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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 122

ANO DE 1964 30 DE JANEIRO

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 122 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 29 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Ex.mos Srs.Fernando Cid Oliveira Proença
Luis Folhadela de Oliveira

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os nos 120 e 121 do Diário das Sessões.

Deu-se conta, do expediente.

O Sr. Deputado Lopes Roseira falou sobre a situação dos municípios de Angola.
O Sr. Deputado Videira Pires referiu-se aos acontecimentos políticos recentes nos territórios vizinhos de Moçambique.
O Sr. Deputado Agostinho Cardoso ocupou-se de problemas da ilha da Madeira.

Ordem do dia. - Continuou o debate sobre educação nacional.

Falaram os Srs. Deputadas D. Maria Irene Leite da Costa,
Francisco de Sales Loureiro, Elisio Pimenta e Gonçalves de Faria.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada. Eram 16 horas c 5 minutos.

Fez-se a chamada, á, qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Reis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Só ver ai.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António Gonçalves de Faria.
António Magro Borges de Araújo.
António Maria Santos da Cunha.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elisio de Oliveira Alves Pimenta.
Fernando Cid Oliveira Proença.
FFrancisco António Martins
Francisco António da Silva.

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Francisco José Lopes Roseira.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Fernando Nunes Barata.
José Manuel Pires.
José Maria Bebelo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Irene Leite da Costa.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Beis.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Bui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Virgilio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 79 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, para efeitos de reclamação, os n.ºs 120 e 121 do Diário das Sessões.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deduz qualquer reclamação, considero aqueles números do Diário das Sessões aprovados.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegramas

De Fernando Vilaça a apoiar a intervenção dos Srs. Deputados Folhadela de Oliveira e Santos da Cunha em defesa da criação em Braga do instituto têxtil e de um instituto de ensino médio. - ...
Vários a apoiar o mesmo discurso do Sr. Deputado Folhadela de Oliveira.
Vários a aplaudir a intervenção do Sr. Deputado Jorge Correia.
Muitos a apoiar a intervenção dos Srs. Deputados António Santos da Cunha e Moura Ramos.
Do presidente da Câmara Municipal de Lourenço Marques a apoiar a moção aprovada na Assembleia sobre a reforma do Código Administrativo.
Do presidente da Câmara Municipal de Aveiro a felicitar a Assembleia pela apresentação e discussão do aviso prévio sobre a reforma do Código Administrativo.

O Sr. Presidente: - Está na Mesa um ofício da Junta do Crédito Público a informar que o Tribunal de Contas, por Acórdão de 14 do corrente, julgou a mesma Junta quite com o Governo pela sua gerência no ano de 1962.
Estão na Mesa elementos pedidos pelos Srs. Deputados Nunes Barata e Augusto Simões em requerimentos apresentados, respectivamente, em 23 de Janeiro e 13 de Dezembro do ano findo.

Vão ser entregues àqueles Srs. Deputados.
Para efeitos do cumprimento no disposto no § 3." do artigo 109.º da Constituição, está na Mesa o Diário do Governo n.º 18, 1.ª série, de 22 do corrente, que insere o Decreto-Lei n.º 45 539, que dá nova redacção ao n.º 1.º do artigo 2.º do Decreto n.º 16 349 e ao § 2.º do artigo 212.º do Decreto n.º 44 884 (património de militares da Armada) .
Está na Mesa um pedido da Ordem dos Advogados a solicitar que seja autorizada a comparência do Sr. Deputado Martins da Cruz para lhe serem tomadas declarações num processo de inquérito pendente no conselho da Ordem.
Ouvido o Sr. Deputado sobre se via inconveniente para o exercício do seu mandato em lhe ser concedida autorização, informou que não via qualquer inconveniente.
Nestas condições, ponho o problema à Assembleia.
Consultada a Câmara, foi autorizado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Roseira.

O Sr. Lopes Roseira: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: o debate realizado, com notável elevação e brilho, sobre a reforma do Código Administrativo, que terminou na antepassada sexta-feira, bastante me esclareceu a respeito da vida difícil dos municípios da metrópole.

Notei que a maioria das considerações andou à volta das dificuldades financeiras em que se debatem as câmaras municipais e da soma dos encargos que sobre elas pesam. Depreendi, ainda, que a actuação dos órgãos incumbidos do exercício da tutela decorre em termos da melhor compreensão dos objectivos das câmaras municipais. Assim, fácil me foi concluir que, em confronto com as suas congéneres de Angola, as autarquias locais metropolitanas, sem embargo das dificuldades invocadas, conseguem realizar a administração dos interesses concelhios sem entraves das entidades tutelares.
Em Angola, mais do que as dificuldades financeiras resultantes de um condicionalismo imposto por lei, a acção bastas vezes discricionária das entidades tutelares coloca os municípios angolanos em situação de nítida desvantagem em relação aos da metrópole.
As realidades da vida angolana ultrapassaram as visões mais optimistas, tornando anacrónico e emperrante o que era aceitável e satisfatório tempos atrás. Os mais ligados à vida administrativa da província têm verificado a ne-

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cessidade de uma profunda, se não radical, reforma das normas que há 30 anos regulam a actividade dos corpos administrativos do ultramar - a Reforma Administrativa Ultramarina, posta em vigor pelo Decreto n.º 23 229, de 29 de Novembro de 1933. Lá, como cá, são grandes os queixumes, é imenso o vozear contra muitas das práticas administrativas que a Reforma Administrativa Ultramarina autoriza, e que, por mau uso, mais desservem do que servem aquilo a que noutros tempos se chamava «bem comum do povo». Desconhecido este, ou relegado para a penumbra onde se estiolam os inocentes condenados ansiando pelo dia da reabilitação, o que impera é o critério pessoal a fazer transparecer uma disposição ou inteenção também de ordem pessoal
Pelo modo como a tutela se manifesta, pode perceber-se, com precisão barométrica, o momento em que o presidente de uma câmara cai no desagrado. A partir de tal momento a câmara, a vida do município, mergulha em ponto morto até que factos posteriores coloquem na presidência outro incauto cidadão cheio de boa vontade, a quem está destinada, mais tarde ou mais cedo, a mesma sorte.
Com a crescente hipertrofia da Administração mais propícia se tornou a acção das entidades tutelares, num verdadeiro jogo das escondidas com o município.
A Reforma Administrativa Ultramarina discrimina exactamente os actos ou deliberações municipais sujeitos à tutela e indica, em relação a cada um, a entidade competente para exercê-la. Mas o inconveniente, que é pretexto de muita utilidade, está em que, já depois da vigência da Reforma Administrativa Ultramarina, os territórios do ultramar passaram a ter nova divisão administrativa, voltando-se das províncias aos distritos, e novas entidades auxiliares dos governos-gerais foram instituídas.

No estrito domínio da Reforma Administrativa Ultramarina eram entidades tutelares dos corpos administrativos: o governador da província, a junta provincial e o governador-geral. A orgânica posterior extinguiu as províncias, dando a vez aos distritos. Por isso, a tutela passou a ser exercida pelo governador do distrito, pelo director dos serviços da administração civil, pelo secretário-geral do governo e pelo governador-geral.

São indescritíveis e incalculáveis os prejuízos que o sistema tem acarretado à vida municipal em Angola. Dada a limitada competência das câmaras, a intromissão tutelar tornou-se absorvente, irritante e desalentadora. E não me coíbo, nesta altura, de repetir, com a devida vénia, uma afirmação do ilustre Deputado Dr. Antão Santos da Cunha contida na sua brilhante intervenção na sessão do passado dia 16:
A nossa vida política e administrativa está vazia de espírito, de doutrina, de mística; um tecnicismo frio e duro, um burocratismo desumano e pouco compreensivo estancam as fontes do entusiasmo e da devoção, sem os quais não há obra que valha e que perdure.

Sr. Presidente: no ultramar cabe aos governadores-gerais criar e suprimir unidades administrativas no âmbito das circunscrições e postos. Pois bem: essa faculdade já serviu para, no curto espaço de um ano, ser alargada e diminuída a área do concelho de Luanda.
Um governador-geral entendeu ser necessário alargá-lo para melhor poder defender a execução do respectivo plano de urbanização; porém, o governador que lhe sucedeu entendeu precisamente o contrário, e vá de reduzi-lo aos limites do próprio foral da cidade, reservando-lhe uma faixa periférica de 6 km de profundidade, a que foi dado o nome de zona rural de protecção, e que, em rigor, já pertence à jurisdição de outra entidade administrativa.
À. custa da área retirada ao concelho de Luanda foi criada uma nova circunscrição; sem base populacional nem economia que lhe dê uma relativa individualidade. Esta providência deu origem a uma confusão de atribuições e aos inevitáveis conflitos de jurisdição entre a nova circunscrição e o velho município. Mas o mais grave foi a Câmara de Luanda ter ficado lograda na possibilidade, que a lei lhe conferia, de tributar com o imposto de mais valia os terrenos que se valorizaram por motivo do plano de urbanização, por terem sido subtraídos da sua zona de jurisdição.
Tudo correu serem ter sido prestada a menor atenção à Câmara, que nada conseguiu com o ter reagido. Se o governador é quem manda; se ele é quem escolhe e nomeia os presidentes das câmaras, para que serve reagir? Ora, o caso seria bem diferente se à constituição dos corpos administrativos presidissem outros critérios.
E que dizer das comissões municipais e das juntas locais? Os inconvenientes agravam-se multiplicadamente. Os presidentes destas autarquias são natos. Cabem, por inerência, tais funções, respectivamente, aos administradores de circunscrição e aos chefes de posto (agora chamados administradores de posto). Quer na circunscrição, quer no posto, aqueles funcionários reúnem todas as com-petências e atribuições: são magistrados, administradores, polícias, notários, cobradores de impostos, correio, empreiteiros de obras públicas, agentes dos serviços agrícolas, fiscais do trabalho e julgadores dos respectivos conflitos e até, algumas vezes, chegam a ser delegados de saúde. Só este facto torna gritantemente imperativa a radical modificação do sistema administrativo.

Os restantes membros das comissões municipais e das juntas locais são, pelo normal, comerciantes e agricultores, pessoas cuja vida gravita na órbita omnipotente dos respectivos presidentes, resultando limitarem-se conscientemente ao papel de impassíveis comparsas dos mandos e desmandos daqueles funcionários. Quem ousa opor-se-Ihes? A vida custa muito, e ninguém anda lá para complicá-la.

Passemos, agora, ao capítulo de rendimentos e encargos. Promulgou-se há anos para Angola uma reforma tributária que ainda hoje vigora. Só os corpos administrativos foram gravemente afectados nas suas receitas. Basta dizer que no termo, salvo erro, de seis anos de aplicação do novo sistema a Câmara de Luanda recebera menos 200 000 contos do que teria recebido pelo sistema anterior. Até então vinha comparticipando nas receitas do Estado provenientes dos direitos de importação e cobrando licenças pelo exercício de comércio, indústria e profissões liberais. A nova reforma tributária retirou-lhe estes rendimentos, que constituíam a sua principal fonte de receitas.
Em compensação, permitiu-lhes o lançamento de um adicional à contribuição industrial, que pode ir até ao limite de 50 por cento, e determinou que o Governo da província lhes concedesse um subsídio anual, de montante não inferior à média das receitas dos últimos três anos, dos adicionais aos direitos de importação reportados à data da publicação da nova reforma tributária.
O facto mais saliente desta providência foi terem ficado os corpos administrativos na mais completa dependência e subordinação do governador-geral, porque a vida financeira daqueles ficou absolutamente à mercê da generosidade do primeiro magistrado da província.
E passo por cima das receitas miúdas, com a anotação de nada caber às câmaras municipais dos rendimentos da circulação automóvel, tendo entanto, a seu cargo

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as despesas respeitantes à sinalização do trânsito nas respectivas áreas.

As despesas obrigatórias também carecem de revisão e actualização. Há encargos cometidos às câmaras que, no ultramar, não lhes devem caber e outros que não devem pertencer a outras entidades. Estão no primeiro caso os vários aspectos da assistência, as despesas com tribunais, conservatórias, cadeias, administrações de concelho; os subsídios ao Instituto Ultramarino e à Escola de Medicina Tropical, etc.
No entanto, a acção de povoamento da província - e em todo o ultramar -, que devia caber essencialmente aos municípios, com toda a certeza de resultar mais eficiente e económica, anda por lá a estiolar-se e a desacreditar-se sem qualquer interesse para a terra e para a Nação. Há organismos que se perdem vergados ao peso de uma burocracia imperante e absorvente, enquanto outros razoavelmente apetrechados com material e pessoal competente, e que «devem Ser as alavancas propulsoras do progresso da província, levam vida de carência.
Estou, ao referir o facto, a pensar nas câmaras municipais, na Junta Autónoma de Estradas, nos serviços de saúde e-nos serviços de instrução. E coloco nesta conjuntura as comunicações rodoviárias acima de toda a actividade, porque sem uma boa rede de estradas não há povoamento a sério. Sem uma boa rede de estradas não se desenvolvem nem se multiplicam as autarquias locais. Sem uma boa rede de estradas não se pode falar em desenvolvimento económico nem no bem-estar das populações, sem estradas ou com más estradas não lhes chega lá o essencial e necessário, e, se lá chega, chega caro.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Nesta fase de recuperação geral nem se justifica o aparecimento da Junta de Povoamento como entidade autónoma, pois tudo devia estar a cargo dos municípios e da Junta Autónoma de Estradas, em íntima colaboração.

Sr. Presidente: atentemos em que em Angola há gigantestas tarefas para realizar e a reclamarem, por isso, dos homens que lá vivem e lá firmaram as suas aspirações e interesse, o melhor da sua inteligência e labor, em aliciante desafio à capacidade de criar. E com estes é que a Nação" pode e deve contar.
Como que paira permanentemente no ambiente que envolve os homens e as coisas o eflúvio aguilhoante das aspirações em busca de concretização, que os que para lá vão por empréstimo percebem, mas não sentem nem vivem. E ainda que uma vez ou outra o acaso as encarne em algum paladino do «bem comum do povo», cedo a força da inércia os reduz à imobilidade e faz voltar as aspirações à fruste condição de coisas sonhadas. São como água crescida na boca ao cheiro de coisa boa e que se engole desconsoladamente sem o acompanhamento daquilo que a fez crescer.
Ali não se sabe por que fatalidade está condenado a malogro todo aquele que por sua acção mostre que vai distinguir-se e elevar-se acima da planura charra em que vegetam as mentalidades adaptadas à ronceirice do equilíbrio coriformista a que os mais práticos e entendidos chamam «não fazer ondas», ou nivela a cabeça pela altura dos que se retoiçam na planura, que é o que na maioria dos casos acontece ou, se persiste em mante-la acima da vulgaridade, logo lhe fica decepada pela implacável guilhotina rasoirante. Por lá é isto que sempre se tem passado; e não me peçam exemplos, porque só abordo generalidades.

Sr. Presidente: a vida administrativa em Angola, qualquer que seja o grau em que a consideremos -municipal ou pública-, decorre desfasada, desarticulada da maneira de ser e do querer da maioria das populações vinculadas u província. Aos menos avisados pode parecer paradoxal esta afirmação. Contudo, não é. Eu explico.

Mas vou explicar em termos de ser a inteligência de cada um que há-de encontrar o devido entendimento. Consideremos que para administrar os interesses do distrito de Vila Real e para presidir ao respectivo município o Sr. Ministro do Interior vai buscar destacadas individualidades a Faro e a Portalegre. Honni aoit ...

Claro que isto é possível: todos os cidadãos do mesmo país estão igualmente aptos a compartilhar e a colaborar nas tarefas de interesse colectivo. Simplesmente, os do lado de lá do Marão é que não ficarão contentes; e com sucesso ou sem ele não deixarão de manifestar o seu desgosto, embora aceitando contrafeitos a providência superior. Mas não há dúvida de que os Trasmontanos são mais hábeis para discernirem sobre os interesses da sua região -tanto políticos como administrativos- do que os mais preparados cidadãos de outras províncias, contanto que* estes nunca lá tivessem vivido.

Deste modo, o íncola trasmontano olha para o governador e para o presidente recém-chegados como quem olha para uns turistas. Salva-se a solução como recurso de emergência, ocasional e transitório; mas que nunca só transforme em processo corrente e normal, como se pratica em relação a Angola. E todos pensamos, porque a isso os factos nos conduzem, que lá estamos reduzidos à primária função de contribuintes e produtores de matéria colectável, sem préstimo para as missões que interessam à Nação, à terra e a nós próprios. K que, colaborando em todas as tarefas em maior número e sempre, melhor podíamos avaliar os nossos erros e às nossas necessidades e com melhor cara pagaríamos esses erros, o que é mais agradável do que pagar erros por que não somos responsáveis.

Acrescentemos aos inconvenientes que da própria lei decorrem o desconhecimento ou deficiente preparação administrativa que frequentemente revelam as entidades incumbidas de funções tutelares e administrativas em alto nível, quase sempre transviadas da noção de «bem comum do povo», porquê dele desligadas, e o quadro das atribulações passa a dar mais nítidas perspectivas. Mas só ficará uompleto evidenciando em forte pincelada o choque fatal que a passagem .do equador causa nas pessoas -em todas as pessoas- que vão para o ultramar e que ao chegarem lá depressa manifestam os seus nefastos efeitos: egocentrismo e megalomania, omnisciência c infalibilidade, pruridos e susceptibilidades de toda a espécie, cujos graus de evidência variam na razão inversa dos princípios e educação de cada adveniente, com reflexos prejudiciais nas boas relações e marcha dos serviços.

Pelo vulgar, deixam de ser as mesmas pessoas que ao partirem de Lisboa se mostravam, vergadas ao peso de uma falsa humildade imposta pelo inesperado de uma ascensão rendosa e de uma confessada ignorância do meio e dos seus problemas.

É facto bastas vezes invocado para se fazer blague; mas nunca foi considerado na escolha dos homens que são despachados para o ultramar sem encomenda prévia e com marca de utilidade que a prática não chega muitas vezes a confirmar.
As gentes do ultramar não escolhem nem pedem: aceitam o que daqui vai; mas também acreditam nos poderes de concepção, de realização e de administração de muitos dos valores que lá se criaram ou se radicaram. Sabem que

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não chegam para todas as tarefas; mas também estão certos de que podem, com vantagem, suprir algumas.

Sr. Presidente: Angola é, inquestionavelmente, uma realidade portuguesa; porém, profundamente diferente da realidade portuguesa que a originou. Lá. com as mesmas palavras, exprimimos ideias e estados de alma diferentes. Tudo depende do espírito, do vigor, da entoação e da intenção com que os marcamos. É isto, ainda, a resultante da mentalidade nova que se formou sob um sol mais quente e um clima e uma paisagem totalmente diferentes dos que existem nas nossas origens e que, insensivelmente, nos levam a encarar os homens, os factos e as coisas sob novos ângulos de visão.

Somos, enfim, produtos até hoje injustamente compreendidos, porque somos impotentes para dissipar o imponderável ascendente da acção telúrica.

Ora, em Angola, à parte o que é de raiz e essência dogmática - a Pátria, II Nação -, são diferentes o entendimento de governantes e governados acerca dos problemas da terra e do homem. Aqueles, se bem que dotados de excelentes qualidades justificativas da escolha e animados de altas e magníficas intenções, são, aos olhos dos governados, como que ocasionais passageiros destinados ao cumprimento de missões num meio que vêem pela primeira vez ou em que, pela primeira vez, vão fazer estada mais prolongada, todavia insuficiente para uma actuação colectivamente proveitosa.
Quando muito, poderiam destinar-se a um tirocínio de alguns anos para uma posterior actividade efectiva. Infelizmente, quando começam a estar em condições de serem úteis à província, por isso ou por aquilo a que a população fixa é sempre alheia, vão-se embora. E em seu lugar e para novos lugares outros surgem impelidos da mesma origem e pela mesma força para regressarem a breve trecho, sem deixarem saudades a ninguém, vindo para Lisboa guarnecer, por implacável ironia de uma orgânica alheia as realidades, o mostruário nacional dos que falharam ou foram frustrados na debutância ultramarina.

Sr. Presidente: para que nos convençamos todos de que estamos vivendo no mesmo país; para que, no ideal e na prática, sintamos e vivamos a realidade de uma só Nação, um só Estado, um só Governo, uma só lei e uma só capital; para que, tanto cá como lá, sejam iguais, rigorosamente, os direitos e obrigações de governantes e governados, impõe-se a elaboração de um código administrativo comum a todo o território nacional, que consigne as peculiaridades de cada região e lhes dê tratamento consentâneo, não só com o estado de desenvolvimento das respectivas populações, mas também com as suas tendências e capacidade evolutiva.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Já não estamos em época de concentração do poder e atribuições totais num só agente. Cortemos cerce as amarras do colonialismo transformado em polvo, cujos tentáculos só têm servido para alimentar descontentamentos e mal-entendidos.
Sempre pensámos e defendemos que, em qualquer circunstância, é mais preferível a moderada limitação do exercício do poder e das liberdades locais, deixando aos administrados o amplo direito de crítica, censura e protesto e estimulando a livre escolha dos componentes das edilidades, porque menos prejudicial ao interesse público, a despeito de tremendos erros que possam cometer, do que manter-se o actual sistema de vinculação das autarquias locais a um poder discricionário. E quanto à extensão territorial e jurisdicional das autarquias, temos de partir da simplicidade para a complexidade.
Entre o inconveniente da criação de extensas unidades administrativas, em que os poderes estejam racional e ponderadamente repartidos por diversos agentes, e o da constituição proliferante de outras mais pequenas, é mil vezes preferível o primeiro, por ser, além de tudo, mais moral, mais eficiente e de mais vincado interesse nacional.

Sr. Presidente: vou terminar com a consciência a dizer-me que não fui petulante nem impertinente ao deixar revelado um dos aspectos mais delicados da vida ultramarina, que sempre se- tem escondido ao conhecimento do Governo e da Nação. E abordei-o por ser um homem simples, estruturalmente sério, desconhecedor da existência de tabos e tão espontâneo de franqueza que, se o rei vai nu, digo mesmo que «o rei vai nu». Sejam, pois, estas minhas palavras modesta e deficiente nótula à margem do aviso prévio sobre a reforma do Código Administrativo.

Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Videira Pires: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: como órgão primeiro da soberania nacional, tem esta Câmara o grave e indeclinável dever de estar atenta a tudo aquilo que de perto ou de longe se relacione com a vida da Nação, especialmente ao que possa interferir com o seu prestígio e com a sua integridade física e espiritual.
O País inteiro sabe bem com que acuidade ela tem procurado sempre cumprir essa obrigação, como sentinela vigilante dos nossos destinos colectivos no decurso da sua existência tão gloriosa.
Ainda há bem pouco tivemos todos o grato prazer de testemunhar, na sequência desse imperativo, como o ultramar vive na primeira linha das suas preocupações. Mas, para além desse feliz aviso prévio de apoio incondicional à política ultramarina do Governo, cada sessão legislativa tem mantido constantemente o coração e a mente postos nas nossas terra de além-mar, na resolução dos seus problemas, na previsão e vigilância de perigos internos ou exteriores que possam ameaçá-las.
Ora, meus senhores, no contexto dos ataques que há três anos pretendem estrangular-nos de várias frentes, sobretudo as províncias da Guiné e de Angola, este dealbar indeciso de mais um ano novo surge túmido de preocupações para esses nossos territórios africanos.
Se todos aqui dentro podemos e devemos levantar a voz para iluminar a verdadeira face dessas ameaças, um Deputado moçambicano tem de saltar a campo antes de mais ninguém, quando as sombras se aproximam, carregadas de tempestade, do seu círculo eleitoral.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: tenho procurado acompanhar, hora a hora, minuto a minuto, os acontecimentos ultimamente processados em Zanzibar e no Tanganhica. Mesmo que não conhecesse pessoalmente aqueles dois jovens países, bastava só a preocupação da nossa presença histórica, em séculos passados, nessas paragens distantes, hoje ferozmente conturbadas por ventos enlouquecidos de subversão, para que a mais funda emoção me tomasse, ainda que tudo quanto lá se vai passando não revelasse qualquer incidência com a segurança de Moçambique.
Eis que o jogo fraudulento para a conquista definitiva da África pelo comunismo internacional arranca, pela pri-

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meira vez, a máscara bem afivelada, ali, a dois passos de nós.

Já em 1920, no Esboço Preliminar das Teres sobre Problemas Nacionais e Coloniais, Lenine preceituava:

A Internacional Comunista deve apoiar os movimentos nacionais de índole dèmocrático-burguesa nos países coloniais ou atrasados, apenas com a condição (repare-se bem, Srs. Deputados!) de que os elementos dos futuros partidos proletários, nos países subdesenvolvidos, não sejam comunistas simplesmente de nome, se agrupem e se preparem para as suas missões especiais, ou melhor, para as tarefas de combater os movimentos burgueso-democráticos, dentro das suas próprias nações; a Internacional Comunista deve entrar numa aliança transitória com a democracia burguesa nos países coloniais e atrasados, mas não deve fundir-se com a. dita democracia, mas antes preservar incondicionalmente a independência do movimento proletário, na sua forma mais essencial.

Se enquadrarmos estas palavras bem significativas, com a primeira das instruções a cujo conjunto elas pertencem (todos os partidos comunistas devem ajudar o movimento de libertação burgueso-democrática nesses mesmos países), tornam-se elas perfeitamente claras, dentro da terminologia clássica dos maiores ideólogos marxistas e do objectivo supremo de toda a sua acção, um imperialismo à escala universal, em que os povos do Mundo inteiro encontram apenas a sombra da bandeira russa, a tremular no Kremlin, como profetizou Bakunine no seu Apelo aos Eslavos.
Na escalada contínua para este triunfo definitivo, disfarçou-se de todos os modos o fim último, com um vocabulário ambíguo, de sentido múltiplo, de que os termos já estafados de autodeterminação, nacionalismo, independência, são hoje acaso os mais significativos, com uma força mágica de sedução sobre os espíritos, até dos mais subtis. Mas já o mesmo Lenine definira, com inequívoca precisão, o primeiro destes conceitos, sobre que todas as outras coordenadas se traçam, ao chamar à autodeterminação «união dos trabalhadores de todas as nacionalidades».
O eufemístico desta expressão leninista patenteia-o, com toda a evidência, Estaline, em 1923, ao falar no Congresso do Partido, desta maneira bem expressiva:
Há casos em que o direito da autodeterminação se opõe a outro direito, superior, da classe trabalhadora que chegou ao poder, ao de consolidar o poder. Nesses casos (deve declarar-se abertamente), o direito de autodeterminação não pode e não deve constituir um obstáculo na realização do direito à ditadura da classe trabalhadora.
Tudo se processa numa autêntica tríade dialéctica: à tese que a autodeterminação impõe, recorrendo a todos os sistemas clássicos de agitação, contrapõe-se a antítese da independência (que temporariamente parece desviar a nova nacionalidade da órbita comunista), rapidamente subsumida na síntese final de uma integração violenta no sistema das repúblicas soviéticas. Como acaba de suceder em Zanzibar. Como se desenhara já, antes, no Ghana, na Guiné, na Argélia. Como parece estar a suceder no Tanganhica.

Passou a hora das concessões aparentes, Srs. Deputados; do jogo ardiloso das sombras chinesas, astuciosamente descrito por Lenine, num escrito significativamente chamado «Um passo adiante, dois passos atrás».

Os Russos, compreendendo, há muito, que a África é o prolongamento natural da Europa, lançaram-se ardorosamente à jornada leninista do caminho mais fácil para chegar ao nosso velho continente, o qual passaria primeiro pelo Ásia e pela África. A inequívoca rivalidade com a China continental está a precipitá-las na luta aberta, atirando pela barra fora com todos os disfarces.

Chu En-Lai andou a passear, do Cairo ao Quénia, a perigosa política oriental do sorriso. Por onde passou a revolução brotou logo, como flor sangrenta, dos seus passos. O Quénia começa a reeditar a aventura proibida do Congo ex-belga. A Etiópia e a Somália, acicatada esta pelos Chineses, aprontam-se para um conflito inevitável. O Luanda, antes oásis de progresso O catolicismo, regressa à lei da selva, mal alcançada a autodeterminação.
Rivalidades de fronteiras, carnificinas tribais, vinganças inauditas (como as dos novos donos de Zanzibar, queimando vivos os adversários políticos), começam a tirai-as últimas dúvidas à utopia do Ocidente, receoso de dar-nos razão, na nossa heróica teimosia de preservar a civilização, duramente atraiçoada, ao longo de quase toda a África.

Vozes: - Muito bem I

O Orador: - O golpe do Tanganhica, varrendo as ilusões do impossível «socialismo cristão» de Julius Nyerère, vem demonstrar, cruelmente, a espantosa imaturidade política da África Negra. Sobre ela caem, como abutres esfaimados, os Russos, os Chineses, os «barbudos» de Fidel de Castro, adaga de morte apontada ao coração da América do Norte, como se viu nos sucessos recentes do canal do Panamá (vingança imanente da verdade histórica à sua desventurada política de Suez, quando Israelitas, Franceses e Ingleses estavam preparados para arrumar de vez com Nasser, em poucos dias.
Precisamos de não perder a cartada, com os trunfos que temos, mais seguros que nunca, na mão. Do incêndio ressalta a nossa verdade, iluminada como nunca pelas chamas da tragédia. Estejamos atentos, dentro e fora das fronteiras. Mais que a Rússia, é a China que hoje seduz as novas nacionalidades africanas.
Os diplomatas de Mao Tsé-Tung não se cansam de proclamar à sua nativa ingenuidade que também eles, Chineses, eram um povo pavorosamente atrasado, sem indústria nem progresso social, e que, no espaço de vinte anos, se tornaram uma das mais poderosas forças do Mundo, prestes a construir a sua bomba atómica. Sente-se já o refluxo das vagas moscovitas a embater, crispadas, contra esta muralha da China, que Chu En-Lai andou a levantar, África fora.
Ai do Ocidente, ai de nós, se não soubermos explorar esta rivalidade, que o futuro, dia a dia, mais há-de carregar de tons escuros, interpondo-se entre eles, para varrer de miasmas o espírito sugestionável dos Africanos, reconhecendo, enfim, a altíssima sabedoria daquela eloquente palavra do Sr. Presidente do Conselho, quando, em 1961, na altura em que estalara o morticínio de Angola, afirmou que o abandono da África pelo Ocidente era um crime contra o próprio Africano.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Nós ficámos. Os últimos. Sem arredar pé. De cara descoberta sob o aguaceiro. Sós. Caluniados. Batidos por todos, até pelos amigos e irmãos...
Fomos a verdade erguida, teimosamente, ante a mentira. Sem dar-nos, ainda, razão de palavras, os espíritos começam a abrir-se aos caminhos que teimámos em manter abertos à luz, para que os outros pudessem ver depois.

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O Congo ex-belga já não tolera Russos nem Chineses. Talvez não venha longe a hora em que Holden Roberto e Mário de Andrade, só esperançados em vencer-nos com o dinheiro e as armas que recebessem de Moscovo, de Praga e .de Pequim, acabem por ser escorraçados, também, pelo perigo que a sua aliança com o comunismo internacional representa para a segurança interna dos Estados que infantilmente os acolheram, para se lançarem contra nós.

Do outro lado, com o Tanganhica anarquizado, é outra ilha de utopia virada contra nós que vai pela água abaixo. Talvez acabemos por ser atacados dessa banda. Mas o Mundo saberá, enfim, que combatemos contra o comunismo internacional, em defesa das nossas terras e em defesa da verdadeira África, em defesa do Ocidente, em defesa da verdadeira civilização.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - E é de esperar que. o vento da verdade varra, então, para longe e. para sempre, o nevoeiro persistente de todos os equívocos em que nos têm envolvido.

Os Africanos ainda puros hão-de acabar de ver, chamando novamente os Ocidentais para o seu lado; e, ocupando-se do único inimigo real, que vem de leste (da Rússia, da China e da índia), deixar-nos-ão, para continuarmos a construir império. sombra da cruz, que sempre nos guiou.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: -Mas também no interior se ocultam inimigos irredutíveis que não são menos perigosos. Andam connosco na rua, sentam-se ao nosso lado à mesa do café ou na cadeira, do cinema, vão talvez à mesma escola, trabalham na mesma oficina, na mesma repartição, na mesma fábrica, no comércio, em que nós. servindo lealmente a. Pátria. «a ela- ofertando II alma e o corpo, nos esforçamos por engrandecer Portugal. Quem os não vê? Só os surdos os não ouvem confabular no escuro, à espreita daquela hora, esperada há .anos pelo partido comunista português (em textos bom conhecidos), para nos arrastarem a- todos, do Minho a Timor, na enxurrada marxista. Não. são tropos de retórica deslavada, nem se trata de teimosia, senil de qualquer ideia fixa. Todos sabemos quem são os traidores. Conhecemos-lhes os nomes. Maior é, por isso, o nosso espanto, ante a passividade dos que, afirmando embora- a intenção de preservar a integridade nacional, continuam a. acalentar as víboras no seio.

O incêndio comunista alastrou já do outro lado da fronteira moçambicana; é preciso evitar que se propague para o nosso lado. Para tanto, urge tomar todas as precauções de segurança interna que a gravidade ímpar da hora presente nos impõe. Temos de pôr inteiramente de lado contemporizações comprometedoras, que tantas amargos de boca nos têm trazido. Temos, em suma, de emendar erros perigosos que vêm de longe, e que têm raízes fundas no passado, para que o futuro, talvez bem próximo, nos não colha de surpresa.

Só assim conseguiremos ser dignos dos filhos de Portugal que se batem, heroicamente, em Angola e na Guiné, para que a bandeira das quinas continue a flutuar, pelos séculos fora. sob o céu azul daqueles vastos territórios, que queremos transmitir, íntegros, aos nossos vindouros.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Agostinho Cardoso: - Sr. Presidente: o arquipélago da Madeira é das regiões do País onde mais se sentiu nos últimos 30 anos o sopro renovador da Revolução Nacional.

Foram resolvidos já nas linhas gerais os seus problemas de base, ou seja as estradas, a electrificação, a hidráulica agrícola, o porto e o aeroporto, embora haja neles aspectos e pormenores a completar.

Na sequência destes, a complexidade da sua economia e a sua pletora populacional cedo postularam outros problemas vitais, que os Madeirenses, através da sua imprensa, das suas elites, das suas autoridades e dos seus representantes na Assembleia Nacional, têm sobejamente exposto e fundamentado, em suas razões, junto do Governo.

Louvado Deus, que muitos deles estão a caminho, isto é, equacionados ou em via de realização.

Acerca de outros ainda, como a planificação da sua economia ou a estruturação do seu turismo, vai-se criando um clima de consciencialização, que é sempre primeira etapa no trajecto das soluções.

Mas na batalha contra o tempo em que o Mundo se empenha, tenho de dizer sinceramente que qualquer atraso, lentidão, arrastada discrepância entre repartições, ou longo meditar isolado de qualquer delas, podem comprometer as soluções e a sua hora própria, atingindo seriamente o futuro da Madeira e retardando o progresso que ambiciona e a que tem jus.

Ainda há poucos dias o ilustre Deputado Dr. Alberto de Araújo descreveu, com objectividade, o que representou a interrupção das ligações aéreas por mais de uma semana, para as centenas de nacionais e estrangeiros que haviam ido à Madeira passar o Natal ou as festas do fim do ano e viram seu regresso ao aeródromo do Porto Santo bloqueado pela agitação do mar.

Este facto, que teve larga repercussão na- imprensa de Lisboa, permitiu ao referido Deputado lamentar o atraso na conclusão do aeródromo da ilha- da Madeira e reivindicar mais uma vez a urgência em construir-se o já prometido porto de abrigo no Porto Santo, ilha que cada vez mais ganha importância, dada a posição geográfica do seu aeroporto.

Serve-me esta. citação para concluir que II concepção integral do «aeroporto do Funchal» corresponde ao conjunto da pista da Madeira + a pista - do Porto Santo + o porto de abrigo nesta ilha + o navio Cedros, que efectua em óptimas condições a ligação marítima entre as duas pistas.

Só neste condicionalismo ele pode considerar-se concluído e pronto a funcionar, com a regularidade indispensável ao turismo. Por seu lado, o turismo de uma ilha. não se concebendo sem ligações aéreas e marítimas - regulares, também não o pode, ou fá-lo-á com riscos, sem um rápido impulso à, sua capacidade hoteleira, e sem uma estruturação de conjunto que conduza ao planeamento regional.

Espero referir-me a este ponto noutra oportunidade.

Entre os assuntos estagnados cite-se o problema sacarino, o da instalação de um posto regional da Emissora Nacional, o da delinquência infantil, o da assistência psiquiátrica a menores anormais, a protecção ao viticultor entregue à lei da- oferta, o alargamento do quadro da Polícia de Segurança Pública, a protecção ao funcionalismo em face do aumento do custo de vida e um conjunto de medidas que permitam enfrentar as graves dificuldades que se desenham para a cultura, comércio e exportação da banana, ensombrando o seu futuro.

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Com efeito, a banana figura em terceiro lugar e com mais de 100 000 contos nos valores anuais da exportação madeirense.
Corre ela já há algum tempo sérios riscos, em face da concorrência da banana ultramarina, em vão denunciados repetidamente aos competentes departamentos do Estado, mediante estudos minuciosos apresentados pelos organismos locais.
Isto leva-me a alertar o Governo no sentido de se reduzirem os encargos e melhorar os sistemas de transporte, comercialização e distribuição da banana da Madeira exportada para o continente, em ordem a disciplinar e aperfeiçoar o conjunto de operações que vai desde o produtor até à venda a retalho, que continua a fazer-se, contra os nossos protestos, não ao quilo, mas à dúzia, estranha medida ponderai tão variável e susceptível de especulação.

Não desejo fatigar a atenção de V. Ex.ª, Sr. Presidente, nem dos Srs. Deputados, argumentado com pormenorizados elementos de natureza técnica, extenuantemente estudados, programados e expostos superiormente pelo Grémio dos Exportadores de Frutas da Madeira com o apoio do seu delegado do Governo e dos organismos de lavoura.

Resumem-se em poucas palavras as medidas sugeridas para decisão superior:

1.º Construção no porto de Lisboa de um armazém de recepção, que recolha, regule a maturação e permita uma distribuição, metódica e regular da banana da Madeira pelas diversas terras do País;

2.º Esse armazém permitiria melhor fiscalização da qualidade, economia pela possibilidade do transporte marítimo a granel com supressão da actual embalagem, economia ainda de mão-de-obra, carga e descarga, e redução de quebras actualmente provocadas pela maturação demasiado rápida dos cachos sobre os cais;

3.º Disciplina e definição de responsabilidades comerciais dos exportadores e importadores, respectivamente através do Grémio dos Exportadores de Frutas e da Junta Nacional das Frutas, com desaparecimento ou limitação de actuais intermediários ;

4 º O regresso à venda ao quilo, e não à dúzia, como agora se faz.

Este conjunto de medidas que genericamente indico conduzirá à melhoria na qualidade, maior regularidade e uniformidade de preços, com benefício para o importador continental e o público consumidor, melhor expansão ao longo das cidades e vilas da província no conveniente grau de maturação.

E, sobretudo, atenuar-se-ia certamente a diferença impressionante entre o preço de aquisição ao lavrador e o da venda ao público consumidor no mercado continental, mercado há longos anos morigeradamente cultivado e conquistado a pouco e pouco pelo exportador madeirense e o seu Grémio. Assim, a banana da Madeira, embora sujeita a taxas aos organismos corporativos locais que não oneram a sua congénere ultramarina, e liberta progressivamente de certas taxas assistenciais, poderia melhor concorrer no mercado, a bem do consumidor. A falta deste armazém é a principal responsável pelo que se lê nestas frases de um judicioso e recente artigo publicado no Jornal da Madeira:

Basta lembrar que todos anos cerca de 15 por cento das bananas exportadas da Madeira se inutilizam completamente ou ficam com apresentação que não recomenda o seu lançamento no mercado. Computada

a exportação anual em 23 557 t, isso significa 3532 t de fruta perdida, que, vendida ao consumidor ao preço médio de 7$50 por quilograma, eleva os prejuízos para 26 651 contos.

Há um quarto de século que os exportadores madeirenses se batem pela construção do armazém «madureiro». As recusas, vicissitudes ou demoras conduziram à situação actual: «condições excessivamente onerosas e absolutamente incompatíveis à economia da exploração exigidas pela Administração-Geral do Porto de Lisboa para a cedência no terreno já escolhido na área do mesmo porto».
Daqui apelo para esse organismo no sentido de uma colaboração meritória que reduza os encargos perante uma medida de que resultariam incontestáveis benefícios para a economia da Nação, porque interessa não apenas à Madeira, mas a todos os exportadores e importadores de fruta e a centenas de milhares de consumidores continentais.

Sr. Presidente: o recente aumento de fretes marítimos na carreira das ilhas causou apreensões na população madeirense, preocupada com tudo o que possa, muito ou pouco, contribuir para o aumento de custo de vida, já elevado e cuja prospecção e observação estatística interessava organizar.

O Sr. Sousa Meneses: - V. Ex.ª dá-me licença que acrescente: na população madeirense e na população açoriana também?

O Orador: - Muito obrigado a V. Ex.ª

Esse agravamento, que se receia como contrapartida do seu desenvolvimento turístico, terá reflexos sobretudo sobre o funcionalismo e os que trabalham por conta de outrem.

Não ignoro o melindre deste assunto, após a longa audiência em que o Sr. Ministro da Marinha amavelmente ouviu os reparos que lhe apresentaram os Deputados da Madeira e que directa e prontamente conduziram à nota oficiosa da Junta Nacional da Marinha Mercante, publicada nos jornais do Funchal. Impõe-me a consciência, todavia, um pequeno apontamento a este respeito, a cuja responsabilidade não quero fugir.

Aceitamos que a situação económica da Empresa Insulana de Navegação e a sua administração sem reparos, verificadas a seu pedido por um perito idóneo, independente e oficialmente designado, obrigava à cobertura de um déficit que aumentara a partir da entrada em carreira do Funchal, sem dúvida o melhor navio do seu tipo e no qual a admirável organização dos seus serviços internos corre parelhas com a amabilidade do seu pessoal.
Aceitamos ainda que o agravamento crescente desse déficit conduzisse ao risco de admitir-se a hipótese da retirada desse navio, hoje indispensável à carreira marítima da Madeira e ao seu turismo.
Não falemos hoje do atraso na construção do Funchal, cuja hora própria se havia situado há muito na história da Insulana.
Não discutamos também se outra concepção do Funchal, previamente ouvida a experiência local, teria conduzido a um tipo de navio também confortável e rápido, mas mais utilitário e económico na manutenção.
O que se lamenta é que esse aumento de tarifas não pudesse ter sido enquadrado num estudo de conjunto com outros factores que pesam sobre a importação e a exportação, como sejam as despesas portuárias, o despacho alfandegário e as variadas taxas cobradas por intermédio da Alfândega do Funchal em benefício dos corpos administrativos e outras instituições locais.

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Preconizei na minha intervenção de 12 de Março de 1962 a revisão desta «barreira alfandegária» que pesa sobre o custo dos produtos importados no sentido de uma melhor distribuição dessas taxas, favorecendo certos géneros de primeira necessidade. Assim, o vinho de pasto, importado do continente em larga escala, goza de excepcional proteccionismo alfandegário, já que o estatuto das ilhas, no § 2.º do artigo 106.º, limita a $30 o imposto máximo aplicável localmente. Também acentuei algumas medidas que. travando a intervenção de intermediários, reduziriam â diferença de preços entre Lisboa e Funchal na vencia ao público de certos produtos, como o azeite, o cimento e o bacalhau.
Até efectuar-se esse estudo, um subsídio provisório do Estado, por período bem delimitado, que as características da carreira justificariam, o que não pôde ser obtido, atenuariam o déficit a que me venho referindo.
A nova tabela de tarifas onera em mais 20,7 por cento a exportação de bananas em relação ao antigo frete, o que corresponde a novos encargos anuais não inferiores a 2000 contos, se incluirmos a importação do material de embalagem. São mais 2000 contos que a lavoura tem de pagar.
Impõe-se assim uma revisão da nova tabela de fretes que pelo menos conclua por modificar a distribuição. Que a sua aplicação não é indiferente à economia da Madeira conclui-se da declaração do representante do Ministério da Economia na Junta Nacional da Marinha Mercante, que votou contra o aumento de fretes.
O aspecto melindroso que o problema contém é o de que só apresenta deficit uma das empresas de navegação pela própria natureza dos seus navios e obrigações (o Funchal, navio rápido e de passageiros), enquanto que a medida tomada não podia deixar de ser de natureza genérica.
E eu pergunto se não chegou a hora de pôr novamente a solução há anos preconizada pelo Sr. Almirante Américo Tomás, quando Ministro da Marinha: a concentração de todas as empresas da carreira das ilhas em moldes a estudar.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Espero que da orientação tomada pelo Ministério da Marinha, no sentido de aceitar as sugestões e reparos a este respeito, resulte ser tomada na devida conta a exposição que está a ser elaborada pela Associação Comercial do Funchal e que se obtenha uma redução no frete das bananas exportadas, um dos produtos mais atingidos pela nova tabela.
Não quero terminar estas minhas considerações sem dois agradecimentos. O primeiro ao Sr. Ministro da Economia, pela informação que directamente me enviou de que foram já realizadas as primeiras diligências para a construção de silos para cereais na Madeira. O segundo, ao Sr. Secretário de Estado da Agricultura, quanto ao alargamento da área social das Cooperativas de Lacticínios do Santo da Serra, Ganhas e Santana, pelos benefícios que já se desenham para a agricultura e porque esta medida de certo modo constitui uma indicação de que a legislação existente já foi ultrapassada.

O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!

O Orador: - Ao acabar de reunir este feixe de problemas económicos e humanos do arquipélago que me elegeu e que se processam em vários Ministérios, não esqueço neste momento que a defesa nacional continua a ter todos os direitos de prioridade, que. não lhe regateio nas despesas nacionais.
Mas quero também afirmar a minha confiança no Governo e a certeza de que este segue atentamente e considera os problemas de ordem regional que se ventilem u esta Assembleia.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua o debate sobre o aviso prévio do Sr. Deputado Nunes de Oliveira acerca da educação nacional.

Tem a palavra, a Sr.ª Deputada D. Maria Irene Leite da Costa.

A Sr.ª D. Maria Irene Leite da Costa: - Sr. Presidente: por várias vezes me ocupei, neste lugar, dos problemas da educação do nosso país.

Hoje, novamente, subo à tribuna para analisar alguns desses aspectos, em relação com o aviso prévio sobre educação nacional.
Irei repetir, por certo, considerações feitas anteriormente, referir factos a que aludi noutras ocasiões, apresentar elementos já citados. Todavia, isso não é de estranhar, visto que os problemas mencionados são os mesmos, acrescidos de outros que todos os dias surgem.
Há pouco mais de um ano, quando da discussão do projecto de proposta de lei de autorização das receitas e despesas para 1963, defendi a sugestão apresentada pela Câmara Corporativa de se promover a elaboração de um programa nacional de educação e formação, no qual se devia atender às necessidades da Nação nos aspectos científico, técnico e profissional.
O assunto do planeamento da educação é hoje considerado de primacial importância. Constituiu, ainda não há muito tempo, um dos temas discutidos na XXV Conferência Internacional de Instrução Pública, que teve lugar em Genebra, em 1962, em que foram aprovadas valiosas conclusões.
Foi, por isso, com grande júbilo que ouvi o discurso de S. Ex.ª o Ministro da Educação Nacional, proferido em 7 de Maio de 1968, em que anunciava ter sido criada uma comissão que estava a trabalhar intensamente no projecto do planeamento da educação do nosso país nos aspectos qualitativo e quantitativo.
Pode parecer menos oportuna- qualquer discussão antes da apresentação do plano em estudo. Todavia, nunca é supérfluo o exame dos problemas da educação desde que seja conduzido com fins construtivos e inspirado nos superiores interesses do País.
O que vou dizer não significa crítica: é apenas a apresentação de alguns princípios e a referência a certo número de factos e apontamentos dispersos tirados da experiência de quem desde há muitos anos se tem debruçado sobre os assuntos educativos portugueses.
Sr. Presidente: para resolver os nossos problemas educativos há um factor essencial, que é o financeiro. São precisas verbas enormes e o1 País está em momento, como costuma dizer-se, de austeridade económica.
É certo que se há sector onde a limitação de despesas não devia ser feita é no da educação. Conforme aqui tem sido dito, por mais de uma vez, o nível educativo e cultural está na base de todo o progresso económico, técnico, social e humano.

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As despesas feitas com a educação e o ensino nunca são supérfluas, nunca são de mais.
Não há ninguém, julgo eu, que não esteja ciente desta verdade. Apesar disso, os problemas continuam sem se encontrar solução imediata para eles.
Somos o único país na Europa e dos poucos no Mundo que tom uma escolaridade obrigatória apenas de quatro anos.
Gomo podem realizar-se convenientemente quaisquer planos de fomento se a população não está preparada para colaborai- activamente nesses planos e se, além de outros aspectos, carecemos de técnicos idóneos e numerosos?
Não há dúvida de que, como aqui afirmei, a resolução da maior parte dos problemas de educação deve equacionar-se no Ministério das Finanças. Os planos mais bem estudados encontram a sua resolução em infra-estruturas técnicas e possibilidades económicas.
É lugar-comum o reconhecimento do valor da escolaridade no desenvolvimento dos povos.
Não será, por isso, pedir de mais que a economia e a finança acorram em benefício do sector educativo, facilitando-lhe os créditos destinados ao melhoramento e alargamento da sua acção.
Há apenas que considerar que os investimentos educativos são feitos a longo prazo, o que os torna, para muitos, pouco convincentes.
As considerações que vou fazer incidirão especialmente sobre a educação pré-escolar e primária, que constitui a educação de base para todos os portugueses.
É assunto quê hoje não oferece discussão a vantagem de as crianças frequentarem jardins infantis antes de ingressarem na escola primária. Do ponto de vista educativo, as escolas infantis permitem não só realizar uma preparação preliminar que torna mais proveitosa a escola primária, mas também prever e despistar precocemente muitas inadaptações que, de outro modo, só bastante mais tarde virão a ser descobertas.
Do ponto de vista social, o alcance é ainda maior, visto que hoje a maioria das mães é obrigada a trabalhar fora de casa e não tem a quem entregar os filhos durante o tempo que estão ausentes do lar.
Apesar destas vantagens, a educação infantil no nosso país destina-se quase exclusivamente às crianças das famílias económicamente favorecidas, pois só estas estão em condições de suportar as despesas resultantes de escolas pagas.
Ë certo que existem algumas escolas infantis pertencentes a serviços dependentes do Ministério da Saúde e Assistência. Há-as também pertencentes à iniciativa de algumas empresas. São, todavia, em número muito reduzido.
Pode dizer-se que para a quase totalidade das crianças entre os 4 e os 6 anos a escola que lhes está destinada é a da rua.
Ë claro que o problema não pode ser resolvido de um dia para o outro. Julgo que se deve primeiro solucionar satisfatoriamente o ensino primário e só depois encarar de frente e com o desenvolvimento adequado o ensino infantil.
Isso não significa, no entanto, que não se estude o assunto em todos os seus pormenores, de modo a dispor dos elementos fundamentais quando chegar a ocasião oportuna.

Vozes: -Muito bem!

A Oradora: - A organização da educação pré-escolar ocupou várias sessões da XXIV Conferência Internacional de Instrução Pública, reunida em Genebra em 1961. A recomendação (n.º 58) aprovada pela referida Conferência constitui um .corpo de doutrina notável, em que são focados os aspectos principais da educação pré-escolar.

A frequência de um centro de educação pré-escolar representa, para a criança, a transição entre a vida de família e a vida escolar. Como disse antes, esta frequência permite a despistagem precoce das perturbações do desenvolvimento físico ou mental da criança, cujo tratamento será assim facilitado.
Além da finalidade essencialmente educativa, as escolas infantis têm, como disse, importante papel social, exigindo a colaboração estreita das autoridades escolares, dos serviços médico-sociais e dos pais.
É igualmente imprescindível a colaboração das grandes empresas, às quais devia competir a criação de escolas infantis, destinadas .aos filhos dos seus operários.
A frequência destas escolas deve ser facultativa e gratuita quando dependentes das autoridades governamentais, dos organismos corporativos ou das grandes empresas industriais.

Vozes: -Muito bem!

A Oradora: - Organizar escolas desta natureza não é tarefa simples. A educação das crianças de idade pré-escolar apresenta problemas psicológicos e pedagógicos particulares e, por isso, o pessoal destinado às escolas infantis deverá não só possuir qualidades adequadas, mas dispor, ao mesmo, tempo, de sólida formação psicopedagógica.

Vozes: -Muito bem!

A Oradora: - Este é um dos aspectos que terão de ser considerados com antecipação e atenção quando se quiser instituir a educação pré-escolar.
De facto, esta educação recorre a métodos baseados no conhecimento da psicologia da criança e da pedagogia. São métodos que assentam na acção (como o jogo), nas actividades sensoriais motoras e manuais, nos meios de expressão espontâneos, procurando despertar a personalidade da criança e fortalecer-lhe o equilíbrio afectivo e mental. Contribui ainda para a educação dos sentimentos e o desenvolvimento do sentido social.
Não pode deixar de referir-se, além disso, a função da educação pré-escolar na protecção da saúde da criança e na aquisição de hábitos de higiene por parte daquela.
Deste modo, a generalização do ensino pré-escolar no nosso país impõe-se como medida de largo alcance, destinada a. assegurar às crianças portuguesas, desde as primeiras idades, uma educação que contribua eficazmente para o seu desenvolvimento, total, físico, intelectual, moral e social.

Vozes: -Muito bem!

A Oradora: - O problema de base, que precisa de solução que não pode ser adiada por mais tempo, é o da escola primária. Por ela passam todos os portugueses, a maioria unicamente por ela
De facto, só uma pequena parte da população escolar do nosso país prossegue para o ensino de nível mais elevado, ficando a outra - que é a grande maioria- - apenas com a preparação que dá o ensino primário de quatro classes, ministrado em muitos casos por regentes escolares, destituídos de preparação pedagógica e didáctica.
Urge, por isso, remodelar o nosso ensino primário, estabelecido uma escolaridade de seis anos e pensando desde

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já em prolongá-la para oito anos, como acaba de fazer a vizinha Espanha.
Seremos, sem dúvida, retardatários na resolução do ensino nestes moldes.
Tal como está, a preparação de base adquirida pelas crianças é insuficiente e mal assimilada. Nem a duração do período escolar, nem a idade dos alunos permitem que estes adquiram conhecimentos sólidos, claros e duradouros, necessários para a participação consciente e activa na vida da comunidade.
Para instituir a escolaridade de seis anos haverá muitas dificuldades a vencer, mas quanto mais tarde o fizermos maior será o nosso atraso, e os prejuízos para a Nação serão, a partir de certo momento, insanáveis.
Evidentemente que tal programa virá onerar o erário público, além da natural dificuldade de preparar os professores em número e qualidade para assegurar o ensino.
Isso implica a remodelação e reorganização das actuais escolas normais e a revisão das condições económicas de todo o professorado, devendo considerar-se particularmente a situação dos agregados.
O curriculum escolar nesses estabelecimentos de ensino precisa de ser actualizado ou mesmo estabelecido nos moldes que os modernos progressos pedagógicos aconselham.
Pelo que respeita aos regentes escolares, não posso deixar de analisar alguns aspectos.
Segundo as determinações legais, cada grupo de 35 crianças será ensinado por um professor diplomado. Mas, se em vez de 35 houver apenas 34, estas não terão direito a ser ensinadas por um professor nestas condições. O ensino será ministrado por um regente escolar, É uma disposição puramente arbitrária e que não obedece a nenhum critério pedagógico.
Trata-se apenas de uma questão de administração, conforme me foi respondido uma vez quando indaguei da razão de tal procedimento.
A educação de base nas nossas crianças, a única obrigatória para todos os portugueses, não pode ser considerada deste modo. Compreende-se a acção do regente das localidades em que exista apenas um pequeno número de crianças, impossibilitadas pela distância ou pelo isolamento de frequentar a escola.
Podia ainda encontrar-se justificação para tal procedimento quando não havia professores em número suficiente. Hoje, porém, há professores diplomados que não têm colocação. Todavia, existem ainda 5000 regentes em actividade.
Mas mais grave do que isto é o facto de, em virtude de auferirem exíguos ordenados, os regentes escolares não quererem, por vezes, deslocar-se dos lugares onde habitam e haver povoações para as quais, por a frequência escolar ser inferior a 35 crianças, não é possível nomear um professor. Levantam-se, assim, à Administração problemas de difícil solução.
Ao abordar este assunto quero declarar que nada me move contra estes humildes agentes do .ensino. Desconheço que prestaram e prestam grande ajuda no desenvolvimento da- instrução elementar no nosso país. Para eles advoguei aqui, noutra ocasião, a possibilidade de acesso ao lugar de professor, desde que demonstrassem as qualidades e os conhecimentos indispensáveis.
Mas da mesma maneira que defendi a necessidade de encontrar solução justa para situações criadas, não creio que, sem grave prejuízo para o País, possam manter-se regentes escolares, cuja preparação é apenas a 4.º classe, a desempenhar as funções que competem a professores diplomados.
Se se criaram situações pessoais dignas de atenção, cabe ao Estado a responsabilidade de as resolver, mas sem ser à custa da instrução e da educação dos seus filhos, que são a maior riqueza da Nação. Se verdadeiramente desejamos elevar o nível cultural e educativo do povo português, teremos de resolver com coragem situações como estas.
A necessidade imperiosa de melhorar o nível do nosso ensino primário reveste outros aspectos. Não se podem negar antes, pelo contrário, são de enaltecer- os esforços realizados pelo Ministério da Educação Nacional nos últimos anos para elevar a qualidade do ensino.
A recente actualização dos programas representa contribuição importante. Todavia, se os programas dão de maneira geral plena satisfação, o mesmo não pode dizer-se da maneira como são postos em execução. Mas aí falece-nos a coragem para criticar.
Como será possível com um corpo de apenas 18 inspectores orientar convenientemente o ensino ministrado por cerca de 20 000 professores a uma população escolar de 1 milhão de alunos?
Deve acrescentar-se, além disso, que estes 18 inspectores estão a maior parte do tempo ocupados com questões disciplinares;, muitas delas provocadas pelas circunstâncias de abandono em que os professores se encontram.
Ampliar largamente o corpo de inspectores orientadores é uma medida que se impõe.
Um aspecto do nosso ensino a que desejo aludir é o que diz respeito aos primeiros exames prestados pelas crianças. E digo dos primeiros exames, pois que as crianças que se destinam ao liceu, às escolas técnicas ou ao Colégio Militar são sujeitas a três, quando não a quatro, exames. São exames de mais.
Todos os técnicos da psicopedagogia sabem que na fase da evolução da mentalidade da criança correspondente aos 10 e 11 anos ela não deveria ser submetida a qualquer exame. Mas se é necessário avaliar o seu grau de conhecimentos, por que razão se não estabelece um exame único, cuja aprovação sirva para a admissão ao ensino secundário?
Outro aspecto que tem de ser encarado de frente é o das crianças com dificuldades de aprendizagem e de educação.
Em virtude da obrigatoriedade escolar, os problemas criados pela presença de diminuídos e inadaptados são cada vez mais graves, pois cada ano que chega o contingente de crianças naquelas condições que se apresenta na escola é mais elevado.
Crianças ambliopes, surdas, duras de ouvido, aleijadas, atrasadas mentais, alteradas de carácter, perturbadas motoras, epilépticas, etc., encontram-se nas escolas regulares, com grave prejuízo para o ensino das crianças normais e sem qualquer ganho para elas próprias, pois, incapazes de aproveitar do ensino regular, apenas contribuirão para aumentar o índice de repetência.
Para as crianças nesta situação - cujo número está calculado à escala internacional entre 10 e 15 por cento do total das crianças em idade escolar - há necessidade de criar classes especiais e utilizar métodos próprios de acordo com as possibilidades de cada um dos alunos.

No nosso país as primeiras classes especiais foram criadas em 1947.

Actualmente dispomos do 72 classes especiais funcionando nas escolas primárias, junto das classes normais, distribuídas da seguinte maneira: 45 em Lisboa, 14 no Porto, 1 em Beire, 2 em Coimbra, 2 em Viseu, 6 no Funchal e 2 em Ponta Delgada.

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Quer dizer: das 100 000 crianças que se calcula necessitarem de educação especial apenas cerca da centésima parte a recebe, visto que cada classe especial não comporta mais de 15 crianças.
A simples análise destes números mostra que é imperioso estender a organização das classes especiais aos outros centros populacionais, de modo a dar a todas as crianças a escola de que necessitam.
Entre os problemas do ensino este é sem dúvida dos mais prementes que o Ministério da Educação Nacional terá de resolver.
Desejo acentuar, todavia, que neste domínio dispomos de 15 anos de experiência dentro de normas baseadas nos mais modernos princípios psicopedagógicos.
É somente necessário que o ensino especial possa generalizar-se II todo o País.
Isso acarretara grande despesa, mas que se traduzirá em economia pelo alcance suciai de que se reveste.
São precisos, sobretudo, professores especializados, pois o ensino destas crianças só pode ser confiado a pessoas devidamente habilitadas.
O Instituto de Costa Ferreira, a quem está confiada a orientação técnica das classes especiais e a selecção das crianças para as mesmas, tem sido o centro de preparação de professores- do ensino especial.
Todos os anos ali afluem novos candidatos, jovens professores primários desejosos de aprenderem as técnicas de observação e os métodos de ensino das crianças inadaptadas.
O número de professores especializados é ainda pequeno (152), mas o Instituto está em condições não só de alargar a sua acção neste domínio, mas também de prestar toda a colaboração no campo da psicopedagogia.
Concomitantemente com as medidas escolares apontadas, há que desenvolver uma campanha de higiene mental infantil e de tomar medidas convenientes de protecção da criança em todos os aspectos.
Ao encarar os problemas de educação, é pela família que devemos começar. E aí que a criança nasce e é da família que recebe as primeiras impressões, as primeiras influências, que a hão-de acompanhar durante a vida inteira.
A acção do meio familiar, a do ambiente que rodeia a criança, influi largamente na formação da personalidade desta. Dada a multiplicidade de aspectos que a vida de hoje apresenta, a influência da atitude e do comportamento dos pais em relação aos filhos assume papel da mais alta importância.
Os problemas da educação não afectam deste modo apenas o Ministério da Educação Nacional, mas abrangem todos os outros Ministérios, em especial o da Saúde e Assistência, o da Justiça, o das Corporações e Previdência Social e o do Ultramar, sem esquecer o das Finanças.
A exemplo de outros países, deveria organizar-se um departamento da criança destinado a coordenar todos os assuntos referentes a ela.
E um facto bem averiguado que são as crianças abandonadas que maior contingente fornecem de inadaptados. Se muitas são vítimas da insuficiência económica dos pais, outras sofrem as consequências da desorganização da família ou mesmo da abundância dos meios de fortuna, que conduz a exageros p vícios tão perniciosos ou mais do que a miséria.
Dar à família as condições de estabilidade, de bem-estar e de justiça social tem de ser a primeira preocupação dos governantes.
No sentido de resolver um dos mais graves aspectos sociais do nosso tempo, é necessário encarar a sério a revisão da lei que se ocupa dos filhos ilegítimos - donde provém contingente importante de inadaptados, responsabilizando de modo efectivo os pais e obrigando-os a prestar àqueles o auxílio a que têm direito, pelo menos moralmente.
Sobre este problema se levantou a voz autorizada do apóstolo dás crianças, que foi o padre Américo, chamando para ele a atenção dos governantes e pedindo justiça para as vítimas inocentes, muitas das quais recolheu o acarinhou.
Torna-se imprescindível criar e desenvolver uma política de ensino, seguindo um plano cuidadosamente elaborado e estudado em todos os pormenores e ligações, com outros sectores da vida social.
lista Assembleia, não pode, por isso. deixar de dar inteiro aplauso i> total apoio à decisão de S. Ex.ª o Ministro Prof. Galvão Teles ao tomar a iniciativa do planeamento da acção educativa nos aspectos qualificativo e quantitativo.
Trata-se de uma medida de largo alcance, que deverá conduzir à elaboração do Estatuto Nacional da Educação.
Este passará a ser a linha mestra da organização do nosso sistema educativo, tão afectado por múltiplas reformas parcelares desligadas do conjunto.
De facto, só um plano cuidadosamente estruturado permitirá, por um lado, a adaptação da educação às exigências cada vez maiores dos tempos presentes e, por outro lado, o aproveitamento integral dos recursos económicos e humanos postos à sua disposição.
Não basta, todavia, a existência de planos. É necesário modificar, além disso, certos conceitos de ordem financeira, que até agora não têm permitido dar ao sector da educação a amplitude conveniente, na certeza de que. numa hierarquização de valores, a resolução dos problemas educativos sobreleva todos os outros.

Tenho dito.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

A oradora foi muito cumprimentada.

O Sr. Sales Loureiro: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: o aviso prévio que agora se traz a esta Assembleia visa, fintes do mais, chamar a atenção do Governo e da Nação para problemas instantes e da maior transcendência que respeitam ao todo nacional sem excepção e de que procede toda a valorização material e espiritual do País. Esses problemas são os da educação.
Longe de pormenorizar a articulação das diversas soluções, que nunca esteve nos seus propósitos, o presente aviso prévio opta de preferência pela apresentação de um esquema de ideias gerais sobre determinados problemas que considera de maior premência ou relevância, realçando somente, à guisa de apontamento, uma ou várias das soluções sobre que se poderá debruçar a atenção do legislador.
Desde logo também se toma como axiomática a afirmação de que não pode haver planeamento seguro sem o indispensável suporte financeiro, com o qual entra em íntima correlação.
E seria pouco esclarecida a atitude de exigir do Governo, com menosprezo das dificuldades com que presentemente se debate, uma reforma imediata das actuais estruturas educativas, já que o valor mais alto e que agora mais importa defender é o da existência da Nação.
Isso o entende a nossa gente, o nosso povo glorioso, que, com plena noção dos seus deveres cívicos e patrióticos,

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luta com rara coragem, trabalha com ímpar denodo, reza e realiza com invulgar fé para que se «cumpra» Portugal!
Nesta conformidade, o planeamento deverá ter em conta as realidades com que depara; haverá que ser realizado por fases, considerando os aspectos da prioridade na sua aplicação, e terá de abarcar o todo humano do País. entendido no território continental e ultramarino, salvaguardando-se ainda, em todo ele, a particularidade das características locais.

Vozes: -Muito bem!

O Orador:- Por outro lado, as nossas instituições de cultura e de ensino, as perspectivas educacionais por que nos regemos, estão de há muito ultrapassadas, razão por que as suas estruturas têm de erguer-se em novos moldes, pelo que haverá de partir-se de um planeamento de fundo que reme contra escusados preconceitos ou estreitas limitações.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esta. M grande aspiração que a Nação vem afirmando e que esta Câmara -voz das suas esperanças!- plenamente legitima.
O problema, da educação, pelas inerências que comporta, pelos objectivos que visa e pelo vasto mundo que abarca, é o problema primeiro que se impõe a toda uma política de qualquer Estado em paz.
E mesmo em luta, ao Estado compete velar por que se realize uma política de educação, para que, por seu intermédio, se solidifique o agregado nacional, evitando se perca, com os valores espirituais e morais, a própria consciência nacional.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Esta, na guerra ainda mais do que na paz, necessita de ser firme, robusta, para que, pela inserção de ideias deletérias, não se subverta aquele património sagrado, que, vindo em trânsito das gerações, constitui o capital mais precioso de que se orgulha toda a obra educativa.

Vozes: -Muito bem!

O Orador:-Há reservas nacionais que não podem perder-se; é mister que todos nós esclarecidamente as saibamos defender.
A educação não é apenas um acto de ministrar ensinamentos ou conhecimentos, é, mais do que isso, a afirmação de uma atitude a respeito dos problemas da existência e da vida.
Por outro lado, Portugal, embora país transcontinental, não pode virar as costas à Europa, onde se processa um planeamento educativo que, visando uma promoção económica e social -contraposta à da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e dos Estados Unidos da América, teremos fatalmente de acompanhar.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Certo é a educação ter de seguir a evolução social, económica e demográfica de qualquer país. Deste modo, em face das realidades sociais, económicas e demográficas actuais, os nossos sistemas educativos em variados aspectos apresentam-se artificiais e anacrónicos.

O crescimento económico c a valorização de uma nação dependem do nível cultural, científico, cívico e moral, que são realizações do ambiente educativo que a« proporciona.
Assim, não se concebe a apresentação e o desenvolvimento de três planos de fomento sem vê-los precedidos por um plano de fomento cultural, ou, em termos mais vastos, um planeamento de acção educativa que proporcione em termos de qualidade e quantidade as reservas humanas indispensáveis à concretização dos seus propósitos e objectivos.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - Significando educação um modo de desenvolver as diversas faculdades do homem, tornando-o num ser eminentemente progressivo, socialmente valorizado, é de todo evidente que ela seja a preocupação primeira de qualquer Estado. Por isso constituiu desde sempre um fenómeno humano, aspiração ardente e comum a todas as sociedades organizadas.
Não sofre, entretanto, o conceito de educação, da antiguidade até aos nossos dias, grandes ou profundas alterações.
Para Platão ela visa a «dar ao corpo e a alma toda a beleza e perfeição de que são susceptíveis».
Quanto a Cícero, procura «instruir a juventude e formar filmas virtuosas».
Em Erasmo o seu fim é «formar a juventude para as letras e para as virtudes»; já para Locke é «fazer homens virtuosos, úteis à sociedade e hábeis na sua profissão», enquanto para Kant é «desenvolver profissional e regularmente todas as disposições do ser humano».
Spencer define-a como uma «preparação para a vida completa». Para Max Scheller a educação é já «a estruturação pessoal do ser dirigida no sentido de determinados valores».
Sr. Presidente: a análise dos diversos conceitos de educação revela que os mesmos se apoiam nos múltiplos sistemas filosóficos de cada época.
De igual modo, analisando os vários conceitos que as modernas correntes pedagógicas nos oferecem, inculca-se que os mesmos se suportam nos múltiplos sistemas filosóficos da actualidade: naturalismo, idealismo e pragmatismo, em oposição ao espiritualismo cristão, que, embora não sendo propriamente um sistema filosófico, representa uma concepção profunda, totalista do homem, do Universo e da vida, o que não acontece com os três primeiros, pois partem de concepções unilaterais da vida, da natureza e mesmo do Universo.
Por outro lado, nas relações do homem com a sociedade e a cultura surgem as correntes individualista, socialista e culturalista da educação, que, considerando como valore* absolutos o indivíduo, a sociedade ou classe e a cultura, fragmentam a realidade, destacando apenas um dos seus aspectos pela parcialidade dos pressupostos de que partem.
Nesta conformidade, surge o personalismo cristão, cujas premissas foram postas e tão esclarecidamente desenvolvidas por Maritain e Berdiaeff, e que considera no todo humano o indivíduo ou homem natural e a pessoa ou homem espiritual. O primeiro subordinado ao inexorável das leis biológicas, acidente submetido à sociedade; o segundo, livre do jogo do determinismo biológico, de sua essência eterna, e por tal transcendente à própria sociedade.
Destarte fácil é de concluir o sentido totalista, global, das concepções cristãs, cuja pedagogia abarca a um tempo, numa síntese feliz, o conjunto de valores das várias correntes, entrando em conta com a natureza, a sociedade, a cultura, a família, a escola, a Igreja e o Estado, bem

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como a livre determinação do indivíduo no objecto próprio da educação.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Assim, esta, segundo Montavani, visa «à formação do homem sómente realizável dentro do mundo humano», o que se acorda com a afirmação de Foerster, contrabatendo o conceito da socialização do educando:
Eles cometem o erro de esquecer que as necessidades de uma determinada sociedade não podem servir de norma suprema para a pedagogia moral; a educação do homem é norteada por ideais que, melhor do que todas as necessidades ondulantes de uma época, modelam o carácter, esta grande reserva da vida do indivíduo, este cimento profundo de toda a sociedade.
Mas imanente a toda a educação deve estar presente o seu carácter nacional e patriótico, pois o amor da Pátria, a sua dignificação e engrandecimento, não embarga nem ofusca o teor universal da educação, antes o enriquece e alarga.
E o verdadeiro nacionalismo, o nacionalismo largo, é aquele que dá algo ao Universo como dele recebe o que necessita para a sua formação e valorização.
Desta forma, a nossa pedagogia deve integrar-se por razões naturais, éticas e de tradição, por todas as razões humanas e espirituais sob que se moldou a nossa face histórica, no chamado nacionalismo cristão.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Tudo o que atrás dissemos se. ajusta às palavras do Prof. Leite Pinto quando assevera:

A educação tem por fim integrar os jovens na cultura dos seus maiores.

E do mesmo modo:
Os valores tradicionais hão-de necessariamente informar qualquer sistema educativo português. Sem nos esquecermos, porém, de que na raiz do lusitanismo sempre correu a seiva de um espírito universalista.

Mas a nossa- cultura, para ser coerente com os valores axiológicos que a informam, há-de ater-se à tradição nacional e à que lhe advém do fundo espiritual das normas clássicas, ambas elementos jungidos numa osmose perfeita à essência imperecível do universalismo que- o humanismo cristão enuncia e postula.
Não pode. pois, a nossa educação alhear-se do zelo que a nossa história e cultura lhe impõem de manter-se firme aos ,princípios da lusitanidade e do Ocidente -cada vez mais pequeno! -, que formam e informam o modo de ser, de pensar e de agir da grei portuguesa desde que ela rasgou o desconhecido nessa razão mais forte que nós próprios: dever de fé - imperativo de Nação!
Srs. Deputados: em todos os Estados civilizados se levanta hoje mais do que nunca a necessidade de uma revisão dos problemas educativos, tendo em vista a necessidade que há de encontrar o devido equilíbrio entre um mundo técnico, numa evolução vertiginosa, e um mundo espiritual, que. enfeudando-se demasiado à técnica, se arrisca a perder, por uma confusão de valores, o património de uma civilização.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: -A técnica, como subsidiária do espírito, é, como já ouvimos, subordinada, e não subordinante.
Por outro lado, a Humanidade, a sofrer na sua estruturação psíquica as consequências de uma grande guerra, com o seu longo cortejo de miséria, luto e dor, fez surgir conceitos e normas de vida que são produtos de mentalidade exacerbada, doentia, pouco reflectida, e que exprimem, antes de mais, uma ânsia ilimitada de viver, usufruindo ao máximo os recursos que, em suficiência e comodidade, lhe oferece o progresso técnico. Isso vem acontecendo, com rara singularidade, quer nas chamados Estados capitalistas, quer mesmo naqueles outros de índole socialista, como a Rússia.
É necessária, absolutamente necessária, uma filosofia da educação para se encontrarem os princípios universalmente válidos sobre que se há-de arquitectar uma pedagogia que, embora ampla e maleável, se requer inamovível na escolha das vias que hão-de levar aos seus objectivos.
Porém, importa, antes de tudo, saber se o conceito de educação tem estado adequado às tendências filosóficas e políticas da nossa época. Isto é: terá havido uma filosofia de educação nacional a que se subordinem as diversas legislações no campo educativo, ou tudo se terá passado como se se houvessem subordinado a diversas filosofias, algumas delas antagónicas?
Temos mesmo ouvido conceitos de educação em boca de responsáveis que estão longe de se socorrer das fontes mais puras de que há-de partir o conceito nacional de educação! ...
Nunca, como hoje, foi tão indispensável uma tal filosofia, pois sem orientação filosófica definida não poderá existir uma acção educativa válida no espaço e no tempo.
Toda a pedagogia parte, pois, de pressupostos filosóficos que são o fundamento em que se estrutura a sua validade.
E dado que pertencemos a um mundo que se alicerça nos valores sob que se enquadra a organização de uma sociedade secularmente cristã, torna-se de todo evidente que uma educação só poderá manter-se na medida em que permaneça arrimada às tradições espirituais sobre que se modelou espiritualmente essa mesma sociedade.
Como muito esclarecidamente anotou o distinto Ministro da Educação Nacional, Prof. Doutor Galvão Teles, «convirá manter do passado tudo o que for de respeitar e introduzir aquelas emendas progressivas que exigirem as circunstâncias do presente e as tendências do porvir».
Mas, para além desse tópico, outro há que havemos de considerar como tipicamente nacional - o que directamente conduz à visão integracionista de etnias diferentes, de modo que por uma educação global se nivelem as particularidades próprias dos diversos compartimentos nacionais, numa autêntica visão universalista do mundo português.
Assim, não só a nota cristã há-de sobrepor-se a toda a obra educativa, como ainda a ela há-de impor-se a de índole lusíada, que surgiu e emergiu desde os primeiros alvores da nacionalidade. Isso se acorda, aliás, com o pensamento do primeiro e melhor pedagogo do País, que, num impoluto e proficiente magistério de três décadas, forneceu à Nação o ideário por que se rege!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: a educação visa a dar ao homem uma formação integral, desenvolvendo a sua personalidade, capacitando-o para a realização dos valores supremos, que dão sentido e dignidade à vida.

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£ para a formação resultar integral há-de ser, a um tempo, física, intelectual, cívica, social, profissional, moral e religiosa.
Mas nela os aspectos moral e religioso têm particular significado, já que se sobrelevam aos demais.

O Sr. António Santos da Cunha: -Muito bem!

O Orador: - Constituem problemas da pedagogia os fins, os métodos e os agentes da educação.
Por outro lado, os meios pedagógicos a partir dos quais se realiza a formação integral do homem são, como é evidente, a instrução, que nos permite conhecer a vida, a educação, que faz adaptar-nos às suas exigências, e a cultura, que nos concede a possibilidade de captar e realizar os seus valores.
Todavia, para Isidro Martin, a instrução é a aquisição de conhecimentos, identificando-se assim com a erudição, enquanto a educação se refere à «aquisição de hábitos pela vontade, à formação da personalidade».
A educação nos nossos dias tem sido um conceito mutilado.
Instrução, talvez! Educação, nem sempre! O aspecto formativo tem sido insistentemente descurado.

Vozes: -Muito bem, muito bem!

O Orador: - A educação é um fenómeno que acompanha a longa existência da vida humana, abrangendo o homem de todas as idades, mas, particularmente, as chamadas gerações do futuro (criança, adolescente e jovem), por constituírem o suporte das pátrias e serem o grau de medida do valor de um povo.
E sobre este sector populacional que os Estados fazem repartir os diversos graus de ensino, e desde já se infere quanto uma nação se enriquece e dignifica se estende os graus mais elevados a espaços e números cada vez mais dilatados do seu agregado populacional.
Isto põe em evidência a imperiosa necessidade do alargamento da escolaridade para a valorização do País, tornando-se obrigatória a estados etários superiores. Deste problema trataremos com o devido relevo mais adiante.
Regressando entretanto à educação, observa-se que no homem, desde os primeiros passos, em que tenteia toda a gama das suas virtualidades psicossomáticas, até ao pleno desenvolvimento da sua personalidade, vai todo o milagre de uma educação, que se exprime nas maiores conquistas com que se galardoam os povos e as civilizações.
Por aqui se vê o interesse que às nações há-de merecer a educação integral da população, já que também os adultos, quando deseducados ou analfabetos, permanecem elementos dissociados, dissolventes do todo nacional, que se requer coeso, integrado, nos fins últimos da- educação.
Esta terá, pois, de ser unitária e abranger no seu aspecto qualitativo e quantitativo sectores humanos cada vez mais amplos, como atrás dissemos.
Daqui o motivo de a acção educativa abranger tanto os indivíduos normais como anormais.
Estes últimos fazem, do mesmo modo, parte integrante do agregado nacional e a sua recuperação é dever indeclinável dos indivíduos, do Estado e da sociedade. E sobre esse aspecto recordamos a acção notável do Instituto de Aurélio da Costa Ferreira, ao qual se deveria conceder mais ampla acção, votando o Estado à recuperação das crianças anormais verbas mais avultadas, de sorte que pelo menos em cada capital dos distritos do continente e do ultramar existisse uma escola deste tipo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O estudo das necessidades neste domínio e os correspondentes meios de acção já nesta Assembleia foram devidamente apresentados por distinta colega, a Deputada D. Irene Leite da Costa, que ao assuntou votou, com a sua esclarecida inteligência, o melhor do seu coração!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Estado, que venceu a batalha do analfabetismo graças ao notabílissimo e sempre exaltado Plano de Educação Popular, da autoria do muito ilustre Deputado Veiga de Macedo, também há-de vencer a da recuperação das crianças anormais, e muito especialmente a ingente empresa do prolongamento e extensão da- escolaridade.

Vozes:-Muito bem, muito bem!

O Orador: - Havendo profundas distinções entre a criança, o adolescente e o adulto, desde logo se apura que os métodos pedagógicos a utilizar terão de possuir uma diferenciação adequada a cada etapa da sua evolução.
Por outro lado, estes métodos têm de permitir a livre iniciativa do educador, a sua actividade criadora, devendo, portanto, ser amplos, flexíveis, enunciando os princípios gerais que o educador adoptará.
O método pedagógico assim entendido tem, pois, de preocupar-se com o desenvolvimento do aluno em todos os planos, de tal sorte que o mesmo se torne elemento válido, operoso no meio social, fortalecendo a sua personalidade nos belos ideais que redimem a Humanidade, salvando-a de um viver incerto, de um viver puramente existencial. Daqui ressalta a suma importância que, na acção pedagógica, está reservada ao educador.
Desta forma, a educação não só tem de dispor de agentes próprios, profissionalmente preparados, como ainda há-de servir-se de outros a quem, por natureza da função que desempenham na sociedade, se qualificam para a missão de educar.
Por outro lado, são operosos meios educacionais a família, a escola, a Igreja e o Estado.
É da acção conjunta, harmónica, colaborante, uniforme, destes grupos sociais que resulta uma educação integral, rica, completa, do homem.
Sendo a família o primeiro núcleo social, compreende-se a ingente tarefa que aos pais está reservada na educação dos descendentes. Os pais são o exemplo vivo, aqueles émulos, os mais excelentes paradigmas que os filhos podem encontrar.
Toda a criança se revê nuns pais normais, qualificados, dignos. Assim, compreende-se todo o alcance de uma educação familiar bem empreendida e devidamente apercebida.
Todavia, na tessitura social, que é a dos nossos dias, caracterizada por um mecanismo cada vez mais acentuado, que hora a hora vai esmagando e pondo de lado toda a riqueza humana que provém de uma personalidade bem desenvolvida, difícil se torna uma articulação educativa do lar.
Os progenitores, buscando fora dele a suficiência económica, de pouco tempo dispõem para a orientação e formação de seus filhos. Todavia, a família deverá surgir na ordem das realidades como um valor inestimável que urge considerar. Ela. como unidade, celular do corpo vivo da Nação - repositório sublime das melhores virtudes-, anda arredia, no domínio dos factos, da protecção que lhe é devida. Protecção na ordem económica, na ordem social, na ordem moral.

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Há que proteger a família para que com a sua dissolubilidade não se ganhe a dissolubilidade da Nação. As grandes crises histórica? estão ligadas à desagregação dos laços familiares.
Desoneremos, pois, a- trama legislativa de tudo que entibie o fortalecimento da célula familiar e façamo-la comparticipa;1 cada vez mais nas grandes tarefas da educação nacional.
A mínima parcela de ócio que alguns pais usufruem utilizam-na para um merecido descanso, indispensável à luta diária que é a vida, ou então, quando menos escrupulosos, usam-na um recreios ou passatempos, que mais cavam o abismo que os separa dos filhos.
Isto bem revela a necessidade que se impõe de reconduzir os pais à sua primeira e mais nobre missão: a de guardas tutelares das melhores virtudes do lar.
Precisa se torna uma campanha intensiva e extensiva de educação familiar, sendo de toda a excelência a ideia - que não é inédita- da criação de escolas de educação para pais, de preferência lhe chamaremos escolas para pais!
Estas só hão-de nobilitar e expor à consideração pública e familiar os que, frequentando-as, revelam a plena consciência da nobreza e excelsitude da sua missão.

Se, hoje em dia as mães se vão educando para fazer face aos chamados cuidados da primeira infância através da? escolas de puericultura; se há escolas de educação para donas de casa por que não haverão de existir, com tanta ou maior necessidade, as escolas de educação para pais?! Escolas oficiais ou particulares, ou, pelo menos, cursos que poderiam ser professados em férias ou através dos órgãos de informação, aproveitando-se o poder altamente sugestivo da televisão, da rádio, do cinema e da imprensa.
O comportamento dos pais. a sua felicidade e harmonia, as suas taras ou infortúnios e a sua educação desenham-se do. um modo indelével na alma dos filhos e pesam definitivamente na sua natureza como na sua formação. Isso se acorda, aliás, com a frase de Goethe: «As crianças cresceriam educadas se os pais assim o fossem».
A educação de uma criança nervosa requer dos pais um apetrechamento e requisitos ambientais que, nas condições hodiernas, só por excepção se encontram!
Também há que integrar os pais cada. vez mais nas tarefas da educação. Daí a necessidade de se organizarem as associações de pais ao nível regional e no escalão nacional, associações essas com personalidade jurídica que entrariam respectivamente na composição das juntas regionais da educação de carácter corporativo ou no órgão nacional centralizador ainda a definir.

Srs. Deputados!

A escola é o cadinho onde se vão modelar as novas almas.
Acendalha de luz e calor, é nela que os alunos buscam o pão do espírito e onde desenvolvem e fortalecem as suas virtualidades.
Desempenha, a escola um papel primordial na orientação e formação dos jovens, pelo que se inferirá da relevância do papel do educador na ingente tarefa que lhe está reservada - a de acompanhar e estimular a formação física, intelectual e moral do aluno.
Mas, para além disto, fica a formação espiritual, a que tem implicações de ordem sobrenatural e cujo labor pertence, exclusivamente a Igreja: a preparação do indivíduo para a realização do seu destino.
E embora a família e a escola concorram como forças adjuvantes para essa mesma realização, contudo é força primeira que a ambas supera, pela transcendência da sua missão, a igreja católica - elemento primordial de cristianização de um mundo que não pode sê-lo apenas por rotina ou por conveniência, mas sim por sincera vivência ou adopção.
Ao Estado compete-lhe velar por que se cumpra a realização do bem público, e a educação é fundamental nessa realização.
O indivíduo e os grupos sociais surgem tanto mais valorizados quanto mais tomam consciência da segurança dos seus actos, quanto mais se capacitam do conhecimento dos seus deveres e direitos, quanto mais livremente aceitam uma hierarquia de valores.
E, mais que qualquer outra, tarefa primordial do Estado a de velar e de incentivar o fomento educacional do País.
E outro não há que dê maior rendimento e lucro do que o fomento da educação!

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Por isso, em situações normais, as dotações que um país vote ao seu Ministério da Educação Nacional revelam, mais que tudo, o nível, a capacidade, de um Governo no complexo da administração.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Ao debatermos o planeamento que aqui nos traz, desde logo importa saber se o órgão centralizador da educação se poderá circunscrever unicamente ao Ministério de seu nome ou se, pelo contrário, haverá de ser da competência de um órgão supra, subordinado à Presidência do Conselho, que poderia apelidar-se de Conselho Nacional da Educação.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - E dado o incremento e os objectivos das tarefas educativas e o largo campo operacional por onde hão-de distribuir-se, certamente que em paralelo com um Conselho de Ministros para os Assuntos Económicos há-de surgir, adjuvantemente, um Conselho de Ministros para os Assuntos da Educação Nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Uma vez que a educação não se confunde com ensino e dado que ela abrange o todo humano nacional, desde logo se assenta que, em qualquer das opções, a esses órgãos centralizadores haveria que conceder-se o supervisionamento da educação e cultura nacionais, subordinando-se-lhe os Ministérios e departamentos que até agora, num zelo em certo sentido compreensível, mas por vezes injustificado, e até prejudicial, têm mantido uma certa autonomia pedagógica.
Dada a presente conjuntura, como já dissemos, o planeamento da educação terá de realizar-se por fases e, embora desde já proposto, só poderá efectivar-se uns anos após ter sido apresentada a sua esquematização.
Nestas condições, preciso se torna criar ou organizar as estruturas institucionais e orgânicas indispensáveis, reformar os programas, métodos, processos e planos de estudo, preparar o escol docente e estudar as perspectivas educacionais para um determinado momento, relacionando-as com as necessidades do País no domínio profissional, técnico, económico e social.
Reportando-me ao Ministério da Educação Nacional, como órgão de centralização de toda a acção educativa, logo nos ressalta a necessidade de substituir a sua estrutura orgânica, por de mais arcaica para o apelo e vigor que o planeamento dele exige.

Vozes: -Muito bem!

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O Orador: - Com uma constituição administrativa, e de, órgãos especiais provenientes de uma visão que estava adequada às exigências de algumas décadas atrás, não pode hoje, por carência de meios, aprontar-se para a empresa que se avizinha. Por outro lado, impõe-se a criação das infra-estruturas sobre que há-de alcançar-se um conveniente planeamento de acção educativa. Ele carece de órgãos planificadores e coordenadores, de órgãos de orientação e actualização pedagógica, de outros de índole psicotécnica e até dos indispensáveis apoios logísticos e uma bem ordenada e acabada estrutura planificadora.

O Sr. António Santos da Cunha: - Pediu licença, sem de qualquer modo contrariar - antes pelo contrário, pois apoio as considerações de V. Ex.ª - a necessidade da coordenação a que V. Ex.ª se está referindo.
Queria dizer alguma coisa sobre a obra verdadeiramente meritória que o Ministério das Corporações e Previdência Social está a fazer no campo da educação das massas operárias.
Ainda há dias tive oportunidade de assistir ao encerramento de um dos cursos do Instituto de Formação Social e Corporativa e ouvir algumas palavras que proferiu S. Ex.ª o Ministro das Corporações que denunciavam a intenção de continuar naquela obra através da criação dos cursos, e confesso que para uma obra tão transcendente e que necessita de tantos obreiros, que é a obra da educação neste país. não me parece de mais que sejam chamados a colaborar nela todos os departamentos do Estado.

O Orador: - Agradeço o valioso subsídio da intervenção de V. Ex.ª, mas dentro em breve referir-me-ei à acção meritória do Ministério das Corporações.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - V. Ex.ª poderá referir-se à acção meritória do Ministério das Corporações, do Ministério do Ultramar e de vários outros Ministérios no campo educativo. Só tenho palavras lisonjeiras para essa acção, e para as intenções que animam os ilustres titulares das respectivas pastas. Mas eu pergunto: a que fica afinal reduzida a função do Ministério da Educação Nacional?

O Sr. Martins da Cruz: - V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: - Faz obséquio.

O Sr. Martins da Cruz: -Levou muitos anos, mais de um século, a- concentração num único Ministério da função educativa. Assistiu-se à criação de Faculdades de nível universitário, mas fica-se sem saber o que cabe no campo pedagógico ao Ministério da Educação Nacional.

O Sr. António Santos da Cunha: - Dei e dou apoio à coordenação necessária, mas não deixo por isso de apontar uma realidade que é a obra verdadeiramente notável que o Ministério das Corporações está a realizar.

O Orador: - Agradeço aos Srs. Deputados que se dignaram honrar-me com as suas intervenções, reforçando o valor do problema perante a posição do Sr. Deputado Santos da Cunha, que me apraz, mas, como observaram, referi a necessidade .de ser o Ministério da Educação Nacional, ou então um órgão adstrito à Presidência do Conselho, a proceder à obra de coordenação, devendo-se-lhe subordinar a acção pedagógica de todos os outros departamentos do Estado.
Necessitamos ainda de fixar uma data para entrada em vigor do referido planeamento, que cremos ser razoável : dos anos de 1970-1975. Poderá ser reputada de demasiado próxima, mas urge» por todos os motivos, aproveitar o-tempo perdido, tantos são os imperativos que nos regem a as razões que nos movem.
Até lá, muitos estudos se farão, novas vias de adaptação hão-de surgir, e teremos do iniciar algumas daquelas fases requeridas pelo planejamento.
A primeira, que reputamos de necessidade imediata, é a da revisão ou reforma do actual plano de estudos, da programação e dos livros didácticos, fase que deverá ajustar-se, desde já. ao problema rio alargamento e(prolongamento da escolaridade.
A escolaridade obrigatória até um nível mais elevado, a multiplicação inadiável das construções escolares, com o recrutamento e preparação dos mestres, são problemas complexos, que exigem o suporte financeiro indispensável à sua execução.
Mas, como é evidente, a generalização do ensino obrigatório ou do seu alargamento a quadros populacionais mais amplos cria problemas qualitativos que interessa desde já prevenir.
Os actuais planos de estudo surgiram dentro de uma determinada ambiência, procuravam corresponder às concepções da época e obedeciam a normas pedagógicas que não são as mesmas por que agora nos orientamos.
O Mundo tem andado muito depressa e as nossas estruturas pedagógicas não o acompanharam. Os planos de estudo actuais não são os mais conformes à evolução mental das crianças & dos adolescentes; por outro lado, a sincronização dos ciclos não se faz com a regularidade requerida, enquanto que a gradação das matérias não é a mais indicada. De outra via, os programas deixam muito a desejar, baseando-se mais na memorização dos conhecimentos do que na assimilação. E isto ocorre quer no ensino primário, quer no liceal, em que a programação está recheada de inutilidades.

Vozes: -Muito bem !

O Orador: - A par disto, encontramos livros didácticos de péssima qualidade e um sistema de exames deficiente. No plano das construções, bastante em atraso, nota-se todavia o esforço do Ministério das Obras Públicas.

Srs. Deputados: o alargamento da escolaridade obrigatória, preocupação absorvente de todos os Estados e, particularmente hoje, de todos nós, já em tempos, com raro vigor, foi defendido pelo então Subsecretário de Estado da Educação, Dr. Veiga de Macedo.

Necessita o País de mais técnicos, de profissionais valorizados, de um alargamento da cultura a sectores populacionais cada vez mais vastos, e, do mesmo modo, haverá de ser preocupação primeira do Estado a da formação espiritual do fluxo humano no espaço português. Espaço onde a sincronização dos planos de estudo do continente e do ultramar se faça em termos do ajuste devido, com a coordenação necessária entre os Ministérios da Educação c do Ultramar; espaço em que os livros didácticos hão-de ser idênticos, prevendo-se as selectas de temas e autores ultramarinos.

O Sr. Olívio de Carvalho: -Muito bem!

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O Orador: - Por tudo isto c pura a promoção económico social que consta do nosso ideário, como é justo anseio de todos os portugueses, a Nação carece de um escol mais vasto, no domínio da cultura, da ciência e do técnica, para acompanhar u evolução de um mundo a que não podemos permanecer estranhos.
Raros são os países em que a escolaridade obrigatória não ande pelas oito a dez classes.
A extensão da escolaridade n, um maior número de classes ]á não necessita de ser defendida, impõem-na as mínimas exigências de um mundo que neste último decénio evoluiu de tal sorte que todos os planeamentos educativos anteriores quase se afiguram anacrónicos.
As modernas exigências sociais, o aperfeiçoamento profissional, o progresso tecnológico, as hesitações de um mundo moral, demasiado preso a sujeições económicas e técnicas que atrofiam a personalidade; a voga de teses de índole filosófica, política e artística que pretendem derrubar os altos valores do nosso universo moral e espiritual - tudo isso requer uma revisão urgente e profunda no mundo da moderna pedagogia.
Por outra via, necessitamos de fazer um conveniente aproveitamento das nossas melhores aptidões.
O número das aptidões mal aproveitadas no País, dado o critério de base utilizado para a prossecução dos estudos no ensino médio e superior, é de tal ordem que redunda numa considerável perda de rendimento de valor humano, de que se ressentem forçosamente o progresso e a riqueza da Nação.
Temos de seleccionar os melhores valores na idade própria e abrir-lhes o tesouro da riqueza cultural.
Há que fazer, seguindo um critério amplo, um conveniente aproveitamento dos valores nacionais.
Esse aproveitamento, numa maior escala, propicia-o o prolongamento da escolaridade.
Duas vias se oferecem para esse prolongamento: ou a extensão do ensino primário a seis classes, ministradas por esse grau de ensino, ou o prolongamento da actual escolaridade ao ciclo único, pela via do ensino secundário.
No primeiro caso, a 5.a e 6.a classes haveriam que abranger programação mais ou menos conforme à que competente estudo prescreve para o ciclo unificado dos liceus e escolas técnicas.
O alargamento das matérias, a diversificação dos conhecimentos professados, as particularidades que o ensino e métodos adoptados nesse ciclo revestem, desde logo exautoram a adopção dos actuais professores do grau primário, por indevidamente preparados para essa missão, que exige uma preparação pedagógica especial. Daqui os aspectos qualitativos e quantitativos do problema.
As matérias que actualmente se propõem para o ciclo único implicam uma preparação pedagógica especial, que as actuais escolas do magistério não concedem, e um alargamento do quadro docente a termos da ordem .dos 50 por cento.
De facto, as matérias das duas classes finais,, que são as mais comummente utilizadas como estímulos escolares, não haveriam de andar longe das seguintes: Língua. Portuguesa, História e Geografia Pátrias, Matemáticas. Ciências, Desenho, Religião e Moral, Música e Educação Física, além de outras relacionadas com o meio ambiente: de iniciação agrícola, comercial ou industrial e de educação doméstica.
Como é evidente, esta programação faz apelo a uma soma de conhecimentos que ordenariam um plano de. estudos mais amplo que aquele que hoje se adopta para a preparação pedagógica no ensino primário.
É certo que tal como outrora, poderia fazer-se um desdobramento do professorado primário em duas categorias: do grau elementar, abrangendo as quatro primeiras classes, o do grau complementar, abarcando as duas restantes.
Haveria assim uma diferenciação profissional baseada numa diferenciação pedagógica.
Para o ingresso no grau complementar poderia servir de base de selecção a classificação obtida no actual Exame, de Estado das escolas do magistério primário, que lhes permitiria o acesso directo às escolas do magistério de grau complementar, com uma preparação específica aos fins que se propunha, ou então optar-se-ia pelo acesso a estas mediante prévio exame de admissão.
Outra adopção seria uma conveniente remodelação da estrutura e orgânica das actuais escolas do magistério primário, cujos planos de estudo se desdobrariam por quatro anos, os dois primeiros dos quais apenas preparariam para o grau elementar.
Mas, apontadas estas hipóteses, que unicamente constituem subsídios de uma simples opinião, restam os ponderosos inconvenientes de uma diferenciação profissional, com a correspondente diferenciação de remunerações.
Outro deles, este de índole didáctico-pedagógica, é o de um grupo não homogéneo de disciplinas ser professado por um único professor, motivo que é bastante contrariado pelas normas da moderna psicopedagogia. Entre as consideráveis vantagens deste sistema avulta a de esta modalidade de alargamento de ensino de base obrigatória ir até aos locais mais recônditos, com um apetrechamento de uma rede escolar que se encontra numa fase avançada de conclusão. Por outro lado, a fusão dos ciclos, cuja planificação foi estruturada num trabalho digno dos maiores elogios pelos antigos e ilustres estadistas que foram os Srs. Prof. Eng.º Leite Pinto e Dr. Baltasar Rebelo de Sousa, tem a vantagem de, por uma reorganização dos programas dos ciclos, 1.º do ensino liceal e preparatório do ensino técnico, com vista a reduzi-los a um ciclo comum, se encontrar pela rede do ensino oficial - liceal e técnico - e pela do ensino particular, os meios pedagógicos indispensáveis à sua pronta execução.
Sob este aspecto tinha o Prof. Leite Pinto as mais fundadas esperanças em. «aproveitar para a valorização de um maior número de portugueses grande parte da rede do ensino particular, que cobre mais localidades de que o ensino oficial».
Com estabelecimentos cobrindo toda a área dos concelhos do País, um corpo docente pedagogicamente preparado e meios de transporte assegurados, estava encerrada a solução do problema que debatemos.
Quer optemos pela extensão da escolaridade obrigatória, pela via do ensino primário, quer pela do secundário, em qualquer dos casos, teríamos cursos a funcionar em regime de desdobramento, porquanto não era possível improvisar uma construção de edifícios suficientemente amplos para comportarem o surto populacional que tal extensão haveria de ocasionar.
De qualquer forma, a rede do ensino secundário, se optarmos pelo ciclo único, para o prolongamento da escolaridade, há-de estar apta qualitativa e quantitativamente a receber o fluxo do novo ciclo de cultura base. Deveria este ciclo revestir carácter formativo e aproximar-se mais dos ciclos seguintes, através de disciplinas que oferecessem continuidade. Estão neste caso as línguas vivas, leccionadas numa idade em que a criança lhes oferece a maior receptividade, sendo assim mais fácil a sua aprendizagem. Entre as disciplinas formativas apontamos a Formação Portuguesa,- incluída num horário de matérias e tempos semanais- assim distribuídos: Língua e História Pátria, 5; Francês, 4; Inglês, 2; Ciências Naturais, 3; Matemática,

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3; Desenho, 2; Formação Portuguesa, 2; Religião e Moral, 2; Educação Física, 2: Canto e Músico. 2. Total 27 tempos.
Parece-nos vantajoso esto plano de estudos para o ciclo inicial, não só pelo equilíbrio das matérias, pela índole formativa que reveste e que o Estado cumpre manter, mas ainda por assegurar uma maior sincronização com o plano de estudos do ciclo subsequente.
A subida do nível de vida e. de cultura tem lançado no ensino secundário um número cada vez maior de alunos que anseiam por uma valorização económico-social.
Todavia, tal ascensão vem sendo feita mais com base na localização dos institutos ou nas possibilidades económicas dos candidatos que propriamente na natural selecção dos melhores valores.
Os de debilidade económica têm entretanto, recebido notável protecção da parte do Estado, através da concessão de bolsas de estudo e de redução de propinas, cujos objectivos e espírito, nem sempre são cumpridos pela actual regulamentação. E preciso ter em conta que entre os estudantes pobres a nota de 16 valores é demasiado alta para acesso a bolsas, porquanto as condições do meio ambiente e mesmo as alimentares não são favoráveis à meditação e ao trabalho de profundidade.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Muitos alunos nestas condições, só pelas tabelas classificativas das suas provas de exame, vêm adquirir a almejada bolsa de estudo, para logo a perderem nos anos imediatos, graças u, usura na distribuição valorativa que caracteriza o recorte da fisionomia moral e intelectual de muitos dos nossos professores.
De tudo isto ressalta a premente necessidade de fazer baixar o índice valorativo das classificações na concessão das bolsas para que delas se não «arrede um tipo social de estudante que merece maior incentivo e apreço pelos que, postos no caminho da educação, se desviaram da sua rota, tomando pelo caminho estreito do ensino, esquecendo a maior parte da melhor dignidade da sua função.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - Só educa verdadeiramente quem comparticipa da existência do educando!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Incentivo largo é o que vem sendo conferido neste domínio pelo Ministério das Corporações, iniciativa do antigo e ilustre Ministro Dr. Veiga de Macedo e agora continuada pelo actual e distinto Ministro Prof. Gonçalves de Proença, que, pela via da previdência, vem ano a ano alargando o número de bolsas de estudo.
Também não é despicienda, no aspecto educativo, pelo notável intento que encerra, a determinação do Sr. Ministro das Corporações, quando determinou a obrigatoriedade do 1.º ciclo para exercício de determinadas funções.
E importa aqui saudar o grande esforço que este Ministério tem exercido no domínio educativo - haja em vista as diversas escolas e cursos que vem criando, inclusive um de nível superior.
Do mesmo modo apontamos o largo mecenato a favor da educação que a Fundação Gulbenkian vem a realizar, graças à superior visão do seu ilustre administrador, Dr. Azeredo Perdigão.
No enfiamento das considerações atrás expressas, conclui-se como determinativa imperiosa a razão de chamar à escolaridade prolongada o todo humano nacional.
São muito baixos os índices de acesso aos cursos geral p complementares dos liceus, assim como aos de formação das escolas técnicas. Outro tanto vem sucedendo no domínio universitário.
Por outro lado, nota-se, quer no curso geral dos liceus, quer no complementar, uma quebra de resultados nos exames finais, traduzida em números de reprovação que, conjuntamente com outras causas - sobejamente conhecidas e de ordem económica vêm sendo os motivos da sua diminuta frequência.
Não é de menor importância na actual rarefacção desses cursos a organização do plano de estudos vigente.
Além de que tal organização não vem inventariando, como seria mister, o devido aproveitamente das capacidades inatas dos alunos.
Parece-nos, todavia, que. as motivações da rarefacção escolar do 2.º ciclo se devem procurar, para- além de outras, na actual programação das matérias, que, fazendo demasiado apelo à memória, impingem uma erudição balofa que na prática se revela estéril, visto que. além do mais, não perdura, enquanto por outro lado não desenvolve, na medida desejável, a inteligência e o engenho dos alunos.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: - A seriação das matérias não vem sendo feita de acordo com o desenvolvimento mental dos estudantes, a maior parte dos livros didácticos não acompanham o espírito dos programas, sobrecarregando-os com conhecimentos tantas vezes inúteis.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E a coroar tudo isto, um sistema de exames no 5.º ano com uma revisão programática que se apoia na exigida em três longos anos, com a vantagem de tal pressão de estudos se apoiar numa excessiva memorização dos conhecimentos.
Só se aprende quando se estuda com alma: quando tal estudo vai direito à inteligência e ao coração dos alunos!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Muitos deles estudam ignorando a finalidade e as vantagens das matérias sobre que se debruçam.
Desta sorte, revelar-se-ia da maior utilidade que cada livro tivesse a antecedê-lo uma introdução, onde se apontasse a evolução histórica da matéria sobre que versava, aludindo ainda às suas vantagens e. objectivos.
Mas, regressando novamente ao 2.º ciclo, infere-se que a sua missão é dar ao aluno uma razoável cultura geral e, através de uma sistematização de diferenciadas matérias, conceder ao estudante a possibilidade de se orientar na escolha profissional, rumo ao seu futuro, pelas possibilidades de indagação das suas virtualidade».
Para que o curso geral dos liceus tivesse uma maior rentabilidade, necessário seria expurgar dos seus programas muitas das inutilidades que apenas têm o demérito de sobrecarregar demasiadamente a memória, concedendo aos alunos a razão de se darem conta de que lhes exigem coisas inúteis e que não os capacitam decisivamente nem para a cultura nem para a vida.

O Sr. Alberto de Meireles: - Mas para o exame apenas.

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O Orador: - O curso geral, em face do que atrás se disse, ou manteria a actual estrutura, com simplificação dos programas e nova articulação do sistema de exames, fazendo-se um melhor ajustamento dos programas do 1.º ciclo com os do 2.º, particularmente no 3.º ano, para que o embate sofrido pela criança na transição do ciclo fosse menor, ou então, de preferência, optar-se-ia por novo plano de estudos.
A adopção de tal plano, mais racional e melhor estruturado, deveria ter da mesma sorte um melhor ajustamento com os programas do 3.º ciclo, que, desdobrados num excessivo alineamento, revelam não oferecer rendimento nem garantia segura de acesso aos cursos superiores.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Por outro, descura tal sistema o carácter formativo do educando, que hoje, mais do que nunca, se impõe no ensino.
Ainda não descortinámos por que o nosso plano de estudos não inclui uma programação vasta sobre a expansão ultramarina lusíada, que, com a Formação Portuguesa, disciplina de selecção de textos do nossa história como da nossa literatura, teria um carácter mais directo, com aulas, palestras, conferências e colóquios dirigidos e organizados com a comparticipação sistemática e a solidariedade total dos alunos.
Tais disciplinas - a História e a Formação - seriam dadas do primeiro ao intimo ano, porque a história, a cultura e a formação não podem ser da exclusividade de uns tantos, mas indistintamente de todos - quer se destinem a Letras ou Ciências.
Ao lado do plano vigente respeitante ao 2.º cicio que. com bastantes alterações e simplificações, poderia permitir no futuro o prolongamento da escolaridade obrigatória até ao 5.º ano -nove classes-, com a devida sincronização dos planos de estudo dos liceus e das escolas técnicas, há o que propomos e que estabelece quatro anos para o curso geral, desdobrados os mesmos em dois ciclos.
Assim, a criança saída do ciclo unificado ingressaria num 2.º ciclo de dois anos, mais ajustado pelos programas ao ciclo único e à idade da criança, ainda em pré-adolescência, porquanto o desenvolvimento biopsicológico não se faz em todas na mesma idade.
Desta forma, haveria uma continuidade na transição de ciclos, sem os sobressaltos e crises que essa mesma transição ora provoca.
A este ciclo de dois anos, que num futuro não muito longínquo poderia tornar-se obrigatório - alargando-se, assim, a escolaridade coacta a um conjunto de oito classes -, seguir-se-ia um outro, que seria o 3.º, com matérias mais diferenciadas e que prepararia para determinados quadros, mais elevados que os que exigem a preparação antecedente.
Há profissões para as quais uma cultura de quatro anos de ensino técnico ou liceal basta; e outras há para as quais os actuais conhecimentos do curso geral não bastam.
A coroar este sistema haveria um 7.º ano de natureza pré-universitária, com disciplinas dirigidas à especialização que o aluno viesse a escolher.
Todavia, quer no curso geral do actual sistema, quer no de igual índole do sistema que se propõe, mais consentâneo com o carácter gradativo da evolução biopsíquica do aluno, importava fazerem-se testes suficientes para definirem a inclinação natural dos educandos.
Este sistema de orientação profissional, do maior alcance para- o País, deveria ser feito por licenciados em psicopedagogia, cujo curso urge criar nas nossas Faculdades, e que em ciada zona escolar teriam por tarefa proceder a testes de inteligência, temperamento o carácter.
Este labor haveria de ter igualmente a colaboração do médico escolar zonal, que só por uma melhor preparação poderá corresponder ao papel que o novo planeamento dele virá a exigir. Isto nos leva, pois, s\ criação de um curso de medicina escolar.
O papel de notável relevância que o psicólogo ou o psicopedagogo podem desempenhar na tarefa de estudar e. orientar todos os educandos que revelem dificuldades escolares ou de educação, assina como de adaptação social ou orientação profissional, escusa de ser encarecido.
Fala da sua proeminência a valiosa contribuição para a recuperação, aproveitamento e orientação de inúmeros elementos da sociedade portuguesa, integrando-os na sua verdadeira função, operando desta forma serviço do mais alto préstimo nacional.
Sob este aspecto era de notável valor e flagrante actualidade a criação de um ou mais laboratórios de psicologia.
A psicopedagogia tem hoje notória audiência nos países mais civilizados do Mundo. E a psicologia tem sido aplicada nos países mais industrializados, criando-se escolas de venda e de propaganda, com a adopção de métodos revolucionários de psicologia mercantil.
Temos, pois, de fornecer os nossos institutos superiores, as nossas Universidades, dos meios indispensáveis à valorização .da psicologia e pedagogia em curso próprio, integrado na Faculdade de Letras, dada a importância extraordinária que tais ciências poderão vir a desempenhar nos nossos sistemas educativos e na valorização da indústria e do comércio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Regressando, entretanto, ao esquema que propusemos para o novo plano de estudos do 2.º e 3.º ciclos, desdobrados por quatro anos, entendemos ser ele o meio mais racional para um melhor aproveitamento dos alunos, apresentando uma gradação hierárquica nas dificuldades intelectuais, e ainda porque satisfaz, de um modo mais económico, à sucessiva promoção da obrigatoriedade escolar.
Todavia, este sistema exige uma nova orientação nas habilitações estabelecidas como indispensáveis aos diversos grupos profissionais. Mas defendem-no os modernos inquéritos realizados nos mais progressivos países da Europa, que revelam a necessidade de uma cultura geral mais ampla.
Segundo esses inquéritos, a cultura literária e científica deverá avançar de modo a retardar o máximo possível a escolha entre as letras e as ciências.
Por isso, defendemos o critério de que a cultura geral deverá ir até ao 6.º ano. inclusive, reservando-se o 7.º ano para ciclo pré-universitário. Além do mais, só os espíritos bem amadurecidos e cultos estão em condições de escolher o que mais lhes convenha no rumo do seu futuro. Num excelente trabalho denominado «Os objectivos da educação na Europa para 1970 os seus reputados autores dizem:
Não esqueçamos, enfim, que os investimentos e a produtividade não são fins em si mesmos, mas sómente meios de tornar a vida melhor e mais rica de interesse.
E mais adiante:
No fim de contas, uma educação de qualidade assegura uma vida pessoal e social de qualidade.

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Isso nos conduz ao teor do ensino e à preparação pedagógica do professor.
Mas antes apraz-nos salientar as presentes insuficiências e deficiências que vêm operando-se no sistema de exames vigente:
Somos por uma impessoalidade cada vez maior no critério selectivo e de apuramento das provas, o que em conformidade significa que optamos pelo sistema das provas escritas, em face das orais apenas reservadas às chamadas línguas vivas.
As primeiras - defendemos o critério de duas provas, de que se extrairia a média aritmética - tinham a alta vantagem de assegurar um maior rendimento escolar pelo âmbito das matérias que abarcavam e pelo mais vasto campo que se lhes oferecia para um melhor julgamento do examinador.
E não resta dúvida de que a prova escrita, pelo número de questões que levanta, pelo carácter de impossibilidade que traduz, é o veículo mais exacto no apuramento dos conhecimentos do aluno.
Uma hora e meia - e por duas vezes - é tempo suficiente para o estudante, após o compreensível choque nervoso, reagir naturalmente em ambiente que não seja de pressão; outro tanto não sucede com os dez minutos de provas orais, tempo em que examinando é posto frente ao aludido choque, aos humores dos júris, à desigualdade dos mesmos e a certos pessoalismos que tantas vezes anulam uma prova que, em caminho recto, sem desvios provocados por interrupções, seria meritória.
Defendido este critério, entendemos que deveriam ser dispensados das provas orais, excepção concedida às aludidas línguas, os alunos que na soma das provas escritas obtivessem a média aritmética de 12 valores.
Descontraíam-se os ambientes liceais, em períodos de exame sujeitos a incidências pressionarias, por razão do número de examinandos que urge aliviar, tendo em conta que esse número dentro de anos é de tal forma elevado que a actual orgânica administrativa, quer dos liceus, quer das escolas técnicas, dificilmente lhe dará arrumo e escoamento. No que concerne aos exames de admissão aos liceus e escolas técnicas, dada a imperiosa necessidade de alargar a escolaridade, torna-se inadiável a sua abolição.
Sr. Presidente: para a escolha da atribuição que deve caracterizar a do educador várias são as teorias que se apresentam, firmadas todas elas na tradição histórica, na experiência pedagógica e na especulação filosófica.
De qualquer forma, o bom pedagogo, o pedagogo ideal, é o que reúne os atributos e a aptidão que se encontram nos homens raros.
Mas como a pedagogia tem de contentar-se com as realidades humanas, há que resumir as suas exigências às de um pedagogo revestido de personalidade e que tenha vocação. Seja como for, o educador terá de reunir um conjunto de qualidades físicas, intelectuais e morais que o imponham ao educando.
Da escolha dessas qualidades e da preparação pedagógica do professor se encarrega o chamado estágio pedagógico.
Este vem realizando-se nas escolas do magistério primário, para este grau de ensino, e nos liceus normais, para o chamado secundário.
No que concerne ao superior, adopta-se outro regime, o que revela uma diferenciação metodológica quanto aos problemas do ensino e da educação.
Estes não poderão ser olhados de relance, em sectores particulares numa visão assistemática dos grandes problemas que terão de ser ligados por um espírito de unidade, já que o conceito da educação é um conceito unitário.
É indispensável um planeamento geral que faça prevalecer um escalonamento interligado de graus e ramos de ensino, sem o que se perderá aquela unidade na variedade, que é característica do vasto agro educacional.
A preparação pedagógica conveniente do professor e a sua valorização profissional e social são das tarefas mais importantes do Estado.
O chamado estágio pedagógico tem de se alicerçar em novas bases, quer o do ensino primário, quer o do ensino secundário.
O exame de aptidão aos estágios no ensino liceal e técnico vem fazendo-se numa base de erudição, alguma dela espúria; apoia-se algumas vezes numa repetição tautológica de provas, fazendo tábua rasa da de licenciatura que a Universidade confere.

Vozes: -Muito bem!

O Orador: -Os factos comprovam o exemplo de professores que não passaram a barreira do exame de aptidão, mas que pelo seu mérito foram convidados para professores do ensino universitário.
A prova de selecção, que unicamente segue a erudição, com exclusão das provas de aptidão prática, onde fala alto a vocação, não é prova, denotando a teorização, que malsina a utilidade de muitos dos nossos textos legislativos.
O actual sistema, pelo modo como opera a selecção dos valores, pela índole das matérias e pelos métodos que utiliza, não satisfaz.
Quando o exame de aptidão à função docente se estabeleceu, as realidades escolares, sociais e educativas eram umas; hoje essas realidades revelam-se a incidências bem diferentes.
Se o estágio pedagógico pretendia adquirir para as escolas do Estado um escol docente - mesmo passando sobre a dúvida de que pelo actual regime de estudos e provas o tenha conseguido -, a verdade é que falhou.
Encontra-se presentemente servido por uma multiplicação de professores eventuais, uma quarta parte dos quais não tem sequer a licenciatura. Estes professores, que em 1957-1958 eram da ordem de 164 do sexo masculino e 261 do sexo feminino, sobem já no ano de 1961-1962, respectivamente, para 309 e 533; por outro lado, o número de professores efectivos e de auxiliares não sofreu sensível aumento, salvo os agregados, que de 2 e 152 sobem no mesmo período para 23 e 203.
Se conviermos em que o actual estado de coisas não é eficaz nem deverá manter-se, com o que todos estamos de acordo, faça-se uma revisão imediata da orgânica estagiária, cuja preocupação primordial será a de formar o professor e a de lhe descobrir, entre outros requisitos, o da personalidade e o da vocação.
Tal orgânica deverá ser aberta a todos os raros aspirantes à docência média e superior, porquanto a educação de todos os graus carece nesta hora de muitos e bons professores. Isso o implica não só o prolongamento da escolaridade, como o fluxo estudantil, que nos liceus oferece já hoje um índice que anda pelos 60 000 alunos e dentro de 10 anos se aproximará dos 150 000. enquanto as escolas técnicas, frequentadas por 130 000 alunos actualmente, oferecem já para daqui a 10 anos uma previsão de 300 000.
Todo o licenciado em Letras e Ciências, assim como o de qualquer curso superior que dê acesso ao estágio, entrará directamente neste.
O ensino ficará assim com largas possibilidades de recrutamento numa série de professores pedagogicamente

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preparados, fazendo-se a selecção segundo o seguinte critério: os mais valorizados seriam aqueles que iriam servir o ensino universitário; a estes seguir-se-iam os que iriam preencher os quadros do ensino médio oficial, que se requer ampliado; os restantes ou os que, por condições especiais, o desejassem seriam absorvidos pelo ensino particular.
Destarte encontrava-se a educação servida por agentes competentes, de que dependerá o progresso material, moral e espiritual do País e a valorização do educando.
Tal estágio seria pago, para que não falhassem os concorrentes, solicitados por outras ocupações, e a ampliação dos quadros far-se-ia tendo em conta as seguintes categorias de pessoal docente: professores efectivos e auxiliares. Estes venceriam segundo diuturnidades e todo o seu serviço, como é evidente, contava para a aposentação.
Acabar-se-ia de vez com a categoria de professor agregado, que só se admite como situação provisória e que nunca deveria ter ido além dos cinco anos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Tornar essa situação em efectiva é iníqua medida anti-social, que repugna aos alicerces éticos do Estado, como pessoa de bem que não pode ser ilógico quando impõe ao ensino particular o pagamento de doze meses no ano, o que não faz em relação aos agregados. Há professores e professoras com mais de 30 anos que com rara probidade, dedicação e inteligência vêm servindo a educação e vêem aproximar-se o limite da idade e o fim da existência sem aquela mínima regalia, legítimo direito humano de quem serve o Estado ou as empresas.
Repetimos: a situação do professor agregado não pode manter-se; e o Estado não precisa das renúncias e privações de alguns dos seus zelosos servidores para prover às necessidades do supremo interesse do País.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A resolução do problema dos agregados é já apenas um problema de boa vontade!
Ansiosamente aguardamos que, pelos Ministérios da Educação Nacional e das Finanças, servidos por esclarecidos Ministros, seja; posto termo a tal situação - reclama-o o mais elementar dever de justiça social; impõem-no as mais pequenas exigências de ordem moral.
No que concerne aos professores do ensino particular, os que estivessem munidos do diploma de Exame de Estado, tal como os auxiliares do ensino oficial, venceriam por diuturnidades e teriam direito à aposentação, para o que urgia criar uma caixa de aposentações para os professores deste ramo de ensino, já que o actual esquema da previdência não lhes soluciona os problemas.

O Sr. Brilhante de Paiva: - Muito bem!

O Orador: - E já que de professores falamos, parecer-nos-ia lógico que em todos os graus de ensino a classificação do serviço se fizesse com base no rendimento escolar. Com tal facto bem este último se avantajaria. E de igual modo importa que o professor, como profissional, não fique apenas nos limites do ensino, mas os ultrapasse, operando no domínio da educação. Importa ainda que o Estado valorize económica e socialmente o professor.
Deveria existir uma espécie de carta ou diploma, dos direitos e obrigações de. todos os professores, qualquer que fosse o grau de ensino. Entre esses direitos prescrever-se-iam os da ascensão de um professor de um grau de ensino ao imediato, estabelecendo-se as condições dessa promoção.
Entre as obrigações deveriam ficar estabelecidas as que aos mestres competem no domínio da educação - educação que é antes de tudo obra de dedicação, de altruísmo, de amor, tal como D. Bosco proclamava.
Haveria que fixarem-se os direitos e obrigações dos professores universitários, designadamente quanto a faltas, a turmas e números de alunos, assim como deveria ficar bem expressa a publicação obrigatória das suas lições.
E já que do ensino superior falamos, reconhecemos-lhe como absolutamente necessários -ideia aliás generalizada - dois ciclos: um de propedêutica e outro geral. O de propedêutica -de dois anos- poderia ter lugar nas cidades de província, com primazia daquelas que usufruem um tradição universitária, aliviando-se assim as nossas Universidades das grandes concentrações estudantis, que apresentam largos inconvenientes de ordem moral, económica e social, ao mesmo tempo que tal medida oferecia as mais amplas vantagens de ascensão ao grau superior a muitos jovens, enquanto aos pais lhes entregava a feliz oportunidade de acompanharem a sua educação por mais dois anos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados: o teor do nosso ensino há-de forçosamente revestir carácter humanístico.
Não se julgue, porém, que a cultura humanística venha apenas a abranger as matérias das chamadas disciplinas clássicas das humanidades.
As chamadas ciências positivas, pela atitude e metodologia seguida, podem revestir aspecto verdadeiramente humanístico.
E são os valores promanados do classicismo que, expendidos com sabedoria e discernimento pelos nossos mestres e inculcados no espírito ávido, sequioso de verdade e de beleza dos jovens, hão-de salvar o Ocidente, que, já um tanto desconcertado pelo avanço científico e técnico dos nossos dias, vem perdendo aquela unidade e coesão que o humanismo cristão ensina e encerra.
Os valores cristãos são a base da nossa vida moral, social e profissional.
Assim, toda a vida da sociedade portuguesa se organiza sobre moldes cristãos, que estruturam as nossas formas de pensamento, de cultura e sensibilidade de acção.
São os valores morais que estruturam e informam todo o nosso sistema educativo; e esses valores morais são es que a igreja católica define e realiza numa longa tradição a que o tempo deu autenticidade eterna.
Daqui a necessidade de ser criada uma Faculdade de Teologia, insistentemente pedida pelo antigo e preclaro reitor da Universidade, de Coimbra Prof. Doutor Guilherme Braga da Cruz.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Temos já os mestres-doutores, intelectualmente habilitados e em número suficiente ao provimento das funções docentes de tão excelente quão necessária Faculdade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas para além dela persiste II aspiração máxima de toda a catolicidade portuguesa - a da fundação da Universidade católica.
O objecto da Universidade católica é realizar a unidade na diversidade das culturas e das ciências. Realizar essa

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unidade, «realizá-la até ao seu núcleo central, até ao arco cimeiro do seu edifício, é a finalidade da igreja católica» - segundo Pio XII.
É absolutamente natural e legítimo o direito da Igreja a intervir na formação daqueles que hão-de ter a responsabilidade de organizar e dirigir as estruturas sociais católicas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado sabe-se que a ciência, iluminada pela fé é mais útil o eficaz ao homem que a ciência vista em si própria, que podo desservir o homem.
Isto tudo se ajusta à frase de Pio XI na Divini Illius:

Com pleno direito, a Igreja promove as letras, as ciências e as artes enquanto são necessárias à educação.
Dada a tradição eminentemente, cristã da sociedade portuguesa, desde os primórdios da nacionalidade, considerando que a luz da fé iluminou as acções do nosso povo a partir do momento em que se estruturou em Nação; reconhecendo-se que Portugal plasticizou numa unidade multirracial por múltiplos continentes repartida a verdadeira mensagem do catolicismo, é verdadeiramente indispensável, lógica, premente, a criação de uma Universidade católica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Na Europa somos o único país católico que a não possui; albergam-na entretanto alguns países dos chamados da «cortina de ferro».
Mais instante essa necessidade se torna quanto é certo que, com notável clareza e oportuna presciência, o Sr. Cardeal Cerejeira afirmou:
A juventude universitária não encontra na Universidade civil a doutrinação cristã ao nível da sua cultura e exigência de espírito.
As Universidades da Igreja pura o glorioso antístite «têm justamente por missão preencher essa lacuna, salvando o que se poderia chamar, num país de tradição católica, a própria alma da Nação».
Seja tudo isto um poderoso incentivo para a realização da tarefa, e a brevidade da sua criação um lenitivo para a- consciência intranquila, alvoroçada, de muitos católicos portugueses que sentem a agudez do problema e prometem a sua melhor colaboração.
Relacionado com a questão atrás referida e ainda subordinado à doutrina da Igreja está o problema do ensino particular, de que «salientamos os aspectos doutrinários actuais.
Na encíclica Divini Illius Magistri, S. S. o Papa Pio XX, expendendo a doutrina da Igreja sobre os deveres que lhe competem, bem como à família e ao Estado em matéria de educação, assim se expressa:
A educação é necessariamente, obra do homem em sociedade, não do homem isolado. Ora, há três sociedades, distintas entre si mas harmoniosamente unidas por Deus. no meio das quais vem ao inundo. Duas são de ordem natural: a família e a sociedade civil: uma terceira, a Igreja. é de ordem sobrenatural.
Por estas palavras se afirmam os direitos e deveres da família, do Estado p da Igreja na tarefa da educação.
Torna-se evidente que na ordem natural pertence à família, antes do Estado, a actividade educativa; assim aos pais é reconhecido o direito de orientarem e educarem os seus filhos dentro das normas e sistemas que entenderem, privilégio que se filia nas razões do direito natural.
E pois reconhecido à família o direito da escolha dos rumos educativos que melhor satisfaçam à formação dos seus filhos.

Sr. António Santos da Cunha: - Como é justo.

O Orador: - Dos direitos da Igreja já atrás os abordámos, como mesmo os do Estado; todavia, porque, por vezes, lamentavelmente só confundem os direitos estaduais neste domínio, importa salientar que à luz da doutrina da aludida encíclica o fundamento para a sua acção educativa provém da autoridade que lhe é outorgada de promover e realizar o «bem comum temporal».
Em ordem a este princípio, refere-se o ilustre Prof. Dr. Guilherme Braga da Cruz com profunda lógica, afirmando que compete ao Estado «proteger e promover as actividades e as iniciativas das outras instituições educadoras: a Igreja o a família; suprir e completar os espaços deixados em aberto por aquelas instituições».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Daqui o carácter supletivo que no plano do direito é conferido ao ensino oficial, em face do particular, seja ele laico ou religioso.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Estado «supre». Mas na ordem dos factos tal não se verifica. Mantêm-se os espaços abertos e o Estado não os supre; pelo contrário, vai alargando a sua rede de ensino precisamente nos espaços preenchi-dos!
Seguindo as considerações do ilustre professor acerca deste tema, encontramos:
O Estado tem como primeiro dever, em matéria de educação, proteger os legítimos direitos da Igreja e da família através de uma legislação adequada e promover a sua actividade educativa, pondo à sua disposição os recursos económicos, materiais e técnicos que para tanto forem necessários.
Ainda na mesma ordem de ideias prossegue:
Não pode afirmar-se que o Estado protege os direitos da Igreja e da família e que promove a sua actividade educativa quando organiza um ensino oficial modelo único com programas e compêndios taxativos e deixa à Igreja e às famílias a magra liberdade de fundar escolas, obrigatoriamente vestidas pelo mesmo figurino, com as mesmas disciplinas, os mesmos compêndios, os mesmos programas, o mesmo número de aulas semanais, etc.
Não os protege do mesmo modo «quando utiliza os dinheiros públicos na organização de um macrocéfalo ensino oficial, gratuito ou quase gratuito, e dá à Igreja e às famílias a magra liberdade de organizar, totalmente a expensas suas, um ensino privado altamente custoso: tão custoso que, no ensino superior quanto à generalidade dos cursos, se torna praticamente irrealizável».
Não obstante esta liberdade que se assegura e se reconhece, ao ensino privado, não se identifica ela com um

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estado de indisciplina ou anárquico ante o poder do Estado. A este compete-lhe coordenar o ensino, fiscalizá-lo, impondo as exigências mínimas de toda uma acção educativa que conduz à realização do bem comum. Exigências que concernem à higiene e saúde escolares, à idoneidade intelectual, mor ai e profissional dos professores, à defesa dos superiores interesses da Nação. Larga e operosa acção se lhe reserva no domínio extra-escolar! Haja em vista a educação cívica!
Nesta conformidade, o Estado, para ser coerente com a doutrina estabelecida o as normas do direito, só actuaria pela escola, onde o ensino privado faltasse e à medida que este surgisse organizado ia-lhe cedendo, transferindo, a missão educativa que tivera de tomar na sua posição supletiva em defesa do interesse público. Nesta linha de rumo, seria de toda a lógica que o plano de estudos das suas escolas teria de tomar como padrão, como modelo, os das escolas privadas.
Isto resolve, à primeira vista, tudo o que para trás se disse acerca do planeamento.
Mas este poderá precisamente fazer-se a partir do ensino particular, indo o Estado, na sua função de suprir, preencher o» espaços abertos. A isso se limitaria a acção estadual nos anos futuros, estabelecendo-se por outro lado a possibilidade de organizado o ensino privado nessas regiões, ser transferida para este a acção educativa que o Estado provisoriamente havia retido.
O monopólio da educação pelo Estado; o padrão «escola única», é altamente condenável pelo direito natural e pela Igreja.
Um dos direitos inalienáveis da pessoa humana, como da sociedade familiar, é o livre direito da educação.
Só o negam as doutrinas estatistas e as marxistas, em oposição ao nosso ideário, à nossa mentalidade, à nossa afirmação corporativa e cristã. O nosso ensino privado tem estado subalternizado em relação ao oficial, dele constituindo uma espécie de irmão bastardo.
Deste desprestígio do ensino, em certo sentido refúgio de falhados, ressente-se a educação. Preciso se torna que, de tolerado, o ensino particular, por seus títulos, pelo incentivo que o Estado lhe deve, pela sua genuína função de utilidade pública, ascenda ao lugar a que tem jus.
Há que reintegrá-lo na procedência mais pura da sua nobre e excelsa missão!

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - V. Ex.ª dá-me licença? Qual deverá ser então o modelo das escolas privadas? As escolas privadas, por definição, serão muitas e com planos de estudo diferentes. V. Ex.ª pretende, assim, que o Estado tome como modelo uma coisa inexistente.

O Orador: - Entendo que o Estado, na sua função de suprir, só naqueles casos de estudos não cobertos pelo ensino particular deveria criar estabelecimentos de ensino oficial.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - E nos outros casos o Estado estaria ausente.

O Orador: - Admito a acção do Estado como fiscalizador, controlador e coordenador e, ao mesmo tempo, na forma educativa extra-escolar na educação cívica.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Mas quem fiscaliza, controla e coordena exige pelo menos um mínimo.

O Orador: - Já justifiquei a minha posição no decorrer da minha intervenção. Aceito que o ensino particular assente num modelo típico, mas o Estado só deve criar escolas no exercício de uma função supletiva.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Estou de acordo com uma certa liberdade de acção das escolas privadas; não adopto o sistema do ensino único. É evidente que a Igreja dentro da sua missão de salvar as almas para a eternidade tenha o direito de estabelecer os seus planos de estudo, mas, na parte técnica, terá de. submeter-se à lei geral.

O Orador: - Agradeço e aceito, porque de controle geral se trata.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Eu queria chamar a atenção de V. Ex.ª para um ponto.
E hoje praticamente impossível à família assumir, nas condições de vida modernas, a plena responsabilidade de formação que não seja a do carácter, porque esse é aí seu ambiente privilegiado, mas não para uma formação que o Estado possa considerar completa como formação ideal do cidadão, porque as pessoas não existem só para serem educadas pela Igreja para a salvação eterna, existem também para viverem na sociedade civil, e nesse campo cabe ao Estado a obrigação de as educar.

O Orador: - Certamente, Sr. Deputado, que V. Ex.ª não defende a acção monopolista do Estado na educação?!

O Sr. António Santos da Cunha: - Quero lembrar que na América o ensino confessional está equiparado ao ensino do Estado, os seus diplomas têm a mesma validade em qualquer concurso público e os próprios inspectores pertencem às organizações nacionais de ensino confessional.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Devo chamar a atenção de V. Ex.ª para a diferença existente entre os sistemas de ensino dos vários países, em virtude de condicionalismos históricos e sociais também diferentes. Nuns a iniciativa privada encontra a possibilidade, quando não se vê forçada a assumir a responsabilidade, da criação de redes escolares, que noutros tem de constituir obrigação do Estado, por ser ele praticamente a origem de tudo.
Nos Estados Unidos da América isto acontece porque a estrutura política e os hábitos sociais fomentam a iniciativa privada em cada estado, partículas dentro do estado federal.

O Sr. António Santos da Cunha:-Aquilo que o Sr. Deputado Gonçalves Rodrigues aponta vem reforçar o que as encíclicas dizem: o Estado deve suprir.

O Orador: -Estou convencido de que, se V. Ex.ª acompanhar de perto a minha interpretação, encontrará um ponto em que as nossas maneiras de pensar se justapõem.
E continuando as minhas considerações:
Se nos voltarmos entretanto para o que a Constituição Política prescreve, quanto a educação e ensino, encontramos:
O n.º 5.º do artigo 8.º, respeitante aos direitos dos cidadãos, estabelece «a liberdade de ensino».
Pelo artigo 12.º. que concerne: família, o aludido estatuto afirma:
O Estado assegura a constituição e defesa da família, como fonte de conservação e desenvolvimento do povo português, como base primária da educação, da disciplina e harmonia social...

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Já pelo n.º 4.º do artigo 14.º enuncia que pertence ao Estado e autarquias locais, em ordem à defesa da família, o seguinte:

Facilitar aos pais o cumprimento do dever de instruir e educar os filhos, cooperando com eles por meio de estabelecimentos oficiais de ensino e correcção ou favorecendo instituições particulares que se destinem ao mesmo fim.

Sob o título «Da educação, ensino e cultura nacional» o artigo 42.º estipula:

A educação e instrução são obrigatórias e pertencem à família e aos estabelecimentos oficiais ou particulares em cooperação com ela.

O § 2.º do artigo 43.º expressa:

ÀS artes e as ciências serão fomentadas e protegidas no seu desenvolvimento, ensino e propaganda, desde que sejam respeitadas a Constituição, a hierarquia a acção coordenadora do Estado.

Finalmente o artigo 44.º assegura:

13 livre o estabelecimento de escolas particulares paralelas às do Estado, ficando sujeitas à fiscalização deste e podendo ser por ele subsidiadas ou oficializadas para o efeito de concederem diplomas quando os seus programas e categoria do respectivo pessoal docente não forem inferiores aos dos estabelecimentos oficiais similares.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se é certo as disposições constitucionais garantirem ao indivíduo e à família a liberdade de ensino, postulando a livre escolha da escola e do ramo de ensino preferidos, todavia, na ordem dos factos tal não se verifica, já que a escolha é feita a partir de pressupostos de ordem económica.
Só haveria, na verdade, autêntica liberdade de escolha se o nível propinário fosse idêntico. Para tanto, haveria que cumprir os preceitos constitucionais que prevêem o favorecimento das «instituições particulares» e a subvenção do ensino privado.
De resto, tal linha de conduta estava dentro da melhor lógica, porquanto quem vem pagando o ensino oficial no nosso país são os contribuintes, enquanto nada do que estes vêm concedendo coube ao ensino particular, votado pelo Estado, não obstante o seu saldo largamente positivo no domínio da educação e do ensino, à consideração de bastardo nas suas relações com o ensino oficial.
Há assim nítida desigualdade; e não haveria lugar para ela, já que a demanda é a mesma; apenas não são fáceis os caminhos!
Haveria igualdade, se o Estado, arredadas as actuais dificuldades e conseguido o fundo já aqui referido do fomento da educação, subsidiasse as instituições particulares de modo que o seu ensino não ficasse mais caro que o oficial; haveria do mesmo modo paridade se este último ensino estabelecesse valores propinários equivalentes aos das escolas particulares, havendo nesses valores uma diferenciação correspondente às possibilidades materiais dos familiares. Quer dizer: os filhos pagariam de acordo com os ordenados ou os rendimentos dos progenitores. Muitos havia que nada pagavam, outros haveria que pagaram de acordo com os seus vencimentos e rendimentos.
Tem a nossa organização tributária, no que concerne a essa diferenciação, os meios de acção indispensáveis. Tal doutrina aliás localiza-se dentro dos ditames da melhor justiça social; a todos era conferido o direito à cultura, à educação e ao ensino de acordo com as suas posses.
Não resta dúvida que, se o Estado vem agindo, no que respeita ao ensino privado, de acordo com os princípios do regime demo-liberal, apenas o tolerando, ou se, pelo contrário, já progressivamente caminha no sentido da escola única, conforme- as tendências monopolistas, que são comuns a todos os totalitarismos, que a nossa mentalidade repudia, o que permanece seguro é que dentro das prescrições da Igreja e dos preceitos constitucionais, sem desvios ou formas híbridas, fica proclamada no domínio ético e jurídico a incontestável solidez da posição do ensino particular. Entretanto, servem estas considerações também para salientar que só a partir do 28 de Maio á que o ensino particular viu no domínio das intenções e do espírito dos textos legais e constitucionais bem definida a justiça que lhe era devida.
Se no domínio das realidades pouco tem feito, isso não é razão para que não aplaudamos os objectivos do Estado, quando, pela via constitucional e legislativa, sobejamente patenteia o apreço pela função educativa das instituições privadas.
E esta apenas que se propiciem as condições em que se ajustem os factos ao direito, as realidades aos preceitos constitucionais, em suma: a reintegração dos dois ramos de ensino na função que lhes compete.
Há que destacar ainda a acção estadual no domínio da sua actividade coordenadora e de inspecção.
De há cerca de doze anos para cá o ensino particular, servido por uma inspecção a cujo cume preside uma personalidade reflectida, inteligente e ponderada -o inspector superior - que bem conhece os problemas deste ramo de ensino; de há doze anos, como íamos dizendo, data uma etapa decisiva no domínio da valorização e do prestígio do ensino, particularmente no que respeita à melhoria da articulação da docência e da administração e no capítulo das instalações.
Em contrapartida com tudo isto está toda a legislação e disposições do período anterior ao Estado Novo, as que provêm dos artigos 3.º e 4.º do Decreto de 8 de Outubro de 1910, do Decreto de 31 de Dezembro de 1910, respeitantes ao ensino congregacionista, do Decreto de 20 de Abril de 1911 e da Lei de 29 de Maio de 1911, bem como da .Constituição da República do mesmo ano, que, correspondendo a um período agitado da vida portuguesa, priva da liberdade de ensino, e de grande parte das regalias que lhe são devidas, as instituições privadas de ensino e educação.
O ensino particular encontra-se presentemente definido e estruturado fundamentalmente pela Lei n.º 2033, que promulga as duas bases, pelo Decreto-Lei n.º 37544, que reorganiza a inspecção e aprova a tabela de taxas a cobrar, pelo Decreto n.º 37 545, que promulga o seu estatuto, e pelo Decreto-Lei n.º 41 192, que revê algumas das suas disposições. A base V da Lei n.º 2033 estipula:
Sempre que os programas, os meios de ensino e a Categoria do pessoal docente o justifiquem, poderão as escolas particulares, em harmonia com o disposto no artigo 44.º da Constituição, ser autorizadas a conferir aos seus alunos diplomas com valor oficial.
Esta a aspiração do ensino particular que aguarda a sua concretização. Para tal. resta que o Estado regulamente

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em termos precisos as condições em que a mesma será feita, mormente no que respeita à categoria do pessoal docente, já que os programas e meios de ensino estão de acordo .com as normas exigidas pelo ensino oficial.
De ano a ano, a população escolar, quer do ensino oficial, quer do ensino particular, vem aumentando num ritmo impressionante. O caudal estudantil, a manter-se a actual cadência, vai criar problemas de instalações e de recrutamento e- preparação de agentes de ensino que importa desde já estudar, prevenirido-se o presente, para remediar no futuro.
Mais sérios serão, se tivermos em vista o regime do prolongamento obrigatório da escolaridade, a que não portemos de qualquer forma furtar-nos.
A todos esses males, a todas as dificuldades, poder-se-ia obviar com a oficialização dos estabelecimentos do ensino particular, em que «os programas, os meios de ensino e a categoria do pessoal docente» o justificasse. Publicadas as bases do ensino particular em 1949, tão timidamente se vem caminhando nesta via que, passados todos estes anos, essa disposição ainda, não pôde concretizar-se.
Impõe-se avançar mais progressivamente, visando a um maior desafogo dos próprios estabelecimentos e professores do ensino oficial, e sobretudo para que em período de exames se suscitem aquelas condições favoráveis à criação de um ambiente consentâneo com as mais salutares normas de uma boa administração da justiça examinativa e para que a prestação de provas decorra numa época menos dilatada.
Isso só será possível na medida em que se caminhe para uma oficialização - mais progressiva dos estabelecimentos de ensino particular. É, atentando na terceira condição estipulada para a oficialização dos estabelecimentos - a que concerne à categoria do pessoal docente -, parece-nos ser bastante a exigência de uma licenciatura em Letras e Ciências ou de qualquer curso superior para determinadas cadeiras, desde que realizem um estágio pedagógico ou curso de aperfeiçoamento e actualização- pedagógica nos institutos oficiais
No que respeita aos exames, deveria estender-se indistintamente a todos os estabelecimentos de ensino particular com um mínimo de 50 alunos a faculdade de requererem a oficialização dos seus exames, que continuariam como agora, a ser presididos por professor do ensino oficial.
Em contrapartida, deveria alargar-se cada vez mais a participação de professores do ensino particular, devidamente, habilitados, nos júris zonais do ensino oficial. Criar-se-iam desta forma- júris mais homogéneos nas duas modalidades de ensino.
E não se suponha que desta forma haveria uma diminuição valorativa de ordem pedagógica ou profissional na constituição de tais júris.
Temos de tomar nota de que os professores do ensino particular convenientemente preparados e adestrados para a função, com idoneidade intelectual, cívica e moral, de que é fiadora a constância no estabelecimento que servem, são prova mais que suficiente de valorização.
E, sem pormos em causa ou pretendermos discutir, neste momento, a garantia de aptidão profissional, que o Exame de Estado confere, havendo apenas em vista que nos liceus do País a articulação docente se vem fazendo numa percentagem de professores do serviço eventual que anda quase poios dois terços, com a agravante de que muitos não têm sequer um curso superior completo, desde "logo" encontramos no stalus que vigente toda a procedência para a argumentação que vimos trazendo.
Não podemos separar por cortinas ilógicas, por muros escusados, as duas modalidades de ensino e as classes que as servem.
Ambas as modalidades, com as suas características específicas, embora com os seus modos de estrutura, diversificados, o que constitui riqueza e não empobrecimento, tom objectivos .comuns, empolga-os a mesma empresa, a da preparação extensiva eintensiva das gerações actuais e vindouras, de que advirá um progresso cada vez maior para o País, engrandecido na sua fazenda material e na sua fisionomia espiritual.
Há países, e dos mais avançados, em que a tarefa do ensino e da educação está, quase ou exclusivamente, entregue ao ensino particular, e não se vê qualquer desvantagem neste sistema.
Eles continuam pedagógica e tecnicamente preparados para a alta e nobre missão de integrar a mocidade nos rumos requeridos pelas mais instantes e superiores exigências dos seus estados!
Em contrapartida, entre nós parte-se de uma desconfiança doentia do ensino particular, para por vezes tal desconfiança vir redundar numa confiança total no mesmo ensino.
Sob o ponto de vista pedagógico didáctico é vulgar a acusação de que o ensino particular não se encontra provido de quadros docentes suficientemente habilitados para uma conveniente preparação dos seus alunos.
Já vimos como esta crítica é frágil na medida em que existem muitos estabelecimentos do ensino particular em que o nível intelectual de habilitação em nada é inferior ao de alguns liceus. Haja em vista os que não possuem um único professor efectivo em exercício nos seus quadros e têm concomitantemente vários eventuais não licenciados!
Por outro lado inequivocamente se pode demonstrar que alunos que os liceus rejeitam, sob o ponto de vista pedagógico, por insuficiência de nota, são esses mesmos alunos que em escassos meses os colégios e externatos preparam e propõem a exame no próprio liceu de origem, onde obtêm aprovação, e sem favor, visto que algumas das vozes chegam a atingir a própria dispensa das provas orais.
Sob este ponto de vista, ingrato tem sido o labor dos colégios e externatos dos meios urbanos, que as mais das vezes vêm preparando fundamentalmente os alunos que os liceus repelempor falta de aptidão ou por insuficiência de preparação. O professor do ensino particular «faz-se», organiza a sua reputação, com base nos resultados que obtém. Qual o motivo por que do mesmo modo o professor do ensino oficial não há-de firmar o seu «nome» profissional a partir do rendimento escolar que obtenha?
E se deste ângulo passarmos para o formativo logo se destaca o alto papel que o ensino particular vem desempenhando nesse quadrante.
Haja em vista o que tem ocorrido em não distantes crises apelidadas de «juventude» e observe-se que a tais crises quase não foram receptivos os estabelecimentos de ensino particular. E não percamos de vista que a população escolar deste ensino não é menor que a do liceal.
Parece-nos haver assim sobejos motivos de regozijo e até de ufania para considerarmos o ensino particular na sua nobilíssima missão de ensino e de educação.
Deve acabar de vez a distinção, por oposição, entre as duas modalidades de ensino. Todo o carácter de supremacia ou de favor que pretenda requerer uma das modalidades traduz-se numa demonstração, que não se presta a equívocos, dê patente falta de vigor, de carência de virtualidades, para uma salutar concorrência no campo mais

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vasto, mais edificante, mais excelso da sociedade - o educativo.
Quando no campo livre, aberto, da competição, a lei arma apenas um dos contendores, desde logo se fica sabendo quem espiritualmente entra vencido no campo da luta!
E não só é o contendor que fica vencido, resta-o do mesmo modo a lei, porque a si própria se avilta, pela falta de objectividade e isenção!
Na regulamentação do ensino particular que se impõe, como urgente, torna-se absolutamente indispensável que o Estado estipule as condições em que virá fazer a oficialização progressiva dos estabelecimentos de ensino; dos requisitos basilares das instalações e da docência; e da concessão de alvarás, criando ainda os órgãos administrativos, orientadores e de inspecção necessários, precisando os seus objectivos e determinando a sua forma de articulação. Imperioso se faz- que a Inspecção do Ensino Particular, com um panorama tão largo de acção, para o qual não está preparada a atrofia do seu quadro, ganhe as unidades necessárias ao bom exercício da função. Com o alargamento do quadro, que deveria ser privativo e vitalício, haveria que estudar da vantagem ou inconvenientes da criação dos inspectores regionais ou, pelo menos, zonais.
Tem ainda essa regulamentação de definir e delimitar bem os campos de acção dos dois ramos de ensino: oficial e particular.
Há que salientar existirem hoje escolas que, pertencendo a certos Ministérios e departamentos, não estão sob a alçada pedagógica do Ministério da Educação, quer pela via da inspecção do ensino oficial, quer pela do particular!
Como é evidente, preciso se torna localizá-las na sua verdadeira categoria, definir a sua situação pedagógica.
Em contrapartida há que estabelecer as normas do que poderemos chamar a deontologia profissional, no domínio do ensino privado; fiscalizar e proibir o ensino clandestino e localizar na já atrás referida Carta dos direitos e deveres do professor os que competem ao ensino particular.
Por outro lado, há que assegurar a este ensino a liberdade de organizar programas e de escolha de compêndios, olhos postos nas vantagens da organização de cursos líceais diferenciados, de acordo com os legítimos anseios de alunos e de familiares.
Finalmente: tal regulamentação far-se-ia em termos de alterar, de acordo com o que acima se diz, o artigo 12.º do Estatuto do Ensino Particular, quando refere que: «os estabelecimentos de ensino particular devem adoptar os planos e os programas do ensino oficial, bem como os compêndios nele aprovados», porquanto esta disposição se encontra em nítida contravenção com o que a Constituição Política preceitua.
E nesta sequência haveria que estabelecer as condições em que o Estado protegia, estimulava e subsidiava as escolas privadas.
A forma subsidiária, na educação, encontra-se generalizada na maior parte dos países da Europa e em muitos das Américas e da Ásia.
No nosso continente, só verdadeiramente nos países marxistas, monopolizadores da educação, mediante a «escola única», é que não existe o ensino livre.
E em todos eles as ajudas e subvenções revestem várias modalidades: auxílios directos ao aluno e às instituições, subsídios de funcionamento e de equipamento, comparticipação no pagamento a professores, regime contratual com o Estado, subsídio de construção na ordem dos 95 por cento e pagamento das despesas totais de funcionamento, como na Holanda - toda uma gama de compreensão e de apreço pelas destacadas virtualidades do ensino livre.
Quanto a contribuições e impostos, num total de 200 países a isenção é total, excepção feita apenas a Portugal, Espanha e Itália.
Mas se o ónus fiscal em Espanha tem um carácter simbólico e o Estado não só abre créditos para a construção de edifícios escolares como ainda concede subvenções no ensino primário e técnico, em contrapartida no nosso país tal não sucede, onerando por um lado o ensino privado com encargos que não pode suportar, enquanto por outro promete nos textos constitucionais subsídios que não se vêm efectivando.
O ensino particular, com os seus 113 806 alunos, distribuídos por 1516 estabelecimentos de ensino, abrangendo as modalidades infantil, primário, liceal, técnico e normal, desempenha, um autêntico serviço público de interesse social, pelo que à sua função deveria ser-lhe concedida a garantia de utilidade pública.
Tanto mais que pela sua inestimável função evita ao Estado as despesas que lhe competiriam pelo ensino infantil, totalmente entregue ao ensino livre, e as que decorressem com 60 por cento da população escolar do grau liceal, também sob a alçada do ensino particular.
Os recentes impostos, derivados do facto de ser considerada a acção educativa do ensino livre como uma actividade industrial, e bem ainda os que promanaram do Ministério das Comunicações sobre os transportes dos estabelecimentos de ensino, procedem de premissas erradas.
A ânsia devoradora do fisco no alargamento da tributação leva, em certas circunstâncias, a erros e iniquidades. Procurando zelar pelo bem público, algumas vezes o desserve. Esta é uma delas! 80 por cento dos estabelecimentos de ensino particular do País estão em crise! A maior parte deles vive em regime deficitário. O numeroso pessoal que o serve não desfruta das garantias sociais que lhe preservem o seu futuro!
Dois caminhos hão-de surgir: ou o Estado desonera o ensino privado dos encargos com que o tributou, incentivando ainda por outras formas o seu progresso e valorização, ou então muito em breve terá de substituí-lo conformando-se com as inerentes despesas que o facto comporta, ao mesmo tempo que abre mão das disposições constitucionais que o regulam.
Há, pois, que rever e de modo urgente a situação tributária com que se pretende onerar uma actividade que tem jus a ser observada a novo ângulo.
Daqui se dirige aos Srs. Ministros das Finanças e das Comunicações o apelo instante de considerarem a revisão deste problema do maior alcance, para que o ensino livre continue a desempenhar a sua nobilitante missão!
Insistimos: a educação não pode ser um monopólio do Estado. A este compete uma acção de controle e de orientação, mas não pode relegar pela sua ética e ideário, pelo respeito que lhe merece a liberdade de educação e de ensino, o direito que à família e ao indivíduo é reconhecido de poderem escolher a escola e a modalidade de ensino que desejem.
É lamentável que se confunda uma actividade de educação com uma indústria, como a hoteleira, com a agravante de em certos casos, o Estado reconhecer a esta isenções e protecção que àquela recusa!
Srs. Deputados: o prolongamento obrigatório da escolaridade ou o seu alargamento criam ao Estado problemas de ordem financeira e de natureza qualitativa e quantitativa que por si só não solucionará, mesmo que tal fosse a sua função específica.
Largos espaços abertos, sobretudo em certas zonas rurais do País, reclamam a presença de estabelecimentos

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de ensino médio, para valorização dos elementos da comunidade local.
Se a extensão da escolaridade obrigatória se fizer pela via secundaria, deverá o Estado, depois de livre dos encargos agora votados à defesa da Nação, estimular a criação de escolas de ensino livre nessas regiões, e só na medida em que elas faltem é que lhe competirá suprir. No continente, urge preencher com esse grau de ensino 62 sedes concelhias.
O alargamento da escolaridade poderia fazer-se ao nível parietário, no pagamento das propinas, conforme as possibilidades do núcleo familiar do educando, como atrás apontámos, ou então poderia assentar nos casos abrangidos pula. previdência, no seguinte esquema:
A reserva, de 2 por cento dos salários e vencimentos de trabalhadores e empregados; competindo 1 por cento dos mesmos à entidade patronal. Tal esquema deveria permitir, em local servido por transporte do Estado, que se encarregaria do transporte dos alunos, a possibilidade do alargamento da escolaridade a todas as crianças abrangidas pelas condições do anterior esquema.
Mas como este alargamento da escolaridade escapariam «as crianças pobres que se situassem fora do esquema proposto, as escolas do ensino privado teriam de reservar, em cada ano. 5 por cento da sua lotação, para essas crianças, às quais as aludidas escolas ministrariam ensino gratuito.
Outra opção se poderia adoptar: o Estado, numa primeira fase, estabeleceria apenas o ciclo unificado, gratuito, servindo-se para o efeito das instalações do ensino livre, em regime contratual. Só posteriormente o tornaria obrigatório.
No que concerne aos valores nacionais, essas reservas promissoras que pelo azar da sorte andam arredadas do préstimo, que torna maiores e mais dilatadas as pátrias, a- esses destinariam os estabelecimentos escolares 10 por cento dos lugares da sua máxima lotação, pagando o Estado em igual regime de comparticipação a sua educação integral.
Mas, dado que o ensino agrícola, normal, médio, médio artístico e superior é aspiração dos meios rurais e de sedes de província, onde «is famílias não podem, por escassez de meios, enviar os filhos para- as raras cidades que possuem essas modalidades de ensino, deve o ensino particular ser autorizado a criar escolas desse tipo, com o que se valorizariam esses meios é os seus naturais.
Os dados estatísticos de 1960-1961 ofereciam, no ensino infantil, uma população de 6528 alunos, coberta exclusivamente pelo ensino privado, enquanto no liceal, para 46060 alunos do ensino oficial, oferecia o ensino particular o número de 65 761.
No decénio que vai no ano lectivo de 1952-1953 ao de 1962-1963, a rede de internatos e externatos passou respectivamente de 50 e 41 para 52 e 70.
Por outro lado, no mesmo período, as novas construções erguidas pelo ensino privado foram da seguinte ordem: 28 citadinas u 68 concelhias. Entretanto, o número de diplomas concedidos nesse decénio passou de 372 para 4556.
Isto nos diz do desenvolvimento e esforço que se vem. operando no sector do ensino particular.
Ao Estado cumpre, pois, por todas as vias ao seu alcance, promover e incentivar o seu progresso.
Indispensável se faz tornar extensivo ao ensino superior o ensino livre. Este apenas ensaia os seus passos, nesse grau de ensino através da criação dos institutos do serviço social, de ião comprovada proficiência.
Dentro em breve virá a universidade católica; outras se hão-de seguir.
A nossa juventude precisa de zelo, de compreensão, de afecto.
E imperioso que saibamos recrutar o escol de dirigentes que a hão-de servir, orientando-a, na doutrina como na acção.
Ela carece de doutrinação, e esta tem de realizar-se na escola - razão das - nossas mais acrisoladas esperanças! - e fora dela.
Aqui ressalta o papel de relevância que fica reservado à Mocidade Portuguesa, depois de revista a sua estrutura; adoptada nova metodologia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas esta organização não pode ser obrigatória para uns tantos, mas sim obra e missão de todos os jovens, de quem há-de ganhar o espírito, como o coração.
Há nos momentos de grande fervor patriótico, como os de hoje, e que a nossa juventude sente como ninguém, que se situam as vias mais propiciadoras à estruturação de uma reforma que de caminho e vida aos sentimentos de nobreza, generosidade e patriotismo.
Assim, ou agora se estrutura essa reforma, ou, por aneilosamento da nossa inteligência e sensibilidade, deixamos perder a mais flagrante e preciosa oportunidade que nos é dada.
Com notável esclarecimento, acerto e tenacidade o vem reconhecendo o actual Ministro da Educação Nacional, que, através das suas lúcidas e oportuníssimas declarações, vem desenhando o campo operacional em que se irá travar a batalha da educação.
É o que se verifica através das doutas palavras do Prof. Doutor Galvão Teles no seu discurso de 7 de Maio de 1963. como da declaração feita ao País em 26 de Julho do mesmo ano
Prosseguindo nessa orientação, afirmou muito recentemente o distinto professor:
E dever de todos aqueles que têm responsabilidades educacionais procurarem tornar os homens cada vez melhores, mais esclarecidos, mais profundos, mais aptos a bem realizarem o seu destino. Trabalhemos sem descanso por esse alto ideal, porque receberemos a melhor paga a que podemos aspirar, a de termos feito alguma coisa de bom e de útil pelo nosso país.
Temos ardente fé na obra que há-de resultar do incansável labor do Sr. Ministro da Educação Nacional! Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Elísio Pimenta: - Sr. Presidente:, esta simples e desvaliosa intervenção no aviso prévio sobre educação nada mais é do que a experiência vivida de um pai que sente na alma e no corpo as angústias e as dores do caminhar apressado dos muitos filhos que Deus lhe deu para um futuro de inquietantes incertezas. Não trago nada de novo, nada que se não saiba ou se não tenha dito, e peço desculpa aos ilustres Deputados avisantes, a quem presto as minhas homenagens pelo valor o oportunidade da sua iniciativa, pelo conhecimento profundo que mostraram do assunto, ou dos assuntos versados, e pelo brilho das suas exposições, se porventura, como vai acontecer, as minhas palavras não trouxerem qualquer contributo para os objectivos do aviso.

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Educar é formar homens. Etimològicameute, fazer sair, tirar de alguma coisa o que nela existe para a conduzir à condição final, transformar a criança, cheia de admiráveis potencialidades, em homens na plenitude de uma existência transcendente, corpo e alma.
O homem, certo ou não do seu destino eterno, extra-terreno, anseia por projectar-se no futuro, transmitindo aos que se lhe seguem as suas concepções próprias da vida.
O homem educa, forma à sua imagem é semelhança os que dele saem, física ou espiritualmente, para sobreviver. Ele é já a projecção, numa cadeia sem fim, dos que o antecederam.
E, naturalmente, um educador. Consciente ou inconsciente, bom ou mau educador, construindo o homem futuro ou destruindo-o, procura transmitir aos outros o que é ou pretende ser.
Primeiro educador, na realidade natural da família, célula social, pelo convívio que gera a imitação, pelo exemplo que forma caracteres, pela presença próxima ou distante, apoio firme, de todas as horas e até ao fim da vida, da oiúança e do adolescente, feito homem pela sua própria liberdade.
A educação pertence, antes e acima de tudo, à família, e a criança será fundamentalmente o que for a família.
A delinquência infantil e juvenil, por exemplo, é tanto maior quanto a instabilidade da família, provocada pelo divórcio ou pela dissociação dos cônjuges, e verifica-se com aspectos mais graves precisamente nos países que, pelo seu alto nível de vida material e pelas concepções de vida que dele resultam, sacrificam os direitos dos filhos ao egoísmo dos pais, em nome da liberdade dos mais fortes.
Não resisto a ler as palavras de Pio XII, de saudosa memória, dirigidas, em 5 de Agosto de 1951, ao IV Congresso Interamericano de Educação Católica, porque elas definem toda a problemática da educação da criança.
Dizia o grande pontífice:

É necessário educar a criança e educar bem. Educação física para fortificar o corpo, educação intelectual que desenvolva e enriqueça os recursos do espírito, educação moral e religiosa que ilumine e guie a inteligência, que forme e fortifique a vontade, discipline e santifique os costumes.
Sim, educar a criança e educá-la bem. Fortificar o corpo, desenvolver e enriquecer os recursos do espírito, iluminar e guiar a inteligência, formar a vontade, disciplinar os costumes, que admirável síntese do que seja educar, educar bem!
Sr. Presidente: a educação pertence à família, antes e acima de tudo. Mas a família, por seu lado, não dispõe de todos os meios que no seu complexo conjunto permitam a formação de homens, no verdadeiro sentido da palavra. Homens feitos de corpo são, inteligência iluminada, vontade disciplinada, liberdade esclarecida.
Começa aqui a missão da Igreja e a do Estado, este complementar e supletivo, terreno em que a família não possa ou não seja capaz de actuar.
Lá está a Constituição Portuguesa, no artigo 42.º, a dizer que a educação e a instrução são obrigatórias e pertencem à família e aos estabelecimentos oficiais e particulares em cooperarão com ela.
Lá está, no §, 3.º. que. o ensino ministrado pelo Estado visa, além do revigoramento físico e do aperfeiçoamento das faculdades intelectuais, à formação cio carácter, do valor profissional e do todas as virtudes morais e cívicas, orientadas aquelas pelos princípios da doutrina e da moral cristã, tradicional do País.

Parece-nos agora legítimo, Sr. Presidente, perguntar se o Estado terá organizado o ensino, que a Constituição lhe impõe, por forma a conseguir atingir os objectivos de fazer homens fisicamente fortes, dotados de carácter, profissionalmente aptos a exercer as funções que o desenvolvimento moral e económico da comunidade portuguesa exigem, de homens úteis, crentes no destino histórico da Pátria.
Julgo que um dos objectivos principais do presente aviso prévio será respondei- a essa pergunta.
Por mim, e muito embora me pese, tenho dúvidas em o afirmar, pelo menos na medida em que se não atingiu ainda na educação nacional o nível quantitativo e qualitativo capaz de garantir, num mundo cheio de exigências cada vez mais prementes, as necessidades emergentes do indispensável a urgente desenvolvimento do País. na metrópole e 710 ultramar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Este facto é acentuado com frequência pelos responsáveis e constitui objecto de críticas e solicitações feitas nesta Assembleia.
Num regime do escolaridade obrigatória forçoso é, na verdade, reconhecer, como neste debate se tem suficientemente demonstrado, e constitui uma preocupação afim do próprio Governo, da insuficiência do ensino primário, que, abrangendo, muito embora, praticamente, a totalidade da população em idade escolar, garante apenas uma alfabetização estatística.
Repare-se que a limitação da escolaridade obrigatória a quatro anos, e mesmo assim desde há pouco tempo, só é acompanhada por outro país europeu, a Bulgária. A Espanha e a Grécia, por exemplo, vão nos seis anos e a generalidade dos restantes países anda pelos oito anos.
O regresso a um estado de quase analfabetismo, provocado pela limitação a quatro anos do ensino primário obrigatório, sobretudo nos meios rurais, é um facto positivo que se verifica com alguma frequência em jovens chamados a prestar serviço militar, que, tendo abandonado a escola primária aos 12 ou 13 anos, pouco ou nenhum contacto voltaram a ter com as letras ou com os números até aos 19 ou 20 anos.
No ensino secundário, o panorama da formação cultural da juventude apresenta sombras, algumas delas bem escuras, que se não compreende por que ainda persistem.
O liceu, por exemplo, abre as portas à função pública ou particular, hoje muito exigentes, e daí o extraordinário afluxo que se verifica, e dá acesso ao ensino, superior. E nele que se adquire a cultura geral que desenvolve a inteligência, fortalece a vontade, valoriza o jovem para o destino futuro.
A ânsia de obter um diploma, que surgiu quase repentinamente e se processa em ritmo acelerado, nem sempre serve aqueles objectivos.
Má preparação, ensino ministrado por quem nem sempre está apto a fazê-lo, turmas com número excessivo de alunos, contacto do mestre com a classe, e não com o jovem, e a consequente selecção do limitado número dos muito bons ou o abandono de todos os outros, apreciação Ao valor e do aproveitamento de cada um através de pontos escritos, enumero, aliás, reduzido, por vezes só um por período.
Insuficiência do ensino, negação da educação.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Mas pode também perguntar-se: se o liceu serve para ministrar uma cultura geral, para que sobrecarregar o ensino de muitas disciplinas com noções e descrições pormenorizadas até ao infinito, sem nenhum interesse que sirva uma- cultura dessa natureza, que antes teria melhor aplicação num ensino de especialização?
Para quê as exigências exageradas da memória, não a sua educação, e o desprezo da inteligência?
Porquê o abandono quase total da formação humanista pequena importância dada ao estudo da língua e da literatura pátrias, a diluição da história de Portugal na vastidão da história universal, a ausência de interesse pela filosofia do Estado, limitada à esquematização enfadonha daquilo que se chama Organização Política e Administrativa da Nação, disciplina considerada sem importância no 8.º ciclo?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A história pátria! Em Portugal, e isso acontece aliás em todos os países, o ensino da história pátria deveria ocupar um lugar de primeiro plano, desde as noções elementares, com um fundo lendário e tradicional, capaz de introduzir no cérebro dos pequenos seres em desenvolvimento o conhecimento da formação prodigiosa de um povo de limitado território e diminuta população que se espalhou pelo Mundo, que descobriu o Mundo, até, mais tarde, ao estudo crítico do que fomos, e por que o fomos, para que tudo cimentado com o que somos hoje -e diga-o a juventude combatente- construa conscientemente o país do futuro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E cabe aqui perguntar também, Sr. Presidente, sobretudo depois de falar da história pátria e da filosofia do Estado, se este terá ligado a necessária importância à formação e selecção dos educadores dos nossos filhos, exigindo deles uma lealdade que não atraiçoe os supremos objectivos da educação, que não poderá ser boa se, não for eminentemente nacional, como dizia Garrett, há mais de cem anos, Garrett, durante dois anos chefe de repartição do ensino público no Ministério dos Negócios do Reino, nas suas «cartas dirigidas a uma senhora ilustre encarregada da instrução de uma jovem princesa».
E a educação física?
Outra lacuna grave se poderia apontar no que respeita à educação física, que não se pratica no ensino primário, é insuficiente e mal orientada no degrau imediato, não existe no superior.
E se não fora a Mocidade Portuguesa e os centros universitários, embora um actividades gimno desportivas limitadas no número de modalidades e na frequência, o panorama- apresentar-se-ia bem pior.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Quer dizer que o panorama estaria muito melhor se à Mocidade Portuguesa fossem concedidos os meios materiais para desenvolver a sua acção no campo da educação física.

O Orador: - Estou de acordo!

Q Sr. Gonçalves Rodrigues: - Há tantos anos que as autoridades da Mocidade Portuguesa se esgotam a fazer pedidos, a elaborar relatórios, estudos e programas, obrigadas a eternamente mendigarem junto de todos os Ministérios. e continuam vinculadas à miséria de uma verba, que é inferior à da Casa Pia de Lisboa.

O Orador: - Desejaria terminar esta parte das minhas considerações com palavras bem autorizadas, proferidas em 1956 pelo Sr. Professor Inocêncio Galvão Teles, a propósito do ensino universitário.
Dizia o actual e ilustre Ministro da Educação Nacional:

O ensino tem de ser aligeirado de muita sobrecarga inútil, de muita teorização puramente livresca, para se identificar quanto possível com a vida, pondo os alunos em contacto com as realidades da profissão ou profissões a que só destinam, preparando-os do modo mais directo e idóneo para o exercício das profissões.

E também:

Em cada Faculdade ou escola devem ser cultivados os ministrados, além dos necessários saberes tecnológicos, todos aqueles conhecimentos que concorram para temperar e corrigir as deformações que os primeiros são susceptíveis de causar no espírito dos estudantes e. de uma maneira geral, para imprimir a estes uma sólida formação espiritual, capaz de lhes permitir triunfar na vida e espalhar em torno de sua benéfica influência.
Sr. Presidente: creio que foi à luz destas ideias que se criou a Faculdade de Letras do Porto, apenas, por enquanto, com a sua única secção de Ciências Histórico-Filosóficas e o curso de Ciências Pedagógicas. À Universidade, predominantemente técnica, faltava um elemento essencial para fazer dela um complexo de cultura geral e universal, e não apenas de cultura especializada, através das suas cinco Faculdades, sem aptidão específica para o ensino das humanidades.
Ela é hoje, felizmente e nesse sentido, uma verdadeira Universidade, a que faltam, todavia, meios humanos e materiais que lhe permitam cumprir integralmente a sua superior missão de formar homens.
A nova e acuidade iniciou a sua vida, já promissora no ano lectivo de 1962-1963, com 476 alunos, dos quais 183 em História e Filosofia, e inscreveram-se no corrente ano lectivo 502 alunos, 254 dos quais naquela sua única secção.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Que outras secções de V. Ex.ª para a Faculdade de Letras do Porto?

O Orador: - Posso responder indirectamente. Creio que no Porto há necessidade urgente de que sejam criadas secções de Filologia.

O Sr. Olivio de Carvalho: - A Filologia Românica, por exemplo, porque há cerca de 60 professores com essa licenciatura a ensinarem nos liceus.

O Orador: - Estou convencido de que o Governo vai resolver o problema, e resta esperar da sua compreensão que a Faculdade se complete com a criação no mais curto prazo de novas secções, que se justificam pelas necessidades do ensino, pela possibilidade de levar esse ensino a grande número de jovens sem recursos económicos para saírem do meio em que vivem e mesmo pelas provas dadas pelo seu corpo docente, cujo preenchimento tantas vezes serviu de argumento para se demorar a criação da Faculdade.

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Dizia o Sr. Prof. Leite Pinto, grande obreiro da criação da nova Faculdade com o antigo e insigne reitor da Universidade do Porto Sr. Prof. Amândio Tavares -e não quero esquecer as intervenções nesta Assembleia do nosso colega Dr. Urgel Horta, por cujas melhoras faço votos -, dizia o Sr. Prof. Leite Pinto, depois de elaborar o projecto do decreto-lei respectivo, que não chegou a assinar, que o Porto nunca estava satisfeito e que depois da Faculdade de Letras com uma secção haveria, de pedir novas secções, e depois ainda uma Faculdade de Direito ...
Respondi a essa acusação, que não era original, e por que não, por que não? Por que não, se isso interessar ao desenvolvimento e prestígio da educação nacional, à cultura nacional e ao País?
Pois atrevo-me a sugerir, por agora, uma coisa muito mais simples e que talvez nem traga encargos financeiros à Nação, a criação na Faculdade de Letras do Porto de dois cursos, de características diversas, é certo, mas que já tarda em serem criados em Portugal: um, o curso de jornalismo, cuja utilidade ninguém seriamente poderá contestar, e um curso de documentalismo, essa nova ciência que as realidades do desenvolvimento económico do País e a integração de muitas empresas e serviços do Estado nas técnicas modernas obriga a ir buscar a diplomados estrangeiros, como está a acontecer.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Dada a proliferação de cursos nos diversos departamentos do Estado, é natural que o curso de jornalismo venha a ser criado pela Presidência do Conselho e que o curso de documentalismo venha a ser fundado pelo Ministério da Economia.

O Orador: - V. Ex.ª veio ao encontro das ideias há pouco expostas em aparte à intervenção do Sr. Deputado Sales Loureiro. Mas é precisamente ao Ministério da Educação Nacional que eu peço a criação destes dois cursos, que pouca despesa devem dar e que até talvez possam ser subsidiados por qualquer instituição particular ou por algum mecenas que apareça...

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Estamos em vésperas de termos, não um, mas três cursos de jornalismo.

O Orador: - Eu sei. Um deles no Ministério das Corporações, mas eu peço-o ao Ministério da Educação Nacional.

Sr. Presidente: outro ponto desejaria tratar, embora muito rapidamente, que me parece de bastante interesse. E digo rapidamente, não só por razões de tempo, mas também porque haverá lugar a tratá-lo mais desenvolvidamente ao discutir-se o aviso prévio sobre turismo, no qual tem cabimento.
O problema está no âmbito deste aviso prévio. Tudo quanto respeita à educação, seja ela entendida no sentido da formação da criança ou do jovem, seja no da melhoria do nível cívico e cultural do povo português, constitui preocupação de todos nós, Deputados, e vejo-o aflorado no enunciado do aviso.
Já aqui foi referida com louvor, louvor a que me associo muito gostosamente, a obra realizada pelo Ministro Veiga de Macedo, hoje nosso muito ilustre colega, quando Subsecretário de Estado da Educação Nacional.
O plano de educação popular deve-se essencialmente à sua pessoa. Procurou esse plano levar toda a população em idade escolar à frequência do ensino primário, considerado por lei como obrigatório: procurou mais fazer a recuperação para o alfabetismo dos indivíduos que não haviam recebido a tempo os seus benefícios e suportavam todos os inconvenientes de um triste estigma, que atingia o próprio País e pretendeu ainda, através; .do teatro, da rádio, do cinema, da imprensa, do livro, a divulgação daqueles conhecimentos indispensáveis à, formação cívica do povo, as noções de moral e de educação, de higiene e profilaxia, de previdência social e segurança no trabalho, de literatura a arte, de educação familiar e economia doméstica, do história e geografia, de doutrinação política e corporativa e de noções sobre o lugar superior de Portugal na história da humanidade.
Pois esse meritório plano de educação popular, sobretudo nos seus últimos objectivos, há que ser seguido, continuado, se queremos, como se torna indispensável, o aumento do nível cívico do povo português, ainda hoje dominado pela ausência de práticas e conhecimentos essenciais à vida social e, portanto, em circunstâncias de se ver afastado dos benefícios de que é causa essa ignorância.
Vou mais longe, pois julgo necessário que, aproveitando-se a experiência já feita, o Governo estude e ponha em execução um plano de fomento da educação popular que abranja todo o País e impulsione um movimento irreversível capaz de dar a todos os portugueses que deles careçam o indispensável nível cívico e cultural.
Recordo apenas, como exemplo, que foi possível em curto prazo obter resultados francamente satisfatórios com a campanha contra essa vergonha nacional do pé descalço executada num dos distritos do País apenas porque se foi persuasivo e persistente e se usou de energia.
Acabe-se com essas nódoas que nos prejudicam no conceito internacional e que mais que um índice de nível de vida são produto de maus hábitos, que não será difícil modificar, assim se queira.
Por que não actuar vigorosamente contra tudo quanto perverte o gosto pelas coisas belas do nosso povo na simplicidade das suas manifestações?
Oriente-se o folclore, fiscalize-se a rádio, sobretudo essa espécie de rádio publicitária, de inconcebível mau gosto, tão perniciosa como essa outra praga dos tempos modernos, em liberdade incondicional no nosso país, e que são os altifalantes; afaste-se do cinema e da televisão as fitas de crimes, em que a brutalidade da polícia emparceira com a dos criminosos, e que são talvez o espelho da vida do país que as produz; proceda-se à repressão da venda das tristemente conhecidas histórias de quadradinhos, com super-homens e mau português; deite-se ao Tejo a pornografia que se estadeia nos escaparates das tabacarias.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Eduque-se o povo e defenda-se a juventude.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - V. Ex.ª dá-me licença? O Orador: - Faz favor.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - A respeito da literatura do género que V. Ex.ª acaba de referir não há legislação aplicável?
Parece que compete ao Ministério do Interior, através da Polícia de Segurança Pública, uma vez que ainda não há polícia, de costumes, dar garantias sobre esse aspecto para- que as crianças à saída das escolas não vão encontrar o antídoto da formação moral que nelas se espera que recebam.

O Orador: - Já em tempos tive oportunidade, numa intervenção que aqui fiz. de chamar a atenção para esse assunto, mas o Dr. Cortês Pinto disse que não tinha respon-

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Habilidade nesse, aspecto nem competência para o resolver. A resolução do problema compete a todos, alfândega, correios, etc.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Na Inglaterra não pode passar através da sua rede de transportes, nem através dos correios, literatura obscena.
O Orador: - Sr. Presidente: nau quero terminar sem palavras da optimismo. O Governo mostra-se atento aos problemas da educação. Medidas tomadas pelo Ministério da Educação Nacional, a elaboração do Estatuto da Educação Nacional e a criação da televisão educativa outra coisa não querem significar, até porque nem tudo que se mostra errado, defeituoso ou que falta fazer depende de recursos financeiros.
O País toma consciência de que num inundo em plena transformação não é lícito ficar-se indiferente perante tarefas pesadas, como as da formação de homens, decisivas para o futuro da Nação.
E sobretudo, Sr. Presidente, porque essa admirável juventude, os nossos filhos, educada, como foi, com todas essas carências e deficiências apontadas, e criticadas, mostra-se neste momento decisivo para a vida e o prestígio da Pátria à altura do seu dever de portugueses, sofrendo e dando a vida por uma causa que desde há séculos formou e engrandeceu Portugal.
Há, pois, que ter confiança.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Gonçalves de Faria: - Sr. Presidente: ao subir pela primeira vez a esta tribuna não posso deixar de começar por cumprir o indeclinável dever de apresentar a V. Ex.ª os meus cumprimentos mais respeitosos e ao mesmo tempo, protestar-lhe a minha admiração muito sincera.
Sr. Presidente: assiste-se no País a um cada vez maior interesse colectivo pelos problemas do ensino. E ainda bem que assim é porque esse interesse revela um estado de espírito generalizado que não deixará de ser extremamente útil para a apreciação das inúmeras e por vezes complexas questões ligadas à instrução, à educação e à cultura o para o debate amplo e franco que lhes há-de dar a solução mais consentânea.
Hoje em dia. já ninguém ignora- que a mais importante tarefa do presente, porque dela depende o futuro da Nação, consiste, iniludivelmente. na valorização intelectual e moral da sua juventude. Só por esta valorização será possível constituir as elites dirigentes e os elementos executores de que o País tanto necessita para o seu progresso e engrandecimento.
Perante a evolução rápida que se tem verificado no panorama económico nacional e perante as perspectivas de desenvolvimento que se antevêem, é natural a nossa ansiedade e preocupação perante o atraso notório da massa da população em relação a certos aspectos da cultura ligados com as necessidades da vida de hoje, e ao qual se deve a falta reconhecida tanto de dirigentes como de trabalhadores devidamente formados, com um nível de cultura adequado à sua profissão e convenientemente preparados para as grandes tarefas nacionais em realização e em projecto.
Ao reflectir-se esta situação, ser-se-á forçado a pensar que a escola não cumpre porque não fornece ao País diplomados em número suficiente para as necessidades
actuais, quer da metrópole, quer do ultramar. Este é o problema mais grave que a premência do crescimento nacional põe à consideração do Governo e para o qual se torna imperioso e urgente encontrar solução.
O presente aviso prévio foi, pois, oportuno e o seu debate, confrontando pontos de vista e experiências, não deixará de contei- elementos de interesse e de valor para a solução desejada. Os seus autores são, por isso, dignos da mais calorosa homenagem.
Sr. Presidente: pode afirmar-se, felizmente, que está vencida a luta contra o analfabetismo em Portugal.
A obrigatoriedade da instrução primária e as bem sucedidas campanhas de educação de adultos conseguiram reduzir para limites razoáveis o baixo índice de analfabetismo que tanto nos inferiorizava em relação a outros povos continentais.
Hoje, praticamente, quase todas as crianças portuguesas da metrópole e das ilhas adjacentes frequentam a escola primária, o que, se representa um nítido, salutar e desejável progresso em relação à situação anterior a 1950, está longe, contudo, de satisfazer as exigências da vida moderna. Saber ler, escrever e contar, que ainda há poucos anos se impunha bastar à maioria das pessoas, já não é suficiente para a generalidade dos trabalhadores, até mesmo- para aqueles que executam misteres inferiores, como os trabalhadores do campo ou os trabalhadores não diferenciados da indústria ou do comércio.
Quer dizer: o nível de cultura de base ministrado na nossa escola primária é nitidamente insuficiente para alguém afrontar e participar na vida de uma sociedade moderna, porque já não está de harmonia com as necessidades actuais e prementes dos diferentes sectores económicos, que exigem cada vez mais conhecimentos e maior capacidade mental Tia sua satisfação.
Acresce mesmo que a idade dos alunos não permite a aquisição de certos conhecimentos nem dos hábitos intelectuais apropriados aos tempos que correm. E não se vê como resolver esta dificuldade se não for proporcionado ao maior número possível de adolescentes de ambos os seixos o acesso u um curso secundário, técnico ou liceal até à idade em que deve principiar o exercício da profissão, ou seja mais ou menos até aos 16 ou 18 anos.
A estatística diz-nos que dos alunos que terminaram a 4.ª classe no ano escolar de 1960-1961 apenas 2/5,8 por cento foram admitidos no ensino secundário, sendo 12,7 por cento no ensino liceal e 13,1 por cento no técnico.
Esta percentagem é manifestamente baixa e não pode deixar de se reflectir na frequência do ensino médio e superior. Há que reconhecer, contudo, um notável incremento na frequência do ensino secundário, verificado no País nos últimos dez anos, em progressão mais acentuada a partir de 1955, especialmente no ensino técnico. Mas o número de alunos que presentemente têm acesso ao ensino secundário é, ainda, muito reduzido.
O problema é altamente inquietante, porque, não se aumentando os efectivos escolares secundários, ficam seriamente comprometidos os acessos ao ensino médio e superior. Quanto ao ensino médio, a situação é esta: em média, não atinge 5 por cento o número de indivíduos com curso secundário profissional que chega a tirar um curso médio.
Esta baixa percentagem explica, por exemplo, a falta agudíssima de indivíduos com curso médio industrial, que tornam desertos muitos concursos de preenchimento de vagas em muitos organismos oficiais.
Quanto ao ensino superior, direi apenas que o número de indivíduos que terminaram o curso nas Faculdades de Ciências e nas escolas de carácter técnico engenharia,

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agronomia, veterinária, economia, medicina a farmácia) em 1960-39(51 sofreu uma redução de cerca de 1 por cento em relação ao ano de 1950-1951. Se se atender ao aumento de população verificado no decénio 1950-1951, conclui-se que o número de formados nas referidas Faculdades e escolas em relação à população decresceu de, cerca de 10 por cento.
É obvio que esta situação está a ocasionar uma carência de técnicos tanto de curso médio como superior, com sérias implicações no desenvolvimento industrial, quer da metrópole, quer do ultramar.
Como li algures, «a carência de técnicos para satisfazer as necessidades crescentes da industrialização em marcha no País cria já hoje numerosas dificuldades; dentro de algum tempo criará impossibilidades». E é pura verdade.
Melhor se compreenderá esta afirmação se disser que. enquanto na generalidade dos países europeus o número de técnicos médios é maior que o dos técnicos superiores, em Portugal é cerca de metade.
Com efeito, em 1961 a relação entre o número de agentes técnicos e o número de engenheiros foi de 0,54.
Creio, Sr. Presidente, que o que fica dito é suficientemente demonstrativo da necessidade de aumentar substancialmente os efectivos escolares em todos os graus e em todos os ramos de ensino, através da revisão da actual estrutura dos cursos, dos métodos de ensino e do regime de prestação de serviço do próprio corpo docente.
Trata-se, em suma, de uma reforma de fundo de todo o nosso sistema escolar para que forçosamente se há-de tender, embora sem aquela celeridade que a importância do problema impõe, por falta de escolas, de professores e mesmo dos meios financeiros avultadíssimos que tal medida exigiria.
Mas alguma coisa se pode fazer desde já, como seja assegurar o acesso ao ensino secundário do maior número possível de crianças que concluíram a instrução primária.
Apreciando a distribuição dos candidatos aos exames de admissão aos ensinos liceal e técnico, segundo os concelhos, verifica-se que, enquanto os concelhos urbanos e industrializados apresentam percentagens superiores a 30 por cento, nos concelhos rurais essas percentagens raramente excedem os 10 por cento. E concelhos há, como o concelho onde resido, por exemplo, em que sómente 5 por cento dos alunos saídos da instrução primária concorrem ao ensino secundário.
São diversos os factores que explicam a baixa frequência dos alunos no ensino secundário nos meios rurais: a falta de interesse de muitas famílias, as deficiências económicas de muitos agregados familiares e, em muitos casos, as distâncias a que se encontram as escolas e a ausência de meios de comunicação.
Ora, Sr. Presidente, e pensando unicamente nos meios rurais, o Estado não pode, por si só, assegurar o ensino secundário nesses meios. Não pode, por razões de ordem económica e técnica, insuperáveis no presente momento, nem o devia fazer, porque tal procedimento equivaleria ao monopólio do ensino por parte do Estado, o que nós repelimos, como contrário aos interesses do indivíduo, da família, das corporações livres e da Igreja, oficialmente reconhecida e tutelada.
Sendo assim, não vejo como seja possível resolver o problema do ensino nas vilas, aldeias e povoações longe dos centros oficiais de instrução senão através da difusão do ensino particular e do seu alargamento a novas modalidades, entre as quais sobressai, pela importância que pode representar para os meios rurais, o ensino agrícola, elementar e médio.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Ao compulsar a mais recente estatística da educação, que é relativa- ao ano lectivo de 1960-1961, surpreendeu-me o elevado número de alunos matriculados, nesse ano, no ensino liceal particular em relação ao ensino oficial. Com efeito, encontramos 65 761 alunos matriculados no ensino particular contra 46 060 no ensino oficial.
Quer dizer: os estabelecimentos do ensino particular ministraram a instrução a cerca de 59 por cento dos alunos que frequentaram o ensino secundário liceal. Por outro lado, dos 30 540 alunos que concluíram o curso, no continente e ilhas. 19 209, ou seja cerca de 63 por cento, pertenciam ao ensino particular.
Mas se é notável o contributo do ensino particular no problema educacional metropolitano no ramo liceal, já não se pode dizer o mesmo quanto ao ensino técnico profissional.
Enquanto no ensino secundário havia no ano de 1960-1961 342 estabelecimentos de ensino particular e 43 de ensino oficial, no ensino técnico profissional havia sòmente 59 estabelecimentos particulares contra 238 oficiais.
O número de estabelecimentos de ensino particular é, como se vê, diminuto e restrito apenas ao ensino comercial e industrial e, em número mais reduzido, à, enfermagem.
O ensino agrícola pertence totalmente ao Estado. E é de lamentar que assim seja, porque a lavoura só poderá vencer a crise que tão agudamente a atinge se dispuser de técnicos qualificados e em número suficiente às suas necessidades.
Quer-me parecer que as causas impeditivas da difusão do ensino técnico particular residem nos maiores encargos que exige a construção de oficinas e o seu apetrechamento e a menor capacidade financeira das famílias dos alunos que, em geral, o frequentam.
O ensino particular, Sr. Presidente, não deve ser suprimido nem menosprezado. Além do volume da população escolar que dele depende, os colégios particulares, pela sua dispersão geográfica e localização em meios onde não há liceus nem escolas técnicas, oferecem, em muitos casos, a única possibilidade prática de acesso à cultura para os filhos de muitas famílias que de outra forma se veriam obrigados a limitar os seus conhecimentos ao nível já hoje insuficiente da instrução primária ou a abandonar as suas terras, o ambiente familiar, para frequentarem nas cidades, por vezes distantes, os estabelecimentos oficiais, principalmente liceus, que só nelas existem.
Importa, pois, que o Estado intensifique a política de decisiva e decidida protecção ao ensino particular, deixando do ver nos colégios meras sociedades comerciais, antes considerando-os como organismos de utilidade pública, como, na verdade, o são e, neste sentido, libertá-los dos vários encargos fiscais que sobre eles pesam, iniquamente, e proporcionar-lhes os meio? adequados que lhes permitam viver com desafogo e cumprir a honrosa missão de preparar para a vida a juventude portuguesa.
Não vejo que seja de condenar a concessão de subsídios aos estabelecimentos particulares que se encontram em condições económicas precárias, tal como se fez em tantos países, como na Bélgica, em Franca, em Espanha, etc. Até na Inglaterra, que não é país católico, as escolas católicas recebem subsídios do Estado nas mesmas condições que as escolas não católicas ou laicas.
E se pensarmos que a grande maioria dos alunos que frequentam nos meios rurais o ensino particular provém de camadas da população económicamente débeis, não se compreende por que hão-de os alunos externos pagar quantias mais elevadas que as dos alunos internos no pagamento de selos de inscrição, propinas de exames, certidões de frequência e cartas de curso.

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Como também não se compreenda que não seja criada uma propina nacional para os alunos pobres e que tivessem revelado no ciclo primário especiais aptidões e vontade de prosseguir no ensino secundário o que ainda não tivesse sido permitido às Casas do Povo conceder bolsas de estudo aos filhos dos lavradores-caseiros e trabalhadores agrícolas, tal como já foi permitido para os filhos dos beneficiários das caixas de previdência.
No aspecto pedagógico, a situação dos estabelecimentos particulares exige. igualmente, a revisão do actual estatuto, de forma a acabar com a discriminação existente entre os alunos internos e externos. Com efeito, enquanto os alunos internos distintos são dispensados de exame final, os alunos externos são sempre obrigados a esse exame, de nada pesando na balança do exame o seu aproveitamento escolar anual.
A dispensa de exame aos alunos internos que apresentassem boa classificação na frequência seria uma medida de justiça para o aluno metódico e trabalhador e não deixaria de constituir um incentivo para os outros alunos.
Sr. Presidente: muito haveria a dizer ainda sobre a inegável importância do ensino particular na resolução do problema educativo da população portuguesa e sobre o imerecido desfavor em que tem vivido.
Parece que se está a caminhar em sentido inverso ao preceituado na Constituição, procurando levar-se de novo para o Estado o exclusivo do ensino e educação. Sei que o listado Português repele, pelo menos em princípio, o monopólio do ensino, pois na Constituição partilha com a família o com os estabelecimentos particulares a instrução e a educação. Na prática, porém, tudo se passa- de uma maneira, diferente, sobrecarregando-se o ensino particular com exigências e encargos que já estão a tornar-se insuportáveis.
O Estado parece não ter em devida conta as dificuldades irremovíveis que poderá causar o encerramento de muitos estabelecimentos de ensino que vivem numa situação económica impossível de manter-se por mais tempo.
Se tal vier a verificar-se, não vejo como o Estado os poderá substituir sem investir importantes verbas que as actuais e conhecidas circunstâncias não permitem de forma alguma.
Conheço o problema, especialmente no meu distrito, o distrito de Aveiro. Nele há apenas um liceu, na sede do distrito, e em contrapartida, dispersos por todos esses concelhos, a maioria rurais, 20 estabelecimentos particulares, lutando muitos deles com as maiores dificuldades, mantendo-se, contudo, em actividade só porque confiam na alta competência do ilustre titular da pasta da Educação Nacional e no interesse que os problemas do ensino e da educação lhe estão a merecer.
Resta-me, Sr. Presidente, para terminar estas minhas breves considerações, exprimir o desejo de que tão importante problema, como é o da educação nacional, possa conhecer, dentro de pouco tempo, a solução mais conveniente que as circunstâncias impõem na valorização real da sociedade portuguesa.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. O debate continuará amanhã sobre a mesma ordem do dia.

Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
Armando Cândido de Medeiros.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Lopes Vasques.
Henrique dos Santos Tenreiro.
James Pinto Bull.
Jorge Augusto Correia.
José Dias de Araújo Correia.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Rogério Vargas Moniz.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Orneias do Rego.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Marques Fernandes.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Fernando António da Veiga Frade.
Jacinto da Silva Medina.
José Guilherme de Melo e Castro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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