e Pampilhosa da Serra, qual a razão por que a freguesia de Cambas, na margem direita, não pertence a este último concelho?
Estou convencido de que as imposições do desenvolvimento regional obrigarão os nossos homens de Governo, nos tempos futuros, a debruçarem-se com mais atenção sobre a carta do País, a estarem atentos à vontade e às necessidades das respectivas populações. É natural que então se reconheça a oportunidade de uma divisão regional em que se conjuguem diversos aspectos - a vida político-administrativa, a administração da justiça, o fomento económico-social ...
Mas será também o desenvolvimento futuro que acentuará a feição das comunidades urbanas.
Já hoje o Código Administrativo consagra algumas particularidades no regime das cidades de Lisboa e do Porto, ao mesmo tempo que declara obrigatória a federação dos concelhos de Lisboa e Porto com os concelhos vizinhos em que a sua influência se faça sentir intensamente.
Os grandes centros urbanos e respectivas zonas satélites justificam, na verdade, estruturas administrativas especiais, como pode ser testemunhado pela experiência inglesa.
Ainda a este propósito, na vida da nossa administração municipal, se poderão discutir orientações derivadas das realidades que comandam uma opção entre o princípio da democracia e o princípio da eficácia.
O princípio da democracia tende a confiar, em toda a sua amplitude, a administração municipal a órgãos eleitos representantes das correntes de opinião existentes na comunidade e por ela dirigidos; o princípio da eficácia resulta da verificação da insuficiência técnica desses órgãos para resolverem problemas que não são políticos, mas de pura administração, e leva a cercá-los de funcionários competentes a quem os poderes de direcção são confiados, ou a instituir gerentes que dirijam os negócios municipais como numa empresa, embora segundo as directrizes políticas dos órgãos representativos (cf. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo).
Seria de ponderar se a natureza de alguns agregados urbanos, como Coimbra, Setúbal ou Braga, não aconselhará antes um regime que mais os aproxime do de Lisboa e Porto que dos municípios de feição rural.
A discussão destas orientações de estima pelo princípio da democracia ou pelo princípio da eficácia poderá

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não se limitar a saber em que medida sai afectada a posição do presidente da câmara municipal ou a importância dos outros dois órgãos da administração municipal - câmara municipal e conselho municipal. Será incentivo a que abordemos uma questão mais lata: a das relações do Estado com a vida local.
A centralização dos poderes e a concentração dos serviços públicos abona-se com um processo histórico a que o condicionalismo da vida moderna e a mentalidade dos dirigentes têm dado apoio.
No caso português seria oportuno perguntar ao Governo quais as suas intenções relativamente ao prestígio e ao revigoramento da vida local. O problema tem-se posto noutros países. Poderia ainda aqui invocar o testemunho de Ursula Hicks (in Public Finance) relativamente à situação na Grã-Bretanha:
O argumento convincente para a manutenção da autonomia local - e com ele de algo parecido com a estrutura britânica do governo local - é quase inteiramente de natureza política.
A história recente indica com clareza que o poder e a iniciativa local é condição sine que non numa democracia satisfatória e estável. A razão está em que os governos locais activos garantem uma conexão eficaz entre o cidadão e o executivo. A complexidade da estrutura política é na realidade uma virtude, dado que multiplica os contactos entre o administrado e a administração.
E Ursula Hicks logo acrescenta:

O espírito da democracia não é outra coisa senão o sentido da responsabilidade política no cidadão (...). A autonomia local é um campo de treino para aqueles que têm ambições de valorização, de forma a virem um dia a participar no governo nacional.
Estas considerações serão ainda mais pertinentes em Portugal, dada a nossa concepção orgânica do Estado.
Tenho esperanças de que o presente aviso prévio seja oportunidade para se fazer mais luz sobre um problema, que nos contactos que procurei, para elucidação minha, com entidades locais, sempre VI muito debatido: o da posição do presidente da câmara.
Já passou mais de um quarto de século sobre estas palavras do Prof. Marcelo Caetano:

O papel do presidente da câmara é delicadíssimo. Fora das contendas e particularismos locais, incumbe-lhe ser o fiel da balança entre os interesses particulares, a voz do bem comum, o zelador do interesse geral no concelho. Há-de ser o animador das actividades e o disciplinador das energias; dele hão-de emanar os planos a realizar, a ele pertence, depois, a difícil tarefa de os executar.
Por isso, é indispensável assegurar-lhe toda a independência e rodear as suas funções de todo o prestígio. A sua obra deverá ser patente a toda a fiscalização, assim do Governo como dos munícipes: mas há que defendê-la dos caprichos, dos personalismos das intrigas, em que tem sido fértil a política local.
Não. creio que, mesmo no domínio dos simples contactos humanos, o Governo Central se tenha sempre preocupado com a estima da posição do presidente da câmara.

O Sr. Antão Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Duas consultas habituais são a tal propósito ilustrativas:
Quando, por exemplo, os presidentes das câmaras mais devotados percorrem as repartições ou os gabinetes de Lisboa, quase implorando ajuda, são muitas vezes tratados, se porventura são recebidos, como visitantes incómodos e impertinentes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há, por outro lado. diligências que alguns serviços centrais desenvolvem nos meios rurais sem do facto darem qualquer conhecimento às respectivas câmaras municipais, criando, algumas vezes, situações de melindre político. Não raro, e não sei por que. estranha ironia, as repartições do Estado escolhem os períodos eleitorais para tomarem, relativamente às populações dos campos, atitudes antipáticas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas ainda aqui poderiam merecer reparos aspectos que se enquadram na situação dos funcionários municipais, na política de obras públicas e nos regimes financeiros.
Como acentuei noutra oportunidade, é antipática a distinção que se tem feito entre funcionários públicos e funcionários administrativos. Considera-se, por vezes, para fins odiosos, como funcionário público o servidor a quem não se reconhece idêntica posição para beneficiar das regalias inerentes a essa qualidade.
Transposta a ideia para os servidores administrativos, tem-se verificado, por exemplo, uma- inibição para os funcionários dos serviços especiais dos corpos administrativos com idade superior a 35 anos, relativamente à possibilidade de concorrerem a lugares dos quadros do Estado. Isto é tanto menos compreensível, mesmo para lá de um elementar espírito de justiça, se tivermos em conta que o Governo só lucraria se facilitasse a estes servidores o acesso, numa oportunidade em que eles já se apresentam senhores de uma experiência adquirida no exercício de funções nas câmaras municipais (cf. contudo o parecer da Procuradoria-Geral da República de 11 de Dezembro de 1962, no Diário do Governo, 2.º série, de 15 de Janeiro de 1963).
Parece-me, de resto, ocioso persistir numa multiplicidade de estatutos para o funcionalismo: funcionários civis, funcionários administrativos, funcionários ultramarinos ...
Ô sistema das comparticipações, em matéria de obras públicas, representa um limite de direito e de facto à autonomia municipal.
Sabe-se que as comparticipações são, em dada medida, uma compensação relativamente à concentração fiscal operada a favor do Governo, ao enfraquecimento das faculdades tributárias das câmaras.
Ora esta assistência financeira arrasta consigo uma assistência técnica por parte dos serviços centrais. Uma e outra conjugam-se, em suma, podendo dizer-se que a iniciativa e os poderes de decisão e fiscalização dos municípios são muito relativos.
Dir-se-á que, se o Estado dá o dinheiro, a este será lícito escolher as obras a comparticipar e fiscalizar a sua execução.
Mas decidir-se-á sempre o Estado pelas primazias que, no consenso dos povos, são as mais aceitáveis? Atenderá, preponderantemente, aquele mínimo essencial indispensável à vida das regiões mais atrasadas? Vencerá, sempre, a tentação do sumptuário? Estudarão com afinco os téc-

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nicos do Estado os problemas locais e encontrarão as melhores soluções? Ter-se-á mobilizado o interesse dos povos de forma a tornar mais efectiva a sua ajuda, diminuindo, consequentemente, a percentagem dos encargos do ente publico? Mais concretamente, ainda, relativamente a este último ponto: não terá a política das comparticipações degenerado, por vezes, num engano em que o Governo se deixa conscientemente induzir?
Todas estas perguntas permitem formular uma recomendação: a política das comparticipações impõe aos serviços centrais particulares deveres no que respeita à defesa da autonomia local, à eficiência e devoção dos técnicos do Governo, à estima das relações humanas, à generalização de um espírito de ajuda que leve as populações beneficiadas a darem um contributo decisivo nas tarefas de desenvolvimento.
Tenho ainda reparado existir uma outra questão que origina prejuízos e críticas - os planos de urbanização e as construções urbanas.
Embora correndo o risco de me repetir, volto a este assunto (cf. a minha intervenção nesta Assembleia Nacional em 5 de Maio de 1959).
O urbanismo é uma tarefa bastante complexa, pressupondo a solução dos seus problemas, além do mais, um trabalho de equipa em que participem arquitectos, engenheiros, agrónomos, geógrafos, sociólogos, etc. A. formação de urbanistas exige, por seu "turno, escolas superiores especiais.
Ora estas duas condições não são convenientemente preenchidas em Portugal; não existe um instituto superior de urbanismo e nos trabalhos que se realizam damos testemunho de um espírito individualista.
Creio datar de 1934 o primeiro diploma (Decreto-Lei n.º 24 802) sobre a elaboração a cargo dos municípios de planos de urbanização para os centros populacionais mais importantes. Dez anos decorridos, o Decreto-Lei n.º 34 337, visou «promover e estimular, com carácter de indispensabilidade e urgência e em moldes de civilização e progresso adequados, a urbanização de todas as sedes dos concelhos e de outros aglomerados populacionais importantes».
Foram, posteriormente, publicados outros diplomas e, sobretudo, levada a cabo uma tarefa de êxitos e insucessos mais do que uma vez referidos nesta Assembleia.
De que se queixam os municípios?
Afirma-se que os planos de urbanização revelam um desconhecimento das realidades e possibilidades das regiões a que se destinam. Elaborados para meios modestos, tornam-se inexequíveis, dada a oposição entre as possibilidades reais das povoações e a largueza de concepção dos respectivos urbanistas.
De resto, desde a escolha de quem os elabora até à sua aprovação definitiva, pode dizer-se que tudo, na prática, se passa à margem da vida local.
A intervenção do conselho municipal, prevista no n.º 10.º do artigo 27.º do Código Administrativo, encontra-se reduzida à condição de simples acto preparatório da resolução definitiva que ao Governo compete tomar.
Parecia-me que a discussão pública dos planos de urbanização se reveste de grande interesse. O debate que viesse a estabelecer-se não só traria as vantagens que resultam de qualquer discussão generalizada entre interessados, como facilitaria ainda ao público um conhecimento de directrizes que o afectam e não devem viver no segredo das repartições. Basta acentuar que a própria disparidade na apreciação de projectos de edificações não só contraria princípios de justiça relativa, como expõe os servidores públicos a críticas relacionadas com a sua honestidade.
A história do desenvolvimento urbano nas últimas décadas é fértil nos atritos entre os particulares e a Administração. Basta exemplificar com as construções em altura e o regime de cérceas, a ocupação dos prédios antes das vistorias, as expropriações de casas e terrenos, a venda dos lotes em hasta pública, o regime das mais-valias, as construções clandestinas.
E entro na questão mais candente: a das finanças locais (cf. o meu estudo A Situação Financeira dos Municípios, Coimbra, 1959).
Referi recentemente nesta tribuna algumas causas da fraqueza financeira das autarquias locais; debilidade económica do mundo rural; concentração industrial; primazia do Estado na cobrança dos impostos; desvalorização da moeda; destruição do património das instituições.
A grande questão será ainda a do desenvolvimento económico do País. Se os recursos são reduzidos, será modesta a capacidade tributária. Ainda aqui será caso para repetir que não é possível fazer omeletas sem ovos ...
Mas talvez não seja de todo despiciendo avançar um pouco mais no sentido das relações entre a pressão fiscal e a posição das receitas municipais.
A fazer fé nos elementos constantes da proposta da Lei de Meios para 1964, e com as restrições aí referidas, a carga fiscal na metrópole teria evolucionado nos últimos anos nos seguintes termos:

[Ver Quadro na Imagem].

O crescimento evidenciado nos dois últimos anos pela pressão fiscal - escreve-se no citado relatório da proposta da Lei de Meios para 1964 -, a contrastar com a relativa estabilidade observada nos anos precedentes, deve atribuir-se fundamentalmente ao acréscimo do ritmo da expansão dos impostos indirectos, em consequência, nomeadamente, das medidas fiscais adoptadas no decurso de 1961 com o objectivo de ocorrer às necessidades impostas pela defesa das províncias ultramarinas.
E no correspondente parecer da Câmara Corporativa, tendo em conta 1963 e as perspectivas para 1964, acentuou-se:

No ano corrente a carga fiscal não deve ter sofrido agravamento sensível, mas a manterem-se as necessidades de defesa da Nação, como infelizmente é de prever, e a não querer diminuir-se o auxílio à política de desenvolvimento por forma a perigar o próprio esforço de defesa, é de esperar que não possa ser atenuada a pressão fiscal no próximo exercício financeiro.
Estas imposições são, na verdade, indiscutíveis.
Mas já nos será possível discutir outros aspectos do problema.
No volume dos impostos atrás referido incluíram-se não só os impostos directos e indirectos relativos ao Orçamento Geral do Estado, como os réditos dos serviços autónomos e fundos autónomos, das autarquias locais e

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serviços autónomos das autarquias locais e ainda da previdência social.
Ora a posição das receitas das autarquias locais no total das receitas tributárias é modesta e não acusa, nos últimos anos, aumentos substanciais.
Estes factos permitem-nos perguntar:

1) Perante as perspectivas de agravamento da carga fiscal e exigências de aceleração do desenvolvimento regional do País não seria desejável que os possíveis aumentos na tributação beneficiem de forma mais substancial os municípios?
2) Constatada uma pulverização, a meu ver bastante censurável, quanto ao actual destino dos tributos, não seria desejável que voltassem às câmaras municipais certas receitas, que também já lhes pertenceram, e que hoje são cobradas, por exemplo, pelos organismos de coordenação económica?
Infelizmente a reforma fiscal do Estado processou-se com inteiro alheamento das finanças locais.
Não creio que esta atitude tenha sido a mais conveniente na problemática jurídico-fiscal, a mais oportuna no contexto económico-financeiro e a mais simpática do ponto de vista político.
A já débil situação financeira das autarquias locais ficaria ainda mais abalada com as repercussões da reforma fiscal a manterem-se os preceitos actuais do Código Administrativo.
Daí os laboriosos arranjos de última hora.
Há anos, o Dr. António Pedrosa Pires de Lima, ilustre director-geral de Administração Política e Civil do Ministério do Interior, e a cujo persistente labor para valorização da vida administrativa portuguesa me é grato prestar homenagem, acentuava, a propósito da evolução das finanças municipais:

O montante global das despesas orçadas pelas câmaras municipais no ano de 1939 e no ano de 1958 foi, respectivamente, de 640 300 e de 2 000 500 contos, o que representa um aumento de cerca de 320 por cento, muito superior ao que resultaria da simples desvalorização da moeda em igual período. Nos mesmos anos, as despesas totais inscritas no Orçamento Geral do Estado foram, respectivamente, de 2 813 200 e de 8 577 400 contos, acusando, assim, o aumento de 327 por cento.
E mais adiante acrescentava quanto aos orçamentos das câmaras:
O que sucede é que para o aumento das despesas orçamentadas. concorrem as avultadas somas provenientes de comparticipação do Estado, pelo Fundo de Desemprego e pelo. Fundo de Melhoramentos Rurais e ainda as importâncias concedidas pelo Ministério da Justiça para a instalação dos serviços que do mesmo Ministério dependem. Isto é, trata-se, em parte, de receitas extraordinárias aplicadas segundo os planos aprovados pelos referidos Ministérios, ou seja de importâncias de que as câmaras municipais não podem dispor livremente.
O problema toma ainda outros aspectos dignos de menção se tivermos em conta:

1) O diferente volume da base de 1958 (Estado - 2 813 200 contos; municípios - 640 300 contos), o que no plano relativo afecta o significado das percentagens de aumento.
Já há alguns anos (1949) o Prof. Marcelo Caetano, numa interessante conferência que realizou no Instituto de Estudos da Administração Local, em Madrid, sob o título «Situação actual dos municípios portugueses», estudava alguns índices demonstrativos do desenvolvimento dos municípios no período de 1929-1948. Seria menos avisado minimizar o significado de tais conquistas.
Os números terão, contudo, um significado relativo, se tivermos em conta a modéstia do ponto de partida e o clima de aspirações que o próprio progresso das autarquias ajudou a desenvolver.
2) O conceito, ainda que relativo, de autonomia municipal e, sobretudo, as sempre crescentes obrigações entregues às câmaras municipais explicam ainda todo um clima de reivindicações.
De facto, a melhoria das condições de vida no mundo rural desenvolve um processo que tem imposto, tanto no domínio das leis como no plano das realidades, uma intervenção mais activa e mais onerosa às câmaras municipais. A assistência tem-se traduzido em maiores encargos, a instrução conheceu outras extensões, as obras públicas multiplicam-se naquele mínimo de infra-estruturas ou comodidades essenciais a qualquer agregado.
3) A posição proeminente de Lisboa e Porto no volume das receitas municipais mais faz sobressair a situação modesta de quase todos os restantes municípios.
Mesmo num plano de capitações a situação é expressiva. Lisboa e Porto e concelhos satélites não dispõem de 25 por cento da população do continente, ao passo que as receitas arrecadadas por estes municípios atingem os 50 por cento.
Quem estiver atento aos elementos publicados habitualmente no Anuário da, Direcção-Geral de Administração Política e Civil do Ministério do Interior poderá verificar como é numeroso o grupo das câmaras municipais cuja receita anual é inferior a 1000 contos ou, por outro lado, como não ultrapassa a dúzia o número daquelas que arrecadam mais de 10 000 contos.
Quais as soluções para mitigar esta situação?
Creio justificarem-se, a tal propósito, algumas sugestões relacionadas com o fortalecimento do património municipal, as facilidades no recurso ao crédito, a supressão ou redução dos encargos das câmaras e, finalmente, as revisões no capítulo do código mais particularmente ligado às finanças municipais.
Ë do conhecimento de todos ter constituído o domínio rural uma importantíssima fonte de receitas do Estado e dos municípios da Idade Média. Posteriormente, o aumento das receitas provenientes de impostos e, no século passado, as grandes alienações enfraqueceram tal presença.
Invocando razões alicerçadas em cálculos económicos, no interesse colectivo ou fundadas em simples motivos políticos, «a partir de 1833 o regime liberal encarregou-se de vender os bens da Coroa, muitas vezes ao puro desbarato, e isso foi completado pelas leis de desarmotização que prescreveram a venda de bens de mão morta» (Lições de Finanças do Prof. Teixeira Ribeiro).
Desde sempre se entendeu, contudo, que as florestas deveriam ser libertas desta política desamortizadora.
A sua manutenção justificava-se por razões económicas perpetuidade do Estado; simplicidade de gestão; exploração em grande) e pela sua utilidade pública gratuita.
Nos nossos dias o Estado Português mantém um rico património florestal, procurando, bem louvavelmente, valorizá-lo e alargá-lo.
Como já tenho acentuado nesta Assembleia, creio também ter chegado a hora de fortalecer o património dos municípios através da floresta.

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Infelizmente, o disposto no artigo 401.º do Código Administrativo não ganhou grande consagração.
Por outro lado, a base XIV da Lei n.º 1971 parece ter tido sorte idêntica.
.Ora aqui está um sector em que a intervenção do Governo poderia ser mais prática. Além de assistência em técnicos, em sementes e plantas e em modalidades de empréstimos especiais para revestimento florestal, o Governo deveria realizar uma obra de mentalização sobre o valor e a importância do repovoamento.
Em matéria florestal há, de resto, uma situação que tem dado origem a fundados reparos: a da repartição dos rendimentos das matas existentes nas áreas submetidas ao regime florestal.
As câmaras municipais têm solicitado ao Estado a justa regulamentação de um direito há muito previsto nos diversos diplomas legislativos que estabeleceram a disciplina jurídica do povoamento florestal.
Tal solução, além de justa, contribuiria para a melhoria da situação financeira de alguns municípios pobres.
As possibilidades de recurso ao crédito dos corpos administrativos conhecem, como é óbvio, algumas limitações legais:

a) 3ó podem contrair empréstimos para amortização extraordinária de outros empréstimos, aquisição de imóveis absolutamente indispensáveis aos serviços e realização de obras e melhoramentos de utilidade pública, previamente estudados e projectados, que não seja possível custear pelas receitas ordinárias;
b) Estes empréstimos deverão ser, em princípio, contraídos na Caixa Geral de Depósitos, só o podendo ser noutra fonte quando o encargo efectivo daí resultante não exceder o que proviria da taxa de juro exigida por aquele estabelecimento;
c) Os empréstimos contraídos na Caixa Geral de Depósitos poderão ser garantidos pela consignação das receitas provenientes dos adicionais às contribuições directas do Estado, dependendo tal garantia de prévia autorização do Ministro das Finanças;
d) Os encargos da dívida de um corpo administrativo não poderão exceder a quinta parte da receita ordinária arrecadada no ano económico anterior àquele em que se efectue o empréstimo, salvo tratando-se de empréstimos para serviços municipalizados, os quais poderão ser autorizados sempre que os encargos deles resultantes tenham compensação suficiente no rendimento dos mesmos serviços.

Uma análise da dívida das câmaras municipais nos últimos anos permite salientar:

1) Que o seu montante global tem sido sensivelmente igual à receita ordinária propriamente dita (impostos, taxas e outros rendimentos cobrada numa gerência pelos municípios;
2) Que o montante dos juros e amortizações anuais é de cerca de 10 por cento da receita ordinária;
3) Que a dívida das câmaras municipais dos distritos de Lisboa e Porto ultrapassa os 50 por cento da dívida total dos municípios;
4) Que tanto no continente como nas ilhas adjacentes existe um conjunto de câmaras municipais pobres, onde as fracas disponibilidades financeiras parece conjugarem-se com o reduzido espírito de iniciativa das administrações, não se utilizando esta fonte de inegáveis vantagens para o fomento local que é o crédito.
O recurso ao crédito tem suscitado da parte dos municípios alguns reparos relacionados com o destino dos empréstimos, o prazo de amortização, o montante dos juros e a consignação de receitas especiais para a solvência dos encargos.
O apertado condicionalismo legal posto aos fins dos empréstimos poderia conjugar-se com a concessão de créditos especiais aos municípios das zonas mais atrasadas. Esta política de créditos especiais aliar-se-ia, de resto, a uma especial política de comparticipações, tudo com o objectivo de quebrar o círculo vicioso de pobreza e atraso em que vegetam tais regiões.
Alguns empréstimos deveriam ajustar-se mais aos períodos de utilidade dos empreendimentos financiados.
Na Inglaterra, por exemplo, o seu prazo é de 80 anos para a compra de terrenos com fins agrícolas, de 60 anos para a compra de outros terrenos, mesmo quando destinados a edifícios das câmaras, de 30 anos para os esgotos, de 20 anos para novas estradas, de 15 anos para melhoramentos de estradas, de 10 anos para carros de trolley para transportes e de 8 anos para autocarros (...). Em França, os empréstimos às câmaras (...) têm, em geral, o prazo de 30 anos, podendo, porém, ter outros períodos: de 10 anos quando destinados a obras para atender ao desemprego; de 40 anos quando destinados à construção de casas de renda moderada, aos trabalhos de adução de águas e saneamento, e de períodos ainda superiores quando as obras sejam de estabelecimento de linhas de tramways, etc. (in Manuel Ferreira, Finanças Locais).
Como se sabe, os prazos dos empréstimos da Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência aos municípios oscilam normalmente até um limite apenas de vinte anos.
Tem-se repetido que seria vantajoso rever o regime do juro e amortização dos empréstimos contraídos pelas câmaras municipais na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência.
A Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência é, em última análise, um serviço do Estado. A diminuição dos encargos dos municípios nos empréstimos seria ainda um contributo indirecto do Estado para o fomento local.
Se o juro é, em dada medida, um prémio do risco, que risco correrá a Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência quanto aos empréstimos dos municípios se os adicionais às contribuições do Estado ficam consignados à sua garantia?
Nos termos do artigo 699.º do Código Administrativo, todos os depósitos das autarquias locais são feitos na Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência. Assim pode, em dada medida, afirmar-se que a Caixa empresta aos corpos administrativos dinheiro que, em parte, provém de depósitos que os mesmos aí são obrigados a fazer e que rendem um juro mínimo. Eis ainda uma razão que as câmaras poderão invocar quando pretendem juros menos elevados para os seus empréstimos.
A sobretaxa consentida sobre o abate do gado para a construção de matadouros e a sugestão da Câmara Corporativa, que ganhou vencimento nesta Assembleia Nacional, quando da votação da lei sobre o abastecimento de águas das populações rurais, sugerem uma revisão do artigo 674.º do Código Administrativo, que fixa os limites dos encargos das dívidas das câmaras municipais, nos termos a que atrás me referi.
A questão poderia formular-se assim:
Não seria conveniente evitar, sempre que possível, um ancilosamento das faculdades de recurso ao crédito pelas câmaras municipais, dado este limite do artigo 674.º, aceitando para cálculo das possibilidades dos municípios a reprodutividade efectiva dos investimentos realizados por intermédio dos empréstimos?

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Ou ainda noutro plano:
Não haveria interesse em criar a possibilidade de outras receitas especiais para fazer face ao juro e amortização de certos empréstimos?
Passo seguidamente ao ponto central em matéria de queixumes por parte das câmaras municipais: os encargos que elas suportam e que verdadeiramente deveriam caber ao Estado ou a outras instituições.
Trata-se de uma questão em que não me deterei com pormenor. Tem sido frequentemente ventilada nesta Assembleia desde o aviso prévio do falecido Deputado Rocha Paris ou do mais recente aviso prévio do nosso antigo ilustre colega Melo Machado.
As câmaras municipais entendem que não deveriam suportar os encargos com o tratamento dos doentes pobres, a construção das escolas primárias, as obrigações a que se referem os n.ºs 1.º a 5.º do artigo 751.º do Código Administrativo ou outras, como têm sido as relativas aos recenseamentos militar e escolar e às despesas com a Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública.
Já tive oportunidade de expor circunstanciadamente nesta Assembleia (cf. o Diário das Sessões n.º 121, de 15 de Junho de 1959) a tormentosa história das responsabilidades dos municípios com os encargos hospitalares. Nem creio que os últimos arranjos tenham melhorado a situação.
No fundo a questão pode reconduzir-se ao seguinte:

1) Os encargos com o tratamento dos doentes pobres são muito volumosos e, como tal, incomportáveis para as finanças municipais;
2) O princípio de responsabilizar os municípios pelos doentes pobres é censurável, não só por uma ideia de especialidade, que deve presidir à vida das instituições, como ainda por um desajustamento funcional que daí resulta, transformando a questão em fonte de atritos, prejuízos e desprestígio.
O recurso às derramas não resolveu o problema financeiro, subsistindo, de resto, as dificuldades de estruturas bem patentes no descontentamento geral e no clima de mútua desconfiança entre as câmaras e os hospitais.
Permito-me repetir o que ainda recentemente afirmei nesta tribuna [cf. também os meus trabalhos: Coordenação Assistencial (Coimbra, 1957) e Um Aspecto do Contributo das Misericórdias para o Revigoramento da Vida Local (Coimbra, 1959)].
Continuo convencido de que a Misericórdia da sede do concelho deverá ser o órgão central de assistência concelhia, cumprindo-lhe congregar a acção beneficente de todos os estabelecimentos ou organismos de carácter local. A esta Misericórdia cabe o primeiro lugar nas actividades hospitalar e assistencial, realizando-se tal missão com o apoio do seu hospital sub-regional. Devendo constituir encargo, da Misericórdia da sede do concelho a assistência prestada aos pobres e indigentes com domicílio de socorro na respectiva área, teria tal encargo sua contrapartida na participação das Misericórdias nos rendimentos da lotaria nacional e no produto de imposição fiscal que o Governo cobraria e entregaria para esse fim.
Data de 1941 o despacho que fixou em 500 000 contos o custo total do chamado Plano dos Centenários para a construção das escolas primárias, sendo a comparticipação dos municípios estimada em 250 000 contos.
Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 35 769, de 27 de Julho de 1946, definiu aspectos da execução do Plano dos Centenários de forma a intensificá-lo.
A construção dos edifícios .seria dirigida e financiada pelo Estado, devendo as câmaras municipais reembolsá-lo até 50 por cento da despesa realizada.
O período de amortização, que inicialmente era de dez anos para os municípios do continente e quinze anos para os das ilhas adjacentes, foi pelo Decreto-Lei n.º 36 575, de 4 de Novembro de 1947, ampliado para vinte anos. As câmaras ficaram ainda com a obrigação de fornecer terrenos indispensáveis à implantação de escolas e correspondente urbanização dos respectivos locais.
Esta situação saiu mais agravada em consequência de as escolas terem passado a custar mais do que se previra inicialmente e de a revisão da cobertura escolar ter conduzido a construir um maior número de edifícios.
A importância de todo o problema justificou a sua consideração pela Assembleia Nacional, o que aconteceu com a discussão da proposta de lei relativa ao Plano das construções escolares (Lei n.º 2107". de 5 de Abril de 1961). O novo regime é, sem dúvida, mais favorável às câmaras municipais: o reembolso ao Tesouro das comparticipações devidas pelas câmaras municipais será efectuado através do pagamento de anuidades não superiores para cada obra a 1/20 da respectiva comparticipação, as quais serão fixadas por forma que as despesas municipais provenientes da execução do Plano dos .Centenários e do novo plano, para reembolso do Estado, não excedam em cada ano 10 por cento do montante das receitas ordinárias, com exclusão das receitas consignadas e deduzidos os encargos dos empréstimos não caucionados por receitas especiais e de vencimentos e salários do pessoal dos quadros.
A ideia de que a instrução pública é uma das primeiras tarefas nacionais tem, contudo, conduzido alguns a perguntar se os encargos com o ensino e respectivas instalações não deveriam pertencer exclusivamente ao Governo [cf. o trabalho que publiquei na Revista de Direito Administrativo (v. p. 40) sobre «Três leis com repercussão regional»].
A responsabilidade obrigatória das câmaras municipais com a instalação de tribunais, secções de finanças, tesourarias da Fazenda Pública, conservatórias, etc., tem originado atritos, fundados em prepotências dos funcionários do Estado e numa política de restrições por parte das câmaras.
Quando se deseja realçar a forma menos favorável como o Governo trata as câmaras municipais argumenta-se com as exigências que se formulam à sombra de tais obrigações. Por outro lado, as câmaras defendem-se, gastando o menos possível. Daí insuficiências nas instalações ou nas dotações.
Tem-se perguntado se, tratando-se de serviços do Estado, não deverá ser o mesmo a suportar os correspondentes encargos.
A prática de incumbir os serviços de secretaria das câmaras de tarefas que deveriam pertencer às repartições do Estado é também muito frequente. Trata-se de um procedimento que acarreta despesas às câmaras P constitui um obstáculo ao melhor rendimento dos serviços municipais naquilo que verdadeiramente lhes deve competir.
Já lamentei o facto de a reforma fiscal do Estado se ter alheado inteiramente da problemática das finanças locais.
Teria sido uma boa ocasião para estruturar o sistema fiscal das autarquias locais de acordo com as novas orientações, ao mesmo tempo que se tornava possível aos corpos administrativos obter uma simplificação nos processos de lançamento e cobrança e uma maior participação no volume das receitas arrecadadas.
Sempre me pareceu vantajoso utilizar os «adicionais às contribuições e impostos» elevando as percentagens referidas no artigo 706.º do Código Administrativo, fazendo-os

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recair sobro todos os impostos directos e utilizando esta dupla compensação, de aumento de percentagem e generalidade de imposição, para eliminar a cobrança do imposto de prestação de trabalho, do imposto para o serviço de incêndios e da licença de estabelecimento comercial e industrial (para maiores desenvolvimentos cf. o meu estudo já citado sobre a situação financeira dos municípios).
Nos casos em que se tornasse impossível uma atribuição a cada município da parte que lhe deveria competir, talvez não fosse despropositada a utilização de um fundo comum dos municípios. Este fundo serviria para custear empreendimentos comuns a vários municípios ou, até, para ajudar os que pertencem às regiões mais pobres e atrasadas.
E que dizer dos impostos indirectos?
As orientações que se esboçam em matéria de tributação indirecta, por parte do Estado, recomendam ainda que as faculdades dos corpos administrativos sejam igualmente objecto de atenções neste sector.
O Código Administrativo (artigos 714.º e seg.) já consagrara algumas limitações à possibilidade de as câmaras cobrarem impostos indirectos. O disposto no § 2.º do artigo 711.º levou a quase totalidade das câmaras a renunciarem a tal faculdade.
Mas já antes das actuais perspectivas postas pela reforma fiscal do Estado se me afigurava recomendável a manutenção de impostos indirectos sobre o vinho, a carne e o pescado. Parecia-me mesmo de atender ao seguinte:

1) Estudar a possibilidade de todas as câmaras poderem cobrar imposto sobre o consumo do vinho, auferindo uma vantagem que hoje pertence apenas a cerca de 100 municípios, mas da qual beneficia substancialmente a coordenação económica;
2) Rever as imposições actuais, uniformizando-as quanto possível e actualizando-as;
3) Estudar um processo de cobrança, tendo em conta a sua economia e simplificação.
Também as câmaras municipais podem hoje cobrar taxas de três proveniências (artigos 723.º e seg. do Código Administrativo): as autorizadas na tabela B anexa ao Código Administrativo; as permitidas por diploma especial; as que resultante de deliberações tomadas pelos municípios relativamente a utilidades que proporcionem dentro das suas atribuições (n.ºs 8.º, 10.º, 11.º e 12.º do artigo 723.º).
Os reparos suscitados relacionam-se fundamentalmente com a- tabela 13 anexa ao Código Administrativo.
As taxas a previstas resultam principalmente da redacção de 1940 (cf., porém, o Decreto-Lei n.º 31 336, de 14 de Julho de 1941).
Decorrido assim quase um quarto de século, é na verdade justificável uma revisão.
Neste entre tempo a moeda desvalorizou-se. As câmaras continuam a cobrar taxas fixas, expressas no mesmo montante de numerário, mas pagarão, por exemplo, aos operários, nas obras municipais, salários já actualizados. De resto, a experiência vivida terá feito cair em desuso determinados indicadores ou recomendará ainda a criação de novas rubricas.
Sr. Presidente: sinto ter sido excessivamente longo, ao mesmo tempo que reconheço a impossibilidade de esgotar uma matéria que se me afigura de suma importância.
Vou terminar.
O que disse, e afinal me foi sugerido pelo aviso prévio apresentado pelo nosso ilustre colega Dr. Augusto Simões, pode resumir-se assim:

1) A revisão do Código Administrativo, embora não resolva todas as dificuldades da nossa administração local, poderá ajudar a atenuar a incidência de algumas;
2) Impõem-se, por outro lado; certos ajustamentos nas relações entre o Estado e os municípios. Convém eliminar um espírito excessivamente, centralizador ou ainda a ideia de que o Estado exige tudo dos municípios e, por outro lado, nem sempre está disposto a conceder-lhes facilidades;
3) A situação financeira dos municípios, principal ponto de dificuldades, depende do desenvolvimento económico do País. Mas também se repercute na mesma a tendência centralizadora do fisco, o hábito de entregar às câmaras um conjunto de obrigações que antes deveriam pertencer ao Estado ou a outras instituições;
4) A reforma fiscal do Estado teria sido uma oportunidade para rever o sistema das finanças municipais. Infelizmente, não aconteceu assim. Esperemos que ao menos os ajustamentos necessários proporcionem aos municípios uma simplificação na técnica da tributação e, sobretudo, um aumento no montante das receitas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continuará amanhã sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão.

Alberto Pacheco Jorge.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Maria Santos da Cunha.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Lopes Vasques.
James Pinto Buli.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Alberto de Carvalho.
José Dias de Araújo Correia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Manuel da Costa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
António Barbosa Abranches de Soveral.

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15 DE JANEIRO DE 1964 2893

António Gonçalves de Faria.
António Marques Fernandes.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
João Mendes da Costa Amaral.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel João Correia.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Lopes de Almeida.
Olívio da Costa Carvalho.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Luiz de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

Página 2894

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