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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 119

ANO DE 1964 22 DE JANEIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 119, EM 21 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mo Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
Luís Folhadela de Oliveira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o n.º 117 do Diário das Sessões.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Antunes de Lemos ocupou-se dos incêndios nas matas e da comparticipação das autarquias na exploração florestal.

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Nunes de Oliveira efectivou o seu aviso prévio nobre educação nacional.
O Sr. Deputado Délio Santarém requereu a generalização do debate e o Sr. Presidente deferiu o requerimento.
Usaram da palavra, os Sr. Deputadas Délio Santarém e Pinheiro da Silva.
O Sr. Presidenta encerrou a sessão às 18 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: -Vai fazer-se a chamada.
Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Calheiros Lopes.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Moreira Longo.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Augusto José Machado.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.

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João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rèbelo Valente de Carvalho.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis!
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vítor Manuel Dias Barros.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 76 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 5 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:-Está na Mesa para reclamação o n.º 117 do Diário das Sessões.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado produz qualquer reclamação, considero aquele número do Diário das Sessões aprovado.
Deu-se conta o seguinte:

Expediente

Telegramas

Vários a apoiar o aviso prévio sobre a reforma do Código Administrativo.
Vários a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Jorge Correia sobre problemas veterinários municipais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes de Lemos.

O Sr. Antunes de Lemos: -Sr. Presidente: quando, na sessão de 26 de Abril do ano passado, me referi deste mesmo lugar ao problema dos incêndios nas matas sob a jurisdição da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas - assunto que mereceu um artigo de fundo do jornal O Século -, estava bem longe de supor que logo na próxima estacão de fogos teríamos de assinalar dois grandes incêndios, ambos no meu distrito de Vila Real, que atingiram aproximadamente 750 ha e causaram um prejuízo de 1130 contos. Porém, o que acima de tudo há a lamentar é a perda dê quatro vidas, no incêndio de Boticas, no qual, bem perto da minha vista, morreram queimados, tal como as árvores que defendiam do fogo, um administrador florestal e três jornaleiros dos serviços.
Como Deputado pelo círculo, tenho grande, honra de poder prestar deste lugar a minha homenagem à memória laqueias quatro vítimas, cujo sacrifício é um exemplo que fica para todos quantos lutam nesta vida por um ideal.
Mas do que eu estava seguro, e disso me fiz eco, era de que se tinha ultrapassado a fase da improvisação que vigorou durante muitos anos, estando o ataque aos incêndios florestais nas matas do Estado mais ou menos organizado, embora com meios que reputei limitados, por carência de disponibilidades.
Em todo o caso, não fora essa organização - as brigadas especiais com o seu equipamento, os localizadores de incêndios, o sistema de comunicações telefónicas e radiotelefónicas, o recurso ao pessoal das unidades militares mais próximas, etc..- e teríamos agora de lamentar prejuízos muito mais elevados. É que esses incêndios foram ateados em vários sítios, em locais previamente escolhidos e em condições meteorológicas o mais favoráveis possível.
Não obstante isso, em 1963 os incêndios atingiram uma área de 1280 ha, causando um prejuízo de 2100 contos, aproximadamente, sendo certo que em 1962 montaram a 3540 ha, com um prejuízo de 4564 contos.
Compete-me, entretanto, anunciar, o que faço com a maior satisfação, que o Sr. Secretário de Estado da Agricultura, impressionado com a importância deste problema, ordenou que se constituísse um grupo de trabalho com vista a melhorar as medidas já tomadas contra as possibilidades e riscos de incêndios nas matas do Estado e nas particulares.
Esse grupo, do qual fazem parto representantes dos Ministérios do Interior. Justiça, Educação Nacional, Exército e Comunicações, da Junta de Colonização Interna, da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas e da Corporação da Lavoura, cujo representante é o nosso ilustre camarada nesta Assembleia Sr. Eng.º Amaral Neto, iniciou já os seus trabalhos, com a minha mais que modesta colaboração, por deferência muito especial do Sr. Secretário de Estado da Agricultura, que entendeu dever agregar-me.
Oportunamente se dará notícia das conclusões a que chegar este grupo de trabalho, mas para já é de louvar a iniciativa do Sr. Secretário de Estado, que demonstra perfeita compreensão de um problema que vem causando grandes prejuízos à economia pública e particular, além de pôr em sobressalto populações inteiras e em sério risco muitas vidas.
Estou confiado em que, desta feita, se resolvam muitas questões que têm tornado ingrata a acção dos serviços e difícil, mais difícil ainda, a vida das populações serranas.
Há, em todo o caso, um aspecto que transcende as próprias possibilidades dos serviços, para se situar na

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esfera da competência do Governo, e é para esse que dirijo a minha principal atenção.
Trata-se da necessidade urgente da publicação do diploma legal que concede comparticipação às autarquias locais nas receitas da exploração florestal.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Só assim se modificarão, em meu juízo, os termos das relações dos povos e das autarquias que os representam (câmara municipais e juntas de freguesia) com os serviços.
De facto, quem poderá convencer os povos da serra de que com a florestação dos baldios que utilizavam mais ou menos livremente, desde tempos imemoriais, se ameniza o clima, se cria maior riqueza, se regularizam os cursos de água, se defende o solo da erosão, se embeleza a paisagem, etc., eles que com a implantação do regime florestal deixaram de ter, tantas vezes ao pé da porta da casa, terrenos para apascentar os seus gados, para roça de matos, corte de lenhas e de pedra, aproveitamento de água, por essa prática ser incompatível com o regime florestal?
E quem calará as câmaras e as juntas de freguesia, ao verem sair dos seus baldios tanta riqueza neles produzida e até, nalguns casos, arvoredo já existente à data da submissão ao regime florestal e que já então era fonte de receita para acudir à satisfação das necessidades dos seus povos?

O Sr. Reis Faria: - Mas criou-se entretanto outro tipo de riqueza a explorar.

O Orador: - Exactamente. Adiante darei resposta a essa observação.
Será justo, e até legal, que essa riqueza, sobretudo a proveniente da venda de árvores que já existiam quando os terrenos foram submetidos, entre totalmente nos cofres do Estado em benefício de todos, quando, afinal, uma parte pertence apenas a alguns?
Sr. Presidente: quando os povos sentirem interesse directo na exploração florestal, cessam todas as quezílias e torna-se fácil aos serviços a execução da imensa tarefa nacional que lhes está confiada.
Os povos compreendem, já hoje, que os serviços lhes proporcionam mão-de-obra nas proximidades dos seus lares e que, em alguns casos, serviram as suas povoações com estradas. Mas só quando lhes for dado verificar que é com a sua própria riqueza, com o dinheiro da venda de árvores ou de resmas criadas nos seus baldios, que se compõem os seus caminhos, se abrem novas estradas, se abastecem as suas povoações de água e de luz eléctrica, se constróem novas escolas para os seus filhos, só então os povos se identificarão inteiramente com a floresta, como coisa sua, que é preciso respeitar e defender!

O Sr. Reis Faria: -Muito bem!

O Orador: - Isto é uma realidade incontroversa, que todos quanto conhecem o -problema florestal aceitam. Suponho mesmo que é o pensamento do Governo, tanto se fala no diploma que materializa esta ideia da comparticipação das autarquias nas receitas dos serviços florestais, devida não só pela ocupação dos terrenos do domínio comum das freguesias ou dos concelhos, mas especialmente pela exploração do arvoredo neles existentes à data da submissão.
Temos a Lei n.º 1971, de 15 de Junho de 1938, sem regulamentação há um quarto de século. Vale mais tarde do que nunca.
Sr. Presidente: tudo quanto se faça em benefício das pobres populações serranas é pouco. Elas têm o triste destino de viverem em locais sem indústrias e com um comércio pobríssimo, habitando casas sem nenhumas condições de higiene, exercendo a sua actividade numa agricultura de miséria, cultivando dia a dia o cereal, que é o pão que comem com o caldo de couves, tantas vezes sem azeite. Os elementos válidos, na sua maioria, emigram. E o êxodo rural a processar-se em termos apavorantes. Ficam os resignados, os que confiam que terão no outro mundo uma vida melhor.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Tem a palavra paru efectivar o seu aviso prévio sobre educação nacional o Sr. Deputado Nunes de Oliveira.

O Sr. Nunes de Oliveira:-Sr. Presidente: sendo esta a primeira vez que uso da palavra na presente sessão legislativa, desejo saudar, respeitosa e efusivamente. V. Ex.ª e, ao mesmo tempo e uma vez mais, testemunhar-lhe a minha mais sincera e elevada admiração.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: na sessão legislativa passada, a 20 de Março de 1963, apresentámos, em nome de um grupo de Deputados, um aviso prévio sobre educação nacional, dando então a conhecer, nas suas linhas gerais, aspectos que nos pareceram de transcendente importância para serem considerados ao empreender-se um planeamento da acção educativa.
Entretanto, a vastidão do assunto do aviso prévio torna impossível que possamos, no condicionamento de tempo de que dispomos, referi-lo em todos os seus aspectos, pelo que nos deteremos apenas nalguns que nos parecem essenciais.
Após essa apresentação a que aludimos, não deixou de causar em todos nós uma indelével satisfação o discurso pronunciado pelo Sr. Ministro da Educação Nacional, em 7 de Maio de 1963, informando o País do seu firme propósito de dedicar o melhor do seu esforço a um planeamento da acção educativa, resolução confirmada meses depois com uma comunicação ao País, através da rádio e da televisão. Dessa comunicação, pretendo sobretudo destacar a dedução, lógica e séria, dos problemas a equacionar e saudar, efusivamente, o Ministro que se propõe levar a bom termo um problema das mais vastas repercussões sociais e económicas.
Postas assim, e mais uma vez, em evidência as preocupações do Governo com a educação nacional, ao trazermos a esta Assembleia tão magno assunto não nos moveu outro intuito que não fosse o de promovermos um debate neste sentido, num diálogo construtivo, com o fim de corrigir deficiências e preconizar soluções que nos pareçam aceitáveis. Fazemo-lo, acentue-se desde já, isentos de qualquer pretensiosismo e em preconceito renovador, mas apenas na convicção de que assim nos integramos plenamente num trabalho que a todos os portugueses deverá dominar: o do engrandecimento e do progresso da Pátria que estremecemos.
Disse o Sr. Ministro da Educação Nacional, e com o nosso incondicional aplauso, que «o estatuto, que aspira

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naturalmente a certa estabilidade, deverá ter maleabilidade suficiente para se ir adaptando às novas situações que se sucedem em ritmo acelerado. Mas a preocupação - continua S. Ex.ª - de assegurar um mínimo de estabilidade ao estatuto não deverá torná-lo tão vago, tão abstracto, que ele de nada ou de pouco sirva. O estatuto deverá delinear um sistema educacional concreto, para ter real valor e utilidade. Mais valerá actualizá-lo, quando as circunstâncias exigirem, do que fazer dele, logo à nascença, um documento inerte».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: não são as soluções parciais, nem as panaceias milagrosas, que melhoram as condições de trabalho neste ou naquele grau de ensino, que decidem os graves problemas imanentes, pois só um planeamento geral nos moldes em que o anuncia o Sr. Ministro da Educação Nacional poderá tornar possível a sua execução progressiva ou gradual, de acordo com a nossa capacidade financeira. Bem sabemos que o momento presente é particularmente difícil, por estarmos a suportar uma guerra, que nos foi imposta, em defesa do património sagrado de Portugal, e acalentada por uma desacreditada O. N.º U., cuja seriedade de processos e forma de actuação já não inspiram confiança ou proporcionam qualquer defesa contra as mais sórdidas agressões.
Pois nesta emergência, e apenas nesta emergência, e logo a seguir à defesa nacional temos de colocar em lugar cimeiro a educação nacional, dotando o respectivo Ministério de meios financeiros suficientes para que, dentro do planeamento a efectivar, seja possível ir dando gradual cumprimento às necessidades mais prementes, sacudindo este importantíssimo sector de uma letargia que pode ter as mais funestas consequências.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Depois de anunciarmos este aviso prévio, na última sessão legislativa, e dada a largueza com que se apresentava estruturado, alguém nos dizia que era por de mais ambicioso! Servindo-nos daquela máxima de que «o homem deve sempre ambicionar mais do que pode aliançar», pensamos que é hora de despertarmos do sono em temos andado mergulhados, não por culpa, acentue-se, dos ilustres Ministros da Educação Nacional, que sempre puseram, sem dúvida, a sua inteligência, o seu saber e tanto esforço inglório ao serviço dos graves problemas inerentes ao departamento que lhes estava confiado, mas por deficiência dos investimentos indispensáveis à concretização de uma política de educação e de ensino que conduza não só ao prestígio das instituições, mas outrossim à sua verdadeira eficiência.
A propósito, recordo as palavras do ilustre Prof. Braga da Cruz, pronunciadas aquando da abertura solene das aulas na Universidade de Coimbra, em Outubro de 1962, nas suas doutas considerações sobre a reforma geral do ensino superior:
E não creio também que as dificuldades financeiras de momento constituam óbice para se proceder desde já à reforma desejada, pois muitas das inovações ou modificações a introduzir não implicam qualquer aumento de despesa e, para aquelas que representam um gravame orçamental, poderia estudar-se um escalonamento de entrada em vigor, na dependência das progressivas disponibilidades do Tesouro.
Pensamos que é exactamente assim que se deverá proceder em relação ao futuro planeamento, para não incorrermos no risco de perda de mais tempo, que poderá vir a ser irrecuperável. Evidentemente que, a par dos meios de ordem financeira, encontram-se os de ordem administrativa e humana que é fundamental estruturar e prever. Educação e instrução, fontes de poder e prosperidade, tantas vezes confundidas e que convém integrar nas suas respectivas finalidades, são dois aspectos fundamentais da vida em que os problemas humanos e científicos, com que o mundo hodierno se debate, mais impõem uma nova estruturação, de modo que se ajustem às grandes aspirações da nossa época.
A ciência, só por si, não cria virtude, mas antes pode ser origem de vaidades, de intolerância e de egoísmo. Sim, como li algures, a «ciência sem amor, sem o amor de Deus, sem o amor da pátria, sem o amor dos pais, é uma força de destruição».
Escreveu Mons. Fulton Sheen, num dos seus livros admiráveis, que «virá o dia em que os nossos educadores acordarão para alguns factos básicos acerca da juventude», e que enuncia nestes termos:

1.º A juventude tem uma inteligência e uma vontade. A inteligência é a fonte do conhecimento; a vontade é a fonte das decisões. Se as suas preferências são perversas, a juventude será perversa, por maiores que sejam os seus conhecimentos.
2.º A educação pela comunicação de conhecimentos não faz, necessariamente, um homem bom; poderá, talvez, fazer demónios instruídos, em vez de demónios estúpidos.
3.º Tem a educação bom êxito quando prepara o espírito para ver os objectivos que há que ter em vista e disciplina a vontade para os preferir a objectivos reprováveis.

Importa, por conseguinte, ao lançar-se um novo planeamento de educação, estabelecer-se o esquema filosófico sobre que ela se há-de alicerçar, para daí resultar efectivamente uma filosofia de educação que se oriente dentro dos moldes da melhor tradição portuguesa e da cultura do Ocidente.
Como tantos outros, somos mais uma voz a elevar-se e a colocar o nosso pensamento ao serviço de uma causa que julgamos da maior transcendência para a vida da Nação, dado não só o desenvolvimento demográfico e económico cada vez mais acentuado, como o extraordinário desenvolvimento científico e técnico verificado em elevado grau a partir, de um modo especial, da última grande guerra.
Se nos detivermos frente aos mais diversos estádios da evolução humana e nos situarmos num mundo em profunda evolução - mundo a que pertencemos - e ainda como exigência indeclinável da sociedade e do Estado, que requerem o indivíduo cada vez mais valorizado, logo ressalta a imperiosa necessidade de dar mais extensão à escolaridade obrigatória, em cujos termos, como ouvimos ao Sr. Ministro da Educação Nacional, urge assentar, dadas as suas implicações em relação a problemas de ordem quantitativa e qualitativa que se torna fundamental equacionar.
Aponta-se essa extensão da escolaridade como podendo ser feita através dos primeiros ciclos do ensino liceal e ensino técnico, porventura unificados num ciclo único de carácter neutro, ou então feita por meio do prolongamento da instrução primária em paralelismo com o ensino secundário, ora, desde logo se levanta um problema de solução delicada, que é o da articulação do ensino primário com o ensino secundário. Por tal motivo se impõe um estudo prudente e bem cuidado, para que a orien-

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tacão a imprimir ao ensino subsequente ao primário tenha efectivamente viabilidade.
Sem querermos, nestas considerações gerais relativas ao aviso prévio, tomar posição definitiva sobre o assunto, parece-nos que a solução a encontrar terá de amoldar-se às possibilidades financeiras do Estado, às condições de vida no nosso meio rural, às implicações de ordem quantitativa que acarreta e à possibilidade de adequados ajustamentos, resultando assim numa medida exequível, e não apenas em simples fogo de artifício ...

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Como base de discussão tomamos a iniciativa de sugerir uma opinião, que de modo algum significa que outras, até porventura mais vantajosas, não possam vir a ter a nossa concordância. Parece-nos que um ensino infantil ou pré-primário facultativo inicialmente e uma escolaridade obrigatória que envolva a criança desde os 6 até aos 12 anos, acrescida ainda da obrigatoriedade de frequência escolar até aos 14 anos para as crianças que não obtivessem aproveitamento dentro do período normal de escolaridade, são um ponto a considerar para soluções decisivas.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Quanto à forma como esse prolongamento se poderá efectivar, para evitar que as crianças sejam lançadas numa vida rude aos 10 ou 11 anos, duas hipóteses nos ocorrem neste momento.
Uma delas seria, após o período do ensino primário, criar-se o que designaremos por ensino de iniciação técnica, dos 10 aos 12 anos, que seria ministrado por professores com preparação própria, de acordo com as preferências dos alunos e dos pais e em relação ao meio ambiente que os cerca. E assim haveria a possibilidade de fomentar o ensino agrícola elementar, porque nunca será demasiado tudo o que se faça no sentido de não menosprezar a extraordinária importância da agricultura na economia do País, e o ensino técnico profissional, pelas perspectivas que oferece de uma preparação cultural do operário e do capataz que permitam maior e melhor rentabilidade no trabalho.
Estes alunos poderiam ingressar depois, segundo as suas aptidões, nos cursos de formação agrícola e no ensino técnico, ou até mesmo submeterem-se a exame do 1.º ciclo do liceu, após preparação complementar conveniente. Escusado será referir que na elaboração desses programas não poderiam ser esquecidas disciplinas formativas, como o Português e a História.
Os alunos que ao atingirem o final do ensino primário quisessem ingressar no ensino secundário fá-lo-iam como até agora.
Este esquema poderia servir de transição a uma reforma de maior amplitude e que se enquadraria num outro de escolaridade obrigatória extensiva a uma 6.ª classe, ministrada nas respectivas escolas pelos professores primários, mas a quem se exigiria uma preparação complementar, a que aludiremos mais adiante, com a frequência das disciplinas indispensáveis às matérias a ensinar. Estariam, por conseguinte, incluídas nas seis classes as disciplinas do 1.º ciclo do liceu, com excepção do ensino de uma língua viva.
Os alunos poderiam assim ingressar no liceu e na escola técnica, após exame de admissão, sendo eliminados respectivamente o 1.º ciclo e o ciclo preparatório. O problema que subsiste diz respeito a uma língua viva, o Francês, e de duas uma: ou no correspondente ao 2.º ciclo se alargava o número de horas de Francês, ou então ao aluno ficaria reservado o privilégio de optar por uma das línguas - Francês ou Inglês.
Como dissemos - e voltamos a acentuar -, apenas aqui pretendemos deixar algumas sugestões, aguardando interessadamente que outros se pronunciem sobre o assunto em causa.
O que é desnecessário é tentar provar esta tese relacionada com a extensão da escolaridade, pois que as directrizes escolares e a larga experiência adquirida na esmagadora maioria dos países a justificam plenamente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Impõe-se elevar o nível de instrução e de cultura, para que à grande maioria da nossa juventude seja dada a formação que as necessidades do País requerem, a fim de que a sua participação na vida social e nacional se verifique real e activamente.
O problema número um de qualquer desenvolvimento económico, afirmava recentemente o Prof. Leite Pinto, é o da instrução prolongada de todo um povo, e acrescentava que «para formarmos mão-de-obra especializada é preciso que comecemos por dispor de uma massa de jovens sãos de corpo e de espírito e com instrução de base».
Temos de evitar que aproximadamente dois terços dos alunos que concluem o ensino primário por aí se detenham, pois a continuar a mesma orientação o problema agravar-se-á fatalmente, não só por estarmos em presença de uma população escolar sempre crescente, mas sobretudo por razões de ordem económica que mais se evidenciam nos meios rurais. E mais alarmante se apresenta todo este quadro ao analisarmos as estatísticas referidas no Projecto Regional do Mediterrâneo - 1950 a 1959, em relação com as enormíssimas perdas que se verificam na passagem de um escalão a outro do nosso sistema de ensino.
O sistema de quatro classes na instrução primária, além de insuficiente, está em absoluta oposição à psicologia da criança, pois que os métodos pedagógicos não poderão ser evidentemente os mesmos que se aplicam ao adolescente ou ao adulto. E preciso dar tempo à escola para que ela possa trabalhar sem improvisar e facultar-lhe programas elaborados de tal forma que evitem, no que respeita à criança, o inútil preenchimento do seu cérebro com noções que dificilmente pode assimilar, e ao adolescente, quando já em plenos estudos secundários, um enciclopedismo que para pouco lhe aproveita.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - De uma das opções apontadas nos esquemas atrás referidos sobre escolaridade, ou de outra, repetimos, que porventura resulte mais vantajosa, surgirá uma nova planificação dos diversos ciclos do ensino secundário, que interessa sobremaneira se revistam de um aspecto mais formativo.
Impõe-se uma revisão dos planos de estudo, em grande parte desactualizados, e que têm necessariamente de se adaptar, e cada vez com mais acuidade, não só às exigências da época actual, de um mundo em constante evolução através de novas concepções filosóficas, técnicas mais aperfeiçoadas e sensacionais descobertas científicas, mas ainda à maturidade psicológica do educando e aos pressupostos da educação.
No que respeita à escola primária, de forma alguma satisfaz o plano de estudos actualmente em vigor, pois devemos ter presente a preparação das crianças para

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uma entrada na vida e para os estudos subsequentes. Não basta apenas, por exemplo, que a criança saiba ler português, mas que entenda o que lê; ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -... que aprenda a escrever, mas que saiba exprimir o que quer dizer; que aprenda o cálculo aritmético, mas que fique apta a aplicá-lo nos cálculos quotidianos. A escola primária terá de dar à criança uma maior preparação para a vida prática, facultando-se-lhe a largueza suficiente para que o educando possa gradual e eficazmente manejar a sua inteligência. Importa não descurar disciplinas de grande importância formativa, como, por exemplo, as de formação moral o de educação plástica e musical.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os métodos terão em conta o estádio de desenvolvimento psicossomático das crianças, sendo das maiores repercussões e frequente recurso aos meios audio-visuais, como a rádio, o cinema e a televisão, aliás de interesse para todos os graus de ensino, por conter magníficas virtualidades docentes.
O ensino pré-primário que defendemos parece-nos absolutamente indispensável ao desenvolvimento de um plano de educação, com a criação de uma rede adequada de escolas infantis, atendendo a que a criança entra na escola primária carecida de uma ambientação que se torna fundamental.
No entanto, e como pensamos não ser desde já aconselhável impor a obrigatoriedade, poderia o mesmo ser substituído por um ano -que designaremos por ano de preparação- que seria o primeiro da escola primária, destinado às crianças com 6 anos.
Em altura oportuna, e desde que estivéssemos quantitativamente para isso preparados, se faria o ajustamento aos dois anos do ensino infantil obrigatório, pois todos estaremos com certeza de acordo com as suas peculiares finalidades. Aí se favorece o desenvolvimento físico das crianças; aí se começa a excitar a curiosidade de saber por meio de lições curtas, claras e vivas sobre temas concretos; aí começa a criança a aprender, a compreender os seus companheiros, a brincar com eles, a trabalhar em grupo, isto é, a adquirir confiança em si mesma e o sentido da sociabilidade; aí adquire conhecimentos básicos de ordem moral e social.
As noções de limpeza, de ordem, de disciplina, etc.. vão surgindo naturalmente num caminhar suave, mas firme. A criança adquire, enfim, uma cultura adaptada à sua idade e às suas possibilidades, que permite o seu ingresso na escola primária em condições de melhor adaptação e assimilação das matérias dos programas e melhor adaptação também à sociedade escolar.
Um papel de ordem moral relevante, desempenharia ainda a escola infantil junto das crianças que de manhã são abandonadas pelos pais, envolvidos nos seus trabalhos, e que deixam os filhos de alma aberta a todas as influências morais, que tanto poderão ser boas como deletérias.
Antes de continuar na análise dos planos de estudo, gostaríamos de fazer algumas referências, embora breves, ao ensino especializado para crianças inadaptadas, por nos parecer do maior interesse o porque vem resolver um problema a que nem sempre se terá dado a importância devida: a diminuição do elevado número de repetentes que hoje atormenta o nosso ensino primário.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O ideal seria que as classe de recuperação funcionassem junto das classes normais para que assim se estabelecesse um contacto quotidiano entre, todas as crianças. Durante o período em que se conservam na escola, as entradas e saídas deveriam ser as mesmas, os recreios comuns e as refeições tomadas lado a lado no refeitório da cantina. Adivinhamos que esta convivência não seja muito cómoda para os responsáveis pela disciplina, nem facilite o bom andamento dos serviços nos edifícios escolares, mas é sem dúvida muitíssimo útil para os educandos.
Essas relações que se estabelecem entre inadaptados - ou portadores de deficiências sensório-intelectuais - e os alunos normais são benéficas àqueles na medida em que se sociabilizam e se integram na ordem a que estes estão submetidos, rios seus jogos engenhosos, etc. Por sua vez, esta convivência será para os alunos normais excelente meio de educação moral, porquanto se gera uma atmosfera de compreensão e benevolência que os leva a tomar iniciativas de entreajuda a favor dos seus companheiros.
Bom era que se generalizasse a todo o País a possibilidade de fazerem parte dessas classes apenas alunos inadaptados e não intelectualmente anormais e que estes pudessem com mais facilidade ser entregues a cuidados especiais, em estabelecimentos próprios.
Da conjugação de esforços dos professores e dos pais, em íntima colaboração, o que não seria possível nesse ingente trabalho de recuperação!
Tratando-se de problema vasto e complexo para ser tratado em breves momentos, aqui deixamos apenas este apontamento, para que sobre ele se debrucem todos os que ao assunto se têm dedicado.
Retomemos de novo o problema da desactualização dos planos de estudo para mais umas breves reflexões. O que se verifica em relação ao ensino primário generaliza-se, afinal, a todos os outros graus de ensino. No secundário, seguindo uma ordem cronológica, deparamos com matérias a sobrecarregar os programas, que bem poderiam ser suavizados em favor de outros mais importantes e mais úteis, sem com isso afectar, até muito pelo contrário, a formação geral do aluno.
Outro mal que nos tem sido apontado é a falta de ordenação progressiva e metódica das matérias afins, sendo desejável que, ao ministrarem-se conhecimentos de uma dada disciplina, possa haver um apoio, digamos assim, em matérias já ensinadas noutra disciplina.
Tal situação só poderá solucionar-se com uma revisão cuidadosa dos programas, dentro de um espírito de coordenação e de sincronização das matérias, mas criando também dentro de cada liceu as condições favoráveis que garantam a eficácia desses princípios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Consideramos, além disso, defeituoso o regime actual de estudos do 8.º ciclo do liceu, onde se nos depara um excessivo alinhamento que importa moderar.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Ainda outra, deficiência de graves repercussões é a falta de um serviço de orientação profissional,

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à semelhança do que existe em França, como chamado «ciclo de observação».
Não possuímos estatística - e é pena! - que nos permita avaliar o elevado número de alunos que seguem cursos que de forma alguma se enquadram nas suas tendências e aptidões.
Se com a permanência num liceu ou numa escola técnica se suscita já o problema, ele agrava-se, sobretudo, no final do 2.º ciclo, quando o aluno tem de optar por uma das alíneas correspondentes ao 3.º ciclo. E mais se agrava ainda, tornando-se em situação dramática, ao frequentar determinado curso superior para o qual não possuía vocação, o que em número razoável se traduz em perda consecutiva de anos, por andarem a saltitar de curso para curso à procura do seu verdadeiro lugar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Seria de considerar no novo planeamento do ensino a criação de um serviço de orientação escolar, para que o aluno pudesse ser encaminhado num sentido mais de acordo com as suas aptidões.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Quanto ao ensino superior, para quem se debruce sobre os relatórios dos magníficos reitores das Universidades, logo ressaltam aos nossos olhos as coincidentes inquietações e as reclamações mais instantes formuladas pelos directores da totalidade das Faculdades. E assim é que se insiste, entre outros aspectos que adiante versaremos, na reforma do plano de estudos, de premente necessidade em relação a algumas das nossas Faculdades.
Bastará dizer que os que existem, por exemplo, nas Faculdades de Ciências têm, salvo pequenas modificações, praticamente 52 anos, e na Faculdade de Farmácia 31 anos. Daqui resulta encontrarem-se, como é evidente, desactualizados e ultrapassados pela natural e rápida evolução da ciência, nos seus múltiplos aspectos.
Sobre se o ensino universitário terá realmente carácter formativo, isto é, se dará aos que o procuram a mentalidade que é de desejar num diplomado com um curso superior, tivemos já um dia oportunidade de dizer que o problema se nos apresentava complexo. A resposta não poderá orientar-se numa direcção única e carece de ser condicionada ao que, fora da Universidade, se exige àquele diplomado.
Cremos poder afirmar, dizíamos então, que em quase todas as actividades se exige do ex-universitário capacidade suficiente para o desempenho das funções inerentes ao cargo que foi ocupar, e à consciência de quem ensina é posto o problema de criar, aos que procuram aprender, condições que tornem possível uma rápida adaptação às dificuldades da vida prática. O carácter formativo do ensino é, desta forma, um tanto sacrificado em benefício do aspecto informativo, menos propício, sem dúvida, à criação de um verdadeiro nível universitário.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Aprende-se e estuda-se, dizíamos também, para fazer exame, dedicando-se por vezes uma atenção um pouco mais intensa às questões que, de momento, se julga poder vir a utilizar no desempenho da actividade profissional.
O ensino encontra-se, de certo modo, adaptado a esta forma de encarar o problema, sem clima propício a criar condições de investigação, mesmo modesta, que permita o aparecimento do verdadeiro investigador. Mas a luta, voltamos hoje a repetir, trava-se contra esta situação quer da parte de muitos dos que ensinam, quer do lado dos que procuram aprender.
E é para os primeiros consolador, acrescentávamos nós verificar que neste ou naquele aluno há uma ânsia de ampliar conhecimentos, um desejo de ir além daquilo que se lhes ensina, procurando, num esforço próprio, desvendar aspectos desconhecidos, aperfeiçoar questões insuficientemente esclarecidas. Os exemplos, não sendo numerosos, permitem no entanto supor que em condições de trabalho favoráveis seria possível ir mais além, contribuir para uma verdadeira Universidade.
É na verdade de particular interesse a reorganização do nosso ensino superior, em ordem a torná-lo apto à chamada que o progresso técnico, científico e espiritual do País hoje lhe faz.
Fiel ao tradicional espírito genuinamente lusíada e cristão, de um país com oito séculos de história, imperioso se torna estender até ao grau superior de ensino a sua poderosa acção, impondo-se a restauração da Faculdade de Teologia, enquanto não seja possível, como indispensável e urgente, II criação de uma Universidade Católica, bem como a inclusão de uma cadeira de formação cultural cristã nas Universidades estaduais, embora de frequência facultativa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Outro aspecto de maior importância é o que respeita à formação política da juventude. Num pequeno artigo que lemos, da autoria de Osvaldo Aguiar, dizia-se, e com plena justificação, o seguinte:

Nos dois últimos anos do liceu consagra-se uma hora por semana ao ensino da organização política e administrativa da Nação. Ora nem o programa nem o tempo que se lhe dedica permitem o desenvolvimento nem a profundidade requeridos pela mentalidade dos finalistas liceais. Por isso, os princípios sócio-políticos, mal assimilados e pior alicerçados, são esterilizados pelo próprio espírito crítico do jovem ao defrontar-se com a problemática que a Universidade lhe levanta. E às perguntas que então formula nada o habilita a responder, porque, tirando o caso especialíssimo das Faculdades de Direito e do actual Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, nos programas das diversas Faculdades não existe qualquer cadeira - obrigatória ou facultativa - de ciência política.

Perfilhamos entusiasticamente esta opinião e formulamos os mais ardentes votos para que se pondere este transcendente aspecto, de maneira a integrar esses estudos nas próprias Universidades.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A propósito destas breves considerações que vimos enunciando, ocorrem-nos estas palavras do Prof. Braga da Cruz, que não resistimos a referir:

Entendamo-nos, pois: ou continuamos a afirmar que um dos fins da Universidade é a formação cultural daqueles que hão-de vir a ser, como profissionais de primeiro nível, os futuros dirigentes da Nação, e não podemos amputá-la do direito e do dever de tomar posição no terreno ideológico, ou proclamamos a sua estrita neutralidade ideológica... e te-

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remos de reduzi-la neste campo ao papel muito mais modesto de fornecer mera informação cultural, relegando a função formativa para instituições marginais. Mas então sejamos justos: não culpemos a Universidade de falhar no cumprimento de uma missão para a qual lhe recusamos os meios.

O Sr. Sales Loureiro: - Muito bem!

O Orador: - Um outro problema que se põe e em estrita ligação com a reforma dos planos de estudo é o que se relaciona com a limitação do número de alunos por classes ou turmas. Em muitos países o número máximo preconizado para um ensino eficaz é de 25 alunos, ao contrário do que se verifica entre nós, em que esse número ultrapassa de muito longe todo o limite razoável. Senão, vejamos: na instrução primária existem classes a funcionar com 40 e mais alunos, apesar de muitas centenas de professores primários por colocar. Tal situação, que briga com os melhores princípios pedagógicos, não permite o trabalho individual intenso que por vezes se impõe, pois todos sabemos que a capacidade intelectual difere entre os alunos, e só esse trabalho individual conduz a prodigiosas e reconfortantes recuperações.
Nos liceus raríssimas são as turmas com menos de 40 alunos, e todos sabemos também o sistema de ensino que aí impera e a fornia, por vezes caprichosa, como o aluno é apreciado e classificado ..., não tanto por culpa dos professores, mas pela natureza das possibilidades de que dispõem para ministrar um ensino mais eficaz e mais de acordo com renovados processos pedagógicos.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - No ensino universitário, o que decorre diariamente nos seus laboratórios com os trabalhos práticos é verdadeiramente deplorável. Das turmas fazem parte qualquer número de alunos até ao limite de 50, pois só uma vez atingido este número a lei faculta o desdobramento remunerado.
Dentro desta obrigatoriedade, quando um curso tem, por exemplo, menos de 50 alunos, como por vezes se verifica, como é possível criar condições de investigação, mesmo modesta, repetimos, que permita sequer o aparecimento do interesse pela investigação?
Nas Faculdades de Letras, outro exemplo a considerar, nas aulas práticas de línguas vivas, onde o professor tem de manter diálogo com o aluno, o sistema que impera é absurdo, porque para se efectivar o desdobramento importa que seja atingido o número limite de 100 alunos. (Risos).
Sobre os sistemas de exames em vigor, tão discutidos e criticados, também não queremos omitir uma referência, e começamos exactamente pelos de admissão ao liceu e à Universidade. Não vemos, realmente, qualquer vantagem no sistema actual, por falho de objectivo em relação à personalidade intelectual do estudante.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Ainda compreenderíamos que para avaliar do grau de capacidade de um aluno, a ingressar especialmente num curso universitário, este fosse submetido a determinados testes a estudar. Mas tal qual agora se faz apenas resulta numa duplicação de exames, com perda de tempo para professores e alunos, sem qualquer finalidade plausível, e certo desprestígio para o professorado primário e liceal.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Além disso, é necessário meditar na injustiça relativa, digamos assim, que se verifica com os alunos que no liceu alcançam a média de 14 valores, nas disciplinas consideradas nucleares, dispensando dessa forma do exame de admissão à respectiva Faculdade. E dizemos injustiça relativa porque as diferenças de critérios de classificação, se já podem ocorrer no mesmo liceu, mais acentuadamente surgirão quanto aos alunos que provêm de liceus diferentes.
Além destes exames de transição, também o sistema de exames que vigora no ensino liceal tem de ser modificado, por não corresponder aos seus fins específicos, e à elaboração dos pontos escritos deverá presidir um são critério.
O volume das provas escritas que em cada liceu se acumula nas épocas de exames e a forma apressada como têm de ser corrigidas e classificadas, em prazos de tempo que é preciso respeitar, obrigam os professores a um esforço incompatível com a tranquilidade de espírito e a disposição moral que deveriam presidir a um julgamento de delicada e rigorosa apreciação.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O Orador: - Supomos que haveria a maior vantagem em fazer diminuir o número de examinandos, para o que bastaria estabelecer critério menos exigente para a dispensa de exame final.

Vozes: -Muito bem !

O Orador: - Mas voltemos de novo o nosso pensamento para mais alguns aspectos de projecção futura inestimável.
Na expansão escolar que procuramos enfrentar e que é, como tantas vezes tem sido acentuado, factor primordial de desenvolvimento económico, surge desde logo como dever primeiro formar professores à altura das suas pesadas responsabilidades e promover o seu recrutamento, como é evidente, entre os melhores elementos de cada geração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Confessamos que não nos seduz o uso da terminologia hoje tanto em voga, o de formação acelerada de professores. Ainda não conseguimos divisar verdadeiramente o que se entenderá por formação acelerada, que poderá dar a ideia de celeridade de formação em ordem à quantidade, quando não podemos, sem perigo de graves riscos, minimizar a qualidade.
Tenho lido que se fala muito de recrutamento de professores, mas demasiado pouco da sua formação. Ora, esta tem de constituir a preocupação dominante, para que aqueles que vêm a ter à sua guarda a juventude possuam as qualidades pedagógicas, científicas e morais que se impõe.
Um dos motivos fundamentais da dificuldade que se nos depara no recrutamento dos mais bem dotados reside especialmente num aspecto, a todos os títulos humano e legítimo: de darem a preferência a posições em que o seu esforço e o seu trabalho sejam mais conveniente e justamente remunerados.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No sector universitário este facto evidencia-se no mais alto grau, pois que, por um lado, essa situação lhes é propiciada por organismos privados, dado que o desenvolvimento na indústria e no comércio tem

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acarretado a necessidade, cada vez mais crescente, de muitos técnicos e de muitos investigadores; e, por outro lado, é o Estado a fazer concorrência a si próprio, porquanto em determinados centros de investigação, de si dependentes, proporciona aos diplomados condições económicamente mais vantajosas.
E, como se isto não fosse já uma causa a ponderar, surge ainda um agravamento da situação com a exiguidade dos respectivos quadros de professores, que nalgumas Faculdades dificulta extraordinariamente os acessos, tornando-os apenas possíveis ao fim de longos anos.
O que acontece é que, numa maioria esmagadora, todos os que se encontram neste ramo de ensino se vêem forçados a dedicar parte do tempo a actividades fora da Universidade, com os reflexos mais prejudiciais sobre o ensino e a investigação.
E já que falamos de professores universitários, também queremos chamar a atenção para a falta de uniformidade que se verifica nas diversas provas de acesso a que o candidato é submetido e que convém rever, pela desigualdade e injustiça que representam.
A preparação dos professores, seja qual for o grau de ensino a que se destinem, tem de ser cuidadosa e permitir que os mesmos fiquem à altura da missão que desempenham. Assim, por exemplo, o estágio pedagógico, quer do ensino secundário, quer do ensino primário, tem de se alicerçar em novas bases. O actual sistema, pelo modo como opera a selecção, pela índole das matérias e pelos métodos que utiliza, não satisfaz.
Por outro lado, como acontece no ensino secundário, a ideia de que após o Exame de Estado raros encontrarão possibilidades de obter uma vaga de professor efectivo ou simplesmente auxiliar, dada a exiguidade dos respectivos quadros, não constitui estímulo para suportar o sacrifício de dois anos de preparação sem qualquer vencimento. Com a reorganização do estágio, deveria proceder-se ao estudo de uma remuneração a atribuir durante esse período de trabalho, de modo a garantir uma situação económica que permitisse ocorrer às despesas de manutenção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao sector primário, imperioso se torna rever todo o plano de estudos das escolas do magistério, alargando também o período de preparação, e estabelecer um severo critério de selecção do seu corpo docente.
E fundamental para a tarefa que se virá a exigir ao professor primário que este disponha de formação capaz, para que realmente ensine a aprender. Mas para ensinar a aprender é preciso aprender a ensinar, e por isso a nossa insistência na melhoria de nível das escolas do magistério.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Colocar o professor primário em condições de viver a sua função é outro aspecto que importa não ser menosprezado, evitando que tenha de recorrer a outros meios para angariar subsistência e relegar assim a escola -aquilo que devia ser a sua única preocupação - para um plano secundário.
Era da maior utilidade, portanto, evitar o seu esgotamento durante o tempo em que devia descansar e meditar sobre a maneira de resolver os problemas dos seus alunos. Mas afinal este pensamento poderá ser generalizado a todos os graus de ensino, onde se poderão assinalar situações inconcebíveis.
É o caso dos professores agregados do ensino secundário, tantas vezes debatido nesta Assembleia, que, para além dos seus fracos vencimentos, vêem a situação ainda mais complicada porque nada auferem durante dois meses de férias no Verão e não lhes é contado o tempo para a aposentação, situação que se mantém por largos anos.
Em contraposição, no ensino particular é obrigatório pagar aos professores durante os doze meses do ano! Estamos convencidos de que se aceita como justíssima tal medida, embora se lamente a desigualdade em relação ao ensino oficial. E ao referirmos o ensino particular, de tradições muito honrosas, impõe-se sugerir a necessidade de o fomentar, subsidiando-o também, por forma que possa ministrar o ensino a alunos sem possibilidades financeiras.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao recrutamento de professores, é da mais urgente conveniência regulamentar a sua admissão, de modo que este ensino fique em boas condições de nivelamento com o liceal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Finalmente, importa que o professor, como profissional, seja qual for o sector em que actue, não fique apenas nos limites do ensino, mas os ultrapasse, operando no domínio da educação!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Interessa que, a par da preparação pedagógica do professor, o Estado não descure a sua valorização profissional e social. E, por outro lado, interessa também que o professor não esqueça a responsabilidade da tarefa que lhe é entregue, procurando atingir um grau de aperfeiçoamento desejável, ora por uma permanente actualização nos contactos com o mundo e a cultura, ora pela troca de impressões com os seus colegas, através, por exemplo, de colóquios organizados nos sectores onde exercem a sua actividade, ora, em suma, integrando-se nos melhores princípios pedagógicos e morais.
Educar e ensinar é sem dúvida um misto de arte e de ciência que não está ao alcance de qualquer, e que compete à Escola e ao Estado, à Família e à Religião. se possível numa colaboração mais próxima, confundida num pensamento comum que crie um espírito e uma alma nacionais.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - A necessidade e o dever actual de valorizar a nossa juventude, pois que ela representa o melhor capital com que conta o futuro da Pátria, impõe da parte do Estado a definição de uma linha de rumo que vise esse fim, quer nas suas actividades escolares, quer nas suas actividades circum-escolares.
É preciso na realidade preparar o caminho a homens que se afirmem pela independência do seu espírito e donde surgirão as elites de todos os ramos de actividade, que fazem grandes as nações.
Implicitamente se deseja também que «não se percam as inteligências úteis à Pátria», estabelecendo para isso uma protecção bem ordenada a todos os escolares capazes e sem recursos, com uma mais larga atribuição de bolsas de estudo e de isenção de propinas, facultando-se-lhes gratuitamente livros e outro material de estudo. E ainda

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dentro do princípio de que «todos devem ser colocados no mesmo pé de igualdade de possibilidades para prosseguirem os estudos», importa fomentar a criação de uma rede mais ampla de escolas secundárias - liceus e escolas técnicas -. com as suas respectivas cantinas, meios que permitam uma proveitosa educação física, prática de desportos, etc. Tudo, enfim, que possibilite um espírito de camaradagem, sempre agradável e proveitoso, quando bem orientado.
Numa época de acentuada crise moral como aquela em que vivemos, resultante de um mundo enfermo e desorientado, porque iluminado mais pela luz do materialismo do que pela luz da Fé, importa sobretudo actuar no sentido de que a mocidade viva e se oriente por determinados ideais, que muito simplesmente poderíamos resumir no amor a Deus, à Pátria e à Família.
Podemos, na generalidade dos casos, aplicar à educação a sentença sagrada, que reza assim: «leva a criança ao caminho que deve seguir; e quando for velha não se arredará dele».
Todos deveremos contribuir para que a profecia se realize no mais elevado grau: Mas para isso supomos que existe hoje muita tendência em alijar a responsabilidade da educação dos filhos exclusivamente para a escota, como se fosse admissível que alguma instituição entre em competência com os pais e os procure substituir nas suas prerrogativas próprias.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Evidentemente que a escola não rejeita o papel que lhe cabe, mas para que algo do útil possa sor atingido é necessário que se mantenha uma estreita e contínua ligação com a família.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Só assim, desse espírito de colaboração entre o professor e os pais, dessa perfeita compreensão e mútua, ajuda, poderá surgir uma obra frutuosa, com as suas inerentes repercussões sociais. Daqui se deduz logicamente que, além de professores com sólida formação moral e intelectual, é fundamental e indispensável uma instituição familiar à altura do grande objectivo a alcançar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Recordamos ter lido algures que, além de outras condições - como a autoridade e a compreensão -, «a primeira condição de todas e o primeiro requisito para uma educação frutuosa é o amor», e este só na família poderá encontrar-se plenamente. Mas, ainda como complemento da acção que compete à família, a Igreja, como instituição de primeira grandeza, que com o seu facho luminoso inundou de luz toda a filosofia da educação e toda a cultura de séculos, terá de continuar a desempenhar pelos tempos além um papel dos mais relevantes.
É indispensável que a evolução do estudante através dos primeiros graus do ensino culmine com uma sólida formação moral e intelectual na Universidade, e, sem perigosas transigências ou intransigências, interessa ouvir e acolher a juventude, saber aconselhar e aproveitar a sua generosidade, de forma que todos compreendam que ao prestígio das instituições que a instruem, e que dela depende em larga escala, estará sempre ligado o prestígio das profissões que desempenhará e do país em que nasceu.
No abandono da nossa juventude, na indiferença com que se encara por vezes a formação da personalidade numa das fases mais significativas da evolução do homem, está a causa dessa tão apregoada «crise da juventude», que urge combater por meios apropriados.
Esta crise afecta, como todos sabemos, a população escolar nos níveis do ensino secundário e superior, onde há carência de meios para a realização de uma tarefa da importância não inferior à que corresponde à ministração dos conhecimentos inerentes aos respectivos cursos. É fundamental e urgente rever métodos e sistemas por forma a conseguir os resultados que os superiores interesses da Nação exigem.
Voltemo-nos, por isso, com devoção e com entusiasmo para a juventude de hoje, garantia promissora do futuro da Pátria, a quem os problemas da educação afectam de um modo muito especial. E para ela, para essa juventude portuguesa sã e generosa, nos dirigimos ao finalizar estas palavras.
E, com o Prof. Correia da Silva, diremos:

Diante de nós há uma realidade - a realidade do mundo português. E essa realidade, esse mundo português, pertence-vos a vós, que sois juventude de Portugal! Que cada um se esforce por senti-la. E sentindo-a, e compreendendo-a, e amando-a, que cada um possa concorrer, por pouco que seja, para a sua grandeza e para a sua eternidade.
Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Délio Santarém:-Sr. Presidente: requeiro a generalização do debate.

O Sr. Presidente: - Está deferido o requerimento de V. Ex.ª

O Sr. Délio Santarém: - Sr. Presidente: tem passado por aqui, nesta VIII Legislatura, com a frequência própria do ritmo do nosso século, em que o óptimo de hoje é já o insuficiente de amanhã, uma série de reformas notáveis pela quantidade e pela qualidade.
Citemos, como exemplos, a reforma da assistência, a reforma da previdência, as desenvoltas alterações no complexo agrário, etc.
E se nesta última composição -mais precisamente, no já famoso emparcelamento e parcelamento da propriedade rústica-, sem embargo de um prelúdio heróico de sabor wagneriano e de um primeiro andamento allegro agitato a traduzir toda a alacridade e todo o colorido da região nortenha, nos quedamos contemplativos num interlúdio infinito a denunciar receio da dolência nostálgica do segundo e último andamento, nem por isso o Governo deixou de se mostrar- profundamente irmanado com as exigências de uma evolução cada vez mais vertiginosa. Mas foi pena, realmente, que às vivas ressonâncias vindas das ramadas e dos enforcados, das eiras e dos milheirais - de todo esse pequenino mundo emaranhado em cristianíssima fraternidade e que o doce cantar das águas ribeirinhas eleva, tantas vezes, ao misticismo e à ascese -, se não seguisse - em segundo e último andamento- a melodia compassada, dolente, profundamente sentida no seio daquelas searas sem fim e abençoadas por Deus.

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Sr. Presidente: mas honro-me de fazer parte desta Assembleia, que, tão dignamente e tão inteligentemente orientada por V. Ex.ª, tem revisto com o maior escrúpulo numerosas propostas do Governo e no perfeito cumprimento do seu dever e no uso das suas inalienáveis prerrogativas, frequentemente se abalança a iniciativas próprias e bem arrojadas. Basta, para justificar essa honra, recordar os vários avisos prévios já aqui tratados e pensar uns momentos em tantos outros já anunciados.
Nesta altura estamos todos, Sr. Presidente, graças à iniciativa do ilustre Deputado Prof. Nunes Oliveira, a quem sinceramente felicito, absorvidos com os problemas da educação, procurando abrir novas janelas para que a luz e a verdade penetrem nos seus recessos mais escondidos e delicados. Já em Maio do ano findo o Sr. Ministro da Educação Nacional declarou «ter em vista estabelecer um estatuto fundamental, traçar uma carta orgânica, definir um conjunto de directrizes ou bases a que há-de obedecer toda a acção educativa em conformidade com os superiores princípios constitucionais». Ora, como todos nós sabemos com que cuidado, com que argúcia e com que sabedoria o Sr. Prof. Galvão Teles se dá, devotadamente, aos seus trabalhos, é óbvio que o nosso propósito se resume numa singela e franca colaboração.
O presente aviso prévio contém muitos e delicados problemas. Vou cuidar do relativo à saúde escolar. E decidi-me a tal, por um lado, com a euforia instintiva de um apaixonado e, por outro, com o temor de um homem consciente e reflectido. Um médico, Sr. Presidente, que durante trinta e sete anos vem coleccionando ossos do ofício e que, apesar de tudo, não desejaria ainda hoje ser outra coisa se de novo lhe fosse dado escolher, reage diante dos problemas da saúde e da doença como um jovem apaixonado. Mas um médico que se não acomoda nos limites da ciência - mesmo considerada esta no seu plano actual e universal e com toda a preciosa achega da sua arte sui generis e individualista - e se mete no mundo tamanho das deduções metafísicas, queda-se, realmente, aterrorizado diante da imensidade de um oceano que lhe parece não ter fim.
E este deve ser o verdadeiro médico escolar.
A problemática da saúde escolar não é apenas relevante, mas também transcendente. Relevante pela quantidade de indivíduos em causa e transcendente pelas qualidades intrínsecas especiais desses indivíduos e ainda pelas suas dependências e projecção na vida nacional.
Relevante porque, além dos 11 por cento da população de Portugal continental e insular inscritos no ensino público e particular, há que acrescentar a correspondente porção ultramarina e a legião de jovens não estudantes entregues ao desporto, no seu melhor conceito, através das suas numerosíssimas agremiações existentes em todo o País e que têm de ser consideradas meios formativos físico-psíquicos e, consequentemente, dependentes do departamento da saúde escolar.
E transcendente, pois é, sobretudo, pertinentíssimo considerar a qualidade da matéria que se vai trabalhar, reflectindo sobre a delicadeza de uma idade que é de desenvolvimento e de adaptação, de grande maleabilidade formativa ou deformativa e de viva receptividade psicológica.
A transcendência atinge a magnitude quando se estende o raciocínio para a influência da vida familiar e social em quase todos os seus variadíssimos aspectos. E de tal forma que não me parece possível determinar os limites do campo de influência da saúde escolar.
Julgo que podemos falar do nascimento ao matrimónio sem deixar perceber-se onde o mar começa e a terra acaba. Assim ficaria a coisa a modos de um circuito fechado, interrupto de cuidados formativos físico-psíquicos individuais, na ambiência escolar, com os olhos postos no supremo destino da grei.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: porque aqui já dei a entender que considero a saúde escolar um fim e o desporto um meio de um outro meio que é a educação física, não causará espanto que, como questão prévia, me tenha de referir à transformação da Direcção-Geral de Saúde Escolar em Direcção-Geral da Educação Física, Desportos e Saúde Escolar ou, simplesmente e mais de harmonia com o que actualmente se observa, em Direcção-Geral dos Desportos, última expressão a que realmente tudo se reduziu. Não era este, evidentemente, o intuito do digníssimo legislador ao redigir o Decreto-Lei n.º 32 241, pois nele se reconhece todo o respeito e apreço pela obra notabilíssima realizada pelo Prof. Serras e Silva na Direcção da Saúde Escolar ao sublinhar que nada se tirava ao que existia, sobrepunha-se-lhe alguma coisa de que se esperava muito.
Simplesmente, esta achega, na realidade relevantíssima, mobilizou uma tal burocracia, na maior parte consequente de um clubismo doentio, apaixonado e apaixonante, que - para glória da famosa democracia- a quantidade fez esquecer a qualidade e com o decorrer do tempo postergou-se o respeito pela hierarquia dos valores.

Vozes: - Muito bem !

O Orador:

Foi-se pouco a pouco amortecendo
A luz que nesta vida nos guiava.

E o saudoso e insigne médico higienista de fecundo espírito criador, o mestre, o educador, o cientista, o sociólogo, o humanista e católico exemplar, lá das alturas a que ascendeu pelas asas das suas nobilíssimas virtudes, ao lançar o seu olhar complacente para as coisas temporais que lhe foram mais caras, há-de sentir-se como perante aquelas figuras esqueléticas, estáticas, perdidas e esquecidas de um Greco ou a Lição de Anatomia, de Rembrandt.
Rompem-me estas palavras, Sr. Presidente, como impulso do muito respeito devido à obra do meu saudoso mestre, e não de forma alguma por qualquer alergia em relação ao desporto, que entusiasticamente aprecio em muitos dos seus magníficos aspectos.
«Que pena me faz -dizia Salazar-. a mim, filho do campo, criado ao murmúrio, das águas de rega e à sombra dos arvoredos, que esta gente de Lisboa passe as horas e dias de repouso acotovelando-se tristemente pelas ruas estreitas e não tenha um grande parque, sem luxo, de relvados e árvores copadas, onde brinque ria, folgue, tome o ar puro e verdadeiramente se divirta em íntimo convívio com a natureza! Que pena me faz saber aos domingos os cafés cheios de jovens, discutindo os mistérios e problemas de baixa política, e ao mesmo tempo ver deserto um Tejo maravilhoso sem que nele remem ou velejem, sob o céu incomparável, aos milhares, os filhos deste país de marinheiros!»
Que melhor e mais bela apologia se poderia tecer ao desporto? Que melhor e mais evidente prova do valor do desporto como meio eficaz ao serviço da saúde escolar? Mas ao serviço como servo de um senhor como

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amo. É esta hierarquia que desejo ver restabelecida e esta a conclusão que quero tirar imediatamente nesta questão prévia.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Pressinto que não serão precisas muitas horas para que alguns - não sei se muitos ou poucos - me classifiquem de sonhador instalado nas nuvens de uma puerilidade sem proveito nem interesse e, quiçá, impertinente, anacrónico ou coisa pior.
Não obstante, em consciência, tenho de reafirmar a importância de uma simples designação. Referir, por exemplo, que a singela transformação do Ministério da Instrução Pública em Ministério da Educação Nacional consubstancia, na realidade, em tão pouco uma nova directriz com um mundo de conceitos; um programa complexo, mas salutar e de larguíssima repercussão social, de harmonia com os fundamentos da nossa Constituição.
Mas não é só neste capítulo simples e teórico de uma designação que registo a necessidade de reabilitar a saude escolar.
Sr. Presidente: uma vez restabelecida esta hierarquia, que, evidentemente, só diz respeito a princípios, e não, de forma alguma, aos homens, que, com as suas mais diversas especialidades, têm de formar uma equipa coesa, confiante e cheia de fé, há que joeirar com muito cuidado e trabalhar afanosamente no terreno das agremiações desportivas com vista à mais ampla integração do conjunto finalmente seleccionado no seio educacional.
Salta aos olhos que o desporto mercantil, profissionalizado, não deve continuar integrado neste departamento do Ministério da Educação Nacional.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Não tenho a honra de conhecer o ilustre director-geral dos Desportos e tenho até muita pena de não ter podido assistir à cerimónia da sua tomada de posse, porque, sinceramente, gostei do seu discurso, não obstante nele continuar a notar o eclipse do essencial. E, a propósito de desporto profissionalizado a que estava a referir-me, vou, com a devida vénia, reproduzir algumas das suas judiciosas afirmações:

Não contesto que as equipas de profissionais nos têm brindado com excelentes exibições. Não contesto que muitos dos triunfos internacionais que ultimamente nos alegraram são fruto desse esforço. Não contesto sequer que certos elementos profissionais atingiram uma perfeição técnica, uma correcção de estilos e até de atitudes morais que, por essas razões, se podem apontar como exemplos individuais aos jovens desportistas. O que contesto - e isso faço-o com força- é que esteja aí a essência do desporto.

Na verdade, Sr. Presidente, o desporto degenerado em espectáculo, espectacularmente remunerado, tem de ser considerado tal qual é e, consequentemente, colocado na dependência de comando adequado.
Mas o desporto puro que espontaneamente se pratica, jovialmente, sem outro interesse que não seja o de colher os benefícios físicos, psíquicos e morais que pode proporcionar, toma automaticamente todo o carácter educativo e integra-se na disciplina da saúde escolar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É desolador, por exemplo, observar um jovem que na sua escola ou mesmo na sua modesta agremiação desportiva se entrega alegremente, descontraldamente, salutarmente, à prática do desporto, ser aliciado e assediado por engajadores para, simultaneamente com as suas práticas gimno-desportivas na escola, entrar nas competições desenfreadas a caminho de um profissionalismo, às vezes subitamente rutilante como o Sol, mas sempre tão efémero como as rosas de Malherbe. Depois é, em muitos casos, a queda vertical, dolorosamente nefasta, de um corpo morto no seio da sociedade.
É delicada a tarefa de uma integração perfeita na saúde escolar de todos os elementos úteis colhidos no âmbito desportivo.
As dificuldades vão surgir, umas após outras. Não obstante, o programa parece exequível, sobretudo se for facilitado com o tão desejado aumento do escalão estabelecido para o ensino obrigatório e gratuito e se uma intensa e bem dirigida propaganda procurar modificar a mentalidade nacional, particularmente a juvenil, no sentido de um maior reconhecimento das virtudes da educação física como excepcional meio profiláctico e terapêutico, psicossomático e moral e a que têm de se submeter o desporto, a ginástica, o campismo, etc.
Assim seja exequível toda a restante problemática da saúde escolar.
Sr. Presidente: na história da saúde escolar em Portugal, três nomes, entre outros de muito valor, devo sublinhar: o do pioneiro Prof. Costa Sacadura, médico escolar logo na alvorada deste século; o do Prof. Vítor Fontes e o do Prof. Serras e Silva, que, como primeiro director-geral da Saúde Escolar, realizou uma obra notável.
O valor do seu trabalho está, em parte, bem patente no Decreto n.º 23752, de 28 de Junho de 1933; nas normas enviadas em Outubro de 1934 aos médicos escolares e no relatório das actividades da Direcção-Geral da Saúde Escolar em 1934-1935. Se por estes textos podemos algo avaliar do genial espírito criador do mestre, relanceando os olhos sobre tudo quanto está realizado em saúde escolar, que é -pode dizer-se- essencialmente trabalho seu, não obstante só lá ter permanecido de 1 de Agosto de 1933 a 15 de Janeiro de 1938, fica-se também com a noção da sua excepcional capacidade de realizador.
Infelizmente, o insigne médico higienista e famoso educador só teve tempo para fazer uma experiência, que realizou, com êxito, no campo do ensino liceal. Dessa experiência sairia, com certeza, a necessária promoção da saúde escolar em todos os escalões ,do ensino e de harmonia com o que lhe permitisse o nosso condicionalismo económico.
O Prof. Serras e Silva escolheu o ensino liceal para campo da sua experiência provavelmente depois de muito reflectir sobre as contingências e vicissitudes de um período de desenvolvimento que começa com a pré-puberdade, passa pela puberdade e se estende à agitada adolescência, ou seja o período em que se registam os primeiros sinais de personalidade em organização. E meditou, certamente, tanto nestas particularidades intrínsecas, como no factor extrínseco relevante de ser nesta idade liceal que o estudante está mais sujeito à influência, benéfica ou maléfica, do meio social.
A sociedade entrega a criança à escola exigindo que lha restitua como profissional probo e capaz, mas, paradoxalmente, a escola tem de começar por defender a criança da acção da própria sociedade, porque esta, infelizmente, pode ter larga responsabilidade no delírio da sua imaginação e na perversão da sua vontade.

Vozes: -Muito bem, muito bem !

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O Orador: - Em compensação, a frequência assídua em bom meio social corresponde a um exercício activo e diário da vontade ao serviço de uma imaginação bem orientada. E este exercício pode ser tão activo e tão constante que leve até à automatização da moral, índice magnífico de sanidade mental. Mas são tão delicados todos os períodos do ensino que se a Direcção-Geral dos Desportos e Saúde Escolar continuar deles divorciada a obra do Prof. Serras e Silva ficará apenas a proporcionar-nos o mesmo enlevo espiritual que nos desperta sempre uma audição da Sinfonia Incompleta, de Schubert, ou uma visita às capelas inacabadas da Batalha.

Vozes: - Muito bem !

O Orador: - Porque durante o período pré-primário é menor a vivência no seio da sociedade e porque é nesta idade que se regista a maior acuidade afectiva, facilmente se reconhece a importância da acção dos pais na sanidade dos filhos, particularmente na sua saúde mental, e, consequentemente, se compreende por que, ao referir-me ao raio de acção da saúde escolar, tivesse dito «do nascimento ao matrimónio sem deixar perceber-se onde o mar começa e a terra acaba».
A incúria dos pais, a sua ignorância dos rudimentos da puericultura, enfim a ausência, mais ou menos grave, da noção de responsabilidade que o matrimónio envolve, são os factores mais culpados do mal-estar físico-psíquico da juventude.
E tomou tal agudeza esta inconsciência paterna que por esse Mundo fora se vão criando, julgo que com bons resultados, numerosas escolas de pais.
As exigências económicas e sociais da época em que vivemos levam até a mãe a passar muitas horas afastada do seu lar e a fazer-se substituir - tantas vezes bastante mal - na solução de delicados problemas familiares. Os filhos já não são criados nos moldes da era do romantismo e impõe-se a cobertura de uma falta muito séria. Assim, apesar de recordar que nada pode substituir cabalmente a acção dos pais, tenho de confessar que as escolas maternais, de raríssimas que são no nosso país, têm também de vir a ocupar um lugar de evidência, não só como consequência desse progressivo declínio do controle dos pais, mas ainda porque se torna necessário que a transição do período pré-primário para o período primário não corresponda sempre a um indesejável traumatismo psicológico.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A fragilidade da matéria-prima psicossomática pré-primária não tolera surpresas, nem passagens bruscas. Tudo se tem de realizar em progressão suave, sem abalos, sem ressaltos, sem imprevistos. No 1.º Congresso de Saúde Mental afirmou-se que «um dos mais graves aspectos da perturbação da saúde mental é derivado da deslocação na actividade profissional, do apetrechamento excessivo de ferramenta inútil do tipo instrutivo, da carência do sentido, da finalidade social a nortear por valores impeditivos de confusão entre meios e fins. Que a saúde mental é emergente da estabilidade caracterial que importa reconhecer e fortalecer na escola»
Os períodos pré-primário e primário devem merecer os maiores cuidados, além do mais, porque neles se encontra a esmagadora maioria dos estudantes.
Esta circunstância obriga a mobilizar todos os nossos valores dispersos pelos sectores da saúde pública e da psicapedagogia, de maneira a evitar-se que maus princípios venham a comprometer toda a obra da saúde escolar.
Nestes períodos fundamentais são necessários, sobretudo, cuidados preventivos, ao contrário do que sucede no período universitário, um que a acção curativa toma posição dominante, quiçá até como consequência dos já precários cuidados profilácticos tidos nos períodos antecedentes.
É digna de todo o louvor, nesse escalão superior do ensino, a acção dos centros universitários e também o esforço da Mocidade Portuguesa, mas não posso deixar de lastimar a solução de continuidade em relação à actividade da Direcção-Geral dos Desportos e Saúde Escolar.
Mais do que o nosso condicionalismo económico, foi a megaburocracia de um desporto desprovido da sua essência mais pura que enevoou a questão fundamental, cristalizando a experiência liceal do Prof. Serras e Silva. Assim, por tal jeito, ela se não projectou nos escalões precedentes, nem se estendeu convenientemente para o que se apresentava a seguir.
E mesmo dentro do escalão de experiência, onde muito realizou o Prof. Serras e Silva, o colapso é de recear e, por isso, já desta alta tribuna lastimei o facto de haver médicos que têm a seu cargo mais de 2000 alunos cada um, quando não deviam ter mais de 500.
Calcula-se em cerca de 200 o número de médicos que nos faltam só no ensino liceal e técnico.
Mas não posso deixar de referir que o condicionalismo económico em relação à saúde escolar também necessitado um bom exame de consciência. Julgo que não aproveitamos toda a elasticidade do conceito de economia e que despreza-mos alguns valores de rentabilidade.
Em Inglaterra, segundo conta um artigo publicado no Jornal das Ciências Medicas, estabeleceu-se larga e violenta polémica por motivos económicos relacionados com o fornecimento de leite aos alunos das escolas, e, mais tarde, uma vez vencida denodada resistência, veio a verificar-se, em face de rigoroso trabalho estatístico, que desse fornecimento gratuito resultou notável economia geral, consequente de uma acentuada melhoria no aproveitamento escolar.
Outro tanto se tem de pensar quanto ao aquecimento dos estabelecimentos de ensino, à assistência médico-social do agregado escolar, à necessidade de uma maior pulverização do ensino liceal, etc., etc.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Esta pulverização evitaria a notável baixa do aproveitamento escolar por fadiga física e psíquica resultante das longas distâncias a percorrer, diariamente, pelos alunos e ainda combatia as antipedagógicas concentrações que, actualmente, se registam em muitos liceus superlotados com alunos vindos de terras afastadas e suficientemente evoluídas para terem os seus liceus próprios.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Está provado, dito e redito, que as despesas que se fazem para manter a saúde escolar são das mais produtivas de um Estado.
Sr. Presidente: restabelecida a hierarquia que tenho procurado defender; feita a selecção no seio das agremiações desportivas e a integração de todos os elementos úteis na saúde escolar; revistos, com optimismo, os conceitos de economia e rentabilidade em função da saúde escolar; criado um instituto para a especialização médico-pedagógica; mobilizadas as equipas de técnicos onde os pedi-psiquiatras desempenhem acção de relevo e os

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sacerdotes serão indispensáveis; congregados os auxílios dos departamentos do Ministério da Saúde e Assistência, do Instituto de António Aurélio da Costa Ferreira, do Instituto Profissional de Maria Luísa Barbosa de Carvalho, do Instituto Nacional de Educação Física, da Mocidade Portuguesa, etc., há que retomar a caminhada, há que dar continuidade ao trabalho do Prof. Serras e Silva.

A Sr.ª D. Maria Irene Leite da Gosta: - Muito bem!

O Orador: - E, Sr. Presidente, essa caminhada futura está já muito bem planeada em todos os seus pormenores - naqueles pormenores qualitativos e quantitativos que constituem um verdadeiro programa.
Programa cuidadosa e sabiamente delineado já, há alguns anos, por uma comissão nomeada para proceder ao estudo da reorganização dos serviços da saúde escolar. E não me parece esse estudo nem desactualizado nem inexequível, pelo que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é óbvio não haver vantagem em passar das ideias gerais que tenho vindo a expor e que considero fundamentais no espírito da reforma, para a enunciação particular, qualitativa e quantitativa, dos diversos serviços que por outros já foram muito bem idealizados.
Resta-me, portanto, só acrescentar os meus muito sinceros e veementes votos para que a reforma dos serviços da saúde escolar saia da gaveta abafada onde se encontra, e tome o ar puro indispensável para poder transmitir à saúde escolar, até pleonàsticamente, toda a saúde de que precisa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: está escrito em letra deforma e com reconhecida idoneidade que o «milagre» alemão da recuperação no pós-guerra mergulhou as suas raízes no sistema educacional e, sobretudo, lá no fundo, na saúde escolar.
Isto faz-me reflectir sobre este período difícil da nossa integridade nacional que ora atravessamos, mas que, com a graça de Deus, a mestria fulgurante de um chefe excepcional e o vigor natural e espontaneamente fluente do nosso temperamento, lá se vai vencendo, e com toda a dignidade. Mas precisamos de ter sempre presente no nosso espírito que não é imprevisível uma crise ainda mais grave.
Tão grave que, para dominá-la, tenhamos de possuir uma reserva especial nos escaninhos da alma, nos recessos do coração. Aquela reserva, aquela outra saúde ou força oculta e sobre-humana que faz um herói e gera um santo e foi a real razão do nosso «milagre» de Aljubarrota.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O fundo, Sr. Presidente, a moral desta história, impõe uma adaptação particular e metafísica do conceito universal e puramente científico da saúde ao carácter nacional defendido pela nossa Constituição Política.
O carácter português - resultante do poder ancestral de uma milenária formação católica -, sem desrespeito pelo objectivo imediato, individualista, pessoal, do conceito científico de saúde, impõe, todavia e em verdade, um programa, sanitário concebido com os olhos fixos sobretudo nos objectivos mediatos, quero dizer, com o espírito unido à noção da eternidade.
O fim imediato não è verdadeiramente o fim consistente e duradouro, enquanto o objectivo mediato tende claramente para a eternidade. O imediato lembra, às vezes, a fugacidade traiçoeira do prazer e o mediato idealiza a suavidade perene da alegria.
Diz Fulton Sheen, que já aqui foi lembrado hoje, que o prazer é sempre acção e reacção e a alegria é irreversível, porque é a simples e santa paz da consciência como prémio das grandes virtudes.
Nós, Portugueses e católicos, espontaneamente meditamos sobre o significado de «bem-estar físico e psíquico» e não nos quedamos sem reacção, sem raciocínio, diante dessa expressão que não foi perfeitamente definida.
Ao debruçar-me, Sr. Presidente, sobre, este problema da saúde escolar, reflecti e meditei, mais uma vez, sobre a ideia de «bem-estar», desde a ausência utópica de tensão ao «bem-estar» do místico e mártir no auge das atrocidades dos algozes. E com todo o respeito pelo mais actual conceito científico da unidade biológica psicossomática tenho, todavia, de me manter conscientemente fiel à dualidade divisível pela minha fé. Deslumbra-me a mais extraordinária maravilha da criação, onde há um corpo complexo, transcendente, genial, que sempre morre, e sobre ele uma alma sublime, infinita e eternamente viva.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Pinheiro da Silva: - Sr. Presidente: tenho para mim que a atenção, o carinho, os cuidados dedicados à criação de estabelecimentos de ensino e educação, bem assim a sua estrutura, nível e espírito que os anima, denunciam, em larga medida, tanto o sentido como os fins de um estilo de acção ultramarina.
E bom é notar, desde já que a existência de instituições escolares no Portugal de além-mar compatíveis com os ideais da Nação, adequadas ao condicionalismo local, constituiu sempre, entre nós, séria preocupação de quantos possuem a consciência exacta dos deveres de patriotismo e da função que nos cabe desempenhar no Mundo.
Realmente, desde os tempos heróicos da arrancada da dilatação da Fé, fundar escolas no ultramar, rodeá-las das condições necessárias ao seu pleno funcionamento, são imperativo dos ideais e interesses nacionais.
Como se sabe, os missionários que, desde a primeira hora, acompanharam o soldado, o funcionário, o colono, foram os abnegados professores das escolas logo construídas, ministrando as letras e ciências, as artes e ofícios. As primeiras letras tanto quanto as humanidades, que nos colégios da Ordem de Jesus mereceram aturada atenção. A qualidade e a condição de tais mestres garantiam, a um tempo, a boa marcha do ensino e a consecução dos objectivos almejados.
Por exigências político-sociais-religiosas, a integração escolar dos de cor, problema enorme para o germânico, ainda hoje sem solução nos nossos dias, é por nós praticada a partir das primeiras instituições do ensino ultramarino, como um acervo de documentos irrefragáveis no-lo prova.
Estando, com efeito, na raiz da expansão da grei a ideia da unidade nacional; sendo o conceito português de nação desprovido de ideias perniciosas de raça e geografia; cedo arreigada a crença, de cariz cristão e hispânico, na possibilidade da aquisição da lusitanidade pela

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aceitação, vivência, prática de valores religiosos, morais e culturais - a integração escolar dos autóctones surgia logicamente como meio ou forma de obtenção daquela unidade, bem assim de enriquecimento da Nação com novos valores humanos. Nisto consiste, enfim, a essência do lusotropicalismo e a ausência de colonialismo.
Destarte, no ultramar o labor educativo reveste-se de significação especial, no mesmo passo nacionalista e humanista.
Por outro lado, no pensamento exposto quero crer que residem a autenticidade e a validade do princípio da liberdade da frequência das instituições escolares, clara e impressionantemente formulado por D. Pedro II, ao afirmar, no remoto ano de 1686, que «as escolas de ciências devem ser comuns a todo o género de pessoas, sem excepção alguma». Quer dizer: quaisquer considerações de ordem étnica ou social nunca poderiam ser invocadas como motivos impeditivos da frequência das escolas portuguesas - o que, como é óbvio, no momento histórico que passa assume sentido e alcance singulares.
Sr. Presidente: cuido poder atribuir-se, em grande parte, à excelência da organização e orientação do nosso ensino ultramarino de outrora o facto de sermos os maiores e melhores difusores do ideário, usos e costumes da civilização cristã e hispânica. Consequentemente, as nossas responsabilidades actuais nesta matéria são inteligíveis em função, simultaneamente, do realizado no passado e do que temos o dever de promover pelas gerações do presente.
Todavia, manda a justiça reconhecer que a administração de Salazar, norteada, tanto quanto possível, pelas direcções naturais do nosso génio e história, cuja obra no domínio em apreço, acusando embora deficiências em certos aspectos, é insofismavelmente notável e nobre, imprime agora renovado impulso às instituições e actividades escolares de além-mar.
De feito, o vento renovador e fecundo que sopra pelas terras transmarinas atinge o terreno da escola. A cúpula dos esforços que séria e serenamente se têm vindo a envidar está na criação recente dos Estudos Gerais Universitários de Angola e Moçambique - medida esta que marca o começo de outra era da história do nosso ensino ultramarino.
Sr. Presidente: há a esperar dos Estudos Gerais, que o Governo, deixando transparecer o grande interesse que lhes vota, assiste financeiramente com muita generosidade, as mais ricas consequências culturais, sociais e políticas.
Para tanto, porém, torna-se necessário que os mais aspectos da vida desses promissores estabelecimentos de ensino superior não sejam relegados a segundo plano, muito menos olvidados. Por exemplo, a sua continuidade e prestígio, que exigem uma bem orientada política de atracção dê professores e assistentes dotados do espírito da missão, são problemas a considerar sem delongas.
Dada a manifesta impossibilidade de se fundarem em breve lapso de tempo o 1.º ano das Faculdades de Letras e Ciências e da Escola Superior de Belas-Artes, a criação dos cursos para professores adjuntos dos grupos 8.º, 11.º e 5.º do ensino técnico impõe-se com urgência, que estes têm a possibilidade prática de funcionar, por isso que necessitam de um número muito pequeno de professores universitários e respectivos assistentes.
Muitas vantagens e utilidades se colheriam da existência destes cursos no ultramar português.
Com efeito, por disposição legal, os respectivos diplomados podem frequentar o curso de Ciências Pedagógicas, fazer um estágio pedagógico que os habilita para
o exercício do ensino técnico. Assim, contribuiriam poderosamente para a continuidade do curso de Ciências Pedagógicas e das escolas técnicas normais, que, ao que consta, serão em breve uma grata realidade nas nossas duas maiores províncias ultramarinas. Além disso, viriam atenuar a carência de professores do ensino técnico, sobremaneira necessários ao pleno desenvolvimento das províncias, e abrir uma saída mais à juventude local que ultima os estudos secundários. E teríamos, finalmente, no ultramar, o ensino da língua e literatura portuguesa, bem como o da história de Portugal, ao nível superior, preenchendo-se deste modo uma lacuna gravíssima no actual ensino universitário português de além-mar, visto que o conhecimento da língua e da história possui o condão de estreitar os laços da unidade nacional.
Sr. Presidente: a formação do escol ultramarino, verdadeiramente consciente dos objectivos nacionais, dos deveres que nos impõem um passado glorioso e um presente que nos chama para uma nova e luminosa cruzada, deve situar-se na primeira linha das nossas mais sérias preocupações. Por isso, ouso fazer um apelo ao Governo no sentido de que faça incidir a sua esclarecida atenção para a sugestão que aqui deixo.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continuará amanhã, com a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas 5 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
André Francisco Navarro.
António Burity da Silva.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Alves Moreira.
Artur Proença Duarte.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique dos Santos Tenreiro.
James Pinto Buli.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
José Dias de Araújo Correia.
José de Mira Nunes Mexia.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Colares Pereira.
Tito Castelo Branco Arantes.
Virgílio David Pereira e Cruz.

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Sr s. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
António Barbosa Abranches de Só ver ai.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Fernando António da Veiga Frade.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinto Carneiro.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Purxotoma Bamanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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